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Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação N.º 9 | Ano 5 | Dezembro de 2017 | Semestral | € 0,01 Desafios da transplantação em Portugal Um dos destaques da Reunião Nacional da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT), que decorreu no passado mês de novembro, foi o debate sobre a necessidade de atualizar a legislação em vigor para a alocação de órgãos. Na opinião dos profissionais desta área, é urgente redefinir critérios e introduzir mudanças, como a aceitação de dadores que, até agora, não eram considerados, pois há que contornar desafios como a diminuição do número de dadores em morte cerebral. Aliás, a imperiosidade de incre- mentar a doação de órgãos foi outro aspeto muito referido neste encontro, que também analisou as recomendações mais recentes para a prevenção da perda de enxertos e o papel dos inibidores da mTOR na imunossupressão, sobretudo em doentes com infeções víricas Pag.10 e 11

Desafios da transplantação em Portugal · 2018-03-19 · Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação N.º 9 | Ano 5 | Dezembro de 2017 ... 8 Reportagem na Unidade

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Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação

N.º 9 | Ano 5 | Dezembro de 2017 | Semestral | € 0,01

Desafios da transplantação em Portugal Um dos destaques da Reunião Nacional da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT), que decorreu no passado mês de novembro, foi o debate sobre a necessidade de atualizar a legislação em vigor para a alocação de órgãos. Na opinião dos profissionais desta área, é urgente redefinir critérios e introduzir mudanças, como a aceitação de dadores que, até agora, não eram considerados, pois há que contornar desafios como a diminuição do número de dadores em morte cerebral. Aliás, a imperiosidade de incre- mentar a doação de órgãos foi outro aspeto muito referido neste encontro, que também analisou as recomendações mais recentes para a prevenção da perda de enxertos e o papel dos inibidores da mTOR na imunossupressão, sobretudo em doentes com infeções víricas Pag.10 e 11

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Na transplantação, a maioria dos momentos é de alegria, mas, em 2017, o falecimento do Dr. Morais Sarmento deixou-nos mais pobres. A SPT não podia deixar de homenagear alguém que se dedicou desde sempre ao transplante, que via na mudança a opor-tunidade de ser melhor e que sempre considerou a amizade como um bem precioso e a preservar. Quem teve a sorte de conviver e trabalhar com o Dr. Morais Sarmento sabe o quanto preciosa foi a sua amizade.

A esperança da mudança há muito ansiada man-tém-se na atual Direção da SPT e em todos os profis-sionais do transplante. Contamos com a colaboração de todos para continuar a crescer como uma voz ativa de e para todos os profissionais. Que este seja um ano de prosperidade e mudança!

A missão da SPT passa pela divulgação cientí-fica, pela promoção da troca de ideias entre os seus sócios e a restante comunidade da área da transplantação, assim como por ex-

primir opiniões de índole científica baseadas, claro, na legis artis. Nesse sentido, desde há vários anos que a SPT tem manifestado publicamente a neces-sidade de alteração das atuais leis de alocação dos diferentes órgãos, sendo a alocação de rim, porven-tura, a mais complexa, quer do ponto de vista imuno-lógico quer no que toca à gestão da lista de espera.

Ao longo dos anos, a SPT tem promovido várias ações, nomeadamente a organização de fóruns e reuniões, para que os profissionais da área da trans-plantação possam debater e elaborar documentos de consenso, no sentido de sensibilizar os órgãos da Tutela para a absoluta necessidade de algumas alterações, como a alteração da legislação nacional relativa à alocação de órgãos.

No entanto, até hoje, nada mudou. Por isso, em 2017, coincidindo com a comemoração dos 30 anos da SPT, achámos que faria sentido apresentar uma proposta de alteração da alocação de rim. Com a preciosa colaboração de jovens especialistas da área da transplantação, elaborámos uma proposta, submetendo-a depois à discussão pública de todas as unidades. A partir das opiniões recebidas, redigimos um documento final, que foi apresentado na nossa Reunião Nacional, em novembro (ver páginas 10 e 11). Porque consideramos que os 30 anos da SPT foram construídos com a colaboração e a dedicação de muitos colegas, alguns pioneiros do transplante em Portugal, que em muito contribuíram para o prestígio da transplantação nacional e da nossa Sociedade, nesta reunião, homenageámos todos os anteriores presidentes numa sessão dedicada à história da SPT.

APONTAMENTOS5 Palavras de homenagem ao Dr. António Morais Sarmento- Principais temas do XIV Congresso Português/XVII Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação

VOZ ATIVA6 Entrevista com o Dr. João Paulo Almeida e Sousa, presi-dente do Instituto Português do Sangue e Transplantação

IN VIVO8 Reportagem na Unidade de Transplantação do Serviço de Nefrologia do Centro Hospita-lar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria

TransFORMAR10. Balanço da Reunião Anual da SPT que decorreu em novembro12. Ecos da participação portuguesa no XVI Congresso Luso-Brasileiro de Transplan-tes, decorrido em outubro, no Brasil18. Destaques das comemo-rações do Dia do Transplante 2017

EM ANÁLISE20 Os números mais recen-tes do transplante pulmonar e respetivo seguimento em Portugal

RETRATO22 Dr.ª Maria José Rebocho – resumo de uma carreira vivida com a máxima intensidade na transplantação cardíaca e na emergência médica

SUMÁRIOA esperança da mudança há muito anunciada

Susana SampaioPresidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação

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DIREÇÃOPresidente: Susana Sampaio (Porto)Vice-presidente: Jorge Daniel (Porto)Tesoureira: Cristina Jorge (Lisboa)Vogais: André Weigert (Lisboa), David Prieto de la Plaza, Fernando Macário e Pedro Nunes (Coimbra)

ÓRGÃOS SOCIAIS DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE TRANSPLANTAÇÃO (2016-2019)

ASSEMBLEIA-GERAL Presidente: La Salete Martins (Porto)Vogais: Rui Filipe (Castelo Branco) e Manuela Almeida (Porto)CONSELHO FISCAL Presidente: Alice Santana (Lisboa)Vogais: Inês Castro Ferreira e Carla Damas (Porto)

Sociedade Portuguesa de TransplantaçãoAv. de Berna, n.º 30, 3.ºF 1050-042 LisboaTel.: (+351) 220 164 206 / 933 205 201E-mail: [email protected]: www.spt.pt

Esfera das Ideias, Lda. Campo Grande, n.º 56, 8.º B1700-093 Lisboa Tel.: (+351) 219 172 815 / (+351) 218 155 107 [email protected] www.esferadasideias.pt EsferaDasIdeiasLdaDireção: Madalena Barbosa ([email protected]) Marketing e Publicidade: Ricardo Pereira ([email protected])Coordenação editorial: Luís Garcia ([email protected]) Redação: Luís Garcia, Rui Alexandre Coelho e Sandra Diogo Fotografia: João Ferrão Design e paginação: Susana ValeColaboração: Rui Santos Jorge

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Publicação isenta de registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 8/99, de 6 de junho, artigo 12.º, 1.ª alíneaFICHA TÉCNICA

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4 | DEZEMBRO 2017

PONTAMENTOS

PORTUGAL BRILHOU NO 18.º CONGRESSO DA ESOT

Com o lema «Transplantation BigBang Barcelona», o 18.º Congresso da Eu-ropean Society for Organ Transplan-

tion (ESOT) decorreu de 24 a 27 de setembro passado, naquela cidade catalã. No que diz respeito à participação portuguesa, o Dr. Fernando Macário, nefrologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que esteve presente no evento, considera que o prémio atribuído ao Dr. Jorge Malheiro (ver notícia abaixo) «foi o momento mais impor-tante». Opinião concordante tem outra con-gressista portuguesa, a Dr.ª Joana Santos, nefrologista no Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto: «O Dr. Jorge Malheiro, que ganhou o Young Investigator Award, foi muito aplaudido pela audiência e pelo moderador.» Além desse momento alto, foram apresen-tados vários pósteres e comunicações orais

de autores portugueses de diferentes centros de transplantação, «todos eles muito bem defendidos, revelando a atividade científica de muita qualidade que se faz no nosso país».

Segundo Fernando Macário, este foi «um dos melhores congressos da ESOT nos úl-timos anos», pois, no seu todo, teve «um programa muito enriquecedor do ponto de vista científico». E Joana Santos completa: «Foi um congresso muito interessante e com algumas novidades, quer a nível da ciência básica quer a nível mais clínico, tendo-se des-tacado os trabalhos e apresentações na área da rejeição humoral. Houve também sessões muito interessantes sobre alocação, colheita e preservação de órgãos. A necessidade de individualizar a abordagem ao doente trans-plantado renal, tal como as ferramentas mo-leculares e os biomarcadores disponíveis são outros aspetos relevantes que estiveram em análise. De facto, este congresso é sempre muito enriquecedor.»

No âmbito das novidades, a nefrologista do CHSJ destaca a apresentação dos resultados preliminares da análise do primeiro ano do

TRANSFORM1, o estudo multicêntrico na área da transplantação renal com maior número de doentes incluídos. «Globalmente, os resul-tados aos 12 meses não mostram diferenças em termos de função renal e taxa de rejeição comprovada por biópsia entre os dois braços do estudo (everolimus e inibidor da calcineu-rina em baixa dose versus ácido micofenólico e inibidor da calcineurina). Adicionalmente, verificou-se uma diminuição significativa da infeção por citomegalovírus (e em menor grau da infeção por poliomavírus) no braço everoli-mus/inibidor da calcineurina em baixa dose. Aguarda-se por uma análise mais exaustiva aos 24 meses», resume Joana Santos.

1 TRANSFORM: a novel study design to evaluate the effect of everolimus on long-term outcomes after kid-ney transplantation. Julio Pascual et al. Open Access Journal of Clinical Trials. Junho de 2014.

JORGE MALHEIRO RECEBEU YOUNG INVESTIGATOR AWARD

O trabalho «Early antibody-mediated rejection C4d status remains a marker of prog-nosis in HLA-incompatible kidney transplantation», do qual o Dr. Jorge Malheiro, nefrologista no Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António (CHP/HSA), é o

investigador principal, foi um dos dez vencedores do Young Investigator Award no Congresso de 2017 da European Society for Organ Transplantion (ESOT), que decorreu em setembro.

Como explica o vencedor, nos últimos anos, «têm surgido evidências a demonstrar que a marcação positiva para o C4d na histologia do enxerto renal, apesar de ter um papel importante na patogenicidade da rejeição mediada por anticorpos, não é indispensável para o seu diagnóstico». Assim, o objetivo inicial deste trabalho foi perceber se, abandonando o marcador C4d na definição de diagnóstico deste tipo de rejeições, haveria implicações prognósticas. Os resultados obtidos no estudo em rejeições precoces revelaram que, efetivamente, o C4d ainda é um marcador de prognóstico. «Quando a rejeição é C4d--positiva, há pior prognóstico para o enxerto renal», concretiza.

Este trabalho foi desenvolvido na Unidade de Transplante Renal do CHP/HSA, em colabo-ração com o Laboratório de HLA (antígeno leucocitário humano) do Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST), no Porto. Os Young Investigator Awards visam reconhecer a qualidade excecional dos trabalhos e o seu contributo para o desenvolvimento da área da doação e transplantação. Cada um dos dez vencedores da edição de 2017 recebeu um diploma e uma retribuição financeira no valor de 1 500 euros.

DR

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XIV Congresso Português de Transplantação/ /XVII Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação11 a 13 de outubro de 2018, no Hotel Vila Galé de CoimbraPresidente do Congresso: Dr. Fernando Macário, nefrologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e anterior presidente da SPT.

Temas já definidos: «Investigação básica, translacional e clínica – a excelência em Portugal e no Brasil»; «Aspetos económicos da transplantação»; «Ensino e ligação das academias às práticas clínicas»; «Controvérsias no século XXI: ética, justiça e limites deontológicos da transplantação»; «Tráfico de órgãos»; «Inovação tecnológica em transplantação»; «Epidemiologia: práticas clínicas, protocolos e qualidade na transplantação».

Data-limite para envio de resumos: 31 de maio de 2018 Organização: Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT), Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e Associação Portuguesa de Enfermeiros de Diálise e Transplantação (APEDT).

NÃO FALTE!

UMA PERSONALIDADE CONCILIADORA

In Memoriam // ANTÓNIO MORAIS SARMENTO – 12/11/1943 – 29/08/2017

«Nasceu em Chaves. Licenciou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em

1969. Desde cedo se interessou por outras atividades, tendo praticado desporto, canto e teatro. Casou-se em 1969 e teve dois filhos. Em novembro de 1970, após o Internato Geral no Hospital de São João, integrou o Serviço de Medicina Interna do Hospital de Santo António (HSA), que já se dedicava primor-dialmente à área nefrológica. Entre maio de 1971 e maio de 1973, cumpriu o serviço militar em Angola, como médico. Em junho, regressou ao HSA, na altura sob a chefia da Dr.ª Eva Xavier e do Dr. Serafim Guimarães. Em 1975, foi criado o Internato de Nefrologia e o Dr. Morais Sarmento foi o primeiro interno desta especialidade em Portugal.

Durante dois anos (1976 e 1977),  estagiou nos EUA, no Hospital de Saint Francis, em Hartford, Universidade do Connecticut, sob a chefia do Prof. Jack Maher. Aí observou e seguiu os primeiros transplantes renais da sua carreira. No início de 1978, regressou a Portugal, concluiu o Internato em 1979 e, em 1980, após concurso público, passou a pertencer ao quadro de Nefrologia do HSA.

Entretanto, abre a licenciatura em Me-dicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, onde o Dr. Morais Sarmento lecionou entre 1979 e 1983. Ainda nos anos de 1980, contribuiu para a criação e a descentralização dos cen-tros de hemodiálise em Portugal. Em 1983, inicia-se o Programa de Transplantação Renal do HSA, ficando este nefrologista a coordenar todas as vertentes nefrológicas dessa atividade pioneira no norte do país.

Em 1984, trabalhou em Inglaterra, no Ser-viço de Nefrologia e Transplante Renal do Dulwich Hospital. Foi diretor do Serviço de Nefrologia desde 2002 e, depois, do Departa-mento de Medicina do HSA. Realizou inúme-ras palestras e moderações em congressos e cursos, e foi autor de vários artigos publicados nacional e internacionalmente. Foi presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, entre 1986 e 1988, e da Sociedade Portuguesa de Transplantação, entre 2006 e 2010.

O Dr. António Morais Sarmento exerceu sempre com grande empenho a atividade clínica, adaptando os conhecimentos técnico-científicos da Medicina à situação concreta do doente e salientando o dever de empatia e de respeito pela individuali-dade de cada pessoa de que cuidava. Tinha grande disponibilidade para o ensino e o treino de médicos e outros profissionais, frequentemente lembrando que se deve transmitir conhecimentos (“conteúdos”, nas suas palavras), mas também, e sobretudo, “modos” de estar e atuar.

Além do seu percurso profissional, distin-guiu-o a sua capacidade ímpar de ultrapas-sar conflitos, de criar pontes entre pessoas e grupos, de superar rivalidades, de obter consensos e, sobretudo, de fazer amigos e cultivar as amizades. A propósito de uma homenagem que o Serviço de Nefrologia do HSA lhe prestou, coincidindo com os 25 anos do Programa de Transplante Renal, escreveu:

“(…) Acho desmedida a importância que vocês, meus amigos, me dão. A amizade vê com óculos de aumento os amigos (…) Sempre me magoei mais por falhar do que me alegrei pelo que consegui (…) Se alguma

boa coisa fiz e ganhei foi um sentimento de profunda amizade com muita gente com quem me cruzei ao longo dos anos. Esse foi o meu grande prémio, para além do que fiz de bom pelos doentes que tratei e entre os quais felizmente também tenho alguns amigos (…) A festa dos amigos é o dia a dia e a certeza de que a amizade fica para sem-pre. Haverá alguma coisa com mais valor? Esta, para mim, será sempre a homenagem à amizade e aos afetos que ao longo da minha vida profissional fui criando.”

Dr. Morais Sarmento, tivemos o privilégio de o conhecer. Sentiremos a falta da sua voz, do seu riso, da sua companhia. Temos o dever de transmitir as suas lições de vida e os elevados valores que cultivou.»

La Salete Martins (Hospital de Santo António) e Domingos Machado (Hospital de Santa Cruz)

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6 | DEZEMBRO 2017

OZ ATIVA

«TEMOS DE AGARRAR TODAS AS OPORTUNIDADES DE DOAÇÃO»

Ao cabo de 38 anos de carreira no Serviço Nacional de Saúde, o Dr. João Paulo Almeida e Sousa é, desde 1 de dezembro de 2016, presidente do Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST). Nesta entrevista, o ex-diretor da Unidade de Gestão Intermédia de Urgência e Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra revela que as prioridades do seu mandato passam por estabilizar a reserva nacional de sangue, evitar o seu desperdício e aumentar a doação de órgãos para transplante, seja de dador em morte cerebral, em paragem cardiocirculatória ou de rim em vida.

Rui Alexandre Coelho e Sandra Diogo

Que razões o levaram a aceitar o convite para dirigir o IPST?Há momentos na vida em que temos de tomar decisões e entendi que, ao fim de 28 anos a trabalhar como intensivista a full-time, devia responder afirmativamente ao ser chamado para outras funções. Em todo o caso, já estava ligado à área da doação e transplantação de órgãos, além de que, como intensivista, as questões relativas ao sangue não me eram estranhas. No entanto, nesta nova função, claro que encontro desafios, sobretudo dois, que configuram a missão do IPST, quase por definição. Por um lado, garantir que não há falhas no fornecimento de sangue aos hospitais. Também é nosso propósito combater o desperdício, pois queremos que todo o sangue doado seja devidamente utilizado. O outro desafio, já no âmbito da transplantação, é procurar garantir órgãos aos nossos concidadãos que deles precisam para viverem uma vida com qualidade. Neste âmbito, pretendemos, pelo menos, manter os níveis de doação que se têm verificado.

Concretamente, que medidas estão a ser postas em prática para combater o desperdício do sangue doado?Temos um plano estratégico que está a ser cumprido. Numa primeira fase, vamos avançar com o fracionamento de plasma de reservas

apenas do IPST, que nos vai permitir obter medicamentos derivados do plasma. Isto é muito importante, porque é uma forma de utilizar-mos as reservas que não foram necessárias para transfusão. Por outro lado, já estamos a avançar com a segunda fase deste plano, que passa por juntar o plasma do IPST ao dos hospitais que têm um volume de colheita significativo. O objetivo é lançarmos um segundo concurso de fracionamento, que deverá avançar até 2019, mas o processo já está em curso. Convidámos todos os hospitais que têm uma colheita significativa de sangue e todos eles já manifestaram o seu acordo, aliás já alvo de protocolo.

Existem muitas reservas de sangue em Portugal?Temos uma situação de equilíbrio entre as colheitas e o consumo de sangue. O problema principal da estabilidade das reservas é a sazonalidade. Há dois períodos constantes de diminuição no nú-mero de dadores – em janeiro/fevereiro, coincidindo com os surtos gripais, e no verão. Quando há uma redução na colheita de sangue que começa a preocupar, promovemos a dádiva através dos meios de comunicação social, sem criar alarme. E isso tem resultado: os portugueses doam mais sempre que se lhes pede.

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Ao nível da transplantação, que trabalho está a ser desenvolvido pelo IPST?Temos uma visão alargada de como podemos aumentar o número de órgãos para transplante. Há uma frente de trabalho que diz respeito aos dadores em morte cerebral, que tem sido, até agora, a forma mais explorada para obtermos órgãos. Pensamos que estes dadores continuarão a ser a origem primordial de órgãos para transplante no nosso país, até porque o seu potencial ainda não está esgotado. Mas há outras frentes, como a doação a partir de dadores em paragem cardiocirculatória e a partir de dador vivo.

Como está a curva do número de dadores em morte cerebral?A tendência é que venha a diminuir, por razões que são conhecidas e muitas delas socialmente relevantes, como é o caso da diminuição da sinistralidade rodoviária. Outra razão diz respeito aos efeitos po-sitivos da prevenção efetiva da doença cerebrovascular, para a qual o Serviço Nacional de Saúde tem contribuído. A maior parte dos nossos dadores em morte cerebral são vítimas de acidente vascular cere-bral, cuja mortalidade associada, felizmente, tem vindo a diminuir, tal como acontece com as doenças cardiovasculares em geral. São números que nos deixam satisfeitos pela diminuição da mortalidade, mas temos de enfrentar este cenário de maior escassez de órgãos com medidas concretas.

Apesar dessa efetiva redução do número de dadores em morte cerebral, afirma que o seu potencial ainda não está esgotado em Portugal. Pode explicar porquê? Um despacho assinado pelo secretário de Estado adjunto e da Saúde, Dr. Fernando Araújo, em junho de 2017, determinou que fosse criado um grupo de trabalho para elaborar uma matriz de normas hospita-lares de doação. Entretanto, essa matriz já foi criada e foi enviada a todos os hospitais, que devem elaborar as suas próprias normas de doação à luz dessa matriz. O objetivo é melhorar a identificação de possíveis ou potenciais dadores, bem como ultrapassar obstáculos processuais e logísticos, exatamente para evitar a perda de possíveis dadores. Uma prova da efetividade desta medida é que os hospitais que já têm normas de doação registaram um aumento do número de dadores.

Mas existem alternativas. A esse nível, como está a evoluir a doação em paragem cardiocirculatória?O projeto-piloto do Centro Hospitalar de São João registou re-sultados muito positivos, pelo que se decidiu estendê-lo a dois centros de Lisboa, devido ao enquadramento demográfico. Os programas de doação em paragem cardiocirculatória devem sobretudo existir, pelo menos nesta fase, em áreas com um número de habitantes entre os 18 e os 65 anos que permita registar uma casuística suficiente para manter um programa deste tipo. Acresce a essa razão de ordem demográfica o facto de o próprio Instituto Nacional de Emergência Médica ter disponibilizado mais meios de socorro pré-hospitalar que permitem atender a um conjunto populacional mais alargado.

Quais são os dois centros de Lisboa aos quais o projeto de doação em paragem cardiocirculatória foi alargado?O Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria e o Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital de São José, que têm capacidade técnica para desenvolver este programa. Além disso, são centros de referência em oxigenação por membrana extracorporal [ECMO], que é fulcral na manutenção destes dadores. Importa referir que os programas de doação em paragem cardiocirculatória surgem ab initio como forma avançada de ressuscitação de pessoas em paragem cardiorrespiratória refratária com margem de reversibilidade e que podem ser submetidas a circulação extracorpórea. Se a situação não reverter, então sim, avança--se para a paragem cardiorrespiratória refratária e irreversível, sendo que os doentes que não sobrevivem poderão ser dadores de órgãos.

Até que ponto é controlável o número de órgãos para doação?A atual instabilidade mensal do número de dadores pode prenunciar a sua tendencial diminuição, daí ter-se avançado para a doação em paragem cardiocirculatória também em Lisboa. Estamos a percorrer um caminho que outros países já percorreram e a experiência alheia é importante para tirarmos as nossas ilações. Temos de agarrar todas as oportunidades de doação, o que implica tentar aumentar a doação em morte cerebral e em paragem cardiocirculatória, mas também em vida, no caso do rim. O número de dadores vivos de rim tem aumentado, esperando-se que aumente ainda mais por conta de um protocolo que temos com os países do sul da Europa, que resulta da South Alliance for Transplant. Trata-se de um programa que, além do intercâmbio de experiências e de órgãos, é muito virado para a doação renal cruzada. A instituição portuguesa que está envolvida é o Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António, por ser a que reúne, neste momento, as condições para poder fazer parte deste protocolo.

Que legado gostaria de deixar ao IPST?Gostava de deixar as reservas de sangue estáveis, promovendo mais a dádiva de jovens, e deixar resolvida a questão do eventual desper-dício de plasma. No âmbito da transplantação, gostaria que todas as oportunidades de doação de órgãos fossem devidamente aproveitadas, para que não haja quebras relativamente aos últimos anos, em que tivemos boas taxas de doação [ver caixa]. O meu principal objetivo é acrescentar mais-valias ao trabalho previamente desenvolvido, mas o essencial será deixar o IPST, pelo menos, como o encontrei: com estruturas organizativas a funcionar e a dar respostas à nossa missão.

Com 418 dadores (mais 40 face a 2015), 81 dos quais dadores vivos, em 2016, Portugal foi o terceiro país do mundo a registar mais doações de órgãos. A taxa acabou por fixar-se nos 32,6 dadores falecidos por milhão de habitantes (uma diferença de 1,7 dadores/milhão habitantes relativamente ao ano anterior); Apenas Espanha (43,8 dadores) e Croácia (39,5) superaram Portugal em 2016; Contudo, o nosso país foi o sexto a nível mundial no número de transplantes realizados, uma vez que a idade avançada dos dadores afeta a qualidade dos órgãos e muitos deles não são aproveitáveis; Apesar disso, em 2016, atingiu-se um recorde no número de transplantes realizados (864).

UM ANO EXCECIONAL

O número de dadores vivos de rim tem aumentado, esperando-se que aumente ainda mais por conta de um protocolo com os países do sul da Europa, que resulta da South Alliance for Transplant

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8 | DEZEMBRO 2017

EQUIPA (da esq. para a dta.): Dr.as Alexandra Resende, Patrícia Conde e Isabel Neves (anestesiologistas), Drs. Lucas Baptista (responsável pela equipa cirúrgica), Natacha Rodrigues (nefrologista), Joaquim Neves (consultor de Ginecologia) e Nestor Alves (cirurgião), enfermeira-chefe Lurdes Nunes, Prof. João Borges Costa (consultor de Dermatologia), Dr. José Guerra (coordenador da Unidade de Transplantação), Sara Lopo (administrativa), Dr. Jorge Marques (cirurgião), Enf.ª Joana Silva, Drs. António Gomes da Costa (diretor do Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal), Alice Santana (nefrologista), David Martinho (consultor de Dermatologia), Hugo Silva (nefrologista), Augusto Ministro (consultor de Cirurgia Vascular), Joana Gameiro e João Gonçalves (nefrologistas)

UMA NOVA ETAPA, DEPOIS DE 30 ANOS DE ATIVIDADE NA TRANSPLANTAÇÃO

Corria o ano de 1989 quando se realizou o primeiro transplante com rim de dador falecido na Unidade de Transplantação (UT) do Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal do Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria (CHLN/ /HSM). Tal como no início, ao longo destas quase três décadas, a equipa foi sabendo adaptar-se às necessidades e prepara agora um importante salto: a mudança para um novo e próprio espaço, que foi criado de raiz com o objetivo de dar resposta ao crescimento da atividade e às mais atuais exigências do transplante renal.

Sandra Diogo

É com satisfação que o Dr. José Guerra nos recebe, acompa-nhado pela Dr.ª Alice Santana, o segundo elemento mais antigo da equipa, para darmos início à reportagem na UT do Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal do CHLN/HSM.

«Apanham-nos num momento de mudança, pelo que as condições não são as ideais», justifica o coordenador, enquanto espera pelo novo espaço, que se encontra em fase final de adaptação. «O nosso programa de transplantes tem vindo a aumentar progressivamente, até que, com o apoio do Conselho de Administração, chegámos à conclusão de que seria oportuno termos um espaço próprio para a transplantação, de acordo com as novas indicações desta área.»

Na coordenação desta UT desde 1996, José Guerra enfatiza as mais-valias que a mudança de instalações trará, não só para os doentes, mas também para os próprios profissionais. O novo espaço, no piso 9, foi concebido partindo do princípio de que a transplantação tem algumas particularidades, desde o pré-transplante até ao pós- -transplante e ao pós-reinternamento, nomeadamente a necessidade

de quartos de isolamento, além de que haverá todo um sistema técnico de apoio mais moderno.

«Vamos ter uma Unidade criada à medida da atividade transplan-tadora e não ao contrário, o que se tornou ainda mais justificável desde que, em maio de 2016, nos tornámos numa das três unidades de transplantação de referência na zona sul do país, juntamente com a do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/Hospital de Santa Cruz e a do Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital Curry Cabral», aponta José Guerra.

EQUIPA MULTIDISCIPLINAR

Integrada no Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal, a UT conta com a colaboração de todos os nefrologistas do hospital e também de elementos do Serviço de Cirurgia Geral, cujo responsá-vel é o Dr. Lucas Baptista, do Serviço de Anestesiologia, a cargo da Dr.ª Isabel Neves, e de consultores das diversas especialidades que se articulam com a área da transplantação e que têm uma formação específica para poderem acompanhar estes doentes.

Defendendo que esta lógica de atuação multidisciplinar constitui uma mais-valia da UT, José Guerra esclarece que estes elementos fazem parte da equipa de transplantação e estabelecem entre si contactos diários. E Alice Santana confirma: «Contamos com a colaboração de diferentes profissionais também no internamento e nas consultas, ou seja, em todo o caminho desde o pré até ao pós-transplante.»

VIVO

SABIA QUE...

…o primeiro transplante de rim de dador vivo do CHLN/HSM foi realizado em novembro de 2002?

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Nefrologistas – 6

Cirurgiões gerais – 9 Internos – 1 a cada seis meses

Consultas de pré-transplante – entre 800 a 1 000 (incluindo as de dador vivo)

Consultas de pós-transplante – cerca de 3 000 Total de transplantes realizados – cerca de 950 Segundos transplantes – 58 Transplantes de dadores vivos – 72 (65 adultos e 7 pediátricos)

Transplantes realizados em 2017 – 55 de dador falecido e 5 de dador vivo

Doentes em lista de espera ativa – 400 a 450

NÚMEROSA fluidez assistencial é muito grande, desde o pré-transplante, em

que os doentes são rapidamente analisados e se corrigem algumas possíveis anomalias para poderem entrar em lista de espera, até ao transplante e ao pós-transplante. «Esta atuação integrada e multi-disciplinar humaniza quer a vida dos doentes quer a nossa, porque também nos sentimos muito mais inseridos no objetivo global de tratar o melhor possível os nossos doentes», frisa José Guerra.

Esta relação de proximidade é também estabelecida com hospitais mais periféricos sem programa de transplantação e com centros de hemodiálise e unidades de diálise peritoneal. Aliás, é de referir que esta UT recebe doentes de todo o país. A título de exemplo, já foram transplantados no CHLN/HSM cerca de 100 doentes da Madeira, que agora são seguidos no Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal. O bom entendimento entre pares é, na opinião do coordenador, o grande ponto forte desta UT, que é escolhida como primeira opção por um número muito elevado de doentes. «Acreditar numa causa é a única forma de assegurar bons serviços», sublinha José Guerra, que aponta outros dois aspetos «incontornáveis» para o sucesso desta UT: «Contar com o apoio de uma Administração sensível à importância do transplante e estar integrada num centro hospitalar que dispõe de todas as valências.»

CONTRIBUTOS ESSENCIAIS

Dadas as circunstâncias transitórias, a UT não tem, neste momento, capacidade para acolher todos os internamentos dos doentes trans-plantados. Embora exista um espaço destacado para o efeito no Serviço de Cirurgia Geral, tendo em conta a dimensão das necessidades de internamento, sobretudo em fases mais críticas, é comum alguns doentes ficarem no Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal e serem aí acompanhados pela respetiva equipa médica e de enfer-magem. Habitualmente, estes internamentos representam cerca de 20% da capacidade da enfermaria do Serviço de Nefrologia.

José Guerra realça a importância dos enfermeiros e o facto de a enfermeira-chefe, Lurdes Nunes, estar ligada à área do transplante há mais de 25 anos. «Há todo um conjunto de desafios para a Enfer-magem, desde a preparação para o transplante até recebermos e acompanharmos o doente a seguir à intervenção, que resultam da enorme evolução registada nesta área, nomeadamente em termos de isolamento e de medicação, o que nos exige uma atualização constante», destaca Lurdes Nunes, não escondendo, contudo, a gratificação que sente sempre que vê um doente recuperar a sua independência após o transplante.

Estando inserida num hospital universitário, há também um con-tributo da equipa da UT para a formação médica, que não se esgota no Internato de Nefrologia. «Os alunos da Faculdade de Medicina

da Universidade de Lisboa passam, frequentemente, pelo Serviço de Nefrologia e, em consequência, também pela UT, onde nos acom-panham em algumas tarefas mais práticas, podendo assistir à rea-lização de transplantes», afirma Alice Santana. Paralelamente, esta equipa dá também formação a enfermeiros e assistentes operacionais. É nesse contexto que se enquadra o curso anual de transplantação destinado a vários profissionais do CHLN, com temas que vão do pré--transplante até áreas mais específicas. A edição de 2017 centrou-se na doação de rim em vida.

A produção científica é também uma forte aposta desta equipa, que todos os anos publica um grande número de artigos, quer em revistas e jornais portugueses quer internacionais. Neste momento, está a decorrer um projeto de investigação que José Guerra classifica como ambicioso e que visa encontrar algoritmos de prognóstico em transplante renal. «Infelizmente, o excesso de trabalho limita a dis-ponibilidade para estes projetos, mas a verdade é que os números são necessários e, muitas vezes, são os estudos retrospetivos que fazemos dentro da UT que nos permitem tirar algumas conclusões sobre a nossa realidade e as especificidades dos doentes que trans-plantamos», alerta o coordenador, manifestando a esperança de que, depois da integração nas novas instalações, a equipa possa ter mais tempo para a produção científica.

A Unidade de Transplantação Renal do Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria tem duas enfermarias com quatro camas e dois quartos de isolamento. Já nas novas instalações, todos os quartos poderão ser adaptados aos casos que exijam isolamento

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10 | DEZEMBRO 2017

RANSFORMAR

ALTERAÇÕES À LEI DE ALOCAÇÃO DE ÓRGÃOS EM FOCO NA REUNIÃO NACIONAL DA SPT

Sob o mote «Desafios na transplanta-ção atual», a Reunião Nacional da So-ciedade Portuguesa de Transplantação (SPT) decorreu nos dias 24 e 25 de no-vembro passado, na Costa de Caparica. Depois da tarde de sexta-feira ter sido quase exclusivamente dedicada ao debate sobre a necessidade de alterar a atual lei de alocação de órgãos, os trabalhos prosseguiram para o dia seguinte com a abordagem de temas como as recomen-dações mais recentes na prevenção da perda de enxerto e o papel dos inibidores da mTOR na imunossupressão, sobretudo em doentes com infeções víricas.

Sandra Diogo

«Lei da alocação de órgãos – é necessário mudar?» foi a pergunta que deu mote ao debate sobre a ne-cessidade de atualizar os critérios de atribuição de órgãos previstos no despacho que regula a atividade

desde 2007. Esta sessão, que decorreu no dia 25 de novembro passado, arrancou com a intervenção do Prof. David Prieto, cirurgião na Unidade de Transplantação Cardíaca do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Focando--se na doação para transplante de coração, este orador elencou as principais estratégias que permitirão tirar maior partido da oferta de dadores que, em sua opinião, ainda é muito ampla.

«Uma vez que os dadores de coração são cada vez menos, devido sobretudo à diminuição da sinistralidade rodoviária, não temos alter-nativa senão aceitar órgãos de pessoas de idade mais avançada e com outras comorbilidades», argumentou David Prieto, mostrando-se a favor do alargamento dos critérios de aceitação de dadores. Segundo este especialista, mesmo com dadores marginais, «é possível obter sobrevidas superiores a qualquer outra alternativa terapêutica», pelo que «a melhor forma de alargar os critérios de doação é assumir certas

deficiências dos dadores». Tal é possível com uma observação mais pormenorizada das características do dador, que inclui antecedentes clínicos, patologias associadas, exploração ecocardiográfica e angio-gráfica detalhadas, para que aspetos que poderiam levar à exclusão do dador acabem por ser encarados só como um inconveniente que pode ser aceite. «Nem sempre encontramos o dador ideal, mas pode ser o suficiente para que o doente não morra em lista de espera», alertou David Prieto, realçando que, hoje, uma elevada proporção dos dadores já se encontra nesta categoria.

Com o objetivo de apresentar a realidade da doação para transplante de fígado, tomou a palavra a Prof.ª Helena Pessegueiro, internista na Unidade de Transplante Hepático e Pancreático do Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António (CHP/HSA). Lembrando que o acesso de um doente ao transplante é sempre inferior ao número de cirurgias realizadas, apesar dos esforços para aumentar a doação e aproveitar os enxertos, a oradora referiu que «uma das maiores dificuldades consiste em encontrar um sistema justo e transparente, que permita alocar os enxertos aos doentes com os melhores indi-cadores de urgência, utilidade e benefício».

No debate sobre a lei de alocação de órgãos, a Prof.ª Helena Pessegueiro falou sobre fígado e o Prof. David Prieto sobre coração, numa sessão moderada pelo Dr. Jorge Daniel e pelo Prof. Manuel Antunes (da esq. para a dta.)

BONS RESULTADOS DOS INIBIDORES DA mTORSobre a sessão «Imunossupressão e infeções víricas – qual o papel dos mTOR?», na qual foi apresentada a experiência de vários hospitais, o Dr. Fernando Macário referiu que, embora a literatura sobre este tema não seja muito vasta, «o CHUC tem obtido bons resultados com o protocolo terapêutico que associa os inibidores da mTOR [mammalian target of rapamycin] à inibição da calcineurina em doses baixas, nomeadamente em doentes com infeções por citomegalovírus ou poliomavírus». Ou seja, nestes novos protocolos, «os inibidores da mTOR parecem ter um perfil mais favorável do que nos protocolos utilizados anteriormente».

ORADORES E MODERADORES DA SESSÃO: Drs. Pedro Cruz (Hospital Garcia de Orta – HGO), Rute Carmo (Centro Hospitalar de São João), Joana Coutinho (Hospital Curry Cabral), Manuela Almeida (Hospital de Santo António), Joana Costa (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – CHUC), Carlos Oliveira (HGO), Cristina Jorge (Hospital de Santa Cruz) e Prof. Rui Alves (CHUC)

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Para isso, evidenciou Helena Pessegueiro, «é fundamental utilizar ferramentas bem testadas, como a escala MELD [Model for End- -Stage Liver Disease], e identificar as suas múltiplas exceções, tal como definir indicadores para a alocação». Na prática, isso passa por «preparar um documento de revisão do sistema atual, que per-mita encontrar uma metodologia de alocação de fígados ou enxertos adequada à dimensão e à realidade do nosso país, o que implica a realização de reuniões de consenso entre experts nacionais (cirur-giões e hepatologistas), com reavaliações periódicas e análise de resultados», sublinhou.

DESAFIOS NA ALOCAÇÃO DE RINS

Coube à Dr.ª Susana Sampaio, presidente da SPT e nefrologista no Centro Hospitalar de São João, no Porto, apresentar para discus-são a proposta da SPT sobre as alterações necessárias ao nível da alocação de órgãos para transplante renal. O documento, que teve como ponto de partida a opinião unânime de que a atual lei necessita de alterações e atualizações, foi redigido por um grupo de trabalho que inclui elementos referenciados por cada diretor das Unidades de Transplantação. «O objetivo foi fazer uma revisão das várias leis de alocação de alguns países de referência e tentar perceber de que forma essas leis poderiam ser importadas para a nossa realidade ou, pelo menos, servir de ponto de partida para a alteração da nossa legislação», afirmou.

Segundo Susana Sampaio, «o aspeto mais consensual refere-se ao facto de a lei atual pontuar demasiado o tempo de diálise, em detri-mento da compatibilidade para transplante». A verdade é que, à luz de estudos que têm surgido nos últimos anos e da evolução da técnica, «tem-se verificado que essa questão é importante». Outro ponto des-tacado pela presidente da SPT foi a criação do Programa de Doação

em Paragem Cardiocirculatória, «que implica a alteração de alguns aspetos da lei, uma vez que este órgão tem de ser atribuído em menor tempo face a outros». Além disso, o facto de muitos dos doentes em lista de espera terem

vários anticorpos e, consequentemente, maior dificuldade de serem transplantados, «faz com que seja crucial a criação

de um programa especial para estes casos».O primeiro dia da Reunião Nacional da SPT contou ainda com a

análise do Dr. João Santos Silva, interno de Cirurgia Cardiotorácica no Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital de Santa Marta, sobre a realidade portuguesa da alocação de pulmões para transplante. A finalizar do dia, o Dr. Rui Filipe, nefrologista na Unidade Local de Saúde de Castelo Branco/Hospital Amato Lusitano, apresentou os números mais recentes dos registos da SPT.

PREVENÇÃO DA PERDA DOS ENXERTOS

A sessão que debateu estratégias para prevenir a perda dos enxertos contou com a participação do Prof. Francesc Moreso Mateos, diretor do Programa de Transplante Renal do Hospital Vall D´Hebron, em Barcelona, que falou sobre o surgimento de anticorpos contra o rim doado. «Trata-se de uma das variáveis que parece condicionar, de forma mais significativa, o fracasso tardio do transplante.» Reforçando que existem poucas ou mesmo nenhumas ferramentas para tratar estes casos, este orador defendeu que todos os esforços devem ser dirigidos para a prevenção.

«Durante muitos anos, preconizava-se que se deveria minimizar ao máximo o risco de perda de enxerto através de uma terapêutica imunossupressora agressiva, mas, nos últimos três/quatro anos, surgiram diversos estudos demonstrativos de que não é necessário minimizar assim tanto o risco. Assim, as grandes questões são “que tratamento?” e “quando?”. Para obtermos as respostas corretas, é necessário desenhar bons estudos, mas a verdade é que, por vezes, estes trabalhos são realizados de forma não muito criteriosa e os resultados acabam por ser desastrosos», advertiu Moreso Mateos.

Na mesma sessão, o Prof. Manuel Rodríguez Perálvarez, da Uni-dade de Hepatologia e Transplante de Fígado do Hospital Univer-sitário Rainha Sofia, em Córdoba, abordou a perda de enxerto em transplante de fígado. Na sua opinião, «é urgente gerir melhor a imunossupressão, para que o prognóstico dos doentes transplan-tados também melhore». Nesse sentido, «a utilização de guias de práticas clínicas, como os Consensus on Managing Modifiable Risk in Transplantation [COMMIT], desenvolvidos recentemente, são um grande auxílio no dia a dia».

30 ANOS DA SPT

A reunião encerrou com uma sessão comemorativa das três décadas que a Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT) completou em 2017. Depois da apresentação da história desta Sociedade, seguiu-se uma preleção de homenagem aos seus anteriores presidentes, nomeadamente o Dr. António Morais Sarmento, que faleceu em agosto passado (ver página 5).

Numa intervenção moderada pela Prof.ª La Salete Martins e pelo Dr. Fernando Macário, a Dr.ª Susana Sampaio apresentou a proposta da SPT relativa às alterações necessárias no âmbito da alocação de órgãos para transplante de rim

Os Profs. Francesc Moreso Mateos (no púlpito) e Manuel Rodríguez Perálvarez (na mesa, à esq.) apresentaram estratégias para diminuir a perda de enxerto em transplante de rim e fígado numa sessão moderada pelos Profs. Fernando Nolasco e Arnaldo Figueiredo (na mesa, à dta.)

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ECOS DAS INTERVENÇÕES PORTUGUESAS NO CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO

Como preletores, moderadores ou autores de comunicações orais e pósteres, foram muitos os portugueses que participaram no XVI Congresso Luso-Brasileiro de Transplantes, entre 18 e 21 de outubro passado, em Foz do Iguaçu, no estado brasileiro do Paraná. Representando as várias áreas da transplantação, os intervenientes nacionais tiveram oportunidade de apresentar a experiência dos centros onde trabalham e trocar impressões sobre a prática clínica com os seus congéneres do outro lado do Atlântico. Fique com o resumo do que foi apresentado por alguns desses oradores portugueses.

Luís Garcia

A confirmação dos laços existentes entre as sociedades científicas dos dois países esteve patente, desde logo, na sessão de abertura, na qual foi feita uma homenagem ao Dr. António Morais Sarmento, presidente da SPT de

2006 a 2010 e do Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação de 2004, que faleceu a 29 de agosto passado. Depois, ao longo dos quatro dias do Congresso, vários portugueses apresentaram palestras. Foi o caso do Dr. Rui Dias, responsável pelo Sistema de Qualidade do Banco de Tecidos Ósseos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), que participou numa confe-rência internacional de tecidos, abordando o tema «Desafios no processo de doação-transplante de tecidos musculoesqueléticos em Portugal».

Segundo este ortopedista, os desafios continuam a ser os mesmos dos últimos anos: a qualidade e a segurança dos aloenxertos. «Com a aplicação crescente de aloenxertos na resolução das complicações das fraturas, na cirurgia protésica e na cirurgia tumoral, juntamente com o surgimento de cada vez mais doenças infectocontagiosas, é imperioso garantir que os aloenxertos tenham grande segurança clínica e biológica», frisa. Outro desafio consiste em garantir a exis-tência de um stock de tecidos musculoesqueléticos compatível com as necessidades. «A colheita de aloenxertos é realizada em dadores de idade cada vez mais avançada. No entanto, em teoria, a quali-dade decresce com o aumento da idade do dador, nomeadamente nos aloenxertos tendinosos e meniscais, pelo que está estipulado que não se recorra a dadores com mais de 45 a 50 anos», explica Rui Dias. Segundo o especialista, neste Congresso ficou patente o

interesse e o grande esforço da comunidade médica brasileira para manter a qualidade e a segurança dos aloenxertos, que são muito utilizados no seu país.

Também a Prof.ª La Salete Martins, nefrologista no Centro Hospi-talar do Porto/Hospital de Santo António (CHP/HSA), conduziu uma palestra sobre desafios, neste caso os relacionados com o trans-plante de pâncreas. Segundo esta especialista, o primeiro desafio é a necessidade de aumentar o número de transplantes, que tem vindo a cair a nível global – embora não seja o caso de Portugal , que ocupa o sétimo lugar na lista de países com mais transplantes pancreá-ticos por milhão de habitantes. «Alargar os critérios de seleção do dador e do recetor pode ser uma solução para este problema, mas as repercussões serão a pior qualidade dos dadores e, possivelmente, a diminuição dos enxertos funcionantes.»

RANSFORMAR

DR

Dr. Rui Dias Prof.ª La Salete Martins

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De acordo com a preletora, a aceitação de recetores com cada vez maior risco também levanta questões relevantes, uma vez que «aceitar doentes acima dos 50 anos e com maior índice de massa corporal, por exemplo, acarreta riscos durante e após a cirurgia que podem condicionar resultados inferiores». O mesmo se veri-fica com os doentes hipersensibilizados, que têm maior risco de perda imunológica. La Salete Martins discutiu ainda desafios como a seleção da melhor imunossupressão, a falência técnica do pân-creas, a recorrência da autoimunidade pancreática e a avaliação das diferentes opções de transplante pancreático para os doentes com diabetes tipo 1.

ATUALIDADE DO TRANSPLANTE CARDÍACO

Por sua vez, o Prof. Manuel Antunes, diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica e Transplantação de Órgãos Torácicos do CHUC, fez uma apresentação sobre algumas soluções para a falta de dadores de coração. Face à redução da sinistralidade rodoviária, o perfil maioritário dos dadores deste órgão tem vindo a alterar-se rapidamente para pessoas mais velhas e com causas de morte cerebrais primárias. Segundo o especialista, «em apenas uma década, a idade média dos dadores dos corações transplantados no CHUC aumentou mais de 15 anos, para cerca de 45 anos de idade». Em duas situações já foram mesmo implantados corações de dadores com mais de 60 anos. «Estes dadores marginais têm de ser muito bem selecionados, dado o envelhecimento caracte-rístico do coração», refere Manuel Antunes. Na mesma categoria enquadram-se dadores com lesões não severas no coração (por exemplo, valvulares ou coronárias) que podem ser corrigidas fora do organismo.

Manuel Antunes salienta também a importância de melhorar a identificação dos dadores, sobretudo em hospitais periféricos, e as dificuldades colocadas pela colheita de órgãos a longa distância. «O coração não deve ficar fora do corpo mais de cerca de quatro horas, porque vai perdendo qualidade, mas existem hoje máqui-nas que permitem perfundir o órgão durante esse tempo, de modo a que mantenha as qualidades suficientes para ser utilizado num recetor», ressalva.

Ainda no âmbito cardíaco, a Dr.ª Maria José Rebocho, cardiologista no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/Hospital de Santa Cruz, fez uma revisão da evidência publicada nos últimos dez anos sobre a eficácia da terapêutica de indução no transplante de coração. Salva-guardando que apenas existem estudos retrospetivos a este nível, a especialista indica que a evidência aponta benefícios desta terapêu-tica em algumas indicações. É o caso dos doentes transplantados cardíacos que têm disfunção renal, uma vez que a terapêutica de indução permite atrasar o início da imunossupressão com inibidores da calcineurina, que são nefrotóxicos.

Também os doentes com elevado risco imunológico devido à pre-sença de anticorpos circulantes e aqueles que são colocados em assistência ventricular antes do transplante têm indicação para a terapêutica de indução. Segundo Maria José Rebocho, «os seus benefícios demonstrados na evidência não se refletem, de forma significativa, na sobrevivência dos doentes, mas sim na morbilidade e nas complicações pós-transplante».

EXPERIÊNCIA PORTUGUESA NA PAF

Ao nível da transplantação hepática, o principal contributo dos ora-dores nacionais foi a abordagem da polineuropatia amiloidótica fa-miliar (PAF), a doença hereditária tipicamente portuguesa que foi descrita em 1953, pelo Prof. Corino de Andrade. Na mesma sessão, o Prof. José Guilherme Tralhão, cirurgião geral no CHUC e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, e o Dr. Jorge Daniel, diretor da Unidade de Transplantação Hepática do CHP/HSA, apresentaram os principais resultados dos seus centros em dadores e recetores de transplante sequencial na PAF.

No CHUC, entre 1992 e 2016, foram realizados 267 transplantes hepáticos em adultos com PAF. A sobrevida global destes doentes foi de 78% aos 10 anos, sem diferença significativa na sobrevida entre

MARCA LUSA NA MODERAÇÃO DE SESSÕES

Além dos oradores referidos neste artigo, vários outros portugueses assumiram a moderação de palestras, simpósios, sessões plenárias e comunicações orais. Na área do rim, foi o caso da Dr.ª Susana Sampaio (Centro Hospitalar de São João, no Porto), do Dr. Fernando Macário (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – CHUC), do Dr. Rui Filipe (Unidade Local de Saúde de Castelo Branco/ /Hospital Amato Lusitano), do Prof. Aníbal Ferreira (Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital Curry Cabral), da Dr.ª Cristina Jorge (Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/ /Hospital de Santa Cruz) e da Dr.ª Alice Santana (Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria). Já a Prof.ª Helena Pessegueiro (Centro Hospitalar do Porto/ /Hospital de Santo António – CHP/HSA) e a Dr.ª Isabel Gonçalves (CHUC) moderaram sessões de apresentação de comunicações orais na área do transplante hepático, ao passo que o Dr. António Norton de Matos (CHP/HSA) foi o moderador do simpósio «Inovação em transplantes».

Prof. Manuel Antunes Dr.ª Maria José Rebocho Dr. Jorge DanielProf. José Guilherme Tralhão

DR

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géneros. De acordo com José Guilherme Tralhão, «estes são os dadores/recetores com melhor sobrevida relativamente a outros recetores que são transplantados devido a tumores, cirroses, insuficiências hepáticas e outras doenças». Na sua apresen-tação, o especialista descreveu também quais os doentes com melhor ou pior prognóstico após o transplante hepático, «ou seja, aqueles pior possibilidade da cura da PAF». No grupo dos doentes com pior prognóstico, foram detetados aqueles que não devem ser selecionados, incluindo os indivíduos com mais de 40 anos de doença, insuficiência renal, albumina sérica diminuída e neuropatia motora.

No transplante hepático sequencial, o doente com PAF recebe um fígado de dador falecido, sendo o seu – que é funcionalmente saudável – transplantado noutro doente. Como, geralmente, a PAF só se desenvolve a partir dos 20 anos de idade, pensava--se que também os indivíduos que recebem fígados de doentes com PAF só desenvolveriam a doença duas décadas depois. «Porém, verifica-se que não: em pelo menos 50% dos casos, a PAF aparece mais cedo, normalmente ao fim de sete a nove anos», sublinha Jorge Daniel. E acrescenta: «Essa constatação faz com que os fígados dos doentes com PAF sejam usados de forma muito mais criteriosa, sobretudo em doentes de idade avançado ou com patologia maligna.»

REFLEXÃO ÉTICA SOBRE A ALOCAÇÃO

O tema sempre atual dos critérios éticos que estão na base da alocação de órgãos foi discutido pelo Dr. Domingos Machado, diretor do Serviço de Nefrologia do Centro Hospitalar de Lis-boa Ocidental/Hospital de Santa Cruz. Neste âmbito, «a grande dificuldade ética é o equilíbrio entre dois valores que podem ser algo contraditórios: a utilidade do órgão e a equidade, com justiça social, no acesso ao mesmo», refere o palestrante. E explica: «A dúvida é se a prioridade deve ser dada aos doentes que estão há mais tempo à espera do órgão e que têm uma expectativa crescente e compreensível de o receber, mas também têm pior prognóstico e, em muitos casos, já não vão beneficiar tanto do transplante; ou se, por outro lado, devem ser privilegiados os doentes com menos comorbilidades, pelo que beneficiarão mais com o novo órgão.»

A lista de oradores portugueses no XVI Congresso Luso-Bra-sileiro de Transplantes incluiu ainda o Prof. Fernando Nolasco, diretor do Serviço de Nefrologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital Curry Cabral, que fez uma intervenção sobre a abordagem dos doentes hipersensibilizados num simpósio dedicado à relação entre a imunobiologia e o transplante renal.

PRODUÇÃO CIENTÍFICA NACIONAL DIVULGADA NO BRASIL

12 comunicações orais e 7 pósteres de autores portugueses foram apresentados ao longo do XVI Congresso Luso-Brasileiro de Transplantes.

Comunicações orais «Oito anos de experiência na transplantação renal de recetores VIH positivos em Portugal» – Sara Querido (Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/Hospital de Santa Cruz – CHLO/HSC), et al.; «Administração de rituximab e de imunoglobulina intravenosa em transplantados renais hipersensibilizados» – Sara Querido, et al.; «Efeito da imunossupressão de indução na infeção pelo polioma vírus BK em recetores de transplante renal» – Cristina Jorge (CHLO/HSC), et al.; «Estudo prospetivo, aleatorizado e controlado de suplementação com colecalciferol em transplantados renais – resultados aos 36 meses» – Cristina Jorge, et al.; «Função endotelial e níveis circulantes das células progenitoras endoteliais em doentes transplantados renais – estudo transversal» – Susana Sampaio (Centro Hospitalar de São João – CHSJ, no Porto), et al.; Nefropatia associada ao vírus do polioma – estratégias terapêuticas – a experiência de um serviço ao longo de 20 anos» – Ricardo Macau (Hospital Garcia de Orta – HGO, em Almada), et al.; «Primary graft failure after cardiac transplantation: prevalence, prognosis and risk factors» – David de La Plaza Prieto (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – CHUC), et al.; «Risco de reativação da hepatite B em transplantados renais seronegativos para o antigénio de superfície e seropositivos para o anticorpo do core» – Sara Querido, et al.; «Terapêutica da hepatite C em transplantados renais: experiência de um centro» – André Weigert (CHLO/HSC), et al.; «Comparação da sobrevida do enxerto renal em doentes HCV-positivos e os enxertos pares em HCV-negativos: seguimento a longo prazo num centro» – Joana Rocha (Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António – CHP/HSA e Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro), et al.; «Transplante hepático pediátrico por falência hepática aguda» – Sandra Ferreira (CHUC), et al.; «Transplante renal de dador de morte cardíaca submetido a Abdominal Normothermic Oxygenated Recirculation: o início do primeiro programa português» – Hugo Diniz (CHSJ), et al.

Pósteres «Doença linfoproliferativa pós-transplante tardia no sistema nervoso central – caso clínico» – Joana Rego Silva (HGO), et al.; «Eosinofilia após transplante hepático e disfunção do enxerto» – Ana Silva (CHUC), et al.; «Glomerulonefrite pós-estafilocócica em transplantado renal» – Diana Cascais de Sá (CHUC), et al.; «Gravidez no transplante renal: a experiência de um centro terciário» – Joana Silva Costa (CHUC), et al.; «Síndrome febril e nefrite intersticial no primeiro mês pós-transplante» – Carla Moreira (CHP/HSA), et al.; «Hiperinfeção a Strongyloides stercoralis num doente transplantado renal que sobreviveu» – Joana Rego Silva (HGO), et al; «A idade do dador influencia os resultados no transplante renal? – Implicações potenciais para o sistema de alocação português» – Hugo Ferreira (CHSJ), et al.Dr. Domingos Machado Prof. Fernando Nolasco

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TRANSFORMAR

IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO CARDIOVASCULAR ANTES E APÓS TRANSPLANTE HEPÁTICO

Um ano após a edição inaugural da Coimbra Liver Transplation Con-ference, cujo programa se focou na relação com a Hematologia, a

segunda edição decorreu nos dias 8 e 9 de se-tembro passado, novamente na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Desta vez, vários especialistas nacionais e inter-nacionais discutiram tópicos relacionados com a avaliação dos doentes antes e depois do transplante de fígado, nomeadamente ao nível do risco cardiovascular.

Segundo a Dr.ª Cristina Gonçalves (terceira a contar da esquerda na fila da frente da foto), uma das responsáveis pela Comissão Organi-zadora e pediatra na Unidade de Transplanta-ção Hepática Pediátrica e de Adulto do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o foco da segunda edição deve-se ao facto de mui-tos doentes transplantados terem patologia cardíaca. «Essa associação é frequente e o aumento da epidemia de esteato-hepatite não alcoólica tem vindo a condicionar os fatores de risco.» Esta especialista destaca a importância da avaliação cardiovascular pré-transplante de fígado, que «é crucial, sobretudo para o reconhecimento precoce da patologia cardíaca nos doentes cirróticos, de forma a intervir e a melhorar o prognóstico a longo prazo».

Entre os oradores da 2nd Coimbra Liver Transplation Conference, que contou com o apoio científico da SPT, encontrava-se o Prof. Mark McPhail (terceiro a contar da direita na

fila de trás da foto), consultor sénior de cui-dados hepáticos críticos no Institute of Liver Studies, integrado no King’s College Hospital, em Londres – «a unidade com mais experiên-cia em falência hepática aguda na Europa», dá conta Cristina Gonçalves. Na apresenta-ção intitulada «Cardiovascular monitoring of acute liver failure», o preletor inglês lembrou que «a doença hepática é grave e evolui de forma bastante célere, pelo que o controlo dos fatores de risco cardiovascular é decisivo na sobrevivência destes doentes, até poderem ser submetidos a um transplante de fígado». Por isso, «é preciso monitorizar o efeito das terapêuticas, investindo em investigações mais profundas e invasivas, como é o caso do PiCCO [Pulse index Continuous Cardiac Output]».

Grupo de oradores das áreas da transplantação, sobretudo hepática, e da Cardiologia

Outro convidado internacional desta reunião foi o Prof. Valentín Cuervas-Mons (terceiro a contar da esquerda na fila de trás da foto), presidente da Sociedad Española de Tras-plante. Numa das suas intervenções, sob o mote «Renal dysfunction and liver transplan-tion», este orador frisou que «cerca de 20% dos doentes desenvolvem insuficiência renal crónica ao fim de dez anos pós-transplante de fígado». Para evitar este desfecho, o tam-bém chefe do Serviço de Medicina Interna do Hospital Universitario Puerta de Hierro, em Madrid, destacou o papel das combinações terapêuticas de inibidores da calcineurina com imunossupressores, apontando-as como «cruciais para diminuir a toxicidade e evitar a rejeição de órgão».

OUTRAS REUNIÕES COM PATROCÍNIO CIENTÍFICO DA SPT> HEBIPA Meeting 20177 e 8 de julhoCentro de Congressos do Porto Palácio Hotel

Organizado pela Unidade Hepatobi-liopancreática (HEBIPA) do Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António, este evento reuniu especia-listas das áreas do fígado, pâncreas e vias biliares, entre os quais alguns estrangeiros, como os Drs. Philippe Compagnon (França), Ugo Boggi (Itá-lia), Raja Kandaswamy (EUA), Irene Esposito (Alemanha) e John Neopto-lemos (Reino Unido).

> Transplantação hepática em Coimbra – 25 anos23 de setembro a 28 de dezembro de 2017Coimbra

A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) e a Unidade de Transplantação Hepática Pediátrica e de Adultos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) comemoraram os 25 anos do primeiro transplante hepático em Coimbra com um ciclo de conferências dedicadas a te-mas como «Qualidade e segurança em transplantação hepática» ou «A ética no transplante hepático». As comemora-ções incluíram uma exposição no Clube Médico da SRCOM e, posteriormente, no átrio do polo principal do CHUC.

> Workshop de transplanta-ção no Congresso Nacional de Estudantes de Medicina12 de novembro de 2017Reitoria da Universidade Nova de Lisboa

A convite da Comissão Organizadora, a SPT participou na quarta edição deste Congresso dirigido aos alunos de Me-dicina através da organização de um workshop de transplantação, no qual a Dr.ª Susana Sampaio, presidente da SPT, falou sobre a doação de órgãos e traçou o panorama atual da trans-plantação no nosso país.

> 25 anos de transplantação hepática4 e 5 de dezembro de 2017Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa

Assinalando os 25 anos sobre o pri-meiro transplante hepático realizado em Portugal, o Centro Hepato-Bilio--Pancreático e de Transplantação do Centro Hospitalar de Lisboa Cen-tral/Hospital Curry Cabral organizou uma reunião alusiva a esta área da transplantação. Neste evento, foram discutidas as principais mudanças verificadas ao longo destes 25 anos em aspetos como as indicações para o transplante hepático, a imunossu-pressão, a organização da colheita e os cuidados de enfermagem.

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18 | DEZEMBRO 2017

RANSFORMAR

DESAFIOS DA GRAVIDEZ APÓS TRANSPLANTE

ORADORES NA SESSÃO SOLENE (da esq. para a dta.): Carlos Paula (representante da Novartis), Fernando Jorge (presidente da Associação dos Doentes Renais do Norte de Portugal), Dr.ª Ana França (coordenadora nacional da transplantação do IPST), Dr. João Paulo Sousa (presidente do IPST), Enf.º Fernando Vilares (presidente da Associação Portuguesa de Enfermeiros de Diálise e Transplantação), Domingos Oliveira (presidente da Secção Regional do Norte da Associação Portuguesa de Insuficientes Renais) e Dr.ª Susana Sampaio, no púlpito (presidente da SPT)

A Casa do Farol, sede da Associação Nacional de Jovens Em-presários (ANJE), no Porto, acolheu mais de uma centena de doentes, familiares e profissionais de saúde que aqui se reuniram para assinalar o 9.º Dia do Transplante. Em

2017, a SPT escolheu colocar a tónica sobre a possibilidade de as mulheres transplantadas gerarem filhos, apesar de todos os desafios e cuidados necessários. «A gestação é um objetivo da generalidade das mulheres e famílias, mas, infelizmente, há alterações, como as decorrentes da doença renal crónica, que levam à diminuição da fertilidade. Por isso, queremos chamar a atenção para este assunto, de modo a que todos possamos compreender melhor esta problemática», explicou a Dr.ª Susana Sampaio, presidente da SPT, na sessão solene de abertura.

Neste sentido, o evento contou com a palestra da Dr.ª Maria de São José Pais, obstetra na Maternidade Dr. Daniel de Matos, em Coimbra, e responsável por uma consulta para planea-mento e seguimento de gravidezes em mulhe-res transplantadas, em conjunto com o Dr. Luís Freitas, nefrologista na Unidade de Transplanta-ção do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Lembrando que, devido ao receio dos próprios médicos de que a gravidez causasse compressão do órgão transplantado, só em 1963 surgiu a primeira gestação bem-sucedida numa mulher transplantada, esta especialista pretendeu desmistificar alguns conceitos ultrapassados, até porque esta é uma realidade que afeta um grande número de doentes (37 a 38% dos transplantados são mulheres, 14% delas em idade fértil).

«É crucial que a mulher esteja bem informada e consciente de que a sexualidade, assim como a ovulação, estão alteradas e de que a gravidez só deve surgir pelo menos um ano após o transplante», realçou Maria José Pais, acrescentando que cerca de 50% das gestações destas doentes não são programadas. Além disso, a palestrante alertou para o facto de estas serem sempre gravidezes de alto risco, pelo que é fundamental que as mulheres sejam acompanhadas por uma equipa multidisciplinar, constituída por profissionais diferenciados nesta área. «Qualquer grávida tem um risco acrescido de infeção, mas, nas mulheres transplantadas,

por estarem a fazer terapêutica imunossupressora, esse risco é ainda maior, podendo contribuir para partos prematuros e problemas

com o bebé no nascimento», exemplificou. A provar que, apesar de difícil, é possível, ouviram-se

em seguida os testemunhos de duas mulheres que, com o acompanhamento regular de profissionais de saúde experientes nesta área, conseguiram concretizar com sucesso o desejo da maternidade.

NECESSIDADE DE FOMENTAR A DOAÇÃO

Outro tema em destaque no 9.º Dia do Transplante foi a necessidade de aumentar o número de dadores, como

confirmou o presidente do Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST), Dr. João Paulo Almeida e Sousa. Fazendo o paralelismo com a gravidez na mulher transplantada, que só é pos- sível graças à evolução do conhecimento médico, o orador reforçou que são situações como esta que apontam o caminho que é pre-ciso continuar a percorrer para proporcionar um órgão a quem dele necessita para viver ou ter uma vida com mais qualidade.

Hoje em dia, engravidar e ser mãe após o transplante já não é um objetivo inalcançável. Mas estas mulheres continuam a ter uma fertilidade mais reduzida e maiores riscos durante a gravidez, como as infeções que encontram terreno fértil na imunossupressão. No sentido de sensibilizar, esclarecer e alertar para os cuidados necessários em todo o processo, a Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT) elegeu o tema «Transplante e gravidez» para as comemorações do 9.º Dia do Transplante, assinalado a 20 de julho passado.

Sandra Diogo

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«Temos de avançar em várias frentes de intervenção para acautelar esse futuro, identificando melhor os possíveis dadores, promovendo a formação dos profissionais envolvidos e desenvolvendo outras oportu-nidades de doação, como os dadores em paragem cardiocirculatória e os dadores vivos», frisou João Paulo Almeida e Sousa, revelando que o IPST está muito empenhado em promover a doação, inclusive apostando num programa de intercâmbio com Espanha baseado na doação renal cruzada.

Por sua vez, a Dr.ª Ana França, coordenadora nacional da trans-plantação do IPST, enfatizou a importância dos programas de doa-ção em vida. «Sabemos que, cada vez mais, a população está a envelhecer e os dadores são mais idosos e com maior número de comorbilidades. Neste quadro, os dadores vivos representam uma oportunidade de futuro que deve ser mais analisada.» Segundo esta especialista, as campanhas nesse sentido parecem estar a surtir efeito, já que, apenas nos primeiros seis meses de 2017, foram realizados 48 transplantes (em comparação com 34 em igual período do ano anterior).

Além da sessão solene de abertura e do habitual gesto simbólico de plantar a «árvore da vida», as comemorações do 9.º Dia do Trans-plante incluíram ainda uma caminhada pela marginal do rio Douro. Promovida em parceria com o Grupo Desportivo de Transplantados de Portugal (GDTP), esta iniciativa visou sensibilizar para os benefícios do exercício físico nestes doentes e informar sobre os programas do GDTP, nomeadamente o de exercício físico pós-transplante que decorre nos hospitais de Santa Cruz, Santa Maria e Curry Cabral, em Lisboa, e um estudo que está a decorrer em parceria com a Univer-sidade de Málaga para caracterizar a população transplantada em termos de atividade física.

Sandra Moura, uma das doentes que apresentou o seu testemunho na sessão solene de abertura, com o filho, Diogo, que nasceu três anos após a realização do transplante de rim

Bárbara Barros com a filha Joana, que nasceu em 2001, dois

anos após o primeiro transplante de rim. Desaconselhada a

engravidar novamente depois do segundo transplante, que

realizou em 2013, Bárbara duplicou o seu amor de mãe com

a adoção de um menino

A Dr.ª Susana Sampaio e o Prof. André Weigert, respetivamente presidente e vogal da Direção da SPT, protagonizaram o momento da plantação da «árvore da vida», que simboliza a nova oportunidade de viver proporcionada pelo transplante

Os cerca de 100 transplantados e seus familiares presentes neste dia decoraram

a árvore com as fitas comemorativas do 9.º Dia do Transplante

As comemorações terminaram com uma caminhada pelas margens do rio Douro, que visou sensibilizar para a importância da atividade física após o transplante

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20 | DEZEMBRO 2017

M ANÁLISE

Com 34 transplantes de pulmão realizados em 2017, Portugal integra o grupo de países onde este procedimento mais se realizou. Quase duas décadas após o início do Programa de Transplantação Pulmonar do Centro Hospitalar de Lisboa Central/ /Hospital de Santa Marta (CHLC/HSM) – o único no país –, o número de transplantes tem vindo a crescer de ano para ano.

Luís Garcia

SUCESSO NACIONAL NA TRANSPLANTAÇÃO PULMONAR

Prof. José Fragata

Em Portugal, transplantação cardiopul-monar é quase sinónimo de Hospital de Santa Marta. Foi ali que, em 1991, o Dr. Rui Bento realizou o primeiro

transplante cardiopulmonar em território nacional e que, apenas passados dez anos, o Dr. Henrique Vaz Velho efetuou o primeiro transplante pulmonar isolado. No entanto, como relata o Prof. José Fragata, diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica e atual responsável pelo Programa de Transplanta-ção Pulmonar do CHLC/HSM, até 2007, «os números foram verdadeiramente vestigiais», com uma média anual de dois transplantes.

A partir desse ano, com a reformulação do Programa, o cenário alterou-se profun-damente, verificando-se um crescimento contínuo. No final de 2017, o número total de transplantes realizados ascendeu a 167. Os 34 transplantes efetuados em 2017 cons-

tituíram um recorde nacional (mais oito do que o anterior recorde, registado em 2016) e representam, na ótica de José Fragata, «um número bastante robusto, que resulta de um grande esforço de equipa e é um exemplo de sucesso no Serviço Nacional de Saúde». Segundo este responsável, «a atividade tor-nou-se hoje verdadeira rotina no Serviço de Cirurgia Cardiotorácica, o que muito se deve à equipa de transplantação no seu todo e aos seus responsáveis médicos mais diretos, a Dr.ª Luísa Semedo (pneumologista) e o Dr. Paulo Calvinho (cirurgião)».

Dada a dificuldade inultrapassável da insuficiência de órgãos, o responsável prevê que o Programa de Transplantação Pulmonar esteja perto da sua capacidade máxima, até porque o trabalho desenvolvido na colheita de órgãos em território nacional já é de alto nível, colocando Portugal na terceira posição

a nível europeu. Ainda assim, a utilização de uma nova máquina de preservação dos pul-mões no exterior do corpo poderá contribuir para um possível aumento ligeiro do número de transplantes realizados a partir de 2018.

A doença intersticial pulmonar (42%) é a patologia mais comum na origem dos trans-plantes pulmonares em Portugal, ao passo que as doenças mais prevalentes após o transplante são: disfunção do enxerto/rejeição aguda, infeções do aparelho respiratório e de outros órgãos/sépsis, neoplasias da pele, doenças linfoproliferativas e rejeição crónica.

Relativamente aos dadores, cuja idade média ronda atualmente os 50 anos (mais 5 do que a média de idades dos recetores), as causas de morte mais comuns são o aci-

SOBREVIDA GLOBAL DOS DOENTES TRANSPLANTADOS

Aos 3 meses 86,5% (79-91)

Aos 12 meses 75,7% (67-82)

Aos 24 meses 72,1% (63-79)

Aos 36 meses 66,6% (57-75)

Aos 60 meses 58,9% (48-68)

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dente vascular cerebral e o traumatismo cranioencefálico. A mortalidade em lista de espera para transplante é de cerca de 15%. «Devido ao incremento verificado na atividade de transplantação em Santa Marta e ao nível de resultados de sobrevida hoje alcançados, que superam mesmo os do registo interna-cional de transplantação, tornou-se agora excecional a referência de doentes para o estrangeiro. Esta foi uma vitória notável», sublinha José Fragata.

SEGUIMENTO

Atualmente, são seguidos no CHLC/HSM cerca de 125 doentes, dos quais apenas um fez o transplante noutro país (Estados Unidos). No entanto, a Consulta de Transplante Pulmo-nar do Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto, que é coordenada pela Dr.ª Carla Damas, também faz o seguimento dos doentes transplantados. Esta consulta foi criada em 2007, «com o objetivo de facilitar a identificação e o estudo dos casos com indicação para o procedimento, bem como manter um segui-mento mais próximo da área de residência dos doentes, com maior facilidade de acesso aos cuidados de saúde». Desde essa data, foram avaliados nesta consulta 186 doentes, com predomínio do sexo masculino (67,7%) e uma média de idades de 54,1 anos.

Após avaliação clínica e estudo comple-mentar para exclusão de contraindicações, os doentes seguidos na Consulta de Trans-plante Pulmonar do CHSJ são encaminhados para o CHLC/HSM. No entanto, nem todos os doentes que são seguidos no Porto fizeram o transplante em Lisboa: caso o procedimento não possa ser realizado no Hospital de Santa Marta, habitualmente por questões técnicas, os doentes são encaminhados para o Centro Hospitalar Juan Canalejo, na Corunha, ao abrigo de um protocolo estabelecido com esta

unidade espanhola em 2003. Outras colabora-ções (para transplante cardiopulmonar) foram instituídas com o Royal Brompton & Hare-field Hospital, em Londres, e com o Hospital Universitario Puerta de Hierro-Majadahonda, em Madrid. Dos 69 doentes transplantados que atualmente são seguidos na Consulta de Transplante Pulmonar do CHSJ, 40 realizaram o procedimento na Corunha, 27 em Lisboa, um em Madrid e outro em Londres.

De acordo com Carla Damas, a idade média dos doentes na altura do transplante é de 47,2 anos. A sobrevida média ao primeiro, terceiro e quinto anos é de 79,4%, 70,1% e 62%, respetivamente, ao passo que a percen-tagem de disfunção crónica de enxerto é de

21,7%. As comorbilidades mais frequentes são a osteoporose, a diabetes mellitus e a obesidade, que na maioria dos casos são iatrogénicas, devido ao uso de corticoides.

A iatrogenia e a interação medicamentosa são, aliás, obstáculos que, muitas vezes, limitam o outcome favorável dos doentes. «A própria história natural do transplante, com a evolução tão comum para disfunção do enxerto, ainda hoje constitui o “calcanhar de Aquiles” do transplante pulmonar, uma vez que ainda não dispomos de conhecimentos e, consequentemente, de um arsenal tera-pêutico que impeça o seu desenvolvimento», refere Carla Damas. Esta pneumologista sa-lienta também a importância da referenciação dos doentes o mais precocemente possível. «A sua identificação pelos médicos assistentes como potenciais candidatos a transplante é um desafio e uma missão que nós, profissionais dedicados a esta área, devemos assumir», remata.

Dr.ª Carla Damas

PATOLOGIAS NA ORIGEM DO TRANSPLANTE

Ddoença pulmonar obstrutiva crónica/

/deficiência de alfa-1-antitripsina

25%

Doença intersticial pulmonar

42%

Bronquiectasias

10%

Fibrosequística

10%

Silicoses

4%

Sarcoidose

3%

Incluídos transplantes unilaterais e bilaterais. Os doentes transplantados tinham entre 13 e 66 anos (média de 45 anos)

TRANSPLANTE PULMONAR NO HOSPITAL DE SANTA MARTA

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22 | DEZEMBRO 2017

ETRATO

UM MOMENTO QUE JAMAIS ESQUECEA 18 de fevereiro de 1986, uma mulher recebeu o primeiro transplante cardíaco realizado em Portugal, no Hospital de Santa Cruz. Desse dia, Maria José Rebocho, na altura com 39 anos, recorda um momento de fortes emoções, no qual a atuação diligente e rápida dos médicos fez toda a diferença, mesmo fora das paredes do hospital. «O coração para trans-plante foi colhido em Coimbra, pelo que chegou num helicóp-tero da Força Aérea que não conseguia aterrar, porque já era noite e as luzes do heliporto não estavam a funcionar. Então, médicos e outros profissionais acenderam as luzes todas do hospital e colocaram os seus carros ao pé da pista de aterra-gem, com os faróis ligados, para o piloto conseguir aterrar.

MÁXIMA INTENSIDADE NA MEDICINA E NA VIDA

Para a Dr.ª Maria José Rebocho, cardiologista e ex-responsável pela transplantação cardíaca do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/Hospital de Santa Cruz, a vida e a Medicina não podem ser encaradas senão com a máxima intensidade. O que começou como uma paixão pela Medicina Intensiva transferiu-se para a adrenalina da transplantação cardíaca e da emergência médica, sem esquecer as emoções fortes vividas entre 1984 e 1993, quando coordenou o apoio médico às corridas de Fórmula 1 que decorreram no nosso país.

Sandra Diogo

Por detrás de uma postura tranquila e um discurso con-ciso, com uma escolha atenta das palavras, descobre-se uma vida sem rotina e monotonia, marcada por aventuras e desventuras, alegrias e frustrações, emoções sem pa-

ralelo que só as situações-limite podem proporcionar. «As minhas escolhas profissionais acabaram por ser condicionadas pela minha maneira de ser e a verdade é que a adrenalina sempre me seduziu», confessa Maria José Rebocho.

O seu percurso profissional começou a desenhar-se logo no 4.º ano do curso de Medicina, quando decidiu fazer uma formação em reanimação cardiorrespiratória, que, embora hoje já faça parte do currículo médico, na altura, era opcional. «Sempre gostei muito de tudo o que estivesse relacionado com cuidados intensivos e emer-gência e, depois de fazer essa formação, fiquei tão entusiasmada que cheguei mesmo a ser monitora, durante dois anos, de cursos de suporte básico de vida organizados pela Cruz Vermelha Portuguesa, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian», revela a cardiologista, que foi agraciada, por este trabalho de voluntariado, com a Medalha de Agradecimento da Cruz Vermelha Portuguesa.

Não existindo a especialidade de Cuidados Intensivos nessa época (início dos anos de 1970), a Cardiologia impôs-se como a área que mais se aproximava dos seus objetivos profissionais. «Nunca há monotonia no dia a dia do cardiologista, pois as respostas têm de ser rápidas. Além disso, este era um tema sobre o qual achava que sabia muito pouco, por isso, quis aprofundar os conhecimentos», explica Maria José Rebocho. Foi assim que optou pelo Internato de Cardiologia, que realizou no Hospital de Santa Maria (HSM), em Lisboa.

Quando tudo indicava que a sua carreira iria passar pelo HSM, as notícias da abertura de uma nova instituição, o Hospital de Santa Cruz (HSC), fizeram Maria José Rebocho rumar a Londres, em 1979 e já especialista, para estagiar um ano no Cardiothoracic Institute do na altura designado National Heart Hospital (hoje integrado no University College Hospital at Westmoreland Street), onde se realizou o primeiro transplante cardíaco do Reino Unido, em 1968. O seu objetivo era preparar-se da melhor forma para ajudar a criar o Serviço de Cirurgia Cardíaca do novo hospital português.

«Ainda antes de o HSC abrir, aproveitava todos os bocadinhos li-vres que tinha para vir aqui ajudar na formação dos enfermeiros. Constituímos a equipa inicial e isso contribuiu para um sentimento de realização muito grande. A experiência de criar uma unidade de raiz é muito rica e o HSC tem o ADN de quem o criou», sublinha a cardiologista, desabafando que este foi o principal projeto da sua vida, do qual, aos 71 anos e apesar de já estar aposentada desde 2013, ainda não se conseguiu desligar.

Depois de seis anos como responsável médica do Serviço de Cirurgia Cardíaca e da Unidade de Cuidados Intensivos do HSC, em 1986, Maria José Rebocho assume a coordenação da Unidade de Transplante Cardíaco. «Quando o Dr. João Queiroz e Melo agarrou o projeto da transplantação cardíaca, eu era a pessoa mais bem preparada para ficar ligada a essa área, dada a experiência prévia em cirurgia cardíaca», explica. A cardiologista estava tão preocupada com a garantia de que tudo corria dentro do protocolo que quase não assistiu ao momento que marcou a história da transplantação cardíaca em Portugal: a realização do primeiro transplante de coração, em fevereiro de 1986. «Ligaram-me do bloco operatório a perguntar se tinha a certeza de que não queria assistir ao reiniciar do bater do coração. Não resisti e acabei por ir, mas um pouco apreensiva, por-que queria ter a certeza de que estava tudo a correr bem», lembra, com evidente emoção.

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Teve assim início uma fase que dura há 32 anos e tem sido pautada por altos e baixos. «Já se realizavam transplantes renais aqui no hospital, o que ajudou em alguns aspetos, mas, na transplantação cardíaca, fomos os primeiros do país. Por um lado, isso foi fantástico, mas, por outro, não tínhamos ninguém com quem tirar dúvidas», recorda. Apesar dos muitos momentos felizes que viveu ao longo da carreira, Maria José Rebocho não esconde algumas angústias, como quando teve de dizer a um doente que já estava no bloco para ser anestesiado que, afinal, o transplante não seria possível porque o coração doado não estava em condições. «Foi um momento muito marcante e, a partir daí, passei a ter sempre muito cuidado com a gestão das expectativas dos doentes.» Além disso, a cardiologista não hesita em referir as duas grandes características de um bom médico na área da transplantação: «gostar daquilo que faz e ter humildade para pedir apoio às outras especialidades, sempre que necessário».

A EMERGÊNCIA MÉDICA E A FÓRMULA 1

A Medicina Intensiva é outra grande paixão de Maria José Rebocho. Além de ter sido a responsável pela Unidade de Cuidados Intensivos do HSC desde 1980, ano da sua abertura, até 2002, manteve uma ligação ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), entre 1980 e 1993, primeiro como assessora do Gabinete de Emergência Médica e, depois, como consultora do INEM. Foi através dessa relação

que viveu algumas experiências emocionantes que tanto procurava. A título de exemplo, a cardiologista refere o apoio médico às visitas a Portugal do Papa João Paulo II, em 1982 e 1991, e a Cabo Verde, em 1990. «O presidente do INEM na altura, Dr. Francisco Rocha da Silva, pediu-me para organizar num carro tudo o que poderia ser necessário e essa experiência repetiu-se, depois, quando a Rainha Isabel II de Inglaterra e o Presidente Ronald Reagan dos EUA vieram a Portugal, em 1985», recorda.

Dado o seu conhecimento em emergência médica, Maria José Rebocho foi convidada a coordenar, entre 1984 e 1993, o apoio médico às corridas de Fórmula 1 que decorreram em Portugal. «Inicialmente, vinha um médico contratado pela organização internacional, que nos dava umas dicas e passava tudo a pente fino; mas, nos últimos anos, já só me perguntava se tinha verificado tudo e, se eu dissesse que sim, ele já não o fazia», relata a especialista, explicando que começou por andar nos carros que circulavam na pista em caso de acidentes, passando depois para a torre de controlo.

Além da adrenalina que a fascinava, a cardiologista garante que esta vivência lhe deu uma perspetiva crucial sobre a necessidade de organização e rapidez de resposta. «Se todos os Serviços de Urgência funcionassem tão bem quanto a organização da Fórmula 1, seriam muito mais eficazes. Nessas competições, tudo tem de ser muito bem coor-denado, já que qualquer interrupção significa perda de muito dinheiro», descreve Maria José Rebocho, sem esconder algumas saudades.

1971: conclusão da licenciatura pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, com posterior Internato de Cardiologia no Hospital de Santa Maria; 1977: curso pós-graduado de Cardiologia (2 meses) no Cardiothoracic Institute da University of London; 1979: obtenção do título de especialista em Cardiologia; 1979: fellowship no National Heart Hospital, em Londres; 1980: Leadership in Emergency Medical Services no Columbus Technical College, EUA; 1980-2013: responsável médica do Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital de Santa Cruz (HSC); 1980-2002: responsável pela Unidade de Cuidados Intensivos do HSC; 1983-1995: consultora do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM);

1986-2017: coordenadora da transplantação cardíaca e responsável pelo seguimento pós e tardio dos doentes transplantados; 1988-1995: representante do HSC no Gabinete da Direção- -Geral da Saúde de assistência aos doentes enviados pelos Países de Língua Oficial Portuguesa; 1989-1993: membro efetivo do Grupo Médico da NATO (Joint Civil/Militar Medical Group); 1994-2012: responsável pelo Registo Nacional de Transplantação Cardíaca; 1995-2003: coordenadora da Comissão de Higiene e Controlo de Infecção do HSC; 1988-1991: representante do grupo médico no Conselho Geral do HSC. Atualmente: apesar da aposentação em 2013, ainda exerce como cardiologista contratada no HSC.

CARREIRA SEM PARAGENS

Registo da altura em que Maria José Rebocho deu apoio médico às corridas de Fórmula 1, entre 1984 e 1993

Aquando da vinda do Papa João Paulo II a Fátima, em 1991, a cardiologista foi responsável pela organização do carro do INEM que acompanhou a visita

DR DR

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