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Diálogo Com o Tempo

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Instalada a 31 de janeiro de 1835, sob a

denominação de Assembléia Legislativa Provincial, a

Assembléia Legislativa de Minas Gerais apresentou-

se, nos 170 anos que se seguiram, como autêntico

produto de seu tempo: passou por alterações

político-jurídicas, regimentais, sociais e econômicas;

ocupou diferenciados espaços físicos e espelhou, no

seu cotidiano, o desenvolvimento do Estado e do

País.Em outras palavras, ela foi, e há de continuar

sendo, além de agente da história, uma das

principais caixas de ressonância em que o fazer

histórico se traduz e se amplia.

Nesta obra, os autores fazem um relato dessa

trajetória, sem, como informam, a pretensão de

recuperar a história política mineira, mas sim o

desempenho do Poder Legislativo. Assim, as

atividades dos parlamentares, traduzidas por seus

discursos, projetos, requerimentos e outras ações,

eventualmente agregadas ao texto, representam

testemunhos de momentos significativos para

aquela instância de poder, para Minas Gerais e o

Brasil. Mas, como não podia deixar de ser, tais

registros recuperaram boa parte do discurso e da

prática da elite política no processo de

desenvolvimento do Estado.

Paraa organização do trabalho, os autores dividiram

o estudo em seis capítulos. O primeiro abrange o

período de 1835 a 1889, ou seja, desde a

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Diálogo com o tempo170 anos do Legislativo Mineiro

Belo HOrizonte 1 2005

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DIÁLOGO COM O TEMPO170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

FICHA TÉCNICA

Execução do Projeto ..

CódlCe Consultoria em História

Pesquisa e Texto ..Maria Auxiliadora de Faria

Otavio Soares Dulci

Auxiliares de Pesquisa.André Vieira Guimarães

Cátia Cristina Avelino

Ememeline Salume Mati

Rafael da Cruz Alves

Entrevistadores .

Maria Auxiliadora de Faria

Otavio Soares Dulci

Transcrição de Fitas

Nila Rodrigues Barbosa

Revisão e Edição de Texto .

Manoel Marcos Guimarães

Diretoria de Comunicação Institucional

Ramiro Batista

Gerência.Geral de Imprensa e Divulgação .

Lúcio Pérez

Gerência de Comunicação Visual .

Joana Nascimento

Projeto Gráfico e Capa.Rodrigo Valente

Revisão Final .

Gerência de Comunicação Visual

Fotografias .

Página 16 e capa - Reprodução do documento original do Arquivo Público MineiroPaginas 64. 136, 166. 33B e capa - Fotos cedidas pelo Museu Histórico Abilio BarretoPagina 246 e capa - Acervo Jomal Estado de Minas

MESA DA ASSEMBLÉIA

Deputado Ma uri Torres .Presidente

Dep utado Rêmolo Aloi se .l°-Vice-Presidente

Deputado Rogério Correia .2°-Vice-Presidente

Deputado Fábio Avelar .30_Vice-Presidente

Deputado Antôn io And rade .l°.Secretário

Deputado Luiz Fernando Faria .

2°-Secretário

Deputado EImiro Nasci mento .

3°-Secretário

F224d

Faria, Maria Auxiliadora de.Dialogo com o tempo: 170 anos do Legislativo Mineiro. _

Belo Horizonte: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais,2005

390 p.

1. Poder Legislativo. História. Minas Gerais. 2. AssembléiaLegislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG). I. Dulci. Otavio

Soares. 11. Titulo.

(OU: 342.53(815.1)...........................................................................................................................................................................

J _

Page 5: Diálogo Com o Tempo

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Sumário

Apresentação 11

Introd ução . 1 3

Capítulo Primeiro: O Legislativo provincial................................................. 17Mera figuração . 19O cenário econômico - Um mosaico auto-suficiente 2 OO cenário cultural - Elite versus "a soma problemática" 21Conselhos Gerais - Um poder consultivo 22As assembléias legislativas brasileiras - Cidadania excludente 24A Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais 26O ato interpretado 36A Revolução de 1842 39O fim da escravidão........................................................................ . 43O regionalismo - Mineiridade e c1ientelismo . 49Erudição e cortesia .. 53As vésperas da República 56

Capítulo Segundo: O Legislativo e a Primeira República 65A nação mineira ., 67A surpresa da República 68Boiada reunida na crise............................ 71A minieridade, com Tiradentes .. 73O Congresso Constituinte de 1891 - Um grande Estadoconservador 74O efêmero poder dos Municípios 77O pífio "Senadinho"...................... 78A muda nça da ca pi ta I . ...8 OO primeiro Congresso mineiro - De Constituinte a Legislativo 81De novo, a mudança da capital... 83Espaços do Congresso na nova capital..... 86Fraudes: herança imperial...................................... 88A carência de mão-de-obra..................................... 89Um ensaio de reforma agrária ..91A supremacia do café 97A convenção de Taubaté.............. 99A salvação da lavoura...................................................... 102

Page 6: Diálogo Com o Tempo

DIÁLOGO COM O TEMPO170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Capítulo Quinto: Os anos de chumbo: submissão e resistência 247Observação . 249Página infeliz 251Regimento no coldre.. . 253Democracia, doce ilusão 255Rebeldes em Minas e na Guanabara . 259Cai a máscara... 263Partidos de laboratório.. 264

..187.......... 190

.............................................. 191. 191

....... .194.......... . 195

............................196... ... 199

......................... 202....................203

.............................204... 206

.......................................207........... 209

............................212..... 215

..................... 217218

.......................220.........221

............ 225. . 227............229

..................................230

. 231.........233

................................. 235..................236

.....238

....239241

................242

Poder e crescimento partidário .Mulher e sindicalistas .Estrutura e funcionamento ..-Estrutura modesta ...-Rodízio no comando .....-As comissões permanentes ..-As comissões especiais-O incêndio de 1959, suspeito? ...

UDN x PSD..Pauta nacional .Prioridade regional .Consensos pelo desenvolvimento ...Sucesso energético ..Divergências acirradas ...A calmaria antes da tempestade ...Pauta trabalhista.O difícil imposto rural ...Posse da terra, velha polêmica ..Um garçom e o estatuto da terra ..A renúncia e o golpe fracassado ...A conciliação via Tancredo .Parlamentarismo efêmero .Pausa para o BDMG .Polarização convencional ..Articulação antiesquerdista ..CPI não esclarecedora ...Tensão nacional e pauta regional ...Debate ideológico ....As polêmicas reformas de base ...Avanço e resistência .....Medo da revoluçãoImpasses, desagregação e golpe .

Capítulo Quarto: Intervalo entre duas ditaduras 167A vez dos partidos nacionais . 169A cisão pessedista. 173Renovação conservadora . 174Caça aos comunistas 179Pluripartidarismo e alianças das elites.. . 182A união em torno de JK..... . 185

A guerra e nova crise ..103Desenvolvimento, com o pé atrás 105A corte ao capital estrangeiro . 107A política do café-com-Ieite 110RespaIdo Ieg islativo 111A educação republicana .. . 112Universidade: o sonho concretizado 116Memória preservada 118Crises e avanços dos anos vinte 120Nasce o voto secreto . 122Mulheres não votam . 125Façamos a revolução . . 126

I Legislativo sol idário...................................................... 128A Revolução de 1930 130Vitória e decepção com Vargas . 133

Capítulo Terceiro: Da Revolução de 30 ao Estado Novo . 137A nova ordem sem o Legislativo....................... . 139A revanche paulista . 141A reciclagem das elites . . 142Acordo de gerações . . 144Novos e efêmeros partidos .. . 145O velho e o novo na Constituinte de 35... . . 146Surge a controvérsia.... ...147Livre, mas com limites..................................... . 148Judiciário sob controle .. . 151A polêmica representação classista . 153Fora dos municípios ...155Erosão e colapso do regime . 157Impulsos autoritários.. . 158A autonomia de Minas . . 160Valadares X Andrada . 162Negra era . 165

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Sobrevivência nas sublegendas . 265Abrigo a estudantes........ .267Resistência e cassação .269Poder inoperante 27 2Frente rasa e curta 273Democracia claud icante 274Velha orde m dom inante . 276Bipartida rismo à força .........................................27 81968, os estudantes na rua . 279Poder acuado........... . 281AI-5, o adeus às ilusões............................ . 283Dias piores 285Pra frente, BrasiI . 289O .•milagre mineiro" . 291Casa própria . 293Discursos censurados .. . 296M inas ma rg inaIizada . 299Uma luz no fim do túnel................................................................ 302A economia vai bem, mas... . 303Direitos fragilizados . 305Milagre esfumaçado . 306O pacote biônico ...307A nova velha ordem . 312O novo sindicalismo . . 31 5Mobilização ampla e geral.............. . 317Morte sem foguetes . 319Veto do major ... 32 OMais uma reforma imposta .. 321Uma bomba no meio do caminho . 326Fim do jejum . .. . 327O peso de Tancredo .328O País nas ruas pelas diretas..... .331O fim do sonho 333A vitória da conciliação............. 334Casa do povo . 33 5O gosto amargo da frustração..... 337

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Capítulo Sexto: Transição para a democracia e construção do futuro. 339Lamento e congelamento 341Novo perfi I 344Tentativa de impeachment 345Rico processo 346Mod ern ização necessária 349A dança dos partidos . 349A dança das profissões . 351Cultura e meio ambiente na pauta .. 355Servidores e privatização 355Fundos de desenvolvimento............ 356Controle da terra . 357Greve e reforma da PM 358Resoluções de ética 358Foco nas comissões 361Foco nos temas especiais 363Foco nas investigações . 365Modernização pela legitimidade.................... 367Pioneirismo na informática 368Escola de cidadania........................ 371Legislativo ao vivo 371Ao lado do consumidor 372Tribuna da democracia 373Abertura para o debate.... 375Audiências deliberativas........... 376Subvenções paradoxa is.................................................................... 378Uma comissão para0 povo .............................................................380Rumo ao interior 382Pronta para o século XXi 383

Fontes e Bibliografia 385

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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Apresentação

Em 170 anos, a Assembléia Legislativa do Estado de MinasGerais percorreu o caminho do crescimento e da superação,mantendo sempre como metas a fiel representatividade do povomineiro, a democratização da informação e a valorização daparticipação popular.

Durante essa trajetória, o Parlamento mineiro foi o foroprivilegiado de decisões políticas, das disputas partidárias, dasgrandes discussões sobre temas relevantes para o bem-estarsocial do povo mineiro, mas foi, sobretudo, um cenário defavorecimento da integração entre o poder público e a socie-dade.

Alcançamos, agora, o início do século XXI com a satisfa-ção de termos sido pioneiros na implantação de serviços deinformatização de dados e na instalação de uma emissora detelevisão exclusiva e sentimos o orgulho de praticar a aproxi-mação com a sociedade civil por meio de fóruns, seminárioslegislativos, ciclos de debates e eventos os mais diversifica-dos no interior do Estado.

Esta publicação representa o propósito de resgatar a histó-ria da instituição nesses 170 anos, sem a pretensão de expor ahistória política mineira, ainda que dela retire toda acontextualização aqui necessária, mas sim tendo o foco prin-cipal no desempenho do Poder Legislativo.

Acreditamos que, mais uma vez, a Assembléia Legislativado Estado de Minas Gerais cumpre seu papel, ao oferecer aopovo mineiro a oportunidade de conhecer mais de perto a his-tória do Legislativo no Estado, ao apresentar temas de interes-se da sociedade e democratizar informações que contribuampara o aprimoramento da consciência cidadã em Minas.

Deputado Mauri TorresPresidente

1 1

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170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Introdução

Ao completar 170 anos, a Assembléia Legislativa de MinasGerais apresenta-se como uma das instituições mais modernasdo Estado e do País. Ostenta, com justo orgulho, neste início doséculo XXI, moderna estrutura organizacional e relevantes con-quistas. Entre elas, o pioneirismo na implantação de serviçosde informatização de dados e a instalação, antes mesmo doCongresso Nacional, de uma emissora de televisão exclusiva,cujo propósito é fazer chegar à sociedade o desempenho dosparlamentares e os trabalhos por eles desenvolvidos, seja noPlenário ou nas Comissões ou, ainda, nas audiências públicas ereuniões diversas promovidas para ouvir os cidadãos.

Está, portanto, tecnologicamente equipada não apenas paraprestar inúmeros serviços à sociedade, mas também, e princi-palmente, para relacionar-se com ela de maneira transparen-te, como convém a toda instituição pública. Para sintonizar-se, nos dias atuais, com a era pós-moderna e globalizada, aAssembléia teve de trilhar longo caminho, marcado por per-manências e rupturas, como, em última instância, são tam-bém os caminhos da história.

O livro que ora apresentamos tenta recuperar, mais que essatrajetória, o caminhar da Assembléia Legislativa de Minas Geraispor entre suas curvas, seus atalhos, vãos e desvãos. E, no terrenofronteiriço entre os estudos acadêmicos e a narrativa jornalística,reconstituir a história da instituição. Inscreve-se, pois, na esteirada moderna historiografia, que consagra especial interesse à cha-mada micro-história, ou à retomada de um tempo vivido porgrupos sociais específicos, que se constituem em agentes históri-cos no mundo das instituições, das empresas, das fábricas, dasassociações, das vilas, das cidades. Esse interesse pelas particu-laridades não se manifesta, contudo, em detrimento de uma vi-são ampla da história, mas advém da certeza de que amodernidade trouxe consigo a segregação das experiências vividas,que carecem ser recuperadas. Como afirmou Phillippe Áries, "numacivilização que elimina as diferenças, cabe à história restituir osentido perdido das particularidades".1

Instalada a 31 de janeiro de 1835, sob a denominação deAssembléia Legislativa Provincial, nos 170 anos que se segui-

1 ÁRIES. Phillippe. o tempo da história. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1989. p.Z55. 13

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DIALOGO COM O TEMPO

ram apresentou-se como autêntico produto de seu tempo:passou por alterações político-jurídicas, regimentais, sociais eeconômicas; ocupou diferenciados espaços físicos e espelhou,no seu cotidiano, o desenvolvimento do Estado e do País. Emoutras palavras, a Assembléia Legislativa do Estado de MinasGerais foi, e há de continuar sendo, além de agente da histó-ria, uma das principais caixas de ressonância em que o fazerhistórico se traduz e se amplia.

Não tivemos a pretensão de recuperar a história políticamineira, e sim o desempenho do Poder Legislativo. Assim, asatividades dos parlamentares, traduzidas por seus discursos,projetos, requerimentos e outras ações, eventualmente agre-gadas ao texto, representam testemunhos de momentos signi-ficativos para aquela instância de Poder, para Minas Gerais e oBrasil. Mas, como não podia deixar de ser, tais registros recu-peraram boa parte do discurso e da prática da elite política noprocesso de desenvolvimento do Estado.

As principais fontes de pesquisa de que nos utilizamos fo-ram os documentos textuais produzidos pela Casa: anais desessões legislativas e outras publicações. Os pronunciamen-tos e discursos, ou trechos deles, foram referenciados pelasdatas em que foram feitos, com a natural dispensa de citaçãodos anais correspondentes nas notas de pé de página.

Foram agregados à extensa documentação produzida pelaAssembléia noticiários de jornais, periódicos e a bibliografiade suporte para a contextualização histórica. Utilizamo-nostambém de depoimentos de alguns dos ex-presidentes da As-sembléia que atenderam ao nosso convite e se dispuseram anarrar fatos e situações que consideraram relevantes no de-correr de suas gestões. Seus nomes estão citados ao final dolivro e a eles apresentamos sinceros agradecimentos.

Para a elaboração do texto, seguimos, em linhas gerais, osmarcos que periodizam a história política brasileira e o repar-timos em seis capítulos.

O primeiro abrange o período de 1835 a 1889, ou seja,desde a conjuntura que propiciou a instalação das Assembléi-as Legislativas Provinciais até o final do Regime Imperial. Osegundo capítulo tenta recuperar o desempenho do Congres-so Mineiro e cobre o período da chamada República Velha, de1889 a 1930, quando da ruptura do Estado Oligárquico. Oterceiro reconstitui as incertezas dos anos de 1930, aborda ostrabalhos da Constituinte Mineira de 1935 e culmina com a

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

decretação do Estado Novo, em novembro de 1937. O quartocapítulo cobre o período de reabertura do Legislativo, em 1947,e vai até a insurreição de abril de 1964. O quinto recuperatodo o período do regime autoritário de 1964-1984 e terminacom a instalação da chamada Nova República, em 1985. Osexto capítulo refere-se aos últimos 20 anos, caracterizadospela reconstrução democrática do País, buscando reconstituira atuação recente da Assembléia e apontar suas perspectivasrumo ao futuro.

Essa periodização leva em conta um movimento pendularda história política brasileira, há muito debatido nos meiospolíticos e intelectuais. Trata-se da alternância entre fases decentralização e de descentralização do poder: ao regimeimperial, que era unitário, seguiu-se a introdução do federalis-mo, que foi amplo na Primeira República; com a revolução de1930, ocorreu uma nova centralização, culminando na ditadurado Estado Novo, que praticamente suprimiu a autonomia dosestados-membros; a esta sucedeu um regime democráticorelativamente descentralizado; contudo, em 1964 se iniciouuma trajetória inversa, que novamente fragilizou de modoprofundo a autonomia dos Estados; por fim, o pêndulonovamente se moveu no rumo da descentralização, com a tran-sição política que conduziu à Constituição de 1988.

A história do Poder Legislativo mineiro espelha com notá-vel clareza esse processo mais geral, o que torna significativoseu acompanhamento e abre a oportunidade para que o registroda experiência mineira possa ser cotejado com o que aconte-ceu em outros Estados da Federação com as suas casaslegislativas, ao longo do tempo.

A concretização deste livro só foi possível graças ao inte-resse da atual Mesa da Casa, representada por seu presidente,deputado Mauri Torres, e ao empenho da Diretoria deComunicação Institucional, representada por seu diretor,jornalista Ramiro Batista de Abreu. A ambos registramos nos-sos agradecimentos, extensivos aos servidores da Assembléiaque deram suporte à coleta de informações e nos apoiaramcom o seu incentivo para o sucesso da obra.

Belo Horizonte, dezembro de 2005Maria Auxiliadora de Faria e Otávio Soares Dulci

15

Page 11: Diálogo Com o Tempo
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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Mera figuração

Após a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em1808, a colônia brasileira foi alçada à condição de Reino Uni-do de Portugal e Algarves e as antigas capitanias tornaram-seprovíncias.

A partir de então, e principalmente após a independênciado Brasil, em 1822, Minas Gerais harmonizou-se politicamen-te com as demais províncias, não se destacando mais pelaefervescência que tanto marcara a Capitania. Era uma provín-cia como tantas outras do vasto Império brasileiro.

Projetou-se apenas e tão-somente pela atuação de líderescomo Bernardo Pereira de Vasconcelos, chamado o "GiganteIntelectual do Império", e Honório Hermeto Carneiro Leão, oMarquês do Paraná, e pelo liberalismo radical dos irmãosTeófilo e Cristiano Otoni.

Ainda assim, e para não fugir à tradição, a Província minei-ra acabou sendo palco de pelo menos dois movimentos decontestação ao sistema: a chamada Sedição militar de OuroPreto, ou "Revolução do ano da fumaça", em 1833, e a Revo-lução Liberal de 1842.

Em decorrência da hipertrofia do Governo Imperial, suaAssembléia Legislativa, a exemplo do que ocorreu em outrasprovíncias, não teve desempenho significativo, principalmen-te depois de 1840.

Cerceada por uma legislatura extremamente rígida, nãopossuía atribuição para discutir o que era de fato relevante àProvíncia, como questões referentes à produção econômica, àinfra-estrutura, à arrecadação de impostos e à segurança. Oque sobrava à discussão dos deputados provinciais eram te-mas de somenos importância, como a aprovação obrigatóriado orçamento, e veleidades políticas.

Além disso, as relações das assembléias provinciais com ospresidentes das províncias - mandatários do Poder Executivo_ eram apenas formais. Como funcionários do Governo Impe-rial, aquelas autoridades nem sempre tinham compromisso coma região para onde eram nomeadas. Na maioria das vezes, se-quer eram nascidos nas províncias que eventualmente presi-diam. Nos curtos espaços de tempo em que ocupavam o car-go, os presidentes limitavam-se, quase sempre, aos enfado-nhos despachos de gabinete. 19

Page 13: Diálogo Com o Tempo

20

DIÁLOGO COM O TEMPO

Entre 29 de fevereiro de 1824 e 17 de novembro de 1889,

houve em Minas 122 períodos administrativos: 59

presidentes e 63 vice-presidentes em exercício.

Descontando cinco destes que, sem interrupção,

passaram a presidentes, nos 65 anos, 8 meses e 16 dias, a

média de cada administração foi de 6 meses e 22 dias.2 A

pequena duração das administrações dispensa, por si só,

qualquer justificativa sobre a inoperância das mesmas.

De seu lado, ainda que com períodos legislativos maisalongados - dois anos -, naquele cenário que compunha oteatro político-jurídico do Império brasileiro, as assembléiaslegislativas provinciais foram meras figurações de umespetáculo que teve longa duração: de 1835 a 1889.

o cenário econômicoUm mosaico auto-suficiente

"O mais bonito diamante da coroa do Brasil". Foi com essaexclamação que o imperador Pedro I se referiu a Minas Geraispouco antes da proclamação da independência do Brasil. En-tretanto, no decorrer do século XIX, a visão que se cristalizousobre a Província foi sempre remetida a certo marasmo, comatividades econômicas praticamente estagnadas.

Saudosistas dos tempos áureos da mineração, os primeiroshistoriadores mineiros e, por extensão, aqueles que se debruça-ram sobre seus estudos, não perceberam os resultados positivosocorridos no processo de substituição das atividades mineradoras.

Iniciado ainda no século XVIII, o processo de recuperaçãoeconômica da região fundou-se, basicamente, na diversifica-ção de atividades produtivas que transformou a economia daProvíncia em algo distinto e com especificidade muito própriano cenário do Império.

Depois de constatar a predominância demográfica daProvíncia, uma inevitável pergunta se interpunha aos estudiosos

2 Revista do Arquivo Público Mineiro. Direção de Redação de J. P.Xavier da Veiga. Ano I. ouro Preto.Imprensa Oficial de ~Iinas Gerais: 1896. p.17.

170 ANOS DO LEGISLAnvO MINEIRO

que se propuseram a desvendar a realidade da Minas Geraisoitocentista: como seria possível a uma província cuja econo-mia estava estagnada, sustentar a maior população do Brasil eainda manter o mais numeroso planteI de escravos? Para res-ponder a tal questão, pesquisadores e analistas montaram umverdadeiro quebra-cabeça, que definiu a Província como ummosaico de regiões e sub-regiões entre meadas por imensa va-riedade de atividades produtivas que lhe conferiram singularauto-suficiência econômica.

o cenano culturalElite versus a 1/ soma problemática 1/

Em termos da educação formal, como já se sabe, até a pro-clamação da República o ensino no Brasil estava a cargo daIgreja, mesmo porque não havia separação entre os poderescivil e religioso. A formação educacional primária e secundáriade jovens oriundos da elite era dada em colégios e seminários.De modo geral, o predominante no País era: concluído o cursosecundário ou preparatório, os moços - não muitos - rumavamà Corte no Rio de Janeiro ou a São Paulo e, em muitos casos, aPortugal, onde adquiriam formação superior, com acentuadapreferência pelo bacharelado em Direito.

Em meio a esse quadro de desolação do ensino formal, vi-cejaram na Província três importantes instituições de ensino,responsáveis, em boa medida, pela diferenciação no processode formação da elite mineira: o Seminário de Mariana, o Colégiodo Caraça e, mais tarde, em 1876, a Escola de Minas de OuroPreto.

Mas essas instituições, assim como as de outras provín-cias, eram privativas da elite, posto que, para as autoridadesde então, a população brasileira se afigurava como "soma pro-blemática que reúne parcelas qualitativamente diferentes". Daí,as inúmeras demonstrações de que o objetivo principal da or-ganização política do Império era a manutenção da ordem,vista como condição essencial para o progresso e a moderni-zação do País. 21

Page 14: Diálogo Com o Tempo

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DIALOGO COM O TEMPO

Em Minas, essa "soma problemática de indivíduos" era ex-plicitamente mais perigosa. Distribuída irregularmente pelovasto território, a "vil canalha" - composta de homens livres epobres, nômades errantes, índios, mestiços, negros forros, ci-ganos e artistas - não se enquadrava dentro dos limites im-postos pelo Governo Imperial e o formalismo do trabalho es-cravo.

Em meio às tentativas de esquadrinhamento da populaçãono território da Província, proliferaram, nos desvãos do poder,numerosas manifestações artístico-culturais apresentadas porcompanhias teatrais e circenses.

Debruçada sobre o estudo dessas manifestações, a histo-riadora Regina Horta Duarte deparou-se com um universoaté então ignorado e marcado pela freqüência significativade espetáculos artísticos por todas as regiões mineiras. Omisto de receio e fascínio que os habitantes das cidades evilas nutriam pelos artistas e seus espetáculos resultou, se-gundo a autora, em sentimentos ambíguos sobre a realidadeem que viviam.

o viajante inglês Richard 8urton, ao delinear traços que

considerou marcantes nos habitantes da Província, já

havia destacado aspecto surpreendente para a imagem

do mineiro sempre remetido ao tradicionalismo e apego

à fixação. Sua constatação foi a de que "os mineiros são

sempre dispostos a viajar, caçar, cavalgar. Homens

independentes e autoconfiantes, que mergulham nas

florestas e se orientam pelo curso dos rios".

Conselhos GeraisUm poder consultivo

Dissolvida a Assembléia Constituinte de 1823, o imperadorPedro I outorgou, em 1824, nossa primeira Constituição. ACarta preconizava o sistema bicameral do Império - Câmarade Deputados e Senado - e, nas províncias, os Conselhos Ge-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

rais. Assim, foi em meio a uma conjuntura marcada peloarrefecimento dos ímpetos liberais e nativistas que se insti-tuiu o embrião do Poder Legislativo brasileiro, fruto de umaConstituição imposta ao País, que teimava em constituir-secomo nação livre e soberana.

De acordo com o art. 71 da Constituição, a finalidade dosConselhos Gerais era assegurar a todo cidadão o direito de intervirnos negócios das províncias. Previa ainda que esses corpos seriammais consultivos que deliberativos e que só eventualmentepoderiam encaminhar questões ao Governo Central. Seriamformados por 21 membros nas províncias mais populosas, comoera o caso de Minas Gerais, e por 13 nas demais. Os participantesseriam indicados pelo Imperador e deveriam ser, obviamente,figuras reconhecidamente importantes na região, brasileiros dosexo masculino, e ter idade mínima de 25 anos.

Frente a uma realidade em que o imperador mandava e aNação obedecia, não foi difícil o surgimento, já naquele mo-mento, de duas tendências políticas definidas. De um lado,uma oposição que, ao desbastar os ardores provocados pelo 7de setembro, plantou e fez germinar anseios de um liberalis-mo mais atuante, que sequer se intimidava com possíveisameaças separatistas por parte das províncias. De outro, umconservadorismo retrógrado, estuário natural da vitória de umImperador que se colocava acima das facções e que fora edu-cado na mentalidade absolutista portuguesa.

A legislatura de 1830-1833 da Câmara de Deputados doImpério, chamada de Assembléia Geral, trouxe reforço à opo-sição, com a entrada de deputados comprometidos com a causabrasileira. Alguns deles eram antigos próceres das Cortes deLisboa e da Constituinte dissolvida em 1823.

O nativismo renasceu, portanto, unindo facções e constru-indo um alvo comum de ódio e rejeição: o português. É que-concordam os historiadores - a abdicação do imperador a 7de abril de 1831 havia aperfeiçoado e, mais que isso,legitimado o 7 de setembro de 1822.3

A conjuntura política que marcou os primeiros anos daexperiência regencial, logo após a abdicação do imperador,foi conturbada. Assim, a primeira tarefa dos liberais modera-dos, que representavam parcela considerável de poder naque-la nova ordem, foi a de tentar reestruturar a autoridade repen-

3 FAORO,Raymundo, Os donos do poder. Formação do patronato brasileiro. Porto Alegre: Ed.Globo, 1976-v.l p.299, 23

Page 15: Diálogo Com o Tempo

24

DIALOGO COM O TEMPO

tinamente desaparecida com a abdicação e salvar a sociedadeda ruína institucional.

As assembléias legislativas brasileirasCidadania excludente

A onda liberal que varreu o Brasil após a abdicação do im-perador Pedro I trouxe avançada proposta de descentralizaçãopolítico-administrativa. Em 1834, foi promulgado o Ato Adi-cional à Constituição (Lei nO 16, de 12 de agosto), que signifi-cou grande conquista político-jurídica no processo de cons-trução do Estado brasileiro.

Com a adição ao texto constitucional de 1824, pretendia-se atribuir razoável grau de autonomia política às províncias,ainda que sem o estabelecimento do federalismo norte-ameri-cano, tão cultuado à época. Tanto que a criação das assem-bléias legislativas provinciais foi o principal instituto preconi-zado pelo Ato Adicional, que rezava:

Art. 1° - O direito reconhecido e garantido pelo art. 71 daConstituição será exercitado pelas Câmaras dos Distritose pelas Assembléias, que, substituídos os Conselhos Ge-rais, se estabelecerão em todas as proVÍncias com o títulode Assembléias Legislativas Provinciais.

r.. .)Art. 4° - A eleição desta Assembléia jar-se-á da mesmamaneira que a dos Deputados à Assembléia GeralLegislativa, e pelos mesmos eleitores; mas cada LegislaturaProvincial durará só dois anos, podendo os membros serreeleitos para as seguintes.

Com os devidos reparos políticos, o mérito do Ato Adicio-nal de 1834 foi a substituição dos conselhos pelas assembléiaslegislativas provinciais, que, com o advento da República, seconsolidaram nas assembléias legislativas estaduais.

Vale observar que o exercício da cidadania no Império bra-sileiro, mesmo considerando-se apenas os aspectos formais,era excludente e hierarquizado, como, de resto, era também a

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

sociedade. E, no que dizia respeito ao processo eleitoral, oAto Adicional não alterou em nada o que fora estabelecidopela I Carta I outorgada em 1824.

De acordo com ela, poderiam votar apenas os indivíduos do sexo mas-

culino, maiores de 25 anos - incluindo-se, entretanto, aqueles que já

fossem bacharéis ou oficiais, mesmo aquém dessa idade -, com renda

anual mínima de 100 mil réis. Essesvotantes escolhiam um colégio

eleitoral, em que os eleitores deveriam ter renda anual mínima de

200 mil réis. A esse colégio caberia eleger, em segundo grau, os

representantes da Província e da Nação. A Constituição exigia tam-

bém critérios rígidos para a elegibilidade: para a Cãmara, que o

candidato professasse a religião do Estado e que percebesse renda

anual mínima de 400 mil réis; para o Senado vitalício, eram exigidas

idade mínima de 40 anos e renda mínima anual igualou equivalente

a 800 mil réis.

A I precariedade de dados I quantitativos sobre o séculoXIX dificulta afirmações sobre a real situação econômica, so-cial e demográfica do País e das províncias. Mesmo consideran-do possíveis imprecisões tanto do censo demográfico de 1872quanto das informações sobre o eleitorado em 1865, fica evi-dente o caráter altamente excludente da legislação eleitoral,que só foi parcialmente alterada no final do Regime Imperial.

o primeiro censo demográfico do Brasil só foi realizado em 1872 e

apontou para Minas Gerais um total de 2.102.689 habitantes. Es-

tudos recentes dão conta, no entanto, de que aqueles números

não expressaram a real situação demográfica da Província. A

hipótese mais provável é a de que o contingente populacional

de Minas Gerais fosse bastante superior ao indicado pelo censo.

No que tange ao colégio eleitoral, a informação que se tem é

de 1865 e aponta um total de 2.981 eleitores, para os sete

distritos em que se dividia a Província. 4

A chamada Lei Saraiva - Decreto nO 3.029, de 1881 -suprimiu a categoria dos votantes e estabeleceu a eleição direta,Manteve, no entanto, o requisito de renda anual mínima de200 mil réis para o exercício do voto. E o que foi mais grave:retro agiu quanto ao direito dos analfabetos, que, pelo texto

4 ALMAL"IAK Administrativo, civil e industrial de Minas Gerais, 1865. 25

Page 16: Diálogo Com o Tempo

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26

DIALOGO COM O TEMPO

constitucional de 1824, não eram impedidos de votar. A partirda Lei Saraiva, a alfabetização tornou-se um dos requisitospara ser eleitor.

A elevação dos conselhos provinciais à condição deassembléias legislativas não alterou a estrutura do Poder Exe-cutivo, pois a nomeação dos presidentes das províncias conti-nuou sendo atribuição do Imperador. Mas, embora fossemdesprovidas de autogoverno, as províncias adquiriram, peloPoder Legislativo, o direito de ampla interferência e até mes-mo de certa tutela sobre os municípios.

A despeito desse bem montado arcabouço político-jurídicocom três instâncias de poder - município, província e Império -restaram zonas indefinidas pelas quais se infiltraram reivindica-ções, algumas até revolucionárias. Foram elas que impediram,pelo menos nas primeiras décadas do século XIX, uma relaçãoharmoniosa entre o Governo Central e várias províncias.

Certo de que, além daquelas zonas de indefinição de po-der, a descentralização administrativa prevista pelo Ato Adi-cional poderia ser desfigurada na prática política, seu redator,Bernardo Pereira de Vasconcelos, teria afirmado, ao entregá-loa seus pares: "Entrego-lhes o estatuto da anarquia". 5

Para os defensores da ordem estabelecida, as experiênciasdas assembléias legislativas provinciais entre 1835 e 1840 de-monstraram que os temores de Bernardo Pereira de Vasconce-los tinham razão de ser. E foi ele novamente que, por reconhe-cida coerência, tornou-se, em 1837, o líder do movimentoregressista e um dos mentores da Lei nO105, de 12 de maio de1840, que "interpreta alguns artigos da Reforma Constitucio-nal", a célebre Lei de Interpretação do Ato Adicional.

A Assembléia Legislativa Provincial deMinas Gerais

A instalação da Assembléia Legislativa Provincial de Mi-nas Gerais se deu a 31 de janeiro de 1835. Compunha-se de 36

5 SOUSA, Octávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império. Vasconcelos. Rio de Janeiro:José Olympio Editora. 1957. v.5 p.159

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

membros, representantes de diferentes regiões da Província.Entretanto, com o decorrer do tempo, esse número foi sendoalterado. Por ocasião da última legislatura, no biênio 1888-1889, já se contavam em Minas 60 deputados provinciais. Poroutro lado, em diversas legislaturas o número de deputadosque tomaram assento na Assembléia não foi exatamente o quea lei determinava. Ora por falecimento, o que importava emeleição do substituto, ora por impedimento do suplente ouaté mesmo pela simples ausência dos eleitos às sessões dediplomação.

Depositário dos mais ricos do País, o Arquivo Público

Mineiro abriga os documentos produzidos pelo Poder

Legislativo Provincial de 1835 a 1889, numa existência

contínua de mais de meio século.

Ficou estabelecido que a duração das legislaturas seria dedois anos e que seus membros podiam ser reeleitos. As sessõesanuais ocorriam em dois meses, prazo que podia, no entanto,ser prorrogado por solicitação do presidente de Província.

A exemplo de outras assembléias provinciais, a mineira ti-nha como função, de acordo com o art. 81 da Constituição de1824, "propor, discutir e deliberar sobre os negócios mais in-teressantes de suas províncias; formulando projetos peculia-res e acomodados a suas localidades e urgências". E, de acor-do com o art. 88, todas as resoluções deveriam ser encami-nhadas à Assembléia Geral para serem discutidas e delibera-das. Em outras palavras, o I grau de autonomia I das assem-bléias provinciais era muito reduzido, já que toda e qualquerdeliberação devia ser submetida à Assembléia Geral.

Primeiro Regimento

Detalhista e limitador

O Regimento da Assembléia Provincial resultou da Resolução n° 15

da Presidência da Província e foi assinado pelo então Vice-Presiden-

te, Antônio Paulino Limpo de Abreu, conforme consta do livro

das Leis Mineiras de 1835. O documento é profícuo em detalhes.

Alguns artigos, citados a seguir, retratam com razoável nitidez

o espírito que informava o funcionamento da Assembléia.

Sobre as sessões preparatórias, cujo principal objetivo era, a exem-

plo do que ocorria na Assembléia Geral do Império, a "verificação 27

Page 17: Diálogo Com o Tempo

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28

DIÁLOGO COM O TEMPO

de poderes", hoje chamada diplomação dos eleitos, afirmava-se,

por exemplo:

"Art. 8° - Havendo dúvida sobre a eleiçãode algum deputado retirar-se-

á este da sala,enquanto sediscutir a questão. Ese for julgada nula sua

eleição, não poderá o mesmo deputado concorrer às sessões,e em

segundo lugar, se chamará o imediato em votos."

Como não havia separação entre Igreja e Estado, os rituais religio-

sos integravam-se àscerimônias oficiais. No início de cada legislatura,

eram rezadas missas votivas ao Espírito Santo e o juramento dos

eleitos era feito perante a principal autoridade eclesiástica da re-

gião. Assim, ficava estabelecido:

"Art. 19 - Na véspera da instalação da Assembléia, o Presidente

marcará a hora em que os deputados hão de reunir para assistirem

à missa votiva do Espírito Santo, e a hora em que se há de fazer a

instalação da Assembléia.

Art. 20 - No dia da instalação da Assembléia, os deputados concorre-

rão antes à Igreja que tiver sido designada pelo Presidente da Província

(do que se fará a competente Assembléia) e a hora marcada na Sessão

precedente para assistiremà Missa do Espírito Santo, e prestarem jura-

mento nas mãos do Bispo Diocesano, ou nas da autoridade eclesiástica

mais graduada do lugar, a quem na falta do Bispo Diocesano compete

celebrar. Estejuramento terá lugar no 1° ano da Legislatura, e seguida-

mente pelos deputados a um e um. O 1° Secretário lerá a fórmula sua,

respeitada pelo Presidente, e os demais repetirão somente - Assim

juro.

Art. 21 - A fórmula do juramento será a seguinte - Juro aos Santos

Evangelhos promover fielmente quanto em mim couber o bem

geral desta Província de Minas Gerais dentro dos limites marcados

pela Constituição do Império, e suas Reformas, assim Deus me ajude."

O ritual de instalação das legislaturas também revelava a

submissão do Poder Legislativo a Sua Majestade, o Imperador,

que se fazia representar pelo Presidente da Província:

"Art. 24 - No dia da instalação da Assembléia, reunidos os deputa-

dos logo depois da Missa do Espírito Santo, na sala das sessões, o

Presidente, depois de feita a chamada, e havendo número legal,

nomeará uma deputação de seus membros para receber o Presiden-

te da Província na sala imediata à das sessões,e acompanhá-lo até o

mesmo lugar na sua saída.

Art. 25 - O Presidente da Província tomará assento na Mesa à direita

da Assembléia, e em cadeira igual à deste, (Presidente da Assembléia)

ficando aos lados os Secretários.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Art. 26 - Logo que o Presidente de Província tomar assento, o da

Assembléia declarará em voz alta - Está instalada a Assembléia

Legislativa Provincial de Minas Gerais.

Art. 28 - Tanto na entrada, como na saída do Presidente da Província,

os Deputados conservar-se-ão de pé, e em seus lugares."

De acordo com o Título 5°, a Mesa da Assembléia seria composta do

presidente, seu vice e dois secretários. Suas funções restringiam-se,

basicamente, a dar cumprimento ao regimento, manter a ordem e fazer

observar os preceitos da Constituição. O presidente não podia, de

acordo com o art. 48, oferecer projetos, índicaçõesou requerimentos e

devia sempre votar em último lugar.

Foi estipulado pelo art. 59 que a Assembléia Provincial teria 11 comis-

sõespermanentes: Poder,Infração da Constituição e das Leis;de Fazenda

Provincial;FazendaMunicipal; Propostase Representaçõesdas Câmaras;

Estatística, Catequese e Civilização dos Indígenas; Instrução Pública;

Estradas,Pontes,Canaise Navegação interior dos rios; Negócios Eclesiás-

ticos; ForçaPública; Polícia;Redação.

Poderiahaver também, de acordo com o art. 60, comissõesespeciaispara

os "casos ocorrentes, quando forem necessárias, a juízo da As-

sembléia". O número mínimo de integrantes de cada comissão era de

três, e o máximo, de cinco. Todas deviam ter um presidente relator

que seria escolhido pelos membros da comissão. A exceção ficava

por conta da comissão de redação, que "será confiada a um sómembro;

e este; requerendo-o, será dispensado de qualquer outra comissão".

No que dizia respeito à eleição da Mesa diretora da Assembléia,

rezava o regimento:

"Art. 71 - As eleições da Mesa serão feitas no dia imediato ao da

instalação da Assembléia. As das comissões nesse, ou nos mais

próximos, conforme resolver a mesma Assembléia.

Art. 72 - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente será feita por

escrutínio à pluralidade absoluta de votos dos membros presentes,

e em cédulas separadas.

Art. 73 - Se no 1° escrutínio ninguém obtiver maioria absoluta dos

votos, entrarão em 2° escrutínio, e se neste ainda saírem empata-

dos, tirar-se-á por sorte, o Presidente, procedendo-se da mesma

maneira na eleição do Vice-Presidente.

Art. 74 - A eleição dos Secretários será feita da mesma maneira por

escrutínio à pluralidade absoluta de votos, em cédulas separadas,

nomeando-se em 1° lugar o que há de servir de 1°-Secretário, e

depois o que há de servir de 2°-Secretário, procedendo-se em caso

de empate conforme o artigo antecedente. 29

Page 18: Diálogo Com o Tempo

30

DIÁLOGO COM O TEMPO

Art. 75 - Os suplentes serão nomeados à pluralidade relativa de

votos em uma só cédula. O número destes regulará a precedência

entre eles, e nos casos de empate a sorte decidirá.

Art. 76 - As nomeações das comissões serão feitas da mesma sortepor escrutínio, e a pluralidade relativa de votos, quer sejam para

internas, ou externas, permanentes, ou especiais."

Uma das estratégias do Governo Imperial para manter a ordem e

evitar o fortalecimento de sentimentos regionalistas era nomear

para o cargo de presidentes das províncias pessoas nascidas em

outras regiões. Era comum, por exemplo, que um paulista fosse

presidente da Província de Pernambuco, um baiano presidente da

Província de Minas, e assim por diante.

Entretanto, é significativo observar: enquanto vigorou o Ato Adi-

cionai de 1834, isto é, até 1840, a nomeação dos vice-presidentes

era atribuição das assembléias provinciais. Sobre essa atribuição

dizia o título 100 do regimento.

"Art. 80 - Naatual sessão,e no começodasseguintesde doisem doisanos,

o Presidentedará paraordem do dia à nomeaçãodos seiscidadãosque no

impedimento do Presidenteda Provínciahão de servir de Vice-Presidente

dela, na forma da lei de 3 de outubro de 1834.

Art. 81 - No dia e hora designada preceder-se-á a esta nomeação

por escrutínio secreto, votando os deputados presentes em seis

cidadãos, cada um separadamente, pela mesma maneira que nas

outras eleições.

Art. 82 - Para que o candidato possa entrar na lista dos seis propos-

tos deverá reunir a maioria absoluta de votos dos membros presentes.

Se no 10 escrutínio nenhum obtiver maioria absoluta, proceder-se-á

como se acha disposto a respeito da nomeação do Presidente da

Assembléia.

Art. 83 - Os propostos entrarão na lista pela mesma ordem com que

forem nomeados.

Art. 84 - Concluída a votação, a Mesa dirigirá em forma de pro-

posta ao Imperador por intermédio do Presidente da Província a

nomeação feita pela Assembléia Provincial, para que o mesmo

Presidente faça sobre ela as observações determinadas na lei de 3

de outubro de 1834, e remeterá cópia dela à Câmara da Capital

em forma ordinária.

Art. 85 - Estaproposta será registrada em livro para issodestinado."

E, como bem convinha a uma Monarquia Constitucional, o art. 253

explicitava:

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

"Na parede do topo da saladas sessõesestará colocado em lugar eleva-

do o retrato do Imperador do Brasil debaixo de dosse!. Conservar-se-á

ordinariamente cercado com cortinas, e sóestarápatente nosdiassolenes

da abertura, e encerramento da Assembléia."

A votação no interior da Assembléia se faria por escrutínio secreto e,

eventualmente, por votos nominais, desde que tal método fosse re-

querido oficialmente por algum deputado, e o art. 257 garantia:

"Todo cidadão, e mesmo os estrangeiros, poderão assistir às

sessões, com tanto que vão desarmados, e decentemente ves-

tidos, e guardem o maior silêncio, sem dar o mais leve sinal de

aplauso, ou de reprovação do que se passar na Assembléia,

para o que haverá na sala das galerias, onde estejam separa-

dos dos deputados, e não possam comunicar-se com eles."

Finalmente, tratava ainda o regimento de inúmeras questões re-

ferentes à postura dos deputados no recinto da Assembléia, como

a não-permissão de discursos não referentes aos assuntos em

pauta, a necessidade de se tratarem com cortesia e até mesmo a

explicitação de que "não se reputará violação do Regimento o dar

'apoiados', ou 'não apoiados' ao deputado que estiver falando".6

A Lei de Interpretação do Ato Adicional que foi dada àNação em 1840 tinha, entre outros, o objetivo de restringir aautonomia das províncias e as atribuições de suas assem-bléias.

Esperava-se com isso "conter o carro da revolução" e evi-tar os freqüentes conflitos e rebeliões que assolavam o Paísdesde a abdicação do imperador Pedro I, em 1831. A referidalei, no entanto, não trouxe de imediato os resultados almeja-dos e a instabilidade da ordem pública iniciada após a abdica-ção do imperador persistiu pelo menos até meados da décadade 1840.

Foram quase duas décadas de ajustes políticos entre osvariados interesses das províncias e os do Governo Central. E,não raras vezes, tais ajustes chegaram à exacerbação, sob aforma de rebeliões, conflitos e revoltas, pondo à mostra a fra-gilidade dos governos da Regência.

Na análise que fez daquela conjuntura, José Murilo de Car-valho sublinhou que as rebeliões regenciais foram, sem dúvi-da, uma das dificuldades no estabelecimento do sistema dedominação fundado na solução monárquica.

6 REGU.,!EJVfO da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais. LEIS MINEIRAS. 1835. 31

Page 19: Diálogo Com o Tempo

32

DIÁLOGO COM O TEMPO

As I revoltas I podem, segundo o autor, ser divididas emdois períodos. O primeiro seguiu-se imediatamente à abdica-ção de Pedro I e perdurou até 1835, um ano depois de suamorte em Portugal e da promulgação do Ato Adicional. O se-gundo foi posterior ao Ato Adicional e só terminou em 1848,com a Revolta da Praia, em Pernambuco, a chamada Praieira.

As revoltas brasileiras

Nos levantes ocorridos no primeiro período, predominava o caráter

popular e nativista, levado a efeito quase sempre pela população

urbana aliada à tropa de primeira linha. De modo geral, os alvos

de tais protestos eram os portugueses, controladores do comércio.

A segunda onda de revoltas teve caráter diverso e pode ser

explicada pela descentralização administrativa imposta pelo

Ato Adicional, que deslocou o conflito para o interior do País,

remexendo com as camadas rurais e atingindo, por assim dizer,

o verdadeiro cerne da sociedade de então.

Exemplo mais contundente da gravidade dessas revoltas foi a

Cabanagem, no Pará, ocorrida entre 1835 e 1840. Iniciada entre

facções da elite local, acabou adquirindo feições de uma rebelião

popular com decisiva participação de índios. A Cabanagem aterro-

rizou até mesmo alguns liberais radicais, como Evaristo da Veiga. E

nem era para menos: ao final da rebelião, foi estimado em 30

mil o número de mortos, distribuídos em partes mais ou menos

iguais entre governistas e revoltosos, o que representava 20%

da população total da Província do Pará.

Também marcado por caráter popular foi o movimento da Pro-

víncia do Maranhão, a Balaiada, que durou de 1838 a 1841. Liderado

pelo cafuzo Raimundo Gomes, fazedor de balaios, e pelo negro

Dom Cosme, líder de escravos fugidos, o movimento chegou a

mobilizar 11 mil homens.

Nos mesmos moldes de movimento tipicamente urbano, a Sabinada

tomou a cidade de Salvador em 1837, e a independência da Provín-

cia da Bahia chegou a ser proclamada. Depois de alguns meses de

luta e saldo de 1.800 mortes, o movimento foi derrotado pelasforças imperiais.

Houve também modelos de insurreição caracterizados pela insatisfa-

ção das elites e que não chegaram à mobilização popular.

O caso mais significativo ocorreu na Província do Rio Grande do Sul,

onde grandes estancieiros e charqueadores se insurgiram contra os

impostos do Império. Por longos dez anos, de 1835 a 1845, os

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

"farrapos" sustentaram uma sangrenta guerra contra as forças mi-

litares do governo, a quem chamavam "caramurus". Em 1836 che-

garam a proclamar a República do Piratini e a ameaçar a unidade do

território e o próprio Regime Monárquico, pela posição estratégica

da Província como fornecedora de charque para a economia

escravista.

Outro exemplo de movimento resultante da insatisfação das elites

foi a chamada Revolução Liberal de 1842, ocorrida nas Províncias de

Minas Gerais e São Paulo. Os liberais se revoltaram contra as leis

postas em vigor pelo movimento regressista, basicamente a Lei de

Interpretação do Ato Adicional de 1840 e a Reforma do Código do

Processo de 1841.7

A vitória do Partido Liberal, na eleição dos deputados àPrimeira Legislatura da Assembléia Provincial Mineira, em1835, e os atos que ali se produziram foram, no dizer de umde seus integrantes, o Cônego José Antônio Marinho, "ummonumento de boa-fé e patriotismo",

A despeito de seu explícito fervor ao Partido Liberal, o re-lato que fez é I depoimento primoroso I sobre a atuação daAssembléia desde sua instalação até a promulgação da Lei deInterpretação do Ato Adicional, em 1840. E tem como panode fundo as mudanças na política da Província e do Império,com a migração de Bernardo Pereira de Vasconcelos para omovimento regressista.

"A Administração Pública foi organizada; confeccionou com estu-

do de economia a primeira lei do orçamento provincial; não criou

novos empregos; não aumentou os ordenados; reduziu, quanto

comportavam as necessidades públicas, o orçamento de despesa,

mas não recuou ante a necessidade de votar imposições, a fim de

habilitar o governo com os meios indispensáveis; lançou, porém,

impostos razoáveis, que nada tinham de opressivos à indústria

ou ao comércio.

Convencida a maioria dos graves males produzidos pela

multiplicidade de municípios e freguesias, que só tendem a multi-

plicar embaraços na administração pública e agravar os cofres pro-

vinciais, foram repelidas pela Comissão de Estatística, de que era

membro o ex-Deputado Otoni, todas as pretensões desse gênero; e

não só isto, indicou a mesma comissão a supressão de muitas fre-

7CARVAUlO, JoséMurilo de. Teatro das sombras: a política imperial. Op. cit. p. 15. 33

Page 20: Diálogo Com o Tempo

34

DIÁLOGO COM O TEMPO

guesias, cuja pequenez, ou proximidade de outras, as tornava inú-

teis, e somente gravosas ao Tesouro.

Assim, o Partido Liberal, em maioria na Assembléia Provincial, orga-

nizou a Força Pública da maneira a mais econômica, a administração

da Fazenda sem criar novos empregos, a Secretaria do Governo,

conservou a Estatística Judiciária, e isto, quando tinha o Governo de

seu lado, e no seu seio muitos bacharéis de reconhecida capacida-

de, criando apenas, no espaço de cinco anos, duas comarcas, quatro

municípios, e muito poucas freguesias, havendo suprimido outras.

Regularizou a Instrução Pública, reorganizou com a possível economia

o cabido da Catedral. Aboliu a tão onerosa imposição dos dízimos,

regulou uma mais pronta e rendosa imposição, mais proveitosa e

menos pesada à agricultura. Reduziu a uma quarta parte a pesada

imposição de passagens; decretou a feitura de estradas, que tão

úteis teriam sido ao desenvolvimento e prosperidade da Província,

se aos particulares não sacrificasse o Presidente Bernardo Jacinto os

interesses públicos.

EssaAssembléia, bem que nela preponderassem os homens, aos

quais se atribui demasiado pendor para alargarem as franquezas

provinciais, não modificou a lei de organização da Guarda Nacional,

por entender que era um objeto de lei geral; não impôs sobre im-

portação, porque o Ato Adicional expressamente o proíbe. Essa

Assembléia, enfim, no espaço de 5 anos decretou um orçamento de

despesa provincial, compreendida a que se devia fazer com os colé-

gios de instrução pública que fundara, na importância de 300 con-

tos. Os serviços prestados pelo Senador Feijó à causa da Monarquia

e da ordem foram os únicos títulos por que os mineiros lhe deram

sufrágios quase unânimes para o importante cargo de Regente do

Império.

A passagem do Senador Vasconcelos [refere-se a Bernardo Pereira

de Vasconcelos] para os bandos da oposição debilitou algum tanto

o Partido Liberal, até então unido e forte.

(...) Seguindo a política retrógrada e reacionária, a administração de

setembro demite imediatamente o Presidente da Província, o Dr.

Costa Pinto, dando-lhe por substituto o Desembargador José

Cesário. Este Presidente, empossado apenas, principiou a desenvol-

ver a política que estava no programa da administração geral. Os

oficiais que mais se haviam distinguido contra os facciosos de 1833

foram substituídos pelos mais distintos e ardentes sediciosos da-

quela época.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

(...) Reunida em 1838 a Assembléia Provincial, tão enérgica foi a opo-

sição feita ao Presidente José Cesário, que o Governo Geral julgou

conveniente demiti-lo. As suscetibilidades de algumas influências

liberais, às quais foi oferecida então à Presidência da Província, deveu

o Partido Liberal o ver substituir ao Desembargador José Cesário um

homem, cuja nomeação parecia estar fora de todos os indícios prová-

veis, e que por isso causara geral assombro. Em verdade, Bernardo

Jacinto da Veiga, que até 19 de setembro fora do Senador Vasconce-

los apaixonado detrator, homem sem consideração alguma na Pro-

víncia, nem quanto aos seus haveres, nem quanto às suas relações, ou

talentos, em quem não se reconheciam habilitações administrativas,

nem para a mais insignificante repartição pública, que nem mesmo

nos seus mais dourados sonhos pudera visar a um tal emprego, e

destituído inteiramente de conceito na mesma Assembléia, de que

era membro, tal foi o homem, que arrancado à agência secundária do

correio de uma Vila, foi elevado à cadeira Presidencial da Província de

Minas Gerais! Entretanto, a Assembléia Provincial nenhum embaraço

opôs-lhe à administração, e fácil lhe foi ir gozando das honras e

ordenado de Presidente.

Chega a época da eleição para a nova Assembléia Provincial, e o

Presidente, de acordo com o Inspetor da Tesouraria, esforça-se

para excluir das urnas o Partido Liberal. Intrigam, caluniam, e

pedem; entretanto que o Partido Liberal, como que cansado, e

desejoso mesmo de que a Província pudesse fazer paralelo entre

um e outro Partido, deixou correr à revelia as eleições. As intrigas

do Presidente, os favores do Inspetor para com os arrecadadores

e devedores da Fazenda Pública, para com os empregados de

algumas casas da substituição da moeda de cobre, que se haviam

enriquecido pelo mais escandaloso furto, o apoio inconsiderado,

que, assim à administração geral, como à Provincial, prestaram

algumas influências liberais, conseguiram a confecção de uma

Assembléia Provincial retrógrada.

Reuniu-se em 1840 essa Assembléia, e o objeto que lhe mereceu

especial atenção, foi a instauração, criação e divisão de freguesias,

com que aumentou enormemente o orçamento da despesa, com

as intenções cravadas e os olhos fitos somente no futuro triunfo

eleitoral. Decretam-se leis pessoais e casuísticas, que tinham por

fundamento, ou uma vingança pessoal, ou um pequeno interessepartidário. " 8

8 MARINHO, José Antônio Cônego. História do movimento político de 1842. Belo Horizonte: Ed.Itatiaia; São Paulo, Ed. Universidade de São Paulo, 1977. p. 78-79. 35

Page 21: Diálogo Com o Tempo

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36

DIÁLOGO COM O TEMPO

o ato interpretado

Com a morte de Dom Pedro I em Portugal, os conservado-res se aliaram aos liberais moderados, já então desiludidos coma "anarquia" que vicejou no País após a Lei do Processo Crimi-nal de 1832 e o Ato Adicional de 1834.

De tal aliança surgiu o movimento que se convencionouchamar "Reação Conservadora", ou "Reação Monárquica", res-ponsável pela facção do "Regresso", que chegou ao poder em1837.

Bernardo Pereira de Vasconcelos integrava o Ministério eocupava simultaneamente as pastas do Império e da Justiça.Foi ele quem, sob pretexto de elucidar o Ato Adicional, consi-derou necessária uma lei que o interpretasse. Todos, entretan-to, sabiam: o verdadeiro propósito de tal lei seria infundir àreforma de 1834, significado oposto ao que antes propusera.Ou seja, fazer parar "o carro revolucionário" que ele, BernardoPereira de Vasconcelos, já havia abjurado desde 1837, quan-do, causando estrondos, passou ao campo da reação e profe-riu seu mais célebre discurso.

(00.) Fui liberal, então a liberdade era nova no país, estavanas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas idéiaspráticas; o poder era tudo: fui liberal.

Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os prinCÍ-pios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram;a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre agorarisco pela desorganização e pela anarquia. Como entãoquis, quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso souregressista.

Não sou trânsfuga, não abandono a causa que defendo, nodia de seus perigos, da sua fraqueza; deixo-a no dia emque tão seguro é o seu triunfo que até o excesso a compro-

9mete.

O movimento regressista não se restringia à Corte. Logo,quando se iniciaram as discussões sobre a Lei de Interpreta-ção do Ato Adicional, a Assembléia mineira já havia conse-guido congregar, entre seus integrantes, ampla maioria con-servadora.

9 citado por NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975. p.69

J

'70 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Em seus discursos, os deputados insistiam sobre a impor-tância de uma lei que desse melhor interpretação ao Ato aditivoà Constituição. E, mais que isso, advogavam a necessidade decolocá-la imediatamente em prática.

Para tanto, na primeira sessão de 1840, o Deputado SoaresCouto propôs uma representação à Assembléia Geral:

(.. .) faça menção da urgente necessidade de decidirquanto antes a interpretação do Ato Adicional, a qualtendo já passado na Câmara eleita, acha-se ora pen-dente na vitalícia (Senado). Pede-se que se dirija aocorpo legislativo uma representação, contendo os se-guinles tópicos:

1° - Que se acha inslalada a la sessão da 3a legislatura,debaixo dos mais felizes auspícios, por isso que reina entreos mineiros o espírito de ordem, e decidido amor aos siste-mas monárquico constitucional representativo, e que aconcórdia, que felizmente existe entre a Assembléia e oPresidente de Província, resultará sem dúvida a consoli-dação da paz.

2° - Que a Assembléia, inteiramente persuadida das van-tagens que devem resultar às provincias da exata obser-vância do Alo Adicional, não pode deixar de reclamar aospoderes políticos da União, a decisão da interpretação domesmo ato adicional.

A 23 de julho de 1840, saía vitorioso o chamado "golpe damaioridade", que fora tramado pelos liberais. Em linhas ge-rais, o objetivo do grupo liderado pelos irmãos Martim Fran-cisco e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada era conduzir aotrono o jovem imperador Pedro Ir, dissipando de vez o institu-to da Regência.

O primeiro GabineLe convocado por Pedro Ir, o chamadoMinistério dos Andradas, tinha tendências nitidamente libe-rais, mas só se manLeve no poder por nove meses. Sob o mes-mo embalo político, os deputados eleitos à Assembléia Geralem 1841 eram, em sua maioria, ligados ao Partido Liberal, oque não agradava em nada aos conservadores.

O clima de tensão entre as duas facções políticas repercu-tia, obviamenLe, nos Legislativos provinciais. O perfil da As-sembléia mineira, urna das mais significativas do Império, eranitidamente conservador e a insatisfação com os últimos acon-tecimentos não foi escamoLeada. 37

Page 22: Diálogo Com o Tempo

38

DIÁLOGO COM O TEMPO

Na sessão de 31 de janeiro de 1841, o deputado João AntunesCorrêa apresentou requerimento solicitando posicionamento daAssembléia mineira frente à maioridade do imperador procla-mada em julho do ano anterior. Houve acirrado debate, mas oque se decidiu de concreto foi a indicação de uma comissão desete deputados mineiros que representariam a Província na ce-rimônia de coroação do imperador.Na mesma sessão, houve acalorada discussão sobre arbi-

trariedades praticadas nas eleições realizadas a 7 de setembrode 1840, que resultaram na fragorosa vitória dos candidatosliberais à Assembléia Geral.Vários deputados se manifestaram fazendo referências às

irregularidades cometidas em suas regiões durante o processoeleitoral. Paula Santos chegou até a aventar a possibilidade deanulação do pleito. Em suas palavras,

o que mais me obriga a pedir a palQlrra, Sr. presidente, foia opinião de um outro senhor deputado, que disse que de-sejava que as eleições se anulassem, porque, tendo-se quenesses casos de proceder às novas, os prejudicados fizes-sem aparecer a anarquia. Eu, Sr. presidente, não temo aanarquia na Província de Minas, porque conheço que ela éextremamente ordeira.

(...) Conheço que a atual Assembléia Geral não pode anu-lar as eleições, mas que, se aparecerem todas as ilegalida-des bem provadas, ela pode coagir o governo a anulá-las e

mandar proceder a novas.

Mais afoito que seus colegas, o deputado Justiniano CursinoDuarte Badaró apresentou requerimento exigindo investiga-ção das irregularidades eleitorais cometidas em várias locali-dades. Tal atitude gerou polêmica entre seus pares, e o depu-tado João Paulo Barbosa fez uma análise da situação nos se-guintes termos:

o nobre autor do requerimento pensa assim porque consi-dera que a sociedade hoje está na sua margem ordinária,pensa que hoje o sistema representativo é uma realidade;nisto está o seu engano.

O nobre deputado, se meditar na forma por que as coisasandam, concordará em que o Império hoje não está governa-do por esse salutar sistema. O sistema representativo desa-pareceu desde o momento em que um partido, que não conta-va com a maioria da Nação e da Assembléia, subiu ao poder.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

o deputado Jerônimo Máximo Nogueira Penido mostrou-se favorável ao requerimento:

Sr. presidente, estou resolvido a votar por todos os requeri-mentos, e adiamentos, que tenderem a pedir informaçõesao governo sobre as ilegalidades, e tumultos com que fo-ram feitas as eleições, porque julgo muito conveniente quese esmerilhe bem se foram postergadas as leis, e quais osseus postergadores; é necessário que o povo mineiro co-nheça a maneira por que foi iludido por esses homens, quesó na ocasião das eleições arrogaram a si o direito de osdirectar {sic} a seu fim.

A Revolução de 1842

Mesmo fora do poder desde 1837, os políticos favoráveisàs idéias liberais mantiveram-se unidos. Na Província de Mi-nas Gerais, essa união vinha desde a sedição militar de 1833,quando se posicionaram contrários aos revoltosos que defen-diam o retorno do imperador Pedro I.10Foi, pois, da coesão dos membros do Partido Liberal com

simpatizantes das idéias por ele defendidas que se geraram ascondições favoráveis para transformar a Província no princi-pal palco da Revolução de 1842. O movimento, tipicamentede elite, originou-se da insatisfação de parte dela com a con-dução da política brasileira.A primeira eleição para a Câmara de Deputados do Segun-

do Reinado foi realizada em 1841 e ficou conhecida como"eleição do cacete", tal a violência empregada no seu decurso.Mas, resultado ou não da violência, o certo é que, antes mes-mo de se instalar, o perfil da Câmara desenhava-se como niti-damente liberal e de franca oposição ao governo imperial.As sessões preparatórias foram iniciadas a 25 de abril de

1842 e concluídas a 10de maio. Quando o primeiro-secretárioda Casa se preparava para dar ciência oficial do fato ao Minis-

IDA sedição militar ocorrida em Ouro Preto no aoo de 1B:l3. também conhecida como Revolução doAno da Fumaça, não passou de breve movimento de parte das tropas militares em prol do retorno deD, Pedro I ao Brasil e pela restauração de seu reinado, A rebelião foi rapidamente surocada pelas forçasoficiais e contabilizada como expressiva vitória da corrente liberal que chegara ao poder, 39

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DIÁLOGO COM O TEMPO

tro do Império, recebeu do mesmo o decreto que comunicavaa destituição da Assembléia.

O fechamento da Câmara e a destituição dos deputadoseleitos representaram a gota d'água para a eclosão da Revolu-ção Liberal. Os cenários do movimento foram Sorocaba, emSão Paulo, e Barbacena, São João del-Rei e Santa Luzia, emMinas Gerais.

Por essa época, a vida político-partidária brasileira já esta-va cingida a dois partidos: Liberal e Conservador. Mais tarde,passariam a ser conhecidos também como Luzias e Saquaremas.Tais denominações deram origem a provérbio - "não há nadamais parecido com um saquarema quanto um luzia no poder"- freqüentemente veiculado na segunda metade do séculoXIX por aqueles que não acreditavam nas diferenças políticase ideológicas de elite.

Luzias X Saquaremas

De acordo com a tradição historiográfica, a Revolução

Liberal de 1842 foi tramada na Corte pelos componentes

do Clube dos Patriarcas Invisíveis. O propósito inicial teria

sido o de unir as forças liberais do Rio de Janeiro, de

Minas Gerais e de São Paulo, em virtude da proximidade

desta última com o Rio Grande do Sul, de há muito

conflagrado na Revolução dos Farrapos.

Entretanto, sem poder contar com a presteza da Comarca

de Curitiba, seduzida pela promessa de se separar da

Província de São Paulo - efetivamente cumprida poucos

anos depois, com a criação da Província do Paraná -,

alguns paulistas em armas se uniram aos mineiros

liderados por José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, o

futuro Barão de Cocais, e Teófilo Benedito Otoni.

Batidos em Santa Luzia pelo Barão de Caxias, já então no

comando do Exército, os liberais mineiros passaram a ser

chamados por seus adversários pelo nome do local onde

foram derrotados: Santa Luzias ou, simplesmente, Luzias.

Posteriormente, a alcunha "Luzia" foi estendida a todos os

liberais do Império.

Da mesma forma, o nome Saquarema, como denotação dos

conservadores, teria advindo da atuação de um certo padre

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

José da Cêa e Almeida, que exercia funções de subdelegado

de polícia na vila de Saquarema, Rio de Janeiro. No anseio de

garantir a vitória dos conservadores nas eleições de 1845, o

padre teria autorizado até mesmo o assassinatode eleitores

que recusassemas listas do Governo. Por outro lado, era nas

imediações de Saquarema que Joaquim José Rodrigues

Torres e Paulino José Soares de Sousa, renomados chefes

conservadores, tinham grandes propriedades de terra e

de escravos, além de vasta parentela.ll

A Revolução Liberal de 1842 não questionava a legitimi-dade da monarquia nem a autoridade do imperador. Antes, ainsatisfação que motivou os revoltosos decorreu da maneiraequivocada com a qual o Governo Central conduzia à época ojogo político. Equívocos atribuídos, obviamente, aos conse-lheiros mal-intencionados de D. Pedro 11.

Na Assembléia mineira, os conservadores eram maioria nalegislatura de 1840-1841. Entretanto, era sobejamente conhe-cido que tal maioria decorrera das manipulações eleitorais doentão presidente da Província, Bernardo Jacinto da Veiga. Noentendimento dos liberais, a vitória dos conservadores só forapossível em virtude da Lei Provincial nO 170, de 16 de marçode 1840, que alterou a organização da Guarda Nacional.

Não foi por acaso, portanto, que o primeiro compromisso entrepaulistas e mineiros, na fase que antecedeu o movimento de 1842,referia-se à Guarda Nacional. Ficou estabelecido que líderes dasduas províncias impediriam a mobilização e a convocação demembros da milícia para atuarem a favor das forças imperiais.

A adesão efetiva da Província de Minas à Revolução de1842 só ocorreu em momento crucial, quando em São Paulo omovimento já estava praticamente derrotado. Sob a liderançade Teófilo Otoni, o município de Barbacena se transformouem quartel-general dos revolucionários, que, a 10 de junho,proclamaram o tenente-coronel José Feliciano Pinto Coelhoda Cunha, presidente interino da Província de Minas Gerais.

Depois de conclamar o povo mineiro à luta contra a "oli-garquia turbulenta e opressora que tutela o nosso Monarca", o"presidente intruso", como era chamado pelos legalistas, trans-

11MArros, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. Riode]aneiro: Access- Editora. 1999. p.97-98 41

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DIÁLOGO COM O TEMPO

feriu-se para São João del-Rei, onde instalou a Capital de Mi-nas. Para além do anacronismo de ter dois presidentes e duascapitais, a instalação do quartel-general em São João del-Reiteve, de um lado, o mérito de popularizar o movimento e, deoutro, o de contribuir para a agilização das forças repressivasque se deslocaram para a Província de Minas.Os últimos e sangrentos combates ocorreram em Santa

Luzia, com muitos mortos, feridos e cerca de 300 prisioneiros.Enviado pelo Governo Central para dirigir as forças legalistas,Caxias só chegou a Minas no final de julho, quando a luta jáera intensa e contabilizava grandes perdas dos dois lados. 12

Na Assembléia Provincial mineira, a Revolução Liberal de1842 foi, como esperado, tema de intensas discussões. A 17de julho, deputados ligados ao Partido Liberal aprovaram men-sagem de gratidão a José Feliciano Pinto Coelho da Cunha:

Os deputados oferecem aogoverno interino a coadjuvação deseu voto, sua pessoa e bens paro levar-se a efeito a restauro-ção da Constituição do Império, rosgada por essa lei de san-gue que a facção absolutista se atreveu a promulgar. 13

Conforme análise do cônego José Antônio Marinho, depu-tado provincial em várias legislaturas, chefe revolucionário ehistoriador da Revolução de 1842, a participação dos liberaisnos movimentos de 1833 e 1842 foi fruto da histórica coerên-cia dos mineiros frente às ameaças à liberdade:

r.. .) A Província de Minas moveu-se em 1833 para susten-tar o Governo; mas porque o acreditava um Governo Na-cional; que respeitava a Constituição do Estado e mantinhaos cidadãos em seus direitos. Épor isso que osmesmos, quecom todos os sacrifícios. sem excetuar o das próprias vi-das, combateram a facção absolutista rebelada contra umgoverno que sustentava os princípios da liberdade, insur-giu-se também em 1842 contra um l\-linistério déspota queassassinara a Constituição. e que. disposto se mostravapara acabar com as liberdades públicas por ele já tanto etão ilegalmente restritas. 14

12 Faro a Revolução Liberal em Minas, ver principalmente: MARINHO, José Antônio. Cônego. Histó-ria do movimento político que no ano de 1842 teve lugar na província de Minas Gerais. Op.cil. e1'v!ENEZES, Eduardo. A revolução mineira de 1842. Juiz de Fora: Tipografia Brasil. 1913.13 CHAGAS, P-dulo Pinheiro. Teófilo Ottoni: Ministro do povo. Rio de Janeiro: 1956.14 MARINHO, José Antônio, Cônego. Op. cil. p.63-64

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Ainda sob o impacto da Revolução, a Assembléia mineiravoltou às suas atividades normais em outubro. Na sessão dodia 2 daquele mês, o deputado Gomes Cândido solicitou quese felicitasse, em nome dos mineiros, a Sua Majestade o Im-perador Pedro II pela pacificação da Província. Depois de in-tenso debate, a indicação foi aprovada, desde que com emen-da pedindo a reconstrução da ponte sobre o Rio Paraibuna,que havia sido incendiada no decorrer dos combates.Quando, finalmente, as rebeliões foram apaziguadas e os

conflitos amortecidos, a elite brasileira alcançou consensoquanto ao que considerava prioritário: a conservação da or-dem, a integridade territorial do Império e a manutenção doregime de monarquia constitucional.Para garantir tal consenso, estruturou-se um sistema polí-

tico original que, vez por outra ajustado, manteve as princi-pais engrenagens do regime alicerçado na grande proprieda-de da terra, na mão-de-obra escrava e no crescimento dasexportações de café. Assegurados benefícios à elite, e garan-tida a ordem imperial, a próxima crise só viria depois daGuerra do Paraguai, na virada para a década de 1880 e, jáentão, como evidente sinal de que mudanças mais bruscasestavam por vir.

o fim da escravidão

A Província de Minas Gerais não era apenas a mais populo-sa do Império. Era também a que detinha o maior planteI deescravos disseminados por todas as regiões e ocupados nasmais variadas atividades produtivas. A presen.,:a desse grandeplanteI de mão-de-obra escrava foi, decididamente, um dosprincipais fatores que propiciaram à Província sua auto-sufi-ciência econômica ao longo de todo o século XIX.Mesmo após 1850, quando, em obediência à Lei Eusébio

de Queirós, foi oficialmente proibida a importação de africanos,o planteI de escravos de Minas Gerais continuou sua curvaascendente. Estudos recentes indicam que isso só foi possívelgraças ao contrabando, ao dinâmico mercado interno que era 43

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DIÁLOGO COM O TEMPO

alimentado pelo excedente da escravaria das províncias doNordeste, e à reposição natural fortemente incentivada porparcela significativa dos escravocratas.15

As assembléias provinciais eram destituídas de competên-cia político-jurídica para legislar sobre a questão do escravismo,o que não impedia, contudo, que a questão fosse ali debatida.Em Minas, onde havia presença maciça de escravos, o temafoi, obviamente, objeto de discussões entre os deputados.

Da leitura dos anais da Assembléia Legislativa Provincial,foi possível capturar fragmentos de debates entre os poucosque defendiam a abolição do trabalho escravo e os que seopunham a tal medida.

Logo depois da aprovação da Lei Rio Branco - a famosa Leido Ventre Livre, dada ao País em 1871 -, os debates se torna-ram mais acirrados. Àquela altura, como todos sabiam, aemancipação dos escravos estava prestes a se tornar realidade.

Mas, para além dos sonhos e idealismos da minoriaabolicionista, havia também, e principalmente, a consciênciade que a transição para a mão-de-obra livre em suas diversasmodalidades viria permeada por grave crise econômica queatingiria a todos, inclusive aos proprietários abolicionistas.

O problema mais imediato, após a promulgação da Lei doVentre Livre, era a busca de mecanismos que barrassem a eva-são de escravos, cujos preços subiam vertiginosamente nomercado brasileiro. A discussão travada na sessão de 6 denovembro de 1873 sobre uma eventual taxa a ser paga poraqueles que "exportassem" escravos da Província é exemplar.

O primeiro a se manifestar foi o deputado GustavoCapanema:

Sr. presidente, não posso deixar passar desapercebida a

emenda apresentada pela ilustrada la Comissão deFbzenda acerca do imposto de 200$00 sobre cada escravoque for vendido para fora da província.

Sr. presidente, sou entusiasta da liberdade, e por conse-qiiência inimigo de qualquer medida que sirva de óbiceaos progressos rápidos da emancipação servil.

Depois do memorável decreto de 28 de setembro (refere à

Lei do Ventre Livre) e do regozijo público com que foi acei-

15 Sobre o escravismo na Província de Minas Gerais, ver, entre outros: UBBY, Douglas Cole. Transfor-mação e trabalho em uma economia escravista - Minas Gerais no Século XIX. São Paulo: Ed.Brasiliense. 1998. e IvIARTlNS. Roberto Borges. "Minas Gerais. século XIX: tráfeoo e apego à escravi-dão". Estudos econômicos. CedeplarlFace/UFMG, 1983. (mimeo) o

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

ta esta lei por todos os brasileiros. fica perfeitamente sali-ente que a idéia da emancipação servil é um pensamentoque deve ser cada \'ez mais coroado.

(...) Cometeria, portanto, um crime quem quer que hoje qui-sesse opor barreira aos progressos rápidos da emancipação.

Antes de terminar sua fala, foi interrompido pelo colegadeputado Salatiel de Andrade Braga, que, sem disfarçar suaironia, afirmou:

Os srs. entusiastas da emancipação servil deviam ir liber-tando os seus escral'os para realizarem quanto antes estaidéia.

Sem se irritar com o aparte, Gustavo Capanema argumen-tou que os impostos deveriam ser cobrados a quem com-prasse escravos fora de Minas, e não a quem os vendia. Edisse mais:

Toda vez que me for possil'el, eu libertarei algum escravoque tiver, mas não posso ser tão patriota que sacrifique deum modo absoluto os meus interesses particulares a umaidéia pública, aliás muito humanitária.

Este acontecimento há de ser realizado aos poucos. Porconse-qüência, parecendo-me, como disse, que a emenda vai pôróbices à fácil exportação de escravos da província, e reconhe-cendo, por isso, que vai obstar a abolição da escravatura em

menos tempo, entendo que ela não deve ser aceita pela Casatal como se acha redigida. Penso que a redação ficaria melhorse, em I'ez da palavra "para fora" se dissesse para dentro.

Sob O novo aparte do deputado Salatiel de que a supressãodo imposto não promoveria a emancipação dos escravos,Gustavo Capanema voltou ao seu argumento:

Não suprime, mas influi de maneira muito direta, porque,sendo vendidos muitos escravos parr Jra, e não entrandonúmero igual à exportação. e se eles diminuissem na Pravin-cia, os que restarem em muito menos tempo poderão hmrersua liberdade. Portanto, influi diretamente para que, em umtempo mais próximo, e de um modo muito suave, se operea emancipação na nossa Provincia.

Novamente, a manifestação irônica do deputado Salatiel:

Tirar o escral'o da Provincia de Minas Gerais para levá-lopara o Rio de Janeiro não é mais do que deslocar a escra- 45

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DIÁLOGO COM O TEMPO

vidão. Aceito as idéias do nobre deputado, espero que elasse realizem; mas, nas circunstâncias atuais do País, nãopodemos.

Se na Província de Minas Gerais há tanto entusiasmo poresta idéia de liberdade, quem impede os senhores de pas-sar cartas a seus escravos? Assim, não ficariam todos li-vres? Por que não acontece isto? Porque há necessidade debraços para a lavoura.

Sr. presidente, já dei as razões por que pretendo votar con-tra as emendas dos meus ilustres colegas; concordo com ossentimentos que os guiaram, mas estou em que as medi-das, que S.s. Excs. lembraram não conduzem ao fim queeles visam.

A preocupação com o mercado de trabalho ou, como sedizia então, com a necessidade de braços para a lavoura foi,desde meados do século XIX até a segunda década do séculoXX, um dos temas mais recorrentes nas discussões travadaspelas elites políticas de Minas Gerais.

Entretanto, a implementação de políticas de atração de mão-de-obra livre sob as diversas modalidades de relações de tra-balho - imigração, colonização, meação, parceria, trabalhosazonal, assalariado, entre outras - só se tornou preocupaçãoefetiva do Poder Público depois de proclamada a República.

Diferentemente da Província de São Paulo, que, sob a gua-rida do Império, adotou desde 1850 o sistema de parcerias,buscando a substituição do braço escravo, em Minas o inte-resse concentrava-se na ocupação e povoamento do territó-rio, já que havia abundância de mão-de-obra escrava.

Mediante legislação imperial, foram criados alguns núcleoscoloniais que, no entanto, não surtiram os resultados deseja-dos. Tanto que, quando da proclamação da República, somentecinco deles estavam funcionando: Rodrigo Silva, em Barbacena;Marçal e Teodoro, em São João del-Rei; Ferreira Alves, em SãoJoão Nepomuceno; e Paula Ramos, em Manhuaçu.

Só muito tardiamente, no início da década de 1880, quan-do o fim do escravismo era iminente, é que se iniciaram astentativas de encaminhar imigrantes estrangeiros para as fa-zendas de café da Zona da Mata e do Sul. Por essa época, foicriada em Juiz de Fora a Associação Promotora de Imigração,e a Assembléia Provincial votou uma lei autorizando o poderpúblico a patrocinar a vinda de trabalhadores estrangeiros.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Finalmente, a 6 de dezembro de 1888, portanto após a abo-lição do trabalho escravo, foi celebrado pela Lei ProvincialnO 3.598 convênio com a Companhia de Imigração e Coloni-zação Mineira para a entrada e localização, a partir de julhodo ano seguinte, de 25 mil imigrantes no Sul da Província. Erao sinal evidente de que a expansão cafeeira da Zona da Matapara o Sul de Minas exigia, mais que reforço de mão-de-obra,o estabelecimento de novas relações de trabalho.16

Na busca de soluções para o aflitivo problema de braçospara a lavoura, houve propostas alternativas, algumas delasaté fantasiosas. Por exemplo, na contramão dos projetos deimigração, o deputado Joaquim Getúlio de Mendonça apre-sentou, na sessão de 2 de agosto de 1877, projeto que visavaà exploração do trabalho indígena. A idéia era absurdamenteextemporânea. Remontava aos heróicos tempos dobandeirantismo, quando catequese e escravidão da mão-de-obra indígena faziam parte da política da metrópole portugue-sa para o Brasil. Mas a argumentação do deputado era quaseconvincente e chegou a receber aplausos de seus pares.

(...) Sr. presidente, ligando todo o interesse ao progressodesta vasta Província, me é grato dar modesta prova deque não poupo esforços para a sua prosperidade.

Sem investigar as causas especiais de seu atraso, senãodecadência, procuro inspirar-me na opinião para remo-ver um dos grandes males, a falta de emprego de braçosque, não raras vezes ativos para o mal, permanecem sem-pre inativos para o bem.

Desejo solução a esse problema que, feição do passado e dopresente, aguarda oportunidade para sair à luz da dis-cussão, e hoje aparece como exigência da época, e par epasso caminha ao lado da instrução pública. Se não con-seguir meu desideratum, ao menos terei provocado examesobre assunto de tanta transcendência, e dar-me-ei porfeliz, se do meu ato resultar algum melhoramento paraesta Província.

Tanto digno de estudo se torna este projeto, quanto seránotável que passe o periodo legislativo sem que registreesta medida que vai consultar necessidades urgentes dopovo, depois da humanitária lei que deu nova organiza-

16 MONTEIRO. Norma de Gócs. Imigração e colonização em Minas. Belo Horizontc: Imprensa Ofi-cial, 1973. p.33-34 47

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DIÁLOGO COM O TEMPO

ção ao elemento semI. Se bem que estabelecida do modomais suave e que se coaduna com as condições do país,todavia a lei de 28 de setembro de 1871 (Lei do VentreLivre), uma auréola de glória da geração presente, causouconsiderável prejuízo à lavoura, que desde então entrouem uma fase crítica.

Neste estado de coisas, o produtor arca com dificuldadesna aquisição de braços para a lavoura, e tudo vai pesarcom mão de ferro sobre o consumidor, que compra gênerosde primeira necessidade por preço exorbitante.

Os nobres deputados compreendem que, com a medidaque proponho, muito se pode aproveitar, com relação àstribos indígenas que existem nos vales do rio Jequitinhonha,Pardo e outros; e destarte se dará um passo para a obra dacatequese e civilização dos índios, para cujo fim tanto temconcorrido a dedicação do distinto mineiro que dirige esseramo do serviço público na ProVÍncia.

O que mais útil poderemos fazer do que empregar estesbraços improdutivos esparsos nas vinte mil léguas qua-dradas da Província?

Se hoje são eles considerados inúteis à lmroura, que tanto res-sente-se de sua falta, amanhã virão dar-lhe grande impulso,desde que forem criados os institutos de que trata o projeto.

Sr. presidente, encarando o projeto pelo lado constitucio-nal, como é sabido, às assembléias provinciais compete,cumulativamente com o governo e com a Assembléia Ge-ral, a catequese e civilização dos índios, o estabelecimen-to de colônias, como estatui o parágrafo 5° do art. 11 doAto Adicional. Conseqüentemente, não é uma idéia intei-ramente nova.

Dizia eu, em não sendo uma idéia nova, mas que a im-prensa da Província tem sustentado, a necessidade decriação de colônias municipais neste vasto território, ape-nas povoado de distância em distância de muitosquilômetros, por dois milhões e meio de habitantes. Comoa necessidade da medida é intuitiva, limito-me a estaspequenas considerações.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

o regionalismoMineiridade e clientelismo

Após O tumultuado período regencial, as elites dirigentes doImpério brasileiro ainda tinham muitos desafios a serem trans-postos. O principal deles podia ser traduzido na urgente neces-sidade de se criarem mecanismos capazes de resolver diferençasinternas, sem que isso provocasse ameaça à ordem vigente.

A despeito de todas as dificuldades no processo de cons-trução do Estado, a Constituição de 1824 havia sido mantidae, como ensinava o modelo europeu, também o sistema parla-mentarista.

Entretanto, persistia um problema a ser resolvido: conci-liar o altamente centralizado Estado Imperial, condição indis-pensável para garantir a ordem, com a necessidade de atenderàs demandas das oligarquias regionais, onde de fato se situavao poder econômico. E essas oligarquias não abriam mão, porexemplo, da estrutura escravista e de outros privilégios quegarantiam a grande propriedade e a agricultura de exportação.

Se o Império não podia prescindir da contribuiçãoeconômica dos grandes proprietários, eles tampouco podiamdispensar o aparato administrativo e burocrático do Estado.Afinal, era desse aparato que vinha a garantia de que a ordemseria mantida.

Criava-se, pois, na expressão que José Murilo de Carvalhotomou de empréstimo a Guerreiro Ramos, uma dialética deambigüidades nas relações entre a Corte e as províncias.

A alternância dos partidos Liberal e Conservador no poder,assim como a regularidade das eleições, dava ao Brasil a mol-dura institucional que o aproximava do modelo europeu. Emais, camuflava tensões e conflitos que persistiam em varia-dos pontos do território.

A freqüente interferência do monarca, por meio do PoderModerador, garantiu a rotatividade dos gabinetes e obipartidarismo parlamentar. Mas a força propulsora que faziaa máquina funcionar era o c1ientelismo disseminado pelas pro-víncias sob a forma de um regionalismo primário e, nos muni-cípios e vilas, sob a forma do poder local. O c1ientelismo era,não de direito, mas de fato, componente importante na mon-tagem do sistema político do Império. 49

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Em Minas, como de resto em todas as províncias, mais quediferenças partidárias, o que contava mesmo era a defesa dosinteresses relativos à Província. Acreditavam os deputados, enão sem razão, que, sob a égide do centralismo do GovernoImperial, a presença de algum conterrâneo no Ministério ga-rantiria à Província o prestígio necessário para fazer jus àsbenesses do Poder Central.

Assim, quando ascendia ao poder um gabinete, independen-temente se Liberal ou Conservador, sem a presença do que eleschamavam de "elemento mineiro", o fato era extremamentelamentado. Da mesma forma, quando ocorria o inverso, haviamotivo para júbilo e, não raras vezes, de felicitações cujoconteúdo era largamente discutido para não ferir suscetibilidades.

Na sessão de 29 de maio de 1872, por exemplo, o deputa-do Augusto da Gama Cerqueira sugeriu o envio de mensagemde felicitações ao conselheiro Joaquim Delfino da Luz, queacabara de assumir o Ministério da Marinha em substituição aManuel Francisco Corrêa, que deixara o Gabinete Conserva-dor de 1871.

Os ânimos se exaltaram quando da formulação do texto.Alguns deputados queriam introduzir alusões claras ao longoesquecimento do "elemento mineiro" na composição dos ga-binetes anteriores.

Ainda que tal atitude não fosse consensual, porque boaparte dos deputados temia desagradar ao imperador, o depu-tado Assis Martins insistia: "de ano em ano a nossa Provínciaperde uma grande soma da importância de que já gozou".

O desprestígio de Minas podia ser observado também, se-gundo o deputado Paula Santos, na ausência de mineiros napresidência de outras províncias. Sua reclamação era justa,posto que, se pessoas de fora da Província governavam Mi-nas, o normal seria que "elementos mineiros" também fossemnomeados para o mesmo cargo em outras.

Os sentimentos regionalistas - comuns em todas as pro-víncias - tornaram-se perceptivelmente mais fortes a partir dapropagação dos ideais republicanos. Em meio a tais sentimen-tos, começaram a florescer em Minas os primeiros sinais doprocesso de mitificação da figura de Tiradentes, que, no alvo-recer da República, seria alçado à condição de herói e mito deorigem do discurso ideológico da mineiridade. O exemplo quese segue é elucidativo do novo tipo de regionalismo que vinhase afirmando na Província.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Na sessão de 26 de setembro de 1873, o deputado JoãoBatista Pinto fez emocionado pronunciamento abordando doistemas considerados tabus para o Regime Monárquico brasilei-ro: a pena de morte e o reconhecimento de Tiradentes comoherói de Minas e do Brasil. Iniciou sua fala pelo relato de umepisódio que presenciara:

(...) Encontrei-me com uma escolta comandada por umoficial, que ia daqui para o Rio de Janeiro conduzindo uminfeliz coberto de ferros.

Perguntando eu quem ele era, o oficial respondeu que erao algoz desta Capital, que ia para a Corte, requisitado a

fim de fazer algumas execuções.

Srs., neste momento também recordei-me de que há perto deum século passou por aquele caminho um nosso ilustradocompatriota igualmente escoltado, com destino ao Rio deJaneiro, a fim de ser enforcado e esquartejado; um nossocompatriota que não cometera homicídio algum, que nãoroubara e que, no entanto, foi sofrer o suplício, somente por-que em seus devaneios da mocidade, na sua imaginação depoeta, nos seus sonhos dourados, concebeu a grandiosa idéiade nossa emancipação, da nossa libertação do jugo da anti-ga Metrópole, enfim da regeneração e independência.

Desde esse momento fiz tenção de apresentar um requeri-mento nesta Casa, pedindo a S. lvI. o Imperador a comuta-ção da pena desses infelizes, que são supliciados pelo car-rasco mineiro, e bem assim, representar à Assembléia Ge-ral, pedindo a eliminação em nosso Código do artigo ne-gro, que manda que se mate nosso semelhante.

A pena de morte, Srs., é uma pena anacrônica, arbitrária,bárbara, e contrária à natureza.

Indicação: Indico que esta Assembléia respeitosamenteimplore de S. M. o Imperador a comutação das penas dosinfelizes, para cujo suplício se mandou buscar o algoz nes-ta capital.

Outro indicador da força do regionalismo residia na valori-zação do território da Província. O mesmo deputado João Ba-tista Pinto fez, na sessão do dia seguinte, um pronunciamentoacerca de verbas destinadas à educação. Mas aproveitou aoportunidade para enaltecer as condições geográficas epotencialidades econômicas da Província: 51

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DIALOGO COM O TEMPO

Sr. presidente, se na divisão das províncias coube aos mi-neiros um território, por assim dizer, encravado, sem umporto de mar, longe, muito longe mesmo do litoral, em com-pensação a natureza dotou-nos com um solo riquíssimoem seus três reinos - mineral, vegetal, animal.

No reino mineral temos uma variedade de produtosmineralógicos desde o diamante, desde o ouro, até o ferro,que seriam capazes de saciar a ambição de todos os brasi-leiros; mas pouco ou nenhum proveito tiramos de tantasriquezas, quase todas monopolizadas hoje pelos estran-geiros.

(...) No reino vegetal, sr. presidente, V. Exc. sabe que a Pro-víncia de Minas é fértil, não só em produtos naturais, masainda produtos estrangeiros. Em todos os seus municípiosdá muito bem o café, o algodão, a cana, todos estes gênerosque podiam enriquecê-la.

Entretanto, nós não exportamos uma arroba de açúcar, umlitro de aguardente. Não exportamos, por assim dizer, se-não o café. A razão de tudo isto é a falta de estradas naProvíncia.

Antes de tudo, digo eu, antes mesmo da instrução pública;porque, tendo estradas, nós temos riqueza pública e parti-cular, e então a instrução será derramada com facilidade.

A província de Minas, "o mais bonito diamante da coroado Brasil", como disse D. Pedro l, está empalidecido, já nãobrilha.

Nos Estados Unidos a opulência e prosperidade que essegrande país ostenta, é devida a que os habitantes nuncativeram medo de gastar grandes somas em viação.

A falta de estradas, sr. presidente, faz com que os habitan-tes não tenham vontade de trabalhar, e os trabalhadoressó plantem o necessário para o seu consumo.

Por aquela ocasião, setembro de 1873, havia rumores deque alguns municípios do Norte de Minas poderiam ser ane-xados a uma nova província - a Província de São Francisco -que se localizaria na confluência das províncias da Bahia e dePernambuco. A proposta já havia sido discutida na Assem-bléia Geral, mas, em Minas, recebeu enfurecida rejeição porparte da Assembléia Provincial. O emocionado discurso dodeputado Emilio de Rezende Costa é uma boa mostra.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Sr. presidente, em uma Assembléia composta de ilustra-dos mineiros, em cujos corações não podem deixar de ani-nhar-se os verdadeiros sentimentos de amor e dedicação àsua Província natal, parece ocioso motivar a indicaçãoque proponho, no intuito de obter uma representação juntoao Senado contra a incorporação de crescido número denossos co-provincianos e considerável porção de territóriomineiro à província projetada às margens do rio São Fran-cisco.

A incorporação à província de São Francisco de territórioe importantes povoações mineiras, de cuja audiência seprescindiu na Câmara temporária, sobre ter sido, sr. pre-sidente, um ato inteiramente inopinado, constituiu umatentado, que nessas regiões dominam, um sacrifício quevão sofrer sem a compensação.

Se a vista, que determinou a anexação de território e povo-ações mineiras à Provincia de São Francisco, for a de ou-torgar-lhes um benefício que não pediram e nem desejam,atenta contra o anexim benfícium invito non datur.

Creio, sr. presidente, que nenhum mineiro de bom gradodesejará pertencer à nova província, à colônia quePernambuco ou Bahia vai possllir nas margens do rio SãoFrancisco.

Erudição e cortesia

De modo geral, os membros da Assembléia Legislativa Pro-vincial Mineira eram pessoas ilustres e, não raro, eruditas. Alémdisso, a importância socioeconômica e as tradições de MinasGerais fizeram de seu Legislativo uma espécie de celeiro depolíticos de grande envergadura no cenário imperial.

Os debates travados entre Conservadores e Liberais e, maistarde, também entre Republicanos, eram, em geral, pontua-dos pelo alto nível das discussões e a acentuada cortesia comque se tratavam.

Os discursos, mesmo em se tratando de temas corriquei-ros, transformavam-se em peças de erudição, sendo mobiliza- 53

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DIÁLOGO COM O TEMPO

dos, quase sempre, autores clássicos para a sustentação dosargumentos e apresentação de projetos. Outro dado interes-sante era o excessivo apego aos valores do cristianismo e asrecorrentes citações de textos bíblicos, com farta utilizaçãode expressões latinas.

Mesmo não tendo competência para legislar sobre ques-tões de relevância econômica, social e política, a Assembléiamineira as abordava de forma sutil e, quase sempre, subjacentea outros temas.

Na sessão de 18 de fevereiro de 1873, por exemplo, quan-do a questão do mercado de trabalho já estava na ordem dodia em todo o País, na Assembléia mineira o que se discutiaera a proposta de instalação de dois colégios para estudosintermediários em Sabará e São João del-Rei. A discussão quese travou pôs à mostra a verdadeira preocupação dosdeputados: o mercado de trabalho e a qualificação profissio-nal dos trabalhadores.

O deputado Gomes Cândido, contrário à proposta de cria-ção dos referidos colégios, citou Platão, Leibnitz e outros filó-sofos para justificar sua posição. No seu entendimento, a Pro-víncia não carecia de cursos preparatórios ao ensino superior- que ele chamava de imateriais -, e sim de escolas que pre-parassem os jovens para o trabalho agrícola e de mineração.Um de seus oponentes, o deputado João Paulo Barbosa,argumentou, a certa altura da discussão:

Se o princípio do nobre deputado [Gomes Cândido} fosseexato, o sábio, o deputado, oministro, enfim, todos que nãoproduzem valores ligados à matéria seriam parasitas, en-tidades supérfluas, ou pesadas à sociedade, e que cum-pria e}(terminar do seio dela; se o nobre deputado não dáapreço senão a produtos materiais, deverá concluir que osserviços que está prestando hoje a sua Pátria, que essesseus bem alinhados discursos, que tudo é sem proveito.

Não excomungues as ciências; lembremo-nos de que nenhumpovo pode ser feliz e livre quando jaz nas trevas da ignorân-cia; que os homens precisam ser instruídos para conheceremseus direitos, seus deveres, e até os seus interesses.

Novamente com a palavra, Gomes Cândido declarou "nãonegar a instrução àquelas povoações que dela precisam", masasseverava sobre o "quão custoso a criação de cadeiras deinstrução está saindo aos cofres públicos".

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Em tom conciliador, o deputado Paula Santos, que se disseamigo das ciências, ponderou que a botânica, a agronomia, aaritmética e a geometria tinham, sim, valor maior para o Paísdo que a filosofia e a retórica.

Instruídos e cultos, a maioria dos deputados eram também,e principalmente, autênticos representantes de um tempo emque a cidadania era privilégio masculino. Logo, direitos fun-damentais como o de votar e o de educar-se, por exemplo,não deviam ser estendidos às mulheres.

Não é de estranhar, portanto, o debate ocorrido na sessãodo dia 8 de novembro de 1873 em torno do item do orçamen-to destinado à instrução pública feminina. Felizmente já haviaalgumas vozes dissonantes, como a de Xavier da Veiga, quedefendiam a universalização da educação, mas a maioria con-siderava absurda a idéia de se destinarem verbas à educaçãodas meninas. Sobre a questão, afirmava o capitão e deputadoJoão Batista Pinto:

Sr. presidente, eu entendo que o nosso orçamento não podesuportar esta verba tão grande, e que, à vista do estadofinanceiro da Província, a Assembléia não deve votá-la.

Nós precisamos, antes de tudo, de educar os mineiros. Asmeninas podem ser educadas nas escolas primárias, ondese ensina a ler e escrever, trabalhos de agulha e a doutrinacristã; e aquelas, que forem mais ricas, e quiserem ter umamelhor educação, estudem por conta de seus pais e desuas famílias, e não às Cllstas da Província que, por en-quanto, não pode fazer tamanha despesa. Nós temos aulasde instTllção primária para meninas em todas as paró-quias da Província. A despesa que ora se propõe é umadespesa de luxo.

Houve debate com o deputado José Pedro Xavier da Veiga,que era contrário à diminuição da verba destinada à instruçãofeminina. Mas o deputado João Batista Pinto argumentava que,com aquela quantia, seria possível "fazer muitas estradas eeducar muitos moços" e propunha não a redução, mas asupressão total de tal verba.

O deputado Salatiel de Andrade Braga fez uso da palavrapara expressar sua concordância à proposta de suprimir ver-bas destinadas à educação das meninas. Tanto quanto a maio-ria de seus colegas, considerava mais importante a construçãode estradas que a educação feminina. Disse ele: 55

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DIALOGO COM O TEMPO

(...) É verdade, como eu dizia, que há grande necessidade deinstrução; mas é maior ainda a necessidade de melhora-mentos materiais. Eu desejaria muito que todas as mineirasfossem literatas, como os nobres deputados acabaram de de-nominar. Mas é razoável que os mineiros casados com estasliteratas tenham no interior de suas habitações os benefíciosde uma instrução cultivada, e fora dela não tenham estradaspara poder comunicar-se com seus vizinhos? Acho que é umacoisa discordante, e, portanto, prefiro as estradas a umainstrução muito apurada nas senhoras. Conquanto eu desejemuito que se derrame a instrução no sexo feminino eseja a mais aperfeiçoada possível, todavia não soudaqueles que entendem que a ventura de um casalconsiste em ser literata a mãe de família. É bom que nãoseja ignorante, mas não precisa também que tenhainstrução tão esmerada a ponto de torná-la uma literata.

Às vésperas da República

Não obstante ter sido uma das bandeiras da ConjuraçãoMineira de 1789, a idéia de República não contava com mui-tos adeptos na Província. Ainda assim, ao ser comparado aoresto do país, a força do republicanismo mineiro era tida, aolado da Província do Rio Grande do Sul, como das mais ex-pressivas. Jornais como "O Jequitinhonha", de Diamantina, "OFarol", de Juiz de Fora, "O Liberal Campanhense", do Sul deMinas, e "O Tiradentes", de Ouro Preto, veiculavam idéiasantimonarquistas e defendiam a República.

Ao que tudo indica, o trabalho da imprensa surtiu resultado,posto que, como foi constatado por George C. Boehrer, no mo-mento da proclamação da República 30% do colégio eleitoralmineiro se dizia republicano. Nessa percentagem se incluíam,obviamente, conservadores e, principalmente, senhores de es-cravos que, após a abolição, aderiram ao Partido Republicano.Eram os chamados republicanos de 14 de maio de 1888. 17

17 BOHRER. George C. Da Monarquia à República: história do Partido Republicano no Brasil(1870-1888). Rio de Janeiro: MEC,1954. p.145.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Contudo, segundo o depoimento de Cristiano Otoni, os re-publicanos mineiros adotavam posição volátil, ao sabor dosgrupos que assumiam o poder: "Nos partidos de oposição sur-gem declarações de republicanismo, mas logo que sobem osamigos, adeus mesquita republicana."

Além desse oportunismo político, a longa distância da Cor-te, onde se travavam as discussões sobre a iminência da Repú-blica, contribuía para que os mineiros ficassem relativamentealheios aos acontecimentos. Não foi, pois, de estranhar que oinesperado episódio do dia 15 de novembro de 1889 tenha sur-preendido a população em geral e até mesmo os republicanos.

No que diz respeito à abolição do trabalho escravo, a si-tuação foi consideravelmente diferente. Ao que tudo indica, aassinatura da chamada Lei Áurea não teria surpreendido osmineiros e, muito menos, os integrantes da AssembléiaLegislativa Provincial.

Se não se surpreenderam, também não comemoraram. Àexceção, é claro, de uma pequena minoria de abolicionistas que,tanto quanto os outros, não escondiam a preocupação com apremente necessidade de se estabelecerem novas relações detrabalho, ou mesmo em aperfeiçoar as que já existiam. Menosde um mês depois da promulgação da lei, dizia o deputadoFrancisco Sá, em sessão realizada a 5 de junho de 1888:

(...) Trata-se, senhor presidente, de decretar meios para quea Provincia de Minas seja representada na próxima exposi-ção universal de 1889. Como a Assembléia sabe, difícil é omomento atual para a nossa estremecida província.

Em conseqüência da patriótica decretação da liberdadedos escravos, ela terá de ver-se a braços com uma criseeconômica. Esta crise só pode ser conjurada franqueando-se a imigração européia. E. para consegui-lo. a medidaprimordial, indispensável, é tornar a Província conheci-da na Europa, graças a uma propaganda enérgica e inte-ligente.

Abalados com a perspectiva de uma crise econômica degrandes proporções, os deputados defendiam a necessidadede "se promover indenização aos fazendeiros prejudicados coma Lei de 13 de maio e generalizar o benefício a todas as zonasda Província". Na mesma sessão, o deputado João Campelofez questão de lembrar a seus pares que a abolição "era fatomagnânimo que perpetuou na história dos povos cultos o nome 57

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DIÁLOGO COM O TEMPO

do Brasil, inscrevendo-se no estandarte da Pátria a memorá-vel data de 13 de maio".

Declarações desse tipo foram freqüentes no interior da As-sembléia. É que, naquele momento, não seria politicamenteaconselhável às autoridades lamentar a iminente derrocadado Império. Antes, o que convinha era, mais que a aceitação,o alinhar-se aos defensores da nova ordem, em que não havialugar para o escravismo.

A idéia de República, antes aspiração de um grupo restritode intelectuais positivistas, ampliava-se. Àquela altura, jáempolgava outros segmentos sociais, entre eles parte consi-derável dos cafeicultores e de camadas médias da população.

De seu lado, a imprensa republicana não poupava o"decrépito imperador" e a sua família. Abominava a idéia deum possível terceiro reinado, criticava o Poder Moderador, avitaliciedade do Senado, a ausência de liberdade religiosa e asinterferências da Igreja Católica nas questões de Estado. Esseamontoado de críticas contava com certa benevolência doExército, que, com o prestígio adquirido após a Guerra doParaguai, tornara-se, em boa medida, instituição defensora dorepublicanismo.

Na tumultuada conjuntura após o 13 de maio de 1888, atémesmo os que teimavam em defender a Monarquia comparti-lhavam do desejo de maior autonomia das províncias e dadescentralização administrativa. Em outras palavras, defen-diam o federalismo aposto ao Regime Monárquico.

Foi este o caso do deputado Camilo Prates, que, membrodo Partido Liberal, apresentou indicação de projeto que visa-va à federalização das províncias na sessão de 26 de julho de1889. No seu entendimento, depois de abolida a escravidão,as instituições imperiais eram de todo insustentáveis e, porisso, sugeria uma discussão preliminar na Assembléia minei-ra e, na seqüência, o envio à Assembléia Geral do Império.Disse ele:

Desde que desapareceu a escravidão d'entre nós, desdeque foi abolida em boa hora, não há mais razão para asatuais instituições. Indico.

1) Federação das províncias com todas as suas conseqüên-cias naturais.

2) Elegibilidade de todos os presidentes de província.

3) Completa emancipação dos distritos.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

4) Revisão da Constituição política do Império em todos osartigos inconciliáveis como os princípios liberais e demo-cráticos.

5) Organização da paz entre todos os países da Américado Norte, Central e do Sul, de modo que as questões inter-nacionais sejam resolvidas por meio de arbitramento.

o deputado Martins de Andrade, republicano histórico, aplau-diu a indicação de Camilo Prates, por considerar que a mesmacontribuiria para a implantação do regime republicano:

Nossa missão é colaborar para a realização de todas asmedidas que por ventura rasgarem o caminho para o nos-so ideal - a constituição da República. Sr. presidente, a

patriótica e ilustrada Assembléia de São Paulo aprovouuma representação ao Parlamento, pedindo a revisão doart. 4 de nossa Carta Constitucional. Eliminar o art. 4 écortar pela raiz o mal que nos aflige há mais de 60 anos.

Compartilhando da mesma opinião, o deputado FerreiraAlves fez uma advertência aos membros do Partido Liberalque propunham a federalização das províncias. Para ele, talproposta apontava para a implantação da República:

Sr. presidente, querendo-se considerar e apreciar impar-cialmente a evolução política que se dá em nosso país,veremos que o Partido Liberal dessa As sembléia, enviandoindicação de que se trata ao parlamento, não pensa bemno passo que vai dar.

Eu considero, sr. presidente, que a idéia de federação dasprovincias, levantada pelo Partido Liberal, que é um par-tido monárquico, é o primeiro passo dado para a Repúbli-ca neste país.

Nas sessões seguintes, os debates eletrizaram as sessões daAssembléia mineira. Silva Fortes lamentou o arquivamento doprojeto de uma federação das províncias e asseverou:

Estou comrencido, sr. presidente, de que a Monarquia ago-niza, estou convencido de que todas as representações po-líticas, todos os atos administratÍl'os não constituem se-não um laço político que serve para impedir a soberanianacional.

o deputado Antônio Drummond sublinhou que a mudançado regime seria benéfica ao desenvolvimento da indústria. Por 59

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intermédio dela, conforme acrescentava, seriam colocadas emprática idéias democráticas, "mostrando que as nossasinstituições comportam o alargamento das liberdades públicas".

Para o deputado Martins de Andrade, a abolição da escra-vatura havia significado o prelúdio de um tempo de recons-trução do País e, antes de solicitar explicações do governosobre o não-cumprimento da lei que criara o ensino noturno,observou:

Depois da lei de 13 de maio, que veio arrancar da ignomí-nia do cativeiro grande número de homens, é preciso tam-bém arrancá-los das trevas da ignorância.

É minha opinião, assim como deve ser de todo homem quepensa, que a instrução pública é o único órgão da civiliza-ção ocidental humana.

Requerimento. Eu requeiro que se peça ao Governo, infor-mações acerca da verba destinada às escolas noturnas,votada ano passado, declarando ainda as razões por quenão pôs em execução a referida disposição de lei.

A 27 de julho de 1889, um defensor das idéias republica-nas - Aristides de Araújo Maia - se recusou, no momento detomar posse no cargo de deputado, a prestar juramento àMonarquia. Martins Andrade não reprovou a recusa e, emdiscurso, discorreu sobre a iminente queda do RegimeMonárquico:

(. . .J As manifestações atuais que refervem no seio da socieda-de brasileira, agitando-lhe a alma, devem ter toda a ampli-tude; a onda republicana como sabeis está se desenvolvendoanimadora de dia para dia, e abarcando todas as consciên-cias; como reparação de nossos direitos usurpados, há umatendência natural e pronunciada para a emancipação dopensamento; e, pois toda aquela fórmula regimental que porventura venha pender em suas malhas a livre expressão daconsciência pública e da liberdade deve ter, desde logo denossa parte, toda a atenção, corrigindo-a e afeiçoando a cor-rente da nossa comunhão social e política.

Devo declarar, srs., que a questão de juramento não envol-ve a questão religiosa; somos republicanos; mentiríamos,pois, a nossa consciência se nós jurássemos manter o regi-me constitucional, contra o qual pugnamos com máximaenergia, e à luz dos princípios do direito público moderno.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Por conseqüência, falando na qualidade de representantedas idéias republicanas, conjuro esta ilustrada Assembléiapara que, colocando-se à altura de sua elevada missão, dêassento imediatamente ao sr. Aristides Caldeira, tornan-do facultativo o juramento.

Já empossado no cargo, Aristides Maia pronunciou longodiscurso da mais pura propaganda republicana. Os inúmerosapartes que recebeu sintetizam o clima de efervescência daAssembléia mineira naquele momento.

Quem estudar desprevenidamente a história do Brasil de-pois da sua independência, quem for procurar a fonte don-de emanaram as poucas ou quase nenhuma reformas quetemos tido, há de encontrá-las, srs., no partido republica-no que sempre existiu no Brasil.

Deputado João Batista da Silva - Pena é que V. Ex. tenhalido este compêndio de história do ano passado para cá.(risadas).

Deputado Aristides Maia - V. Ex. foi meu companheiro emSão Fbulo e sabe perfeitamente que sempre fui republicano.

Deputado João Batista da Silva - Eu quero que V. Ex. me

mostre a diferença prática que existe entre a autonomiaprovincial, eliminada a intervenção do Imperador, e a fe-deração das províncias. No momento em que V. Ex. memostrar esta diferença, eu sou republicano.

Vozes - Nós também!

Finalmente, o orador prosseguiu:

As reformas não têm sido feitas por aqueles que a têm pro-clamado. Ao contrário, a monarquia tem aproveitado des-sa aspiração, e procurando iludir, engodar o povo que elaconserva na ignorância para melhor explorá-lo.

Felizmente, sr. presidente, a onda republicana vem cres-cendo e o partido ganhando vulto.

Direi em poucas palavras, sr. presidente, o que é que ensi-na a propaganda republicana. E o meu honrado colega,que deseja saber a diferença que há entre o nosso modo depensar, há de compreender que bem profunda é nossa dife-rença.

Na lei política é necessário também atender-se ao meiosocial em que vivemos, isto é, ao conjunto das opiniões que 61

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formam a opinião pública, que formam o cérebro da na-ção. Mas, para se obter este resultado, para que possamosconhecer esse meio, é preciso que não haja nenhum empe-cilho a manifestação da opinião popular.

Sendo a monarquia um obstáculo a essa manifestação,claro fica que ela impossibilita toda experimentação polí-tica e impede toda revolução pacífica.

E nem se diga, sr. presidente, que foi pacífica a revoluçãode 13 de maio, porque ela foi devida unicamente à resis-tência do exército, a prestar-se ao triste ofício de capitãodo mato.

Dizem os nobres deputados que não há em parte algumamais liberdade que no Brasil; e entretanto acha-se aquifalando na assembléia quem já por duas vezes escapou-sede morrer, unicamente por ser republicano! Quem estáaqui foi ameaçado por 300 homens negros assalariadospelo governo para matarem a todos os republicanos que seachavam no salão do Clube Francês de Ginástica, a 30 dedezembro. e em São João Del Rei a 23 de Abril.

A monarquia não émais do que um micróbio que gangrenatodo o corpo social brasileiro, prova-o cabalmente a nossahistória. a história do nosso império. Caminhamos para o

3° Reinado, que se nos antolha pavoroso pela clericalizaçãoe pela militarização de todo o país!

Reinado de carnificina, reinado de ganância, reinado damais desbragada tirania. se a providência popular nãonos arrancar das garras do príncipe renegado.

Engana-se o governo se acredita fazer cessar o movimentorepublicano, corrompendo e matando (há diversos apar-tes) corrompendo e perseguindo: Mirabeau vendeu-se, masa França foi República.

Tiradentes. Ratclif, Nunes Machado e tantos outros morre-ram, mas seus espíritos pairam sobre nossos corações enos deitam o caminho da República Federal.

o momento era marcado por inúmeras adesões ao PartidoRepublicano. Na última e tumultuada sessão da 27a Legislaturada Assembléia Provincial, realizada a 7 de agosto de 1889, omesmo Aristides Maia foi à tribuna para comunicar solene-mente a adesão do deputado Crispim Jacques Bias Fortes.Certamente antevendo que o mesmo teria papel relevante acumprir no novo regime, disse ele:

Sr. presidente, eu me felicito e à bancada republicana pelofato mais frisante da sessão de hoje. Iniciada a sessão porum projeto de empresa funerária, vimos esta Assembléiaanarquizada, e daí saírem montões de verdadeiros dispa-rates.

Não apresentei um só projeto e, portanto, ninguém podedizer que fosse eu o anarquizador da sessão de hoje.

No meio da confusão, sobrenadou [sic} a declaração donobre Deputado pelo 7" Distrito, rompendo, conforme asua promessa já feita, com todos os laços que o ligavam aoPartido liberal, e vindo colocar-se ao lado do Partido Re-publicano.

Esse fato valeu para o nosso partido, como se tivéssemosfeito a aquisição de uma nova legião.

O Partido Republicano cada vez mais mostra sua força.cada vez mais demonstra que quem tem perdido a razãode ser é o Partido Conservador e o Partido Liberal.

É o Partido Conservador, porque os verdadeiros interessesconservadores da sociedade brasileira. violados e traídospela Monarquia, estão hoje com o Partido Republicano,cuja vitória será o único meio de salvação para a nossaPátria.

Também o Partido liberal perdeu a razão de ser. Manuse-ando-se a nossa história, é fácil ver que o Partido Liberalnão é um partido que possa subir ao poder; quando está naoposição, é verdadeiro e legítimo Partido Republicano, masquando se acha no poder, é um desmentido de todas astradições, é um partido de aulicismo, um partido corruptor,é um partido que tem a veleidade de querer comprar oImpério todo.

Dois meses depois, a República foi proclamada. O modelopolítico-jurídico do Estado passaria por profundas transfor-mações com a implantação do Novo Regime, e o Brasil inicia-ria nova etapa de sua trajetória.

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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

A nação mineira

Quando a instauração da República no Brasil completavadez anos, o presidente do Estado de Minas Gerais afirmavaaos membros do Poder Legislativo: "O nosso Estado foi orga-nizado não como um simples Estado, mas antes como umagrande Nação". 18 Mais que uma frase de efeito para persuadiros parlamentares a evitar despesas que onerassem oscombalidos cofres públicos, a afirmativa de Silviano Brandãoexpressava, em boa medida, a realidade mineira.Do ponto de vista geográfico, por exemplo, o registro mais

comum de Minas era o de uma "nação" montanhosa, ondecada fazenda, cada vilarejo, cada cidade estava encravada nosocavão de um vale ou aos pés de uma áspera serra. De fato,no seu espaço físico, articulam-se características geográficasextremamente variadas, conferindo ao território o sentido de"um painel geográfico do Brasil". Nele, a cercadura monta-nhosa do Sul isola Minas do mar, e o relevo plano da metadesetentrional favorece seu adentramento pelo interior.A essa mistura de paisagens que encanta poetas e geógrafos,

somou-se a especificidade da formação histórica, cujo resul-tado foi o retalhamento de seu território em regiões e sub-regiões com relativa autonomia político-econômica, compondoo que o historiador John Wirth chamou de "mosaico mineiro".Mas a República subverteu a harmonia do "mosaico" e pôs

à mostra as disparidades econômicas entre as partes que ocompunham. O contraste mais evidente foi apresentado pelasregiões da Mata e do Sul, onde o rápido crescimento da eco-nomia cafeeira alimentava também um tipo de liberalismoreivindicativo que, em busca de autonomia político-adminis-trativa, não havia sequer repelido a possibilidade separatista.Desnudadas as diferenças e contradições que o Império

escamoteara, Minas se embrenhou na aventura modernizanteda República sob o signo da pluralidade, que era, a um sótempo, geográfica, econômica e política.

18 BRANDÃO.Francisco Silviano de Almeida. Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado Sr__ ao Congresso Mineiro em sua primeira Sessão Ordinária da 3" Legislatura. Cidade deMinas: Imprensa Oficial, 1889.p.2 67

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DIÁLOGO COM O TEMPO

A surpresa da República

o mito referente à indiferença do povo brasileiro diante daproclamação da República, consagrado logo após o aconteci-mento, só muito recentemente vem sendo questionado pelosestudiosos da história.

Ainda não há estudos específicos sobre o comportamentodos mineiros frente àquele episódio. Ao que tudo indica, hou-ve, de fato, certa indiferença, e a fragilidade doutrinária dorepublicanismo foi posta à prova no momento mesmo do 15de novembro. Conforme minucioso depoimento de um con-temporâneo, Antônio Olinto dos Santos Pires, a proclamaçãoda República surpreendeu até mesmo os republicanos, fossemeles históricos ou adesistas.

Nem mesmo João Pinheiro da Silva, um dos principais lí-deres do movimento, tinha conhecimento das articulaçõessobre a mudança do regime. Estava ausente de Ouro Pretoquando da proclamação da República. Como lembrou o poetaCarlos Drummond de Andrade, em Minas a República chegouà noite, "em telegrama lacônico e, incrédulos, liberais e con-servadores se recolheram". 19

Mas o tal recolhimento de que falou o poeta foi momentâ-neo. Em manifesto intitulado "Os que devem dirigir", publica-do pelo jornal "O Movimento", a 29 de dezembro, João Pi-nheiro convocou a todos, inclusive "os velhos partidos", acolaborarem na estruturação da República em Minas com ape-nas uma ressalva: a direção política deveria ficar a cargo dos"antigos republicanos" - ou históricos.

Mais abrangente que o convite de João Pinheiro, a propos-ta conciliatória de José Cesário de Faria Alvim pretendia reu-nir, sem distinção, membros dos partidos monárquicos, repu-blicanos históricos e, principalmente, aqueles que, como ele,eram chamados de adesistas.

Cesário Alvim era o que se podia chamar de "republicanoda décima-primeira hora", com fortes articulações políticasnas zonas da Mata e do Centro. Entretanto, seu maior méritoera ser intimamente ligado a Deodoro da Fonseca, primeiropresidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Ex-in-

19 AL'\lDRADE. Carlos Drummond de. O 15 de novembro - Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro:Nova Aguilar. 1977. p.369

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tegrante do Partido Liberal, Alvim uniu-se aJoão Pinheiro paraassumirem o controle do frágil Partido Republicano Mineiro econciliar as diversas facções políticas.

Nomeado ministro da Justiça de Deodoro da Fonseca, im-pediu que o Exército, a pedido dos republicanos históricos,interviesse em Minas, e nomeou Crispim Jacques Bias Fortes,outro ex-liberal, para o cargo de presidente do Estado. Evitou,assim, eventuais conflitos nas eleições vindouras para os com-ponentes das Assembléias Constituintes, federal e estadual.Mas, a despeito de todos os esforços conciliatórios de CesárioAlvim, as divergências entre adesistas e históricos ainda de-morariam algum tempo para arrefecer.

Os adesistas não indicados pelo comitê do PRM para inte-grar a chapa da Constituinte federal formaram um grupo deoposição a que deram o nome de Partido Católico. Ao contrá-rio de ex-monarquistas de outros estados, que também se or-ganizaram em partidos católicos, os mineiros não pretendiamprotestar contra o desligamento da Igreja do Estado nem,tampouco, vencer as eleições. O objetivo real do grupo eracooptar figuras de projeção das diversas regiões e forçar a acei-tação dos mesmos na coalizão proposta por Cesário Alvim.

A tática funcionou. Em dezembro, sete "católicos" forameleitos para a Constituinte do Estado. Seis senadores, em umtotal de 24, e um deputado.

Também entre os republicanos históricos mais radicais, aproposta conciliatória de Alvim não foi aceita. Antes, gerouatritos, reacendeu antigas rivalidades pessoais e disputas en-tre facções políticas regionais. Desencadeou até mesmo o rui-doso movimento separatista da cidade de Campanha.

A patriazinha dividida

A unidade mineira esteve seriamente ameaçada com

a possibilidade de criação do Estado de Minas do Sul,

abrangendo as regiões do Sul e da Mata. A proposta

separatista foi amplamente veiculada entre os que se

opunham a Cesário Alvim, que, ao final de 1891, havia

sido eleito pela Assembléia Constituinte presidente do

Estado de Minas Gerais.

"Geograficamente Minas é uma anomalia dentro da

União, é a antiga Capitania dos tempos coloniais". Tal

afirmação fazia parte de uma das notas que os revoltosos 69

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DIÁLOGO COM O TEMPO

de Campanha fizeram publicar no Jornal do Commércio

do Rio de Janeiro no início de 1892. 20

o conteúdo da nota explicitava rejeição a dois dos

ingredientes com os quais se forjavam, naquele momento,

o discurso ideológico da mineiridade: a unidade

geográfica e o passado colonial.

Ao rejeitá-los, a nota denunciava a inconsistência do

movimento separatista, que arrefeceu com a renúncia de

Cesário Alvim ao governo do Estado em fevereiro do

mesmo ano. t que, ao considerável enfraquecimento de

sua liderança, ainda se somou o golpe do Vice-Presidente

Floriano Peixoto contra Deodoro da Fonseca, em novembro

de 1891.

Com a renúncia de Cesário Alvim, o vice-presidente

Eduardo da Gama Cerqueira assumiu o Governo de Minas

e. em seguida, realizaram-se novas eleições. O então

senador Afonso Pena foi eleito presidente do Estado para

o período de 1892-1894.

Ainda que momentaneamente, a crise havia sido superada

e a essência de Minas foi mantida. Minas, que Guimarães

Rosa preferia sentir a explicar: "Minas Patriazinha, Minas a

gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas a gente não

sabe".21

A queda de Cesário Alvim contribuiu para o realinhamentodas forças regionais no momento mesmo em que a Assem-bléia Constituinte mineira se reunia. O poder do Estado, tradi-cionalmente vinculado à velha zona da mineração, onde Alvimtinha prestígio, transferiu-se às regiões produtoras de café, que,na virada para o século XX, sustentavam as exportações doEstado.

Líderes políticos como Carlos Vaz de Melo e Antônio Olinto,da Zona da Mata; Silviano Brandão, Julio Bueno Brandão,Wenceslau Brás Pereira Gomes, Francisco Bressane de Azevedoe outros, do Sul de Minas, puderam, finalmente, integrar osmeandros do poder, fortalecendo as oligarquias oriundas dosetor agropecuário.

20 Cilada por MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Um estadista da República - Afrânio de MeloFranco e seu tempo. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 1976. p.233.21 ROSA, Joâo Guimarães. Ave palavra. Rio de Janeiro: Nova !Tonteira, 1985. p.269.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Boiada reunida na crise

Com a chegada de Silviano Brandão à Presidência do Esta-do em 1898, encerrava-se a primeira fase da história políticade Minas no decorrer da República. Marcada pelas disputas earranjos de poder, foi, certamente, uma das mais complexasde nossa história recente.

A segunda fase tem como marcos, de um lado, o ano de1898, com a adoção do novo estilo de governar proposto porSilviano Brandão, e, de outro, o ano de 1929, quando da rup-tura da aliança entre Minas e São Paulo.

Sob a liderança de Silviano Brandão e seus aliados, o quese pretendia e se conseguiu foi a projeção do Estado no ce-nário nacional. Para tanto, foi necessário, como se dizia en-tão, "reunir a boiada", ou seja, unir todas as lideranças polí-ticas sob a égide de um só partido estadual. Partido que de-veria ser coeso e forte o suficiente para garantir a hegemoniaoligárquica. 22

Por essa época, a política mineira ainda girava em torno detrês chefes: Cesário Alvim, Bias Fortes e Silviano Brandão,cujos seguidores eram chamados, por analogia, alvinistas,biistas e silvianistas.

Com todas essas facções internas, o propósito de unifi-cação da política silvianista teria sido bem mais difícil, nãofosse a crise econômica de há muito avizinhada e que, na-quela virada para o século XX, deu sinais evidentes de suagravidade.

O fortalecimento de Minas no cenário nacional, então,fazia-se de todo necessário. Isso só foi possível a partir deuma aliança eficaz com o Governo da União e a adoção demecanismos disciplinadores da bancada de deputados fe-derais para agirem como uma "carneirada" a serviço dosinteresses do Estado, fazendo valer a força de seus 40 con-gressistas.

A chamada Política dos Governadores, em que o apoiodos Estados garantiria a estabilidade das instituições re-publicanas, resultou da aliança entre Silviano Brandão e oentão presidente da República, Campos Sales. Ultrapas-

22 WIRTH. John D. Minas Gerais na federação brasileira -1889-1937. O fiel da balança. Rio deJaneiro: R!z e Terra, 1982. p. 153-155. 71

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DIÁLOGO COM O TEMPO

sou, no entanto, o momento da crise econômica e dosmandatos de ambos, evidenciando o prestígio de MinasGerais no cenário nacional. E quando, em 1905, o mineiroCarlos Peixoto chegou à liderança da Câmara Federal eAfonso Pena foi sagrado candidato à Presidência da Repú-blica, Minas Gerais já exibia força suficiente para estabe-lecer alianças e arranjos políticos e econômicos. Assim, acélebre aliança com São Paulo, popularmente chamada"política do café-com-Ieite", foi certamente o principal re-sultado da fórmula política que Silviano Brandão adotarana virada para o século XX.

Para dar sustentação aos propósitos políticos e econômicosdo Estado, o PRM foi reestruturado e passou a contar, desde1898, com uma forte Comissão Executiva, a famosa Tarasca.Composta de seleto grupo de políticos e chefiada pelopresidente do Estado, tinha o poder de recrutar, julgar e, even-tualmente, inviabilizar candidaturas que não se adequassemaos interesses do partido.

Em 1957, o ex-senador Levindo Eduardo Coelho, membropermanente da Tarasca desde 1922, deu interessante depoi-mento sobre a poderosa comissão:

A Executiva reunia-se preliminarmente em Palácio, com oPresidente do Estado. O Chefe do Governo, que era sempredo PRM, sugeria o nome ou nomes dos candidatos. O Presi-dente tinha o cuidado de, escolhendo os nomes de influên-cia política no Estado, organizar uma lista desses nomese, na reunião, analisava um por um, levando-se em consi-deração não apenas o valor político dos mesmos, mas, prin-cipalmente, a idoneidade, o grau de cultura, os predicadosmorais, os serviços que já houvessem apresentado e asatividades por eles desenvolvidas, estas de real valor pú-blico. Nestas condições, os membros da Comissão Diretorado PRM se retiravam para a sede do Partido, onde proce-diam a uma acurada apreciação dos nomes indicados e,quase sempre, por unanimidade, eram escolhidos os can-didatos a Presidente do Estado, Vice-Presidente, senado-res e deputados. Lavrava-se a ata e os nomes dos candida-tos seguiam para publicação no jornal do PRM, o "Diáriode Minas".23

23 COELHO. Levindo. Depoimento de um velho político mineiro. Revista Brasileira de EstudosPolíticos. Belo Horizonte, 2: 117,1957.

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

A mineiridade, com Tiradentes

Apesar de seu enraizamento na Minas provincial, a idéiade uma especificidade histórico-cultural mineira só tomoucorpo nos primórdios da República, quando a nova dimensãopolítico-jurídica do Estado brasileiro exigiu de cada unidadeda federação uma identidade própria.

A sub cultura de Minas começou, portanto, a ser elaboradacom forte recorrência aos elementos geográficos e ao passadocolonial.

Vendo-se como portadora de atributos como os de valori-zação da ordem, apego às tradições, prudência, perspicácia,aversão aos radicalismos, entre outros, a elite política difun-diu, desde o final do século XIX, essa auto-imagem no cenárioregional e nacional.

A emergência do discurso da mineiridade e o contextoem que foi gerado revelam um dado significativo, ,comoconstitutivo de uma realidade social não acabada. E que,no momento de instauração da República, o Estado de Mi-nas carecia de um elemento unificador de seu território edos interesses político-econômicos dos representantes dasinúmeras regiões. Neste sentido, a heroificação deTiradentes como símbolo do republicanismo e da audáciados mineiros veio a calhar com os propósitos de auto-afir-mação regional. 24

Tal como sonhara Tiradentes, Minas aderira à República ese mantinha geográfica e politicamente unida. E, como emtodo processo de mitificação, houve, no caso mineiro, um sis-tema explicativo: a geografia, o passado colonial e uma men-sagem mobilizadora que ultrapassava suas fronteiras, postofalar de liberdade e de República.

A tarefa de "republicanizar" o discurso dos inconfidentese do herói Tiradentes coube, principalmente, a João Pinheiroda Silva, que, em meio a uma sociedade "romanticamenteliberal e confusamente republicana", como a descreveu Afon-so Arinos de Melo Franco, soube encetar a luta pelo progres-so, sem o qual o Estado de Minas não se ajustaria ao tempoda República.

24 Sobre o discurso da mineiridade ,ver, principalmente, DULCl, Otávio Soares. As elites mineiras e aconciliação: a mineiridade como ideologia. Ciências Sociais hoje. São Paulo: ed. Cortez, 1984. p. 7.32. 73

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DIÁLOGO COM O TEMPO

o Congresso Constituinte de 189125Um grande Estado conservador

No alvorecer da República e pelo menos nas três décadasseguintes, Minas manteve-se como a unidade mais populosado País. Esse grande contingente demográfico já lhe valera, aolongo do Império, a maior representação na Assembléia Geral.

Com o advento da República, o sistema de proporcionalidadenão foi alterado. Portanto, até ser demograficamente suplanta-da por São Paulo, no início dos anos 1940, Minas manteve omaior número de representantes na Câmara de Deputados: 37

vagas. Os deputados representavam a população, enquanto ossenadores, em número de três, representavam a unidade fede-rativa.

Quando da instauração da República, seu território se re-partia em 113 municípios: 16 deles criados no decorrer doperíodo colonial e 97 no período imperial. Do ponto de vistaeconômico-financeiro, a despeito da pequena confiabilidadedos dados da "Resenha financeira do ex-Império do Brasil",de 1890, Minas ficava em 4° lugar, depois dos Estados do Riode Janeiro, São Paulo e Pará. Mas essa situação logo seria alte-rada para melhor, na medida em que os impostos de exporta-ção passaram a ser retidos pelo Estado, e não mais pelo Go-verno Central.

Não obstante poder contar com situação econômica con-fortável, Minas enfrentou sérios obstáculos no processo deestruturação do novo regime, traduzidos por ferrenhas dispu-tas pelo controle do Estado.

Naquele contexto, palavras como progresso, ciência, evo-lução, revolução, constituinte, liberdade, presidencialismo editadura adquiriam significados distintos no imaginário da eli-te política, tornando-se até mesmo constitutivas de projetosespecíficos e, não raro, divergentes.

Em meio a tantas dúvidas e incertezas, coube ao entãoministro da Justiça do governo de Deodoro da Fonseca, CesárioAlvim, a incumbência de elaborar a legislação eleitoral para a

25 o texto aqui apresentado sobre o Congresso Constituinte mineiro de 1891 teve como suporte aanálise de Juscelino Luiz Ribeiro. Luiz Fernandes de Assis eMenelick de Carvalho Neto, supervisio-nada por Francisco Iglesias. In:Minas Gerais. Assembléia Legislativa. Conselho de Informação ePesquisa. As Constituintes mineiras de 1891, 1935 e 1947; uma anãlise histórica- BeloHorizonte.1989. p.23-61.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

próxima Assembléia Constituinte. E, como esperado, o Decre-to 511, de 26 de junho de 1890, viabilizou o projeto de umaRepública de perfil conservador.

Entre outros dispositivos de cunho conservador, o decretoprevia o controle absoluto dos nomes daqueles que teriam amissão de elaborar a nova Carta. Os intendentes passariam acontrolar todo o procedimento eleitoral, e o voto passou a serpor lista completa, círculo único.

Apesar de alguns embates travados em Ouro Preto e deuma reunião de dissidentes liderados por Fernando Lobo, cujaconseqüência foi a renúncia de João Pinheiro ao Governo Pro-visório de Minas, foi garantido o controle dos eleitos à As-sembléia Nacional Constituinte.

O foco das preocupações de Cesário Alvim e João Pinheiropassou a ser as eleições para a Assembléia Constituinte esta-dual, marcadas para 25 de janeiro de 1891, conforme o DecretonO 802, de 20 de outubro de 1890.

De acordo com a determinação federal que dava ao País umaConstituição antes mesmo que se reunisse a Constituinte, JoãoPinheiro nomeou, em julho de 1890, uma comissão de sete mem-bros para elaborar o projeto da Constituição do Estado. Anteci-pava-se à Constituinte, "para lhe fornecer um modelo madura-mente refletido e estudado". A indicação dos candidatos ficaria acargo do sucessor de João Pinheiro, Crispim Jacques Bias Fortes.

Novos embates foram travados entre republicanos históri-cos e adesistas, mas, a 7 de abril de 1891, data que lembravaa abdicação do imperador Pedro r, instalou-se, em Ouro Preto,o Congresso Constituinte Mineiro, que concentrou em trêstemas suas principais discussões: a organização do Estado, osistema bicameral e a mudança da capital.

Todo poder à aristocracia

Apesar das intenções proclamadas, os moldes adotados

pelo Governo Provisório não foram nem tão democráticos,

nem tão inovadores como convinham à nova ordem.

o Decreto n° 226, de 20 de outubro de 1890, dera ao

projeto do Governo Provisório do Estado o caráter de Lei

Magna ad referendum do futuro Congresso Constituinte.

Previra a vigência imediata das normas concernentes ao

sistema bicameral, sua composição, eleição e

funcionamento constituinte. 75

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Os 24 senadores constituintes traduziam, por assim dizer,

a escolha, ainda que formalmente considerada, de uma

aristocracia. Eram representativos de um colégio eleitoral

restrito e qualificado a partir de certa renda anual, de

títulos honoríficos ou intelectuais.

A comíssão mista eleita pelo Congresso para discutir o

projeto do Governo Provisório, a chamada Comissão dos

Onze, tinha como membros cinco senadores (Afonso

Augusto Moreira Pena, Eduardo Ernesto da Gama

Cerqueira, José Pedro Xavier da Veiga, Bernardo Cisneiros

da Costa Reis e Virgilio Martins de Melo Franco) e seis

deputados (Olinto Máximo de Magalhães, Levindo Ferreira

Lopes, Camilo Filinto Prates, Adalberto Dias Ferraz da Luz,

Ildefonso Moreira de Faria Alvim e Augusto Clementino da

Silva).

Os trabalhos dos 11 integrantes da comissão se

desenvolveram em clima de razoável tranqüilidade, e

apenas três temas os mobilizaram: o Poder Legislativo

bicameral; as câmaras municipais e conselhos distritais,

espécie de apêndices das câmaras municipais, extintos em

1902; e a mudança da Capital do Estado.

Logo de início, não foram aprovadas duas propostas. A

primeira referia-se à inserção apresentada pelo então

presidente do Estado, Augusto de Lima, para que a nova

Capital fosse construída em algum ponto no vale do Rio

das Velhas. A segunda foi apresentada por Olinto de

Magalhães, republicano histórico radical, e previa um novo

tipo de federalismo, em que o Estado de Minas Gerais se

tornaria uma União Cantonal à moda suíça.

Na tentativa de burilar o texto do projeto, retirando certos

vieses conservadores, também não se aprovou a proposta

de eleição indireta pelo Congresso para os cargos de

presidente e vice-presidente do Estado nem a divisão do

território em prefeituras correspondentes aos distritos

eleitorais, com prefeitos nomeados pelo Poder Executivo.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

o efêmero poder dos Municípios

o intenso debate travado no Congresso Constituintesobre a organização do Estado e dos Municípios revelou,como bem demonstrou Maria Efigênia Lage de Resende, aexteriorização de projetos que traduziam interesseshegemônicos dos representantes das Zonas da Mata e doSul do Estado.26

No ato formal da proclamação da República, o DecretonO 1, de 15 de novembro de 1889, o Governo Provisório, se-guindo o modelo norte-americano, instituiu o federalismo noBrasil e investiu as províncias de soberania para elaboraremsuas constituições, elegerem órgãos representativos eorganizarem os governos locais.

Na Constituinte brasileira, como na mineira, havia forçasnovas que, de certo modo, foram derrotadas pelo pensamentoconservador. Em Minas, os vitoriosos do 15 de novembro nãoforam os republicanos autênticos ou históricos, mas osevolucionistas e adesistas. Assim, em relação ao federalismo,a proeminência ficou por conta da ordem econômico-finan-ceira do Estado sobre os municípios, como já havia ficadoconsagrado também na relação entre a União e os Estados.

Em meio a acirradas discussões sobre a organização muni-cipal, prevaleceu a emenda do senador Francisco Silviano deAlmeida Brandão, que, garantindo os princípios defendidospor seu grupo, assegurava aos Municípios o direito de legislare arrecadar os impostos sobre os quais o Congresso Constitu-inte já tinha informações precisas (os que incidiam sobre in-dústrias e profissões e sobre imóveis urbanos) e, nos limitesconstitucionais, o direito de criar outras fontes de renda.

Quanto à organização política dos municípios, o que pre-valeceu foi a legislação ordinária - Lei nO2, de 14 de setembrode 1891 -, por meio da qual atribuía-se administração própriaaos distritos, de tal forma que o Município se tornava umaespécie de federação de distritos.

Tal determinação legal gerou conflitos entre os conselhosdistritais e as câmaras municipais e sedimentou a força dopoder local, pondo em risco o próprio regime. Além do mais,

26 RESENDE. Maria Efigênia Lage de. Formação da eslrutura de dominação em Minas Gerais - onovo PRM(1889-1906). Belo Horizonte: UFMGlProed. 1982. 264p. 77

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DIÁLOGO COM O TEMPO

esta franca reação ao centralismo anterior impulsionou o livrejogo de lideranças políticas, dando ensejo à hegemonia doseconomicamente mais fortes. Isso, obviamente, inviabilizavaa consolidação da unidade do Estado, impossibilitando-o deassumir seu papel no plano federal.

A vigência dessa legislação que concedia excessiva auto-nomia aos distritos e Municípios foi efêmera. Desde 1892,implementaram-se mecanismos capazes de minar excessosda doutrina municipalista, concedendo ao Estado maior con-trole sobre os Municípios. Finalmente, a Lei nO 5, de 13 deagosto de 1903, adicional à Constituição do Estado, derrogoua legislação ordinária e implantou nova organização judiciáriae eleitoral no Estado.

o pífio "Senadinho"

A dualidade de câmaras estava estabelecida Q priori, assimcomo o caráter aristocrata do Senado. Natural, portanto, que,ao presidir a Comissão dos Onze, o ex-conselheiro do Império,Afonso Pena, mantivesse as linhas básicas do projeto. E, adespeito dos acirrados debates, sustentasse, com êxito, o sis-tema bicameral.

Os defensores do unicameralismo acreditavam que o Se-nado seria o maior obstáculo ao novo conceito de representa-ção política que buscavam implantar. O jovem deputado DavidMoretzsohn Campista, ardoroso defensor da unidade do Po-der Legislativo, chegou a recorrer, como atestam os anais, auma anedota atribuída ao presidente dos Estados Unidos,Benjamim Frank.lin, que comparava o Legislativo dividido emduas câmaras a uma carroça puxada em sentido inverso porduas forças.

Mas a direção imposta habilmente por Afonso Pena,reveladora de certo anacronismo dos monarquistas ressenti-dos com a República, era também a aposta de que o novoregime poderia, pela sagacidade política dos velhos líderes,ser construído a partir da idéia de "uma República possível"ou de uma "democracia possível". Dizia ele, em seu parecerfavorável ao bicameralismo:

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

(...) A existência do Senado é do maior alcance político naorganização do Estado, cabendo-lhe o papel conciliador,a fim de evitar conj1itos sempre perigosos entre o Chefe doPoder Executivo e a Câmara, e exercendo as funções im-portantes da Câmara revisora, evitando assim, que as leissejam votadas sob o inj1uxo de arrebatamentos, paixões esurpresas de mandato.

Por sua organização deve, pois, gozar de autonomia igualà da Câmara, condição que lhe faltaria se devesse suaorigem a um eleitorado especial.

Ao Senado caberia a missão de conter os impulsos apaixo-nados da Câmara, que, mais próxima do eleitor, representavamenos os reais interesses do Estado. Acreditavam, portanto,na necessidade de uma câmara moderadora, portadora da ra-zão, longe das paixões.

Tal argumento era a reafirmação de critérios qualitativos ehierarquizados da representação política. Acreditava-se que,mergulhado em interesses imediatos, o eleitor só poderia ver-se representado de modo progressivo. Ou seja, Câmara, Sena-do e, finalmente, o presidente do Estado, que, à semelhançado imperador, encarnaria a instância máxima da razão, logo,capaz de definir os verdadeiros objetivos do Estado.

O Senado, posteriormente popularizado como Senadinho,foi instituído com mandato de oito anos e renovaçãoquadrienal. Tinha amplas atribuições, inclusive a de julgar asações do presidente do Estado. A proporção era de um sena-dor para cada 140 mil habitantes.

Não tendo sido aprovado o critério censitário e o detitulação para a eleição de senadores, ficaram definidas peloCongresso Constituinte as mesmas condições de elegibilidadepara deputados e senadores: estar na posse dos direitospolíticos; ser alfabetizado, não ser mendigo, praça ou religio-so; ter idade mínima de 35 anos para o Senado e 21 para aCâmara; ter domicílio eleitoral de seis anos para o Senado e detrês anos para a Câmara; e ser cidadão brasileiro nato ou natu-ralizado há, pelo menos, quatro anos, para o Senado, ou doisanos, para a Câmara.

Até sua dissolução, logo após a Revolução de 1930, o funcio-namento do Senado foi pífio. Com a reforma da Constituição doEstado, em 1903, a proposta de suprimi-lo chegou a ser aventa-da, mas as injunções políticas de então impediram sua supres- 79

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DIÁLOGO COM O TEMPO

são. Naquela ocasião, o deputado Assis Lima foi um dos defen-sores de sua permanência, afirmando, da tribuna da Câmara:

o Senado é uma organização completa de autonomia emsuas resoluções, formada de elementos que garantem a

estabilidade de suas opiniões. Não possui essas garantiaso deputado eleito por quatro anos, no fim dos quais qual-quer executivo, mais ou menos autoritário, poderá nulifi-car a ação do representante insubmisso. O Senado Minei-ro é, pois, instituição indispensável para afirmar o crité-rio, o patriotismo e as tradições de nossa terra.

A mudança da capital

Muito já se falou e escreveu sobre a transferência da capi-tal de Minas Gerais da barroca Ouro Preto para o arraial doBelo Horizonte, no final do século XIX, como o primeiro grandepasso do Estado de Minas Gerais na trilha da modernização.

O presente estudo se limitará à análise do comportamentodos integrantes do Poder Legislativo a esse respeito. Afinal,eram eles que decidiriam pela mudança e, mais que isso, pelaindicação da localidade em que seria edificada a nova capital.O tema era, além de inusitado, o mais palpitante que aRepública trouxera à consideração do Legislativo.

Os debates que se travaram em torno da questão puseramà mostra, mais uma vez, as divergências existentes no CongressoConstituinte. De um lado, setores progressistas que encarnavamo ideal republicano; de outro, os que defendiam um modelode República fundada numa pauta de modernizaçãoconservadora; e um terceiro grupo, representado por aquelesque, apegados ao passado e apenas conformados com o novoregime, eram contrários a qualquer mudança.

A idéia de mudança da capital, um dos sonhos dos inconfi-dentes, reacendera em alguns momentos do século XIX, massem qualquer força propulsora. Em 1843, por exemplo, o pre-sidente da Província, Soares Andréa, chegou a cogitar em trans-feri-la para Mariana ou São João del-Rei, idéia que nunca che-gou a ser discutida seriamente.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Com o advento da República, a mudança se apresentoucomo condicionante do novo tempo que se queria de progres-so e desenvolvimento. Mesmo porque acreditava-se haver osenso comum de que Ouro Preto não oferecia condiçõesnecessárias à expansão econômica que se pretendia, por suatopografia, malha urbana e representação simbólica de umpassado opressor.

Na famosa Comissão dos Onze, encarregada de dar pare-cer sobre o projeto de Constituição, havia três representan-tes da Zona da Mata, um do Sul, um da Zona dos Camposdas Vertentes, dois do Norte, um do Nordeste e três doCentro. Essa variedade de representações regionais indicava,desde logo, que a escolha do sítio onde se instalaria a novacapital seria acirrada.

Várias localidades foram indicadas, mas a comissão nãoconseguiu chegar a consenso. Decidiu-se, então, fixar a mu-dança na Constituição sem determinação da localidade, e odeputado Adalberto Dias Ferraz da Luz propôs, em nome doscolegas, o artigo 13 das Disposições Transitórias nos seguin-tes termos:

É decretada a mudança da Capital do Estado para um

local que, oferecendo as precisas condições higiênicas, sepreste à construção de uma grande cidade.

o primeiro Congresso mineiroDe Constituinte a Legislativo

A primeira Constituição Republicana de Minas Gerais foipromulgada, em sessão solene, no dia 15 de junho de 1891.Vários senadores e deputados fizeram uso da palavra.

David Campista enalteceu a importância daquele momen-to e solicitou votos de louvor ao presidente do Estado, CrispimJacques Bias Fortes, e a Afonso Augusto Moreira Pena, pelo"infatigável zelo, civismo e proficiência com que desempe-nhou-se da tarefa de revisão do projeto da Constituição".

Em meio às homenagens, congratulações e inúmeros votosde louvor, o republicano histórico Arthur Itabirano foi à tribu- 81

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DIALOGO COM O TEMPO

na para apresentar requerimento cujo propósito era solidificara imagem de Tiradentes como símbolo da República, herói deMinas e do Brasil.

Tributo a Tiradentes

Srs. membros do Congresso Mineiro, um nome, antes de

todos, deve ser lembrado nesta ocasião em que o Estado

de Minas entra no regime da legalidade, na ocasião em

que a República se legaliza em Minas com a promulgação

de nosso código constitucional.

Há em nossa história, como emblema sagrado, um nome

digno de nosso respeito e de nossa veneração, um nome

que ainda não se apagou e jamais se apagará da nossa

lembrança, porque para nós todos, que pertencemos ao

histórico partido republicano, tudo representa e para

todos significa a abnegação pelas idéias até o sacrifício.

Eu venho propor que antes de todos esses nomes que têm

sido indicados por mim e por meus distintos colegas, se

inscreva o do inconfidente Joaquim José da Silva Xavier - o

Tiradentes.

Oxalá a República seja tão pura, tão honesta, tão boa,

como ele a compreendeu! Que Minas, o grande Estado,

tenha de honrar o lugar que a todos os títulos lhe

pertence.

A seguir, deputados e senadores juraram e assinaram a Cons-tituição do Estado de Minas Gerais, elegeram o presidente e ovice-presidente do Estado, respectivamente, Cesário Alvim eEduardo Ernesto da Gama Cerqueira.A extensa lista de atribuições do Congresso Legislativo

obedecia, em linhas gerais, às determinações da ConstituiçãoFederal, adaptadas, obviamente, à realidade estadual. O nú-mero de deputados - eleitos por voto direto - seria estipuladopor lei ordinária, desde que não excedesse à proporção de umdeputado por 170 mil habitantes, nem ao máximo de 48. Con-tudo, se recenseamentos da população apontassemdisparidades, tais números poderiam ser revistos pelo Con-gresso. O mandato dos deputados era de quatro anos e a reno-vação do Senado seria quadrienal.

-170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

De acordo com o artigo 46, o Congresso seria presididopelo presidente do Senado, e as duas Câmaras só se reuniriamconjuntamente em ocasiões especiais, como abertura e encer-ramento de sessões e para dar posse ao presidente e vice-presidente do Estado, ou para discutir questões pertinentes àConstituição.Transformado em Congresso Legislativo, deputados e se-

nadores - antes constituintes - deram início à trajetória doPoder Legislativo mineiro do regime republicano a 22 de abrilde 1892.O assunto mais palpitante daquele momento e que encon-

trava forte ressonância no Congresso era a renúncia do presidentedo Estado, Cesário Alvim, e sua substituição por Afonso Pena.

/Isso não impedia, contudo, o andamento dos trabalhos doLegislativo, que se via às volt<;ls,por exemplo, com denúnciassobre as "garras de abutre que se levantaram do outro lado daMantiqueira", em referência às supostas pretensões do Estadode São Paulo de anexar parte do território mineiro.

De novo, a mudança da capital

O Congresso designou uma comissão encarregada de indi-car possíveis locais para a construção da nova capital, e osnomes sugeridos foram Paraúna, Barbacena, Várzea do Marçale Belo Horizonte. O plenário acrescentou à lista o nome deJuiz de Fora.

Poucos dias depois, sabiamente, o mesmo Congresso apro-vou a Lei nO 1, adicional à Constituição, determinando que aindicação do local ficasse a cargo de uma comissão técnica. E,em dezembro, o presidente Afonso Pena nomeou o engenhei-ro Aarão Reis para dirigir a referida comissão e iniciar estudossobre os locais indicados pelo Congresso.O relatório de Aarão Reis é datado de julho de 1893 e apon-

tava o arraial do Belo Horizonte e a Várzea do Marçal comoadequados para se construir a cidade que seria sede da novacapital.A disputa ficou restrita, a partir de então, aos representan-

tes da Mata e do Sul, que seriam beneficiados com a escolha 83

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DIÁLOGO COM O TEMPO

da Várzea do Marçal, e os do Centro, onde se localizava oarraial do Belo Horizonte.

Os debates se tornavam cada vez mais acirrados por-que, para além dos interesses regionalistas, entravam emcena alguns parlamentares contrários à transferência dacapital. Eram os não-mudancistas, que, apegados ao pas-sado, teimavam em defender a permanência da capital emOuro Preto.

O Congresso reuniu-se extraordinariamente em Barbacenapara discutir a questão em plenário. Ameaçados pela popula-ção de Ouro Preto, àquela altura fortemente instigada pelosnão-mudancistas, deputados e senadores consideraram maisprudente se reunirem fora da capital.

Quando a questão foi posta em plenário, Belo Horizontevenceu por dois votos: 30, contra 28 dados à Várzea do Marçal.Foram decisivos para esse resultado a ausência de 14 parla-mentares, contrários à mudança, e o empenho daqueles quedefendiam o arraial. Foi o caso, por exemplo, do senador An-tônio Carlos Ribeiro de Andrada, pai do futuro presidente doEstado, que, mesmo doente, compareceu à sessão do Con-gresso em cadeira de rodas para não deixar de votar.

A mudança da capital fora desejada e entusiasticamentediscutida pelos segmentos mais autênticos dorepublicanismo, mas quase que, por um capricho da histó-ria, o sonho só se concretizou quando estava à frente doGoverno de Minas um ex-conselheiro do Império. Àquelaaltura, contudo, Afonso Pena já se libertara do saudosismomonárquico e se afirmava como ardoroso defensor dorepublicanismo.

A escolha do arraial, que no alvorecer da República trocarao nome Curral deI Rei para o de Belo Horizonte, foi a primeiragrande vitória dos ideais republicanos e da política de equilí-brio entre as várias regiões. A missão de Belo Horizonte seria,pois, a de ser, mais que a simples sede do governo, a síntesede Minas.

A redação final do projeto de mudança foi imediatamenteaprovada e, a 17 de dezembro, o presidente do Congresso,senador Crispim Jacques Bias Fortes, assinou a Lei nO 3, adi-cional à Constituição, "que marca o lugar da construção daCapital do Estado e dá outras providências".

Entre as inúmeras providências, ficava determinado que oarraial de Belo Horizonte passasse a ser denominado Cidade

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

de Minas e que a data da inauguração da nova capital seria daía quatro anos, ou seja, a 17 de dezembro de 1897.27

Um caminho para o mar

Tão logo começou a funcionar, o Senado mineiro imbuiu-

se do papel de revisor das decisões da Câmara. Isso

ocorreu, por exemplo, em julho de 1893, quando se

discutia o projeto n° 12 da Câmara dos Deputados, que

propunha a concessão de favores à Estrada de Ferro de

Paraopeba a Araras. Certo de que, com o aprofundamento

da crise na cafeicultura, os investimentos públicos

deveriam se concentrar em ações que beneficiassem

aquele setor produtivo, afirmou em discurso o senador

Joaquim Cândido da Costa Sena:

t. a coisa mais fácil do mundo dizer-se que Minas é um

coração de ouro dentro de um peito de ferro. A frase é

poética; mas, perante a realidade dos fatos, é necessário

recusar a poesia. Temos, é certo, riquíssimas e inesgotáveis

jazidas de ferro. Temos muitas minas de ouro e também

depósitos diamantíferos. Não são, porém, Califórnias, são

minas que darão resultados se forem criteriosa e

economicamente exploradas. Não devemos considerá-Ias

como salvaguarda de nossas finanças, nem atribuir-lhes

valor que realmente não têm.

(...) Convencido dessa palpitante necessidade, em nome

dos verdadeiros interesses de Minas, em nome da

liberdade e autonomia mineira, peço um caminho para o

mar; deixemos, para outra ocasião, essas estradas mais ou

menos futurosas; por enquanto estendamos nossos trilhos

para o Espírito Santo e a Bahia.

27 A transferência da capital foi antecipada para o dia 12 de dezembro de 1897 para evitaras violentasreações prometidas pela população de Ouro Preto para o dia 17. 85

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Espaços do Congresso na nova capital

De acordo com Abílio Barreto, primeiro estudioso da his-tória de Belo Horizonte, as edificações do "Palácio do Con-gresso", assim como as de outros prédios públicos da novacapital, foram postas em concorrência a 26 de abril de 1895.

O prazo terminou a 20 de maio e só foi apresentada aproposta de edificação do Palácio do Congresso, que deve-ria se situar à avenida Afonso Pena, entre a Delegacia Fiscale o Teatro Municipal, onde hoje funciona a Prefeitura Mu-nicipal. A proposta vinha assinada por Afonso Masini e ti-nha como procurador Carlos Antonini. Entretanto, o con-trato de execução do projeto não chegou a ser celebrado.Houve recusa dos proponentes à vista das exigências rela-cionadas ao andamento da obra. A construção foi, então,iniciada por meio de "tarefa de obra", mas nem assim che-gou a ser concluída.

Paralisada quando ainda estava nos alicerces, a obra só foiretomada em 1936, já então com outra destinação: um dosprédios abrigaria a sede dos Correios e Telégrafos e o outroseria o Palácio Municipal, ou Prefeitura Municipal,28

Com a aproximação da data de transferência da capital deOuro Preto para a Cidade de Minas, a expectativa sobre a lo-calização física do Poder Legislativo era grande. Mesmo porqueo Legislativo era sobejamente reconhecido como um dosprincipais símbolos da República que ainda se consolidava.

Natural, portanto, que em sua Mensagem ao CongressoMineiro, no início de 1897, ao relatar o andamento das obrasdos prédios públicos, o presidente do Estado enfatizasse, comode fato o fez, a situação daquele que abrigaria o PoderLegislativo e desse como certa sua conclusão até dezembrodaquele ano.

Apesar do otimismo do presidente do Estado, quando dainauguração da Capital várias construções não estavam con-cluídas. Inconclusos também estavam os serviços deterraplenagem e de abertura da maioria dos logradouros pú-blicos, o que contribuía para dar à cidade a feição de um grandecanteiro de obras.

28 BARRETO, Abílio. Belo Horizonle- Memória histórica e descritiva. História Média - BeloHorizonte: FUndação João Pinheiro, 1995. vol.2 p.497.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Foi, pois, em meio a uma cidade que ainda se construía quea Câmara dos Deputados instalou-se provisoriamente numaedificação construída pela Comissão Construtora em 1895, apartir de projeto de José Magalhães. O prédio situava-se naavenida Afonso Pena .. entre as ruas da Bahia e Tupis, ondehoje se encontra majestoso hotel. A Câmara funcionou na-quele local até 1905.

O Senado - que em Ouro Preto se instalou no prédio doPaço Municipal, atualmente Museu da Inconfidência - teveem Belo Horizonte endereços variados. Em 1898, funcionouem um dos salões da Secretaria de Agricultura, depois Secretariade Viação.

Posteriormente, mudou-se para a avenida Afonso Pena, naconfluência das ruas da Bahia e Tupis, mesmo local onde fun-cionava a Câmara dos Deputados. Mudou-se novamente desede, desta vez para a avenida João Pinheiro, 342, na casa daantiga Pagadoria do Estado, onde atualmente funciona o MuseuMineiro.

Algum tempo depois, foi transferido para um suntuoso pré-dio na Praça da República - atual Afonso Arinos - que haviasido concluído em 1897 e fora projetado para ser uma dasescolas da nova capital. Permaneceu naquele prédio até serextinto pela nova ordem político-jurídica que se instaurou noPaís após o movimento revolucionário de 1930.

Em 1905, o prédio passou por obras de adaptação para quenele se instalasse também a Câmara dos Deputados e se reu-nissem, no mesmo local, as duas instâncias do PoderLegislativo, o chamado Congresso Mineiro. Já ostentando onome de Assembléia Legislativa, a antiga Câmara dos Deputa-dos funcionou naquele prédio até o fatídico incêndio que odestruiu a 19 de setembro de 1959. 29

A Praça da República, local onde se localizava o prédio doPoder Legislativo, tinha, no início do século XX, configuraçãodistinta da que ostenta hoje. Além de mais espaçosa, seu for-mato era quadrado e se estendia até a avenida Afonso Pena, oque contribuía decisivamente para o realce da sede doLegislativo. 30

29 BELLO HORlZONTE: bilhete postal. Coleção de Otávio Dias Filho. Belo Horizonte: F1.mdação JoãoPinheiro, 1997.30 BARRETO, Abílio. Op. cil. p.511. 87

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Fraudes: herança imperial

Se, sob a égide do centralismo monárquico, eram comunsocorrências de atrocidades, fraudes e falsificações de toda sortenos pleitos eleitorais, o advento da República não trouxe alte-rações significativas naquele quadro e a fraude eleitoralconsubstanciou-se como um dos principais problemas herda-dos do Regime Imperial.

Em Minas, as fraudes eram facilitadas pelas longas distân-cias entre a Capital e as regiões e, obviamente, pelo precáriosistema de comunicação. A fala do cônego João Pio na sessãode 11 de junho de 1899 é bom exemplo da indignação quetomava conta de alguns membros do Legislativo quando daconstatação de fraude:

(...) Quando, Sr. presidente, se discutiam em 1895 as con-testações havidas no ffJ distrito, travou-se renhida discus-são no seio desta Casa. Nela tomaram parte vários orado-res, alguns já avezados {sic] às lutas políticas, conhecen-do de perto o que se passava no Estado de Minas Gerais;outros, e eu estava neste número, traziam a ilusão do idealrepublicano para a Câmara dos Deputados.

Precisava nesta ocasião que era um absurdo a existênciade fraude desbragada como existe atualmente e, por isso,repeli por esta frase ao senhor Camilo Prates, que infeliz-mente deixou de ilustrar com seu talento esta Câmara.

(...) Em discussão com o Dr. Sabino Barroso, eu disse que afraude não se presumia, mas devia ser provada. A fraude,dizia eu à Câmara, rebaixa, humilha, avilta o Estado. Euera um inocente, não me achava acostumado a assistir aoaviltamento a que nos reduziu a fraude. Hoje venho cantara paródia e dizer que não posso ter certeza se estou eleito;é o caso de dizer-se como Jesus: "quem for inocente queatire-me a primeira pedra". Quem tem certeza de estareleito?

Declaro que a campanha que a imprensa mineira, tendocomo paladino o "Diário de Minas", lemntou contra a frau-de, precisa ter mais que o apoio da Câmara dos Deputa-dos; é preciso que todos nós nos envolvamos nessa bandei-ra a fim de que seja varrida a palavra - fraude eleitoral.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

A carência de mão-de-obra

Um dos grandes problemas enfrentados pelo Estado deMinas ao longo da Primeira República relacionou -se ao mer-cado do trabalho. Se, com a abolição do trabalho escravo, acarência de mão-de-obra para a lavoura de subsistência eragrave, não era menos grave para a grande lavoura de café epara outras atividades econômicas.

Nas mensagens presidenciais ao Congresso Mineiro, o temafoi recorrente. A alegação dos cafeicultores, traduzida nas fa-las dos presidentes do Estado, era de que não podiam contarcom o trabalhador nacional devido às constantes migraçõespara outras partes do País, à vadiagem e à resistência ao traba-lho agrícola.

A questão do mercado de trabalho e da qualificação deprofissionais destinados à agricultura e outras atividades pro-dutivas também se fez presente no discurso das chamadas clas-ses conservadoras.

O Primeiro Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de1903, patrocinado pelo governo mineiro e coordenado por JoãoPinheiro, teve como propósito sanar a "crise sem preceden-tes" que abalava a economia e, principalmente, a produçãocafeeira. No decorrer do evento, questões como imigração,colonização, ensino agrícola e outras formas de atrairtrabalhadores para o campo e lá conservá-los mereceramatenção especial dos participantes.

Como esperado, o evento também repercutiu no Congres-so Mineiro. A representação dos fazendeiros da cidade do Serro,encaminhada por intermédio do deputado Sebastião Augustode Lima, que também era fazendeiro, banqueiro e líder em-presarial, é exemplo das expectativas nutridas pelos setoresprodutivos em relação ao desenvolvimento econômico doEstado e da saudável relação que mantinham com a chamadaclasse política.

Soluções para a crise

Sr. Presidente, pedi a palavra unicamente para passar às

mãos de V. Exc., a fim de ter o destino regimental, uma

representação em que os fazendeiros do município do

Serro, reforçando algumas das idéias votadas pelo 89

Page 48: Diálogo Com o Tempo

,...

90

DIÁLOGO COM O TEMPO

Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, reunido há

pouco nesta Capital, e lembrando mesmo outras idéias

que não tinham sido ainda levantadas, pedem ao

Congresso Mineiro a decretação de várias medidas que

julgam de alta relevância para o progresso e o

ressurgimento econômico-financeiro do Estado e daquela

zona em particular.

Representação dos produtores do Serro - Ilustríssimos e

digníssimos senhores, Presidente e mais membros do

Congresso Legislativo mineiro. Nós, abaixo assinados,

agricultores do município do Serro, no intuito de

colaborarmos no levantamento do crédito de nosso país,

especialmente do Estado de Minas Gerais, que acaba de

reunir as classeslaboriosas, por intermédio de seu muito

digno Presidente, o Exm. Sr. FranciscoAntônio Salles,para

indicarem as medidas que pelo governo do Estado devem ser

tomadas para resolver a crise por que passa o país, levamos

ao vosso conhecimento as medidas que pensamos poderão

dar-lhe uma solução de alto alcance em futuro não remoto.

Representação

1° - Instituição de um prêmio àquele que confeccionar um

compêndio de agronomia a ser ministrado nas nossas

Escolas Normais. E também um compêndio com noçôes

elementares para ser adotado nas escolas primárias.

2° - Divisão do Estado em zonas agrícolas e a criação em

cada uma delas de um campo prático de agricultura.

(...)

5° - A taxação elevada dos tipos baixos de café, como meio

de obrigar os produtores a melhorarem a qualidade de

seus produtos.

6° - Nomeação de um profissional de reconhecida

competência para representar o Estado no Congresso

Internacional que deve reunir-se no Rio de Janeiro a 2 de

agosto deste ano, a fim de estudar a conveniência da

introdução de aparelhos a álcool no nosso Estado e,

sobretudo a sua aplicação à iluminação.

Cidade do Serro, 25 de Maio de 1903.

•I170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Outro exemplo de integração entre os dois setores propi-ciada pelo congresso de 1903 foi o convite feito a um de seuscoordenadores, o inglês George Chalmers, diretor da Compa-nhia Morro Velho, para integrar a comissão de deputados en-carregada de elaborar projeto sobre concessão de privilégiosna extração de minerais.Responsável pela maior empresa mineradora de então,

Chalmers demonstrava estar de fato comprometido com o pro-cesso de modernização da economia mineira. Os registros dosanais da Câmara dos Deputados indicam, por exemplo, que,entre as recomendações que fez ao governo, constava a deque as análises sobre os recursos minerais do Estado fossemfeitas por engenheiros indicados pela Escola de Minas de OuroPreto, e não por meros exploradores que não atendiam aosinteresses de Minas.Na esteira do congresso de 1903 foram realizados diversos

outros encontros de representantes dos setores produtivos,sempre com o mesmo propósito: busca de soluções para odesenvolvimento econômico do EsLado e, obviamenLe, para aformação do mercado de trabalho.Para além dessas ocasiões, o empresariado mineiro tam-

bém se fazia ouvir por intermédio de suas entidades de classe,notadamente a Sociedade Mineira de Agricultura, fundada em1909, as associações comerciais e, a partir de 1926, do CentroIndustrial de Juiz de Fora, embrião da Federação das Indús-trias de Minas Gerais, criada em 1933.

Um ensaio de reforma agrária

Na tentativa de sanar o crucial problema do mercado detrabalho, várias medidas foram implementadas. Uma delasbaseava-se no incentivo à imigração de estrangeiros a partirda concessão das chamadas terras devolutas.A transferência dessas terras da União para o Estado havia

sido garantida pela Constituição Federal de 1891 e conferiuum novo sentido político-jurídico à questão agrária. Entretan-to, como era de se esperar, implicações econômicas, sociais epolíticas fizeram com que o assunto entrasse na pauta de 91

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DIÁLOGO COM O TEMPO

discussões do Legislativo. O teor das discussões girava emtorno de uma forma eficaz de aproveitamento daquelaimensidão de terra improdutiva para transformá-la em vetorde desenvolvimento econômico.

Na segunda sessão da primeira legislatura, em 1892, o se-nador Afonso Arinos de Melo Franco chamou a atenção doscolegas sobre a importância da questão agrária para a econo-mia mineira. Com perceptível sensibilidade para a questãosocial, apresentou, naquele final do século XIX, argumentosperfeitamente adaptáveis à realidade brasileira do início doséculo XXI.

(..,) O primeiro dever do político, tratando de fazer umalegislação sobre o assunto (terras devolutas), é atender o

mais possível à povoação deste vasto território, porque o

futuro de Minas só depende do aumento da população e debraços para o trabalho. Ora, para que um bom regime deterras seja adotado, é preciso atender que essas terras de-vem ser concedidas aos colonos de modo que eles se tor-nem em pouco tempo pequenos proprietários. Tais terrasdevem ser divididas e demarcadas. de modo a inspirarconfiança aos colonos, sem fiscalização do Governo e daAdministração; devem ser vendidas por preço baixo oupor preço alto, conforme a natureza delas e natureza dasculturas.

(...) Não é bastante que o Estado ofereça terras ao colono. Épreciso mais, que quanto antes, o Estado cuide da viaçãopública, porque um bom sistema de viação é também con-dição indispensável para a introdução de migrantes. Épreciso também que haja um conjunto de medidas desti-nadas ao preparo da terra. O preparo, o amanho, o sanea-mento e tudo quanto cOnl'ém fazer para que a terra possareceber as primeiras plantações.

Em 1896 era o deputado Juscelino Barbosa quem voltava àcarga sobre a questão agrária. Insistia, da tribuna da Câmara,sobre a necessidade de concessão gratuita das terras públicas,que para ele "era o início da colonização, da fixação no solo dacorrente imigratória, e da formação da pequena propriedade".Portanto, considerava da maior importância lembrar aos cole-gas os "três interesses capitais que envolvem o problema daimigração: o aumento de braços para a lavoura, o povoamentodo território e o desenvolvimento agrícola e comercial".

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Mas, como era de se esperar, a fixação do trabalhador ruralou do colono, fosse ele nacional ou estrangeiro, por meio dadistribuição de terras públicas, encontrava fortes resistências.

A fala do deputado João Pio em resposta a Juscelino Bar-bosa é pequena mostra das divergências em torno da questão.Seu temor era o de que as pequenas propriedades prejudicas-sem a grande lavoura, "fonte única de riqueza do Estado":

Se nós dividimos o terreno entre o povo, segue-se que ime-diatamente os fazendeiros não terão trabalhadores, por-que estes têm terreno próprio para a sua cultura. Ora, senós vamos dar terreno ao nacional, vamos deixar abando-nados os fazendeiros, porque não encontrarão trabalha-dores, e isto quando a lavoura luta por falta de braços.Quanto mais subdividido o trabalho em pequenas pro-priedades, tanto menor é a produção.

Entre as inúmeras tentativas de solução para o problemada ocupação do território e da fixação do trabalhador no cam-po, é interessante ressaltar ainda o projeto encaminhado àconsideração da Câmara em 1903. Elaborado pela Comissãode Agricultura e Colonização, suscitou intenso debate, resul-tante que era da solicitação de uma empresa estrangeira.

A Comissão de Agricultura e Colonização, a que foi pre-sente uma representação da empresa de colonização Bra-sileira, sob a razão de Trawinski & Comp., pedindo a ces-são gratuita de terrenos devolutas para o estabelecimentode núcleos coloniais agrícolas.

Considerando o grande desenvolvimento agrícola eeconõmico que pode advir do Estado com a organizaçãode empresas de tal ordem, as quais promovem a imigraçãoe fixação do colono ao solo sem ônus para os cofres públi-cos, é de parecer que seja adotado o seguinte projeto de lei.'

Art. 1° - Fica o governo autorizado a fazer concessões gra-tuitas de terras del'olutas ou de quaisquer outras quepossua ou venha a possuir a empresas que se proponham aestabelecer colônias agrícolas no Estado,

Art, 2° - Às empresas que efetivamente se estabelecerem esatisfizerem as condições legais, poderá o governo conce-der auxílios que não acarretem ônus para o Estado.

Art. 3° - No caso de caducidade das concessões, ou derescisão dos contratos por culpa das empresas, as terras 93

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DIÁLOGO COM O TEMPO

voltarão com as benfeitorias existentes ao dominio do Es-tado, garantindo este aos colonos estabelecidos o direitoda propriedade nas mesmas condições contratuaiscelebradas entre o colono e a empresa.

Art. 4° - O governo exercerá direta fiscalização nascolônias agrícolas, de maneira a garantir a execução doscontratos.

Art. 5° - O governo, no regulamento que expedir para aexecução da presente lei determinará o modo pelo qualdevem ser celebrados os contratos, a extensão das conces-sões e as multas até o máximo de 1:000$000 em que ve-nham incorrer as empresas.

Art. ao - Revogam-se disposições em contrário.

Tendo participado da elaboração do projeto, o deputadoAntônio Welerson aproveitou a oportunidade para justificá-lo:

Sr. presidente, o projeto apresentado à consideração daCasa pela Comissão de Agricultura e Colonização vem emparte contribuir para a solução, ao mesmo tempo, do pro-blema da imigração e da fixação ao solo de nosso estado.

Sabe V.Exc., sr. presidente, que desde o tempo do Impériograndes somas têm custado ao país este serviço de imigra-ção e, digamos sem rebuços, os benefícios que se deviamesperar com o fornecimento de braços para a lavoura nãotem correspondido de forma alguma aos sacrifícios do erá-rio público.

Após a proclamação da República, tendo sido confiadaaos Estados a superintendência desse serviço, a imigra-ção pesou sempre no nosso orçamento, consumindo somasavultadas sem que, entretanto, obtil'éssemos resultadosequivalentes à despesa feita.

Depois de ter sido aparteado pelo deputado EpaminondasOtoni, que criticou a doação de terras a estrangeiros ("Dá-seao estrangeiro e vende-se ao nacional. O nacional não se fixaporque a terra não lhe é dada"), Antônio Welerson prosseguiuem sua fala argumentando que os recursos gastos pelo Estadocom o serviço de imigração não atingiam o seu fim, pois osimigrantes se dirigiam a lugares menos habitados do Estado.Quanto ao serviço de colonização, "que não trazia ônus aoscofres públicos", afirmava: "se for tentado e bem compreen-dido, dará resultados exuberantes".

170 ANOS DO lEGISLATNO MINEIRO

o deputado América Macedo também defendia a necessi-dade de se privilegiar o trabalhador nacional e afirmava pe-remptório: "se a concessão de terra era vista como esmola,tratava-se de uma esmola que eles merecem e a que têm direi-to, pois, apesar de terem devastado as matas, eles tambémprecisam viver, são colonos do mesmo modo que os estran-geiros".

A concessão de terras a trabalhadores nacionais como for-ma de fixá-los no meio rural e contribuir na formação do mer-cado de trabalho foi questão intermitente nas discussões doLegislativo. E, em 1914, o deputado Nelson de Sena apresen-tou projeto de doação de glebas de terras devolutas em lotesde 20 hectares a brasileiros "que tivessem entre 20 e 50 anose fossem portadores de bons costumes", com a seguinte justi-ficativa:

É esse um grande problema que desafia a atenção do legis-lador mineiro e já é tempo, srs. deputados, de amparar-mos, de certo modo, a sorte de trabalhadores nacionais,tão infelizes, e tão esquecidos da proteção das nossas leis.

Para o colono estrangeiro dão as nossas leis remédio e

amparo, constituídos por vários auxílios; mas para o últi-mo pária, para o triste servo da gleba, para o humildetrabalhador nacional, para o caboclo, para o caipira rude,que trabalha no eito, não direi que como um nol'o cativoque tem presa a sua liberdade nas mãos de um senhordespótico, mas como um cativo da própria contingênciaeconômica do nosso meio; para esses, as nossas leis têmsido severas, ou têm sido silenciosas, no derramar benefí-cios.

(...) Esse problema da sorte dos trabalhadores rurais, esta-rá, como tantos outros, sr. presidente, desafiando a aten-ção dos legisladores mineiros nas futuras legislaturas: falode problemas tão capitais como esse da sorte dos traba-lhadores agrícolas, e que dizem respeito até à constitui-ção de lima raça forte, porque raça forte e sadia é aquelaque trabalha e se alimenta bem, e tem seguro o seu futuro.

Não obstante as inúmeras dificuldades para se chegar a umconsenso, o Congresso Mineiro votou e aprovou várias leisdestinadas a organizar, demarcar e distribuir terras devolutasdo Estado. Aliás, o início de certa racionalidade no trato daquestão agrária já havia sido iniciado em 1892, quando foi 95

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DIÁLOGO COM O TEMPO

criada uma seção especial para o serviço de terras e coloniza-ção junto à poderosa Secretaria de Agricultura, Comércio, In-dústria, Viação e Obras Públicas.

Mas, ainda assim, segundo Norma de Góes Monteiro, aspolíticas mineiras de imigração e colonização ao longo da Pri-meira República foram tímidas e sem qualquer ousadia, tradu-ção fiel da mentalidade oficial de então. 31

Como a organização do mercado de trabalho era condiçãopreponderante para se chegar ao pretendido progresso do setoragrícola, o Estado se comprometeu, desde o alvorecer da Re-pública, a adotar políticas públicas que o tornassem viável. Oensino agrícola em todos os níveis foi uma delas. 32

Missionário agrícola

O crescente entusiasmo pelo ensino agrícola gerou

inúmeras leis, decretos e regulamentações sobre as

diversas formas de ministrá-lo. Atropelada com tantos

dispositivos legais, a Secretaria de Agricultura, que se

reorganizara em 1910, elaborou o Regulamento Geral do

Ensino Agrícola, que norteou a fundação e o

funcionamento de uma profusão de instituições. Entre

elas, a Escola Superior de Agricultura e Veterinária, a

célebre Esav,hoje Universidade Federal de Viçosa, fundada

em 1920.

Tendo em vista as limitações deste estudo, não é possível

apresentar a listagem dos estabelecimentos de ensino

agrícola em suas variadas modalidades. Transcrevemos,

pois, a título de exemplo, um dos inúmeros projetos

apresentados e que, neste caso, visava ao ensino agrícola

ambulante. Foi apresentado em 1910 pelo deputado Sena

Figueiredo.

"No projeto que venho apresentar nesse momento,

pretendo instituir entre nós o ensino agrícola ambulante,

exercido por profissionais de competência provada,

criando, além disso, diversos prêmios de animação à

pomicultura.

31 MONTEIRO, Norma de Góes. Op. dI. p. 51.5432 Sobre questões ligadas ao discurso e prática das classes conservadoras mineiras, ver: FARIA,MariaAuxiliadora de. A política da gleba - As classes conservadoras mineiras. Discurso e prática na PrimeiraRepública. Thse de doutorado. São Paulo, USP, 1992 (mimeo).

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

É esse um pensamento por mim de longo tempo

concebido e que procuro agora transformar em

realidade, incitado pelo que li há poucos dias na

mensagem dirigida pelo presidente de São Paulo ao

respectivo Congresso, na qual se vêm relatados com

verdadeiro sucesso e entusiasmo os efeitos práticos

colhidos no ensino agrícola itinerário, conforme ali se

denomina, que produziu, naquele grande Estado, uma

verdadeira revolução da lavoura.

(...) A importação, pelo Rio de Janeiro, de frutos vindos da

Argentina e da Europa é extraordinária; entretanto, Minas,

com uma grande variedade de climas - como o da Mata,

para certas espécies de fruticultura, a do Sul para outras e

ainda a do Centro para outras - poderá abastecer não só a

Capital Federal, como ainda todos os Estados no Norte.

O instrutor agrícola ambulante irá, de fazenda em fazenda,

à semelhança de um missionário do bem, levando o

ensino, roteando (sic) as terras da própria fazenda,

entregando-as preparadas ao lavrador e este, tendo em

consideração os grandes resultados colhidos dentro de

pouco tempo, procurará, fatalmente, adquirir máquinas e

imitar seu instrutor."

A supremacia do café

Inversamente ao que ocorreu em São Paulo, onde o pro-cesso de industrialização ao longo da Primeira República re-sultou, em boa medida, do capital excedente da produçãocafeeira, em Minas, pelo menos até o início da década de 1920,a relação entre os dois setores econômicos foi muito tênue. 33

Tal constatação não significa, no entanto, que ambos ossetores, assim como o comércio e o desenvolvimentoeconômico de modo geral, não fossem temas recorrentes nasdiscussões do Poder Legislativo.

33 Sobre a relação entre cafeicultura e industrialinlção, ver, entre outros: LIIv!J\, João Heraldo. Café eIndústria em Minas Gerais -1I170.1!120. Petrópolis: Vozes, 19B1. 97

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DIÁLOGO COM O TEMPO

o café produzido em Minas integrava, desde a segundadécada do século XIX, a pauta de exportações brasileiras.Contudo, não obstante a considerável expansão das lavourasda Zona da Mata e, posteriormente, do Sul, Minas Gerais nuncachegou, ao longo da Primeira República, a ocupar o primeirolugar na produção cafeeira do País.

Ainda assim, o café se constituiu no principal produto daeconomia mineira, o que justifica a exacerbada preocupaçãodos membros do Poder Legislativo com as questões relativas àsua produção.

Nos primeiros anos do século XX, por exemplo, foram inú-meras as propostas apresentadas para minimizar os efeitos dacrise que abalou a economia brasileira e, obviamente, a pro-dução cafeeira. No caso de Minas Gerais, a situação era maisdrástica, já que à brusca redução dos preços no mercadoexterno se somavam a exaustão das terras produtivas e aindisponibilidade de outras aptas à renovação das lavouras.

A 24 de agosto de 1900, o deputado Júlio Tavares propôs aseus pares o projeto de nO83, de apoio ao Centro da Lavoura doCafé, cujo objetivo era a propaganda do produto no exterior.

De acordo com o artigo lO do referido projeto, "para auxi-liar a propaganda do café, promovida pelo Centro da Lavourade Café do Brasil, fica o governo autorizado a contribuir com0,02% do valor do imposto de exportação daquele gênero,abrindo para tal fim o necessário crédito".

Na sessão de 18 de julho do ano seguinte, a proposta dodeputado Assis Lima vinha na mesma direção. Dizia ele:

Sr. presidente, peço a V.Exc. que consulte a Casa se con-sente na nomeação de uma comissão composta de quatrodeputados para estudar os meios de o Estado favorecer apropaganda do Café no estrangeiro.

Outros estados, igualmente cafeeiros como o nosso, têmprocedido por esse modo. portanto é justo que Minas tometambém parte nesse certame, desenvolvendo sua produ-ção e impulsionando assim o nosso progresso, o que será,incontestavelmente, um ato de patriotismo.

A solicitação do deputado recebeu boa acolhida e, naquelamesma sessão, foi nomeada uma comissão responsável pelapropaganda do café mineiro no exterior. Em 1902, o deputadoJosé Gonçalves sugeriu o estabelecimento de uma comissãomista de quatro deputados e três senadores para estudar com

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

maior profundidade a crise da cafeicultura e a busca de solu-ções. Eis sua argumentação:

Sr. presidente, é-me grato lembrar que, durante os quatroanos da atual legislatura. o Congresso Mineiro não se es-queceu de nenhuma das indústrias. pois do desenvolvi-mento de todas elas dependem o engrandecimento e a pros-peridade do Estado.

A lavoura de café. que é a mais importante do Estado, temmerecido especial atenção do Congresso; todos os poderespúblicos têm empenhado seus esforços para reduzir o im-posto de exportação daquele produto. de 11 para 9. o quecustou aos cofres públicos sacrificio superior a dois milcontos.

Se esse tem sido o procedimento do Congresso Mineiro,parece-me, porém. que a nossa missão não está finda.

A Câmara dos Deputados precisa na quadra angustiosaque atravessa a lavoura do café, vir estudar de novo oassunto, para que possamos apresentar um meio, um pla-no que venha tirar essa lavoura da situação aflitiva em

que se encontra.

A convenção de Taubaté

Na busca de soluções institucionais para a crise econômica,a bancada de deputados paulistas liderava no Congresso Na-cional, desde 1904, um movimento em prol do financiamen-to, pelo governo federal, dos preços de exportação do café.Entretanto, com a recusa do presidente Rodrigues Alves dealterar sua política econômica, a reivindicação dos paulistasnão obteve o êxito desejado.

Em 1906, o mineiro Afonso Pena ascendeu ao cargo de pre-sidente da República, com o apoio das oligarquias paulistas.Entretanto, esse apoio só se concretizara mediante a certezade que Afonso Pena era favorável à política de valorização docafé. Foi, pois, com esta certeza, que os três Estados produto-res - São Paulo. Minas Gerais e Rio de Janeiro - estabelece- 99

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DIÁLOGO COM O TEMPO

ram, em fevereiro de 1906, o célebre convênio de Taubaté.Entre as várias cláusulas, ficou pactuada na convenção de

Taubaté a busca de empréstimos no exterior e a cobrança deuma sobretaxa de 3 francos-ouro para cada saca de 60 kgexportada como garantia a tais empréstimos.

Em agosto do mesmo ano, o Congresso Mineiro ratificou oconvênio, mas recusou uma cláusula importante: a limitaçãode novas plantações. Além disso, mostrou-se insatisfeito com asobretaxa e, principalmente, com a desvalorização dos cafésinferiores aos do tipo 7. É que, a exemplo do que ocorria no Riode Janeiro, o café produzido em Minas Gerais era, em suamaioria, de qualidade inferior, resultado óbvio da exaustão dasterras. Tais restrições ficaram explícitas no parecer sobre o con-vênio que as Comissões de Orçamento e de Negócios Interesta-duais apresentaram em conjunto, logo depois da convenção deTaubaté.

(...) lv/ais uma vez repetimos, e não nos cansaremos derepetir: não temos recursos metálicos internos ou exter-nos, a nossa riqueza consiste em propriedades agrícolas eindustriais e outras, cujo valor se acha à mercê das varia-ções do valor da moeda nacional; é preciso arredar essesobstáculos que dificultam a ação dos produtores. dos pro-prietários e das empresas que possuímos.

Eleito pelo município de Cataguases, importante centroprodutor de café, o deputado Heitor de Sousa apresentou aseguinte ponderação:

Eu penso que somos chamados a remediar um grande male que não nos devemos deter nessa terapêutica expectante,nessa terapêutica de inquérito dos erros passados, desseserros econômicos acumulados desde muito tempo, errosem que todos nós colaboramos, governantes e governados.

Atendendo aos apelos dos produtores de café que se fize-ram ouvir no Congresso Mineiro e por meio de suas entidadesde classe, o presidente de Minas, João Pinheiro da Silva, fezconstar da mensagem que enviou ao Legislativo, em 1908, adecisão de reverter aos cafeicultores os valores da sobretaxa.

Defensor incansável do cooperativismo, João Pinheiro en-corajava os cafeicultores a se organizarem em cooperativasde produção e comprometia-se a bancar, com recursos do Es-tado, a propaganda do café no exterior.

'70 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Agricultura - Encontrando este problema como objeto decontrato solene entre três Estados, produzindo obrigaçõesrecíprocas e já em fase de execução plena. a administra-ção atual atendeu, como lhe cumpria, as injunções que asituação dos fatos impunha.

Do Convênio de Taubaté, ao lado das medidas de valoriza-ção, também decorriam as da propaganda para se alar-gar o consumo da mercadoria.

Tendo o governo de Minas, dada a situação do proble-ma, de cobrar a sobretaxa, afirmou, desde o princípio,que a faria reverter inteira aos produtores, afirmaçãoque ainda mantém integral. Para esse fim, ouvindo aba-lizadas opiniões, combinou uma série de medídas. quevisam sistematicamente à não-intervenção de elemen-tos estranhos aos ditos produtores. E, assim. o dinheirovoltar-lhes-á às mãos. auxiliando-os a se reunirem emcooperativas; dando-lhes o governo as máquinas debeneficiamento, sob a forma de prêmios; estabelecendopor conta própria armazéns de depósitos nos portos deexportação e de importação. Criando nos de exportaçãoo crédito bancário para descontos, subvencionando. naEuropa. representantes idôneos das cooperativas, quelhes coloquem os produtos; conferindo prêmios em di-nheiro para o café colocado cru, prêmios que serãomaiores para os estabelecimentos de torrefação.

(...) Acresce ainda. para o Estado de Minas Gerais. que.na maior parte da zona atualmente produtora de café.não é dos maiores os rendimentos das colheitas propor-cionalmente à superfície cultivada. Este fato coloca-oem posição inferior relatÍlramente às terras fertilíssimasde outras regiões. de feição topográfica adaptada ao

emprego de máquinas agrícolas aperfeiçoadas, e obri-ga-o a se compensar dessa grande inferioridade, tiran-do de seu produto todas as vantagens do re-beneficiamento e da venda direta.

(...) Já se organizaram as cooperativas de Cataguases, RioBranco. São João Nepomuceno. São Paulo de Muriaé, Pon-te Nova e Carangola. Alugaram-se armazéns no Rio deJaneiro. Santos. Bmges e Nápoles. O Estado mantém.atualmente. dois representantes na Europa, um em Santose outro no Rio.

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DIÁLOGO COM O TEMPO

A salvação na lavoura

Ao longo da Primeira República, havia por boa parte daelite brasileira a crença de que o Brasil era, e devia conti-nuar sendo, um país essencialmente agrícola. Em Minas,onde a acumulação de capital destinada aos empreendimen-tos industriais era irrisória, essa ideologia foi significativa-mente acentuada. A opinião das elites era a de que todas asmedidas econômicas do governo deviam ser prioritaria-mente destinadas à lavoura. O crédito agrícola era urnadessas medidas.Um dos seus defensores mais aguerridos, o deputado Sena

Figueiredo, justificou, em 1907, projeto apresentado por seucolega Juvenal Pena, que previa a criação de caixas econômicaspara concessão de crédito agrícola. Dizia ele:

Outrora a agricultura era mais rendosa e o trabalho nãoera remunerado; para nós é este o fato capital. Se a agri-cultura entrar em prosperidade, não lhe faltará capital.Para que a produção se desenvolva é preciso o ensino agrí-cola prático, a abertura de estradas férreas e de rodagem;é preciso que se revolucione a agricultura. Para chegar-mos a este resultado é preciso crédito; não temos capitais,desapareceu a confiança, então faz-se necessária a inter-venção do Estado, a fim de que em vez de ser para ela umperigo o crédito, seja um beneficio.

O deputado Nelson de Sena também demonstrava a cren-ça de que a salvação da economia estava na lavoura e apre-sentou seu entusiástico apoio à criação do crédito agrícola:

Sr. presidente, vê-se demonstrar à Casa que nós, os repre-sentantes da terra mineira, nos sentimos uníssonos e acor-des com o Congresso Nacional em desejarmos para a la-voura melhores dias; que nós, os representantes mineiros,não nos perdemos em divagações teóricas que nada adi-antam ao lm7'ador ou ao produtor, e antes queremos que ocrédito agrícola se estabeleça de fato como uma correnteagrícola que venha da União Federal, da periferia para o

centro dos estados, trazendo do litoral para o interiorrecursos bastantes para a garantia da lavoura, para o

povoamento do solo e para o aumento da viação internada República.

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Na sessão de 28 de julho de 1913, Sena Figueiredo voltoua insistir na necessidade de criação de caixas destinadas a con-ceder crédito a pequenos agricultores. No seu entender, a trans-ferência de capitais e mão-de-obra do campo para as cidadesera desastrosa para a lavoura, e só a concessão de crédito po-deria sustá-la. A 22 de setembro do ano seguinte, defendeumais urna vez o projeto, citando, inclusive, exemplos de paí-ses da América do Sul "onde florescem belas instituições pres-tando reais serviços a seus lavradores".

A guerra e nova crise

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, nova criseeconômica se abateu sobre o País. Assim, mesmo contandocom incentivos do Estado, os produtores de café, por seusrepresentantes no Poder Legislativo, apresentaram em 1914solicitação de apoio mais efetivo ao setor. O destinatário dodocumento era o Congresso Nacional.

A Câmara dos Deputados de Minas Gerais, atendendo aosreclamos e à situação angustiosa em que se acham a la-voura e a indústria nacional, especialmente a lavoura docafé, e aplaudindo a ação dos poderes do Estado e da Uniãono sentido da defesa do café e de outros gêneros de produ-ção, pede ao Congresso Nacional a decretação urgente demedidas enérgicas e eficazes que venham amparar a pro-dução nacional e deixar as classes conservadoras e asforças vivas da Nação livres dos embaraços com queatualmente se acham em luta.

Em agosto do mesmo ano, o deputado Argemiro Rezendeestava convicto de que, naquele momento, mais do que emqualquer outro, o Estado de Minas Gerais carecia diversificarsua pauta de exportações. Ao apresentar projeto de incentivopúblico a empresas de beneficiamento de açúcar, fez longaanálise da conjuntura brasileira e mineira. No seu entender,mesmo que sua geração não fosse beneficiária dos esforçosempreendidos em prol do desenvolvimento, pelo menos dei-xaria o exemplo de luta. 103

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DIÁLOGO COM O TEMPO

No momento em que Íamos nos desvencilhando da crise fi-nanceira, oriunda de causas diversas, que, nestes últimostempos, tem entravado o pragresso e o desenvolvimento dasclasses produtoras, trazendo dificuldades ao particular agra-vamento da situação geral em nosso Estado, como acontececom todo o país, quando já nos deparava perspectiva de maisrisonhos dias marcados por um periodo de paz, sem pertur-bações políticas in temas, serenadas com as esperanças daRepública e já inspirando confiança aos países europeus queconosco tenham transações comerciais, eis que novo espec-tro se levanta apavorante, ensombrando os nossos horizontese mostrando que devemos doravante ser mais prelridentes, enos procurar líbertar dessa dependência em que nos acha-mos do VelhoMundo, tomando a nossa vida comercial maisindependente das nações européias, que tanta influênciaexercem sobre nós, a ponto de, no dia imediato às declara-ções de guerra entre as potências estrangeiras, sentirmosquase paralisados todos os negócios, todas as manifestaçõesda vida comercial, resultando em prejuízo do povo.

Preocupado com estes fatos, aos quais devemos adicionaro quadro impressionante que freqüentemente observamosde estarem as Secretarias e o Palácio repletos decandidatos a empregos públicos, como se esses empregosfossem os únicos meios de viver em nosso Estado,procurando desviar a atenção do povo para outros objetivosque são a indústria e a lavoura, fontes de riqueza quecompensam fartamente aqueles que nelas empregam suaatividade e que ao mesmo tempo vêm satisfazer asnecessidades sempre crescentes do Estado.

(...) O que se passa nesta época, em que os mercados, sobre-tudo de cereais, vão ser disputados pelas nações belige-rantes da Europa, deve nos trazer profunda meditaçãosobre as condições futuras do nosso Estado e do nosso país.

(.. .) Se por acaso, sr. presidente, não tivermos a grandesatisfação de vermos, em nossos dias, os frutos dos nossosesforços, ao menos o futuro dirá que em determinada épo-ca, os representantes do Estado de Minas, sedentos de gló-rias e do desejo de ver prosperar o seu Estado, a sua lavou-ra engrandecida, a sua indústria pastoril forte, tiveramintuição exata do futuro, lançando mão de todos os recur-sos para incrementar a sua vida econômica, e, então, sobos nossos nomes, os nossos filhos lançarão as suas bênçãos.

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Desenvolvimento, com o pé atrás

o atraso relativo da economia mineira, comparada às deSão Paulo e do Rio de Janeiro, estava definido desde o iníciodo século. Não por acaso, desde o Congresso Agrícola, Co-mercial e Industrial de 1903, o tema predominante nos en-contros promovidos pelos setores produtivos foi a necessida-de de formulação de um projeto mais amplo de desenvolvi-mento econômico.

O mesmo ocorria no Congresso Mineiro, que instigava, pormeio de sugestões, propostas e projetos de leis, as ações doPoder Executivo nos setores industrial e comercial. Assim, nãoobstante a hegemonia do setor agrário, houve, sim, em Minas,tentativas significativas de incentivo à indústria, notadamentena produção de bens não duráveis.

Os tradicionais setores de mineração e siderurgia (peque-nas forjas), que remontavam ao período colonial, tiveram,como é sabido, certo vigor durante o Império e adentraram operíodo republicano com relativa importância na economiado Estado.

Mas os mineiros haviam aprendido bem a lição da histó-ria, tornaram-se desconfiados. Sabiam que a extração do ouroe do diamante pela Metrópole portuguesa, no decorrer doperíodo colonial, poucos benefícios trouxera à região e re-sistiam a se embrenhar em novas aventuras.

Traduzindo esse sentimento, os membros do Legislativodefendiam, na hipótese de renascimento daquele setoreconômico, severa legislação que garantisse algum benefícioao Estado. Mas as lições do passado não impediram, pelomenos nos primeiros anos da República, que questões relati-vas às riquezas minerais ainda fossem tratadas com certo ro-mantismo. Foi assim que, a 21 de setembro de 1906, o depu-tado Afonso Pena Júnior deu asas à sua veia literária para de-fender o projeto governamental nO 184 sobre registro das mi-nas. Sua crença era a de que, com regras claras e precisas,seria mais fácil atrair investidores para o setor:

A nossa história, sr. presidente, se escreveu pelo esforço dobandeirante à cata de sonhos eldorados. E o mais inspira-do dos poetas pátrios sintetizou a função civilizadora que,graças às riquezas minerais, desempenhou o bandeirante, )

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DIÁLOGO COM O TEMPO

esse "violador de sertões", esse pesquisador audaz de taisriquezas, dizendo que cada pouso mudado, uma nova con-quista; e, em quanto ia sonhando o seu sonho egoísta, seupé, como o de um Deus, fecundava o deserto.

Não é outro, sr. presidente, o papel que ainda hoje cabe à

indústria extrativa no Estado; a história e a observação decada dia não permitem a respeito nem dúvidas, nem in-certezas.

(...) Na esfera infelizmente acanhada, infelizmente reduzi-da, da competência estadual, o projeto visa o desenvolvi-mento da indústria extrativa, que é a indústria sobre a qualMinas Gerais deve firmar as suas aspirações no porvir.

A emenda que apresento, sr. presidente, refere-se à cria-ção de um escritório de amostras no estrangeiro e de umaseção técnica especial de minas na nova Diretoria de In-dústria e Obras Públicas.

o deputado Gabriel Valadão também defendeu o projetonos seguintes termos:

Sr. presidente, a história da formação do Estado de Minas,em seus principais delineamentos, é a história de sua mi-neração.

(...) Se é verdade que no presente, com as dificuldades comque luta a indústria, assim não se possa dizer, estou certode que o futuro dirá pelo passado. Fica assim o poder pú-blico armado para, em bem dos interesses da sociedade,corrigir a inércia, a indolência e a inaptidão do proprie-tário e cortar as dúvidas sobre a propriedade.

Nelson de Sena também se fez presente no debate paraafirmar:

(...) Eu faço votos, portanto, para que da atual Câmara dosDeputados surja uma lei prática e singela, que esclareçaa situação da indústria extrativa em nosso Estado, uma leiexeqüível e sensata, que venha pôr um paradeiro às incer-tezas, às lacunas e às obscuridades que pululam da nossalegislação.

Como patriota, e tanto como os ilustres oradores que me

precederam nesta questão, eu desejo ver a terra de MinasGerais feliz e próspera, sob o manto tutelar dessa indús-tria que foi geradora da nossa civilização, durante os sé-culos de nossa vida colonial.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Dois anos depois, debatia-se na Câmara dos Deputados aredução de impostos sobre a exportação de minério de ferro,como condição necessária ao desenvolvimento da indústriaextrativa. De acordo com o deputado Sena Figueiredo, tradi-cional defensor da agropecuária, a redução dos impostos che-gava a ser um dever patriótico:

(...) Está, pois, reservado ao Brasil ser, talvez, o único for-necedor de ferro a todos os povos e, nestas condições, édever patriótico e justo a diminuição do imposto de expor-tação que recai sobre o referido minério.

Também para o deputado Raul Faria, a redução dos impos-tos era importante, porque atrairia investimentos para o setorsiderúrgico:

(...) A redução do imposto sobre a exportação dos minériosde ferro virá abrir uma nova fase para a indústria siderúr-gica em Minas Gerais, onde ela ainda não é conhecida se-não em uma pequeníssima escala, em uma escala insignifi-cante, à vista da pujança inesgotável das nossas jazidas.

A corte ao capital estrangeiro

Minas Gerais, mesmo se afirmando como um Estado es-sencialmente agrícola, acolheu, até mesmo com certa corte-sia, investimentos de capital estrangeiro nos setores de mine-ração e siderurgia. Sem retroagir às inúmeras empresas estran-geiras que aqui se instalaram ao tempo da Província, vale lem-brar, por exemplo, a associação estabelecida, em 1920, entrea Companhia Siderúrgica Mineira e o grupo belga AciériesRéunis de Burbach-Eich-Deudelange-Arbed, que resultou naCompanhia Siderúrgica Belgo-Mineira.

Entretanto, a marca principal daquele período foi orumoroso embate travado no início dos anos 1920 entre ogoverno de Minas e o famoso empresário norte-americanoPercival Farquhar no caso da Habira Iron Ore Company. Talembate explicitou, de maneira vigorosa, o sentimento nacio-nalista de há muito nutrido pelos mineiros, mas que se manti- 107

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DIÁLOGO COM O TEMPO

vera de forma apenas velada desde a chegada de grupos es-trangeiros ligados às atividades de extração mineral.

Desde que chegou à presidência do Estado de Minas Gerais,em setembro de 1918, Artur Bernardes demonstrava justificadapreocupação com o problema da extração de minério de ferropor empresas estrangeiras.

Sua preocupação era de todo justificada, já que, informa-dos sobre as jazidas minerais existentes no Estado de MinasGerais, quando do Congresso de Estocolmo em 1910, inúme-ros grupos econômicos estrangeiros passaram a adquirir vas-tas extensões de terras mineiras para explorá-las. Não havianenhum tipo de impedimento legal a essas aquisições. E mais:à época, o proprietário do solo também o era do subsolo.

A primeira tentativa de Artur Bernardes e seu secretário deAgricultura, Clodomiro de Oliveira, de cercear a verdadeiracorrida às reservas minerais do Estado foi a proposta de consi-derável aumento do imposto sobre exportação do minério deferro. Por trás da proposta havia, por parte do governo, a defe-sa de criação em Minas Gerais de usinas siderúrgicas.

Transformada em projeto de lei, a proposta foi aprovada naCâmara dos Deputados, resultando na famosa Lei nO750, de 26de setembro de 1919. Mas antes, na sessão de 15 de agostodaquele ano, foi justificada pelo deputado Rocha Lagoa Filho.

Na brilhante mensagem apresentada ao Congresso minei-ro pelo ilustre homem público que se encontra à frente daadministração do Estado de Minas Gerais, o Exmo. sr. dI'.Ar/uI' Remardes, chama S. exc a atenção do legislativoestadual para a necessidade de ser votada uma lei redu-zindo de 20, Oll 40. ou 50 réis por tonelada, o imposto deexportação de minério para as empresas que fundirem e

transformarem em ferro e aço no Estado pelo menos 5% dominério que exportarem e elevando o mesmo imposto a3$000 para as que se recusarem à montagem de fábricasem território mineiro nas condições citadas.

(".) De fato, nenhuma questão mais palpitante poderá em-polgar nesse momento o espirito do brasileiro verdadeira-mente patriota que esta de salvaguarda do nosso minériode ferro e da criação da siderurgia nacional, duplo escopovisado pelo documento presidencial.

(.,,) Ora, sendo real a necessidade dos nossos minérios ex-perimentada pelos grandes países produtores de ferro e

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

aço, e lançando-se um imposto elevado sobre a expor/açãode nosso minério de ferro para o expor/ador que não mani-pular aqui 5% do minério exportado, é intuitivo que os

industriais estrangeiros têm toda a cOIll'eniência em mon-tar aqui usinas de manipulação, afim de que possam ex-por/ar minério de que tanto precisam, pagando apenas 20a 50 réis por tonelada expor/a da, como foi sugerido peloilustre sr. Presidente do Estado, o que é uma justa compen-sação aos gastos que terão de fazer com a instalação dausina.

É desta época a famosa afirmação "minério não dá duassafras", atribuída a Artur Bernardes, que, como síntese da de-fesa de nossas jazidas minerais, tornou-se slogan do pensa-mento e da luta nacionalista nas décadas posteriores.

o caso Farquhar

Percival Farquhar havia assumido em 1919 o controle da

Itabira lron Ore Company e apresentado projeto propondo

a exportação de 4 milhões de toneladas de minério de

ferro e a montagem de uma siderúrgica de 150 mil tlano.

A proposta foi aprovada pelo governo brasileiro, mas

estava sujeita à aprovação do Congresso mineiro.

O Poder Executivo mostrou-se intransigente e, por

intermédio do deputado Fidelis Reis, enviou ao Legislativo, a

30 de agosto de 1920, o decreto que se transformaria na

Lei n° 793, de 21 de setembro do mesmo ano. De acordo

com ela, o governo autorizava o contrato com a Itabira lron

ou com qualquer outra empresa de extração de minério,

desde que estivessem de acordo com a Lei 750. Aprovado

pelo Legislativo em primeira discussão, ficou decretado:

"O Congresso Legislativo de Minas Gerais decreta:

Art. 1° - Fica o poder executivo autorizado a contratar com

a Itabira Iron One Company Limited, ou com outras

empresas a construção de uma ou mais usinas siderúrgicas

no território do Estado com a capacidade mínima de

150.000 toneladas de produção anual, cada uma,

podendo elevar os prazos constantes da lei de n° 750, de

23 de setembro de 1919, que concedeu isenção de

quaisquer impostos estaduais existentes e futuros que de 109

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DIÁLOGO COM O TEMPO

qualquer forma incidam ou venham a incidir sobre a

indústria da concessão, e bem assim os direitos de

desapropriação por utilidade pública e de utilização,

durante o funcionamento da usina, de quedas de água

pertencentes ao Estado.

Art. 2° - Revogam-se as disposições em contrário."

Mas o caso da Itabira Iron estava longe de se encerrar. Pressões

do governo federal, apelaçõesjudiciais, crises internacionais e

outros entraves, fizeram com que o mesmo se alongasseaté

início da década de 1940, quando, finalmente, foi fundada a

empresa Aços EspeciaisItabira - Acesita. 34

A política do café-com-Ieite

A inexistência de documentos textuais tem sugerido diversasinterpretações, algumas até fantasiosas, sobre a aliança políticaestabelecida entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais.

Sabe-se, contudo, que em 1913, quando da campanha po-lítica para a sucessão do presidente Hermes da Fonseca, haviaexplícita rejeição por parte dos paulistas à eventual candida-tura do gaúcho Pinheiro Machado.

Para angariar respaldo a essa rejeição e se fortalecer politi-camente, tornava-se imprescindível aos paulistas o apoio deMinas Gerais, detentora da maior bancada no Congresso Na-cional. Aliados desde os primeiros anos do novo regime, osdois Estados careciam, no entendimento dos paulistas, de ca-minhar juntos para garantir a hegemonia de suas oligarquias.

Assim, o famoso encontro ocorrido em 1913 entre o presi-dente de Minas, Bueno Brandão, e o representante dospaulistas, Cincinato Braga, em Ouro Fino, terra natal do pri-meiro, teria gerado a célebre aliança do café-com-Ieite.

Apesar de não se conhecerem os termos do acordo, o des-dobramento de fatos subseqüentes indica que, além do mútuo

34 DL"JlZ, Clélio Crnnpolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Hori-zonte: UFMGIPROED, }981. 1'.44-46.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

apoio, pelo menos dois pontos foram determinantes no esta-belecimento da aliança: a oposição de Minas e São Paulo àcandidatura de Pinheiro Machado e o lançamento de outracandidatura, fruto do entendimento dos dois Estados.

Em meio às idas e vindas da política nacional, o PRM nãoimpôs, mas, mineiramente, sugeriu o nome de Wenceslau Brazcomo possível candidato à Presidência da República. A cha-pa Wenceslau Braz - Urbano Santos foi aceita pelos paulistase, surpreendentemente, até mesmo por Pinheiro Machado eseu grupo.

A eleição de Wenceslau Braz é tida, portanto, como marcode fortalecimento da aliança com São Paulo, que, tendo sidoiniciada em 1900, sofrera revezes no governo Hermes da Fon-seca e se revigorou a partir do pacto de Ouro Fino. Aliás, revi-gorou-se tanto que durou pelo menos 15 anos e sua ruptura,no final dos anos 1920, contribuiu decisivamente para a eclosãodo movimento revolucionário de 1930. 35

Respaldo legislativo

De modo geral, as discussões referentes à aliança entre osdois Estados ficavam restritas aos titulares do Poder Executi-vo e à Comissão Executiva do PRM. Isso não impedia, contu-do, que nos momentos pré-eleitorais o tema fosse aventadono Congresso Mineiro.

Foi o que ocorreu na sessão de 10 de agosto de 1917, quandoos nomes de Rodrigues Alves e do mineiro Delfim Moreira jáhaviam sido indicados, respectivamente, candidatos à Presi-dência e Vice-Presidência da República nas eleições de 1918.Na ocasião, o deputado Nelson de Sena sugeriu a seus paresuma moção de solidariedade às candidaturas:

Sr. presidente; srs. deputados de Minas Gerais. Entre os fa-tos mais palpitantes do momento político contemporâneoem nossa Pátria, avulta, seguramente, como llm dos mais

35 Sobre a aliança entro São RlUlo e Minas Gerais. ver. entre outros: MARTINS F1ll-IO. Amílcar Virnma.A economia política do café com leite. Belo Horizonte: UFMGIPROED, 1981 e V1SCARDI. CláudiaMaria Ribeiro. O teatro das olígarquias- uma revisão da "política do café com leite". Belo Horizon-te: C/Arte. 2001. 111

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112

DIÁLOGO COM O TEMPO

notáveis, a feliz solução política que os convencionais repu-blicanos, reunidos na capital brasileira a 7 de junho desteano. deram ao magno problema da sucessão presidencialno futuro quadriênio administrativo da República.

Deliberando de forma democrática porque o fizeram. es-ses representantes dos Estados da Federação. investidosde um mandato político. amplo, do eleitorado brasileiroapontaram como candidatos da opinião republicana na-cional, aos sufrágios livres do povo. nas urnas de 1 o demarço de 1918, os nomes de dois distintos compatriotasFrancisco de Paula Rodrigues Alves e Delfim Moreira daCosta Ribeiro.

Moção - A Cãmara do Estado de Minas Gerais afirma suaadesão e solidariedade com a feliz escolha dos nomes doseminentes compatriotas, Srs. Conselheiro Francisco dePaula Rodrigues Alves e Dr. Delfim Moreira da Costa Ri-beiro. indicada pela convenção dos representantes fede-rais dos Estados. na solene Assembléia Política realizadana Capital da União. em 7 de junho deste ano, como can-didatos aos altos cargos de Presidente e Vice-presidenteda República no próximo quadriênio de 1918-1922.

Congratulando-se com a acertada indicação e com os ilus-tres candidatos aos consórcios eleitorais de 10 de marçopróximo futuro, esta Casa do Poder Legislativo mineiro votaseu apoio aos nomes saídos I'itoriosos do seio da conven-ção federal de 7 de junho. como os candidatos da opiniãorepublicana do Brasil.

A educação republicana

A política educacional brasileira, tanto no período colonialquanto sob o Regime Imperial, era, via de regra, instituída eexecutada pela sociedade civil, representada por sua institui-ção mais poderosa, a Igreja. Com o advento da República, aseparação da Igreja do Estado e o fortalecimento deste, sob aforma de sociedade política, implicaram alterações no enca-minhamento da política educacional.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Tais alterações não podem, contudo, compor a falsa ima-gem de que a educação popular tenha sido uma dádiva repu-blicana e que o 15 de novembro tenha trazido a sua democra-tização. O que mudou, isto sim, foi o discurso em torno daeducação, que, como tarefa do Estado, devia, pelo menosteoricamente, ser extensiva a todos os cidadãos.

Mas, a despeito de toda a construção discursiva, das refor-mas de ensino, dos clamores e denúncias, em 1920 a propor-ção de analfabetos maiores de 15 anos na população brasilei-ra era de 65%.36 Esse dado não preocupava os dirigentes doPaís, já que, mesmo não podendo contar com o voto dos anal-fabetos, o acesso aos cargos eletivos lhes era assegurado pelaquase institucionalização da fraude eleitoral. Era o tempo dovoto de cabresto.

Em Minas, a promessa republicana de investir na educaçãoesbarrava, pelo menos até meados da década de 1920, nainexpressiva vontade política dos governantes e na fragilida-de econômica do Estado, usada desde sempre como justifica-tiva para o não-investimento no setor.

As reformas educacionais de maior significação foram fei-tas por Afonso Pena, em 1892, com marcas positivistas e níti-das influências enciclopedistas; por João Pinheiro, em 1908,quando se instituíram os grupos escolares e se baniu o ensinoreligioso das escolas públicas; e, finalmente, a mais importan-te delas, a feita por Francisco Campos, secretário de Estado doInterior no governo do presidente Antônio Carlos Ribeiro deAndrada, em meados da década de 1920. Sob influência dou-trinária da Escola Nova, teve grande impacto no sistema edu-cacional do Estado e suas repercussões não se limitaram àsfronteiras de Minas.

Analfabetismo apavorante

A atuação dos membros do Poder Legislativo, via de regra,

era tratar a educação, entendida quase sempre como

criação de escolas públicas, como moeda de troca com as

prefeituras municipais ou seus mandatários.

Mas havia, felizmente, honrosas exceções. Alguns

deputados e senadores demonstravam empenho com

a universalização da educação, convictos de que esta

36 RIBEIRO. Maria Luiza dos Santos. História da educaçãn brasileira. A organização escolar. SãoPaulo: Cortez. 1990 ]1.74 113

Page 60: Diálogo Com o Tempo

114

DIÁLOGO COM O TEMPO

era uma das formas de se construir um Estado moderno.

Um belo exemplo foi a indicação à Câmara dos Deputados

Federais feita pelo Deputado Sandoval Azevedo na sessão

de 14 de agosto de 1923, momento em que chamou a

atenção de seus pares para o gravíssimo problema do

analfabetismo no País e apresentou dados alarmantes.

Indico que a Câmara dos Deputados, pela sua Mesa,

telegrafe à Câmara Federal, representando sobre a

necessidade de serem transformadas em leis as sugestões

da mensagem da atual Presidência da República relativas

ao auxílio devido pela União aos Estados na difusão do

ensino primário e profissional.

Realmente, Sr. Presidente, em arrasadora estatística, o

bravo lidador - que é Mario Pinto Serva, assentou que o

Brasil ocupava o último lugar, entre todos os povos do

mundo, no tocante ao ensino e à educação de sua gente.

Enquanto a Rússia bárbara dos Czares, a Rússia misteriosa

dos Lenines, conta, na sua população, 69% de

analfabetos; enquanto a Bolívia, Estado central, sem um

respiradouro para o mar, alcançava a proporção de 82%;

enquanto a América Central não descia abaixo da cifra de

80%; enquanto o México agitado dos Díaz não

ultrapassava a porcentagem de 66%; o Brasil, que se diz a

nação líder da América do Sul, encontra-se com a cifra

apavorante de 85,6% de analfabetos.

(...) Sr. Presidente, o problema nacional é este, apenas:

instruir e educar; combater o iletrismo retrógrado; vitalizar

o povo; orientá-lo para a prática da vida; eduCá-lo, como

nos institutos norte-americanos - de acordo com a divisa:

aprender, fazendo. (...) Urge, pois, ampliar-se a campanha

pelo ensino, essa campanha a que Raul Soares e Mello

Vianna têm dado o melhor do seu esforço, como o

governo passado, de Artur Bernardes, já o havia feito

também. Urge ampliar-se a campanha, buscando o auxílio

federal, recebendo o concurso das municipalidades,

criando impostos novos se for preciso, despertando todas

as inteligências, desassombrosamente, destemerosamente.

É necessário um professor em cada lugarejo, e estradas,

boas estradas, por onde possa passar a criança em

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

demanda à escola. Escolas e estradas - aí estão os

problemas dos problemas.

A implantação da Reforma da Educação, que introduziuconceitos e técnicas da chamada Escola Nova, e a criação daUniversidade de Minas Gerais, hoje UFMG, em meados dadécada de 1920, redimiram o Estado de sua tradicional inérciaem termos educacionais.

A reforma tem sido exaustivamente analisada por especialistas,que são unânimes em considerá-la como um dos maioresfeitos do governo mineiro naquele período. Para concretizartal projeto, os educadores mineiros contaram com a colabora-ção de especialistas estrangeiros de altíssimo gabaritointelectual, que, a convite do governo, transferiram-se paraMinas Gerais. Dentre tantos, vale ressaltar o nome da psicólogaHélene Antipoff, assessora de Claparêde e com largas experi-ências educacionais vivenciadas na Rússia logo após a Revo-lução Bolchevista de 1917.

Imperativo de consciência

A reforma mereceu reconhecidos aplausos por parte do

Congresso mineiro, como ficou demonstrado na fala do

Deputado Carlos Coimbra da Luz na sessão do dia 4 de

outubro de 1929:

Sr. Presidente, na legislatura passada, fazendo uma

declaração de voto sobre o projeto n° 17 do Senado, tive

ocasião de afirmar, com abono de autoridades valiosas (à

mingua de conhecimentos próprios), a expressão da última

reforma do ensino dentro dos princípios da psicologia

comparada e as derradeiras conquistas da pedagogia.

A transformação dos métodos de instrução e dos nossos

processos educativos impunha-se à consciência de Minas,

onde o problema do ensino constitui sempre o objeto da

ação governamental, a ponto de, com Antônio Carlos,

tornar-se o artigo central de seu programa de

administrador.

Enquanto a nossa imperfeita organização social não

proporcionar às massas populares o acesso à cultura

intelectual e moral, é necessário que as classes médias 115

Page 61: Diálogo Com o Tempo

116

DIÁLOGO COM O TEMPO

conservem, religiosamente, como o lume do lar antigo, o

culto da energia e das iniciativas, a confiança da razão, o

amor da justiça, em uma palavra, todo o sistema de idéias

e de sentimentos que constitui a mais alta concepção da

consciência humana.

C .. ) Em complemento ao que nos foi dado fazer pelo

desenvolvimento da educação moral e dos sentimentos

cívicos dos jovens brasileiros - a começar pelo exemplo do

nosso sacrifício e da nossa intransigente resistência à

disciplina e à desordem -, dirigimos, recentemente, aos

chefes de governo dos Estados, caloroso apelo, tendente a

dar forma prática a esse ideal, que é menos nosso do que

de toda a nação. Do íntimo do nosso ser, na constância da

nossa fé, esperamos, confiantes, que a semente germine e

seja árvore e seja fruto um dia!

Universidade: o sonho concretizado

Quanto à criação de uma universidade, todos o sabiam,era outro anseio dos mineiros e sonho acalentado pela elitedesde o século XVIII, quando os inconfidentes idealizaramMinas Gerais livre e independente de Portugal. Ao enviar àCâmara dos Deputados o projeto de criação da Universida-de de Minas Gerais, o presidente Antônio Carlos tinha cons-ciência da grandiosidade de sua pretensão e do significadoda mesma para a sociedade mineira, Não foi surpresa, por-tanto, a homenagem que, na tarde do dia 12 de agosto de1927, prestou-lhe um grupo de deputados pelo envio doprojeto, nem tampouco o parecer da Comissão de InstruçãoPública da Câmara dos Deputados dado ao projeto na ses-são do dia seguinte:

A Comissão de Instrução Pública, a que foi presente a men-sagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado de Mi-nas Gerais, pelo seu digno Presidente Antônio Carlos Ri-beiro de Andrada - correspondendo ao apelo desse em i-

170 ANOS 00 LEGISLATIVO MINEIRO

nente chefe de Estado, que, patrioticamente, solicita a aten-ção do Legislativo mineiro para a solução e estudo do mo-mentoso assunto: criação da Universidade de Minas Ge-rais -, que outrora constituiu um dos ideais da conjuraçãomineira, sua fundação em Vila Rica. O CongressoLegislativo de Minas Gerais decreta, em seu art. 1°: Fica oPresidente do Estado desde já autorizado a constituirpatrimônio que auxilie a manutenção da Faculdade deDireito, da Faculdade de Engenharia e da Faculdade deMedicina, todas com sede na Capital mineira.

Entusiasmado com a idéia de criação de uma universidadeno Estado, o deputado Armando Brasil fez o seguinte adendo:

(...) Foi de assinalada importância a idéia de fundação deuma universidade no nosso estado, de vez que ela envolveproblema vital na nossa nacionalidade - o ensino, seja eleexaminado em qualquer dos seus graus ou aspectos, pri-mário, secundário, superior e profissional.

Leibnitz disse: dá-me a direção do ensino durante um sé-culo e eu mudaria a face do mundo. Como se não bastassea realização de tão memorável evento nos fatos da vida deAJinas Gerais, só por ser capaz de imortalizar uma admi-nistração, S. Exc., de novo, inspira aos representantes dopovo a idéia de constituir-se uma sede para a universidade,que, com razão, reputa: "a matriz do ensino superior emnosso estado, monumento duradouro a atestar às geraçõespor vir o amor que os homens de hoje consagraram aosempreendimentos da cultura do espirito".

(...) A medida alvitrada pelo egrégio Sr. Antônio Carloscorresponde aos anseios do Legislativo, que também divi-sa o caminho seguro por onde Minas tem de marchar paraconseguir com firmeza a realização de seus altos destinos.

(...) Prova de que ele (o Presidente Antônio Carlos) desejasinceramente dotar Minas de uma universidade de Irerda-de e que será a primeira universidade brasileira, provadisso está em ter ele chamado para colaborador dessaobra esse grande espirito, esse excelso cidadão, que é Fran-cisco A-fendes Pimentel.

É bem possivel que Minas não possa, com os recursosordinários, realizar o que ela precisa, não só para suagrandeza, mas para grandeza também do Brasil. Eu mepermitiria, pois, pedir o adiamento da discussão, para 117

Page 62: Diálogo Com o Tempo

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DIALOGO COM O TEMPO

que houvesse tempo das duas ilustradas Comissões deFinanças e Instrução Pública estudarem o assunto.

o projeto foi aprovado sem debate e a Comissão deInstrução Pública considerou oportuno o aumento dos recur-sos financeiros para assegurar a implantação e o funcionamentoinicial da universidade.

Com o propósito de marcar historicamente o evento, An-tônio Carlos fez questão de sancionar, selar e fazer publicar aLei 926, "que cria a Universidade de Minas Gerais", no dia 7de setembro de 1927, data em que se comemoravam os 105anos da Independência do Brasil e o primeiro de seu mandatocomo presidente do Estado.

Pela referida lei, foram agrupadas, sob o comando da Uni-versidade de Minas Gerais, as Faculdades de Direito e de Me-dicina e as Escolas de Engenharia e de Odontologia e Farmá-cia, todas sediadas em Belo Horizonte. O Decreto 7921, de 22de setembro do mesmo ano, regulamentou o funcionamentoda nova instituição.

Memória preservada

Outra louvável postura do Legislativo mineiro foi o in-centivo à cultura e à preservação da memória de Minas,que teve seu marco inicial com a criação do Arquivo Públi-co Mineiro, em 1895. Sob inspiração do então senador JoséPedro Xavier da Veiga, que renunciou ao mandato para diri-gi-lo, a fundação do APM foi a primeira demonstração porparte de nossas elites de um justificado e louvável apreçopela história mineira.

Treze anos depois, em 1908, sob autoria do deputado Nel-son de Sena, entrou em discussão o projeto de criação doMuseu Mineiro. E, como se fosse nos dias atuais, seu autorsalientou a necessidade de apoio da iniciativa privada comogarantia de viabilidade do museu. Disse ele:

(...) Como quero crer, toda a Câmara desejará comigo quesurjam os benfeitores beneméritos a cooperar com oEstadona fundação do "Museu Mineiro", tanto quanto a própria

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

despesa de 30:000$00 com a fundação do museu talvezseja um pouco minorada.

Basta que o patriótico e benemérito Governo do Estadoconceda para a instalação do museu a casa que nestaCapital era ocupada pelo honrado e inviolável Secretáriodas Finanças, Dr.João Bráulio Junior, tanto quanto a outracasa destinada à residência oficial do Secretário do Inte-rior já teve nobilíssima aplicação. Nela está instalado oprimeiro grupo escolar de Belo Horizonte.

Nós, Sr. Presidente, que temos à frente do Governo doEstado um homem que. ao lado da competência e daclarividência de estadista, manuseia, compulsa, dia-riamente, no interior do seu gabinete, as páginas dahistória republicana e as legendas gloriosas de MinasGerais, um homem que, neste mesmo recinto, quando se

instalou o nosso Instituto Histórico, teve palavras domaior carinho para o relicário das nossas tradições queé Ouro Preto, cantando quase uma balada histórica so-bre Vila Rica, o Sr. Dr. João Pinheiro; nós que temos comoSecretário do Interior. um moço, o Sr. Carvalho Brito,cuja envergadura completa de estadista honrará as tra-dições de Minas no Brasil moderno.

No ano seguinte, a Comissão de Instrução Pública da Câ-mara dos Deputados apresentou parecer favorável à cria-ção do Museu Mineiro. Aprovado a 6 de novembro de 1909,o projeto foi imediatamente enviado ao Senado. De lá àsanção do presidente de Minas, que já não era João Pinhei-ro da Silva, falecido prematuramente em 1908, e simWenceslau Braz.

Diversos outros projetos de lei foram aprovados com opropósito de desenvolver a cultura no Estado. A título deexemplo, citamos o que foi votado a 12 de agosto de 1912,em que, homenageando a memória do escritor Bernardo Gui-marães, autorizava a publicação pela Imprensa Oficial de seulivro "A voz do pajé".

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DIALOGO COM O TEMPO

Crises e avanços dos anos vinte

A década de 1920 foi marcada por inúmeras crises, a maioriadelas indicativas da desestruturação do sistema políticooligárquico que vigorava no País desde o advento da República.

De um lado, ameaças de novo colapso nas exportações decafé começavam a abalar e estrutura econômica; de outro,crescentes reivindicações do movimento operário, que se or-ganizava desde a década anterior, e de segmentos da classemédia, representados principalmente pelo chamado movimentotenentista. Rebelados contra seus superiores, os tenentesextrapolaram os muros dos quartéis e se apropriaram de anseiose insatisfações de camadas da população urbana em movi-mento questionador da ordem vigente.

Minas não foi palco de manifestações do movimentotenentista, o que não impediu, contudo, que o mesmo fossedecididamente rechaçado pelos integrantes do Legislativo.Na sessão de 25 de julho de 1922, quando ainda repercutiamos abalos provocados pelo famoso levante do dia 5 daquelemesmo mês, por iniciativa do deputado Alfredo Sá, a Câma-ra apresentou moção de apoio ao presidente da República,Epitácio Pessoa:

Perdura em nosso espírito, forte e comovente como nas pri-meiras horas, a impressão deixada pelos fortes aconteci-mentos de 5 de julho, que tiveram por cenários a capitalda República e o remoto Estado de Mato Grosso. A malo-grada tentativa de subversão da ordem constitucional emnosso país, sacudindo em profundo abalo a alma do povobrasileiro, despertou também, em vibrações maravilhosasde patriotismo, o sentimento cívico da Pátria, comprovan-do que somos já uma democracia educada no regime daordem e da lei, infensas ao processo violento do caudilhis-mo e da anarquia.

(....) E 1'vlinas Gerais, onde vivemos como uma grandecolméia humana, trabalhando pela grandeza do Estado edo Brasil, não pede que lhe dêem senão os benefícios dapaz e as garantias do direito, para poder realizar suagrandiosa finalidade histórica no aproveitamento de tan-tas riquezas e de tantos elementos de prosperidade e deprogresso que lhe outorgou a mão dadivosa da natureza.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Em um povo assim, afeito ao labor e à paz, tendo comoúnicos anseios crescer e progredir, é fundo o sentimento derepulsa que lhe produzem as investidas da ambição e dodesrespeito, ainda mais quando revestem a forma de pro-nunciamentos de sublevações, que tanto perturbam eanarquizam a vida nacional.

Moção: O Congresso Legislativo de Minas Gerais, deposi-tário fiel do sentimento e da opinião política do povo mi-neiro, congratula-se com o Sr. DI'.Epitácio Pessoa, eminen-te Presidente da República, por ter julgado serena,enérgica e patrioticamente o movimento sedicioso de 5 dejulho, com que se pretendeu subverter a ordem constitu-cional em nosso país, e manifesta seus louvores e sua soli-dariedade pela coragem civica com que se conduziu nagrave emergência que ameaçou a República.

o sucessor de Epitácio Pessoa na Presidência da República,o mineiro Artur Bernardes, tentou, com certo êxito, debelar ascrises que herdara. Para garantir a governabilidade, teve queapelar, em boa parte de seu mandato, para o recurso constitu-cional do estado de sítio.

Eleito em meio a uma conjuntura tumultuada pelas rebeli-ões tenentistas, recebeu, como era de se esperar, apoio e soli-dariedade do Legislativo mineiro. Em discurso pronunciadona sessão de 23 de julho de 1923, o deputado Camilo Chavesrecapitulou os últimos acontecimentos e propôs moção desolidariedade ao novo presidente da República.

Sr. Presidente, um ano há que a Câmara dos Deputados deMinas Gerais manifestou-se a respeito de sua orientaçãopolítica em relaçâo à União, votando uma moção de soli-dariedade ao então Presidente da República, Dr. EpitácioPessoa, que, aureolado de prestígio de vitória, havia sufo-cado o levante militar de 5 de julho. Crise tão profunda eameaça tão séria às instituições, jamais a República ha-via experimentado.

(...) Não é demais afirmar, Sr. Presidente, que enorme par-te da opinião conservadora mineira, liderando as corren-tes nacionais, vem permitindo que o regime republicanomarche na proporção correlata à natural evolução do povobrasileiro. Entretanto, Sr. Presidente, nesse vão de inter-rupção dos trabalhos parlamentares, grandes aconteci-mentos assinalaram a vida constitucional do País. Ope- 121

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- ------------------------------- ..•----------------------------------------------

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DIALOGO COM O TEMPO

rou-se, segundo os preceitos constitucionais, a mutação doPresidente e dos Secretários de Minas Gerais; deu-se, a 15

de novembro, a posse do ExnlO. Sr. Dr. Artur Bernardescomo Presidente da República e, finalmente, vêm de seinstalar as duas Câmaras ao Congresso Mineiro, eleitasrecentemente para a nova Legislatura.

(...) É esta confiança, é esta solidariedade e este senti-mento de estima ao Sr. Dr. Artur Bemardes, Presidenteda República, que lhe dedica o povo mineiro, que euquero expressar na moção que apresento à Câmara dosDeputados, a cuja aprovação peço ao Sr. Presidentesubmetê-la.

Nasce o voto secreto

Se a década de 1920 foi marcada por crises de várias natu-rezas, foi também, e principalmente para o Estado de MinasGerais, momento privilegiado de avanços democráticos e deconquistas sociais e políticas.

A chegada de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada à Presi-dência do Estado, em 1926, representou a inauguração de umnovo estilo de governar, marcado por conquistas de há muitoreclamadas pela sociedade.

Para além das inúmeras realizações na área da adminis-tração pública e do pioneirismo no sistema educacional, oEstado de Minas Gerais também saiu à frente de outras uni-dades da Federação ao propor e implantar a reforma do sis-tema eleitoral.

Ao incluir em sua primeira mensagem ao Legislativo a pro-posta de reforma eleitoral instituindo o voto secreto, AntônioCarlos deu mostras de audácia política e sua atitude repercu-tiu em todo o País. Mas, como era de se esperar, antes de servotado e aprovado, tal projeto deu "pano para mangas", jáque contrariava interesses políticos sedimentados desde operíodo do Império. A 23 de julho de 1927 foi, finalmente,apresentado à consideração da Câmara pelo deputado CarlosCampos:

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

o Congresso Legislativo do Estado de Minas Gerais de-creta.

Art. 1° - As eleições de Presidente e Vice-Presidente doEstado, Deputados e Senadores, Vereadores às CâmarasMunicipais, membros dos conselhos deliberativos e juízesde paz se efetuarão, segundo a legislação vigente, com asalterações na presente lei.

Art. 2° - Fica instituido o voto secreto e cumulativo.

A defesa do projeto ficou, obviamente, por conta do depu-tado que o apresentou:

(...) Sr. Presidente, impelidos por condições naturais ehistóricas, os nossos maiores fundaram nossa naciona-lidade sobre a base do regime representativo, e esse re-

gime, em nossos dias, é condição necessária à existênciade todas as democracias modernas, de todos os povoscivilizados.

A chave, o instrumento do processo eleitoral, nós sabemos,é estritamente e essencialmente o voto - mas o voto livre,porque a liberdade, como disse Rui Barbosa, éconsubstanciaI ao voto.

r.. .) No Brasil, por várias vezes e sucessivamente, cuidou-se de diferentes processos eleitorais. Condições naturais ehistóricas, mas principalmente condições legais pertllr-baram a sua eficiência; o voto instituído nas diversas leiseleitorais não tem trazido a garantia necessária à sualiberdade, condição de sua vida e de sua eficiência. E porquê? - Porque como foi e tem sido instituído nas diversasleis, não oferece ao votante as garantias precisas à mani-festação de sua vontade livre, à altura do dever que vaicumprir por seu intermédio.

A liberdade do voto está no sigilo rigoroso do voto. Nãovejo, Sr. presidente, por isso mesmo, que argumentos deordem social ou moral possam ser evocados contra umsistema que nos venha dar a eficiência do voto dando-lhea liberdade, o seu único alimento vitalizador, a sua únicacondição existencial.

Para desqualificar insinuações de que o instituto do votosecreto não passava de uma cartada política do presidente doEstado, o deputado Caio Nelson fez o seguinte pronunciamentona sessão de 17 de agosto: 123

Page 65: Diálogo Com o Tempo

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Sr. Presidente. Votarei (e pudesse eu, o faria para todo o

nosso imenso e querido Brasil) pela adoção do voto secretoem Minas Gerais. Tenho pelo voto secreto toda uma velhae radicada simpatia. Despertada, nos meus tempos maisdistantes de Academia, uma grande campanha em prolda incorporação do voto secreto à legislação de toda agrande Pátria Brasileira, foi essa mesma jornada objetivoda mais fervorosa e constante e patriótica dedicação porparte de uma organização - verdadeira escola de civismoe abnegação, então existente em SP - que era a LigaNacionalista.

Destacarei agora, Sr. Presidente, os argumentos mais im-pressionantes opostos ao voto secreto pelos seus acirradosadversários. A nossa apregoada falta de educação cívicatem sido uma fonte inestancável para o combate ao esta-belecimento do voto secreto no Brasil. Segue-se, em linhade conta, o espantalho vergonhoso do analfabetismo brasi-leiro (quase a alegação da própria torpeza?), que tornariaabsolutamente ineficaz a medida, ora debatida, na Câma-ra, entre nós. É o próprio argumento que nos vem oferecera recíproca do que se quer, do que com ele se pretendeafirmar. Pois, não será menos exato concluir-se que nãoestamos preparados para gozar de um regime mais livre,mais democrático, mais altivo?

(...) Agridem-no como um esterilizante da energia do elei-tor, que, exercendo o seu direito de votar secretamente,estará consagrando "urbe et orbe" - a sua humilhante fran-queza; afirmo-o como um poderoso imunizante às influên-cias estranhas, às arbitrariedades constrangedoras domandonismo.

Aqui, terão a palavra vós outros, meus eminentes colegas,mais doutos e mais competentes que eu. E, dentre vós, anobre Comissão de Legislação e Justiça desta Câmara.Quanto a mim, aguardando o vosso avisado pronuncia-mento, permanecerei onde ficou o Sr. Rui Barbosa, porque,ficando sob o pálio da sua infinita autoridade, eu estou soba eterna luminosidade do direito e da justiça.

Aprovado, o projeto transformou-se na Lei 995, de 20 desetembro de 1927, "que institui o voto secreto e cumulativopara as eleições estaduais e municipais do Estado de MinasGerais".

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Mulheres nao votam

Por essa mesma época, já era aventada em vários Estados apossibilidade de estender o direito de voto às mulheres. Essaera a principal bandeira de luta do incipiente movimento fe-minista, que, mesmo contando com a simpatia de algumasautoridades, só foi conquistada após o movimento revolucio-nário de 1930.

Na sessão de 27 de agosto de 1927, o deputado FranciscoBadaró Júnior falou a seus pares do pioneirismo de três mulheresdo Norte de Minas na luta pelo voto feminino. No seu entender,tal fato devia constar dos anais do Congresso como testemunhodo arrojado desempenho dessas mulheres em prol da cidadania:

Sr. Presidente, traz-me à tribuna a prática de um ato derigorosa justiça. Venho concorrer para que se restabeleçaa verdade em torno de um fato que constitui alto subsídiopara a história do feminismo no Brasil e em Minas Gerais,especialmente.

Todos nós, Sr. Presidente, acompanhamos com grande sim-patia a campanha em favor da "mulher eleitor", hojeprestigiada pelo apoio oficial do Governador do Rio Gran-de do Norte, Sr. Juvenal Lamartine. Não desejo, Sr.Presidente, e para tanto me falta competência, abordar oestudo da interessante tese feminista. Quero, tão somente,que fique consignado nos anais do Congresso mineiro que,não só ao Rio Grande do Norte, mas a Minas Gerais, coubea iniciativa de se conceder o direito de cidadania à mulherbrasileira. Com efeito, na vigência da lei Rosa e SÍlva, nacidade de Minas Novas, e sendo Juiz de Direito o Dr.Francisco Coelho Duarte Badaró, requereram e obtiveramo título de eleitor três de minhas distintas conterrâneas:Alzira Etelvina Nogueira Reis, hoje médica pela Faculda-de de Medicina desta Capital; Clotilde Ferreira de Olivei-ra, professora em JacuÍ; e Cândida Maria Santos, professo-ra em Sacuriu. De posse dos títulos, concorreram elas a

alguns pleitos eleitorais, inclusive aquele de que resultoua vinda para esta Casa do Dr. João de Miranda França,hoje advogado no Rio.

Mais tarde, Sr. Presidente, interposto reCllrsopara a Juntade Revisão nesta Capital, foi o mesmo provido, resultando 125

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-

126

DIALOGO COM O TEMPO

daí a exclusão dos nomes dessas senhoras do livro de alis-tamento da Comarca. Não indago os motivos que levarama Junta a assim decidir, mas eles não terão sido muitodiferentes daqueles que adotou o Senado Federal não apu-rando os votos femininos dados ao Senador José Augusto.

Para Minas Novas, minha terra natal e um dos berços dacivilização mineira, para Minas Gerais, reivindico maisuma tradição liberal.

Façamos a revolução ...

De acordo com a tradição da Primeira República, no terceiroano de seus mandatos, os presidentes da República iniciavam oprocesso de consultas a parlamentares e governos estaduais, ten-do em vista a indicação do sucessor. A nova Câmara dos Deputa-dos instalara-se em maio de 1929, mas Washington Luís decidiuque só em setembro iniciaria as negociações do processo sucessório.

Apesar da concordância das lideranças políticas nacionais,não era segredo que, desde junho de 1928, João Neves daFontoura, líder da bancada gaúcha, José Bonifácio de Andrada,líder dos mineiros, e o secretário de Interior do Estado de Mi-nas Gerais, Francisco Campos, reuniam-se com relativafreqüência no Hotel Glória, no Rio de Janeiro.

Tais reuniões tinham objetivo claro: articular a sucessão deWashington Luís. Naquela fase preliminar, destacou-se tam-bém a figura do jornalista Assis Chateaubriand, que, desdemuito cedo, havia vaticinado o provável rompimento da aliançado "café-com-leite". Das articulações entre lideranças gaúchase mineiras ficou deliberado que, tanto Antônio Carlos quantoo presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas,dirigir-se-iam oficialmente ao presidente da República para darinício à discussão do processo sucessório.

Ao enviar, a 29 de julho de 1929, a carta ao presidenteWashington Luiz, Antônio Carlos deu prova definitiva de suaastúcia política. Abriu mão de sua própria candidatura paraindicar a de Getúlio Vargas. Era, no dizer de um contemporâ-neo, a "passagem do Rubicão".

i@C

'70 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

A resposta de Washington Luís foi evasiva: consultaria, antesde qualquer decisão, as forças políticas nacionais. Na verda-de, o que fez foi indicar aos Estados "não rebelados" o nomedo presidente de São Paulo, Júlio Prestes, como candidato àPresidência da República.

Dos 17 Estados consultados, apenas a ParaIba recusou a indica-ção. Com o resultado da "consulta", Washington Luís apresentouo nome de Júlio Prestes como candidato oficial do Palácio do Catete.Simultaneamente, o movimento de oposição se oficializou e a afir-mação "façamos a revolução antes que o povo a faça", atribuídaao presidente de Minas, deixou de ser apenas um mote. 37

Ouvidos moucos

Com a autoridade de quem participou ativamente dos

acontecimentos desencadeados a partir daquele

momento, Afonso Arinos de Melo Franco analisou assim a

Aliança Liberal.

"A Aliança Liberal não era um partido, mas a última

tentativa dos políticos para conter, dentro da órbita legal,

os recalques revolucionários que explodiam. Se

Washington Luís tivesse compreendido isso, teria aceitado

a conciliação que os dirigentes políticos da Aliança,

sempre temerosos das conseqüências de uma revolução

nacional, lhe ofereceram reiteradas vezes. Mas o

presidente, homem de inegáveis qualidades e honrado,

não tinha a compreensão larga nem a habilidade

indispensável ao exercício das suas graves

responsabilidades.

De um otimismo voluntarioso e cego, inteiramente

convencido de sua força, preocupado com a própria

situação em São Paulo, fez ouvidos moucos aos clamores

dos exaltados e às advertências dos moderados. Marchou

resolutamente para o fim, que enfrentou com digna

galhardia, mas que liquidou a Primeira República,

lançando o Brasil na confusão." 38

37 A bibliografia sobre as crises dos anos 20, Aliança IJberal e Revolução de 1930 é muito vasta. Parao c~~ específico da participação de Minas Gerais naquela conjuntura, ver entre outros: FARIA, MariaAU~Iadora de e PEREIRA. IJgia Maria Leite. Presidente Antônio Carlos - um Andrada da República,arqUIteto da Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.38 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Um estadista da República. op. cil. p.989. 127

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L

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Legislativo solidário

Tanto a carta enviada por Antônio Carlos a Washington Luizquanto a relevante participação de Minas Gerais no movimentoda Aliança Liberal receberam irrestrito apoio do Legislativomineiro. Para oficializar tal apoio, o deputado João Beraldosugeriu, na sessão de 25 de agosto de 1929, moção de solida-riedade da Câmara ao presidente do Estado e a justificou, sobcaloroso apoio de seus colegas:

A reafirmação desta solidariedade, que o povo mineiroacaba de trazer ao nosso emérito Presidente, diretamente,ou por seus representantes, nós a faremos, neste momentohistórico, votando, com entusiasmo e cheios de fé nos altosdestinos da República e na inabalável confiança na vitó-ria dos princípios democráticos, e com olhos fitos na gran-deza do ideal que nos irmana e conduz, a moção que orasubmeto ao julgamento desta Câmara.

Moção: A Câmara dos Deputados ao Congresso Mineiro,reunida em sua primeira sessão, após a eleição de suascomissões permanentes, vem afirmar a sua inequívoca so-lidariedade política e os seus mais vivos aplausos à

desassombrada atitude assumida pelos Exmo. Sr. Dr. An-tônio Carlos Ribeiro de Andrada, preclaro Presidente doEstado de Minas Gerais, diante o problema da sucessãopresidencial da República, tomando a iniciativa da indi-cação dos nomes dos ilustres brasileiros, Dr. Getlílio \'ÓIEas,Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, e Dr.João Pes-soa, Presidente do Estado da Paraíba, para candidatos daAliança Liberal aos altos postos de Presidente e Vice-Presidente da República no futuro quadriênio de 1930-1934.

o presidente da Casa nomeou, imediatamente, uma comis-são composta pelos deputados João Henrique, Domingos deRezende, Celso Machado, Euzébio de Brito e Armando Brasilpara dar parecer sobre a moção e suspendeu a sessão por 10minutos. Reabertos os trabalhos, o deputado João Henriquefez longo pronunciamento, interrompido várias vezes poraplausos e felicitações dos colegas:

(...) A comissão é de parecer e requer que a referida moçãoseja aprovada e o faz, não apenas porque em sua mensa-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

gem haja o ilustre Sr. Antônio Carlos, em um gesto defidalguia, pedido o pronunciamento desta Casa, mas tam-bém de acordo com o que disse nosso ilustre colega JoãoReraldo, quando a apresentou à nossa consideração, quese impunha pela necessidade de todos, em conjunto,externarmos nosso apoio à altiva e patriótica atitude doSr.Antônio Carlos. Achou a comissão que deveria concluirfavoravelmente e vai dizer por quê.

Examinando-se a atitude de S. Exc. à luz do critériosociológico, ressalta aos olhos que ela não é umadeliberação individual de um Chefe de Governo, mas opróprio reflexo da alma mineira.

A atitude de S. Exc. é uma resultante natural dodeterminismo de nossa evolução político-social. (Muitobem!) A gente de Minas falou pela boca do Sr. AntônioCarlos.

Apressando uma evolução liberal que já se lrinha fazendoatravés de nossa história, S. Exc. fez em Minas uma l'erda-deira rel'olução civil com a implantação do voto secreto,donde resultou o fortalecimento dos direitos individuais e,ao mesmo tempo, o fortalecimento da autoridade consti-tuída. Praticamos o "sub lege libertas".

Essa renascença do espírito cÍlrico dos brasileiros não po-deria, como não pode, pactuar com a escolha de um can-didato à Presidência da República feita, não à luzmeridiana da opinião pública, mas em conciliá bulas do-mésticos. (1'vluitobem! Muito bem!) Os liberais, todal'ia,embora não aceitassem a candidatura do ilustre Júlio Pres-tes, deixaram ao Dr. Washington Luís a incumbência del'etá-la. Foi o Sr. Washington Luís, Srs., quem vetou a can-didatura Júlio Prestes, exigindo do seu correligionário mé-todos de política reacionária, como aqueles empregadosem Piracicaba, e querendo impô-la ao País num gesto del'erdadeira provocação às consciências patrióticas.

Nenhuma deturpação do regime pode ser mais odiosa doque impor ao Presidente da República o seu sucessor, o quesignificaria engolfar-se o País no pior dos absolutismos.Contra essa pretensão do Sr. Washington Luis e em defesado regime é que vai a Aliança Liberal abalançar-se, comcoragem e fé, a uma verdadeira campanha cívica. Não apreocupam nem nomes, nem regionalismos. Não passa de 129

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DIÁLOGO COM O TEMPO

intriga o que nossos adversários pretendem fazer crer quan-do afirmam que se esteja promovendo combate disfarçadoao Estado de São Paulo.

Nós, mineiros, vizinhos, irmãos e amigos daquele grandeEstado, que admiramos a capacidade de trabalhar de seusfilhos; que nos envaidecemos do seu surto de progresso,não poderíamos entrar jamais numa campanha caso fosseela feita para combater os interesses desses nossos irmãos.

(...) Ora, paraibanos, gaúchos e mineiros não precisavam,dentro do ponto de vista regional, de empreender estacampanha, que nos levará a rumos desconhecidos, para adefesa de direitos políticos, direitos que eles, dentro deseus Estados, gozam em sua plenitude. Mas essa campanha,fazemo-la para integrar a República em si mesma; fazemo-la para pôr embargos à usurpação que o atual PresidenteWashington Luís quer fazer do mais alto direito do povo,qual o de escolher o seu dirigente.

A Revolução de 1930

Depois da eleição de Júlio Prestes, sabidamente fraudulen-ta, e do assassinato de João Pessoa, a 23 de julho de 1930, orecurso às armas, antes apenas uma hipótese, passou a ser"exigência da população brasileira", conforme os líderes daAliança Liberal.

A despeito de ter sido assassinado por motivos passionais,João Pessoa foi transformado em herói da Pátria. Seu corpofoi embalsamado e, depois de velado em Recife, transferidopara o Rio de Janeiro, onde recebeu grandiosas homenagens efoi enterrado.

Em sua última mensagem ao Legislativo mineiro, a 3 deagosto, Antônio Carlos acrescentou um adendo dando o tomde que careciam os revolucionários para deslanchar o movi-mento. A mensagem foi lida, como de costume, em reuniãoconjunta da Câmara e do Senado, realizada a 7 de agosto. Odeputado João Beraldo pronunciou, na ocasião, um longo dis-curso de apoio a Antônio Carlos, à Aliança Liberal, e a Olegário

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Maciel, que tomaria posse no cargo de presidente de MinasGerais no dia 7 de setembro vindouro.

Ode a João Pessoa

Na sessão de 11 de agosto, data do enterro de João

Pessoa, o Deputado, poeta e escritor Abgar Renault

apresentou, em nome do Legislativo mineiro, votos de

pesar à família do morto e ao povo da Paraíba. Eis alguns

trechos de seu longo discurso:

"Nunca me foi dado sentir tão fundamente a indigência e

a vacuidade da minha palavra como agora, ao tentar fixar

os traços substanciais que notabilizaram e enobreceram,

transfundindo-Ihe uma centelha de imortalidade, o vulto

dominador e heróico de João Pessoa Cavalcanti de

Albuquerque.

(...) O assassínio do Presidente João Pessoa assumiu

verdadeiramente o aspecto de uma desgraça coletiva, que

golpeou, a fundo, a nossa cultura e a nossa civilização.

(...) o momento não é para recriminações. Não é possível,

porém, isolar o desaparecimento de João Pessoa do

ambiente de arbítrio desponderado, de ilegalidade cega,

de violência e de irresponsabilidade em que vivemos. O

assassínio de João Pessoa foi uma resultante trágica desse

ambiente., Posta à margem a feição sentimental desse

acontecimento, há nele uma impressionante advertência

de ordem geral.

(...) A tradição recolherá piedosamente o nome de João

Pessoa e enternecida mente o conservará para sempre,

como um signo. Signo de força e de fé, de incitamento e

de confiança, de vontade e de bravura, de grandeza e de

heroísmo. Signo profundo e augurai, apto a realizar o

milagre inaudito de purificar e de redimir, pelos exemplos

múltiplos que envolvem, os homens a que o nosso povo

ingenuamente se entrega, e a orientar, no sentido da

verticalidade, a sabedoria imanente dos nossos destinos.

Termino requerendo a V Ex., Sr. Presidente, consulte a

Casa se concede que, em homenagem à memória do

ilustre morto, suspenda-se a sessão, dando-se 131

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DIALOGO COM O TEMPO

conhecimento à família e ao Governo do Estado da

Paraíba. "

É aprovado o requerimento e suspende-se a sessão.

Em meio às idas e vindas, telegramas, reuniões e principal-mente rumores, o início do movimento revolucionário che-gou a ser marcado para 26 de agosto, depois para 7 de setem-bro e, finalmente, para o dia 3 de outubro às 5 horas da tarde.

Apesar dos parcos recursos financeiros do Estado, a ForçaPública de Minas Gerais organizou diversos batalhões e partiupara a luta contra as forças federais. De seu lado, os membrosdo Legislativo acompanhavam com entusiasmo os episódiosmilitares, vibrando de emoção a cada vitória dos revolucioná-rios. A 9 de outubro, por exemplo, o deputado João Beraldoafirmou da tribuna:

Sr. Presidente, indescritível foi o júbilo dos nossos compa-triotas pelo notável feito de armas que assinalou o dia deontem, marcando a vitória das nossas forças de combate.

A rendição do corpo de Exército estacionado nesta Capi-tal, cuja fortaleza foi bravamente defendida pela guarni-ção, empolgou o espírito público diante da intrepidez e

do heroísmo do soldado mineiro que a fez ruir ao Ímpetoda sua coragem e da sua bravura. Durante os dias daluta heróica, a temida força de Minas, os nossos valentessoldados pelejaram, ardorosamente, pela causa da san-ta liberdade. E, na vibração do entusiasmo incontido quese apoderou do povo mineiro, contemplamos a epopéiado triunfo. "Le jour de glorie est arrivé". (...) Cimentemosassim, em nossos anais, a glória imarcesCÍvel dos defen-sores da liberdade mineira.

Na seqüência, o deputado Eurico Dutra lembrou-se dossoldados e oficiais mortos em batalha, "pugnando pelos ideaisda Pátria", e sugeriu que o Legislativo os homenageasse. Asugestão foi veementemente aceita.

Na sessão do dia seguinte, 10 de outubro, foi a vez de odeputado Antero Ruas ir à tribuna para enaltecer os sentimen-tos patrióticos dos mineiros e prestar homenagens aos com-batentes. Disse ele:

Sr. Presidente, Srs. Deputados. Nunca a vida republicanafoi tão profundamente abalada como agora, por este tufão

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

de sadio patriotismo e de tão enérgicas virtudes civicasque, despertando todas as consciências da nacionalida-de, guiou a Pátria brasileira para as gloriosas etapas dasreivindicações do direito. da justiça e das liberdades doscidadãos. E esse sopro, podemos dizer com orgulho, partiudas serranias iluminadas e gloriosas de Minas Gerais,desta terra de liberdade, da terra de Tiradentes e Felipedos Santos.

(...) Sr. Presidente, sinto que o Congresso mineiro tem umdever sagrado a cumprir: é o delTerde levar suas homena-gens ao comandante das nossas forças, o Cel. AristarchoPessoa, em cujas veias corre o mesmo sangue rubro doheroísmo do grande Presidente João Pessoa, e cuja espada,nesta hora, rebrilha dos clarões da nossa glória, Íluminan-do todos os quadrantes da Terra de Santa Cruz. E também,aos gloriosos aviadores patrícios, heróis que não vacilaramum instante em adesão à causa da revolução, à causa daliberdade, e que, rasgando o azul dos nossos céus, trouxe-ram a nós o conforto do seu valor e de sua dedicação.

Por igual, Srs. Deputados, nossas homenagens devem serestendidas a essa parte heróica do nosso glorioso Exército,que acaba de nos dar sua adesão, pronta a morrer, a der-ramar seu sangue em prol desses prinCÍpios democráticospor que tão denodadamente nos batemos. A eles, fundado-res da República, e, hoje, conosco, seus libertadores, as

grandes homenagens do povo mineiro.

Vitória e decepção com Vargas

A 14 de outubro a vitória do movimento revolucionário jáera garantida e as tropas militares já se preparavam para deporWashington Luís e empossar Getúlio Vargas no cargo de presi-dente da República. Em Minas, o entusiasmo era grande e odeputado Celso Machado o traduziu da tribuna da Câmara:

Sr. Presidente, Minas Gerais, que está na linha de frente,combatendo com denodo. com heroísmo e com inexcedívelentusiasmo pela Federação dos 30 milhões de brasileiros, 133

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DIÁLOGO COM O TEMPO

sente que o sangue de seus filhos, derramado nos camposde batalha, vai regar a terra generosa, que nunca mediusacrificios nas grandes horas da nacionalidade, para queas idéias liberais, nascidas no espírito do povo, possamaqui dentro, como além fronteiras, ser implantadas defini-tivamente nos governos da Federação.

Do alto de nossas montanhas, de onde partiu a palavra deconvocação para essa cruzada redentora, o povo mineiromarca, na história do Brasil, com letras de ouro, páginas defulgor admirável pelos exemplos de estoicismo, de abnega-ção e de bravura. Ainda ontem, à tarde, no momento dapartida para a linha de frente da valorosa Coluna SiqueiraCampos, composta, na sua maioria, dos mais distintos jovensdesta Capital, um destes despedindo-se de V.Ex., Sr. Presidente,com lágrimas nos olhos, lágrimas de emoção cívica, lágrimasde entusiasmo patriótico, lágrimas que refletem o seu amor àRepública, assim disse: vou partir e tenho certeza de quevoltarei com a vitória.

Sr. Presidente, agora que esta Câmara está nas suas der-radeiras horas de funcionamento na atual sessãolegislativa, formulemos, os representantes do povo mi-neiro, os mais ardentes e fervorosos votos pela vitóriafinal da grande revolução redentora, para que a Pátriavolte sem demora ao regime da lei e do direito, implan-tando no território brasileiro o império da justiça, para apaz e felicidade da nação.

Por feliz coincidência, o final daquela legislatura assinala-va também a vitória do movimento revolucionário de 1930.Contudo, ao encerrar aquela etapa dos trabalhos, deputados esenadores não imaginavam os tumultos que estavam por vir.Certamente não supunham, nem de longe, as tendências auto-ritárias de Getúlio Vargas, que fechou o Poder Legislativo emtodas as instâncias e só o convocou para uma AssembléiaConstituinte depois da insurreição dos paulistas, em 1932. Mas,por ora, ainda era tempo de comemorar a vitória da revolução,conforme o fez o deputado Adolfo Viana, a 17 de outubro,última sessão daquela histórica legislatura:

r.. .) Nesta terra de Minas Gerais, há 15 dias, Sr. Presidente,que, de emoção em emoção, de estremecimento em estre-mecimento, toda a alma nacional a cada momento seexulta, vibra, delira e transborda de entusiasmo de mais

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

um feito novo e heróico, que, enobrecendo as nossas almas,assinala a vencida de mais uma etapa gloriosa na estradapalmilhada para o restabelecimento da legalidade e paraa restituição definitiva da nacionalidade da posse de simesma.

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A nova ordem sem o Legislativo

A revolução de outubro de 1930 resultou no fechamentodos órgãos legislativos em todo o Brasil, por meio do decretode 11 de novembro, que instituiu o Governo Provisório, sob achefia de Getúlio Vargas, e em seu primeiro artigo anunciava:

o Governo Provisório exercerá discricionariamente, emtoda sua plenitude, as funções e atribuições, não só doPoder Executivo, como também do Poder Legislativo, atéque, eleita a Assembléia Constituinte, estabeleça esta areorganização constitucional do País.

o artigo 2° decretava a dissolução do Congresso Nacionale de todos os órgãos legislativos dos Estados e Municípios.Especificamente quanto aos Estados, o artigo 11 estabelecia:

oGovernoProvisórionomeQlú um interventorfedeml para cadaEstado, salvo para aqueles já organízados, nos quais ficarão osrespectivospresidentes investidosdospoderes aqui mencionados.

Ao interventor cabia "exercer, em toda plenitude, não só oPoder Executivo, como também o Poder Legislativo". Ele seriao representante do Governo Provisório em seu Estado, poden-do ser exonerado a critério do mesmo.

O decreto dava aos interventores poder para nomear osprefeitos dos Municípios e a estes a prerrogativa de exercertodas as funções executivas e legislativas locais. Osinterventores podiam substituir os prefeitos quando achassemnecessário e revogar ou modificar os seus atos.

O governo do Estado de Minas Gerais, no entanto, ficou livreda interferência direta do Governo Provisório, pois, tendo toma-do parte influente na revolução, se enquadrava na categoria dos"Estados já organizados". A rigor, apenas em Minas as forçaspolíticas tradicionais mantiveram as rédeas do poder naquelaconjuntura de instabilidade. Assim, o presidente Olegário Maciel,que se empossara um mês antes do início dos combates, conti-nuou no cargo, agora investido dos Poderes Executivo eLegislativo a que aludia o decreto de 11 de novembro.

Tratava-se de uma fórmula acentuadamente centralizadora,que tinha o objetivo de criar condições para as medidas que oGoverno Provisório devia implantar em nome da revolução.Com a dissolução do Congresso Nacional e das demais casas 139

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DIALOGO COM O TEMPO

legislativas, os políticos ficaram em compasso de espera. Sa-biam que o movimento armado não se destinara apenas a der-rubar um governo prepotente, mas significava o fim do pri-meiro regime republicano no Brasil. Uma nova ordem estavapara se construir - como previa o decreto revolucionário, aomencionar a realização de uma futura Assembléia Constituin-te. Nesse caso, havia a expectativa de uma transição relativa-mente breve, a ser concluída com a nova Constituição.

A transição, no entanto, foi longa. O Governo Provisórioestendeu-se até 1934, e o Legislativo mineiro só foi reabertono ano seguinte. Nesse meio tempo, disputas ferrenhas noâmbito das forças vitoriosas em 1930 contribuíram para pro-longar a ditadura do Governo Provisório. Se a maioria dos lí-deres políticos desejava voltar logo à rotina das eleições e dasinstituições representativas para recuperar seus espaçoshabituais de atuação, os militares - sobretudo os "tenentes" -expressavam, na outra ponta, a intenção de protelar a convo-cação da Constituinte, para que o Governo Provisório tivessemais tempo de introduzir mudanças que, em boa medida, vi-savam justamente a enfraquecer as poderosas oligarquias re-gionais da República Velha.

De início, os "tenentes" ocuparam o primeiro plano, contan-do com o suporte de civis identificados com suas idéias. Emquase todos os Estados, os primeiros interventores foram mili-tares ou expoentes civis do tenentismo, o que provocou a insa-tisfação das chefias políticas locais. Equilibrando-se entre aspressões cruzadas dos dois segmentos, Getúlio Vargas decre-tou, em agosto de 1931, o chamado Código dos Interventores,que regulava a jurisdição desses mandatários e estabeleciacritérios para a sua atuação conforme a orientação centralizadorada Segunda República, que restringia claramente a margem deautonomia estadual.

Uma das medidas principais do código era a criação, emcada Estado, de um Conselho Consultivo, para assessorar orespectivo governante. Compunha-se de cinco ou mais mem-bros, nomeados pelo próprio chefe do Governo Provisório,por proposta do interventor. O Conselho Consultivo substi-tuía de certo modo o Poder Legislativo, na medida em que lheincumbia opinar previamente sobre matérias tão cruciais quan-to o orçamento, a criação e isenção de impostos, a contrataçãode empréstimos, a política de pessoal e as concessões de ser-viços, de minas e terras públicas.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Afinal, a 24 de fevereiro de 1932, foi decretado o novoCódigo Eleitoral, que representava o primeiro passo para a res-tauração do regime constitucional. Esse ato foi um dos frutosmais importantes da Revolução de 1930, concretizando o lema"Representação e Justiça", da Aliança Liberal. Com o CódigoEleitoral instituía-se, na legislação brasileira, o voto secreto,já aprovado em Minas, o voto feminino, a Justiça Eleitoral e arepresentação de classes, sendo esta última um reflexo dasidéias corporativistas então em voga.

Em maio de 1932, novo decreto marcou a data da eleiçãopara a Constituinte Federal para maio do ano seguinte, e foidesignada uma comissão de juristas para elaborar o anteprojetoda nova Carta. Essa comissão não foi instalada de imediato,pois, a 9 de julho, irrompeu a guerra civil em São Paulo, e sóno fim do ano o anteprojeto começou a ser discutido.

A revanche paulista

A insurreição paulista, que durou até o início de outubrode 1932, não se estendeu às outras partes do Brasil. Sob abandeira da normalização constitucional, sua perspectiva erarestauradora: restabelecer temporariamente a Constituição de1891, substituir Getúlio Vargas e o Governo Provisório poruma junta de representantes dos principais Estados e encami-nhar a elaboração da nova Constituição. Apesar da simpatiaque pudesse despertar sua bandeira constitucionalista, o fatoé que o processo de normalização já estava em curso com oCódigo Eleitoral, de modo que a revolta não disfarçava certotom de revanche dos paulistas por haverem perdido ahegemonia de que dispunham durante a República Velha. Eraum ataque frontal ao Governo Provisório e, sobretudo, aotenentismo, cuja interferência as elites paulistas jamais absor-veram de bom grado.

Após tentativa apaziguadora de Olegário Maciel, o gover-no mineiro apoiou Vargas, inclusive militarmente, quando arevolta irrompeu. Essa tomada de posição reiterava o com-promisso de Minas com a Revolução de 1930 e, ao mesmotempo, demarcava uma estratégia pragmática das elites mi- 141

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DIALOGO COM O TEMPO

neiras diante do novo quadro político do Brasil, que não lhesera tão favorável quanto o da época do "café-com-leite". Aoinvés de remar contra a corrente, como os paulistas, os minei-ros procuraram se articular ativamente com o poder central,para aumentar sua influência no cenário nacional.

A guerra civil de 1932 deu margem a uma colaboraçãoque interessava aos dois lados e por isso continuou nos anosseguintes. Para o governo federal, o apoio de Minas ajudava acontrabalançar o autonomismo de São Paulo e do Rio Grandedo Sul. De sua parte, as elites mineiras esperavam com issoobter vantagens para elas mesmas e para a região. Como es-creveu o historiador John Wirth, a tradicional capacidade dosmineiros de se unirem internamente assegurou-lhes novamenteinfluência nacional, "mas em condições que fizeram de Minasum cliente político de Vargas, muito antes de o sistema fede-ral ser abolido, em 1937".39 O que se buscou então foi situaro Estado como cliente privilegiado, tendo em vista o seu pesopolítico e o prestígio de suas lideranças.

A reciclagem das elites

Com a perspectiva das eleições, o meio político se reani-mou em torno da organização dos partidos e das chapas decandidatos à Constituinte Federal.

O sistema vigente era ainda o de partidos estaduais, mode-lo herdado da Primeira República, mas com uma novidadeimportante: em lugar do partido único, surgiram váriasagremiações, caracterizando um quadro de diferenciação par-tidária e de maior pluralidade de representação de interesses.

Vitoriosa a Revolução em 1930, o Partido Republicano Mi-neiro parecia firme num primeiro momento, em virtude dasua contribuição para o êxito do movimento. A situação, po-rém, era instável, diante das pressões antioligárquicas que sedesencadearam no âmbito das forças vitoriosas. Houve certarenovação de lideranças, pela qual quadros jovens, embora

39 John D. Wirth. oFiel da Balança: Minas Gemis no Fedemção Bmsileim (1889-1937). Rio deJaneiro: Editora Paz e Terra, 1982, p. 154-155.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

em geral oriundos de famílias tradicionais na política, subi-ram aos escalões superiores do governo estadual. Como otenentismo tinha pouca penetração em Minas, foi desse seg-mento jovem que partiu a ofensiva para enquadrar a políticamineira nos marcos da revolução. Isso significava, antes detudo, desmontar a máquina do PRM. Assim, já no começo de1931, fundou-se a Legião de Outubro, articulada por FranciscoCampos, ministro da Educação, Gustavo Capanema e AmaroLanari, secretários do governo Olegário Maciel. Com a adesãode Maciel, a legião logrou atrair a maioria dos diretórios muni-cipais do PRM. O velho partido, no entanto, não sucumbiu. Aele se conservaram fiéis diversos líderes, sob a chefia de ArturBernardes.

Bernardes esteve, desde o começo, na mira dos renovadores,por encarnar, mais do que qualquer outro, o estilo do velho regi-me. Simbolizava a resistência ao tenentismo e a defesa da ordemrepublicana, marcas de seu comportamento ortodoxo quandopresidente da República. O esforço para preservar o PRM erauma reiteração dessa perspectiva, que não se conciliava com asidéias de reforma política dos "tenentes" e seus aliados civis. ALegião de Outubro, por sua vez, surgiu na esteira de tais idéias.Seria difícil, porém, atribuir-lhe sentido efetivamente renovador,uma vez que os "legionários" eram os mesmos homens da redeoligárquica, agora vestidos de uniforme, como era moda nos anos1930. Novo rótulo em velha garrafa.

Um ano depois, foi negociado um acordo entre o PRM e alegião, pelo qual eles se fundiram em uma frente denominadaPartido Social Nacionalista. A união foi efêmera. Eclodindo ainsurreição de São Paulo, Bernardes e seu grupo apoiaram acausa paulista. Com a derrota, foram cassados e exilados. JáOlegário Maciel e o restante da elite mineira, ficando do ladodo governo federal, fortaleceram-se na fase subseqüente.

Para consolidar essa posição, foi fundada uma novaagremiação, o Partido Progressista, constituído como partidosituacionista, aglutinador das bases políticas locais em tornodo governo estadual, e como instrumento de acomodação des-se conjunto no quadro pós-revolucionário. Distinguia-se, nes-se sentido, do PRM nostálgico do velho regime. Por outro lado,embora criado com a mesma finalidade da malograda Legiãode Outubro, dela se distinguia visivelmente, porque nada tinhade exótico: era um partido de feição tradicional, cujo programa- assinala Helena Bomeny - apresentava características 143

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oligárquicas e regionalistas que o aproximavam ideologica-mente do PRM. 40

O PP seria uma espécie de PRM ajustado à realidade deMinas e do Brasil depois de 1930, ou melhor, depois de 1932- uma vez que a derrota dos paulistas resultou, paradoxal-mente, no enfraquecimento do tenentismo e na gradual res-tauração do poder das elites regionais.

Acordo de gerações

A elite governamental mineira se mostrava nesse momen-to como uma soma de gerações. Na direção do PP figuravampolíticos maduros que haviam feito carreira na República Velha,dos quais o mais influente era Antônio Carlos, presidente dopartido e seu líder maior no plano nacional. Havia tambémuma geração intermediária, surgida ao longo da década de 1920.E, finalmente, um grupo jovem, com pouca ou nenhuma ligaçãocom o regime anterior, que teve no PP o seu canal de ingressoem funções eletivas. Deste último grupo fizeram parte, comodeputados federais nos anos de 1930, Pedro Aleixo, JuscelinoKubitschek, Gabriel Passos, Francisco Negrão de Lima e JoséMaria Alkmim. Entre os deputados estaduais eleitos pelo PPestavam Milton Campos, Bilac Pinto e José Bonifácio. E aindanomes como o de Gustavo Capanema, vice-presidente dopartido, que atuava no Executivo - primeiro como secretáriodo governo de Olegário Maciel, depois como ministro daEducação.

O PRM, por seu turno, não se limitou ao velho esquema.Empurrado para a oposição, atraiu não só os políticos descon-tentes, mas também uma nova safra de militantes - estudan-tes, profissionais liberais - que ajudaram a revitalizá-Io. O tra-ço de união de setores tão díspares era a defesa da autonomiaestadual contra o centralismo do novo regime. Com Bernardesno exílio e outros líderes afastados, o partido foi reconstruídoem Belo Horizonte pelos novos membros.

40 ~elena M. B. Bomeny. '~Estratégia da Conciliação: Minas Gerais e a abertura política dos anos 3D".In Angela Maria de Castro Gomes lorg.]. Regionalismo e centralização política; partidos e Constitu-inte nos anos 30. Rio de janeiro: Nova Fronteira. 1980, p. 169.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Paulo Pinheiro Chagas relata em suas memórias a intensaatividade que ele e seus companheiros desenvolveram nodiretório da Capital, inclusive a implantação de comitês debairro, uma novidade para a épocaY Em 1933, no pleito paraa Constituinte Federal, o PRM elegeu apenas seis representan-tes, contra 31 do PP. Já em 1934, na eleição para a Câmara dosDeputados, sua quota se elevou a 11 deputados, declinando oPP para 27. Nesse último ano, a vitória do PRM em BeloHorizonte, assim como em Juiz de Fora e outros centrosimportantes, estabeleceu certos limites ao predomínio dopartido oficial, que, como sempre, obteve votação esmagado-ra nos pequenos municípios.

Novos e efêmeros partidos

Observa-se que o eixo PP-PRM, precisamente pelo poten-cial de reciclagem que demonstrou, foi capaz de confinar nosseus marcos o processo político-eleitoral pós-1930 em Minas.Outros partidos também se registraram, mas nenhum deles su-perou 1% dos votos em 1934. O que exibiu maior fôlego foi aAção Integralista, que chegou a ter muitos núcleos municipaisem Minas e uma imprensa partidária atuante, com diversos pe-riódicos. Os integralistas progrediram no pleito municipal de1936, elegendo vereadores no interior e até um prefeito.

O Partido Trabalhista Mineiro, criado em 1933, não tevemaior relevo. Desejava plantar a base para um futuro partidotrabalhista nacional, assim como fazer frente às organizaçõesfascistas. Do lado empresarial, surgiu o Partido Economista,organizado em vários Estados, que reuniu em Minas os princi-pais dirigentes da classe e disputou com chapa própria para aConstituinte Federal sem eleger qualquer candidato, dissol-vendo-se em seguida. Seu propósito era mais o de mobilizaras "classes produtoras" e levá-las a ocupar espaço em mo-mento crucial- quando saíam as regras de sindicalização paraos empresários - do que o de entrar para valer no jogo partidá-

41 Paulo Pinheiro Chagas. Esse Velho Vento da Aventura. a; memórias. Rio de janeiro: josé Olympio,1977. p. 217-224. 145

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DIALOGO COM O TEMPO

rio. O empresariado mineiro, na verdade, fez-se representarna Constituinte Federal por três dirigentes de peso: EuvaldoLodi, deputado classista dos empregadores, João Pinheiro Filho,diretor da Federação das Indústrias, e João Jacques Montandon,presidente da Sociedade Mineira da Agricultura, os dois últimosintegrantes da Bancada do PP.

O aparecimento de tais agremiações era sinal de novos tem-pos - tempos de conflito aberto de interesses e de excitaçãoideológica, que punham na defensiva a elite tradicional. Masessa foi flexível o suficiente para manejar a situação e, nessesentido, o esquema bipartidário se mostrou bastante eficaz.Além disso, era absoluto o predomínio do PP, o partido oficial.

o velho e o novo na Constituinte de 35

Eleita em maio de 1933, a Assembléia Constituinte Federal foiinstalada em novembro, concluindo seus trabalhos a 16 de julhode 1934, quando foi promulgada a nova Constituição do Brasil.No dia seguinte, Getúlio Vargas foi eleito presidente constitucio-nal para um mandato de quatro anos, nos termos da mesma Carta.

Essa também previa a reorganização política dos Estados-Membros por meio das respectivas Assembléias Constituintes, aserem eleitas no prazo de três meses. Assim, a 14 de outubro de1934 ocorreu o pleito para a Constituinte mineira, ao qual concor-reram os diversos partidos registrados no Estado. Finalmente, a 3de abril de 1935, foi instalada a Constituinte, composta de 48deputados - 34 do Partido Progressista e 14 do Partido Republicano.

A composição da Assembléia expressava bem a combina-ção entre velhos e novos personagens que marcou a décadade 1930. Dos 48 membros, 25 haviam ocupado cargos noLegislativo ou no Executivo durante a Primeira República e23 só os exerceram depois da revolução. Dos que já atuavamantes de 1930, a grande maioria - 18 - servira apenas em fun-ções municipais (vereador, juiz de paz ou prefeito), três havi-am atingido posições na esfera estadual e outros três haviampassado pela Câmara Federal. A proporção dos parlamentaresque estreou depois de 1930 era a mesma no PP e no PRM,cerca de 40% das respectivas bancadas.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

A investidura dos parlamentares em 1935 já guardava umaimportante novidade. Em virtude da recente instituição da JustiçaEleitoral, a responsabilidade pelas eleições foi transferida do PoderLegislativo para o Poder Judiciário. Este passou a apurar os votos ediplomar os candidatos eleitos. Foi abolido, portanto, o ritual deverificação de poderes, característico da Primeira República, peloqual, no início da legislatura, os órgãos legislativos examinavam ejulgavam a validade dos mandatos dos respectivos membros. Esseprocedimento dera margem a inúmeras manobras, em todos osníveis de poder, a começar do Congresso Nacional; basta lembrara incrível "degola" da bancada mineira em 1930, como retaliaçãodas forças governistas à campanha da Aliança Liberal.

Surge a controvérsia

Uma vez empossada, a primeira incumbência da Assem-bléia era essencialmente política: eleger o governador do Es-tado. A exemplo do que ocorreu na órbita federal, foi escolhi-do para o cargo o próprio interventor, Benedito Valadares, quegovernava Minas desde dezembro de 1933. Valadares haviasido uma opção pessoal de Getúlio Vargas, quando este sedeparou com a oportunidade proporcionada pela morte deOlegário Maciel, de controlar mais diretamente a política mi-neira por meio de um delegado de confiança.

O PRM não participou dessa votação e nem da eleição daMesa, que ficou composta apenas de membros do partido go-vernista. Divergindo da elegibilidade dos interventores paraos governos estaduais, que consideravam contrária aos ideaisde 1930, os republicanos se retiraram da sessão, após a leiturade uma declaração de protesto pelo líder Ovídio de Andrade.O protesto se concentrava na defesa da autonomia estadual:

Só poderiam os votar num candidato que não tivesse a eivada imposição ditatorial e que, portanto, nos desse seguragarantia de cessar a mudez de Minas, tão funesta à Repú-blica, e de que Minas deixasse de ser caudatária da políti-ca federal para ser dela ativa colaboradora. É preciso re-cordar que nunca fomos um povo submisso aos caprichos 147

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DIÁLOGO COM O TEMPO

do poder central. Onde estão as velhas tradições de deco-ro e de independência da política mineira?

Funcionando no mesmo edifício do antigo Congressomineiro, no centro de Belo Horizonte, a Assembléia Cons-tituinte tinha três meses para ultimar sua tarefa. O trabalhofoi facilitado pela existência prévia de um anteprojeto,elaborado por comissão de juristas designada pelo interventor.

Logo após a posse, foi eleita pelos deputados uma Comis-são Constitucional de nove membros (sete do Partido Progres-sista e dois do Partido Republicano), que preparou o projetoaté o fim de maio, quando esse entrou em discussão no plená-rio. O relator-geral foi o deputado Milton Campos, um dosjuristas que haviam trabalhado no anteprojeto e que se tornouo principal artífice da Constituição.

Enquanto a Comissão Constitucional promovia seus estu-dos e relatórios, a Assembléia realizava diariamente reuniõesplenárias que se caracterizaram por debates constantes, entregovernistas e oposicionistas, a respeito da política nacional ede questões relativas ao governo estadual até chegar, às vezes,a problemas municipais. Foi também muito abordada a crise daeconomia cafeeira, que se arrastava por vários anos, desde aquebra da Bolsa de Nova York, em 1929. Críticas freqüentesforam dirigidas à política cafeeira do governo Vargas. Algunsdeputados reivindicavam a volta ao livre mercado, acusando ointervencionismo estatal como responsável pelo agravamentodos problemas da agricultura. O mais enfático era Tristão daCunha, do PRM, adepto do liberalismo clássico, que defendiauma economia de mercado livre da interferência estatal.

Sentia-se, nesse ambiente, o contraste com o Legislativode antes de 1930, em que eram raras as controvérsias, já quetodos pertenciam ao mesmo partido e quase sempre se con-formavam placidamente à vontade do Palácio.

livre, mas com limites

No que se refere especificamente à elaboração constitu-cional, embora a extinta Constituição Estadual de 1891 pu-

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170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

desse ser tomada como base, havia uma inovação, introduzidapela recém-promulgada Constituição Federal, que delimitavaexpressamente o terreno em que podiam mover-se os consti-tuintes de 1935: os "princípios constitucionais da União", aosquais as Constituições dos Estados deviam obedecer.

Oito princípios

Os princípios fixados pela Constituição Federal eram os

seguintes: 1) forma republicana representativa;

2) independência e coordenação dos poderes;

3) temporariedade das funções eletivas; 4) autonomia dos

municípios; 5) garantias do Poder Judiciário e do

Ministério Público; 6) prestação de contas da

administração; 7) possibilidade de reforma constitucional

através do Legislativo; 8) representação das profissões.

Mesmo sujeitos a esses limites, os Estados conservavamuma margem considerável de liberdade para se organizarem.E, por isso, alguns temas despertaram particular interesse entreos deputados mineiros.

O fim do Senadinho

Um dos capítulos mais debatidos foi o que se referia ao

próprio Poder Legislativo, cujo formato foi posto em

questão. Dever-se-ia manter o bicameralismo ou suprimir o

Senado Estadual? O Senado era defendido por alguns

deputados, mas ficou claro, ao iniciar-se a Constituinte,

que essa instituição não seria mantida. Foi logo retirada de

cogitação, prevalecendo o unicameralismo, sob a

denominação de Assembléia Legislativa, modelo que

permanece até hoje.

Quanto às comissões parlamentares de inquérito, a Consti-tuinte Mineira incorporou o mecanismo, como desdobramen-to da Carta Federal, mas seu critério foi mais exigente do queo federal para aprovar uma CPI: requerimento de um terçodos deputados e aprovação da maioria da Assembléia. A Cons-tituição Federal previa requerimento de um quarto dos depu-tados e não se referia à aprovação da maioria do plenário. Aoampliar as exigências, a Constituinte mineira assegurava o 149

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DIÁLOGO COM O TEMPO

poder da bancada majoritária de bloquear qualquer CPI quenão lhe interessasse.

As imunidades parlamentares propiciaram debates doutri-nários em que se destacaram os discursos de Bilac Pinto emdefesa de um conceito amplo de imunidade. Bilac Pinto, en-tão com 27 anos, era o deputado mais novo da Constituinte,mas já revelava a consistência jurídica que o credenciaria aoSupremo Tribunal Federal no fim de sua longa vida pública. AComissão Constitucional não endossava o conceito amplo,preferindo que o deputado preso em flagrante fosse julgadopela Assembléia Legislativa após a formação de culpa. O ple-nário, porém, votou a favor de uma imunidade ampla: se umdeputado fosse acusado, a própria Assembléia decidiria pelaformação ou não de culpa. A questão não se cingia ao planodoutrinário, na medida em que crimes eleitorais previstos noCódigo de 1932 eram inafiançáveis e, por isso, o debate en-volvia o interesse direto dos políticos. Note-se que circula-vam em Minas queixas e denúncias de crimes eleitorais a pro-pósito das recentes eleições, acusações que atingiam inclusi-ve membros da Constituinte.

Especialmente importante foi o debate sobre a iniciativadas leis. A Constituinte modificou a idéia clássica da compe-tência exclusiva do Poder Legislativo para iniciar leis, esten-dendo-a ao Poder Executivo, às câmaras municipais e aos pró-prios eleitores. Quanto a estes últimos, a discussão caminhouprogressivamente para facilitar a iniciativa popular. Enquantoo anteprojeto dos juristas não a incorporava, foi o projeto daComissão Constitucional que provocou a mudança: seriamadmitidas propostas com o mínimo de 30 mil assinaturas. Já oplenário avançou ainda mais, reduzindo a exigência para 10mil assinaturas de eleitores.

A aprovação do direito de iniciativa popular foi um pontoalto da Assembléia, para desgosto de alguns de seus membrosmais velhos. O choque de gerações e de mentalidades ficouevidente num aparte de Valadares Ribeiro ao jovem oposicio-nista Aloysio Leite Guimarães, defensor entusiástico da ini-ciativa popular. Segundo o provecto Valadares (presidente daComissão Constitucional e irmão do governador), "a Consti-tuição Federal prescreve o regime representativo" e, por isso,"as massas não têm direito de fazer sugestões". Contudo, adivergência parecia mais de mentalidades do que de gerações,pois o autor da proposta na Comissão Constitucional havia

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

sido justamente Afrânio de Melo Franco, um dos deputadosmais idosos da Casa, cujo incontestável prestígio certamenteafiançou o acolhimento da idéia sem maiores discussões.

Outra novidade foi a criação de uma Comissão Especial, desete membros, para representar a Assembléia no intervalo dassessões legislativas. Uma razão básica para a existência dessarepresentação permanente do Legislativo era a de que a As-sembléia se reuniria ordinariamente por apenas três meses, deagosto a novembro. Embora pudesse ser convocada extraor-dinariamente, ela estaria em recesso durante a maior parte doano, da mesma forma que o Congresso Mineiro do regime an-terior, cuja sessão anual durava três meses, de abril a julho.

Mandatos não remunerados

A atividade parlamentar tinha caráter menos profissional

do que hoje. Restrita às elites, a Assembléia se compunha

de personalidades que residiam, em muitos casos, fora da

Capital e que assumiam mandatos públicos em

decorrência de sua posição social, não como meio de vida.

Era raro o deputado que não possuía sólida fonte

particular de renda, seja como fazendeiro, empresário,

advogado ou médico. Os médicos, por exemplo, somavam

nada menos que 17 na Constituinte de 1935. Por isso, o

mandato era tarefa complementar à atividade principal de

cada qual, não ocupando mais que uma parte de seu

tempo de trabalho anual. Além desse aspecto, havia as

dificuldades de transportes e de comunicações, impedindo

que os deputados circulassem entre a Capital e as bases

com a freqüência com que o fazem atualmente. A lei,

nesse sentido, se ajustava às circunstâncias e aos usos.

Judiciário sob controle

Se, no capítulo do Poder Legislativo, houve significativasinovações, o mesmo não aconteceu quanto ao Poder Judiciá- 151

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DIÁLOGO COM O TEMPO

rio e ao Ministério Público. Para ambos foi mantida a regra deinterferência do Executivo, em detrimento da possibilidadede auto-organização.

A Constituição Federal de 1934 definiu como "órgãos decooperação nas atividades governamentais" o Ministério PÚ-blico, o Tribunal de Contas e os conselhos técnicos. O primei-ro foi muito discutido em todas as fases da elaboraçãoconstitucional em Minas. A Carta Federal tinha assegurado aosmembros do Ministério Público da União certas garantias -nomeação por concurso e estabilidade no cargo - que a Cons-tituinte Mineira evitou conceder aos promotores sob sua ju-risdição. Perduraria ainda por muito tempo a lógica de subor-dinação do Ministério Público ao Poder Executivo, só rompi-da com a Constituição de 1989.O Tribunal de Contas foi criado na ocasião, tendo represen-

tado um dos principais resultados da Constituinte Estadual de1935. A possibilidade de criação desse órgão em Minas tinhasido aventada pela Carta de 1891, em seu artigo 109: "Criar-se-á, quando for conveniente, um tribunal para liquidar as contasde receita e despesa do Estado e conhecer da sua legalidade,antes de serem presentes ao Congresso". O Tribunal seria com-posto por três membros, um nomeado pela Câmara, outro peloSenado e o terceiro pelo presidente do Estado. O assunto foiretomado em 1920, quando uma reforma da Constituição Mi-neira (Emenda nO10) incluiu a criação de "um tribunal para atomada de contas das municipalidades", portanto com foco nosMunicípios, não mais nas contas do próprio governo do Estado.Seus membros seriam eleitos pelos Municípios, os quais deve-riam dividir com o Estado as despesas do novo órgão.

Esse órgão jamais saiu do papel e o Tribunal de Contas sófoi concretizado em 1935, por influência do destaque que aConstituição Federal conferira à matéria. Mesmo assim, suaadoção não foi pacífica entre os constituintes mineiros. Noâmbito da Comissão Constitucional, José Bonifácio e AntônioAugusto Junqueira, ambos da bancada governista, manifesta-ram-se contrários "por entenderem desnecessário o Tribunalde Contas, de vez que o governo deve prestar contas ao PoderLegislativo". A emenda supressiva de Bonifácio foi rejeitada eo plenário sustentou a criação imediata do Tribunal, afinal ins-talado pouco depois, com a função de fiscalizar a administra-ção financeira do Estado, competindo-lhe ainda julgar, em graude recurso, as contas municipais.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Já os conselhos técnicos não foram acatados. Elescorrespondiam bem às idéias defendidas pelo tenentismo epor intelectuais que influenciaram a construção da SegundaRepública brasileira, os quais preconizavam a centralização eo fortalecimento do Estado sob uma perspectiva técnica, ra-cional, para superar as mazelas atribuídas ao estilo de admi-nistração político-partidária das oligarquias regionais. Tal ide-ologia de modernização tecnocrática, que floresceu com aRevolução de 1930, foi promovida ativamente durante oEstado Novo e atingiria o ápice com o regime autoritário de1964-1985. Entretanto, não parecia impressionar muito osconstituintes mineiros de 1935, que se mostraram avessos,em diversas discussões, a novidades ideológicas quecontrariavam a forma tradicional de organização do poderpolítico em Minas e no Brasil como um todo.

A polêmica representação classista

Entre as novidades que incomodavam os constituintes minei-ros estava o conceito de representação de classes, estabelecidopela Carta Federal como um dos princípios constitucionais da União.

A própria Constituinte Federal de 1934 já tinha funcionadocom uma composição mista, em que coexistiam os represen-tantes do povo - 214 deputados eleitos na forma tradicional-e os representantes das classes - 40 deputados eleitos por sin-dicatos e associações profissionais.

A representação corporativa era uma fórmula típica do pe-ríodo posterior à Primeira Guerra Mundial, adotada em diver-sos países e debatida em muitos outros. O Brasil pós-Revoluçãode 1930 refletia essa onda, concretizada na legislação traba-lhista e sindical. A representação classista, no entanto, não foiabsorvida no Brasil como fórmula exclusiva, e sim comocomplemento à modalidade clássica de representaçãoterritorial, o que evidenciava um compromisso entre a tradi-ção liberal e as idéias corporativistas.

A Carta Federal fixou o princípio, mas não estabeleceu onúmero de deputados classistas nas assembléias legislativasnem regulou a questão para as câmaras municipais. E foi 153

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DIÁLOGO COM O TEMPO

exatamente em torno dessas duas questões abertas que osconstituintes mineiros travaram significativos debates.

O anteprojeto recebido pela Constituinte era fiel àsdiretrizes federais, estabelecendo em 40 o número de deputa-dos do povo, mais 1/5 de deputados classistas, num total de48 membros da Assembléia Legislativa. A Comissão Constitu-cional manteve o critério e assim ele foi submetido ao plená-rio, onde provocou controvérsias e emendas.

O debate mais substancioso envolveu o relator Milton Cam-pos, que, ao discutir as objeções ao trabalho da comissão,exprimiu claramente o sentimento da maioria, apontando parao cerne da questão:

A representação das classes não está na vontade dos cons-tituintes dos Estados. mas lhes é imposta pela Constitui-ção da República. Eu acredito mesmo que, se estivesse emnossa vontade, nós não teríamos a representação de clas-ses em Minas. Porque (...) é condenável o sistema misto.isto é. a representação popular não se concilia bem com osistema de representação de classes. De modo que. ou oEstado se organiza politicamente segundo os moldes de-mocráticos, ou tecnicamente. segundo as correntes mo-dernas que vão aparecendo. (...) Onde há organização téc-nica do Estado. e temos um grande exemplo na União So-viética, o sistema vem subsistindo. Mas nos outros Estadosdemocráticos. que fizeram a tentativa tímida das conces-sões à corrente nova com a organização dos conselhos téc-

42nicos, é sabido que estes não deram resultado.

O texto definitivo acabou por acolher uma emenda queomitia a referência ao quinto da representação popular,especificando, em vez disso, que a representação profissionalna Assembléia de Minas compreenderia um deputado para cadagrupo eleitoral das classes organizadas na forma da Constituiçãoda República. Com isso, o segmento classista foi reduzido parasete membros, a saber: três representantes dos empregadores(do comércio, da indústria e da agricultura), três representantesdos empregados (idem), mais um do funcionalismo público.

Quando a Constituinte se transformou em AssembléiaLegislativa ordinária, os respectivos segmentos elegeram osnovos deputados, que foram então incorporados à Casa.

42 Anais da Assembléia Constituinte de 1935. p. 307-308.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Fora dos Municípios

Se a composição do Legislativo estadual devia respeitar anorma federal, combinando-se os deputados do povo com osde classes, já no tocante às câmaras municipais a Constituintetinha total autonomia para decidir. E, como era de se prever,no momento dessa decisão, as divergências se tornaram maisacirradas, com forte conteúdo ideológico.

Nem o anteprojeto nem o projeto levado ao plenário men-cionavam a representação profissional nas câmaras municipais,o que era uma omissão expressiva. Entretanto, uma emendade José Bonifácio a estendia aos Municípios que a comportas-sem. Esse foi o combustível que ateou a polêmica.

José Bonifácio se amparou em dois argumentos que sensi-bilizaram a Comissão Constitucional a favor de sua emenda.Considerava que, se o princípio da representação profissionalestava fixado para a Câmara dos Deputados e as assembléiaslegislativas, devia valer também para as câmaras municipais.Em segundo lugar, essa medida seria um estímulo à organiza-ção das classes em Minas, ao abrir aos sindicatos acesso àdireção dos Municípios. Mas seu raciocínio se completava comum terceiro e provocativo argumento:

A representação de classe nos Municípios arrancará boaparte do eleitorado das mãos do régulo de aldeia. pararestituÍ-lo à classe a que pertence e dentro da qualdiutufllamente ele encontra guarida e amparo. que não serestringem à véspera dos pleitos. 43

A proposta, nesse particular, tinha como alvo o PRM, qua-lificado por José Bonifácio como o responsável pelo "sistemapolítico atrasado e caviloso que se pratica nos nossosMunicípios", sistema que o Partido Progressista estariacorrigindo e que a representação de classes viria "subverter".

O PRM, de sua parte, mobilizou-se para bloquear a emendade Bonifácio, precisamente pelo caráter de arma política quese atribuía à representação classista nos Municípios. A oposi-ção denunciava que funcionários do governo estadual esta-vam no interior para fundar sindicatos, sob tutela estatal. "Ogoverno organiza sindicatos com fins políticos, pouco se preo-

43 Anais da Assembléia Constituinte de 1935, p. 538. 155

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DIÁLOGO COM O TEMPO

cupando com a situação lastimável das classes trabalhadoras",protestou Lopes Cançado, ao defender a idéia de que oproblema devia ser resolvido mais tarde, pelo Legislativo or-dinário. Isso significava deixá-lo de fora da Constituição eaprová-lo apenas como lei, tornando mais fácil sua revogaçãocaso a experiência não desse certo.

O esforço maior para contestar a emenda de Bonifáciofoi do PRM, cuja bancada se manifestou quase toda em ple-nário, mas, mesmo no campo governista, havia sérias di-vergências. Um dos membros da Bancada do Pp' o empresárioAlberto Alves, pronunciou discurso bem elaborado paracontestar a inovação, que levaria, a seu ver, ao surgimentode "pseudo-sindicatos, meras artificialidades, representan-do não as classes e seus interesses, mas apenas os interes-ses e ambições de um pequeno grupo de aproveitadores".Depois de apontar as dificuldades jurídicas e práticas daemenda, Alves concluiu com um apelo que surpreendia pelotom emocional:

Sou contrário (...) porque (a emenda) levaria ao tranqüiloe pacífico interior (00.) a agitação de classes. asefervescências proletárias que pululam nos centros civili-zados. (...) Deixemos os Municípios trabalharem tranqüi-lamente, fora dessas inquietações operárias que brotampor toda parte e que ameaçam ruir as bases da nossa civi-lização. (...) Não levemos para eles a revolta dos oprimi-dos e dos infelizes. "

O resultado da votação da emenda foi muito apertado.Por requerimento do seu autor, o escrutínio foi secreto, masa decisão não lhe foi favorável: 20 deputados a aprovarame 22 foram contrários. Dentre estes, figuravam decerto os14 deputados do PRM, que estavam presentes em bloco. Adivisão da bancada oficial, portanto, é que decidiu a ques-tão. Oito deputados do PP somaram-se à oposição para der-rotar a proposta, a despeito do interesse do governo em suaaprovação.

Por conseguinte, a experiência de representação profissio-nal em Minas ficou restrita à Assembléia Legislativa, não seestendendo para as câmaras municipais. E só durou o tempotruncado daquela legislatura.

44 Anais da Assembléia Constituinte de 1935. p. 531.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Erosão e colapso do regime

A segunda Constituição do Estado de Minas Gerais foi pro-mulgada em 30 de julho de 1935 e, com isso, a Constituinte setransformou em Assembléia Legislativa, conforme estipulavaa Constituição Federal.

A legislatura estava prevista para se encerrar em 1938. En-tretanto, foi interrompida pelo golpe de 10 de novembro de1937, que instituiu o regime ditatorial denominado EstadoNovo. Assim, a Constituição Mineira recém-elaborada, talcomo sua congênere federal, vigorou durante poucos anos.Contudo, os debates institucionais dessa fase enriqueceram oquadro político brasileiro, resultando em mudanças significa-tivas no arcabouço do regime republicano herdado da Repú-blica Velha. O esforço de elaboração constitucional não seperdeu, pois serviu de ponto de referência para a reconstru-ção do regime após a ditadura.

Entre 1935 e 1937, houve no Brasil uma crescente erosãodo regime democrático, precocemente abalado por fatores di-versos. Disputas e controvérsias nos principais Estados, entreos quais Minas Gerais, contribuíram para agravar a tensãopolítica que desaguou na ditadura. E a Assembléia Legislativamineira não ficou imune ao ambiente. Ao contrário, em maisde um momento ela se tornou palco das disputas de podertravadas no período.

A erosão do regime teve algo de paradoxal, na medida emque a normalização das instituições, tão reclamada pelos gru-pos políticos regionais, restaurou a sua hegemonia, superandoo cenário de arbítrio que diminuía sua influência no tempo doGoverno Provisório. Seria natural que eles dessem efetiva sus-tentação ao Estado de Direito, se não por coerência com odiscurso liberal, ao menos para preservar a hegemonia recon-quistada.

No entanto, o paradoxo se esclarece ao considerarmos queessa espécie de restauração oligárquica deu margem a umaorientação nitidamente conservadora e rígida, por parte dogoverno federal, amparado pela cúpula militar que sefortalecera com a desagregação do tenentismo.

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Impulsos autoritários

A pacificação entre as oligarquias e os militares favoreceuo aparecimento, entre tais segmentos, de tendências autoritá-rias que visavam a restringir o âmbito das liberdades públicas.Já em abril de 1935 (por coincidência, no dia seguinte ao dainstalação da Constituinte Mineira), o Congresso aprovou umaLei de Segurança Nacional, cuja necessidade era justificadapelos principais expoentes do regime, civis e militares, paracombater o "extremismo" operário. Houve resistência à medidanos meios sindicais, jornalísticos e mesmo em setores dasForças Armadas e do Parlamento, mas a Lei de Segurança fi-cou como marco inicial de uma escalada que destruiria a Se-gunda República.

O impulso autoritário das elites políticas, empresariais emilitares emergiu como reação aos movimentos político-ideológicos que se intensificaram no Brasil em meados dadécada de 1930, refletindo os embates de idéias que ocorriamno cenário internacional. Logo após a revolução, tinha nascidoa Ação Integralista Brasileira, movimento de inspiração fas-cista, cuja base social era composta de segmentos das classesmédias e altas. Por seu turno, as esquerdas, organizadas emtorno do Partido Comunista e de outras agremiações menores,procuravam dar expressão às classes populares. A expansãodo projeto fascista provocou, em contraponto, a fundação daAliança Nacional Libertadora (ANL) , segundo o modelo de"frente popular" que vinha surgindo em diversos países euro-peus. A ANL foi lançada para congregar todos os setoresantifascistas, "tenentes", social-democratas e comunistas. Aentidade cresceu e obteve grande destaque até que, em julhode 1935, foi proibida.

A malograda intentona

O fechamento da Aliança levou o Partido Comunista a

preparar uma insurreição militar, deflagrada sem êxito em

novembro de 1935. Esse levante, conhecido como

Intentona Comunista, deu ao Governo motivo para

recrudescer a ação repressiva. O estado de sítio foi

decretado, ampliando-se mais tarde na figura do estado

de guerra. O Congresso, através de sucessivas

'70 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

concessões, dava o seu aval à "linha dura" que passava a

prevalecer. As medidas de exceção, após atingir a Aliança

Nacional Libertadora, alcançaram os sindicatos, os militares

de esquerda, intelectuais e parlamentares. Em 1936, o

Congresso aprovou a criação do Tribunal de Segurança

Nacional para julgar os acusados.

Na Assembléia Legislativa de Minas, essa conjuntura ecoouem calorosos debates entre governistas e oposicionistas. Ha-via um ponto de consenso, que era a rejeição unânime ao co-munismo e aos extremismos em geral. Mas a indignaçãoprovocada pela Intentona Comunista não abrandou a durezadas críticas do PRM a Getúlio Vargas. As queixas eram anti-gas, vinham da fase inicial da Revolução de 1930.

Em agosto de 1935, o presidente fez uma visita oficial aBelo Horizonte, o que levou a bancada do PRM a repudiarsua presença, acusando-o de inimigo de Minas. Um dos dis-cursos de protesto foi de João Edmundo Caldeira Brant, querecomendou:

Nenhum regozijo deve manifestar o povo pela sua estadaentre nós, porque, a partir da Revolução de Outubro, ochefe supremo do gOl'erno nacional tem timbrado emzombar do nosso estado, parecendo experimentarrequintada volúpia em humilhá-lo. (...) Guardemos oacolhimento fidalgo, cal'Olheiresco, dos lares mineiros paraos visitantes mais dignos do nosso afeto. Basta ao itinerante,na sua chegada, o comparecimento forçado dos elementosoficiais fingindo de povo.

Também pela oposição, falou Eliseu Laborne e Vale:

Pormais que se possa contar com o esquecimento das mul-tidões, por mais arraigada que se julgue a hospitalidademineira, não é crível que o Sr. Getúlio Var.gas pense, deleve, em ser bem recebido no Estado ao qual vem prodiga-lizando indiscutíveis provas de um inexcedível rancor. (...)Mineiros, desfaçamos essa mentira! Que pelo menos saibao rotundo Getúlio Vargas que, se o povo de Minas o guindouaté a curul presidencial, poderia, se o seu sentimento dehospitalidade não pairasse muito acima da aversão quelhe vota, obrigá-lo a descer a Mantiqueira mais depressado que era de se esperar do comprimento de suas pernas. Avisita do Sr. Getúlio Vargas é inoportuna. 159

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Deputados da bancada do governo, em resposta, critica-vam o PRM pelo tom demagógico dessas conclamações, comoo fez Bilac Pinto:

o povo mineiro, que é juiz sereno e imparcial de nossaconduta. há de estar lamentando que o Partido Republica-no Mineiro se afaste das graves questões administrativas,financeiras e tributárias de Minas e do País. para só inver-ter a sua energia em injúrias pessoais ao Sr. Presidente daRepública.

Poucos meses depois, o episódio da Intentona Comunistadeu origem a novas discussões no plenário da Assembléia, quese estenderam até o fim do ano legislativo. O PRM protestoucom veemência contra a decretação do estado de sítio abran-gendo Minas Gerais. Afinal, o levante comunista tinha acon-tecido no Nordeste e no Rio de Janeiro, enquanto em Minasreinava a tranqüilidade. O líder da oposição, Ovídio deAndrade, qualificou de inconstitucional a figura do estado desítio preventivo, a que o governo recorrera, acrescentando queo protesto de seu partido se fazia tanto mais necessário "quantoé certo que o estado de sítio é, precisamente, obra, na CâmaraFederal, de dois mineiros: o chefe do partido contrário e olíder da Maioria."O chefe do partido contrário era Antônio Carlos, que ocu-

pava a Presidência da Câmara dos Deputados; e o líder daMaioria era Pedro Aleixo. Diante dessa alusão, os deputa-dos do PP contra-atacaram lembrando que Artur Bernardes,chefe do PRM, havia governado o Brasil sob estado de sítiodurante todo o seu mandato presidencial. "O PRM não temautoridade para falar sobre o estado de sítio", aparteouCamilo Alvim, do PP.

A autonomia de Minas

O PRM seguia, de todo modo, a sua linha de defesa daautonomia estadual, fiel ao modelo federativo de 1891. Nissoresidia, de fato, um ponto essencial de divergência entre osdois partidos. Para os deputados do Pp' mais afinados com as

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

idéias centralizadoras de 1930, era natural que o estado desítio incluísse Minas, pois tinha sido decretado para todo oterritório nacional. Mas exatamente essa abrangência é quecausava o inconformismo da oposição, como se nota em ou-tro trecho de Ovídio de Andrade:

Durante os 40 anos da República Velha. nunca o territóriomineiro. dentro de todas as convulsões que agitaram o

País, foi vítima de um estado de sítio. Somente uma vezousou-se decretá-lo para Minas: 4 de outubro de 1930.Mas. desse estado de sítio Minas não tomou conhecimento.porque já de pé, com as armas nas mãos, combatia o gover-no da República.

Com o estado de sítio, o espaço da oposição ficou limita-do, porque a censura à imprensa bloqueou os canais de dis-cussão pública dos temas em pauta na Assembléia. Uma dasmatérias que tramitavam era a reforma tributária, que afetavaos empresários, os fazendeiros e os contribuintes em geral. Aimpossibilidade de debater o projeto nos jornais levou o líderOvídio de Andrade a protestar novamente em meados de de-zembro:

Sr. Presidente, quando se estendeu o estado de sítio aoterritório de Minas Gerais, o PRM desde logo aqui pro-testou contra essa medida, porquanto dela se prevale-ceria o governo para a prática de violências.Efetivamente está em andamento na Assembléia umprojeto de extraordinário alcance para a economia doEstado, qual o que trata da reforma tributária. Entre-tanto, nenhum dos jornais desta Capital tem podido pu-blicar qualquer crítica a projeto de tanta magnitude,enviado a esta Casa por mensagem do Governador doEstado, porque a polícia, encarregada da censura àimprensa. não admite o mais leve comentário que, em-bora ligeiramente, contrarie as medidas concretizadasno referido projeto.

O estado de sítio, com seu repertório de medidas coerciti-vas, ampliou o predomínio do Executivo e a tendência às de-cisões em circuito fechado. O governo Benedito Valadares es-tava empenhado em ajustar a situação financeira do Estado, ea possibilidade de implantar uma reforma tributária a seu modo,sem maiores discussões, facilitava em muito o propósito daadministração. 161

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DIALOGO COM O TEMPO

Valadares x Andrada

Daí por diante ocorreram alterações significativas no âm-bito da política mineira, que se refletiram na vida da Assem-bléia Legislativa. Eram os primeiros movimentos de peças rumoà eleição presidencial prevista para 1938. O governadorBenedito Valadares, buscando consolidar seu comando sobrea política mineira e, com isso, projetar-se no cenário nacio-nal, tomou sucessivas iniciativas em várias frentes.Valadares tinha assumido o governo estadual como

interventor, apenas pela vontade pessoal de Getúlio Vargas,que ignorou as preferências do Partido Progressista por outroscandidatos. Valadares era visto como interino, mas firmou-seno cargo a ponto de ser eleito governador constitucional pelaAssembléia, garantindo assim mais quatro anos de mandato.Contudo, sua liderança ainda era ofuscada pelo prestígio deAntônio Carlos e outros próceres tradicionais. O governadortinha que suplantá-los para se tornar o chefe efetivo da políti-ca mineira.O ano de 1936 foi marcado pelo entrechoque dos dois po-

líticos. Tornou-se aberta uma disputa pelo comando da políti-ca mineira que já estava latente desde a morte de OlegárioMaciel. Naquela conjuntura, Valadares servira de peão emmanobra de Getúlio Vargas para controlar Minas e reduzir àcondição de satélites seus antigos parceiros da Aliança Libe-ral, a começar de Antônio Carlos. Este não passou recibo. Comopresidente do Pp' passou a dividir com Valadares o comandodas forças situacionistas. Os dois, por exemplo, organizaramem conjunto as chapas do partido ao Congresso Nacional e àConstituinte Mineira.No entanto, a eleição de Valadares não ocorrera sem uma

tentativa prévia de descartá-lo. Houve uma articulação paraeleger outro nome com a soma dos votos do PRM com os dediversos deputados do PP - entre os quais os que seguiam aliderança de Antônio Carlos. Este preferiu recuar depois deuma sondagem a Vargas. A resposta do presidente não deixavamargem a dúvidas:

Em nenhuma hipótese abro mão de Minas. Já não possocontar com o Rio Grande e São Paulo, este nas mãos deArmando de Sales e aquele nas de Flores da Cunha, que

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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

me combatem. De sone que, se preciso, empregarei a forçamilitar para eleger Valadares.

O governador Benedito Valadares sabia disso e esperou omomento oportuno para passar à ofensiva.Antônio Carlos, todos o sabiam, sonhava com a Presidên-

cia da República desde a República Velha. Como presidenteda Câmara dos Deputados, era o substituto legal de Vargas e,portanto, candidato natural a sucedê-lo, a não ser que lhe fal-tasse o apoio de Minas. Tinha a simpatia das correntes políti-cas, inclusive do PRM, mas não podia esperar a ajuda do Palá-cio da Liberdade. Nos primeiros meses de 1936, sua candida-tura começou a ser ventilada mais abertamente por políticosde outros Estados. Diante disso, ele procurou mobilizar o apoiodos partidos mineiros, à revelia do governador. Valadares nar-ra em suas memórias esta passagem, que parece ter sido deci-siva para o rompimento entre ambos:

Este homem superior virava criança quando se tratava deseus interesses políticos. Desconfiado comigo, porque sa-bia que não apoiaria sua candidatura sem anuência doPresidente Getúlio, tentou polarizar em torno de seu nomea política mineira. Marcou, de acordo com os MinistrosOdilon Braga e Gustavo Capanema, uma reunião políücaem Juiz de Fora. Convocou os membros da Comissão Exe-cutiva do Pp' da qual era presidente, e toda a AssembléiaEstadual, inclusive os Deputados da oposição. Estava fa-zendo tão pouco do Governo, que expediu os convites pelorádio do Palácio da Liberdade. 45

O governador reagiu em duas frentes. A primeira visava aatingir diretamente Antônio Carlos, enfraquecendo seu grupopolítico em Minas. O passo mais ousado para isso consistiu emuma troca de comando na Mesa da Assembléia. Ao se abrir asessão de 1936, o deputado Abílio Machado, muito próximo aAndrada, não voltou à Presidência da Casa, que exercera comacatamento geral desde a instalação da Constituinte. Valadarespromoveu sua substituição por um elemento de confiança, odeputado Dorinato Lima. Ao mesmo tempo, os aliados deAntônio Carlos perderam os cargos que ocupavam no governo,entre os quais seu filho, que era o secretário da Educação.

45 Benedito Valadares. Tempos idos e vividos. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira. 1966. p.111-112. 163

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Essa manobra produziu tensões consideráveis. Na Assembléia,ela empurrou os carlistas para a oposição, além de desagradaroutros deputados do Pp' como Milton Campos, que começarasua carreira de advogado sob a orientação de Abílio Machado.

Diante das circunstâncias, Antônio Carlos quis renunciar àPresidência da Câmara dos Deputados, mas permaneceu noposto em virtude das manifestações de apoio do plenário. Foidespojado, contudo, da liderança do Pp' em reunião da banca-da com Benedito Valadares.

O governador estava muito próximo de alcançar a alme-jada supremacia em Minas. As fissuras que se abriam no Par-tido Progressista não o preocupavam muito, pois seriam com-pensadas, com vantagem, por uma segunda frente de mano-bras. Tratava-se de um acordo interpartidário, costurado des-de o início de 1936, com o aval de Vargas. A intenção deValadares era atrair o PRM para uma aliança que ele definiacomo uma fórmula de pacificação da política mineira emdefesa do regime democrático. Conforme relatou Paulo Pi-nheiro Chagas, um dos deputados estaduais da oposição queaceitaram a proposta:

Valadares, ao propor o entendimento, afirmava desejarunir Minas com o objetivo de ter autoridade e força nocenário federal, para se opor a quaisquer aventuras dogolpismo. Ora, essa política antigetulista era a primeirarazão de nossa luta. (...) De sorte que fortalecíamosValadares para combater Getúlio. 46

O presidente do PRM, Arthur Bernardes, recusou o acordo:não confiava em Valadares, considerando-o incapaz de con-trariar Getúlio Vargas. O tempo lhe daria inteira razão. Mas aintransigência de Bernardes não impediu a cisão do velho par-tido. O PRM teve um resultado decepcionante nas eleiçõesmunicipais de junho de 1936, o que persuadiu grande parte deseus membros a se aproximar do governo, aproveitando aoportunidade que se lhes oferecia. Dos 14 deputados estadu-ais republicanos, dez mudaram de lado. Mais da metade dabancada federal adotou o mesmo caminho.

Com isso, Valadares provocou uma reestruturação profun-da no cenário político estadual. Os remanescentes do PRMpouco representavam diante da avassaladora maioria gover-

46 Paulo Pinheiro Chagas. Esse Velho Vento da Aventura; memórias. Rio de Janeiro: José Olympio,1977, p. 275.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

namental. Do lado oposto, a ofensiva contra Antônio Carlosresultou na desagregação do próprio PP. Em maio de 1937,quando o Congresso Nacional foi reaberto, ele perdeu a ree-leição para a Presidência da Câmara. Estava indisfarçavelmentena oposição e, no mesmo mês, liderou a fundação do PartidoProgressista Democrático, acompanhado de outros dissiden-tes do PP. Enquanto isso, a aliança de progressistas e republi-canos patrocinada pelo Palácio da Liberdade deu origem a umanova agremiação, o Partido Nacionalista de Minas Gerais. Emsuma, o sistema bipartidário PP-PRM se extinguiu ainda noregime constitucional, como prelúdio para o golpe de novem-bro de 1937.

Negra era

O golpe pegou de surpresa o meio político mineiro, comoaconteceu em todo o Brasil. Benedito Valadares era um dospoucos que acompanhavam os preparativos. Há tempos defen-dia junto a Vargas a idéia do golpe. Em suas memórias, relata:

Não houve resistência no Rio nem em São Paulo. O Presi-dente Getúlio Vargas fechou a Câmara dos Deputados. Namanhã seguinte, o Presidente da Assembléia, DorinatoLima, tendo, com certeza, ouvido o boato da revolução bran-ca, apareceu em Palácio:

- Hoje vou botar um freio naquela gente.

- Não, Dorinato, a Câmara já está fechada; você vai éfazer o mesmo com a Assembléia. Não quero exibir apara-to bélico contra o Legislativo. 47

A Assembléia foi fechada em surdina. Os deputados nãopuderam esboçar qualquer reação política. Aos que divergi-am, e eram muitos, restou a indignação pessoal. José Bonifácioera um deles. Impedido de entrar no recinto, abriu o livro depresenças que ficava na entrada e anotou em letras garrafais:"Começou a era negra no Brasil". Assinou embaixo e se foi. 48

47 Benedito Valadares, Tempos idos e vividos. p.183.48 FARIA, Maria Auxiliadora de & PEREIRA, Ligia Maria Leite. José Bonifácio Lafayelle de Andrada- uma vida dedicada à política. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 1994, p. 79. 165

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A vez dos partidos nacionais

Fechada em novembro de 1937, a Assembléia Legislativasó voltou a funcionar dez anos depois, em 1947. O golpe queimpôs o regime ditatorial batizado de Estado Novo inaugurouo período mais longo de interrupção do Poder Legislativo emtoda a história do País.

Quando essa fase se encerrou, o panorama político-parti-dário apresentava nova fisionomia. A política brasileira evo-luíra do antigo conglomerado de partidos e chefias estaduaispara uma estrutura de partidos nacionais, ainda que enraiza-dos regionalmente, como é natural em uma federação. Essadinâmica pode ser vista como resultado do processo de cen-tralização desencadeado pela Revolução de 1930, cujo ápicefoi o Estado Novo.

Em Minas Gerais, o quadro partidário que emergiu após aditadura foi marcado pela polarização entre dois grandes par-tidos, o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrá-tica Nacional (UDN), cujas bancadas protagonizaram debatesque ficaram célebres nos anais da Assembléia.

A origem dessa polarização se encontra nas reviravoltaspolíticas que aconteceram em Minas a partir de 1936. Os po-líticos se dividiram em dois campos: um a favor e outro con-tra o governo Benedito Valadares. Esse atraiu a maior parte doPartido Republicano Mineiro (PRM), somando-a à sua base noPartido Progressista (PP). Uma parcela do Pp' no entanto, pas-sou nesse momento para a oposição, sob a liderança de Antô-nio Carlos. Quando sobreveio o golpe de 1937, outros mem-bros do PP também divergiram e romperam com o esquemaVargasNaladares.

Como os órgãos legislativos foram dissolvidos, quem es-tava contra a ditadura voltou às atividades profissionais,limitando-se a uma esfera de atuação exclusivamente pri-vada. A maioria da elite política, porém, permaneceu naórbita do governo. Vários parlamentares que perderam osmandatos com o golpe foram aproveitados em cargos daalta administração federal e estadual. Outra forma utiliza-da pelo governo para acomodar os aliados foi a nomeaçãode ex-deputados ou parentes e correligionários para as pre-feituras municipais. 169

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Amigos no poder

Em inúmeros Municípios, os prefeitos eleitos e

empossados em 1936 continuaram no posto, por

pertencerem a correntes afinadas com o governo estadual.

Ao contrário, os que se encontravam no campo anti-

valadarista foram imediatamente destituídos. Em

Barbacena, por exemplo, a Prefeitura estava há muitos

anos sob controle da família Andrada, mas após o golpe

esse controle foi transferido à família rival, na pessoa do

próprio Bias Fortes, um dos deputados federais do PRM

que passou a apoiar Valadares em 1936. Em diversos

casos, houve substituição dentro da mesma família. Em

Ubá, por exemplo, o ex-deputado federal Levindo Coelho,

outro expoente do PRM que se aliara ao governo, assumiu

a Prefeitura em 1937 e transmitiu-a dois anos depois a seu

filho Ozanam Coelho.

Não foram raros os prefeitos que haviam sido nomeados

com a vitória da Revolução de 1930 e que seguiram

incólumes por todas as fases subseqüentes. Em Monte

Azul, o advogado Levy de Souza e Silva, que já dirigia o

Município em 1929, foi nomeado prefeito em 1930 e

permaneceu até 1946; voltou ao cargo por eleição em

1947 e, de novo, em 1958. Mais tarde exerceu um

mandato de deputado na Assembléia Legislativa.

Esse vasto leque de políticos, ramificado por todo o terri-tório mineiro, integrava a máquina administrativa do EstadoNovo que, no momento da abertura política, foi transformadana máquina partidária do PSD. Benedito Valadares, em páginacuriosa, recorda as circunstâncias da sua fundação: um gran-de encontro em Belo Horizonte, para o qual ele convocou osex-deputados, ex-prefeitos, ex-vereadores, ex-secretários -enfim, tantos ex-ocupantes de cargos, que, diverte-se onarrador, "se não se tratasse de assunto tão importante, talvezdesse a esse capítulo o título de ex".49

A parcela da elite que ficou à margem do poder durante aditadura de Vargas era composta de vários setores, mas os maisimportantes eram dois: os "bernardistas", que se conservaram

49 Benedito Valadares, Tempos idos e vividos, p. 249.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

fiéis à bandeira do PRM, apesar dos acenos de Valadares; euma parcela do PP que se opôs ao golpe de 1937, a qual in-cluía Pedro Aleixo (presidente da Câmara dos Deputados),Odilon Braga (ministro da Agricultura) e os deputados estadu-ais Milton Campos e Bilac Pinto. Quando ocorreu a aberturapolítica, o primeiro grupo restaurou o Partido Republicano,enquanto o segundo formou o núcleo da UDN mineira.

A aproximação entre essas duas correntes decorreu da con-vergência de suas posições no combate ao regime ditatorial.Após vários anos de controle absoluto, o Estado Novo entrounum processo de desgaste progressivo que o levou a capitularapós sucessivos recuos. A primeira brecha foi aberta peloManifesto ao Povo Mineiro, de 24 de outubro de 1943.

Clandestino e decisivo

Conhecido como Manifesto dos Mineiros, esse

documento adquiriu importância histórica como marco da

ofensiva dos setores liberais contra o regime de Vargas.

Assinavam-no personalidades tradicionais na vida política

e intelectual de Minas, ao lado de representantes

influentes da geração que se iniciou na vida pública após

1930.

o Manifesto de 1943 foi divulgado clandestinamente e,

portanto, seu alcance popular foi restrito. A princípio,

Benedito Valadares o ignorou, mas depois reagiu, em

combinação com Getúlio Vargas. Ambos cuidaram, em

suas respectivas esferas, de demitir os signatários que

possuíam empregos públicos e de pressionar empresas

privadas a fazerem o mesmo com aqueles que nelas

atuavam. As represálias agravaram o ambiente,

fomentando a atividade da oposição.

A construção da UDN como frente política nacional em1944-1945 foi, em boa parte, uma seqüência do manifesto, apartir do eixo Belo Horizonte-Rio de Janeiro. Os remanescentesdo PRM, liderados por Artur Bernardes, participaram dessafrente nos primeiros tempos, mas, ainda em 1945, preferiramretomar a velha bandeira. FUndaram então o Partido Republica-no (PR), que, por força da legislação, reaparecia como partidonacional, tendo, contudo, sua base mais forte em Minas Gerais. 171

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DIÁLOGO COM O TEMPO

o PSD e a UDN se formaram, nacionalmente, como agre-gados de facções regionais, mas em ambos a influência minei-ra também era forte, com bancadas parlamentares quase sem-pre superiores às de qualquer outro Estado. Isso se devia, éclaro, ao tamanho da representação de Minas na Câmara dosDeputados, mas outro fator deve ser levado em conta: o pesolimitado das demais forças partidárias no cenário estadual. Apartir de 1945, o PSD e a UDN polarizaram a competição elei-toral em Minas, tendo o PR como fiel da balança.

Entre os outros partidos, apenas o Partido Trabalhista Bra-sileiro (PTB) ganhou destaque, por sua crescente implantaçãonas áreas urbanas e industriais. O PTB foi organizado sob opatrocínio de Getúlio Vargas, reunindo dirigentes sindicais, lí-deres empresariais e altos funcionários ligados ao Ministériodo Trabalho, Indústria e Comércio. Esse órgão, criado após aRevolução de 1930, teve sua importância acrescida durante oregime ditatorial, quando foi consolidada a legislação traba-lhista e sindical do País.

No campo da esquerda, o Partido Comunista (PCB) funcio-nava desde 1922, mas à margem da lei. Em 1945, com a aber-tura política, o PCB foi registrado e disputou as duas primeiraseleições, antes que fosse lançado de volta à ilegalidade pordecisão da Justiça Eleitoral. Tal como o PTB, sua base eleitoralse achava em centros urbanos, sobretudo aqueles de maiorconcentração operária.

O aparecimento dos trabalhistas e dos comunistas na cenapolítica estadual assinalava as transformações que vinhamocorrendo na estrutura socioeconômica. A modernização, coma expansão das cidades e das fábricas, transcorria mais lentaem Minas do que em outras partes do Brasil, mas não deixoude influenciar a sua vida política e cultural. Isso até por voltade 1950, pois, na segunda metade do século XX, o ritmo dasmudanças se acelerou.

Em suma, o quadro partidário que emergiu em 1945 apresen-tava duas importantes inovações em relação ao passado. Umaera a organização de partidos nacionais, que obedecia ao dispos-to na lei eleitoral de 28 de maio daquele ano, promulgada porGetúlio Vargas como diretriz para a abertura do Estado Novo.Outra se referia ao aparecimento de um sistema pluripartidário,com certa diferenciação de idéias e interesses em seu âmbito.

Não obstante, nas condições em que a abertura ocorreu, asforças governamentais levavam grande vantagem para se

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

estruturar. Em Minas, o PSD surgiu tão forte que parecia fadadoa exercer hegemonia duradoura na política estadual. E isso defato se confirmou em dezembro de 1945, quando foram eleitoso novo presidente da República, os senadores e deputados àConstituinte Federal. O general Dutra, candidato presidencialdo PSD, recebeu a maioria dos votos mineiros, embora seu prin-cipal adversário, o brigadeiro Eduardo Gomes, tenha triunfadoem Belo Horizonte, o que expressava o sucesso da UDN emarregimentar o apoio dos setores médios nas cidades maiores.

Para a Constituinte, o PSD ganhou as duas cadeiras de sena-dor que estavam em disputa e formou uma bancada de 20deputados federais. A UDN fez sete deputados e o PR, seis. OPTB, com dois, completou a representação mineira. A superiori-dade eleitoral do PSD era inegável, mas a desproporção do nú-mero de cadeiras foi muito maior do que a diferença dos votosrecebidos por cada partido. Isso porque a legislação estipulavaque, após o cálculo do quociente eleitoral e a primeira distribui-ção das vagas, todas as sobras seriam destinadas ao partido maisvotado. Essa cláusula só foi modificada em 1950, quando seadotou o critério, ainda em vigor, de distribuição das sobras portodos os partidos que superarem a barreira do quociente.

A clsao pessedista

A Constituição Federal foi promulgada em julho de 1946, ea etapa seguinte seria a reorganização constitucional dos Es-tados. Ficou marcado para janeiro de 1947 o pleito para esco-lha dos governadores e dos deputados estaduais constituin-tes. Nessa segunda disputa eleitoral, o quadro político mineiropassou por surpreendente reviravolta. O PSD, que pareciaimbatível para o Palácio da Liberdade, perdeu a eleição parauma aliança encabeçada pela UDN em torno da candidaturade Milton Campos.

A derrota do PSD para o governo estadual resultou de umaprofunda divisão interna. A cisão começou a se desenhar quan-do o presidente Dutra iniciou articulações para uma candidatu-ra de união em Minas. A UDN não aceitou, preferindo a alter-nativa de uma candidatura própria, para ganhar espaço e divul- 173

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DIÁLOGO COM O TEMPO

gar suas idéias. Milton Campos foi então lançado candidato ecomeçou a campanha no interior. A fórmula de união permane-ceu, por meio do eixo PSD-PR, mas o nome sugerido pararepresentá-lo - o de Wenceslau Braz, ex-presidente da Repúbli-ca - não empolgou o PSD. Não contava com a simpatia de Be-nedito Valadares e seu grupo político, nem era bem absorvidopela maioria dos chefes municipais. Com efeito, Wenceslau Brazestava afastado há décadas da política militante e não era vistocomo candidato nitidamente partidário pelas bases. Durante aconvenção do PSD, foi articulado com êxito o nome de BiasFortes, que passou a encabeçar a chapa PSD-PTB.

O custo dessa guinada foi alto para Valadares e sua corren-te, pois o setor do PSD que apoiava Wenceslau Braz não seconformou e, junto com o PR, tentou uma terceira via, quenão deu certo. Em pouco tempo ambos caminharam para umacordo com a UDN e, nesse momento, Milton Campos se tor-nou o favorito. Fez um governo de coalizão, contemplandono secretariado as três principais correntes que o sustenta-ram: a UDN, o PR e o denominado PSD Independente.

Para a Assembléia, no entanto, o PSD continuou demons-trando sua força no interior e, mesmo amputado de seus dissi-dentes - que se candidataram por outros partidos -, fez amaior bancada em 1947. Tendo sido o mais votado, foi favo-recido pela regra que lhe destinava todas as sobras de votosno escrutínio proporcional e alcançou 29 deputados, ficandoa UDN com 16, o PR com 14 e o PTB com seis. Pequenospartidos completaram a composição do Legislativo, que erade 72 membros naquele momento. Um deles foi o Partido Co-munista, que elegeu o seu primeiro deputado em Minas,Armando Ziller. Outro foi o Partido de Representação Popular,que reunia os antigos integralistas e que também elegeu umrepresentante, o advogado José César Soraggi.

Renovação conservadora

Os deputados estaduais eleitos em 1947 se distinguiam sobvários ângulos de seus antecessores da Legislatura 1935-37.Em primeiro lugar, pela idade: mais de dois terços deles ti-

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nham menos de 45 anos. Na Constituinte de 1935, ao contrá-rio, os mais jovens constituíam apenas a metade da Casa, ehavia um bom número de idosos.

Observava-se, portanto, uma renovação do Legislativo mi-neiro, que podia ser igualmente verificada na trajetória políticade seus membros. Apenas quatro deputados, num total de 72,já tinham exercido o cargo anteriormente. Entretanto, 21 ti-nham sido vereadores, o que atenuava um pouco a inexperiênciaparlamentar das bancadas. Especialmente notável era o vastonúmero de ex-prefeitos: nada menos que 24, quase todos doPSD, oriundos da máquina político-administrativa que Benedi-to Valadares havia implantado durante o Estado Novo.

Domínio dos bacharéis

Do ponto de vista profissional, o perfil da Assembléia

correspondia à tradição, com uma maioria de bacharéis em

Direito, muitos deles advogados militantes. A bancada da

UDN se destacava nesse particular. O número de médicos

era também elevado, cerca de um terço da Casa. Alguns

deputados ocupavam posição de destaque no meio

empresarial e diversos outros eram produtores rurais. Pela

primeira vez, o Legislativo incorporava dirigentes sindicais:

o comunista Armando Ziller, do segmento dos bancários, e

o trabalhista lIacir Pereira Lima, da categoria dos operários

têxteis. Havia, ainda, funcionários de carreira do serviço

público estadual.

A tarefa de elaboração da Constituição Estadual seguiu, emlinhas gerais, o roteiro da Assembléia de 1935. Instalando-seem 16 de março de 1947, a Constituinte elegeu sua MesaDiretora, que tinha na Presidência o republicano Feliciano Pena.No dia seguinte, o presidente nomeou uma comissão para ela-borar o Regimento Interno. Em função dele, foi designada, a28 de março, a Comissão Constitucional, presidida por Júliode Carvalho, dissidente do PSD eleito pela legenda do PR, etendo como relator-geral Tancredo Neves, do PSD, o qual jáse destacava pela formação jurídica e pela habilidade política.Ambas as comissões, bem como a Mesa, englobavam mem-bros das diversas bancadas partidárias.

Tratava-se, basicamente, de adequar a organização do Es-tado de Minas Gerais às normas da Constituição Federal re- 175

Page 92: Diálogo Com o Tempo

176

DIÁLOGO COM O TEMPO

cém-promulgada, mas em certas matérias os constituintesmineiros utilizaram sua margem de liberdade para adotar cri-térios específicos na Constituinte Mineira.

No tocante ao Poder Legislativo, houve mudanças signifi-cativas em face da Carta anterior. Os constituintes de 1935tinham concedido à Assembléia uma vasta área de competên-cia privativa, que incluía a definição do Orçamento do Esta-do, da arrecadação e distribuição das rendas de Minas, doefetivo da Força Pública (Polícia Militar), da organização judi-ciária, da divisão administrativa em Municípios e da estruturado serviço público, entre outras matérias de alta relevância.Em 1947, a margem de competência privativa foi reduzida: atarefa de fazer, modificar e revogar as leis competia à Assem-bléia, mas agora com a sanção do governador, notadamentenos importantes assuntos acima mencionados. Houve, por-tanto, um fortalecimento do papel do Executivo no processolegislativo.

A ruptura com a repartição clássica dos Poderes Legislativoe Executivo já se notava, aliás, na Constituição Mineira de1935, ao conceder ao Executivo o direito de iniciativa dasleis. Essa mudança foi introduzida junto com a inovação re-presentada pela atribuição do mesmo direito às câmarasmunicipais e ao povo em geral. A iniciativa popular das leisfoi mantida pela Constituição de 1947 no patamar de 10 mileleitores, mas o exercício do poder de iniciativa das câmarasfoi favorecido: bastaria o apoio de dez câmaras para dar cursoa um projeto, e não mais de um quarto das câmaras, comoexigia a Carta de 1935.

Quanto ao Poder Executivo, foi recriado o posto de vice-governador, que existira até 1930 (na época, chamava-se vice-presidente do Estado), e o mandato do governador foi fixadoem cinco anos, coincidindo com o do presidente da Repúbli-ca. Como, pela Carta Federal, os mandatos parlamentares se-riam renovados de quatro em quatro anos, isso significouque - exceto em 1950 - as eleições para o Palácio da Liber-dade e para a Assembléia Legislativa se realizaram em anosdiferentes.

Os temas novos se referiam, especialmente, à ordemeconômica e social, tratada de modo relativamente extenso,espelhando a recente Constituição Federal. É nessa parte daConstituição Mineira de 1947 que se encontram seus disposi-tivos mais avançados, a começar pelo artigo 116, que abre o

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

título respectivo: "O Estado organizará sua vida econômicaconforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdadede iniciativa com a valorização do trabalho humano".

Educação e Cultura receberam um título específico. O Es-tado passaria a aplicar no ensino pelo menos 20 por cento darenda dos impostos e deveria conceder verbas especiais aocusteio de pesquisas científicas. Os constituintes deram rele-vo também à criação de escolas profissionais pelo Estado e àresponsabilidade das empresas pela educação dos emprega-dos e seus filhos, enfatizando, além disso, a importância daeducação física e dos esportes. Na área cultural, destacava-sea referência à proteção do patrimônio histórico e artístico, bemcomo os "monumentos naturais, as paisagens e os locais dota-dos de particular beleza". Previa-se a criação de bibliotecaspopulares e a isenção de tributos às conferências científicasou literárias, aos recitais e às exposições de arte.

Reforma agrária no papel

Digna de nota é a menção à posse e uso da terra, abrindo-

se a perspectiva de reforma agrária no artigo 118: "No

interesse social, o Estado promoverá a extinção progressiva

do latifúndio". Essadiretriz vinha acompanhada da

previsão de "planos de aproveitamento das terras

públicas" em beneficio de quem não tivesse terras para

cultivar, dando-se preferência para aquisição aos posseiros

nelas residentes. A democratização do acesso à terra era

propiciada por outra medida, referente à exigência de

prévia autorização legislativa para qualquer alienação

ou concessão de terras públicas com área superior a

250 hectares.

A vasta extensão de terras devolutas em Minas Gerais

justificava a atenção ao problema, que, aliás, correspondia

à linha adotada pela Constituição Federal de 1946. Mas a

legislação de reforma agrária se arrastou no Congresso

Nacional por muito tempo e quando ganhou prioridade,

no começo da década de 1960, provocou divisões

profundas no meio político e na sociedade, sendo um dos

fatores da insurreição de 1964. Em Minas, a resistência

dos proprietários rurais à reforma agrária encontrava eco

em seus representantes na Assembléia, sempre numerosos 177

Page 93: Diálogo Com o Tempo

~I

178

DIÁLOGO COM O TEMPO

e ativos na defesa da classe. Por conseguinte, não seria

fácil concretizar as disposições constitucionais favoráveis

aos pequenos agricultores, posseiros e sem-terra.

A Constituição Mineira de 1947 apresentava uma singula-ridade no Ato das Disposições Transitórias. Contendo nadamenos que 44 artigos, esse anexo não foi assinado por 20deputados (toda a bancada da UDN e alguns de seus aliadosdo PR), evidenciando uma forte divergência entre governo eoposição. Segundo um autorizado intérprete da trajetória cons-titucional de Minas, o referido ato equivale a uma "PequenaConstituição", tal a dimensão da matéria incluída nas disposi-ções transitórias:

Ao lado de normas típicas desse setor, regulando situaçõesdo Direito Transitório, convivem numerosas regras que fo-ram elaboradas para preservar interesses da correntemajoritária na Assembléia Constituinte, que assim passa-va a condicionar a conduta do Poder Executivo do Estado,então entregue ao partido da oposição, que triunfara nas

50eleições populares de janeiro de 1947.

De fato, tais regras demonstravam a intenção da maioria,capitaneada pelo PSD, de legitimar a máquina funcional her-dada do regime ditatorial, fechando o espaço de renovação ecerceando a atuação dos adversários que agora ocupavam ogoverno estadual. A Constituição, em seu artigo 159, estipu-lava que "o Estado não despenderá mais de 30% de sua rendacom o funcionalismo" e, atendendo a essa norma de respon-sabilidade fiscal, previa nas Disposições Transitórias: "Nãoserão admitidos novos funcionários para cargos administrati-vos, vagos ou que vagarem, salvo os técnicos, até que a des-pesa com o funcionalismo público se reduza a 30% da receitaestadual". Logo em seguida, no entanto, a Carta concedia es-tabilidade aos funcionários contratados que tivessem mais dedez anos de exercício e efetivava automaticamente os funcio-nários interinos do Estado e dos Municípios com pelo menoscinco anos de exercício. Eram servidores que, em sua maioria,haviam sido incorporados ao quadro burocrático precisamen-te sob os auspícios de Benedito Valadares e seus correligioná-rios do PSD. Além disso, introduziu-se no mesmo anexo um

50 Raul Machado Horta. "Constituições de Minas Gerais". In Assembléia Legislativa do Estado deMinas Gerais, Constituições do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, ALlvIG, 1988, p,411.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

artigo que cancelava todas as multas pendentes, aprofundandoo impacto negativo das Disposições Transitórias sobre as fi-nanças do Estado.

Caça aos comunistas

A eleição do deputado Armando Ziller assinalou a presen-ça de uma força política e social nova no Legislativo mineiro.Embora em condição solitária, como único representante deseu partido, Ziller trabalhou ativamente ao longo de 1947,tendo logrado aprovar na Constituinte sua proposta de supres-são do latifúndio. Líder sindical, presidente do Sindicato dosBancários de Minas (cargo que acumulava com o de deputadoestadual), destacou-se na tribuna por seus discursos em defesadas causas trabalhistas e sindicais. E também por sua defesado Partido Comunista, que enfrentava um processo na JustiçaEleitoral que logo o remeteria de volta à ilegalidade.

O processo começou em março de 1946, com uma denún-cia do deputado federal trabalhista Barreto Pinto, eleito peloDistrito Federal. O procurador-geral, Temístocles Cavalcanti,negou-se a fazer a acusação e foi substituído pelo sub-procurador-geral, Alceu Barbedo. Houve parecer favorável àmanutenção do registro do PCB, de autoria do relator, ministroSá Filho.

Em 15 de agosto de 1946, o Ministério da Justiça suspen-deu por 15 dias o jornal comunista "Tribuna Popular", o queprovocou protestos na Constituinte Federal de quase todos ospartidos (exceto o PSD, partido do governo), assim como daAssociação Brasileira de Imprensa e de outros órgãos da so-ciedade civil. Nos meses seguintes a pressão continuou. Emabril de 1947, foi proibido o funcionamento da União da Ju-ventude Comunista.

Por fim, saiu o resultado do julgamento. O Tribunal Supe-rior Eleitoral, pela Resolução 1.841, de 7 de maio de 1947,publicada em 7 de julho seguinte, cancelou o registro do Par-tido Comunista do Brasil, com base no parágrafo 13 do artigo141 da Constituição Federal, assim redigido: "É vedada a or-ganização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido 179

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DIÁLOGO COM O TEMPO

político OU associação, cujo programa contrarie o regime de-mocrático, baseado na pluralidade dos partidos e nas garan-tias dos direitos fundamentais do homem".

De imediato, Armando Ziller fez um pronunciamento naAssembléia defendendo os mandatos dos deputados comu-nistas. Em depoimento, relata que praticamente não houvereação no plenário, sendo ele benquisto por quase todos oscolegas da Casa. "A imprensa não me atacou e parece-me quefoi contra o cancelamento". 51

A partir daí, cresceu a expectativa em torno da questãodos mandatos dos comunistas. Eles continuariam a exercersuas funções como parlamentares sem partido ou abrigadosem outras legendas? Ou perderiam seus mandatos? Ziller pros-seguiu em suas atividades regulares na Assembléia. As chancesde permanecer não eram grandes, dado o clima de hostilidadeaos comunistas que se avolumava com o começo da GuerraFria, resultando no rompimento das relações diplomáticas doBrasil com a União Soviética, em outubro de 1947.

A questão não era da alçada estadual: seria resolvida peloCongresso Nacional. Mesmo assim, Ziller se pronunciava etentava sensibilizar seus pares. No Natal de 1947, escreveu aeles, acrescentando aos tradicionais votos de boas festas: "Eespero comemorar o ano novo com seu voto, mantendo onosso mandato". 52

Em poucos dias, o suspense acabou. A decisão do Con-gresso foi contrária aos comunistas. Todos perderam seusmandatos. Pela Lei 211, de 7 de janeiro de 1948, entre oscasos de extinção de mandatos parlamentares incluía-se "acassação do registro do respectivo partido, quando incidirno S 13 do artigo 141 da Constituição Federal". Ademais, "asMesas dos Corpos Legislativos a que pertencerem osrepresentantes declararão extintos os mandatos", após seremcomunicadas pelo órgão judiciário ou autoridade que tivercassado o registro.

E assim aconteceu. No dia 10 de janeiro, reuniu-se pelaprimeira vez a Comissão Permanente que representava a As-sembléia durante o recesso. Tinha em mãos o telegrama dopresidente do TSE comunicando a cassação do registro do

51 Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Armando ZiUer. Belo Horizonte, 2000 (ColeçãoMemória Política de Minas), p. 239-240.52 Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Armando Ziller. Belo Horizonte, 2000 (ColeçãoMemória Política de Minas), p. 254.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Partido Comunista. Nessa reunião, Armando Ziller tentouuma última cartada, requerendo dos colegas o exame cui-dadoso do assunto. Para ele, a lei recém-aprovada feria "aConstituição Federal e a autonomia dos Estados, além dehumilhar o Legislativo mineiro, que votou quase unanime-mente contra a cassação de mandatos". O requerimento foiindeferido. Discutiu-se apenas se a Comissão Permanentetinha competência para resolver o assunto, uma vez que oestatuto era omisso a respeito. Concluiu-se que tinha com-petência e foram então declarados extintos os mandatos dodeputado Armando Ziller e respectivos suplentes do Parti-do Comunista.

Reparação a Ziller

Na sessão de 21 de junho de 1948, o nome de Armando

Ziller voltaria à baila, e de forma surpreendente. Oscar

Corrêa, da UDN, o homenageou, notando que ele havia

reassumido seu lugar de simples funcionário do Banco do

Brasil. E pediu que fosse apurado o motivo da remoção de

Ziller para o Rio de Janeiro, que lhe parecia ligada a algum

tipo de perseguição política. Essade fato ocorreu, na

esteira de uma intervenção no Sindicato dos Bancários que

levou à destituição da diretoria e à transferência forçada de

seus membros para outros Estados.

Ziller não voltou mais à Assembléia depois de cassado:

"Como é que eu iria aparecer em uma casa de onde

me expulsaram? Só se eu não tivesse vergonha." 53

Reapareceu postumamente, quando foi publicado o

depoimento que concedeu à equipe de historiadores da

Assembléia durante vários meses de 1992. O volume foi

lançado após seu falecimento, em evento que teve o

significado de uma reparação histórica ao primeiro

representante das forças de esquerda que tomou assento

na Casa. Significativamente, no mesmo evento foi lançado

o depoimento de Oscar Corrêa, que esteve presente e

recordou em discurso aquela fase da vida da Assembléia

de Minas.

53 Armando Ziller, p. 245. 181

Page 95: Diálogo Com o Tempo

182

DIALOGO COM O TEMPO

Pluripartidarismo e alianças das elites

o quadro partidário que emergiu em 1945 trazia umarealidade nova para a política mineira: o pluripartidarismo.Na Monarquia, havia dois partidos de perfil semelhante,pois os republicanos só apareceram no ocaso do regime.Durante a Primeira República, os republicanos estavamtodos abrigados no único partido existente. Depois de 1930,reapareceu o padrão bipartidário, com o Partido Progres-sista e o PRM.

Por certo, de 1945 a 1965, continuou a vigorar a seculartendência da política mineira para a bifurcação em dois cam-pos, pelos quais se ramificam as elites. O PSD e a UDN pola-rizavam a competição eleitoral de alto a baixo, e em inúme-ros Municípios a árdua disputa entre os dois grandes parti-dos se traduzia nas lutas de famílias poderosas que notabili-zaram o "coronelismo". A lógica era a mesma: a política sealimenta de rivalidade, e sem conflito não há mobilização.

O que apareceu como diferente foi a multiplicação de for-ças partidárias, fato que gerou um cenário de alianças tantopara a disputa de eleições quanto para a composição dos go-vernos. No que se refere à Assembléia Legislativa, esse cená-rio tinha a ver com a formação de maiorias parlamentares des-tinadas a dar suporte ao Executivo. O Palácio da Liberdade foiocupado, entre 1945 e 1965, por dois governadores do PSD edois da UDN, sem contar um período de interinidade do PRoComo foi encaminhado o problema do suporte parlamentar aessas administrações?

A fórmula clássica seria a da coalizão eleitoral que se des-dobra em participação no governo. Essa fórmula funcionoudurante todo o período por meio da incorporação dos parti-dos aliados ao secretariado e à direção de outros órgãos estra-tégicos da administração mineira. As empresas estatais ou deeconomia mista ainda eram raras, mas o Estado possuía naépoca quatro instituições financeiras: o Banco de Crédito Real,o Banco Mineiro da Produção, o Banco Hipotecário e Agrícolae a Caixa Econômica Estadual. Possuía também autarquias edepartamentos que prestavam serviços por todo o interior. OEstado sempre padeceu de escassez de recursos, mas dentrodas possibilidades fazia suas obras e desenvolvia programaseconômicos ou sociais que podiam ser estendidos a determi-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

nadas regiões e Municípios pela mediação dos parlamentares,atendendo a reivindicações dos chefes políticos locais.

Nomear e exonerar

Um mecanismo de grande importância para os Deputados

era a possibilidade de influir decisivamente nas nomeações

de funcionários estaduais de maior graduação para suas

regiões. Delegados de polícia, coletores de impostos e

diretores de escolas eram os cargos que representavam por

excelência o poder estadual em cada Município. Assim, o

seu preenchimento era um dos trunfos principais do

Deputado para consolidar sua posição de mando como

membro do partido ou aliança governamental. O prestígio

local do Deputado dependia, em boa parte, do

atendimento de suas indicações para os cargos estaduais

nos Municípios em que era mais votado. Por isso, era

importante o seu empenho, a cada eleição, em prol do

candidato ao governo e da vitória do partido no Estado.

Todos os governos mineiros do regime de 1946 tiveramque se organizar dessa forma. O primeiro deles, eleito em 1947,foi pautado por um protocolo entre a UDN e o PR queexemplifica bem a questão. O documento, assinado pelos di-rigentes dos dois partidos e referendado pelo candidato a go-vernador, continha os seguintes critérios:

1 - Para a organização de seu Secretariado, o Dr. MiltonCampos tomará em consideração as sugestões de cada um

dos partidos coligados e, tratando a todos em igualdadede condições, fará a escolha de seus Secretários dentre osmelhores, mais capazes do exercício das funções, ou entãoterá a iniciativa de fazer a escolha convidando elementosdos quadros partidários, tendo em apreço o assentimentodo partido a que pertencer o convidado.

2 - Sempre respeitados os direitos de todos os cidadãos,adversários ou correligionários, nas nomeações em Muni-cípios do Estado que forem atribuição exclusiva do PoderExecutivo, ter-se-á em conta a recomendação das maio-rias municipais, observando os critérios de competência e

seleção, assim como conceder-se-á às minorias, quandopossível e nas mesmas condições, o direito de serem aten- 183

Page 96: Diálogo Com o Tempo

184

DIÁLOGO COM O TEMPO

didas, em proporção de suas expressões eleitorais. Ressal-va-se sempre o princípio de que a atenção dispensada àsrecomendações não impedirá que a administração exone-re o recomendado sempre que o interesse público o exija,respeitado o direito da corrente respectiva de fazer indi-car o substituto.

3 - Se o Vice-Governador tiver de exercer o Governo deve-rá orientar-se segundo o acima declarado.

4 - Onde for vitorioso o PSD, o disposto na cláusula segun-da se aplicará aos partidos restantes na proporção de suasforças eleitorais.

Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1946.

Pedro Aieixo, pela UDN

Feliciano Pena, pelo PR

Milton Campos 54

Após o pleito, ficaram definidas as proporções de votos decada corrente coligada, sobre as quais se fariam as indicaçõespara cargos da administração estadual. Milton Campos orga-nizou o secretariado de acordo com o protocolo. A UDN pre-encheu três Pastas (Interior, Finanças e Agricultura, esta últi-ma uma espécie de Secretaria de Economia, pois abrangia tam-bém Indústria, Comércio e Trabalho), o PR, duas (Educação eChefia de Polícia, esta chamada mais tarde Secretaria de Segu-rança Pública) e o PSD Independente, uma (Viação e ObrasPúblicas). Para a Secretaria de Saúde e Assistência, criada em1948, foi convidado um cientista de renome, apartidário.

No entanto, o Executivo tinha dificuldades na Assembléia,onde sua área de apoio era numericamente precária. O blocode oposição PSD-PTB reunia 35 deputados, número equiva-lente ao da coalizão governista, integrada pela UDN, PR e maisalguns deputados de pequenos partidos. Nesse contingenteestavam nove deputados do PSD Independente, eleitos pelaslegendas da situação. Milton Campos, contudo, conduziu comserenidade as relações com o Legislativo e, mais tarde, emabril de 1948, alcançou uma pequena maioria pelo apoio deuma facção do PSD, denominada Ala Liberal, composta deparlamentares da Zona da Mata que seguiam a liderança doex-deputado federal Luiz Martins Soares. Esse apoio era opor-

54 Documento reproduzido de: José Bento Teixeira de SaBes. Milton Campos, uma vocação liberal.Belo Horizonte: Editora Vega, 1975, p. 148-149.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

tuno, mas requeria do governo mais trabalho para acomodarnos Municípios os novos aliados com os anteriores, dado queem muitos casos eles eram adversários históricos. A partilhade poder, em tais situações, era especialmente difícil para aUDN, cujos quadros lutavam na oposição há tantos anos etinham agora que assimilar composições inesperadas e justificá-las aos correligionários.

Fiel da balança

Um fato observável na leitura dos anais é o pragmatismo

do PRe dos setores dissidentes do PSDem sua atuação

parlamentar. Eles votavam com o governo, cumprindo os

compromissos assumidos, mas raramente o defendiam

nos debates. A controvérsia ficava por conta da UDN e do

PSD- o que continuou a ocorrer ao longo de todo o

regime. O PR,sobretudo, jogou com a condição de fiel da

balança e figurou em todos os governos de Minas até que

foi extinto, com os demais partidos, em 1965.

Depoimentos de políticos da época coincidem na opinião

sobre a conduta política do PRoPara Pio Canedo, do PSD,

"como coligado, o PRera muito exigente. Tudo quanto se

dava ao PR,ele achava pouco. (...) O PRcobrava caro, mas

cumpria religiosamente seus acordos." 55 Fabrício Soares,

da UDN, assim recordou a primeira Legislatura, de 1947 a

1950: "O PRvotava com o governo, mas não o defendia.

Terminada a votação, a bancada punha a pasta debaixo do

braço e ia para a secretaria, advogar nomeações." 56

A união em torno de JK

A sucessão estadual de 1950 apresentou um quadro inver-so ao de 1947. A UDN encontrou dificuldades para construiruma fórmula eleitoral viável, enquanto o PSD não só recom-

55 Assembléia Legislativa. Pio Soares Canedo, p. 128 e 130.56 Assembléia Legislativa, Fabrício Soares da Silva, p. 102. 185

Page 97: Diálogo Com o Tempo

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DIÁLOGO COM O TEMPO

pôs sua unidade como mobilizou um leque de apoios capazde lhe garantir nítida supremacia para voltar ao poder.

Do lado da UDN, não houve defecções, mas divergênciassobre o perfil da chapa. Os secretários Pedro Aleixo, AméricoGiannetti e Magalhães Pinto tentaram a indicação do partido,o que gerou certo impasse. Por sua vez, a bancada de deputa-dos federais também a pleiteava e acabou por prevalecer onome de um dos seus, Gabriel Passos.

Do lado do PSD, houve uma recomposição interna entreos "valadaristas" e os dissidentes que haviam se aliado à UDNem 1946. O candidato escolhido, Juscelino Kubitschek, eraligado a Valadares, mas construiu sua candidatura em faixaprópria, somando ao PSD unificado o apoio do PR e de ou-tros partidos menores. Atraiu, além disso, a maioria dos vo-tos do PTB, que decidira abrir a questão. Com essa coalizão,foi o vencedor, com cerca de 55% dos votos válidos.

Para a Assembléia, a eleição de 1950 trouxe modifica-ções em relação à de 1947. O PSD, mesmo unido, caiupara 22 deputados, ao passo que a UDN, com 21, quase oalcançou. Deve-se notar que a repartição das sobras nessepleito já se fez sob a nova regra de distribuição proporcio-nal. A vigorar a leonina regra anterior, a diferença de ca-deiras entre as duas bancadas seria obviamente mais am-pla. O crescimento da UDN, na faixa de 50% (consideran-do o número de 14 deputados que fizera em 1947, semcontar os dois do PSD que nela se abrigaram), refletia ainfluência que exerce a posse do governo estadual: a UDNcresceu tanto em 1950 quanto em 1962, quando ocupavao Palácio da Liberdade, e decaiu nas demais eleições emque disputou como oposição.

A Bancada do PR ficou do mesmo tamanho em 1950, comos nove deputados que elegeu (foram 14 na disputa anterior,mas cinco pertenciam ao PSD Independente). Notável foi ocrescimento do PTB, que ultrapassou os republicanos e che-gou a dez deputados. Outros partidos menores completaramo quadro da Assembléia.

Portanto, a base de apoio parlamentar ao governo de Jus-celino Kubitschek, representada pelas Bancadas do PSD, doPR e do PTB, totalizava 41 deputados. Mas ela podia contartambém com a maior parte dos votos dos pequenos partidos.Apenas o Partido Democrata Cristão (PDC), com três repre-sentantes, ficou na oposição ao lado da UDN.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Juscelino Kubitschek reproduziu em linhas gerais o esque-ma de organização do governo anterior. Repartiu as secreta-rias entre o PSD e o PR, destinando uma Pasta ao PTB. Essamesma aliança formou a base de sua candidatura vitoriosa àPresidência da República em 1955, com a diferença de que,na órbita nacional, o PR era pequeno e os trabalhistas muitomais expressivos do que em Minas, o que lhes propiciou umaquota bem maior da administração federal.

o binômio de JK

o secretariado de Kubitschek era mais político do que o de

Milton Campos, no sentido de que era composto

praticamente de deputados federais e estaduais dos

partidos coligados. Mas o secretariado era apenas a

camada visível do governo, que se encarregava dos

assuntos rotineiros e dos entendimentos políticos.

Subjacente a essa camada, foi montada uma administração

paralela, à margem do jogo político-partidário, à qual

cabia executar o programa de infra-estrutura (o binômio

"energia e transportes"), que era a menina dos olhos do

governador. Essamesma fórmula foi depois reproduzida

por ele na Presidência da República.

Poder e crescimento partidário

Em 1954, o padrão de crescimento eleitoral dos partidosgovernistas e de declínio dos oposicionistas se configurou ni-tidamente. Para a Assembléia, a Bancada da UDN foi reduzidaquase à metade: apenas 12 deputados. O PSD cresceu um pou-co, para 25 deputados, assim como o PTB, que aumentou para11 a sua bancada. A ampliação mais notável foi a do PR, que,elegendo uma bancada de 14 membros, mostrou sua capaci-dade de tirar proveito da participação no governo.

Essa eleição foi em outubro de 1954. Daí a um ano, haveriaas disputas para a Presidência e para o governo do Estado,cujos mandatos eram qüinqüenais. Juscelino Kubitschek arti-culava sua candidatura à Presidência e, no começo de 1955, 187

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DIÁLOGO COM O TEMPO

desincompatibilizou-se, passando o governo para o vice, o re-publicano Clóvis Salgado. Este ficou quase um ano no posto epromoveu remanejamentos no secretariado que resultaram emmaior espaço para o seu partido. As Secretarias do Interior edas Finanças, que, pelo seu cunho estratégico, sempre fica-vam com personalidades expressivas do partido do governa-dor, foram então, pela primeira vez, ocupadas pelo PRo

O governador eleito em 1955 foi Bias Fortes, do PSD, quetentava chegar ao cargo desde 1947, quando perdeu para Mil-ton Campos. Dessa vez, alcançou uma grande vitória sobre aUDN, representada pelo deputado federal Bilac Pinto. A ali-ança PSD-PTB-PR continuava sólida, mas outro fator que in-fluenciou a votação de Bias Fortes foi a própria campanhapresidencial de Juscelino Kubitschek, que atraiu forte apoiodo eleitorado mineiro.

Bias Fortes governou respaldado por ampla maioria na As-sembléia. A organização do secretariado e dos demais esca-lões da administração seguiu o padrão tradicional: tal comoseu antecessor, nomeou alguns deputados estaduais para osecretariado.

No meio de seu mandato, em outubro de 1958, houve elei-ção para os cargos legislativos e a Assembléia sofreu modifi-cações. O PSD continuou com a maior bancada, de 24 depu-tados, o que significava ligeira queda em relação à legislaturaanterior. O PR obteve o melhor resultado de sua história, sal-tando espetacularmente para 17 deputados. A UDN caiu maisum pouco, elegendo apenas 11 deputados e tornando-se en-tão a quarta bancada da Assembléia, ultrapassada pela Bancadade 12 deputados do PTB. Digno de nota foi o resultado obtidopelo Partido Social Progressista (PSP), partido que tinha baseem São Paulo, sob a liderança de Adernar de Barros, e queelegeu uma bancada de cinco deputados estaduais. Os outroscinco pertenciam a partidos menores.

A UDN estava fragilizada em Minas, à margem do poder,mas nacionalmente apresentou crescimento, elegendo gover-nadores em Estados importantes e ampliando seu espaço noCongresso. Mesmo em Minas, por sinal, a vitória de MiltonCampos para o Senado, com grande votação, prenunciava umapossível recuperação do partido.

De fato, em 1960, a UDN se impôs, com Magalhães Pinto,à aliança PSD-PR-PTB, cuja hegemonia em Minas parecia ina-balável. Esse triunfo, até certo ponto inesperado, ocorreu na

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

esteira da campanha presidencial de Jânio Quadros, que deuímpeto à oposição. Mas não derivou apenas disso. A campa-nha de Magalhães Pinto foi bem conduzida - com instrumen-tos de marketing político, então em seus primórdios - e puxouo apoio a Jânio no interior. Contudo, outro fator influencioubastante ores ltado: o PSD novamente se dividiu e, tal comoem 1947, pa~ou alto preço pela desunião.

O candidato da aliança governista era Tancredo Neves,com dois vices: Clóvis Sal3ado (PR) e San Thiago Dantas(PTB). A leBislação da época não exigia a vinculação do viceao titular a chapa, o que até favorecia a acomodação dospartidos dentro das alianças. Apesar de sustentada porKubitschek e Bias Fortes, a candidatura de Tancredo Nevesenfrentava resistências dentro do PSD. Houve disputa na pró-pria convenção do partido, uma vez que havia surgido comoalternativa o nome de Ribeiro Pena, apresentado por uma alaliderada pelo deputado federal José Maria Alkmim. 57 Derrotadana convenção, essa ala não acatou o resultado e cindiu oPSD, registrando, pela legenda do PDC, a chapa Ribeiro Pena,para governador, e Alkmim para vice-governador. Os votosque essa chapa obteve fizeram diferença para proporcionar avitória apertada da UDN. Clóvis Salgado voltou ao posto device-governador, embora dessa feita não tenha assumido ocargo durante o mandato.

Na aparência, a situação do governo Magalhães Pinto naAssembléia era difícil, pois a UDN tinha apenas 11deputadosnum total de 72. Mas, na prática, ele não teve problemasgraves lla relação com o Legislativo. Com habilidade, construiuuma relação positiva com o PTB, sobretudo depois que o che-fe desse partido, João Goulart, assumiu a Presidência da Re-pública, em virtude da renúncia de Jânio Quadros. O semprepragmático PR, por sua vez, aproximou-se e uma pequena partedo PSD já se entendia com a UDN desde a eleição.

Assim marcharam as relações entre o Palácio e a Assem-bléia, até que, na eleição parlamentar de 1962, a UDN virou ojogo e fez uma bancada de 26 deputados, que correspondia a36% da Casa. O PTB manteve sua parcela de 12 representan-tes. Já o PSD, estando na oposição, caiu para 18 deputados - opior resultado de sua história. O mesmo aconteceu com o PR,só que em maior escala: a queda foi de 17 para dez membros.

57 Para um relato das divergências no PSD em face da eleição de 1960, ver: Fàulo Pinheiro Chagas. Essevelho vento da aventura: memórias. Rio de Janeiro: José Olympio. 1977, p.412-421 189

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190

DIÁLOGO COM O TEMPO

Enquanto isso, o PSP quase o alcançou, com os nove deputa-dos que fez. Como de hábito, outros pequenos partidos com-pletaram as cinco cadeiras restantes.

Mulheres e sindicalistas

Houve uma grande renovação na Assembléia em 1962.Mais da metade dos deputados se elegeu para o cargo pelaprimeira vez, embora sete dentre eles já tivessem servidocomo suplentes na legislatura anterior. Em geral, os mais jo-vens tinham sido vereadores em seus Municípios: eram 21ex-vereadores. Ex-prefeitos eram vários, mas menos do quena avalanche de 1947. Uma parte dos ex-prefeitos já tinhaingressado na Assembléia em legislaturas anteriores. Dos es-treantes, apenas seis traziam na bagagem a experiência deprefeito.

A comparação entre 1947 e 1962 - ou seja, entre a primei-ra e a última eleição para o Legislativo sob a égide da Consti-tuição de 1946 - também revela certas modificações na polí-tica e na sociedade ao longo dos 15 anos que separaram asduas disputas. Um fato se destaca desde logo: em 1962 foirompido o monopólio masculino da representação parlamen-tar em Minas, com a eleição de duas deputadas: Marta NairMonteiro, dirigente do segmento das professoras, pelo PDC; eMaria Pena, pelo PTB.A maior parte dos novos deputados pertencia a famílias

tradicionais na chefia política de suas regiões. Contudo, al-guns se originavam de estratos sociais mais pobres. E pelomenos quatro deputados se apresentavam como representan-tes orgânicos de suas categorias: além de Marta Nair Monteiro,o seu companheiro de bancada José Gomes Pimenta, maisconhecido como Dazinho, dirigente do Sindicato dos Minei-ros de Nova Lima; e os deputados do PTB Sinval Bambirra eClodsmidt Riani. Bambirra era do Sindicato dos Tecelões deBelo Horizonte e ativista do PCB, partido que continuava ile-gal. Riani, líder dos eletricitários de Juiz de Fora, presidia naépoca a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indús-tria (CNTI).

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Em contraponto, havia também um bom número de em-presários e produtores rurais. Alguns dos novos deputados elei-tos pela UDN, no impulso eleitoral que o partido experimen-tou em 1962, provinham do meio empresarial, com atuaçãoem entidades de classe. Os produtores rurais, como sempre,numerosos na Assembléia, eram oriundos das várias zonasgeoeconômicas de Minas e ligados aos diversos ramos da agri-cultura regional, como a pecuária, a cafeicultura e os cereais.Não havia, no entanto, nenhum representante dos trabalha-dores rurais ou dos pequenos proprietários dedicados à pro-dução de tipo familiar, cuja organização em entidades estavaamadurecendo naquele momento.

Estrutura e funcionamentoEstrutura modesta

Em meados do século XX, a Assembléia ainda funcionavaem moldes modestos. Fabrício Soares, deputado por trêslegislaturas, de 1947 a 1958, assim a descreveu nessa fase:

A Assembléia tinha uma estrutura administrativa simples,modesta. Havia o corpo de taquígrafos (meia dúzia, ou poucomais); a Seção Administrativa, que cuidava do funciona-mento da Assembléia; a Tesouraria, que pagava aosdeputados e cuidava desse setor; o gabinete do presidenteda Assembléia, o do líder da Maioria e o do líder da Minoria(cada qual tinha um secretário, que era ao mesmo temposeu datilógrafo), e dois ou três guardas civis, que mantinhama ordem interna. O corpo administrativo da Assembléia erarealmente simples, modesto e até deficien te.58

A simplicidade da instituição se estendia ao notório sím-bolo de prestígio que é o uso do carro oficial:

O presidente da Assembléia tinha um carro velho, de se-gunda mão, que só ele usava. Ninguém mais tinha automóvel,nem o secretário. Eu, por exemplo, fui deputado por mais de12 anos e nunca usei um carro de chapa branca. 59

58 Assembléia Legislativa. Fabrício Soares da Silva. p. 125.59 Assembléia Legislativa. Fabrício Soares da Silva. p. 106-107. 191

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Como os deputados não dispunham de gabinetes individu-ais, costumavam trabalhar em casa, preparando discursos erelatórios e, à tarde, compareciam à Assembléia para as reuni-ões plenárias e das comissões, que às vezes se estendiam até anoite. Se precisassem atender a eleitores ou outras pessoas,faziam-no no corredor ao lado do plenário ou então no hall deentrada.A duração das sessões legislativas havia sido ampliada em

1947. Se antes a Assembléia funcionava ordinariamente du-rante três meses, agora passaria a funcionar durante seis me-ses, de 15 de março a 15 de setembro de cada ano. No perío-do de recesso, a Casa seria representada pela Comissão Per-manente já instituída em 1935.O velho edifício da Praça Afonso Arinos ficou apertado

para comportar os 72 deputados definidos em 1947, númeromuito superior aos 48 da década de 1930. Além disso, suaestrutura física dificultava enormemente a modernização dosserviços da Casa, vista como necessária diante das mudançasque a realidade política e social impunha ao Legislativo. Pe-riodicamente, a preocupação com essa questão vinha à tonanos debates. No dia 20 de março de 1957, por exemplo, CiroMaciel, do PR, focalizou a precariedade das instalações daAssembléia na seqüência de um pronunciamento de AluízioAutran Dourado, do PSD, a respeito da mudança da Casa paraum novo local.No mesmo ano, a 25 de maio, aconteceu debate interessante

a propósito de uma assessoria técnica que o PTB estava procu-rando organizar. Milton Sales, da UDN, estranhou a iniciativa:"Não é possível que alguns deputados coloquem à sua disposi-ção vários funcionários para que façam sua correspondência".Mas outro deputado da UDN, Paulo Campos Guimarães, via combons olhos a novidade e esclareceu que a assessoria técnica doPTB era constitucional e funcionava em caráter experimental.

De fato, a pauta das matérias em discussão na Assembléiase mostrava cada vez mais complexa, exigindo o apoio deassessores e especialistas. Já ia longe o tempo em que os de-putados só precisavam se reunir por poucas semanas para votaro Orçamento do Estado. Como reflexo dessa complexidadecrescente, o calendário da Assembléia passou por várias mo-dificações nas décadas de 1950 e 1960.Em janeiro de 1951, foi aprovada a primeira emenda à Cons-

tituição Estadual de 1947, segundo a qual a sessão ordinária

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

da Assembléia seria de 15 de junho a 15 de dezembro de cadaano. No início de cada legislatura, a Assembléia seria instala-da em 1° de fevereiro (Lei Constitucional nO1, de 24 de janei-ro de 1951).Em 1956, nova emenda (Lei Constitucional nO 5, de 24 de

dezembro de 1956) modificou a sessão ordinária para o pe-ríodo de 1° de março a 15 de dezembro. Nesse caso, entendeua Assembléia que não seria mais necessária a Comissão Per-manente que representava a Casa durante o longo recesso queantes vigorava em cada ano.Em 1963, alterou-se mais uma vez o cronograma das ses-

sões ordinárias (Lei Constitucional nO 7, de 20 de junho de1963) e a Assembléia passou a se reunir de 1° de fevereiro a30 de junho, entrando em recesso durante o mês de julho evoltando a funcionar de 1° de agosto a 10 de dezembro.Detalhe curioso a ser mencionado é que foi proposto em

1957 o restabelecimento do Senado estadual, idéia amplamenterechaçada. Os pronunciamentos de crítica em plenário frisa-vam sua inconveniência pelos gastos que iria acarretar: "umsaque aos cofres públicos", segundo Teófilo Pires, do PR, dis-cursando no dia 7 de março de 1958.

Plantão nos recessos

A Comissão Permanente, que existiu até 1956, funcionava

durante os recessos e era composta de 18 Deputados. Ela

se reunia uma vez por semana, em média, e tratava de

assuntos diversos que chegavam à consideração da

Assembléia. Recebia despachos do Governador, tais como

vetos, totais ou parciais, apostos a determinadas leis

remetidas à sua sanção. Era comum a discussão em seu

âmbito de problemas ocorridos em Municípios, em virtude

de reclamações encaminhadas por diretórios partidários

ou lideranças locais. Reivindicações referentes à criação de

novos Municípios eram também vocalizadas, sobretudo

nas épocas que precediam a periódica redivisão territorial e

administrativa do Estado, que acontecia de cinco em cinco

anos.

193

Page 101: Diálogo Com o Tempo

194

DIALOGO COM O TEMPO

Rodízio no comando

A Mesa da Assembléia era um órgão importante, mas me-nos decisivo que atualmente, pois a estrutura administrativaera muito menor, tanto na quantidade de seções quanto na deservidores. Politicamente, no entanto, ela tinha papel de relevoe a Presidência ostentava grande prestígio. O presidente eraeleito anualmente, o que não significava necessariamentealteração de nomes.

Na primeira Legislatura (1947 a 1950), houve rodízio entrerepresentantes dos partidos que compunham a coligação deapoio ao governo, exceto a UDN. Feliciano Pena, do PR, presi-diu a Constituinte e, em seguida, a Assembléia foi presididapor deputados da dissidência do PSD: Alberto Teixeira (sessãoordinária de 1947) e Américo Martins da Costa (1948 e 1949).Em 1950 não houve acordo, e Feliciano Pena candidatou-se,ganhando por dois votos de Martins da Costa, que pleiteavaum terceiro mandato.

Já durante os dez anos de hegemonia do PSD, houve ape-nas dois presidentes: José Ribeiro Pena (de 1951 a 1955) eJosé Augusto Ferreira Filho (1956 a 1960). Com a volta daUDN ao governo, o PSD, que era a bancada majoritária, conti-nuou na Presidência por meio de Castro Pires (1961) e PioCanedo (1962). Apenas em 1963, iniciando-se a 5a Legislatura,a UDN alcançou o cargo pela primeira vez, com WalthonGoulart (1963-1964), sucedido por Jorge Vargas, do mesmopartido (1965).

Quanto ao conjunto da Mesa, os arranjos variaram bastanteao longo do período. Na la Legislatura, somente em 1947 aMesa contou com representantes de todos os partidos. Em 1948,o PTB esteve de fora, assim como o PSD oficial, que disputoucom candidato próprio e perdeu; todos os membros eram dabase governista. Em 1949, o PTB entrou, mas não o PSD oficial.Em 1950, o PSD voltou à Mesa e a UDN ficou de fora.

A UDN, nessa legislatura, abriu mão da Presidência e de car-gos na Mesa para seus aliados, tendo em vista o fortalecimentodo governo, como recorda Fabrício Soares em seu depoimento:

Nas eleições para os cargos de direção da Assembléia -não só da Comissão Executiva, que dirigia a Assembléia,como das comissões especiais -, nós, da UDN, não tínhamos

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

condições de reivindicar nenhuma Presidência, porquenosso objetivo era coordenar candidatos moderados emcada bancada. Queríamos evitar que deputados maisradicais assumissem as Presidências das comissões e

. bl G ' 60crIassem pro emas para o overno e para nos.

De 1951 a 1955, a UDN, na oposição, não integrou a Mesa,que ficou composta apenas de deputados da coligação gover-nista PSD-PR-PTB, completando-se com os partidos peque-nos. De 1956 a 1961, a Mesa foi composta por todos os gran-des partidos, distribuindo-se eqüitativamente os cargos: o PSDna Presidência, a UDN na la-Vice, O PR na 2a-Vice, o PTB na1a-Secretaria e o PR na 2a-Secretaria. A 3a e a 4a-Secretariasficavam com partidos menores, alternadamente. Em 1962,porém, esse arranjo foi interrompido e a UDN ficou novamentede fora. Em 1963, a Mesa voltou a ser consensual, agora coma UDN na Presidência e o PSD na la-Vice. O PTB e o PR per-maneceram nos cargos que ocupavam há anos.

As comissões permanentes

Em 1947, funcionavam dez comissões permanentes: Consti-tuição, Legislação e Justiça, que era a mais importante; Redação;Finanças, Orçamento e Tomada de Contas; Agricultura, Indústriae Comércio; Educação e Cultura; Saúde Pública; Segurança Pú-blica; Trabalho e Ordem Social; Viação e Obras Públicas; e As-suntos Municipais e Negócios Interestaduais. Esta última foi as-sim designada por influência das disputas de fronteira de Minascom o Espírito Santo, que mobilizavam a atenção da Casa.

Em 1951, a Comissão de Assuntos Municipais e NegóciosInterestaduais foi renomeada Comissão de Assuntos Munici-pais e Interestaduais. E a Comissão de Viação e Obras Públi-cas passou a se chamar Comissão de Transportes, Comunica-ções e Obras Públicas.

Em 1952, começou a funcionar a Comissão de Serviço PÚ-blico Civil, totalizando 11 comissões permanentes. Esse nú-

60 Assembléia Legislativa. Fabrício Soares da Silva. p. 103-104. 195

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196

DIALOGO COM O TEMPO

mero permaneceu inalterado até 1965, quando foi criada a12a comissão, de Siderurgia e Mineração, instalada em 1966.

As comissões especiais

Além das comissões permanentes, que se reuniam regular-mente para examinar os projetos e requerimentos de sua alça-da, a Assembléia designava também comissões especiais so-bre assuntos específicos. Em 1948, por exemplo, foi formadauma Comissão Especial de Aproveitamento do Vale do SãoFrancisco, que realizou viagem à região e produziu relatóriode recomendações à Casa, contendo várias sugestões para osplanos em estudo na área federal. Tais sugestões abrangiam asaúde pública, as vias de transporte, a educação, a agricultu-ra, a navegação do rio e outras ações de competência federal.Instalavam-se, igualmente, comissões de sindicância e in-

quérito, em geral por iniciativa da oposição. Durante a décadade 1950, a UDN se empenhou em promover sindicâncias emduas companhias estatais criadas pelo governo JuscelinoKubitschek - a Frigoríficos Minas Gerais S.A. (Frimisa) e a Fer-tilizantes Minas Gerais S.A. (Fertisa) - sobre as quais circula-vam denúncias e reportagens negativas. Mas a iniciativa àsvezes partia de deputados da própria área governista, comofoi o caso da CPI proposta por Hernani Maia, em 1957, paraapurar as ilegalidades na ocupação de terras devolutas e naextração de madeira no Leste do Estado.O ímpeto investigativo com que se praticava a função

fiscalizadora da Assembléia incomodava os deputados gover-nistas. No dia 29 de maio de 1957, Luiz Maranha, do PSD,questionou a profusão de comissões de inquérito, ironizando:"então, transformemos o Poder Legislativo em delegacia depolicia especializada" .

Chicote na TV, tiros no plenário

O Deputado Luiz Maranha foi o pivô de um dos mais

célebres inquéritos da história da Assembléia, que

investigou uma inusitada troca de tiros em plenário entre

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

ele e Hernani Maia. Foi no dia 21 de setembro de 1960, no

início da tarde, quando se abria a sessão. Segundo as

peças do inquérito, Maranha estava no fundo do plenário,

conversando com jornalistas, quando Maia, que

caminhava no lado oposto, a ele se dirigiu. Depois de uma

rápida troca de palavras, Maia fez menção de se retirar e

subitamente vibrou-lhe uma chicotada, embora não o

atingisse. Maranha voltou-se e buscou uma arma na

cintura. Demorou um momento para desabotoar o coldre

e, ao consegui-lo, atirou na direção de Maia. Este se

protegeu, agachado entre as cadeiras, e revidou com sua

arma, até que se esgueirou para fora do plenário e saiu do

edifício pela escada dos fundos. Os depoimentos

mencionam outros tiros, que teriam sido desferidos das

galerias; algumas pessoas, de fato, foram em seguida

desarmadas pelos guardas que serviam à Casa.

Na origem do atrito entre ambos se achava um suposto

"protocolo secreto" referente à eleição para o Governo do

Estado, marcada para o início de outubro daquele ano. O

PSD,o PRe o PTBeram aliados na eleição em torno da

candidatura de Tancredo Neves a governador, tendo dois

candidatos a vice-governador: Clóvis Salgado (PR)e San

Thiago Dantas (PTB).O acordo entre os partidos aliados se

realizou com base num acordo formal, mas foi revelada

por Maranha (que era dissidente do PSD)a existência de

um acordo extra-oficial, secreto, assinado pelo Governador

Bias Fortes e pelos candidatos Tancredo Neves e Clóvis

Salgado. Diante dessa revelação, Hernani Maia, que já

havia tratado da questão dentro do seu partido,

insistia na divulgação do indigitado protocolo, em

virtude da gravidade do fato, que poderia comprometer a

confiança política do partido nos seus parceiros. Mas,

como Maranha não exibia a cópia do protocolo que dizia

possuir, Maia se sentia em posição incômoda, por não

poder substanciar com provas a discussão que havia

provocado no PTB. Essaexplicação está registrada no

depoimento de Maia colhido no inquérito.

O relator do inquérito, Sady da Cunha Pereira, do PR,era

2°-secretário da Mesa. Recorda que o assunto se tornou 197

Page 103: Diálogo Com o Tempo

198

DIÁLOGO COM O TEMPO

público em um programa na TV Itacolomi conduzido pelo

apresentador Oswaldo Sargentelli, de que os dois

deputados participaram:

Lá nesse debate, Hernani Maia, que era do PTB,disse:

"Olha, eu só acredito nesse protocolo, na existência ou

não, se o senhor exibir o protocolo para mim aqui." E

Luiz Maranha: "Não. O protocolo existe .... " Ficaram

naquela conversa. Então, aquilo rendeu umas duas

sessões de debate na TV. Acabou que Hernani Maia, no

segundo debate, sacou um chicote. Chicote! Dessesde

chicotear cavalo! Sacou-o de dentro do paletó e mostrou

para o público: "Ou ele leva esse protocolo à Assembléia ...

Se ele não levar esse protocolo e não mostrar para mim, na

Assembléia, durante o horário normal, regimental, eu vou

dar uma chicotada! No rosto!" Eaí Luiz Maranha disse:

"Bom, você não vai tentar, porque se você fizer isso eu vou

reagir!" Terminou o programa e, no dia seguinte ... Eu

confesso que eu nunca vi a Assembléia tão concorrida.

Porque o povo ... Os mesmos que aplaudem, que votam,

que te levam lá para a Assembléia, votando, são as mãos

que vão para atiçar ... 61

Percebendo o clima de tensão, durante alguns dias o

Presidente deu um jeito de evitar a abertura das sessões

por falta de quorum, para não dar margem ao conflito

anunciado. Até que, no dia 21 de setembro, parecia que o

ambiente se acalmara e a sessão foi aberta. Então, durante

a leitura da ata, ocorreu o insólito duelo.

Fez-se o inquérito, ouvindo diversas testemunhas, inclusive

alguns Deputados que estavam presentes à sessão, bem

como alguns populares suspeitos de terem desferido tiros

a partir da galeria. O relatório recomendava o

encaminhamento do inquérito com as peças que o

acompanhavam ao Judiciário, para o devido processo

criminal. Mas a Assembléia preferiu tomar uma decisão

apaziguadora, segundo Sady da Cunha:

Nós fizemos uma sessão secreta para a Assembléia julgar o

meu parecer. E, nessa sessão secreta, Horta Pereira, que era

61 Entrevista com Sady da Cunha !'ereira, Belo Horizonte, 7 de junho de 2005.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

da UDN e veio a ser depois desembargador, achou que

deveria modificar meu parecer. Mandar o processo e os

instrumentos que foram apreendidos, os revólveres, e

foram muitos, aquela coisa toda, o chicote ... Mas não dar a

licença para que o tribunal os processasse e os julgasse

para lá. Então ficaram elas por elas e assim terminou a

história. O próprio Presidente da Casa fez uma reunião

com os dois, com a nossa presença (a Executiva), para pedir

que eles fossem desarmados. Que eles fossem desarmados

no espírito e na cintura.62

o incêndio de 1959. Suspeito?

Quando ocorreu o surpreendente tiroteio de 21 de setem-bro de 1960, a Assembléia estava em novo local, a antiga Casad 'ltalia, à Rua Tamoios, pois, um ano antes, o velho prédio daPraça Afonso Arinos fora destruído por inesperado incêndio.

O incêndio ocorreu na noite de 16 de setembro de 1959.Devido à estrutura de madeira, o fogo se alastrou rapidamentee em pouco tempo o telhado desabou. As chamas consumi-ram quase tudo que havia dentro: o plenário, as galerias, assalas da Maioria e da Minoria, a sala das comissões, os arqui-vos particulares dos deputados, a contabilidade e o serviço depessoal. Grande parte da biblioteca se perdeu, bem como pra-ticamente todo o mobiliário. 63

Uma das perdas mais lamentadas foi a da grande tela deAntônio Parreiras que ficava na parede principal, atrás da MesaDiretora, retratando a cena da execução de Felipe dos Santos.Uma pintura de grande valor artístico, sem falar do seu signi-ficado como representação de um fato histórico fundante daidentidade mineira.

Os jornais do dia seguinte noticiaram que cerca de 10 milpessoas acorreram a presenciar o incêndio. Os bombeiros [0-

62 Entrevista com Sady da Cunha Pereira, Belo Horizonte, 7 de junho de 2005.63 Depoimentos de funcionários que testemunharam o incêndio se encontram em: Márcio Paulo deAndrade (org.). A Casa do Povo: histórias que us anais não registraram. Belo Horizonte: AssembléiaLegislativa, 1992. 199

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200

DIALOGO COM O TEMPO

ram chamados e contaram com a ajuda do Exército, da Políciae da Guarda Civil, bem como de populares. Todos se empe-nhavam em salvar o casarão, mas sem sucesso, tendo inclusi-ve faltado água para os bombeiros.

Conforme registrou o "Diário de Minas", quase todos osdeputados compareceram ao local, "alguns em mangas de ca-misa". A reportagem do "Estado de Minas" observou que al-guns deputados davam ordens aos bombeiros, atrapalhando obom andamento dos trabalhos.

Por fim, salvaram-se os arquivos da Minoria e da Maio-ria, os arquivos do presidente e do secretário da Assem-bléia e também os arquivos particulares dos deputados PioCanedo, Paulo Campos Guimarães e João Navarro, segundoos jornais.

A "Folha de Minas" anotou um fato pitoresco: o funcioná-rio Odilon Dutra enfrentou as chamas e conseguiu buscar seupassarinho, mas esqueceu em sua mesa uma soma razoável dedinheiro, que foi todo queimado.

A impressão inicial foi que toda a documentação da Assem-bléia estava perdida. Depois se constatou que nenhum projetoimportante tinha sido afetado. Mas a "Folha de Minas", emmatéria intitulada "Queimou o de imposto, salvou-se o de au-mento", noticiou que os projetos de aumento do imposto devendas e consignações e da taxa de recuperação econômicatinham sido destruídos pelo incêndio, mas o projeto de aumen-to de vencimentos do funcionalismo estadual estava salvo.

O que ocorreu, de fato, foi um trabalho dedicado de recu-peração dos papéis, feito por funcionários que serviam à Casa.Como recordou um deles:

Depois que os bombeiros liberaram, fomos ao local onde,anteriormente, estavam instaladas as Comissões e conse-guimos resgatar os fíchários com os projetos. Foi possívelcopiar tudo novamente. As indicações, os requerimentos,d fi "d64to os os projetos oram reconstltUl os.

O escritor e jornalista Djalma Andrade, presença assídua naAssembléia, publicava no jornal "Estado de Minas" uma colunaintitulada "História Alegre de Belo Horizonte", que abordavafatos da política, em formato de crônica e sempre incluía versossatíricos. O incêndio lhe inspirou os seguintes versos:

64 In Márcio Paulo de Andrade [org.),A Casa do Povo.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Vai além de toda idéia

o que o azar nos tem trazido.

O edifício da Assembléia

Todo a cinzas foi reduzido

Horror! Do saguão ao teto

Das salas das maiorias,

O fogo a lamber projetos,

Tribunas, atas e o mais!

O edifício a pandarecos

Foi em horas transformado:

Nem dos discursos o eco

Foi,pelo fogo, poupado!

Com ofogo, no atroz momento

Em que o azar acende o facho,

Dos servidores o aumento

Vai por água abaixo!

O fogo foi provavelmente provocado por curto-circuito,mas surgiu na época uma versão de que ele poderia ter sidointencional. Estava em andamento na Assembléia uma CPIsobre o jogo do bicho e era investigado o envolvimento depoliciais e autoridades com a contravenção. Essa CPI haviasido instalada na esteira de uma operação policial querecebera grande destaque em reportagens do "Binômio",publicadas em junho de 1959. Daí a suspeita de incêndiocriminoso, pois uma parte das provas obtidas pela comissãofoi destruída pelas chamas.65

A Assembléia se transferiu para a Rua Tamoios, no edifí-cio em estilo art déco, de dois andares, que pertencera àCasa d'ltalia e que, confiscado aos italianos durante a Se-gunda Guerra Mundial, vinha abrigando o Grupo EscolarPandiá Calógeras. Nessa casa emprestada, a Assembléia nãopretendia permanecer por muito tempo. Com efeito, em1962 foi promovido um concurso de projetos arquitetônicospara a construção do Palácio da Inconfidência, sua sedeprópria e definitiva.66

65 José Maria Rabelo, Binômio- Edição Histórica. 23 edição. Belo Horizonte, Armazém de Idéias/Barlavento, 2004, p. 39.66 Assembléia Legislativa. Concurso de anteprojetos do Palácio da Inconfidência, sede da Assem-bléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1962. 201

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DIALOGO COM O TEMPO

UDN X PSD

A árdua disputa entre o PSD e a UDN no interior, ecoandorivalidades de famílias e facções municipais que remontavamaos tempos da Monarquia, reproduzia-se também no plenárioda Assembléia. Durante o período em que esses partidos exis-tiram - ou seja, até fins de 1965 -, a cena política mineirapresenciou prélios notáveis entre as duas agremiações. Osdemais partidos não se destacaram nos debates em plenário,com exceção do PTB, que se manifestava bastante a respeitode temas políticos e sociais.

A intensidade das discussões variou, influenciada pelas cir-cunstâncias estaduais e nacionais, bem como pela situaçãoem que se encontravam os partidos. Os debates foram maiscalorosos durante os governos Milton Campos e JuscelinoKubitschek, amainando a partir de então e voltando a ganharfôlego nos primeiros anos da década de 1960, nesse caso emvirtude do ambiente de conflito social e político que precedeua insurreição de 1964.

Como seria de se esperar, o foco dos debates recaía emassuntos relacionados com a administração do Estado - legis-lação, conduta do governo, reivindicações de providências aserem tomadas diante de problemas de interesse de segmen-tos sociais ou econômicos de Minas. Mas muitos desses pro-blemas eram suscitados a partir dos Municípios ou de micro-regiões representadas por deputados de perfil distrital bemmarcado. Assuntos de interesse municipal, portanto, ganha-vam destaque juntamente com os de cunho propriamente es-tadual.

Em toda a longa história da Assembléia, esse nexo estevepresente. Nos discursos e nos depoimentos de deputadosestaduais sobressai a avaliação de que o seu maior interessereside nos laços com o governo do Estado e com as prefei-turas de suas regiões. Os deputados estaduais são elementosde ligação entre as duas instituições. Assim, a eleição dogovernador é muito mais importante para eles que a do pre-sidente da República, pois a esfera de poder a que se repor-tam é a estadual. Na arena nacional, há geralmente um ali-nhamento com os respectivos partidos e seus deputadosfederais.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Pauta nacional

Os temas nacionais que despertaram maior interesse a par-tir de 1947 se relacionavam com as sucessões presidenciais,as quais coincidiam com as sucessões em Minas e, por isso, asestratégias dos partidos levavam em conta as duas realidades.No próprio ano de 1947, o presidente Dutra, eleito pelo PSD,promoveu um acordo do seu partido com a UDN e o PR en-volvendo apoio parlamentar e participação no Ministério, queabria a perspectiva de escolha, em 1950, de um candidato àPresidência representando os três partidos. Esse candidato seriaprovavelmente um mineiro, segundo se especulava nos meiospolíticos e jornalísticos. Contudo, a "fórmula mineira" nãoencontrava receptividade em nenhum dos partidos, na medi-da em que pressupunha como contrapartida uma aliança tam-bém para o governo do Estado e esta se mostrou impossível.A UDN estava no Palácio da Liberdade e desejava continuar,ao passo que o PSD tinha como prioridade reconquistar asrédeas do Estado.

De fato, o acordo de partidos promovido por Dutra não sereproduziu em Minas. Aliás, nem esteve em pauta, como dei-xavam claro os discursos da oposição PSD-PTB na Assem-bléia. E quando chegou o momento da sucessão, os dois ladosse puseram em campo e lançaram candidatos, inclusive emâmbito nacional.

A UDN recorreu novamente ao brigadeiro Eduardo Gomes;o PSD, aliado ao PR, apresentou o mineiro Cristiano Macha-do. Quem venceu o pleito, contudo, foi Getúlio Vargas, peloPTB. "Como ninguém cedeu, e cada um deles tentava anular aindicação do outro, ninguém levou a melhor", disse Lima Gui-marães, do PTB, em discurso que objetava o fato de seu parti-do ter sido mantido à margem das conversas entre os partidosditos "de centro".

A volta de Getúlio Vargas foi divulgada e saudada pelosdeputados do PTB na Assembléia, os quais, por sinal, discur-savam freqüentemente em defesa de seu governo. Após a mortede Vargas, os trabalhistas que lhe eram mais fiéis continuarama reverenciá-lo da tribuna na data de aniversário de sua trági-ca morte, 24 de agosto.

A sucessão presidencial seguinte foi polarizada em Minaspela figura de Juscelino Kubitschek, cuja candidatura ecoou 203

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DIALOGO COM O TEMPO

na Assembléia por meio da bancada governista, que o defen-dia, e da oposição udenista, que o criticava. Depois queKubitschek ganhou a eleição, houve uma conjuntura tumul-tuada no País, assinalada pelo inconformismo da UDN e dosetor militar antipopulista diante dessa nova vitória do esquemavarguista, representado pela aliança entre o PSD e o PTB eprincipalmente pelo vice-presidente eleito, João Goulart, her-deiro polítco de Vargas. A posse de Kubitschek só se viabilizoudepois dOIgolpe de 11 de novembro de 1955, que abafou areação dos setores descontentes. Todo esse processo repercu-tiu em discursos na Assembléia, de lado a lado.

o petróleo é de todos

Um assunto de ãmbito nacional que foi bastante discutido

na Assembléia mineira a partir de 1947 foi a questão do

petróleo, que estava no miolo da agenda política brasileira.

Discutia-se se o Brasil devia adotar um modelo de

exploração aberto às companhias estrangeiras ou

nacionalizar o setor. A discussão prosseguiu com crescente

intensidade até o ano de 1953, quando o Congresso

instituiu o monopólio estatal do petróleo e aprovou a

criação da Petrobras. Entre os políticos mineiros havia pouca

divergência a respeito da solução nacionalista. O PTBera

francamente nacionalista, de acordo com a orientação de

Getúlio Vargas. O PRtinha diferenças internas, mas Arthur

Bernardes, chefe do partido, era um nacionalista histórico

que lutou arduamente no Congresso pela Petrobras. E a

UDN, por sua vez, embora inclinada programaticamente

para o liberalismo econômico, também sustentou a fórmula

do monopólio estatal: o autor do projeto de lei que

resultou na Petrobras foi Bilac Pinto, da UDN mineira.

Prioridade regional

As atenções da Assembléia, no entanto, sempre se concentra-ram nas questões internas do Estado, com os assuntos munici-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

pais ocupando boa parte do trabalho dos seus membros. Repre-sentando diferentes regiões de Minas - que é um Estado muitoheterogêneo do ponto de vista geográfico, econômico e cultural-, os deputados tradicionalmente exercem a função de porta-vozes das carências de seus eleitores e das reivindicações de obrasgovernamentais destinadas a suprir tais carências. Em meadosdo século XX, as obras mais demandadas eram estradas e pon-tes, além da construção e reforma de escolas elementares, entãochamadas de grupos escolares. Na área de saúde, o Estado aindatinha papel limitado, mas atuava no combate a endemias rurais,em vacinação e serviços de higiene em geral. Nas regiões maispobres, como o Norte e o Nordeste de Minas, o quadro sanitárioera precário e os deputados ali votados tratavam periodicamentedesse tema. Além da saúde humana, o governo de Minasdesenvolvia um constante trabalho de proteção à saúde animal,por meio da Secretaria da Agricultura, tendo em vista a impor-tância da pecuária para a economia estadual. Encontram-setambém nos anais pronunciamentos mais amplos e consistentesde deputados sobre a situação socioeconômica de seusMunicípios, incluindo aspectos históricos com que argumentavampara valorizar as reivindicações que faziam ao governo.

Nos termos da Constituição de 1947, a cada cinco anos adivisão territorial do Estado passaria por revisão com o intuitode proporcionar a criação de novos Municípios. As revisõesaconteceram na forma prevista, começando em 1948, e sempresuscitavam intensos debates. O Executivo fazia os estudos apartir de propostas locais, cujos porta-vozes eram fre-qüentemente deputados interessados, e enviava à Assembléiao quadro da nova divisão territorial para discussão e aprova-ção. Embora a Constituição fixasse critérios demográficos efinanceiros para balizar a decisão, esta resultava, no fim dascontas, de razões políticas. Afinal, a emancipação de uma loca-lidade sempre representa um deslocamento de recursos e depoder dentro do território municipal a que ela até então perten-cia, havendo ganhadores e perdedores - entre estes, os chefespolíticos e o deputado eleitoralmente hegemônico no Municípioque será amputado. Esse tipo de polêmica na Assembléia mineira,já se dava no século XIX, em pleno regime monárquico. E assimcontinuou, como objeto de controvérsias em plenário.

Controvérsias também se davam em torno de denúncias deperseguições políticas nos Municípios. Na primeira Legislatura,cruzavam-se denúncias de retaliações tanto por parte do PSD 205

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DIÁLOGO COM O TEMPO

quanto por parte da aliança UDN-PR. Apenas como exemplo,na reunião da Comissão Permanente em 15 de janeiro de 1948,o deputado Augusto Costa (PSD) protestou, em nome de elei-tores pessedistas de Conceição do Mato Dentro, contra umgrupo que tirou da galeria da Prefeitura os retratos de GetúlioVargas, Benedito Valadares, Juscelino Kubitschek e Ovídio deAbreu. Na mesma reunião, o deputado André de Almeida (PR),que retornava de Rio Casca, leu uma carta do Diretório daUDN que relatava à Mesa, e também ao governador, a exonera-ção em massa de funcionários simpatizantes à coligação UDN-PR, de Raul Soares, feita pelo novo prefeito do PSD. Tratava-sede uma fase de transição para a democracia, depois de muitosanos de regime ditatorial. As práticas denunciadas nãodiminuíram com o tempo, a julgar pela recorrência de reclama-ções semelhantes em plenário até a década de 1960, e até seagravaram durante o regime ditatorial inaugurado em 1964.

Consensos pelo desenvolvimento

Quanto aos temas propriamente estaduais, alguns geravamfortes divergências partidárias, ao passo que sobre outros haviarazoável consenso ou, pelo menos, desinteresse pelo debate.

Um assunto que atravessou as décadas de 1940 e 1950 foi odas disputas fronteiriças de Minas Gerais com o Espírito Santo.Era um impasse que vinha desde a época colonial e que se agra-vou no século XX. A zona litigiosa preocupava porque serviade refúgio a criminosos procurados nos dois Estados. Em 1947,informações sobre o recrudescimento do conflito foram venti-ladas na Assembléia, suscitando críticas unânimes ao compor-tamento das autoridades do Espírito Santo, acusadas de forçara ocupação de território que os mineiros consideravam seu pordireito. O governador Milton Campos agiu com firmeza e todosos partidos na Assembléia lhe deram respaldo. Milton Camposhavia sido, quando deputado estadual, em 1935-37, o advoga-do de Minas na disputa de fronteiras com São Paulo, tendo al-cançado um acordo satisfatório com os paulistas. Com oscapixabas, no entanto, o encaminhamento foi mais difícil. Apolêmica cresceu em 1948 e continuou a ecoar na Assembléia

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Legislativa, de modo intermitente, por muitos anos, até mea-dos da década de 1960, quando o governador Magalhães Pintoassinou com o seu colega do Espírito Santo um documento quesolucionou em definitivo o conflito. Nesse assunto, foi notávela unidade da Assembléia, fator importante para o esforço doExecutivo em resguardar os interesses de Minas.

Também houve relativo consenso durante o governo de Mil-ton Campos, em torno da política econômica consubstanciadano Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção.O plano tinha um conteúdo abrangente, contemplando os di-versos segmentos da economia mineira e, diante disso, a atitu-de da oposição foi, em geral, cooperativa. Em junho de 1948,por exemplo, foi apresentado na Assembléia o Projeto nO 619,assinado por diversos deputados do PSD, propondo a cessão detratores e máquinas a cooperativas rurais com recursos do plano.A iniciativa estava de acordo com as diretrizes do programagovernamental e o projeto era justificado com a afirmação deque "o agricultor quer cooperar na execução do Plano de Recu-peração Econômica e Fomento da Produção, mas as dificulda-des com que luta são inúmeras".67

Além do mais, os deputados não dispunham de condiçõestécnicas para questionar a fundo um plano de desenvolvimentoregional, pois a Assembléia não mantinha assessores e os par-lamentares por si mesmos não teriam tempo e nem conheci-mentos suficientes para isso. Naquela época, o Brasil aindaengatinhava nos estudos macro-econômicos e nas estatísticasde contabilidade pública.

Sucesso energético

Outra área de convergência entre os partidos nos primeirosanos de funcionamento da Assembléia foi a da política deeletrificação do Estado, que representou um dos grandes êxitosde Minas Gerais no rumo da sua industrialização.

O Estado ingressara efetivamente na geração de eletricidadedurante o governo Benedito Valadares, construindo pequenas

fi7 Diário da Assembléia. Minas Gerais, 24 de junho de 1948. 207

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DIÁLOGO COM O TEMPO

usinas para atender a demandas específicas (como a da Cida-de Industrial de Contagem). Em meados dos anos 1940, LucasLopes, secretário da Agricultura, coordenou uma primeira ten-tativa de planejamento energético para Minas, pautada pelaidéia de superar o obstáculo que a escassez de energia opunhaà industrialização estadual. Essa idéia foi reiterada logo emseguida pelo Plano de Recuperação Econômica e também pelaConstituição Mineira de 1947, que incluía, por emenda dodeputado Tancredo Neves (relator da Carta e líder da oposição),um artigo que criava o Fundo de Eletrificação do Estado. Emnovembro de 1949, a Assembléia aprovou a Lei 510, propostapelo Executivo, que autorizava o governo estadual a organizarsociedades de economia mista e delas participar como sócio,controlador ou não, numa antecipação do modelo de parceriapúblico-privada de hoje. Tomaram-se, então, as primeirasiniciativas nesse sentido.

O passo principal, porém, foi dado com o preparo de um Pla-no de Eletrificação bastante completo, ao qual a Lei 510 tambémse referia. O estudo foi encomendado a uma empresa deconsultoria, a Companhia Brasileira de Engenharia, e formou-seuma equipe cuja figura central era Lucas Lopes, ao lado de jo-vens técnicos com experiência no setor. O Plano de Eletrificação,publicado em 1950, continha um amplo diagnóstico da econo-mia mineira do qual se extraíam diretrizes para uma políticaenergética cujo cerne era a idéia de companhias regionais decapital misto, coordenadas por uma holding. Esse formato visavaevitar a dispersão de investimentos, concentrando-os em projetosestrategicamente definidos para priorizar a demanda industrial.Além disso, esperava-se a participação de capitais locais nascompanhias descentralizadas.

Logo em seguida, Lucas Lopes assessorou JuscelinoKubitschek em seu programa de governo e, com a vitória des-te, foi convocado para pôr em prática o plano recém-elabora-do. Aceitando a tarefa, atraiu para Belo Horizonte alguns com-ponentes da sua equipe técnica e tomou as providências ini-ciais. Em agosto de 1951, Kubitschek enviou mensagem à As-sembléia que, reproduzindo partes do Plano de Eletrificação,definia a primeira etapa a ser cumprida para sua execução. 68

Dessa mensagem se originou a Lei 928, de dezembro de 1951,

68 Clélio Campolina Diniz. Estado e Capital Estrangeiro na Industrialização Mineira. BeloHori-zonte:Editora UFMG, 1981, p. 72.

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

dispondo sobre a organização de uma sociedade de economiamista destinada a financiar e executar serviços de energiaelétrica. Finalmente, o Decreto 3.710, de fevereiro de 1952,criou a Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), que foiinstalada em meados do ano.

Em cerca de dez anos, portanto, desde a criação da CidadeIndustrial, em 1941, até a criação da Cemig, o governo doEstado conseguiu formatar um modelo inovador e bem-sucedido para superar o estrangulamento energético queimpedia a expansão industrial de Minas.

Um fator preponderante para esse êxito foi a linha de con-tinuidade administrativa imprimida ao setor, a despeito dasdiferenças políticas e partidárias dos três governos que traba-lharam no assunto (Benedito Valadares, Milton Campos e Jus-celino Kubitschek). As administrações se encadearam umasàs outras, não desfazendo o que encontraram em andamento.E a Assembléia, com o seu apoio aos projetos do Executivo,teve parte destacada nesse esforço de modernização da infra-estrutura regional.

Divergências acirradas

A oposição do Bloco PSD-PTB a Milton Campos se expri-miu, de preferência, contra iniciativas que conferiam marcapositiva ao governo, como a do Ensino Agrário Ambulante,um projeto de extensão rural que se tornou popular no inte-rior. Em outro terreno, o da cultura, as restrições da oposiçãofuncionaram. O governador tinha em mente criar o Departa-mento Estadual de Cultura, para o qual pretendia convidar opoeta Carlos Drummond de Andrade, mas a oposição objetoua idéia por julgá-la financeiramente onerosa ao Tesouro.69Somente em meados da década de 1970 é que foi criado umórgão específico para o setor, a Coordenadoria de Cultura, quese transformou, em 1983, na Secretaria de Cultura.

No governo seguinte, as posições se inverteram e a UDNfez oposição cerrada ao programa mais marcante de

69 José Bento Teixeira de SaBes.Milton Campos. p. 91. 209

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DIALOGO COM O TEMPO

Kubitschek, o de construção de rodovias. A política econômicadessa gestão se pautava pelo binômio "Energia e Transportes",que envolvia a política de eletrificação, por meio da Cemig, e oincremento da malha rodoviária, por meio do Departamento deEstradas de Rodagem (DER), órgão criado em 1946 e queadquiriu, sob Kubitschek, grande peso na administração minei-ra. A oposição reagia ao que considerava intenção do governa-dor: liquidar com a UDN por pressão político-eleitoral nosMunicípios e por maciça publicidade de suas realizações juntoà opinião pública. "O Juscelino incompatibilizou-se com a UDN,porque ele, claramente, quis acabar com ela", afirmou OscarCorrêa, um dos deputados mais combativos da oposição naLegislatura 1951-1955,7° Tratava-se então de manter a UDNviva, o que não era tarefa fácil para um partido distante dopoder, tanto na esfera estadual quanto na federal.

A bancada da UDN nesse período era grande e muito ativa.Tinha componentes moderados, mas celebrizou-se pela persis-tência de um grupo de deputados aguerridos que se assemelhavaà "Banda de Música" da UDN na Câmara dos Deputados. Alémde Oscar Corrêa, faziam parte desse grupo Fabrício Soares, DnarMendes, Manuel Taveira e Milton Sales, apelidado de "Ferrinhode Dentista", por incomodar incansavelmente os governistas.

Para financiar seus primeiros projetos, Juscelino Kubitschekprocurou recursos no exterior, que precisavam ser aprovados pelaAssembléia. Sabendo que poderia encontrar dificuldades com aoposição, preparou o terreno, como relata em suas memórias:

Em junho de 1951, após o regresso de José Maria Alkmimda Europa, onde estivera em missão oficial a fim de obter,do grupo financeiro Société Impex, um empréstimo de 20milhões de dólares para a aquisição da maquinaria e doequipamento, promovi uma reunião dos líderes de todos ospartidos - inclusive da UDN - em palácio, para que o

Secretário das Finanças expusesse os pormenores da ope-ração de crédito que ele havia concluído na França. Com-pareceram a essa reunião, por mim presidida, os seguin-tes líderes: Maurício Andrade, do PSD; Amadeu Andrada,da UDN;José Raimundo, do PTB;Juarez do Carmo, do PR;e Lourival Brasil, do PTN.

Procurara fazer tudo às claras, de forma a responder, porantecipação, aos ataques que seriam articulados, sob qual-

70 Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Oscar Dias Corrêa. p. 253.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

quer pretexto, pela oposição. E, mesmo assim agindo, nãoescapei de uma das mais virulentas campanhas já reali-zadas em Minas contra qualquer governador. Na realida-de, para a UDN - ~1tima de incurável ressentimento porhaver perdido as eleições - tudo era motivo para discursosinflamados na Assembléia ou para artigos irreverentes nos

. . 71seus jOrIJOlS.

O receio do governador tinha fundamento, e a aprovaçãonão saiu fácil. Recorda Oscar Corrêa que ele e seus compa-nheiros da UDN fizeram obstrução às votações por nove me-ses, atrasando cada projeto em pauta para evitar a aprovaçãodo famigerado empréstimo:

Juscelino pediu um empréstimo de 2 bilhões de cruzeirospara fazer 2 mil quilômetros de estrada. Acho que eram 2

bilhões, era uma quantia inenarrável. Então, nos dispuse-mos a combater o empréstimo, porque sabíamos que ele iaarrasar a UDN. Ele não queria outra coisa. Sabíamos queele não ia fazer estrada, porque conheCÍamos o Juscelino. 72

As estradas, no entanto, foram se abrindo, embora a pressatalvez comprometesse a sua qualidade. A administração deJuscelino Kubitschek em Minas foi marcada por grandes obras,sobretudo rodoviárias, que, amplamente divulgadas, o proje-taram dentro e fora do Estado a ponto de consolidar suas pre-tensões à Presidência da República.

Publicidade e agricultura

o que desagradava especialmente à oposição era o excesso de

propaganda, a ânsia de aparecer que se atribuía ao governador.

Com isso, ele poderia, de fato, enfraquecer profundamente os

adversários e fechar-lhes o caminho do poder.

Segundo anotou Kubitschek, "se a oposição era forte no

início do quatriênio, ela foi perdendo o ímpeto

gradualmente e, por fim, ficou reduzida aos que

integravam o grupo intransigente da UDN" .73

Em 1953, ele acenou com um acordo com a UDN,

proposta que encontrava receptividade em alguns

71 Juscelino Kubitschek. A escalada política. Rio de Janeiro: 810chEditores. 1976, p. 250.72 Assembléia Legislativa. Oscar Dias Corrêa, p, 156.73 Juscelino Kubitschek. Aescalada política, p. 264. 211

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DIÁLOGO COM O TEMPO

deputados da bancada, mas não na direção partidária e nem,

é claro, no grupo mais atuante que encabeçava a oposição.

Talveznão houvesse clima para acordo, de lado a lado.

De todo modo, a UDN fez um esforço de reativação nesse

momento, lançando um jornal, "Correio do Dia", para

abrir uma fenda na imprensa regional, quase toda

favorável ao governo. Apenas o "Binômio", pequeno

semanário fundado em 1951, representava um

contraponto, com peculiar estilo humorístico que já

começava pelo título: "Binômio: Sombra e Agua Fresca".

Nas críticas veiculadas pela UDN ao governo de Kubitschek

havia uma questão de fundo: o desacordo com o

abandono da agricultura e com a tese do desenvolvimento

seletivo ancorado na industrialização. Em matéria

intitulada "Sem Nenhuma Atividade as Estradas e a

Energia", o Correio do Dia protestava contra a publicidade

feita em torno do binômio "Energia e Transportes",

alertando que "nada haverá para transportar se não for

amparada a agricultura". 74 A idéia de que Kubitschek

tinha "ojeriza pelas atividades agropecuárias do Estado",

como afirmou em discurso o Deputado Amadeu Andrada,

era corrente entre a oposição udenista. Essaavaliação

perpassou não só o mandato de Kubitschek em Minas

como também na Presidência da República.

A calmaria antes da tempestade

Na segunda metade da década de 1950, o clima político naAssembléia foi mais calmo. No tocante à política econômica,por exemplo, o governo Bias Fortes revalorizou a agricultura, oque contornava uma das críticas da oposição ao seu antecessor.a perfil do governador era mais discreto, não provocando aanimosidade quase pessoal que caracterizava os debates deantes. A oposição, por sua vez, se enfraqueceu, em virtude dos

74 Correio do Dia. 14 de julho de 1953.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

resultados eleitorais de 1954 e 1958. Debates houve, e impor-tantes, no plenário da Assembléia, mas eles se fixavam de pre-ferência em assuntos de ordem administrativa. Em certo senti-do, o entrechoque da UDN e do PSD assumia cada vez mais umcaráter de disputa pelo poder em si, principalmente nosMunicípios, reduzindo-se as diferenças de estilo e de idéias queos dois partidos traziam como marcas de origem.

Presença americana

Algumas polêmicas de cunho ideológico, no entanto,

foram levantadas durante a gestão de Bias Fortes. Uma

delas foi o caso do Ponto IV, que se referia a um convênio

assinado por Minas com o governo norte-americano para

assessoria no setor de educação. O convênio tramitou na

Assembléia durante o ano de 1957, acabou aprovado por

vasta maioria, mas diversos deputados se manifestaram em

contrário. Na UDN, Manuel Taveira e Fabrício Soares

questionaram o projeto, reclamando da assinatura do

convênio sem consultar a Assembléia. No PTB,as críticas

vieram de Clodsmidt Riani e Hernani Maia. Os argumentos

contra o convênio eram de cunho nacionalista, mas

naquele momento nem se imaginava que a presença de

especialistas norte-americanos em Minas por meio do

Ponto IV se estenderia da área educacional para a

estratégica, por meio de um programa de modernização

da Polícia Militar que teve influência nos preparativos da

insurreição de 1964.

A segunda metade da década de 1950 recebeu, no Brasil, oepíteto de "anos dourados", dado o florescimento cultural, odinamismo econômico e a estabilidade política que a caracte-rizaram, como uma espécie de calmaria que precedeu a tem-pestade da década seguinte.

Conquistadores baratos e prostitutas

Na Assembléia, discutiam-se assuntos que, embora

tratados seriamente pelos seus proponentes, ganharam com

o tempo a iniludível marca do folclore. Assim, a atenção da

Casa foi mobilizada, em diversos momentos, pela

preocupação de Guimarães Maia, jovem deputado do PR,em 213

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214

DIÁLOGO COM O TEMPO

defender a tradição e os bons costumes em Belo Horizonte. A

12 de maio de 1957, pediu providências urgentes para evitar

a aglomeração de pessoasna entrada das lojas da Avenida

Afonso Pena, principalmente entre as Ruas Espírito Santo e

Carijós, por prejudicarem o livre comércio com "gracejos a

senhoras e senhoritas". No dia 31 do mesmo mês, munido

de diversas cartas de reclamações dos comerciantes daquela

parte da avenida, voltou a reclamar da "malandragem

oficializada", verberando os "bonitões, conquistadores

baratos, desocupados, agiotas, sedutores vulgares e

chantagistas" que circulavam pelo passeio do Café Pérola.

Entretanto, sua indicação não foi aceita pela comissão

respectiva, cujo parecer dizia que, tratando-se de uma via

pública, nada se podia fazer contra os desocupados que

dirigiam gracejos às senhoritas. Mas o bravo deputado não

desanimava em sua cruzada. Na sessãode 1o de novembro de

1957, ele fez nova indicação pedindo o fechamento de uma

"casa de tolerância" em frente ao Colégio Batista, devido ao

"péssimo exemplo" que o estabelecimento dava à juventude.

No pólo oposto se situava Waldomiro Lobo, do PTB, um

dos personagens mais curiosos da história da Assembléia.

Chegou à política com a popularidade de humorista de

rádio, depois de uma variada trajetória que abrangeu até o

título de campeão de boxe. Em 1957, já no segundo

mandato, Waldomiro Lobo empreendeu sua própria

cruzada, mas a favor das prostitutas. Sem nunca usar essa

palavra, aliás. Em junho do ano citado, fez mais de um

discurso defendendo as "senhoras" da Rua Guaicurus,

que estavam sob pressão para abandonar suas casas. Os

atacadistas, que tinham negócios na mesma área, queriam

retirá-Ias dali e afastá-Ias para os bairros periféricos.

Valente, o deputado se opunha frontalmente à

medida e, diante do que considerava perseguição dos

policiais à Zona Boêmia, foi para lá e os enfrentou, o

que exigiu a intervenção do Secretário da Segurança e

rendeu reportagens na imprensa.

A aproximação tácita do PSD e da UDN quanto às idéias erealizações administrativas prosseguiu no governo Magalhães

I-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Pinto. O PSD sentiu o baque de voltar à oposição - numa Casaem que tinha o comando da maioria -, mas não se produziramdivergências de monta a respeito dos projetos do Executivo.Pio Canedo observa, no entanto, que "o PSD sofreu muito nogoverno Magalhães Pinto". Líder da Maioria em 1961, Canedorecorda a grande reviravolta que aconteceu no terreno políti-co, ou seja, nos espaços de poder:

A paixão dos udenistas aflorou nessa época mais que ante-riormente. Os Secretários eram polêmicos, inteiramente~roltadospara a parte política. (O governador) procurmraserenar, mas não conseguia, porque os Secretários tinhamautonomia em suas respectivas Pastas e exerciam a políti-ca na SllQ maior amplitude. com todo o empenho em forta-lecer a UDN. 75

Era, afinal, quadro semelhante ao que Oscar Corrêa haviaapontado ao atribuir ao governo Kubitschek a intenção de "aca-bar com a UDN".

Pauta trabalhista

Enquanto o PSD e a UDN se alternavam no governo e de-batiam na Assembléia questões políticas e administrativas, oPTB preservava sua aliança política com o PSD, mas desen-volvia uma linha própria de atuação, servindo de porta-voz aproblemas sociais e questões relativas aos trabalhadores. Abancada trabalhista na Assembléia nunca foi homogênea,abrangia deputados da classe média e até mesmo da elite tra-dicional, mas seus componentes mais ativos possuíam origempopular, em geral oriundos do meio sindical. O ponto de uniãodo PTB era Getúlio Vargas e seu legado. Assim, os sindicalis-tas que se tornaram deputados estaduais pelo partidocorrespondiam ao perfil ideológico gerado pelo modelo deorganização de classes - corporativista e atrelado ao governo- estabelecido pela era Vargas. O movimento sindical, no en-tanto, avançou, ao longo do regime de 1946, no sentido da

75 Assembléia Legislativa. Pio Soares Canedo. p. 212. 215

Page 112: Diálogo Com o Tempo

216

DIALOGO COM O TEMPO

autonomia, processo que foi interrompido pela ruptura de1964. A trajetória dos deputados trabalhistas na Assembléiamineira revela essa evolução.

Na primeira Legislatura, representantes do PTB veicula-ram denúncias contra diversas empresas por más condiçõesde trabalho. José Rennó - que, aliás, não era sindicalista, masfuncionário público - notabilizou-se por reiterados discursose requerimentos sobre a siderúrgica Belga Mineira, por nãoamparar os carvoeiros com direitos trabalhistas e por opri-mir posseiros em terras consideradas devolutas no Leste doEstado. Essa campanha de Rennó rendeu respostas veemen-tes dos deputados ligados ao meio empresarial, dos quais omais credenciado era o industrial e banqueiro Antônio MourãoGuimarães. Nas sessões de 11 e 17 de junho de 1948, en-quanto Guimarães trazia à baila informações sobre a assis-tência que a Belga Mineira dava aos seus empregados emMonlevade e divulgava um abaixo-assinado dos mesmos comelogios à empresa, Rennó, com apoio de outros correligioná-rios, questionava o referido documento, declarando que onúmero elevado de assinaturas se devia a pressões da gerên-cia da companhia. A controvérsia se estendeu em plenáriopor vários meses.

As grandes empresas do setor mínero-siderúrgico estive-ram na mira dos deputados do PTB por inúmeras ocasiões. Porexemplo, em 25 de abril de 1957, Waldomiro Lobo discursousobre a discriminação entre alemães e brasileiros na Siderúrgi-ca Mannesmann. Pouco mais tarde, em 16 de maio, HernaniMaia transmitiu uma denúncia contra a Companhia Ferro Bra-sileiro, acusada de expulsar e queimar as barracas de possei-ros de terras devolutas no Município de Dionísio. Eramfreqüentes as denúncias de violências contra trabalhadoresinformais e posseiros, envolvendo não só a Belga Mineira e aFerro Brasileiro, mas também a Acesita. O problema das do-enças causadas pelo trabalho aparecia em discursos sobre asilicose contraída pelos empregados da Mineração Morro Ve-lho, a mais antiga das empresas do ramo.

Os membros da Bancada do PTB também se pronuncia-vam em apoio a movimentos de paralisação do trabalho, di-vulgavam congressos e eventos sindicais, defendiam as rei-vindicações do funcionalismo público e tratavam de progra-mas governamentais de alcance social, como a construçãode casas populares.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

o difícil imposto rural

A área de debates mais quentes na Assembléia, durante oregime de 1946, foi possivelmente a da propriedade da terra.Discutiu-se muito sobre o imposto territorial, as terrasdevolutas e a reforma agrária.

Controvérsias sobre o imposto territorial vinham desde aprimeira fase do regime republicano e não eram novidade noLegislativo mineiro. Era um assunto difícil, em virtude da re-sistência da poderosa classe dos fazendeiros a pagar impostossobre a propriedade. O Estado não podia abrir mão desse tipode taxação, principalmente em épocas de aperto orçamentá-rio, mas encontrava sérios obstáculos políticos para promovê-la de forma compatível com os valores dos imóveis rurais.

Foi o que ocorreu durante o governo Milton Campos. AConstituinte havia acolhido a figura do imposto territorialregressivo e, em outubro de 1947, a Assembléia aprovou umalei de revisão desse tributo. No ano seguinte, parte significativados debates se deu em torno de denúncias de desvirtuamentoda aplicação da lei por parte do Fisco estadual. Enquanto aConstituição recém-promulgada permitia aumento máximo de20% de um ano para outro, os coletores estariam cobrando"valores absurdos", segundo os oposicionistas.

Último de Carvalho, do PSD, um dos críticos mais vee-mentes do governo, discursou a 18 de março sobre o assunto,lembrando que a Assembléia tinha emendado o projeto de leipara proteger o contribuinte do arbítrio fiscal. Mas - acres-centou - a emenda foi vetada pelo governador e assim, comoos deputados tinham previsto, a revisão do imposto foi entre-gue aos coletores estaduais, instruídos pela Secretaria de Fi-nanças a procederem como na época da ditadura. Calorososdebates se seguiram. A 8 de julho, Último de Carvalho voltouà carga, reiterando suas críticas ao secretário das Finanças,Magalhães Pinto, e afirmando que "a ditadura foi mais gentilcom o homem do campo que o atual governo". Afirmaçãoque, naturalmente, gerou um contundente debate com os go-vernistas. Mesmo entre eles, no entanto, havia os que engros-savam a ofensiva, como o fez André de Almeida, do PR, nodia 10 de outubro, ao denunciar a "ilegalidade fiscal deflagradapelo governo", qualificando de ditatorial a conduta de MiltonCampos. 217

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Dez anos mais tarde, sob o governo Bias Fortes, o mesmodebate pode ser encontrado nos Anais. Apenas os partidos eos personagens se invertiam. O secretário das Finanças, alvoimediato das reclamações, era agora Tristão da Cunha, do PR,e quem expunha a posição do governo era o líder Pio Canedo,do PSD.Na ofensiva postava-se a UDN, com eventual ajuda do PTB.

A 4 de abril de 1957, Walthon Goulart, da UDN, discursoucontra o "aumento extorsivo" do imposto territorial, em nomeda diretoria da Associação Rural de Muriaé. Três semanas maistarde, voltou à carga. Outros pronunciamentos se sucederampela voz dos udenistas José Cabral, Milton Sales, ManuelTaveira e Oswaldo Pierucetti, secundados pelos trabalhistasJoão Herculino e Wilson Modesto. No dia 7 de junho, PioCanedo falou em nome do governador, que se mostrava aber-to a uma solução conciliatória. Na mesma sessão, José Cabralapresentou substitutivo, pedindo aos proprietários confiançaem Bias Fortes e em uma comissão que iria reexaminar o au-mento do imposto. Cabral era um oposicionista moderado,bem relacionado nos meios empresariais como advogado tra-balhista do setor patronal. O problema, no entanto, persistiu:na sessão de 23 de julho, Dnar Mendes, da UDN, reiterava natribuna o descontentamento dos fazendeiros diante das revi-sões dos valores das propriedades rurais.

Posse da terra, velha polêmica

A ênfase em temas relativos ao direito de propriedade, so-bretudo no setor rural, marcou a trajetória da Assembléia du-rante boa parte do século XX. A Constituição de 1947 haviaadotado critério restritivo para concessão de terras pelo Esta-do: terras devolutas com mais de 250 hectares só podiam serconcedidas com autorização da Assembléia. Todavia, deputa-dos ligados aos produtores rurais questionavam esse critério etentavam ampliar a margem de concessão.Assim, no dia 30 de março de 1948, o pessedista Carlos

Prates discursou sobre as solicitações freqüentes de ocupan-tes de terras devolutas para que a sua aquisição fosse facilita-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

da. Havia, segundo ele, 1.125 processos referentes a lotes deterras já demarcados para serem vendidos, mas a restriçãoconstitucional estaria a dificultar a conclusão de tais proces-sos. Ele apresentou, então, projeto que autorizava a conces-são de terras devolutas a pessoas com processo de concessãojá em andamento. O projeto teve tramitação rápida e foi apro-vado no mês seguinte.Esse tipo de legislação se destinava aos médios e grandes pro-

prietários, mas havia também iniciativas em apoio aos peque-nos. Em 6 de abril de 1948, o deputado Rennó, do PTB, apresen-tou requerimento, subscrito por outros colegas de bancada, emdefesa de posseiros de Mesquitas e Ferros. Segundo Rennó, eleseram cidadãos mineiros que, após terem lavrado áreas desocu-padas, estavam sendo "perseguidos e enxotados" pela Belgo Mi-neira, que sequer lhes permitia a colheita do que haviam planta-do. Os parlamentares queriam esclarecer se as áreas eram do Es-tado ou não e, se pertencessem à empresa, que se promovesseum acordo para instalar os posseiros em terras públicas.Era o já antigo problema da falta de discriminação das ter-

ras devolutas em Minas. Problema difícil de resolver, tantopelas limitações financeiras e operacionais do Estado, que oinduziam à omissão, quanto pelo emaranhado de escriturasconfusas, cartas de sesmarias, processos de herança e conces-sões administrativas duvidosas, envolvendo posseiros, grileiros(inclusive grandes empresas) e jagunços, sem nunca faltareminjunções políticas para legitimar a apropriação indébita dasterras de domínio público.Em meados da década de 1950, circulavam inúmeras de-

núncias de grilagem e devastação de florestas por madeireirosdas zonas do Rio Doce e do Mucuri, bem como da área contí-gua que Minas disputava com o Espírito Santo. O governomineiro se esforçava para concluir os milhares de processospendentes sobre concessões de terras e tentava, sem muitosucesso, fiscalizar a extração de madeira. O secretário da Agri-cultura, Álvaro Marcílio, foi convocado pela Assembléia paraexpor a situação e o fez em duas sessões, nos dias 2 e 3 dedezembro de 1957,76No dia 2 de dezembro, Marcílio analisou a legislação

fundiária de Minas e tratou especificamente de conflitos

76 A exposição e os debates foram publicados em volume após sua gestão na Secretaria. Ver: AlvaroMarcílio. O problema das terras devolutas e suas matas no Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte.1961. 219

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rumorosos provocados pela ocupação de terras por proprietá-rios de grande porte. Do debate se depreende que a legislaçãoestadual era relativamente falha e, o mais grave, que o Estadoreferendava na prática as ocupações ilegais, ao cobrar impos-tos sobre transações e transmissões por herança de terrasdevolutas, como se elas fossem de fato particulares. Priorizava-se a arrecadação pelas coletorias no interior em detrimento daregularização da estrutura fundiária de modo a resguardar opatrimônio público.

No dia seguinte, Marcílio prosseguiu em seus esclarecimen-tos, abordando a questão correlata das matas e da extraçãoilegal de madeira. Um dos acusados era justamente o autor dasua convocação, Geraldo Landi, do PR, grande proprietário deterras no Vale do Mucuri. E o acusador mais veemente dos"ladrões de terras e de madeiras" era Hernani Maia, do PTB.

Um garçom e o Estatuto da Terra

Hernani Maia exerceu dois mandatos de deputado esta-dual, de 1955 a 1963, e nesse período desenvolveu intensaatividade de plenário. Tinha começado a vida como garçom,tornando-se presidente do sindicato dos garçons de Belo Ho-rizonte. Muito assíduo à tribuna, fez inúmeros pronunciamen-tos a respeito de temas trabalhistas e sociais em geral. A maiorparte de seus discursos, apartes e iniciativas políticas se refe-riam à reforma agrária, que abordava constantemente, muitoantes que essa questão passasse a figurar no núcleo da agendanacional, o que só veio a acontecer no início da década de1960. Já em 1956, encabeçou um manifesto pela reforma agrá-ria que contou com a assinatura de vários membros da As-sembléia. Ao longo de 1957, explorou insistentemente o pro-blema de ocupação das terras devolutas por latifundiários eempresas, bem como as denúncias de extração ilegal de ma-deira, apontando as pressões políticas que cerceavam a açãodos fiscais e funcionários do Estado. Provocou com isso umacomissão parlamentar de inquérito e a convocação do secretárioda Agricultura. Em abril de 1958, mostrava-se animado com acampanha nacional em prol da reforma agrária, que, segundo

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

ele, "deixou de ser privativa do PTB". Na realidade, tantosetores da Igreja Católica quanto os comunistas já se dedicavamhá tempos a essa causa. No mesmo discurso, falou tambémsobre o II Congresso dos Lavradores do Estado e o "manifestopatriótico", divulgado pela Associação dos TrabalhadoresAgrícolas de Minas Gerais (Atamg). Em 1961, seu empenhoem prol da reforma agrária o credenciou a integrar o grupo detrabalho nomeado pelo presidente Jânio Quadros para estudaro assunto, do qual resultou o projeto do Estatuto da Terra, aprimeira lei brasileira de reforma agrária, aprovada peloCongresso em fins de 1964. Esse grupo, presidido pelo senadorMilton Campos, era composto de representantes de órgãospúblicos e privados, assim como intelectuais e políticos quevinham tratando da questão agrária: os deputados federaisBarbosa Lima Sobrinho e Nestor Duarte, Dom Fernando Gomesdos Santos (arcebispo de Goiânia), os professores IgnacioRangel, Rômulo de Almeida, Oswaldo Gusmão e TomazPompeu Accioly Borges, o agrônomo João Napoleão deAndrade (da Associação Brasileira de Crédito e AssistênciaRural) e o presidente da Sociedade Rural Brasileira, IrisMeimberg, além de Hernani Maia.

A renúncia e o golpe fracassado

Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Pre-sidência da República, abrindo com esse gesto uma fase detensão política e militar. A posse de seu sucessor constitucio-nal, o vice-presidente João Goulart, não era aceita pelos setoresmilitares antivarguistas, que comandavam naquele momentoas Forças Armadas. Houve uma tentativa de veto à investidurade Goulart, mas a resistência de entidades da sociedade civil edo próprio Congresso foi vigorosa. Todas as bancadas partidá-rias acabaram por se unir em defesa da legalidade. Surgiu tam-bém uma divisão na área militar, impedindo a consumação dogolpe. Chegou-se, afinal, a uma solução de compromisso, ne-gociada entre os diversos setores, pela qual foi adotado o sis-tema parlamentarista. Goulart tomaria posse, mas com pode-res reduzidos. 221

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Jânio Quadros foi um presidente paradoxal, pois, ao ladode uma política econômica ortodoxa, que agradava aos con-servadores, lançou a "política externa independente", que pro-vocou fundas controvérsias ideológicas, atiçando a opiniãoanticomunista, sempre forte no Brasil.

Desde o começo, a política externa independente de JânioQuadros gerou oposição na Assembléia. Em março de 1961,Euro Arantes, da UDN, propôs voto de congratulações a Qua-dros e a seu ministro do Exterior, Afonso Arinos, pela aberturaque traziam às relações internacionais do Brasil, mas Pio Canedo,líder da Maioria, declarou-se radicalmente contra, exprimindoo sentimento majoritário da Casa. O foco do desacordo era aaproximação com Cuba, que estava implantando um regimecomunista sob a liderança de Fidel Castro. Para Canedo, issoatingia o "sentimento católico do povo mineiro, que devia serrespeitado."77 O requerimento acabou sendo retirado.

Nos dias de agosto que antecederam à renúncia, sucederam-se na Assembléia pronunciamentos contrários a Jânio Quadrose sua política externa. A gota d'água foi a condecoração deErnesto "Che" Guevara, ministro da Indústria de Cuba, com aOrdem do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria brasileira.

Na sessão do dia 21 de agosto, Navarro Vieira declarou queo seu partido, o PRP (que reunia os antigos integralistas), iriareagir energicamente contra a política exterior de Quadros. Nesseperíodo, aliás, caiu o secretário da Agricultura, Abel Rafael Pin-to, que era o principal nome do PRP em Minas, por haver criti-cado o governo federal. Sua saída representou uma demonstra-ção de solidariedade do governo mineiro ao presidente.

No mesmo dia 21 de agosto, Nacip Raydan (PSD) fez umdiscurso criticando o governo por condecorar Guevara. Para ocônego Antônio Pacheco, deputado do PR, a passagem deGuevara pelo Brasil representava os tentáculos de Cuba queprocuravam se estender a toda a América. Jaime Brito (PSP)secundem a crítica e acrescentou: "Há algo de estranho no ce-nário nacional".

Havia mesmo algo de estranho no cenário nacional: umambiente de conspiração que redundou na renúncia de JânioQuadros poucos dias mais tarde.

Embora seja um episódio obscuro, há indícios de que arenúncia resultou de uma conspiração, ao menos latente, en-

77 Ver, sobre a sua posição. Assembléia Legislativa. Pio Soares Canedo. p. 237-241.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

volvendo Carlos Lacerda, governador do então Estado daGuanabara, e o dispositivo militar do governo. O presidente,de sua parte, parecia desejar uma solução "bonapartista" parareforçar o seu poder perante o Congresso, onde não tinhamaioria (e jamais tentou construí-la). A renúncia, nesse caso,seria uma tática de defesa, para voltar ao poder nos braçosdo povo.

Pura ilusão. Criou-se, na verdade, um gravíssimo problemapara os partidos da base governista - a UDN e seus aliados. Ogovernador de Minas, Magalhães Pinto, estava em São Paulo,e tentou demover Jânio, sem êxito. Participou, em seguida,ainda na capital paulista, de uma reunião de governadores,que resolveram pedir formalmente ao Congresso que não acei-tasse a renúncia.

Mas a renúncia foi rapidamente acolhida pelo Congres-so, dominado pela maioria PSD-PTB, partidos que, com isso,esperavam voltar logo ao poder, com João Goulart. Foramsurpreendidos, no entanto, pela resistência militar. Além domais, Goulart estava do outro lado do mundo, em viagemoficial à China. O vazio temporário de poder alimentava acrise.

Magalhães Pinto regressou de São Paulo e foi à televisãoem Belo Horizonte para falar ao público sobre a crise. Rela-tou os fatos acima registrados, pediu calma e confiança nasautoridades e defendeu a legalidade, afirmando que Goulartera o representante legítimo do povo brasileiro.

A renúncia do presidente foi comunicada à Assembléiapor Wilson Modesto, do PTB, que acabara de ouvir a notíciapelo rádio. Wilson Modesto era um político muito próximo aGoulart. O tom do seu discurso deixava entrever as incerte-zas do momento para os trabalhistas. Se verdadeira a notí-cia, disse Modesto, "temos certeza de que os sacrifícios deGetúlio e Juscelino não foram em vão". Sobre a substituiçãodo presidente, salientou que "o povo há de querer ver cum-prida a Constituição" com a posse de Goulart. Não iria acei-tar golpes, nem deixar que o povo fosse ludibriado. "Se aConstituição não for respeitada", arrematou, "hão de chamaro sr. marechal Lott, pois este sabe fazer com que ela seja",aludindo ao contragolpe de 1955 que garantira a posse deJuscelino Kubitschek na Presidência.

Em pouco tempo, o golpe parecia armar-se, a julgar pelosfatos que ocorreram em Belo Horizonte. Prisões de líderes sin- 223

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DIÁLOGO COM O TEMPO

dicais e estudantis, censura aos jornais, movimentação de tro-pas. Circulavam notícias desencontradas sobre as conversa-ções em Brasília, em que se engajavam as autoridades do Con-gresso e os expoentes dos principais partidos, com o objetivode preservar a legalidade democrática.

A Bancada do PTB se destacou na tribuna durante todo otempo em que durou a crise. Na ata da sessão de 28 de agosto,percebe-se o receio do fechamento da Assembléia pelos pro-motores do golpe. Aludindo a essa hipótese, Wilson Modestonovamente discursou, conclamando os deputados a falar edenunciar enquanto podiam.

Clodesmidt Riani transmitiu denúncias de sindicalistas so-bre a prisão de vários dirigentes, por ordem do comando doExército, e sobre a atuação do Dops, a polícia política do Esta-do, perseguindo-os e se infiltrando nas reuniões sindicais. Rianifalou também em nome do IV Congresso Sindical de MinasGerais, do qual era presidente, divulgando um manifesto emdefesa da legalidade. Se a Constituição não fosse respeitada,assinalava o manifesto, "todos os trabalhadores serãoconclamados a paralisar suas atividades". A esse aceno à grevegeral o deputado trabalhista acrescentou um chamamento atodos os seus pares, independentemente de partidos, paradefender a Constituição.

Hernani Maia, na mesma sessão, transmitiu da tribuna umdocumento aprovado em reunião da direção estadual do PTB,em que o partido manifestava sua confiança na preservaçãodo regime democrático, no acatamento da Constituição e naposse de Goulart na Presidência.

Enquanto os trabalhistas se mobilizavam, os membros dasdemais bancadas pareciam aguardar os acontecimentos, inti-midados com a movimentação de tropas, que chegaram a cer-car a Assembléia. Porém, ainda havia margem para comentá-rios jocosos como os de José Fernandes Filho, do PDC, que, àguisa de imitar um dos mais famosos hábitos de Jânio Qua-dros, costumava emitir duas vezes por semana um "bilhetinho"que lia na tribuna. Naquele dia 28 de agosto, ele ressalvouque não iria fazê-lo, pois, "com a profunda transformação nocenário nacional", ocorrera "a supressão de algumas garanti-as, inclusive a extração da Loteria Federal". E explicou: "Hámomentos em que a prudência aconselha o silêncio, e há si-lêncios que falam mais alto que qualquer palavra que se possapronunciar" .

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

No dia seguinte, Fernandes desempenhou uma tarefa maisformal: leu um manifesto do seu partido "a favor do cumpri-mento do preceito constitucional que estabelece a sucessão".Ele próprio esclareceu que havia divergido do partido quantoà candidatura de Jânio Quadros, e agora se via que de fatotinha razão.

Ao PDC juntou-se o PSP, que buscou esclarecer sua posi-ção. Segundo o deputado Said Arges, o partido se reunira etornava público que estava a favor da legalidade. Não porqueseus membros fossem amigos ou correligionários de Goulart.Pelo contrário, não tinham votado nele, mas em Milton Cam-pos (adversário de Goulart no pleito de 1960), "e defendiamjunto com Milton a constitucionalidade e o direito". Arges ar-rematou prometendo que, se não pudesse continuar falandoda tribuna - em dias tão imprevisíveis como aqueles -, falarianas praças e nas esquinas.

O PR tinha uma grande bancada, que não se manifestoupor vários dias, assim como a da UDN e a do PSD. Os trêsgrandes partidos esperavam para ver os desdobramentos. Otrabalhista Wilson Modesto, no entanto, procurou romper osilêncio do PR ao declarar que o vice-governador Clóvis Sal-gado havia tomado a "corajosa posição" de defesa da legalida-de, com a posse de Goulart, mas que "membros de seu partidotêm tentado esconder seu pronunciamento".

A conciliação, via Tancredo

Em âmbito nacional, a posição legalista de importantes li-deranças políticas e da sociedade civil era divulgada, enfra-quecendo o cenário de golpe, pois muitos dos que se manifes-taram a favor dos direitos de Goulart eram de partidos adver-sários ao seu PTB. Entretanto, a censura à imprensa continua-va. Em Belo Horizonte, a diretoria do Sindicato dos Jornalis-tas condenou-a em uma nota na qual defendia firmemente aConstituição e protestava contra as prisões de sindicalistas eestudantes.

No dia 29 de agosto, a Comissão Executiva da Assem-bléia tomou uma primeira posição política diante da crise. 225

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Reuniu-se durante cerca de uma hora, com a participação detodos os líderes de bancadas, e ficou resolvido que a Mesa semanteria em sessão permanente, atenta à evolução dos acon-tecimentos.Os acontecimentos se desenrolavam vertiginosamente. O

Congresso, no dia 30 de agosto, rejeitou por ampla maioria oimpedimento de João Goulart, exigido pelos ministros milita-res em manifesto à Nação. Na área política, a fórmula parla-mentarista já circulava como alternativa, sabendo-se que ovice-presidente a admitira para resolver o impasse.

Brasília fervia, mas em Minas prevalecia a incerteza. O go-vernador Magalhães Pinto adotou comportamento cauteloso,que lhe rendeu críticas muito fortes na Assembléia. Não secompreendia por que os órgãos policiais mineiros estavamefetuando prisões e pressionando jornais. Sob as ordens dequem? Do Palácio ou do Exército? A ambigüidade de Maga-lhães Pinto e sua propalada submissão ao comando militarcontrastavam com a audácia de outros governadores, sobre-tudo Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, e Mauro Borges,de Goiás, que enfrentaram abertamente os golpistas.Na Assembléia, essa linha de conduta se refletia no persis-

tente silêncio das bancadas da UDN e do PRoOs dois partidostinham uma longa história de conflitos com Getúlio Vargas enão nutriam simpatia política por Goulart. Já a bancada doPSD finalmente se pronunciou a favor da posse. Apesar doproverbial receio de Benedito Valadares, presidente dodiretório, diante dos militares, os deputados do PSD foramincentivados por um discurso afirmativo de Kubitschek noSenado. Outro expoente do PSD mineiro, Tancredo Neves,tornara-se o interlocutor-chave de João Goulart paraencaminhar o impasse. Com a adoção do parlamentarismo,Tancredo Neves foi convidado para presidente do Conselhode Ministros, ou seja, primeiro-ministro do Gabinete quegovernou o País de setembro de 1961 a junho de 1962.

Unanimidade contra o golpe

A despeito das diferenças de comportamento entre as

bancadas em face da crise, a Assembléia de Minas viveu

um momento importante na manhã do dia 31 de agosto.

Em reunião extraordinária, os deputados aprovaram por

unanimidade (52 votos) um pronunciamento que, redigido

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

por Patrus de Souza, do PTB, chegara ao plenário assinado

por todos os líderes de bancadas. Segundo esse

documento, a Assembléia reafirmava:

1) seu inteiro devotamento ao regime democrático e

repulsa ao comunismo, ao fascismo e a todas as formas

totalitárias de governo;

2) seu repúdio a quaisquer interferências estrangeiras na

vida nacional;

3) sua fé inabalável na unidade e integridade da Pátria

brasileira;

4) sua obediência e fidelidade à Constituição e às leis;

5) seu apoio e acatamento às decisões do Congresso

Nacional;

6) sua confiança em que as Forças Armadas não

concretizem ato algum contra o regime e a Constituição; e

7) sua definição pela posse na Presidência da República do

vice-presidente João Belchior Marques Goulart, nos termos

da Carta Magna.

A aprovação unãnime dessa proposta, seguida de

U prolongada e entusiástica salva de palmas u, segundo

registram os Anais, ocorria na seqüência da decisão do

Congresso Nacional a favor da legalidade constitucional.

Com ela, o ambiente se desanuviava, ao menos por

algum tempo.

Parlamentarismo efêmero

Contornando o golpe em marcha, o Congresso instituiu oparlamentarismo por meio de Ato Adicional à Constituição de1946. Foi, claramente, uma solução emergencial, que seria logorevertida, reabrindo a crise.O Ato Adicional previa a realização de um plebiscito em

1965 - último ano do mandato -, quando o eleitorado seria 227

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DIALOGO COM O TEMPO

consultado sobre a manutenção do parlamentarismo ou a vol-ta do presidencialismo. Goulart, no entanto, nunca se confor-mou em governar pela metade e desde o começo procurouobter do Congresso a antecipação do plebiscito. Depois de umano, ele o conseguiu, ajudado não só pelos seus aliados doPTB e das esquerdas, mas também por todos os líderes nacio-nais, de vários partidos, que aspiravam se candidatar à Presi-dência em 1965 (Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda, Maga-lhães Pinto, Adernar de Barros e outros). O plebiscito foi afi-nal marcado para janeiro de 1963, resultando em maioria in-contestável em prol do presidencialismo. Representou, para opresidente, uma grande vitória pessoal.

Na Assembléia de Minas, a instituição do parlamentarismoprovocou debates imediatos. Havia desconfiança sobre os ru-mos do País com o novo sistema de governo. Seria possívelconsiderá-lo um avanço? Ou apenas um artifício, uma espéciede golpe institucional? Os deputados mais combativos a favorda posse de Goulart o interpretaram como fruto da imposiçãodos militares. Por outro lado, o parlamentarismo tinha na Casaseus defensores por convicção doutrinária, como BonifácioAndrada, da UDN, que salientava o que ele podia trazer depositivo para a estabilidade democrática do Brasil.

De todo modo, o modelo de parlamentarismo adotado àspressas em 1961 exibia brechas evidentes. Uma delas era a deque o novo regime valia para o governo da União, mas nosEstados e Municípios nada se alterava. Os governos estaduaiscontinuavam a funcionar no formato presidencialista. Eugê-nio Klein Dutra, do PTN, apontou logo esse aspecto, dizendo,na sessão de 2 de setembro, que "os governadores se salvaramempurrando o parlamentarismo apenas para a União". E JorgeCarone, do PR, provocou os situacionistas: já que a UDN semostrava tão feliz com o parlamentarismo, ele estudava umaproposta à Assembléia para implantá-lo também em Minas.Aí sim - acrescentou Carone - poder-se-ia testar a sinceridadedas declarações dos udenistas a favor do novo regime.

Manobras e debates ácidos tiveram lugar, nas primeirassessões do mês de setembro de 1961, a propósito de umamoção de congratulações ao marechal Henrique Lott e ao ge-neral Machado Lopes, proposta por Patrus de Souza. Lott ti-nha sido preso por se manifestar contra o golpe, imediata-mente após a renúncia de Jânio Quadros, do qual, convémlembrar, ele fora adversário na disputa presidencial do ano

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

anterior. EMachado Lopes, comandante do 3° Exército, sediadono Sul, recusara-se a apoiar o golpe, provocando no Exércitouma divisão de forças que salvou a ordem legal ameaçada.

A moção desagradou à UDN, que era hostil a Lott desde a"novembrada" de 1955. Bonifácio Andrada deixou claro que ahomenagem proposta não representaria a opinião da Casa, masapenas de uma facção. Enquanto isso, outro udenista, CarlosHorta Pereira, tentou o adiamento da votação por 24 horas e,não o conseguindo, pediu verificação dos votos. Antes da vota-ção, muitos deputados haviam deixado o plenário, talvez paranão se comprometerem. Mas a Mesa, a pedido da Maioria (PSD-PTB), fez soar a campainha e convocou os deputados ao plená-rio, acenando até com corte de ponto e desconto na remunera-ção dos que estivessem ausentes. Reapareceram muitos depu-tados e fez-se a votação. O pedido de adiamento de Horta Pe-reira foi derrotado e a moção de congratulações, apresentadapor Patrus de Souza, foi afinal aprovada.

Pausa para o BDMG

Assentada a poeira da crise provocada pela renúncia deJânio Quadros, a Assembléia retomou suas atividades. A ins-tabilidade política do País prosseguiu, contudo, e, em conse-qüência, o ambiente parlamentar foi fortemente marcado pordebates políticos e ideológicos, que se estenderam até 1964,quando uma insurreição civil-militar derrubou o governoGoulart.

Magalhães Pinto, embora desgastado entre os deputadosda maioria oposicionista pela sua atitude passiva ao longo dacrise, conseguiu levar adiante seus planos administrativos,usando, quando necessário, o instrumento do veto parcial. Foio caso da criação, em 1962, do Banco de Desenvolvimento deMinas Gerais.

A idéia vinha de meados da década de 1950. Em fins de1957, foi apresentado na Assembléia um projeto nesse sentido,mas não avançou. Mais tarde, uma proposta de finalidade dife-rente conseguiu aprovação, como escreveu Clélio CampolinaDiniz em sua obra sobre a industrialização mineira: 229

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Da campanha da Federação das Indústrias de Minas Geraisjunto ao BNDE,para que omesmo criasse agências regionais.e do seu posterior insucesso. nasceu a idéia de um banco dedesenvolvimento para Minas Gerais.Em seguida, um grupo dedeputados ligados aos interesses agrários do Estado (encabe-çado por Oswaldo Tolentino, do PSD), propôs a criação doBanco de Desenvolvimento Agropecuário de Minas Gerais -Badap -, destinado a financiar a lavoura e a pecuária. Apósdois anos de discussão, e com algumas modificações. oprojetofoi aprovado na Assembléia. tendo sido encaminhado em 26

de dezembro de 1961 para a sanção do Governador do Estado.

O capital do Badap, segundo o projeto, seria realizado coma incorporação de 1/20 da Taxa de Recuperação Econômica eao novo banco seriam agregadas as carteiras agrícolas dosdemais bancos estaduais. O formato do banco, contudo, sofreuprofunda transformação ao ser encaminhado à sanção doExecutivo:

o Governador Magalhães Pinto aproveitou então a oportu-nidade e. através de vetos ao projeto de lei que propunha acriação do Badap. criou o Banco de Desenvolvimento deMinas Gerais. conforme a Lei nO 2.607. de 5 de janeiro de1962. Esta. pelos vetos que sofreu. por ser muito geral esintética. permitiu ao Governo. através do decreto de regu-lamentação. definir as atribuições do BDMG no sentido de

78apoio à industrialização. nos termos do projeto de 1957.

Polarização convencional

Como haveria eleição em outubro de 1962 para renovar a As-sembléia, esperava-se que a UDN expandisse sua bancada paraoferecer ao governo maior sustentação. Isso de fato ocorreu emgrande escala, tanto pelo poder de atração do Palácio quanto pelaoportunidade de que dispõe um partido governista para motivar oaparecimento de candidatos competitivos em suas hostes.

7B Clélio Campolina Diniz. Estado e capital estrangeim na industrialização mineira. Belo Honzon.te: Editora UFMG. 19B1.p. 149-150.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Houve, além disso, um terceiro elemento a influir no pleitode 1962: o intenso envolvimento de organizações extrapar-tidárias no processo eleitoral. As campanhas, tanto para osExecutivos estaduais (eram onze em disputa) quanto para oCongresso Nacional, foram travadas numa atmosfera de pola-rização política. O governo federal empregou seus meios deinfluência, contando ainda com o auxílio proporcionado pelaestrutura sindical. A oposição foi fortalecida por contribui-ções financeiras e outras modalidades de suporte de associa-ções empresariais, pelo apoio ostensivo da grande imprensa e,acima de tudo, pela interferência de organismos como o Insti-tuto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad).

Em Minas, a campanha de 1962 foi menos ideológica queem outros Estados altamente polarizados, como Pernambuco,Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Na aparência, era maisuma disputa em moldes convencionais, mais um capítulo davelha rivalidade entre o PSD e a UDN. Porém, sob a superfí-cie, as organizações extrapartidárias fizeram valer sua influ-ência. De um lado, o movimento sindical, as entidades estu-dantis, os jornais alternativos, bem como segmentos da IgrejaCatólica, atentos à questão social, trabalharam para os candi-datos da área popular, de filiação trabalhista ou socialista. Deoutro lado, as associações rurais e as entidades empresariaisse mobilizaram em prol de candidatos afinados com os res-pectivos setores. Paralelamente, verificou-se uma estratégiade sustentação a candidatos que empunhassem a bandeira doanticomunismo, por parte do Ibad e de entidades congêneres.

Articulação antiesquerdista

O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) foi umorganismo criado no fim da década de 1950 por dirigentesempresariais do Rio de Janeiro, com o objetivo de defender ademocracia contra as esquerdas, rotuladas genericamentecomo comunistas. Sustentava-se com contribuições de em-presas, nacionais e multinacionais, e também com recursosdo governo norte-americano. Em 1961, na seqüela da renún-cia de Jânio Quadros, foi fundada uma outra organização, o 231

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), que reunia lí-deres empresariais, profissionais e intelectuais de renome, como fito de desenhar um projeto de modernização capitalista parao Brasil e influir no processo político para levá-lo à prática. OIpes se articulou com o Ibad numa rede operacional que abran-gia ações em vários níveis, inclusive na área parlamentar. Seuprincipal canal de atuação no Legislativo era a AçãoDemocrática Parlamentar (ADP), que reuniu um grande númerode deputados federais e senadores de vários partidos, com-prometidos com um programa de combate ao comunismo. Naseleições de 1962, os integrantes desse agrupamento forambeneficiados com a ajuda do Ibad para suas campanhas/9

No âmbito dos principais Estados, o Ibad canalizou recur-sos por meio da Ação Democrática Popular (Adep), que criouescritórios em capitais como Belo Horizonte. Embora o qua-dro político-eleitoral mineiro não preocupasse muito os setoresconservadores, a significação estratégica de Minas na políticanacional justificava o investimento realizado pela Adep. In-vestimento que consistiu no auxílio material às campanhas decandidatos selecionados de acordo com certos critérios. Entretais critérios figurava a preocupação de patrocinar candidatosnovos e que tivessem chance de ser eleitos. O principal,contudo, era a adesão às idéias, conforme identificou HeloísaStarling em sua pesquisa sobre as organizações referidas:

o que, na verdade. se considerava decisivo em termos doapoio a ser prestado era precisamente o compromisso queo candidato assumia de, caso vitorioso. engrossar no Par-lamento o bloco multipartidário da ADp, sendo. para tanto.compelido a assinar um compromisso ideológico, a "Cartade Princípios da Ação Democrática Popular". Portanto.independente das filiações partidárias. o que a ADEP le-vava em consideração na seleção de seus beneficiáriosera a orientação ideológica, através da qual o candidatoprometia lealdade à rede IBAD/ADEP/ADP acima do com-promisso que mantinha com seu partido. 80

Confirmando essa marca suprapartidária, a mesma autoraapurou que a Adep patrocinou em Minas candidatos de váriospartidos na eleição de 1962. Entre os deputados estaduais que

79 Ver, sobre essa rede de operações políticas, René Armaml Dreifuss. 1964: a Conquista do Estado.I\Jlrópolis: Editora Vozes, 1981.80 Heloísa Maria Murgel Starling. Os Senhores das Gerais: os Novos Inconfidentes e o golpe de 1964.I\Jlrópolis: Editora Vozes, 1986, p. 279.

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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

buscavam a reeleição, o auxílio beneficiou 11 parlamentaresdo PR, nove do PSD, cinco da UDN, dois do PSp' um do PTB,um do PRP e um do PDC. Todos pertenciam ao bloco da AçãoDemocrática Parlamentar.81 O apoio recebido consistia princi-palmente em faixas, cartazes e cédulas, pagamento de pessoal,livretos, veículos, transporte de eleitores, apoio financeiro aosdiretórios no interior, bem como ao candidato em sua região.

Alguns dos deputados apoiados pela Adep não se reelege-ram, ao passo que deputados estreantes também haviam rece-bido sua ajuda para as eleições. O fato é que o bloco da ADPna Assembléia continuou relativamente amplo.

No Congresso Nacional, a ADP também constituía um gru-po numeroso, mas, do outro lado, havia a Frente ParlamentarNacionalista, bloco que reunia os trabalhistas e as esquerdasem geral, assim como uma ala moderna do PSD e a "bossa nova"da UDN. Já na Assembléia de Minas, não se formou propria-mente um bloco de centro-esquerda como a Frente Nacionalis-ta. A Bancada do PTB era muito heterogênea do ponto de vistaideológico e, no conjunto da Casa, os parlamentares de esquerdaeram poucos. Portanto, a clivagem entre a Ação Democrática ea Frente Nacionalista, que caracterizou a política brasileira en-tre 1961 e 1964, não se reproduziu em Minas, dada a persisten-te hegemonia dos setores conservadores não só no Legislativocomo em todas as instituições relevantes.

CPI não esclarecedora

No entanto, como circulavam muitas notícias e comentá-rios sobre o Ibad, seus adeptos na Assembléia tiveram queenfrentar interpelações dos adversários ao longo de 1963. Noinício de junho, Sinval Bambirra, um dos novos deputados daesquerda, requereu uma comissão de inquérito para investigaras atividades do Ibad em Minas Gerais, como subsídio à CPIque a Câmara dos Deputados aprovara em maio com a mesmafinalidade. O requerimento sofreu pesada barragem de críti-cas, assim como manifestações de apoio, inclusive de deputa-

81 Heloísa Starling. Os Senhores das Gerais, p. 363-366. 233

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dos de perfil conservador, que argumentaram que o Ibad, sen-do entidade idônea, nada teria a esconder.

Durante a discussão do assunto, no dia 5 de junho de 1963,Aníbal Teixeira (PRP) questionou o caráter unilateral da pro-posta de Bambirra: se era para investigar a interferênciaeconômica nas eleições, seria injusto discriminar o Ibad. Paraele, a comissão de inquérito deveria investigar também o ou-tro lado, ou seja, a influência eleitoral de órgãos federais, doFundo Sindical e das publicações editadas sob orientação doPartido Comunista.

Nesse sentido, Waldir Melgaço (UDN) apresentou emen-da para incluir no âmbito das investigações "a atuação doCGT em Minas, servindo como subsídio para o Dops fixaros agitadores mineiros, prejudicando a tranqüilidade públi-ca". A emenda foi redigida por Melgaço de modo a parodiara redação utilizada por Bambirra em seu requerimento. Areferência ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) vi-nha a propósito para atingir outro deputado da Casa,Clodesmidt Riani, que presidia essa entidade intersindical,recentemente criada.

A proposta de CPI foi rejeitada por apenas um voto (24 afavor e 25 contra) e, diante desse resultado, Paulino Cícero(PSP), um dos principais defensores da CPI, reapresentou pos-teriormente a proposta, que foi afinal aprovada a 19 de junho.A comissão se instalou sob a presidência de Paulino Cícero,tendo como membros Rafael Nunes Coelho (UDN), HomeroSantos (PSD), Carlos Megale (PR) e Sinval Bambirra (PTB).Depoimentos foram colhidos e documentos obtidos, mas aCPI não chegou a produzir um relatório esclarecedor sobre arede de operações, em Minas, do Ibad e dos órgãos a ele asso-ciados, como o Ipes.

A CPI da Câmara dos Deputados, presidida por UlissesGuimarães (PSD) e cujo relator foi Pedro Aleixo (UDN), co-lheu material comprometedor sobre as operações do Ibad, masnão identificou irregularidades no Ipes. Seu relatório foiconcluído no início de dezembro de 1963 e, àquela altura, asatividades do Ibad e de sua filial, a Adep, já estavam suspensaspor decreto do presidente Goulart.

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Tensão nacional e pauta regional

Os debates suscitados no plenário e nas comissões da As-sembléia a respeito das eleições de 1962 demonstravam a ele-vação da temperatura política na legislatura que se iniciou emfevereiro de 1963. O calor das disputas não amainou durantetodo o ano e prosseguiu em 1964.

Os deputados, nessa fase crítica, dividiram sua atenção entreas questões rotineiras, ligadas à política e à administração es-tadual, e as questões de fundo ideológico que figuraram naagenda brasileira até o momento da ruptura do regime.

Em parte, os trabalhos seguiam uma pauta de assuntos quelembravam épocas anteriores, como a abordagem de temasrelativos a regiões específicas do Estado.

Em junho de 1963, por exemplo, houve vários pronuncia-mentos a respeito da ampliação da área da Superintendênciade Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), fundada em 1959,para contemplar o Norte de Minas. Em agosto, o assunto rea-pareceu em discursos de aplauso à solução favorável a essareivindicação.

Nesse mesmo mês de agosto, ]eová Santos (PSD) discursousobre a espoliação do Triângulo Mineiro e defendeu a sua sepa-ração do resto de Minas. Seu pronunciamento fazia lembrarqueixas da mesma natureza, embora nem sempre de tom sepa-ratista, que se encontram nos Anais em anos diversos, expres-sas por deputados do Triângulo e também do Sul de Minas.

Pronunciamentos de oposição ao governo estadual se fazi-am ouvir, como de hábito, sobretudo pela voz de deputadosdo PSD. Em 19 de fevereiro de 1963, Murilo Badaró discursoucontra o governo de Magalhães Pinto, qualificando as come-morações de seu segundo aniversário como uma farsa paraesconder a vergonhosa administração. Pouco depois, em 8 demarço, Manoel Costa também criticou o governador por fazerexcessiva propaganda de suas realizações, de olho na candi-datura à Presidência, esquecendo-se assim de governar.

O PTB, porém, estava gostando do governador. No dia 10de maio, Wilson Modesto discursou elogiando um pronuncia-mento de Magalhães Pinto sobre a reforma agrária e, emseguida, apresentou à Casa requerimento de apoio a ele, pelaposição que havia tomado a favor de Minas Gerais em recenteconvenção nacional da UDN. 235

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DIALOGO COM O TEMPO

Após a posse de Goulart, Magalhães Pinto se aproximoudo governo federal, adotando uma posição moderada, quecontrastava com o crescente radicalismo de Carlos Lacerda,seu rival na UDN na disputa pela candidatura presidencial.Essa atitude de diálogo com Goulart lhe servira, além disso,para atrair o PTB à sua base parlamentar na Assembléia.

A confirmar as boas relações com o Palácio, ainda em maio,Wilson Modesto voltou à tribuna para propor congratulações aMagalhães Pinto pela declaração que este havia feito sobre as"reformas de base", a principal bandeira de Goulart. A parceriaentre Magalhães e Goulart, no entanto, era mal vista pelos de-putados "ibadianos", como Aníbal Teixeira, que divergiu deModesto, afirmando que o governador não era homem preocu-pado com as reformas de base e estava fazendo aquelas decla-rações somente para agradar a certas parcelas da sociedade.

Esse tipo de divergência mostrava que, naquele momento,mesmo quando se discutiam assuntos relativos ao governa-dor, a discussão estava referida ao contexto político nacional- ao contrário de épocas anteriores, quando ela quase não saíado contexto estadual.

Debate ideológico

Nos partidos, as controvérsias ideológicas tambémpipocavam. Na Bancada do PTB, observava-se uma diferenci-ação em três linhas, pelo menos. Uma representada por Wil-son Modesto, que atuou como porta-voz informal de Goulart,de quem era amigo e compadre. Não entrava muito no debateideológico, preferindo ressaltar as realizações do governofederal - a política financeira, a política externa - e semprerebatendo as acusações de radicalismo que eram feitas ao pre-sidente. A segunda, à esquerda, correspondia aos deputadosque representavam o movimento sindical, sobretudo Riani eBambirra. E, por fim, havia um setor mais à direita, que com-preendia deputados da elite tradicional abrigados no PTB, mastambém a figura singular de Waldomiro Lobo.

Waldomiro Lobo, como Wilson Modesto, era profundamen-te fiel a Getúlio Vargas, tendo promovido a construção de um

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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

busto do falecido presidente na Feira de Amostras, para ondelevava flores todos os dias. Ao mesmo tempo, era ferrenhoanticomunista e adversário da esquerda no próprio partido.No dia 3 de maio de 1963, discursou para aplaudir o deputadofederal João Calmon, que, em programa de televisão, tinhadirigido "um punhado de verdades" a Leonel Brizola. Depois,comparou Brizola à saúva de Policarpo Quaresma, personagemde Lima Barreto: "( ...) ou acabamos com a saúva ou a saúvaacaba com o Brasil".

Esse ataque a Brizola repercutiu bastante nas semanas se-guintes. Enquanto Wilson Modesto defendeu Brizola, AníbalTeixeira apoiou Waldomiro Lobo em suas críticas ao políticogaúcho. Navarro Vieira, companheiro de Teixeira no PRP, en-dossou as críticas, salientando que Brizola, em seu governono Rio Grande do Sul, "propiciou a entrada de comunistas".Waldomiro Lobo se mostrou satisfeito por ter recebido tele-gramas de aplauso à sua crítica, aduzindo: "querem implantaro regime de Cuba no Brasil".

A maior expressão popular do anticomunismo era CarlosLacerda, governador do Estado da Guanabara. Em março,Lacerda visitou Minas, fato que rendeu discussões acaloradasna Assembléia. Waldomiro Lobo não gostava de Brizola, masparecia gostar menos ainda de Lacerda, para ele, o autor inte-lectual da morte de Getúlio Vargas. "Os trabalhadores estãocom os corações amargurados", disse, comentando quepouquíssimas pessoas foram receber Lacerda em sua chegadaa Belo Horizonte. No dia seguinte, Lobo voltou a criticar odirigente carioca, propondo-lhe um duelo "nas estradas deNova Lima".

Lacerda alcançou, naquela conjuntura, uma fortehegemonia na UDN para sustentar sua aspiração presidencial.A seção mineira da UDN, contudo, era liderada por Maga-lhães Pinto, seu concorrente no partido. Mesmo assim, Lacerdatinha admiradores no meio político mineiro e, claro, muitoseleitores potenciais. Suas declarações à imprensa local sobrea expansão comunista no Brasil receberam elogios naAssembléia, tendo o deputado Horta Pereira, da UDN, discur-sado a seu favor.

Novos pronunciamentos sobre Lacerda foram feitos emabril, depois que ele proibiu a realização no Rio de Janeirode um congresso de apoio a Cuba. Os deputados do bloco daADP defenderam a proibição, ao passo que os da esquerda a 237

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DIÁLOGO COM O TEMPO

desaprovaram, expressando o ponto de vista do movimentosindical.

As polêmicas reformas de base

Todos esses embates representavam o eco constante dosconflitos sociais e políticos existentes na Casa. Era umasituação nova para a Assembléia de Minas. E nada maispolêmico, naquelas circunstâncias, do que as "reformas debase", alvo principal do discurso de Goulart depois de recuperarseus poderes presidenciais com o plebiscito.

Na agenda de reformas, a agrária era a que mais provocavadiscussões, tendo dominado o cenário político em 1963. Elaera defendida por todos os partidos e quase todos os setoressociais, mas havia grande desacordo sobre os meios de realizá-la. O principal ponto de disputa era a indenização das terras aserem desapropriadas. A Constituição exigia "prévia e justaindenização em dinheiro" (artigo 141), o que dificultava a so-lução do problema, dada a penúria dos cofres públicos. Umapossibilidade seria adotar como base o valor da propriedadedeclarado ao Fisco; esse critério constava de algumas propos-tas em debate, mas, como era de se prever, não era admitidode modo algum pelos proprietários e seus porta-vozes parla-mentares.

O anteprojeto do Estatuto da Terra, elaborado pelo gru-po de trabalho formado por Jânio Quadros (do qual fizeraparte o deputado estadual mineiro Hernani Maia), ficoupronto no fim de 1961 e foi encaminhado ao primeiro-mi-nistro Tancredo Neves. O Estatuto cuidava dos pontos es-senciais de uma legislação fundiária, regulando o uso daterra e o acesso à propriedade (por distribuição ouredistribuição) de acordo com as especificidades regionais.Previa a instituição do Fundo Agrário Nacional, para finan-ciar a reforma, e da Superintendência da Reforma Agrária(Supra), para planejá-la e executá-la. Reforçava também aextensão dos direitos trabalhistas ao meio rural, já em viasde aprovação pelo Congresso. A questão da desapropriaçãopor interesse social era a mais delicada e, para resolvê-la, o

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

anteprojeto propunha um critério razoável de indenizaçãoque respeitava a exigência constitucional: uma média entreo valor de mercado e o valor declarado ao Fisco pelo pro-prietário. Era uma tentativa de chegar a um valor justo, sempermitir abusos nos valores indenizatórios.

O governo recebeu o anteprojeto, mas não o encampou,anunciando a intenção de enviar outra proposta ao Congres-so, o que não fez. Diante disso, Milton Campos, presidentedo grupo de trabalho, resolveu apresentar o Estatuto da Ter-ra como projeto de lei no Senado. Em face dos "conservado-res empedernidos" e dos "reformistas afoitos", recomendavaMilton Campos: "Precisamos ter os pés na terra. As reformassão necessárias, mas não em delírio e sim com o necessáriobom senso".

O projeto do Estatuto da Terra era visto como insuficientepor Goulart e os setores reformistas mais ativos. Eles não acha-vam viável custear a reforma agrária por meio de indenizaçãoem dinheiro e defendiam a alternativa de pagar as desapropri-ações com títulos da dívida pública. Para isso, o artigo 141 daConstituição tinha que ser mudado, suprimindo-se a exigên-cia de indenização prévia em dinheiro. O deputado BocaiúvaCunha, líder do PTB, apresentou então ao Congresso propostade emenda determinando que o pagamento se faria em títu-los, sujeitos a correção monetária, conforme regulamentaçãofutura por lei ordinária.

Avanço e resistência

O governo estava fortalecido pelo resultado do plebisci-to e sua base parlamentar se ampliara no pleito de 1962,sobretudo pelo avanço eleitoral dos trabalhistas e das es-querdas. Precisava, porém, do apoio do PSD, que fazia par-te da base governista, mas relutava em apoiar a emenda àConstituição - relutância que espelhava as dúvidas dos pro-prietários rurais a respeito da correção monetária dos títu-los, num contexto de inflação elevada. O quadro políticose tornou mais tormentoso em abril de 1963, quando a UDN,em convenção nacional, manifestou às suas bancadas no 239

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Congresso fia conveniência de não se emendar a Constitui-ção, na atual conjuntura política". Aprovava as reformas debase e sustentava a necessidade da reforma agrária, masrepudiava as pressões contra o Congresso e denunciava acrescente influência comunista no governo. Essa posiçãoexprimia um compromisso entre as diversas correntes in-ternas, mas era visível o sucesso dos lacerdistas em imporsuas propostas de endurecimento.O bloqueio a emendas constitucionais eliminava qual-

quer possibilidade de negociação da UDN com outros par-tidos em torno das reformas. O governo continuava firmeem seu propósito de alterar a Constituição, mas sua primei-ra tentativa, a emenda Bocaiúva Cunha, foi rejeitada pelaCâmara no fim de maio. O projeto de Milton Campos, porsua vez, embora aprovado pelo Senado, também foi rejei-tado na Câmara.No PSD, a oposição à política de Goulart cresceu ao longo

de 1963, o que redundou em aproximação entre o PSD e aUDN, formando ambos urna espécie de eixo de resistência aobloco reformista composto do PTB e seus aliados do centropara a esquerda. Nenhum dos dois lados tinha maioria clarapara a aprovação de seus projetos e o resultado foi o impasselegislativo - fator ponderável da crise que liquidou o regimeem 1964.Esse quadro político complicado se refletiu claramente na

Assembléia Legislativa mineira, onde, durante o ano de 1963,o problema da reforma agrária foi tratado sob os mais diver-sos ângulos.Observava-se no seio da Assembléia urna defesa muito forte

do direito de propriedade, que tendia a ser encarado cornoinviolável. Carlos Megale (PR), por exemplo, afirmou a 23 demaio que "o Brasil não precisa de reforma agrária, precisa decrédito". E acrescentou: "O Brasil não precisa distribuir terrasde particulares, é urna invencionice, é um assalto à propriedadedaqueles que a receberam dos seus tataravôs, daqueles que,muitas vezes, lutaram contra os índios e contra os animaisselvagens".Esse seria, talvez, o sentimento pessoal de muitos deputa-

dos, oriundos da elite agrária e eles mesmos proprietários deterras. Vários parlamentares eram expoentes de associaçõesde produtores rurais sediadas em seus municípios e seapresentavam corno porta-vozes da categoria.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

As alternativas da reforma agrária

Ainda que despertasse aversão pessoal de muitos

parlamentares, a reforma agrária fazia parte da agenda e

não podia ser ignorada. Afinal, a Constituição Federal e a

Constituição Estadual lhe faziam referência, assim como os

programas de todos os partidos políticos. Tratava-se,

então, de discutir as alternativas para implantá-Ia.

Abordando tais alternativas, Otelino Sol (PSD) era de

opinião que havia três modalidades de reforma agrária em

discussão no País: a comunista (da desordem), a dos

industriais (para aumentar o consumo) e a dos democratas

conservadores (os bem-intencionados e cristãos).

Otelino Sol era da região do Jequitinhonha, assim como

Levy de Souza e Silva (PSP),para quem a reforma seria

"antes de tudo, um pretexto para a revolução socialista

que se avizinha, em virtudes dos maus governos que

temos".

Medo da revolução

Pronunciamentos que relacionavam a reforma agrária como risco de urna revolução socialista ou comunista se tornarammais intensos com o desenrolar da conjuntura, no segundosemestre de 1963. Todavia, ao lado dessa retórica, que equi-valia a repudiar qualquer mudança na estrutura agrária, surgi-am observações mais substantivas, corno a de que a nova le-gislação devia considerar as diferenças regionais. Nessa linha,Augusto Zenun (UDN), divergindo de pronunciamento deHernani Maia, expôs o ponto de vista de que a reforma agrárianão seria urna solução para tudo, pois o Brasil é muito vastopara ter urna lei geral acerca do assunto. Hilo Andrade (PSD)também pensava assim: ''A elite brasileira tem consciência deque precisamos de um novo estatuto da terra. Contudo, o es-tatuto não pode ser aplicado da mesma maneira em todo oBrasil, tem que levar em conta as peculiaridades." 241

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Uma declaração emitida pelo Partido Republicano, a 25 demaio de 1963, resumia bem a opinião dos deputados de perfilconservador sobre o tema: para o PR, a reforma agrária deviase pautar por quatro objetivos: a garantia da propriedade, obem-estar do trabalhador do campo, a obediência à Constitui-ção e o respeito às singularidades de cada região.A menção à obediência à Constituição aludia ao propósito

de Goulart de alterar o artigo 141. Essa questão atraía o interes-se dos deputados mineiros, como Ibrahim Abi-Ackel (PSD), quequestionou a emenda, afirmando que a desapropriação em tro-ca de títulos da dívida pública seria prejudicial aos proprietá-rios. Ou Delson Scarano (PSD), porta-voz dos cafeicultores doSul de Minas, que esclareceu a posição do seu partido em favorda reforma agrária baseada nos "postulados constitucionais".Mesmo no PTB, partido do presidente da República, não

havia unanimidade a favor da emenda ao artigo 141. Maria Pena(PTB) requereu à Assembléia que apelasse à Câmara dos Depu-tados e ao Senado Federal para que os projetos das "reformasde base" fossem apreciados com a "observância do preceitoconstitucional". E Waldomiro Lobo firmou posição contrária àreforma da Constituição, o que lhe acarretou a ameaça de ex-pulsão do partido por "conduta antitrabalhista".De sua parte, os deputados que representavam o movimento

sindical, como Sinval Bambirra e José Gomes Pimenta, procu-ravam divulgar da tribuna as manifestações populares que seorganizavam para pressionar o Congresso a dar andamento àlegislação reformista.

Impasse, desagregação e golpe

A bandeira das "reformas de base" continuou em pauta nosegundo semestre de 1963, mas o agravamento do impassepolítico tornava extremamente difícil sua aprovação. Enquantoa UDN aprofundou sua atitude de oposição, o PSD, cujo apoioera vital para Goulart, praticamente rompeu com o governo.Este ficou, portanto, em posição vulnerável na área parlamen-tar. Tinha como alternativa o recurso à mobilização da socie-dade civil.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Ao se iniciar o ano de 1964, a cena política brasileira jáapresentava os sintomas da desagregação que conduziu ao fimdo regime. Tanto a base governista (o PTB e as esquerdas)quanto a oposição (UDN, PSD e aliados menores) agiam demodo a destruir pontes de entendimento. As negociações pos-síveis, no âmbito parlamentar, que é o da legalidade, foram setornando inviáveis, levando a um processo de paralisiadecisória. O Congresso estava dividido ao meio, como resul-tado das eleições de 1962, tornando-se inoperante. E o gover-no perdeu o seu poder de agenda, fundamental num regimepresidencialista.Nos três primeiros meses de 1964, a crise atingiu seu clí-

max. Em meio à deterioração da economia, as instituições eramassoladas pelo confronto de forças que se polarizavam comintensidade inédita no Brasil. Enquanto Goulart, em articula-ção com os comandos sindicais, aprofundava a política demobilização popular em favor das reformas, as altas chefiasmilitares amadureciam suas combinações com a elite empre-sarial, ultimando a conspiração contra o regime. Os setoresmais radicais da esquerda, por sua vez, seguiam o mesmo ca-minho.De sua parte, as correntes reformistas mais moderadas ten-

tavam se rearticular diante da ofensiva dos setores conserva-dores. O deputado San Thiago Dantas, do PTB mineiro, assu-miu a coordenação de entendimentos para formar uma "fren-te ampla" de apoio às reformas e ao regime. Era uma tarefadifícil, pois não havia mais clima para diálogos construtivos.Em todo caso, negociou-se um programa mínimo, divulgadoem fevereiro, que previa a legalização do Partido Comunista.San Thiago Dantas veio a Minas para divulgar sua proposta

de "frente ampla", mas não atraiu apoio efetivo na área políti-ca, sobretudo no que diz respeito à legalização do PartidoComunista, como atestam pronunciamentos de vários depu-tados na Assembléia.Os Anais do Legislativo mineiro nesse período fornecem

uma boa demonstração da impossibilidade de se chegar a umaconciliação que salvasse o regime do seu fim iminente. A hos-tilidade à reforma agrária atingiu o auge, com discursos defranco apelo à resistência dos proprietários por meios violen-tos. "Contra a violência, só outra violência maior", disse Álva-ro Sales (PSD), representante da região do Rio Doce, onde seorganizava um forte movimento de fazendeiros com esse in- 243

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DIALOGO COM O TEMPO

tuito. o movimento, cujo núcleo era a cidade de GovernadorValadares, foi alvo de manifestações de apoio do numerosogrupo de adversários da reforma agrária na Assembléia. Umdeles, Florivaldo Dias (UDN), ao criticar os "salteadores deterras", disse que "morreria lutando pelo direito de proprieda-de". A convergência de opiniões entre o PSD e a UDN eranítida a essa altura. estendendo-se também ao PRoIsso signifi-cava que a maioria maciça da Assembléia se posicionava contrao governo federal e seus propósitos.

A retórica da ameaça comunista dominou o ambiente na-queles meses, com a recorrente menção ao choque entre"democratas" e "comunistas". E se complementava com ape-los de cunho religioso, como em um discurso de Reny Rabelo(PSP), que retratava a crise política brasileira como uma lutado bem contra o mal, ou da luz contra as trevas.

No dia 25 de fevereiro, ocorreu em Belo Horizonte um con-fronto bastante grave, quando forças organizadas da direitareagiram com violência à presença de líderes importantes daesquerda em uma concentração política garantida pelo gover-no estadual. Esse episódio revelou o grau de mobilização civilcontra Goulart e seus aliados, fruto do trabalho do Ipes e deoutras entidades congêneres. O confronto de rua foi visto pelaoposição como um ensaio para a reação à "guerra revolucio-nária" que os comunistas estavam para lançar no Brasil.

Nesse incidente, o deputado Sinval Bambirra foi agredidopelos ativistas da direita. Seus pares aprovaram requerimentopara que a agressão fosse apurada. O PTB, de sua parte, divul-gou nota sobre o confronto, condenando a intolerância e oradicalismo dos que se apresentavam como defensores da de-mocracia e solidarizando-se com o governador por ter cum-prido corretamente a Constituição ao garantir a realização doencontro.

A 3 de março de 1964, houve breve pausa nesse climade paranóia e excitação ideológica, quando se discutiu naAssembléia um manifesto de Magalhães Pinto em defesa daconciliação, contra os radicalismos da direita e da esquerda.Magalhães Pinto reagia, com esse manifesto, ao lançamentopela UDN da candidatura presidencial de Carlos Lacerda. Oapelo do governador à pacificação foi elogiado por muitosdeputados.

Entretanto, o ambiente se tornou mais febril com o comí-cio governista de 13 de março, o "Comício da Central", no Rio

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

de Janeiro, que reuniu enorme massa popular. Goulart, em lon-go discurso, divulgou medidas de larga repercussão: a desa-propriação de terras às margens das rodovias federais, parafazer avançar a reforma agrária, e a encampação das refinariasprivadas, reforçando assim o monopólio estatal do petróleo.O decreto de desapropriação de terras às margens das rodovi-as, em especial, exacerbou a hostilidade dos parlamentarescontrários à reforma agrária.

Após esse comício, avançou rapidamente a mobilizaçãocontra o regime. A insurreição militar já estava em marcha.Na área política, a frente oposicionista passou a contar com ogovernador mineiro, que se moveu para o centro dos aconte-cimentos. No dia 31 de março, começou a rebelião, que jácontava com forte respaldo político em Minas, inclusive davasta maioria dos membros da Assembléia Legislativa. Em doisdias, ela seria plenamente vitoriosa. Feita em nome da salva-ção da democracia, resultou na liquidação do regime demo-crático instituído pela Constituinte de 1946. Uma nova e tor-tuosa época se abria para o Brasil.

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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Observação

o movimento armado que depôs o presidente João Goularta 31 de março de 1964 era chamado de revolução pelos mili-tares e civis que o apoiaram; com o decorrer dos aconteci-mentos, no entanto, boa parte da sociedade, cientistas sociaise mesmo alguns políticos perceberam que a denominação maisadequada para o movimento seria, pura e simplesmente, gol-pe. Mas esse termo só passou a ser usado às claras na viradapara a década de 1980, quando a ditadura militar já dava si-nais de exaustão. Tal esclarecimento se faz necessário porqueao longo deste capítulo serão utilizados simultaneamente ostermos "revolução", "movimento revolucionário" e "golpe",em sintonia com a documentação coletada.

Entre abril de 1964 e 1985, a sociedade brasileira viveu umdos períodos mais sombrios e contraditórios de sua históriarecente. Ao lado de impor uma severa repressão política, àbase de prisões, tortura, cassação de direitos civis e políticos,censura à imprensa e cerceamento das liberdades individuais,o Regime inaugurado em 1964 apresentava-se como um arre-medo de democracia, "permitindo" o funcionamento do Po-der Legislativo e garantindo, nos freqüentes comunicados ofi-ciais, que "a ordem, a paz e a prosperidade da Nação estavamgarantidas" .

Como instituição cuja finalidade essencial era, comocontinua sendo, a de representação da sociedade, aAssembléia Legislativa de Minas Gerais, a exemplo de todasas Casas do Poder Legislativo brasileiro, viveu momentoscruciais. Isto não a impediu, contudo, de dar seqüência àbusca incessante de eficiência em sua estruturaadministrativa. Um dos exemplos está na listagem de novascomissões que foram criadas, assim como nas alterações denomenclaturas ou na ampliação dos objetivos de outras.Não obstante as adversidades e contradições que marcaramo período, a ALMG modernizou-se.

Sintonia com o tempo

A criação, desmembramento e mudança de nomenclatura

das Comissões Permanentes são um exemplo do esforço

da Assembléia para sintonizar seu trabalho com os 249

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DIÁLOGO COM O TEMPO

anseios da sociedade, adaptando-o às necessidades de

cada momento.

Em fins de 1965, foi criada a 12" comissão: de

Siderurgia e Mineração, que começou a funcionar em

1966. Por resolução de novembro de 1971, várias

comissôes mudaram de nome, embora o número delas

tenha permanecido em 12: a de Constituição, Legislação

e Justiça passou a se chamar de Constituição e Justiça; a

de Assuntos Municipais e Interestaduais passou a de

Assuntos Municipais e Planejamentos Regionais; a de

Agricultura, Indústria e Comércio foi renomeada de

Agropecuária e Política Rural; a de Finanças, Orçamento

e Tomada de Contas se tornou de Finanças e

Orçamento; a de Saúde Pública foi alterada para de

Saúde e Ação Social; a de Segurança Pública foi

abreviada para Comissão de Segurança; a Comissão de

Serviço Público Civil foi abreviada para do Serviço

Público. A Comissão de Trabalho e Ordem Social foi

suprimida, o mesmo ocorrendo com a de Transportes,

Comunicaçôes e Obras Públicas, substituída pela de

Economia de Obras Públicas. E, por força da mesma

resolução, foi instalada uma nova: Comissão de

Assuntos da Sudene e Estímulos Fiscais. No mesmo

ano, a área financeira, coberta pela Comissão de

Finanças e Orçamento, passou a contar com uma nova

comissão: Fiscalização Financeira e Tomada de Contas.

Em 1974, foi criada a Comissão de Defesa do Meio

Ambiente, que passou a funcionar no ano seguinte; em

1978, foi criada uma 15" comissão: Turismo, Patrimônio

Histórico e Artístico, que se instalou em 1979.

Em 1981, a Comissão de Siderurgia e Mineração passou

a se chamar Comissão de Energia, Minas e Metalurgia.

Em 1982, foi criada a Comissão de Proteção e Defesa do

Consumidor. Em 1985, houve um desdobramento de

várias comissôes e a criação de novas, totalizando 21

comissôes permanentes: a Comissão de Economia e

Obras Públicas dividiu-se em duas: Comissão de

Economia e Comissão de Obras Públicas; a Comissão de

Educação e Cultura foi enxugada para Comissão de

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Educação; o setor de Cultura passou a integrar uma

nova Comissão de Patrimônio Histórico, Artístico e

Cultura, portanto, a área de Patrimônio saiu da antiga

Comissão de Turismo, Patrimônio Histórico e Artístico,

que ficou sendo apenas Comissão de Turismo; a

Comissão de Saúde e Ação Social se bifurcou em

Comissão de Saúde e Comissão de Ação Social; e foram

criadas a Comissão de Abastecimento e a Comissão de

Ciência e Tecnologia, até então inexistentes.

Página infeliz

Nos dias subseqüentes ao movimento que depôs o presi-dente João Goulart, a Assembléia mineira protagonizou tristee vergonhoso espetáculo. Escreveu página infeliz de sua his-tória, ao antecipar-se às decisões do novo regime e cassar osmandatos de três de seus deputados, que haviam sido demo-craticamente eleitos.Sinval de Oliveira Bambirra, Clodesmidt Riani e José Go-

mes Pimenta, o Dazinho, tiveram seus mandatos cassados nodia 8 de abril de 1964. A cassação se deu em sessão secreta, apartir de rito sumário especialmente criado para aquela finali-dade. Bambirra e Riani eram filiados ao PTB e Dazinho, aoPDC. Todos estavam no primeiro mandato, eleitos em 1962para a sa Legislatura, de 1963 a 1967.

No dia 3 de abril, o deputado Athos Vieira de Andrade, doPR, protocolou requerimento pedindo a cassação dos três de-putados, já então acusados de subversão e de ligações com oPartido Comunista Brasileiro. Assinado também por outros 68deputados, o requerimento foi entregue oficialmente à Comis-são de Constituição e Justiça no dia 6 e, no dia seguinte, ostrês deputados foram notificados a apresentar suas defesas.Os três já haviam sido presos e, da prisão, improvisaram as

suas defesas e, conforme lhes fora pedido, as enviaram à As-sembléia. A comissão, contudo, já havia previamente decidi-do pela cassação, aprovada em sessão secreta naquele mesmodia, após a criação, às pressas e para cumprir os rituais jurídi- 251

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DIALOGO COM O TEMPO

cos de praxe, de uma comissão Especial de Inquérito para co-lher depoimentos, informações e dar o parecer definitivo.

De acordo com o parecer da referida comissão, os três de-putados foram enquadrados no artigo 20, Inciso III da Consti-tuição estadual em vigor, que previa a perda de mandato poratitudes incompatíveis com o decoro parlamentar. A falta dedecoro, no caso dos três, eram suas atividades sindicais.Bambirra era ligado ao Sindicato dos Trabalhadores nas In-dústrias de Fiação e Tecelagem de Belo Horizonte; Riani, aoSindicato dos Trabalhadores na Indústria de EnergiaHidrelétrica de Juiz de Fora; e Dazinho, ao Sindicato dos Tra-balhadores na Indústria de Exploração do Ouro e Metais Pre-ciosos de Nova Lima.82

Em meio aos trabalhos, um detalhe digno de nota: para nãoficar sob suspeição do novo Regime, a deputada Marta NairMonteiro, que não havia assinado o documento favorável àcassação, apressou-se em enviar, em separado, um requeri-mento para inclusão de seu nome.

No dia seguinte, 8 de abril, em outra reunião secreta, oresumo da ata referente aos trabalhos da comissão foi lido emplenário e procedeu-se à votação. Os 75 deputados presentesvotaram pela cassação dos colegas. Finalmente, no dia 9 deabril, foi publicada no Diário Oficial a Resolução na 580, de1964, que determinava a cassação dos deputados processadose a convocação de seus respectivos suplentes.

Mais sete

Além dos três, a Assembléia perdeu mais sete membros,

cassados por atos ditatoriais: Wilson Modesto Ribeiro,

Antônio Pereira de Almeida, Aníbal Teixeira de Souza,

Matosinhos de Castro Pinto, Raul Belém, Sebastião

Fabiano Dias e Sílvio Menicucci.

82 MONTEIRO, Norma de Góis.(cood,) Dicionário 8iográfico de Minas Gerais. 8eloHorizonte:UF1vIG/ALMG,1994. p. 71,541 e 582

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Regimento no coldre

Trinta e quatro anos depois, em abril de 1998, o depu-tado Sebastião Navarro Vieira Filho, do PFL, apresentourequerimento à Mesa da Assembléia pedindo a aberturados documentos produzidos nas reuniões secretas referen-tes ao processo de cassação dos deputados sindicalistas.Seu gesto, frisou a reportagem do jornal "O Tempo", tevesignificado histórico, já que seu pai, Sebastião Navarro,era membro da Mesa Diretora da Assembléia à época dolamentável episódio.

Em três longas reportagens publicadas nos dias 17, 18 e 19de abril de 1998, em cadernos especiais de "O Tempo", foramapresentadas justificativas de personalidades da política mi-neira que à época votaram pela cassação dos colegas. Segun-do o ex-senador Murilo Badaró, "as circunstâncias da épocanão admitiam outra alternativa". Ele fez questão, no entanto,de salientar que os colegas "eram homens limpos" e que nãoforam cassados por corrupção e sim "por questões puramentepolíticas impostas pelas circunstâncias do regime vigente".

E relatou sua versão do episódio:

o capitão Paulo Viana Clementino, oficial do Exército eajudante de ordens do general Carlos Luiz Guedes, chegouà Assembléia com inúmeras pastas contendo a ficha dostrês deputados e suas atividades poJiticas. O capitão nosdisse que o Movimento Revolucionário precisava de nossacolaboração. Alegamos que isso era contra o regimentointerno e o capitão contra-argumentou que tínhamos alte-rado o regimento para criarmos as secretarias dias antes.Explicamos que aquela era uma situação diferente, puni-tiva. Nesse momento, ele sacou do coldre o seu 45 e o colo-cou na mesa dizendo que daquela hora para frente o regi-mento era aquele.

Para o ex-ministro Paulino Cícero de Vasconcelos, à épocacom 25 anos e eleito pelo Partido Social Progressista (PSP), oclima da Assembléia naquele fatídico 8 de abril podia ser com-parado a uma "câmara ardente". Seu nome, observou, tambémestava na lista dos que seriam cassados e quem o tirou foi seucolega Valdir Melgaço, líder da UDN na Assembléia. No seu 253

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DIÁLOGO COM O TEMPO

entendimento, os militares quiseram "fazer de Minas Gerais umaespécie de laboratório para intimidar o resto do Brasil".

O cientista político e professor Jarbas Medeiros, à épocadeputado estadual pelo PR, também justificou seu voto emvirtude das circunstâncias de então. Segundo afirmou, naque-le momento não havia espaço para atitude diferente.

Já Reny Rabelo, que em 1998 presidia o Partido dos Apo-sentados da Nação (PAN), afirmou ao repórter Rogério Maurí-cio, de "O Tempo", que não se sentiu constrangido em votar afavor da cassação dos colegas em 1964. E disse mais: "os trêseram meus adversários na Assembléia. Todos os dias nós dis-cutíamos em plenário porque não concordava com os méto-dos deles de fazer política".

A reportagem ouviu também depoimentos dos três de-putados cassados. Dazinho, preso a uma cadeira de rodasdesde 1992, disse preferir esquecer o episódio e que arevelação de ter sido cassado pela unanimidade de seuscolegas "não era nova, nem velha": simplesmente de hámuito deixara de ser importante para ele. Bambirra, aocontrário, surpreendeu-se com o conteúdo das atas, poistinha a ilusão de que pelo menos as deputadas Marta NairMonteiro e Maria Pena teriam votado contra a cassação.Também para Riani a constatação de unanimidade de votosfoi uma surpresa. A informação que tinha, até então, era ade que houvera pelo menos um voto contrário. Aliás,relembrou: quando foi novamente eleito deputado estadualem 1982, Marta Nair Monteiro lhe garantira que em 1964votara contra a cassação.83

Como poderá ser constatado nas páginas seguintes, de-pois daquele lamentável episódio, a Assembléia Legislativade Minas Gerais tentou se redimir em várias ocasiões. Evi-tou, tanto quanto possível, novas interferências do regimee atuou com altivez para garantir sua dignidade perante asociedade mineira.

83 O TEMPO. (Cadernos especiais) Belo Horizonte, 17, 18 e 19 de abril de 1998.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Democracia, doce ilusão

A despeito das arbitrariedades cometidas pelos novos donosdo poder, houve de início a ilusão de que a promessa dos militaresseria cumprida: em 1965 haveria eleições e a Presidência daRepública seria entregue ao civil que fosse democraticamenteeleito. Por aquela época, já havia até mesmo alguns candidatos acandidatos, lançados pela imprensa antes mesmo do movimentoarmado de 31 de março. Dentre os de maior destaque estavamCarlos Lacerda, pela UDN; Juscelino Kubitschek, pelo PSD; eLeonel Brizola, pelo PTB. Em Minas Gerais, o governador José deMagalhães Pinto também não escondia suas pretensões de chegarao Palácio do Planalto e, certamente, concorreria com Lacerdana convenção nacional da UDN.

Juscelino e Brizola já tinham até slogans de campanha: os

partidários do primeiro usavam "JK-65" e o engenheiro

gaúcho, casado com D. Neusa, irmã de João Goulart,

difundia a frase "cunhado não é parente, Brizola pra

Presidente", em resposta à proibição constitucional da

candidatura de parentes.

Com a prorrogação do mandato do marechal Humberto deAlencar Castelo Branco até 1966 (na realidade, seu sucessor,general Arthur da Costa e Silva, assumiu em março de 1967),Magalhães Pinto tentou, em explícita manobra na AssembléiaLegislativa, a prorrogação de seu próprio mandato, na ilusãode que poderia fazê-lo coincidir com o do presidente daRepública.

Tal proposta, assim como questões referentes àconstitucionalidade da revolução, que tivera o governadormineiro entre suas lideranças civis, tomaram conta da pautade discussões da Assembléia no decorrer do ano de 1964 einício de 1965. A 2 de fevereiro, em emocionada exaltação aodesempenho do governador do Estado na revolução, odeputado Walthon de Andrade Goulart, da UDN, afirmava noato de sua posse na Presidência da Casa:

Assumo a Presidência da Assembléia Legislativa do Esta-do de Minas Gerais com o firme propósito de ser um solda-

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DIÁLOGO COM O TEMPO

do da Constituição e um rigoroso intérprete das leis e donosso regimento.

(...) Esta Casa tem dado exemplo de observância quanto àseparação de atribuições dos Poderes, que devem serinterdependentes e harmoniosos entre si. Há de destacar,ultimamente, o ambiente criado por Magalhães Pinto, que,na hora suprema da Revolução de 31 de Março, ao lado dopresidente Castelo Branco, contou com o patriótico apoiodas forças da oposição em Minas. É que Minas está e sem-pre esteve acima das divergências partidárias destituí-das de grandeza.

Voz e coração do Brasil, na expressão de pensador con-temporâneo, Minas, pelos seus homens públicos, tem sidocentro dos acontecimentos da República, sem jamais re-clamar o maior quinhão ou exigir os melhores postos demando.

(...) A hora que estamos vivendo exige a superação dasdivergências episódicas sem que essa posição possa signi-ficar o arriamento das bandeiras partidárias. Entende-mos, por isso mesmo, que a principal preocupação é a deprocurar aperfeiçoar as relações entre os deputados.

Independentemente da filiação partidária, havia naquelemomento um consenso entre os deputados mineiros: a neces-sidade de exaltar, perante a opinião pública, a importânciadas instituições do Estado, dentre elas, e principalmente, aAssembléia Legislativa. Foi assim que o deputado AníbalTeixeira de Sousa, do PRP, apresentou na sessão de 15 de fe-vereiro o projeto nO 1.288/65, para instituir um programa derádio cujo objetivo seria a difusão dos atos dos poderes doEstado. Sua sugestão era de que o nome do programa fosse "Avoz de Minas". A justificativa era a de que, depois de sofrerviolenta campanha de descrédito, era chegada a hora de o PoderLegislativo deixar claro que "não era um peso morto" para oEstado. Lembrava ainda que o programa teria mais facilidadede chegar a todos os recantos do Estado, o que não aconteciacom o jornal "Minas Gerais". O rádio, dizia ele, "chega a todoponto e com a facilidade do transistor, qualquer um pode ob-ter, rapidamente, notícias da capital". O nome do programaera tomado de empréstimo a Alceu Amoroso Lima, cujo livro"Voz de Minas" - ensaio de sociologia regional brasileira -,publicado pela primeira vez em 1945, era, via de regra, con-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

sultado pelas elites mineiras nas ocasiões em que se fazia ne-cessário reacender a ideologia da mineiridade.84

Em meio ao turbilhão de temas referentes à revolução, ten-tava-se também dar um tom de normalidade às atividades daAssembléia Legislativa. Foi nesse sentido que a deputada MartaNair Monteiro, do PDC, defendeu a necessidade de se criaremprogramas pedagógicos específicos para o ensino infantil eadulto, bem como para estudantes portadores de necessida-des especiais.

No início do mês de março, entrou em pauta a proposta deprorrogação do mandato do governador Magalhães Pinto. Aproposta de emenda constitucional fora apresentada pelo de-putado Antônio Gomes Coelho em 1964 e tramitou por maisde seis meses. O grande entrave para sua votação era o PSD,que se utilizou de procedimentos regimentais e fez com que adiscussão se arrastasse ao máximo, com o propósito de mobi-lizar a imprensa e convencer a opinião pública sobre ainconstitucionalidade do projeto

No dia 10 do mesmo mês, o deputado José Maria Maga-lhães, contrariando as determinações do seu partido, a UDN,reafirmou sua posição contrária à prorrogação. Dentre outrosargumentos, afirmou:

(...) O continuísmo é uma forma de desvirtuamento do mo-vimento de 31 de março feito sob a inspiração da mulhermineira, para impedir que o Brasil caísse no regime comu-nista, sustentado no tripé da subversão, da corrupção e dainversão de valores. Tenho, felizmente, força moral paradizer desta tribuna que sou revolucionário com R maiús-culo, porque corri o risco, estive em todo o movimento pré-revolucionário, quando ainda não sabíamos que tantoseram revolucionários.

Certo de que a hipótese de eleições indiretas não era detodo descartável, na sessão do dia 14, Valdir Melgaço, tambémda UDN, defendeu a prorrogação dos mandatos do governa-dor Magalhães Pinto e de seu vice, Clóvis Salgado. Segundoele, a prorrogação seria o menor dos males:

(. . .J Desejo alinhar dois argumentos. O primeiro deles, deordem prática, de ordem política, é de que desejaríamos

84 LIMA, Alceu Amoroso.Voz de Minas (Ensaio de sociologia regional brasileira) Rio de Janeiro: Agir,1945. 257

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DIÁLOGO COM O TEMPO

que as eleições fossem realmente realizadas este ano, elei-ções diretas, através do povo. No entanto, estamos conven-cidos de que, após a Revolução não mais temos ambientepara eleições diretas. Assim, marcharemos então para elei-ções indiretas através das Assembléias Legislativas, coma prorrogação pura e simples dos mandatos dos atuaisgovernadores.

Há, ainda, como solução, o mandato "tampão" ou a inter-venção. A primeira fórmula, sem dúvida, é que melhorconsulta aos interesses da administração pública, porquese a Assembléia mineira votar ou eleger um governadorcom mandato de apenas um ano, não poderá o novogovernante traçar um programa de governo que possa re-almente atender aos altos interesses da comunidade. Ahipótese da intervenção, sem dúvida alguma, a mim, mi-neiro, não se deve aplicar, porque à luz do direito, enten-demos que, se porventura, esta Assembléia votar um atoilegal ou inconstitucional, compete ao Judiciário repararou corrigir esse erro.

A 31 de março, primeiro aniversário da revolução, a emen-da constitucional foi aprovada. Como esperado, os protestosda oposição vieram aos borbotões. Indignado, o deputadoLourival Brasil Filho, do PSD, lamentou o triste exemplo queMinas Gerais dava ao Brasil e concluiu:

r... j Estamos no final dessa grandiosa batalha, que foiliderada pelo meu partido, o PSD, e que visa defender osaltos interesses do regime democrático. Foram numero-sas as vezes em que viemos a esta tribuna para tecercomentários sobre a inoportunidade da iniciativa deque trata o Projeto n° 1.083. E é lamentável que somenteMinas Gerais, a terra da liberdade, de tantas e tão glo-riosas tradições democráticas, a terra de onde partiu o1'vlanifesto aos Mineiros, a terra de Tiradentes e de Felipedos Santos, é lamentável que seja apenas Minas Geraisque esteja nesta obstinação infeliz de prorrogar os man-datos do governador e do vice-governador do Estado,ferindo expressa e frontalmente dispositivos da Consti-tuição Federal ...

Gilberto Almeida, também do PSD, apresentou resultadosde uma pesquisa feita no então Estado da Guanabara, onde apopulação mostrava-se, em sua maioria, favorável às eleições

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

para governador em 1965. Sobre a votação da emenda queacabava de ser aprovada, observou que os meios para conse-guir tal aprovação "não foram dos mais democráticos, existin-do mesmo - e eu emprego a palavra exata - corrupção aquidentro, para se conseguir a votação deste projeto". Ao final,disse estar disponível para depor se aquela afirmação que aca-bara de fazer se transformasse em base para a abertura de umacomissão de inquérito.

Para outro integrante do PSD, deputado Sebastião Anastáciode Paula, com a aprovação da emenda, a Assembléia tinhaposto "a última pá de terra no túmulo da democracia" e, aofinal, fez questão de sublinhar:

r.. .) Ninguém em sã consciência no Brasil quererá que vol-temos aos dias do sr. João Goulart, em que as instituições,as liberdades, estavam à beira do abismo. Por isto, justifi-camos plenamente a prorrogação do mandato do presi-dente da República, mas a prorrogação feita pelo Con-gresso Nacional não modificou a Constituição paraestendê-la aos Estados. O sr. Magalhães Pinto, oportunistae velhaco - no bom sentido -, quis aproveitar o ensejo paraprorrogar o seu mandato em Minas.

Ao contrário do que imaginara o governador Magalhães Pintoe os que defenderam a prorrogação de seu mandato, no entanto,as eleições estaduais previstas para outubro de 1965 forammantidas pelo governo federal, restando aos udenistas tentareleger o substituto de Magalhães Pinto, como de fato tentaram.

Rebeldes em Minas e na Guanabara

Mas, naquele março de 1965, outra polêmica já havia seinstaurado no interior da Assembléia Legislativa. O deputadoWilson Modesto Ribeiro, pertencente ao PTB e, conforme elemesmo afirmava, amigo pessoal do ex-presidente João Goulart,propôs, à revelia de seu partido, a realização de solenidadecomemorativa do primeiro aniversário da revolução. ABancada do PTB reagiu bravamente à proposta e fez divulgara seguinte nota: 259

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DIALOGO COM O TEMPO

A bancada do PTB reunida hoje deliberou esclarecer àopinião pública que não foi previamente consultada pelodeputado lVIlson Modesto Ribeiro sobre a sua iniciativa depropor à Assembléia Legislativa a realização de uma"reunião especial e solene" para o dia 31 próximo, desti-nada à comemoração do primeiro aniversário do movi-mento revolucionário que implantou no país a nova ordemvigente.

Longe de imaginar que em julho do ano seguinte seus direi-tos políticos seriam cassados pelo Ato Institucional nO2, Wil-son Modesto rebateu a nota divulgada por seu partido, afir-mando que não carregaria a responsabilidade de ser o anti-revolucionário da Assembléia, como queriam seus colegas. Edisse mais: "Antes de eu ser deputado, o dr. João Goulart erameu compadre. A nota que V. Exas. deram será levada à pró-xima convenção do partido. Vou guardá-la, para vermos quemestá agindo errado".

Mal sabiam os deputados que tais manifestações, favorá-veis ou contrárias à comemoração, eram de todo inócuas, pois,independentemente da aprovação dos partidos, a ComissãoExecutiva da Assembléia já preparava os festejos alusivos aoprimeiro aniversário da revolução e todos os partidos seriamconvocados a comparecer à solenidade.O início do segundo semestre de 1965 foi marcado por in-

tensos debates sobre as eleições para o governo do Estado,marcadas para outubro. Como bem observou, a 19 de agosto,o deputado Cícero Dumont, do PRo todo período pré-eleitoralera de exacerbação de paixões e hostilidades. Portanto, pon-derava da tribuna: "( ... ) ao invés de se reeditar ou fazeracusações neste plenário popular a respeito de matérias quese encontram sub judice, o melhor seria que debatêssemos osprogramas dos nossos respectivos candidatos, a mensagem queeles oferecem ..."

Enquanto a UDN concentrava esforços para a eleição deRoberto Resende, no PSD havia outros impasses a serem resolvi-dos. O candidato do partido, deputado federal Sebastião Paes deAlmeida, que fora presidente do Banco do Brasil de 1956 a 1959,no governo de Juscelino Kubitschek, tivera o registro de suacandidatura cancelado pelo Supremo Tribunal Federal. Com essefato novo, o PSD lançou, em aliança com o PTB, a candidaturade Israel Pinheiro da Silva, coordenador das obras de construçãoda nova capital, amigo e correligionário de JK.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Mesmo antes do final da apuração dos votos, já se tinhacomo certa a vitória de Israel Pinheiro em Minas Gerais e ade Francisco Negrão de Lima no Estado da Guanabara. Odiscurso do deputado Carlos Vaz de Melo Megale, do PR,pronunciado a 11 de outubro, era um alerta. Depois de deixarclara a fidelidade do PR ao candidato da UDN e de tecerelogios ao governador Magalhães Pinto, fez breve análiseda conjuntura política e observou que, para além dosrumores, a imprensa já noticiava eventuais intervenções dogoverno federal nos Estados onde candidatos da oposiçãosaíssem vitoriosos.

Tanto a fala de Carlos Megale quanto as dos colegas queapresentaram apartes deixavam implícita a idéia de que osgovernadores eleitos só tomariam posse mediante acordo fei-to com o governo federal. Acordo que incluiria, principalmen-te, o cumprimento das leis de exceção do regime. Depois deagradecer os apartes de seus colegas que lembravam a promessado governo federal de garantir a posse dos eleitos, prosseguiuem seu discurso:

(...) É natural que os eleitos têm que ser empossados. Nósmarcharemos até fevereiro, até a posse, num clima detranqiiilidade, pois se o próprio Ministro da Guerra e o Sr.

Presidente da República vêm fazendo as declarações nes-tes termos. O líder do Governo na Câmara Federal, ementrevista publicada no "Estado de Minas" de domingo,disse, também, isto: "que a maneira de se dar posse aoseleitos é a intervenção direta ou indireta nos Estados, istoé, com a nomeação dos Secretários de Segurança e dosComandantes da Polícia Militar."

O então deputado Hélio de Carvalho Garcia, líder do Go-verno na Assembléia e um dos principais militantes da UDN,conclamou seus pares a rechaçarem qualquer tipo de inter-venção federal no Estado e acentuou:

(...) Não podemos, nas horas difíceis porque atravessamos,nos intimidar e deixar de fixar nossas posições, quais se-jam as de fazer com que o País continue no seu roteirodemocrático, para que não haja as intervenções neste Es-tado. Estado que jamais permitiu intervenções. É hora detodos os políticos de Minas Gerais, sem exceção de quais-quer partidos políticos, trazer a sua palavra que representa,sem dúvida alguma, a voz do povo. 261

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Por aqueles dias, outros fatos incomodavam alguns mem-bros da Assembléia Legislativa e de boa parte da sociedademineira. O ex-presidente da República, Juscelino Kubitschek,cujos direitos políticos foram cassados em junho de 1964,acabava de retornar ao Brasil e passava por constrangedoresinterrogatórios.B5 Sem esconder sua indignação, a 15 deoutubro, o deputado Murilo Paulino Badaró, do PSD, foi àtribuna e discursou:

Em nome dos nossos foros de cultura e civilização e emnome da consciência jurídica do país, em nome da opi-nião pública nacional e internacional, é indispensável,é necessário que cessem o martírio a que submetem, nes-ta hora, o ex-presidente Juscelino Kubitschek de Olivei-ra. A Nação assiste perplexa e indignada a este proces-so de trituração do ex-presidente da República, subme-tendo-o a longos e exaustivos interrogatórios, menos como objetivo de esclarecer dúvidas ocorridas no seu Gover-no do que transformá-lo em bode expiatório das maze-las nacionais.

(...) Pergunta-se e a opinião pública indaga: por que sub-meter o ex-presidente a estes interrogatórios e deixar go-zando de impunidade o ex-presidente Jânio Quadros, emcujo governo se localizam as matrizes de todas as crisesnacionais?

(.. .) Não tem importância que os inquisidores sejam co-ronéis, marechais, generais, sargentos ou cabos. O queimporta é o desrespeito pela pessoa de um homem que ésubmetido a interrogatórios exaustivos, por longas e lon-gas horas, e que a tudo isso recebe com paciência sóencontrada nos grandes estadistas e nos homens de gran-de têmpera. A Nação já pede um paradeiro nessas coi-sas. Não se pode transformar esse país num reino devingadores.

O deputado Aníbal Teixeira observou, em aparte, que o ex-presidente tinha direito a fórum especial e que até nisso foradesrespeitado. Audacioso, afirmou que "esses coronéis devemter medo de vir a Minas Gerais, porque se aqui vierem serão

85 Juscelino Kubitschek não apoiou o movimento militar de 31 de março 1964 e a 3 de junho domesmo ano teve seus direitos politicos cassados pelo Governo Militar. Três dias depois viajou para aEuropa. A 4 de outubro de 1965 retornou ao Brasil. Desgostoso com o AI2 e com os novos aconteci-mentos, viajou para Nova York em novembro do mesmo ano e de lá para Lisboa onde viveu até 1967quando retornou definitivanlente ao Brasil. MONTEIRO, Norma de Góes. Dicionário biográfico deMinas Gerais. Op. cil. p.476-485

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repudiados pelo povo mineiro". E, para concluir, ainda afirmouque talvez JK estivesse sendo condenado "pelo crime de ras-gar estradas, construir centrais elétricas, implantar a indústriaautomobilística que já era a terceira do mundo" e que aquelescoronéis "estão tentando humilhar aquele que é uma honrapara o Brasil".

Cai a máscara

Depois de expurgadas as lideranças mais "perigosas", ospartidos políticos brasileiros do período anterior foram tolera-dos pelos militares nos primeiros dezoito meses após o movi-mento armado de 31 de março.

Entretanto, os resultados das eleições de outubro de 1965 re-presentaram, para os militares da chamada linha-dura, uma severaameaça ao novo regime. A vitória de candidatos apoiados pelaainda poderosa aliança PSD/PTB em Minas Gerais e na Guanabarateve efeito devastador na estrutura partidária brasileira.

Os vencedores do pleito - Negrão de Lima, na Guanabara,e Israel Pinheiro, em Minas Gerais - não podiam ser tidoscomo oposicionistas, muito menos radicais. Mas a vitóriade ambos era o prenúncio de que, em votação direta, oregime não elegeria seu candidato à Presidência daRepública. Havia ainda outro complicador para o governo:o candidato "oficial" à Presidência da República nas eleiçõesdo ano seguinte, Carlos Lacerda, já ensaiava os primeirospassos de sua campanha. Como não havia meios de garantirsua vitória e nem de retirar-lhe a candidatura, a soluçãoque não desmoralizaria a revolução seria mudar as regrasdo jogo. Assim foi feito.

Três semanas após as eleições, a 27 de outubro de 1965, opresidente da República, Marechal Castelo Branco, assinou oAto Institucional nO 2, que, dentre outras medidas, transferiupara o Congresso Nacional o poder de eleger o presidente daRepública e, sem escamotear a face antidemocrática do regime,extinguiu os partidos políticos existentes.

Com esse ato e outros dois subseqüentes, foi iniciado oprocesso de corrosão da cidadania, que impediu os brasileiros 263

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DIALOGO COM O TEMPO

de elegerem os governadores de Estado por 17 anos e o presi-dente da República por quase 25.

Partidos de laboratório

Contraditoriamente, e não obstante a profusão de atosinstitucionais, os militares não pretendiam que o regime polí-tico que comandavam fosse rotulado pura e simplesmentecomo uma ditadura. O propósito era manter um arremedo dedemocracia em que o Poder Legislativo, mesmo tolhido, fun-cionasse em suas três instâncias - Câmaras Municipais, As-sembléias Legislativas e Congresso Nacional.

Daí a necessidade de se montar novo sistema partidário,simplificado o bastante para garantir ao governo o apoio depelo menos dois terços dos membros do Congresso Nacio-nal. O novo modelo comportaria três partidos de acordo comos cálculos dos militares, mas acabou se restringindo a dois:a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento De-mocrático Brasileiro (MDB), fundados ainda em novembrode 1965.

A Arena, conforme se reconhecia pelo nome, tinha o pro-pósito - ou dever - de apoiar e oferecer sustentação parla-mentar ao governo no Parlamento. Aglutinou, desde a primei-ra hora, políticos governistas espalhados pelas mais diversasagremiações partidárias do período anterior.

O MDB agrupou os oposicionistas, que, em número re-duzido, não conseguiriam formar um terceiro partido. Re-presentou, desde sua origem, variadas tendências político-ideológicas e a pecha, pelo menos por alguns anos, de tersido instituído pelo próprio governo, que dele esperava umaoposição bem comportada e, eventualmente, discreta cola-boração.

Assim, no decorrer dos primeiros anos do Regime Militar,quando, no dizer de Élio Gáspari, a ditadura ainda tinha ver-gonha de mostrar sua cara, o MDB teve dificuldades em seraceito pela sociedade já, então, muito cética em relação aobipartidarismo e àquele arremedo de democracia. Aliás, con-forme lembrou Rodrigo Patto Sá Motta, logo depois do AI2

170 ANOS DO LEGISLAnvO MINEIRO

corria à boca pequena uma observação reveladora da descrençade amplos setores da sociedade brasileira na nova estruturapartidária: dizia-se que o MDB era o partido do "sim" e a Arena,o partido do "sim senhor".86 Aceito ou não, o novo modelo jáhavia sido imposto e, no início de 1966, a maioria absolutados políticos brasileiros já estava devidamente aninhada nosdois partidos.

Sobrevivência nas sublegendas

Bonifácio José Tamm de Andrada, o Andradinha, elegeu-se deputado estadual da 4a à 7a Legislatura, ou seja, de1959 a 1975. Ostenta, portanto, a rara experiência de teratuado nas três sedes do Legislativo mineiro - no casarãoda Praça Afonso Arinos, na antiga Casa D'Itália e,finalmente, no Palácio da Inconfidência. Assumiu aPresidência da Assembléia em 1966 - os mandatos dosmembros da Mesa Diretora da Casa eram anuais -, e foi nodecorrer de sua gestão que o projeto arquitetônico vencedordo segundo concurso para a construção da nova sede daAssembléia foi homologado.

Além de ter sido eleito pela UDN e de pertencer a umafamília tradicionalmente udenista, assumiu a Presidênciada ALMG quando o governador do Estado, Israel Pinheiro,tinha raízes partidárias no PSD. É certo que em 1966 jávivíamos sob a égide do novo bipartidarismo, mas o jogopolítico ainda se pautava pela antiga estrutura partidáriae, naquele momento, os arenistas da ex-UDN compunhama maioria na Assembléia. Ainda assim, para conseguir ocargo de presidente da Casa, ele teve, conforme narrou,de buscar reforço em Brasília para vencer a resistência dospessedistas:

Liguei para o brigadeiro Eduardo Gomes, que era amigo demeu pai e do meu sogro. O assunto chegou aos ouvidos dopresidente Castelo Branco, que mandou um emissário a

86MOTTA, Rodrigo Palto Sá. Introdução à história dos partidos politicos brasileiros. Belo Hori-zonte: Ed. UThIG, 1999. p.118 265

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Belo Horizonte para dizer ao Israel Pinheiro: se o governodo Estado estava nas mãos do PSD, era justo que a Presi-dência da Assembléia ficasse com alguém da UDN.

A partir dessa primeira e decisiva interferência do governofederal, ficou informalmente estabelecido o acordo que pre-via o rodízio de representantes da UDN e do PSD na Presidên-cia da Assembléia. A gestão de Andradinha foi a primeira soba égide do bipartidarismo e mereceu de sua parte a seguinteanálise crítica:

Foi um período dificil. Houve fatos importantes para o es-tudo da história, da ciência política e da sociologia na-quela fase logo após o movimento de 64.

As grandes lideranças civis mineiras em 1964 eram Mil-ton Campos, Pedro Aleixo, José Bonifácio Lafayette deAndrada (papai) e Magalhães Pinto. Esses eram os gran-des nomes. Mas, na realidade, quem tinha acesso maiorao presidente Castelo Branco era Pedro Aleixo. Foi elequem defendeu a tese de que se deveria acabar comtodos os partidos e começar uma nova vida partidária.Na primeira hora, Castelo Branco queria restabelecer oque ele chamava de sistema democrático. Mas começa-ram as pressões, surgiram duas forças poderosas: a mi-litarista, formada pela turma que rodeava o GeneralCosta e Silva; e a militar civilista, representada porCastelo Branco. A militarista ficou no poder até oGoverno do General Médici.

O presidente Castelo Branco estava muito preocupadoem criar um partido de oposição. Chamou um general,que era senador, o senador Passos, e fez um apelo a elepara criar o MDB. Juntaram-se alguns deputadosdescontentes com as Arenas estaduais e formou-se oMDB. Mais tarde, claro, o MDB recebeu a substânciapopular e ideológica.

A partir dessa arquitetura partidária do presidente Cas-telo Branco, a Arena era em grande parte PSD e o restante,da UDN. Resultado: no interior do partido, os grupos doPSD e da UDN ficavam praticamente separados. Daí anecessidade de se criar as sublegendas: Arena 1 (UDN) eArena 2 (PSD) ou vice-versa, dependendo do lugar.

Na verdade, a Arena não era um partido. Era um movi-mento de apoio ao presidente Castelo Branco, de apoio aos

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governos militares. Não havia integração. Já no MDB, par-tido instituído artificialmente, começou a haver integraçãoe se transformou numa grande força. O MDB tinhaintegração não só na Assembléia, como na Câmara dosDeputados.

O deputado Bonifácio Andrada considera que a maior con-quista de sua gestão foi o equilíbrio interno entre ex-udenistase ex-pessedistas:

Consegui, na Presidência da Assembléia, alcançar o equi-líbrio necessário para as nossas atividades. O MDB, comoera um grupo pequeno, não tinha muita influência, e quemmandava mesmo era a Arena, composta de udenistas epessedistas. Consegui o equilíbrio necessário para a apro-vação daquilo que era realmente substantivo para o Go-verno do Estado. Apesar de Israel estar sempre rodeado depessedistas radicais, foi possível uma boa convivência.

Abrigo a estudantes

Outro episódio significativo do período sob a Presidênciade Andradinha foi o abrigo dado pela Assembléia a estudan-tes que fugiam de perseguição policial. Ele narra assim o epi-sódio:

Houve um episódio bem sério no decorrer de minha gestãoque assustou as lideranças revolucionárias: os estudantesestavam fazendo um movimento de protesto em Belo Hori-zonte. Eu acompanhava de longe, mas achava que a Revo-lução devia dar algumas aberturas aos movimentos popu-lares para evitar a tensão que acabou se criando no Paísinteiro.

Achava que deveria deixar esvaziar, sobretudo quandoeram movimentos sem maiores conseqüências, feitos em

sua maioria por estudantes. Era só agitação, que passarialogo. Eu tinha sido presidente da União Estadual dos Estu-dantes e participado de vários movimentos e, portanto,compreendia a rebeldia deles. 267

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Quando soube que os estudantes entraram em conflito coma polícia e que ela os perseguiu invadindo a Igreja de SãoJosé, onde haviam se rejtIgiado, eu disse a alguns colegas:se os estudantes vierem para a Assembléia, aqui a polícianão entra. Mal sabia eu que, no dia seguinte, os estudantesfizeram outro movimento e entraram na Assembléia, queficava praticamente ao lado da Igreja de São José, bem nocentro da cidade. A polícia quis entrar, mas dei ordensseveras para não deixarem. Quanto aos estudantes, eudisse que podiam ficar o tempo que quisessem. Por causadisso, tive, obviamente, conflitos com o Sistema.

Dias depois, o chefe do SNI em Minas, coronel GilbertoPessoa, conversou comigo em nome do Sistema. Só entãoeu soube que, na hora da conjtIsão, o governador IsraelPinheiro ficou muito embaraçado e ligou para autorida-des de Brasília. Ligou também para meu pai, que era de-putado federal, a quem teria dito: ';<lh,Zezinho, seu filhoestá fazendo agitação, querendo criar dificuldades. "

Na com'ersa com o coronel do SNI, eu disse que, se quises-sem apenas um arremedo de Assembléia, que me avisas-sem. Eu continuaria a apoiar a Revolução, mas renuncia-ria à Presidência.

o adiantado da hora

Andradinha narrou também, desta vez bem humorado, o

bizarro episódio do relógio adiantado:

Quando me candidatei a presidente da Assembléia, prometi

melhorar as questões administrativas da Casa porque havia

uma grande desordem. A Mesa da Casanomeava quem

quisessepara os cargos e, depois de algum tempo, as pessoas

eram efetivadas naqueles cargos. Não havia concurso. Os

funcionários eram admitidos e demitidos de acordo com

interessespolíticos. Não havia um corpo técnico e assessores

de bom gabarito não tinham nenhuma segurança.

Logo que assumi a Presidência, chamei o professor Paulo

Neves Carvalho e pedi que organizasse, por meio de uma

pesquisa, a estrutura funcional da Casa. O diretor-geral

da ALMG era José Sebastião Moreira, um advogado

brilhante e muito ativo, e o secretário da Mesa era o João

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Navarro, meu adversário em Barbacena, mas muito

cordial. Isso facilitou muito o trabalho. A dificuldade,

contudo, seria aprovar a nova estrutura administrativa

porque o pessoal do PSD sabia que, conforme o rodízio

da Arena, o próximo presidente seria do PSDe queria

aprovar as mudanças na outra gestão. O projeto ficou

pronto em dezembro, e começou a votação. Passou na

primeira, mas precisava passar na segunda, que só

ocorreu nos primeiros dias de janeiro. Eu estava no final

da minha gestão e verifiquei que havia uma articulação

enorme para derrotar o projeto. A deputada Maria Pena

era uma das opositoras mais ativas.

Foi então que aconteceu um fato que não sei bem explicar:

o relógio da Casa se adiantou antes de começar a sessão.

Na verdade, eram 13 horas e trinta minutos, mas o relógio

já marcava 14 horas, e tive que instalar oficialmente a

sessão. Tinha uns quatro ou cinco deputados presentes.

Eu li a ata, em seguida passei para o expediente e para a

ordem do dia: pus o projeto em votação e ele foi aprovado

por unanimidade.

Esse projeto se transformou na Resolução 800, vigenteaté hoje. É uma resolução tão importante sobre administra-ção pública que meu pai, à época secretário da Mesa da Câ-mara dos Deputados, valeu-se dela para implantar ali algu-mas de suas regras. Posteriormente, todas as assembléiaslegislativas do País também adotaram, em linhas gerais, anossa resolução.

Resistência e cassação

Apesar de pouco significativo em termos quantitativos noperíodo anterior ao Ato Institucional nO5, de 1968, o MDB deMinas Gerais tentava, até mesmo de modo audacioso, com-portar-se como partido de oposição. A 25 de maio de 1966,por exemplo, o seu líder na Assembléia, José de Castro Ferreira, 269

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DIALOGO COM O TEMPO

criticou severamente o governo, chegando a afirmar que opresidente da República zombava da Nação:

(... ) Ninguém, nenhum homem público neste país,notadamente aqueles que pertencem à oposição, poderiadeixar passar desapercebida na Assembléia de MinasGerais, as palavras do marechal Castelo Branco, princi-palmente aquelas que proferiu em São Luís. São palavrasque merecem meditação, que merecem análise, pois nãose pode compreender que, ao longo de toda a história daRepública, se veja hoje um Chefe de Estado, da maiorresponsabilidade, que acumula em suas mãos a maiorsoma de poderes que a história já registrou, fazer pro-nunciamento desse teor...

(.. .) S. Exa., o sr. presidente da República, ou não estavabem informado ou, então, faz questão, tem empenho detapear a Nação e o mundo. Em seu pronunciamento feitoperante o ilustre governador José Sarney, afirmava opresidente Castelo Branco que no país não há ditadurae citOl'a como exemplo a liberdade do Poder Judiciário,a liberdade do Poder Legislativo, a liberdade de imprensae a inexistência de presos políticos no territórionacional.

Ora, sr. presidente, é de ver-se que nas quatro premissasque coloca o sr. presidente da República não acerta em

nenhuma delas e não acerta nem por coincidência, por-que, na realidade, o que desfrutamos em nome da liberda-de nesta Casa, e o povo bem o sabe, desfrutamos sob o

perigo permanente de cassação de mandatos e da suspen-são dos direitos políticos. A nossa liberdade vai até ondepermite a Presidência da República. Sabem os membrosda oposição nesta Casa que dificilmente serão candidatosàs próximas eleições, se houver próximas eleições, porquepoliticamente são inconvenientes ao governo da Repúbli-ca. Mas sabem também que poderão não chegar às próxi-mas eleições. A qualquer hora sai um "listão" ou uma "lis-tinha" e não se tem mais mandato de deputado ou, pelocontrário, não se é mais cidadão brasileiro político, peloprazo de 10 anos. O mesmo acontece com o Poder Judiciá-rio. Qualquer juiz de Direito, qualquer desembargador, dequalquer Tribunal de Justiça, e qualquer ministro do Su-premo Tribunal Federal pode, a qualquer instante, ter os

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

seus direitos políticos suspensos e deixar de pertencer aoTribunal.

Que liberdade, sr. presidente, se pode vislumbrar diantede tais fatos? Pensa S. Exa. que tem o direito de zombar daNação inteira com seus pronunciamentos, quando todossabemos que aqui mesmo, no Estado de Minas Gerais, nãohá razão de se falar em inexistência de presos políticos?

( .. .J Que liberdade é essa que nós quando usamos destatribuna para fazer estas críticas estamos certos de queengrossamos nossa ficha no DOPS e no SNI, que vem bus-car os nossos pronunciamentos para engrossar tais anota-ções e para nos tachar de subversivos?

Como era de se esperar, o deputado José de Castro Ferreirafoi punido pelo regime. Seus discursos e sua prática políticanão se adequavam à Nova Ordem. Na sessão de 10 de agostodo mesmo ano, o deputado José Maria Magalhães denunciouas arbitrariedades sofridas pelo colega:

(...) Nosso partido em Juiz de Forafoi vítima de fatos gravesocorridos na última semana na 4° Companhia de Inten-dência, unidade militar sediada em Santos Dumont.

Dentre os atingidos figura o próprio líder do MDB nesta As-sembléia Legislativa, o valoroso companheiro deputado Joséde Castro Ferreira, que foi pessoal e diretamente ameaçadopelo senhor major comandante da referida Companhia e atualpresidente do IPM instaurado em abril de 1964 contra o refe-rido parlamentar e sem andamento até a presente data.

(...) A liderança do J'vlDBdenuncia à opinião pública es-tes acontecimentos e espera que o sr. ministro da Justiçatome providências no sentido de que os mencionados in-quéritos não sejam transformados em instrumento decoação contra o livre exercício da atividade oposicionis-ta em Minas Gerais.

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Poder inoperante

Na sessão do dia seguinte, o deputado Carlos Vaz de MeloMegale, filiado à Arena, lamentou o estado de inoperânciado Poder Legislativo, mas ponderou: o fato de asAssembléias Legislativas permanecerem abertas era, por sisó, motivo de júbilo, pois, querendo ou não, "esta tribuna,ainda é o único lugar onde o povo tem quem o defenda. Épara esta Casa que ele traz suas queixas, é daqui quereclamamos contra as perseguições que se fazem no interiorde nosso Estado".Em 1966, pequena parcela de filiados a movimentos polí-

ticos que se opunham ao governo já começara atuar de ma-neira radical. Um dos primeiros atos de violência foi aexplosão de uma bomba no saguão do Aeroporto deGuararapes, em Recife, poucos minutos antes da aterrissagemdo avião que conduzia o futuro presidente da República,general Arthur da Costa e Silva. O episódio teve repercussãonacional e, na Assembléia mineira, foi denunciado a 4 deagosto pelo suplente do deputado Sinval Boaventura,deputado Nicanor Neto Armando:

A infame manifestação terrorista de Recife reflete bem osombrio panorama nacional. Esses monstruosos atentadosse constituem em mancha indelével para com nossa Pá-tria. Contra eles é imperioso reagir. Não podemos ser pre-cipitados na anarquia. Esses atentados contra a seguran-ça nacional precisam ter um paradeiro.

O Governo do insigne marechal Castelo Branco precisa,sem demora e sem tibiezas, recorrer a leis de emergência,ao emprego de medidas excepcionais para esmagar essescelerados, inimigos da Pátria e da Revolução - que que-rem destruição, sangue, dor, lágrimas e luto, inquietação epânico, ódio e vingança.

A vida de um bravo e honrado militar da estatura domarechal Arthur Costa e Silva, a vida de um estadista depassado impoluto como Pedro Aieixo, salvos milagrosa-mente do atentado de que foram vítimas, representamum obstáculo que se levanta como muralha de dignidadee de esperança opondo-se às hordas da corrupção e dasubversão.

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Com a irreverência que lhe era peculiar, Waldomiro Lobonão se filiou ao MDB e muito menos à Arena. Considerava-se um político independente. E foi nessa condição quecriticou o artificialismo do sistema bipartidário na sessãode 10 de agosto. Aproveitou para lançar farpas contra ogovernador de Minas, cujo nome abreviara para IP da Silva,acusando-o de "vergonhosa submissão ao governo federal".Coerente com seu estilo populista, fez sua auto-propaganda.Afinal, as eleições estavam por vir e, como ele mesmoafirmava, "o caldeirão já começara a ferver". Prometeu ir atodos os bairros da Capital e às cidades vizinhas esclarecero povo sobre certos candidatos. "Não importa que sejamda Arena ou do MDB, o povo precisa saber que não existepartido propriamente dito."

Frente rasa e curta

Em janeiro de 1967, o governo federal outorgou a novaConstituição. Para aqueles que estavam fora do poder, o perfilda nova Carta era nitidamente autoritário; já para os defenso-res da chamada linha dura, o documento era extremamentefrágil. Contudo, por ter garantido o funcionamento do PoderLegislativo, tido como a única réstia de democracia no País, aCarta não se constituiu em objeto de grandes questionamentos.Em linhas gerais, ela não passava de mera ratificação de atosjá promulgados.Meses depois da outorga da nova Constituição, foi selada

uma aliança política que teria sido de todo improvável an-tes. O nome era Frente Ampla e pretendia unir os ex-presi-dentes Juscelino Kubitschek e João Goulart ao histórico ad-versário de ambos, Carlos Lacerda. Tal frente, no entanto,sucumbiu por força de suas próprias contradições. Aliás, tantoos defensores do regime quanto os que se opunham a eletinham razões de sobra para duvidar da esdrúxula união.Costurada depois de sucessivos encontros ocorridos em Lis-boa, onde vivia JK, e em Montevidéu, onde Jango se exilara,a Frente Ampla, como bem a avaliou Élio Gaspari, já nascerapredestinada ao insucesso. 273

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Carlos Lacerda, o algoz de seus recentes aliados, tornara-se oposicionista desde que Castelo e GolbelY moeram seusonho presidencial. Se aquilo que Costa e Silva chefiavafosse de fato um "regime democrático ", a união dos velhosinimigos em torno de um movimento chamado Frente Am-pla seria tolerável. Como persistia a noção segundo a qualos militares eram os árbitros finais da questão política, aguinada de Lacerda foi vista como mais uma prova dainconstãncia dos políticos civis. À esquerda, por meio deum raciocínio idêntico, com sinal contrário. a guinada deJango e JKfoi vista como prova da inconstância dos políti-cos burgueses. Ampla a Frente era. Por rasa, seriairrelevante.87

Democracia claudicante

Quando os 63 deputados estaduais eleitos pela Arena e os19 pelo MDB tomaram posse de seus mandatos à 6a Legislatura(1967-71), o Brasil estava sob a batuta da nova Constituição eaguardava a posse do general Arthur da Costa e Silva na Presi-dência da República.É certo que haveria mudanças nos cargos do alto comando

do País, mas tal perspectiva não trazia a crença de que novosdias viriam, muito antes pelo contrário. Mesmo com a preca-riedade do noticiário político, censurado, o cidadão minima-mente interessado sabia que o Regime Militar estava, desdeos primeiros dias de sua vigência, cindido em duas tendênciasou facções.

De um lado, os "castelistas" ou "esguianos", militares oriun-dos da Escola Superior de Guerra (ESG) e, por mais paradoxalque pudesse parecer, defensores de algumas idéias liberalizantes.De outro, a facção conhecida como "linha dura", que agrupavamilitares defensores de um exacerbado nacionalismo, contrá-rios, portanto, ao "internacionalismo liberalizante" insinuadopelo grupo que chegara ao poder em 1964. Do ponto de vista

87 GASPAR!, Élio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia. das Letras. 2002. p. 279

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político, tendiam a posturas bem mais autoritárias, sem assutilezas dos seguidores de Castelo Branco.

Fiel à decisão de não fechar todos os canais democráticos,Castelo Branco garantira o cumprimento do calendário elei-toral, a despeito de muitas pressões em contrário. Aascensão do general Costa e Silva, legítimo representanteda "linha dura", no entanto, levantava suspeitas de que asbrechas de democracia ainda restantes no País correriamsérios riscos.

A Assembléia mineira não estava, por certo, imune aessas previsões pessimistas, mas teimava em manter a velharivalidade entre UDN e PSD. Na sessão de 15 de janeiro de1967, por exemplo, foi apresentada proposta decongratulações ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, que,naquele momento, iniciava a formação da Frente Ampla,com Lacerda e Jango. Alguns deputados da Arena, ex-udenistas, fizeram questão de, ao declarar a razão por quenão assinaram tal documento, fazer também uma profissãode fé ao regime:

Os deputados infra-assinados, pela presente declaraçãode voto, afirmam que votaram contra a proposição decongratulações ao sr. Juscelino Kubitschek porentenderem este requerimento indisfarçável condenaçãoaos principias rm'olucionários e às justas medidas desegurança tomadas contra o ex-Presidente, que teve os

seus direitos suspensos pelo Governo da Revolução.Outrossim, reafirmaram sua integral solidariedade aoEminente Presidente Costa e Silva e seus ministros pelosatos que vêm praticando em defesa da ordem revolucio-nária, contra os movimentos e atividades políticasilegais que, ultimamente, vêm sendo tentados eincentivados no País.

Deputados: Valdir Melgaço, Milton Sales, Bonifácio JoséTamm de Andrada. Joaquim de Melo Freire, José MendesHonório. Rafael Caio Nunes Coelho.

A 21 de agosto, o deputado José Raimundo Soares da Sil-va, do MDB, fez crítica contundente ao centralismo impostopela Constituição de 1967, principalmente no tocante à polí-tica tributária. No seu entendimento, o federalismo perderaforça e os Estados padeciam de lamentável falta de autono-mia. Disse ele: 275

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Sr. Presidente, Srs. Deputados. Ao ensejo da promulgaçãoda Constituição Estadual de 1967, pronunciei um discur-so desta tribuna, marcando a posição do meu partido e

chamando a atenção do povo mineiro e brasileiro para o

fato de estarmos promulgando uma Constituição em que osistema federativo deixava de existir no Brasil. E que aque-las prerrogativas e autonomia que os Estados tinham nasconstituições anteriores, de 91,34, 47 e mesmo na de 37,nós não mais as tínhamos. É bem de ver, Sr. Presidente, quena parte referente ao novo sistema tributário, inserido nanOl'a Constituição Federal, eu disse à Casa e ao povo mi-neiro que os Estados brasileiros passavam, daquela dataem diante, perante o Governo Federal, a meros pedintes demão estendida, solicitando de seu povo a assistênciapaternalista do Governo Federal. E aqui hoje, Sr. Presiden-te, colho as provas daquelas minhas afirmações; trago nes-ta tarde provas concretas de que o Governo Federal, insen-sível e omisso aos problemas dos Estados brasileiros, sone-ga os tributos, os impostos, as alíquotas a que têm direito os

Estados e municípios pelo texto constitucional. Eu me refi-ro, Sr. Presidente, especificamente ao imposto de minériosque o Governo Federal vem arrecadando desde janeiro e

que não o devolve ao Estado, como disse desta tribuna o

Secretário da Fazenda, deputado Ovídio de Abreu.

Velha ordem dominante

Por aquela época, o MDB mineiro se via às voltas com umapertinente questão partidária. Alguns de seus integrantes, quese autodenominavam "moderados", optaram por não fazeroposição ao governo de Israel Pinheiro, àquela altura, engajadonas fileiras da Arena, como a maioria dos governadores. Nasessão de 28 de agosto, o deputado Dalton Moreira Canabravafoi à tribuna para falar de seu desapontamento com os cole-gas ..Citou um artigo do jornal "Estado de Minas", cujo títuloera "Minas sem oposição", observou que era "uma incongru-ência, uma falta de senso" de seus colegas e acentuou: "algunscompanheiros não querem mais participar da oposição, mas

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que esses companheiros deixem limpa a legenda da oposição,sem conspurcá-la com integracionismo."

A oposição aos governos federal e estadual ainda estava,àquela altura, marcada pela fidelidade aos antigos partidos. Ocaso do governador Israel Pinheiro era especial: eleito pelacoligação PSD/PTB, teve sua posse e mandato garantidos pelonovo regime e foi, sabidamente, apoiado pela UDN. Visto emtermos da estrutura partidária anterior, havia de fato certasdissonâncias que geravam conflitos na Assembléia. Mesmoporque, vale ressaltar, a formação do MDB era heterogênea obastante para abrigar até mesmo alguns ex-udenistas. A 12 desetembro, por exemplo, o deputado Matozinhos de CastroPinto, da Arena e ex-pessedista, criticou em longo discurso osex-udenistas que se filiaram ao MDB. Sua fala veio a propósitode um requerimento de congratulações ao governador,apresentado por seu colega Wilson Tanure, também ex-pessedista, mas filiado ao MDB. No seu entender, mesmo sobo manto do bipartidarismo, "seria necessário mais lealdadeaos homens com assento nesta Casa, seria necessário maiscoragem de tomar posições, para que o povo de Minas não sesinta frustrado na Assembléia."

Na sessão do dia seguinte, foi posto à mostra, finalmente,o dissenso que ocorria no MDB mineiro. O deputado NilsonGontijo dos Santos, ex-udenista, não aprovava moções deapoio ou de congratulações ao governador. Avisou que orequerimento do deputado Wilson Tanure não passava de umato de bajulação a Israel Pinheiro e lamentou o fato de que,apesar de pequena, a bancada do MDB estivesse dividida.

Naquela mesma sessão, o deputado arenista Edgard de Vas-concelos Barros analisou criticamente a propalada propostade se criar uma Fundação Estadual de Ensino Médio que agru-paria os estabelecimentos públicos. No seu entender, o regimede fundação excluiria alunos oriundos das camadas popula-res. Propunha ao governo do Estado a criação de uma "taxa deeducação", a incidir sobre impostos de transmissão inter vivose transmissão "causa mortis". Essa seria, no seu entender, aúnica "forma de interromper a tradição aristocrática e burgue-sa, na educação e no ensino em nosso País".

As divergências internas do MDB em relação ao governode Minas não impediam que houvesse indiscutível consensosobre questões essenciais à democracia. Uma delas era a elei-ção, por meio de voto popular, dos chefes do Poder Executi- 277

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DIÁLOGO COM O TEMPO

vo. Esse foi o tema de longo discurso que o deputado JorgeFerraz pronunciou a 14 de setembro. Depois de apresentar,conforme suas palavras, um "retrospecto" da história políticabrasileira, falou do projeto que o deputado Raul Belém apre-sentaria ao Senado Federal propondo emenda à Constituiçãopara o restabelecimento do voto popular.

Bipartidarismo à força

Para garantir o bipartidarismo instituído pelo Ato Insti-tucional nO2, o governo federal criou o recurso da sublegendaa partir das eleições de 1966. Traduzindo a insatisfação devários de seus colegas, o deputado arenista Cícero Dumont foià tribuna a 20 de setembro para uma análise crítica daquelainovação, que, no seu entender, não trazia nenhum benefícioeleitoral. Disse ele:

(....) No período anterior a 1964, o multiplicador não opluripartidarismo, no Brasil alimentado pelas facilida-des legais oferecidas à criação de partidos políticos (che-gou a 13), as divergências dentro de uma agremiação par-tidária não levaram o legislador de então a admitir asublegenda. As divergências, nas grandes agremiações (3),se resolviam com a constituição de novos partidos,inexpressivos, é certo, simples "apêndices" dos grandes,dos quais originavam os seus fundadores (do PS:J saiu oPTN; da UDN o PDC;do PTB o PSB, o P07] mas com todasas regalias de partido político.

( .. .J O legislador revolucionário de 1964 entendeu experi-mentar o bipartidarismo. O resultado oferecido por essessistemas em outros países, quanto à estabilidade políticae à sustentação de programas administrativos, estimuloua sua decisão. Mas, imposto por força de lei e de cima parabaixo, verificou-se, à proximidade do primeiro embateeleitoral, que seria necessário encontrar uma "abertura"para os agrupamentos em divergência, dentro do partido,mais exacerbada, agora, que no regime multipartidário. E

saiu-se para adoção da sublegenda, não como medida

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

estatutária permanente, que, de resto, seria a criação depequenos partidos dentro do grande, mas como saída deemergência para a escolha de candidatos, de aplicaçãoepisódica, como se verá.

Sem esconder certo gosto de vingança, o deputadoarenista Joaquim Freire, da ex-UDN, leu da tribuna da As-sembléia a manchete do "Diário de Minas" daquele dia 26de setembro: "Comitiva de Israel apanha em Montes Cla-ros". Ainda de acordo com o jornal, o ex-presidente daALMG Jorge Vargas, que acompanhava o governador deMinas à reunião da Sudene realizada naquela cidade, forauma das vítimas do tumulto. O deputado aproveitou aoportunidade para criticar mais uma vez a inoperância dogovernador e lamentou, claro, a violência sofrida pelo amigoe ex-colega Jorge Vargas.

1968, os estudantes na rua

O ano de 1968 foi marcado, no mundo ocidental, por umaavalanche de manifestações contestatórias e de naturezas asmais diversas. A mais célebre delas ocorreu no mês de maio,em Paris, de onde barricadas armadas por estudantes instiga-ram a eclosão de movimentos semelhantes em variadas par-tes do mundo.

No Brasil, o movimento estudantil tinha espectro dife-renciado. A luta não era, como na França, contra arcaicasregras que norteavam o ensino, principalmente o de nívelsuperior. Lutava-se aqui pela garantia dos direitos civis epelo retorno à democracia. Ao movimento estudantilbrasileiro somavam-se, ainda que timidamente, outrossegmentos sociais igualmente insatisfeitos com o regime.Como era de se esperar, a resposta dos militares a taismanifestações foi violenta. O número de prisões aumentousignificativamente e a tortura se tornou procedimento banalnos porões da ditadura. O Poder Legislativo mineiro nãoficou alheio aos novos acontecimentos. A 21 de junho, olíder do MDB, deputado Sílvio Menicucci, reportou-se a elesde maneira contundente: 279

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Estamos assistindo ultimamente a um quadrodesalentador neste país. Cada dia que passa, mais seacirra a luta entre a juventude brasileira, as forças poli-ciais e as Forças Armadas desta nação. Ainda ontem oEstado da Guanabara assistiu a um espetáculo que dese-jamos, sinceramente, que nunca mais se repita nesta Pá-tria. Num corredor polonês, jovens massacrados pela po-lícia eram obrigados a deitar na praça pública e a colocarsobre suas cabeças as suas mãos; e a desalmada políciado terror, que está a cada dia cerceando mais as liberda-des públicas, agredia com bárbara violência aesperançosa juventude desta Pátria.

Sr. presidente, srs. deputados, nós todos somos pais destajuventude que está sendo violentamente agredida pelaimpiedosa polícia armada do governo fascista que se ins-talou nesta Nação.

o deputado Sebastião Fabiano Dias, também do MDB,complementou, em aparte, a fala do colega:

Sr. deputado Sílvio Menicucci, V. Exa. fez mais uma vezum brilhante pronunciamento nesta Casa. Fere, nesta opor-tunidade, um dos mais palpitantes assuntos mundiais.Temos notícia agora de que a França passa por uma crisedas mais graves no setor estudantil, porque a sua estrutu-ra universitária é por demais arcaica. Mas os homens pú-blicos daquele país, nobre deputado, esforçam-se, da ma-neira a mais sugestiva, no sentido de atingir os desejadosobjetivos pelos quais se bate a juventude estudantil daque-le país. No Brasil, o que vemos?

Depois de outros apartes de apoio, Sílvio Menicucci con-cluiu seu longo discurso:

No momento em que ocupo esta tribuna, em frente ao TeatroMunicipal do Rio de Janeiro, bem ao lado da AssembléiaLegislativa do Estado da Guanabara, outra vez, os estu-dantes daquele Estado estão sendo submetidos à violentaagressão por parte da polícia e do DOPS.

( .. .J Ao invés de o Governo procurar, por intermédio daslideranças estudantis, estabelecer pontos de vistas comunsentre os dois poderes, o poder oligárquico, que martirizaesta Nação e o poder jovem da Pátria, cada vez mais estávitalizando o seu sistema militar para pressionar, para

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

violentar e até para matar os nossos filhos que estão rea-gindo por um direito que lhes tem sido negado: o de lutarem benefício de melhores condições para o ensino.

Poder acuado

Por aquela época, os presidentes da Assembléia Legislativade Minas Gerais eram freqüentemente pressionados pelos agen-tes do governo federal com ameaças de cassação de mandatosparlamentares e de fechamento da Casa. Alguns deputadosreagiam de forma heróica a essas ameaças e iam à tribuna paradenunciá-las. Foi o que fez o deputado Jorge Ferraz, do MDB,a 2 de agosto, quando, em "questão de ordem", e de maneiraabusiva para a época, qualificou o movimento revolucionáriode 1964 como "golpe de Estado":

A minha questão de ordem teve razão de ser, porque emuma das últimas vezes que ocupei esta tribuna, a fim detratar de torturas praticadas em um jovem estudante deBelo Horizonte por elementos do Exército Nacional, fuiacordado pela madrugada por colegas desta Casa, que mesolicitavam, aflitos, que viesse a esta Assembléia Legislativarever o discurso pronunciado naquela tarde, de vez quenaquele discurso eu criticava os atos praticados pela Polí-cia Militar, pelo Exército, pelas forças que estavamexorbitando no cumprimento do seu dever, de vez que as

torturas praticadas naquele jovem estudante até hoje nãoforam desmentidas.

Mas, sr. Presidente, já se disse que é o próprio Governo quese encarrega de mostrar à Nação que a democracia da qualfala não passa de uma caricatura, pois, inclusive a própriaConstituição, imposta pela Revolução, é semidemocráticae é o próprio Ministro da Justiça que vem infringi-la.

Os Atos Institucionais, criados para consolidar o golpe deEstado de 64, são acobertados pelas portarias ministeri-ais a que nos referimos, deixando claras ilegalidades cons-titucionais no País, mesmo dentro da Carta de 67. Estamos,pois, ao contrário do que afirmou V. Exa., sr. Presidente, em 281

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DIÁLOGO COM O TEMPO

resposta à nossa questão de ordem, numa verdadeira dita-dura, ditadura que sofre influência de setores militares.

Na sessão do dia 14 do mesmo mês, o deputado EmilioHaddad Filho, também do MDB, foi profético ao chamar aatenção de seus pares para uma possível radicalização doregime que considerava o Poder Legislativo inútil e desne-cessário:

(...) Urge que seja tomada uma providência enérgica porparte das lideranças do Governo e da oposição, princi-palmente por parte grande da maioria da bancada go-vernista, para que este Legislativo, nas poucas oportuni-dades que tem de prestar algum serviço ao Estado, nãofuja desta responsabilidade, não saia do campo de luta aque os deputados se propuseram, por ocasião da eleição,sob pena de assistirmos ao que estamos vendo em MinasGerais: o Poder Legislativo considerado como um poderdesnecessário, inútil, caro e que pode ser perfeitamentefechado. Já tive oportunidade de alertar os meus paressobre o que está acontecendo hoje: o retrato exato do queocorria em 1937.

(...) Fica mais uma vez registrado, nos Anais desta Casa,este brado de alerta, pois estamos pressentindo o desgastedo Poder Legislativo.

A 20 de agosto, o mesmo deputado voltou à tribuna. Dessavez, para analisar a atuação do movimento estudantil e osperigos que poderiam advir de posturas radicais nos confron-tos com a polícia:

(...) Dizem os estudantes que estão procurando, com asua atuação, derrubar o Governo e, conseqüentemente, oregime implantado. Mas não sabem eles, ou pretendemnão saber, que, através da atuação ora encetada, vãopossibilitar àqueles grupos de extrema direita maisradical forçar o Governo à não-abertura para o regimedemocrático amplo e total e, pelo contrário, aoendurecimento, de tal forma que poderemos assistir,dentro de pouco tempo, ao estabelecimento de umaditadura. Fica aqui o nosso protesto contra estasviolências da polícia que deve proibir a baderna, masnão deve impedir que a classe estudantil se manifeste emrelação ao estado de coisas de nossa Pátria.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

A 17 de outubro, o deputado Jorge Ferraz foi à tribunapara, mais uma vez, reclamar contra o cerceamento do PoderLegislativo, cuja ação se limitava a aprovar orçamentos eapresentar votos de congratulações. Ao final de sua fala,dirigiu-se ao presidente da Casa, Manoel Costa, com certaironia, e afirmou:

Sr. Presidente. Não farei indagação a V. Exa. para nãodeixar a sua consciência em conflito ao afirmar que real-mente estamos num regime democrático e de liberdade,quando na verdade estamos numa democracia consentidae que permanecerá enquanto não houver a recuperaçãodo poder civil. Enquanto isto não acontecer, V. Exa. nãopoderá garantir o mandato que o povo concedeu aos par-lamentares desta Casa.

o saudável impulso dos deputados mineiros no sentidode valorizar o Poder Legislativo era fortementecompartilhado por assembléias legislativas de outrosEstados. Tanto que fora criado um Conselho Interestadualque congregava as cúpulas das assembléias legislativas,com o explícito propósito de defendê-las. A 14 de outubro,o deputado arenista Cícero Dumont, representante mineirono referido conselho, comunicou a seus pares orecebimento de telegrama da Assembléia gaúcha convo-cando o conselho para um encontro nacional. A pauta dediscussão seria o prestígio do Poder Legislativo em todasas instâncias. Prestígio que, por sinal, vinha sendoseriamente abalado por constantes rumores de fechamentodo Congresso Nacional.

AI-5, O adeus às ilusões

Os radicalismos de movimentos de direita e de esquerdamarcavam a conjuntura política brasileira desde o final de 1967.A despeito das afirmações do então presidente da República,general Arthur da Costa e Silva, de que a integridade do Con-gresso Nacional seria mantida, já que era "peça imprescindívelem qualquer regime democrático", o segundo semestre de 1968 283

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DIÁLOGO COM O TEMPO

se iniciou sob ameaças, nem sempre sutis, de um possível fe-chamento do Congresso.88

Em meio a boatos, prisões, incertezas e medo, um estopimdetonou a crise. O deputado federal Márcio Moreira Alves, doMDB do Rio de Janeiro, pronunciou da tribuna da Câmara umdiscurso considerado ofensivo às Forças Armadas. Seu pro-nunciamento foi pequeno e nem teria tido repercussão, nãofosse o oportunismo dos ministros militares que, sentindo-seofendidos, solicitaram à Câmara o direito de processar o de-putado.

Ardentes de liberdade

Moreira Alves fez pronunciamentos nos dias 2 e 3 de

setembro, durante os preparativos para a comemoração da

Independência, conclamando o povo a não comparecer ao

desfile militar do dia 7, os pais a não deixarem seus filhos

assistir a ele e pedindo às moças" ardentes de liberdade"

que se recusassem a sair com os oficiais militares. A 6 de

novembro, o Supremo Tribunal Federal solicitou a

suspensão da imunidade parlamentar do deputado,

acusado pelo Ministério Público. O pedido foi negado por

216 votos (incluindo 94 de arenistas) contra 114, e 15

abstenções.

Nos dias subseqüentes, e com pequenas variações, os prin-cipais jornais do País indicavam que a Câmara não agiria sobpressão no caso Márcio Moreira Alves, e ela assim o fez. Nasessão do dia 12 de dezembro, a concessão da licença entrouna pauta de votações e a Câmara a negou. E, conforme afir-mou o líder da oposição, deputado Mário Covas, "a Câmararompeu a barreira do medo".89

Se perplexa ficou com a audaciosa decisão da Câmara,mais perplexa ainda ficou a opinião pública com a reaçãodo governo militar: na tarde do dia seguinte, uma sexta-feira 13, baixou o Ato Institucional na 5, que, em doze arti-gos, cassou a cidadania do povo brasileiro, e, pelo Ato Com-plementar na 38, fechou o Congresso Nacional por tempoindeterminado.

88 Entre outros. ver: JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1968, que estampou aseguinte manchete: "Presidente garante integridade do Congresso".89 FOLHA DA TARDE. São Paulo. 13 de dezembro de 1968.

170 ANOS DO LEGISlATIVO MINEIRO

A ditadura mostrava sua cara e dava início a um dos perí-odos mais sombrios de nossa história recente. O AI 5 vigo-rou por dez anos e 18 dias e uma de suas principais marcasditatoriais, que atingiu toda uma geração de brasileiros, es-tava no artigo 10, que rezava: "Fica suspensa a garantia dehabeas corpus nos casos de crimes políticos contra asegurança nacional". Em outras palavras, escancaravam-seas portas à repressão e montavam-se os cenários para os cri-mes da ditadura.90

O sonho acalentado no início daquela década havia acaba-do. O clima de entusiasmo, quase euforia, herdado da décadaanterior, quando o País construiu "50 anos em cinco", tão bemsimbolizado na inauguração de Brasília, não existia mais. Oimpulso para repensar o Brasil sob o embalo do cinema novo,da bossa nova e de outras manifestações artísticas quemarcaram os chamados anos dourados se desfazia por forçade um ato institucional. O que restou a partir daquela tarde de13 de dezembro de 1968 foi o medo e, principalmente, umforte sentimento de desamparo.

Dias piores

O ano de 1969 se iniciou sob a estranha sensação de quedias piores ainda poderiam vir. Mas havia um alento: apesarde cerceadas, as assembléias legislativas estaduais ainda esta-vam abertas, embora de suas tribunas quase se falasse apenas,abertamente, a favor do governo. Os discursos contra ele eramraros e tímidos.

Na sessão do dia 6 de março de 1969, por exemplo, o de-putado Joaquim de Melo Freire, da Arena, que pouco antessaudara o presidente Costa e Silva e lhe outorgara, em nomedos colegas, o título de cidadão honorário de Minas Gerais,voltou à tribuna para tecer lo as à Revolução e ao AI 5:

r.. .) Atentas se encontravam as Classes Armadas e as lide-ranças civis mais autênticas que não titubearam e, sob o

90 GASPAR!, Élio. OI'. cil. 1'.341. 285

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DIÁLOGO COM O TEMPO

comando do presidente Costa e Silva, deflagraram o pro-cesso de retomada da Revolução com a outorga do AtoInstitucional nO5. Em boa hora. a Revolução se fez de novopresente para deter a subversão e opor obstáculo à desen-freada ambição dos corruptos. A Revolução ainda não che-gou a Minas - temos de repeti-lo. Confiamos que ela che-gue para que seus políticos sejam menos profissionais e seconscientizem das responsabilidades da vida pública. Porvárias vezes, desta tribuna. pincelamos a fotografia daArena mineira. Aglomerado de ex-partidários, sem vitali-dade orgânica, sem qualquer representatividade do idealque foi criado, ou seja, de significar para a classe políticaa expressão partidária da própria Revolução.

Na tentativa de apaziguar os ânimos, extremamente exal-tados com a decretação do AI5 e com o discurso de MeloFreire, o deputado Amílcar Campos Padovani, do MDB,conclamou os colegas a "um esforço harmônico, conjugado aespíritos desarmados", para trabalharem pelo engrandecimen-to da Pátria. Que Minas desse ao Brasil "exemplo de civismo ebravura", disse. Na mesma sessão, o deputado DaltonCanabrava, do MDB, também se pronunciou para analisar umconceito que estava em voga nos meios políticos: linha dura.A certa altura, afirmou:

Unha dura, no meu entender, sr. Presidente, srs. deputa-dos, não é chegar no horário certinho; não é ficar até o fimda sessão; não é dispensar carro oficial; não é fazer essasmanifestações externas e fingidas de bom comportamento,pormenores de significação menor que não se coadunamcom a majestade do poder.

Bom comportamento, sr. Presidente, linha dura verdadei-ra, linha dura de dignidade, tem significação muito mai-or: é fiscalizar bem o governo, é votar com isenção, dispen-sando interesses particulares ou de grupos, é aplicar comconsciência o dinheiro do povo, é, enfim, ser honesto nosseus propósitos.

( .. .J Enquanto esta Casa estiver aberta, ela deve ser respeita-da. Se hoje à noite ela for fechada, sim. Então, que não se falenada, mas enquanto esta Assembléia estiver aberta, ela temde ser respeitada, porque nós a respeitamos. E este respeito éindependente da vontade, do aplauso ou não de muitos. Sr.Presidente, srs. Deputados, tenho a coragem cívica de vir

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

aqui divergir da opinião daqueles que julgam o que seja bomcomportamento. Eu sou linha dura, mas linha dura deverdade, e não linha dura de detalhes que em nada alteramas coisas neste Pais.Sou linha dura da dignidade, da correção,da tranqüilidade de espírito e do bom comportamento.

Oito dias depois daquela sessão, ou seja, a 14 de março, oConselho de Segurança Nacional cassou o mandato parlamen-tar e suspendeu por dez anos os direitos políticos do deputa-do Raul Décio de Belém Miguel, do MDB. A AssembléiaLegislativa sofria, pela primeira vez, os efeitos do AI 5. Masainda viriam outros. A 14 de abril, foi a vez do deputadoMatosinhos de Castro Pinto, da Arena, que estava em seu pri-meiro mandato parlamentar; também por decisão do Conse-lho de Segurança Nacional, ele foi cassado e teve os direitospolíticos suspensos por dez anos.

Com o afastamento do deputado Fuhad Sahione, o primei-ro suplente do MDB, Genival Tourinho, assumiu o mandatoem abril de 1969 e viveu até novembro sua primeira experiên-cia como parlamentar. Na sessão de 8 de maio, fez sua estréiaem discurso carregado de emoção. Relatou sua trajetória an-terior, seu compromisso com a democracia e lamentou o fatode, logo em sua estréia como parlamentar, ter de usar a tribu-na para denunciar recentes arbitrariedades do regime cometi-das em sua cidade, Montes Claros. Depois de transcrever rela-to do jornal "Estado de Minas" sobre os seqüestros ocorridosnaqueles últimos dez dias em Montes Claros, ponderou que,se de um lado os radicalismos dos movimentos de esquerdalevaram o governo a ampliar a Lei de Segurança Nacional, deoutro considerava razoável que as prisões fossem feitas con-forme determinações da própria lei e concluiu:

Por conclusão. temos, então, que as autoridades. para seuaparelho de repressão, têm meios excepcionais paracontornar uma situação também excepcional. Mas, já queinevitáveis, que se façam as prisões conforme recomendaa Lei. Que sejam feitas como ato de autoridade. Que ja-mais se confunda uma prisão com seqüestro. Que se utili-ze, como instrumento da vontade de quem pode, o manda-do de prisão. Que estas. enfim, sejam recomendações le-gais. Que se respeite o mandamento constitucional, pre-servado pelo Ato Institucional nO 5, impeditivo de prisãoquando do repouso noturno. 287

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Astronautas e consulado

Depois do AIS, o Poder Legislativo ficou ainda mais

tolhido. Na Assembléia Legislativa mineira, à exceção de

alguns poucos e corajosos deputados, a maioria se

contentava com propostas e discussões de temas de

somenos importância. Exemplos de ações irrelevantes são

inúmeros. A 24 de setembro de 1969, por exemplo, o

deputado Nelson Luis Thibau, do MDB, apresentou

requerimento para a concessão do título de cidadãos

honorários de Minas Gerais aos três astronautas norte-

americanos que pisaram pela primeira vez na lua. Como no

mês seguinte os astronautas visitariam o Brasil, o

deputado considerava oportuno, e da maior relevância,

homenageá-los pelo feito histórico, porque a lua,

argumentava, "pertence a todos nós, ela é não só de Belo

Horizonte, de Minas, ou do Brasil, ela é do mundo,

porque é o satélite natural da terra".

Enquanto isso, o AIS fazia mais uma vítima na Assembléia

Legislativa mineira. A 17 de outubro, o deputado Silvio

Menicucci, líder do MDB e membro da Comissão de

Educação e Cultura, teve seu mandato parlamentar

cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos.

A 13 de outubro, dois deputados da Arena, Milton Salese

João de Araújo Ferraz, travaram debate em torno do

fechamento do consulado do governo americano em Belo

Horizonte. No entender de Milton Sales, tal fechamento

estava diretamente relacionado a uma questão comercial:

uma empresa que tinha convênio com a Secretaria de

Agricultura do Estado havia importado grande quantidade de

adubos dos Estados Unidos e o produto estava retido no

Porto de Santos. Solicitava, pois, a intervenção da Assembléia

mineira junto ao então ministro das RelaçõesExteriores, José

de Magalhães Pinto, para não só liberar a mercadoria retida,

mas também interceder junto à embaixada americana pela

reabertura do consulado. Seu colega de partido, João Ferraz,

reagiu fortemente e lembrou ao colega que o fechamento do

consulado ocorrera por determinação da política externa dos

EstadosUnidos e que seria infantilidade aceitar a versão

ligada à importação de adubos.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Pra frente, Brasil

No início dos anos 1970, o Regime Militar entendia quetinha do que se orgulhar. De um lado, a estabilidade social epolítica já estava garantida - ainda que à custa de prisões,tortura e cerceamento das liberdades individuais. De outro, aorientação desenvolvimentista de sua política econômica tam-bém já havia sido firmada. Chegara, portanto, a hora de cuidarda economia.

Desde que assumiram o poder, em 1964, os militares vinhamse empenhando para retomar a euforia econômica dos anos 1950.Mas só na virada para a década de 1970 é que a inflação fora,finalmente, reduzida a níveis aceitáveis e funcionais. Issosignificou a possibilidade de retomada do crescimento econômicoe a propagação de uma nova idéia: a do Brasil grande.

De início, o setor que apresentou melhor desempenho foi oda indústria dos chamados bens duráveis, privilegiada desde aprimeira hora pela política de concentração de renda adotadapelo governo federal. No momento seguinte, o chamado "mi-lagre brasileiro" já apontava em outra direção, exigindo diver-sificação da estrutura industrial e expansão da indústria debens de capital.

O governo do general Médici tentava, por meio de massivapropaganda, passar a impressão de que, além do crescimentoeconômico, a ordem, a paz e a segurança dos cidadãos brasi-leiros estavam mantidas e preservadas. A conquista dotricampeonato mundial de futebol pela seleção brasileira, noMéxico, em 1970, deu à propaganda oficial o gancho necessá-rio para difundir a sua ideologia, por meio de jingles e slogansde um ufanismo quase acintoso.

Audacioso, como era de seu feitio, Dalton Canabrava foi àtribuna a 24 de setembro para fazer severa crítica ao marketing- a palavra ainda não era usada no Brasil- do governo federal.Suscitou acirrado debate com o deputado Dênio Moreira deCarvalho, da Arena. Eles travaram o seguinte duelo:

Dalton Canabrava - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Usan-do as técnicas mais modernas da comunicação, o GovernoFederal procura incutir na opinião púbica a sensação deuma euforia nacional. Slogans como "Ninguém seguraeste País", 'i'lme-o ou deixe-o", "Brasil 70 - muito mais 289

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Brasil", são hoje martelados nos quatro cantos da nossaPátria. O rádio, a televisão, em forma de propagandaanunciada ou em expressões sutilmente difundidas porfamosos apresentadores de programas ao vivo, procura-se induzir no povo a sensação de que tudo vai indo muitobem; de que o Brasil se desenvolve; de que a exploraçãode suas potencialidades se realiza plenamente, e de queexiste uma verdadeira paz social. Gostaríamos, Sr.Presidente, que essas cores vivas com que o governoprocura pintar a realidade nacional tivessem absolutacorrespondência com os fatos. Não queiramos um Brasilpessimista. Mas, sobretudo, porque queremos para oBrasil, e para o seu povo obreiro, uma euforia conseqüente;um entusiasmo fundamentado. Queremos, essencialmen-te, que o otimismo brote como conseqüência natural deum desenvolvimento acelerado, de uma ordem social du-radoura e equilibrada.

Dênio Moreira - V. Exa. produz, desta tribuna, um traba-lho em que pretende criticar o Governo Federal. Natural-mente, vazado em termos frágeis, porque o que o governotem anunciado é que a inflação está sob pleno controle. V.Exa. acusa este governo de desonesto - foi a expressão queouvi partida de V. Exa.

Dalton Canabrava - (...) Queremos um Brasil otimista,sim. Mas um otimismo estribado na realidade. Não umotimismo forjado nos laboratórios de propaganda. E fi-nalmente protestamos pelo engodo da propaganda por-que ela está intoxicando o espírito nacional, está crian-do uma distorção da opinião, penetrando sutilmente noespírito de todos, a ponto de se achar que quem não tem a

mesma maneira do governo de amar este País terá quedeixá-lo, pois já não se permite nem mesmo termos outramaneira de gostar da Pátria. O velho e tradicional pro-vérbio "todos os caminhos levam a Roma" está sendodestruído pela propaganda governamental. Ou se amaeste país conforme o figurino governamental ou se terá dedeixá-lo. Amar um Brasil sem penas de morte, amar umBrasil com habeas-corpus, amar um Brasil com eleiçõeslivres; amar um Brasil com oportunidades de empregopara todos; amar um Brasil com custo de vida baixo; amarum Brasil com garantias individuais; amar um Brasil

170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

com sindicatos livres; amar um Brasil em pleno Estadode Direito é talvez motivo para se ter de abandoná-lo,pois assim não pensa o Senhor. Oh, Deus meu! Nuncajulguei que ainda retornaríamos à era medieval.

o "milagre mineiro"

Minas Gerais, segundo o economista Clélio Campolina Diniz,apresentava um conjunto de fatores que faziam do Estado lo-cal adequado para aquela etapa de expansão da indústria na-cional. Entre eles, a existência de ampla e variada gama derecursos naturais; a disponibilidade de boa infra-estrutura detransportes, energia elétrica, comunicações; a posição geográ-fica adequada; e um aparato institucional de apoio à industri-alização e de incentivos fiscais. Dessa conjuntura favorávelresultou o chamado "milagre mineiro".Ao governo do Estado estava reservado papel de fundamen-

tal importância em todo o processo. Criar condições institucionais,estímulos e facilidades para atrair novos investimentos e, demaneira mais que simbólica, representar a união das forças re-gionais que se apresentavam historicamente dispersas. E mais:ser o porta-voz dos interesses desenvolvimentistas da região.O trabalho de divulgação das oportunidades econômicas

do Estado atraiu número crescente de investimentos estran-geiros, com destaque especial para a implantação da Fiat Au-tomóveis, em Betim. Foi na década de 1970 que se verificoutambém expressivo crescimento de empresas públicas comatuação em Minas, como a Vale do Rio Doce, a Usiminas e aAcesita - todas posteriormente privatizadas - e a implantaçãode outras, como a Açominas, em 1976. Aquele momento seapresentava, portanto, como o de maior cerceamento das li-berdades civis e políticas do País, muito propriamente chama-do de "anos de chumbo", mas, contraditoriamente, em termoseconômicos a situação era de justificado otimismo para a elitebrasileira e mineira. Eram as dissonâncias dos anos 1970.Na Assembléia Legislativa, a década se iniciava sob am-

biente de explicita inércia. A grande novidade foi a realização, 291

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292

DIÁLOGO COM O TEMPO

em maio, de um seminário para discussão da economia minei-ra. a deputado Dalton Canabrava foi ao plenário no dia 12daquele mês para rejubilar-se. Finalmente, afirmava com alí-vio, os trabalhos legislativos sairiam da monótona rotina deconcessão de títulos de cidadão honorário, votos de pesar oucongratulações, moções de aplausos e outros temas de totalirrelevância para o Estado e o País.

Naquele mesmo ano, o general Médici deu ao então presi-dente da Arena, Rondon Pacheco, a incumbência de articularo processo sucessório nos estados. A tarefa foi desempenhadacom êxito, mesmo porque a missão dos colégios eleitorais dosEstados era de pura e simples ratificação, pelo voto, dos no-mes previamente indicados pelo governo federal aos cargosde governador.

a indicado para Minas Gerais foi o próprio RondonPacheco, que ocupou o Palácio da Liberdade entre março de1971 e março de 1975. Sua eleição ocorreu em reunião espe-cial no dia 3 de outubro de 1970 e, na ocasião, o MDB fezvigorosa declaração de voto lida da tribuna pelo deputadoCarlos Cotta. a documento era, para além de um "protestocontra o processo antidemocrático que vem presidindo a es-colha dos nossos governantes", uma eloqüente defesa dos prin-cípios a serem defendidos pela oposição:

A pacificação da família brasileira, através da anistiaampla, exceto para crimes comuns; pela consolidação daforma democrática de Governo, condenando qualquer tipode ditadura; pela defesa do regime representativo, atravésdo sufrágio universal, direto e secreto; por um parlamentopuramente soberano, pela intangibiJidade do PoderJudiciário; pelo resguardo dos direitos e garantias indivi-duais; pela liberdade religiosa e da manifestação dopensamento; pelo melhor e mais pronto atendimento àsnecessidades mínimas do povo, no que tange à instrução,saúde, alimentação e moradia.

(00.) Em nome destes princípios alçamos a nossa bandeira, acuja sombra esperamos encontrar um dia a Nação livre ereconciliada, na estupenda afirmação dos seus gloriososdestinos. Minas Gerais, que nunca faltou ao Brasil, tambémnão faltará, nesta hora de transição e de reconstrução; oideal de Tiradentes continua sendo uma constante na pre-ocupação da nossa gente e dos atos cívico-políticos, que os

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

mineiros são convocados a praticar em serviço da Pátria. O"libertas quae sera tamem" do nosso pavilhão não é umasimples legenda histórica, mas um roteiro, um compromis-so e toda uma definição de comportamento político.

A trilha seguida pelo governo federal era a alardear a idéiade um "Brasil Grande", com obras gigantescas, como a ponteRio-Niterói e a rodovia Transamazõnica. A par dessa euforiadesenvolvimentista, o regime oferecia à sociedade explícitosincentivos, quase uma venda de ilusões, à participação noschamados fundos de investimentos. Dalton Canabrava, maisuma vez, mostrou sua irritação com o excesso de propagandado modelo econômico. Foi à tribuna a 26 de maio de 1971 e,em longo discurso, fez uma advertência a seus pares: careci-am se unir, independentemente das filiações partidárias, poisa estratégia do governo era a de "condicionar a mocidade e opovo para os problemas econômicos e administrativos, esva-ziando-lhes o sentimento político, a sensibilidade política."

Casa própria

Desde 1959, quando teve de se mudar às pressas para a CasaD'ltália, o Poder Legislativo mineiro sonhava com a possibilida-de de ter sua própria sede, mesmo porque, desde a transferên-cia da capital para Belo Horizonte, em 1897, vinha ocupandoespaços físicos emprestados. Na virada para a década de 1960,a necessidade de uma nova sede tornara-se premente, devidoao desconforto e à inadequação do prédio da rua Tamoios.

a primeiro passo para concretizar o velho sonho doLegislativo mineiro foi dado em 1961, quando o governadordo Estado, José de Magalhães Pinto, adquiriu, em sistema depermuta com a Universidade Federal de Minas Gerais, o terre-no de cerca de 9.600 mZ destinado à construção da sede doPoder Legislativo.91 Sobre a importância da permuta para aUFMG, o depoimento do então reitor, professor arlando Ma-galhães Carvalho, registra:

91 ESTADO DE MIJ"1AS.Belo Horizonte. 1° de novembro de 1990. 293

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DIALOGO COM O TEMPO

r.. .) Passei a me interessar também pelos projetos e metasque eram os objetivos centrais da Universidade, dos quaiso mais importante, na época, era a criação da CidadeUniversitária. Havia, originalmente, um projeto deimplantá-la na área do bairro Santo Agostinho, área quese verificou ser insuficiente para acolher o desenvolvi-mento da Universidade.

Posteriormente, ogoverno do Estado desapropriou uma áreade 4 milhões de metros quadrados, a antiga Fazenda Dalva,para onde a Universidade se transferiria, à medida que

fi ' I 92asse pOSSlve .

Com a desapropriação da Fazenda Dalva, observou o ex-reitor, a Universidade dispunha, nos anos 1950, de dois gran-des terrenos: um no bairro Santo Agostinho e outro naPampulha. A decisão de centralizar as atividades do campusda Universidade em única área foi tomada durante seureitorado, e a opção foi pelos terrenos da Pampulha:

r .. .) Eu me lembro que, quando fui reitor, a primeira coisaque fiz foi instalar ali [no terreno do Santo Agostinho} umadelegacia, que ofereci, construída, ao governador do Esta-do com uma única missão: impedir que o resto do terrenofosse ocupado por invasores. Tinha como objetivo retiraros trinta ou quarenta invasores que se espalharam, desdeo Colégio Santo Agostinho até o alto do terreno [local daAssembléia do Estado e da Igreja de Fátima}. Terreno ca-ríssimo e que estávamos jogando fora porque não tinha

93nem cerca.

o primeiro concurso de anteprojetos arquitetônicos paraa edificação da sede da Assembléia Legislativa foi anulado.Em 1963, foi instituído o segundo concurso, do qual saíramvencedores os arquitetos Richard Kohn e Paul MartynLiberman, conforme noticiou, em 1964, a revista Arquiteturae Engenharia:

Após acurados estudos preliminares, a Comissão Executi-va, orientada pelo ilustre presidente Walthon de AndradeGoulart, instituiu um concurso de anteprojetos para a sede

92 Pelo Decreto no. 2.086. de 13 de março de 1947. o Governo do Estado doou à UFMG terrenos ebenfeitorias de parte da ~àzenda Dalva, desapropriados pelo Decreto no. 2.058, de 18 de julho de 1942,para a construção da Cidade Universitária. A escritura da doação foi lavrada a 16 de setembro de 1949,sendo reitor da UFMG o Prof. Octãvio Magalhães, e governador do Estado, o Dr. Milton Soares Campos.93 RESENDE, Maria Efigênia Lagede; DELGADO, Lucília de Almeida Neves [org.) Universidade Fede-ral de Minas Gerais: Memória de Reitores: [1961-1990). Belo Horizonte: UFMG, 1998. p.228-229.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

definitiva da Assembléia. Uma Comissão constituída dosmais eminentes arquitetos do Brasil declarou vencedor doconcurso, por unanimidade, o anteprojeto de autoria dosarquitetos Richard Kohn e Paul Martyn Liberman, cujotrabalho alia uma feliz solução estética à funcionalidadeexigida naturalmente em obra de tamanha significaçãopara a vida política e democrática de Minas.

A fim de supervisionar a execução dos trabalhos, foi nome-ada uma comissão composta de deputados e funcionários,que, atenta à inflexível determinação do presidente WalthonGoulart de dar ao Poder Legislativo de nosso Estado umasede digna das tradições políticas mineiras, já promoveu,com análise do solo e do subsolo, a abertura de concorrênciapara os serviços de terraplanagem. Com essas providências,tudo faz crer que, dentro em breve, estará inteiramenteconcluído o Palácio da Inconfidência nos arredores daIgreja de Fátima, no bairro de Santo Agostinho, em BeloHorizonte. 94

A proposta era de um prédio grandioso, moderno, e que,principalmente, fizesse jus à importância do Poder Legislativo.Por outro lado, no intento de perpetuar o episódio mais signifi-cativo de nossa história, juntaram-se tradição e modernidade, ea denominação "Palácio da Inconfidência" foi consagrada comoa mais adequada. Aliás, na ata conclusiva dos trabalhos dacomissão julgadora do concurso, datada de 13 de agosto de1963, o nome Palácio da Inconfidência já ficara registrado.

Aprovado o projeto, a construção do Palácio da Inconfi-dência só foi iniciada algum tempo depois, devido à falta derecursos financeiros. A aceleração das obras e sua conclusãosó ocorreram graças aos esforços do então presidente da As-sembléia, Expedito de Faria Tavares, e do empenho do gover-nador Rondon Pacheco.

A despeito de toda sua grandiosidade, não demorou muitotempo para que os espaços físicos do Palácio da Inconfidênciafossem saturados. Em 1990, foi inaugurado seu primeiro ane-xo, que, em nova recorrência à simbologia histórica do Esta-do, recebeu a denominação de Edifício Tiradentes. Com 23andares, comporta alguns gabinetes de parlamentares, áreasadministrativa, financeira e contábil, de planejamento einformática, serviço médico e odontológico, além de gerên-

94 Revista Arquiletura e Engenharia, no. 67, anoX[V, 1964, p.l, 2,3 e 5. 295

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DIÁLOGO COM O TEMPO

cias que prestam assessoria técnica, legislativa e jurídica aosparlamentares.

Triângulo simbólico

Inaugurado a 10 de maio de 1972, o Palácio da

Inconfidência é obra suntuosa, de instalações afinadas

com a ideologia de grandiosidade que moveu a década de

1970. Em meio à modernidade do prédio, uma profusão

de representações simbólicas, como o hall das bandeiras

na entrada principal, onde foi instalada bela escultura em

ferro fundido, de autoria do artista plástico Amílcar de

Castro, para assinalar o infcio dos trabalhos da

Constituinte mineira, em 1988. O triângulo dá passagem à

representação popular e aponta para o caminho da

reconstrução democrática. Já o círculo simboliza a aliança

da sociedade com o Poder Legislativo, parte e sfntese da

vontade geral.

Discursos censurados

Expedito de Faria Tavares foi deputado estadual por trêsmandatos: da 58 à 78 Legislaturas, entre 1963 e 1975, pelaUDN, e, depois, pela Arena. Foi presidente da AssembléiaLegislativa no biênio 1971-1972 por indicação de seu amigo,o então governador de Minas, Rondon Pacheco. "Eram temposdifíceis, o presidente da República era o general EmilioGarrastazu Médici, tido e havido como o mais severo dosgenerais que governaram o Brasil", afirma Expedito de FariaTavares. Do alto dos seus 88 anos, com sabedoria e refinadohumor que a idade lhe confere, narrou a experiência vivenciadaà frente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais:

O governador Rondon Pacheco era da minha região e meindicou para a Presidência da Assembléia sem sequer meconsultar. Tive que aceitar a tarefa e passei muito apertopara evitar que a Assembléia de Minas fosse fechada como,

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

inclusive, tinha acontecido em São Paulo em algum mo-mento.

Para evitar o fechamento do nosso Legislativo e a cassaçãode alguns deputados mais agressivos do MDB, eu davaordens às taquígrafas para me passarem os discursos logodepois de transcritos. Eu os lia e, antes de mandar para apublicação, cortava certos parágrafos mais agressivos, maisofensivos. Com isso, evitei cassações e problemas para nos-sos deputados.

Aquilo tudo foi muito dificil. O SNI constantemente man-dava gente à Assembléia pedir discursos de deputados.Eles entravam no meu gabinete e eu dava desculpas, namaioria das vezes até ingênuas, para não entregar as có-pias de discursos.

Faria Tavares também relata que a ojeriza dos militares peloPoder Legislativo, que apenas toleravam, fez até com que ogeneral Médici se recusasse a comparecer à Assembléia parareceber o título de cidadão honorário de Minas Gerais, que lhehavia sido concedido por iniciativa do deputado Jésus TrindadeBarreto:

Os militares não gostavam do Poder Legislativo. Sempreque havia alguma solenidade na Assembléia, eu convidavatodas as autoridades, inclusive os comandantes militaressediados em Belo Horizonte, mas eles não iam. Mandavamrepresentantes de patentes inferiores. Eu percebia o descasoe, na hora das cerimônias, apenas citava a presença deles,mas não os convidava para fazer parte da Mesa.

O general Médici não gostava do Poder Legislativo e nãoescondia isso de ninguém. Esta ojeriza ficou ainda maispatente quando recusou comparecer à Assembléia parareceber o título de cidadão honorário do Estado de MinasGerais.

Como estava agendada a vinda dele ao Estado, telefoneiao ministro Leitão de Abreu solicitando uma audiência,para oficializar o convite. Leitão de Abreu disse que con-versaria com o presidente e que eu ligasse no dia seguintepara confirmar. Assim o fiz.

Quando liguei, o ministro me disse que o presidente nuncairia à Assembléia para receber o título. Agradeci e pedipara cancelar a audiência. 297

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DIÁLOGO COM O TEMPO

o governador Rondon Pacheco me chamou confidencial-mente e sugeriu que o título fosse entregue ao Médici noPalácio da Liberdade. Eu lhe respondi que o Palácio era ré)a sede do Governo. do Poder Executivo. a Assembléia éoutro Poder.

Resolvi ligar novamente para o ministro Leitão de Abreu,para lhe dizer que. caso o presidente se dispusesse a ir àAssembléia. eu garantiria que os discursos dos deputadosseriam comedidos. que as normas regimentais seriam cum-pridas. No dia seguinte voltei a ligar, mas o ministro Lei-tão de Abreu me reafirmou que o presidente de fato nãoiria à Assembléia.

Para não criar problemas. eu disse ao deputado autor dorequerimento que o cerimonial do presidente não tinhaprevisto a ida dele à Assembléia e por isso não haveria asolenidade.

Quando Médici chegou a Belo Horizonte, tive que ir ao Pa-lácio da Liberdade porque. como presidente da AssembléiaLegislativa. era também o presidente do Conselho que con-cede as medalhas e ele receberia uma do governo mineiro.Fui, mantive-me em silêncio e ficou por isso mesmo.

Expedito de Faria Tavares recordou-se também dos feste-jos da inauguração do Palácio da Inconfidência e. principal-mente. das gestões feitas junto ao governador Rondon Pachecopara a conclusão das obras, que se arrastavam há muitos anos:

Quando assumi a presidência da Assembléia. o prédionovo estava em construção e as obras se arrastavam hámuito tempo. Eu disse ao governador: precisamos con-cluir essa obra. Em 1972 foi feita a mudança. sem ne-nhum problema. em uma solenidade de inauguraçãomuito bonita. com a presença de presidentes de Assem-bléias de vários Estados.

Logo depois de nos mudarmos. alguns deputados ficaramdeslumbrados com aqueles espaços enormes e houve atéepisódios engraçados. Lembro-me. por exemplo. que certodia um deputado solicitou a cessão do salão nobre da As-sembléia para uma comemoração qualquer do AméricaFutebol Clube. Tive. obviamente, que negar, pois se cedesseao América teria que fazer o mesmo para o Atlético. parao Cruzeiro e tantos quantos me solicitassem o salão nobre.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Lista de presença

Faria Tavares narra alguns fatos bizarros. Um deles era

sempre protagonizado por um deputado que. mesmo não

sendo da Mesa Diretora. tinha o hábito de, ao iniciar as

sessões, subir e tomar assento entre os membros. Para não

deixá-lo constrangido, o presidente costumava dizer,

depois de abrir os trabalhos: "o deputado fulano de tal

ficará hoje encarregado de secretariar a sessão". Ele conta

também que alguns deputados se atrasavam para o início

dos trabalhos e, tal como estudantes que chegam

atrasados às aulas. iam procurá-lo para assinar a lista de

presença, sem se darem conta que muitas vezes a sessão

fora suspensa exatamente por falta de quorum. Austero, o

presidente não permitia que assinassem a lista.

Minas marginalizada

Uma das características essenciais do Regime Militar foi ocentralismo das decisões econômicas, políticas e sociais emdetrimento da autonomia dos Estados, lembrando, mutatismutandi, a experiência do Império. E, tal como ocorria no sé-culo XIX, políticos de Minas Gerais, independentemente dafiliação partidária, reclamavam da ausência de mineiros nosministérios e em órgãos decisórios do governo federal. Emjunho de 1972, por exemplo, em veemente discurso, o arenistaSylo Costa reclamou da marginalização de Minas Gerais nosconselhos de decisões do País, lembrando que, "pela sua im-portância econômica, não é justo que o Estado não tenha se-quer um representante no Ministério do presidente Médici".

Também por aquela época, havia se iniciado na Assembléiaum longo debate que feria em cheio sua já debilitadaautonomia. Tratava-se de solicitação feita pelo governadorRondon Pacheco de delegação de poderes para deliberar sobrematérias referentes ao funcionalismo público. A reação dosdeputados foi geral. Dalton Canabrava foi dos primeiros a se 299

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DIÁLOGO COM O TEMPO

manifestar, a 26 de junho, afirmando que, "neste velório doPoder Legislativo, é uma questão de coerência, é uma questãode autenticidade, de representação popular. Se recebi de meuseleitores um mandato para fiscalizar o Poder Executivo, nãoposso abrir mão da minha prerrogativa e sinto-me na obriga-ção de ficar contrário a essa delegação de poderes". E dissemais: "Nem a meu pai, se fosse vivo, jamais delegaria poderes,porque não recebi do povo autorização para delegar poderesque ele entregou a mim". Já TarGÍsio Delgado, seu colega departido, declarou, a 26 de agosto, que a delegação de poderesera a "degola" do Legislativo. E mesmo assim, como tudo in-dicava, a delegação seria dada, o que significava "uma degolapermitida, consentida". O Legislativo, afirmava, "não vai serexecutado, vai suicidar-se", porque "estamos aqui pacíficos,tranqüilos, como carneiros, cabisbaixos, aceitando todas asimposições e vamos entregar essa delegação ao Executivo, àsua Assessoria Técnica".Na Arena também não havia consenso. O deputado Ibrahim

Abi-Ackel foi um dos primeiros a negar o pedido do Executi-vo e declarou: "Sou contrário à delegação de poderes, quandonada, por entender que, estando a cargo desta Casa assuntosde somenos importância, em virtude de sua competência resi-dual, não devia o Estado retirar da área de decisão da Assem-bléia a matéria mais importante com que esta se defrontaria,no curso da Legislatura".Foi em meio a essa pugna, da qual o Executivo saiu vito-

rioso, que o general Médici visitou Minas Gerais, recusando-se a receber o título de cidadão honorário, como narrado. Adespeito de todo constrangimento causado pela recusa, DaltonCanabrava fez questão de, com ironia, desejar boas-vindas aogeneral presidente. Disse ele, a 17 de agosto de 1972:

Sr. presidente e srs. deputados, o partido da oposição, oMDB, não poderia deixar de manifestar-se, de fixar nosAnais da Casa seu desejo de boas-vindas ao Sr. presiden-te da República e de boa estada entre nós, ao mesmotempo em que, não como membro da oposição, como de-putado ou vice-líder do MDB, como membro do PoderLegislativo, lamentamos que S. Exa. não nos dê a honrade sua visita e que não tenha a curiosidade de conhecero novo prédio da Assembléia Legislativa e nem ter vindoreceber o título que a Casa lhe deu, nem que seja por

300 simples delicadeza. Mas, não importa, o MDB, mesmo

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

assim, deseja à autoridade presidencial, ao cidadãoMédici, uma boa estada entre nós.

Felizmente, pelo menos em termos do desenvolvimento doEstado, havia o que se comemorar. A 10 de agosto, o deputadoManoel Costa foi à tribuna para falar de "notícias alvissareiras"para a economia do Estado, referindo-se à próxima implanta-ção da Fiat Automóveis no município de Betim. Aproveitoupara reafirmar sua fé na Revolução e na competência adminis-trativa do governador Rondon Pacheco.No início de 1973, veio à tona um tema quase tabu para os

mineiros: a proposta de divisão do território do Estado, com acriação de uma nova unidade da Federação, que abrangeria aregião do Triângulo Mineiro. A proposta era resultado de estu-do feito por Severino Marques Monteiro, sociólogo e assessortécnico do Plano de Desenvolvimento do Estado, e não passa-va, ainda, de mera sugestão. Mas já era alardeada pela im-prensa. Atento, o deputado João de Araújo Ferraz preferiudenunciar da tribuna a existência de "forças ocultas que pro-curam solapar o desenvolvimento econômico de Minas Ge-rais em vários setores de nossas atividades" e observou que aimprensa nacional já havia até publicado o novo mapaterritorial do País, dividindo Minas Gerais em duas partes dis-tintas. Em tom peremptório, avisou: "Não podemos e não ad-mitimos esse solapamento da nossa economia". A propostanão prosperou, assim como não prosperaria a nova investidaseparatista feita na década de 1980. A unidade de Minas foipreservada.Em 1974, os debates na Assembléia giraram, basicamente,

em torno da questão sucessória estadual. Nessas ocasiões, adivisão da Arena entre PSD e UDN vinha à tona com maisvigor e não faltavam as vozes apaziguadoras. A 21 de junho,por exemplo, o deputado Ibrahim Abi-Ackel, da Arena,observou da tribuna: se a normalização democrática eraalmejada por todos, a união de forças no interior da Arena eraimprescindível.

(00.) Membros de um mesmo partido - a Aliança Renovado-ra Nacional- temos os mesmos deveres e os mesmos direi-tos, idênticas responsabilidades e idênticos compromissosde fidelidade com a ordem revolucionária, sejam quaisforem as nossas antigas origens partidárias. Se aceitamosmuitas vezes deliberações ocasionalmente contrárias ao 301

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DIÁLOGO COM O TEMPO

nosso interesse, não o fizemos com a submissão dos quenasceram lacaios.

r.. .) Quem quer que se atreva a agir no sentido de dividir aArena pelo estímulo às suas antigas divergências estádesservindo ao Regime a que aspiramos e que está nosubstrato de todas as consciências vivas do Pais. Quemassim procede está atentando contra os altos propósitosdo presidente da República, que vai abrindo com a visãode estadista o caminho do intercâmbio produtivo entre os

poderes constituídos da República.

(...) Insistimos agora como insistiríamos então em que o

nome escolhido pelo presidente da República seja o can-didato de todos, e não o de alguns. que seja o governadorda Arena. e não de qualquer de seus grupos.

Uma luz no fim do túnel

Ao contrário do que vinha ocorrendo até então, o MDBresolvera participar da eleição presidencial de 1974, no Colé-gio Eleitoral. Suas chances eram nulas, pois a Arena detinha,com sobras, dois terços dos votos.

Audacioso. o deputado paulista Ulysses Guimarães apre-sentou-se como o "anti-candidato" e, no dia da convenção dopartido, fez virulento discurso, transgredindo todas as regrasvigentes: criticou o AI-5, as eleições indiretas, a censura àimprensa e muito mais. Ao final, avisou: sua anticandidatura,que teve como candidato a vice o jornalista Barbosa LimaSobrinho, presidente da Associação Brasileira de Imprensa,era o grito de largada para a mobilização do MDB. A 15 dejaneiro, o Colégio Eleitoral elegeu o general Ernesto Geisel com406 votos, contra 76 para Ulysses Guimarães, e 23 absten-ções. Aquele resultado era, sim, um bom começo.

A audácia da anticandidatura, que soara como convocaçãogeral de resistência ao Regime, começava a dar resultados. Naseleições de novembro daquele ano, a Arena perdeu 9% dos votospara o Senado e o MDB cresceu 21,4%. A situação na Câmarados Deputados não foi muito diferente: a Arena perdeu 7,5% e

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

o MDB cresceu 16,5%. O governo perdera a valiosa maioria dedois terços; com 244 deputados e senadores eleitos, faltavam-lhe 44 cadeiras. O MDB, com 186 congressistas, podia batercom folga a marca dos 144 votos necessários para bloquearprojetos de alterações constitucionais.95

A economia vai bem, mas...

Naquele momento, vivia-se a era das estatizações genera-lizadas e da ingerência desassombrada do Estado na econo-mia. O resultado foi um surto artificial de crescimento no inÍ-cio da década de 1970 e uma onda de obras grandiosas, mui-tas das quais nem chegaram a ser concluídas. Foi em meio aessa euforia de crescimento econômico que, no início de 1975.o governo federal atendeu a uma velha aspiração dos minei-ros: retomou a idéia vislumbrada por Artur Bernardes emmeados da década de 1920 e criou, no Vale do Paraopeba.uma moderna usina siderúrgica que recebeu o nome de AçosMinas Gerais SA ou, simplesmente, Açominas.

A 23 de outubro daquele ano, Dalton Canabrava anuncia-va a seus pares, em longo discurso, o interesse dos estrangei-ros no novo investimento e, como era da oposição, teve quejustificar os elogios que fazia aos governos estadual e federale afirmar a certa altura: "Nada me inibe ética. moral, filosóficae doutrinariamente de reconhecer méritos nos aspectos posi-tivos da ação governamental." Lembrou os esforços do entãogovernador de Minas, Aureliano Chaves, e reconheceu que aimplantação da Açominas representava grande avançoeconômico para o Estado. Ao final de sua fala. apresentourequerimento de congratulações da ALMG ao governador e aopresidente da República, general Ernesto Geisel.

Em tempos de "Brasil grande" não havia como negar: a eco-nomia ia bem. Já em termos políticos vivia-se ainda sob oinexorável jugo de uma ditadura. A "ameaça comunista" ain-da permanecia no imaginário dos donos do poder e de algunsintegrantes mais à direita do partido oficial. A Assembléia

95 GASPARJ, Élio. A ditadura derrotada. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. p. 241 e 473. 303

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DIÁLOGO COM O TEMPO

mineira representava com muita nitidez essas contradições.Na sessão do dia 27 de novembro, por exemplo, o deputadoJésus Trindade foi à tribuna da Casa para rememorar episódioocorrido em 1935, conhecido como Intentona Comunista, ehomenagear o ministro da Guerra de então, Eurico GasparDutra. Seu verdadeiro propósito era, contudo, relacionar aqueleepisódio à conjuntura brasileira no período anterior a 1964,quando, no seu entendimento, o Brasil esteve à beira docomunismo.A leitura dos anais, aliás, evidencia que o comunismo era

rechaçado por todos os membros da Assembléia Legislativa.Os integrantes da Arena eram mais veementes, mas os depu-tados do MDB também faziam questão de frisar, como fezSérgio Olavo Costa, a 24 de outubro, sua absoluta discordânciacom a idéia de que o MDB estava crivado de comunistas eesquerdistas. O deputado ressaltou: era um democrata con-victo, mas "tinha nojo do comunismo".

De modo geral, a impossibilidade de se discutirem temasrelevantes, que envolviam a estrutura de poder em vigor, levavaboa parte dos pronunciamentos, requerimentos e debates a as-suntos de pouca significação para a realidade mineira. Predo-minavam os votos de congratulações e de pesar, ou, como diziaDalton Canabrava, as discussões sobre o "sexo dos anjos".Todavia, é conveniente lembrar que, mesmo sob a ameaça

de terem seus mandatos cassados, alguns deputados defen-diam a democracia, a lisura nos processos eleitorais, a liberdadede imprensa e outros direitos do cidadão. Foi o caso, por exem-plo, do deputado Pedro Narciso, que denunciou, a 10 de mar-ço do mesmo ano, o então prefeito de sua cidade, MontesClaros, pela utilização de aparatos do poder público em favorde candidatos da Arena. Depois de narrar em detalhes asatitudes do prefeito, tendo em vista o sucesso eleitoral de seuscorreligionários, concluiu afirmando que, somente quando aimprensa tivesse liberdade para denunciar fatos como aquele,o País chegaria à democracia.

170 ANOS DO LEGISLATIVOMINEIRO

Direitos fragilizados

O desrespeito aos direitos humanos no Brasil já havia sidodenunciado internacionalmente e muitos organismos fora doPaís o criticavam. Entretanto, quando de sua campanha à Presi-dência dos Estados Unidos, Jimmy Carter dissera, de maneiraenfática, em uma das inúmeras entrevistas que concedeu: "OBrasil não tem um governo democrático. É uma ditadura mili-tar. Em muitos aspectos é altamente repressiva para os presospolíticoS ...".96 A crítica ao governo brasileiro tornou-se conhe-cida aqui antes mesmo de ser veiculada nos EUA e causou, comoera de se esperar, grande indignação nos meios militares.Logo depois de eleito, Jimmy Carter voltou a referir-se ao

Brasil, desta vez para anunciar que seu governo era contrárioao acordo nuclear que estava sendo estabelecido entre Brasile Alemanha.A reação do governo brasileiro e do partido oficial ao que

consideravam interferência descabida nos assuntos internosdo Brasil foi contundente. Enfurecido, o general Ernesto Geiselrompeu, em março de 1977, o acordo militar entre Brasil eEstados Unidos. Mas, antes dessa "resposta brasileira ao go-verno americano", muitas vozes de protesto se fizeram ouvir.Dentre elas, a do deputado arenista Cícero Dumont, na sessãode 2 de dezembro de 1976:

Quero me referir, Sr. Presidente, às declarações atribuídasao novo presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. Se-gundo divulga a imprensa, declarou duas coisas: primei-ro, que iria modificar o tratamento com os regimes políti-cos que não respeitam os direitos humanos e, segundo, quepressionará o governo alemão para rescindir o recenteconvênio firmado com o Brasil com vista a possibilitar odesenvolvimento nuclear.

Quanto ao primeiro item, não existe nenhum problemapara o Brasil, porque o regime constitucional brasileiroacolhe no texto da sua Constituição uma expressa decla-ração de direito e garantias individuais, fazendo o máxi-mo para garanti-lo efetivamente.

96 Trecho da entrevista concedida à Playboy [edição americana de novembro de 1976) pelo entãocandidato à Presidência dos EUA, Jimmy Carter. Cilado porGASPARI, Elio. A ditadura encurralada.São Rmlo: Cia das Letras. 2004. p. 373. 305

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DIÁLOGO COM O TEMPO

(...) quanto ao segundo item, de que o govemo americano, nodesejo de preseNar a vida da humanidade, a ordem intemaci-anal, queim interferirjunto aogovemo alemão paro descumprirconosco convênio já firmado, por certo o presidente dos EUAestá infringindo flagmntemente, violentamente, precedentescomportamentos e a filosofia dos anteriores governosamericanos, de respeito à autodeterminação dos povos.

Milagre esfumaçado

Uma das contradições do Regime inaugurado em 1964 foia profusão de pleitos eleitorais. Não havia coincidência demandatos e, embora estivesse privada de votar para presiden-te da República, governadores de Estado, prefeitos de capitaise de algumas cidades (as consideradas de interesse para a se-gurança nacional, as históricas e as estâncias hidromineraisloa população era freqüentemente convocada a votar. A perio-dicidade das eleições era criticada até mesmo pelos integran-tes mais ativos da Arena. Após as eleições municipais de 15de novembro de 1976, por exemplo, José Santana de Vascon-celos Moreira, da Arena, foi à tribuna para reclamar do exces-so de pleitos eleitorais. No seu entender, além de confundir oseleitores, os pleitos custavam caro aos cofres públicos. De-pois de enfatizar que são as eleições que conferem legitimidadeaos regimes democráticos, observou: "Neste País, sem que sevote demais, vota-se vezes demais". Ele sugeriu a racionaliza-ção do processo eleitoral de tal forma que se fizesse coincidiro início e o término dos mandatos, o que seria mais simples emenos oneroso aos cofres públicos.

Por aquela época, início de 1977, o "milagre brasileiro" jáhavia se esfumaçado e o Brasil começava a viver os transtor-nos econômicos da crise mundial do petróleo. Essas perversasdistorções eram recorrentes nos discursos da oposição. A 17de março, Dalton Canabrava voltou a falar sobre elas e insis-tiu na necessidade de eleições diretas em todos os níveis.Observou que tinha sido esse o compromisso do presidenteGeisel e lembrou: se o povo brasileiro atendera tão bem à cam-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

panha de economia de combustível, por que não acreditar nasua capacidade de escolher diretamente seus governantes?

o pacote biônico

No início de 1977, governo e oposição travavam no Con-gresso Nacional sério embate em torno da proposta de refor-ma do Poder Judiciário. A emenda pretendia mudar a estrutu-ra da Justiça, mas preservava dois dispositivos de força total-mente abjurados pela oposição: negava o instituto do habeascorpus aos acusados de crimes contra a segurança nacional emantinha o poder do Executivo de remover e aposentar juízes.

Àquela altura, o MDB já dispunha de votos suficientes paradecidir pela derrubada da reforma e assim o fez. Nos dois tur-nos em que foi votada, a emenda não conseguiu, por 40 vo-tos, os dois terços necessários para ser aprovada. O governofederal não sabia lidar com derrotas e, diante de tal resultado,usou mais uma vez de seu instrumento predileto: a força. Namanhã de 1° de abril de 1977,13° aniversário da Revolução,o general-presidente Ernesto Geisel reuniu o Conselho de Se-gurança e, valendo-se do AI-5, fechou o Congresso Nacionalpor tempo indeterminado.

Os poderes legislativos foram, então, transferidos a um gru-po de seis pessoas, logo depreciativamente chamado de "Cons-tituinte do Alvorada". O grupo trabalhou durante 13 dias e, a14 de abril, apresentou à Nação o texto de emenda à Consti-tuição, imediatamente apelidado de "pacote de abril".

Dentre as principais medidas, figuravam: a alteração docolégio eleitoral; o mandato de seis anos para os futuros presi-dentes da República; a divisão do território do Mato Grossoem dois Estados; e, o que era mais importante para o governo,a garantia de maioria no Senado, com a criação dos mandatos"biônicos". O pacote determinava que um dos dois senadoresde cada Estado, a serem eleitos em 1978, chegaria ao cargopor eleição indireta o que, desde logo, garantiria à Arena 21cadeiras no Senado. Os beneficiários desse artifício foram logoapelidados de "senadores biônicos", em alusão ao personagemcibernético de um seriado de televisão muito apreciado à época. 307

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Para aplacar o efeito negativo do "saco de maldades", opacote trazia duas medidas quase populistas: o fim da chama-da "denúncia vazia", que permitia aos proprietários de imó-veis expulsar os inquilinos, e o aumento do período de fériasdos trabalhadores de 20 para 30 dias.97

A exemplo de que ocorreu em outros estados, o MDB deMinas Gerais reagiu de maneira veemente aos novos aconte-cimentos. Na sessão do dia 20 de abril, o deputado SérgioOlavo Costa foi à tribuna e discursou:

O artigo, "Fim do recesso e volta à depressão", publicadono jornal O Estado de S. Paulo, no dia 15 de abril corrente,retrata fielmente a triste figura do Congresso Nacionaldepois da tremenda reprimenda que sofreu com o seu re-cesso. Prova mais uma vez a inconsistência do nosso par-lamento em raciocinar os altos destinos de uma grandeNação, que é o Brasil. Os interesses políticos casuísticosde toda ordem permitem ao Presidente da República usaro seu poder absoluto a fim de instituir reformas judiciáriae política. Muito bem diz o artigo que "o término do recessoé um dia de consternação, pelo desconfiguramento sob quereaparecem as instituições políticas, pela progressivamutilação de direitos e pela descaracterização do regimesob o que vivemos", porque tudo não tem passado de umafarsa, em que situação e oposição nada têm feito de con-creto para o verdadeiro aperfeiçoamento democrático. Oque se nota é o medo de um engolir o outro, através daseleições diretas. É uma rixa herdada das antigas legendasdo PSD, UDN, PTB etc..

O deputado Genésio Bemardíno leu da tribuna a carta de pro-testo elaborada pela direção nacional do MDB. Eis alguns trechos:

MDB condena o recesso parlamentar

O movimento de 31 de março de 1964, treze anos passa-dos, não deu à Nação um ordenamento jurídico definido eestável. Esta é a grande crise dentro da qual se situa oangustiante momento político que vive hoje o Brasil.

Nesta injustificável repetição de crises, na verdade maldisfarçando pretexto para encobrir os erros governamen-tais e os problemas da área econômica, criados ou resolvi-

97 Idem, idem. p. 365.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

dos pela incompetência, talvez nenhuma outra, como aatual, tenha sido montada tão artificialmente.

(...) Neste sentido, o recesso iwposto ao Congresso Nacional,além de grave, é injusta sanção, o artifício para que ochefe do Poder Executivo se atribua competência legislativaque a Nação não lhe deu.

Governo existe até mesmo nos povos mais primitivos. Aoposição é conquista da revolução de pensamento na his-tória da humanidade. O respeito assegurado aos diver-gentes nas sociedades civilizadas revela o grau de culturae o índice democrático de um governo.

Na tentativa de minorar o autoritarismo vigente, a im-prensa começou timidamente a burlar a censura paradenunciar casos mais escandalosos de tortura e desrespeitoaos direitos humanos. De seu lado, deputados do MDB deMinas Gerais também tentavam fazer coro com a imprensa edenunciar os desmandos do Regime. Em 1977, houveacalorado debate sobre a tortura de que fora vítima o operárioJorge Defensor Vieira, denunciada em reportagens do "Estadode Minas". Na sessão de 30 de agosto, Genésio Bernardinoafirmou da tribuna:

A imprensa mineira deu-nos conhecimento de fato lamen-tável em que são denunciados como autores de torturas esevícias, infringidas ao operário Jorge Defensor Vieira, porpoliciais da Metropol.

O assunto é tão grave que causa repulsa à consciênciamais dura, principalmente quando um cidadão preso devemerecer a guarda e as garantias dos que prendem.

Minas Gerais pela sua representação neste parlamentopor certo cobre-se de luto, quando num estágio de socie-dade moderna, presenciamos e tomamos conhecimentoatravés da imprensa falada, escrita e televisiva de gravesviolências aplicadas por criaturas humanas em outrascriaturas humanas. Imaginávamos que quadros comoesse só seriam possíveis nos campos de concentraçãonazistas.

O deputado Milton Lima também fez ponderações sobre odesrespeito aos direitos humanos, na sessão de 8 de setembrodo mesmo ano: 309

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DIÁLOGO COM O TEMPO

(...) Prefiro, senhor presidente, senhores deputados, exporalgumas preocupações sobre o papel da polícia e suasrelações com a sociedade.

Para isso relatarei alguns fatos que ocorrem em Minas Ge-rais e no Brasil. A tortura, senhor presidente, tornou-seatividade rotineira nas delegacias policiais. Não vamoscometer a injustiça de considerá-la coisa nova nesse país,embora hoje a impunidade esteja protegida, de um modogeral, pela excepcionalidade do regime. Ora, a torturanão tem conduzido ao exercício da justiça. Pelo contrário:as confissões obtidas através do dilaceramento físico emoral dos suspeitos nunca são confirmadas. Temosinúmeros exemplos de erros judiciários clamorosos.

Com tais provas. 'produzidas' e apresentadas pela polí-cia. a Justiça é levada a cometer os erros clamorosos queconhecemos. A polícia, senhor presidente. senhores depu-tados. busca sempre o caminho mais fácil para livrar-sedo difícil trabalho das investigações. Através das torturas,transforma o primeiro suspeito em culpado.

Para além das denúncias, que dificilmente resultariam emações concretas, a oposição tinha consciência de que a lutadeveria ser mais ampla, ou seja, pela volta do Estado de Direi-to. Sabia também que o caminho a percorrer só seria eficaz sefosse por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte. Estase tornou a grande bandeira de luta do MDB e de inúmerasentidades da sociedade civil.

A Assembléia Legislativa foi uma das principais caixas deressonância da luta pela Constituinte e os discursos da sessãode 21 de setembro são ilustrativos. O primeiro é de SebastiãoMendes Barros:

Ao ocuparmos a tribuna na tarde de hoje, vamos apresen-tar à Casa um pequeno trabalho a respeito do chamamen-to do povo brasileiro pelos resultados da Convenção Na-cional do MDB, partido este que decidiu pela realizaçãode uma Assembléia Constituinte.

De repente, neste ano de graça de 1977, uma expressãopouco conhecida do grande público foi reintroduzida nodia-a-dia da política: Assembléia Constituinte. E agora,30 anos depois, o partido do povo, o Movimento Democrá-tico Brasileiro. o popularíssimo MDB. realiza uma Con-

-170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

venção Nacional em Brasília e, por unanimidade. apóia a

campanha nacional do Manifesto de Brasília, convocandoo povo para a conscientização da hora de elaboração daAssembléia Constituinte.

O que é isso afínal? Sinteticamente, poder-se-ia dizer queAssembléia Constituinte é a reunião ou o colegiado que fazuma Constituição.

(...) Por isso. nós, deputados, principalmente do MDB,conclamamos o povo brasileiro, principalmente o povo mi-neiro, para participar da Constituinte Brasileira, porqueela representa realmente a vontade de nosso país.

Sem a participação do povo, nós não acreditamos no po-der. Só acreditamos no poder quando ele emana do povo,quando o povo participa e quando opovo realmente ocupauma posição.

A Assembléia Constituinte é a manifestação do poder decriar originariamente uma Constituição. Isso significa queesta Assembléia acontece naquelas ocasiões em que umpovo compreende que é chegada a hora de reorganizar asnormas fundamentais que estruturam a vida política esocial do País. ou seja. que é chagado o momento de se teruma nova Constituição.

O deputado Neif Jabur relembrou os acontecimentos de1964, os anos de governo militar e, com diplomacia, falou daimportância do processo de abertura política que já havia sidoassinalado pelo governo federal. Sublinhou que, depois de 13anos, os homens da Revolução já sentiam que era chegada ahora de mudar. Observou que a imprensa criticava o MDB defalta de entusiasmo com a idéia da Constituinte, mas o partido,ponderou, não tinha meios de divulgar a idéia, a não ser datribuna da Assembléia. Concordando com o colega, DaltonCanabrava lembrou que o MDB estava se esforçando paradivulgar a proposta da Constituinte junto à opinião pública,mas o governo proibira qualquer veiculação da proposta norádio e televisão, veÍCulos de comunicação mais ágeis e demaior penetração popular.

A idéia de uma Assembléia Nacional Constituinte, por maisjusta e eficaz que pudesse parecer, não contava com unanimi-dade no interior da ALMG. Naquela mesma sessão, o deputa-do João Ferraz, da Arena, manifestou sua opinião contrária àconvocação da Constituinte. Disse ele: 311

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DIÁLOGO COM O TEMPO

(...) Como disse, não concordo com a idéia da AssembléiaConstituinte, porque o Congresso está numa posição deuma permanente constituinte ...

Não precisamos, pois, levar ao povo brasileiro a diferençaentre o constituinte e o objetivo que todos atingimos, que é

o Estado de Direito.

Não podemos fazer confusão entre Assembléia NacionalConstituinte e Estado de Direito, que não é uma luta doMDB. É uma luta do próprio presidente Ernesto Geisel e donosso partido.

(...) Entendo, como ponto de vista pessoal, que, para isto{alcançar o Estado de Direito}, exclusivamente, é {neces-sária} a regulamentação do Ato Institucional nO 5, paraatingirmos o pleno direito de defesa dos atingidos. É esta atese que defendo: simplesmente com a regulamentação doAI-5 nós atingiremos a plenitude democrática.

A resposta do MDB foi dada pelo deputado Sérgio OlavoCosta:

O ilustre deputado João Ferraz nos disse das boas inten-ções do Sr. presidente da República. Há 13 anos o povobrasileiro vem vivendo desses bem-intencionados e, seV. Exa. me permite, de bem-intencionados o inferno estácheio. Portanto, o MDB tem uma tese, um assunto a serdiscutido e não impinge a ninguém um pacote de abrilou impingiria um pacote de setembro. Desejamos dialo-gar e o diálogo é aberto e leal, é franco, próprio doshomens de bem, que desejam, sobretudo, conversar e nãocertamente contestar.

A nova velha ordem

As disputas políticas em Minas Gerais continuavam sendofeitas entre os velhos partidos, apesar de estarem todosacobertados sob o manto do bipartidarismo. A ascensão deAntônio Soares Dias à Presidência da Casa, em 1977, confir-ma essa versão, segundo seu próprio relato.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Ele foi eleito deputado estadual em 1975, pela Arena, e, adespeito de não trazer na bagagem qualquer experiência polí-tica relevante, foi eleito presidente naquele mesmo mandato,em decorrência de arranjos políticos entre PSD e UDN. Eis orelato do ex-presidente:

Embora o governo revolucionário tenha desfeito todos os

partidos, ainda raciocinava-se, dentro da Assembléia, emtermos de PSD e UDN. Tanto que logo que cheguei meunome estava no PSD. Mas percebi que havia uma espéciede acerto em que, se o lider do gO\'ernofosse da ex- UDN, opresidente da ALMG teria de ser do ex-PSD. E acabei sen-do eleito no primeiro mandato. Fui o presidente mais jo-vem que a ALMG já teve. Lembro-me que estava numa fa-zenda perto de Janaúba, desbravando um pedacinho deterra, quando recebi um telegrama urgente para voltar.Tinha que voltar urgente para \'otar no presidente da As-sembléia e quem me dizia isso era meu amigo CristóvamChiaradia, que era candidato.

Apareceram cinco candidatos e os dois mais votados fo-ram Euclides Cintra, do PTB, e o Cristóvam, do PSD. De-pendendo das conveniências, o ?TB sempre fazia acordocom o PSD ou com a UDN. Euclides Cintra acabou ga-nhando e os jornais chegaram a noticiar sua vitória. Masfoi feita nova reunião, porque o pessoal da UDN se sentiatraido. Nesse tumulto, o presidente da Casa, João Ferraz,que não queria o Cintra, começou a articular e foi ao Palá-cio da Liberdade conversar com Márcio Garcia Vilela, se-cretário de Governo de Aureliano Chaves.

Foi nesse clima que o deputado João Ferraz me avisouque eu poderia ser o novo presidente. Eu era menino,estava no primeiro mandato, nunca esperei que issopudesse acontecer. Mais tarde, fizemos a reunião daBancada do PSD e ficou decidido: se não fosse oCristóvam, não aceitaríamos. Os líderes e os candidatosforam conversar com Ozanan Coelho, coordenadorpolítico do governo. Na tal reunião, o Cristóvam afirmouque, se fosse pela união da Casa, desistiria de suacandidatura em meu favor. O Cintra era meu amigo etambém desistiu. Assim, meu nome surgiu como umtertius. Embora tenha havido disputa, meu nome surgiude um consenso entre Arena e MDB. 313

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Sobre a experiência de presidir a Assembléia Legislativa nobiênio 1977/78, Dias afirmou:

Como era muito novo, convoquei pessoas experientes, aber-tas. Logo nos primeiros dias, os jornalistas CarlosLindemberg e Paulo Narciso, ambos montesc1arenses, meajudaram muito. Eu tinha esses dois, que eram mais àesquerda, e tinha meu chefe de gabinete, um funcionáriodo Estado, pessoa austera que também foi de grande im-

portância. A mim cabia buscar nessa mistura de colabora-ções um meio termo. Habituei-me também a ouvir conse-lhos de deputados mais experientes: Cícero Dumont, RafaelNunes Coelho, João Ferraz e outros. Fui aprendendo ...

Por aquela época, parcela significativa da sociedade brasi-leira já estava engajada na luta pela abertura política e o mo-vimento em prol da anistia começava a ganhar as ruas. Nacondição de presidente da ALMG, Antônio Soares Dias dizque tentou prestar apoio às reivindicações da sociedade civil:

Sempre fiz questão de trazer pessoas com idéias novaspara a Assembléia, inc1usive os que estavam lutando pelaanistia, pela abertura política. Aliás, em todas as oportu-nidades aproveitava para falar sobre a anistia política einsistia dizendo que o Geisel deveria abrir para a impren-sa tudo o que pudesse abrir. Quando terminava, meus dis-cursos eram mais aplaudidos pela oposição do que pelopessoal da Arena que me elegeu presidente.

Lembro que o deputado Morvan Acaiaba, sempre que eudiscursava, me dizia para tomar cuidado com os generais.Mas eu não queria saber se gostavam ou não, e persistiapedindo eleições limpas, eleições diretas, participação detoda a sociedade no contexto político. O deputado DaltonCanabrava era o líder da oposição e gostava muito dosmeus discursos.

Certa vez, a ALMG promoveu um grande seminário sobreeconomia e convidei várias pessoas, dentre elas o secretá-rio de Agricultura do Rio de Janeiro. Ele veio e fez a confe-rência. A4as, antes, o general comandante da ID4 me ligoupara dizer que o secretário era sabidamente um homemde esquerda e que ell grmrasse sua palestra para o Exérci-to. Eu disse que havia na Assembléia um sistema de sompúblico e que, portanto, qualquer jornalista ou cidadãopodia gravar. Se fosse do interesse dele, que gravasse tam-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

bém, porque na condição de presidente da Casa eu não mesubmeteria àquele ato.

Sem interferências

As tentativas de interferência na Assembléia Legislativa

não eram feitas apenas pelos órgãos federais. De acordo

com a narrativa do ex-presidente Antônio Dias, de certa

feita, alguns deputados protestaram publicamente

contra a ação repressiva da Polícia Militar numa

manifestação de estudantes na Capital. Sentindo-se

ofendido, o comandante-geral da PM, coronel Carlos

Augusto da Costa, enviou uma carta aberta ao

presidente da ALMG criticando a atuação dos

parlamentares. De posse da carta, Antonio Soares Dias

devolveu-a ao governador Aureliano Chaves, com o

seguinte aviso: "o Poder Legislativo de Minas Gerais

não aceita interferências, muito menos de um

funcionário do Executivo".

o novo sindicalismo

No final da década de 1970, o movimento sindical brasilei-ro, especialmente o paulista, já havia gerado novos líderes, amaioria com experiência restrita à militância nesse novo mo-vimento operário, que vinha se reorganizando. Dentre esseslíderes destacava-se Luiz Inácio da Silva, mais conhecidocomo Lula, que, desde 1976, presidia o Sindicato dosMetalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Na campanha salarial de 1979, discutida em centenas dereuniões das comissões de fábricas, os metalúrgicos lideradospor Lula tinham uma meta ousada: caso não conseguissem oaumento salarial que pleiteavam junto à Federação das Indús-trias de São Paulo, a poderosa Fiesp, entrariam em greve nodia 15 de março. A data havia sido estrategicamente escolhida,por ser o dia da posse do novo presidente da República, generalJoão Batista de Figueiredo. 315

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DIÁLOGO COM O TEMPO

o movimento já havia, àquela altura, extrapolado o cha-mado ABC paulista e representava 350 mil metalúrgicos de 29sindicatos, inclusive o de São Paulo. Em famosa assembléiarealizada no estádio de futebol da Vila Euclides, em SãoBernardo do Campo, a 14 de março, os metalúrgicos optarampela greve.98

Daí para a frente, estava consagrado não apenas o novosindicalismo brasileiro, mas também o processo de ascensãopolítica de seu principal líder, Luiz Inácio Lula da Silva. Agreve foi considerada ilegal logo depois de deflagrada, comviolenta intervenção da polícia, prisões dos líderes e outrasarbitrariedades.

Na sessão de 26 de março, da tribuna da AssembléiaLegislativa de Minas Gerais, o deputado Cássio Gonçalves, doMDB, protestou contra a repressão aos grevistas e mencionoucom satisfação o apoio da Igreja Católica ao movimento. Foiaparteado pelo deputado arenista Jésus Trindade Barreto, queponderou: se a greve fora considerada ilegal, o governo tinhamesmo que reprimi-la, pois, do contrário, "não haverá nortenem sul neste país". O deputado Milton Sales, também daArena, mostrava-se satisfeito com a abertura do processo de-mocrático que permitia discutir, na Assembléia Legislativamineira, "melindres da greve do ABC paulista". Mas acreditavaque as reivindicações sindicais deveriam ser tratadas nos limitesdo Direito. Depois de outros apartes, Cássio Gonçalves concluiuseu discurso nos seguintes termos:

(...) Os graves acontecimentos de São Paulo ainda se de-senvolvem e não têm desfecho definido. Os trabalhadoresainda resistem com o apoio dos mais variados segmentosda população. Em todos os Estados brasileiros são realiza-das campanhas de apoio aos metalúrgicos do ARe

paulista. Não poderíamos deixar de registrar dessa tribu-na nossa solidariedade aos trabalhadores de São Paulo e onosso mais veemente protesto pela violência empregadapelo governo federal contra os trabalhadores. Gostaría-mos ainda de manifestar a nossa convicção de que os tra-balhadores vencerão a luta. De nada adiantarão as ar-mas de que dispõe o governo, porque a justiça está com os

trabalhadores. Se os trabalhadores sucumbirem hoje, es-

98 MARKUN,Paulo. o sapo e o príncipe -personagens, fatos e fábulas do Brasil contemporáneo.Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p. 8

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

tarão de volta amanhã, mais unidos, mais organizados,até que mais lídimos direitos sejam respeitados pelos po-deres constituídos.

Mobilização ampla e geral

Nessa época, a população já começava a ganhar as ruas e,aos poucos, a reconquistar o direito de protestar. Ao movi-mento estudantil, que se reerguia, somavam-se outros, comoas Comunidades Eclesiais de Base (CEB), organizadas sob omanto da Igreja Católica, e o novo sindicalismo, que se apre-sentava à Nação em moldes diferenciados do trabalhismo dadécada de 1950 e início da de 1960.

As reivindicações e bandeiras de luta eram muitas, mas umadelas, em especial, teve o pendor de mobilizar não só os mo-vimentos organizados, mas a maior parte da sociedade civil: aanistia aos brasileiros condenados por crimes políticos, mui-tos ainda presos e a maioria exilados ou vivendo clandestina-mente no País.

Em ato corajoso, a Assembléia Legislativa de Minas Geraisabriu suas portas às lideranças da sociedade civil. Em algunsmomentos, as instalações do Palácio da Inconfidência se trans-formaram em palco para manifestações favoráveis à anistiapolítica e os parlamentares, principalmente os da oposição,também se pronunciavam com freqüência sobre o tema. Afala do deputado José Luiz Baccarini, do MDB, a 17 de maiode 1978, é exemplo ilustrativo:

O clamor pela anistia aos brasileiros atingidos por medi-das de diversas naturezas e aos que se encontram afasta-dos do País, em decorrência do movimento revolucionáriode 1964, estende-se hoje a todas as camadas da popula-ção, entidades institucionais representativas da opiniãopública, como os partidos políticos, organizações cultu-rais universitárias, artísticas, empresariais etc. Nessascircunstâncias, a Nação se movimenta em apelo uníssonoque se reflete no exercício da representação político-par-tidária, em todas as casas legislativas, exigindo definição 317

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DIÁLOGO COM O TEMPO

não só dos homens públicos, mas especialmente dos pode-res constituídos pelo povo em sua soberana manifestação.Trata-se de uma justa manifestação em prol do diálogofraterno entre os brasileiros, a restauração democráticadas liberdades públicas, o retorno de muitos e muitosbrasileiros ao exercício pleno da cidadania e, sobretudo,manifestação que irá honrar as tradições nacionais, porsua transcendência para reimplantação do pleno Estadode Direito em nosso país.

A anistia era, sabidamente, parte importante do projeto dedistensão política do Regime arquitetado pelo presidente daRepública, general Ernesto Geisel, e pelo principal estrategistado governo, general Golbery do Couto e Silva. Assim, quandoo general João Batista Figueiredo tomou posse, a 15 de marçode 1979, já havia o compromisso da cúpula militar de permitira abertura "segura, lenta e gradual" e, conseqüentemente, deanistiar os atingidos por processos militares.

Essa certeza não arrefecia, contudo, os atos repressivos dogoverno e nem tampouco o entusiasmo dos movimentos so-ciais, especialmente o da Anistia, que se queria "ampla, geral eirrestrita". De seu lado, o MDB agia cautelosa e diplomatica-mente, tendo em vista a manutenção de condições favoráveis àsua ação, conforme analisou da tribuna da Assembléia mineirao deputado Luiz Alberto Rodrigues, na sessão de 22 de março:

(...) Após 15 anos dessa chamada Revolução, assistimos epudemos ver que a instituição parlamentar foi relegada asegundo plano, tornando-se instrumento do Poder Executi-vo. É bem válido dizer que este seria um país mais ou

menos democrático ou da democracia da época de Einstein,da democracia relativa.

Por outro lado, fatos importantes acontecem agora nessepaís. Na seqüência da chamada abertura política, da sis-temática de descompressão que está acontecendo, o Exmo.Sr. presidente da República, general João BaptistaFigueiredo, estendeu a sua mão em conciliação sem dizerbem por que, como, e de que forma conciliar, mas a essegesto de S. Exa. oMDB, através de seu presidente, deputa-do Ulysses Guimarães estende a mão da Nação à mão doSr. presidente da República.

O Sr. presidente Ulysses Guimarães apresentou ontem àMesa da Câmara dos Deputados um projeto de anistia que

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virá de encontro à pretensão do povo brasileiro, anistiaessa que será possível caso o Sr. presidente queira concili-ar a Nação, caso S. Exa. esteja com as mãos realmenteestendidas a essa conciliação.

Morte sem foguetes

o Ato Institucional nO5 expirara em dezembro de 1978 semque muitos se dessem conta, pois não houve grande celebraçãopor parte da imprensa e, de modo geral, nem mesmo manifesta-ções de alívio por parte da chamada classe política. Como asociedade já havia reconquistado alguns direitos, inclusive o deliberdade de imprensa, houve certo e merecido descaso ao fimdo nefasto AI-5. Entretanto, como bem lembrou o deputadoemedebista Luiz Ferraz Caldas, a 16 de abril de 1979, tornava-se necessário e urgente "extirpar, um por um, todos os artifí-cios, todas as artimanhas que espíritos, cegos pela cobiça ouobscurecidos pela intolerância, inseriram na legislaçãobrasileira". Ele alertava: "É agora ou nunca. É agora que estaAssembléia pode se firmar perante a história como o poder porexcelência democrático. É o momento de marcarmos o primeirogesto de efetivo compromisso com a abertura política".

A 26 de junho de 1979, o governo do general Figueiredo,finalmente, enviou ao Congresso Nacional seu projeto de anis-tia. Mesmo não contemplando todas as reivindicações domovimento popular, o projeto representava, ainda que tardia-mente, uma conquista da sociedade brasileira. A votação es-tava marcada para o dia 22 de agosto, data em que o deputa-do Sebastião Mendes Barros, do MDB, foi à tribuna da Assem-bléia mineira para ressaltar o significado de tal votação:

Hoje, no Congresso Nacional, nossos ilustres representantesvotam uma das coisas mais importantes, de maior reper-cussão da vida nacional, que é a anistia. Temos a confiançanos nossos ilustres representantes que, apesar das pressõesdo Palácio do Planalto, saberão compreender a angústia eas reivindicações do povo brasileiro dando ao projeto deanistia uma maior amplitude e sua melhor compreensão. 319

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Veto do major

João Carlos Ribeiro de Navarro nasceu em Barbacena, cida-de onde a disputa entre udenistas e pessedistas sempre foi acir-rada. A despeito de ser amigo dos Bias Fortes (PSD) e dosAndradas (UDN) , entrou para a política pelas portas do PTB.Elegeu-se deputado estadual por aquela legenda desde a 4a

legislatura, em 1959. Foi reeleito pela Arena e depois pelo PDSaté a 10a legislatura, em 1987. Ocupou o cargo de secretário daComissão Executiva em 1959 e em várias outras legislaturas eelegeu-se presidente da Casa no biênio 1979-1980. Em seu de-poimento ao programa "Memória e Poder", da TV Assembléia,gravado em vídeo, ele narrou sua chegada à Presidência:

A Revolução para mim fez um mal danado. Todo mundocombatia a Revolução na minha banda. Prenderam mui-tos companheiros do PTB e fizeram o que não podiam fa-zer. Mas comigo foi mais simples: quando já estavadeflagrado o processo eleitoral no plenário e eu era nova-mente candidato a primeiro secretário da Casa, fui cha-mado ao gabinete do presidente. Lá estava um major queme disse: "o sr. vai ser candidato outra vez a secretário?"Eu disse que sim, e que o fazia porque meus colegas assimo queriam, mesmo porque só tinha mais trabalho e ônus.Ele me disse: "É, mas a Revolução não vê com agrado; elagostaria de ver outro." Eu disse: "não tem problema, voudar a minha colaboração. Espere um pouquinho". Fui aoplenário e disse: "sr.presidente, pela ordem, comunicaçãourgente. Tem um major no gabinete do presidente, sentadoà mesa, em mangas de camisa, e veio me dizer que nãodevo mais ser candidato a primeiro secretário porque aRevolução assim o entende. Mas para não haver compli-cação, eu posso até ser preso, mas não sou mais candida-to." Gerou-se uma grande confusão, apareceram uns dezcandidatos ... Mas no final foi muito bom, fiquei na Assem-bléia trabalhando para meus eleitores, mas com a man-cha de ter sido vetado pela revolução!

Passados cinco, seis anos, o ambiente era outro porque os

militares no final já estavam caminhando para a abertu-ra. O Ibrahim Abi-Ackel era ministro da Justiça do presi-dente João Figueiredo e, além dele, eu tinha muitos outros

-170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

amigos em Brasília. Então, lancei-me como candidato apresidente em 1979 e ganhei disparado! Lavei a alma.

Mais uma reforma imposta

Com a mal disfarçada intenção de enfraquecer a frente opo-sicionista capitaneada pelo MDB, o governo federal apresen-tou, em 1979, proposta de reforma partidária que previa o fimdo bipartidarismo e abria possibilidade para a formação denovas agremiações partidárias. A proposta era, reconhecida-mente, a última e arriscada tentativa do regime militar parareduzir as pressões que o fragilizavam. A estratégia, a históriao demonstrou, não deu certo e acabou por gerar uma situaçãoinédita na história política do País.

Pela primeira vez, uma reformulação político-partidária nãose fazia em meio a mudanças no ordenamento do Estado -como ocorrera em 1889, 1930, 1945 e 1964 - e representavamais uma das inúmeras contradições do regime militar. Em1980, foram criados seis novos partidos políticos, dos quaispelo menos três eram de franca oposição ao governo.

Dentre as regras para a criação de novas agremiações, haviaa proibição de funcionamento de organizações que mantives-sem vínculos "de qualquer natureza" com governos, entida-des ou partidos estrangeiros, o que, desde logo, impedia a le-galização dos partidos comunistas e complicava a vida do ex-governador gaúcho Leonel Brizola. Recém-chegado do exílio,Brizola tinha pretensões de rearticular o velho PTB, filiado àInternacional Socialista. Outra regra era a obrigatoriedade deadição da palavra "partido" em todas as agremiações que fos-sem criadas a partir da reforma, iniciativa que, embora tam-bém atingisse a Arena, objetivava enfraquecer a "marca" doMDB, então muito forte.

Os novos partidos

o Partido Democrático Social (PDS)agrupou políticosalinhados ao Governo e teve grande afluência de

governadores dos Estados e ministros. Era, na verdade, a 321

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322

DIÁLOGO COM O TEMPO

Arena travestida de nova sigla, tentando vender ao eleitor

imagem mais moderna.

o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) foi

o principal herdeiro do movimento de resistência ao

Regime Militar e agrupou, principalmente, ex-integrantes

do MDS que se dispunham a manter a frente oposicionista

e a luta contra o autoritarismo.

o Partido Democrático Trabalhista (PDT) reuniu políticos e

cidadãos ligados ao trabalhismo de Getúlio Vargas, sob a

liderança de Leonel Srizola, célebre por sua destemida

atuação nos acontecimentos anteriores a 1964 e que se

considerava o principal herdeiro do pensamento getulista.

O nome PDT foi escolhido depois de Srizola perder

judicialmente para a deputada Ivete Vargas, filha de

Getúlio, o direito de usar a sigla PTS.

O Partido dos Trabalhadores (PT) agrupou entre seus

fundadores alguns parlamentares eleitos pelo MDS em

1978, mas seus quadros principais vinham de três setores:

líderes do sindicalismo em ascensão, com destaque para

Luiz Inácio Lula da Silva; intelectuais ligados a movimentos

universitários; e, finalmente, militantes de grupos sociais

marxistas e das pastorais da Igreja Católica. A

originalidade do PT adveio da diversidade de seus

fundadores e de constituir-se fora do universo das elites

políticas.

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTS) foi formado por

alguns parlamentares do MDS, mas contou no seu

nascedouro com o apoio do governo na disputa judicial

pelo uso da sigla. A então deputada Ivete Vargas liderou o

grupo fundador do novo partido que, ao longo de sua

trajetória, pouco tem se assemelhado ao PTSdo período

anterior ao golpe militar.

O Partido Popular (PP) representou a tentativa de

ressuscitação do antigo PSDmineiro. sob a liderança de

Tancredo Neves, com a agregação de lideranças udenistas

importantes, como Magalhães Pinto, mas teve vida

efêmera. Quando o governo proibiu as coligações

partidárias, nas eleições de 1982, ele decidiu, em

•170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

convenção, incorporar-se ao PMDB. Tancredo Neves e

Magalhães Pinto não caminhariam mais juntos: o primeiro

filiou-se ao PMDB e o segundo ao PDS.

A intenção de promover a reforma partidária havia sidoanunciada, ainda no primeiro semestre de 1979, pelo governo dogeneral João Batista Figueiredo, omitindo, contudo, as regras quea norteariam. Essa incerteza gerou inúmeros debates nos meiospolíticos nacionais, com forte participação da imprensa. No inte-rior da Assembléia Legislativa mineira não foi diferente.

A título de exemplo, transcrevemos dois trechos dos inú-meros discursos sobre o tema. De modo geral, o tom era decrítica à proposta governamental, mesmo porque àquela altu-ra o MDB já se firmara ideologicamente como partido e jácontava, conforme análise de um deputado arenista, com "subs-tância popular".

O primeiro trecho é parte do discurso do deputado PedroNarciso, do MDB, pronunciado na sessão de 2 de maio daque-le ano e revela certa rejeição à reformulação partidária:

(...) Nesses últimos dias, a imprensa vem noticiando, COIlS-

tantemente. os movimentos no sentido de criação de novospartidos. Já tivemos péssima experiência. com aquele nú-mero exagerado de agremiações políticas.

Parece-nos que não é o número de partidos ou seu nomeque vai resolver nossos problemas. Mesmo porque não in-teressa à causa democrática o surgimento de novasagremiações políticas. antes de consolidadas as condi-ções ideais para o livre exercício das atividades políticase da democracia.

o que precisamos é de que os partidos se unam. com se-riedade, em torno de um objetivo comum e grandioso. dignoe elevado. e, juntos. trabalhem. ardorosamente. para a re-construção do País. tudo jazendo. especialmente. embenefício do povo.

O segundo é do deputado Emílio Haddad, também do MDB,e foi feito na sessão de 3 de julho. Apresenta análise aindamais crítica que a de seu colega, demonstrando justa preocu-pação com o caso de Minas Gerais, onde, pelo menos nos cha-mados grotões, o que prevalecia ainda era o mandonismo depolíticos do PSD ou da UDN: 323

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DIÁLOGO COM O TEMPO

(...) Quando foram extintos os antigos partidos políticos,que na minha opinião jamais deveriam ter deixado deexistir, porque tinham estruturação, funcionavam, tinhamtempo e realmente prestavam à democracia brasileirarelevantes serviços, quando foram extintos, foram criadasessas ficções que se chamam Arena e MDB. Ficções, por-que impostas de cima, não vieram das bases, não nasce-ram daqueles que têm realmente condições de estruturarum partido político.

(...) Embora hoje todos nós do MDB lutemos pela preserva-ção da legenda partidária, parece irreversível a decisãodo Governo, embora não tenha escolhido a maneira comoos partidos vão ser extintos.

(...) Vamos imaginar que a esta altura do acontecimento jáfosse consumada a extinção da Arena e do MDB. Então deque maneira seria fonnado o quadro partidário do Brasil e,no caso específico, de Minas Gerais?

Na sessão de 4 de outubro, Dalton Canabrava observouque, há mais de dez anos, Arena e MDB vinham polarizando aopinião pública brasileira e que, extingui-los "seria o mesmoque levar ao sacrifício todos os jovens que fossem filhos natu-rais bastardos, de origem espúria, mesmo que, na juventude,demonstrassem imensas aptidões e potencialidade".

No dia 24 do mesmo mês, o deputado arenista Jésus Trin-dade também fez seu desabafo. Dizia-se decepcionado com areforma e, apesar de afirmar que "o governo precisa acabarcom a Arena, porque o povo não quer mais votar na Arena",era de opinião que se exigisse do governo uma reforma defato, que não beneficiasse partidos da oposição.

Por aquela época, Tancredo Neves já havia anunciado, datribuna do Senado Federal, a criação de um novo partido que,ainda sem nome, viria a ser o Partido Popular (PP). A 28 denovembro, o deputado Genésio Bernardino noticiou o fato a seuspares na Assembléia mineira. Eloqüente em seu apoio a TancredoNeves, comparou-o a um bandeirante dos novos tempos que,em vez de buscar pedras preciosas, "leva ao coração do povo e àalma da Nação as pedras preciosas da esperança, da justiça dodireito, da democracia e da liberdade". Bernardino garantiu: onovo partido, ainda sem nome, seria profundamente oposicionista.

No início de 1980, os novos partidos já estavam emfase de estruturação, mas no interior da Assembléia o cli-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

ma ainda era de profunda insatisfação com a reforma. Alémde inúmeras denúncias, havia também, por parte de al-guns deputados, longas justificativas pelas novas opçõespartidárias. Wilson Vaz, por exemplo, que cumpria seu pri-meiro mandato e se elegera pelo MDB, foi um dos que pre-feriu as fileiras do PP. Em 5 de março, justificou sua opçãoe fez votos para que a "bancadinha" de seu partido se afir-masse como autêntico partido de oposição. Já o deputadoPedro Narciso, que também aderira ao PP, observou que ogoverno federal deveria ser enquadrado em crime de cor-rupção eleitoral, por estar aliciando políticos de todo oPaís a se filiarem ao PDS. Quanto ao PMDB, a expectativaera a de que daria seqüência à histórica trajetória do MDB.Tanto que, na sessão do dia 9 de abril, em seu primeirodiscurso como líder do partido, Marcelo Caetano apre-sentou veemente protesto à reforma partidária e afirmou:"O PMDB é a continuação do MDB, partido que atraves-sou cheio de cicatrizes e de glórias os anos mais durosimpostos ao povo".

Em 23 de setembro daquele ano, Genésio Bernardinofez da tribuna um agradecimento ao senador TancredoNeves, que conseguira a aprovação unânime do CongressoNacional de projeto de lei cancelando as punições impostaspela Revolução ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, fa-lecido em 1976. A despeito do veto do presidente da Re-pública ao artigo primeiro do projeto, sob a alegação deque JK já teria sido beneficiado pela Lei de Anistia, GenésioBernardino lembrava: JK morreu antes, e não pode, por-tanto, requerer os benefícios da referida lei. Daí, a impor-tância do gesto de Tancredo Neves, já que "se um atosingular, originário de arbítrio, impôs a cassação dosdireitos políticos do ex-presidente Juscelino Kubitschek,somente um outro ato singular, baseado na vontade livredos que têm a representatividade do povo brasileiro,poderia reparar a injustiça praticada que livraria a sua fi-gura dos resquícios da ditadura."

325

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DIALOGO COM O TEMPO

Uma bomba no meio do caminho

No inicio de 1981, a abertura política e o retorno ao Es-tado de Direito pareciam ser um processo irreversível.Setores militares, no entanto, principalmente os remanes-centes da linha dura, não se conformavam com essa reali-dade. E tentavam, de várias maneiras, criar condições parajustificar um eventual retrocesso no processo de "aberturalenta, segura e gradual", como havia sido definida do pró-prio governo federal. O triste atentado no Riocentro, quan-do do show popular comemorativo ao Dia do Trabalho de1981, foi prova cabal de que o sonho da abertura políticacorria riscos. O deputado Dalton Canabrava, que tambémmigrara para o PP, pronunciou-se sobre o atentado na ses-são de 6 de maio:

o recente episódio de explosão de bombas no Riocentro, noRio de Janeiro, convoca a consciência nacional a se unirem torno da figura do chefe do Governo, general JoãoBaptista Figueiredo, nas medidas que deverão ser tomadaspara coibir e liquidar os focos de resistência ao grandeProjeto Nacional de Abertura.

As bombas, como bem definido pelo Ministro da Justiça, asbombas explodiram dentro do Governo, o que faz crer nareal disposição dos responsáveis pelo destino da Nação noesclarecimento completo dos fatos.

Ao agir sob a capa do anonimato, os agentes do terrorpretendem, escondendo-se da responsabilidade, fazer calaras I'ozes autênticas que defendem o objetivo nacional per-manente e autenticamente perseguido pela alma dobrasileiro: o estabelecimento de um verdadeiro EstadoDemocrático.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Fim do jejum

Em 1982, ocorreriam eleições para renovação do Congres-so Nacional e dos Legislativos estaduais. Mas o ano prometia,principalmente, a concretização de uma grande e importantereivindicação da sociedade brasileira, depois de 17 anos: eleiçãodireta dos governadores de Estado.Em Minas Gerais, nem bem entrara o ano e já era grande o

alvoroço em torno dos possíveis candidatos aos cargos exe-cutivos e legislativos. Para o governo do Estado, já era dadacomo certa a candidatura de Tancredo Neves.

Por aqueles dias, o jornalista Carlos Chagas publicou artigona "Tribuna da Imprensa", do Rio de Janeiro, sob o título "Mi-nas não há mais? Há de novo", analisando o retorno de Minas àpolítica. Tratava das expectativas dos mineiros em torno dacandidatura de Tancredo e das atribulações do PDS para indicarum nome que pudesse concorrer com o do senador do Pp'99

O jornalista tinha razão, mas o clima era mais que de ex-pectativa, era de saudável efervescência política. Afinal, eram17 anos de jejum eleitoral que se encerraria em breve e oscandidatos ao governo do Estado, concordavam todos, teriamde ser minuciosamente analisados.De seu lado, o governo federal estava atento. Manteve os

já existentes e criou novos mecanismos capazes de barrar oavanço da oposição. Além do chamado voto vinculado, emque o eleitor era obrigado a escolher seis candidatos da mes-ma sigla - governador, senador, deputado federal, deputadoestadual, prefeito e vereador -, sob pena de ter seu voto anu-lado, ainda havia outro complicador. Os nomes dos candida-tos não figuravam nas cédulas e sim em listas afixadas nascabines de votação, o que complicava a escolha por parte dosmenos esclarecidos. E mais, em obediência à chamada "LeiFalcão", que regulamentou o horário eleitoral gratuito nasemissoras de rádio e televisão, os partidos só podiam exibir afoto e um breve perfil biográfico dos candidatos, sem debatesou divulgação de propostas.Os líderes do PMDB, que já então agrupava inúmeros

migrantes do Pp' além dos antigos membros do MDB, estavamatônitos. Mas era preciso, mais do que nunca, transmitir

99 TRIBUNA DA IMPRENSA. Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 1982. 327

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DIALOGO COM O TEMPO

otimismo. Foram muitos discursos nesse sentido, entre eles odo deputado Ademir Lucas, que, a 17 de agosto, observou: se opartido situacionista (PDS) "se tornar vitorioso é porque o povose deixou enganar ou porque concorda e aprova os 17 anos dearbítrio, de sofrimento, cassações, exílios, banimentos, angústiase sacrifícios, no que, sinceramente, não acreditamos."

Apesar do empenho do governo federal para barrar o avan-ço da oposição, ela saiu-se vitoriosa em nove Estados, comdestaque para Franco Montoro em São Paulo, Tancredo Nevesem Minas Gerais e Leonel Brizola no Rio de Janeiro.

A eleição de Tancredo Neves não foi fácil e, até as vésperasdo pleito, não havia certeza de vitória. Eliseu Resende, o can-didato do governo, contava com apoio do aparato da máqui-na administrativa do Estado, o que dificultava significativa-mente o trabalho dos grupos que apoiavam Tancredo Neves.

O candidato oficial, "o número um", como dizia seu slogande campanha, teve votação expressiva. A diferença de votosa favor de Tancredo foi pequena e garantida principalmentepelo eleitorado da Capital.

Passados quase 20 anos, ao dar seu depoimento para acoleção "Memória política de Minas", da AssembléiaLegislativa, o ex-governador Rondon Pacheco referiu-se as-sim à eleição de Tancredo Neves:

(...) Foi uma eleição com muito conteúdo político, porquesignificava a investidura de um ex-ministro. TancredoNeves era um homem de densidade política muito consi-derável. E, eleito governador de Minas, era de se esperarque se tornasse candidato natural à sucessão do Figueiredo.

100O que veio a acontecer.

o peso de Tancredo

O mesmo pleito que elegeu Tancredo Neves ao governodo Estado também registrou mudança significativa na com-posição da Assembléia Legislativa. Dos 77 deputados elei-

100 MINAS GERAIS, Assembléia Legislativa. Rondon Pacheco. Belo Horizonte: 2003. (Coleção Me-mória Política de Minas. 5) p.532

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

tos, 39 eram do PMDB, 37 do PDS e um do PT. A presidên-cia da Casa foi ocupada no primeiro biênio -1983-84 - pelodeputado Genésio Bernardino, que chegou a ocupar interi-namente o cargo de governador rio Estado entre 19 e 26 deoutubro de 1984, dada a ausência do vice-governador Hé-lio Garcia. Do longo depoimento que deu ao programa "Me-mória e Poder", transcrevemos alguns trechos sobre sua ex-periência como deputado estadual e sua chegada à presi-dência da ALMG:

Quando fui eleito. em 1975, comecei a liderar a bancadado MDB, fui presidente de comissões. A AssembléiaLegislativa foi um deslumbramento! O governador eraRondon Pacheco, e nós éramos a oposição. Mas houve umacoisa interessante: Rondon Pacheco nos respeitava comooposição. Começamos a luta. ou aquilo que os militareschamavam de subversão da ordem social. Mas estávamoslutando para devolver a liberdade ao povo brasileiro. Paraderrubar a ditadura militar, os atos institucionais.

(...) Depois de Rondon Pacheco, veio Aureliano Chaves,de saudosa memória. Homem ético. de um comporta-mento moral exemplar, sincero ... Eu tive com ele umaexperiência muito grande porque eu era líder da ban-cada oposicionista na Assembléia Legislativa. Lembro-me de que resolvemos fazer obstrução a uma carta deintenção de um financiamento do BID que visava à rea-bilitação rural de Minas. Aureliano sentiu que não con-seguiria a aprovação do projeto no prazo desejado. Então,nos chamou para uma conversa. Tivemos uma conversamuito correta. Disse a ele que a oposição também que-ria participar do projeto. Ele mandou que fizéssemosuma relação de benefícios que queríamos e cumpriu. Osdeputados da Arena gritaram muito na Assembléia, masele mandou aprovar tudo. Foi um homem muito correto.De nosso lado emprestamos a ele, nas horas críticas dogoverno. nosso apoio solidário contra o então ministroda Fazenda Delfim Neto.

Fizemos a campanha pela anistia. Consegui tirar muitoscompanheiros das prisões, muitos torturados, outros fora-gidos. escondidos nos mais longínquos recantos de Minas edesse País, fugindo da expatriação, fugindo da tortura, Foium negócio muito, muito sério. Só quem não participoudessa luta é que não sabe o que foi. 329

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DIÁLOGO COM O TEMPO

(...) Na oposição, tivemos uma grande liderança, o dr.Ulysses Guimarães. Ele só não foi cassado por causa daressonância politica. Seria um crime internacional cas-sar o presidente de um partido de oposição. Com a refor-ma partidária, Tancredo Neves, companheiro na luta deUlysses Guimarães, veio com a proposta de fundar o PP.Eu era historicamente ligado ao MDB e ao Tancredo e nãotive como fugir, caminhei com ele e fui até secretário-geral do PP.

Mais tarde, depois da morte de Tancredo, vim a saber queo PP tinha sido resultado de uma combinação entre Ulyssese Tancredo em que o PMDB apoiaria o PP e vice-versa. OPP era um partido mais consensual, mais liberal, e como aluta caminhava para a abertura democrática, através doPP Tancredo Neves poderia ser um candidato mais aceitá-vel pelo processo revolucionário. Mas, lamentavelmente,o governo do general Figueiredo fez o voto vinculado. Umaaberração política, cerceando a liberdade de escolha. Ai,tivemos que fazer a incorporação, outra vez, do PPao PMDBporque o PP não tinha bases estruturais para enfrentarsozinho uma eleição.

Em 1982, logo depois de eleito, Tancredo me convidou paraser chefe da Casa Civil, atual Secretaria do Governo, maspediu-me segredo. Renato Azeredo era velho amigo dele epleiteQlTao cargo de prefeito de Belo Horizonte. Depois demuitas articulações, Tancredo chegou à conclusão de que,além de ter sempre pertencido ao PSD, Renato Azeredo eramuito radical e o Governo Federal certamente fecharia asportas à Prefeitura de Belo Horizonte se ele fosse o prefeito.

Tancredo me disse, então, que teria de nomear RenatoAzeredo para a Casa Civil, me pediu desculpas, e me disseque eu deveria ser o presidente da Assembléia. Eu disse aele: "Na Assembléia é disputa, não é nomeação ... e já hipo-tequei solidariedade ao Dalton Canabrava, meu amigo hámuitos anos." Ele argumentou que, naquele momento, oDalton não poderia ser presidente da Assembléia, porqueainda estávamos sob o Regime Militar e ele era muito ra-dical. Resultado: disputei a Presidência com o DaltonCanabrava e ganhei por três votos.

O clima de euforia com a eleição de Tancredo Neves só eraturvado pela situação econômica. O Brasil entrara em ritmo

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

de crescimento vertiginoso da inflação, o que preocupava atodos. Ainda assim, dez dias antes da posse do novo governa-dor, o deputado Eurípedes Craide, do PMDB, exorcizava qual-quer tipo de pessimismo e afirmava da tribuna:

(...) Apesar das negras nuvens da inflação que assolam oshorizontes da Pátria, apesar do desemprego galopante quea todos assusta, aqui comparecemos na expectativa deque os obstáculos possam ser superados e de que juntosencontremos melhores horizontes para a felicidade do povomineiro.

Antes, em fevereiro daquele ano, o deputado federal mato-grossense Dante de Oliveira, recém-eleito pelo PMDB, e ex-militante de esquerda, havia apresentado proposta de Emen-da Constitucional que restabelecia eleições diretas em todosos níveis e fixava a data de 15 de novembro de 1984 paraeleição do presidente da República. Havia outras propostascom o mesmo objetivo, mas a de Dante era a mais audaciosapois determinava até a data da eleição. '

o País nas ruas pelas diretas

Mesmo audaciosa, a proposta de emenda do deputadoDante de Oliveira não teve repercussão imediata. O diretórionacional do PMDB só resolveu encampá-la em abril de 1983 elançar a campanha pelas eleições diretas. Surpreendentemen-te, no dia 23 do mesmo mês, conseguiu juntar em Goiâniacerca de 8 mil pessoas, no primeiro comício em prol das elei-ções diretas para presidente da República. O primeiro testeconfirmava às lideranças: o povo iria aderir à campanha.

Já então entusiasticamente convencido, o deputado fede-ral Ulysses Guimarães participou no dia seguinte, em Teresina,de outro ato público pelo mesmo motivo: eleições diretas. E,no final daquele mês, Leonel Brizola, Franco Montoro e LuizInácio Lula da Silva firmaram o primeiro acordo onde ficoudecidido: as eleições tinham que ser para já e era absoluta-mente necessário mobilizar a Nação em torno de tal reivin-dicação. 331

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Por volta de setembro, o País começou a viver o que o ex-governador Rondon Pacheco chamou, apropriadamente, de"síndrome de transição", que demarcava, no seu entendimen-to, uma crise previsível em momentos de abertura política.101

Mas àquela altura, final de 1983, o lema "diretas já" estavanacionalmente consagrado, mesmo porque, se aprovada aemenda Dante de Oliveira, como todos esperavam, as elei-ções deveriam se realizar em novembro do ano seguinte.

Nos meses que se seguiram, a Caravana das Diretas, orga-nizada por comissão suprapartidária e apoiada por mais de200 entidades da sociedade civil, realizou comícios na maioriadas grandes cidades brasileiras.

Os comícios eram quase sempre animados pelo locutor es-portivo Osmar Santos e contavam com festiva participaçãode artistas de teatro e televisão, cantores e compositores demúsica popular brasileira, representantes de entidades civiscomo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), AssociaçãoBrasileira de Imprensa (ABI) e, obviamente, governadores,parlamentares e lideranças dos partidos de oposição - PMDB,PDT, PTB e PT. Dentre os memoráveis, destacam-se o daCandelária, no Rio de Janeiro, que reuniu 800 mil pessoas; e osegundo de São Paulo, realizado no Vale do Anhangabaú noferiado do aniversário da cidade, a 25 de janeiro de 1984, quejuntou 1,4 milhão de pessoas, gritando o refrão que já tomaraconta do País: "um, dois, três, quatro, cinco mil, queremoseleger o presidente do Brasil." No dia 24 de fevereiro, foi avez de Belo Horizonte receber a caravana das diretas, em gran-diosa manifestação popular.

Embora o clamor popular tivesse a força de mobilizar osmais variados segmentos da sociedade brasileira, havia aque-les que, como o deputado José Santana, do PDS, mesmo sedizendo favoráveis às eleições diretas, consideravam não ha-ver, naquele momento, condições para que elas fossem reali-zadas. No início de março, depois de criticar a atitude do PMDBem relação ao movimento, o deputado disse da tribuna daAssembléia:

(... .) Não somos nem por sombra contrários às eleiçõesdiretas. São elas a forma consagrada de pleno ofício dademocracia, e por ela temos nós, representantes legítimos

101 PACHECO, Rondon. Discurso pronunciado na Câmara dos Deputados em setembro de 1983. ver;MINAS GERAIS - Rondon Pacheco. Op. cil. p.533

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

do povo junto ao Legislativo, a inquestionável obrigaçãode lutar.

{... mas} politicamente há uma avalanche de coisas a or-denar, antes das eleições diretas. Socialmente, há que re-cuperar a credibilidade nos órgãos públicos, credibilidadeessa solapada por eventos negativos e ausência de resul-tados em favor do povo, sobretudo na área econômica.

Com tanto ainda por fazer, com uma obra de preparaçãotão ingente e tão portentosa a atacar, como então sair ago-ra a bradar em praça pública pelas eleições diretas? Nãoresta dúvida de que um periodo preparatório é necessário,e nesse caso só um governo de transição, alçado ao poderpor pleito indireto, pode resolver.

De seu lado, o presidente da República e seus ministrosconsideravam o movimento pelas diretas-já como "purabaderna", E, por assim considerá-lo, enviou ao Congresso pro-posta de emenda constitucional restabelecendo as eleiçõesdiretas em 1988 e confirmando as indiretas para o ano seguin-te, a serem realizadas em 15 de janeiro de 1985.

Enquanto se aguardava a votação da emenda Dante de Oli-veira, no campo da oposição também já ficara estabelecido:primeiro se lutaria pelas eleições diretas e só depois se pensariano nome do candidato. Os nomes tidos como mais fortes eramos de Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, mas eram cogitadostambém os de Tancredo Neves, Franco Montoro e Miguel Arraes.

o fim do sonho

A votação da proposta de emenda constitucional foimarcada para o dia 25 de abril de 1984 e, naquele dia, Brasíliaamanheceu sob forte tensão. A Presidência da República de-cretara, preventivamente, estado de emergência na Capital eem dez municípios vizinhos a ela. Seis mil soldados ocupa-ram, sob o comando do general Newton Cruz, o entorno doCongresso Nacional. A cena lembrava filmes de guerra.

No plenário da Câmara, 298 deputados votaram a favordas diretas, 65 contra e três se abstiveram. A ausência de 112 333

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DIÁLOGO COM O TEMPO

parlamentares impediu a obtenção dos dois terços exigidospara mudar a Constituição. Faltaram 22 votos para restituir aopovo brasileiro o direito de eleger o presidente da Repúblicapelo voto direto. 102

A vitória da conciliação

Em meio à frustração da sociedade brasileira com a rejei-ção da emenda Dante de Oliveira, a perspectiva de um presi-dente civil depois de 20 anos era alentadora, mesmo eleitopelo Colégio Eleitoral. E, a partir de setembro de 1984, essefoi um dos temas preferidos da imprensa.No processo indireto,a candidatura de Tancredo Neves praticamente não encontrouconcorrentes entre os setores de oposição. Ela resultou de umacostura política delicada e absolutamente inédita na políticanacional, em que antigos próceres da UDN e do PSD uniam-seem prol do retorno à democracia. A consolidação da candida-tura, aliás, deve muito à dissidência aberta no partido gover-nista, sob a liderança do então vice-presidente da República,o mineiro Aureliano Chaves, que levou à criação da FrenteLiberal, embrião do futuro PFL. O momento era da concilia-ção e Minas dava o exemplo.

O País caminhava a passos firmes rumo à democracia e adisputa entre dois civis, ainda que no Colégio Eleitoral, já erapoliticamente reconfortante. De um lado, o candidato dogoverno, o ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, que der-rotara o ministro dos Transportes Mário Andreazza na conven-ção do PDS e tinha como vice o deputado Flávio Marcílio; deoutro, Tancredo Neves, governador licenciado de Minas Geraise candidato da oposição, que teve como vice o ex-governadordo Maranhão José Sarney, que deixou o PDS e filiou-se ao PMDBpara cumprir a legislação e disputar a eleição.

Tancredo Neves procurou em sua campanha, de certa for-ma, reeditar os comícios pelas diretas-já e recebeu o apoio dequase todos os partidos da oposição e de grande parte das

102 Sobre a emenda Dante de Oliveira e o movimento "diretas já". ver entre outros: MARKlJN, Paulo.O Sapo e o Príncipe. Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo. op. cit p.200-206

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

entidades da sociedade civil. A exceção ficou por conta doPT, então um partido com pequena representação parlamen-tar (apenas oito deputados), que optou oficialmente pelo boi-cote à eleição indireta.

O 15 de janeiro de 1985, dia da votação no Colégio Eleito-ral, caiu numa terça-feira e amanheceu com cara de feriado.Tancredo Neves e José Sarney foram eleitos presidente e vice-presidente do Brasil com 480 votos, contra 180 dados a PauloMaluf e Flávio Marcílio. Os números demonstravam: a dita-dura militar estava, definitivamente, chegando ao fim e o povocomemorou nas ruas.

Casa do povo

Naquele mesmo ano, o deputado Dalton Canabrava, queno decorrer do período militar dera inúmeras demonstraçõesde sua postura oposicionista, foi eleito presidente da Assem-bléia Legislativa. Para ele, aquele foi um dos momentos maissignificativos de nossa história política recente:

Após o exercício de ITáriosmandatos de deputado esta-dual, entre os anos de 1961 e 1984, fui eleito para o honrosocargo de presidente da ALMG para o biênio de 1985/1986.

Quis o destino que o período para o qual fui eleito presi-dente da Casa, a que servi durante a quase totalidade deminha vida pública, fosse composto pelos dois anos maisimpOltantes da nossa vida política contemporânea: foramos anos em que a democracia se reinstalou soberana navida política nacional, coroando de êxito a resistênciademocrática.

Abalada pelo fracasso na condução da economia e porderrotas políticas nos principais Estados brasileiros, aditadura tentava uma sobrevida com a eleição de umpresidente civil através do colégio eleitoral, este sim,sobrevivente à derrota do Parlamento da emenda dasDiretas-Já.

A oposição, liderada nas ruas por Ulysses Guimarães,decidiu travar a batalha da democracia no Colégio Elei- 335

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DIÁLOGO COM O TEMPO

toral, ali conduzida e guiada pelo gênio político deTancredo Neves.

Os acontecimentos que se sucederam repercutiram inten-samente na ALMG, que manteve as suas portas sempreabertas às manifestações populares, o seu plenário e assuas galerias repercutindo o sentimento popular daquelesdias de lutas e glórias.

Assim tivemos, sucessivamente: a campanha popular pró-Tancredo Neves; a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral;a preparação para a posse; a inenarrável frustração po-pular com a doença e internação hospitalar do presidenteeleito, a posse de José Sarney; a dor sem tamanho da mortede Tancredo em 21 de abril de 1985; o inicio do governoSarney em clima de comoção social.

Sem medo e sem ódio, a bandeira que conduzimos naluta oposicionista mais do que nunca nos guiou. Assim,as portas da ALMG estiveram sempre abertas a todas asmanifestações populares, não importa de que segmentoviessem: dos operários, dos estudantes, dos professores,da classe artística, dos movimentos das minorias etc ..Até então, nunca a ALMG tinha cumprido de maneiratão radical o seu papel de "casa do povo" e, com orgu-lho, também afirmo que o povo ocupou a sua casa comordem e respeito.

É obrigatório registrar o alto grau de probidade e a quali-dade CÍvica de meus colegas deputados. que propiciaramàquela magistratura grande fecundidade em seus traba-lhos e emprestaram à Casa um padrão de moralidade erespeitabilidade raramente repetidos. Os meus colegas daMesa Diretora dedicaram o melhor de seus talentos e deseus esforços na condução administrativa da Casa, o quenos permitiu concluir os nossos trabalhos sem que restassenódoa alguma a macular o conceito de correção e honesti-dade que nos guiou. Como grande marco administrativo,registramos o início da construção do Edifício Tiradentes.que hoje abriga grande parte dos serviços administrativosdaALMG.

o gosto amargo da frustração

Na véspera de sua posse no cargo de presidente da Repú-blica, Tancredo Neves foi internado às pressas no Hospital deBase de Brasília, em estado grave. Reunidas em Brasília para afesta do dia seguinte, as principais lideranças do País passa-ram a discutir a saída, caso ele não pudesse tomar posse, emclima de tensão. Alguns juristas defendiam a posse do deputa-do Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados,outros a do vice eleito José Sarney, a quem o presidente JoãoFigueiredo se recusava a passar a faixa presidencial.

A posse - que não houve - de Tancredo Neves na Presidên-cia da República foi uma das maiores frustrações coletivas dahistória brasileira e legou ao País uma série de lendas, boatos eversões não só sobre o estado de saúde de Tancredo, mastambém sobre os acontecimentos do dia 14 de janeiro. Sabe-se hoje que Tancredo tinha a firme determinação de só cuidarda própria saúde após empossado na Presidência da Repúbli-ca, temendo que os militares não dessem posse ao presidenteda Câmara ou ao vice-presidente eleito. O primeiro por serhistoricamente inimigo dos militares; o segundo, por ter sebandeado para a oposição na última hora.

Entre 15 de março e 21 de abril, o País praticamente paroupara acompanhar a doença, o martírio e a morte do primeirocivil a chegar à Presidência da República depois de 21 anos deregime militar.

Mas a história é, sabidamente, feita de permanências e rup-turas e o triste episódio foi apenas mais uma lamentável rup-tura. No dia seguinte à morte de Tancredo Neves, o Brasilreergueu-se para inaugurar nova etapa de sua trajetória histó-rica. A chamada Nova República acabava de ser fundada, soba batuta de José Sarney, o novo presidente da República.

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Lamento e congelamento

A expectativa gerada com a eleição de Tancredo Neves ra-pidamente se transformou em um drama ocasionado pela gra-ve enfermidade que o acometeu, seguida de sua morte. Todoesse drama intranqüilizou bastante a Assembléia mineira, comose observa pelos vários pronunciamentos dos deputados emmarço e abril de 1985.

Na sessão de 22 de abril, dia seguinte ao do falecimenlo deTancredo Neves, o presidente da Casa, Dalton Canabrava, ohomenageou com comovente pronunciamento, que refletia osentimento geral:

Os desígnios de Deus são insondáveis. Ao mesmo tempoem que nos contemplou com a vitória do povo, leva-nos ocondutor da vitória. Nós jamais o esqueceremos. Perde aRepública. Perde a Nação. Perde o povo. Perde a família.Perdemos, principalmente, nós, os mineiros. No hagiológioda nossa história, podemos inscrever seu nome para a eter-nidade. Adeus, Presidente Tancredo Neves. Peça a Deuspelo seu povo.

Nas semanas anteriores, tanto governistas quanto oposi-cionistas se sensibilizaram com o padecimento do presidente.O único representante do PT, João Batista dos Mares Guia,lamentou o fim iminente, em discurso de 11 de abril:

Desgraçadamente não mais acredito que Tancredo Nevespossa se levantar do leito, mas trago em meu coração,mesmo sendo duro opositor do governador Tancredo Ne-ves, a vontade de que este homem se levante do seu sofri-mento para a universalidade das páginas da história, paraa perenidade no coração do povo brasileiro. Tenho certezade que todos os meus nobres companheiros de Partido dosTrabalhadores também nessa hora choram com o povo bra-sileiro, choram com a família Neves e choram com o pró-prio Tancredo Neves a sua dor.

A emoção do momento era acompanhada do receio de queos compromissos democráticos assumidos em campanha fos-sem esquecidos pelo novo governo, chefiado por José Sarney.Naquele mesmo dia, Mares Guia protestou contra a possibili-dade de que as eleições diretas para as prefeituras das capi- 341

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tais, previstas para o fim do ano, não fossem realizadas, se-gundo se depreendia de entrevista do ministro da Justiça.

Além das eleições nas capitais, a transição em curso abria aoportunidade de remover outras restrições herdadas do regi-me ditatorial. Nesse sentido, a deputada Vera Coutinho, doPMDB, defendeu, a 2 de abril, o apoio da Assembléia à pro-posta de emenda constitucional apresentada no Congresso Na-cional que estendia o direito de voto aos analfabetos. E JoséSantana, da Frente Liberal (corrente do PDS que apoiaraTancredo Neves), ressaltou em 19 de abril a importância dareforma eleitoral"como condição de fortalecimento partidárioe do próprio Congresso Nacional", tendo em vista o legado doregime anterior: "uma legislação eleitoral anômala, recheadade excrescências".

As eleições para as capitais foram afinal realizadas na datamarcada, assinalando mais um passo em direção à normalidadedemocrática. E o sistema partidário se abriu ainda em 1985,com a legalização dos partidos comunistas - o PCB e o PC do B.Outros partidos se organizaram, sendo o mais importante oPartido da Frente Liberal (PFL), que oficializava, assim, a suaautonomia em relação ao PDS. O PFL nasceu com forte baseem Minas, sob a liderança de Aureliano Chaves e contandocom bancadas expressivas tanto na Câmara dos Deputadosquanto na Assembléia Legislativa.

Iniciada a transição, as atenções convergiam para o pleitode 1986, no qual seriam eleitos os senadores e deputados quefariam parte da Assembléia Constituinte Federal. Os deputa-dos estaduais eleitos no mesmo dia assumiriam também a res-ponsabilidade de elaborar a nova Constituição mineira, após apromulgação da Carta Federal.

Entretanto, em que pese o interesse de todos os segmentospelo processo constituinte, a situação econômica ocupou oprimeiro plano, com a implantação do Plano Cruzado. Trata-va-se de um plano de combate à inflação baseado no congela-mento de preços. Seu impacto imediato foi grande, o que con-feriu ao presidente Sarney ampla popularidade, que se esten-deu ao PMDB, principal partido da coalizão governista. Ocongelamento imposto pelo Plano Cruzado, no entanto, re-queria determinados ajustes - como o combate eficiente aodéficit público - que não foram encaminhados em tempo opor-tuno. O calendário eleitoral engessou visivelmente o anda-mento do plano. Após as eleições, o governo tentou revitalizá-

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

lo, mas não conseguiu. Diante disso, no início de 1987, o Bra-sil foi forçado a declarar moratória, ingressando numa etapade grande instabilidade financeira, só equacionada em 1994com o Plano Real.

A conjuntura de 1986 e seus reflexos na Assembléia minei-ra foram assim registrados pelo deputado Dalton Canabrava,seu presidente no biênio 1985-1986:

O segundo ano de nosso mandato foi marcado, sobretudo,pela edição e implantação do Plano Cruzado e pela eleiçãode governadores e da Assembléia Nacional Constituinte.

O Plano Cruzado teve, infelizmente, curta duração. Nãosou economista para julgá-lo e acho ridícula a posição deprofeta do fato já acontecido. Como político, só posso teste-munhar o imensurável entusiasmo popular por ele gera-do. Pessoalmente, senti-me como se a democracia, por nóspregada durante tantos anos, estivesse ali, naquele curtoperíodo de existência, realizando a redenção do Brasil. Seàqueles que o gerenciavam faltou talento e perspicáciapara operar os ajustes necessários ao seu prolongado êxi-to, acredito que faltou aos políticos a necessária corageme desprendimento para a sua defesa política.

No pouco que me toca, assim como durante os anos decombate à ditadura, fiz do meu gabinete uma trincheiraem defesa da democracia. Como presidente da Assembléia,usei toda a força política daquela Casa na promoção doPlano Cruzado, convocando todas as forças vivas e atuan-tes da sociedade para se manifestarem, com destaque paraas memoráveis palestras de Maria da Conceição Tavares,Almir Pazianotto e Ulisses Guimarães. Posso ser conside-rado "ingênuo" pelos meus adversários, mas não me arre-pendo de nenhuma esperança gasta no sonho de um Brasillivre, democrático, soberano e justo.

Assim também foi na preparação para a Assembléia Na-cional Constituinte. Organizamos palestras e seminárioscom a participação de toda a sociedade em que os grandestemas que nos aguardavam foram discutidos e analisadospor palestristas e debatedores de todas as tendências polí-ticas, sem favorecimentos ou discriminações.

Este biênio foi marcado por uma Assembléia Legislativaatenta e atuante, não somente em sua missão-fim: o legis-lar e o fiscalizar; mas também, e principalmente, como 343

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caixa de ressonância de um Brasil em ebulição cívica, deruas e praças ocupadas pelo povo na plenitude de seusdireitos, de uma vida sindical que registrava a eclosão dequase uma greve por dia, enfim, de uma sociedade empe-nhada na afirmação da liberdade e na construção da ci-dadania.

Novo perfil

A eleição de 1986 resultou numa extraordinária vitória doPMDB, que elegeu seus candidatos ao governo de quase todosos Estados e alcançou a maioria das cadeiras do CongressoNacional, garantindo o comando da Constituinte.

Minas Gerais seguiu a tendência geral. O PMDB continuouna chefia do governo estadual, com Newton Cardoso, suces-sor de Hélio Garcia. Obteve as duas cadeiras de senador queestavam em disputa e fez uma grande bancada para a Câmarados Deputados.

Na nova legislatura da Assembléia, o PMDB elegeu 45 de-putados, o que correspondia a 55% da Casa. Mas essa enor-me bancada não se manteve intacta ao longo da legislatura.Em 1988, um setor divergente deixou o PMDB para partici-par da fundação do Partido da Social Democracia Brasileira(PSDB), agremiação que ganhou importância em Minas nadécada seguinte, chegando ao governo do Estado por duasvezes desde então.

A segunda maior bancada foi a do PFL, com 17 deputados,bem menor do que na legislatura anterior. O PT ampliou suapresença, com uma bancada de cinco deputados, mesmo nú-mero alcançado pelo PDT. Outros três partidos também se fa-ziam representar: o PDS, com quatro deputados; o PTB, comtrês; e o Partido Liberal (PL), que era o mais recente, com dois.

Essa composição partidária diversificada refletia aliberalização das normas de registro dos partidos que entrouem vigor com a transição para a democracia. Em 1986, comefeito, atuavam em Minas sete partidos com registro definiti-vo e outros 13 com registro provisório.

'70 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Além disso, o perfil dos deputados apresentava novidades.Quanto à formação profissional, mantinha-se o predomíniodos bacharéis em Direito, que eram 39, quase a metade daCasa. Os médicos eram nove, bem menos do que em outraslegislaturas. O número de engenheiros crescia paulatinamenteao longo do tempo: eram agora cinco deputados. Quanto àatividade profissional efetiva, no entanto, era notável adiversidade do conjunto de 77 deputados estaduais eleitos em1986. Alguns deles acumulavam mais de uma atividadeprofissional, mas, de qualquer forma, figuravam dez professores(sobretudo docentes universitários), cinco funcionáriospúblicos (dos quais dois eram da Polícia Civil), cinco radialistas,três bancários, um atleta, um metalúrgico, um pastorevangélico e um jornalista.

O ingresso na política parlamentar de atletas e radialistasligados ao meio esportivo já se notava desde os tempos doregime de 1964-1984. Apresentadores de programas sobreassuntos policiais, bem como de entretenimento e prestaçãode serviços ao público, ganharam maior expressão com a aber-tura. A presença de religiosos, principalmente pastores evan-gélicos, seria ampliada na Assembléia em eleiçõessubseqüentes. Nesse sentido, a legislatura 1987-1990 prenun-ciava a fisionomia contemporânea do Legislativo mineiro.

Tentativa de impeachment

Apesar da incontestável maioria do PMDB, o governadorNewton Cardoso foi alvo de um pedido de impeachment em1988, em uma situação inédita na história da Assembléia.Desde o ano anterior - o primeiro do mandato, portanto -circularam na Assembléia denúncias de irregularidades admi-nistrativas e financeiras contra o governo, pela voz de depu-tados tanto do PFL quanto do PT e do PDT. Em 23 de novem-bro de 1988, os dirigentes da coordenação sindical dos fun-cionários estaduais encaminharam ao Legislativo umadenúncia formal contra o governador por crime deresponsabilidade, sustentada por documento com a assinaturade mais de cem mil eleitores. Por despacho do presidente Neif 345

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Jabur, a Procuradoria da Assembléia analisou a denúncia, clas-sificando-a de "manifestamente inepta" por não conter "a ex-posição detalhada do crime imputado". O parecer concluíapela competência do presidente para lhe recusar o recebimento,por não preencher os requisitos legais. Assim fez o deputadoNeif Jabur, em decisão exarada a 30 de novembro.

Entretanto, a polêmica não cessou e, em 1989, o processo deimpeachment foi instaurado, formando-se uma comissão especialde 21 membros, de que faziam parte todos os partidosrepresentados na Casa, que na época já eram 12. O PMDB epequenos partidos aliados ao governo detinham maioria suficien-te para controlar os trabalhos da comissão, o que levou o processoa um impasse. As investigações requeridas pelos oposicionistasnão foram aprovadas pelos governistas. Em conseqüência, osmembros oposicionistas se desligaram da comissão, a 3 de agostode 1989, por meio de documento dirigido ao novo presidente,Kemil Kumaira. No documento, redigido em termos muitovigorosos, denunciavam a "farsa montada pelos deputados doPMDB e seus satélites" para bloquear o processo. Este resultou,por fim, na preservação do mandato do governador. Kemil Kumairadestacou, no entanto, em depoimento sobre sua gestão, que aabertura do processo, em si, representava "uma demonstração daindependência conquistada pelo Poder Legislativo".

Rico processo

Desde a legislatura anterior, a Assembléia já se preparava parao momento da reconstrução constitucional, que seria ocoroamento da transição política em curso. Em abril de 1986, foipromovido o simpósio "Minas Gerais e a Constituinte", que mar-cou a abertura das discussões públicas da Casa sobre a matéria.

No início do ano seguinte, começaram em Brasília os tra-balhos de elaboração da nova Carta Federal. A Assembléia deMinas acompanhava o processo, tendo em vista a sua próxi-ma tarefa de elaborar uma nova Constituição para o Estado.De 22 a 30 de abril de 1987, os presidentes e relatores dascomissões temáticas da Constituinte Federal debateram comparlamentares mineiros as questões em pauta.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Ainda em 1987, iniciaram-se os preparativos oficiais paraa Constituinte Mineira. No dia 16 de setembro, foi encami-nhado requerimento unânime das lideranças partidáriaspedindo a nomeação de uma comissão preparatória. A comissãose instalou no dia 8 de outubro, sendo escolhido para relator odeputado José Bonifácio Mourão, do PMDB. De imediato, con-centrou-se na formulação de um anteprojeto de RegimentoInterno para a futura Constituinte. Após acolher emendas ediscuti-las, o anteprojeto foi publicado em fins de novembro.

Seguindo a experiência da Constituinte Federal, oanteprojeto introduzia uma importante inovação: os eleitoresmineiros poderiam participar da elaboração da futura Consti-tuição Estadual, através do dispositivo conhecido por emen-da popular, desde que assinada por, no mínimo, sete mil elei-tores e organizada por uma entidade associativa legalmenteconstituída.

Em dezembro, houve um seminário sobre as constituintesantecedentes, como parte do projeto de pesquisa que a As-sembléia vinha patrocinando a respeito das mesmas e que re-sultou no volume "As Constituintes Mineiras de 1891, 1935 e1947: Uma Análise Histórica", publicado em 1989.

Durante o ano de 1988, novas providências foram toma-das. Em agosto, duas importantes comissões foram formadas:a Comissão de Tributaristas e a Comissão de Segmentos daSociedade. Em setembro, realizou-se o seminário interno ''ANova Constituição Federal e o Processo Constituinte Minei-ro", bem como o simpósio ''A Nova Ordem Constitucional",em parceria com a Fundação João Pinheiro.

Os trabalhos da Constituinte Estadual se iniciaram aindaem 1988, após a promulgação da Constituição Federal. Desdeo ano anterior, uma parte dos deputados vinha reivindicandoque a Mesa da Constituinte devia ser distinta da Mesa da As-sembléia. O relator, contudo, não acolheu a proposta. Entre-tanto, na própria sessão de abertura o assunto reapareceu pelavoz do deputado João Bosco Martins:

Em nome do PDT, apresentamos cerca de 14 emendas aoanteprojeto de resolução. Tivemos, por exemplo, umaemenda que visava à eleição de uma Mesa exclusiva paraa Constituinte, emenda esta que foi rejeitada pelo relator.Entendemos que esta Mesa exclusiva seria por demaisimportante para o desenvolvimento dos trabalhos, mesmoporque a Mesa Diretora da Assembléia Legislativa já 347

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DIÁLOGO COM O TEMPO

demonstrou, durante este ano, que tem muitos afazeres,preocupando-se. inclusive. em fechar as ruas defronte àAssembléia. não é mesmo, Sr. Presidente? É muito grande otrabalho de administração interna da AssembléiaLegislativa. Poressa razão, o PDTentende que os Deputadosestaduais deveriam eleger uma Mesa exclusiva para ostrabalhos da Constituinte e não aceitamos o voto contráriodo relator à nossa proposta.

A idéia de uma Mesa exclusiva não prevaleceu. A própriaMesa da Assembléia dirigiu a Constituinte, tendo na Presidên-cia o deputado Kemil Kumaira, do PMDB, eleito para o biênio1989-1990.

De acordo com Kumaira, esse período foi marcado por umintenso ritmo de atividades. "Nosso objetivo era demonstrarque Minas estava à frente dos outros Estados no campo polí-tico", observou, recordando que a Constituinte abriu espaçopara a manifestação de todos os setores da sociedade. Cercade dez mil sugestões foram apresentadas pela população du-rante o processo de elaboração da Constituição.

Instalados os trabalhos, foi eleita e empossada a ComissãoConstitucional, que seria o eixo do processo. Começando emfins de dezembro de 1988, recebeu sugestões e realizou audi-ências públicas, inclusive regionais. Por fim, em 9 de marçode 1989, a Comissão Constitucional concluiu e divulgou oanteprojeto da Constituição.

Em março e abril, o anteprojeto recebeu emendas e desta-ques votados no âmbito da Comissão Constitucional. A partirdaí, passou-se à redação do projeto, que foi entregue aoPlenário em sessão solene no dia 2 de maio de 1989.

No Plenário, o sistema foi análogo, com prazo dilatado(todo o mês de maio) para apresentação de emendas e discus-são dos temas constitucionais pelos deputados. Em julho, deu-se a votação do projeto em primeiro turno, seguida de novarodada de emendas e destaques, até a votação em segundoturno, na última semana de agosto. Concluído esse laboriosoesforço, a Constituição mineira foi promulgada em 21 de se-tembro de 1989.

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Modernização necessária

Quanto ao conteúdo, tratou-se essencialmente de adaptaro arcabouço constitucional mineiro à Carta Federal de 1988.Como esta era bastante inovadora em muitos aspectos, a adap-tação na esfera estadual suscitou debates relevantes e orien-tou a legislação mineira no rumo daquelas novidadesinstitucionais.

Para a Assembléia, o fruto mais importante da Constituinte(além, é claro, da rica experiência vivida durante a elaboraçãoconstitucional) foi o impulso que ela deu à democratização eà modernização da Casa.

A democratização foi impulsionada pela oportunidade deapresentação de emendas populares. Isso fez com que a As-sembléia se transformasse em espaço de interlocução dos maisdiversos segmentos sociais, tal como ocorrera no CongressoNacional durante a feitura da Constituição Federal.

A modernização dos serviços, que vinha ocorrendo há maistempo, avançou em função da Constituinte, na medida emque esta exigiu uma base técnica de informações e deassessoramento que era muito superior aos procedimentoscotidianos do Legislativo. Nesse sentido, a Assembléia entrouna década de 1990 com nova fisionomia, apta a aprofundar asmudanças que a distinguiriam como uma instituição dereferência no Brasil.

A dança dos partidos

A partir da eleição de 1986, a diversificação partidária seacentuou na Assembléia. Cresceu o número de legendas re-presentadas na Casa, em função da liberalidade da lei a respei-to da criação de partidos. Ao mesmo tempo, a supressão dasregras de fidelidade partidária tem provocado a instabilidadedas bancadas. O tamanho das bancadas partidárias definidopela eleição é alterado pela migração freqüente de deputadosde uma legenda a outra, sobretudo no início e no fim de cadalegislatura. Esse fenômeno era relativamente raro no regime 349

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Março de 1995----------

BANCADAS PARTIDÁRIAS NA ASSEMBLÉIA - 1995 e 1997

170 ANOS DO lEGISLATNO MINEIRO

A dança das profissões

Do ponto de vista do perfil social da Casa, assume desta-que a vertente classista da representação, que se mostrou im-portante, desde a década de 1980, em função do maior núme-ro de deputados de origem empresarial e trabalhista.

No caso dos empresários, sua participação havia sido fo-mentada pelo regime ditatorial e prosseguiu na nova fase, ten-do em vista o interesse gerado pela Constituinte. Para a Câma-ra dos Deputados, um número expressivo de empresários mi-neiros se candidatou em 1986 e, embora alguns nomes de des-taque não tenham sido eleitos, a investida política da classefoi bem-sucedida, reproduzindo-se em pleitos posteriores. No

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Os oito partidos indicados no quadro são os que participa-ram de todas as legislaturas do período. Outros partidos, comoo PSB, o PPS e o PCdoB, não chegaram a figurar na Assem-bléia de maneira constante.

Note-se que o PDS, sucessor da antiga Arena, passou poruma série de modificações: fusão com partidos menores comoo PDC e mudança da sigla para PPB (Partido do Povo Brasilei-ro), até chegar à sua denominação atual de Partido Progressis-ta (PP).

Em 1990, dois partidos de existência efêmera elegerambancadas de certo peso. O Partido da Reconstrução Nacional(PRN), encabeçado pelo então presidente da República,Fernando Collor de Melo, elegeu em Minas nove deputadosestaduais. E o Partido das Reformas Sociais (PRS), fundadopor Hélio Garcia, eleito governador naquele mesmo pleito, fezuma bancada de cinco deputados na Assembléia. Estes últi-mos, mais tarde, se integraram ao PTB.

Quanto ao fenômeno da migração partidária, temos umexemplo nas mudanças ocorridas durante a 138 legislatura. Acomparação das bancadas no início e em meados do quadriêniorevela o seguinte quadro:

•• 20 7 10 7 4 4 3 5 17•• 9 14 5 7 8 6 8 3 17•

de 1946, embora nada o impedisse, mas tornou-se corriqueironos últimos tempos.

Tomando-se a composição partidária da Assembléia talcomo extraída da eleição, o quadro das bancadas eleitas des-de então é o seguinte:

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DIÁLOGO COM O TEMPO

tocante à Assembléia, verificou-se a mesma tendência, com adiferença de que os empresários que exercem mandatos dedeputados estaduais são lideranças predominantemente mu-nicipais ou microrregionais, com atuação nas áreas da indús-tria, do comércio ou dos serviços.

O segmento de produtores rurais continua elevado, comosempre foi na história da Assembléia. Na legislatura iniciadaem 1987, 27 deputados se apresentavam como empresários e/ou produtores rurais; já na legislatura de 1999, seu número seelevou a 29; e na atual legislatura chegou a 30.

Quanto aos deputados que representam o mundo do traba-lho, sua presença também cresceu paulatinamente, à medidaque se ampliaram as bancadas dos partidos da área trabalhistae socialista. Seus membros se originam freqüentemente domovimento sindical, destacando-se entre eles os professoresda rede pública. Lideranças de movimentos sociais nãoclassistas também emergiram na arena parlamentar na faserecente. Por fim, note-se o ingresso no Legislativo, a partir de1998, de representantes dos policiais militares de menor pa-tente (sargentos, cabos e soldados).

Bases fiéis

A análise da produção legislativa desde 1990 mostra que a

Assembléia tem conseguido ampliar o seu poder no novo

arranjo constitucional. O número de leis de iniciativa dos

deputados tem aumentado, ao passo que decresce

proporcionalmente a legislação iniciada por proposta do

Executivo. Essasituação é inversa à do regime anterior,

caracterizada pela fragilidade e vulnerabilidade do Legislativo.

No entanto, esse alargamento do poder da Assembléia

não caracteriza uma disputa com o Executivo. Confrontos

ocorrem, mas não têm sido freqüentes. As bases de

suporte dos governadores foram amplas e geralmente fiéis

ao Palácio. Ou seja, as coalizões parlamentares que

vigoraram em cada mandato foram superiores às coalizões

eleitorais, significando que os governadores obtiveram no

Legislativo o apoio de partidos que não faziam parte de

sua aliança no momento da eleição para o Executivo.

As eleições de 1990 e 1994, por exemplo, foram muito

disputadas, decidindo-se apenas no segundo turno em

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

favor dos candidatos Hélio Garcia e Eduardo Azeredo,

respectivamente. Ambos os governadores, no entanto,

dispuseram de vasta maioria na Assembléia, ficando a

oposição praticamente restrita à bancada do PT.O mesmo

tem ocorrido com Aécio Neves, que assumiu em 2003. Já

Itamar Franco, eleito em 1998, contou com uma oposição

maior, de vez que sua base parlamentar não foi além da

aliança eleitoral que havia sustentado sua candidatura.

Dos governadores do período, foi o que teve menos

facilidade nas votações de projetos e de vetos no Plenário

da Assembléia.

O exame da legislação produzida pela Assembléia nos últimos15 anos revela um quadro temático interessante. Destacam-se,em primeiro lugar, as leis destinadas a concretizar diretrizes daConstituição, tais como os Planos Plurianuais de Ação Governa-mental, votados a cada quatro anos. O primeiro PPAG foi aprova-do em 1991 e, desde então, essa fórmula de planejamento é apli-cada no primeiro ano de mandato dos governadores, que é tambémo primeiro ano de cada legislatura da Assembléia.

Um dos dispositivos mais conhecidos da Constituiçãomineira de 1989 foi a criação de duas universidades esta-duais: a Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg),reunindo instituições de ensino superior da Capital e de di-versas cidades do interior; e a Universidade Estadual deMontes Claros (Unimontes). Ainda em 1990, foi votada aestruturação da Uemg e a criação de novas unidades emdistintas regiões de Minas.

O Executivo e a Assembléia providenciaram com rapidez aimplantação da Política Estadual dos Direitos da Criança e doAdolescente, que foi aprovada em 1991, junto com a criaçãodo respectivo Conselho - também conforme a orientação cons-titucional. Um pouco mais tarde, em 1994, criou-se por lei oFundo para a Infância e a Adolescência (FIA), para financiarentidades públicas e subsidiar entidades particulares que de-senvolvem atividades educativas nesse setor de grande rele-vância social. Em 1995, foi criada a Secretaria de Estado daCriança e do Adolescente, mas no ano seguinte ela se fundiucom a Secretaria do Trabalho e Ação Social, formando umapasta denominada Secretaria do Trabalho, da Assistência So-cial, da Criança e do Adolescente. 353

Page 181: Diálogo Com o Tempo

354

DIALOGO COM O TEMPO

No terreno social, a legislação foi expressiva, em corres-pondência com os princípios estabelecidos pela Constituição.Depois que se fixou a política para as crianças e adolescentes,foi a vez da garantia de assistência integral pelo Estado à saúdereprodutiva das mulheres e dos homens (Lei nO 11.335, de1993). E, mais tarde, a política estadual de amparo ao idosofoi oficializada pela Lei nO 12.666, de 1997.Também os direitos dos portadores de necessidades espe-

ciais (com deficiência física ou mental) foram contempladospor meio de diversas leis estaduais durante os anos de 1990.Tal como a Lei nO11.666, de 1994, que fixou normas detalha-das para facilitar o acesso dos portadores de deficiência físicaaos edifícios de uso público, de acordo com o estabelecido noartigo 227 da Constituição Federal e no artigo 224 da Consti-tuição Estadual.Uma lei que gerou discussões foi a de nO 11.802, que

dispunha sobre a promoção da saúde e da reintegraçãosocial do portador de sofrimento mental, determinando aimplantação de ações e serviços de saúde mental subs-titutivos aos hospitais psiquiátricos e a extinção progres-siva destes e, ainda, regulamentando as internações,especialmente as involuntárias. Conhecida como "LeiCarlão", em virtude do apelido de seu autor, o deputadoAntônio Carlos Pereira, essa legislação antimanicomial foiaprovada em 1995, depois que o mesmo já não se encon-trava na Assembléia.Ainda na área social, a legislação mineira abrangeu ini-

ciativas de política habitacional, por meio do Promorar (pro-grama de apoio e orientação técnica à construção, à refor-ma e à melhoria de moradias para famílias de baixa renda),instituído em 1994, e do Fundo Estadual de Habitação, em1995. A legislação no campo da saúde foi atualizada, mere-cendo destaque a atenção às doenças sexualmentetransmissíveis, visando não só ao seu tratamento, mas tam-bém à prevenção e à educação sexual. A expansão da Aidsacarretou preocupação crescente das autoridades ao longoda década de 1990.

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170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Cultura e meio ambiente na pauta

Nessa década ocorreu, igualmente, uma mudança nas polí-ticas de apoio à cultura, tendo como eixo a modalidade depatrocínio privado através de renúncia fiscal do governo. In-troduzido bem antes na órbita federal, esse sistema foi adotadoem Minas pela Lei nO 12.733, de 1997, que dispunha sobre aconcessão de incentivos fiscais com o objetivo de estimular arealização de projetos culturais. O principal autor do projetofoi o então secretário de Cultura, Amí1car Martins, que se elegeuno ano seguinte para a Assembléia, integrando a legislatura1999-2002 como representante do PSDB.A legislação ambiental tem sido uma marca do fim do sécu-

lo XX. Em Minas, o problema da devastação das matas foi alvode medidas normativas durante décadas, mas outros proble-mas ganharam relevo nos últimos tempos. O tema dos recursoshídricos, em particular, foi objeto de diversas leis: em 1992,regulou-se a proteção a mananciais destinados ao abastecimen-to público; no mesmo ano, proibiu-se a utilização de mercúrioe cianeto de sódio nas atividades de pesquisa mineral, lavra egarimpagem nos rios e cursos de água; em 1997, foi criado oPrograma Estadual de Conservação da Água. Recentemente, aAssembléia aprovou a criação de um fundo "com o objetivo deviabilizar ações destinadas à recuperação, à preservação e àconservação ambiental da bacia do rio São Francisco" (EmendaConstitucional nO67, de 15 de dezembro de 2004).

Servidores e privatização

Outra frente de legislação se referiu à reforma do Estado.Na esteira da Constituição de 1989, instituiu-se o Regime Ju-rídico Único para os servidores públicos. Contudo, em mea-dos da década de 1990, o paradigma se modificou, prevale-cendo a diretriz de enxugamento da máquina estatal e de re-dução patrimonial através das privatizações. No tocante aofuncionalismo, instituiu-se em 1996, pela Lei nO12.280, o PDV(Programa de Desligamento Voluntário) . 355

Page 182: Diálogo Com o Tempo

356

DIÁLOGO COM O TEMPO

Quanto à desestatização de órgãos e serviços, o governode Minas, instado pela administração federal, vendeu na mes-ma época os bancos estaduais remanescentes e transferiu ou-tros ativos para investidores e sócios privados. Entretanto,diferentemente do que aconteceu em outros Estados, não che-gou a privatizar a sua companhia energética - a Cemig - nema transformar o seu banco de fomento - o BDMG - em simplesagência de desenvolvimento. Não houve apoio político parauma reforma dessa magnitude. Isso ficou claro diante da ven-da de uma parte das ações da Cemig para uma companhianorte-americana, com direito a administração compartilhada,ocorrida no governo de Eduardo Azeredo, que despertou con-trovérsias, provocou a formação de uma Comissão Parlamen-tar de Inquérito na Assembléia e acabou sendo parcialmenterevertida na administração seguinte, por iniciativa do gover-nador Itamar Franco.

Fundos de desenvolvimento

Na esfera econômica, a Assembléia aprovou diversas leisde apoio ao desenvolvimento dos setores produtivos. Em 1994,foi criado o Fundese (Fundo de Fomento e DesenvolvimentoSocioeconômico), "com o objetivo de dar suporte financeiroa programas de fomento e desenvolvimento de médias, pe-quenas e microempresas e de cooperativas localizadas noEstado de Minas Gerais" (Lei nO 11.396, de 1994). Em 1995,surgiu o Funderur (Fundo Estadual de Desenvolvimento Ru-ral). Em 1996, foi aprovado o Plano Mineiro de Turismo e tam-bém se instituiu o Feaic (Fundo Estadual de Apoio à IndústriaCinematográfica); no mesmo ano, foi criado o Fundiest (Fundode Desenvolvimento de Indústrias Estratégicas).Em 1997, as pequenas empresas foram contempladas com

nova lei, que instituiu o Micro Gerais (Programa de Fomentoao Desenvolvimento das Microempresas e das Empresas dePequeno Porte), "estabelecendo tratamento diferenciado e sim-plificado nos campos administrativo, tributário, creditício ede desenvolvimento empresarial a elas aplicáveis" (Lei nO12.708).

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Setores específicos de produção foram apoiados por meiodo Programa Mineiro de Incentivo à Avicultura (de 1996) e doPrograma Mineiro de Incentivo à Fruticultura (de 1998).

Controle da terra

A questão da propriedade da terra, sempre espinhosa, foialvo da Lei nO 11.020, de 1993, que cuidou das terras públi-cas e devolutas estaduais. Regulando minuciosamente a ma-téria, essa lei manteve dispositivos tradicionais da legislaçãomineira, como a exigência de aprovação da Assembléia paraalienação de áreas devolutas com mais de 250 hectares, eincorporou inovações, relacionadas principalmente à refor-ma agrária, tal como a seguinte diretriz:

A destinação de terras públicas será compatibilizada coma política agrícola e com o plano nacional de reformaagrária, nos termos do inciso Xl do artigo 10 da Constitui-ção do Estado. e com o Plano Mineiro de DesenvolvimentoIntegrado. os planos diretores e os objetivos de preserva-ção e proteção dos patrimônios natural e cultural do Esta-do (art. 5°. S 11).

Outra inovação consta do artigo 15, r, segundo o qual oEstado reconhecerá como legítima a propriedade "ocupadapelos remanescentes das comunidades dos quilombos, nostermos do artigo 68 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias da Constituição da República".A tarefa de discriminar as terras públicas, dominiais e

devolutas, atribuída à Ruralminas (Fundação Rural Mineira- Colonização e Desenvolvimento Agrário), foi devidamen-te abordada, mantendo-se, porém, como um problema com-plicado, tal como se apresentava em meados do século XX.O agravamento de conflitos pela terra, que não raroproduzem vítimas fatais, resulta, em parte, da histórica in-capacidade do Estado em delimitar com clareza as terrasque lhe pertencem.

357

Page 183: Diálogo Com o Tempo

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358

DIÁLOGO COM O TEMPO

Greve e reforma da PM

Uma Emenda Constitucional (nO39, de Z de junho de 1999)chama a atenção por seu teor inusitado. Referia-se à gravecrise ocorrida na Polícia Militar, em junho de 1997, em virtu-de de mobilização dos praças, cabos e sargentos por aumentodos soldos e por mudança nos regulamentos da corporação. Omovimento grevista teve como saldo a morte de um policial eresultou em severas punições disciplinares, com a exclusãode seus líderes. Entretanto, dentre eles, um foi eleito deputa-do federal e outros dois foram eleitos deputados estaduais,em 1998, o que revelava a força da mobilização dos subalter-nos e o apoio à sua causa em face da intransigência das auto-ridades.

Após demorados entendimentos entre o Legislativo e oExecutivo, chegou-se à solução expressa na Emenda 39. Estacomeçava por separar a Polícia Militar e o Corpo de Bombei-ros e definiu como solução para o caso dos policiais excluídosa sua reintegração à carreira militar, mas nos quadros do Cor-po de Bombeiros. As anotações e os registros de punições dosque participaram do movimento de 1997 seriam excluídas desuas fichas. E, o mais importante: o Poder Executivo foi in-cumbido de promover a revisão do Regulamento Disciplinar edo Estatuto da Polícia Militar, visando ao seu aprimoramentoe atualização, no prazo de 180 dias a partir da publicação daemenda.

Resoluções da ética

Cabe mencionar três resoluções da Assembléia contemplan-do aspectos controvertidos de sua trajetória institucional.

A Resolução nO 5.144, de Z3 de junho de 1994, concedeureabilitação aos ex-deputados Clodesmidt Riani, José GomesPimenta e Sinval Bambirra, que haviam sido cassados pelaResolução nO580, de 9 de abril de 1964. O texto, no artigo Zo,trazia uma importante retificação histórica: "Ficam reconhe-cidos como praticados por motivos políticos, e não por falta

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

de decoro parlamentar, os atos de cassação" dos três antigosparlamentares. E, procurando compensá-los, estendia aosmesmos a assistência a que fazem jus os parlamentares atra-vés de seu Instituto de Previdência.

A Resolução nO 5.Z00, de 5 de setembro de ZOOl, fixounormas sobre a remuneração e as verbas indenizatórias dosdeputados, de modo a equacionar, dentro de limites precisose transparentes, os pagamentos mensais por eles recebidos.Foi uma iniciativa drástica da Mesa Diretora em face de de-núncias públicas a respeito de remunerações elevadas queextrapolavam as normas legais, cuja repercussão foi muitogrande na opinião pública.

Como desdobramento desse debate, a Resolução nO 5.Z07,de 10 de dezembro de ZOOZ,abordou a questão ética em sen-tido amplo, estabelecendo procedimentos disciplinares relati-vos à ética e ao decoro parlamentar. Em seu artigo ZO,a reso-lução foi bastante detalhada:

Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro par-lamentar

I - o abuso de prerrogativa constitucional ou legal;

II - a inobseIVância das vedações do art. 57 da Constitui-ção do Estado, diretamente ou por intermédio de terceiros;

III - a percepção de vantagem indevida;

IV - a prática de irregularidade no desempenho do man-dato ou de encargo dele decorrente, compreendidos:

a) o ato que atente contra a dignidade da investidura, doPoder Legislativo e das instituições democráticas;

b) a promoção de interesse contrário aos fins do poderpúblico;

c) a ausência, em cada sessão legislativa ordinária, à quin-ta parte das reuniões ordinárias de caráter deliberativoda Assembléia ou da comissão permanente de que o Depu-tado seja membro, salvo nos casos de licença ou de missãoautorizada;

d) a concessão de auxílio ou subvenção, em qualquer rubri-ca orçamentária, a entidade de que participe o Deputadoou parente seu, consangüineo ou afim, até o terceiro grau;

e) a ofensa fisica ou moral a Deputado, a servidor do PoderLegislatívo ou a qualquer outro cidadão, nas dependên-cias da Assembléia; 359

Page 184: Diálogo Com o Tempo

360

DIÁLOGO COM O TEMPO

fJ a prática de fraude que, por qualquer meio ou forma,comprometa o regular andamento dos trabalhoslegislativos, com a finalidade de alterar o resultado dedeliberação;

g) a omissão intencional de informação relevante ou aprestação intencional de informação falsa nas declara-ções de que trata o art. 8° desta resolução;

h) o uso do poder e das prerrogativas do cargo para cons-tranger ou aliciar qualquer pessoa. com o fim de obterfavorecimento;

i) a revelação do conteúdo de debate ou deliberação que aAssembléia ou comissão hajam resolvido manter secreto;

j) a revelação de informação ou documento oficial decaráter reservado de que tenha tido conhecimento na for-ma regimental;

1)o uso de verba de gabinete em desacordo com os princí-pios fixados no "caput" do art. 13 da Constituição do Estado;

m) a fraude, por qualquer meio ou forma, do registro depresença a reunião de Plenário ou de comissão.

Após indicar todos esses atos como incompatíveis com afunção parlamentar, a resolução criou duas instâncias paradiscipliná-los: a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar e aOuvidaria Parlamentar, sendo esta última destinada a recebercomunicações e denúncias de pessoas físicas e jurídicas a res-peito de membros da Assembléia.

A resolução incluiu, no final, um interessante instrumentode cunho educativo para os deputados estaduais, que mereceser reproduzido:

Art. 26 - No inicio de cada legislatura, sob a coordenaçãoda Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, realizar-se-ácurso de preparação à atividade parlamentar, que terácaráter obrigatório para os Deputados em primeiro man-dato e facultativo para os demais.

Parágrafo único - O conteúdo programático do curso a quese refere o "caput" será definido pela Comissão, devendo,necessariamente, fornecer aos participantes conhecimen-tos básicos sobre:

I - as Constituições da República e do Estado;

II - controle de constitucionalidade;

III - técnica legislativa;

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

IV - processo legislativo;

V - ética e decoro parlamentar;

VI - o Regimento Interno da Assembléia.

Foco nas comissões

É crescente e cada vez mais importante o papel das comis-sões na atividade parlamentar, em sua dupla dimensão: elabo-ração das leis e fiscalização das administrações. No passado,as sessões plenárias atraíam toda a atenção do público e daimprensa. Grandes oradores, debates veementes, duelos ver-bais entre adversários, tudo isso espelhava a imagem essen-cial dos órgãos legislativos. A história universal do Parlamento,contudo, mostra nitidamente sua evolução no sentido do tra-tamento especializado das matérias e, assim, as comissões ga-nharam centralidade como espaços de discussão e estudo dasquestões de relevância pública.

A Assembléia efetuou, nos últimos 20 anos, significativasmudanças na estrutura das comissões. Vale notar que até 1985havia em funcionamento 16 comissões permanentes. Naqueleano, houve um desdobramento de várias comissões e a criaçãode novas. O número total chegou a 21. Em 1990, no entanto,houve uma grande alteração, motivada em parte pelo intuitode adequar o trabalho da Assembléia às diretrizes e conceitosda nova Carta Estadual, votada no ano anterior, e em partepela necessidade de racionalizar o sistema, reduzindo-se oexcessivo número de comissões.

De acordo com a estrutura definida em 1990, sete comis-sões faram mantidas: 1) Agropecuária e Política Rural; 2) As-suntos Municipais e Regionalização; 3) Ciência e Tecnologia;4) Constituição e Justiça; 5) Defesa do Consumidor; 6) MeioAmbiente; 7) Redação. E sete comissões foram criadas ourenomeadas: 1) Administração Pública (substituindo a de Ser-viço Público); 2) Defesa Social (no lugar da de Segurança);3) Direitos e Garantias Fundamentais; 4) Educação, Cultura,Desporto e Turismo e Lazer (englobando várias anteriores);5) Fiscalização Financeira e Orçamentária (fundindo a de 361

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362

DIALOGO COM O TEMPO

Finanças e Orçamento com a de Fiscalização Financeira eTomada de Contas); 6) Política Energética, Hídrica e Minera-ria (no lugar de Energia, Minas e Metalurgia, que passou en-tão a tratar da questão das águas); 7) Saúde e Ação Social(reunindo de novo as duas áreas, que vinham pertencendo acomissões distintas).

Junto com esse novo desenho, a Assembléia procurou me-lhorar as condições de funcionamento das comissões. RomeuQueiroz, presidente no biênio 1991-1992, destacou esse as-pecto ao recordar as mudanças introduzidas na Casa naqueleperíodo:

Melhoramos a própria estrutura interna também, fazendouma adequação enorme nos espaços, melhorando os espa-ços das comissões, que na verdade é o centro do pensa-mento e das decisões das casas legislatil'as. Acontecemnas comissões técnicas. nas comissões temáticas. Então éali que as coisas realmente acontecem. Quando vai paraPlenário, já vai mais ou menos encaminhado, acertado.Então ali nós criamos uma estrutura melhor, não só doponto de vista físico, mas até de um assessoramento maisadequado, criando oportunidade para que o parlamentar,mesmo aquele com menores condições culturais, pudessedar sua contribuição buscando pessoas de fora para que oajudassem ali nos seus projetos e nas suas propostas.

Em 1997, pela Resolução nO 5.176, de 6 de novembro, fo-ram feitas alterações, mas sem modificar o número de 14 co-missões: a Comissão de Direitos e Garantias Fundamentaispassou a se chamar Comissão de Direitos Humanos; a de Edu-cação, Cultura, Desporto e Turismo e Lazer foi fundida com ade Ciência e Tecnologia, passando a se chamar Comissão deEducação, Cultura, Ciência e Tecnologia; a parte de Turismofoi para uma nova Comissão de Turismo, Indústria e Comér-cio; a Comissão de Meio Ambiente teve o nome ampliado paraMeio Ambiente e Recursos Naturais; a Comissão deAgropecuária e Política Rural mudou de nome para PolíticaAgropecuária e Agroindustrial; a Comissão de Saúde e AçãoSocial foi dividida novamente, estabelecendo-se uma comissãoespecífica para a Saúde, ao passo que a área de Ação Socialfoi incorporada à Comissão do Trabalho, da Previdência e daAção Social. O nome "trabalho" voltou, portanto, a figurar notítulo de uma comissão da Assembléia. O mesmo ocorreu com

&

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

a recriação, em 1997, da Comissão de Transporte, Comunica-ção e Obras Públicas, que existira com essa mesma denomi-nação até 1970.

Tal formato vigorou até maio de 2005, quando foramintroduzidas três modificações: a área de Cultura se sepa-rou da de Educação, formando uma comissão própria; a Co-missão de Educação, Ciência e Tecnologia passou a incluira área de Informática; e, finalmente, a Comissão de Turis-mo, Indústria e Comércio recebeu o acréscimo da área deCooperativismo.

Foco nos temas especiais

Ao lado das comissões permanentes, existem as comissõesespeciais temáticas, que funcionam por prazo determinado.Tais comissões se destinam a estudar matérias específicas oua cumprir alguma missão atribuída pelo Plenário. Além disso,são constituídas para emitir parecer sobre proposta de emen-da à Constituição, veto, escolha de conselheiros do Tribunalde Contas, aprovação de nomes de dirigentes de autarquias efundações e pedido de instauração de processo por crime deresponsabilidade.

Tomando-se os anos recentes, para exemplificar, diversascomissões especiais temáticas foram instaladas para emitirparecer sobre a indicação de titulares de entidades estaduais,a partir de mensagem do Poder Executivo. Entretanto, outrasse incumbiram de analisar questões administrativas einstitucionais de maior alcance; em muitos casos, seus relató-rios geraram iniciativas de legislação ou providências do Exe-cutivo para correção de situações denunciadas. Entre estas,figuraram em 2003 as seguintes:

Comissão Especial do 1i'ibunal de Contas, para "averi-guar o funcionamento do Tribunal de Contas do Estado deMinas Gerais, quanto ao seu funcionamento efetivo, face àsua organização interna, aos procedimentos fiscalizatórios quelhe são afetos, bem como às outras atribuições constitucio-nais inerentes à sua função". 363

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s

DIÁLOGO COM O TEMPO170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

Foco nas investigações

1983 -1986 7

1987 -1990 16

1991 -1994 9

1995 -1998 10

1999 -2002 18

2003- ... 2

Comissão Especial das Estâncias Hidrominerais, para"proceder a estudos sobre a situação das estânciashidrominerais do Sul de Minas".

Número de CPlslegislatura

A modalidade de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)é tradicional no Legislativo e bastante conhecida do público,pela repercussão que costuma alcançar, dependendo do seuobjeto. No regime autoritário de 1964, foram poucas as co-missões desse tipo, mas as investigações da Assembléia eramtambém efetuadas por comissões de sindicância.

Da legislatura iniciada em 1983 até a atual, o número deComissões Parlamentares de Inquérito criadas foi este:

Comissão Especial dos Acidentes Ambientais, para "pro-ceder a estudos sobre a atuação dos órgãos ambientais na pre-venção de acidentes e nas atividades de risco, bem como ava-liar o sistema ambiental e propor medidas para sua melhoria".

Comissão Especial da Uemg, para "estudar e propor al-ternativas viáveis para a implementação da Universidade Es-tadual de Minas Gerais - Uemg".

Comissão Especial da Santa Casa de Belo Horizonte, para"proceder a estudos sobre a situação financeira e institucionalda Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte".

Comissão Especial da Cafeicultura Mineira, para "estu-dar a situação da cafeicultura em Minas Gerais".

Comissão Especial da Expansão do Metrô, para "proce-der a estudos sobre a expansão do metrô na Região Metropo-litana de Belo Horizonte".

Comissão Especial do Anel Rodoviário, para "proceder aestudos sobre o estado de conservação da malha viária esta-dual, especificamente do Anel Rodoviário de Belo Horizonte",

Em 2004, funcionaram, entre outras, as seguintes comis-sões temáticas:

Comissão Especial dos Aeroportos, para "proceder a es-tudos sobre o estado de conservação, funcionamento e possí-veis adequações dos aeroportos da Capital".

Comissão Especial da Silvicultura, para "estudar e pro-por políticas públicas para o setor florestal, especialmente paraas florestas plantadas. e ações de incentivo à produção de ma-deira em Minas Gerais".

364

Comissão Especial da Fruticultura, para "estudar a situa-ção da fruticultura em nosso Estado, bem como criar soluçõese melhores possibilidades para sua expansão e seu desenvol-vimento".

Em 2005, foram instaladas, entre outras:

Comissão Especial do Ipsemg, para "apurar e analisar asituação econômica, financeira e da prestação dos serviços deassistência à saúde do Instituto de Previdência dos Servidoresdo Estado de Minas Gerais, no sentido de sugerir medidas desustentação e melhoria da autarquia",

Quanto aos temas das comissões, constata-se que, nalegislatura de 1983 - 1986, quatro focalizaram problemas naárea policial e prisional: a CPI do Presídio Santa Terezinha (emJuiz de Fora), a CPI da Penitenciária Agrícola de Neves, a CPIdos Sistemas Penitenciários e a CPI de Torturas a Menores naDelegacia Especializada de Orientação a Menores.

Na legislatura de 1987 a 1990, o número se elevou e amaior parte das comissões investigou órgãos da administra-ção estadual. Nessa fase, surgiram as controvérsias que puse-ram na berlinda o governo Newton Cardoso. A Assembléiainstalou CPIs sobre a reforma administrativa, o Departamento 365

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366

DIÁLOGO COM O TEMPO

de Estradas de Rodagem, a Fiat Automóveis (de que o Estadoera grande acionista), a Loteria Mineira, o Instituto Estadualde Florestas e a Assessoria de Imprensa e Relações Públicasdo Governo, bem como as empresas estatais Cemig, Metrobel,Camig e Metamig.

Entre 1991 e 1994, destacaram-se a CPI da Minascaixa,para apurar os fatos que deram origem à liquidaçãoextrajudicial dessa antiga instituição financeira de Minas; aCPI instalada "para apurar possíveis irregularidades naprivatização da Camig e em todo o processo de privatizaçãopraticado pelo governo mineiro desde 1987"; e a CPI que in-vestigou "a existência de escravidão por dívidas de trabalhono desmatamento e produção de carvão vegetal no Norte deMinas".

Das dez comissões instaladas entre 1995 e 1998, quatropretendiam apurar problemas do Norte de Minas: a prostitui-ção infantil, o Projeto Gorutuba, denúncias contra a chamada"Máfia do Carvão" e novamente a escravidão por dívidas.Outras CPIs do período tiveram como alvos: a destinação dosarquivos do famigerado Departamento de Ordem Política eSocial (Dops), as irregularidades no funcionamento dos bingose, ainda, "a instalação e exploração de garimpos nos rios doterritório do Estado de Minas Gerais e seus efeitos devastado-res e corruptores", como escreveu o seu proponente, o depu-tado e pastor evangélico Raul Lima Neto.

A legislatura seguinte, que começou em 1999, foi a quepromoveu o maior número de CPIs na história da Assembléia.E várias delas ganharam repercussão política, como foi o casoda CPI da Cemig, que analisou o processo de alienação de33% das ações dessa estatal para uma companhia norte-ame-ricana. A venda havia ocorrido no governo anterior, cujos atossuscitaram outras comissões: a CPI dos Fundos, "para apurarpossíveis desvios de recursos pertencentes aos fundos do Po-der Executivo e de recursos vinculados transferidos pela Uniãoao Estado"; a CPI dos Bancos, "para investigar o processo deajuste e as transformações no sistema financeiro estadual nadécada de 1990, com destaque para a privatização do Bemge"(Banco do Estado de Minas Gerais); a CPI das Licitações, "paraapurar as possíveis irregularidades nos processos licitatóriosrealizados com dispensa ou inexigibilidade de licitação pelogoverno do Estado de Minas Gerais a partir de janeiro de 1995";e a CPI das Empreiteiras, "para apurar as denúncias de

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

favorecimento nos pagamentos feitos no período de julho adezembro de 1998 a construtoras que mantinham contratoscom o Estado".

As comissões referidas revelavam alta temperatura políticana Assembléia, no choque entre as forças que apoiavam ogovernador Itamar Franco e aquelas ligadas ao seu antecessor,Eduardo Azeredo. Outras comissões, no entanto, granjearamapoio mais geral, como a CPI do Narcotráfico, a CPI das Car-voarias (novamente de olho nesse setor, para investigar suascondições de trabalho) e a CPI da Mineração Morro Velho, quese propôs a verificar diversos problemas relativos aos trabalha-dores dessa empresa: "condições de trabalho nas minas, acordosindividuais e coletivos de trabalho, valores e formas de paga-mento das indenizações aos portadores de silicose e grau dedano social causado pela doença na região".

Na atual legislatura, apenas duas comissões se instalaram.Uma é a chamada CPI do Café, criada em função de "denún-cias de atuação de quadrilhas de crime organizado no desapa-recimento de milhares de sacas de café" em Minas, procurandolevantar a decorrente sonegação fiscal e o prejuízo ao Erário.A outra é a CPI que investiga o projeto da mineradora MBR deexplorar a mina Capão Xavier, nas cercanias de Belo Horizon-te, sob cerrada oposição dos ambientalistas e de órgãos regu-ladores do meio ambiente.

Modernização pela legitimidade

No final da década de 1980, coincidindo com o dinamismoprovocado pela Constituinte, delineou-se a necessidade dereestruturação da Assembléia e - por que não dizer? - a neces-sidade de elevar o nível de sua auto-estima. A consciência deque o Legislativo mineiro passava por séria crise de legitimi-dade aflorou após as eleições de 1986 e sobre ela escreveu acientista política Fátima Anastasia, em artigo publicado na"Revista do Legislativo", em dezembro de 1998:

Nas eleições parlamentares de 1986, o Índice de renova-ção da Assembléia Legislativa de Minas Gerais foi de, apro-ximadamente, 65%. A leitura feita, à época, pela Casa, foi 367

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a de que as baixas taxas de reeleição eram expressivas dacrise de legitimidade que atravessava o Legislativo minei-ro, que havia se distanciado muito da sociedade - especi-almente durante a vigência da ordem autoritária - e cujaimagem encontrava-se bastante desgastada. Esse diagnós-tico foi confirmado pelos resultados de várias pesquisas deopinião realizadas com os públicos externo e interno daAssembléia e informou a organização de uma estratégiade mudança institucional, desenhada desde meados dosanos 80 e posta em prática a partir dos anos 90.103

Sob influência do diagnóstico gerado pelas eleições de 1986,a Assembléia adotou uma série de medidas com vistas àmelhoria de sua imagem externa e interna. Daí a reformulaçãode sua estrutura orgânica e, principalmente, a adoção de es-tratégias com o explícito propósito de melhorar seu desempe-nho junto à sociedade.

Foram abertos e desenvolvidos canais institucionais departicipação e de interlocução com grupos organizados dasociedade. E se ampliaram as atribuições de seus vários setorestécnicos, hoje chamados de diretorias e gerências. Vejamosmais de perto em que consistiram tais modificações, come-çando pelo trabalho pioneiro que a Casa empreendeu no ter-reno do processamento de informações.

Pioneirismo na informática

Os esforços empreendidos para transformar a Assembléiade Minas em instituição eficiente e tecnicamente aparelhadacomeçaram muito cedo. No que tange ao processamento deinformações, por exemplo, os trabalhos datam do fim dadécada de 1970, tornando-a, dentre tantas do País, a pioneirana utilização de recursos computacionais.

A 5 de dezembro de 1978, foi assinado com o Centro deProcessamento de Dados do Senado Federal (Prodasen) umconvênio que visava ao aproveitamento e repasse da experiência

103 ANASTASIA. Fátima. "Mudanças Institucionais e Renovação na Assembléia". In: Revista doLegislativo. nO.24, outubro/dezembro de 1998, p.29 a 34.

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daquele Centro de Informática, com a utilização de seus recur-sos computacionais. Para tanto, foi instalado um terminal decomputador em que se colocavam à disposição dos usuários daAssembléia de Minas dados disponíveis no Senado Federal.

A visita técnica ao Senado para firmar o convênio foicoordenada pelo então presidente da Casa, deputado AntônioDias .Na época, o Prodasen estava à procura de uma AssembléiaLegislativa capaz de receber a tecnologia para o desenvolvimentode sua própria base de dados estaduais. Esperava, com isso,criar um projeto-piloto que serviria, no futuro, aos demaislegislativos do País.

Em 26 de janeiro de 1979, terminais de vídeo cedidos pelaProdemge (Companhia de Processamento de Dados do Estadode Minas) foram inaugurados para a operacionalização doconvênio. Esses terminais foram os primeiros equipamentosde informática usados na Casa.

Foi também em 1979 que o setor de pessoal adquiriu oprimeiro computador da Assembléia, um Cobra 300, com 32Kbytes de memória RAM e quatro unidades de disquete de 8polegadas, não possuindo discos rígidos. À época, o tempoera de cinco a dez dias para lançar dados e de uma semanapara calcular a folha de pagamentos. Esse cálculo era feito porgrupo de departamentos, devido às limitações de capacidadedos disquetes. Mas em julho daquele ano, foram impressos,por meio do computador, os primeiros contracheques da Casa.

Antônio Dias relembra com satisfação o ingresso daAssembléia na era da informática, que ocorreu em seu períodocomo presidente:

Eu era muito amigo do deputado Marco Maciel, que erapresidente da Câmara. E através do Marco Maciel eu me

tornei ligado ao Petrânio Portela (presidente do Senado). Euia muito como presidente da Assembléia, me entrosei bemcom o pessoal do Congresso Nacional. E aí eu tive essa idéiae, conversando com o Petrânio Portela, nós estabelecemosum convênio entre aAssembléia de Minas e o Senado Federal.A nossa Assembléia foi a primeira a se informatizar. Começouaí conosco, deixei assinado o convênio, iniciei e abri numasalinha lá embaixo ... E eu pedi ao Eduardo Azeredo, que erao diretor-geral da Prodemge, ele me emprestou o primeiroaparelho para a gente se comunicar com o Senado. E issodaí para a frente só foi crescendo. Então, começou em 1978.

No segundo semestre de 1978. 369

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Em 1982, o convemo com o Prodasen foi ampliado epossibilitou o desenvolvimento de uma estratégia deplanejamento da informatização do Legislativo mineiro, bemcomo a implantação, no computador do Senado Federal, doprimeiro banco de dados desenvolvido na Assembléia,denominado "Normas Jurídicas de Minas Gerais - NJMG".

Dois anos depois, o processo de informatização foiestimulado com a assinatura de um convênio tripartite entre oSenado Federal, por intermédio do Prodasen, a Assembléia e aProdemge. O objetivo desse novo convênio era "disseminarinformações relativas à legislação, discursos, matériaslegislativas e outros assuntos correlatos, implantados no nívelestadual e federal nos bancos de dados".

A instalação do primeiro computador de grande porte,chamado Bull DPS, para a informatização dos trabalhos daConstituinte mineira, foi destaque nacional e teve papelimportante na promulgação da nova Constituição do Estadoem 1989, pois Minas Gerais foi o primeiro Estado a concluirsua Carta. O papel da informática foi destacado pelo entãopresidente da Assembléia, deputado Kemil Kumaira, que oconsiderou decisivo para que os deputados mineiros pudessemdispor das informações de que necessitavam para analisar asmatérias em discussão, apresentar emendas e votar comsegurança e rapidez.

A Assembléia de Minas também foi pioneira no desenvol-vimento de sistemas para gabinetes parlamentares, quando criouo Sistema de Apoio Parlamentar (Sisap) em 1991, ano que, aliás,foi marcado também pela implantação do painel eletrônico devotação no Plenário, o terceiro do País, e pela realização doprimeiro concurso público para analista de sistemas.

Antes mesmo de a Internet ser popularizada no Brasil, oprojeto "Assembléia On Line", inaugurado em 1992,possibilitou o acesso externo à sua base de dados. Desde então,foram instalados terminais de vídeo nas câmaras municipais,prefeituras e associações de municípios para que a populaçãotivesse acesso às informações.

Em 1995, a Assembléia criou seu site na internet, o segundoentre os legislativos estaduais, mas o primeiro desenvolvido ehospedado pela própria Assembléia.

Desde a instalação dos primeiros terminais, em 1979, atéhoje, quando a preocupação é reduzir custos com a adoção desoftwares livres, a informática teve e continua tendo papel

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fundamental no trabalho legislativo. Dados recentescomprovam a importância da informática na instituição. Em2005, eram 1.760 usuários cadastrados; 6.563 alunos treinadosnos últimos dez anos; 6.864 solicitações de usuários atendidasem .2003; quase 11 mil e-mails recebidos por dia. A médiamensal de consultas externas a páginas do site da Assembléiaé de 372 mil - sem contar os períodos eleitorais, em que oacesso atinge picos muito mais altos; e a média de acessos àintranet é de 281 mil mas, em outubro de 2004, durante aseleições municipais, foram 1.130.000 acessos.

Escola de cidadania

A idéia de criação da Escola do Legislativo começou aser concebida em 1991, como tentativa de inserção daAssembléia no processo de aperfeiçoamento da democraciabrasileira e, por via de conseqüência, de sua aproximaçãocom a sociedade. Dentre as atribuições da Escola, pro-punham-se: a profissionalização, ao máximo, de todos osfuncionários da Assembléia; a constituição de um canal derepasse de informações, conhecimentos e métodos detrabalho; e, por fim, a criação de um espaço de reflexãopolítica para o questionamento das práticas representativas.A despeito de ter sido concebido em 1991,0 projeto daEscola do Legislativo só foi aprovado em 1992, pelaResolução nO5.116. E se tornou realidade em 1993. A Escolado Legislativo conta com um corpo docente especializado,cedido pelos setores da Casa ou por meio de contratos.

Legislativo ao VIVO

Com a estratégia de modernização da Casa, a implantaçãode um sistema de comunicação social foi providência oportunae bem-sucedida. Esse trabalho começou com uma pequena 371

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DIÁLOGO COM O TEMPO

inserção diária na grade das emissoras mineiras de televisão,intitulada '~ssembléia Informa", com duração de dois minutos,no início dos anos 1990. Pouco depois, surgiu a possibilidadede montagem de um canal próprio, o que ocorreu em meadosda década.

Criada para facilitar o acompanhamento dos trabalhos doLegislativo pelos cidadãos, a TV Assembléia de Minas foi aprimeira emissora legislativa a se instalar após a publicaçãoda Lei nO 8.977, de 1995, que regulamenta o serviço detelevisão a cabo no Brasil. No dia 30 de novembro de 1995,quando estava na Presidência o deputado Agostinho Patrús,entrava em operação o canal 40, em Belo Horizonte, hoje canal11. A TV transmite ao vivo todas as reuniões de Plenário e,quando possível, as das comissões. Produz e veicula diversosprogramas relacionados com o trabalho parlamentar e acidadania.

Ao lado do consumidor

O Procon Assembléia, inaugurado em fevereiro de 1997, éum órgão administrativo do Poder Legislativo mineiro, com oobjetivo de harmonizar os interesses dos participantes dasrelações de consumo e intermediar os conflitos entre osconsumidores e os fornecedores. Atua também na educação einformação de fornecedores e consumidores, quanto aos seusdireitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado deconsumo.

O Procon da Assembléia possui, reproduzidas para consultana Internet, várias petições ou liminares referentes a açõescivis públicas ou coletivas de interesse do consumidor.

Várias cartilhas já foram produzidas e divulgadas peloProcon, abrangendo temas de interesses dos consumidoresna forma de tópicos comentados, com o objetivo é esclareceras principais dúvidas sobre os direitos e deveres dosconsumidores e os cuidados que devem ter ao adquirirprodutos e serviços.

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Tribuna da democracia

No Brasil, o processo de modernização dos órgãoslegislativos tomou forma ao longo do regime autoritário de1964 -1984, justamente quando tais órgãos estavam muitodiminuídos em sua influência política e praticamentedesprovidos de autonomia. Esse fato, aparentementeparadoxal, suscita a hipótese de que o aprimoramento técnicodo Legislativo representou uma espécie de compensação doregime pelo esvaziamento político a que submetia asinstituições parlamentares.

No entanto, outros fatores devem ser levados em conta.Quanto ao Congresso Nacional, é de suma importância recordara transferência da capital da República para Brasília. Dasacanhadas instalações que possuíam no Rio de Janeiro, aCâmara e o Senado passaram a contar com amplos espaçosprojetados por Oscar Niemeyer. Ao mesmo tempo, o CongressoNacional já discutia em meados da década de 1960 -independentemente das suas vicissitudes políticas - anecessidade de se reorganizar tecnicamente, por meio deassessorias e de seções especializadas, capazes de apoiar acada vez mais complexa atividade do Legislativo no mundocontemporâneo. Em decorrência dos estudos que se efetuarama respeito, o Congresso foi aperfeiçoando seus serviços nadécada de 1970. Quando o ritmo da abertura política seacelerou, devolvendo-lhe gradualmente a influência perdida,o Congresso já estava com uma nova estrutura defuncionamento. Doravante, tratava-se de pôr essa estrutura aserviço da construção democrática, processo que atingiu o seuponto alto com a Constituinte de 1987-1988.

Algo análogo sucedeu em Minas Gerais. Em decorrência doincêndio que consumiu a velha sede, em 1959, a Assembléiase mudou para o prédio da rua Tamoios, cujas instalações erammelhores. Mas sabia-se que era uma solução provisória. Oprojeto de uma sede definitiva foi providenciado, construindo-se então o Palácio da Inconfidência, que ficou pronto naprimeira metade da década de 1970. O novo espaço ofereciacondições muito boas aos deputados e proporcionava à Casainfra-estrutura capaz de abrigar toda uma gama de atividadesque seriam impensáveis nas antigas sedes. Por certo, taisatividades foram surgindo aos poucos, junto com a formação 373

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DIÁLOGO COM O TEMPO

de um corpo técnico independente, recrutado de formadiferente das tradicionais, particularistas. O importante, porém,é que todos esses elementos (a infra-estrutura física, os novosserviços e o corpo técnico) já estavam em marcha quando aAssembléia recobrou suas prerrogativas. E por isso amodernização prévia da Casa foi muito importante para oprojeto de democratização que se desenvolveu a partir daConstituinte de 1989.

Democratizar a Assembléia e buscar mais interlocução coma sociedade foram idéias-chave sugeridas pelos diagnós-ticoselaborados em função dos deslocamentos eleitorais da déca-da de 1980. Como assinalou Fátima Anastasia:

As pesquisas realizadas em 1989 e 1990 pelas empresasde consultoria junto aos ptíbJicos interno e externoapresentaram resultados desalentadores. A Assembléiaera portadora de uma imagem muito negativa. com baixosÍndices de credibilidade junto à sociedade e aos seuspróprios funcionários. 104

No que diz respeito à aproximação com a sociedade,desenvolveram-se instrumentos da maior importância, comoas audiências públicas, os seminários legislativos, os fórunstécnicos e os ciclos de debates. No entanto, não se podeesquecer o significado de outras iniciativas de aproximaçãocom o público: a criação do Teatro da Assembléia, a destinaçãode um grande espaço, em área nobre do prédio, para servircomo Galeria de Arte, e também a criação da Tribuna do Povo.Sobre esta última, comentou o ex-presidente Romeu Queirozem seu depoimento:

Criamos, naquele período. a Tribuna do Povo.Antigamente,as pessoas. quando iam fazer uma greve. umamovimentação, não tinham sequer onde instalar um som.Eram caminhões que ficavam ali estragando a praça, e aspessoas sem comodidade. Então eu coloquei sons e alto-falantes e enfim coloquei aquela tribuna bem de frente daescadaria da Assembléia Legislativa. para que quando oservidor público, os cidadãos de uma maneira geral.quisessem fazer um movimento. que eles pudessem utilizaraquele espaço. Aquele espaço é para esse fim.

'OI AJ\1ASfASIA. Fátima. "l\ludança Institucional e Democmcia: a experiéncia da Assemhléia Legislativade Minas Gerais". Relatório de Pesquisa, Belo Horizonte, 1997, p. 18.

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Abertura para o debate

Os seminários legislativos são eventos de grande porte queresultam na elaboração de documentos para subsidiar asatividades parlamentares e as políticas do Poder Executivo.De acordo com Fátima Anastasia, as pesquisas e os diagnósticosque a Assembléia efetuou para fundamentar sua reestruturação,em 1989 e 1990, apontaram as áreas de educação e saúdecomo principais problemas que, no entender da população, aCasa devia abordar. Na seqüência, foi organizado um seminário- "Educação: A Hora da Chamada" - que teve lugar em outubrode 1991. A concepção era inovadora e a experiência, que deucerto, foi aperfeiçoada e institucionalizada.

Sob o mesmo formato dos seminários legislativos, ou seja,painéis e grupos de trabalho, foram instituídas as conferênciasestaduais, que são realizadas rotineiramente e apresentam umacaracterística adicional: formulam propostas para asconferências nacionais referentes ao assunto em pauta e elegemos delegados mineiros a essas conferências.

Desde 1991, a Assembléia promove também os chamadosciclos de debates, que têm por objetivo propiciar reflexão sobretemas de relevância e trazer ao recinto do Plenário da Casaparlamentares, especialistas e autoridades de diferentes setorespara discutirem os temas propostos. Desses eventos resultampublicações com sínteses das exposições, que são distribuídasgratuitamente aos participantes e nos meios vinculados aoassunto. Outra modalidade de divulgação é a suadisponibilidade em arquivos para download.

Há, ainda, os fóruns técnicos, que têm o propósito depromover estudos de temas cujo grau de especificidade requera participação de especialistas e representantes de entidadescivis e de órgãos públicos. Durante os fóruns, são realizadasreuniões de trabalhos, encarregadas do exame de diferentessubtemas cujos relatórios, discutidos e aprovados nos grupos,são consolidados em um único documento a ser discutido evotado na reunião plenária final. Uma vez aprovado, odocumento se constitui em subsídio à atividade legislativa e aações do Executivo.

Finalmente, as teleconferências constituem a forma maisrecente de interlocução entre a Assembléia Legislativa e asociedade civil. São transmitidas pela Embratel e foram criadas 375

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DIALOGO COM O TEMPO

para debater temas que, por sua relevância, requerem meio detransmissão de alcance nacional. De modo geral, tais atividadesreúnem grandes nomes do pensamento político, econômico esocial contemporâneo, cujas palestras são transmitidas ao vivopela televisão, seguidas de debates com o público presente ecom os telespectadores.

Audiências deliberativas

As audiências públicas, instituídas pela Constituição mineirade 1989 e postas em prática em 1993, têm por objetivo dividircom as comunidades a tarefa de planejar o desenvolvimentomineiro, particularmente no tocante à elaboração do Orçamentodo Estado.

Como mostra a história da Assembléia, o tema daparticipação popular emergiu já na Constituinte de 1935,que acolheu o princípio da iniciativa popular das leis. Essedireito foi realçado na legislação brasileira por ocasião daConstituinte Federal de 1987-1988, que valorizou aparticipação popular. Nessa trilha, a Constituição mineirade 1989 alargou o seu escopo, avançando em relação à CartaFederal, por não limitar a participação apenas a entidades epor estabelecer a realização de "audiências públicas emregiões do Estado" (art. 60, I1I).

Em trabalho relevante sobre a trajetória das audiênciaspúblicas em Minas, Sabino Fleury - atual gerente de ConsultoriaTemática da Diretoria Legislativa da Assembléia - assinala talpeculiaridade da Constituição de 1989 e estuda as etapas deconstrução desse novo instrumento de participação.105

De 1990 a 1993, a ênfase recaiu na regulamentação dasaudiências e dos seminários legislativos. Mediante adaptaçãodo Regimento Interno (Resolução nO 5.065, de 31 de maio de1990), a iniciativa popular e as audiências foram incorporadascomo elementos do processo legislativo, mas sem receberdestaque no texto. Mais tarde, pela reforma regimental de 1997,

105 FLEURY. Sabino J. Fortes. "O Poder Legislativo Estadual e a regulamentação de políticas públicas:aspectos de um dilema institucional". Dissertação de Mestrado em Administração Publica, Escola deGoverno da fundação João Pinheiro. 2004.

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ganharam maior relevo, comparecendo com título específicona nova versão do Regimento.

Em 1993, foram realizadas as primeiras audiências públicasnas diversas regiões do Estado. A experiência foi marcantepara os deputados e para os técnicos que a vivenciaram. Apartir de 1995, por força de Emenda Constitucional, asaudiências públicas passaram a contar com a participaçãooficial do Executivo, do Judiciário e do Tribunal de Contas,para que os projetos apresentados ganhassem mais consistência,com o apoio formal dos três Poderes e o envolvimentoprogramado dos municípios.

Desde o começo de sua implantação, no entanto, asaudiências apresentaram um problema, relacionado aocumprimento de seus objetivos: a pouca disponibilidade derecursos para o atendimento das propostas encaminhadas. Naverdade, o Executivo não se pôs em sintonia com a aberturado Legislativo à participação popular. Havia um descompassoentre eles no entendimento da questão. Em conseqüência, oque era indicado pelas audiências ao governo comoreivindicação das regiões não encontrava resposta compatívelcom a expectativa da população envolvida no processo.

O período de 1996 a 1998 - aponta ainda Fleury - foicaracterizado por controvérsias sobre a natureza da participaçãopopular. Um projeto da deputada Maria José Haueisen (PT) abriua discussão, buscando fortalecer o caráter deliberativo dos fórunsde participação popular. O projeto conferia às entidades popularesenvolvidas no processo orçamentário a competência para definir,dentro de limites prefixados pelo Executivo, as ações e as obrasa serem executadas. Tratava-se de atribuir às audiências públicasna área estadual a mesma capacidade decisória dos orçamentosparticipativos que vinham sendo implantados em diversosmunicípios de Minas e de outras partes do Brasil.

O projeto enfrentou reação contrária no primeiro turno eficou paralisado por certo tempo. Mas, voltando à pauta, depoisde novos entendimentos entre as bancadas e o Executivo, foiaprovado em Plenário e sancionado pelo governador EduardoAzeredo (Lei nO12.797, de dezembro de 1998). O cerne da leiestava no artigo 6°, que estabelecia a mudança desejada:

Art. 6° - As prioridades de investimentos serão definidasnas audiências públicas regionais conforme o montantede recursos fixados pelo Poder Executivo para cada região. 377

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DIÁLOGO COM O TEMPO

S 1° - O montante de recursos a que se refere o "caput"deste artigo, a ser definido pelo Poder Executivo antes darealização das audiências públicas. será proporcional àpopulação e à renda de cada região.

S 2° - As decisões tomadas nas audiências públicas terãocaráter deliberativo. observado o limite de que trata oparágrafo anterior.

Ficou garantida, portanto, a destinação de, no mínimo, 1%da receita orçamentária corrente ordinária do Estado àspropostas priorizadas nas audiências. Essa verba mínima seriaincluída na Lei Orçamentária Anual, com obrigatoriedade deliberação da mesma e execução das propostas correspondentesaté o final do exercício financeiro, sob pena de responsabilizaçãodo governador.

Subvenções paradoxais

Enquanto assim evoluía o debate sobre a participaçãopopular no Orçamento do Estado, a Assembléia vivia umasituação paradoxal. Pois, no campo da legislação, um dos temaspolêmicos que afloraram na esteira da Constituinte colocavaem xeque uma de suas mais caras tradições. Tratava-se dassubvenções sociais distribuídas por indicação dosparlamentares - prática antiga em Minas, como em outras áreasdo País, datando da Primeira República. Regulada por lei, pormeio de normas que se sucederam através do tempo, tornou-se recurso importante para os deputados estaduais atenderemàs suas bases eleitorais.

Entre 1973 e 1995, vigorou a Lei nO6.265, de 1973, segundoa qual a Assembléia definia, por resolução, a cada ano, assubvenções a serem distribuídas. O Orçamento do Estadoconsignava recursos para o Poder Legislativo, com essa finalidade.Em seguida, a Mesa Diretora da Assembléia determinava o valordestinado aos deputados. As quotas eram iguais para todos.Finalmente, os deputados indicavam quais as entidades que

378 desejavam subvencionar com suas respectivas parcelas.

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Esse foi um mecanismo eficiente de acomodação entre oLegislativo e o Executivo ao longo de todo o períodomencionado. Os governadores, assegurando as subvenções àdisposição dos deputados, facilitavam a composição demaiorias parlamentares em apoio à suas administrações. Oinstrumento das subvenções, no entanto, não correspondia àorientação imprimida pela Constituição de 1988 às políticassociais, traduzida pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas)e por outros diplomas legais, como o Estatuto da Criança e doAdolescente e o recente Estatuto do Idoso. Ao formatoparticularista de distribuição de recursos que o Legislativopraticava, a diretriz constitucional contrapõe um modelo deassistência impessoal e universalista a cargo do Estado, comparticipação e controle da comunidade.

Não foi de surpreender, portanto, que na legislatura 1991-1994, a primeira após a Constituinte, tenha surgido amplodebate dentro da Assembléia a respeito das subvenções. Tantoa bancada do Partido dos Trabalhadores quanto entidadesligadas à área da assistência social puxaram o debate, que seconcretizou em dois eventos temáticos, bem como naapresentação de um projeto de lei, de iniciativa popular, como intuito de modificar o sistema de distribuição de subvençõespelo Estado, adequando-o ao modelo estipulado pelaConstituição.

Em 1996, o Supremo Tribunal Federal (STF) examinou alei mineira que atribuía à própria Assembléia a execução doOrçamento na parte relativa às subvenções propostas pelosdeputados. O relator, ministro Luiz Octavio Gallotti, salientouque a execução orçamentária cabe, em regra, ao Executivo. Alei argüida seria, portanto, inconstitucional.

Diante disso, a legislação foi alterada, ainda em 1996,para adequar a transferência das subvenções sociais ao prin-cípio constitucional sustentado pelo STF. Mudou-se a for-ma, mas o sentido político desse mecanismo foi mantido.Os deputados continuariam a definir a destinação de taisverbas, capitalizando os benefícios políticos e eleitorais cor-respondentes.

Entretanto, a prática das subvenções, há muito criticadapoliticamente, passou a ser alvo de denúncias deirregularidades, que comprometiam gravemente a lisura dogasto social a cargo dos deputados. Isso resultou em descréditoao caráter filantrópico do sistema. O ambiente entre os 379

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deputados se tornou bastante tenso, como seria de se esperar.E, por fim, o governador Itamar Franco interrompeu assubvenções após assumir, em 1999. 106

Uma comissão para o povo

A partir de 1999, os princlplOs e as expenencias dasaudiências públicas regionais foram incorporados pelo projeto"Construindo o Orçamento Participativo", que passou a serdesenvolvido em conjunto pela Assembléia Legislativa e peloExecutivo, por meio da Secretaria de Planejamento eCoordenação Geral. As mudanças representavam um ajustenecessário à consolidação do projeto, dentro do entendimentode que a participação da sociedade no planejamento do Estadonão deveria ficar apenas no plano das intenções.

O processo de audiências, no entanto, não se consolidou efoi suspenso nos anos seguintes. Voltou, sob nova roupagem,em maio de 2003, com a criação da Comissão de ParticipaçãoPopular, que se afigura como uma das mais promissoras.

O intuito da Comissão de Participação Popular, criada pelaResolução nO 5.212, do presidente Mauri Torres, é o depropiciar a iniciativa popular de leis. O direito à iniciativa deleis, embora adotado em Minas desde 1935, não é algo que sepossa exercer com facilidade, por depender de amplamobilização e numerosas assinaturas de eleitores. Tornar maisfácil a intervenção do povo no processo legislativo é a metada nova comissão permanente. Como escreveu o deputadoAndré Quintão, seu organizador e primeiro presidente:

Sindicatos, associações, conselhos e ONGS podem agoraapresentar suas propostas à Comissão, de forma mais ágildo que pela iniciativa popular de lei. Mais do que isso,podem solicitar informações oficiais aos órgãos públicos,propor audiências públicas, debater planejamentos e

106 Pesquisa em andamento. de Wladimir Rodrigues Dias, analisa as conseqüências da extinção dosistema de subvenções para as estratégias de atuação dos deputados. cf.DIAS, ''A distribuição desubvenções sociais pelos Deputados e o c!ientelismo na Assembléia Legislativa do Estado de MinasGerais", Projeto de Dissertação apresentado ao Mestrado em Adnúnistração Pública da Escola de Governo!FUndação João Pinheiro, 2005.

orçamentos governamentais. Assim, a Comissão deParticipação Popular abre à sociedade prerrogativas dosparlamentares. Seu funcionamento é similar ao daComissão de Legislação Participativa da Câmara dosDeputados que, por sua vez, inspirou-se em modelos dedemocracias consolidadas no mundo.107

Na resolução que lhe deu origem, a intervenção popular noprocesso legislativo é facilitada pelo mecanismo previsto noartigo 3°, segundo o qual:

É facultada a entidade associativa da sociedade civil, comexceção de partido político com representação na Casa, aapresentação à Assembléia Legislativa de proposta de açãolegislativa.

S 1° - A proposta a que se refere este artigo seráencaminhada à apreciação da Comissão de ParticipaçãoPopular, que poderá realizar audiência pública paradiscuti-la.

S 2° - Aprovada a proposta, esta será transformada em

proposição de autoria da Comissão de Participação Popularou ensejará, quando for o caso, a medida cabível.

S 3° - Será anexada à proposição de autoria da Comissãode Participação Popular a proposição em tramitação quecom ela guarde identidade ou semelhança, desde que aproposta de ação legíslativa que originou a proposição daComissão tenha sido protocolada antes da proposição deautoria parlamentar.

O acerto dessa inovação foi revelado pelas audiênciaspúblicas que se realizaram em outubro do mesmo ano de 2003para discussão do Plano Plurianual de Ação Governamental.A possibilidade de intervenção popular no planejamento doEstado foi testada com êxito nessa oportunidade, graças aoempenho da Assembléia e ao concurso do Executivo, semmencionar o interesse de inúmeras entidades e cidadãosindividuais em participar do processo.

Com efeito, 73 emendas foram apresentadas ao PlanoPlurianual, após triagem feita na Comissão de ParticipaçãoPopular. Entre as 73 emendas, 22 foram aprovadas em Plenário,sancionadas pelo governador e incluídas no Plano.

101 QUINf ÃO, André. "Rllticipação Direta no Legislativo". Cartilha da Conússão de Rnticipação Ibpular.Publicação da Assembléia Legislativa, 2003, p. 6. 381

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DIÁLOGO COM O TEMPO

Decorrido pouco mais de um ano, a Assembléia, em parce-ria com o Executivo, promoveu uma Audiência Pública deRevisão do Plano Plurianual, nos dias 9 e 10 de novembro de2004. Secretários de Estado e deputados, além de represen-tantes de entidades que haviam participado das audiências doPPAG em 2003, discutiram a proposta do governo de revisãodo plano, sua execução e perspectivas para 2005, além desugerir alterações e novas propostas.

Rumo ao interior

Entre as iniciativas recentes da Assembléia se destaca ochamado Programa de Interiorização, cuja proposta é levar asações do Legislativo ao interior do Estado. Esse projeto, iniciadoem encontros esporádicos, ganhou maior significado a partirdas audiências públicas regionais e de outras iniciativas, cujopropósito era promover mais participação do interior nasdecisões da Assembléia.Com efeito, seminários de orientação aos municípios têm

constituído uma vertente importante do trabalho daAssembléia na fase atual, com vistas ao fortalecimento do podermunicipal. A interiorização dos seminários legislativos ofereceboas possibilidades para a Assembléia consolidar a suainterlocução com as diversas regiões de Minas Gerais,interlocução iniciada nas audiências públicas da década de1990. Convém notar que, justamente em 1999, quando estasúltimas se interromperam, foi promovido o primeiro semináriono interior, focalizando a questão do desemprego e do direitoao trabalho.Por fim, deve-se notar outra face da interiorização, relativa

ao trabalho das comissões da Assembléia. Não é novidade oenvio de comissões de deputados, em missão oficial, alocalidades do interior. Essa prática já aconteciaesporadicamente no regime de 1946. O que ocorre nos diasatuais é uma facilidade muito maior de deslocamento e,portanto, de verificação dos problemas in loco, não só porcomissões especiais, mas também pelas comissõespermanentes. Nesse sentido, audiências e visitas ao interior

170 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

são instrumentos muito úteis para o trabalho parlamentar, aomesmo tempo em que abrem canais valiosos de diálogo dapopulação com a Instituição.Segundo Cláudia Sampaio Costa, titular da Diretoria

Legislativa, o esforço de interiorização representa umadensamento da participação democrática e assinala uma etapamarcante na vida da Assembléia. Contudo, a experiência jáacumulada propõe desafios em dois níveis. Primeiro, requer aconstrução de mecanismos permanentes de informação eacompanhamento das políticas públicas, que sejam inteligíveispara a população. Em segundo lugar, demanda a organizaçãode estrutura logística e humana, por parte da Assembléia, paraviabilizar uma integração consistente com o interior do Estado.5

Pronta para o século XXI

No alvorecer do século XXI, a Assembléia Legislativamineira inscreve-se como uma das instituições públicas maismodernas e tecnicamente melhor equipadas do Estado, alémde pioneira no Brasil em alguns avanços tecnológicos. Vistaem perspectiva histórica, é notável a sua trajetória, desde quese instalou em Ouro Preto, nos idos da Regência.A modernização técnica da Assembléia, na verdade, foi um

esforço que se desenvolveu no fim do século XX. Até então,ela permanecia relativamente modesta em termos de infra-estrutura e de serviços, embora tivesse vivido mudançasimportantes sob o aspecto político, com uma composiçãopartidária diferenciada e maior representatividade social.Junto com a evolução técnica, teve lugar o processo de

democratização do Poder Legislativo, impulsionado pelodinamismo das constituintes federal e estadual. A Carta Mineirade 1989 deu passos largos nessa direção, ao valorizar aparticipação popular ao lado das formas representativasclássicas. O modelo de audiências regionais, então aprovado,expressava nitidamente a intenção de abrir canais de diálogo

107 COSTA, Cláudia Sampaio. "Interiorização das Ações Legislativas", Ciclo de Debates "PoderLegislativo e Sociedade -170 Anos". BeloHorizonte, 22 de agosto de 2005, 383

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DIÁLOGO COM O TEMPO

entre o Estado e a sociedade, ao mesmo tempo em que indu-zia a Assembléia a se dirigir ao interior, a "ir aonde o povoestá", como cantou um grande artista mineiro.

A interlocução com a sociedade se tornou constante pormeio dos seminários, fóruns e ciclos de debates que aAssembléia continua a organizar. D sucesso de tais eventos semede pela parceria de numerosas entidades, pelo grau departicipação dos setores interessados e, claro, pelos frutos queeles têm proporcionado em termos de subsídios à legislação eàs políticas públicas.

Dificuldades, no entanto, ocorreram nessa caminhada, comoficou patente pelas vicissitudes da experiência das audiênciasregionais. Quando se encerrou o século XX, a Assembléiaatravessava um momento delicado. Seu notável programa demodernização, bem como o roteiro de democratização quevinha palmilhando, haviam conferido prestígio inédito à Casa,mas o brilho de sua imagem foi afetado pelas polêmicas sobredesvios no direcionamento das subvenções sociais e os salárioselevados dos parlamentares e servidores.

Diante de tais dificuldades, a Assembléia deu passos segurosà frente, encarando os problemas como desafios a seremequacionados. A criação da Comissão de Ética e da DuvidoriaParlamentar mostrou a capacidade da Casa de se reajustar,pondo-se à altura das expectativas da opinião pública. Por seuturno, a criação da Comissão de Participação Popular deu novoimpulso à presença eficaz da sociedade no Legislativo,retomando por outro caminho a experiência interrompida dasaudiências regionais. E, por fim, observa-se atenção crescenteà meta da interiorização, seja por meio das atividadesparlamentares, seja por meio do fortalecimento das atividadesmeio, como a comunicação e a prestação de serviços, além dapromoção de eventos e do constante aperfeiçoamento do corpotécnico.

Esses passos têm marcado de modo positivo o ingresso daAssembléia Legislativa de Minas Gerais no século XXI,prenunciando mais uma etapa importante de sua longa história.

'70 ANOS DO LEGISLATIVO MINEIRO

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170 ANOS DO lEGISLATIVO MINEIRO

Entrevistados

Antônio Soares Dias

Bonifácio josé Tamm de Andrada

Dalton Moreira Canabrava

Expedito de Faria Tavares

Genésio Bernadino de Souza (Projeto Memória e Poder)

joão Carlos Ribeiro de Navarro (Projeto Memória e Poder)

Kemil Said Kumaira

Romeu Ferreira de Queiroz

Sadi da Cunha Pereira

389

Page 199: Diálogo Com o Tempo

Este livro foi editado em 2005, ano em que se comemoram os 170 anos daAssembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Corpo de texto: Zap Elliptical 711

BT (normal, negrito e itálico): 10,5: títulos de capítulos e subtítulos:Frutiger (normal e negrito): 20 e 14, respectivamente.

Page 200: Diálogo Com o Tempo

conjuntura que propiciou a instalação das

assembléias legislativas provinciais até o final do

regime imperial. O segundo tenta recuperar o

desempenho do Congresso Mineiro e cobre o

período da chamada República Velha, de 1889 a

1930. O terceiro reconstitui as incertezas dos anos

de 1930, aborda os trabalhos da Constituinte

Mineira de 1935 e culmina com a decretação do

Estado Novo, em novembro de 1937. O quarto

cobre o período de reabertura do Legislativo, em

1947, e vai até a insurreição de abril de 1964. O

quinto recupera todo o período do regime

autoritário de 1964-1984 e termina com a

instalação da chamada Nova República, em 1985. O

sexto capítulo refere-se aos últimos 20 anos,

caracterizados pela reconstrução democrática do

País, buscando reconstituir a atuação recente da

Assembléia.

Coerente com a moderna historiografia, "Diálogo

com o tempo" foi às fontes primárias de pesquisa,

mas não se furtou a recolher matéria de trabalho

em noticiários jornalísticos e em depoimentos orais,

obtidos sob diversas formas. Optaram, ainda, por

uma edição final quase jornalística, abandonando a

sisudez tradicional das publicações acadêmicas e

utilizando recursos comuns na imprensa moderna,

como os boxes e retrancas. O resultado é uma obra

de fácil leitura, sem perda de sua densidade

informativa e histórica.

Page 201: Diálogo Com o Tempo