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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social · sustentabilidade e, conseqüentemente, à solidificação de alternativas de trabalho e ... Coordenadora do Núcleo de Pesquisa

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Desenvolvimento Regional e

Responsabilidade Social:

Construindo e Consolidando Valores

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Desenvolvimento Regional e

Responsabilidade Social:

Construindo e Consolidando Valores

Margarete Panerai Araújo

Maristela Mercedes Bauer

(Organizadoras)

Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR

Centro Universitário Feevale

Novo Hamburgo – Rio Grande do Sul – Brasil

2005

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PRESIDENTE DA ASPEUR

Argemi Machado de Oliveira

REITOR DO CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE

Ramon Fernando da Cunha

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Inajara Vargas Ramos

REALIZAÇÃO

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Diretor: Alexandre Zeni

EDITORA FEEVALE

- Coordenação

Celso Eduardo Stark

- Analista de Editoração

Maiquel Délcio Klein

- Assistente de editoração

Fabíula Zimmer

Sabrina Martins

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Fabíula Zimmer

CAPA

Celso Eduardo Stark

Maiquel Délcio Klein

REVISÃO

Elin Maria Lanius Lautert

IMPRESSÃO

Gráfica Nova Letra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Centro Universitário Feevale – RS/Brasil

Bibliotecária responsável: Rosimere Teresinha Marx Griebler – CRB 10/1425

© Editora Feevale – TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer

forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei n.º 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo

184 do Código Penal.

CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE

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Fone: (51) 3586.8800 – Homepage: www.feevale.br

Desenvolvimento regional e responsabilidade social: construindo e

consolidando valores / Margarete Panerai Araújo, Maristela

Mercedes Bauer (organizadoras). – Novo Hamburgo : Feevale,

2005.

88 p. ; 21 cm.

ISBN 85-7717-001-2

l. Responsabilidade social da empresa 2. Administração de empresas

- Aspectos sociais I. Araújo, Margarete Panerai II. Bauer, Maristela

Mercedes

CDU 658:316.47

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APRESENTAÇÃO.........................................................................................07

UM DIAGNÓSTICO DA GESTÃO PRATICADA EM INICIATIVAS DE ECONOMIA

SOLIDÁRIA E OS SEUS DESAFIOS GERENCIAIS: ESTUDO DE CASO DO

MUNICÍPIO DE CACHOEIRINHA ..........................................................09

Pedro de Almeida Costa e Rosinha da Silva Machado Carrion

RESPONSABILIDADE, ÉTICA E COMUNICAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A

TENSÃO ORGANIZAÇÃO-ECOSSISTEMA....................................................23

Rudimar Baldissera e Marlene Branca Sólio

A RESPONSABILIDADE SOCIAL QUE CONSTRÓI E CONSOLIDA VALORES:

NO CAMINHO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ATÉ AS ORGANIZAÇÕES

NÃO-GOVERNAMENTAIS.....................................................................37

Denise Russo, Maristela Mercedes Bauer

e Margarete Panerai Araújo

RESPONSABILIDADE SOCIAL: RELACIONANDO ATITUDES E VALORES.....51

Nara Grivot Cabral1

A INFLUÊNCIA DA ESTRUTURA DE CUSTOS NA PRECIFICAÇÃO DOS PRODUTOS

PELA INDÚSTRIA COUREIRO-CALÇADISTA DO RIO GRANDE DO SUL..........61

José Eduardo Zdanowicz1

O VALE DO RIO DOS SINOS E A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL

NO CONTEXTO DO NACIONAL DESENVOLVIMENTISMO: 1968-1978......81

Rodrigo Perla Martins

e Gisele Becker

SUMÁRIO

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O livro Responsabilidade Social e Desenvolvimento Regional: Cons-

truindo e Consolidando Valores traz um conjunto de artigos multidisciplinares

que são resultados de pesquisas e projetos que vêm sendo desenvolvidos no

Centro Universitário Feevale, bem como contribuições de pesquisadores de ou-

tras instituições.

Com o objetivo de dar prosseguimento à publicação anterior sobre Res-

ponsabilidade Social, associamos nessa obra o tema Desenvolvimento Regional,

cujos artigos adquirem importância do ponto de vista teórico e histórico. Ciente

de que os estudos nesta área necessitam de maior promoção, objetivamos fo-

mentar a reflexão e o debate sobre esses conceitos, consolidando e estimulando

o desenvolvimento científico.

Seu conteúdo contribui para sedimentar a integração entre o Centro Uni-

versitário Feevale e a Caixa Estadual S.A. - Agência de Fomento/RS, principal

patrocinador dessa publicação. Agradecemos a essa instituição, através do seu

presidente e professor, Ms. Dagoberto Lima Godoy, a todos os autores e à

Editora Feevale, que tornaram possível essa publicação.

Em síntese, é inegável que o desenvolvimento científico necessita de uma

nova mentalidade conectante, que consiga integrar as dimensões do conhecimen-

to, mas que também considere os problemas do ser humano e da vida como um

todo.

Dra. Margarete Panerai Araujo

Ms. Maristela Mercedes Bauer

Organizadoras

APRESENTAÇÃO

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Resumo

Este artigo apresenta o resumo de uma pesquisa, na qual foi investigado o

modo de gestão praticado por empreendimentos de Economia Solidária, a partir

de um estudo de caso no município de Cachoeirinha. Trata-se de um estudo de

casos múltiplos, com doze meses de trabalho de campo, acompanhando um Fórum

Municipal de Economia Solidária e em especial dois grupos de trabalho. Como

resultado, são apresentados o diagnóstico da gestão, como ela é praticada nesses

grupos, e algumas perspectivas para a sua potencialização futura, visando a sua

sustentabilidade e, conseqüentemente, à solidificação de alternativas de trabalho e

renda consistentes para um grande número de pessoas. A justificativa da pesquisa

repousa sobre a necessidade de construção de perspectivas para o Desenvolvimen-

to a partir da inserção econômica, social e política, assumindo-se que a Economia

Solidária pode se mostrar como uma alternativa viável para essa finalidade.

Palavras-chave:: Economia Solidária, Gestão, Desenvolvimento.

Introdução

Dadas as peculiaridades da concepção filosófica da economia solidária, a

utilização das ferramentas gerenciais clássicas, usadas na administração de organi-

zações empresariais públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, por muito

UM DIAGNÓSTICO DA GESTÃO PRATICADA EM

INICIATIVAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA E OS SEUS

DESAFIOS GERENCIAIS: ESTUDO DE CASO DO

MUNICÍPIO DE CACHOEIRINHA.

Pedro de Almeida Costa1

Rosinha da Silva Machado Carrion2

1

Administrador, Mestre em Administração e Doutorando em Administração pelo PPGA/UFRGS.

Professor do Centro Universitário Feevale.

2

Professora do PPGA/UFRGS. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre Terceiro Setor –

NIPETS do PPGA/UFRGS.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

tempo tem sido negligenciada nessas iniciativas de Economia Solidária e podem

até mesmo parecer conflitantes com a sua lógica (ANDION, 2001). Não obstante,

a perpetuação dessas iniciativas passa, obrigatoriamente, pela sua eficiência.

Essa clivagem entre o modo peculiar de organização do trabalho e das

relações dentro dos Empreendimentos de Economia Solidária (EES) e a chama-

da racionalidade administrativa representa, à primeira vista, uma oposição entre

dois modos de gestão. Mais do que duas abordagens opostas, elas parecem ser

mutuamente excludentes, de forma que a presença de determinadas característi-

cas de uma não permitisse a presença de elementos da outra. Subjacentes a esses

modos diferentes de organizar o trabalho, revela-se a presença de duas

racionalidades distintas: uma substantiva, voltada a valores e cujas ações são um

fim em si mesma, e uma outra racionalidade instrumental, voltada para determina-

das finalidades e cujas ações são um meio para alcançá-las, ambas entendidas no

sentido weberiano.

Todavia, este trabalho parte do entendimento de que essas duas

racionalidades poderiam operar simultaneamente, e que os EES são exemplos

vivos da sua co-presença dinâmica. Baseado em pesquisas anteriores (GAIGER,

2000 e 2003; SINGER, 2000; TIRIBA, 2000; CARRION, 2002; TODESCHINI

E MAGALHÃES, 2002), e na própria observação participante empreendida

pelo pesquisador em campo, é possível perceber que, ao mesmo tempo em que

os grupos de trabalho formam-se em torno de algum outro vínculo já existente

entre os seus componentes, revelando portanto um grau de interesse recíproco

que é substantivo, esse mesmo grupo articula-se em torno de uma finalidade eco-

nômica de geração de trabalho e renda nítida e legitimamente instrumental.

Essa co-operação das duas racionalidades tende a ser encarada como

conflituosa e até mesmo contraditória. Iluminada por prismas ideológicos forte-

mente presentes nos estudos da Economia Solidária (SINGER, 2000a e 2000;

FRANÇA FILHO, 2002a e 2002b), essa contradição é realçada e tem criado

barreiras à absorção do que estará sendo chamado, neste trabalho, de racionalidade

administrativa. E de fato, a abordagem preferencial da ciência administrativa, que

é predominantemente funcionalista, na definição de Burrel e Morgan (1999),

mostra-se limitada para entender a lógica de trabalho dos EES. Ao mesmo tem-

po, o modelo de organização desses empreendimentos parece estar

deliberadamente prescindido do rigor administrativo, possivelmente acreditando

que os mecanismos de autogestão e de decisões coletivas dêem conta da com-

plexidade gerencial do empreendimento.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

A Economia Solidária e a Busca de Eficiência

A situação de pobreza e exclusão, bem como o novo posicionamento do

Estado a partir dos anos 1990 (COSTA, 2003), conformam um cenário a partir do

qual se observa o que Singer (2003) chamou de ressurgimento da economia solidária.

Há unanimidade entre vários autores (GAIGER, 2000 e 2003; SINGER, 2000;

TIRIBA, 2000; CARRION, 2002; TODESCHINI E MAGALHÃES, 2002) de que

esse quadro extremamente excludente é um fator que contribui para o surgimento

das iniciativas de economia solidária, embora a totalidade desse movimento não

possa ser totalmente explicada como uma simples decorrência direta desse quadro.

Essa confusão de papéis a que se prestaria a Economia Solidária (uma

forma de luta política ou a solução imediata de um constrangimento econômico)

revela, na verdade, um fenômeno complexo que está buscando a sua lógica sin-

gular de organização e atuação (GAIGER, 1999). É a partir de algumas pesqui-

sas empíricas que essas iniciativas passam a ser conhecidas, e com elas pode-se

começar a definir o que é a economia solidária.

Singer (2000) define a Economia Solidária a partir das experiências assisti-

das na Incubadora da USP, concluindo que “a economia solidária surge como

modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado

periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados no

mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre

posse e uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de

mercadorias) com o princípio da socialização desses meios (do capitalismo)”

(SINGER, 2000:13).

Analisando EES no Rio de Janeiro, Tiriba (2000) identifica que

[...] além da origem popular de seus atores, os empreendimentos pertencen-

tes ao setor da economia popular têm se caracterizado, fundamentalmente,

pela lógica da reprodução da vida, e não do capital [...] é possível verificar

que a imensa maioria das unidades analisadas vão mais além do que ageração

de renda. (TIRIBA, 2000:229)

ainda que,

[...] diferentemente das experiências de produção associada e, em especial,

dos conselhos operários nas primeiras décadas deste século, o fenômeno

dos empreendimentos geridos pelos próprios trabalhadores não têm a ‘so-

ciedade dos produtores livres associados’ como ponto de referência ou

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

horizonte, mas é o resultado da própria excrescência dos processos de

exclusão social. (TIRIBA, 2000:224)

Talvez por estar impregnada por uma ideologia muito forte de oposição

ao modo de produção capitalista, a teorização da chamada Economia Solidária

preocupa-se mais com as relações sociais e políticas entre os participantes e des-

ses com os demais atores do ambiente político, econômico e social, do que

propriamente com o processo de racionalização administrativa a que se dedicam

mais fortemente as empresas tradicionais. Não há referência sobre decisões

gerenciais eficientes, no sentido do uso de teorias e princípios de administração.

Não significa que a questão da administração ou do gerenciamento dos

EES não esteja recebendo preocupações dos teóricos. Singer (2000a) refere que

a descrença na capacidade administrativa dos trabalhadores é uma ameaça maior

aos EES do que a própria reação que o capitalismo poderia ter a essas iniciativas.

Enquanto no capitalismo a administração seria um exercício de liderança e de

gestão de conflitos ligado aos mecanismos de dominação do capital sobre o

trabalho, na Economia Solidária as decisões devem ser coletivas e os dados trans-

parentes, de forma que o conhecimento fragmentado dos trabalhadores possa

ser mobilizado de forma integrada para as tomadas de decisão.

Ao revisar o modelo de gestão para empresas autogestionárias, Nakano

(2000) evidencia alguns parâmetros mínimos, sendo apenas um deles referente

ao que se chama de técnicas modernas e efetivas de gestão. Pode-se ver, portanto, que a

análise da questão “administração e gerenciamento dos EES” não chega no nível

de um “modus operandi” que seja específico desse tipo de organização e não pres-

creve mudanças no “saber-fazer” administrativo, colocando a ênfase maior na

dimensão moral da administração e na sua influência nas relações de trabalho

solidárias e na apropriação dos excedentes. Percebe-se, então, um caminho aber-

to para a pesquisa que se aproxime desse “saber-fazer” peculiar, já que “a conclu-

são de toda essa discussão é que a gestão democrática é plenamente compatível

com o emprego da competência científica” (SINGER, 2000a:21).

Como, então, seria o modelo de gestão para os empreendimentos de

economia solidária? Gaiger (2003) lembra que o trabalho consorciado “confere

à noção de eficiência uma condição bem mais ampla, referida igualmente à qua-

lidade de vida dos trabalhadores e à satisfação de objetivos culturais e ético-

morais” (GAIGER, 2003, p.135).

Andion (2002) identificou quatro diferentes dimensões que comporiam a

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especificidade da gestão para empreendimentos de economia solidária: a social, a

econômica, a ecológica e a organizacional e técnica. É nessa última dimensão que

a ciência administrativa pode concentrar a sua colaboração, na tentativa de que

essa forma de gestão, que se pretende construir, contribua efetivamente para a

sustentabilidade dentro da Economia Solidária. Obviamente que todas as demais

dimensões estão implicadas nos processos de tomada de decisão desses empre-

endimentos, mas a identificação preponderante da administração é com a di-

mensão organizacional e técnica.

Metodologia de Pesquisa

O tipo de pesquisa empreendida, pelo longo tempo de trabalho em cam-

po, já pressupunha algum tipo mínimo de intervenção, dada a extrema carência

que os grupos pesquisados apresentavam. Desenhava-se, assim, um cenário típi-

co para uma pesquisa-ação, em que o pesquisador, ao mesmo tempo em que

reconhecesse a gestão do empreendimento, pudesse intervir nesse modus operandi,

visando a sua otimização e buscando equilíbrio entre o espírito crítico e a

instrumentalidade, posicionamentos tradicionalmente tratados como mutuamente

excludentes em ciência social, mas que Thiollent (1997) encara como um desafio

prático da pesquisa-ação. No entanto, em função da limitação de tempo para

conclusão da pesquisa, a estratégia adotada foi o estudo de caso (YIN, 2001). Por

ser também um fenômeno complexo, a Economia Solidária presta-se muito

bem ao estudo de caso.

As iniciativas estudadas são EES do município de Cachoeirinha3

, no Rio

Grande do Sul, apoiados por um programa específico da Secretaria Municipal

de Trabalho e Ação Social daquele município, em especial pelo Departamento de

Geração de Trabalho e Renda. Esse programa municipal, por sua vez, é um

desdobramento de um programa estadual da Secretaria de Desenvolvimento de

3

O município de Cachoeirinha possui 42 Km2

, antes ocupados por atividades agrícolas e pecuárias,

mas que a partir de 1970, com a inauguração de um distrito industrial que causou um forte surto

migratório que veio a urbanizar toda a área do município, o seu perfil mudou substancialmente.

Atualmente, a população estimada de 111.454 habitantes é totalmente urbana (FEE, 2003). O

último censo, de 2000, indicava uma população 100% urbana de 107.564 habitantes. Essa população

representa 2,9% da população da chamada região metropolitana de Porto Alegre, capital do Estado do

Rio Grande do Sul, que envolve 28 municípios e um total de 3.658.376 habitantes (IBGE, 2000).

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Assuntos Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul, que vigorou até de-

zembro de 2002. O grupo estudado faz parte do Fórum Municipal de Econo-

mia Solidária, instituição prevista no referido programa, e que congrega todos os

grupos de Economia Solidária identificados no município e apoiados por esse

programa de apoio do Poder Público.

O foco da investigação foi desvendar como são as práticas gerenciais nos

empreendimentos, de modo que o pesquisador se valeu de um roteiro semi-

estruturado que cobrisse em especial os processos de tomada de decisão, aqui

entendidos como a característica mais marcante da gestão. Outras fontes de coleta

de dados foram usadas, especialmente a observação participante do pesquisador,

que se apresenta como uma fonte qualificada para desvendar as práticas adminis-

trativas dos empreendimentos. Há, ainda, algum material didático impresso, volta-

do à capacitação gerencial dos empreendedores4

, e que foi usado como fonte

secundária.

A observação participante durou um ano, ao longo do qual foi possível

conviver diretamente com os EES, com os empregados da prefeitura que estão

encarregados do programa e da própria secretária municipal, cuja secretaria está

abrigando o programa no município, com as ONGs envolvidas nas atividades

de formação e assessoria dos grupos.

Resultados da Pesquisa

As conclusões da pesquisa cobrem quatro diferentes tipos de objetivos: pro-

cesso de surgimento dos grupos, modos de gestão apresentados, papel das políti-

cas públicas no apoio aos empreendimentos e levantamento das necessidades de

capacitação e assessoria em gestão. Para o escopo deste artigo, focamos nas conclu-

sões referentes aos modos de gestão apresentados pelos empreendimentos e, em

conseqüência, das suas necessidades de capacitação e assessoria em gestão.

O ponto principal de atenção da pesquisa, no tocante ao aspecto da gestão

dos empreendimentos de economia solidária, foi o processo de tomada de deci-

são nos grupos. Em especial foram considerados os processo de entrada e saída de

4

Materiais utilizados nos programas de Economia Solidária da SEDAI/RS e no programa Qualificar

RS, também desenvolvido pela SEDAI e voltado à capacitação técnica e gerencial individual, e que

eventualmente abre vagas aos participantes do EES contemplados pelo programa de Economia

Solidária.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

membros nos grupos, a divisão de tarefas dentro do grupo e a questão da fixação

da remuneração ou divisão dos resultados, também chamado de partilha.

Como tornou-se muito interessante a fala dos (as) trabalhadores (as), algu-

mas delas são citadas entre aspas e em itálico.

O exemplo da cooperativa MUSC é marcante e figurativo de quase

todos os outros empreendimentos. Das vinte mulheres associadas, apenas

sete estão efetivamente trabalhando, enquanto as demais emprestaram so-

mente seu nome para formar o número mínimo de membros – há um caso

de uma pessoa que “chamou” três irmãs suas - ou estão sem disponibilidade

para trabalhar no momento, por motivos domésticos, como horários para

atender os filhos, ou cuidar de uma pessoa doente na família, etc.. Dessas sete

mulheres, há quatro que “têm se dedicado mais”, porque “conhecem mais de costura”

do que as outras. Uma quinta mulher tem se envolvido bastante, contatando

com as confecções, a compra de material, com os controles financeiros e de

materiais e com o contato com o DGTR.

Especificamente nessa cooperativa, o critério de aceitação de novos mem-

bros pareceu uma questão de emergência, de forma que cada uma das mulheres

do núcleo inicial foi trazendo pessoas “de confiança” e/ou que “estivessem precisando

trabalhar”, não tendo havido uma sessão especial de apresentações entre essas

pessoas. Aliás, o primeiro encontro entre todas essas vinte pessoas foi na Assem-

bléia Geral de fundação de cooperativa, que por sinal foi realizada nas depen-

dências da STAS.

A saída de pessoas é vista como um fato que acontece naturalmente, sem

que tenha havido nenhuma iniciativa dos grupos. Foram relatados diversos casos

de pessoas “que não apareceram mais” nas reuniões, mas que os grupos a que elas

pertenciam continuaram funcionando naturalmente. Há outros casos de pessoas

que todos sabem que “estão com problemas em casa” e que não puderam mais vir,

mas que estão “trabalhando por conta” ou fazendo outros “bicos”. Há ainda o caso

de uma costureira que havia sido eleita presidente da cooperativa MUSC, mas

que teve que ir para outra cidade cuidar de um familiar doente, o que obrigou a

se refazer a ata de assembléia para providenciar o registro com a eleição de uma

outra pessoa para o cargo. Há, por fim, saídas em que uma pessoa assume aber-

tamente uma divergência com as demais e “se desligou sozinha”.

Fica bastante evidente que a saída de pessoas não é um problema de nin-

guém. Parece acontecer como um desígnio natural que não pode ser impedido.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Não houve relatos de um caso de expulsão de alguém de algum grupo; tudo

parece se acomodar naturalmente.

Com relação aos processos internos de gestão que não envolvem a toma-

da de decisão quanto à entrada e saída de pessoas, divisão de tarefas e divisão

dos ganhos, os grupos apresentam mecanismos bastante rudimentares para as

tarefas de organização e controle, além de inexistir atividade de planejamento.

O planejamento dos grupos, inclusive com discussão de valores, missão e

visão, foi objeto da oficina ministrada pelo pesquisador (COSTA, 2003a), visan-

do esclarecer a importância dessa atividade para a condução das atividades de

rotina dos empreendimentos. Ainda que as pessoas presentes possam ter sido

sensibilizadas para a importância da tarefa, ela não parece receber cuidado sufici-

ente no dia-a-dia dos empreendimentos que priorizam abertamente a atividade

produtiva e a comercialização.

A divisão de tarefas, em decorrência das habilidades individuais, também

deixa pouca margem para que se possa propor outras formas de organização

produtiva, uma sistemática de aprendizado e o desenvolvimento de novas habi-

lidades. Embora os valores solidários muitas vezes apareçam na forma de pe-

quenos ensinamentos que são trocados entre os membros de um grupo, esse

conhecimento e a sua partilha não são sistematizados. Recorrendo aos conceitos

de Nonaka e Takeuchi (1997), pode-se dizer que alguns conhecimentos tácitos

dos membros de um grupo não são apropriados por um sistema de informa-

ções ou normas que possa ser explicitado para os demais, não implicando assim

a geração de um conhecimento coletivo e compartilhado.

Os diferentes processos de comercialização mostram novamente uma

grande capacidade latente das pessoas que não está sendo proveitosamente orga-

nizada e sistematizada em prol do desenvolvimento do grupo: especialmente os

casos da cooperativa de costura e da associação de recicladores mostram uma

forte dose de empreendedorismo das pessoas em buscarem os seus próprios

canais de venda, a partir de relacionamentos novos e anteriores e do estabeleci-

mento de algumas parcerias, ainda que tímidas, como outros atores sociais. Os

grupos de artesãos e de alimentação já se mostram menos pró-ativos e mais

dependentes das feiras e exposições, que dispõem de uma forte infra-estrutura

disponibilizada pelo poder público.

Os mecanismos de controle são bastante rudimentares: em quase todo

grupo há um caderno que condensa todas as informações vitais do empreendi-

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

mento, como nomes e telefones dos membros, dos clientes e fornecedores e os

controles financeiros (que estão limitados a registrar entradas e saídas). Os preços

das matérias-primas e o preço de mercado dos produtos que comercializam

normalmente estão registrados na memória dos membros dos grupos e não

chegam no caderno. Para os grupos já formalizados existe, ainda, uma pasta

onde são guardados os documentos legais do empreendimento.

A cooperativa de costura tem um livro-ponto onde as associadas regis-

tram o seu horário de trabalho. Ele serve de subsídio para a divisão dos ganhos

auferidos com uma determinada produção. A associação de recicladores apre-

senta uma maior organização dos seus dados de entrada e saída de resíduos,

condizente com o maior número de itens envolvidos e a flutuação dos preços

desses materiais.

A primeira constatação marcante dos encontros, até mesmo em função do

histórico de trabalho formal de quase todos os participantes, é uma clareza que eles

demonstram em conhecer as relações de subordinação e hierarquização presentes

na relação de trabalho assalariada. Era bastante claro nas suas falas que, de fato,

situações desse tipo já haviam sido vivenciadas e que de alguma forma as pessoas

sentiam-se mais “livres” de algumas pressões específicas que eram relatadas.

O histórico de vida dos trabalhadores e trabalhadoras também qualificava

os debates em torno do uso das ferramentas de administração nos seus empreen-

dimentos. A ênfase do pesquisador, na condução das breves exposições teóricas e

da própria oficina, era na extrema necessidade de que essas ferramentas fossem

bem entendidas e aplicadas com rigor, não no sentido de impor cobranças e con-

troles severos de umas pessoas sobre as outras, mas antes na busca de resguardar a

eficiência do empreendimento como um todo, cuja posse é coletiva e cuja sobrevi-

vência tem implicações diretas nos interesses de todos os envolvidos.

É exatamente nesse ponto que se pode dizer que os conflitos entre uma

racionalidade instrumental e uma racionalidade substantiva eram trazidos à tona.

A aplicação de determinados métodos administrativos, fossem eles de planeja-

mento, de controle ou de organização, era explicitamente instrumental, no senti-

do de garantir o desenvolvimento de um processo de trabalho eficiente e

construído com a finalidade de viabilizar economicamente a iniciativa. Ao mes-

mo tempo, essa mesma viabilização econômica assume contornos substantivos,

na medida em que ela representa a sustentabilidade não só da dimensão econô-

mica do empreendimento, mas também de todos os laços sociais e políticos que

estão implicados na economia solidária.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Ou seja, tomado a partir da perspectiva de ações que são classificadas

como instrumentais ou substantivas, o conflito entre essas lógicas efetivamente exis-

te, mas no entanto ele não inviabiliza a sua co-presença na administração do

empreendimento. Sem dúvida que a administração sustentada (ao mesmo tem-

po) por lógicas distintas e opostas é extremamente desafiante e complexa, mas o

grau de entendimento demonstrado pelos participantes das oficinas, a despeito

de sua baixa escolaridade e de sua quase nula experiência de gestão, demonstra

ser plenamente viável.

Considerações Finais

Essa maneira de administrar, diagnosticada nos EES, pode revelar sutil-

mente uma lógica própria, segundo a qual estariam operando esses empreendi-

mentos: eles crescem e desenvolvem essa nova lógica exatamente ao vencerem

esses desafios. São modelos práticos que apontam para uma possível ligação

entre a lógica de mercado (reprodução do capital) e a lógica da solidariedade

(divisão), articulando uma combinação em que eles se reforçam reciprocamente

e garantem a viabilidade do empreendimento.

A partir da realidade desse trabalho de pesquisa, algumas considerações já

foram tecidas, especialmente de considerações metodológicas para o ensino da

administração a esses empreendimentos dentro da economia Solidária (COSTA,

2003a, COSTA; 2004). Cabe, entretanto, ainda algumas considerações quanto à

peculiaridade da gestão na Economia Solidária.

Uma alternativa possível para o entendimento da lógica particular de ges-

tão ali encontrada é a explicação de Tenório (1998), que distingue uma gestão

estratégica da gestão social. A gestão estratégica é a comumente empregada nas

organizações públicas e privadas, sendo caracterizada por umas “ações sociais

utilitaristas, fundadas no cálculo de meios e fins e implementada através da interação

de duas ou mais pessoas, na qual uma delas tem autoridade formal sobre a

outra” (TENÓRIO, 1998;14). Nessa linha de ação, a organização privada deter-

mina a sua própria condição de atuação no mercado ou até mesmo conforma e

determina o mercado. É essa concepção de gestão que é tão criticada pelos

ideólogos da Economia Solidária. Uma gestão social opõe-se a esse modelo de

gestão estratégica, na medida em que os processos decisórios são construídos

por diferentes sujeitos sociais a partir de relacionamentos intersubjetivos. Cria-se

assim um novo paradigma de relação entre os sujeitos sociais, que Tenório (1998)

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

suporta com o conceito de racionalidade comunicativa de Habermas.

A lógica ou racionalidade particular de gestão de Economia Solidária

(GAIGER, 2003) pode se materializar também no que França Filho (2002a,

2002b) chama de uma economia plural, sustentada nas idéias de Karl Polaniy, e na

qual “existe um modo de agir organizacional original que se elabora através des-

sas iniciativas e isto se deve à própria natureza intrínseca do fenômeno, isto é, sua

capacidade de articular lógicas de ação bastante diferenciadas na sua dinâmica”

(FRANÇA FILHO, 2002a;2).

De qualquer forma, alguns cuidados metodológicos e pedagógicos são

necessários para se pensar a gestão desses empreendimentos (COSTA, 2004),

pois ainda é um processo em construção. Talvez outros diagnósticos, em outras

situações diferentes, possam revelar outras matizes dessa gestão, mas a conclusão

relevante que pode ser tirada é que essa construção acontece coletivamente, não

só dentro do próprio empreendimento, mas em relação com outros grupos,

com o poder público, ONGs e Universidades, ou seja, é uma construção social

e como tal tem forte sustentabilidade não só econômica, mas também política, o

que evidencia a potencialidade da Economia Solidária como vetor de desenvol-

vimento. O caráter participativo e democrático das decisões sobre gestão ainda

precisa avançar substancialmente dentro dos empreendimentos e nas suas rela-

ções externas. Entretanto, a pesquisa permite concluir que existe uma predisposi-

ção dos atores para isso, restando uma estrutura de governança necessária, que

pode partir de uma política pública ou da auto-organização desse coletivo.

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Resumo

Sob o paradigma da complexidade, reflete-se aqui sobre responsabilidade

social e cidadania organizacional, ultrapassando as idéias que têm sido difundidas

pelo marketing. Entende-se que a noção de responsabilidade social não é da qua-

lidade da estratégia. Trata-se de fundamento filosófico-epistêmico, atualizado como

princípio basilar do ser organizacional, tendendo a fazer-se presente/manifestar-

se nas percepções e reflexões e ações/fazeres organizacionais. Fluxo multidirecional

toma lugar no ambiente da organização, assim como nas relações dialógico-

recursivas que estabelece com o entorno. Pode-se dizer que os níveis de respon-

sabilidade social/cidadania, materializados por determinada organização, encon-

tram possibilidades, temporalidades e intensidades de realização no fundamento

epistêmico-filosófico que a rege. Evidencia-se, também, a importância do papel

dos diversos agentes sociais como força de pressão para essa transformação

epistêmico-filosófica.

Palavras-chave: Comunicação, Responsabilidade Social, Cidadania, Or-

ganizações, Ética/Moral.

RESPONSABILIDADE, ÉTICA E COMUNICAÇÃO:

REFLEXÕES SOBRE A TENSÃO ORGANIZAÇÃO-

ECOSSISTEMA1

Rudimar Baldissera2

Marlene Branca Sólio3

1

Este artigo é parte da pesquisa “Balanço Social: transparência ou estratégia de marketing“, que os

autores desenvolvem na Universidade de Caxias do Sul.

2

Relações Públicas, Especialista em Gestão de Recursos Humanos, Mestre em Comunicação/

Semiótica, Doutor em Comunicação. Professor da Feevale e UCS. Email: [email protected].

3

Jornalista, Especialista em História Contemporânea, Mestre em Comunicação. Professora da UCS.

Email: [email protected].

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Interrogações

Caos ético-moral. Parece ser essa a sensação experimentada pela atual so-

ciedade, por conta da ebulição de muitas e novas idéias/olhares, das possibilida-

des/potencializações tecnológicas/científicas, dos diversos ritmos (acelerados/

(des)compassados), das novas relações de (des)organização e das diferentes pos-

turas indivíduo/grupo(s), dentre outras coisas. A tensão que se atualiza entre esses

elementos-força reconfigura/catalisa a sociedade, isto é, de alguma forma, im-

plica uma transformação matricial. Ao mesmo tempo em que ela exige e impri-

me algum tipo de movimento social, também tende a criar um certo mal-estar,

insegurança, resistência – quando não medo – frente ao novo que se apresenta.

Importa dizer que, como efervescência, esse movimento de (re)configuração

pode remeter (jogar) a sociedade para qualquer direção, inclusive para o caos. Na

figura do caos sociocultural está-se inclinado a pensar especialmente no individu-

alismo exacerbado4

, que poderia levar ao fim das redes sociais. Aqui, não mais

importariam as relações comprometidas com o outro (com a alteridade de qual-

quer natureza), mas, sim, os resultados individuais; os fins justificariam os meios.

Nesse sentido, observa-se que a questão do individualismo tem sido a

grande pauta das atuais discussões ético-morais. É preciso que se atente, no en-

tanto, para o fato de que, como processo sociocultural, a construção/transfor-

mação da moralidade e da ética não se dão no lugar do instantâneo. Essa confor-

mação permite afirmar que o atual mapa das relações humanas está diretamente

imbricado em um processo histórico que levou à mitificação da tecnologia e da

ciência, e que objetivou a dominação do homem sobre a natureza, desprezando

qualquer possibilidade de revés. Vale observar que, de acordo com Grun, “a

predominância do humano sobre todas as coisas e criaturas do mundo tem seu

marco filosófico moderno fundamental no pensamento de Descartes” (2002, p.

24). Esse paradigma investiu a ciência de caráter libertário, concebendo-a como a

única forma de conhecer. ‘Com a’ e ‘pela’ ciência, a humanidade acreditava assu-

mir as rédeas de seu próprio destino. Ainda hoje, em algum nível, essa concepção

mantém-se basilar para muitas das possibilidades de conhecimento do mundo,

isto é, somente é considerado verdadeiro aquilo que é da qualidade do científico.

Nessa direção, parece importante destacar uma concepção que, em algu-

mas esferas, gera constrovérsia: a pseudo-independência da ciência. Um olhar

4

Sobre esse assunto ver Lipovetsky, 2004.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

ingênuo tende a apontá-la como absolutamente independente dos fatores eco-

nômicos, premissa que parece cada vez mais utópica. No entanto, a perspectiva

complexa exige que se pense o contexto em que ela se desenvolveu/desenvolve,

pois que a ciência não é asséptica ao meio, mas sim tecida junto com os demais

sistemas socioculturais. Portanto, atualiza relação de interdependência e interação

com o entorno. Nesse sentido, o panorama histórico traçado por Chauí (2002)

dá subsídios para melhor compreensão dessas relações. Segundo a autora, a pro-

priedade de patrimônio tribal, cuja célula era a grande comunidade, evoluiu para

a divisão entre senhores e escravos, a exemplo dos grandes impérios do ocidente,

como Grécia e Roma, e chegou a um terceiro estágio, a que denominou-se feudal,

onde senhores são proprietários da terra e dos instrumentos de trabalho, enquanto

artesãos livres integram as corporações dos burgos. No campo, a divisão social vai

mostrar senhores fundiários e servos; na cidade estarão os artesãos livres e os apren-

dizes. Nesse período aparece a figura intermediária do comerciante.

Ainda de acordo com Chauí, “as lutas entre comerciantes e nobres, o

desenvolvimento dos burgos, do artesanato e da atividade comercial conduzem

à mudança que conhecemos: a propriedade privada capitalista” (2002, p. 413-4).

Esse modelo de relações sociais é o responsável não só pela sociedade como tal,

mas também pela gênese do Estado. Assim, a partir do momento em que se

institui a propriedade privada, torna-se impossível imaginar a pura hegemonia

dos interesses coletivos. Estão instituídas a luta de classes e a disputa pelo poder,

que vão encontrar na formação do Estado uma espécie de “mediador” (ou

máscara). Sob esse prisma, segundo a autora, o estado moderno nada mais será

do que a vontade expressa da classe dominante (proprietária) entregue a um

“poder político” teoricamente representativo de toda a sociedade, mas por ela

articulado. Chauí destaca que

[…] O estado precisa parecer como expressão do interesse geral e não como

senhorio particular de alguns poderosos. Os não-proprietários podem re-

cusar, como fizeram inúmeras vezes na História, o poder pessoal visível de

um senhor, mas não o fazem quando se trata de um poder distante, separa-

do, invisível e impessoal como o do Estado. Julgando que este se encontra

a serviço do bem comum, da justiça, da ordem, da lei, da paz e da seguran-

ça, aceitam a dominação, pois não a percebem como tal (2002, p. 415-6).

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

A partir disso, tem-se que ciência e tecnologia, instituídas como instrumen-

tos de poder do homem, que se autopropõe senhor absoluto do universo5

, apon-

tam para uma estrutura social, cultural e econômica que avaliza a condição da

burguesia como classe social dominante naquele que vai caracterizar o período

moderno. Nesse contexto, as então emergentes relações entre indivíduos e gru-

pos exigem uma reorganização social, moral e ética. Como desdobramento, tem-

se a revolução industrial, espinha dorsal do modo de produção capitalista. O

paradigma assim constituído atualiza/potencializa as tensões entre os detentores

do capital e dos meios de produção e os fornecedores de mão-de-obra, intro-

duzindo no modo de produção os conceitos que Marx chamaria de “alienação”

e “mais valia”. Esse novo quadro remete à reflexão sobre as questões éticas da

relação capital-trabalho e da relação que se estabelece entre as organizações (em-

presas que passam a se constituir) e a sociedade como um todo.

Para melhor compreender o atual quadro, parece importante traçar, tam-

bém, uma breve cronologia da evolução da formação do Estado e da regulação

política da sociedade. Os anos de 1644 (na Inglaterra), 1776 (nos Estados Uni-

dos) e 1789 (na França) marcam mudanças decisivas na estrutura política. Cai por

terra o regime feudal, inaugurando a luta pela liberdade e igualdade. Instalam-se,

a partir daí, sob comando da burguesia, os estados liberais.

Novo marco desponta na primeira metade do século 20, com a ascensão

de movimentos ditatoriais, a exemplo do stalinismo, do nazismo e do fascismo e

com duas guerras mundiais (1914/18 e 1939/45). A esse quadro seguem-se a

divisão do mundo em dois blocos opostos -– caracterizando o período chama-

do de guerra fria – e a instituição do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State),

implantado em países capitalistas avançados do hemisfério norte, como forma

de defesa e prevenção contra a possibilidade de retorno do nazismo e expansão

do comunismo. Frente à recessão mundial que desponta, o modo de produção

capitalista promove nova reestruturação, chegando-se ao quadro atual, neoliberal,

no qual privatização e desregulação são palavras de ordem, rumando celeremente

para a globalização, com uma competitividade cada vez mais exacerbada e ali-

mentada pela evolução tecnológica.

5

A semente da sociedade moderna está no século XVII, quando a mecânica newtoniana estabelece

uma nova visão de mundo, no qual o mecanicismo é a única forma legítima de fazer ciência,

desprezando e evitando associação com a sensibilidade. Senhor do seu destino, o homem despreza

os saberes ecologicamente sustentáveis; o organísmico já não tem valor.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

O mapa que se desenha nesse período é o da super-valorização do indiví-

duo em detrimento do respeito ao seu grupo e, mais do que isso, homem e

natureza se dissociam. Sob a epistemologia cartesiana, o homem procede como

se estivesse acima da natureza, sendo por isso seu senhor poderoso; acredita que

tudo gira em função de si. Esquece o fato de que está/é ecossistemicamente

tecido e que, portanto, ao destruir/desvalorizar a natureza, atinge/destrói a si.

Essa asséptica distinção sujeito-objeto apresenta-se como responsável pela insti-

tuição (validação hoje discutível) do procedimento metodológico das ciências

naturais. Importa dizer que, na perspectiva da tensão homem-natureza, o modo

como ele passou a concebê-la e a relacionar-se com sua alteridade (inclusive com

os seus semelhantes), foi/é um fundamental elemento desencadeador e catalisador

da crise ecológica que se institui na contemporaneidade e com a qual o homem/

sociedade começa a se preocupar. Essa preocupação, porém, pode ter duas ver-

tentes: a) o esgotamento das matérias-primas renováveis, com o comprometi-

mento do ecossistema e conseqüentemente da qualidade de vida; e b) o esgota-

mento das matérias-primas, como fator desencadeante da redução de lucros e

da capacidade produtiva das organizações, preocupação tão perigosa quanto a

matriz cartesiana de pensamento.

Atente-se para o fato de que, no desenrolar desse processo histórico, no-

vas articulações sociais tendem a exigir novas posturas o que, muitas vezes, é

percebido como uma crise. Chegando à segunda metade do século 20, a socie-

dade vive ainda mais profundas transformações estruturais/ecossistêmicas (soci-

ais, políticas, econômicas, culturais, científicas) o que exige/determina novo

posicionamento nas questões da ética e da moral, com o objetivo de qualificar as

relações, sob pena de comprometer a sobrevivência da humanidade. Essa nova

postura atualiza-se em diversidade de movimentos e experimentações. Diferen-

temente do que propõe o paradigma cartesiano, trata-se de uma lógica que não

busca universais, verdades absolutas. O definitivo deixa de ter validade. O pastiche,

a soma, a multiplicidade e a tolerância/não-exclusão constroem-se em nova ar-

quitetura, a do complexus.

Assim, o individualismo irresponsável que caracteriza o comportamento

do homem cartesiano na sua relação com a natureza, não deixa de existir. Mais

provável é que assuma diferentes nuances, que vão desde altos níveis de compro-

metimento até a irresponsabilidade exacerbada. O que, por sua vez, vai atualizar

diferentes níveis de confronto/tensão entre as várias concepções de ética/moral.

Nesse sentido, de acordo com Lipovetsky (2004), será necessário que a socieda-

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

de e, especialmente, o Estado materializem ações para “gerar o comprometi-

mento” e “levar à conduta comprometida”. Trata-se da consciência de que a

sobrevivência da parte somente será possível pela sobrevivência do todo. Essa

necessidade tem-se evidenciado pelo/no movimento sociocultural que dá vazão

a um número cada vez maior de Organizações Não-Governamentais.

A este ponto, é preciso tecer algumas considerações histórico-sócio-cultu-

rais. Primeiramente, é necessário atentar para o fato de que o raquitismo a que foi

guindado o Estado e o apetite insaciável do neoliberalismo levaram à concepção

do Estado Mínimo que, por seu turno, inclinou-se/inclina-se a paralisar o Primei-

ro Setor, ou seja, o próprio Estado. Sob esse quadro, um Segundo Setor cresce,

impulsionado por agentes privados visam a fins particulares. Ao mesmo tempo,

a evolução célere dos processos de comunicação/informação, fruto da evolução

tecnológica que objetivou o controle da informação, acabou por expor, tam-

bém, a degradação da natureza, a luta de interesses, as más gestões, as disputas de

poder, as tensões nas relações capital-trabalho, a massificação da cultura, a lógica

da propina, dos cartéis, dos favorecimentos e do suborno6

.

Assim, se por um lado a evolução das tecnologias da comunicação e in-

formação foi/é fomentada para atender, dentre outras coisas, aos desejos de

controle sociocultural, por outro, os desvios, as experimentações, as resistências,

as disputas, o diálogo, a recursividade, a irreverência, os processos dispersivos,

enfim, o saber-fazer sociocultural inventou/inventa7

outros usos e, em algum

nível, apropriou-se/apropria-se dessa tecnologia passando a empregá-la para

materializar outros enunciados, falas e/ou discursos. É como se a tecnologia,

dispersivamente, fugisse ao controle de seus controladores.

Outro aspecto a ser pontuado dá conta da constatação de que o enfraque-

cimento/neutralização do poder público, deixa descoberta uma série de deman-

das sociais básicas; ele está sem fôlego para atender às necessidades públicas. Em

resposta, além de pressionar o Estado, a sociedade desencadeia um processo de

pressão pública (cobranças) sobre o setor privado. Nesse contexto, toma corpo

a noção de Terceiro Setor, ou seja, um lugar que articula os setores público e

privado. Trata-se, conforme afirma Aquino Alves, do “[...] espaço institucional

que abriga ações de caráter privado, associativo e voluntarista que são voltadas

para a geração de bens de consumo coletivo, sem que haja qualquer tipo de

6

Sobre isso ver Thompson, O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia.

7

Perspectiva apresentada por Certeau no livro “A invenção do cotidiano”, 1994.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

apropriação particular de excedentes econômicos que sejam gerados nesse se-

tor” (apud WOOD, 1999, p. 69). De alguma forma, a ocupação desse lugar, à

medida que revisa/reposiciona/amplia as responsabilidades da iniciativa priva-

da, alivia o peso das demandas eco-sócio-culturais que recaiam sobre o Estado.

Importa dizer que esse redimensionamento das responsabilidades do se-

tor privado é especialmente catalisado a partir dos anos 1970, levando à atualiza-

ção da noção de responsabilidade social corporativa. Essa concepção exige

empresários comprometidos com as questões éticas (posturas/ações norteadas

pela ética) e, ao mesmo tempo, empenhados em contribuir para o desenvolvi-

mento econômico com o objetivo de qualificar a vida dos empregados, dos

familiares e o entorno eco-sócio-cultural. Nessa direção, observa-se que, de acordo

com Melo Neto e Froes, algumas das causas basilares para o rápido crescimento

apresentado pelo Terceiro Setor são o/a:

[...] crescimento das necessidades socioeconômicas; crise do setor público,

fracasso das políticas sociais tradicionais; crescimento dos serviços voluntá-

rios; colapso do socialismo da Europa Central e do Leste; degradação ambiental,

que ameaça a saúde humana; crescente onda de violência que ameaça a

segurança das populações; incremento das organizações religiosas; maior

disponibilidade de recursos a serem aplicados em ações sociais; maior adesão

das classes alta e média a iniciativas sociais; maior apoio da mídia; maior

participação das empresas que buscam a cidadania empresarial. (1999, p. 10)

Se por um lado a iniciativa privada é convocada a ampliar suas ações em

termos de responsabilidade social, por outro, percebe que isso pode se reverter

em ganhos de imagem, credibilidade, respeito e, fundamentalmente, lucros. As-

sim, fazendo uso do marketing social, empresas começam a investir mais intensi-

vamente em programas e projetos sociais, visando obter “[...] retorno social, de

imagem e de vendas. Tornam-se ‘empresas-cidadãs’ e ganham o respeito de to-

dos: funcionários, clientes, fornecedores, governo, comunidade e opinião públi-

ca” (MELO NETO; FROES, 2001, p. 12, grifo do autor).

Cabe, então, questionar se a implementação de programas e projetos sociais,

especialmente sob a perspectiva da promoção de marketing, caracteriza, efetivamen-

te, uma empresa como cidadã. Se a mola propulsora dessa “cidadania” está nos

objetivos de imagem/vendas, a atitude é realmente de cidadania? Até que ponto a

noção de cidadania tem relação direta com a necessária implementação de ações

sociais filantrópicas e/ou parternalistas que se caracterizam pela idéia de caridade?

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Antes de prosseguir, é relevante observar o sombreamento das noções de

responsabilidade social e filantropia. A filantropia tem caráter aleatório e

descontínuo, pode ser episódica, enquanto a responsabilidade social é estratégica,

planejada e contínua. “As ações de filantropia correspondem à dimensão inicial

do exercício da responsabilidade social. Sua característica principal é a beneme-

rência do empresário, que se reflete nas doações que faz para entidades assistenciais

e filantrópicas” (MELO NETO; FROES, 2001, p. 79). Nesse sentido, pode-se

dizer, desde aqui, que realizar filantropia não caracteriza a empresa como cidadã.

Contudo, não se está afirmando que não se deva realizar ações filantrópi-

cas, até porque, em muitos casos, trata-se do que é possível fazer. Porém cidada-

nia não se reduz ao exercício da caridade. Assim, a doação de uma vultuosa

soma monetária para uma ONG não tornará cidadã a empresa que poluir o

meio ambiente, que não recolher os impostos devidos e/ou não gerar lucros. Na

mesma direção, parece ingênuo pensar que, sob o paradigma capitalista, as orga-

nizações possam/devam, simplesmente, sair fazendo doações, participando de

todos os projetos sociais. A empresa tem, sim, a responsabilidade de gerar lucros

para seus acionistas e manter-se atuante no mercado, o que não significa dizer que

isso deva ser a qualquer custo. Para estar no mercado, a empresa não deve utili-

zar-se, dentre outros, de comportamento ilícito e/ou anti-ético.

Nesse sentido, a cidadania começa a ser construída pela empresa à medida

que ela cumpre com suas obrigações de: gerar lucros; gerar e manter empregos;

pagar salários dignos (isto é, que dêem condições de alimentação adequada, saú-

de, habitação, educação, transporte e lazer); respeitar seu pessoal e demais públi-

cos; recolher corretamente os impostos devidos; apresentar produtos e serviços

com qualidade; evitar poluir o meio ambiente e/ou agir para neutralizar os pos-

síveis/prováveis efeitos nocivos causados pelos níveis de poluição; agir para de-

senvolver permanentemente as pessoas que atuam na organização; qualificar o

ambiente de trabalho; melhorar, cada vez mais, as condições de trabalho e a

qualidade de vida do trabalhador. Quer-se dizer, com isso, que a construção da

empresa cidadã principia pelo respeito aos seus deveres mais básicos, aqueles

imprescindíveis para sua existência e/ou possibilidade de existir. Essa noção será

referida, a partir deste ponto, pela expressão indicadores de cidadania organizacional

nível 1 (ICO1). No mesmo sentido, é possível afirmar que não se terá cidadania

organizacional enquanto esses indicadores basilares não forem satisfeitos.

Atendidos aos ICO1, considera-se positiva a ação empresarial que,

extrapolando esse lugar primeiro (mesmo que situacionalmente), satisfaça outras

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

demandas sociais mediante ações de caráter filantrópico/doações, contínuas/

estratégicas ou não. Para além das ações inerentes à sua gênese, a organização

passa a agir sobre o entorno. Assim, sob o prisma dos indicadores de cidadania

organizacional nível 2 (ICO2), procura minimizar, em algum nível, os problemas aí

existentes, bem como estimular e tornar possíveis (mediante a criação de espa-

ços, disponibilização de recursos e orientações especializadas, apoio com horas

de trabalho e outras formas de doação) ações que, de alguma forma, possam

qualificar o entorno e as relações que aí se atualizam. Como exemplos, pode-se

destacar as doações que uma determinada empresa faz em situação pós-catás-

trofe; a simples doação de madeira para a construção de uma sala de aula para

atender às crianças do bairro em que ela se localiza; e, ainda, o estímulo para que

as pessoas que atuam na empresa passem a dedicar parte de seu tempo ao traba-

lho voluntário.

Em situação de maior complexidade (também após atender aos ICO1),

tem-se os indicadores de cidadania organizacional nível 3 (ICO3), atualizados em sérios

projetos de desenvolvimento sociocultural, de redução das diferenças econômi-

cas, de preservação ambiental, social e cultural, de desenvolvimento de pessoas,

dentre outros. Dessa forma, as organizações, mais do que apenas atender aos

ICO1, requisitos fundamentais para sua existência, optam por investir/agir no

sentido de qualificar o entorno ecossistêmico. No entanto, não se trata de um

deslizamento da organização no sentido de sobrepor-se/substituir ao/o Estado,

mas de ação conjunta, em caráter dialógico, hologramático e recursivo. Pelos

ICO3, a organização assume-se como um agente que integra a teia social, sua

construção e sua construtora. Consciente de sua articulação com os interesses da

sociedade como um todo (e dela interdependente), procura dialogar e atuar em

parceira com o Estado no sentido de desenvolvimento de projetos. Desse pro-

cesso, sabe que as transformações não apenas incorrerão sobre o entorno, senão

que também sobre ela. Porém, isso tenderá a não se apresentar como problema,

pois que optou por isso. Da mesma forma, essa postura tenderá a legitimar seu

pertencimento sociocultural, fortalecendo seu poder simbólico. Com isso, é pro-

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

vável que a organização obtenha benefícios em imagem-conceito8

, valor de mar-

ca, “reservas” de capital simbólico para superar situações de crise e, até, valor

econômico agregado aos produtos e/ou serviços.

Quando a noção de responsabilidade social/cidadania assume centralidade

como algo inerente à gênese da organização, fundamento basilar do “ser

organizacional”, atualiza-se a idéia de indicadores de cidadania organizacional nível 4

(ICO4). Lugar de extrema complexidade, os ICO4 pressupõem que a possibili-

dade organizacional é diretamente interdependente de sua ação cidadã, isto é, em

nível epistêmico, qualquer pensar, apresentar-se e/ou agir precisa estar legitimado

pela postura ética, moral, responsável, cidadã. Trata-se do permanente compro-

misso ecossistêmico, portanto de um comprometimento com a sociedade o qual

tende ao absoluto, por mais utópico que possa parecer.

Com base nesse quadro, é preciso ressaltar que a noção de responsabilida-

de social não é da qualidade da estratégia. Trata-se de fundamento filosófico-

epistêmico que se atualiza como princípio basilar do ser organizacional, tenden-

do a fazer-se presente/manifestar-se nas percepções/reflexões, apresentações e

ações/fazeres organizacionais. Fluxo multidirecional, toma lugar no ambiente da

organização, assim como nas relações dialógico-recursivas que estabelece com o

entorno. Então, pode-se dizer que os níveis de responsabilidade social/cidadania,

materializados por uma determinada organização, encontram suas possibilida-

des, temporalidades e intensidades de realização no fundamento epistêmico-filo-

sófico que a rege.

Na mesma direção, importa que se diga que a noção de responsabilidade

social, como fundamento filosófico-epistêmico, prescreve que o agente social-

mente responsável aja sobre o entorno de maneira comprometida com os inte-

resses e necessidades ecossistêmicos. Não se trata, no entanto, da moral edificada

a partir da doutrina judaico-cristã de “primeiro o outro” ou da “necessidade de

subjugar-se à alteridade”. O que se afirma contempla a idéia de que a sociedade

é um todo que articula e é articulado por suas partes, em relação de

8

[...] a imagem-conceito é compreendida/explicada como um constructo simbólico, complexo e

sintetizante, de caráter judicativo/caracterizante e provisório, realizada pela alteridade (recepção)

mediante permanentes tensões, dialógicas, dialéticas e recursivas, intra e entre uma diversidade de

elementos-força, tais como as informações e as percepções sobre a entidade (algo/alguém), o

repertório individual/social, as competências, a cultura, o imaginário, o paradigma, a psique, a

história e o contexto estruturado. (BALDISSERA, 2005, p. 279)

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

interdependência. Nesse sentido, o cuidado que se dispensa ao outro é, também,

um cuidado dispensado a si mesmo. Agir para que o todo se mantenha saudável

é agir em prol da própria sanidade.

Dito isso, importa destacar que: a) a noção de “cidadania organizacional”

não guarda relação com a de imagem-conceito; b) boa gestão e/ou geração de

lucros são pressupostos da responsabilidade social das organizações; c) respon-

sabilidade e respeito ao meio ambiente, ao patrimônio da humanidade e ao indi-

víduo/sociedade são pressupostos inerentes e inalienáveis da cidadania

organizacional; e d) efetiva prestação de contas, contemplando dentre outros, con-

sumo de energia, índices de poluição, uso de recursos naturais não-renováveis, ní-

veis de insalubridade e investimentos/ações para o desenvolvimento eco-sócio-

cultural é condição para a transparência exigida sob a perspectiva da cidadania.

Sob esse prisma, tomando-se como exemplo os Balanços Sociais9

, é pos-

sível afirmar que, de modo geral, consistem em instrumentos para relatar as

ações que as organizações têm realizado no ambiente eco-sócio-cultural, ou seja,

tendem a ressaltar os investimentos da organização. No entanto, são poucos os

Balanços que apresentam, mesmo que parcialmente, os eco-socio-culturais. As-

sim, vale questionar o quanto esse instrumento de responsabilidade social real-

mente cumpre sua função e, mais, até que ponto ele se caracteriza de fato como

Balanço (sentido contábil do termo10

). Para isso, deveria apresentar as ações

organizacionais como de fato são (débitos/créditos) e, não, funcionar como mero

instrumento persuasivo, coadjuvante no processo de construção da visibilidade

com o pontual objetivo da autopromoção e espetacularização.

Sob a perspectiva da complexidade, evidencia-se que a constituição da

atual arquitetura ecossistêmica não se apresenta como simples resultado de um

processo linear e contínuo, conforme propõe o paradigma cartesiano. Antes,

constitui-se em tecido semovente, construído pela interação dos diversos agen-

tes/sujeitos socioculturais, tais como indivíduos, grupos, Estados, sindicatos,

empresas, instituições, ongs. Em diferentes estados de tensão e exercendo níveis

variados de poder, ao construírem a arquitetura ecossistêmica recursivamente

perceberam-se presos a ela e por ela construídos, isto é, os agentes são sujeitos de

suas próprias ações ou, no mínimo, das conseqüências delas.

9

Os Balanços Sociais são objeto da pesquisa em desenvolvimento desde 03/2003, conforme nota

número 3.

10

Essa noção foi estudada em Baldissera e Sólio, 2004.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Nessa arena de tensionamentos, embatem-se os diversos agentes sociais

na defesa de seus interesses particulares e, mesmo, de grupos, o que poderia

remeter à simples idéia de conflito/oposição permanente. Sob o viés racionalista11

,

essa perspectiva se inclinaria a materializar um contexto esterilizante. Mas, sob um

olhar de complexidade, esses tensionamentos podem ser compreendidos como

processos dialógicos/dialéticos, húmus para o tecer/retecer sociocultural

(complexus12

). Isso significa dizer que todos os agentes sociais, são, em algum nível,

responsáveis pela arquitetura social que se apresenta, bem como interdependentes

no processo de sua construção.

Disso pode-se inferir que a responsabilidade social passa pela capacidade

de o indivíduo perceber-se como interdependente do ecossistema. Assim, no

caso específico das organizações, o exercício da responsabilidade social, o

engajamento e a responsabilidade em relação ao outro, que em última análise

traduzem um comportamento ético, são uma questão de opção, ou seja, impli-

cam mais do que consciência. Nesse sentido, uma organização pode, perfeita-

mente, ter consciência das demandas de seu entorno, saber que sua conduta é

prejudicial ao meio ambiente e nada fazer com relação a isso. Consciência não

implica, automaticamente, ética ou vontade.

Assim, cabe à sociedade a vigilância permanente sobre a conduta das or-

ganizações e suas conseqüências a médio e longo prazos. Na medida em que os

indivíduos se eximirem desse papel, também estarão sendo anti-éticos e irres-

ponsáveis (cúmplices).

A este ponto, destaca-se que um dos motores da responsabilidade social e

da ética empresarial é a processo comunicacional, pois que a comunicação não é

apenas o veículo difusor de valores, mas seu instrumento de reprodução, trans-

formação e consolidação. Além disso, quer parecer que a significação é um de

seus lugares de realização. A comunicação constitui-se em meio para mostrar e

para efetivar a responsabilidade social, o que passa, inevitavelmente, pela transpa-

rência de princípios.

Pode-se, portanto, inferir que se o que é chamado de “responsabilidade

social e/ou cidadania organizacional” limita-se ao nível de estratégia mercadológica,

11

No livro Introdução ao pensamento complexo, Morin (2001) opõe a idéia de racionalismo à de

racionalidade.

12

Sentido assumido sob o Paradigma da Complexidade desenvolvido por Morin (1996b, 2001,

2002a, 2002b).

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

está-se falando de marketing. Isso implica dizer que a responsabilidade social,

como noção, não deveria apresentar-se/instituir-se/apoiar-se como/em simples

orientação de comunicação/promoção de marketing. Pois, em uma organização

responsável, o lugar da comunicação é o de dar visibilidade/divulgar suas ações,

mas no caso de organizações descomprometidas com essa conduta, dever(ia)á

ser o da transformação de paradigma, embora se saiba que essa atualização difi-

cilmente acontece.

Justamente por isso, é fundamental que se tenha presente o não menos (e

talvez um dos mais) importante dos tensionamentos: “imaginário reprodutor” x

“imaginário utópico”. De acordo com Chauí, “[...] enquanto o imaginário

reprodutor procura abafar o desejo de transformação, o imaginário utópico

procura criar esse desejo em nós” (2002, p. 136). Nesse tensionamento, a pressão

por um comportamento ético das organizações deve ser o ponto de impulsão

para uma sociedade melhor. Modificar e qualificar as relações capital/ trabalho/

sociedade passa pelo tensionamento dessas forças.

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Resumo

O cenário temático de Responsabilidade Social e Gestão Social constitui –

se como tema emergente junto a atuação política e metodológica das Organiza-

ções não-Governamentais - ONGs. O espaço de fortalecimento e autonomia des-

sas organizações foram oportunizados pelos já conhecidos movimentos sociais e

setores populares, que sempre ao longo da história colaboraram com seu papel

transformador, seus reflexos e dificuldades, introduzindo referências teóricas e

mediadoras sobre esse tema. À Responsabilidade Social também é uma referência

no projeto do Centro Universitário Feevale que vem atuando com ONGs.

Palavras-chave: Movimentos Sociais, Organização não-Governamental,

Responsabilidade Social.

Denise Russo1

Maristela Mercedes Bauer 2

Margarete Panerai Araújo3

A RESPONSABILIDADE SOCIAL QUE CONSTRÓI E

CONSOLIDA VALORES: NO CAMINHO DOS MOVIMENTOS

SOCIAIS ATÉ AS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS

1

Graduada em Administração de Empresas, especialista e mestre em Gestão empresarial pela UFRGS.

Professora da Feevale, participa do projeto de Gestão Social. E-mail: [email protected].

2

Graduada em Ciências Contábeis, especialista em Contabilidade pela FGV e Mestre em Engenharia

de Produção pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - PPGEP. Professora do Centro

Universitário FEEVALE. E-mail: [email protected].

3

Graduada em Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais pela PUCRS, Especialista em

Antropologia Social e Mestre em Demandas e Políticas Sociais no Serviço Social. Atualmente é

Doutora em Comunicação Social pela PUCRS e Professora da Feevale. Também nessa instituição

coordena o Projeto de Extensão Gestão Social - ICSA. E-mail: [email protected].

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Os Movimentos Sociais são Desencadeadores das

Organizações não-Governamentais (ONGS)

Os movimentos sociais são entendidos como um tipo de ação coletiva, a

qual é orientada para a mudança de uma coletividade de pessoas ou uma massa

descentralizada, que é dirigida de um modo não-hierárquico. Este conceito, se-

gundo Gohn apud Filho (1994), nos oferece uma boa síntese do potencial trans-

formador dos chamados novos movimentos sociais, o qual passa a ser explica-

do através de uma tripla perspectiva: são tradicionais, antigos e novos. Vemos

que os “tradicionais” são movimentos sociais orientados para a superação do

conflito entre capital e trabalho, rumo a uma sociedade sem classes. Na segunda

perspectiva, os “antigos” são movimentos sociais que compõem a história recen-

te da América Latina. Foram esses fenômenos que identificaram as sociedades

urbanas onde a atividade produtiva e sua reprodução se consolidaram através

de processo político, de manipulação das massas, bem como desenvolveram os

chamados fenômenos populistas observados na história, cujas necessidades soci-

ais dependiam de soluções globais de administração do Estado. Os chamados

“novos movimentos sociais” apresentam uma tendência à consolidação a partir

das reflexões sobre a participação popular, sobre o equilíbrio social, superando

velhos conceitos e associando a essa forma de pensar as carências básicas da

população e as categorias de Direitos Humanos.

As necessidades de combinar essas interpretações conceituais oferecem

um entendimento e uma orientação que sempre caracterizou os movimentos.

Sabemos que os movimento sociais promovem mudanças, porque participam

da arena político-institucional e desenvolvem uma estratégia política. Os analistas

consideram que os movimentos sociais são como uma alternativa para as formas

de exercício da política cidadã.

A contribuição mais importante dessas análises é o processo de constitui-

ção de um movimento que se baseia na rede de relações sociais e nos marcos

culturais disponíveis para coordenar a ação dos participantes. Essa contribuição

para o esclarecimento do problema é muito valiosa. As literaturas abordam os

diferentes problemas com que se deparam os movimentos sociais, à medida que

vão se envolvendo com o meio político-institucional na tentativa de mudança. O

problema da estratégia política acentua o fato de que os movimentos sociais não

têm alternativa, senão adotar uma ação estratégica, pois isso leva sua orientação

para a mudança, e o engajamento nessa ação introduz um elemento de tensão

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

fundamental entre identidade, o que possibilita ou prejudica o seu desenvolvi-

mento. O movimento social pode também fracassar, porque em vez de trans-

formar seu contexto, pode ser transformado por ele. A aspiração de mudança

perde-se à medida que o movimento vai se tornando parte do sistema que,

originariamente, havia se proposto a modificar. Desse modo, deixa de encarar o

compromisso e adota uma nova forma de fazer política.

A maneira como o movimento social enfrenta o desafio suscitado por sua

orientação para a mudança pode ser analisada nos termos das quatro grandes

opções, as quais resultam da combinação do grau de coerência, da ação estraté-

gica do movimento social, sua identidade e objetivos. Entre estas opções, a ação

dos movimentos sociais pode ser vista como uma tendência antipolítica, que

contrapõe sua ênfase na ação.

Mesmo assim, a recusa em penetrar na esfera político-institucional e se

comprometer com estratégias políticas pode ser considerada uma derrota parci-

al ao enfrentar com determinação o inevitável desafio associado à sua orientação

para a mudança. O comportamento auto-limitado, apresentado por diferentes

autores, pode ser produto de uma avaliação nitidamente estratégica. Em suma, a

superação de uma estratégia defensiva é sedutora por permitir a transformação de

um movimento auto-limitado em um movimento politicamente orientado, associ-

ado à liberação de toda a sua potencialidade como agente social de mudança.

A literatura contemporânea traz grande parte do debate sobre as relações

entre os movimentos sociais, e a democracia tem focalizado a contribuição des-

ses movimentos para a democratização da sociedade civil.

A tendência usual de encarar os movimentos sociais como auto-limitadores

e anti-políticos procura mostrar que eles não podem se dar ao luxo de encarar a

política como uma coisa distante, corrupta, uma questão exclusiva das elites. É

importante lembrar que os estudos (de modo mais integrado) desses vários fe-

nômenos definem os contornos de nosso mundo contemporâneo.

Há uma característica que não podemos esquecer, que parece atribuída

exclusivamente aos movimentos sociais: eles são fundamentalmente portadores

de um protesto, o qual está na base do empreendimento coletivo que os movi-

mentos sociais constituem. E é através dele que procuram conseguir mudanças.

Daí a razão por que os movimentos sociais se voltam, tantas vezes, para as for-

mas de protesto não-convencionais ou, para sermos mais claras, não-

institucionalizadas. Esses debates atuais contribuem para a existência de um novo

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

objeto de investigação, que foi se “institucionalizando aos poucos”, muito embo-

ra a sua forma de análise também tenha se modificado.

Os movimentos sociais devem ser abordados da seguinte forma:

[...] deveria igualmente, em lugar de se fechar no nível macrossociológico

ou inversamente no nível microsociológico, ou até justapô-los um ao ou-

tro, tentar pensar a ligação entre ambos. Desse modo de vista, nunca será

demais sublinhar a importância de uma análise no plano mesossociológico,

que chame a atenção ao mesmo tempo para as coletividades mobilizáveis e

para as mediações existentes entre os planos micros e macrossociológicos.

(Raymond,1995, p. 330)

Gohn (1997) nos apresenta uma investigação teórico-prática no âmbito das

lutas sociais. A autora mapeia as ações coletivas que se expressam por meio de

movimentos sociais. As conclusões apontadas pela autora em relação à identifica-

ção do objeto de estudo são de que “ [...] os movimentos sociais não eram fortes

como sonhávamos e nem tão novos como preconizavam” (Gohn, 1997, p.11).

O campo de estudo, ampliado para lutas sociais organizadas, assim como

para as ações coletivas de diferentes camadas da população, expressam que os

movimentos sociais foram diminuídos pelo crescimento e surgimento de redes

de ONGs, e estas orientações nos indagam e nos apresentam um novo marco de

referência.

Os movimentos sociais delimitam, por vezes, uma realidade, muito difícil

de descrever e de analisar, mas constitui-se num objeto que, no nosso ponto de

vista, é importantíssimo. As razões para o desenvolvimento desse tema são múl-

tiplas, dados as deficiências e lacunas apresentadas. Há uma característica que

parece ser atribuída exclusivamente aos movimentos sociais, ou seja, eles são

fundamentalmente portadores de protesto. Esse protesto está na base coletiva

que constituem, e é através dele que procuram conseguir mudanças.

Daí a razão pela qual os movimentos sociais se voltam tantas vezes para as

formas de protesto não-convencionais, ou para sermos mais claras, não-

institucionalizadas.

Segundo Gohn (1997), na luta social no Brasil os movimentos sociais não

se transformaram internamente; ao contrário, persistem como estrutura

organizativa, com identidade própria, que se transformou diante das novas fren-

tes que o próprio movimento ajudou a construir. Nestas transformações, as ONGs

ganharam maior espaço e centralidade na direção e condução do seu próprio

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

movimento. Este aspecto também tem seu lado positivo:

Demonstra que a ausência de mobilização não significa colapso de rede

movimentista social porque, quando necessário, as ONGs acionam as ações

coletivas e o movimento social reaparece em cena: impeachment, contra-

reformas, etc. (Gohn, 1997, p. 52).

As ONGs, que no Brasil datam do surgimento desde a época das colôni-

as, são, portanto, as novas organizações, produto do século XX , e que roubaram

a atenção dos movimentos sociais. A expressão ONG foi criada pela ONU, na

década de 40, para designar entidades não-oficiais que recebiam ajuda financeira de

órgãos públicos para executar projetos de interesse social dentro da filosofia de

desenvolvimento de comunidade. A definição oficial é dada pela estrutura jurídica

e seu recorte público-privado. Assim, também ocorre um outro setor na esfera da

organização geral da sociedade, que seria o público-comunitário, não-estatal, que se

constitui no chamado terceiro setor da economia, no plano informal.

Atualmente essas organizações são de fundamental importância para o

desenvolvimento econômico e social de uma nação. Porém, as efetivas responsa-

bilidades sociais, que vão além da exigida por lei, somente se farão presentes

naquelas organizações que se adequarem às formas de ação e ao ambiente em

que estão inseridas.

Segundo Certo (1993, p.279)

[...] definimos responsabilidade social como o grau em que os administra-

dores de uma organização realizam atividades que protejam e melhorem a

sociedade além do exigido para atender aos interesses econômicos e técni-

cos da organização.

Entretanto, em meio a diversos conceitos, podemos dar uma atenção es-

pecial à definição formulada pelo Instituto Ethos4

de Empresas e Responsabili-

dade Social, que a explicita da seguinte maneira:

Responsabilidade social é uma forma de conduzir negócios da empresa de

tal maneira que a torna parceira e co-responsável pelo desenvolvimento

social. A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacida-

4

O Instituto ETHOS de Responsabilidade Social é uma associação sem fins lucrativos, que visa

mobilizar, sensibilizar empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente responsável, em

parcerias, na construção de uma sociedade mais próspera e justa. Consulta pelo site http://

www.ethos.org.br.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

de de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários,

prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo

e meio ambiente) e consegue incorporá-los no planejamento de suas ativi-

dades, buscando atender às demandas de todos e não apenas dos acionistas

e proprietários. (ETHOS, 2005)

Observamos, de forma mais ampla, que a ética é a base da Responsabili-

dade Social, e que se expressa através dos princípios e valores adotados pela

organização. Logo, podemos até mesmo concluir que a possibilidade de implan-

tação de requisitos de responsabilidade social, sem ética nos negócios, é pratica-

mente impossível. Salientamos, também, que a sociedade está exigindo, através

da escolha dos produtos das organizações, que se desenvolva um posicionamento

de forma mais social e ética.

Assim, torna-se necessário que a organização, coerentemente, busque uma

aproximação entre a teoria e a prática. Entre as várias formas de evidenciação da

postura socialmente responsável, podemos citar a publicação de relatórios soci-

ais e a busca pela certificação social, através da norma internacional de responsa-

bilidade social SA 8000.

No Brasil, usualmente denomina-se de balanço social todo o conjunto de infor-

mações divulgadas pelas organizações. Segundo Tinoco, apud De Luca (1998, p. 23),

O Balanço Social é um instrumento de gestão e de informação que visa

reportar, da forma mais transparente possível, vale dizer, com evidenciação

plena, informações econômicas, financeiras e sociais do desempenho das

entidades, aos mais diferenciados usuários da informação, dentre estes

usuários os trabalhadores.

A seguir, apresentamos um breve histórico sobre a evidenciação destes

relatos no mundo e no Brasil.

Na segunda metade do século XX, na Europa, inicia-se o movimento a

favor da prestação de contas sobre os recursos humanos à disposição da empresa:

número de trabalhadores, valor da remuneração, benefícios, quais os treinamentos

que recebem, etc. Esse movimento visava à transparência e à importância das in-

formações sobre a mão-de-obra da mesma maneira que eram dadas ao capital.

Na França, segundo Ciro Torres (2000), a Lei nº 77.769, de julho de 1977,

determinava que as empresas com 300 ou mais funcionários publicassem o seu

balanço social, demonstrando também as informações relativas ao ano ou ques-

tão, e aos dois últimos anos.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Nos Estados Unidos, a introdução da idéia de Responsabilidade Social

no mundo dos negócios ocorreu junto com a guerra do Vietnã, conforme Martins

(1999, p.2). Já Tinoco apud Martins destaca que “clamava-se pelo fim da guerra

e, por outro lado, exigia-se que as empresas adotassem nova postura, moral e

ética perante os cidadãos” (1999, p.3). Dessa forma, as informações sociais pas-

saram a ser publicadas juntamente com o balanço patrimonial.

De acordo com Martins (1999, p. 1), na Europa, principalmente na Ale-

manha e na França, os movimentos estudantis do final da década de 60 e a guerra

do Vietnã, tendo como conseqüência o aumento dos problemas sociais, causa-

ram a multiplicação de iniciativas. Começaram, então, discussões sobre a Res-

ponsabilidade Social das organizações como uma maneira científica de apresen-

tar as informações sociais, a prestação de contas das suas ações sociais, do refle-

xo social e de suas variações patrimoniais. Foi proposto então um demonstrativo

chamado balanço social5

.

Segundo Kroetz (2000), foi na década de 70, no Brasil, que o professor e

pesquisador Alberto Almada Rodrigues publicou artigo intitulado “ Da Sociolo-

gia da Contabilidade à Auditoria socioeconômica”, mencionando a experiência

européia relacionada aos temas, assim como as bibliografias existentes na época,

basicamente de origem francesa. Nesse período, o que se conhecia sobre o ba-

lanço social, em nosso país, eram resultados de pesquisas e de estudos com base

em experiências estrangeiras.

Nas empresas, segundo Ciro Torres (2000), o início de um processo de

conscientização dos empresários pode ser notado na “Carta de Princípios do

Dirigente Cristão de Empresas”, desde a sua publicação, em 1965, pela Associa-

ção de Dirigentes Cristãos de Empresas do Brasil (ADCE ). Mas foi no fim da

década de 70, que a ADCE realizou seminários específicos, divulgando uma

proposta de balanço social. Podemos concluir que foi a partir desse momento

que o tema balanço social passou a ser debatido na história empresarial brasileira,

bem como o tema responsabilidade social, que cada empresa possui.

Chamamos a atenção que, desde meados de 1997, o sociólogo Herbert

de Souza (1935-1997) divulgou amplamente a idéia e chamou a atenção dos

empresários e de toda a sociedade para a importância de se realizar um balanço

social em um modelo único e simples. O modelo foi desenvolvimento no Insti-

5

“Bilanz social na França, sozialbilanz na Alemanha, social audit nos Estados Unidos da América.”

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

tuto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), em parceria com di-

versos representantes de empresas públicas e privadas. De acordo com o docu-

mento-guia para a Responsabilidade Social da norma SA 8000 (1999, p. 3), “a

missão da SA 8000 era aprimorar as condições de trabalho de forma global”,

bem como o desenvolvimento de um sistema de verificação que promoveria o

aperfeiçoamento contínuo das condições existentes no local de trabalho.

A norma SA 8000 especificou requisitos de Responsabilidade Social para

possibilitar a uma empresa desenvolver, manter e executar políticas e procedi-

mentos, com o objetivo de gerenciar temas que ela possa controlar ou influenci-

ar. Pretende demonstrar, para as partes interessadas, que as políticas, procedimen-

tos e práticas estariam em conformidade com os seguintes requisitos da norma, os

quais dizem respeito ao trabalho infantil, trabalho forçado, saúde e segurança, liber-

dade de associação e direito à negociação coletiva, discriminação (sexual, raça, po-

lítica, nacionalidade, etc), práticas disciplinares, horário de trabalho e remuneração.

Em resumo, a decisão pela divulgação das informações de cunho social deve-

ria fazer parte da estratégia das organizações, para adotarem uma postura responsá-

vel e voluntária diante dos problemas sociais apresentados pela região ou país onde

ela está instalada. Portanto, esse campo de estudo ampliado com ações coletivas

representam uma referência de estudo das “Redes de ONGs”. É claro que os movi-

mentos sociais delimitam uma realidade que, atualmente, também é representada

pelas organizações não-governamentais, na tentativa de conseguir mudanças.

Gohn (1997) nos oferece esta reflexão, ou seja, aposta que estas estruturas

organizativas, com identidade própria, ganharam maior espaço e centralidade na

direção e na condução do seu próprio movimento. Este aspecto é nosso foco de

análise nesse artigo, pois surge do olhar reflexivo sobre a apresentação do Proje-

to de Extensão Gestão Social.

O projeto de Gestão Social foi criado na FEEVALE, em 2003, tendo

como enfoque principal a capacitação e a profissionalização do Terceiro Setor.

No ano de 2004, agregou o tema da “Responsabilidade Social Empresarial”

como ponto central do projeto, entendendo que ambas as organizações, sociais

e privadas, contribuem com os temas, da mesma forma que se complementam

e se integram, oportunizado um crescimento do Terceiro Setor e da sociedade

civil em geral.

O Projeto Gestão Social, ligado ao Curso de Administração de Empresas

do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas- ICSA, pretende servir de base para o

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

desenvolvimento dialogal desses temas (Movimento Social, Responsabilidade

Social, Organizações não-governamentais e empresas privadas), abordados atra-

vés das ações que vêm sendo desenvolvidas com os diversos públicos.

Conceitualmente, podemos citar que alguns países desenvolvidos - como

os EUA, França, Alemanha, Japão, Reino Unido, entre outros, abordam o Ter-

ceiro Setor como sendo importante segmento no desenvolvimento econômico e

social do país. A importância econômica apontada ao Terceiro Setor é devido ao

seu potencial (em expansão) de criação de novos empregos. Alguns estudos,

como o realizado por Salomon sobre o Terceiro Setor para The John Hopkins

Comparative Sector Project Studies6

, demonstram empiricamente a importância

cada vez maior deste setor na economia de um país, conforme site7

da SocialTec.

Segundo essa pesquisa, o setor sem fins lucrativos emprega 11.7 milhões

de pessoas em tempo integral, em sete países que já dispõem de dados estatísti-

cos (EUA, França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Hungria e Japão). Isto equivale a

um em cada oito empregos do setor de serviços destes países. Além disso, veri-

ficamos que este setor tem se expandido nos últimos anos, chegando a gerar -

nos países acima citados – quase 13% dos novos empregos durante o período

de 1980-1990. (Salomon, 2001).

Por outro lado, o Terceiro Setor estimulou, e ainda estimula, o espírito da

responsabilidade social, introduzindo, cada vez mais no âmbito das empresas e

dos cidadãos, o espírito da solidariedade e da transformação da ordem social.

Segundo Bernardo Toro:

Toda ordem social é criada por nós. O agir ou não agir de cada um contribui

para a formação e consolidação da ordem em que vivemos. O caos que

atravessamos na atualidade não surgiu espontaneamente. Esta desordem

que tanto criticamos também foi criada por nós. Portanto, e antes de

converter a discussão em um juízo de culpabilidades, se fomos capazes de

criar o caos, também podemos sair dele. Somos capazes de criar uma ordem

distinta. (1997, p.98)

Atualmente temos observado, de um lado, um crescimento extraordiná-

rio: são mais de 250 mil organizações no Brasil; e de outro, a carência organizacional

desse setor, que conta com uma administração empírica e com poucas bibliogra-

fias especializadas sobre o assunto.

6

A pesquisa foi realizada em doze países (EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Hungria,

Japão, Brasil, Ghana, Egito, Tailândia e Índia) em 1990.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Observamos que as comunidades acadêmicas comunitárias demonstram

interesse pela inserção desse setor na economia formal, no reconhecimento desse

mercado potencial como mercado de atuação dos administradores de empresas,

e pelo crescimento dos indivíduos, estimulando e oportunizando uma reflexão

sobre como podem participar e transformar a realidade.

O Projeto de Extensão Gestão Social, na sua primeira fase, interagiu com

as ONGs, desenvolveu um modelo de diagnóstico social, identificou suas de-

mandas, oportunizou um relacionamento com os diversos Institutos da

FEEVALE, produziu conhecimento através da editoração de artigos sobre o

tema da responsabilidade social, sensibilizou e transferiu conhecimento aos alu-

nos e algumas empresas e organizações, através da realização de palestras e cursos.

A partir de 2005, esse projeto de Gestão, agora com a denominação de

Gestão Social, ampliou o seu escopo de atuação, incluindo novas ações e parce-

rias na sua forma de atuação. Incrementamos o atendimento às ONGs, através

da implantação de um programa de consultoria gerencial, com testagem de uma

nova metodologia de atendimento, através de um projeto-piloto em duas ONGs

de Novo Hamburgo.

Esse projeto tem como objetivo principal criar um novo patamar de dis-

cussão, conhecimento e atuação da FEEVALE junto ao Terceiro Setor, em busca

da qualificação das ONGs, utilizando-se da formação do seu quadro docente

em gestão empresarial. A extensão, entendida como um processo acadêmico

vinculado à produção do conhecimento filosófico, científico e tecnológico, atra-

vés de uma relação mútua entre a universidade e a sociedade, constitui-se nesse

processo orgânico e contínuo de trabalho, que se estende desde a sistematização

dos conhecimentos até os resultados finais com uma interlocução com a comu-

nidade. O desenvolvimento desta proposta deve ocorrer através de uma pers-

pectiva metodológica. Nessa realidade, a ação prática na extensão é uma fonte de

conhecimento para o diálogo e também para o conhecimento científico. O Pro-

jeto de Extensão Gestão Social tem essa implicação na relação entre a Instituição

Feevale, comunidade e o mercado. Dessa forma, o desenvolvimento desse pro-

jeto contribui para a produção de novas idéias, socialização de conhecimentos,

ao mesmo tempo em que estimula o processo de aprendizagem.

Temos observado que essa é uma grande área de conhecimento, que nos

últimos anos cresce e se torna importante. O Terceiro Setor e as empresas priva-

das vêm praticando essa cidadania corporativa, pois, ambas desenvolvem ações

de responsabilidade social. Por um lado, as ONGs são instituições sem fins lucra-

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

tivos, entretanto com imensos desafios, cujos resultados são de grande impacto

social. Com elas nasce uma demanda de profissionalização e necessidade de apoio

gerencial. Tais entidades estão se tornando cada vez mais conhecidas, nacional e

mundialmente, dedicando-se a diferentes causas. Hoje são mais de 250.000 orga-

nizações somente no Brasil, e assim como as empresas privadas, enfrentam os

problemas de gestão no seu dia-a-dia.

Por outro lado, estudos vêm apontando que várias empresas brasileiras

ainda estão em “estágio zero” de Responsabilidade Social, ou seja, sem qualquer

ação implementada ou sem conhecimento sobre as oportunidades para se apro-

ximar da sociedade civil com um discurso condizente com as práticas. O Projeto

Gestão Social pretende promover e divulgar esse conhecimento aos Gestores

do Terceiro Setor e tornar mais amplo aos setores privados para utilizarem um

método de aprendizagem teórico-prático, que será divulgado como capacitação

junto aos acompanhamentos propostos e da produção desse conhecimento.

Dentro das Instituições de Ensino Superior Comunitária aparece esse es-

paço privilegiado para reflexão e construção das ações para a comunidade exter-

na. Este espaço de ensino, pesquisa e extensão foram construídos a partir de uma

necessidade atual da própria sociedade civil. É a partir desse espaço que muitos

programas e projetos estão sendo desenvolvidos, com o objetivo de oportunizar

não só um novo campo de atuação do administrador de empresas, como de

gerar conhecimento e oportunidades para a comunidade em geral.

A principal justificativa desse projeto é a própria causa que as ONGs

defendem: a reversão do quadro de diferenças sociais e a possibilidade de uma

vida digna para todos. Para tal, é necessário reconhecer o 3º Setor como um

setor emergente, que contribui para o crescimento da sociedade, que existe for-

malmente e que precisa ser capacitado para atingir os seus resultados. Assim, o

projeto atua prioritariamente na sensibilização da sociedade civil, fomentando a

participação cidadã no desenvolvimento social sustentado das comunidades, bem

como na promoção, capacitação, orientação empresarial e jurídica e social das

entidades do terceiro setor.

Com uma atuação voltada prioritariamente para a educação, a

integração multidisciplinar do conhecimento, integrando e estimulando a

pesquisa, o ensino e a prática extensionista, pretendemos partilhar teori-

as, conceitos, informações e relatos de experiências capazes de colaborar

com o “fazer ciência”, tanto divulgado em nossa sociedade complexa.

Construir e consolidar valores, tratar dessas diferentes visões e sua influ-

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

ência na formação e/ou transformação da sociedade civil, é o nosso com-

promisso.

Segundo Peter Drucker (1992), é através do setor social que uma socieda-

de moderna consegue gerar cidadania responsável e produtiva, dando aos indiví-

duos – e principalmente às pessoas de conhecimento – o marco de atuação de

onde podem fazer a diferença na sociedade e refazer a comunidade.

Em síntese, as ONGs participam de um jogo que evoca o mundo políti-

co, tanto quanto os movimentos populares. Elas introduziram novidades

institucionais, pois são executoras de atividades de interesse público. Com meno-

res custos e maior eficiência, ao potencializarem as forças da sociedade criaram

um novo campo de trabalho.

Essas organizações, por excelência, vêm servindo de mediadoras às polí-

ticas modernas, combinando valores próprios com valores coletivos, entrelaça-

dos de Responsabilidade Social. As ONGs, atualmente, reconceituam a Respon-

sabilidade Social e são organizações que, junto com as empresas, viabilizam esses

novos saberes a partir de sua prática cotidiana.

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Resumo

O texto apresenta elementos do movimento de responsabilidade social

que surgiu no Brasil na segunda metade da década de 90, mostrando brevemente

alguns posicionamentos que se dividem entre o apoio e a crítica quanto ao

envolvimento de empresas e indivíduos no enfrentamento dos problemas soci-

ais. Revelando a ambigüidade e a contradição contida no conceito de responsabi-

lidade social, o enfoque da exclusão social aponta um caminho para a construção

dos valores e atitudes que estejam de acordo com a dimensão cultural e ética da

época atual.

Palavras-chave: Responsabilidade Social, Exclusão Social.

Introdução

A discussão sobre o conceito de responsabilidade social tem suscitado

posicionamentos diversos, com argumentos que defendem ou criticam o papel

das instituições e dos indivíduos em assumirem ou não uma posição ativa na

busca de enfrentamento dos problemas sociais e ambientais.

Na sociedade brasileira, especialmente na segunda metade da década de

90, iniciou-se um movimento que ressalta a importância da responsabilidade so-

cial como caminho para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do

país. Entretanto, conjuntamente com a difusão do conceito e da prática da res-

RESPONSABILIDADE SOCIAL:

RELACIONANDO ATITUDES E VALORES

Nara Grivot Cabral1

1

Psicóloga. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Unisinos e Especialista em Projetos Sociais

e Culturais pela UFRGS. Analista de Projetos junto à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos

Comunitários do Centro Universitário Feevale.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

ponsabilidade social entre diversos grupos sociais, pesam as críticas dela ser uma

fórmula de auto-promoção empresarial e pessoal, de transferência das funções

do Estado e de desmobilização dos espaços de reivindicação social.

Entre posicionamentos progressistas e conservadores, todos concordam

que é urgente a construção de uma sociedade mais justa, com menos violência e

desigualdade social. É consensual a idéia de que o modelo de desenvolvimento

proposto pela modernidade não se concretiza nos dias de hoje, visto que a pro-

messa de progresso tecnológico não trouxe melhorias na qualidade de vida para

todos (YOUNG, 2005). Os indicadores socioeconômicos apontam para um

modelo de desenvolvimento que se esgota sob o ponto de vista ambiental, en-

contrando-se limitado nas alternativas e nas condições de trabalho e renda, mos-

trando elevação nos índices de violência, notadamente, na juvenil. Portanto, agra-

vam-se as situações que provocam a vulnerabilidade e a injustiça social

(POCHMANN, 2003).

Para Gil (2002), não podemos entender a exclusão se não compreender-

mos antes a dimensão social e cultural em que vivemos, os valores que nos go-

vernam e que nos conferem um certo sentido e sentimento diante da pobreza e

da marginalização do outro. Assim, é no contexto e no enfoque da exclusão

social que a análise da responsabilidade social passa a ganhar profundidade, sen-

tido e importância.

Responsabilidade Social: Contradições e Conexões

A difusão do movimento de responsabilidade social na sociedade brasilei-

ra coloca em pauta o papel das empresas e indivíduos na busca de solução para

os problemas sociais e ambientais do país. No setor privado, desde meados da

década de 90, as empresas, cada vez mais, têm sido estimuladas a integrar o

conceito de responsabilidade social ao seu negócio, como uma estratégia política

e de gestão institucional. Conjuntamente com esse movimento empresarial, as

pessoas são sensibilizadas para a atitude de doação voluntária de recursos finan-

ceiros e de seu tempo livre através do trabalho voluntário em ONGs, ou seja,

cresce o apelo de caráter consensual e de parceria para que empresas e indivíduos

adotem uma atitude de participação ativa e responsabilidade perante a sociedade

em que nasceram e de que fazem parte (CABRAL, 2004).

Nas empresas, a responsabilidade social tem sido defendida como uma

estratégia relacionada à cultura e à gestão empresarial, permeando a política e os

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

processos institucionais e inovando os modos de governança empresarial na re-

lação com os diversos públicos (ETHOS, 2003). Nos indivíduos, ela é a atitude

ético-política na relação com o outro, calcada em relações de comprometimento

e solidariedade, do tipo, “não faça para os outros aquilo que não queres que

façam contigo”, com ações cotidianas que optam por amenizar o sofrimento do

outro (GIL, 2002). Portanto, a responsabilidade social está relacionada à cultura e

aos valores de quem a exerce, sendo uma atitude indelegável na relação com a

sociedade como um todo e com cada indivíduo que a compõe.

Nesse contexto, a responsabilidade social apresenta-se como um conceito

ambivalente e contraditório, pois, por um lado, convoca grupos diversos da

sociedade para o enfrentamento da desigualdade social e, por outro, evidencia o

risco de transferência entre a responsabilidade dos indivíduos e a do Estado,

com políticas de redução dos gastos sociais e a crença de que existem instituições

especializadas na solução dos problemas decorrentes da pobreza e da miséria

humana. Em outros termos, a prática de responsabilidade social tem duas faces,

carregando em si o risco de provocar na sociedade ações com conseqüências

integradoras e desintegradoras, pois ela tanto pode excluir quanto incluir. Mesmo

com boas intenções, uma ação propriamente de responsabilidade social pode ter

resultados que reforcem os processos de exclusão social ao invés de amenizá-los.

Por conta disso, no debate atual, há duas formas de apropriação do pro-

blema da responsabilidade social. A primeira forma consiste em dividir os argu-

mentos em opiniões de defesa e de crítica, ou seja, na diversidade de posições.

Há aqueles que fomentam e os que negam as práticas de intervenção e gestão

social através de setores privados e não-estatais da sociedade. A segunda, discute

o conceito e a prática da responsabilidade social, equacionando a reflexão e a

compreensão dos crescentes processos de discriminação, vulnerabilidade e ex-

clusão social. Nessa última forma, não haveria uma responsabilidade social, mas

várias, posto que a multiplicidade e a complexidade dos processos de exclusão

social implicam a existência de posicionamentos heterogêneos e uma grande con-

jugação de esforços.

O entendimento ora apresentado deve-se à crença de que não se pode

articular e implementar planos coerentes de responsabilidade social sem que lute-

mos com a visão de médio e longo prazo contra as diferentes formas de exclu-

são social, e em consonância com os valores culturais e éticos da época em que

vivemos. Em outros termos, as contradições, conexões e implicações do debate

da responsabilidade social tornam-se mais imbricados com a complexidade dos

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

problemas sociais se relacionados ao enfoque da exclusão social, sendo assim

uma saída para que o discurso não se reduza à tentação da retórica e da lógica

pragmática e não se perca nas armadilhas simplistas e mecanicistas.

O Enfoque da Exclusão Social

A exclusão social tem sido uma categoria de difícil conceituação por assu-

mir significados diversos. Dada a essa diversidade de enfoques, é sempre pru-

dente tornar explícito em que sentido a expressão é tomada e de que lugar se está

falando, para evitar ambigüidades no discurso e deixar claro para o interlocutor

o que se quer dizer.

Para tanto, mais do que um tema para discussão teórica, a exclusão social

é provavelmente o problema social por excelência na luta pelos direitos humanos

e dos valores democráticos, exigindo um enfoque atento às contradições e cone-

xões existentes entre as distintas exclusões (GIL, 2002), principalmente em uma

época em que se acentua a complexidade de sua dinâmica e manifestações, como

tem acontecido nessas duas últimas décadas (POCHMANN, 2003).

Segundo a pesquisa Atlas da Exclusão Social no Brasil (POCHMANN,

2003), a exclusão teria ganhado novos contornos, tornando-se mais complexa e

profunda na segunda metade do século XX, com mais de um terço dos brasilei-

ros vivendo sob antigas e novas formas de exclusão social. Ao mesmo tempo

em que alguns indicadores melhoraram desde 1960, como as taxas de analfabe-

tismo e de escolaridade, outros índices pioraram a partir de 1980, especialmente

com relação ao emprego formal, à violência urbana e à vulnerabilidade juvenil,

caracterizando a chamada nova exclusão social.

Esse cenário indica que convivemos com diversos processos

socioeconômicos de geração de exclusão social, que se sobrepõem uns aos ou-

tros, tornando a realidade social cada vez mais complexa e o enfrentamento da

exclusão uma tarefa mais árdua. Houve avanços, mas também retrocessos. En-

quanto os processos de redemocratização do país, o amplo movimento de rei-

vindicação social, a Constituição de 88 e a expansão das políticas públicas contri-

buíram para a melhoria nos indicadores de educação e saúde, simultaneamente,

nesses últimos vinte anos, a exclusão foi reforçada com novos processos.

Para Pochmann (2003, p. 49), a nova exclusão social é “um fenômeno de

ampliação de parcelas significativas da população em situação de vulnerabilidade

social”, incluindo as diferentes formas de manifestação da exclusão e assumindo

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

dimensões cultural, econômica e social. A nova exclusão atinge segmentos sociais

até então relativamente preservados, tais como jovens com elevada escolaridade,

pessoas com mais de 40 anos, homens não negros e famílias monoparentais,

conforme o autor:

[...] a velha exclusão social não desaparece. O problema dos baixos níveis

de renda e instrução se mantém, mas agora sob nova forma. O desemprego

e a informalidade contribuem para romper os vínculos sociais numa socie-

dade cada vez mais competitiva, onde existe uma sede por padrões de

consumo mais sofisticados e na qual a violência desponta como sintoma

máximo da dessocialização. (POCHMANN, 2003, p. 54)

Nessa nova dinâmica, a exclusão deixa de ser dada como algo “natural”,

sempre associada às situações de pobreza, ampliando-se para as diversas cama-

das populacionais, polarizando ainda mais a divisão entre ricos e pobres e

aprofundando a crise social que iniciou nos anos 80 e que se agrava nos dias de

hoje. Com essa nova face da exclusão, o inimigo contra o qual lutar deixa de ser

tão facilmente identificável e as estratégias para derrotá-lo passam a não ser tão

evidentes.

Segundo Pochmann, o combate à exclusão tornou-se um desafio hercúleo

devido a sua dimensão e dinâmica, exigindo planejamento e ação de gestores de

políticas públicas estatais e não-estatais e disposição de trabalhar de forma articu-

lada e participativa, além de ser necessária a superação da visão de encarar a

política social como residual e subordinada à política econômica, como refere:

“As soluções para os novos e velhos problemas perpassam as esferas dos gover-

nos e todas as áreas de atuação do poder público, envolvendo de maneira deci-

siva a sociedade civil” (POCHMANN, 2003, p.58).

Para o sociólogo Fernando Gil (2002), a exclusão social abarca um con-

junto variado de problemas sociais especialmente urgentes, que exigem não só a

intervenção dos poderes públicos, mas também do indivíduo, articulando as

políticas sociais públicas e privadas com as ações individuais. A eficácia das ações

de enfrentamento da exclusão social, no entanto, depende do conceito, da clareza

e dos consensos que se tenha acerca dos múltiplos e fundamentais aspectos que

compõem a dinâmica dos processos de exclusão. Para o autor, a reflexão orde-

nada e coerente da exclusão exige um esquema de análise complexo, que consi-

dere os diferentes graus, níveis, causas e relações entre os distintos tipos e efeitos

dos fenômenos sociais que provocam a desigualdade de oportunidades.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Os distintos processos de exclusão são classificados por Gil (2002) em

três graus de gravidade social, no intuito de contribuir para a definição das estra-

tégias de ação, quais sejam:

1º) a pobreza que confronta principalmente o direito à vida, causada pelo

racismo e pela xenofobia, sendo esse o mais alto grau de injustiça;

2º) a marginalização dos direitos humanos fundamentais que deixam de

ser respeitados, como o desemprego, provocando uma reação social nega-

tiva, independente do desejo e do comportamento do indivíduo;

3º) o desvio de indivíduos que rompem com as normas sociais e cometem

delitos, auto-excluindo-se, como o uso de drogas e a delinqüência (Gil,

2002,p.39).

Estabelecer a gravidade da exclusão social, entretanto, ajuda apenas em

parte a definir a sua complexidade, visto que quanto mais grave for a situação de

exclusão, mais simples torna-se a decisão de intervenção, porém, mais difícil tor-

na-se superá-la. Um exemplo disso é a estratégia de enfrentamento da fome, em

que não há dúvida de como atuar nas políticas sociais, mas o mais difícil é

implementá-las. Assim também será mais complicado explicar a exclusão onde

os fatores externos coexistem com a ação do indivíduo, compondo um jogo de

influências recíprocas entre ação e estrutura.

Gil (2002) entende a exclusão social como um instrumento conceitual que

serve de reflexão e, principalmente, de construção da cidadania. Uma sociedade muito

excludente seria uma sociedade injusta, portanto, pouco democrática. Nessa perspecti-

va, a exclusão apresenta-se como um prisma pelo qual a realidade social pode ser

observada e tratada, pois é nela que mais claramente aparece a “responsabilidade mo-

ral” da pessoa, sobretudo individualmente. Esse é o valor adotado que simplifica as

discussões sobre a injustiça social: a “responsabilidade moral”, como opção de evitar o

sofrimento do outro nas mais diversas situações da vida cotidiana.

Mesmo em defesa da ação individual, Gil (2002) não descarta as ações de

apoio comunitário na luta contra a exclusão social, contudo, ressalta que a perda

de vínculos e a impossibilidade de confiança na comunidade reduzem as possibi-

lidades de sua concretização. Para o autor, o mundo está em plena fase de erosão

dos tecidos sociais coletivos, em um tempo em que tudo se globaliza e se

desterritorializa, trazendo a sensação de insegurança e instabilidade, uma vez que

aquilo que antes apoiava e dava sentido para a existência, hoje é o que exclui,

gerando oportunidades desiguais, como a pátria, a comunidade, o bairro, a esco-

la e o trabalho.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Nessa perspectiva, segundo Bauman (2003), nos dias de hoje, predomina

a insegurança de um mundo fluido e imprevisível de desregulamentação, flexibi-

lidade, competitividade e incerteza, onde cada um sofre essa ansiedade por conta

própria, como problema privado, procurando uma salvação individual para pro-

blemas compartilhados. Com essa estratégia, as pessoas sentem falta de “estar

em comunidade”, porque sentem falta de segurança, qualidade fundamental para

uma vida feliz. A comunidade, como explica o autor, passa a significar aquilo que

se perdeu e que se espera encontrar:

O que essa palavra evoca é tudo aquilo de que sentimos falta e de que

precisamos para viver seguros e confiantes. Em suma, ‘comunidade’ é o

tipo de mundo que não está, lamentavelmente, a nosso alcance – mas no

qual gostaríamos de viver e esperamos vir a possuir (...) ‘Comunidade’ é

nos dias de hoje outro nome do paraíso perdido – mas a que esperamos

ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que

podem levar-nos até lá (BAUMAN, 2003, p. 9).

Para Bauman (2003), a sensação de falta da comunidade continua teimo-

samente presente porque as pessoas procuram pela segurança que o mundo atual

é cada vez menos capaz de oferecer e mais relutante em prometer. Mas essa

sensação de falta, em que a comunidade escapa ao alcance ou se desmancha em

projetos que terminam antes de se concretizarem, decorre da maneira como o

mundo estimula a realização dos sonhos de uma vida segura, pois não consegue

mais aproximar as pessoas da realização de uma vida em comunidade, trazendo

com isso ainda mais insegurança.

Para o autor, a estratégia da busca de solução individual não alcança os

resultados perseguidos, pois a dependência gerada no uso do saber e dos recur-

sos individuais é o que produz a insegurança da qual se quer escapar; e, assim, a

sociedade continua sonhando, tentando e fracassando, como esclarece:

[...] somos todos interdependentes nesse nosso mundo que rapidamente se

globaliza, e devido a essa interdependência nenhum de nós pode ser senhor

de seu destino por si mesmo. Há tarefas que cada indivíduo enfrenta, mas

com as quais não se pode lidar individualmente. O que quer que nos separe

e nos leve a manter distância dos outros, a estabelecer limites e construir

barricadas, torna a administração dessas tarefas ainda mais difícil. Todos

precisamos ganhar controle sobre as condições sob as quais enfrentamos os

desafios da vida – mas para a maioria de nós esse controle só pode ser

obtido coletivamente.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Aqui, na realização de tais tarefas, é que a comunidade mais faz falta; mas

também aqui reside a chance de que a comunidade venha a se realizar. Se

vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e

precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento

e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e responsabilidade em

relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos em

defesa desses direitos (BAUMAN, 2003, p. 133-134).

Em síntese, atualmente, a vida em sociedade evidencia a desilusão das

formas de ação coletivas e a perda do coletivo (BAUMAN, 2003), em que o

agravamento das situações de exclusão não pode esperar para que as soluções

sejam feitas no futuro, porém exigem compartilhamento e cuidado mútuo. Se-

gundo Gil (2002), a regeneração dos laços coletivos é um pressuposto para a

efetivação das ações comunitárias, por isso a resposta individual seria o início do

caminho, em que cada um deve iniciar uma luta cotidiana contra a exclusão,

refletindo sobre o tema e agindo diariamente com decisões que diminuam o

sofrimento e a exclusão do outro. Para Pochmann (2003), as ações de

enfrentamento são desafiadoras frente à complexidade da dinâmica e manifesta-

ção da ação “exclusão social”, exigindo dos gestores de políticas públicas estatais

e não-estatais o esforço e a vontade de trabalhar de forma articulada e participativa,

com o envolvimento da sociedade civil.

Considerações Finais

O movimento de responsabilidade social pretende contribuir para o de-

senvolvimento sustentável do país com o envolvimento de empresas e indivídu-

os em ações que estejam além das práticas filantrópico-assistencialistas, tendo em

vista a construção da cidadania e o fortalecimento das políticas públicas. Sem

dúvida, esse debate supõe princípios teóricos e limites práticos, que, nos dias de

hoje, estão em construção.

De maneira geral, o desafio da responsabilidade social começa com o

olhar para fora de si, com a atitude pessoal comprometida e com a responsabi-

lidade com o outro. Entretanto, esse caminho, seja empresarial ou individual,

exige uma visão e uma prática que se estenda e se engaje no coletivo, para que não

se torne frágil ou até estéril como alternativa da sociedade frente à complexidade

dos problemas sociais de seu tempo. A ação individual precisa estar articulada

com as relações sociais mais amplas para que possa se tornar uma atuação social

e comunitária efetiva na luta contra a exclusão social.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Nesse sentido, a solidariedade e a responsabilidade social apresentam-se

como saídas para a busca de equilíbrio entre o altruísmo e o egoísmo de nossa

sociedade, que vive hoje uma cultura do individualismo e de descrença no cole-

tivo, com a tendência de sobrepor a reflexão sobre a ação. O debate amplo e

aprofundado sobre o tema da exclusão social aponta caminhos a serem trilhados

em uma luta que deve ser cotidiana, mas sem perder de vista a visão de médio e

longo prazo, principalmente quando se entende que a complexidade de nossa

vida e os fatores que explicam a nossa trajetória, assim como a trajetória de vida

das pessoas excluídas, mostram que os processos de marginalização podem ocor-

rer a qualquer um e em qualquer momento. Portanto, conhecer por um lado ou

agir por outro, não basta. A tarefa é mais árdua porque exige um olhar de cuida-

do e compartilhamento de atitudes e valores.

Referências Bibliográficas

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

CABRAL, Nara Grivot. A responsabilidade social no Brasil: uma proposta

em construção. In: ARAÚJO, Margarete Panerai. A responsabilidade social

como ferramenta de política social e empresarial. Novo Hamburgo:

Feevale, 2004, p. 79-91.

ETHOS. Práticas Empresariais de Responsabilidade Social: relação entre

os princípios da Global Compact e os indicadores Ethos de Responsabilidade

Social Empresarial. São Paulo, Ethos, 2003.

GIL, Fernando. La exclusión social. Barcelona: Editorial Ariel, 2002.

POCHMANN, Márcio (org.). Atlas da exclusão social no Brasil: dinâmica

e manifestação territorial. São Paulo: Cortez, 2003. v. 2.

YOUNG, Ricardo. A construção de um modelo de desenvolvimento

sustentável diz respeito a toda a sociedade. São Leopoldo. Revista IHU On-

Line, São Leopoldo, ano 5, n.144, p. 5-9, 6 jun. 2005.

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Resumo

O objetivo principal deste artigo é demonstrar que existe uma relação

entre os custos de produção e o orçamento empresarial de qualquer organização

industrial ou comercial, seja de curtume ou calçados, independentemente do porte

ou ramo de atividade econômica. Esta relação é útil, também, na formação de

preços dos produtos. Os objetivos específicos visam complementar as linhas de

pesquisa que foram propostas, por ocasião da defesa de Tese Doutoral realizada

em 31 de janeiro de 2003, na Universidade de León, Espanha. Dentre as várias

linhas traçadas destacam-se a relevância de investigar: se foi atingida a estabilidade

nas vendas dos produtos de couro e calçados, poderá ser determinada uma

política segura de estoques para as empresas coureiro-calçadistas gaúchas, obser-

vando as oscilações e a sazonalidade dos mercados interno e externo. Neste caso,

a empresa do setor em análise deverá manter um estoque mínimo ou de lote

econômico, tendendo para zero de matérias-primas e produtos prontos, buscan-

do praticar um correto planejamento e controle financeiro em termos de liquidez,

capital de giro e rentabilidade. Investigar novas alternativas para a projeção dos

custos de produtos vendidos, analisando se os estoques iniciais de matérias-pri-

mas e produtos prontos deverão ser projetados em valores monetários ou não.

Em contrapartida, se os estoques finais de matérias-primas e produtos prontos

poderão ser estimados em valores físicos e transformados para valores monetá-

rios na data em que o comitê orçamentário desejar. Isto permitirá corrigir, em

tempo hábil, eventuais erros ou equívocos nas formas utilizadas pelas empresas

A INFLUÊNCIA DA ESTRUTURA DE CUSTOS NA

PRECIFICAÇÃO DOS PRODUTOS PELA INDÚSTRIA

COUREIRO-CALÇADISTA DO RIO GRANDE DO SUL

José Eduardo Zdanowicz1

1

Administrador, Mestre em Economia pela UFRGS, Doutor (Phd) em Administração pela

Universidade de León - Espanha, Professor na UFRGS, FAPA e FACAT.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

gaúchas de couro e calçados, evitando a projeção dos índices de inflação, taxas

de juros e câmbio da economia, bem como indesejadas perdas e desperdícios de

materiais e produtos.

Palavras chave: Custos; Orçamento; Perdas; Planejamento Estratégico;

Planejamento Operacional.

Referencial Histórico

A Indústria Coureiro-Calçadista é extremamente importante para as eco-

nomias gaúcha e brasileira, considerando seus aspectos relevantes, como o volu-

me das exportações e a geração de novos empregos. O setor sempre recebeu

grande proteção do governo. Após a abertura da economia brasileira, ele vem se

defrontando com novos e fortes concorrentes mundiais, principalmente os insta-

lados no continente asiático.

A evolução e o desenvolvimento do complexo coureiro-calçadista brasi-

leiro teve início no século passado. No Rio Grande do Sul, o surgimento dos

curtumes ocorreu com a chegada dos imigrantes alemães e italianos que aprovei-

taram a grande disponibilidade de peles bovinas existentes no Estado.

O processo de curtimento começou de maneira rudimentar e foi aperfei-

çoando-se ao longo do tempo, graças ao aporte de tecnologia e equipamentos

importados da Europa. O crescimento da indústria calçadista brasileira floresceu

no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, constituindo-se no maior cluster mun-

dial, especializando-se em calçados femininos de couro, enquanto as cidades pró-

ximas à Franca, em São Paulo, destacaram-se na produção de calçados masculi-

nos e infantis.

A partir de 2001, o setor em análise, gradativamente, passou a investir me-

nos na qualificação de pessoas (gestão) e na modernização dos processos industri-

ais e comerciais. Por outro lado, a concorrência externa acelerou e qualificou-se

bastante nestes itens, a ponto de existir, hoje, um grande hiato, ao se comparar às

estruturas de custos de empresas do exterior com as das empresas nacionais.

O sistema de produção da indústria coureiro-calçadista, no Rio Grande

do Sul, vem apresentando perdas e desperdícios no processamento operacional

por falta de uma política segura de estoques, gerando custos desnecessários que

deveriam ser evitados pela empresa. Esta constatação serve como uma antítese

ao que é postulado pelo princípio de produção ótima, baseado em ganhos cres-

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

centes de escala e aumentos de produtividade por lotes econômicos.

As organizações coureiro-calçadistas são classificadas dentro da indústria

tradicional e o lucro deve ser suficiente para cobrir os custos totais operacionais.

Para a maioria das empresas de couro e calçado, o cálculo do preço de venda do

produto se dá mediante à aplicação da seguinte fórmula:

Assim, parece que o lucro para muitas empresas coureiro-calçadistas gaú-

chas é obtido pela diferença positiva entre o preço de venda e o custo de produ-

ção. Entretanto, os clientes no mercado estão rejeitando esta forma de precificação.

Inclusive, há indícios entre algumas empresas da indústria tradicional, que o mer-

cado não aceita mais a fórmula anterior e não está dando chances para encobrir

possíveis perdas e desperdícios nos processos de fabricação.

Hoje, a produção e a venda de couros e calçados ao exterior ocorre em

maior escala do que a verificada na década passada. E, também, se dá de forma

mais eficiente e racional, apresentando vantagens comparativas bem superiores

às que estão sendo auferidas pelas empresas gaúchas, principalmente, sobre as

calçadistas. As perdas das empresas brasileiras e gaúchas devem ser analisadas

periodicamente para se diagnosticar e saber sobre as causas das ineficiências da

organização. Também, devem ser estudadas as possibilidades para conquistar o

cliente com competência, buscando-se sempre maiores ganhos nos processos de

fabricação e comercialização para posterior divisão com o consumidor.

A empresa deve ter consciência de que o cliente determina o preço de

venda final. Portanto, o planejamento e o controle da produção e venda do

produto das empresas de curtumes e calçados gaúchas deverão ser realizados, a

partir da seguinte fórmula de lucro:

Ao se adotar esta forma conclui-se que os clientes são os que realmente

determinam o preço de venda do produto e a variável que fica para ser gerenciada

pela empresa é o custo. Assim, parece que não resta outro caminho para as

empresas pertencentes à Indústria Coureiro-Calçadista gaúcha sobreviverem que

Custos + Lucro = Preço de Venda

Preço de Venda – Custos = Lucro

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

não seja através da busca constante e eficaz do lucro, pela redução de custos e

despesas operacionais.

Neste sentido, as empresas do setor em análise, somente poderão incorrer

em custos e/ou despesas operacionais nas atividades que irão contribuir para

realizar resultados satisfatórios a curto ou médio prazo. A primeira regra da

empresa é não gastar com atividades e produtos que não geram valor para o

cliente, a empresa e o acionista. Em outras palavras, a empresa somente poderá

dispender no seu processo operacional aquilo que for estritamente necessário e

útil, tendo em vista a melhoria da qualidade dos seus produtos que o mercado

está exigindo e a preço menor. Portanto, é proibido gastar com atividades e

produtos que não criarão valor adicional para o produto e/ou cliente, visando

eliminar assim todas as perdas do processo produtivo, em termos de estoques,

desperdícios de materiais, ociosidades com funcionários e máquinas na empresa.

Depreende-se que para as empresas coureiro-calçadistas gaúchas só há

uma alternativa para se perpetuarem nos mercados interno e externo: pelo au-

mento dos lucros, via incremento de receitas e/ou diminuição dos custos de

produção e vendas.

O aumento da receita poderá ocorrer de várias maneiras: com a conquista

de novos mercados, o aumento de market share, a otimização dos fatores de

produção, o aumento da produtividade e a eliminação de atividades que não

estejam agregando valor ao produto final.

A empresa como um todo deverá priorizar estas medidas dentro da or-

ganização e, periodicamente, por atividade, por produto, por departamento, por

dia, por semana, ou seja, a todo instante deverá aplicar o Ciclo do PDCA, a fim

de sempre estar focada na redução de custos, no aumento da qualidade dos

produtos, garantindo a sua sobrevivência junto aos clientes.

Para tanto, todos processos de produção e vendas das empresas do setor

coureiro-calçadista gaúcho deverão ser revistos, imediatamente, determinando

com exatidão os custos certos, necessários e mínimos para se tornar competitivo

no mercado.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Estrutura da Cadeia Produtiva Atual

Há grandes ameaças quanto ao desenvolvimento do setor coureiro-

calçadista brasileiro e gaúcho pela concorrência crescente dos produtores de pa-

íses asiáticos, que vêm sendo fabricados com menores custos de mão-de-obra,

materiais alternativos mais baratos e pela alta concentração das exportações para

poucos países importadores próximos.

As cadeias produtivas de couro iniciaram com o crescimento da atividade

pecuária gaúcha. As diferentes formas de criação e abate dos animais resultaram

em peles de qualidade distinta no país. Os couros salgados são fornecidos pelos

frigoríficos aos curtumes que os transformam em couros semi-acabados ou aca-

bados. Os curtumes vendem uma parte das peles beneficiadas ou wet-blue às em-

presas nacionais de móveis (estofados), à indústria automobilística e uma parcela

destina-se à indústria calçadista.

Segundo os dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior –

SECEX e pelo Centro de Curtumes do Brasil – CCB, cerca de 51,12% da ex-

portação é física e direta de couro e 24,81% das exportações é indireta de couro,

na forma de calçados e outros artefatos. Portanto, do total, 75,93% do couro

produzido no Brasil são exportados para a Europa, Estados Unidos e China.

No entanto, o couro vem perdendo espaço como matéria-prima básica à

indústria calçadista, pois outros materiais alternativos já estão sendo utilizados

como os laminados, têxteis, vulcanizados, injetados e sintéticos. Há um esforço

no sentido de reduzir custos de produção, porém ele tem sido insuficiente, pois

a forma de gestão não mudou na maioria das empresas do setor em análise.

Algumas máquinas estão ultrapassadas, mas as técnicas de gestão alteram-se mui-

to pouco na empresa ao longo dos anos.

Análise das Perdas

Ao se analisar as perdas das empresas pertencentes à Indústria Coureiro-

calçadista do Rio Grande do Sul, observa-se uma evolução crescente ano após

ano, conforme as análises realizadas sobre os dados disponibilizados pela Asso-

ciação Brasileira das Indústrias de Calçados - ABICALÇADOS e pela Associa-

ção das Indústrias de Curtume do Rio Grande do Sul - AICSul.

Muitas destas perdas foram encobertas, ao longo dos anos, pela variação

cambial favorável às empresas do setor em análise. No entanto, a partir de 2004,

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

houve uma queda do dólar americano, um aumento dos custos de insumos e

máquinas importadas, inviabilizando muitas empresas gaúchas a competirem com

os produtos fabricados nos países emergentes como a China, a Indonésia e o

Paquistão, que estão praticando baixos custos de produção, pequena carga tribu-

tária e recebendo subsídios do governo local.

Acresce-se que, neste período, a maioria das empresas gaúchas do setor

também não se preparou para enfrentar essa situação mercadológica. Talvez,

porque acharam que a situação seria temporária como havia sido no passado,

isto é, após alguns dias de volatilidade do dólar, o mercado retomava o seu curso

normal.

Conforme pesquisa aplicada, as perdas das empresas-membro da indús-

tria coureiro-calçadista são maiores em termos de desperdícios com os insumos

básicos para o beneficiamento do couro e a baixa produtividade da mão-de-

obra utilizada no processo industrial. As principais perdas nas empresas calçadistas

são resultantes dos altos custos de produção das amostras de calçados para as

feiras e os lojistas, em termos de fôrmas, matrizes e navalhas, além da má quali-

dade de algumas matérias-primas derivadas dos sintéticos e laminados.

Os desperdícios e as perdas apontadas por alguns diretores e gerentes das

empresas pesquisadas são expressivos, no período compreendido entre abril e

maio de 2005, pois impactam em 37% no preço do produto. Como exemplo,

podemos citar o alto custo de produção de amostras às diversas coleções para as

feiras, a falta de planejamento da mesma, que vêm se acumulando ao longo da

última década. Sempre houve um ou mais fatores externos favoráveis que cola-

boraram direta ou indiretamente para o crescimento e o desenvolvimento das

empresas coureiro-calçadistas gaúchas, com destaque à variação cambial para as

empresas exportadoras.

Alternativas Viáveis

As empresas gaúchas da indústria coureiro-calçadista devem eliminar suas

perdas de processo urgentemente para que possam obter as condições de sobre-

viver no mercado competitivo. Não há outra saída às empresas do setor em

análise, que não seja a busca constante e contínua em modernizar seu processo de

produção e vendas, através de um planejamento consciente e controle rápido das

anomalias detectadas.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

A empresa coureiro-calçadista rio-grandense precisa atuar de imediato sobre

as causas das perdas e dos desperdícios, visando encontrar a solução definitiva

para os mesmos. Tudo isto deve ser feito de forma planejada, organizada e

controlada, para que não venha a ocorrer mais na empresa.

Na busca pela causa-raiz do problema e a solução duradoura às empresas

gaúchas pertencentes à indústria coureiro-calçadista, será preciso utilizar algumas

técnicas isoladas ou conjuntamente em suas atividades operacionais, a saber:

�diagrama de causa e efeito (Ishikawa);

�diagrama da matriz de priorização;

�análise de afinidades;

�histograma;

�análise de Pareto.

Estas são algumas das técnicas práticas, simples e eficientes a serem adotadas

pelas empresas gaúchas de curtumes e calçados, constituindo-se em formas de

minimizar os custos e/ou maximizar os resultados.

Sugestões para a Indústria Coureiro-Calçadista Gaúcha

De acordo com a pesquisa e análise setorial realizadas propomos algu-

mas sugestões para serem previamente criticadas e também para posterior uti-

lização (se for o caso) pela empresa, evitando-se perdas históricas da indústria

coureiro-calçadista gaúcha.

A implantação de uma metodologia científica requer a análise da situação,

a elaboração do planejamento operacional e a adoção de um controle rápido de

gestão, visando à melhoria das empresas gaúchas do setor.

Nestes termos, deverão ser utilizadas as seguintes ferramentas de gestão:

a) kanban – é a gestão competente dos estoques do processo operacional com

controle visual e instantâneo. Muitas empresas calçadistas gaúchas não têm condições

de operar com estoques de produtos prontos, ou seja, estocar sapatos, mesmo aque-

les que serão vendidos o ano todo. Idêntico raciocínio deve ser aplicado em relação

aos estoques de alguns insumos básicos pelas empresas de curtumes e de calçados.

Somente estocar o mínimo necessário para utilização e entrega imediata;

b) just in time – é o gerenciamento eficiente dos materiais utilizados para se

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

fabricar o produto demandado pelo mercado, na quantidade exata e no mo-

mento certo. A adoção dessa metodologia pelas empresas de couro e calçado

gaúchas irá eliminar muitas preocupações e custos desnecessários de seu proces-

so industrial. Em outras palavras, se o just in time for aplicado em toda a empresa,

não será preciso realizar mais os inventários. A simples eliminação dos inventários

tira de foco o capital ocioso dos almoxarifados e depósitos, além de eliminar

possíveis desvios e perdas. As economias serão geradas pelo não-pagamento de

aluguéis, serviços de segurança, salários e riscos de obsolescência. E, nos casos

em que se devem manter estoques de insumos básicos será o mínimo necessário

e a rotação do capital de giro terá de aumentar;

c) automação – deverá ser utilizada, sempre que possível, para que ocorra

um controle imediato das anomalias do processo industrial. A técnica deve ser

empregada para detectar e corrigir os defeitos e as perdas de produção através

de dispositivos que poderão ter um caráter de prevenção ou de correção. Em

síntese, eliminar possíveis defeitos e perdas durante o processo será sempre bom

e interessante para a empresa;

d) processo rápido de produção – as empresas gaúchas de couro e calça-

dos deverão preparar-se para produzir e entregar produtos de forma ágil e

qualificada, a preços competitivos, evitando os tradicionais atrasos de couros

beneficiados à indústria ou os sapatos encomendados pelo lojista e não-entre-

gues pela indústria calçadista;

e) painel de luzes indicativas – a instalação deste dispositivo informará

sobre as possíveis anomalias que estarão ocorrendo no processo produtivo. Este

dispositivo será útil para se determinar as perdas, os desperdícios e a falta de

qualidade, tomando decisões para serem imediatamente corrigidas. A instalação

do painel de luzes deverá ser em local visível dentro da fábrica, visando informar

a todos a anomalia que está ocorrendo no setor, na área ou na linha de produção.

Recomenda-se um sistema semelhante ao da sinaleira, ou seja, utilizando-se as

cores do semáforo para condições de normalidade (verde), condições de alerta

(amarelo) e condições de plena ocorrência (vermelha).

Pesquisa Aplicada à Indústria Coureiro-Calçadista

Gaúcha

A aplicação da pesquisa (Anexo 1), ocorreu através de questionários enca-

minhados por e-mail, fax e pessoalmente às empresas do setor coureiro-calçadista

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

gaúcho. Cumpre informar que ao se enviar o questionário para a empresa, solici-

tou-se que o mesmo fosse respondido por funcionário qualificado, com bons

conhecimentos sobre a estrutura de custos da empresa.

As relações das empresas de calçados e couros foram obtidas nos sites

da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – ABICALÇADOS e da

Associação das Indústrias de Curtume do Rio Grande do Sul – AICSul,

respectivamente.

Ao se analisar os dados e as informações obtidas junto as 58 empresas que

responderam ao questionário sobre a “Influência da Estrutura de Custos na

Precificação dos Produtos Coureiro-calçadistas no Estado do Rio Grande do

Sul”, quanto às questões não-relacionadas diretamente a custos, destaca-se que:

a) a maioria (80%) das empresas gaúchas pesquisadas é exportadora de

couros ou calçados, na seguinte ordem, por continente: América do Norte, Eu-

ropa e América do Sul;

b) os couros exportados são do tipo wet blue (60%), pois têm preços mais com-

petitivos no mercado internacional do que no mercado interno, em torno de 24%;

c) os calçados femininos exportados utilizam mais materiais sintéticos do que

o couro. Isto se deve aos altos custos desse produto à indústria calçadista gaúcha;

d) a exportação de calçados femininos fabricados vem sendo realizada

com material sintético. Neste sentido, pretende-se torná-los mais competitivos,

em termos de preços, no mercado internacional;

e) o segundo tipo de material mais empregado no cabedal do calçado

feminino gaúcho exportado é o tecido, preponderantemente, a América do Sul,

pois os preços de venda destes produtos são mais competitivos que os de ori-

gem asiática.

Análise da Estrutura de Custos na Precificação dos

Produtos da Indústria Coureiro-Calçadista no Rio Grande

do Sul

Após a tabulação e uma análise crítica sobre os dados obtidos com a

pesquisa no setor coureiro-calçadista gaúcho, conclui-se que:

a) todas as empresas pesquisadas foram unânimes em responder que os

custos de produção influenciam diretamente na formação final do preço de

venda dos produtos;

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

b) os principais custos relacionados (em termos percentuais) que vêm

impactando sobre o preço de venda na indústria coureiro-calçadista do Rio Grande

do Sul são:

� matérias-primas (31%);

� salários da mão-de-obra direta com os encargos sociais (42%);

� carga tributária (23%);

� valorização do Real (2%);

� política governamental (2%).

Ressalta-se que a maioria das empresas pesquisadas criticou a política ado-

tada pelo Governo Federal, em termos da valorização do Real (R$) em relação

ao dólar americano. Outros itens respondidos que preocupam as empresas do

setor são: o alto custo Brasil, a inflação brasileira e a dificuldade em adquirir

novas máquinas, equipamentos e tecnologia para se tornarem competitivas, a

preços atrativos, no mercado externo;

c) grande parte das empresas envolvidas na pesquisa respondeu que a

influência da estrutura de custos na precificação de seus produtos decorre da

política cambial adotada pelo Governo, que não tem contribuído para aumentar

as exportações do país;

d) quanto à questão formulada no questionário, se a empresa tem uma

Contabilidade de Custos integrada, 36% responderam que sim, e 64% das em-

presas pesquisadas na amostra assinalaram que não. Parece-nos, pelo conheci-

mento que temos sobre o setor, que o número de respostas negativas deveria ser

superior a 80%, pois a maioria das empresas não tem essa integração por produ-

to, nem por processo de produção;

e) um grande número das empresas pesquisadas (85%) respondeu que a

concorrência externa e as novas tecnologias contribuíram fortemente para redu-

zir o preço de venda das atuais linhas de produtos, mas com redução de suas

margens;

f) o preço do produto é determinado conforme as respostas prestadas

pelas empresas pesquisadas em relação à diluição dos seus custos fixos (40%) e por

acréscimo de produtividade dos custos variáveis (60%). Observa-se que a maioria

das empresas trabalha com aumento de produtividade, mas também, houve a

necessidade de adicionar outras técnicas e materiais no processo de fabricação;

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

g) no que tange ao controle praticado sobre os custos pelas empresas

pesquisadas, decorre por reduções dos desperdícios de materiais e por aprovei-

tamento da mão-de-obra direta e das máquinas, havendo uma preponderância

de 90% para a segunda alternativa;

h) os sistemas mais utilizados pelas empresas pesquisadas de couros e cal-

çados gaúchas são o just in time (70%) e o kanban (30%);

i) o inventário anual é adotado por 100% das empresas pesquisadas como

forma de avaliar seus estoques de matérias-primas e produtos prontos;

j) a última questão da pesquisa refere-se ao conhecimento que a empresa

coureiro-calçadista gaúcha tem sobre os materiais adicionados e as operações

desenvolvidas na fabricação do produto que estão adicionando valor ao mesmo.

O resultado foi de 1:4, ou seja, uma empresa respondeu que tem conhecimento

do que cria valor para o consumidor, e quatro empresas não têm nenhum conhe-

cimento.

Em síntese, todas as inferências extraídas da pesquisa são válidas, porém

algumas questões merecem atenção para novas investigações. Assim, somos de

opinião que deverão ser pesquisados dois aspectos em especial: a Contabilidade

de Custos integrada e/ou os materiais e as operações que são percebidas pelo

consumidor como de valor adicionado, no momento de comprar o produto.

Conclusões

As empresas pertencentes à indústria coureiro-calçadista brasileira e gaúcha

adotam uma administração conservadora, através de uma gestão familiar, que

empregam de poucos instrumentos gerenciais voltados para a redução de custos e

perdas nos processos de compra e uso de insumos básicos, a produção de produ-

tos não-demandados pelo mercado e a pequena ousadia na venda dos mesmos.

Em parte, se deve a maioria das empresas pesquisadas ser dirigida por

seus fundadores ou pela segunda geração, e algumas companhias, por falta de

qualificação da gestão ou pela não profissionalização de sua administração. Estas

foram as principais causas levantadas na pesquisa junto às empresas do setor,

justificando as perdas gradativas de market share às organizações melhor estruturadas

com técnicas de planejamento e controle de custos bem definidos.

A indústria de curtimento de peles de origem bovina tende a vender quase

toda produção para o mercado externo, pois a sua estrutura de custos é muito

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

pesada, devido aos insumos importados, à carga tributária e aos salários pagos

com os encargos sociais.

Portanto, as condições para se obter uma rentabilidade satisfatória com a

produção e comercialização do couro wet-blue ou acabado no mercado interno

são mínimas. Acresce-se, ainda, a falta e a distância para se dispor da matéria-

prima básica, a pele. Uma grande quantidade de couro verde é comprada no

centro-oeste do Brasil, ou importada do Mercosul (Argentina e Uruguai), ou de

outros países (Austrália e Estados Unidos) para realizar o seu curtimento por

empresas gaúchas. A tendência, em função dos problemas levantados, é aumen-

tar ainda mais o custo de produção na indústria de curtume no Estado do Rio

Grande do Sul.

Quanto à indústria de calçados gaúcha, deverá trocar a matéria-prima bá-

sica, o couro, por outros materiais equivalentes para a fabricação de calçados.

Principalmente, os seus cabedais deverão ser em laminado sintético, têxtil (lona,

brim, nylon e outros), para tornar o preço do calçado gaúcho mais competitivo

nos mercados interno e externo.

Entretanto, todas as empresas de couros e calçados gaúchas terão que

implantar um sistema de gestão centrado em planejamento e controle de custos

de maneira ampla. Assim, o orçamento de matérias-primas deverá estar em

sintonia com a política de pronto abastecimento a todas as unidades produtivas

da empresa coureiro-calçadista gaúcha, em termos de qualidade e quantidade, no

tempo certo. A empresa de couro ou calçados não poderá sofrer parada em seu

processo de produção por falta ou má qualidade da matéria-prima. A proposta

é dimensionar a necessidade exata de todas as matérias-primas necessárias para o

prazo mais curto possível, não parando a fábrica por falta materiais, nem deixar

ou atrasar a entrega de produtos aos clientes, evitando-se a perda, o desperdício

e a ociosidade do capital de giro.

Outra sugestão refere-se, também, ao custo de matérias-primas que deve-

rá ser calculado segundo as variações de estoques e compras de matérias-primas

estimadas em valores monetários pela empresa do setor. O novo desenho será

determinar o custo da matéria-prima projetada e demais custos operacionais

pelo método do valor atual de mercado. Logo, o estoque final de matérias-

primas deverá estar projetado em unidades físicas e a valorização destas unidades

será pelo preço de mercado, no momento zero, ou seja, na data de avaliação da

proposta orçamentária global da empresa.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Quanto ao custo da mão-de-obra direta, esta deverá estar relacionada ao

tempo necessário e ao número de funcionários que estarão vinculados ao pro-

cesso produtivo da empresa, de acordo com o tipo (bovina, suína) de pele a ser

beneficiada ou com a árvore do produto (calçados). As projeções dos custos e

dos tempos da mão-de-obra direta envolverão os Departamentos de Recursos

Humanos, Planejamento e Controle de Produção. Este último determinará, em

termos de tempo e movimento, quantos minutos/hora-padrão serão necessári-

os para se curtir uma pele de couro ou se produzir um par de calçados.

Por sua vez, o Departamento de Recursos Humanos estimará o valor do

salário médio de remuneração, mais os encargos sociais que será pago por minu-

to/hora-padrão do produto, de acordo com os índices de correção do setor. É

importante projetar o custo da mão-de-obra que será necessária para elaborar o

produto, evitando-se toda e qualquer mão-de-obra ociosa. A eficiente gestão de

pessoas é outra variável muito importante, que deverá ser analisada e implantada

pela maioria das empresas do setor em análise.

Acresce-se que a projeção dos custos indiretos ou gastos de fabricação da

empresa gaúcha de couro ou calçados deverá abranger todas as despesas decor-

rentes do processo produtivo que não estarão relacionadas diretamente com as

atividades operacionais. Os custos indiretos de fabricação podem ser também

denominados por despesas indiretas de fabricação pela empresa gaúcha de cou-

ro e calçados.

As despesas indiretas de fabricação das empresas de couro e calçados

gaúchas serão compostas por custos fixos e variáveis. Na apuração dos custos

indiretos de fabricação, poderá ocorrer alguma diferença de critério que irá vari-

ar de empresa para empresa do mesmo subsetor econômico.

A partir da determinação dos custos de matérias-primas, mão-de-obra

direta e despesas indiretas de fabricação, o comitê de custos e orçamento da

empresa coureiro-calçadista gaúcha poderá calcular o custo de produção. A su-

gestão proposta será também projetar o custo derivado de produção (CDP) ou

o custo de produção (CP) pelo método do valor atual de mercado, conforme

descrito anteriormente.

O custo de produção total deverá ser calculado através da soma algébrica

dos vários itens que comporão o custo do produto, considerando todos os custos

fixos e variáveis (custos de matérias-primas, mão-de-obra direta e despesas indire-

tas de fabricação), a preço de mercado, relacionados na seguinte equação:

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

Após o cálculo do custo derivado de produção (CDP) ou, simplesmente,

custo de produção (CP), projetado pela empresa coureiro-calçadista gaúcha, deve-

rão ser acrescidas as variações dos custos decorrentes de corretas políticas fixadas

aos estoques de produtos prontos e produtos em processamento. Ratifica-se que

todo o cálculo será elaborado pelo método preço de mercado já definido.

Os custos de produção incorridos no passado e no presente deverão ser

apurados, contabilmente, em unidades monetárias pela empresa coureiro-

calçadista gaúcha, enquanto os custos que irão incorrer no futuro, como os custos

de compras e a formação de estoques finais de matérias-primas, produtos pron-

tos e produtos em processamento deverão ser projetados em unidades físicas, e

o comitê de custos e orçamento irá transformá-los ao preço de mercado, na data

focal desejada (avaliação).

Assim, a proposta deste trabalho será calcular o custo de produtos vendidos

(CPV) projetados pela empresa coureiro-calçadista gaúcha, mediante a fórmula:

Portanto, os estoques iniciais de produtos prontos e em processamento

deverão estar orçados a valores monetários, enquanto os estoques finais de pro-

dutos prontos e em processamento da empresa serão estimados em unidades

físicas e transformados para valores monetários na data de atualização pelo co-

mitê de custos e orçamento.

Acresce-se que, após a projeção do custo de produtos vendidos pela em-

presa, o próximo passo será elaborar o orçamento de despesas operacionais.

Este orçamento será composto pelas despesas administrativas, vendas, tributári-

as e financeiras, ou seja, por todos gastos que irão incorrer no período projetado,

exceto os custos de produção.

O orçamento de despesas operacionais projetará os custos de todas ativida-

des-meio que darão sustentação à empresa coureiro-calçadista gaúcha. Portanto, o

orçamento de despesas operacionais será constituído por todos gastos necessários

para administrar, gerenciar, produzir e vender os produtos aos clientes pela empresa.

CDP = CP = CMP + CMOD + DIF

CPV = CDP +/- vEPP +/- vEPemP

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

A empresa, na apuração de custos e despesas operacionais dos produtos

derivados da produção de couro e calçados gaúchos, poderá empregar as técni-

cas proposta neste trabalho, bem como concomitantemente utilizar, na prática,

os métodos consagrados de apuração de custos como absorção, integral, ABC

ou, em última instância, um bom critério de rateio.

Em síntese, a proposta deste trabalho é estudar a influência da estrutura de

custos na precificação dos produtos pela indústria coureiro-calçadista no Estado

do Rio Grande do Sul. Após as análises e interpretações sobre os dados

pesquisados, ratificamos que vários fatores contribuem direta ou indiretamente

na dinâmica formação dos preços de venda de couros e calçados do setor.

Como sugestão para precificar os produtos derivados da indústria coureiro-

calçadista brasileira e gaúcha, propomos a seguinte fórmula para ser utilizada

pelas empresas:

Informamos que o preço de venda unitário (PVu) será resultante da mul-

tiplicação do custo derivado de produção (CDP) pelo fator (f = R / R – TRI).

Onde, (R = Receita Operacional Líquida / Ativo Total) será a rotação projetada

para o período e (TRI = Margem vezes Rotação) será a taxa de retorno sobre o

investimento projetado para o produto. Esse resultado deverá ser dividido pela

diferença entre a unidade (1) (d = despesas diretamente proporcionais ao preço

de venda como os impostos (ICMS), as comissões, a propaganda, a publicidade,

os fretes, etc.). Acresce-se que o cálculo da margem será a razão entre o Lucro

Operacional Líquido (LOL) e a Receita Operacional Líquida (ROL).

O método de precificação proposto às empresas coureiro-calçadistas será

um desafio a ser buscado, como o preço-meta de venda projetado. Não se pode

desconsiderar que quem determinará o preço final do produto será o consumi-

dor. A direção deverá ter competência, agilidade e qualidade para se adaptar ao

mercado competitivo, tendo em mente que o lucro da empresa de amanhã, não

será mais o mesmo de hoje. E, jamais, igual àquele que era obtido no passado,

pela simples diferença entre as receitas e os custos do produto.

PVu = CDP x f1 – d x f

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ANEXO 1

A Influência da Estrutura de Custos na Precificação dos Produtos da

Indústria Coureiro-calçadista no Rio Grande do Sul

1. Os custos de produção influenciam na formação final do preço de

venda do produto?

Sim ( ) Não ( )

2. Assinale os cinco principais custos que impactam sobre o preço de

venda na Indústria Coureiro-calçadista no Rio Grande do Sul (em %):

( ) matérias-primas ( ) fretes

( ) salários com mão-de-obra direta ( ) logística

( ) novas tecnologias ( ) inflação

( ) custo Brasil ( ) valorização do real

( ) armazenagem ( ) carga tributária

( ) política governamental ( ) concorrência externa

3. A política cambial tem contribuído ou não para aumentar as exporta-

ções do país?

Sim ( ) Não ( )

4. A Contabilidade de Custos está integrada as demais áreas da empresa?

Sim ( ) Não ( )

5. A Contabilidade de Custos da empresa ocorre por produto ou proces-

so de produção?

Sim ( ) Não ( )

6. Relacione dois fatores que contribuíram para reduzir o preço de venda

do produto.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

7. A redução de custos ocorre por aproveitamento de máquinas (a) ou

por aumento da escala de produção (b)?

a ( ) b ( ) a + b ( )

8. O preço é determinado por diluição de custos fixos (a) ou por aumen-

to de produtividade dos custos variáveis (b).

a ( ) b ( ) a + b ( )

9. Os custos de produção devem ser controlados pela empresa por redu-

ções dos desperdícios de materiais (a) ou por aproveitamento da mão-de-obra e

máquinas (b)?

a ( ) b ( ) a + b ( )

10. A empresa utiliza o sistema just in time (a) ou kanban (b) em seu proces-

so produtivo?

a ( ) b ( ) a + b ( )

11. A empresa adota o processo anual de inventários em seu almoxarifado?

Sim ( ) Não ( )

12. A empresa sabe quais são as operações que não agregam valor ao

produto?

Sim ( ) Não ( )

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Resumo

O presente ensaio tem como objetivo principal analisar a relação existente

entre a inserção internacional do Brasil, entre 1968 e 1978, com o desenvolvimen-

to/crescimento econômico industrial do Vale do Rio dos Sinos. Para tanto, tenta-se

relacionar o contexto econômico nacional com o desenvolvimento regional alcan-

çado pelo Vale do Rio dos Sinos, mais especificamente em Novo Hamburgo. Esse

crescimento resultou em um país industrial-exportador e também, em nível local,

uma região urbanizada e desenvolvida. No que tange às possíveis determinantes

internas desse desenvolvimento regional, é possível aferir, ainda que um conjunto

de interesses locais vinculou-se aos objetivos nacionais de então, resultando em uma

política de busca de mercados externos para o produto da região.

Palavras-chave: Desenvolvimento Regional; Política Externa Brasileira;

Inserção internacional do Brasil.

Apresentação

Esse ensaio, como bem diz o nome, tem por objetivo articular o desen-

volvimento regional de Novo Hamburgo, entre os anos 1968-1978, como a

política de inserção comercial brasileira. A contribuição da região para o projeto

O VALE DO RIO DOS SINOS E A INSERÇÃO

INTERNACIONAL DO BRASIL NO CONTEXTO DO

NACIONAL DESENVOLVIMENTISMO: 1968-1978.1

Rodrigo Perla Martins2

Gisele Becker3

1

O presente artigo faz parte de um projeto maior de pesquisa desenvolvido na Feevale intitulado:

“A Educação Superior no Vale dos Sinos: um olhar histórico através da imprensa (1969-1985)”.

2

Mestre em Ciências Políticas pela UFRGS. Docente e Pesquisador da Feevale. E-mail:

[email protected].

3

Doutoranda em Comunicação Social pela PUC-RS; Mestre em História do Brasil pela PUC-RS.

Docente e Pesquisadora da Feevale. E-mail: [email protected].

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

nacional daquele momento foi a produção especializada de produtos acabados,

nesse caso o calçado. A exportações desse produto aconteceu em um contexto

histórico de busca de mercados consumidores externos para os produtos brasi-

leiros. Além disso, essa articulação resultou numa região urbana e industrializada.

Paralelo a esse contexto, ocorre o desenvolvimento do ensino superior no Vale

dos Sinos, como forma de dar respaldo à formação de uma mão-de-obra espe-

cializada de que a região necessitaria a partir de então, sendo parte, portanto, de

um projeto de desenvolvimento para a região.

Chamamos o mesmo de ensaio porque nos encontramos em fase inicial

do projeto como um todo, e desse excerto no particular, em coleta de dados que

venham a comprovar algumas hipóteses a partir de pesquisa bibliográfica, em

depoimentos orais e mídia impressa (Jornais).

Nesse ensaio utilizamos o conceito de desenvolvimento regional4

e outros

conceitos subseqüentes e correlatos5

, como resultado de uma articulação de pro-

jetos econômicos locais-nacionais que estavam em voga no período estudado.

Considera-se que o desenvolvimento industrial brasileiro se iniciou, de fato,

a partir da década de 406,

e que o mesmo tenha sido idealizado a partir do processo

político instaurado a partir de 19307

, através da chamada Revolução de 30.

A dependência econômica do país em relação a produtos de baixo valor

agregado (hoje conhecidos como commodities) chegou a um impasse, em 1929,

com a crise da bolsa de Nova York. Essa teve, como uma das várias causas

determinantes, a superprodução de mercadorias. Atingiu o sistema capitalista

4

De acordo com Iselda Corrêa Ribeiro, “... podemos acreditar que o desenvolvimento de uma região

só pode ser considerado sustentável se for constituído por um desenvolvimento humano e social,

que abarca as relações sociais regionais e locais e suas contradições. Vendo desse ângulo, podemos

considerar que o conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ é possivelmente uma utopia, utopia essa

que deve ser inerente às práticas cotidianas do fazer dos políticos, das ONGS, dos empresários e,

conseqüentemente, dos seus desafios.” (RIBEIRO, Iselda Corrêa. O desenvolvimento local e regional

na região do Vale dos Sinos: um portal para a qualidade de vida. In: RIBEIRO, Iselda Corrêa (org.).

Estudos em desenvolvimento regional II: Pensando Campo Bom. NH: Editora Feevale, 2004.)

5

Sobre o mesmo ver: RIBEIRO, Iselda Corrêa. Desenvolvimento local e regional na região do Vale

dos Sinos: um portal para a qualidade de vida. In: RIBEIRO, Iselda Corrêa (org.). Estudos em

desenvolvimento regional II: Pensando Campo Bom. NH: Editora Feevale, 2004. pág: 19 a 28.

Nesse artigo a autora define com clareza e objetividade, além de um rápido levantamento bibliográfico

sobre conceito.

6

FONSECA, Pedro César D. Vargas. O capitalismo em construção. SP: Brasiliense, 1989.

7

Idem.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

central como um todo e refletiu de maneira muito profunda em países periféri-

cos como o Brasil. Isso porque a produção de café (principal produto da pauta

de exportações brasileiras naquele momento) perdeu quase a totalidade do seu

valor no mercado internacional.

A conjuntura econômica de crise levou o governo brasileiro, e grande

parte dos países do mundo, a políticas comerciais protecionistas e de destruição

física de produtos, tentando com isso valorizá-los. Esse momento histórico fez

com que o novo grupo político no poder iniciasse a concretização de um projeto

econômico alternativo para o país. Se até aquele momento o país se inseriu no

sistema internacional como fornecedor de produtos agrícolas, com este novo

projeto iniciou-se a busca por um novo tipo de inserção internacional.

A industrialização do país era a meta principal para um novo tipo de

relação com o mercado internacional. Com isso, teve início o processo substitutivo

de importações. Em vez de se comprar produtos acabados, o país passou a

importar as máquinas que poderiam manufaturar os produtos. Paralelo a este

contexto, as importações de produtos acabados foram altamente taxados na

tentativa de proteger o mercado interno da concorrência externa, incentivando

assim o surgimento de indústrias nacionais que pudessem suprir as demandas do

mercado consumidor. A estimulação de um mercado consumidor de mercado-

rias acontecia pari passu com o projeto industrial do Brasil.

A idéia de buscar no exterior recursos (balança comercial favorável, princi-

palmente) necessários para o desenvolvimento do país foi uma das variáveis

determinantes para os governos pós-1930. Apesar de alguns recuos e hesitações, é

possível afirmar que se manteve no horizonte das políticas econômicas governa-

mentais, em diferentes governos, uma certa busca de incrementar o processo in-

dustrial. Ao fim, podemos afirmar que a implementação desse projeto, ao longo

de quase 60 anos, resultou na oitava economia industrial do mundo em 1985.

Ao mesmo tempo em que se objetivava esse processo, uma atuação bra-

sileira que buscasse mercados consumidores externos para os produtos oriundos

da indústria era determinante e necessária. Por isso, podemos considerar que um

dos vetores desse processo industrial, do ponto de vista político, foi o Itamaraty.

Em uma possível relação de vendas de produtos externos manufaturados com o

desenvolvimento interno do país, a atuação do mesmo deve e pode ser conside-

rado para uma análise.

A partir dos anos 50, um novo momento de industrialização vivido pelo

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

país consolida então a idéia de um país industrial e urbano. As fábricas de bens de

consumo, que se instalavam no país, contribuíram para o desenvolvimento tão

almejado. Os “50 anos em 5” ou “Plano de Metas”, como era chamado, definiu

a industrialização brasileira com a chegada das grandes empresas multinacionais.

As mesmas tinham como objetivo em sua produção os produtos de bens de

consumo. Isso é, o mercado consumidor interno brasileiro tornou-se alvo dessas

empresas. Além disso, os incentivos para a instalação das mesmas eram

determinantes.

Nesse ponto de incentivos, pode-se considerar a opção feita na industria-

lização brasileira nesse momento. Isso é, se não se tinha know how para se investir

na fabricação de produtos de bens de consumo (geladeiras, automóveis etc),

então o Estado concedia o incentivo para tanto. Depois de atendido o mercado

interno de consumo do país, as indústrias instaladas no país passaram a exportar

os mesmos, mudando assim a pauta de exportações brasileiras.

A partir disso, considera-se que até meados da década de 60, apesar de

todo esforço desenvolvimentista implementado a partir dos anos 40, o país ain-

da era grande vendedor de produtos agrícolas (principalmente o café). As políti-

cas de incentivo à substituição de importações ainda não tinham dado todos os

resultados esperados. É somente em um terceiro momento de industrialização

que esse “sonho” de exportação de produtos acabados se realizaria.

Com o golpe de 64 e o chamado Regime Militar, o processo industrial é

retomado/continuado e a internacionalização da economia brasileira alcança seu

ápice. Isso levou o país no geral, e suas localidades, de uma maneira específica e

especializada, a serem reconhecidos mundialmente como exportadores de pro-

dutos manufaturados.

É somente nesse momento que se pode considerar que há uma virada na

pauta de exportações brasileiras, onde os produtos industrializados passaram a

serem hegemônicos nas vendas externas do país.

Para um rápido entendimento dessa questão, pode-se dividir o desenvol-

vimento industrial brasileiro em dois momentos: um entre 1940 e 1960, quando

se comprava máquinas e ainda vendiam-se produtos agrícolas (em sua maioria).

Depois, de meados da década de 60 até início da de 80, venderam-se produtos

prontos, isso é, com alto valor agregado. Passou-se então de um processo de

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

substituição de importação para um processo de substituição de exportação8

. A

venda de produtos com valor agregado foi o principal ponto da economia bra-

sileira ao longo do chamado “Milagre Econômico” na década de 70.

Mesmo sendo ainda um fornecedor de produtos agrícolas, produtos

manufaturados passaram a determinar as vendas externas.

Com tudo isso, é nesse contexto histórico-econômico do pós-1964, tanto

no quesito de desenvolvimento, como no de substituidor de produtos para ex-

portação, que se faz necessário inserir as exportações de calçados da cidade de

Novo Hamburgo e do Vale dos Sinos.

Isso porque, com a demanda interna atendida de maneira relativa (a limi-

tação da capacidade de consumo do mercado interno, advinha, principalmente,

para alguns, em virtude da falta de reformas sociais) era necessário buscar alter-

nativas para o consumo da produção industrial. A exportação, então, foi a res-

posta para tal problemática. Isso é, se o país tinha indústrias e o mercado consu-

midor interno não absorvia à altura dessa produção, passou-se então a buscar os

mercados externos de consumo. A chamada internacionalização da economia

brasileira veio a responder a essas questões.

Políticas governamentais de incentivo às exportações e de subsídios às

indústrias (que baratearam os custos de produção) foram a solução encontrada

para a produção industrial daquele momento.

No caso do Vale dos Sinos (no geral) e de Novo Hamburgo (de maneira

particular), é nesse momento que se consolidou o sistema de produção, já que, na

região, tinha-se da matéria-prima do calçado à exportação.

O crescimento da produção de calçados foi mais que o dobro entre os

anos 19699

e 197410

. Além do aumento de produção como resultado da expor-

tação, houve, conseqüentemente, o aumento de empregos na região.

Além disso, as empresas do setor tiveram que se adaptar para tal emprei-

tada: inovações tecnológicas, empreendedorismo e uma nova concepção de

8

Heloisa Conceição Machado da Silva. Da substituição de importações à substituição de exportações:

a política de comércio exterior brasileira de 1945 a 1979. POA: Ed. da UFRGS, 2004.

9

23.834.945 de pares. MEURER, Marcos Artur. O crescimento das exportações de calçados de

Novo Hamburgo: causas e conseqüências. UNISINOS. Centro de Educação e Humanismo. São

Leopoldo, 1989. mimeo.

10

51.634.489 de pares. Idem.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

mercado consumidor, o externo, já que, este último, era mais exigente e concor-

reu com produtos externos.

Podemos afirmar que esses fatores podem estar ligados entre si para o

desenvolvimento da região (no quesito exportação) e articulam-se com a política

de inserção comercial brasileira no período militar.

Paralelo e complementar a isso existiram iniciativas individuais de abertura

de mercado consumidores externos.11

Também cabe ressaltar o incentivo gover-

namental de exportação (via feiras externas) para expôr os produtos. Além, é

claro, do próprio, o surgimento da FENAC12

em âmbito interno que atraíram

empresários estrangeiros e nacionais.

Iniciou-se o processo exportador de calçados a partir do mercado norte-

americano e, em um segundo momento, a Europa. O principal mercado consu-

midor do calçados foi os EUA no início e ao longo da década de 70.

Como medida de proteção aos produtos nacionais, os legisladores ameri-

canos aprovaram sobretaxas aos calçados brasileiros a partir de 1974. Essa reser-

va de mercado imposta pelo legislativo norte-americano não deve ser vista como

pontual ou única, ou até mesmo somente contra o calçado da cidade de Novo

Hamburgo e da região do Vale do Rio dos Sinos, já que o Brasil, de uma forma

geral, sofreu barreiras alfandegárias e de sobretaxas sobre seus produtos manu-

faturados e agrícolas em suas exportações. Para exemplificar, podemos citar o

caso da disputa que houve entre Brasil e EUA na venda de café verde e do café

industrializado (granulado). Essa disputa, e até mesmo a barreira que o calçado

sofreu, deve ser entendida dentro de uma lógica de mercado e de política co-

mercial externa, já que os produtores do chamado primeiro mundo, às vezes,

não conseguem aplicar coerência com o discurso do livre comércio total.

Para um melhor entendimento dessa possível relação entre o dinamismo

interno na produção de produtos acabados e a política comercial externa brasi-

leira no período estudado, deve-se creditar ao esforço da comunidade em âmbi-

to local. Isso é, para que o produto da região se tornasse importante na pauta de

exportações brasileiras, foi necessária uma articulação de interesses internos da

11

Referente depoimentos de Maurício Schmidt, Raul Brandenburguer e Cláudio Strassburguer:

SCHEMES, Cláudia (et.all.) Memórias do setor coureiro-calçadista: pioneiros e empreendedores

do Vale do Rio dos Sinos. Novo Hamburgo: Feevale, 2005.

12

Feira Nacional do Calçado. Para mais informações ver: idem.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

elite local. Nesse tópico podemos citar, objetivamente, o empresariado local e,

obviamente, o Jornal NH.13

Esse esforço empreendedor também resultou numa criação de um conjun-

to de serviços na cidade de Novo Hamburgo que, a partir deles, considera-se uma

cidade urbana e desenvolvida. Dentre esses esforços destacam-se a criação de

cursos de ensino superior, agências bancárias, chegada da telefonia etc, que dariam

respaldo a todos os investimentos e o desenvolvimento que já vinha sendo perce-

bido no Vale.

Em pesquisa mais apurada nos jornais de época, Jornal NH principalmen-

te, pode-se notar até mesmo um certo ufanismo em relação a esse possível de-

senvolvimento que o calçado trouxe para a cidade e região.

No caso da FEEVALE (Federação de Estabelecimentos de Ensino Supe-

rior no Vale do Sinos), sua mantenedora, a ASPEUR (Associação Pró-Ensino

Superior em Novo Hamburgo) surgiu em 1969. A criação dessa entidade tam-

bém acontece no contexto histórico desse desenvolvimento de então. Isso é, uma

cidade que vislumbrava o desenvolvimento econômico também deveria ser de-

senvolvida na questão educação. O surgimento do ensino superior parecia res-

ponder aos anseios da comunidade pelo desenvolvimento que o fato traria. Tam-

bém percebemos, a partir deste momento, o princípio de integração da FEEVALE

com a comunidade na qual está inserida. Afinal, a qualidade da mão-de-obra era

considerada determinante para esse desenvolvimento.

O próprio poder local, via propagandas institucionais, chamava atenção

sobre esse quesito educação. A cidade era chamada de “A bem educada”14

,

já que

sediava escolas públicas e privadas, MOBRAL e faculdades de ensino superior,

constituindo a FEEVALE. Assim, os projetos de desenvolvimento locais, aliados

aos investimentos em educação, salientam um conjunto de interesses vinculados

aos objetivos nacionais de então, resultando em uma política de busca de merca-

dos externos para o produto da região.

Das considerações sobre a parte que compõe o todo, podemos afirmar

que a região (parte) contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento do país

13

Ver monografia de: ÁVILA, João Carlos Rambor de. O papel do Jornal NH no desenvolvimento

econômico regional. Novo Hamburgo, Monografia de Bacharelado em Jornalismo, Centro

Universitário Feevale, dezembro de 2004.

14

Jornal NH, Novo Hambrugo, 23.06.1971.

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Desenvolvimento Regional e Responsabilidade Social: construindo e consolidando valores

(todo). Aquela sentiu os reflexos de expansão e retração do comércio exterior

brasileiro ao longo dos anos estudados e vindouros.

Referências Bibliográficas

ÁVILA, João Carlos Rambor de. O papel do Jornal NH no

desenvolvimento econômico regional. Novo Hamburgo, Monografia de

Bacharelado em Jornalismo, Centro Universitário Feevale, dezembro de 2004.

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MEURER, Marcos Artur. O crescimento das exportações de calçados de

Novo Hamburgo: causas e conseqüências. UNISINOS. Centro de Educação

e Humanismo. São Leopoldo, 1989. mimeo.

SCHEMES, Cláudia (et.all.) Memória do setor coureiro-calçadista:

pioneiros e empreendedores do Vale do Rio dos Sinos. Novo Hamburgo:

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SILVA, Heloisa Conceição Machado. Da substituição de importações à

substituição de exportações: a política de comércio exterior brasileira de

1945 a 1979. Porto Alegre : Editora da UFRGS, 2004.

Jornal NH, Novo Hamburgo, 1969 a 1974.

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