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A estrada da country music Destinos > Renato Machado — Virginia (EUA) 04 08 a 14 de novembro de 2017 JORNAL PANROTAS ERA AGOSTO DE 1927 QUANDO A PEQUENA CIDADE DE BRISTOL, DIVIDIDA ENTRE OS ESTADOS DA VIRGÍNIA E TENNESSEE, RECEBEU dezenas de visitantes de municípios igualmente inexpressivos da região. Em comum tinham na bagagem ins- trumentos musicais e a vontade de ganhar uns trocados prometidos pelo “homem da cidade grande”. Seu nome era Ralph Peer, que, vindo de Nova York, estava em uma caça a talentos por diversas regiões dos Estados Unidos. Faturar com o potencial musical da população local era o principal ob- jetivo da gravadora, por isso Peer anunciou em um jornal da cidade o convite para audições, sem restri- ções, para quem quisesse aparecer – em troca, o produtor prometia US$ 50 por música gravada. Os 11 dias de sessões entraram para a histó- ria como Bristol Sessions, respon- sáveis pela descoberta de nomes como a família Carter e Jimmie Rod- gers. Mais que isso, o encontro co- locou tanto a música country como o Sudoeste da Virgínia no mapa dos Estados Unidos. Apesar da riqueza cultural e o títu- lo de “berço da música country”, a região era renegada. Mais próximo das capitais de outros sete Estados do que de Richmond, a capital virgi- niana, o lugar ficou por muito tempo esquecido. A partir dos anos 2000, no entanto, surgiram movimentos para resgatar as raízes de um dos gêneros musicais mais populares dos rincões norte-americanos. Um deles foi a Crooked Road, inicia- tiva que visa à promoção e preser- vação do legado cultural da região. O termo “crooked” é traduzido do in- glês como “torto” ou “torcido”. O sig- nificado do nome da organização é um jogo de palavras, explicado pelo diretor executivo Jack Hinshelwood. “É bem característico dessa região, que é montanhosa, então as estradas possuem diversas curvas”, introduz. O outro significado denota o cuida- do (e a profunda compreensão) que os locais têm pela música. “A maio- ria das músicas possui compassos e batidas pares. Algumas melodias possuem batidas extras, então as pessoas as chamam de ‘crooked tu- nes’”, complementa, Hinshelwood. A Crooked Road seria então a es- trada a ligar pontos importantes da trajetória musical do Sudoeste da Virgínia e, por consequência, rotei- rizando a incubadora de onde nas- ceram todas as derivações do que, de uma forma ampla, é conhecido hoje por música country – que na realidade se desmembra em gêne- ros como gospel, old time, jug band, hillbilly, bluegrass, blues, appala- chian, dentre outros. “Perceber que a região e estes lu- gares especiais estavam sendo utilizados para encontros musicais foi a semente da ideia de que devía- mos conectá-los por um caminho”, explica Jack Hinshelwood. “Uma estrada em que as pessoas pu- dessem entender e imaginar, vindo não apenas por um dia, mas fican- do uma semana, para ouvir a toda essa música.” As paradas em minúsculas e pito- rescas cidades não distam entre si mais de duas horas de estrada e, por isso, o roteiro pelo Sudoeste da Virgínia se encaixa em uma perfeita viagem de carro. Do Brasil, é possí- vel chegar à região em voos diretos (para Washington DC) ou com uma conexão.

Destinos > Renato Machado — Virginia (EUA) A estrada da ... · convite para audições, sem restri-ções, para quem quisesse aparecer – em troca, o produtor prometia US$ 50 por

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A estrada da country music

De s t i n o s > Renato Machado — Virginia (EUA)

04 08 a 14 de novembro de 2017JORNAL PANROTAS

ERA AGOSTO DE 1927 QUANDO A PEQUENA CIDADE DE BRISTOL, DIVIDIDA ENTRE OS ESTADOS DA VIRGÍNIA E TENNESSEE, RECEBEU dezenas de visitantes de municípios igualmente inexpressivos da região. Em comum tinham na bagagem ins-trumentos musicais e a vontade de ganhar uns trocados prometidos pelo “homem da cidade grande”. Seu nome era Ralph Peer, que, vindo de Nova York, estava em uma caça a talentos por diversas regiões dos Estados Unidos.Faturar com o potencial musical da população local era o principal ob-jetivo da gravadora, por isso Peer anunciou em um jornal da cidade o convite para audições, sem restri-ções, para quem quisesse aparecer – em troca, o produtor prometia US$ 50 por música gravada. Os 11 dias de sessões entraram para a histó-

ria como Bristol Sessions, respon-sáveis pela descoberta de nomes como a família Carter e Jimmie Rod-gers. Mais que isso, o encontro co-locou tanto a música country como o Sudoeste da Virgínia no mapa dos Estados Unidos.Apesar da riqueza cultural e o títu-lo de “berço da música country”, a região era renegada. Mais próximo das capitais de outros sete Estados do que de Richmond, a capital virgi-niana, o lugar ficou por muito tempo esquecido. A partir dos anos 2000, no entanto, surgiram movimentos para resgatar as raízes de um dos gêneros musicais mais populares dos rincões norte-americanos.Um deles foi a Crooked Road, inicia-tiva que visa à promoção e preser-vação do legado cultural da região. O termo “crooked” é traduzido do in-glês como “torto” ou “torcido”. O sig-

nificado do nome da organização é um jogo de palavras, explicado pelo diretor executivo Jack Hinshelwood. “É bem característico dessa região, que é montanhosa, então as estradas possuem diversas curvas”, introduz. O outro significado denota o cuida-do (e a profunda compreensão) que os locais têm pela música. “A maio-ria das músicas possui compassos e batidas pares. Algumas melodias possuem batidas extras, então as pessoas as chamam de ‘crooked tu-nes’”, complementa, Hinshelwood.A Crooked Road seria então a es-trada a ligar pontos importantes da trajetória musical do Sudoeste da Virgínia e, por consequência, rotei-rizando a incubadora de onde nas-ceram todas as derivações do que, de uma forma ampla, é conhecido hoje por música country – que na realidade se desmembra em gêne-

ros como gospel, old time, jug band, hillbilly, bluegrass, blues, appala-chian, dentre outros.“Perceber que a região e estes lu-gares especiais estavam sendo utilizados para encontros musicais foi a semente da ideia de que devía-mos conectá-los por um caminho”, explica Jack Hinshelwood. “Uma estrada em que as pessoas pu-dessem entender e imaginar, vindo não apenas por um dia, mas fican-do uma semana, para ouvir a toda essa música.”As paradas em minúsculas e pito-rescas cidades não distam entre si mais de duas horas de estrada e, por isso, o roteiro pelo Sudoeste da Virgínia se encaixa em uma perfeita viagem de carro. Do Brasil, é possí-vel chegar à região em voos diretos (para Washington DC) ou com uma conexão.

ros como gospel, old time, jug band, ros como gospel, old time, jug band, hillbilly, bluegrass, blues, appala-

“Perceber que a região e estes lu-gares especiais estavam sendo utilizados para encontros musicais foi a semente da ideia de que devía-mos conectá-los por um caminho”, explica Jack Hinshelwood. “Uma estrada em que as pessoas pu-dessem entender e imaginar, vindo não apenas por um dia, mas fican-do uma semana, para ouvir a toda

As paradas em minúsculas e pito-rescas cidades não distam entre si mais de duas horas de estrada e, por isso, o roteiro pelo Sudoeste da Virgínia se encaixa em uma perfeita viagem de carro. Do Brasil, é possí-vel chegar à região em voos diretos (para Washington DC) ou com uma

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No roteiro proposto aos que que-rem desbravar esse mundo um tanto desconhecido aos brasileiros, a via-gem se inicia “onde tudo começou”. O Birth Place of Country Music Museum, aberto há três anos, é parada essen-cial para acessar o universo da música local – principalmente para um públi-

co que não é tão familiar com o gê-nero. Focado nas Bristol Sessions, no museu é possível ouvir as gravações originais, assistir a fi lmes contando a trajetória da country music e interagir com a música (seja remixando-a, seja gravando sua própria voz nas faixas).Uma das maiores cidades do roteiro, com

cerca de 43 mil habitantes (17 mil do lado da Virgínia, 26 mil do Tennessee), Bristol tem estrutura hoteleira para as primeiras noites. São sete mil quartos e a expecta-tiva de mais 100 com a abertura do reno-vado Bristol Hotel no fi nal de 2017.Para os que querem variar um pouco da temática musical, a cidade também é

sede do Bristol Motor Speedway, circui-to que hospeda provas de Nascar (em abril e agosto) – o que demanda reser-vas antecipadas no período.

No roteiro proposto aos que que-rem desbravar esse mundo um tanto rem desbravar esse mundo um tanto

co que não é tão familiar com o gê- cerca de 43 mil habitantes (17 mil do lado

A 40 minutos de estrada a leste de Bristol fi ca a cidade de Hiltons, mais conhecida por ser o porto seguro da família Carter. Foi na região que o casal A.P. Carter e Sara Carter cria-ram a família, dedicada ao comércio e ao trabalho no campo, mas tendo como paixão a música. Naquele fa-tídico agosto de 1927, uma gestante Sara Carter e sua família pegaram a tortuosa e não pavimentada estrada para Bristol. Iniciava-se uma era.Em trio, que além do marido A.P. tinha a irmã de Sara, Maybelle Carter, a fa-mília teve seis faixas gravadas e en-trou no universo musical norte-ame-ricano para não mais sair. Atualmente, é no Carter Family Fold (3449, A.P. Carter Highway) que é possível viver o legado dos Carter. Todos os sába-dos, a família promove shows (19h30, US$ 10) com artistas locais – em um

ambiente familiar, o que na região se traduz em encontros sem o consumo de bebidas alcoólicas – além de abrir suas dependências para a visita ao museu, com pertences originais dos primeiros Carter.Quem comanda as reuniões é a neta de A.P. e Sara, Rita Forrester. “A mú-sica americana sem a minha família não seria feita da forma que é hoje. Eles não sabiam o que estavam fa-zendo, mas fi zeram.” Rita, que era pri-ma em segundo grau do casal June Carter e Johnny Cash, conta que, logo após a morte de June, um já debilita-do Cash esteve presente nas sessões de sábado. "Alguém comentou que a casa dele era no Kansas e ele negou. Disse 'minha casa é aqui'", emocio-na-se, relembrando que o episódio aconteceu no último show da vida de Johnny, no Fold.

HILTONS

BRISTOL

vado Bristol Hotel no fi nal de 2017.Para os que querem variar um pouco da temática musical, a cidade também é

ambiente familiar, o que na região se traduz em encontros sem o consumo de bebidas alcoólicas – além de abrir suas dependências para a visita ao museu, com pertences originais dos

Quem comanda as reuniões é a neta de A.P. e Sara, Rita Forrester. “A mú-sica americana sem a minha família não seria feita da forma que é hoje. Eles não sabiam o que estavam fa-zendo, mas fi zeram.” Rita, que era pri-ma em segundo grau do casal June Carter e Johnny Cash, conta que, logo após a morte de June, um já debilita-do Cash esteve presente nas sessões de sábado. "Alguém comentou que a casa dele era no Kansas e ele negou. Disse 'minha casa é aqui'", emocio-na-se, relembrando que o episódio aconteceu no último show da vida de

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ABINGDONNo sentido oposto ao de Hiltons, a apenas 30 mi-nutos de Bristol, fi ca Abingdon. Com oito mil habi-tantes, a cultura é um dos pontos fortes da cidade – mas neste roteiro conta como opção de pausa no itinerário musical virginiano. A grande atração é o Barter Theatre, teatro com dois palcos, capacida-de para 150 pessoas e que vende cerca de 160 mil bilhetes por ano.Composto por atores profi ssionais, as produções são nacionalmente conhecidas pela grande qua-lidade. Dentre a vasta lista de artistas que saíram do Barter, consta nomes como Wayne Knight (Mr. Newman, na série Seinfeld) e Kevin Spacey (Os-car de melhor ator por Beleza Americana e estrela de House of Cards).Para os curiosos em se aprofundar ainda mais na experiência musical da Virgínia, a pedida é o Heartwood (One Heartwood Cir, VA 42210). Neste centro cultural distante poucos minutos do coração de Abingdon, são reunidos artesa-nato, comida e bebida, com apresentações ao vivo de bandas da região.

tantes, a cultura é um dos pontos fortes da cidade

na experiência musical da Virgínia, a pedida é

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GALAXNo trajeto mais longo deste roteiro, a viagem de duas horas desde Bristol leva direto a Galax, pequena cidade próxima da divisa com a Carolina do Norte. Tam-bém tão viva quanto em outros locais, a música country encontra em Galax espaço para versões mais modernas de seus acordes.Um bom exemplo está no Houston Fest, que em 2018 chega a sua oitava edição (8 e 9 de junho). O festival organizado pela brigada de incêndio local homena-geia Houston Caldwell, bombeiro da ci-dade, amante da música country e que faleceu em um acidente em 2010 quan-do tinha apenas 18 anos.Durante os dois dias de festa, as atra-ções se dividem em cinco palcos – são mais de 50 grupos apresentando os mais variados estilos dentro da música country. Na grande área onde é sediado o Houst Fest (601 S Main St) ainda há uma feira de artesanato e grande oferta de comida (sem be-bida alcóolica, como de praxe).

Hiltons Bristol

AbingdonGalax

Southwest Virginia

No trajeto mais longo deste roteiro, a viagem de duas horas desde Bristol leva direto a Galax, pequena cidade próxima da divisa com a Carolina do Norte. Tam-bém tão viva quanto em outros locais, a música country encontra em Galax espaço para versões mais modernas de espaço para versões mais modernas de

Um bom exemplo está no Houston Fest, que em 2018 chega a sua oitava edição (8 e 9 de junho). O festival organizado pela brigada de incêndio local homena-geia Houston Caldwell, bombeiro da ci-dade, amante da música country e que faleceu em um acidente em 2010 quan-

Durante os dois dias de festa, as atra-ções se dividem em cinco palcos – são mais de 50 grupos apresentando os mais variados estilos dentro da música country. Na grande área onde é sediado o Houst Fest (601 S Main St) ainda há uma feira de artesanato e grande oferta de comida (sem be-

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DE FÁCIL ACESSO POR MEIO DE ESTRADAS INTERESTADUAIS, O SUDOESTE DA VIRGÍNIA É UM DESTINO PARA SE CONHE-CER DE CARRO. PARA CHEGAR À REGIÃO DESDE O BRASIL, A LIGAÇÃO É FEITA PELOS HUBS DAS GRANDES AÉREAS NOR-TE-AMERICANAS.Na malha da United Airlines, por exemplo, as saídas se dão por São Paulo ou Rio de Janeiro e, no total, contando conexões quando necessá-rio, a parte aérea das viagens dura

entre 13 e 16 horas. Do Galeão, co-nexões são distribuídas por Houston, e de Guarulhos, as segundas pernas saem também de Houston, mais Chi-cago, Nova York ou Washington.As opções de destino final são a própria capital Washington (dis-tante seis horas do Sudoeste da Virgínia), além de cidades com tempo de estrada menor, como Charlotte, na Carolina do Norte (três horas de carro), Nashville, no Tennessee (quatro horas), e Rich-mond, na Virgínia (cinco horas).

CONEXÕES

A É R E A S

Nesta parada a música country está em um de seus estados mais natu-rais: o da presença no cotidiano local. A minúscula cidade de Floyd, com 450 habitantes, é a prova viva da abran-gência do estilo musical no interior norte-americano. “A música é a par-te central que move a região”, afi rma Dylan Locke, que comanda semanal-mente o Friday Night Jamboree, tra-dicional reunião musical da cidade na Floyd Country Store (206, S. Locus St).

Todas as sextas-feiras, moradores de Floyd, de cidades dos arredores e curio-sos se encontram na loja para celebrar a música e, principalmente, a comuni-dade. “Tem um apelo turístico, mas são apenas as pessoas sendo elas mes-mas”, diz Locke. “É como os colonos fi zeram na época deles ao chegar aqui. Trabalhamos duro e quando chega a sexta-feira, é o momento de tocar mú-sica, dançar e se divertir.”No palco, bandas locais com seus

violinos, violoncelos e banjos em punho tocam o rítmico e dançante estilo que caracteriza a região. Mas a grande atração está no salão: a cidade inteira está lá representa-da. Desde o casal sexagenário que ali mora há décadas até a pequena bebê de oito meses em sua dança cambaleante de quem mal deixou de engatinhar.Um dos hinos da música country, popularizado pelos Carter na déca-

da de 1930, questiona em um cená-rio de perda se “o ciclo se manterá intacto” (Can the Circle Be Unbro-ken, 1935). Se há dúvidas quanto a proliferação do estilo e da sua im-portância cultural para todo os Es-tados Unidos, o Sudoeste da Virgí-nia é o local a ser visitado.

--- O Jornal PANROTAS viajou a convite do Estado da Virgínia e do IPW, voando United

Airlines e com proteção GTA

Nesta parada a música country está Nesta parada a música country está em um de seus estados mais natu-em um de seus estados mais natu-

Todas as sextas-feiras, moradores de Floyd, de cidades dos arredores e curio-

violinos, violoncelos e banjos em da de 1930, questiona em um cená-FLOYD

bebê de oito meses em sua dança cambaleante de quem mal deixou de engatinhar.Um dos hinos da música country, popularizado pelos Carter na déca-

--- O Jornal PANROTAS viajou a convite do O Jornal PANROTAS viajou a convite do Estado da Virgínia e do IPW, voando United Estado da Virgínia e do IPW, voando United

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