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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTASINSTITUTO DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
Disciplina: Epistemologia das Ciências e das Ciências SociaisProfessor Doutor Léo Peixoto RodriguesDiscente: Fabricio Martinatto da Costa
Reflexões acerca da dialética e do materialismo histórico
A dialética, uma das bases epistemológicas sobre a qual se desenvolve as
ciências sociais, remonta, na Modernidade, à filosofia de Georg Hegel. Em A
fenomenologia do Espírito, de 1807, Hegel reestabelece o papel da razão sobre a
história, constituindo-a como um processo de humanização do mundo.
Para Hegel, a história não é um processo linear e contínuo, que remeteria à
ideia de progresso. Ao contrário, trata-se de um processo dialético: afirmação (tese),
negação (contradições, antítese) e negação da negação (desenvolvimento e reconciliação
do ser, síntese). Assim, por exemplo, ter-se-ia o direito (afirmação), o crime (negação) e
a pena (negação da negação).
O problema filosófico sobre o qual se debruça a filosofia hegeliana diz
respeito, suscintamente, ao processo de produção de uma consciência de si: como uma
consciência se torna consciente de si? Em resumo, o eu, não consciente de si, projetaria
seu pensamento no Outro. O retorno de tal pensamento projetado para si seria a
autoconsciência, o eu absolutamente diferente do Outro. A autoconsciência, assim, dá-
se no Outro e retorna como o eu em si. As coisas do mundo (a materialidade), portanto,
somente existem porque o pensamento lhes confere realidade.
Na tríade que caracteriza a dialética idealista, dessa forma, a tese é a ideia, o
pensamento que projeta o mundo (o “outro”); a antítese é a natureza (a materialidade); a
síntese é algo totalmente novo, uma contraposição da tese. Outra característica da
dialética é que existe um movimento constante, que explicaria o desenvolvimento. A
síntese entre o ser e sua negação é, assim, um “ser em constante movimento”.
Promovendo uma inversão da dialética hegeliana, Karl Marx irá propor que a
consciência social exprime e constitui, ao mesmo tempo, as relações sociais. Por isso,
chama-se o modo de conhecer de Marx de materialismo histórico, ou seja, a aplicação
da dialética às relações sociais
Em A Ideologia Alemã, tal inversão torna-se clara no seguinte trecho:
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A produção de ideias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material. [...] a consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real. [...] os homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos do seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência (MARX e ENGELS, 1987, p. 36-7).
Portanto, não se parte da “ideia” para se chegar à “atividade material”, mas, ao
contrário, são as relações materiais, a partir da ação humana – contida na expressão
“vida real” – que produzem a consciência. Os homens produzem sua consciência, seu
conhecimento, a partir das relações sociais que, por sua vez, são estabelecidas de acordo
com a produtividade material. O conhecimento é, assim, um produto histórico
provisório, que se desenvolve via contradições, num eterno fazer-se e refazer-se.
É precisamente este movimento contraditório, de ida e volta, e a consequente
ação sintética, que caracterizará a perspectiva metodológica de Marx – o materialismo
histórico.
Marx distingue dois métodos. O primeiro, consiste em partir das coisas
concretas para se chegar às abstrações; o segundo, consiste em partir das abstrações para
se chegar às coisas concretas.
Da mesma forma, existem duas possibilidades de síntese, a idealista e a
materialista. Na primeira (idealista), parte-se das ideias e vai-se à realidade e, de volta,
são feitas as modificações e desenvolvimentos nas ideias, possibilitadas pela ida à
realidade. Na segunda (materialista), parte-se das coisas concretas para as abstrações,
desenvolvendo aí ideias para, então, realizar um movimento de retorno às coisas
materiais, que serão melhor compreendidas. Nessa segunda síntese, a realidade
apareceria, ao final do processo dialético, consciente dos conceitos que lhe estão
colocados, concebendo-se como uma “síntese de múltiplas determinações, portanto,
unidade da diversidade” (MARX, 2014, p. 77-8). Optando pela segunda síntese, Marx
argumenta que
o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, não obstante seja o ponto de partida efetivo e, em consequência, também o ponto de partida da intuição e da representação. Na primeira via, a representação plena foi volatilizada em uma determinação abstrata; na segunda, as determinações abstratas levam à reprodução do concreto por meio do pensamento (MARX, 2014, p. 78).
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O primeiro método, segundo Marx, seria o dos economistas do século XVII,
que começariam com algo que considerariam concreto – a população, por exemplo –
quando, na verdade, tratar-se-ia de uma abstração, eis que a população supõe outros
elementos como classe, trabalho assalariado, capital, troca, divisão do trabalho, preço,
etc. Assim, “o concreto só é concreto” – ou a população somente pode ser considerada
concreta – após o processo de síntese (de ida e volta), como no seguinte esquema:
População classe trabalho assalariado e capital troca, divisão do trabalho,
preço
Para Marx, o método dos economistas do século XVII não constitui um
processo de “ida e volta”, mas somente de ida.
Importante salientar, ainda, que a visão materialista é considerada, por Marx,
como aquela que se faz no interesse da Ciência. Tal matriz epistemológica cientificista
pretendia opor-se a uma visão analítica, que define como compreensível somente
aqueles elementos que poderiam ser separados, isolados. Segundo Teixeira (2014, p.
116), por sua vez, a base epistemológica em que está ancorado o método de Marx é o
organicismo, característico do século XIX: “todas as partes só fazem sentido se
montadas em conjunto dinâmico, articulado. Não, pois, peças separadas, mas totalidades
dinâmicas, que no seu funcionamento articulam as partes umas com as outras,
geralmente com o objetivo de sobreviver”.
Ressalte-se, por fim, que Marx explicitamente se distingue do positivismo de
Comte, ao afirmar que não tem a intenção de “prescrever fórmulas (comtistas?) de
utilidade para o futuro” (MARX, 1980, p. 173). Ademais, como já referido, seu método
dialético é oposto ao de Hegel:
Para Hegel, o processo do pensamento, – que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia, – é criador do real, e o real é apenas a sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado. [...] Em Hegel a dialética está de cabeça para baixo. É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico (MARX, 1980, p. 175-6).
Referência:
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
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MARX, K. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da
crítica da economia política. São Paulo: Editora Boitempo, 2014.
____________. Ideologia e ciência. In: Ianni, Octavio. Karl Marx: Sociologia.
São Paulo: Ática, 1980.
TEIXEIRA, Luiz Gonzaga. Utopia e Marx. São Paulo: Baraúna, 2014.