35
Ágora. Estudos Clássicos em Debate 17 (2015) 263297 — ISSN: 08745498 Diálogo interior nas Cartas a Lucílio, de Sêneca 1 Inner dialogue in Senecaʹs Letters to Lucilius ALESSANDRO ROLIM DE MOURA 2 (Universidade Federal do Paraná — Brasil) Abstract: This paper discusses the status of inner dialogue in Seneca’s Letters and offers an account of the various “others” participating in this interaction. Keywords: Seneca; epistolography; Stoicism; inner dialogue; meditation; friendship. Introdução As Epistulae morales são uma obra do final da vida de Sêneca, 3 escritas ao que tudo indica entre os anos de 62 e 65, após o afastamento do autor das atividades políticas. 4 As Cartas aparentemente estão organizadas na ordem em que foram escritas (como fica sugerido em diversas passagens, e.g. Ep. 10.1), 5 e são dirigidas a um certo Lucílio, que nos é conhecido apenas através da obra do filósofo: também as Naturales quaestiones eo De prouidentia são dedicadas a uma personagem com o mesmo nome. Nenhuma carta de Lucílio chegou até nós, apesar de Sêneca fazer várias referências ao que ele teria escrito (e.g. 2.1, 3.1, 19.1, 38.1 – hoc inter nos epistularum commercium –, 6 59.1, 102.13, 106.3, etc.), e mesmo citar ou parecer citar palavras das cartas de seu amigo (40.2, 116.2). As Cartas oferecem um retrato convincente de Lucílio, inclusive com dados que aparecem também nas Naturales quaestiones: amigo de Sêneca há bastante tempo (Ep. 49.1), é mais novo que este (26.7, 76.5), embora não muito (35.2); provavelmente natural de Texto recebido em 24.09.2014 e aceite para publicação em 31.10.2014. 1 Agradeço a Matthew Leigh, pelas aulas; ao Prof. Harry Hine, que me enviou seu trabalho sobre os discursos na prosa de Sêneca — HINE (2010) — antes de publicálo, além de ter lido um esboço do meu artigo e feito valiosos comentários. Também fico muito agradecido a Pedro Ipiranga Jr., que organizou o II Simpósio Antigos e Modernos, no qual apresentei uma primeira versão deste texto, e aos pareceristas anônimos de Ágora, por suas sugestões e correções. 2 [email protected]. 3 SCARPAT (1975) 25, n. 1; ABEL (1985) 70910; MAZZOLI (1989) 1851. 4 Ver Ep. 8.12. 5 Ver GRIMAL (1978) 220, MAZZOLI (1989) 1849, 1851. 6 O texto latino das Epistulae morales citado neste trabalho é o da edição de REYNOLDS (1965).

Diálogo interior nas Cartas a Lucílio, de Sêneca / Inner dialogue in

Embed Size (px)

Citation preview

  • gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)263297ISSN:08745498

    DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca 1InnerdialogueinSenecasLetterstoLucilius

    ALESSANDROROLIMDEMOURA2(UniversidadeFederaldoParanBrasil)

    Abstract:ThispaperdiscussesthestatusofinnerdialogueinSenecasLettersandoffersanaccountofthevariousothersparticipatinginthisinteraction.Keywords:Seneca;epistolography;Stoicism;innerdialogue;meditation;friendship.

    Introduo

    AsEpistulaemoralessoumaobradofinaldavidadeSneca,3escritasaoquetudoindicaentreosanosde62e65,apsoafastamentodoautordasatividadespolticas.4AsCartasaparentementeestoorganizadasnaordemem que foram escritas (como fica sugerido em diversas passagens, e.g.Ep.10.1),5 e sodirigidasaum certoLuclio,quenos conhecidoapenasatravsdaobrado filsofo: tambm asNaturales quaestiones eoDeprouidentia so dedicadas a uma personagem com omesmo nome.NenhumacartadeLucliochegouatns,apesardeSnecafazervriasrefernciasaoqueeleteriaescrito(e.g.2.1,3.1,19.1,38.1hocinternosepistularumcommercium,659.1,102.13,106.3,etc.),emesmocitarouparecercitarpalavrasdascartasdeseuamigo(40.2,116.2).AsCartasoferecemumretratoconvincentede Luclio, inclusive com dados que aparecem tambm nas Naturalesquaestiones:amigodeSnecahbastantetempo(Ep.49.1),maisnovoqueeste (26.7, 76.5), embora no muito (35.2); provavelmente natural de

    Textorecebidoem24.09.2014eaceiteparapublicaoem31.10.2014.1AgradeoaMatthewLeigh,pelasaulas;aoProf.HarryHine,quemeenviouseu

    trabalho sobreosdiscursosnaprosadeSnecaHINE (2010)antesdepubliclo,almde ter lidoum esboodomeu artigo e feitovaliosos comentrios.Tambm ficomuitoagradecidoaPedroIpirangaJr.,queorganizouoIISimpsioAntigoseModernos,no qual apresentei uma primeira verso deste texto, e aos pareceristas annimos degora,porsuassugestesecorrees.

    [email protected](1975)25,n.1;ABEL(1985)70910;MAZZOLI(1989)1851.4VerEp.8.12.5VerGRIMAL(1978)220,MAZZOLI(1989)1849,1851.6 O texto latino das Epistulae morales citado neste trabalho o da edio de

    REYNOLDS(1965).

  • 264

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Pompeia (49.1, 70.1), deorigemmodestamas chegou ordem equestre(Ep.19.5,44.2,Nat.4a.praef.15),tendoatuadocomoprocuradorimperialemdiversas regies (Ep. 19.5, 31.9, 45.2, Nat. 4a.praef.1) e se dedicado aosestudos filosficos (Ep.5.1,Nat.4a.praef.14)eproduopotica (Ep.8.10,19.3,24.1921,46.1,79.5,Nat.4a.praef.14).7SeessespormenoresfazempensarqueodestinatriodasEpistulaenouma inveno literria,8no textoele acabapor assumir caractersticasque somaisque adequadas aumaobraquetemcomotraosnotveisumatendnciaaosolilquioeumapreocupaocomoensinamentofilosfico,acomearpelonome:Luciliusdaentender aum s tempoum pequeno Sneca (nosso autor se chamavaLuciusAnnaeus Seneca)9 e a luz da filosofia (Ep. 19.4: Tenebras habere nonpotes;sequeturquocumquefugerismultumpristinaelucis).10UmarelaoentreotemadaobraeosignificadodonomedodestinatriotambmocorrecomoempregodeLiberalis emDe beneficiis, enquanto emDe tranquillitate animi,casomaisprximoaodasEpstolas,ousodeAnnaeusSerenuscomo interlocutor sugereumoutroSneca imbudoda serenidadequematriadodilogo,comoseoautortivesseescolhidopelonomeapessoa(oupersona)aquemdirigirseudiscurso.11

    7ABEL(1981)491,MAZZOLI(1989)1855.8OproblemadaprosopografiadeLuclioedapossvelficcionalidadedaperso

    nagempartedapolmicasobreocarterficcionalougenunodasCartas:verPICHON(1912)2225,MAZZOLI(1989)184650,18535,GRIFFIN(1992)41619,INWOOD(2005)3467,WILSON(2008)[1987]61,n.3.OsestudiososemgeralconcordamqueasEpistulaeforamconcebidasparapublicaoverABEL(1985)709,n.495,quechamaaatenoparaEp.21.3sqq.,mesmoqueoautortenhapromovidoseleo,remanejamentoerevisonocaminhoentreumsupostoconjuntodecartasefetivameneenviadaseacoleoquehojepossumos.bvioqueSnecatinhabempresenteatradiodeepistolografiaemqueprocurava se inserir, em especial a tradio da carta filosfica (Plato, Aristteles,Epicuro).

    9ParaasugestodeumcarterdiminutivoemLucilius (queoperariasegundoumhbridoentreosufixolatinoluseogrego),verKER(2009)153comn.32.NotesequeSnecasedirigeaele,nasNaturalesquaestiones(3.1.1e4a.praef.9),tambmcomoIunior.

    10LEIGH(2007).Cf.Ep.5.7,uthuiusquoquedieilucellumtecumcommunicem,emqueumafalsaetimologiadelucellumcomoprovenientedeluxsugeridapelaproximidadedogenitivodiei.

    11VerCHIAPPETTA(1999)25,DAVIES(2010)458.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca265

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    AsCartasapresentamsedesdeo inciocomouma formadeaconselhamentomoral (aEp.1.4 jcontmoverbopraecipio,prescrevo,recomendo,ensino).AsnumerosasobjeeseperguntasatribudasaLucliopeloprprioSnecacolocamaquelenopapeldepupiloaindaemdvidaquantoimportnciadafilosofia,eestenopapeldeprofessor(e.g.aCarta89umaexposiodosdiversosramosdafilosofia,supostamenteapedidode Luclio). Vrios tpicos especficos de filosofia so apresentados enquanto respostaaumquestionamentododestinatrioe,emdiversasocasiesnodecorrerdasEpistulae,SnecasugerequeLuclioaindanoconseguiuselivrardasocupaesmundanasparaseentregarporinteirobuscadavirtude,objetivodequeo filsofoo lembraconstantemente.Ensinarooutro por vezes assume um papel de to grande destaque, que se tornapraticamenteajustificativadetodoconhecimento(Ep.6.4):

    Mitteinquisetnobisistaquaetamefficaciaexpertuses.Egoueroomniaintecupiotransfundere,etinhocaliquidgaudeodiscere,utdoceam;necmeullaresdelectabit,licetsiteximiaetsalutaris,quammihiunisciturussum.Sicumhacexceptionedetursapientia,utillaminclusamteneamnecenuntiem,reiciam:nulliusbonisinesocioiucundapossessioest.

    Compartilhacomigotudocujaeficciaexperimentastedirstu.Eunodesejooutracoisasenotransmitirtetodaaminhaexperincia:aprenderdmesobretudoprazerporquemetornaaptoaensinar!Enada,pormuitoelevadoeproveitosoqueseja,algumavezmedeleitar se guardar apenas para mim o seu conhecimento. Se a sabedoria s me forconcedida na condio de a guardar paramim, sem a compartilhar, ento rejeitlaei:nenhum bem h cuja posse seja agradvel sem que a compartilhemos com umcompanheiro.12

    Observase que Sneca assume essa postura de autoridade demaneiramais forteno inciodacoleo,masaospoucosvaidandosinaisdequetambmeleestlongedealcanarosumobem.Ofilsofoadmiteque

    12 Todas as tradues das Epistulae so de SEGURADO E CAMPOS (2004), com

    adaptaesminhas.Asoutrastraduessominhas,excetoquandooutroautorindicado.Emalgumaspoucaspassagens,quandoo contextoevidenciao sentido,no forneotraduo.Tambmhumnmerolimitadodecasosemque,porno julgaralnguaoriginalimediatamenterelevanteparaadinmicadaargumentao,forneoapenasotextotraduzido.NotesequeaposturaassumidaporSnecanasCartaspodeserdescrita, com HADOT (1986) 4445, como a de um guia espiritual (spiritual guide,Seelenleiter, gr. kathegemon ou hegemon), papel comum do filsofo nasmais diversasescolasdepensamentodaAntiguidade.

  • 266

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    ainda tem muito a progredir (6.1; ver tambm 7.8, homines dum docentdiscunt,e8.2).OinciodaCarta27crucialnessesentido.OtextoabrecomumafaladeLuclio:

    Tume inquis mones? iam enim te ipse monuisti, iam correxisti? ideo aliorumemendationiuacas?Nonsumtaminprobusutcurationesaegerobeam,sed,tamquamineodemualetudinarioiaceam,decommunitecummaloconloquoretremediacommunico.Sicitaqueme audi tamquammecum loquar; in secretum temeum admitto et te adhibitomecumexigo.

    Quemstuparamedarconselhos?Acasojteaconselhasteatiprprio,jcorrigisteoteucarcter,paratepoderesarmaremdirectordaconscinciaalheia?Objecojusta,atua;eu,contudo,nosoutodescaradoque,doenteeuprprio,meapliqueadarremdioaosoutros!comocompanheirodesanatrioqueeufalocontigodanossacomumenfermidadee tedoupartedosmedicamentosqueuso.Escuta,portanto,asminhaspalavrascomoseestivessesmeouvindo falarcomigomesmo;comoseeutepermitisseoacessoaosmeussegredosediscutissecomigomesmonatuapresena.

    Aissoseseguememdiscursodiretoaspalavrasdeorientaomoralqueo filsofodirigeasimesmo.Nessapassagemseanunciaumaproblemticaquepermeiatodaacoleo:ointerlocutordeSnecanosomenteLuclio,mastambmoprprioSneca,eoquenoincioseapresentacomoensinamentode outrem funciona tambm como introspeco e examedeconscincia. O espao da meditao senecana, porm, como veremosadiante,habitadopordiversosoutros,eoprprioSnecanopermanecesempreomesmo.Ascontradiescomquenosdeparamossomuitas.Emboraalgumasdelassejamcontradiesapenasaparentes,seria foradoimpor ao corpusdasCartasuma interpretaoquedele extrasse absolutacoerncia.precisoatentarparaoqueoautordizemEp.120.1922,sobreasvriasmscaras que vestimos em diferentes circunstncias, e em 104.12,sobreofatodequenosomossempreosmesmosnapassagemdotempo.13As Cartas produzem um efeito de pensamento espontneo, ainda emconstruo.tambmessadinmicaquetentareicaptarnesteensaio.

    13EDWARDS(2008)[1997]989.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca267

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Introspecoedilogo

    AlfonsoTraina14mostraoquantoalinguagemdainterioridadeedasrelaesdosujeitoconsigomesmofortementemarcadaemSneca,tendoproduzidoinclusiveinovaesgramaticaisdenopoucarelevncianahistriadolatim.NotaseporexemploaprefernciadeSnecapelasformasreflexivasdo tipo se ornare emvezdamdiopassiva ornari.Nestao eventoocorrecomosujeitosemqueestenecessariamenteapareacomoiniciadordeuma ao, enquantonaquela se enfatiza a responsabilidadedo agentequesetomaasimesmocomoobjetodaao.Essetraoestilsticofazofilsofoseroprimeiroausaroverbodeprehendo,apanharemflagrante,tpicodalinguagemjurdica,comumacontruoreflexiva,talcomoencontramosemEp.28.9:deprehendas teoportetantequam emendes (antesdacorrecopreciso que te apanhes a ti mesmo em erro). Tambm o acmulo depronomes que retomam o sujeitoda oraodestacase em inmeraspassagens:[sc.deos]habetpacatosetfauentesquisquissibisepropitiauit(Ep.110.1);Tunc beatum esse te iudica cum tibi ex te gaudium omne nascetur (124.24);Suasatiusestmalaquamalienatractare,seexcutere(118.2).15

    Aideiadoexamedeconscincia(Ep.83.2)edaconstanteautocrticaumdestaquedaobrasenecana.16PodeseapontarcomoexemploEp.28.10,emqueofilsofoexortaLuclioa julgarseasimesmoedesdobrarsenospapisdepromotor, juizeadvogadodedefesa(situaosemelhantequeencontramosnoDe ira 3.36).Nisso Sneca tributriodeuma longa tradio,queencontramos jemHerclito,oqual,segundoPlutarco(Moralia1118C),teriadito:,investigueimeamimmesmo(fr. 101 DielsKranz), passando pelo Scrates platnico e suas reflexessobreoprincpiodlficodoconheceteatimesmo.Notese,porexemplo,Fedro229e5230a3,ondeaparecea frase ,17examinonoessascoisas[sc.asalheias],masamimmesmo,recuperadaporSnecacommepriusscrutor,deindehuncmundum(Ep.65.15).Anoode

    14 TRAINA (1974) 923.Devolhemuito das observaes e referncias dos dois

    prximospargrafos.15VertambmFOUCAULT(1984)645.16VerEDWARDS(2008)[1997].17Ed.BURNET(1901).

  • 268

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    que a verdadeira liberdade obtmsepela filosofia e uma liberdade interior(Ep.8.7,47.17Seruusest.Sedfortasseliberanimo,75.18),18dequensmesmossomosa fontedenossavirtudeeda felicidade, importanteentreosestoicos,paraosquaisumdosprincpiosfundamentaisaautonomia do sbio ().19Observese esta passagem deMarcoAurlio(7.59):,,20(escavadentro;dentroestafontedobem,capazdesemprebrotar,semprequeescavares).Defato,sercapazdeestarconsigomesmo e consigo conversar um apangiodo filsofo j emAntstenes:respondendoperguntasobreoquetinhaaprendidocomafilosofia,teriaesterespondidoqueaprendeuaestarconsigomesmo(,,).21O princpio aparece em latim comCcero (Tusc. 1.75) eHorcio, que naStira2.7.112fazumseuescravocompretensesfilosficaslhecensurarnopoderestarnemumahoraconsigomesmo.Sneca,porsuavez,retomaatpica emvrios contextos,notadamente emEp. 2.1: entendoqueoprimeirosinaldeumespritobem formadoconsisteemsercapazdepararecoabitar consigo mesmo (primum argumentum compositae mentis existimoposseconsistereetsecummorari).

    Essavivnciainterior,noentanto,nopodepassarsemdeterminadasmanifestaes de alteridade.Na prosa de Sneca assume grande importnciaapresenadaspalavrasdeoutrem,especialmentesobaformadodiscursocitado.NasEpistulaemoralesencontramosdiversasvezesofenmenoda sermocinatio (gr. dialogos), termo traduzido por Saraiva como dialogismo:22 tratase do recurso retrico que consiste em introduzir, numa

    18TRAINA(1974)10,SCARPAT(1975)183.Sosbiolivre(SVFIII,p.86,fr.355).19SVFIII,p.67,fr.272,p.68,fr.276.20Ed.FARQUHARSON(1944).21AfonteDigenesLarcio6.6(cf.9.64),ed.HICKS(1925).Noteseaimagemdo

    pensamento como uma forma de dilogo interior em Plato: Tht. 189e4190a7, Sph.263e3264b3,Phlb.38c539a.Cf.PANACCIO(1999)306.

    22SARAIVA,p.1091, s.v. sermocinatio.VerRhet.Her.4.55,65,Quint. Inst.9.2.2932,367.ParasermocinatioemSneca,verGRIFFIN(1992)41215.MAZZOLI(2000)2589associaosDialogidiatribe, tidaporOLTRAMARE (1926)9 comoumavulgarizaododilogofilosficoeporCOFFEY(1989)92comoumacombinaodedilogofilosficoeoratria

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca269

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    narrativa, exposio filosfica, arenga judicial, etc., a fala de uma personagememdiscursodireto.Tambmsonumerosssimasascitaesdeescritosalheios.NoprimeirolivrodasEpistulae,quecompreendeasCartasde1 a 12, h poucomais oumenos que 60 ocorrncias de discurso citado,desde falas annimas que surgem repentinamente com objees ou perguntas para Sneca (pelomenos 5 casos, nomeadamente Ep. 5.6, 7.5, 7.9,9.13,9.16),atcitaesdeoutrosfilsofos(principalmenteEpicuro,e.g.2.5,7.11,9.1,11.8,12.10),passandopor falasatribudasaLuclio (e.g.2.4,4.4,5.7,8.8,9.22,12.10)ouaoprprioSneca(8.35,9.5,10.3[bis],12.3).Norestodacoleocontinuaessatendncia,havendomesmocartasemqueaargumentaoentrecortadadeuma sriedeobjees,perguntase respostas,dandoaotextoumaaparnciadeverdadeirodilogo(ocasodaCarta87,emquesoperiodicamentevazadosemdiscursodiretovriosprincpiosestoicoseasobjeesdosperipatticos,aqueseseguemasrespostasdeSneca,eemque,paraterminar,somosbrindadoscomasoluodadaaumdosproblemasporPosidnio,devidamentecitadoipsislitteris).ValelembrarqueogrupodeobrassenecanaschamadasDialogi(e.g.Deuitabeata,Deira,etc.)nosodilogosnosentidoplatnicodotermo,ouseja,nosotextosemquesealternamas falasdeduasoumaispersonagensqueconversamnum banquete ouna rua (ainda que aproximesedessemodelo,de certaforma,oDetranquillitateanimi).OsDilogossenecanosseapresentamcomotextosescritos,como tratados filosficos,emgeralbreves,conduzidosporumavozcentral,quenoentantodiversasvezes interrompidapelas falasdeoutrem.Mutatismutandis,assimqueseestruturamtambmasEpistulaemorales.23SepensamosnesseelementodedilogooudebatenasCartas,torna

    epidctica.Essaformadeliteratura,queseriamarcadapeloempregoconstantedeapstrofes, sententiae,debates com interlocutores ficcionais,prosopopeia,perguntas retricas,invectiva,crticasocialeelementossriosmisturadosaumacertacomicidade, teriasidopopularentreoscnicoseosestoicos.Paraacontrovrsia sobrea realexistnciadeumgnerochamadodiatribenaAntiguidade,verUSENER(1887)lxix,HIRZEL(1895)I,36770,3745, n. 5, OLTRAMARE (1926), DUDLEY (1937) 11011, 115, GRIFFIN (1992) 1316,GOTTSCHALK(1982),(1983),JOCELYN(1979),(1982),(1983),WILLIAMS(2003)26.

    23MAZZOLI(2000)explicaasdiversascaractersticasquejustificamaclassificaodos Dilogos senecanos como tais (especialmente quanto multiplicidade de vozes).

  • 270

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    securiosoomovimentodaEp.70.811,emque temosaexposiodeduasposturas perante o suicdio, a de Scrates e a do homem comum (DrusoLibo).O autor poderia ter explicitado que est remodelando o estilo dediscursar in utramque partem, tpico dos exerccios retricos chamadoscontrouersiae, em que os estudantes eram convidados a produzir dois discursos, cada um defendendo um diferente ponto de vista sobre um casojudicial.24MasSnecasimplesmenteargumentacomfervorporumaopinioe, algumas linhas abaixo, quase sem transio, defende uma viso divergente. A argumentao feita com a ajuda de uma pequena narrativa emesmodafaladeumadaspersonagensdestaemdiscursodireto,oquedenuncia a participao de uma outra voz nomovimento das ideias. Finalmente,advidaquantoopiniocorretaexpressapeloprprioSnecaem70.11.25Seporum ladoodilogoplatnico temum tommaisprximodaoralidade,hneleumadelimitaoclaradaspalavrasdecadapersonagem,enquanto que em Sneca as falas de outrem unemse intimamente vozprincipal: comumque elasapaream subitamente, eporvezes soquaseindistinguveisdodiscursoemqueseinsinuam.ConformedemonstraHarryHinenoseurecenteestudosobreosdiscursosnaprosasenecana,26quandoofilsofo cita palavras de outrem cujas idias vm corroborar a visodefendidapelavozcentral,frequentementedifcildeterminarondeterminao discurso citado e onde Sneca retoma suas prprias palavras,econsequentementepodevariarolugardasaspasdeedioparaedio(ocasodeNat.6.7;nanossacoleodeCartas,vriaspassagenspoderiamteroslimitesdodiscursodiretocolocadosemquesto,comoporexemplo27.15).

    Portanto,ofrequenteusodeinterlocutores(imaginriosouno)umtrao geral da prosa de Sneca,mas que ganha particular relevncia nas

    Vrias dessas caractersticas sero identificadas no presente artigo como traosmarcantesdasEpistulae.Vernotaanterior.

    24Paraainflunciadaretricanaepistolografiasenecana,emparticularquantoscartasconsolatrias,verALEXANDREJR.(2002).

    25VertambmaEpstola95,emqueoautorassumeavozdoseuadversriodetalmaneira eporum trecho to longo,que temos a impressodeque Sneca realmentedefende a posio que, em seguida, vai refutar, retomando um a um todos os argumentosdoopositor.

    26HINE(2010).

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca271

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Cartas, jqueestassoconstrudascomoresultadodeuma intensacorrespondnciaentreSnecaeLuclio.Comojindicamos,SnecanosofereceasEpistulae como uma sequncia de rplicas s perguntas e preocupaesurgentesexpressasnasmissivasdeLuclio.TodavezqueSnecanosremetespalavrasdodestinatrio, oprocedimento imbudodeuma forte impressodedilogoreal.27Nessecontextodevivadiscussofilosfica,aaberturaparaoutrosparticipantestornasequasenatural,poisSnecavaempresa filosfica como uma conversa que envolve no s figuras contemporneas do crculo de amizades de que ele e Luclio fazem parte,mastambmpersonagensdopassadogregoouromano,comoEpicuroeCato.famosaapassagemdoDebreuitateuitae(14.12)emqueSnecadiz:

    nullonobis saeculo interdictum est, in omnia admittimur, et simagnitudine animiegredi humanae inbecillitatis angustias libet,multum per quod spatiemur temporis est.Disputare cum Socrate licet, dubitare cum Carneade, cum Epicuro quiescere, hominisnaturamcumStoicisuincere,cumCynicisexcedere.

    Nonosvedadooacessoanenhumsculo,somosadmitidosatodos;esedesejamos,pelagrandezadaalma,ultrapassarosestreitoslimitesda fraquezahumana,humvastoespaode tempo apercorrer.Poderemosdiscutir comScrates,duvidar comCarnades,encontrar a paz com Epicuro, vencer a natureza humana com a ajuda dos estoicos,ultrapasslacomoscnicos.28

    CompareseoquesediznaEp.52.7:dirigeteaosantigos,queestodisponveis:paranosauxiliar tantopodemos recorreraosvivoscomoaosmortos(Tuueroetiamadprioresreuertere,quiuacant;adiuuarenospossuntnontantumquisunt,sedquifuerunt).Essaampliaodatemporalidadepresentepara criar outros campos de interlocuo abrange igualmente o futuro:Snecatambmestcientedequefalaaosleitoresqueaindaestoporvir,sfuturasgeraes(oquesediznaEp.8.36).

    27 Sobre isso, observar DOS SANTOS (1999), que deduz das prprias Epistulae a

    concepodequeodiscursodofilsofo,pelognero,aconversa(sermo),gnerodequeaepstolaumaespcie.ComonotamHIRZEL(1895)I,305eMAZZOLI(1989)1846,(2000)254,j Demtrio ( 223) registrara a antiga opinio (de Artmon) de quedevemosescrevercartascomoescrevemosdilogos,poisacartacomoumadasduaspartesdodilogo,ed.ROBERTS(1902).Ccero(Phil.2.7)associaacartaacolquiosdepessoasausentes.

    28TodasascitaesdosDialogi seguemo textodeREYNOLDS (1977);a traduoaquideLI(1993).Cf.Ep.52.7,104.212,2733.

  • 272

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Tal como no tpico da introspeco que vimos h pouco, tambmaqui Sneca est inserido numa tradio filosfica de grande relevncia.Aesse respeito, notvel a anedota contada por Epicteto (Dissertationes2.1.3233), segundo a qualmesmo Scrates, quandono tinha com quemconversar,seacostumaraaescreversuas ideiasem formadedilogoparatestarsuaeficcia.NoestoicismoposterioraSneca,noprprioEpictetoeemMarcoAurlio,odilogoparteconstitutivadameditao.29Determinadas falas de outrem em textos desse tipo provm de autoridades filosficas e servem para confirmar uma determinada viso ou encorajar oprprioautorqueascitanaprticadavirtude.Outrasvezesessasfalasrepresentamosvciosaseremcombatidos,osensocomum,ospontosdevistados tolosou escolas filosficas rivais, e aparecempara ser refutadaspelavozprincipal.ocasodasfalasemEp.17.1,69.6,70.13e123.1011,oudacitaodeumpoemadeMecenasem101.11.

    AimportnciadafaladeoutremnasCartastal,queoproblemaaparececomoumdos temasemdiscusso.Mascomo teriaSnecaentendidoessapresenaconstantedavozalheia?Comomerorecursoretricodesprovidodemaiorsignificado,talvezparaquebraramonotoniadesuasCartascomumcertograudedramatizaodosdebatesfilosficos?Quandomuito,como citao de carter doxogrfico? Suspeito que o filsofo leva essasvozesbemmaisasrio.AlgumaspistassodadasporSnecaquando reflete sobreapresenaemnossamentede imagensdeoutrem,oumesmosobreapresenadivinanoespritohumano.Essaspresenasrevestemsedeimportnciacomopotenciais interlocutoresdeumefetivodilogo interior.VejamosoqueSnecadizemEp.41.12:propeestatedeus,tecumest, intusest.itadico,Lucili:sacerintranosspiritussedet,malorumbonorumquenostrorumobseruator et custos; hic prout a nobis tractatus est, ita nos ipse tractat, adivindadeestpertodeti,estcontigo,estdentrodeti!verdade,Luclio,dentro de ns reside um esprito divino que observa e rege nossos atos,bonsemaus;econformeforpornstratadoassimeleprprionostrata.

    29VerBAKHTIN (1984)120,NEWMAN (1989)esp.14789,1480,1482,1493,15023,

    1512,HADOT(2002)414.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca273

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Notese aqui o elemento relacional apontado por Sneca no tratamentorecprocoentredivindadeeserhumano.Nestaoutrapassagem,retiradadeEp.83.1,odeusaparececomotestemunhadenossosatosepensamentos,comoqueadarsignificadosocialparanossossegredos,cumprindoumpapelanlogoaodoconfidentequeLuclioparaSneca:

    benedeme iudicassinihilesse in illis [sc.diebus]putasquodabscondam.Siccerteuiuendumesttamquaminconspectuuiuamus,siccogitandumtamquamaliquisinpectusintimumintrospicerepossit:etpotest.Quidenimprodestabhominealiquidessesecretum?nihildeoclusumest;interestanimisnostrisetcogitationibusmediusinteruenit,

    fazesumbomjuzoameurespeito,poisnoimaginasqueeupossateralgoaesconderte.assimmesmoquensdevemosviver:comoseanossavidadecorressevistadetodos.assimmesmoquensdevemospensar:comosealgumpudessesurpreenderonossomaisntimopensamento.Ealgumhquepode fazlo.Dequenosvale esconderdosoutrosalgumacoisasedivindadenadapermaneceoculto?Elaexistedentrodenossaalma,tomaparteactivanasnossasreflexes.

    Deformasemelhante,segundoSneca,comparecememnossamentefigurashistricas quepodemdesempenharno s opapeldemodelos eexemplosdeboa conduta,masde efetivosobservadoresdosnossos atos.oquevemosnaEp.11.810:

    aliquisuirbonusnobisdiligendusestacsemperanteoculoshabendus,utsictamquamillospectanteuiuamusetomniatamquamillouidentefaciamus.Hoc,miLucili,Epicuruspraecepit; custodem nobis et paedagogum dedit, nec inmerito:magna pars peccatorumtollitur, si peccaturis testis adsistit. Aliquem habeat animus quem uereatur, cuiusauctoritateetiamsecretumsuumsanctiusfaciat.Ofelicemillumquinonpraesenstantumsed etiam cogitatus emendat!O felicem qui sic aliquem uereri potest ut admemoriamquoqueeiussecomponatatqueordinet!Quisicaliquemuereripotestcitoerituerendus.Elige itaque Catonem; si hic tibi uidetur nimis rigidus, elige remissioris animi uirumLaelium.Eligeeumcuiustibiplacuitetuitaetoratioetipseanimumanteseferensuultus;illumtibisemperostendeuelcustodemuelexemplum.

    devemoselegerumhomemdebemcomomodeloe tlosemprediantedosolhos,demodoavivermoscomoseelenosobservasse,aprocedermoscomoseelevisseosnossosatos.Essepreceito,caroLuclio,foienunciadoporEpicuro,queassimnosdotadeumguardio,deumpedagogo;ecomrazo,poisgrandepartedas faltasnoseriacometidaseanteosfaltososseerguesseuma testemunha.Queanossaalma,portanto,tenhaalgumaquemvenereegraasacujaautoridadetornemaisnobremesmooseumaisntimorecesso.Felizohomem que, no apenas pela sua presena,mas at pela sua imagem torna os outrosmelhores!Felizohomemcapazdeterporalgumtantorespeitoqueasimpleslembranadomodelobastaparalhedarordemeharmoniaespiritual!Quemforcapazdeterporalgumumtalrespeito,embreveinspirarporseuturnorespeitoidntico.Escolhe,porexemplo,

  • 274

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Cato; se este te parecer demasiado rgido, escolheLlio, que homem de espritomaismalevel.Escolhealgumcujavida,cujaspalavras,cujorosto,enfim,espelhodaprpriaalma,sejamdoteuagrado.Contemplaosempre,oucomoguardiooucomoexemplo.

    Passagenscomoesta revelamumapreocupaocomaexistnciadeumoutropontodevistaalmdonosso,masesseoutroemparteinteriorizado e acompanha o indivduomesmo quando ele est s. O filsofoprecisa imaginar, em suameditao, como essa figura reagiria a este ouaqueleato,aestaouaquelapalavra.30

    Sneca est se valendodeum recurso comumna educao romana:tratasedos exempla (exemplos,modelos), isto,personagenshistricasparadigmticasutilizadasemnarrativasdefundoedificante.31Ofilsofoofazconscientedopesodessa tradio.Quando,naCarta 24.3, Snecapese acitar exemplosde coragempara incitarLuclio ao cultivodessaqualidade,opupiloreage.Lucliointervmemdiscursodiretoezombadoconvencionalismodeseumestre (24.6): Decantatae inquis inomnibus scholis fabulae istaesunt; iammihi,cumadcontemnendammortemuentum fuerit,Catonemnarrabis.Essashistriassorepisadasemtodasasescolas;quandodaquiapoucotratarmosoproblemadodesprezopelamorte,jseiquemevirscomahistriade Cato! Sneca, entretanto, est convencido do valor de proceder porexempla.Noseuentender,oexemplopresentificaeconcretizaavirtudeaserensinada,etemmaiseficincianotrabalhodeexortaodoqueotratamentodepreceitosfilosficospormeiodalgica(ver6.5,longumiterestperpraecepta,breueeteficaxperexempla).EssaposiotradicionalistaemSnecaganhaumacerta originalidade, contudo, na forma como tais exemplos se tornampraticamentepessoasreaiscomquenosrelacionamos,enofatodequeessarelaosepassano interiordaalma.Eestapode serhabitada tambmporexemplosnegativos.Apropsito,vejamosaCarta104.21:

    Si uelis uitiis exui, longe a uitiorum exemplis recedendum est.Auarus, corruptor,saeuus, fraudulentus,multumnociturisipropea te fuissent, intra tesunt.Admeliores

    30EDWARDS(2008)[1997]94.31MAYER (2008) [1991]. SCARPAT (1975) 256 comenta, sobre a possibilidade de

    efetivacomunicaoespiritualentreopupiloeoexemplum:Lidealerigido,perfettoeirraggiungibiledelsaggiostoicodiventato,sottolinfluenzadiEpicuroedellaStoadimezzo, unmodello non solo possibile,ma vincolante. Ver RICHARDSONHAY (2006)adEp.6.56,11.810.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca275

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    transi:cumCatonibusuiue,cumLaelio,cumTuberone.QuodsiconuiuereetiamGraecisiuuat,cumSocrate,cumZenoneuersare.

    Sequeresabandonarosvciostensdeafastartedosexemplosqueconvidamaovcio.Oavarento,osedutor,ohomemcruel,ovigarista(quejbemnocivosteseriamseapenastefizessemcompanhia!)estomesmodentrodeti.Juntatecompanhiadoshomensdebem,convivecomosCates,comLlio,comTubero.Sepreferirestambmoconvviocomosgregos,juntateaScratesouaZeno.

    De indicaesgerais sobrecomoprocederem relaoaessesexemplos,Snecapassaprpriaconcretizaodetalmtodo.Em67.13,elepedeaLuclioqueimagineestardiantedeCatonomomentoemqueestecometeu sucdio, e convidaopupilo a fazer certasperguntas aoheri estoico.Catoretornaem71.15,destafeitaparaoportunizarumalongafalasobreamortalidadedetodasascoisaseassimauxiliaraargumentaodeSneca.

    Almdadivindadenointeriordohomem,portanto,ooutrovaisemanifestargrandepartedasvezesatravsdeumexemplum.Masomodelohumanoaservenerado,nasuafunodevigiadasnossasaes,confundese por vezes com uma noomais geral, pois a humanidade tambmatua como testemunhadenossavida.Assim se expressa SnecanaCarta10.5, onde os homens vm se juntar ao deus no papel de observadoresinterlocutores: vive comoshomens como se adivindade teobservasse;fala comadivindade como seoshomens te escutassem.Aquio filsofoest sugerindo que, ao pronunciar uma orao, o indivduo deve pedirapenas coisas honestas, de que no se envergonhe caso outras pessoasvenhama saberoque imploraaodeus.Nestascircuntncias,a sociedadetornaseessencialcomoelementoreguladordaspaixes.

    ViverescondidoComamigos?

    Umaperguntapossvelnestemomento:comoconciliaressepapelpositivoatribudoaoutremcomoelogioda solidoqueumdos traosmaismarcantesdasCartas?Ora,associadoaotemadaintrospeco,encontramosemSnecaatpicadanecessidadedeseevitarovulgo.32Aturbanefastapois ignoranteeafeitaspaixes,eportantodarmausexemplos;maisque isso,amultidonos toma tempo:conviveremsociedadee tran

    32ComoobservaHABINEK(1998)13750,aquiatuatambmumatransfernciada

    ideologiaaristocrticaromanaparaoplanofilosficodeumaaristocraciadavirtude.

  • 276

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    sitar pela vida pblica implica dar ateno a umamirade de pessoas egastarodiaem inmeroscompromissos.Paraassumiremanterumcargopblicoprecisosemostrarprximodomododeverascoisasdaspessoasqueseconsagramaessasatividades.Queespaopodeterafilosofianumavidaassimconduzida?Ondeotempoparaoestudodascoisasmaisimportantes?Sneca entendeque tudodevemos fazerpara evitarum cotidianooprimidopornegcios,disputaspolticasefestas.Oquenoslembraoprincpioepicuristado(fr.551Usener).Ociofilosficotambmtinhaseusantecedentesnoprprioestoicismo.Plutarcoobserva,no inciode seu opsculo sobreAs contradies internas dos estoicos, que os antigosmestresdaStoa,apesarde teremescritobastante sobrepoltica,passaramtoda a sua existncianomais completocio (verMoralia 1033A1034B).Defato, impossvel para o estoico participar de uma sociedadecorrompidaoudeumgovernotirnico;eledeprefernciaseretiradavidapblica, ou, no caso de no poder evitar a violncia de outrem e se verimpedidodecontinuarsendotil,legtimoqueoptepelosuicdio.33

    Tais reflexes, que preenchem tambm vrias pginas das Cartas,assumem especial significado quando lidas luzda biografiade Sneca.Nonos cabeaqui revisitaras fontes sobreavidado filsofo,34mas lembremos que teve um papel de relevo na vida pblica romana em vriasfasesdesuavida,participaoquealcanouumpontoculminantenoprincipadodeNero,quandoSnecadesempenhouopapeldeamicusprincipis,umaespciedeministrodeestadonooficial,eocupouamaisaltamagistraturadarepblica,oconsulado,em56.Nomomentoemqueresolveretirarse,Sneca jumidoso.Suamorteocorreem65durantearepressoaos conjurados que pretendiam assassinarNero e substitulo por Piso.NodeixadesercuriosoofatodequeSneca,oVelho,paidofilsofo,noprefciodosegundo livrodesuasControuersiae,obradedicadaaseus trs

    33Sobrerazesparaosuicdioentreosestoicos,verSVFIII,p.16,fr.67;pp.18791,

    frr.75768.UmaboasntesedessaquestopodeserencontradaCic.Fin.3.601(=SVF,III,pp. 18990, fr. 163). Sneca aborda o problema do suicdio diversas vezes (e.g. Ep. 24;58.327;70;77;98.1518;104.35).VerSummers(1910)2524,Lampe(2008)801.

    34Amplamentediscutidasnas contribuiesdeGRIMAL (1978),GRIFFIN (1992) eWILSON(2014).

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca277

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    filhos,Mela(paideLucano),NovatoeSnecaJnior,observaqueMelaoquemais tem talentosretricosemaissemostraavessosambiespolticas;porconseguinte,Sneca,oVelho,exortaoa sededicaraosestudos,enquanto comentaque seus irmos (a includoonosso filsofo) so ambiciosos e esto sepreparandoparao frum eos cargospblicos (Contr.2.praef.34).Amaneira comoo rhetor seexpressadenunciauma sriapreocupao comNovatoeSneca Jnior.A frasequeprecedeo comentriosobreasambiesdestesdirigidaaMela:Eratquidemtibimaius ingeniumquam fratribus tuis [...]: est ethoc ipsummelioris ingeniipignus,non corrumpibonitateeiusutillomaleutaris.35Tutinhasummaiortalentoqueteusirmos[...]:umaprovadesuperiortalentoestamesma:nosedeixarcorromperporsuaprpriaqualidadeapontodeuslamal. inevitvelpensarnopapelqueSneca,oNovo,viriaaterimediatamenteapsoassassinatodeCludioenasua funodeghostwriterdosdiscursosdeNero.O tomangustiado com que o filsofo Sneca por vezes fala de suas imperfeies,aurgnciacomquecriticaafaltadecoernciaentreaspalavraseosatosemmuitosaspirantes sabedoria (e.g.24.19), soqui respostasaumavidaque decorreu sob o signo demuitas contradies, ou, como alguns preferem,soboestigmadahipocrisia.36Dequalquer forma,asEpistulaeestorepletasdediscussessobreocioecomomelhoraproveitlo,edeumaenormedesconfianaemrelaovidapblica.

    ACarta7,porexemplo,dominadapelotemadafugamultido,edbastanteespaocrticadaquelesquebuscamoaplausodopopulacho.Issoporvezesseradicalizaemdireoaoafastamentodetodasaspessoas,talcomoemEp.10.1:evitaasmultides,evitaospequenosgrupos,evitamesmoos indivduos isolados.Noconheoningumcomquemgostedete ver em comunicao.Repara,porm,no juzo que fao a teu respeito:ouso confiarte a timesmo (fugemultitudinem, fuge paucitatem, fuge etiam

    35Ed.WINTERBOTTOM(1974).36Aacusaode incoernciaentreoqueofilsofopregavaemseusescritoseo

    modo como conduzia sua vida pblica e privada j aparece na Antiguidade emTac.Ann.13.42,que registraosataquesdeP.Suillius,eemDioCssio61.10.26.UmaeminentevozmodernaqueecoaessacrticaadeBertrandRUSSELL(1946)283.WILSON(2014)67discuteoconceitodehipocrisiaesuaaplicabilidadepocadeSneca.

  • 278

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    unum.Nonhabeocumquotecommunicatumuelim.Etuidequodiudiciummeumhabeas: audeo te tibi credere).Em31.23,omitohomricodeOdisseu edassereiasusadoparaindicaranecessidadedesefecharosouvidosvozdaturba.AEpistula51,umaferozinvectivacontraosprazeres,convidaaevitarlugares que atraemmuitos turistas em busca de festejos lascivos, comoBaias eCanopo. Isso contrasta com avisodaEp. 18.18, emque SnecaencaraapossibilidadedeparticipardasSaturnaissemqueafestaofaacairnaluxria.Seoestudantedafilosofianocapazdesemisturarmultidoeresistiraodano,estareleforteosuficiente?37Sentirseinseguroquantoprpriaconstantiadevenosfazerevitarterrenosperigosos.38Em14.4,Snecaafirma sentenciosamente: nada nos abala mais do que os malesocasionadospelaprepotnciaalheia (nihilnosmagisconcutitquamquodexalienapotentiainpendet).Osperigosgeradospelodio,medoedesprezodapartedosoutrospara conosco levamno apropor, em 105.6, como formamais eficazdeproteo,remetermonosvidaprivada, evitandoomaispossvel falar com os outros, e falando omais possvel apenas com nsprprios(quiescereetminimumcumaliis loqui,plurimumsecum).NoDeotio1.1,Snecajdeixaraclaro:nobismagnoconsensuuitiacommendant.Licetnihilaliudquodsitsalutaretemptemus,proderittamenperseipsumsecedere:melioreserimussinguli,emunssonoeles[sc.oshomensmaus]nosrecomendamosvcios.Mesmoquenotentemosnadamaisquenossejasalutar,jseremsi mesmo til apartarnos: seremos melhores isolados.39 Os mesmosprincpiosparecemnortearasCartas,ondeumafilosofiaquebuscaagradaramuitos vista como uma filosofia prostituda (52.15). Um sentimentoquaseparanoicoseadivinhaem7.2: Inimica estmultorumconuersatio:nemo

    37VerFOUCAULT(1984)834.CompareseaEp.56,dedicadaaexporcomosepode

    manteroespritoimperturbvelmesmoentreosrudosdacidade.VerSUMMERS(1910)234:thephilosophermustrisesuperiortomereexternals.

    38NotarEp. 71.30: Nesseponto ser nosso o erro se exigirmosdeumprincipiante[aproficiente]aquiloqueexigimosaosbio.Peloquemetoca,aindaestounafasede assimilao destes princpios, ainda no atingi a fase da completa persuaso; emesmoqueativesseatingido,noteriaaindatempoparaosterdetalmodoassimiladoepraticadoqueelesmepudessemocorreremqualqueremergncia.VerINWOOD(2007)198.Paraoproficiensestoico,veraseoseguinte.

    39Trad.SEABRAFILHO(1994),comadaptaes.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca279

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    non aliquod nobis uitium aut commendat aut inprimit aut nescientibus adlinit.Vtique quo maior est populus cui miscemur, hoc periculi plus est, nosprejudicialoconvviocommuitagente:nohningumquenonospassealgumvcio,noscontagie,noscontaminesemnosdarmosporisso.Porisso,quantomaioramassaaquenosjuntamos,tantomaioroperigo.Recedeinteipsequantumpotes,dizamesmacartaalgumaslinhasdepois(7.8).

    Aesseisolacionismose juntaaidiaestoicadequeosbiononecessitadeningumparaatingira felicidade, jqueapresenadavirtude obastanteparatanto,independentedequaisqueralteraesexternas(Ep.9.13:Secontentusestsapiens).Assim,aoperderumfamiliarouumamigo,osbiosenteo, mas no se abala (9.3, 74.256), porque sabe que tal perda nodiminuiasuavirtude.40Estapermanecendoamesma,nohdoroudesastreque produza infelicidade. Se nos convencemos de que o sumo bem servirtuoso,nohdiferencaessencialentreumsbioquetemamigosevivenoconfortoeumsbioqueestsozinhoedoente.aconscinciadeseagircomretidoqueafontedafelicidade,noosresultadosprticosqueseobtm(85.32,76.29).Comoavirtudealgoquedependeunicamentedoindivduoequenadanemningum lhepode roubar, emltima instncia o sbiononecessitadeamigos.Querentreamigos,quercondenadoaumdeserto,elesempre feliz.Osbio tambmnoprecisaderiquezas,sade,sucesso;edamesmaformalhesoindiferentesosinimigoseascatstrofesquevenhamaatingilo.Pensemosaquinoconceitoestoicodeadiaphoraou indifferentia,41ascoisasquenofazdiferenapossuirouno,ousituaesquenadaalteramacondiointeriordosbio,quesempredeliberdadeetranquilidade(verEp.82.1017,117.89).42Asriquezasouosucessonolhesobemcabeaenootornamimpudente,atorturanoabalasuasconvicesemuitomenosoforaatrairseusprincpios.Snecanoafirma,emnenhummomentodesuaobra,que a amizade um adiaphoron. Vejamos, no entanto, o seguinte trecho(Ep.9.45),dequeemseguidaoferecemosaparfrase:

    40ParaumadiscussodaEpistula9esuavisodaamizade,verSCARPAT (1975)

    189201.ComparesePETERLINI(1999).41Vere.g.SVFI,pp.478,frr.1915;III,pp.289,frr.11719.42VertambmDeuitabeata22.4.

  • 280

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Si illi manum aut morbus aut hostis exciderit, si quis oculum uel oculos casusexcusserit,reliquiae illisuaesatisfacienteterit inminutocorporeetamputato tam laetusquam [in] integro fuit; sed quae sibidesuntnondesiderat,nondeessemauult. Itasapienssecontentusest,nonutuelitessesineamicosedutpossit;ethocquoddicopossittaleest:amissumaequoanimofert.

    Isto,seuminimigoouumadoenaarrancaraosbioumapartedocorpo,aspartes restantes lhe sero suficientes,e ser to felizquantoeraquandotinhaocorpointeiro.Massenosentefaltadaquiloqueperde,nodesejar(nonmauult,noprefere),porisso,perdlo.Assim,osbio,quesecontentaconsigomesmo,nodesejar(nonuelit,noqueira)estarsemumamigo,maspodersuportaressasituao,casovenhaaperdlo.Ousodoverbomalo,preferir,eacomparaoentreaperdadeumapartedocorpoeaperdadeumamigo,sugerequeaamizadepoderiaestarnaquelacategoria de adiaphora que os estoicos chamam os preferveis(), opostos aos rejeitados ().43 Talvez daSnecapoderafirmar(Ep.9.1314):secontentusestsapiensadbeateuiuendum,nonaduiuendum;adhocenimmultis illirebusopusest,ad illud tantumanimosanoeterectoetdespicientefortunam.[]Ait[sc.Chrysippus]sapientemnullareegere,ettamenmultisillirebusopusesse.Ouseja,osbiocontentaseconsigoparaviverfeliz,masnoparaviver,poisviverfeliznodependedoprolongamento da vida. Para simplesmente viver, ele precisa demuitas coisasparaousocotidiano(9.14:adcotidianumusum);paraviverfeliz,apenasdeum esprito so.Quando eleusa a afirmaodeCrisipo, segundooqualosbiono carecedenada, conquantoprecisedemuitas coisas,atuaadiferenaentre egere,sentir faltadealgo indispensvel,eopus esse,que,emborapossasignificarsernecessrio,empregaseaquicomosentidodeserpreciso,masnoimprescindvel.44ComocolocaScarpat:Essaautar

    43SVFIII,p.28,fr.117;p.31,frr.127e128.Ofr.128diz,nofim:Chamamsepre

    ferveis,noporcooperaroucontribuiremalgoparaa felicidade,masporser forosofazer deles a escolha frente aos rejeitados.Ver FANTHAM (2010) 279 (sobre Ep. 9.4):theStoicsclassifiedmaterialassets likehealth,strength,beauty,wealth,andstatusasindifferents,because theywerenotmorallynecessary,but sawnomerit in rejectingassetswhichmadeiteasiertopractisevirtue.

    44GUMMERE(1918)50,n.b.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca281

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    quiaestoicanoaausnciadenecessidades[],masautossuficinciadosbioemqualquersituaoemqueseencontre.45

    Assim,aCarta9,emqueSnecadefendea ideiadequeosbiosemamigosnoporissomenosfeliz,ofilsofotemderefutarasobjeesdosepicuristas,pelosquaisaamizadetidaemaltaconta.46Snecaexplicaqueosbionodesejanoteramigosouperdlos,maspodeprescindirdeles.Defrontaseofilsofocomaseguintepergunta(Ep.9.16):Comosereventualmenteavidadosbiosetombarnocativeiro,isoladoesemamigos,sefor abandonado nomeio de um povo estranho, se errar pelo oceano emgrandestravessias,seforpararaumlocaldeserto?Qualistamenfuturaestuita sapientis, si sineamicis relinquatur incustodiamconiectusuel inaliquagente aliena destitutus uel in navigatione longa retentus aut in desertum lituseiectus?ArespostadeSnecabaseiasenumanoocomumavriasescolasfilosficashelensticas,adequeosbiocomparveldivindade:47

    Qualis est Iovis, cum resolutomundo et dis in unum confusis paulisper cessantenatura adquiescit sibi cogitationibus suis traditus.Tale quiddam sapiens facit: in se reconditur,secumest.

    Ser como a vida de Jpiter: quando o universo se dissolver e todos os deuses seconfundiremnaunidade,quandogradualmenteanaturezaforperdendoomovimento,elerepousaremsimesmo,todoentregueaseupensamento.Omesmofarosbio:fecharsedentrodesi,estarnapresenadesiprprio.48

    Semconsiderar,contudo, talsituaoextrema,aoperderumamigo,osbioprocuraroutro(Ep.63.11),poisparaoestoicoaamizadetambmalgobelssimo(Ep.9.12),enossentimosatradosporelaemfunodeumadisposionatural(17:naturalisinritatio);tambm,porqueoamigoumaoportunidadeparaexercitaraamizade,queumagrandevirtude(8:magnauirtus),paraquetenhamosalgumporquemmorrer,algumparaseguirnoexlio (10).De fato,paraCrisipo (SVF III,p.161, fr.630),apenas entreossbios pode surgir a verdadeira amizade, e por isso, segundo Sneca,muitostmamigos,masnoaamizade(Ep.6.3).Poroutrolado,Ccero,emDenaturadeorum1.121, informaque,paraosestoicos,o sbioamigode

    45SCARPAT(1975)197.46Paraaamizadenoepicurismo,verBROWN(2009)18291.47Vere.g.Ep.92.3;SVFIII,p.157,fr.606;Lucr.5.8.48Cf.Ep.74.25.

  • 282

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    outrosbiomesmosenooconhece,poisdesenvolveosentimentodeamizadepeloamordavirtudequevnooutrosbio,mesmodistante.Snecamostra essa confiana na possibilidade de sempre encontrar um novoamigo(Ep.9.5):TalcomoFdias,seperdesseumaesttua,imediatamenteesculpiria outra, assim o sbio, verdadeiro especialista [artifex] em fazeramizades, em lugar do amigo perdido depressa arranjaria outro. Esseartficedeamizades,efetivamente, sempre terumamigo,aindaque sejaeleprprio,comomostraSnecacitandoHecato(Ep.6.7):Comeceiaseramigodemimprprio.Muitolucrou:nuncaestarsozinho.Umtalamigo,ficasabendo,todaagenteotem.

    Tal condiode total independnciadaquelequeatingiua sabedoriacolocainevitavelmenteemquestoopapeldosbionasociedade,suafunona repblica. primeira vista, no h no estoicismo a exigncia de que osbio,paraconservarouatingirtalstatus,sejacaridosoouajudeosseusconcidados.Muitomais importante levar a cabo um processo interno devitriasobreaspaixese,emfortecontradiocomum impulsodesocializao,desprezartodaequalquerinflunciaexterna:oquealheioemnadadizrespeitoaesseprocessodecontroledesimesmo,epodemesmoviraperturblo.Sneca inmerasvezesabordaesses temasemostraseemperfeitaconsonnciacomoditoacima.NoDetranquillitateanimi14.2lse:

    Vtiqueanimusabomnibusexternisinsereuocandusest:sibiconfidat,segaudeat,suasuspiciat,recedatquantumpotestabalienisetsesibiadplicet,damnanonsentiat,etiamaduersabenigneinterpretetur.

    Sejacomofor,aalmadeverecolherseemsimesma,deixandotodasascoisasexternas:queelaconfieemsi,sealegreconsigo,estimeoqueseu,seaparteoquantopodedoquealheio,esedediqueasimesma;queelanosintaasperdaseinterpretecombenevolnciaatmesmoascoisasadversas.49

    A sadadesse isolamento,que porvezes inevitvelounecessrio,emdireoaorelacionamentocomoutrem,est,porassimdizer,noinstintobenfazejodosbio.Talcomoodeus,porquebom,fezomundoomelhorquepde(65.10),tambmosbioterumapropensonaturalparafazerobem,eissoimplicaserbomparacomosoutros.SeguindoaliodeMichel

    49Trad.deSEABRAFILHO(1994),comadaptaesminhas.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca283

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Foucault,Edwards50observaqueocuidadodesiemSnecanopodesertotalmenteinteriorizado,maspreocupasetambmcomodesenvolvimentofilosfico do outro.Quer dizer, o prprio voltarse para simesmo acabadescobrindoemsiabuscadooutro(Ep.26.7:Haecmecum loquor,sedtecumquoquemelocutumputa;48.2:alteriuiuasoportet,siuistibiuiuere).

    Daapreocupaocomosmtodosdeeducaofilosficaqueemergeemalgumascartas(e.g.29,94,95).Oestoicismoantigo,deregra,contrrioaqualquer tipodeornamentaododiscursoouqualquermanipulao retricadasemoes,51defendendoemseulugarumdiscursoqueselimitaaexporaverdadecomclarezaeaconvencerpelaforadalgica(verEp.100,esp.4).Sneca,contudo,declarasea favordeumdiscurso filosficoque,embora semantendodentrodos limitesdaverdade, apresenteadeumamaneiravvidaeimpactante,queobtenhasucessoaoprocurarincutiraprticadavirtude,queexorte fortementeaoabandonodosvcios (verEp.82.1924,87.3841,108.711).52ArevelasequeSnecadesejacomunicar,queconstrisuas frasespara comover,que encontrano outro a razode serde suaspalavras.Aserevelatambmasensibilidadedosbioparacomosofrimentoalheioeaquelesquepedemajuda.EmSneca,esseservioprestadoaoutremsemanifestadediversas formas.Por vezes falasemesmo em sacrificarsepela conservao da liberdade alheia ou pela ptria (Ep. 120.7); por outrolado,ganhamuitomaiordestaque,porassimdizer,afunoconsolatriadofilsofo,queoprprioSnecaassumeemvriosdeseusescritos:diantedador do prximo, importa ensinlo a superar a dor,53 convenclo de queaquiloqueovulgoconsidera infelicidadenaverdade indiferenteou facilmentesupervel(e.g.Ep.63e99).Portanto,dentreosdiversosauxliosqueum sbio pode prestar, a nfase acaba recaindo sobre o trabalho didtico:ensinandose a sabedoria ensinase o outro a ser indiferente aomales quevmdefora.Emoutraspalavras,aaodofilsofoestmaiscomprometidacom suportar os males exteriores do que com eliminlos do mundo.

    50VerFOUCAULT(1984)745,EDWARDS(2008)[1997]901.51Paraateoriaretricaestoica,verLEIGH(2004)1289comn.54.52VerTRAINA(1974)3940.53VerWILSON(1997).

  • 284

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Acorrespondncia com Luclio se insere no contexto desse tipo deensinamento.

    Emresumo,osbionoprecisadeamigos,emboradeseje,dentrodopossvel,terumamigo,eissoporuminstintonaturaldeatraopelooutro,noporqualquer consideraoutilitria (Ep.9.17).Ajudaroamigo,masnoparaserajudadoemtroca,poisele,tendojalcanadoosumobem,nonecessitadeajuda;ajudarporquefazerobemonaturaldosbio.Nocasoextremodeser jogadonumdeserto,asbiovoltaseparasimesmoeestcontenteconsigomesmo,comovimosemEp.9.16.MasSnecamestreemnos tiraro cho edestruirnossas certezas.Quando j estvamos convencidosdequeasoluoencontradapelosbioexclusivamentedentrodesi,eleafirmaem109.9:osbionoconseguirmanteroseuestadoespiritualsenoaceitaracompanhiadealgunsamigosqueselheassemelhemecomosquaispratiqueemcomumassuasvirtudes(sapiensnonpotest inhabitumentissuaestarenisiamicosaliquossimilessuiadmisitcumquibusuirtutessuascommunicet).

    Inacessibilidade da sabedoria e necessidade de diversos outros(interiores?)

    Adificuldadedeserealizarnaprticaoidealdesabedoriaestoicoeraproverbial,eoprprioSnecaaissoserefere(Ep.104.26,116.7).Snecanoumsbio,edissotemconscincia.54TalcomoLuclio,elepertencecategoriadosproficientes, isto,osqueaindaestoavanando,aquelesqueseesforamparaatingirasabedoria(ver71.2935,75.816).Paraestesaindamaisnecessriaaajudadooutro,especialmenteconsiderandoqueencontramosnoestoicismoantigoumaconceporadicaldesabedoriaquelananacategoriadaloucuraedamaldadetodoaquelequeaindanoatingiuasabedoria,mesmoquejtenhaprogredido.55Nessecontexto,asolidopodemesmoterumaspectomaligno.oqueseconcluidaEp.25.47:

    54INWOOD(2007)xxi.VerEp.87.45,116.46.55nessesentidoqueCceroinforma,arespeitodosestoicos,emFin.3.48(=SVFIII,

    p.142,fr.530):aquelequefezalgumprogresso[processit]emdireoaoestadodavirtude[aduirtutishabitum]noestmenosemmisriadoqueaquelequenadaprogrediu;ouemFin. 4.21 (= SVF III, p. 142, fr. 532): [vocs estoicos defendem] que aqueles que pornaturezaoupordoutrinamuitoavanaramparapertodavirtude,senoaalcanaramper

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca285

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    [...]Epicurus,cuiusaliquamuocemhuicepistulae inuolvam. Sic fac inquit omniatamquam spectetEpicurus.prodest sinedubio custodem sibi inposuisse ethaberequemrespicias,queminteressecogitationibustuisiudices.Hocquidemlongemagnificentiusest,sicuiueretamquamsubalicuiusboniuiriacsemperpraesentisoculis,sedegoetiamhoccontentussum,utsicfaciasquaecumquefaciestamquamspectetaliquis:omnianobismalasolitudo persuadet. Cum iam profeceris tantum ut sit tibi etiam tui reuerentia, licebitdimittaspaedagogum:interimaliquorumteauctoritatecustodiautCatoillesitautScipioautLaeliusautaliuscuiusinteruentuperditiquoquehominesuitiasupprimerent,dumteefficiseumcumquopeccarenonaudeas.Cumhoceffecerisetaliquacoeperitapudtetuiessedignatio, incipiam tibipermitterequod idem suadetEpicurus: tuncpraecipue in te ipsesecedecumessecogerisinturba.Dissimilemtefierimultisoportet,dumtibitutum[non]sitadterecedere.Circumspicesingulos:nemoestcuinonsatiussitcumquolibetessequamsecum.Tuncpraecipueinteipsesecedecumessecogerisinturbasibonusuir,siquietus,sitemperans.Alioquininturbamtibiaterecedendumest:isticmalouiropropiuses.

    Serdestefilsofo[deEpicuro]afrasequevouinserirnapresentecarta.Eila:ProcedeemtudocomoseEpicuroteestivesseobservando!til,semdvida,termosacimadensumguardio,algumcujaaprovaoprocuremos,algumque,porassimdizer,participedenossospensamentos.De longemais importante serviver como se estivssemos sempreperanteoolhardealgumhomemdebem;eujmedareiporsatisfeitosetuagiressemprecomoseestivessesaserobservado,poisasolidoconselheiradetodososvcios.Quandotiveresprogredidoapontodeteresomaiorrespeitoportiprprio,entopodersdispensaropedagogo.Por enquanto, acolhete protecode alguma autoridade:pode ser ograndeCato,ouCipio,ouLlio,ououtroqualquer,daquelesemcujapresenamesmooshomensmaisdepravadosreprimiamosseusvcios.Istoenquantoestsfazendodetiumhomememcujapresenanoousesprevaricar.Quandotiveresatingidoestenvel,quandocomearesasentirrespeitopor timesmo,entoeucomeareiapermitirque faasaquiloqueEpicuroigualmenteaconselha:Refugiatedentrodetiprprio,emespecialquandoforesforadoaestarnomeiodamultido.bomque te tornesdiferentedamaioria,desdequepossasrefugiartecomseguranadentrodetimesmo.Reparanocomumdaspessoas:todasteriammaisproveitonacompanhiadealgumquenofosseelasprprias!Refugiatedentrodetiprprio,emespecialquandoforesforadoaestarnomeiodamultido!masssetuforesumhomemdebem,tranquilo,moderado.Doutramaneiradevesprocurarrefgionamultidoefugirdetimesmo,escapandoassimpresenantimadeumhomemsemcarcter.

    Namesmalinha,SnecacontaumaanedotaarespeitodeCrates,que,tendovistoumjovemquepasseavaass,perguntoulheoquefazia.Como

    feitamente, esto na completa infelicidade [nisi eam plane consecuti essent, summe essemiseros],equenohdiferenaalgumaentreavidadeleseadosmaisperversos.VerSVFIII,p.143,fr.536(DigenesLarcio7.127):,Sodoparecerdequenohummeiotermoentreavirtudeeovcio.

  • 286

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    esterespondesseFalocomigomesmo,Cratesretorquiu:Cuidado, tomabem atenonoque fazes:olhaque ests falando comumhomemmau(Ep.10.1;cf.104.78).PorissoSnecafazquestoderessaltarqueocionopode ser exercido margem da cultura, situao que equivale morte(82.3), e que de nada adianta evitar amultido por um sentimento dederrotaemrelaoaosucessodosoutros,ouparaseentregaraumaexistnciasolitriadedicadaaosonoevolpia(55.35).Oprprioisolamentonumavidacontemplativatemseusperigos,jqueexcluirsetotalmentedasociedade pode equivaler a alardear em excesso uma suposta virtude.Osbio no precisa dessa propaganda, e ela pode mesmo ser nocivaquandoatitudesdemasiadoantissociaisacabamporatiaracuriosidadedaturba(vere.g.19.2,68.35).

    Nesse caminho em direo virtude, Sneca e Luclio so companheirosntimos(ver6.23).Comovimosacima,arelaoentreelesimplicacolaborao na tentativa de superar as paixes e os temores que aindaassolamosproficientes.Essarelaotambmcheiadeafeto.Easdescriesdessa intimidadeedesseafetochegamasugerirumLuclio interiorizado.Luclio eoprprio Sneca acabammesmopor tornarsepraticamente indissociveis.OoutrocomqueSnecaporvezesdizsepreocupar,que jse limitamuitasvezesaodiscpuloescolhidoLuclio,esse indivduo selecionadoedestinadoaumarelaontimaequedecorreparte,longedosrudosdovulgo,essealunoquaseseconfundecomoprprioeudoprofessor.Cabemaquialgunsexemplos.Logonoinciodacoleo,arelaodeamizadeapresentadacomonecessariamentesincerae ntima (3.23): tamaudacitercum illo [sc.amico] loquerequam tecum. [...]cumamicoomnescuras,omnescogitationestuasmisce.[...]quidestquaremecoramillononputemsolum?(falacomele[sc.oamigo]deformatoaudazquantocontigomesmo.[...]compartilhacomoteuamigotodososteuscuidados,todososteuspensamentos. [...]Quemotivo pode levarme a nome considerar diante delecomoseestivessesozinho?).Ocontuberniumadotadopelosepicuristas,i.e.,ocostumedediversos filsofoscompartilharemamesmacasa,elogiadoumpoucomaisadiante(6.6).OobjetivodasCartas,dizseem23.1,beneficiarLuclioeoprprioSneca:Euescrevoaquiloquepossasertiltantoamimquantoa ti.Eoqueser issoseno teexortarconquistadasabe

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca287

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    doria?AproximidadeespiritualentreSnecaeseualunotal,queaprpriacomunicaotornasequasesuprflua(32.12):

    Inquirodeteetabomnibussciscitorquiexistaregioneueniuntquidagas,ubietcumquibusmoreris.Verbadarenonpotes:tecumsum.Sicuiuetamquamquidfaciasauditurussim, immotamquamuisurus.Quaerisquidmemaximeex iisquaedeteaudiodelectet?quodnihilaudio,quodpleriqueexiisquosinterrogonesciuntquidagas.Hocestsalutare,nonconuersaridissimilibusetdiuersacupientibus.

    Atodagentequevemldastuasbandaseuperguntoporti,procurosabercomovais,ondeecomquemcostumaspassarotempo.Nopodesenganarme:estounatuacompanhia.Vivecomosetodososteusactosmefossemrelatados,oumelhor,comoseeuprprioassistisseaeles.Daquiloqueoiodizerdetisabesoquemedmaissatisfao?noouvirdizernada,umavezqueamaiorpartedaquelesqueeu interrogo ignoraoque tuandasfazendo.Aestumacoisasalutar,noterelacionarescompessoasde ndoleeobjectivosdistintosdosteus.56

    Sneca,porm,noimuneaosefeitosdasaudade(49.1):AminharecentepassagempelaCampnia,emespecialporNpolesepelatuaqueridaPompeia,despertou emmim incrveis saudades tuas [desiderium tui]:osmeus olhos enchemse com a tua imagem [totus mihi in oculis es].tambm nestamesma Carta 49 que vemos Sneca num dos seusmomentosdemaiorfragilidade:elepareceprecisardeLucliomaisquenunca,e lhe pede omesmo tipo de aconselhamento e exortao que ele Snecaacostumaraseaproporcionar:Amortepersegueme,avidaescapaseme.Ensiname [me doce] o que fazer nesta situao [...].Dme coragem [...].Ensina[doce]queoqueavidatemdebomnoasuadurao,masomodocomoaempregamos,etc.(49.10).MastologoSnecarecebeumacartadeLuclio,comoseelesestivessemjuntos(40.1).Paraofilsofo,comovimosacima,possvelestarcomosamigosmesmoquandoestesestoausentes.Eoprazerdaamizadesuperiorprecisamentequandoelesestoausentes,enquantosuapresenaconstantenostornaquaseindiferentesasuacompanhia, Sneca afirma na Carta 55.9. Ademais, mesmo encontrandose namesmacidade,comumqueosamigospoucoseencontrem,perdidosqueestoemsuasinumerveisocupaes.dentrodaalmaquedevemosteroamigo,eaalmanuncaseseparadens (55.11:Amicusanimopossidendusest;hicautemnumquamabest).Poderamosdizerquevenceaquioprimado

    56Cf.Ep.50.1.

  • 288

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    daamizade imaginria.Em34.2, emergeumaposio extrema,quepodemesmo ser usada como argumento para defender o carter ficcional dasEpistulae: Adsero temihi;meum opus es, Tu ests ligado amim, s obraminha.Dapodermosavanara interpretaodesseoutro,desse companheiroLuclio,comoumdesdobramento interiordoautordasEpistulae.LogonaCartaseguinte,Snecaparececoncluiroretratodeumatotalsimbiose,num tomque se aproximadoque encontramosna elegia amorosa(comumlevetoquedevampirismo):

    Cum te tamualde rogout studeas,meumnegotiumago:habereamicumuolo [].Festinaergodummihiproficis,neistucalterididiceris.Egoquidempercipioiamfructum,cummihifingounonosanimofuturosetquidquidaetatimeaeuigorisabscessit,idadmeextua,quamquamnonmultumabest,rediturum.

    Aoincitarteinsistentementeaoestudodafilosofiaestoutrabalhandoemmeuproveito:quepretendoterumamigo[...]Apressate,pois,enquantopodessermeproveitoso,nova tua aprendizagem redundar em benefciode outro qualquer!Eu j estou antevendo oresultado,jimaginocomonsdoishavemosdeterumasalma,eseiqueoqueaminhaidadejperdeuemvigorpoderreceblodatua,emboranomuitodistante(35.12).

    As outras formas de interlocuo citadas ou praticadas nas Cartasapontamparaalgosimilar.ApesardeSnecarealizaroquepropeemtermosdefazerusodosexemplahistricoscomoparticipantesdeumaespciededilogo,porvezeshuma tendncia auma certa abstraodos interlocutores.Jnosreferimossmuitasocasiesemquevozesannimasinterpelamoautor.Outrasvozes estoameiocaminhodessas falasabstratas:porexemplo,afaladanaturezaem22.15,ouodiscursodafilosofiapersonificadaem53.10.PorvezesSnecaquemsedirigeataisentidades,comona sua apstrofe dor em 24.14. Comentei acima que a presena dadivindadeemnosso interiorumdos fatoresdealteridadequeajudamoindivduoamanterconstantevigilnciasobresimesmoeevitarosvcios.Mas se no estoicismo o deus perpassa toda a natureza, e o ser humano,fazendopartedessanatureza,tememsiadivindade,57comonopensarquea interlocuo com o deus tambm uma conversa consigo mesmo?Em41.5, Sneca esforase por distiguir deus de nossa alma, e conservarassimtalprincpiodealteridade:

    57VerFOUCAULT(1984)1289.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca289

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    Quemadmodumradiisoliscontinguntquidemterramsedibisuntundemittuntur,sicanimus magnus ac sacer et in hoc demissus, ut propius [quidem] diuina nossemus,conuersaturquidemnobiscumsedhaeretoriginisuae;illincpendet,illucspectatacnititur,nostristamquammeliorinterest.

    Osraiosdosolatingem,certo,aterra,masestonolugardeondeemanam;domesmomodoessaalmaexcelsaedivina,descidaatnsparanos fazerconhecermaisdepertoadivindade, embora estando em nossa companhia, mantmse ligada s suas origens.Emanaoceleste,paraocuqueolhaesedirige,eestentrenssabendoquenarealidadeestacimadens.

    Habitando o espao dessa interioridade, encontramos, quem sabe,umaoutrainstnciacomqueoindivduoserelaciona:aconscincia.58Nofr.14Haase,amesmapalavracustos,guardio,protetor,queSnecautilizaparasereferiraosexempla (Ep.25.5)edivindadequeestdentrodens (41.2),empregadaparase referirconscientia:custos te tuus sequitur.[]quidtibiprodestnonhabereconsciumhabenticonscientiam?,teuguardiote segue. []deque teadiantano teralgum ciente [doque fizeste], setensaconscincia?NasEpistulae,apalavraconscientiaapareceemdiversasoportunidades,comonoinciodaCarta8,ondeelarepresentaorefgiodequem se separadamultido: Tume inquis uitare turbam iubes, secedere etconscientiaessecontentum? []Ento tumeordenasevitara turba,perguntas, apartarme e contentarme comminha conscincia? []NaEp.97.16, a conscincia acusa os criminosos e osmostra a simesmos comoso. Na 105.7, a prpria conscincia impede os homens violentos decontinuar a agir, e obrigaosmesmo a prestar contas de seus crimes.Desta vez estaramos, talvez,mais proximos do eu, de um espcie deinstnciadapersonalidade,59queapesardesecomportarvoltaemeiacomo

    58SobreaorigemeossignificadosdeconscientiaemSneca,verMOLENAAR(1969)

    eHIJMANSJR.(1970).59Almdeconscientiacomooconhecimentocompartilhadocomalgumecomoo

    estadodeconscinciaqueoindivduotemdequeagiudedeterminadaforma(boaoumconscincia),MOLENAAR (1969)174 tambmadmiteosentidodeakindoforganof thehumanpersonality[]aspacewhichcanbefilled.Oautorrelutaaoestabelecimentodeuma relao entre conscientia e anoode custosobseruatorque encontramos emoutraspassagens,associandoestaltimaentidadeaodeusinteriorqueencontramosemEpicteto( ou ). Mas, como observa HIJMANS JR. (1970) 1901, Molenaar noconsideraofr.14Haase.AafirmaodeFERRARI&PINARD(2006)76dequeosentidodeconscientiaalipresentestillessentiallypubliccarecedemelhorexplicao.

  • 290

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    umoutro,maisseassemelhaaumafunodaprpriaalma,quepodesemanifestarcomoboaoumconscincia(e.g.97.12e122.14).Talvezsejanocampo da conscientia que devamos entender o funcionamento domecanismoque fazSneca to frequentemente falar consigomesmo, como em57.6.Pormaisqueosexempla,odeus,Luclioeoutrasformasdealteridadeconservem uma certa autonomia nos textos senecanos, todas essasinstnciaspassamporumprocessodeinteriorizao.quinaconscientiaqueelasencontramseucampodeao.

    Sneca reconhecequea luta comosprpriosvcios exigemuitodoindivduo,equenessalutasobramuitopoucotempoparaavidaexterior.Aum talponto,quemesmoosbioestarmaisdispostoa fruiraprpriavitriadoquecombaterosmalesalheios(28.7):

    Dissentioabhisqui in fluctusmedioseuntet tumultuosamprobantesuitamcotidiecum difficultatibus rerummagno animo conluctantur. Sapiens feret ista, non eliget, etmaletinpaceessequaminpugna;nonmultumprodestuitiasuaproiecisse,sicumalienisrixandumest.

    Noconcordocomaquelesqueseatiramparaomeiodasvagaseque,levandoumavidadeagitao,lutamdiariamente,comamaiorcoragem,contraasdificuldadesdasituao.Taltipodevida,osbiopodesuportlo,masnoescolhlo;preferirviverempaz,enoemconflito.quepoucoadianta teralijadoosprpriosvciosparaandaracombaterosalheios.

    Aoqueparece,pormaisqueSneca faaquestoderessaltarqueosbiotendeabeneficiarosoutros,nossofilsofonosuperainteiramenteoproblema da falta de comprometimento com outrem que, ele bem sabe,umdospontosfracosdoestoicismo.Umasoluoestnacrenadequeavida contemplativa do sbio redunda em bens para a humanidade, namedidaemqueoconhecimentosobreouniverso,sobredeuseohomem,transmitidopelofilsofoposteridade.Ooutro,ento,queseapresentarestritoaLucliooumesmoaumdesdobramentodoprprioeudofilsofo, tambm tem seusmomentosdeexpanso,quandochegaaenvolvertodoomundo, incluirahumanidade inteira.Ofilsofoentoumgenerishumani paedagogus (89.13), e a vida do filsofo tornase uma rplica nodilogocomospsteros:posterorumnegotiumago(8.2;cf.79.17).JnaEp.8aparecera a idia de isolarse para servir a filosofia, e por consequnciaserviratodos.Essaposturadegenerosidade,contudo,nomantidacom

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca291

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    totalcoerncianasCartas.NaEp.7.9,aprpriapossibilidadedeensinarvistacomoincerta:

    Aliquisfortasse,unusautalterincidet,ethicipseformandustibieritinstituendusqueadintellectumtui.Cuiergoistadidici?nonestquodtimeasneoperamperdideris,sitibididicisti.

    Podeserquecasualmenteapareaumououtrodecujaformaoeeducaotedevasencarregaratoelevaresaoteunvel.Masento,emproveitodequemestudeieu?Notenhasreceio:setiveresestudadoparatimesmo,notersperdidooesforo.

    MesmocomtodoocalorqueaamizadeentreLuclioeSnecasugere,eapesardetantascartassededicaremnicaeexclusivamenteadarconselhosaodestinatrio,hummomento emqueo filsofod a impressode implodir.Someaprpriaconfiananessacapacidadedeserumguiadaconscinciaalheia,eficamosnovamenteabandonadossolidodeumalutaindividualcontraosmalesinteriores.RefiromeaogestoderecusadaCarta68.89:

    Nolo nolo laudes, nolo dicas, o magnum uirum! contempsit omnia et damnatishumanaeuitae furoribus fugit.Nihildamnauinisime.Non estquodproficiendi causauenireadmeuelis.Erras,quihincaliquidauxilisperas:nonmedicussedaegerhichabitat.

    No,eunopretendoquemecubrasdelouvores,oumechamesumhomemadmirvelqueseretiroupordesprezarasociedadeecondenartodasaspaixesqueafligemoshomens!Uma coisa apenas eu condenei: amimmesmo!No devers aproximarte demim naesperanadequeeupossasertetil.Estsenganadosepensasquepodesencontraraquialgumauxlio:quemmoranestacasaumdoente,noummdico.60

    EssedesabafovazadocomtaisextremosdepessimismonootomtpicodasCartas,mas indicaumsrioabalonarelaoentreSnecaeseupupilo. Para nossa edificao, talvez seja mais til ver em Sneca umexemplumaumstempopositivoenegativo,nemosantoCatonemoperversoAlexandre,masumhomemmedocrequeoferece como espetculosuasmazelasesuapatticalutacontraaspaixes.Noentanto,oidealpraticamente inalcanvel do sbio e de sua liberdade interior objeto deconstante meditao nas Cartas, e acaba por constituir, de certa forma,

    60 Para os paralelos que o pensamento antigo e, em particular, Sneca esta

    beleciamentreateraputicadocorponamedicinaeadaalmanafilosofia,verFOUCAULT(1984)757,79.Jvimosessetpicoacima,nofinaldaintroduo,naEp.27.

  • 292

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    omodelodeumoutroabsoluto:osbio tudooquenosomos.61Essemodelo, contudo, Sneca o descobre como um potencial em seu prpriointerior.Frenteaesseparadigmaqueofilsofoconstriumaimagemconvincentedasuaedanossahumanidade.

    Concluso

    UmadasvertentesdasEpistulaemoralesadLuciliumoensinamentodeexerccios demeditao (82.8: adsidua meditatio, [] exercueris [] animum)destinados ao aperfeioamentomoraldodestinatrio.Em conexo com taisexercciosencontramosumtemarecorrente:odediversosoutrosquevivemou podem viver em nosso interior e l desempenham o papel de companheiros, testemunhas, ou mesmo juzes. Assim aparecem as figuras daconscientia(comoemEp.43.45),dadivindadequeviveemnsetudov(83.1,102.29),oudepersonagenshistricasquetomamoscomomodelosepassamaserelacionarconosconoplanoda imaginao (11.810).Notase tambmnasCartas a presena constante do discurso citado (como em 7.10), de interlocutores annimos (9.13), de rplicas imaginrias representando possveisobjeesouperguntasdeLuclio(2.4),oudecitaesdepalavrasqueoprprioSneca teria pronunciado ou pensado em outras ocasies (8.35). Tais procedimentos estilsticos sugerem que o problema do outro interiorizadomanifestasenoapenascomotemticadacorrespondnciaentreSnecaeseupupilo:asCartasjsotambmumexercciodemeditaocumdialogo.Nelas, diversas instncias de alteridade do a Sneca a oportunidade deconfrontar suas ideias compontosdevistadiferentesdos seus.At certoponto, aprpriapresenadessasoutrasperspectivas emdilogo comoeusenecanoqueoobrigaasetornarumpensadortomaleveleatentoaosdiversos ladosdecadaquesto.AsEpistulaemoralesseoferecemcomouma obra emque os limites tnues entreodilogo e o solilquio so aomesmo tempodiscutidosedramatizados.A tensoeomagnetismoentreessespolos (a conversa eomonlogo) se traduzem tambmnosdebates,frequentesnasCartas,sobreosprseoscontrasdeseestarcomosoutrosouunicamenteconsigomesmo.

    61Paraumareflexosobreaangstiaquepodenascerdoconfrontoentreoscon

    ceitosabsolutosdesabedoria/virtudeeloucura/vcionoestoicismo,verLAMPE(2008)813.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca293

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    BibliografiacitadaABEL, K. (1981), Das Problem der Faktizitt der Senecanischen Korres

    pondenz:Hermes109.4,472499.ABEL,K.(1985),Seneca.LebenundLeistung:ANRWII.32.2,653775.ALEXANDRE JR.,M. (2002), CartasdeconsolaoaLuclio:anlise retrica

    da Epistula 63 de Sneca:NASCIMENTO,A.A.,De Augusto a Adriano.Lisboa,CentrodeEstudosClssicos,115.

    BAKHTIN, M. (1984), Problems of Dostoevskys Poetics, ed. and trans. byC.EMERSON.Manchester,ManchesterUniversityPress.

    BROWN, E. (2009), Politics and Society: WARREN, J. (ed.), The CambridgeCompaniontoEpicureanism.Cambridge,CambridgeUniversityPress,17896.

    BURNET,J.(1901),PlatonisOpera,vol.2.Oxford,OxfordUniversityPress.CHIAPPETTA, A. (1999), De tranquillitate animi como exerccio espiritual:LetrasClssicas3,2338.

    COFFEY,M.(1989),RomanSatire.2.ed.Bristol,BristolClassicalPress.DAVIES,M.(2010),ACommentaryonSenecasEpistulaeMoralesBook4(Epistles3041).Diss.Auckland.

    DIELS,H.&KRANZ,W.(1951),DieFragmentederVorsokratiker,vol.1.6.ed.Berlin:Weidmann.

    DOSSANTOS,M.M. (1999), ArtedialgicaeepistolarsegundoasEpstolasmoraisaLuclio:LetrasClssicas3,4593.

    DUDLEYD.R. (1937),AHistoryofCynicism fromDiogenes to the6thCenturyAD.London,Methuen.

    EDWARDS, C. (2008) [1997], SelfScrutiny and SelfTransformation inSenecasLetters: FITCH, J.G. (ed.),OxfordReadings inClassical Studies:Seneca.Oxford,OxfordUniversityPress,84101.

    FANTHAM,E.(2010),Seneca,SelectedLetters.Oxford,OxfordUniversityPress.FARQUHARSON,A.S.L.(1944),ThemeditationsoftheemperorMarcusAurelius,

    vol.1.Oxford,OxfordUniversityPress.FERRARI,M.&PINARD,A.(2006),DeathandResurrectionofaDisciplined

    ScienceofConsciousness:JournalofConsciousnessStudies13.12,7597.FOUCAULT,M.(1984),HistoiredelasexualitIII:Lesoucidesoi.Paris,Gallimard.GOTTSCHALK,H.B.(1982),DiatribeAgain:LCM7,912.GOTTSCHALK,H.B.(1983),MoreonDiatribe:LCM8,912.

  • 294

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    GRIFFIN,M.T.(1992),Seneca:APhilosopherinPolitics.2.ed.Oxford,OxfordUniversityPress.

    GRIMAL, P. (1978), Snque ou La Conscience de lempire. Paris, Les BellesLettres.

    GUMMERE, R. M. (1918), Seneca, Ad Lucilium Epistulae Morales, vol. 1.London;NewYork,Heinemann;G.P.PutnamsSons.

    HAASE, F. (1902), L. Annaei Senecae opera quae supersunt, vol. 4: Supplementum.Leipzig,Teubner.

    HABINEK, T. (1998), The Politics of Latin Literature. Princeton; Oxford,PrincetonUniversityPress.

    HADOT, I. (1986), The Spiritual Guide [in Classical Antiquity]:ARMSTRONG, A.H. (ed.),World Spirituality: An EncyclopedicHistory ofReligiousQuest,vol.15.NewYork,Crossroad,436459.

    HADOT,P. (2002),Exercicesspirituelsetphilosophieantique.Nouvelleditionrevueetaugmente.Paris,AlbinMichel.

    HICKS,R.D.(1925),DiogenesLaertius,LivesofEminentPhilosophers.London;NewYork,Heinemann;G.P.PutnamsSons.

    HIJMANS Jr.,B.L. (1970), Conscientia inSeneca:ThreeFootnotes:Mnemosyne,FourthSeries,23.2,18992.

    HINE,H. (2010), FormandFunctionofSpeech in theProseWorksof theYoungerSeneca:BERRY,D.H.&ERSKINE,A.(edd.),FormandFunctioninRomanOratory.Cambridge,CambridgeUniversityPress,20824.

    HIRZEL,R.(1895),DerDialog.Leipzig,S.Hirzel.INWOOD,B.(2005),ReadingSeneca:StoicPhilosophyatRome.Oxford,Oxford

    UniversityPress.INWOOD, B. (2007), Seneca, Selected Philosophical Letters. Oxford, Oxford

    UniversityPress.JOCELYN,H.D.(1983),DiatribeandtheBookTitle:LCM8,8991.JOCELYN,H.D.(1982),DiatribesandSermons:LCM7,37.JOCELYN,H.D.(1979),Horace:Epistles1:LCM4,1456.KER,J.(2009),TheDeathsofSeneca.Oxford,OxfordUniversityPress.LAMPE, K. (2008), SenecasNausea: Existencial Experiences and Julio

    ClaudianLiterature:Helios35.1,6787.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca295

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    LEIGH,M. (2007),Neronian Literature and Society Seneca, Letters.Oxford,materialdidticonopublicado.

    LEIGH,M. (2004), Quintilianon theEmotions (InstitutioOratoria6Prefaceand12):JRS94,12240.

    LI,W.(1993),Sneca,Sobreabrevidadedavida.SoPaulo,NovaAlexandria.MAYER,R.G. (2008) [1991], RomanHistoricalExempla in Seneca: FITCH,

    J.G. (ed.),Oxford Readings in Classical Studies: Seneca.Oxford,OxfordUniversityPress,299315.

    MAZZOLI,G.(1989),LeEpistulaeMoralesadLuciliumdiSeneca.Valoreletterarioefilosofico:ANRWII.36.3,182377.

    MAZZOLI,G. (2000), LevocideiDialoghidiSeneca:PARRONI,P. (ed.),Senecaeilsuotempo.Roma,Salerno.

    MOLENAAR,G. (1969), SenecasUse of the TermConscientia:Mnemosyne,FourthSeries,22.2,17080.

    NEWMAN, R. J. (1989), Cotidie Meditare. Theory and Practice of theMeditatioinImperialStoicism:ANRWII.36.3,1473517.

    OLTRAMARE,A.(1926),LesOriginesdeladiatriberomaine.Diss.Genve.PANNACIO,C. (1999),LeDiscours intrieur dePlaton Guillaume dOckham.

    Paris,ditionsduSeuil.PETERLINI,A.A.(1999),Umavisosenequianadaamizade:LetrasClssicas

    3,95108.PICHON,R. (1912), Les travaux rcents sur la chronologiedesoeuvresde

    Snque:JS10,21225.REYNOLDS, L. D. (1965), L. Annaei Senecae ad Lucilium EpistulaeMorales.

    Oxford,OxfordUniversityPress.REYNOLDS,L.D.(1977),L.AnnaeiSenecaeDialogorumLibriDuodecim.Oxford,

    OxfordUniversityPress.RICHARDSONHAY, C. (2006), First Lessons: Book 1 of Senecas EpistulaeMorales:ACommentary.Bern;Oxford,PeterLang.

    ROBERTS, W. R. (1902), Demetrius on Style. Cambridge, CambridgeUniversityPress.

    RUSSELL,B.(1946),HistoryofWesternPhilosophy.London,GeorgeAllenandUnwin.

  • 296

    AlessandroRolimdeMoura

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    SARAIVA,F.R.dosS.(1927),Novissimodiccionariolatinoportuguez.9.ed.RiodeJaneiro;Paris,Garnier.

    SCARPAT,G.(1975),LucioAnneoSeneca,LettereaLucilio,Libroprimo.Brescia,Paideia.

    SEABRAFILHO,J.R.(1994),Sneca,Sobreatranqilidadedaalma;Sobreocio.SoPaulo,NovaAlexandria.

    SEGURADOECAMPOS,J.A.(2004),CartasaLuclio,LcioAneuSneca.2.ed.Lisboa,FundaoCalousteGulbenkian.

    SUMMERS,W.C.(1910),SelectLettersofSeneca.London,Macmillan.TRAINA,A.(1974),LostiledrammaticodelfilosofoSeneca.Bologna,Ptron.USENER,H.(1887),Epicurea.Leipzig,Teubner.VONARNIM,H.(19031905),Stoicorumueterumfragmenta.Leipzig,Teubner.WILLIAMS, G. D. (2003), Seneca, De otio; De brevitate vitae. Cambridge,

    CambridgeUniversityPress.WILSON, E. (2014), The Greatest Empire: A Life of Seneca. Oxford, Oxford

    UniversityPress.WILSON,M.(2008)[1987],SenecasEpistlestoLucilius:ARevaluation:FITCH,

    J. G. (ed.), Oxford Readings in Classical Studies: Seneca. Oxford, OxfordUniversityPress,5983.

    WILSON,M.(1997),TheSubjugationofGriefinSenecasEpistles:BRAUND,S.M.&GILL, C. (edd.), The Passions in Roman Thought and Literature.Cambridge,CambridgeUniversityPress,4867.

    WINTERBOTTOM, M. (1974), The Elder Seneca, Declamations. Cambridge,Mass.;London,HarvardUniversityPress;Heinemann.

  • DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca297

    gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)

    *********

    Resumo:Esteartigodiscuteostatusdodilogo interiornasCartasdeSnecaeofereceumadescriodosvriosoutrosqueparticipamdessainterao.

    Palavraschave:Sneca;epistolografia;estoicismo;dilogointerior;meditao;amizade.

    Resumen:Esteartculoexaminaelstatusdeldilogo interioren lasCartasdeSnecayofreceunadescripcindelosdiferentesotrosqueparticipanenesainteraccin.

    Palabrasclave:Sneca;epistolografa;estoicismo;dilogointerior;meditacin;amistad.

    Rsum:CetarticletudielestatutdudialogueintrieurdanslesLettresdeSnqueetoffreunedescriptiondecertainsautresquiparticipentdecetteinteraction.

    Motscls:Snque;pistolographie;stocisme;dialogueintrieur;mditation;amiti.