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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - PL 3198/2000 - ESTATUTO DA IGUALDADE RACIALEVENTO: Audiência pública N°: 001277/01 DATA: 06/11/01INÍCIO: 14:54 TÉRMINO: 17:25 DURAÇÃO: 02:31TEMPO DE GRAVAÇÃO: 2:34 PÁGINAS: 57 QUARTOS: 16REVISORES: LIZ, ZILFA, MADALENA, WALDECÍRIA, TATIANASUPERVISÃO: SEM SUPERVISÃOCONCATENAÇÃO: NEUSINHA
DEPOENTE/CONVIDADO – QUALIFICAÇÃOFERNANDO RODRIGUES - Jornalista da Folha de S.PauloCARLOS ALBERTO CAÓ - Ex-Deputado Federal e Autor da Lei contra o Racismo
SUMÁRIO: Debate acerca do Estatuto da Igualdade Racial. Apreciação de requerimentos.
OBSERVAÇÕESHá intervenção inaudível.Há oradores não identificados.Nick Polantsas(?)Não foi possível conferir a grafia do nome acima citado.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - PL 3198/2000 - Estatuto da Igualdade RacialComissão Especial PL 3198/2000 - Estatuto da IgualNúmero: 001277/01 Data: 06/11/01
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Declaro aberta a 10ª
reunião da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº
3.198, de 2000, que institui o Estatuto da Igualdade Racial em defesa dos que
sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça ou cor e dá
outras providências.
Srs. Parlamentares, gostaríamos mais uma vez de informar as datas dos
eventos programados pela Comissão. Dia 20 de novembro está programada uma
teleconferência de duas horas para se fazer debate a respeito do tema em todo o
País. Hoje, em torno de 16h, teremos reunião de trabalho com o grupo operacional
da Comissão. Dias 26 e 27 de novembro está programado esse seminário. Já foram
contatados todos os palestrantes e temos confirmação de vários painelistas.
Ordem do Dia.
A presente reunião foi convocada para realização de audiência pública e
apreciação de requerimentos.
Convido os Srs. Fernando Rodrigues e Carlos Alberto Caó a tomarem
assento à Mesa.
Antes de passar a palavra aos senhores expositores, peço atenção dos
presentes para as normas estabelecidas no Regimento Interno da Casa. O tempo
concedido a cada convidado será de 20 minutos, não podendo ser aparteados. As
perguntas deverão ser formuladas no prazo de 3 minutos, dispondo os expositores
de igual tempo. São facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo tempo.
Para dar início às exposições, concedo a palavra ao Sr. Fernando Rodrigues,
jornalista da Folha de S.Paulo. S.Sa. disporá de até 20 minutos.
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O SR. FERNANDO RODRIGUES - Sr. Presidente, Deputado Saulo Pedrosa,
muito obrigado pelo convite para falar sobre esse tema da maior relevância. Fui
convidado — entendi — para fazer breve relato sobre um trabalho de cunho
jornalístico e científico conduzido pela Folha de S.Paulo em 1995, por ocasião da
efeméride em que se comemorou os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares.
Posteriormente, esse trabalho foi publicado de maneira ampliada nesse livro, em
parceria da Folha de S.Paulo com a Editora Ática, chamado “Racismo Cordial, a
Mais Completa Análise sobre Preconceito de Cor no Brasil”.
Por que esse livro e o trabalho têm esse nome tão amplo e tão pretensioso “A
Mais Completa Análise sobre Preconceito de Cor no Brasil”? Porque em 1995,
durante as discussões sobre como poderíamos dar boa cobertura à efeméride da
morte de Zumbi dos Palmares, notamos que não havia no País, embora muito se
falasse, nenhuma pesquisa profunda de cunho científico que pudesse de fato
mapear e nos apresentar em detalhes como era o racismo e a intolerância de cor
entre as diversas etnias no Brasil. Apesar de estar disponível nas universidades,
nos bancos escolares dezenas de livros com tratados antropológicos e muitas vezes
sociológicos a respeito, não havia números que pudessem, em certa medida,
quantificar que tipo de manifestação de intolerância existia no Brasil. Até porque,
como sabemos, viceja a idéia de que em nosso País não existe racismo, pelo menos
como em outros países desenvolvidos, notoriamente nos Estados Unidos e outros
mais. O que se desejou provar com esse livro foi exatamente o oposto, ou seja, que
o racismo aqui existe, é muito arraigado na sociedade, embora se manifeste de
outras formas, com alguns subterfúgios. Daí até o empréstimo da expressão
“racismo cordial” apenas como citação indireta a Sérgio Buarque de Hollanda,
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quando fala do homem cordial, isto é, aquele que utiliza esse termo, a cordialidade
no sentido lato, para mascarar a sensação e as atitudes que ele tem de fato em
relação ao outro.
Esse amplo trabalho foi basicamente feito com ajuda de 700 profissionais. Ele
incluiu milhares de entrevistas em todos os Estados brasileiros, com indagações a
respeito de questões sobre o racismo. Três pontos principais foram encontrados: 1)
89% dos brasileiros afirmaram existir preconceito contra negros no Brasil; 2) apenas
10% admitem ter um pouco ou muito preconceito; 3) mas, de forma indireta — e vou
explicar como mapeamos isso —, 87% dos brasileiros revelaram algum preconceito
ao pronunciar enunciados, ou com eles concordar, preconceituosos ou admitir
comportamentos de conteúdo racista em relação a negros.
Isso é da maior relevância porque até então as pesquisas disponíveis eram
mais ou menos aquelas em que o entrevistado, de qualquer parte do País, era
indagado se era racista. A resposta era sempre não. E diante da pergunta se existia
racismo, a resposta era afirmativa. Daí quisemos entrar nessa área cinzenta e
acabamos descobrindo, com certa maestria, os tipos de comportamentos das
pessoas que acabam revelando intolerância à pessoa de outra etnia.
Tivemos também o cuidado — foi um ano de muita discussão no País e entre
os jornalistas, por conseqüência da Folha de S.Paulo — quanto às terminologias
que usaríamos. Nesse trabalho evitamos usar expressões “raça negra”, ou “entre
raças”, ou coisas do gênero. Até porque há uma tese entre muitos antropólogos que
preferem usar a palavra “etnia”, levando em conta o fato de que raça existe apenas
uma só, a humana, enquanto são várias as etnias. E a palavra “raça”, por si só, já
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contém um grande peso de racismo. Então, procurou-se sempre se referir à etnia
negra, à etnia branca e assim por diante.
Foram mais de 5 mil entrevistados nesse trabalho. Como ele foi realizado em
1995, seria até o caso de alguma instituição de ensino, ou talvez a Câmara dos
Deputados, ou — quem sabe? — algum meio de comunicação se dispor a fazer
nova pesquisa para avaliar se houve algum avanço de lá para cá, para verificar se
as políticas colocadas ou não em prática nesses anos todos surtiram algum efeito.
O sociólogo Florestan Fernandes, político que freqüentou esta Casa,
costumava dizer que o brasileiro não evita o preconceito, mas tem vergonha de
demonstrá-lo. Isso é exatamente o que essa pesquisa detectou. As pessoas têm um
pouco de receio de demonstrar que elas próprias são preconceituosas, porém, de
forma indireta, acabam sempre manifestando esse tipo de preconceito.
Nós, para detectarmos esse comportamento, escolhemos doze perguntas que
foram redigidas e lidas para as pessoas dizerem o que achavam delas. Gostaria de
lê-las para os senhores, uma vez que são muito importantes para se compreender o
escopo desse trabalho.
É essencial repetir que foram 5 mil entrevistados pelo Instituto DataFolha,
absolutamente íntegro. Por exemplo, as pesquisas eleitorais que os senhores estão
acostumados a ver nos jornais e em geral nas emissoras de televisão, mesmo a
publicada ontem com Roseana Sarney, entrevistam no máximo 2 mil pessoas e são
feitas por telefone, em muitos casos. Trata-se de pesquisas mais baratas, com
margem de erro muito maior e que não têm rigor científico como esta. Neste nosso
trabalho os pesquisadores, além de treinados minuciosamente, foram a todos os
Estados fazer a pesquisa. Então, é um trabalho muito profundo.
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Os pesquisadores, ao lerem as perguntas ao seu entrevistado-alvo, diziam o
seguinte: “Vou repetir algumas coisas que as pessoas costumam falar e gostaria que
você respondesse se concorda com elas ou se discorda total ou parcialmente delas.
Então, as doze frases são as seguintes: 1) Negro bom é negro de alma branca; 2)
Uma coisa boa do povo brasileiro é a mistura de raças; 3) As únicas coisas que os
negros sabem fazer bem são música e esporte; 4) Toda raça tem gente boa e gente
ruim, isso não depende da cor da pele; 5) Negro quando não faz besteira na
entrada, faz na saída; 6) Se pudessem comer bem e estudar, os negros teriam
sucesso em qualquer profissão; 7) Se Deus fez raças diferentes, é para que elas
não se misturem; 8) Alguns estudos recentes afirmam que, por natureza, brancos e
negros são diferentes em relação ao nível de inteligência. Na sua opinião, existem
diferenças de inteligência entre brancos e negros? Se sim, de um modo geral, quem
são mais inteligentes, os brancos ou os negros?; 9) Você votaria ou já votou alguma
vez em um político negro?; 10) No seu trabalho, se você tivesse um chefe negro,
você não se importaria, ficaria contrariado, mas procuraria aceitar, ou não aceitaria e
mudaria de trabalho?; 11) Se várias famílias negras fossem morar na sua
vizinhança, você não se importaria, ficaria contrariado, mas procuraria aceitar, ou
não aceitaria e mudaria de casa?; 12) Se um filho ou filha sua se casasse com uma
pessoa negra, você não se importaria, ficaria contrariado, mas procuraria aceitar, ou
não aceitaria o casamento?
Pois bem. Concluiu-se, inicialmente, que as pessoas que escolhessem as
respostas de conteúdo mais preconceituoso às doze perguntas seriam
indiscutivelmente racistas, ainda que negassem isso. Quase imediatamente após
essa tentativa de constatação, a equipe que preparou as reportagens para a Folha
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e este livro em questão levantou uma dúvida que só foi dissipada depois de várias
reuniões: é ou está sendo necessariamente racista a pessoa que concorde sem
refletir profundamente, por exemplo, que negro bom é negro de alma branca ou que
as únicas coisas que os negros sabem fazer bem são música e esportes?
Surgiram duas possibilidades de resposta para essa questão. Primeira,
muitos brasileiros têm conhecimento limitado do significado exato das palavras da
língua portuguesa. Simplesmente recebem axiomas aprendidos na infância. Não
atribuiriam a essas frases conotação racista, proferindo-as apenas de forma
irrefletida. Seria, portanto, errado classificar como racismo problema de
compreensão semântica do linguajar dos brasileiros. O segundo raciocínio, porém,
foi mais implacável com os brasileiros que escorregaram na hora de responder.
Sabendo ou não que a frase é racista ou se contém elementos preconceituosos, a
pessoa que a repete ajuda a perpetuar situação de desigualdade social a que estão
relegados os negros na sociedade brasileira. Ou seja, mesmo sem querer, a pessoa
que repete, inocentemente até, que negro bom é negro de alma branca, está, sim,
sendo preconceituosa contra negros. Enfim, foi adotada nesse trabalho a segunda
proposição, isto é, independentemente de a pessoa entender ou não o que está
dizendo, ao repetir uma daquelas proposições, está ajudando a propagar e a
perpetuar as noções de racismo na sociedade. Então, esse trabalho considerou a
segunda proposição para efetuar os cálculos finais do resultado.
Agora, o mais importante: pessoas que escolhessem as respostas mais
preconceituosas daqueles doze enunciados seriam consideradas fortemente
preconceituosas. Então, a pessoa que nas doze proposições sempre optasse pela
resposta que denota mais preconceito seria a mais preconceituosa: 4% dos
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brasileiros se encaixam ali, aqueles que nas doze perguntas sempre respondem de
forma mais racista. Mas 83% se encaixaram entre os que demonstram um pouco ou
medianamente preconceito contra negros. Então, a soma de 83% mais 4% resulta
no seguinte: 87% dos brasileiros não-negros manifestam preconceito contra negros
em algum momento, ainda que de forma indireta. Esse número, embora seja um
espanto e também triste, em certa medida é muito importante e deve ser até
comemorado pelo fato de podemos cientificamente afirmar que o Brasil é um País
racista. Entretanto, temos de combater esse tipo de comportamento inaceitável.
Foi a partir dessa pesquisa que pudemos quantificar a porcentagem de
brasileiros preconceituosos e afirmar que a frase “O Brasil é um País tolerante e não
existe esse tipo de coisa entre nós” é besteira. Apenas 13% dos entrevistados
conseguiram sair ilesos do teste, ou seja, em termos de não escorregar em
momento algum e não responder de forma preconceituosa a nenhuma das doze
perguntas.
Então, é correto dizer, Sr. Presidente, que apenas 13% dos brasileiros têm
comportamento isento de preconceito contra negros em sua vida cotidiana, o que é
lamentavelmente muito pouco para um País multirracial como o Brasil.
A pesquisa é muito longa e contém dados importantíssimos para aqueles que
ainda têm dúvidas a respeito de haver ou não preconceito no Brasil. Fizemos ampla
triagem dos dados e os confrontamos com os publicados pelo IBGE para saber a
que parcela da população estava se referindo e concluímos o seguinte: segundo o
IBGE, o Brasil tem uma população, em 1995, quando essa pesquisa foi realizada, de
154 milhões de habitantes. Do total desses habitantes, 97,6 milhões tinham idade
igual ou superior a 16 anos, o universo pesquisado. Quer dizer, pesquisamos
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apenas o universo de brasileiros com idade igual ou acima de 16 anos. Desses 97,6
milhões pesquisados, 92,9 milhões constituíam brasileiros não-negros. Como 87%
dos não-negros manifestam preconceito de alguma forma, é correto dizer, portanto,
que, em 1995, quase 81 milhões de brasileiros com idade acima de 16 anos eram
preconceituosos. Esse, senhores, o número de potenciais racistas cordiais. Eles
acham que não são racistas, mas o são, no cotidiano, como demonstrou a pesquisa.
Eu não gostaria de me delongar muito, até porque citar números é um tanto
tedioso. Talvez esse dado, embora um pouco ultrapassado, seja relevante para as
discussões desta Comissão que vai debater sobre o Estatuto de Igualdade Racial no
País, até porque é o único disponível no País,.
Portanto, esta a minha colaboração. Já falei por quase 20 minutos. Estou à
disposição dos senhores para prestar qualquer esclarecimento ou responder
qualquer pergunta.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Agradeço ao jornalista
Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, a exposição e os dados inquietantes.
Passo a palavra ao Sr. Carlos Alberto Caó, ex-Deputado Federal e autor da
lei contra o racismo. S.Exa. disporá de até 25 minutos.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Sr. Presidente, Deputado Saulo Pedrosa,
Sras. e Srs. Deputados, companheiros, militantes da mesma trincheira de luta, caros
amigos e amigas, tentei de todas as maneiras imunizar-me contra certa nostalgia
que sabia iria sentir ao voltar à Câmara dos Deputados. Mas sou humano. Vou
tentar afastar-me o máximo possível dessas emoções, para refletir com todos os
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senhores e senhoras sobre questão política estrategicamente importante para a
formação da nossa nacionalidade, da nossa cultura e da nossa maneira de ser.
Ao meu ver, quando discutimos a questão do negro, do racismo, estamos
discutindo os destinos do nosso País. Não resta dúvida de que a base cultural deste
País é constituída por contribuições dos negros. Foi sobre esta base que se
imprimiram as contribuições de outras etnias, de outros grupos étnicos, tais como de
europeus e de japoneses.
Permitam-me recordar algo que vi num filme sobre Mandela, interpretado por
Sidney Poitier. Em determinado momento da crise sul-africana, na iminência de uma
convulsão social, De Klerk pede a Mandela, recém saído da cadeia, que intervenha,
porque estava claro que, naquele momento, era marcante a influência cultural negra
na África do Sul. Mandela vira-se para De Klerk e diz: “Você descobriu isso agora?
Há 300 anos, a cultura quem fez fomos nós. Há 300 anos nós, dominados, somos os
dominadores de vocês; nós, dominados, esculpimos a personalidade, a alma desta
Nação”.
Não estarei exagerando se disser o mesmo quanto ao Brasil: nós, dominados,
estamos presentes em cada um daqueles que nos dominam.
Isto me faz lembrar duas outras reflexões. Uma, como baiano nascido em
Salvador que vive há cerca de trinta anos no Rio de Janeiro. Trata-se de uma das
manifestações mais importantes da cultura popular brasileira, o samba. No Carnaval
em que se completava 100 anos da Abolição, minha escola de samba, Mangueira,
com a voz arrebatadora de Jamelão, desfilava pela Passarela do Samba dizendo
mais ou menos o seguinte: “Perguntai ao Criador quem pintou essa aquarela, longe
do açoite da senzala, hoje preso na miséria da favela”.
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Traduzindo: quem fez o País? Quem modelou a Nação? Quem construiu o
patrimônio cultural? Quem construiu o patrimônio econômico? E lembraria também,
a nível de sistematização teórica, duas expressões plenamente atualizadas:
Joaquim Nabuco e André Rebouças.
Joaquim Nabuco, no início do século passado, dizia que a escravidão, ao
dominar, ao permear a vida de todo o País por mais de quatro séculos, marcaria as
características nacionais por muitos e muitos anos. É verdade. Marcaria e ainda
marca. Apesar de todas as transformações de natureza econômica e social, ela
ainda imprime certo ritmo, certa feição em todas as relações sociais e econômicas
brasileiras, a tal ponto que negros e brancos, com a mesma cultura, são negros e
brancos desiguais no mercado de trabalho. Mas nos transformamos. O País
cresceu, modificou. E, longe de se extinguir essa influência, ela se afirma de forma
política, oferecendo inclusive referências para o combate, no plano internacional, ao
racismo entre nós. Cada um de nós deu sua contribuição.
Esta reunião de hoje, seria difícil imaginá-la nos anos 60. O projeto do
Deputado Paulo Paim, seria difícil concebê-lo nos anos 60. Mas poderíamos
começar a pensá-lo dez anos depois, quando a Nação inicia grande movimento,
reunindo, no amplo espectro político-ideológico, dos liberais à extrema-esquerda,
isolando apenas os fascistas, os torturadores: a luta pela democratização, com
declínio do regime vigente à época. Surge no cenário, com plena nitidez, algo que
estava abafado, ignorado: os grandes movimentos. E a criação do MNU é uma das
expressões de luta contra a discriminação racial. É também ali, nos anos 70, que os
comunistas, internacionalmente conhecidos por sua luta anti-racista — o velho
partidão com mais de 60 anos de luta clandestina — pela primeira vez na sua
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história elabora tese sobre o negro e o socialismo, o negro e a democracia. Sem
nenhum partidarismo, digo que meu partido foi o primeiro a introduzir no seu
programa a idéia de que é impensável falar em democracia, e muito menos em
socialismo, sem tratar diretamente da derrota do racismo.
Veio a Constituinte. Sem dúvida, o ambiente era favorável, e até mesmo
setores aliados do regime militar queriam jogar ao mar toda a herança do
autoritarismo. O clima era favorável à ampla discussão, mas as resistências ainda
estavam bem visíveis.
Antes disso, devo mencionar, para não fazer injustiça, que três mulheres —
uma economista, uma socióloga e uma antropóloga — sofreram privações na sua
liberdade de expressão, porque cometeram a ousadia de dizer o que estava abafado
através de um livro chamado “O lugar do negro na força de trabalho”. Com base no
Censo Demográfico dos anos 60 e na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio,
elas mostraram o que hoje nos parece o óbvio: que a educação, por si só, não
estabelece condições de igualdade no mercado de trabalho. Elas provaram que,
fazendo-se um corte nos grupos sociocupacionais de nível superior, colocando-se
negros de um lado e não-negros de outro, vê-se que o rendimento médio dos negros
é inferior em 20% ao dos não-negros. O mesmo acontece em relação às profissões
sem maior nível de aperfeiçoamento tecnológico — profissões não-nobres, como se
diz no mercado de trabalho. Mesmo aí a diferença de rendimento é 20% a mais a
favor dos brancos.
A descoberta valeu a essas mulheres a hostilidade da Direita, dos
governantes, e desconfiança e suspeita da própria Esquerda. Elas foram acusadas
de estar dividindo a classe operária, porque se imaginava que dentro da mesma não
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havia discriminação racial, ou seja, não havia desigualdades movidas por aspectos
étnicos. Pagaram o preço do ostracismo, durante algum tempo, mas voltaram como
fonte inspiradora de todos nós que trabalhávamos e fazíamos política durante o
processo constituinte.
Mesmo assim, minhas companheiras e meus companheiros, a primeira
emenda apresentada na Constituinte elaborada por representantes de movimentos
negros de todo o País, que, na época, não tiveram condições de recolher mais que 3
mil assinaturas, a fim de requererem uma comissão especial para tratar do tema,
dizia exatamente o que a minha terminou dizendo: que a diferença estava na
redação.
A emenda dizendo que racismo era crime sofreu derrota esmagadora. Foi um
negócio aplastante. Quem participou, há de se lembrar. Foram 67 votos contra. A
favor, três do PDT, o voto do baiano Virgildásio de Senna, ex-Prefeito, que disse
logo ao comando do PMDB que não ia votar contra o Betinho, o meu, que era seu
amigo — fui Presidente do União dos Estudantes da Bahia à época em que ele era
Prefeito e ambos fomos cassados —, e os votos de Jarbas Passarinho — a história
não se falsifica — e de Sandra Cavalcanti. Perdemos feio.
E por que essa derrota, comandada, sem dúvida, pela Esquerda? Qual era
seu sentido, naquele clima favorável à criação de novos espaços de exercício das
liberdades públicas? O preconceito. Era a noção preconceituosa de que a questão
do negro era secundária. Era, na linguagem muito utilizada na época, um
epifenômeno, ou seja um falso fenômeno.
Passamos a trabalhar, indicando exatamente o contrário, enfrentando
resistência aqui, resistência ali. Houve até um amigo — ele é tão meu amigo que
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não vou citar seu nome, porque fica parecendo queimação — que se desentendeu
comigo e quase saímos na porrada. Eu disse: “Mas rapaz, então, você, comuna,
diga-me uma coisa: quando comunistas e judeus se insurgiam contra as emissões
radiofônicas de Hitler, Goebbels e Mussolini, tentavam sabotar, como eles estavam
contra a liberdade de expressão dessa gente, se eles não a tinham, não possuíam?”
E ficou tudo numa boa. Elaborou-se a emenda e tivemos votação maciça, maior que
a do próprio texto constitucional — isso tem grande significado para os baianos —,
no dia de Iemanjá, em 1989. Até o painel quebrou. A votação foi nominal. Acabou às
20h30min.
Restava elaborar a lei, e saímos correndo para fazer isso. O texto final da lei
não é primeira nem a segunda versão. Foram oito versões, amplamente discutidas
nesta Casa com todas as Lideranças políticas. Eu, por acaso, tenho seis dessas oito
versões, mas vou encontrar as outras duas, para mostrar como nós evoluímos.
Qual era a principal restrição naquele momento? Era a conceituação, a
definição. Uns, a começar por mim, queriam dizer tudo no texto da lei. Diziam-me:
“Não dá, Caó. Não dá.” Terminou vencendo a redação sintética, a mais objetiva
possível. Tivemos dificuldades no Senado, mas foi aí que aconteceu algo
interessante: as resistências se transferiram do Tennessee para o autor, a tal ponto
que um Senador, ao desfigurar o projeto vindo da Câmara, disse, em determinado
momento: “Quem é esse Caó, para ter nome em lei? Ele pensa que é algum Afonso
Arinos?” A coisa ferveu na cabeça do crioulo velho, e eu mandei dizer a ele que eu
era muito mais que ele: que eu era filho da costureira D. Miúda e do marceneiro Seu
Themístocles, que carregavam nas costas um legado de mais de quatro séculos de
lutas por liberdade e justiça neste País.
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A turma do deixa-disso entrou em cena, e o projeto voltou desfigurado para a
Câmara. Era outro projeto. A Liderança do PFL — e eu digo isso, porque acho que
essas coisas devem ser ditas —, por intermédio do Sr. Inocêncio Oliveira, garantiu
que o projeto fosse restaurado na sua versão original.
Agora, o problema era a nossa relação com a sociedade, com os meios de
comunicação, e as resistências dentro do próprio Estado. Esse era o problema.
Foram momentos e anos duros. Os meios de comunicação se fecharam. Eles tinham
várias reações, para solapar a lei. Diziam que se tratava da Lei Afonso Arinos. Ora,
confundir aquela lei com a Lei Afonso Arinos era simplesmente induzir o desrespeito
a ela, porque para a Lei Afonso Arinos, como todos sabem, racismo é um delito
anão, como diz Nelson Hungria, o grande criminalista, ou até um não-delito. É
afiançável. Basta pagar a fiança que o agressor livra-se da queixa-crime. No
Judiciário, inclusive, infelizmente, num desses momentos de equívoco, um
desembargador negro afirmava que todas as vezes que chegasse às suas mãos um
processo de racismo se declararia suspeito — esse senhor está arrependidíssimo
por ter dito essa frase infeliz. Nas delegacias policiais havia flagrante desrespeito à
Lei Caó. Colocava-se o delito no Código Penal, como queixa-crime. Alguns juízes
afirmavam que aquele princípio constitucional tinha de ser regulamentado.
Naquele momento, cabia uma ação. De quem? Do Estado. Mas como exigir
de um Estado que, há séculos, pela sua formação, tinha sido até ali o maior produtor
e reprodutor da discriminação racial? Eram esses o dilema e o desafio que
enfrentávamos, e são estes que os senhores agora enfrentam, porque nós
inauguramos — todos nós — neste País, uma estratégia e uma política de combate
ao racismo, embora com algumas fendas, que o próprio Estado foi levado a adotar,
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de início, pela manifestação ensurdecedora, mas silenciosa, da Nação e, mais
recentemente, pela compreensão de que é inevitável haver um combate firme, forte,
incisivo e decisivo contra o racismo, porque ele põe em questão a Nação, o
desenvolvimento da economia e a cidadania. Portanto, mesmo os senhores, do
Poder, hoje já se aproximaram dessa noção e já entendem que o Estado tem de ser
transformado. Isso envolve questões de Poder, de composição do próprio sistema
decisório nacional.
O fato é que, o marco, nós estabelecemos — todos nós! — e os senhores
estão tentando, por meio do Projeto Paim, sustentá-lo. Atribuímos ao Estado
brasileiro uma responsabilidade intransferível, que se desdobra em duas direções.
Racismo é crime. Cabe ao Estado combater, reprimir, mas, não somente isso, evitá-
lo, preveni-lo, reduzi-lo, eliminá-lo, cortar na fonte as reproduções de racismo. Aí,
entram as políticas compensatórias, as ações afirmativas de políticas públicas que
não podem ser simplesmente transplantadas ou copiadas do modelo norte-
americano, por uma simples razão: lá, negro é menos de 15% da população. Essa é
a diferença. A grande vantagem, para nós, é que quando lutamos por políticas
compensatórias, na verdade, estamos tentando conceber e elaborar políticas gerais,
porque, mesmo com o corte racial, tal é a predominância de negros, e não apenas
demográfica, mas social, como construtores da Nação, que legislar
compensatoriamente em favor dos negros é legislar para toda a Nação, é legislar
para todos os pobres, porque a pobreza tem cor.
Essa é a vantagem que temos. Eu não penso numa política pública separada
desse conceito. Disse ao meu amigo Paim, no que diz respeito à inserção do negro
na universidade, que cota é o começo. Já que não se fez nada até agora, é um
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ponto de partida. Mas temos de pensar em políticas educacionais compensatórias,
levando-se em conta o corte racial, sim, mas elas serão destinadas à maioria do
povo brasileiro.
Estamos avançando. Não sou dos que adotam o otimismo fácil, mas acho que
estamos avançando. O problema do Poder sempre é complicado. Não se ocupa o
espaço do Poder nem se diferencia sua composição com simples pronunciamentos.
É preciso martelar forte, através de todos os meios democráticos ao nosso alcance.
É preciso um trabalho persistente e, tão persistente, mais forte. Esse trabalho obterá
maiores resultados na medida que também for realizado de dentro para fora e
houver no Parlamento uma bancada aguerrida e empreendedora. É um passo muito
grande, muito importante. Se compararmos o trabalho que hoje se realiza nesta
Casa com o período pós-Constituinte, verificaremos que o salto que demos e a
significação dele é muito grande. É por isso que acredito nesta trincheira de luta.
E não apenas eu acredito. Lá fora já acreditam, a tal ponto que — é bem
verdade que esse ato terrorista encobriu tudo — na Conferência Mundial contra o
Racismo, não obstante a arrogância dos Estados Unidos tê-la esvaziado
consideravelmente, ficou registrado que a referência para que os Estados membros
da ONU possam articular uma ofensiva internacional contra o racismo está na
experiência brasileira, na legislação brasileira, no conteúdo da nossa legislação, que
atribui ao Estado nacional a principal responsabilidade por intervir, inclusive no
mercado, para reequilibrar a distribuição de renda, para cortar os profundos
desequilíbrios provocados pelo mercado.
Destaco, por dever de honestidade, a valiosa contribuição do Deputado Paulo
Paim com o Estatuto, mas temos de pensar que a excessiva abrangência pode ser
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prejudicial à eficácia. Não podemos abrir sequer uma brecha no princípio
constitucional neste momento em que há sinalizações de possível recrudescimento
do racismo em todo o mundo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Agradecemos ao Sr. Carlos
Alberto Caó a intervenção e passamos à fase dos debates.
Concedo a palavra ao Relator, Deputado Reginaldo Germano.
Esclareço que o Sr. Fernando Rodrigues ausentou-se por alguns minutos
para conceder entrevista à TV Câmara.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Sr. Presidente, Srs.
Deputados Luiz Alberto e Paulo Paim — grande construtor de toda essa idéia —,
Alceu Collares e João Grandão; querida Deputada Celcita Pinheiro, do Mato Grosso;
eterno Deputado Carlos Alberto Caó — as marcas que deixou nesta Casa o
eternizam como Deputado Federal —, V.Sa. disse que na sua luta nesta Casa para
aprovação da proposta que tipificava o racismo como crime enfrentou resistência
inclusive da Esquerda. A idéia saiu do livro “O Lugar do Negro no Mercado de
Trabalho” e ganhou força por causa da defasagem salarial de 20% do negro em
relação ao branco, até apresentar a proposta de tornar o racismo crime no Brasil.
V.Sa. disse que a Esquerda foi que mais combateu essas idéias.
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Não foi isso não? Então mais
à frente você me esclarece esse ponto. Entendi mais ou menos assim.
Gostaria que V.Sa., Sr. Caó, com sua grande experiência nessa área, aponte
idéias e caminhos que esta Comissão possa seguir na construção do Estatuto, tendo
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por base — está dentro do projeto do Deputado Paulo Paim — a Lei Caó. O que
poderíamos fazer, tomando como base a Lei Caó, para consolidar o Estatuto? Com
o passar dos anos, tem-se maior visibilidade do que se fez. Gostaria que V.Sa. nos
dissesse, considerando a lei de sua autoria, o que podemos fazer para que esse
Estatuto seja consolidado e se constitua, verdadeiramente, naquilo que esperamos
na luta contra a discriminação racial.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Temos três Deputados
inscritos. Como o jornalista Fernando Rodrigues se ausentou temporariamente, vou
passar a palavra ao Deputado Carlos Alberto Caó para responder ao Relator.
Com a palavra o Sr. Carlos Alberto Caó.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Nobre Deputado Reginaldo Germano, eu
até me queixei com o Deputado Paulo Paim, disse-lhe que queria ler o texto do
projeto. Não me sinto em condições de dizer nada sobre o assunto. Mas eu o
conheço, sei que está movido pelas melhores intenções e propósitos, porque
trabalhamos juntos — eu já não era mais Deputado — na introdução da emenda
aditiva ao Código Penal.
Para falar a verdade, honestamente, hoje de manhã foi que li o texto, de
forma reflexiva. E a única afirmação que neste momento tenho condições de fazer
com segurança é de que há uma abrangência exagerada, que pode levar à perda da
eficácia.
Em desdobramento a isso, o Estatuto, como qualquer outra matéria, tem de
estar subordinado à Constituição, ao princípio constitucional e à lei reguladora do
princípio constitucional, para não abrir brechas. Estou convencido de que ajudei o
Deputado Paulo Paim a cometer um erro por ocasião da introdução da emenda
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aditiva ao Código Penal, porque fomos muito apressados. O resultado disso foi que
abrimos uma brecha no princípio da inafiançabilidade. Os juízes começaram a
enquadrar no dispositivo, soltavam o sujeito sob fiança. Aliás, a segunda versão da
lei que discutimos aqui previa multa. O Senador Bernardo Cabral foi quem nos disse
para retirar a multa, porque juiz nenhum fixaria uma multa significativa. Dali a pouco
os juízes estariam substituindo a pena pela multa.
Então, coloco-me à disposição de V.Exa. Tenho de refletir mais um pouco e aí
estarei em condições de dar algumas contribuições.
Há um assunto sobre o qual quero fazer algumas observações: quota nas
universidades. O projeto fala em uma quota de 20%. Isso não basta, é perigoso.
Temos de ter uma lei que, ao estabelecer uma quota de 20%, estabeleça também
subsídios para aquelas atividades e profissões que requerem tempo integral. Por
exemplo, no curso para Assistente Social, sem nenhum demérito, é perfeitamente
compatível despender determinado tempo em outro tipo de trabalho. Mas as novas
tecnologias exigem tempo integral. Essas coisas que parecem secundárias são
essenciais. Daqui a pouco estaremos criando um gueto: negro vai ser assistente
social, vai ser advogado. Por quê? Ele é pobre e tem de sobreviver. Mas não vai
poder ser tecnólogo, porque é uma profissão que requer 100% de subsídio do
Estado. Então, a fixação da quota de 20%, tão-somente, deixando que cada um
regulamente à sua maneira, não basta. Tem de haver uma legislação para que a
compensação seja para valer, para que não se crie guetos.
Mas não tenho segurança para dizer que o Estatuto não vale nada ou que o
Estatuto vale tudo. O Estatuto é importante, mas subordinado ao princípio
constitucional e à lei que regula esse princípio. Ele não pode ter essa abrangência.
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Vivemos em um País em que precisamos ter um pouco de cuidado. Sabemos que
eles, que governam há quatro séculos, são muito competentes. Nós fizemos do
racismo matéria constitucional e não podemos deixar que prevaleça o argumento de
que não é mais matéria constitucional, e sim matéria estatutária. Temos que ter
cuidado. Temos de trabalhar nisso com muito cuidado. O Estatuto é uma peça
importante, deve existir, mas não com essa abrangência. Vamos admitir que
cheguemos à conclusão — olhe aí, já estou começando a dar palpite...
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Mas era exatamente isso que
pretendíamos ao fazer a pergunta.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Nós pegamos quatro ou cinco leis
fundamentais para o desenvolvimento dessa estratégia, dessa política de combate
ao racismo. E fazemos dessas três ou quatro leis fundamentais completas o
Estatuto. O Estatuto gira em torno disso. Mas tenho medo da abrangência. Suas
intenções, eu entendo, Deputado Paulo Paim, mas o problema não são suas
intenções, seus propósitos, os meus ou os do Deputado Alceu Collares, mas a
brecha que abrimos para o inimigo.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Agradecemos ao Prof. Caó.
Vou conceder a palavra aos três Deputados inscritos para que façam suas
indagações e, depois, ao Sr. Carlos Alberto Caó para as respostas em bloco.
Com a palavra o Deputado Paulo Paim pelo tempo de três minutos.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sr. Presidente, vou começar
cumprimentando o Sr. Fernando Rodrigues pelo brilhante trabalho ora apresentado,
calcado no livro “Racismo Cordial”, que nos será de grande importância. Por incrível
que pareça, nesta Casa, nesta Comissão, há um Deputado a quem recomendarei a
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leitura do livro. O Deputado, de quem não vou citar o nome, afirmou que no Brasil
não há racismo. Vou comprar o livro e presenteá-lo a esse Deputado para que possa
perceber que não são o Paulo Paim, o Carlos Alberto Caó, o Alceu Collares, que são
negros, que estão dizendo, mas é um trabalho científico desenvolvido por 700
pesquisadores, que chegaram a essa conclusão.
Desejo, portanto, cumprimentá-lo por sua exposição, de grande contribuição a
esta Comissão. Faço a V.Sa. o apelo de que esse exemplar do livro seja doado à
Comissão para que faça parte dos Anais da Casa e para que seja instrumento de
consulta permanente. Doado por V.Sa., terá um valor especial. Eu, de minha parte,
comprarei um e doarei a esse Deputado, membro desta Comissão, de quem não
citarei o nome.
Em segundo lugar, há um capítulo específico no Estatuto que trata da
participação do negro na mídia. Aí, entra a polêmica das quotas, assunto que está
sendo debatido em todo o País. Eu diria que é o capítulo do Estatuto que se tornou
estrela no debate nacional sobre a importância do negro e seu percentual de
participação na grande mídia. Entendo que a participação do negro na mídia —
deixarei que V.Sa. responda, não vou advogar minha posição — tem muito a ver
com a auto-estima. Quero que a criança negra veja fada negra, anjo negro, herói
negro na TV, no cinema, no teatro. Gostaria que V.Sa. desse um depoimento sobre
a participação do negro na mídia, já que é um jornalista e trabalha num veículo de
comunicação tão importante como o jornal Folha de S.Paulo.
Ao companheiro Caó, gostaria de dizer, inicialmente, que, quando cheguei a
esta Casa, vindo do movimento sindical, conhecia ainda muito pouco da luta do
Movimento Negro. Eu, como negro, senti o racismo desde criança. Quem é negro e
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diz que não sentiu o racismo está mentindo, é mentiroso. Quem é negro sabe que o
racismo nos acompanha a vida toda. Mas, quando cheguei a esta Casa, tinha dois
mestres: Carlos Alberto Caó e Benedita da Silva. Foram minhas grandes referências.
Considero-os até hoje meus dois mestres, com quem aprendi muito. Vou falar do
Caó, que está presente. Com o Carlos Alberto Caó, eu aprendi, na Constituinte, a
luta heróica, histórica do Movimento Negro. Era o Caó a minha grande referência na
elaboração do texto da Constituição. Foi o Caó quem inscreveu na Constituição que
racismo é crime imprescritível e inafiançável. Foi ele o autor da proposta. E foi com
ele que fui à África do Sul, por ele convidado, conhecer o Nelson Mandela quando
ele saía do cárcere. Levávamos a ele uma homenagem do povo brasileiro, também
objeto de proposta aqui apresentada pelo Caó. Foi com ele que conversei no
momento em que tive a ousadia de propor alteração à sua lei. Disse-lhe que os
advogados estavam conseguindo liberar as pessoas que haviam cometido o crime
de racismo alegando tratar-se de simples injúria e não de crime de racismo. Foi o
Caó quem, humildemente, sendo meu mestre, dirigiu-se ao Rio Grande do Sul, ao
Floresta Aurora, onde o Senador Alceu Collares esteve conosco, e fez amplo
debate. Só alteramos a lei mediante entendimento com o Sr. Carlos Alberto Caó.
Então, para mim, é muito importante fazer esse registro histórico da sua
participação.
Também quando apresentei o Estatuto da Igualdade Racial, ao conversar
com o Caó na Câmara dos Deputados, ele perguntou-me, com o carinho e respeito
que tem sempre conosco, de forma muito fraternal: “Paim, mas qual é a origem do
Estatuto?” E eu explicava ao Sr. Caó que estamos há anos tentando fazer uma
Comissão Especial para discutir o preconceito racial no Brasil, mas não
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conseguimos. Infelizmente, ele não estava aqui. Contudo, tenho certeza de que
estará a partir do próximo ano. O Rio há de trazer V.Sa. de volta ao Congresso. E foi
discutindo com técnicos que entendemos que, se pegássemos uma série de projetos
de lei que tivessem de passar por mais de três Comissões, nós conseguiríamos
montar uma Comissão Especial. Foi uma estratégia pensada, uma tática montada
na Casa para que se instalasse uma Comissão Especial para discutir a questão do
preconceito racial, tão contundente no nosso País depois de 500 anos.
Nunca tínhamos conseguido montar uma Comissão Especial só para discutir
esse tema. A partir daí, o Caó, conversando comigo, disse: “Agora, estou
entendendo bem a essência da coisa e qual é a intenção. Mas vou estudar a matéria
com profundidade e darei minha opinião no momento adequado”.
Quero dizer, Carlos Alberto Caó, que lhe tenho como grande referência. V.Sa.
continua sendo meu mestre.
Entendo que este Estatuto apenas vem somar-se a todo o trabalho feito no
Congresso até o momento. Para mim, é importante que os painelistas não venham
aqui apenas bater palmas para a Comissão como se estivesse tudo muito bem. Nós
queremos isto mesmo que os senhores vieram fazer: contribuir com dados e
sugestões. Quem ler a justificativa do projeto verá que esse Estatuto é o início da
grande proposta que todos sonhamos. Mas será no debate permanente com a
sociedade e com especialistas, como o Sr. Caó e o Sr. Fernando Rodrigues, por
exemplo, que estudou a matéria em profundidade, que vamos elaborar a redação
final. Com certeza, a redação final há de ser, conforme meu entendimento, 100, 200,
300 vezes melhor do que o projeto original, já que esse cumpriu seu objetivo. Qual
era? Instalar uma Comissão Especial. A Juíza Abigail disse até que este plenário
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deveria estar lotado e a comunidade negra fomentando o debate e pressionando
para que seja contemplada a justa aspiração de um povo que foi crucificado durante
mais de 500 anos.
Então, eu gostaria de dizer ao Carlos Alberto Caó que estou muito feliz, que
sua contribuição é fundamental. Nós já decidimos — a proposta não é minha, mas
do ex-Governador Alceu Collares — que todos os painelistas sejam convidados a
uma conferência final para discutirmos a redação final junto com o Relator, a fim de
que saia daqui, de fato, um instrumento que contemple a vontade da comunidade
negra em âmbito nacional, tão discriminada durante todo esse tempo.
Era só isso.
Caó, não tenho nenhuma pergunta a fazer a V.Sa.. Eu quero dizer-lhe
especificamente que desejo que a redação final desse projeto esteja à sua lavra,
sendo descrita toda a história que V.Sa. ajudou a construir. Também faço o mesmo
convite ao Sr. Fernando Rodrigues.
Muito obrigado. Desculpe-me por não lhe fazer perguntas, Caó, mas não
posso fazer perguntas ao meu mestre.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Concedo a palavra ao
Deputado Alceu Collares.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - O Deputado Paulo Paim imagina
que está no palanque do Rio Grande do Sul como candidato ao Senado da
República. (Risos.) Por isso, ele fica com esses salamaleques, que, contudo, fazem
bem para nossa alma. Principalmente para o negro, que sempre foi judiado, o
carinho da expressão verbal cai como um lubrificante para a alma dos sofridos.
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Esta luta nossa que vai começar agora talvez dure 100 anos. Eu tenho
certeza de que todos têm expectativa de que vão ser testemunhas quando se
completar o século. Mas o Patrocínio e o Rebouças começaram também assim. Eu
acho que o País está fazendo um degrau, um tijolo na construção, até porque
quando aqui cheguei, em 1971, não tínhamos espaço nenhum. Líder do PTB na
época, o Moura desta Fundação Palmares, disse que nos concedia um espaço.
Papel, telefone, éramos nós que dávamos para que ele pudesse, aos poucos,
trabalhar. Penso que não devemos alimentar muitas ilusões, mas ter o ideal de
combatentes perseverantes, semeadores, teimosos ao longo do tempo que se possa
ter.
Eu, desde o início, como Professor da Língua Portuguesa, achava que não
tínhamos que discutir o Estatuto da Igualdade Racial. Se o índio tem Estatuto do
Índio, por que não há Estatuto do Negro? Achava que se colocássemos o Estatuto
do Negro, teríamos probabilidade de debate mais abrangente, porque o Estatuto de
Igualdade Racial é muito amplo, muito diluído.
Sr. Fernando, leio seus artigos e gosto demais deles. A Folha de S.Paulo
hoje é um jornal que se pode ler com muita tranqüilidade. Mas acho esse título
também difícil de entender. Racismo nunca é cordial. Cordial é o que vem do
coração. Racismo é uma chaga, uma maldade, um vírus. Agora, graças ao Sr. Caó,
é um crime. Então, isso tira um pouco da força, da luta que nós temos de ter contra
esse processo. Por isso, achei meio estranho o título “Racismo Cordial”. Não me
leve a mal, Sr. Fernando, “Racismo Cordial” só pode ter sido escrito por branco que
nunca sofreu na carne o problema do negro.
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Todos quantos aqui têm estado, Sr. Caó e Sr. Fernando, nós temos pedido
para que nos acompanhem como consultores voluntários. O nosso Presidente,
Deputado Saulo Pedrosa, está com o compromisso, a responsabilidade de
encaminhar todas as proposições que porventura nos cheguem, daqueles que têm
estado aqui dando a contribuição da sua longa experiência. Por isso, nós os
consideramos consultores voluntários desta nossa jornada.
Razão tem o Sr. Caó quando fala na abrangência da nossa pretensão, da
nossa proposta. Agora, se essa abrangência ficar dentro dos parâmetros
constitucionais, não tem problema nenhum. Não há como sair fora dos parâmetros
que a Constituição estabeleceu graças à sua perseverança. Não temos de eleger
nenhum segmento. Temos de ter consciência, como negros, de que talvez tenhamos
de pedir várias reencarnações para ver esse Estatuto funcionando. Mas nós vamos
perseguir. Não podemos desistir.
A Lei Afonso Arinos foi há pouco mencionada na televisão, mas não se aplica.
Na televisão, numa novela — sou noveleiro de marca maior —, disse-se que a Lei
Afonso Arinos seria aplicada. Pensei: “quê absurdo!”. Aí, telefonei para a Globo e
disse: “Não façam isso, porque vocês têm uma responsabilidade com a História, com
os acontecimentos do dia-a-dia”. Não podem agredir a raça negra no momento em
que temos, graças ao seu trabalho, um princípio constitucional que considera a
prática do racismo um crime inafiançável, imprescritível na forma da lei.
Conseqüentemente, não é possível que se faça isso. Mas vamos aos pouquinhos.
Quero também dizer ao Deputado Paulo Paim que sobre isso incidirá grande
quantidade de críticas e também de nossos negros palestrantes que, às vezes, vêm
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aqui e querem resolver tudo numa tarde. Temos de ter a paciência do escravo, com
a certeza de que o sol raiará para nós um dia.
Se tivesse perguntas a fazer, não as faria em respeito. O livro do Sr.
Fernando Rodrigues faz enfoques científicos, técnicos muito diferenciados das
pesquisas, com muito maior abrangência. Agora mesmo, o IPEA está com pesquisa
eminentemente técnica. Mas V.Sas. estão abrangendo as 12 perguntas num
conjunto de formulações, de questionamentos da mais alta qualidade, para que
possamos, aos poucos, entender o que é o racismo. A minha encrenca é só com o
título.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Obrigado.
Concedo a palavra ao Deputado Luiz Alberto.
O SR. DEPUTADO LUIZ ALBERTO - Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, agradeço e parabenizo o nobre ex-Deputado Carlos Alberto Caó, baiano
— conheci sua família na federação —, e o jornalista Fernando Rodrigues.
Quero fazer um comentário sobre a fala do Sr. Carlos Alberto Caó e as
preocupações levantadas, principalmente em relação à abrangência da proposta do
Estatuto. Antes, porém, gostaria de dizer que estou de acordo com o Deputado
Alceu Collares. Não existe um Estatuto da Igualdade Racial. Até poderíamos, nesta
proposta, retirar o Estatuto do Índio e incorporá-lo no Estatuto da Igualdade Racial
como um todo. Nós deveríamos carimbar a proposta de Estatuto do Negro, porque
se trata do diálogo que esta Comissão se propôs a fazer: discussão do racismo
antinegro no Brasil e apresentação de alternativas de combate ao racismo.
Sobre a abrangência, considero a preocupação do Sr. Carlos Alberto Caó
importante, porém, penso também — e aí está o positivo da proposta — na tentativa
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de apresentar um conjunto de propostas que dê respostas globais às questões
enfrentadas pelo negro brasileiro.
Esta Comissão solicitou à Casa todos os projetos que aqui tramitam, mais de
uma centena sobre o tema. Vários projetos, de todos os tipos, e que de alguma
forma depõem contra nosso trabalho insistente para apresentar respostas. Então,
acho que o Deputado Paulo Paim teve uma bênção dos orixás quando apresentou
essa idéia. Eu acho importante. Claro que devemos ter preocupações no sentido de
não tentar pegar tudo e, assim, não pegar nada. Mas acho que a proposta é
exatamente para apresentar um conjunto de sugestões, que se transformem num
instrumento legal, para que imponhamos ao Estado brasileiro o que chamamos hoje
de obrigações de reparar o dano causado à população negra. É importante nesse
aspecto.
Refiro-me, agora, ao debate sobre a questão de injúria racial. Eu participei,
em Salvador, da abertura de um curso para advogados afrodescendentes,
promovido por um grupo vinculado à Organização das Nações Unidas, e foi
unanimidade a constatação de que os advogados e juízes estão utilizando esse
instrumento para burlar o objetivo central de punir o racismo, para o qual há
penalidades mais severas na proposta original. Utilizam-se da injúria racial para
aplicar o que a lei não queria aplicar. Ou seja, dão a interpretação mais suave da
classificação do crime. Então, os advogados todos ali presentes estavam se
aproximando da idéia de que é uma escapatória que o Judiciário e os operadores da
lei estão se utilizando em relação à questão do crime de racismo.
Também não tenho nenhuma pergunta a fazer ao Caó, até porque S.Sa. sempre
vem fortalecer nossa insistência de continuar lutando em relação a essa questão. Eu
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falo de insistência porque estou como Deputado por um período curto e sou militante
do Movimento Negro e, invariavelmente, sou acusado — esse é o termo exato — de
estar sempre insistindo na questão do racismo no Brasil.
É impressionante como qualquer Parlamentar pode fazer discurso em defesa,
por exemplo, do perdão da dívida dos grandes agricultores, que representam no
Brasil talvez uma população de alguns milhares. Quando falo do racismo, estamos
referindo-nos a 80 milhões de pessoas que precisam ser ouvidas. Então, esse me
parece ser o comparativo mais presente da pesquisa da Folha de S.Paulo
apresenta.
Esta Comissão, na última reunião, tinha proposto convidar, além do jornalista
Fernando Rodrigues, a jornalista Marilena Felinto, que fez uma entrevista com o
Spike Lee, diretor de cinema norte-americano, um afro-americano, além de ter dado
uma entrevista à revista Caros Amigos, quando ela abordou a questão racial e
emitiu uma série de opiniões. Então, seria importante que ela estivesse também
presente para mostrar um pouco do significado dessa questão. Ou seja, seria uma
jornalista negra com posição totalmente, na minha opinião, divergente da
constatação da pesquisa. A Folha de S.Paulo foi muito feliz quando fez essa
pesquisa, talvez o mais profundo levantamento de informação que temos notícia no
Brasil sobre a questão. Quando publicado, foi consumido vorazmente pelo
Movimento Negro e pelas pessoas que militam essa causa. Portanto, deu grande
contribuição ao debate da questão racial no Brasil assim como demonstrou a
maneira em que o racismo opera. Spike Lee, diferentemente da Folha de S.Paulo,
que dá o título de “Racismo Cordial” ao trabalho, diz na entrevista à Marilena Felinto
que racismo é ódio. Ela diz que no Brasil é diferente dos Estados Unidos e que,
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aqui, ao se pedir um táxi para parar, o motorista jamais deixará de parar porque se
trata de pessoa negra, revelando ódio. Ele diz que racismo, em qualquer situação,
em qualquer lugar, é ódio, independente da forma em que se manifeste.
Diante da sua exposição, quero fazer duas ou três perguntas. Primeiro, com
esse dado que a Folha de S.Paulo colheu através dessa pesquisa, a que
conclusão o senhor chegou em relação, por exemplo, já que 87% das pessoas não
negras, que poderia chamar de brancos ou classificados como brancos...
(Intervenção inaudível.)
O SR. DEPUTADO LUIZ ALBERTO - Eu entendi. Ocorre que essa presença
é um traço muito insignificante para o universo dos brancos que provavelmente
tenham sido entrevistados. O senhor chegou à conclusão de que o racismo é
meramente um evento de relações pessoais ou é uma ideologia que se manifesta de
forma coletiva na sociedade?
Outra pergunta. A Folha de S.Paulo talvez seja o órgão de imprensa mais
lido, mais crítico de determinadas situações e chegou, inclusive, a fazer esse
trabalho. Eu percebi que, tanto nas fases preparatórias no Brasil da III Conferência
Mundial, quanto na sua própria realização, a Folha de S.Paulo cobriu de forma
muito fria o evento, diante até dos dados levantados por ela. Ou seja, tratou-se de
conferência que teve e está tendo impacto muito grande no Brasil — não é à toa que
foi a segunda maior delegação nessa conferência —, mas achei que a Folha de
S.Paulo fez uma cobertura um pouco fria do evento, não deu destaque necessário
para aquela atividade. Qual o motivo que levou, segundo minha avaliação, a Folha
de S.Paulo a cobrir o acontecimento dessa forma?
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O que o senhor acha, diante desses dados, da aplicação de política de ação
afirmativa no Brasil? Não falo especificamente de quotas, mas de um conjunto de
políticas dirigidas à população negra do nosso País.
Era o que tinha a comentar, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Esta Presidência informa a
V.Exa. que foi aprovado requerimento para que seja convidada a jornalista. Ela foi
contactada, tomou conhecimento do convite, mas não nos deu retorno.
Concedo a palavra ao último orador inscrito, Deputado Carlos Santana, por
três minutos.
O SR. DEPUTADO CARLOS SANTANA - Sr. Presidente, em primeiro lugar,
quero pedir desculpas por não ter chegado a esta Comissão no horário previsto,
porque estava no exercício de outras tarefas. Quero me penitenciar, porque o
trabalho desta Comissão, para nós, negros, tem de ser encarado como o mais
importante. Cada um dos Srs. Deputados tem uma história que explica sua vinda
para esta Casa. Nós sabemos que recebemos muitos votos porque somos negros e
esses eleitores esperam que aqui defendamos nossas raízes, nossa raça.
Gostaria de saudar o Carlos Alberto Caó, uma pessoa que admiro muito, que
aprendi a admirar no Rio de Janeiro. Não faço parte de nenhum movimento negro do
País, tenho divergências profundas com sua forma de atuação, mas quero saudar o
Carlos Alberto Caó por sua importância para a raça. A primeira repressão por ser
negro sofri — meu pai, além de negro, é pedreiro e pintor — numa escola pública
em Realengo. Eu tinha vindo do Espírito Santo. Todo mundo acha que sou carioca,
mas sou capixaba de nascimento. Mas fui muito pequeno para o Rio de Janeiro. Eu
sou baiano cansado, aquele que sai da Bahia, tenta ir para o Rio de Janeiro, mas
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fica no meio do trecho — trecho, porque sou ferroviário —, no Espírito Santo.
Depois, completa a viagem e pára no Rio de Janeiro. Ao chegar ao Rio de Janeiro,
as bobonas das professoras — os professores não têm culpa, aqui mesmo temos
um — perguntaram-me o que meu pai era, o que fazia. Só que no meu livro de 2ª
série primária não estava escrito que o pai era pedreiro, pintor. O livro só dizia que
era doutor tal, advogado tal, engenheiro tal. Na minha sala, 90% eram negros. E eu
sentia, em cada companheiro, a dificuldade em dizer a profissão do pai. Eu devia ter
entre 8 e 9 anos. Foi quando tive pela primeira vez a consciência da existência do
racismo. Agradeço a essa professora pelo gesto, embora entenda que não devesse
ter existido.
Quero, então, agradecer ao Carlos Alberto Caó por este momento em que
estamos vivendo. A emenda constitucional de sua autoria foi de extrema
importância.
Temos um problema no País: o de conseguirmos sair da intelectualidade e
alcançar o povão lá embaixo. Ele é que tem de fazer... A intelectualidade escreve,
formula, mas deve haver uma resistência de base, o que não temos no País. Eu
acordo às 3, 4 horas da manhã, porque, quando a Polícia ocupa uma favela no Rio
de Janeiro, tenho de estar lá para bater de frente com os policiais, e o faço porque
tenho uma carteira de Deputado Federal. O Caó já deve ter passado por isso várias
vezes. Isso acontece muito no nosso Estado, a nossa molecada negra está sempre
tomando na cara, muitas vezes, de policiais negros. Isso me deixa muito triste. A lei
é importante. E hoje temos de começar a criar uma resistência.
Essa é a maior divergência que tenho com o Movimento Negro. Nós ficamos
filosofando demais. Mas, quando perguntamos qual é o trabalho feito na base,
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concreto, poucos têm o que dizer. No dia em que estivermos na comunidade
formulando, discutindo, fazendo como os evangélicos, que vão às penitenciárias —
sou de Bangu, filho de coração de Bangu, e vejo o trabalho que os evangélicos
fazem no cárcere em Bangu 1 e Bangu 2.... E nós, do Movimento Negro, não
fazemos nada. Eu me incluo nisso, também sou culpado. Não estou me eximindo da
culpa. Também sou culpado. Temos essa dificuldade de sair do que escrevemos
para ajudar o cidadão que está sofrendo, para que ele crie sua resistência.
Por isso, deixo uma sugestão à Comissão. Não estou preocupado, Deputado
Paulo Paim, Deputado Alceu Collares, com o relatório final desta Comissão, com
seu conteúdo. Acho que nosso trabalho pode ser lindo. Temos de ser itinerantes.
Quero, com a autorização da Mesa, que no ano que vem façamos um debate na
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Nós vamos lá, pedimos ao Sérgio Cabral.
Temos de levar essa discussão às comunidades. O Fernando foi coordenador desse
projeto e sabe do que estou falando. A intelectualidade é importante.
Tenho um filho de 11 anos, que sofre a contradição de ter um pai que
continua morando em uma comunidade carente, mas, evidentemente, tem tudo
aquilo que as outras crianças de lá não têm, porque eu dou. Se ele quiser um skate,
tem; se quiser o videogame tem; se quiser o livro tal, tem; se quiser estudar inglês,
o que quiser. Agora, cismou, com 11 anos, que vai fazer teatro. E está fazendo
teatro. Se amanhã cismar e não quiser mais fazer teatro, não vai mais fazer teatro.
Por quê? Porque este negrão tem condições de pagar. Agora, ele vive numa
comunidade carente e vê a contradição, porque as outras crianças não têm isso.
Comecei a ler livro sobre a questão racial a partir dos 15 anos. Acho que
poucos de nós, negros, começou cedo a ler sobre o assunto. Sentimos isso no dia-
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a-dia. Ler, aprofundar-se no tema, discutir o assunto...É mentira se alguém chegar
aqui e disser que começou cedo. É mentira.
Sugiro ao Presidente que, no ano que vem, façamos um trabalho itinerante.
Acredito muito no trabalho itinerante, para levar a discussão até as pessoas, aos
jovens. Sou da categoria dos ferroviárias, que tem negros como as maiores
lideranças. Muito poucos sabem, mas sou de uma categoria que teve o Deputado
Federal mais votado, que foi o Demitófile Batista, o Batistinha. E um negro. Isto, para
mim, é motivo de muito orgulho.
Então, quero deixar essa sugestão, que, se for acatada, quero marcar para
irmos ao Rio de Janeiro, no ano que vem, fazer um trabalho na Assembléia
Legislativa. Esta Comissão também tem de ajudar a criar esse debate nas
Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Temos de estar o mais perto
possível do povo. Temos de ter a resistência popular, que, para mim, é o que vai ser
o sólido da questão.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Esta Presidência informa
que está prevista uma visita ao Rio de Janeiro e a mais sete ou oito Estados.
O SR. DEPUTADO MILTON BARBOSA - Sr. Presidente, V.Exa. me permite
fazer um registro?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Pois não, Deputado Milton
Barbosa, mas peço a V.Exa. que seja breve, porque o jornalista tem de sair em
razão de um compromisso.
O SR. DEPUTADO MILTON BARBOSA - Sr. Presidente, quero aproveitar
esta oportunidade para saudar meu companheiro Carlos Alberto Caó, que foi nosso
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colega na Constituinte. Para mim, é uma alegria muito grande revê-lo. Esta
Comissão se engrandece com sua presença. Fui testemunha de sua luta, de sua
batalha pela aprovação da lei que levou seu nome. É lamentável que não tenha
permanecido por mais tempo nesta Casa. Se negro votasse em negro, o ex-
Deputado Carlos Alberto Caó não teria saído desta Casa. Infelizmente, a
discriminação começa entre os próprios negros. Temos de ter consciência disso.
Somos a maioria da população deste País, mas, infelizmente, a discriminação é algo
que está dentro de cada pessoa. Infelizmente, todos nós somos discriminadores.
Vivemos num Estado, a Bahia, onde a maioria da população é negra. No Rio
de janeiro, da mesma forma. Este Parlamento deveria ser composto, em sua
maioria, de negros. Espero que essa conscientização de que somos um povo forte,
guerreiro, batalhador se concretize o mais breve possível.
Faço coro com meu colega Carlos Santana. Infelizmente, filosofamos demais
e, muitas vezes, ficamos apenas no discurso, quando, na realidade, precisamos ir ao
front, precisamos guerrear por dias melhores para esta Nação, para a grande
maioria do nosso povo, que sofre na pele as agruras do dia-a-dia e nós próprios,
infelizmente, não estamos sabendo valorizar.
Quero, mais uma vez, dizer ao companheiro Carlos Alberto Caó que esta
Casa será sempre sua.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Saulo Pedrosa) - Com a palavra o jornalista
Fernando Rodrigues para responder às perguntas que lhe foram formuladas pelos
Srs. Deputados.
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O SR. FERNANDO RODRIGUES - Muito obrigado, Sr. Presidente. Vou tentar
responder da parte mais fácil para a mais difícil. Ao Governador Alceu Collares,
quero dizer que talvez eu não tenha me expressado muito bem, o título do livro
realmente é “Racismo Cordial”.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Sou um provocador desde
gurizinho.
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Mas acho isso útil, porque gostaria de
resgatar um pouco o significado disso. Fomos buscar no resultado da pesquisa um
dado terrível, que foi, em resumo, o seguinte: os brasileiros são racistas, mas,
aparentemente, têm um pouco de vergonha de demonstrar isso em público, embora
acabem demonstrando de forma involuntária, o que não diminui em nada o flagelo
que vem a ser esse tipo de manifestação. Em resumo, esta é a constatação
científica desse trabalho. Daí fomos procurar algo mais nos tratados de Sociologia.
Há um livro do Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil”, que o senhor
conhece, editado pela primeira vez em 1936, que diz mais ou menos o seguinte:
A contribuição brasileira para a civilização será de
cordialidade. Daremos ao mundo o homem cordial. A
lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes
tão gabadas por estrangeiros que nos visitam
representam, com efeito, um traço definido do caráter
brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa
e fecunda a influência dos padrões de convívio humano,
informados no meio rural e patriarcal.
Mais adiante ele adverte:
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Seria um engano supor que essas virtudes possam
significar boas maneiras, civilidade, porque (segundo ele)
a palavra “cordial” há de ser tomada, neste caso, em seu
sentido exato e estritamente etimológico.
Buarque de Holanda afirma que o brasileiro está distante de ter uma noção
ritualista da vida, sendo cordial e colocando sempre o privado acima do coletivo.
Diz ele:
Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo,
justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na
aparência. E isso se explica pelo fato de a atitude polida
consistir precisamente em uma espécie de mímica
deliberada de manifestações que são espontâneas no
homem cordial. É a forma natural e viva que se converteu
em fórmula. Além disso, a polidez é, de algum modo,
organização de defesa ante a sociedade; detém-se na
parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo
servir, quando necessário, de peça de resistência.
Ou seja, a definição de cordialidade é nesse sentido. Racismo,
evidentemente, não é uma coisa boa, é uma coisa de ódio, como ouvi alguns dos
oradores dizerem, e não é no sentido mais comum que se conhece da palavra
cordial, mas no sentido de que tenta ser uma coisa velada, escondida, que muito
prejudica a inteligibilidade desse fenômeno maligno no País, porque muita gente diz
que aqui não há racismo, que aqui somos diferentes, nos expressamos de outra
forma. Não é nada disso. Na verdade, o racismo existe aqui, como todos sabemos,
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e, felizmente, pudemos provar com esse trabalho de cunho científico e jornalístico.
Por que isso é importante? Daí eu gostaria de partir para a próxima reflexão a
respeito do que disse o nobre Deputado Paulo Paim.
Entendo que uma das maiores armas que a população brasileira pode ter no
combate a esse flagelo que é o racismo ou o preconceito de cor em geral — até
porque o livro registra o preconceito de cor de negros contra negros no País,
também estratificado — é a informação. Fiquei feliz quando o Deputado Paulo Paim
disse que é importante que esse livro registre cientificamente essa pesquisa,
apresente cientificamente as formas em que o racismo é manifestado no País,
porque com isso acabamos, de uma vez por todas, com uma discussão anterior, que
durou quase 500 anos — afinal de contas, essa pesquisa é de 1995 —, a respeito
de não haver racismo no Brasil. O primeiro ponto a tornar-se consensual em toda a
discussão, ao que me parece, é todos concordarem que existe uma situação de fato
que precisa ser combatida. Neste sentido, a informação é muito importante. E noto
que tudo que há disponível no País é muito fragmentado e aparece de forma
esporádica em nossas mãos para que possamos analisar. De vez em quando
aparece a pesquisa de uma universidade ou de um instituto do Governo, do IPEA,
do IBGE, de onde for, a respeito da não-presença do negro ou das minorias em
determinada atividade da nossa sociedade. Agora, o que eu noto é que não há um
acompanhamento sistemático, anual, semestral, diário, até, como deveria ser, sobre
esse tipo de coisa.
Daí, chegaria ao ponto sobre o qual o Deputado Paulo Paim me perguntou, a
respeito da presença das minorias e do negro nos meios de comunicação, seja,
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sobretudo, na parte mais visível, que seriam os programas de televisão, ou até nas
redações dos jornais, das rádios, das televisões etc.
De vez em quando aparece uma pesquisa mostrando que nas novelas
brasileiras, nos programas em geral o negro é sub-representado. Mas não conheço,
até hoje, nenhum mecanismo que meça com regularidade esse tipo de informação.
Acho que esse tipo de controle seria até uma forma muito mais eficaz de
constranger os meios de comunicação. Um dos artigos da proposta diz que os filmes
e programas veiculados pelas emissoras de televisão deverão apresentar imagens
de pessoas afrodescendentes em proporção não inferior a 25% do número total de
atores e figurantes. Eu intuo que hoje seja menos do que isso. E já até li pesquisas
que dizem que nessa ou naquela novela o negro é sub-representado. Mas qual
organismo do Governo brasileiro ou dos governos estaduais ou municipais
realmente monitora esse tipo de coisa para nos dizer com regularidade se melhorou
ou piorou em relação a dez anos? Como era há vinte anos? Não sabemos. Como
será no ano que vem? Também não vamos saber, porque ninguém está fazendo
isso. Vi que serão criadas comissões, etc. e que estão em discussão no Congresso
Nacional novas legislações para os meios de comunicação.
O Deputado Aloizio Mercadante, do PT, com freqüência fala da criação de
uma agência específica para regular os meios de comunicação, jornalismo, etc., já
existe a ANATEL. Será que uma dessas agências não poderia monitorar isso tudo e
nos fornecer estatística sobre esse tipo de discriminação latente que existe nos
meios de comunicação? Eu não conheço. O IBGE não poderia fazer isso? Alguém
não poderia fazer isso para nos dizer, ao longo de período de um ano, por exemplo,
o que acontece? Ninguém sabe. Esse tipo de controle — não gostaria de usar a
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expressão “controle”, mas “acompanhamento” — parece-me ser muito eficaz até
para demonstrar à população em geral como se manifesta o racismo no País.
Infelizmente, em alguns casos, temos de deixar o coração de lado e colocar a
razão no lugar. E daí apresentar números e dizer: é realmente aviltante que não
apareçam negros, morenos ou seja lá o que for nas novelas, ou nos comerciais de
televisão, ou nos comerciais dos partidos políticos. Aparece 1% ou 2%. É
absolutamente desproporcional. Não conheço os números. Eu intuo, porque sou
uma pessoa que, por dever do ofício, acompanho os meios de comunicação, que
existe uma sub-representação, mas não existe nenhum acompanhamento científico,
sistemático a respeito disso. Talvez no escopo da discussão possa ser debatido
esse assunto.
Sobre as outras três perguntas, a primeira era a seguinte: já que 87% dos
brasileiros não brancos se manifestaram em maior ou menor grau racistas nessa
pesquisa, se era possível definir como conclusão de que se trata apenas de um
evento de relações pessoais, algo cotidiano ou de fato uma ideologia um pouco mais
arraigada? Não há resposta a esta pergunta porque não foi objeto específico da
pesquisa. Seria necessário fazer outro tipo de estudo mais profundo sobre a
questão, que tivesse cunho mais sociológico.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Mas a opinião pessoal de V.Sa.
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Pareceu-me um traço realmente cultural e
forte, quase ideológico. Agora, é uma impressão que parece mais real, mas não é
algo que eu possa dizer com base num resultado mais científico, porque essa
questão específica não foi estudada. Agora, acho relevante, Deputado Alceu
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Collares, que possamos dizer hoje que 87% dos não negros no Brasil manifestam-se
de alguma forma com preconceito.
A segunda pergunta era sobre a razão de a Folha de S.Paulo eventualmente
ter feito uma cobertura — usando a expressão do Deputado — fria em relação à III
Conferência Mundial. Tenho uma opinião diversa. Realmente é uma questão de
opinião pessoal. Nós mandamos um enviado especial, uma repórter que
acompanhou diariamente o evento. Recordo-me que todos os dias havia menção na
primeira página do jornal sobre a conferência. Então, no meu modo de entender, o
evento teve o destaque devido nas páginas do jornal.
Finalmente, havia uma pergunta sobre aplicação de política afirmativa, não só
cotas, mas em geral. Acho que algum tipo de política tem de ser feita. Não tenho
opinião formada e definitiva sobre cotas. Há estudos controversos sobre o efeito das
cotas em outros países, mas louvo a iniciativa de se discutir o assunto. Em alguns
casos, como neste dos meios de comunicação que o Deputado Paulo Paim citou,
haverá certa dificuldade. Por exemplo, se todos os filmes veiculados tiverem de ter
25% do número total de atores e figurantes formado por pessoas afro-descendentes,
haveria alguns casos em que não seria possível cumprir essa determinação.
Digamos que seja um documentário sobre a Suécia. Neste haverá possivelmente
um percentual menor, é claro.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Sr. Fernando, aí nós vamos fazer
como o branco: pintar o negro de branco. (Risos.)
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Exato. Tudo isso tem de ser pensado
para não ficarmos escravos de alguma âncora que possa representar, no limite, até
o cerceamento da liberdade de expressão, uma das bases fundamentais do sistema
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democrático. Esse cuidado talvez devesse ser tomado na redação para evitar esses
casos excepcionais. Agora, o que talvez deva ser feito mesmo, Deputado Paulo
Paim, no meu modo de entender, é talvez o mais rapidamente possível esta Casa ou
algum órgão que tenha condição para tanto acompanhar amiúde o que acontece,
para que possamos sempre utilizar dados concretos e objetivos nas discussões,
evitando a discussão aleatória na base da intuição pessoal apenas.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Gostaria de ficar mais alguns minutos, mas tenho realmente de ausentar-me
devido ao fechamento do jornal. Peço desculpas a V.Exas. por não poder ficar até o
final.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - A Mesa agradece ao jornalista
Fernando Rodrigues. O Relator tinha, no início, um questionamento a fazer à fala do
jornalista Fernando Rodrigues. Pergunto a S.Sa. se é possível permanecer pelo
menos três minutos para ouvir algumas ponderações do nosso Relator, Deputado
Reginaldo Germano.
Concedo a palavra ao Deputado João Grandão.
O SR. DEPUTADO JOÃO GRANDÃO - Sr. Presidente, quero registrar o
aniversário de um negro desta Casa. O companheiro Deputado Gilmar Machado
hoje está fazendo aniversário. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Está registrado. Depois o
Deputado Gilmar Machado dirá quantos anos está completando hoje.
Com a palavra o Deputado Reginaldo Germano.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Faço uma pergunta ao Sr.
Fernando Rodrigues, que nos apresentou uma pesquisa. Em 1995 — conforme
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V.Sa. citou —, havia mais ou menos 81 milhões de racistas, numa população de 154
milhões de brasileiros.
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Na realidade, entre os acima de 16 anos
que consistiria uma população aproximada de 98 milhões. Desse total, 92 milhões
eram brasileiros não negros, e desses, 87% manifestavam alguma forma de
preconceito.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - O que é considerado não
negro?
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Aqueles que, na pesquisa do IBGE, se
declararam brancos.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Certo. Então, brancos.
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Brancos ou orientais ou outras etnias.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Não, mas moreno é outra
etnia. A pergunta está cabendo por causa disso. Moreno, mulato não é outra etnia.
SR. FERNANDO RODRIGUES - O IBGE considera negros ou pardos. Então,
os pardos e os negros.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Então, nos não negros
também se incluem os pardos?
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Não. Preciso afirmar com exatidão.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - O IBGE considera pretos e
pardos negros.
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Hoje, segundo o IBGE, o brasileiro pode
ter apenas cinco cores: branca, parda, negra, indígena, amarela. Os pardos são
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todos os não brancos que não sejam negros, amarelos ou índios. Agora, é definição
do IBGE.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Agora eu vou à pergunta.
Quais foram os estragos que esses 81 milhões de racistas que havia em 1995
causaram à etnia negra? O IBGE apresenta uma pesquisa, o IPEA outra. Na sua
pesquisa, quais os estragos causados?
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Esse ponto não foi objeto do estudo,
Deputado. Ele foi apenas direcionado a identificar as formas como o racismo se
manifestava no País.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Minha pergunta é
simplesmente esta.
Muito obrigado.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Com relação às cotas e à visibilidade dos
meios de comunicação, que acho fundamental, pelo que eu entendi, V.Sa. se
preocupa com as exceções?
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Essa é uma delas.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - O exemplo dado foi uma exceção.
Sabemos que hoje a criatividade neste País é livre.
Certo dia, em um debate semelhante a este, perguntei a uma pessoa,
respeitando a criatividade, se ela achava possível um anjo ser negro. Ela pensou
dez vezes antes de responder, porque achava que não poderia ser. Essa exceção
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abordada por V.Sa. é um documentário sobre a Alemanha, sobre a Itália, que
poderia ser sobre a África, mas não é regra. No seu painel, V.Sa só apresentou um
debate interessante sobre a visibilidade dos negros nos meios de comunicação,
porque essa informação pôde dar. O que eu entendi está correto?
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Com certeza.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Então, estou contemplado.
O SR. FERNANDO RODRIGUES - Se tivéssemos o poder de pressionar
ainda mais os meios de comunicação para que colocassem nos seus programas,
nos seus produtos a expressão fiel da população brasileira, o que seria muito
didático, seria, eventualmente, que a população conhecesse ou tivesse meios de
conhecer a forma como eles fazem tudo isso. Imaginem o efeito que causaria para
todos os meios de comunicação a emissora A, B ou C noticiar, uma vez por ano, que
tem apenas 5%,15% ou 30% programas com a participação de negros. Saberíamos
onde estão os focos de resistência.
Dada a forma como se manifesta o racismo no Brasil, as pessoas têm
vergonha de dizer que são racistas, embora o sejam, suponho que essas emissoras
ou esses meios comunicação ficariam constrangidos ao serem apresentados
cientificamente, objetivamente como os maiores portadores desse déficit de
representação. Algo que não existe sistematicamente, exceto quando um jornalista
ou um estudioso analisa o período de uma semana ou de um mês de programação.
Se esse tipo de trabalho fosse um pouco mais sistemático e mais objetivo, o
resultado apenas da divulgação dos dados já resultaria em uma melhoria de
representação ética em todos os programas.
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Quanto ao livro, comprometo-me a telefonar para a editora a fim de enviar
um exemplar para esta Comissão.
Agradeço a V.Exas. e peço permissão ao Presidente para me retirar.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - A Mesa agradece a
participação do Jornalista Fernando Rodrigues.
Na seqüência, concedo a palavra ao Deputado Carlos Alberto Caó.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Disse ao Jornalista Fernando Rodrigues
que ia fazer uma ou duas observações na sua presença. Mas S.Sa. não pode
permanecer na Comissão.
Lembro, especificamente, aos Deputados Paulo Paim e Milton Barbosa, que
estavam nesta Casa na Constituinte, que de todas as matérias polêmicas que
examinamos a última que conseguimos aprovar foi o capítulo da comunicação. Não
havia meio de se encontrar um entendimento, exatamente porque quem controla os
meios de comunicação neste País são oligopólios. Chegamos a apresentar o
exemplo norte-americano, quando o Presidente da época, George Bush, o pai,
exigiu que um grupo oligopólico norte-americano Murdoch vendesse toda a rede de
rádio e televisão que adquiriu em Nova Iorque e Boston. A justificativa de Bush é
que aquele grupo, com aquele poder, havia se transformado em um grupo político
capaz de questionar o Estado e substituir até os partidos políticos. A grande questão
é a democratização nos meios de comunicação, principalmente em relação às
desigualdades raciais.
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Gostaria de sugerir que, dentre os projetos de leis que podem ser alinhados
como integrantes desse Estatuto, estivesse, em primeiro lugar, a comunicação.
Fernando Rodrigues tem razão quando diz que precisamos de um órgão aferidor.
Nos Estados Unidos, há três meses, uma instituição chamada WACP,
(Associação para o Avanço dos Homens de Cor), que tem mais de 105 anos,
comunicou que a Fox teria de fazer um filme com a participação de 80% de negros
— pois os negros foram excluídos de toda a programação — ou com representação
artística subalterna. A Fox atendeu ao pedido, porque há lei que específica.
Quando se fala em ouvidoria permanente aqui, esta deve ser voltada,
fundamentalmente, para a avaliação, a aferição. Não é uma tarefa que deve ser
deixada totalmente por conta do Estado, mas também por conta das entidades da
sociedade civil. Esse tal Conselho Nacional de Comunicação, que está para ser
criado há dez anos, também poderia exercer essa tarefa. Mas ele só será criado
após a morte do Dr. Roberto Marinho. Negro não vota em negro.
A manifestação de baiano é de amor, de irmão para irmão. Agora, não vamos
culpar nossos negros por esses desvios, porque a história registra o massacre dos
judeus, os holocaustos, a indenização que eles merecem, mas não registra o maior
holocausto que a humanidade já se impôs: o tráfico dos navios negreiros.
A história registra também certas lavagens cerebrais produzidas por chineses,
mas não registra a maior lavagem cerebral que aconteceu conosco durante três
séculos e meio, dizendo sempre que negro é inferior, negro é isso, negro é aquilo.
Negro não é nada disso. E mais, que negro não está apto ao poder, que votar em
negro é uma besteira. De tanto martelar, de tanto bater nessa tecla as pessoas
acreditam nisso e não votam mesmo em negro. Quando aparece um negro com
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funções nobres, com capacidade de reflexão, os de baixo começam a dizer que ele
é diferente, que ele não é negro.
(Não identificado) - Tem alma branca.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Coisa desse tipo. Essa opressão de mais
de três séculos é insuportável. Apesar disso, há novos fatos interessantes.
O Besserman, Presidente do IBGE, é meu amigo. Não sei como a imprensa
ainda não divulgou um dado novíssimo do senso, antropologicamente cultural,
revelando que as pessoas já não estão mais escondendo a sua cor. Dizem que são
realmente pretas, que têm descendência na África. Desde os pretos como eu e o
Germano, até os encardidos, os misturados. Sou preto mesmo.
(Não identificado) - Desbotado.
(Não identificado) - Pouca tinta. (Risos.)
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Considero esse fato de uma importância
sem limites. Está aflorando, elevando-se a auto-estima, o reconhecimento de que
somos o que somos. A nossa identidade, que estava sendo posta em questão, está
aparecendo.
Companheiros, vamos nos surpreender. Vem aí um tal de crioulo votar em
crioulo que não tem tamanho. Preparem-se.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Agradeço ao companheiro e
irmão Carlos Alberto Caó a brilhante exposição.
Antes de passar a palavra ao nobre Deputado Milton Barbosa, comunico aos
nobres Deputados que a próxima audiência pública sobre meios de comunicação
será realizada no dia 13, e já estão confirmadas as presenças da Rede Globo de
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Televisão, do SBT, da Revista Raça Brasil, e estamos esperando as confirmações
da Rede Record e da Rede Bandeirantes.
Com a palavra o nobre Deputado Milton Barbosa.
O SR. DEPUTADO MILTON BARBOSA - Sr. Presidente, dou-me por
satisfeito.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Precisamos dar uma olhada nas
raízes das concepções burguesas para poder entender a tarefa do Estado. Para
isso, parece-me uma boa leitura o livro “A crise do Estado”, de Nick Polantsas(?),
um grego, naturalizado francês, que já morreu. Ele apresenta que este estado
burguês está em crise, mas prepara todas os aparelhos para que esta elite seja
sempre dominante. Todos os meios de comunicação são aparelhos ideológicos das
elites, aparelhos econômicos. Quando o Estado é utilizado, o é tão-somente para
tentar fortalecer a economia de determinados setores e aparelhos de repressão às
Forças Armadas e às brigadas. Toda uma concepção que o Estado burguês faz para
se autodefender. Hoje, temos de aprofundar a fase de transição em que esse tipo de
Estado já está em processo de fadiga, de exaustão e de desaparecimento. Por
incrível que pareça, esses fatos terroristas atuais estão fazendo com que muitos
voltem ao keynesianismo, quando o Estado terá de fazer grandes investimentos em
gastos públicos, fugindo do neoliberalismo, do estado mínimo e também do estado
máximo, da economia planificada.
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Se não tivermos noção mais abrangente a respeito desses aspectos, teremos
muita dificuldade de entender nossa tarefa.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - O nobre Deputado Damião
Feliciano está pedindo a palavra. Peço que S.Exa. seja breve, porque ainda
precisamos aprovar alguns requerimentos e já temos quorum regimental.
O SR. DEPUTADO DAMIÃO FELICIANO - Sr. Presidente, minha participação
será breve.
Quero apenas cobrar do ex-Deputado Federal experiência, porque minha
visualização em relação ao negro no Brasil é mais uma questão de posição.
Precisamos que principalmente a capacidade intelectual do negro seja utilizada
como foi, por exemplo, a do ex-Governador Alceu Collares, presente nesta reunião,
e de outros negros governadores, prefeitos, etc.. Há necessidade de termos um
negro como Presidente da República deste País. Faço sempre questão de dizer que
precisamos de um negro em um Ministério para nos representar.
No início do meu mandato, estive com o Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, e perguntei por que S.Exa. não colocava um negro em seu
Ministério. Essa nossa solicitação era exatamente para colocar o negro dentro do
contexto da intelectualidade. O samba e o futebol são imagens que perduram e
perdurarão por muito tempo. O Presidente da República respondeu-me que no
Ministério há um negro, o Diretor da Polícia Federal. Disse a S.Exa. que ele
integrava o terceiro escalão. Era preciso colocar um Ministro negro no Ministério da
Educação e Cultura, no Ministério da Saúde, no Ministério do Planejamento, a fim de
que todos soubessem que o negro é capaz. Bato sempre na mesma tecla.
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Recentemente, fui abordado por um negro que trabalha na Mesa Diretora da
Câmara dos Deputados, no plenário, que me indagou sobre o que estamos fazendo
pelos negros. Ele disse não querer vaga forçada nas universidades, quer entrar
espontaneamente.
Nós, Deputados Federais, precisamos adotar uma posição em relação ao
negro em nosso País, a exemplo do que fez a Ministra da Defesa nos Estados
Unidos.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Vão criar cota para o Ministério,
cota para...
(O microfone é desligado.)
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Sr. Presidente, sou obrigado a tocar
nesse assunto rapidamente.
V.Exa. acha que devemos discutir a questão do preconceito. Falo com
tranqüilidade porque eu e o Governador Alceu Collares viemos de um Estado onde
somente 11% são negros.
Antes que V.Sa. fale, Sr. Caó, quero saber sua opinião. V.Sa. acha que
discutir preconceito tão contundente em nosso País é uma questão eleitoreira?
Estou um pouco chateado com esta frase que ouvi de um Parlamentar. V.Sa. acha
que formar uma Comissão Especial como essa, pela primeira vez no Brasil, para
discutir o preconceito racial, é uma questão eleitoreira? Sou de um Estado em que
somente 11% da população são de negros. Acho que o problema é brasileiro e não
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do Estado, no caso o Rio Grande do Sul. Quero ouvir sua opinião sobre essa
questão.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Responderei de forma baiana. Pela minha
experiência, não é bom eleitoralmente, não. De lá para cá perdi duas eleições. Isso
não é bom eleitoralmente. (Risos.)
Estou de acordo com o nobre Parlamentar. Há muita hipocrisia por parte dos
que nos governam. Temos quadros para quaisquer posições neste País hoje. Há
quadro para substituir o Fernando Henrique. Eu lhe digo: com muito mais sucesso e
seguramente será muito mais positivo e benéfico para o povo brasileiro do que ele
está sendo. Nosso País hoje tem uma classe média que faz parte de um outro novo
dado: o comportamento da classe média negra. Sempre houve a classe média
negra, mas ela olhava para cima; ela se envolvia ou era obrigada a se envolver no
processo de “branquificação”. Agora temos uma classe média que está preocupada
com os problemas dos debaixo e acha que a sorte dela depende da sorte dos
debaixo. Esse é um dado novo em nosso País.
Quanto a eleitoreiro ou não-eleitoreiro, contarei uma situação que se passou
na Conferência Mundial Contra o Racismo. Tal acontecimento se verificou depois
que os nossos Parlamentares haviam deixado a Conferência. Faço minha mea-
culpa, porque dei uma vacilada. Se eu tivesse aproveitado a presença dos
Parlamentares, isso não teria acontecido. Trata-se do seguinte: Eu e muitos amigos,
há algum tempo vínhamos trabalhando com o Pelé, para que ele se posicionasse na
Conferência Mundial Contra o Racismo. Encontramos a maior receptividade, a tal
ponto que combinamos que ele conversaria com Kofi Annan, para fortalecer nossa
posição brasileira. Eles são muito amigos. Pensamos em fazer o jogo da igualdade e
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tudo isso por conta das entidades da sociedade civil. Iríamos levar uma Escola de
Samba. Ele me disse que iria fazer uma coisa direta, que pudesse proporcionar um
apoio de Kofi Annan ao negro. Pelé disse: “Vai ser você. Não vamos fazer o jogo de
igualdade coisa nenhuma, isso dá muito trabalho, é um investimento de quase 5
milhões de dólares.” Disse que iria conversar com ele e pediu que eu aguardasse
uma resposta.
Às vésperas da Conferência, fui informado de que receberia duas cartas; uma
dirigida ao Kofi Annan e outra também dirigida a ele, resultado de uma reunião da
FIFA. Recebi as cartas com dois dias de atraso. A essa altura queria aquelas cartas
de qualquer forma. Lá, durante os três dias seguintes, era um tal de ligar para Nova
Iorque, de Nova Iorque para o Rio de Janeiro, incomodando meio mundo, a
Secretária dele, mas as cartas chegaram dia 5 de setembro. A minha surpresa foi
grande. A primeira carta havia 20 linhas; dessas 20 linhas, em quatro linhas ele se
dirigia ao Kofi Annan, nas outras era uma rasgação de seda em cima de mim que
não tinha mais tamanho, até defendendo-me pela posição que assumi contra a
ditadura militar e por isso fui convidado a deixar Salvador.
A segunda carta era dirigida J F Blaiter, porque a FIFA havia realizado um
seminário contra o racismo no futebol, o que eu não sabia. Ele disse que havia
racismo e que aparentemente ele mesmo não enfrentava esse tipo de problema
porque era famoso, mas a maioria dos jogadores enfrentava. Disse que no Brasil
eles iniciaram um combate ao racismo e citava a Lei Caó e outras coisas. Mostrei
esses documentos ao Germano para que déssemos um jeito de lê-los da tribuna da
Conferência. No momento em que os Estados Unidos se afastam da Conferência,
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eu estava autorizado a dizer que Pelé apóia todas as teses dessa Conferência
levantadas pelo Brasil e pela África.
A minha idéia — foi quando errei — era indicar dois Deputados, escolhidos
para lerem a carta maior, que continha mais argumentos e nada tinha de pessoal, e
duas mulheres para ler a menor, que era aquela da rasgação de seda. Eu já deveria
ter acertado tudo isso com os Deputados, mas fui procurar o Chefe da Delegação, o
Embaixador Sabóia. Ele criou enormes dificuldades. Eu fiquei dois dias lutando
desesperadamente para ter a oportunidade de ler os dois documentos do Pelé da
tribuna da Conferência, com a ressalva de que ele apoiava nossas teses. Não
consegui porque o Sr. Embaixador disse que era inapropriado. Quando ele me disse
isso, estava falando na tribuna o representante dos ciganos, e eu o perguntei se
aquele cigano era Chefe-de-Estado. Não era. Era má-vontade dele. As cartas não
foram lidas por causa da diplomacia brasileira.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - A carta do Pelé, em si, com esse
conteúdo, já é um fato histórico.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Não.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Entendi que era uma carta do Pelé
adotando... De quem? Porque ele tem um problema de ausência. Ele ainda não tem
a sua negritude 100% assumida. O fato de ele avançar assim já é uma contribuição.
Uma carta dessa é uma documento histórico.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - É exatamente isso.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Um documento histórico.
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O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - É exatamente isso. Concordo com V.Exa.
Não foi lido por causa da diplomacia brasileira. Responsabilizo o Embaixador
Gilberto Sabóia.
O SR. DEPUTADO ALCEU COLLARES - Tem de mandar uma cópia para
esta Comissão.
O SR. CARLOS ALBERTO CAÓ - Mandarei uma cópia dos dois documentos.
Ele me disse o seguinte: “Caó, vamos dar um lençol neles.”
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Peço ao Sr. Carlos Caó a
compreensão e um pouco de paciência dos nobres Deputados.
As campainhas já estão chamando os Deputados para o plenário. Mas antes
de encerrar a primeira parte destes trabalhos, já que temos quorum regimental,
gostaria de colocar em votação o Requerimento nº 30/01, do Deputado Paulo Paim,
que requer seja convocado o escritor Fernando Conceição, doutor em Comunicação
Social pela Universidade de São Paulo e professor de Comunicação Social da
Universidade Federal da Bahia, para debater na Comissão Especial do Projeto de
Lei nº 3.192, de 2000, com ênfase ao capítulo do direito de indenização aos
descendentes afro-brasileiros.
Com a palavra o autor do requerimento.
O SR. DEPUTADO PAULO PAIM - Na verdade, o Prof. Fernando Conceição
foi quem encaminhou a este Parlamentar o texto que nesta Casa transformamos em
projeto de lei. Todos os painelistas que têm vindo a esta Comissão fazem não uma
contestação, mas uma referência a esse capítulo e demonstram suas preocupações
com a questão da indenização financeira. Acho que seria bom que o Prof.
Conceição aqui viesse, para dizer o que o moveu. Sei e entendo o que foi, e por isso
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apresentei o projeto, e apresentaria de novo muitas vezes, mas gostaria de que ele
aqui viesse e fizesse uma exposição.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, em votação. (Pausa.)
Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento permaneçam como se
encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Sobre a mesa requerimento do Exmo. Sr. Deputado Reginaldo Germano.
Requer, nos termos do art. 52 do Regimento Interno da Casa, inclusão na pauta da
Ordem do Dia da presente reunião, para apreciação imediata, o Requerimento nº 31,
de sua autoria, com acompanhamento regimental de um terço dos membros da
Comissão.
Em discussão. (Pausa.)
Há um pedido de requerimento extrapauta, para incluir requerimento do
Deputado.
Em votação. (Pausa.)
Aprovado.
Requerimento nº 31, do Exmo. Sr. Deputado Reginaldo Germano.
Requeiro a V.Exa., nos termos regimentais, realização de audiência pública
para que sejam ouvidos por esta Comissão o Sr. Edison Silva Júnior, advogado, o
Sr. Oscar Vieira Vilhena, professor da PUC e membro do ILANUDE, e o
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Rui Portanova,
objetivando, com isso, que sejam aprofundados os debates sobre o embasamento
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jurídico das questões suscitadas no Projeto de Lei nº 31, de 2000, que institui o
Estatuto da Igualdade Racial.
Em discussão.
O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Sr. Presidente, para esse
mesmo dia também estou propondo, com requerimento já aprovado, que seja
convidada a Profa. Ivete Sacramento, com a seguinte justificativa: como foi dito pelo
Deputado Paulo Paim, o que nós precisamos é de aprofundamento jurídico, porque
nossa causa é de reparação. Por essa razão estou apresentando requerimento para
trazerem de volta a esta Comissão o Dr. Edison, advogado de São Paulo, o
desembargador e a Profa. Ivete Sacramento, para que nos possam dar uma base do
que estamos sempre discutindo aqui. Não se trata somente de reparação. Tem que
haver um desenvolvimento na educação, para que possamos partir para as cotas
que estamos propondo para as universidades. Na Bahia, a Profa. Ivete Sacramento
tem feito um trabalho na área de educação que é difícil até de adjetivar. É difícil
avaliar o quanto cresceu a educação na Bahia, graças ao trabalho implantado pela
Profa. Ivete Sacramento.
Por essa razão, proponho ouvirmos, no dia 3 de dezembro, os três juristas e a
Profa. Ivete Sacramento.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Alberto) - Não havendo objeção à
proposta do nobre Deputado, coloco-a em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, coloco-a em votação. (Pausa.)
Aprovada.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.