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DE COMERCIANTE A LÍDER FARROUPILHA: A ASCENSÃO COMERCIAL
E A PARTICIPAÇÃO DE ANTONIO VICENTE DA FONTOURA NA
REVOLUÇÃO FARROUPILHA (1835 – 1845)
CRISTIANO SOARES CAMPOS
Mestrando do PPGH – UFSM
1. Vicente da Fontoura: Sua família, a vila de Cachoeira, a fronteira platina, e os
primeiros passos no Comércio e na Política.
Em 1835, na província do Rio Grande de São Pedro, um grupo da elite,
composto por estancieiros, militares, charqueadores, comerciantes e sacerdotes,
articulou uma rebelião contra as autoridades representativas do Império brasileiro. Aos
poucos, com justificativas que atendiam a situação econômica da Província e com
propostas políticas visando interesses pessoais, conquistaram grande parte dos
municípios rio-grandenses.
Existe uma vasta historiografia produzida sobre a Revolução Farroupilha,
entretanto, apesar da importância dos comerciantes na economia e na politica durante o
período colonial e depois da Proclamação da Independência há certo silenciamento
historiográfico a respeito da inserção e atuação dos comerciantes no conflito. Em função
disso, torna-se imprescindível compreender melhor a participação de indivíduos desse
grupo econômico durante a Guerra dos Farrapos e, Antonio Vicente da Fontoura foi um
dos indivíduos mais destacados naquela conjuntura.
Segundo Antunes (1935), Antônio Vicente da Fontoura, nasceu em 8 de Janeiro
de 1807, em Rio Pardo. Segundo os dados estatísticos da província para o ano de 1814,
o município, era um dos centros mais populosos do território Rio-grandense, contava,
então, com 10.445 habitantes, enquanto Cachoeira, Rio Grande e Porto Alegre tinham
uma população muito inferior a esse número.
Entre as famílias que moravam em Rio Pardo, na época, uma das de maior
prestígio na região era a do agrimensor Euzébio Manuel Antônio, casado com Dª
Vicência Cândida da Fontoura. Euzébio era filho do português Crisonio Gonçalves,
casado com uma lisboeta Dª Brígida Ignacia. A esposa do agrimensor, Dª Cândida, era
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filha do mato-grossense João Peixoto de Azevedo e de uma rio-pardense Dª Jeronyma
Velloso da Fontoura. Antônio Vicente da Fontoura era filho de Euzébio e Cândida, e
representava o protótipo das gerações que sucederam os colonizadores da província.
O termo “família”, no contexto do século XIX, difere do conceito ao qual
estamos habituados atualmente. Segundo Mota (2012):
*
O termo “família” compreendia um grupo que ia além da consanguinidade e
coabitação, podendo abranger membros de outras famílias, sugerindo
“relações rituais, como as de compadrio, ou de aliança política”. Alianças
tecidas em torno de um “chefe de família”. Permeando estas relações estavam
os laços de parentesco. (p. 41).
*
É importante entendermos de que forma funcionava essa relação familiar, pois
estas relações se entrelaçavam com as alianças políticas e comerciais. O que fica
evidente no caso de Antonio Vicente da Fontoura, que após o findar da Revolução
Farroupilha, retornou para Cachoeira e fundou o Partido Liberal junto a seu cunhado
Portinho.
A importância da região de Cachoeira, nos meados dos oitocentos favoreceu a
ascensão comercial de Antônio Vicente da Fontoura. Segundo Fagundes (2009) o
destaque da região está ligado a sua localização estratégica geográfica, devido a sua
proximidade com a bacia hidrográfica do Jacuí, rio que era uma das rotas mais
importantes para o deslocamento de mercadorias e de pessoas na província.
Talvez por essa razão, Vicente da Fontoura mudou-se para a vila de Cachoeira,
onde este iniciou sua carreira comercial como caixeiro. Fontoura permaneceria neste
emprego por dois anos e soube aproveitar as oportunidades surgidas para desenvolver
sua carreira comercial.
Para um comerciante, o fato de Cachoeira ser banhada pelo Jacuí, que possuía
ligação direta com a Lagoa dos Patos, que, por sua vez, liga-se ao porto de Rio Grande,
é algo muito importante. Era através dessa conexão fluvial que o centro da Província
alcançava o litoral, por onde se espraiavam as primeiras formas de ocupação dos
campos de Viamão, além de Porto Alegre e arredores, sendo um ponto no comércio
marítimo no período. Segundo Fagundes (2009), pelo rio Jacuí e seus afluentes deu-se a
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penetração e ocupação efetiva no sentido leste/oeste do Rio Grande do Sul desde o
inicio da ocupação das terras do interior da capitania depois da província.
O comércio dentre tantas ligações envolvia zona rural e zona urbana, entre
centros administrativos e/ou portos da Província. Nesse contexto os comerciantes eram
os intermediários dos criadores de gado e dos charqueadores e, devido aos seus
interesses e negócios, transitavam pela fronteira. O que lhes possibilitava oportunidades
de lucros suficientes para, até mesmo, adquirir propriedades na região da Banda
Oriental, como nos discutiu Vargas (2013) sobre as estancias da fronteira.
*Além das vantagens apresentadas por Vargas (2013), Souza (2008) nos fala que
a segurança e os valores dos frentes atraiam os comerciantes farroupilhas ao espaço
fronteiriço platino. Segundo Souza (2008):
Além dos fretes e seguros mais baratos, de qualquer parte do mundo para
Montevidéu, devia-se agregar ainda os prejuízos que no litoral rio-grandense
resultavam das resultavam das baldeações, mutilações de volantes, extravios
e avarias que representavam capitais imobilizados. (p. 161).
Entendemos que o conceito de Fronteira tem recebido atenção especial na
historiografia nos últimos anos. Atualmente o conceito de fronteira vem de encontro
com a ideia de entender esta como um espaço socialmente construído, com
características e dinâmicas próprias, abandonando a perspectiva de que a fronteira
apenas enfatiza o conflito e a violência.
As complexas e variadas relações que se desenvolvem em tal espaço tem sido
analisadas a partir da ótica social que compreende um extenso leque de
manifestações, tais como as relações intra e interétnicas, os processos de
mestiçagem, de etno-gênese, os intercâmbios econômicos e culturais entre
outros. (S.LOPES; ORTELLI, 2006. p.13).
A fronteira no século XIX ao qual desenvolvemos nossos estudos transcende o
que hoje conhecemos como limites políticos, no caso dos farroupilhas a fronteira
presente no século XIX pode ser caracterizada que se estendia até onde iam seus
interesses econômicos, o comércio e suas influências, não se restringindo a limites
políticos.
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Devemos entender a fronteira no século XIX como um espaço de integração, de
trocas comerciais, de interesses econômicos e de grande circulação intelectual, em que
elite farroupilha soube muito bem se utilizar deste espaço para formar suas ideias a
serem implementadas na República Rio-grandense e período posterior. Comerciantes,
como Antônio Vicente da Fontoura, pertencente à elite farroupilha, por diversas vezes
utilizaram-se do porto de Montevidéu para escoar sua produção, o que mais uma vez
indica a integração característica desse espaço fronteiriço platino ao longo do século
XIX.
Entendermos os negócios realizados pelos comerciantes neste espaço fronteiriço
platino requer que observemos outros aspectos sociais, como, por exemplo, os
casamentos. Antonio Vicente da Fontoura casou-se, em 1829, com Dª. Clarinda Porto.
Segundo Mota (2012), neste período os casamentos eram considerados uma
possibilidade de bons negócios, poderiam ser utilizados como estratégia pelas famílias
de elite com o objetivo de multiplicar suas fortunas, e também maneira para o
estabelecimento de serem formadas alianças com comerciantes melhores situados. O
vínculo se forjava quase sempre através dos rapazes, que desposavam filhas de
negociantes prósperos.
Casado e estabelecido comercialmente Antônio Vicente da Fontoura iniciaria
sua carreira política em 1830, elegendo-se vereador de Cachoeira pelo Partido Liberal.
Já em 1831, foi nomeado procurador fiscal da Câmara Municipal, (ROSA, 1935).
A ascensão política de Vicente da Fontoura se dá de forma bastante rápida, já em
1832, segundo Flores (2008), Fontoura recebeu a patente de Capitão da recém-criada
Guarda Nacional, sendo promovido pouco depois a Major. Segundo Ribeiro (2005), até
1837, os oficiais da Guarda Nacional eram eleitos por votos dos Guardas nacionais, o
que caracteriza então a destacada posição de Fontoura neste momento. Reeleito
Vereador, exerceu também as funções de Juiz de Paz e de Juiz Ordinário em Cachoeira,
cargo que ocupava quando teve início a Revolução Farroupilha em 1835.
2. A inserção e os postos assumidos por Vicente da Fontoura ao longo da Guerra
dos Farrapos.
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Segundo Fagundes (2009), devemos analisar a Revolução Farroupilha como
uma rebelião feita por uma “elite” e para uma “elite”, uma vez que procurou suprir
interesses próprios, e a busca das liberdades individuais não ultrapassou os limites que
circundavam o grupo. As questões cruciais como a escravidão, foram tratadas na
medida em que o esforço de guerra necessitava de novos braços armados, mesmo de
cativos.
Sobre o grupo dos Farrapos, Padoin (2001) destaca que este era composto não só
por estancieiros, militares, charqueadores, comerciantes, sacerdotes, que pertenciam à
elite farroupilha, mas também por soldados, muitos deles negros e mulatos, que foram
considerados por Raul Carrion (2005, p.7) a “Tropa de choque do exército farroupilha”,
onde estes acabaram pagando “com o serviço militar a liberdade do cativeiro”
(GUAZZELLI, 2005, p.2-3).
Essas elites, no entanto, não foram para o campo de batalha sozinhas, para isso
tiveram de arregimentar homens (escravos, ex-escravos e pobres livres), que nem
sempre foram espontaneamente para o front de batalha. Como mostra Ribeiro (2005), a
convocação militar muitas vezes “aterrorizava” os chefes de famílias, camponeses, e
seus filhos, obrigando-os a ocultar-se nos matos, como forma de deixar o perigo se
afastar. Quanto aos escravos, a promessa de liberdade serviu como forma de cooptação
na esperança de liberdade; (FAGUNDES, 2009).
Como observamos, parte dos líderes da Revolução Farroupilha eram
comerciantes e estancieiros, e estes, possuíam terras e gados ou eram grandes
negociantes, como no caso de Antonio Vicente da Fontoura. Podemos analisar o
significado dessa condição no que a historiadora Sandra Pesavento (1985), chamou de
“inserção de classe”, ao se referir ao general Bento Gonçalves “como integrante da
camada dominante rio-grandense, que tinha seus interesses ligados ao gado, à terra e aos
escravos”, (PESAVENTO, 1985, p.48).
Segundo Fagundes (2009), o exército farroupilha necessitava destes grandes
proprietários, pois eles possuíam condições de se armar com financiamento próprio e
também arregimentar homens durante a guerra. Nos períodos críticos de guerra, que
exigiam a proteção do espaço, era necessário alguém que pudesse financiar um batalhão
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de soldados, possuindo condições para comprar além do armamento, a farda e prover o
seu sustento da tropa.
Não devemos entender que os estancieiros e comerciantes participaram da
Guerra dos Farrapos apenas por interesses dos líderes Farroupilhas. Deve-se observar
que estancieiros e comerciantes viam-se contrariados em seus interesses econômicos
pela política imperial, que prejudicava os negócios da indústria charqueadora ao facilitar
a entrada da produção dos saladeiros platinos a preços menores. Sendo assim também
possuíam interesses particulares para participarem do conflito, (FAGUNDES, 2009)
Como escreveu Spencer Leitman (1979, p.102), os comerciantes e estancieiros
“se tornaram porta-vozes das reivindicações políticas e econômicas da Província” e as
“forças políticas eram centristas e separatistas”.
Os comerciantes foram inseridos à Revolução Farroupilha devido à militarização
que era cada vez mais comum como estratégia política portuguesa. Segundo Fagundes
(2009) a militarização da sociedade, em especial da província sulina, fazia parte de uma
estratégia portuguesa que foi sendo construída ainda nos tempos coloniais. Desde as
primeiras capitanias, os donatários receberam poderes militares. Segundo Ribeiro
(2005), essa foi a fórmula encontrada pela Coroa para garantir os domínios sobre o
território.
Com isso a posse da terra e o militarismo foram meios largamente utilizados
pelos portugueses, bem como a concessão de poderes militares a alguns donatários que
passaram a ter poder de mando. Em contrapartida, os demais colonos deviam-lhe
obediência e, quando necessário, eram incorporados as forças armadas.
Segundo Antunes (1935), a primeira ação de destaque de Antonio Vicente da
Fontoura durante a Guerra dos Farrapos teria como palco justamente a sua terra natal,
Rio Pardo. Na ocasião, José Joaquim de Andrade Neves, que mais tarde receberia o
titulo de Barão do Triunfo, então Major Imperial, reuniu imediatamente seus
correligionários numa tentativa de eliminar os Farroupilhas que buscavam o domínio
político da região. No dia 26 de Setembro, Antonio Vicente da Fontoura partiu de
Cachoeira a frente de duzentos Guardas Nacionais, tendo como demais companheiros e
comandantes, Gaspar Francisco Gonçalves e Manduca Carvalho, para auxiliar os
Liberais da região de Rio Pardo.
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A batalha entre o exército de Vicente da Fontoura e Andrade Neves durou de 29
de setembro à 3 de outubro, com vitória de Antonio Vicente da Fontoura, não foi um
embate de maiores consequências devido a uma intervenção de Bento Gonçalves, que
resultou na renúncia ao posto de Andrade Neves e sua retirada da região, (ANTUNES,
1935).
Este episódio solidifica a confiança das lideranças Farroupilhas sob Vicente da
Fontoura e torna cada vez mais crescente a importância e a influência deste na região de
Cachoeira. Evidência disto é que João de Araújo Ribeiro, indicado presidente da
Província, e Bento Manoel procuraram seu apoio por ocasião da reunião da Assembleia
Provincial que não reconheceu a autoridade de Araújo Ribeiro como presidente da
Província.
Com o aumento do prestígio sua ascensão comercial e política é cada vez mais
intensa, e em 14 de dezembro de 1835, Marciano Pereira Ribeiro, então vice-Presidente
da Província, mandaria um ofício a Vicente da Fontoura nomeando-o Major da Guarda
Nacional, cargo que viria a assumir de forma oficial em 3 de fevereiro de 1836,
(ANTUNES, 1935).
Os primeiros meses de Vicente da Fontoura frente o cargo de Major de Legião
foram de trabalho incessante, reunindo e disciplinando seus homens, recrutas, e pondo
os líderes do movimento a par dos movimentos de Bento Manoel, que continuava sendo
um inimigo perigoso às pretensões farroupilhas. Depois dos acontecimentos em que
Vicente da Fontoura foi personagem ativo, desde abril de 1836, até o fim de 1837,
viajando a diversas localidades como Cachoeira, Caçapava, Piratini, São Gabriel e Rio
Pardo, (ANTUNES, 1935).
Em novembro de 1836, foram eleitos pelos Republicanos os homens que
deveriam governar o novo Estado Republicano. Dessa eleição saíram vitoriosos os
nomes de Bento Gonçalves para Presidente e de Antonio Paulo da Fontoura, parente
próximo de Vicente da Fontoura, para a Vice-presidência, sendo ao mesmo tempo
organizado o Ministério dos Farrapos. Dentre os farrapos, Vicente da Fontoura possuía
outros parentes, além de Antonio Paulo, seu cunhado, José Gomes Portinho, e seu
primo, Fructuoso Borges da Fontoura.
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Os Farroupilhas eleitos logo enfrentariam problemas com seus adversários. Dias
depois das eleições, ocorridas ainda em novembro de 1836, é expedida uma ordem de
prisão contra Vicente da Fontoura e os demais defensores dos ideais farroupilhas, pelo
então Juiz de Paz de Porto Alegre, Manoel José da Câmara, que colocava Vicente da
Fontoura como um dos principais líderes da Revolução Farroupilha. A ordem de
Câmara consistia em prender os principais líderes da Revolução Farroupilha e enviá-los
para uma prisão no Rio de Janeiro.
Segundo Antunes (1935), anos mais tarde, em 1838, ocorreria um dos momentos
mais importantes dos Farroupilhas ao longo da Guerra dos Farrapos, no dia 30 de abril,
os farroupilhas conquistaram a vila legalista de Rio Pardo. Vicente da Fontoura é então
nomeado Chefe da Polícia de Rio Pardo, e em junho deste ano como vereador da
Câmara de Cachoeira. Então resolveu reunir seus colegas e reiniciar os trabalhos há
muito tempo suspensos devido ao conflito, exemplo disso foram as diversas câmaras
municipais que tiveram suas atividades suspensas neste período. Talvez em parte como
reflexo disso, Vicente da Fontoura renunciou o cargo de Vereador da Câmara de
Cachoeira em julho de 1838, para assumir o cargo de Chefe de Polícia de Rio Pardo.
O cargo fez com que Vicente da Fontoura se retirasse dos serviços de campanha,
tendo em vista os diversos compromissos e tarefas que o trabalho exigia. Em novembro
do mesmo ano, foram expedidas ordens, declarando que os coletores, escrivães e
guardas de coletorias, ficavam dispensados dos serviços da campanha por não poderem
ser distraídos de suas funções. Vicente da Fontoura ficaria da função de chefe de Polícia
de Rio Pardo por um ano, quando em 1839 seria transferido para Cruz Alta, onde
encontramos seus registros até 1840.
O ano de 1841 seria marcado por ser um dos momentos mais importantes de nosso
personagem durante a Guerra dos Farrapos. Neste ano Fontoura chefiou a missão
diplomática da República Rio-Grandense a Montevidéu, ocasião em que selou aliança
entre os farroupilhas e o líder uruguaio Fructuoso Rivera, de quem Vicente da Fontoura
tornaria-se amigo. Este acontecimento é importante, pois será utilizado mais tarde pelos
farroupilhas como justificativa a indicação de Vicente da Fontoura como negociador da
paz com o governo central brasileiro, (ANTUNES,1935).
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O governo Farroupilha via-se cercado pelas mais duras necessidades. Num
determinado momento em 1841, Domingos José de Almeida (então Ministro da
Fazenda), desgastado pelos problemas, como, por exemplo, falta de recursos e a perda
de confiança naqueles que por muito tempo considerou como aliados, resolveu chamar
Antonio Vicente da Fontoura para que este o substitui-se no cargo de Ministro da
Fazenda.
Segundo Antunes (1935), Vicente da Fontoura não hesitou em aceitar o cargo,
porém, meses mais tarde, Vicente da Fontoura se tornaria inimigo de Domingos José de
Almeida. Ao assumir seu novo cargo de Ministro da Fazenda, em dezembro de 1841,
Fontoura iniciou suas ações promovendo o saneamento das contas da República e
concentrou verbas no esforço de guerra, em contraste com as diretrizes orçamentárias
menos pragmáticas de seu antecessor, Domingos José de Almeida.
Alguns indícios apontam o que poderia ter causado essa briga entre Fontoura e
Almeida. Na obra de Antunes (1935), observaremos agora um exemplo, de erros
cometidos na administração de Domingos de Almeida que é uma das hipóteses da briga
entre estes comerciantes:
*
No tempo da administração de Almeida havia o Governo Farroupilha
encampado a chamada Estância da Música, porém, com graves
irregularidades, não tendo sido cumprido o contrato como deveria sê-lo. Por
isso procurou Fontoura averiguar o que havia e mandar avaliar a existência
da referida Estância. (p.67).
Antonio Vicente da Fontoura sofreu dos mesmos problemas de seu antecessor
Domingos de Almeida e, exausto dos compromissos exigidos pelo cargo, pediu
demissão um ano depois, sendo substituído por Luiz José Ribeiro Barreto.
Nos anos de 1842 e 1843, já podemos observar em Vicente da Fontoura o
proposito de transferir-se com a família para a República do Paraguai, desgastado pelos
incômodos políticos causados pelos trabalhos nos ofícios e compromissos assumidos ao
longo da Guerra dos Farrapos.
Conforme Spalding (1969), no final de 1844, Vicente da Fontoura depois de ver
prevalecer seu ponto de vista contrário à manutenção da guerra, foi escolhido pelo
governo Rio-Grandense para conduzir as negociações de um Tratado de Paz com o
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governo central brasileiro. No dia 2 de novembro de 1844, David Canabarro reúne-se
com Vicente da Fontoura para dizer-lhe que o Presidente da Província desejava que ele
fosse ao Rio de Janeiro com o intuito de dar seguimento às negociações de Paz. Esta
indicação é descrita pelo próprio Antonio Vicente da Fontoura em seu Diário (1984):
*
Passo real do Jaguarão, no Menezes, 3 de Novembro de 1844.
Ontem, logo depois do toque de alvorada, mandou o General Canabarro
chamar-me para dizer-me que o Presidente desejava que eu fosse com o
Padre Chagas ao quartel general do Barão de Caxias, a fim de prosseguirem
as negociações de paz. Respondi que estava pronto e depois de havermos
conferenciado com o Presidente, marchamos e hoje temos parado neste
ponto, esperando a contestação do Barão, que deve ser o salvo-conduto para
nossa entrada no campo imperial. [...]” (p. 141).
*
Após a indicação, Vicente da Fontoura é enviado ao Rio de Janeiro, com o
objetivo de negociar os termos de acordo que possibilitaria a reintegração do Rio
Grande do Sul ao Império do Brasil, além de “trocar” alguns prisioneiros imperiais por
farroupilhas, como relata em seu Diário (1984):
*
“Amanhã é minha marcha para o Rio de Janeiro. Devo primeiro ir ao campo
do Barão de Caxias para reunir-me com o outro que ele manda de sua parte.
Vão comigo uns prisioneiros para serem trocados por outros que estão no
campo imperial.” (p. 143-144).
*
O retornar ao Rio Grande, Fontoura empreendeu diversas viagens pelos
territórios sob controle farroupilha a fim de convencer as lideranças locais e militares a
aceitar os termos da Paz, assinado. Concluída em 1º de março de 1845, a Paz de Ponche
Verde proibiu punições ou retaliações aos líderes republicanos rio-grandenses, concedeu
compensações financeiras para o Rio Grande do Sul garantiu a emancipação de todos os
escravos que serviram no Exército Rio-Grandense, (LAYTANO, 1983).
Com o fim da Guerra dos Farrapos, Vicente da Fontoura voltou a dedicar-se ao
comércio e à política local em Cachoeira, onde permaneceria até o final de seus dias em
1860.
Observamos neste trabalho que Fontoura foi alguém muito influente, o
comerciante valeu-se de seus contatos comerciais e familiares para ascender
comercialmente, e inserir-se aos trabalhos no governo farroupilha.
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Longe de nos oferecer análises esgotadas as bibliografias e documentos
utilizados para a realização deste trabalho nos apresentam que o conhecimento histórico
carece ainda de estudar e analisar o “destino” dos líderes e outros personagens pós o
período revolucionário farroupilha.
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