De Sao Paulo a San Pedro de Atacama - Diario de Bordo

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Narrativa, desde os preparativos de uma viagem de monomotor ao Chile.

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Introduo

De So Paulo ao Deserto do Atacama, no norte do Chile, com muita tranquilidade, num monomotor. Fiz a viagem, muito bem acompanhado do maravilhoso PP-LUZ, um Cessna 350, tambm conhecido por Corvalis ou Columbia 350. Este seu nome original, at que o projeto fosse adquirido e rebatizado pela Cessna. O meu teve a casualidade de ser o primeiro entregue pela atual fabricante. Ele todo construdo em material composto, em fibras de carbono e vidro, semiacrobtico, de 4 lugares, cruzeiro tpico de 170Kt, sobe at 18.000Ft e tem autonomia superior a 1.100 milhas nuticas. O motivo inicial da viagem era conhecer a regio de San Pedro de Atacama e visitar um sobrinho, recm-nascido em Santiago do Chile. Por razes inexplicveis, em pouco tempo havia trs dzias de pessoas formando o grupo da viagem. Todos em avio coemrcial, incluindo familiares meus. Ofertei a todos a possibilidade de compartilharmos o trecho areo. Silncio... Ningum respondeu. Sequer perguntando quanto tempo demoraria ou se ia balanar ou se.... Sei l. s vezes penso que possa ter gente que no gosta muito de voar. Difcil. Mas as circunstncias haveriam de vingar esse desdm, mais adiante. Como jamais insistir no convite para algum embarcar comigo, deixei assim. Confesso que talvez at tenha preferido o prazer do voo solitrio, na companhia exclusiva do meu querido equipamento. Difcil pensar em mais de 3 ou 4 pessoas, junto de quem essa viagem pudesse ter sido melhor. Acho at que estou gostando da idia de escrever esse dirio como forma de oferecer um pouco dos momentos felizes que vivi nesses dias. Ento vamos aos preprativos.

Planejando a Viagem Estava claro que os pontos mais crticos da viagem seriam o cruzamento da Cordilheira dos Andes, com picos ultrapassando 20.000Ft. e a regio do deserto, propriamente, com ventos fortes e desencontrados e boa parte com fundos de vale beirando 15.000Ft. O plano, como de fato ocorreu, era fazer a viagem na primeira quinzena de outubro. O perodo de vero oferece condies mais favorveis para cruzar as montanhas. Naquela regio as chuvas e formaes se concentram principalmente entre maro e setembro, muitas vezes trazendo consigo o componente glo. Comecei pesquisando os aeroportos internacionais prximos ao meu caminho, do destino origem, comeando assim por Antofagasta, no Chile. Do lado brasileiro, Ponta Por apareceu como melhor escala. Para evitar um tiro longo antes de atingir a rea dos Andes, considerei uma escala em Salta, na Argentina. Depois de bastante pesquisar nas cartas e no prtico e confivel, Maps Google, conclui que teria de passar uma boa hora ou mais entre 16.000Ft e o limite de 18.000FT, contornando os picos. Assim, tinha o esboo da minha viagem fazendo, So Paulo, Ponta Por (Intl.), Salta (Intl.), Antofagasta (Intl.), San Pedro de Atacama, Santiago (Intl.), Uruguaiana (Intl.). E de volta a So Paulo. A, com certa frustrao, mudei os planos. No encontrei nem soube de algum que tivesse feito travessia semelhante. Ainda ouvi das pessoas que fiz contato, do Aeroclube de Salta e pilotos da regio, a forte recomendao para evitar aquela rea, que seria muito arriscada para esse tipo de avio, por fortes e inesperadas tempestades e falta de apoio. No me convenci com as explicaes, mas sendo um principiante nos voos andinos, resolvi acolher a sugesto e guardar esse trecho para um futuro prximo. Ento optei por cruzar a cordilheira na ida, fazendo o caminho inverso que planejara para a volta. O lindo Cruce VFR del Cristo, entre o sul de Mendoza e o norte de Santiago. Por esse caminho pode-se ver, no s o belssimo Pico do Cristo, como tambm o mais alto do hemisfrio. O famoso Aconcgua. Dirigi assim, minhas atenes para Mendoza, onde rapidamente fui encaminhado a conversar com o Sr. Alejandro, na ARO, (sala AIS deles). Um desses apaixonados pelo que faz. Da para frente foi uma tranquilidade, s. Ele me passou, por email as coordenadas a seguir, at com imagens. O caminho vai sobre a estrada que liga os dois pases, pelo lado argentino seguindo o Rio Mendoza e, no Chile, passa em Portillo descendo o Rio Colorado, at los Andes. por baixo da aerovia usada pelos avies de linha, que vo do Brasil. A altitude mnima de segurana 14.000Ft., sempre visual. Esse caminho me dava tranquilidade, pois j tinha feito boa parte de carro algumas vezes e o tinha familiarizado, na mente. Definida a rota So Paulo, Foz do Iguau (Intl.), Mendoza (Intl.), Antofagasta (Intl.), San Pedro de Atacama, Santiago (Intl.), Uruguaiana (Intl.) e So Paulo, um tanto mais longa, embora segura. Passei aos trmites burocticos.

Primeiro conferir se todos os aeroportos teram Avgas. Santiago no oferece esse combustvel. Acabei conseguindo com o Hangar e FBO Aerocardal, que ajeitassem uma carretinha de gasolina. Seno, me sobrava pousar no aerdromo de Tobalaba, s para abastecer, seguindo para o Santiago Internacional, por conta dos despachos aduaneiros. Nos demais seria para ser tranquilo. Foz do Iguau tem Shell e BP, aceitando nossos cartes de abastecimento. Mendoza tem YPF, onde aceitam pesos argentinos, dlares ou, o que timo, carto de crdito. Antofagasta tem de ser em pesos chilenos ou dlares. A Aerocardal de Santiago tambm aceita carto de crdito. Ao abastecer, nada a estranhar com a cor verde que tem a gasolina deles. E Uruguaiana? Uruguaiana... Falando por telefone com o concessionrio de combustvel, ouvi que sempre, sempre, sempre tem gasolina e poderia at fazer um cadastro para faturarem a venda. Desnecessrio ligar na vspera, para certificar? Pura conversa, pois ao chegar l num sbado, soube que estavam sem gasolina, j fazia 2 ou 3 dias. Mancadas como essa abalam a confiana no aeroporto, como um todo. Afinal, como me ensinou um engenheiro: Uma estrutura to forte, quanto seu ponto mais fraco. Na Argentina, a ANAC no pede autorizao de sobrevoo. Mas na primeira parada pedir, alm dos originais, cpia dos Certificados de Matrcula, Aeronavegabilidade, seguro, licena do piloto e seu certificado de capacidade fsica. J o DGAC do Chile, pede e-mail com roteiro e tempo de permanncia pretendido no pas e nos responde, quase de pronto, com um nmero de autorizao, que deve ser anotado no campo 18 do plano de voo de entrada no territrio. Alm disso, todos pedem diversas vias da GENDEC. Declarao Geral, tanto nas sadas, como chegadas internacionais, especialmente na Argentina, que pede uma para a Vigilncia Sanitria, outra para a Polcia de Fronteiras, outra para a Alfndega, uma para a ANAC e mais uma para Aeroportos 2000, que a Infraero privatizada deles. As taxas, que no quebram as pernas de ningum, devem ser pagas na hora em moeda local. Na Argentina merecem ateno especial. Comea pela Intercargo, que faz o balizamento e transporte de pessoas no ptio. Quem no quer pagar o balizador, deve avisar na fonia com o Control Terrestre, devendo chegar posio de parada por meios prprios, mas do nibus no escapa. Se houver passageiros, a Aeropuertos 2000 cobra taxas de embarque e desembarque. A Vigilncia Sanitria cobra uma taxa de fiscalizao e a ANAC os servios de apoio ao vo. Cada um no seu balco. Vale lembrar que, mesmo falando protugus e castelhano, nenhum piloto pode fazer voo internacional sem a tal proficincia ICAO de ingls, anotada na licena. Parece brincadeira, mas assim que . Eu mesmo quase s fiz a fonia em espanhol, sem problemas, exceto por uma patetada. Certa altura, voando numa terminal, cheia daqueles fixos, de nomes incomuns, o controlador pede que Me confirme el Rumblo e eu, no lugar de responder o rumo que estava mantendo, lhe disse que no conhecia aquela posio (rumblo=rumo). No aspecto dos vos em si, nada de muito sofisticado. Minha maior perna seria de 800 e poucas milhas nuticas, o que no problema para meu companheiro e a altitude mxima seria de provavelmente 15.000Ft, por menos de uma hora. Vale lembrar que ao fazer um plano de voo internacional, devemos considerar como alternativa outro aeroporto internacional, o que pode restringir autonomia.

Finalmente um detalhe, que me parece interessante digno de meno, o servio de bordo. Se de um lado devemos cuidar de manter o corpo hidratado, especialmente em altitude com ar seco, precisamos cuidar de no abusar dos lquidos, pois muitos dos nossos avies tem sanitrios restritos. O meu mesmo passa por reforma, para troca dos mrmores e granitos. Assim levo comigo um bom e reforado Musli caseiro para o caf da manh, que s vezes acontece antes do servio do hotel funcionar. Evito abusar do suco de laranja pela manh e procuro usar o banheiro, como ltima providncia no solo. A bordo levo uma garrafinha dgua e para comer prefiro as balas de goma, sem acar, tipo ursinho, minhoca e carros e as frutas desidratadas, em pacotinhos. Costumam fazer muito sucesso nas minhas viagens e tem a vantagem de no comprometer a hidratao, como a maioria dos alimentos. Ainda, no melam nem soltam migalhas. Levo tambm um frasco vazio, mas s para emergncias. Isto posto, avio revisado, abastecido e servio de bordo organizado, vamos viagem.

So Paulo a Foz do Iguau Regra: Visual Nvel de Vo: 065 Rota: DCT Sorocaba e DCT destino. Distncia: 470 NM Decolagem: 11:06 Z Tempo de voo: 2:51 Combustvel consumido: 143 litros / 38 gales Voo tranquilo, sob cu claro. A chegada e burocracia de sada internacional em Foz do Igua, que est bem equipado simples e rpida, funcionando 24 horas. Podia ter prosseguido direto ao prxio destino, mas o plano era visitar as cataratas, por sinal, passeio imperdvel para quem no conhece ou l esteveh mais de 5 anos. O parque est muito bonito e aparelhado para receber o turista. Um excelente modelo de parceria pblico privada, que merece o consumo de umas 4 horas ou mais. O ponto alto o passeio de barco, tomando banho de cachoeira, voltando rio abaixo num rafting simptico. Me permiti um capricho, que no tpico de aviadores. Um timo hotel, que achei ao acaso, nessas promoes da internet. Chama-se Loi e fica do lado argentino, cravado na mata. Tem timas instalaes, piscina linda e, nada melhor para um piloto viajante, um timo restaurante onde comi um dos melhores peixes de rio, que me lembro. Cruzar a fronteira muito simples, bastando identidade ou carteira de motorista e nem precisei descer do carro. As locadoras tentam vender por uns trocados a mais, um documento que autorize o cruzamento da fronteira, que me parece absolutamente desnecessrio. Levanto s 06:00 (local), antes do sol, mas bem depois de centenas de pssaros, que parecem estar dentro do quarto. O pessoal do caf ainda no apareceu. L vai o Musli caseiro, salvando a manh. Nessa hora passar a fronteira um tapa. Mas contar com caf da manh no aeroporto, meio mico. Pela manh s funciona uma Casa do Po de Queijo, com aquela fila. Os trmites de sada so uma moleza. s passar no Raio-X, carimbar as GenDecs na Polcia e na Receita e pronto. Era s embarcar. E a gente pode ir andando, pelo ptio, o que timo.

Foz do Iguau a Mendoza Regra: Instrumento Nvel de Vo: entre F080 e F120 Distncia percorrida: 880 NM Rota: aerovia W307 Decolagem: 11:13 Z Tempo de voo: 4:59 Combustvel consumido: 254 litros / 67 gales Segui a opo do vo instrumento, pela aerovia, que aumentaria o percurso em 14 NM, mas me livrava do risco de ser obrigado a desvios nos cruzamentos de terminais, como Crdoba e algumas reas restritas. Ao preencher o plano de vo, o que fiz na vspera, deve-se anotar alguns detalhes adicionais para atender exigncias paraguaias. O pessoal da sala AIS nos orienta, com muita boa vontade sobre isso. O vo trancorreu sob cu claro, exceto por meia hora de chuva leve ao passar por Ceres. Tanto no Paraguai, quanto na Argentina, a fonia seguiu padro, pedindo que reportase a cada um fixo, sem exceo. O vento costuma aumentar nessa rea, normalmente de sudoeste. Tive a felicidade de encontr-lo, mais de Oeste e Noroeste. O terreno quase sempre baixo e plano, muito interessante. Pensei que o Paraguai uma excelente oportunidade para investir em agricultura de cereais. Prximo a Crdoba, nossa alternativa de pouso, o terreno se eleva bastante e o mnimo da aerovia vai aos F110. A chegada em Mendoza linda, com a vasta plancie servindo de moldura respeitavel cordilheira. Me empolguei tanto, que esqueci de terminar a descida para o trfego. Girei de base para final com 2.000Ft de altura. Speedbrakes, flapes e aquela glissada, para no passar o ponto de toque. Esse avio maravilhoso. Ao taxiar, vem a inevitvel comparao. A sinalizao horizontal no chega a ser europia, mas muito melhor que as nossas. Faixas largas, bem pintadas e visveis, no fundo preto, muito melhor que muitos dos nossos aeroportos famosos. Aqui vale a lembrana: O balizador uma opo do piloto, que se no dispensada na fonia, ir custar o preo de um almoo. Instrudo a parar na rea remota, tinha de usar o nibus, que o prprio balizador conduz, at o terminal.

Procedimentos de desembarao amigveis, embora um tanto burocrticos, fui sala ARO (AIS), onde tive o prazer de encontrar pessoalmente o Sr. Alejandro, a quem apresentei o plano do prximo voo e dele recebi o alerta meteorolgico, um tanto desanimador:

Me senti melhor at que na AIS de Ribeiro Preto, tamanha era a ateno. Meia hora antes do meu pouso, esse documento j estava impresso, para me ser entregue, junto com as recomendaes de cruzamento seguro da cordilheira:

A Espera em Mendoza Nessa poca do ano, normalmente o cu claro, com temperaturas amenas e basta comparar a presso atmosfrica em cada lado da cordilheira. Uma diferena medida em Santiago e Mendoza for inferior a 5 milibares, haver pouca turbulncia. Mas nem sempre simples assim. Um centro de alta presso, no Pacfico, empurrava intenso frio e umidade sobre a cordilheira. Isso deveria durar uns 2 dias. Subi sala de meteorologia, no 3 andar do prdio da da torre. L tive minha primeira aula sobre o clima dos Andes e me convenci que passaria as prximas 36 horas no cho. Aquele fenmeno jogava umidade tal sobre os Andes, que fazia a temperatura, no solo, beirar o mnimo prximo de 0, com nuvens congelantes, entre 6.000 e 12.000FT e turbulncia, no mnimo moderada. O que mais me marcou foi a dedicao com que me atenderam e ofereceram seus intensos conhecimentos. Vale respeitar tudo que nos dizem. Frustrao assimilada, com tranqulidade, at porque j havia planejado a viagem com folga. Se tudo corresse com facilidade iria me adiantar e aproveitar para conhecer a cidade porturia de Antofagasta. Fui ao hotel, no centro da cidade e aluguei uma bicicleta, para passar o tempo e conhecer a cidade, da maneira que mais me agrada. Pedalei pelo Parque da cidade e o Cerro de la Gloria, onde v monumentos s Malvinas Argentinas e do Gal. Jos de San Martin, lder do exrcito andino que conquistara o Chile, provavelmente fazendo por terra o mesmo caminho que eu pretendia por ar, quase 2 sculos depois. Fiquei pensando como nossos irmos cultuam vitrias perdidas ou que no sejam suas. A cidade de Mendoza, alm de importantssimo centro vincola a respeito do qual quase nada sei dizer, mostra tambm lindas rvores e um curioso sistema de irrigao por valetas, usando gua vinda das montanhas. tambm a base para expedies de valor, como a subida do Aconcgua e outras importantes. engraado, mas o tempo l parece ter andado um pouco mais devagar. No sei bem explicar. Em algumas vezes me fazia lembrar o Rio de Janeiro. Um pouco da Tijuca, um pouco do Leme. Na tarde seguinte, uma sexta-feira, voltei ao aeroporto, em busca de notcias, que poderia ter obtido apenas por telefone. Valeu o prazer de conhecer outros feras da meteorologia, que seguiam recomendando esperar mais um dia, no decorrer do qual as melhoras comeariam a ocorrer. Tudo indicava que a partir do final da tarde de sbado as condies para a travessia segura se apresentariam. Minha dvida restava entre apertar a sada naquela tarde ou garantir a tranquilidade da manh do domingo. Para aumentar minha ansiedade, o pessoal da alfndega e Polcia de Froteiras dizia que, em hiptese alguma chegaria ao aeroporto antes das 07:00 (local), para carimbar minha sida. De volta cidade, procurei dormir bastante, controlando a ansiedade, confiando num tardio voo sabtico. Caf da manh reforado, fecho a conta no hotel, um rpido passeio e de volta ao aeroporto, no incio da tarde, tratando de abastecer o avio, o que um tanto complicado. L o tanque de gasolina fixo, no pteo do antigo terminal de passageiros. Assim preciso tomar o nibus at a posio remota e deslocar o avio at aquela rea, para abastecer e retornar. At pode-se pensar em coordenar o abastecimento na hora da sada, mas deve-se saber que isso consumir um tempo no muito previsivel de 20 a 90 minutos.

De volta ao terminal, abastecido e pronto, consigo autorizao para calar o avio defronte ao embarque e torre, por uma hora, podendo assim circular, sem depender do nibus. Sigo para mais uma consulta meteorolgica, no 3 andar. O relato, como sempre, dedicado, com explicaes e conselhos, mostra forte melhoria, visvel at da janela. Algo como 3/8. Porm deveria subir, evitando as nuvens geladas, sabendo que talvez voasse sobre algumas formaes ainda encaixadas no vale, cujos topos estariam entre 10.000 a 12.000FT, com turbulncia moderada. Nessa hora considerei que o vo era perfeitamente factvel, mas, em caso de emergncia sobre nuvens, ao descer por elas, formaria gelo nas asas, talvez caindo, sem nem poder tentar o pouso forado no vale. Ainda voaria com o sol se pondo na minha cara. Mesmo que tudo corresse bem, faria a to esperada travessia sem boa visibilidade nem desfrute. Decidi deixar a decolagem para a manh seguinte, quando a previso oferecia CAVOK (ceiling and visibility OK). Imediatamente notei o sorriso de satisfao no orientador meteorologista e fiquei pensando responsabilidade que carregam muitos profissionais, que trabalham no apoio aviao. De novo levo avio para a posio remota, com direito a balizador e tudo e pego nibus para o terminal. Pelo menos estava fazendo jus taxa de servios da Intercargo.

Dito e feito. Acordo, ou melhor, levanto s 05:30 local e vejo a noite estrelada. Muito frio, ainda. Aquele Musli caseiro se mostrou muito til nessa manh. Por falar nisso, me permiti uma exceo no servio de bordo desse prximo voo. Sabendo que meu tempo seria escasso em Antofagasta, levei timos trs sanduiches, daqueles que os argentinos fazem com po de miga. Seria meu almoo, logo antes de iniciar a descida, me rehidratando assim que pousasse. Para minha felicidade no precisei esperar muito tempo pelas autoridades, que chegaram s 10:10(UTC). GENDECs carimbadas e recarimbadas, entregues ANAC e Aeropuretos 2000, estou livre para a ltima visita aos Srs. Meteoro, onde s recebo boas notcias e estou pronto para o ltimo passeio de nibus, at o avio. No caminho vou pensando na reduo do oxignio, em altitude e dos efeitos que pode me trazer.

O Oxignio em Altitude

De certo modo esse no um assunto que devesse preocupar. O avio equipado com oxignio, para uso em altitudes elevadas e frequento rotineiramente faixas entre 10.000Ft e 12.000Ft, no s voando, mas tambm em atividades de montanha. Conheo um piloto de planador, que trabalha na rea de segurana de uma empresa area e j voou por algum tempo a 20.000Ft, sem complemento de oxignio e voltou intacto. Alpinistas voltaram de escalar 26.000Ft. Tem tambm os que no voltaram e quem passe mal j nos 10.000Ft. A gente aprende que a capacidade de se adaptar nas alturas varia entre pessoas. Mas dizem que o primeiro efeito da altura, a reduo dos reflexos e tomadas de deciso, imperceptvel. Quando fui buscar o avio no Oregon, tive uma excelente aula sobre o risco de hipocinesia Mostraram um filme com pessoas confinadas numa cmara, simulando altitude. Certa hora eles comeavam a falar e fazer coisas desconexas. Todos alegres e bobos. Ao voltar nenhum tinha se dado noo das xaropadas. Impressionante. L aprendi que, por mais de 30 minutos acima de 11.500Ft, devemos usar a cnula com oxignio. Imediatamente, se for alm dos 13.000Ft e, dos 14.000FT os passageiros tambm devem usar. Alm dos 18.000Ft., a cnula deve dar lugar mscara, com microfone interno. Eu vinha me pautando nesses padres e sei que tem outras tabelas, mais ou menos rgidas. Algum tempo atrs resolvi incorporar um dedal medidor de oxignio, que esto chamando de oxmetro. Pelo benefcio que trs, muito barato, especialmente nos Estados Unidos. A gente s encaixa a ponta do dedo no aparelho e, em segundos tem a leitura da batida cardaca e nvel de oxignio. Adorei. Me orientei com um mdico anestesista sobre os mnimos que deveria me permitir. Acertamos que devo evitar indicaes inferiores a 85%. Ele reforou que os nveis tolerveis variam entre as pessoas e cada um deve buscar o seu. Com o aparelhinho ganhei mais um entretenimento de bordo. E aprendi tambm o bvio. Uma educao respiratria ajuda e muito a compensar as perdas da altitude. E passei a voar muito mais tranquilo e confiante. Valeu muito. Hoje em qualquer avio capaz de ir alm de 10.000Ft eu ia querer ter um desses. E de fato, acabei usando um pouco do oxignio. Muito pouco, mas o suficiente para manter nveis prximos de 90%.

Mendoza El Plumerillo a Antofagasta - Cerro Moreno Regra: Y Nvel de Voo: Inicialmente F145 Restante F120 Distncia percorrida: 690NM Rota: Cruce VFR Cristo e aerovias W200 e VW200 Decolagem: 11:08 Z Tempo de voo: 4:52 Combustvel consumido: 247 litros / 65 gales Vale observar que nessse trecho eles no fazem questo que a gente mantenha as altitudes quebradas, do voo VFR nem nveis pares ou impares dependendo dos rumos. Decolo e sigo com a proa do incio do vale, que dista 15 milhas do aeroporto. O vento frio ajuda na subida, que quero completar antes de iniciar a penetrao na cordilheira, pois com o nariz para cima a viso fica reduzida e quero ver o mximo possvel. Nivelado 14.000FT comeo a sequncia de curvas. At Uspalatta ainda tem muita plancie e os picos estam abaixo de mim. Corto caminho sobre os cumes em direo a Polvaredas e vem o primeiro tapa. Era um ventinho catabtico avisando que, quem no respeitar os Andes, pode apanhar e feio. Fiquei todo o tempo dividido entre o prazer de admirar toda aquela beleza, s gerenciando o piloto automtico ou voar na mo, brincando de videogame. A partir de Punta de Vacas, o caminho adiante, sobre o Rio Tupungato, bem largo, soa mais convidativo aos olhos, at que, segundo dizem, l na frente, termina no p do Pico Plomo, com 19.900Ft. No presta. Portanto, 90 esquerda, pela estrada e as montanhas ganham digna admirao. Nessa hora me veio lembrana uma discuo interessante. Aprendi com meu grande Mestre, Llis Fachini Filho, sempre que estiver voando em um vale, escolher um lado para voar, perto das montanhas. Se o retorno for necessrio, a gente dispe de maior raio de curva, que se estivesse no meio do vale. De outro lado, o pessoal da meteorologia explica que os efeitos dos ventos sero menos sentidos por quem voar no meio do vale. Optei, como sempre fiz, pelo primeiro ensinamento, que me parece o mais seguro. Em pouco tempo, mais uma sre de tapas, j nei sei se cata ou anabticos. Ento digamos que fossem orogrficos. Subi mais 1.000Ft e a suavidade voltou, mesmo com indicao de vento frontal de 53KT. Nessa hora o termmetro apontava -23. Outra coisa interessante como o avio vai mudando de atitude. Ora mais picado, ora mais cabrado, para compensar as correntes ascendentes e descendentes. O ponto alto da travessia, em ambos sentidos, sobre Caracoles. Ali fundo do terreno beira 13.000FT, para em seguida comear a descer em um leve esse. No d para ver a estrada embaixo e o instinto nos levaria direita, quando o correto uma leve quebrada esquerda, com a pedra na frente e da outra para a direita e o vale do Rio Colorado comea a aparecer. Lindssimo e inesquecvel. A partir da comeamos uma descida leve, passando Portillo, Guardia Vieja, Colorado e Los Andes. Passou muito rpido e s 12:00Z, j estava voando para interceptar a aerovia. Ainda bem que teria a volta. Outra coisa fantstica olhar direita e ver os Montes Aconcgua e Cristo:

O caminho para Antofagasta seguiu no F120, com vento contra o tempo todo. Os controladores chilenos so muito cordiais e acessveis. Parecem ter tempo para tudo e se a gente pergunta sobre as condies adiante, eles tem a resposta de esclarecedora de batepronto. Isso encantador, especialmente para quem est acostumado a voar no Brasil, onde assim que a gente fecha a porta do avio, perde o direito de ter informaes meteorolgicas importantes. Outra coisa digna de nota que quase todo o tempo que voei sobre o Chile, contava com apoio de dois ou mais VORs e no consegui saber o que seja falha de comunicao. Nem na Argentina. Por sinal, em toda a viagem s me ocorreu sobre o Paraguai e por poucos minutos. O voo sobre a costa, entre o Pacfico e o deserto que vai crescendo frente, oferece um colorido nico. Prximo a Atacama, at bem perto de Antofagasta, voei com cu claro, sobre uma fina e densa camada baixa, formada pela umidade do Pacfico exatamente sobre os poucos aerdromos da regio e lembrei do quanto importante a qualificao IFR. Sem o recurso do pouso por instrumentos, uma viagem dessas num dia lindo daqueles estaria comprometida.

O procedimento para pouso em Antofagasta no pode ser mais simples. Na chegada a gente mantem a proa, descendo para 4.500FT, quando comea o procedimento, com mesma proa at o pouso, que teve uma curiosidade. A torre informou vento de proa com 14Kt. Quando fui chegando para o toque, parecia que estava sendo empurrado para frente ou a pista para trs. At pensei se j era efeito das miragens do deserto. Aps o pouso vi que a biruta apontava vento de cauda. Ia reclamar com a torre, mas achei melhor bancar o visitante cortes. At por que naquela baita pista dava para pousar trs vezes seguidas com vento de cauda, antes dela acabar. Em seguida pousou um Airbus, pelo sentido contrrio, com o vento correto. Logo em seguida outro

na mesma cabeceira que eu, com vento de proa de novo. Cheguei concluso que os ventos de l tomam muito Pisco e so verdadeiros bbados.

Calo o avio e vou ao DGAC. Minha primeira surpresa saber que, sem passageiros, a nica taxa de US$40,00, que me permite viajar at 30 dias pelo pas. Simples e rpido. Da a pouco chega o inspetor da Receita, o da Polcia e o da Vigilncia Sanitria. Preenchem um tanto de formulrios, mas, sem muita demora e me liberam, aps uma rpida inspeo no avio. Minha nica decepo foi, ao apresentar o plano de voo para San Pedro de Atacama, onde encontraria a famlia e amigos para passar os prximos 4 dias, descobrir que o aerodromo havia sido fechado, fazia 2 dias, para obras, que durariam uma semana. Justo aquela. Na vspera da minha sada do Brasil, depois que eu j havia obtido as autorizaes e feito as pesquisas, publicaram o Notam, informando a interdio. Mas para minha sorte Calama, aeroporto maior e mais bem servido, tambm atendia meu objetivo. Assunto resolvido, plano alterado, trato de abastecer o avio e seguir viagem, deserto adentro.

Antofagasta - Cerro Moreno a Calama Regra: V Nvel de Voo: F075 Distncia percorrida: 110NM Rota: DCT Decolagem: 18:19 Z Tempo de voo: 0:42 Combustvel consumido: 45 litros / 12 gales Voo rpido e de um colorido sem igual. Pode-se dizer que l tudo da mesma cor, mas a diversidade de tons impressionante. O ventos tambm. Intensos e variantes, fazem o avio oscilar bastante. Parece que no se passam 30 segundos sem o avio mudar de atitude Esse um lugar onde o piloto automtico faz por merecer o salrio. O terreno ia subindo constantemente e conforme subia, parecia aumentar a interferncia do vento. Decolei ao nvel do mar para pousar em um altiplano, 7800Ft acima. Mais alto at que o nvel de voo. Nesse aspecto, vivi at uma situao nica. Quando estava umas 12 milhas fora do aeroporto, o controle Antofagasta me pergunta: PP-LUZ ya recibe VOR Calama? Afirmativo. Me falta 12 millas para Calama. Entoncs sube para la altitud del trafico, llame Torre Calama e buen aterrizaje. A Torre Calama informou vento de 26KT, com rajadas, porm alinhado com a pista. O limite recomendado para meu avio de 25KT. Resolvi fazer uma base bem careta e final mais longa, bem estabilizado, com flap de decolagem. Durante toda a aproximao o avio se comportou muito bem, at o toque tranquilo. O vento acabou neutralizando alguns efeitos da altitude. Estaqueei e amarrei o avio, no capricho, de proa para o vento predominante, se que existe. Os ventos naquele deserto parecem mais desencontrados que os carros no trnsito de So Paulo. Chegando ao hotel, onde passaria 5 dias com amigos e parentes, a irnica vingana. Eles que no sentiram confiana para vir neste voo que alguns chamaram de aventureiro e arriscado, viajaram a Santiago em voo comercial, na noite da sexta-feira, em que eu estava por Mendoza. Pegaram tamanho mau tempo, que disseram ter visto glo quicando nas asas e as aeromoas amarradas aos seus assentos, brancas como a neve. Segundo eles foi o voo mais assustador das suas vidas. C entre ns, olhando as imagens daquela noite de 7 de outubro de 2011, tambm acho que o Comandante jamais poderia ter entrado naquela tormenta anunciada. J aprendemos com o AF447 que no tem avio nem tripulao imune ao tempo ruim. Mesmo que houvesse, porque levar desconforto e pnico aos passageiros, se um desvio de 40 minutos resolve tudo?

A Volta Depois de 4 maravilhosos dias no lugar mais sco do planeta, a gente tende a se levar ao descuido de embarcar para o prximo voo, sem a devida ateno com a meteorologia. Mas isso no Chile parece no ser problema, pois ao preencher o plano de voo, o atendente da sala AIS, no lugar daquela pergunta lacnica, que estamos acostumados de ciente da informaes meteorolgicas?, j me apresenta, voluntariamente, os TAFs e METARs dos locais de interesse. A gente v que uma aviao mais cooperativa do que fiscalizadora. Avio carregado, leo completado e servio de bordo organizado, vamos ao prximo voo, sem abastecer por que Calama no tem gasolina e nem seria preciso.

Calama a Santiago Arturo Merino Benitez Internacional Regra: Z Nvel de Voo: F115 Distncia percorrida: 110NM Rota: DCT Jujuy (evitando rea militar ao sul de Calama) e da IFR DCT Decolagem: 18:19 Z Tempo de voo: 3:30 Combustvel consumido: 175 litros / 45 gales A decolagem mais xxa da minha vida. Ao checar os magnetos, procurei a melhor reduo na mistura de combustivel, para a altitude de 7.800Ft. No era pouco no. Muitas vezes decolo sem flap, o que pede uma rotao com velocidade ligeiramente maior, mas permite uma sbida mais intensa e segura. Nesse caso, para evitar uma velocidade de solo muito elevada, optei por usar o flap padro de decolagem. A corrida foi quase normal. Nessas pistas de gente grande, costumo tirar o avio do cho, quando passando pela marca de toque, tambm chamada marca de mil (o ponto onde os avies pousando devem tocar o solo). Tenho um avio valente, que em pistas de 2.000 metros, costuma cruzar a cabeceira oposta com mais de 500Ft de elevao. Nesse dia consumi na rolagem apenas 50 ou 100 metros alm do habitual, mas, ao sair do cho, parecia que estava voando um albatrz carregado. muito interessante. Da a impresso que, assim que passa o efeito solo, o avio vira uma canjica no ar. Subimos at o F115, balanando um bom tanto, por conta dos ventos variantes. A veio mais uma experincia curiosa. Tinha frente dois grupos de montanhas to altas ou um pouco mais que ns, um pouco enviesadas. Assim decidi que deixaria o primeiro grupo esquerda e o segundo direita. O vento vinha entre travs de direita e cauda variando entre 50 e 60 KT. Ao passar pelo primeiro grupo de montanhas, a sotavento, minha velocidade indicada beirava 150KT. A velocidade com relao ao solo ultrapassava 220KT. Comecei a tirar fotos, entretido com a paisagem, at que ao passar pelas montanhas a barlavento, senti o nariz dele, l no alto. A velocidade indicada tinha cado para 116KT e a VS para 190KT, num enorme esforo contra o vento, que descia a montanha. Tudo isso num intervalo de 1 ou 2 minutos.

O voo prosseguiu com muita tranquilidade at que, prximo de Santiago, deveria mudar a regra para instrumento e realizar um antigo sonho de executar um procedimento completo, com pouso ILS em Santiago. Seria a chegada Andes 2 com o ILS Y da 17 esquerda. O termmetro apontando -10 e comearam a se apresentar algumas nuvens frente. quelas temperaturas ne-

nhuma nuvem me parecia amigvel e decidi evit-las, ao mximo, informei que mantinha referncias com o terreno, pedindo incio da descida, prontamente autorizada. Me convenci de que um sistema antiglo bom para todos, mas imprescindvel para quem voa habitualmente acima dos paralelos 30. Como o vento de cauda permanecia elevado, me entusiasmei, pronto para quebrar o nosso recorde de velocidade, de 252KT, mas veio o controlador e determinou que mantivesse velocidade indicada de 140KT. Interceptamos o ILS umas 20 e poucas milhas antes e, da em diante o nico problema era a minha disputa com o piloto automtico, para ver quem levava o avio at a cabeceira. Chegamos num acordo de meio a meio. O pouso em Santiago foi um dos grandes prazeres dessa viagem e tive de acelerar para livrar direita numa daquelas sadas rpidas, em diagonal, que raramente usamos no Brasil. Logo adiante j havia um carrinho daqueles Follow Me, aguardando para me conduzir at o hangar meio escondido da Aerocardal. Nessa hora, me sentia o rei da cocada preta. Por sinal, acho que foi o aeroporto de melhor estrutura que j pousei, na Amrica do Sul. Impecvel. Rapido abastecimento na Aerocardal, fui ao escritrio pagar, com o simples uso do carto de crdito. Quando volto, uma surpresa. Tinha uns 12 funcionrios admirando e tocando o PP-LUZ, como se nunca tivessem visto coisa parecida. Aproveitei para convid-los a me ajudar a empurr-lo para o lado de um Gulfstream 450, onde me esperaria at o prximo voo.

Mochila nas costas, a p at o prdio da torre, onde funcionam os servios de meteorologia e plano de voo, do DGAC. J apresentei o plano da volta, para da a 2 dias e ouvi da atenciosa meteorologista, que naquele sbado as condies seriam excelentes para o cruzamento de volta, pela cordilheira e j me ofereceu telefone dela, para que ligasse a hora que fosse. De novo atendimento de primeirssimo nvel. E lembrar que todos aqueles servios, desde a entrada no pas, estavam me custando mseros US$40,00. E para sair de l? O prdio da torre fica um tanto afastado de tudo e eu no poderia ir andando pelos pteos do aeroporto. Nenhum problema. O Folow Me veio at ali, para me levar ao ter-

minal de passageiros. De l, por menos de US$4,00, pego um nibus+Metro, desembarcando 35 minutos depois a 50 metros do meu destino. Para muitos Santiago no tem atrativos, com o que no concordo. Acho uma cidade agradvel e acolhedora, com bons restaurantes e eventos frequentes. Para quem gosta de ir Europa visitar igrejas, a catedral de Santiago nada lhes deve e uma das mais bem conservadas que j v. Uma manh, terminando em almoo no Mercado Central, com aquela riqussima fauna pacfica, no tem igual. No dia seguinte, chegou cidade para apresentar um show, o Justin Bieber. Ele se hospedou no hotel onde funcionam alguns restaurantes e fui almoar. Era incontvel a quantidade de adolescentes juntas, gritando e vestindo roxo. Era impressionante. Mas no v nenhuma sujeira na rua, mesmo com aquela multido.

Hora de dormir, tempo nublado, cara de chuva, ligo para a Meteorologia do aeroporto e me asseguram que terei excelentes condies para a viagem de retorno ao Brasil. Deixo o hotel s 06:30 local, ainda escuro, mas d para ver o cu de brigadeiro. Mal chego calada e j acho um taxi. A foi aquele medo e seguramente o grande risco da viagem. O motorista vestindo um casaco da Ferrari, ao ver que levava um brasileiro, assumiu-se um Felipe Massa em Monza. E fomos ns pela Costanera Norte naquele blido nada novo, que, pelo balano, parecia conservar os amortecedores originais de fbrica, s vezes marcando mais de 160km/h. O lado bom que essa emoo durou no mais que 15 minutos at me largar no aeroporto, pronto para um voo tranquilo. Caf da manh no saguo, reforado com o Musli caseiro e vamos ao embarque. Passo sem fila na Polcia Internacional, pelo guiche destinado a tripulantes, carimbando minhas GenDecs e pelo Raio-X, onde peo transporte para rea remota. Me recomendam tomar o elevador e descer porta de sada, onde, j est minha espera o Follow Me, que me leva sala ARO, para entregar a GenDec carimbada e vamos ao avio. Questo de minutos. Show de bola. Inspeo feita, azeites da patroa no bagageiro e vamos ao Brasil.

Santiago a Uruguaiana Rubem Berta Regra: Z Nvel de Voo: F145 / F110 Distncia percorrida: 815NM Rota: DCT Los Andes / Cruce VRF de Cristo / Crdoba / Uruguaiana Decolagem: 11:47 Z Tempo de voo: 4:41 Combustvel consumido: 190 litros / 50 gales A volta foi talvez ainda mais bonita e emocionante. Decolei atrs de um 767, s pensando se teria esteira de turbulncia. Logo me autorizaram curva esquerda e Los Andes na proa. Em nenhum lugar do cu dava para achar uma nuvenzinha e naqueles dias frios havia cado boa neve no lado chileno. Estava bem branco, para a poca. Vento forte de cauda, mas parecia que o ar estava parado. O avio s mexia quando fazia curva. Aparece distante, frente o Aconcagua. Vamos subindo pelo canto direito do vale, para eu poder ver o fundo na minha janela. Um belo sobrevoo do Hotel Portillo e a Laguna del Inca. L, de tanta neve, parecia inverno. A vem a passagem de Caracoles, o ponto mais alto. Nesse sentido a percepo do vale ainda menor. A gente voa exatamente em direo pedra e s depois de comear a curva direita, o vale do Rio Mendoza se mostra convidativo. Tive de pedir licena ao meu PA e fui dando nariz em baixo para voar abraado pelas montanhas, em zigzag. Acho que nunca mais vou ver graa no Flight Simulator. Lembrei que deveria sair em rota pelo nvel 110 e no queria torrar muito combustvel diante de um trecho longo. Seno dava para descer dentro do vale, at uns 5.000FT. Da em diante, voo sossegado, j comeando a sentir saudades do que ficou.

Com o vento ajudando a viagem foi rpida e serena. Quase uma hora antes comeamos a descer lentamente, para um pouso direto em Uruguaiana, onde faria a re-entrada brasileira. Assim que liberado pelo Centro Resistncia, na Argentina, chamo Uruguaiana e vem a grande surpresa. PP-LUZ, bem vindo ao Brasil, pista em uso... vento... Vai precisar de gasolina? Afirmativo. que... Uruguaiana est sem gasolina. Sem gasolina? Mas consultei antes. Pode confirmar? Como se fosse mudar algo. Tivesse planejado a viagem em maior altitude, modo de mxima autonomia, poderia ter ido direto a So Paulo, mas l no fazem imigrao. O inferno de Guarulhos, ainda com pista em obras, nem pensar. Podia alternar Curitiba. Lembrei que o Afonso Pena tambm no fornece gasolina e havia previso de trovoadas por l. Maldita mania de conhecer lugares. Se tivesse optado reentrar por Foz do Iguau, teria daria certo. At o vento ajudaria mais. Agora Foz estava fora da rota. Soluo foi pousar assim mesmo e fazer alfndega e trmites. Por sinal tudo muito fcil e rpido. Pessoal de torre e AIS tambm muito solicito. Me indicaram reabastecer em Alegrete. Entre tudo perderia mais ou menos uma hora, mas parecia a melhor soluo. Achei melhor ligar l, para confirmar. O pessoal do aeroporto no podia tinha recursos para um interurbano ao outro aerdromo. Meu celular, sei l por que s pegava sinal da Argentina. O jeito foi fazer uma ligao internacional de Uruguaiana para Alegrete. Combstivel garantido, vamos l.

Uruguaiana Rubem Berta a Alegrete Regra: V Nvel de Voo: F035 Distncia percorrida: 70NM Rota: DCT Decolagem: 17:15 Z Tempo de voo: 0:26 Combustvel consumido: 34 litros / 9 gales Essa escala acabou sendo outra surpresa. Gratssima. Mal corto o motor, frente do tanque de gasolina e forma-se uma roda de pessoas em volta do avio, cheia de perguntas. Sem saber topei com um grupo de aficionados por aviao, que terminara um churrasco. E eu com uma fome de co. Me ofereceram umas frutas deliciosas, que embarquei, para comer em voo. Pela primeira vez em 900 horas algum iria comer frutas dentro do PP-LUZ. Pena que eu estivesse apressado. Valia gastar uma tarde com aquela gente boa.

Alegrete a So Paulo - Congonhas Regra: Z Nvel de Voo: F090 Distncia percorrida: 718NM Rota: Chapec / Paranagu / So Paulo Decolagem: 17:15 Z Tempo de voo: 4:09 Combustvel consumido: 237 litros / 63 gales Rapidamente carrego as previses TAF e Metar do meu interesse, para ler em voo e vamos embora. A pista l no est muito boa, soltando um pouco de pedras, ento optei por decolar com leve vento de cauda, para evitar o taxi por toda ela. Vou curvando direita em subida e mergulho para uma passagem baixa, como forma de despedir dos novos amigos e aproamos Paranagu, para interceptar a chegada de So Paulo. Mas nem tudo so flores. Um pouco adiante do lindo Rio Uruguai, j em Santa Catarina, entro numa chuva, de moderada para mais, com um pouco de descargas e turbulncia. Como no gosto de chacoalhar, vou desviando nosso voo para a direita e passando a ter chuva intermitente, diminuindo at prxmo de Navegantes.

Deu para ver que iramos guardar em nuvens leves, a partir do Paran. As informaes que carreguei antes de decolar indicavam probabilidade de 30% de formao de CBs em So Paulo.

Esquecendo que estava no Brasil, considerei prudente buscar atualizao das informaes. Ao perguntar ao Centro Curitiba sobre as condies em SP, a resposta clssica e intil. Consulte o VolmetMet na frequncia 132,05 ou 132,45. Volto depois de uns minutos pedindo ajuda, vez que, como quase sempre, no conseguira resposta do Volmet. A resposta do controlador, ainda mais lacnica: Ciente. Insisti. Em uns minutos ele me veio com um nada esclarecedor: SP opera instrumento. Reforo, perguntando se h formaes ou previses significativas na rea. Mais alguns minutos e ele fala: No momento no chove em SP. Nada mais. Segui confiando no Stormscope, que comeava a deixar os raios mais para trs e esquerda. De fato, o voo prosseguiu suave no meio daquele algodo dce de nuvens. Ao iniciar a chegada, com a informao ATIS apontando teto de 1.000Ft, fui instrudo a fazer o procedimento RNAV da pista 17 auxiliar. J faltando uns 5 minutos para o pouso, fui orientado a preparar o ILS, da principal, pois o teto havia baixado para 300Ft. Oba. ILS mais gostoso e ainda com direito de pouso na pista dos bacanas. Acabou que avistei a pista muito antes das indicaes e tive um pouso delicioso. O aeroporto de Congonhas, noite, quando molhado, emite uma luminosidade maravilhosa, no meio da cidade.

Ainda , ao lado do Santos Dumont, uma das aproximaes que mais me agrada fazer. Guardo o avio e ligo para meus companheiros da parte terrestre dessa viagem, que voltariam no mesmo dia, em um voo sem graa da LAN. Fico sabendo que esto no taxi, saindo de Guarulhos. Chegamos em casa, quase juntos. Todos felizes, mas certamente, eu ainda mais realizado.