Upload
danielrpgomes
View
223
Download
1
Embed Size (px)
DESCRIPTION
DarrylDomingos 35211 - Trance Psicadélico No Algarve - Versão Final 27-01-2011
Citation preview
Universidade do Algarve Faculdade de Cincias Humanas e Sociais
Departamento de Lnguas, Comunicao e Artes
Trance Psicadlico no Algarve Um Estudo Sobre as Prticas Culturais de Um Movimento Marginal
Darryl Emanuel Lampreia Domingos
Dissertao Apresentada Para a Obteno do Grau de Mestre em Comunicao, Cultura
e Artes Especializao em Estudos Culturais
Faro
2011
Darryl Emanuel Lampreia Domingos
Trance Psicadlico no Algarve Um Estudo Sobre as Prticas Culturais de Um Movimento Marginal
Dissertao Apresentada Para a Obteno do Grau de Mestre em Comunicao, Cultura
e Artes Especializao em Estudos Culturais
Orientadores:
Professora Doutora Gabriela Borges
Professor Doutor Antnio Lopes
Jri
Presidente:
Doutora Merja Sirikka Nousia de Matos Parreira (Universidade do Algarve)
Vogais:
Doutor Joo Ferreira Duarte (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Doutora Gabriela Borges Martins Caravela (Universidade do Algarve)
Doutor Antnio Manuel Bernardo Lopes (Universidade do Algarve)
Faro
2011
Agradecimentos
Um agradecimento especial aos meus orientadores que me proporcionaram uma ajuda
preciosa no apoio e na construo terica e metodolgica que tornaram este trabalho
possvel.
Um agradecimento particular minha famlia, pela disponibilidade, compreenso e
apoio durante a realizao da Dissertao, assim como para os amigos e colegas que se
interessaram e apoiaram o meu trabalho.
Queria deixar ainda bem expresso o agradecimento s pessoas ligadas ao movimento
estudado e a sua abertura e disponibilidade para partilharem comigo as suas vises
sobre colectivismo criado pela msica trance numa poca de globalizao cultural.
Obrigado Theo, Carlos, Rui Pedro, Adriano, T-Z, Daniela, Soraia e a todos os outros
que ajudaram a compreender e a situar o movimento algarvio. Sem eles, nada disto teria
sido possvel.
Resumo
Este trabalho tem como principal objectivo analisar, sob o prisma dos estudos culturais,
as particularidades e as prticas culturais de um movimento festivo local associado ao
gnero de msica trance psicadlico. Limitando a anlise do objecto regio do
Algarve, alm de se pretender perceber a importncia da msica na formao de
movimentos locais, pretendeu-se interpretar os diferentes fenmenos que fomentam a
sua existncia e a sua divulgao, tendo em ateno as questes da comercializao e da
mediatizao da cultura juvenil.
A anlise dos diferentes mtodos utilizados para abordar as prticas e os consumos que
estimularam o aparecimento de movimentos colectivos, permitiu compreender a
evoluo e adaptao situao econmica, poltica, social e cultural em que esses
movimentos ocorreram. Esta anlise visou ainda clarificar os diferentes
posicionamentos tericos sobre a relao entre os media e as culturas juvenis que
incidem sobre as questes da problematizao e da difuso das suas prticas.
Assumindo o carcter fluido e hbrido das identidades contemporneas, este trabalho
aproximou-se das propostas ps-subculturais que do maior relevo ao gosto individual
na apropriao da cultura e ao trabalho de campo para a obteno de dados empricos.
Assim, na realizao deste trabalho adoptou-se uma abordagem etnogrfica, assente em
sadas de campo e em entrevistas a indivduos que participam neste tipo de festividades,
permitindo uma maior aproximao ao fenmeno festivo e aos seus actores.
Situando o objecto na sociedade das redes, onde se assiste a uma relao crescente de
interdependncia entre humanos e meios tecnolgicos, pretendeu-se ainda compreender
a influncia que a globalizao da cultura principalmente atravs das tecnologias de
informao e comunicao tem na criao, na difuso e na apropriao da cultura em
realidades locais.
Palavras-chave: Culturas Juvenis; Trance Psicadlico; Media; Tecnologias de
Informao e Comunicao; Algarve.
Abstract
The purpose of this work is to study, under a cultural studies perspective, the
peculiarities and the cultural practices of a local festive movement related to
psychedelic trance music. Limiting the object analysis to the region of Algarve, further
than understanding the significance of music in the formation of local movements, we
tried to understand the different phenomena that promote its existence and its
dissemination, taking into account the issues of commercialization and media coverage
of youth culture.
By analyzing the various methods used to address the practices and the consumption
that stimulated the emergence of collective movements, this study seeks to understand
the evolution and the adaptation of these methods on the economic, political, social and
cultural environment in which these movements occurred. This analysis also tries to
clarify the different theoretical viewpoints on the relationship between the media and
youth cultures that focus on the problematic issues of youth and on the dissemination of
their practices.
Assuming the fluid and hybrid nature of contemporary identities, this paper approaches
the post-subcultural proposals that give greater emphasis to individual taste in the
appropriation of culture and to fieldwork to obtain empirical data. Thus, in this work we
have adopted and ethnographic approach, based on fieldwork and interviews with
individuals that participate in such festivities, allowing a closer approach to the
phenomenon and its actors.
Placing the object in the network society, where we observe an interdependence
relationship between humans and technological resources, we tried to understand the
influence that the globalization of culture especially through the Information and
Communication Technologies has in the creation, dissemination and appropriation of
culture in local realities.
Keywords: Youth Cultures; Psychedelic Trance; Media; Information and
Communication Technologies; Algarve.
ndice Introduo ....................................................................................................................... 1
1. O Estudo dos Movimentos Juvenis ........................................................................ 5
1.1. A Condio Social dos Jovens e a sua Pertinncia Acadmica ......................... 5
1.2. A Escola de Chicago - Sociologia Urbana e Desvio Comportamental .............. 8
1.3. O CCCS de Birmingham e a Teoria das Subculturas Juvenis ......................... 10
1.3.1. O Estilo ..................................................................................................... 16
1.4. Propostas Ps-Subculturais Crticas e Novos Modelos de Anlise .............. 19
1.4.1. Club Cultures e as Culturas de Gosto ....................................................... 24
1.4.2. Neo-Tribos, Estilos de Vida e Cenas ........................................................ 28
2. Os Media, os Jovens e a Sociedade das Redes ..................................................... 33
2.1. As Culturas Juvenis e a Crtica aos Media ....................................................... 33
2.2. A Internet e a Cultura das Redes ...................................................................... 39
2.2.1. Msica: Consumo e Produo .................................................................. 42
3. A Msica Electrnica de Dana e as Culturas Juvenis Contemporneas ........ 46
3.1. Origens da Msica Electrnica de Dana House e Techno .......................... 46
3.2. A Raveluo da Msica de Dana Do Underground ao Mainstream ....... 47
3.3. Trance Psicadlico O Misticismo de uma Cultura Electrnica .................... 51
3.3.1. Trance Psicadlico em Portugal ............................................................... 55
4. Trance Psicadlico no Algarve: As Prticas Culturais de Um Movimento Marginal ........................................................................................................................ 60
4.1. O Movimento Trance no Algarve: Observao Participante em Meio Festivo 60
4.2. Rituais e Prticas de Sociabilizao Colectiva: A Msica e a Festa ................ 64
4.2.1. O Pblico e o Consumo Recreativo de Drogas ........................................ 73
4.2.2. A Difuso: Os Media ao Servio das Culturas Marginais ........................ 85
4.3. A Comercializao de Uma Cultura Marginal: Reflexos da Globalizao em Realidades Locais ....................................................................................................... 91
5. Consideraes Finais ............................................................................................. 97
Bibliografia .................................................................................................................. 101
Sitografia ..................................................................................................................... 112
Anexos .......................................................................................................................... 113
Anexo I Outdoors Publicitrios de Festas de Trance ............................................ 114
Anexo II Festas de Trance Psicadlico no Algarve (entre Maro de 2009 a Abril de 2010) ......................................................................................................................... 115
Anexo III Informantes ............................................................................................ 118
Anexo IV Festas de Trance Psicadlico Indoor no Algarve .................................. 119
Anexo V - Festas de Trance Psicadlico Outdoor no Algarve ................................. 121
Anexo VI - Decoraes ............................................................................................. 123
Anexo VII Artigo do Jornal de Notcias sobre o Boom Festival 2004 .................. 128
Anexo VIII Artigo do Jornal de Notcias sobre o Boom Festival 2006 ................. 129
Anexo IX Artigo do Expresso sobre drogas no Boom Festival 2006 .................... 131
Anexo X Artigo do Correio da Manh sobre overdoses no Freedom Festival 2007 ................................................................................................................................... 134
Anexo XI Artigo do Jornal de Notcias sobre a deteno de pessoas durante o Freedom Festival de 2007 ......................................................................................... 136
Anexo XII Artigo do Dirio de Notcias sobre detenes no Freedom Festival 2007 ................................................................................................................................... 138
Anexo XIII Artigo do Pblico sobre rusga policial no Boom Festival 2008 ......... 139
Anexo XIV Artigo da revista nica (Expresso) sobre trance psicadlico e consumo recreativo de drogas .................................................................................................. 140
Anexo XV Flyers de Festas de Trance no Algarve ............................................... 147
1
Introduo
A msica tem vindo a constituir-se como um dos factores culturais mais
significantes da experincia diria, influindo na construo das identidades individuais e
colectivas. Utilizada para fins de lazer, como forma de protesto ou como forma de
identificao colectiva, a msica, tal como o estilo, teve papel preponderante na maioria
dos movimentos juvenis contraculturais e subculturais formados nos Estados Unidos da
Amrica e em Inglaterra na segunda metade do sculo XX1
Este estudo aborda um fenmeno global escala local que, apesar da sua
crescente difuso em Portugal, continua situado nas margens do circuito dos lazeres
nocturnos. Este fenmeno funda-se em torno do gnero musical trance psicadlico, e a
sua abordagem foi limitada realidade festiva na regio do Algarve.
. Alguns destes movimentos
contriburam para a mediatizao e comercializao dos gostos juvenis, tornando os
signos juvenis e as suas prticas focos de anlise acadmica.
A cultura psicadlica e a sua expresso em meio festivo sero enquadradas no
fenmeno da globalizao da msica electrnica de dana, de maneira a analisar as
prticas, o carcter transgressivo e as particularidades comerciais/ideolgicas que
colocam o movimento numa posio marginal. O estudo sobre este fenmeno tem ainda
como objectivo compreender a pertinncia da msica e da ideologia associada a
determinados movimentos musicais na formao e demarcao de identidades
individuais e colectivas, assim como compreender a influncia dos meios de informao
e comunicao na origem, manuteno, e at no declnio desses mesmos movimentos.
Apesar do crescimento global do movimento psy trance, a limitao do estudo
rea geogrfica do Algarve pressupe a existncia de um movimento local, sem
esquecer, como bvio, que a maioria dos movimentos locais resulta hoje dos
processos associados globalizao (Bennett, 2000: 52). Desta forma, e assumindo o
papel da globalizao na formao de movimentos locais, visa-se entender como que
estes mesmos movimentos locais organizam e adaptam os recursos globais sua
realidade. Ao estudar um movimento que se centra num determinado estilo musical
torna-se necessrio, como sugere Bennett (2000: 60-61), ir alm das questes da
produo musical local e ir ao encontro do papel mais alargado da msica na realidade
1 Entre os quais se podem destacar os seguintes movimentos: Teddy Boys (rock); Mods (jazz, rhythm and blues, soul e ska); Hippie (rock psicadlico e experimental); Punk (punk rock).
2
quotidiana dos indivduos, percebendo os seus significados e as suas particulares nessas
mesmas realidades locais.
Para analisar fenmenos juvenis contemporneos torna-se necessrio reflectir
sobre os diferentes mtodos acadmicos que analisaram a pertinncia social, cultural e
econmica das culturas juvenis. Assim, o primeiro captulo deste estudo explora as
diferentes conjecturas acadmicas que vislumbraram nos jovens e nas suas prticas um
campo de anlise, seja em relao ao seu desvio comportamental, ao seu carcter de
resistncia ou questo de gosto individual.
Apesar da influncia dos estudos da Escola de Chicago, que analisavam os
comportamentos delinquentes como respostas de indivduos marginalizados perante o
sistema em que viviam, foi apenas com a fundao do Center for Contemporary
Cultural Studies (CCCS) de Birmingham na dcada de 1970 que os jovens, as suas
prticas em sociedade e os seus gostos particulares realmente cativaram a ateno da
academia, tornando-se num fenmeno pertinente na anlise das relaes culturais e
sociais.
No entanto, o mtodo do CCCS de Birmingham tem vindo a ser criticado devido
sua rigidez e inadequao para o estudo de outros fenmenos que no aqueles
sugeridos pelos seus autores. Club cultures, neo-tribos, cenas ou estilos de vida so
algumas das propostas que alcanaram pertinncia acadmica a partir da dcada de
1990, atravs de metodologias que se aproximam mais dos actores sociais. Estas novas
abordagens colocaram de parte paradigmas que estavam inerentes aos estudos sobre os
jovens, como a resistncia de classe ou a relao de oposio entre culturas juvenis e os
media.
A face hbrida das prticas e dos gostos juvenis obriga a que os mtodos de
anlise sejam flexveis, de forma a adaptarem-se s mudanas culturais e sociais do
mundo globalizado onde os consumos e a produo cultural dos actores sociais gerem
diferentes identidades influenciadas pelas experincias do quotidiano.
A actual relao de interdependncia entre humanos e meios tecnolgicos
alterou a forma como o indivduo contemporneo se apropria da cultura. As redes
intercomunicacionais consentidas pelas tecnologias de informao e comunicao
(TIC), alm de facilitarem a interconexo entre indivduos, permitem que a cultura se
transmita de forma mais rpida, tornando-se mais acessvel e aproximando realidades
distintas de uma forma simples e sem barreiras temporais, espaciais, socioculturais,
tnicas ou de gnero.
3
Os movimentos juvenis contemporneos, seguindo o prisma dos estudos
culturais, facultam-nos uma multiplicidade de fenmenos e prticas que fundam novas
formas de identificao individual e colectiva. As identidades, que se encontram em
constante mutao e formatao, geram-se atravs das novas formas de sociabilizao,
de consumo e de produo que a era digital e informatizada nos permite. Assim, as
tecnologias digitais possibilitam a disperso da cultura e fomentam novas formas de
apropriao cultural.
Assumindo a importncia do consumo cultural, da representao meditica e da
apropriao dos meios tecnolgicos por parte do indivduo contemporneo, no segundo
captulo deste trabalho prope-se abordar a relao entre os meios de informao e
comunicao e a difuso e apropriao da cultura que influencia as prticas de
movimentos contemporneos. Desta forma, para alm analisar a problematizao e
comercializao das culturas juvenis nos agentes mediticos mais massificados, o
objectivo passa por observar como que os meios tecnolgicos alteraram, e continuam
a alterar, a construo e a apropriao da cultura em realidades locais.
O terceiro captulo deste trabalho faz uma representao da msica electrnica
de dana desde a sua origem underground nos Estados Unidos da Amrica, at ao
momento em que tornou um fenmeno de massas fomentado pelas culturas club e rave
britnicas. Neste captulo ser analisada a influncia da globalizao da msica
electrnica de dana na formao de novos subgneros musicais e de novos movimentos
colectivos. No decorrer deste captulo realiza-se ainda uma anlise das origens do
trance psicadlico, das prticas do seu movimento festivo, e ainda, do aparecimento das
festividades associadas a este gnero musical em Portugal.
O quarto captulo resulta na aplicao prtica dos modelos e das teorias
analisadas ao longo do trabalho, pois conjuga as prticas juvenis contemporneas com a
era tecnolgica em que vivemos. O estudo de um movimento local permite uma anlise
emprica atravs do trabalho de campo etnogrfico, como forma de explorar o meio, os
actores, e os modos de colectivismo em meio festivo. Simultaneamente, explorou-se a
relao entre este movimento festivo local e a sociedade de redes que permite a rpida
divulgao de signos e prticas culturais e disponibiliza novos meios de apropriao e
de produo cultural.
Assumindo que a evoluo das tecnologias de informao e comunicao, como
o caso da Internet, pode influenciar a criao e divulgao de movimentos colectivos
em torno de um determinado gnero musical, este estudo visa analisar a relao entre
4
estes meios e as culturas contemporneas, especialmente aquelas que se mantm nas
margens da cultura popular.
5
1. O Estudo dos Movimentos Juvenis 1.1. A Condio Social dos Jovens e a sua Pertinncia Acadmica
Os estudos sobre movimentos juvenis associados ao estilo e msica tm
sofrido diversas alteraes tericas desde que se tornaram num objecto pertinente para
as reas da Sociologia e dos Estudos Culturais. As mudanas scio-culturais, polticas e
econmicas, tal como a globalizao e a evoluo dos meios de informao, fazem com
que as anlises sobre movimentos juvenis no se possam suportar em metodologias
rgidas, por vezes limitadas a um tempo e a uma realidade especficos. Neste sentido, a
metodologia para o estudo dos movimentos juvenis, apesar da pertinncia que a Escola
de Birmingham assumiu nos estudos acadmicos a partir da dcada de 1970, tem
divergido entre o aparecimento de novas ideias e a reconstruo e adaptao de teorias
do passado.
Alguns autores focam que existiram grupos juvenis anteriores ao tempo em que
comearam a ser analisados2
A condio de juventude
, j que foi na segunda metade do sculo XIX que se
comeou a dar pertinncia ao segmento juvenil e fase de vida da adolescncia
quando, no entender de Jos Machado Pais, os problemas e tenses a ela associados a
tornaram objecto de conscincia social (1990a: 148). Ainda de acordo com o mesmo
autor, este perodo de vida viu ser-lhe conferida uma maior importncia social com o
aumento da escolaridade, a criao de legislaes sobre trabalho infantil, o aumento da
dependncia dos jovens relativamente s suas famlias de origem e o aumento de casas
de correco (ibid.). 3
2 Ver Bennett e Kahn-Harris (2004: 2-3).
de cada sociedade depende das condies sociais e
culturais existentes, da estrutura social, das instituies polticas e das questes
ideolgicas vigentes. Garrat pretendeu mostrar que as principais caractersticas de
qualquer subcultura residem no facto de capturarem o esprito social, poltico e
econmico do tempo em que surgem, pois as subculturas so consideradas e descritas
como um termmetro do clima poltico duma sociedade a cada tempo (apud.
Carvalho 2007: 215).
3 a juventude no uma realidade biolgica ou natural () mas uma condio social que se constitui histrica e socialmente. Quer isto dizer que a juventude, como produto da evoluo histrica das sociedades, se condiciona e diferencia socialmente, mas que, para alm da diferenciao social das juventudes e dos jovens, h algo que os constitui como sujeito social autnomo, e portanto tambm como objecto de anlise especfico, que precisamente a sua condio social. (Cruz et al., 1984: 285)
6
Devido s mudanas polticas, sociais, econmicas e culturais da sociedade
contempornea tem-se vindo a assistir ao alargamento do perodo jovem. Segundo
Chatterton e Hollands (2003: 68), este alargamento significa que os jovens
comprometem-se durante um perodo mais longo s actividades culturais juvenis
prolongando assim o esprito de juventude geralmente mais associado fase
adolescente. Assim, para estes autores o desenvolvimento de uma fase prolongada da
adolescncia e as mudanas no mercado laboral podem significar que as pessoas
continuam a praticar actividades culturais juvenis durante um perodo mais longo da sua
vida (idem).
Paul Willis, um dos precursores da teoria subcultural britnica, sem se afastar
das teorias utilizadas para estudar as culturas e a prticas juvenis, afasta-se da sua
designao. Para este autor, tal como todas as outras classes etrias, os jovens fazem
parte da sociedade, produzem e consomem cultura e assim no se deveria criar uma
categoria para os designar (1990: 7). Willis considera mesmo que no se pode
considerar a juventude uma fase biologicamente programada que diferencia os jovens
dos outros grupos na sociedade (idem). Desta forma, pode-se concluir que o
alargamento do perodo juvenil alterou a ideia de prticas e consumos limitados por
uma questo etria.
Apesar de mostrar o papel dos jovens na criao e formao de novos
movimentos musicais, estilsticos ou artsticos, Paul Willis no ficou indiferente
questo do alargamento dos prazeres juvenis a outras faixas etrias. Para este autor a
designao de cultura juvenil pode no servir para representar a multiplicidade dos
fenmenos contemporneos estudados que outrora seriam considerados meramente
juvenis, j que cada vez mais difcil catalogar os movimentos contemporneos a partir
de uma questo meramente biolgica como a idade.
Levantar esta questo sobre a durao da fase de vida em que se podem
enquadrar os movimentos e as prticas juvenis tornou-se fundamental quando se
estudam movimentos que dificilmente so identificveis pela idade, mas que na prtica
a sua significncia e representao cultural continuam a ser socialmente designadas e
enquadradas como prticas pertencentes aos jovens.
Assim, torna-se indispensvel reflectir sobre esta questo, acima de tudo porque
a definio de juventude, ao ser entendida de uma forma mais biolgica, poderia criar
srios problemas na anlise de prticas contemporneas onde o esprito juvenil
aparenta ser mais prolongado do que no passado. O aumento dos anos enquanto
7
estudantes, as dificuldades em sair de casa dos pais, a entrada tardia no mercado de
trabalho ou a manuteno do tal esprito juvenil atravs da conservao das prticas e
dos estilos de vida, fomentam a ideia do alargamento psico-sociolgico desta fase de
vida.
No entanto, torna-se difcil fugir do termo jovem quando foi nestes moldes
que se construram as bases tericas para a anlise destes fenmenos. Desta forma, o
termo ter no presente caso de estudo mais sentido para definir as prticas, mas acabar
por ser pouco consistente para definir e analisar quem as pratica.
Assim, e apesar do presente trabalho se basear metodologicamente em estudos
definidos como sendo sobre youth cultures, sempre que possvel o conceito de cultura
juvenil no ser utilizado na definio das prticas culturais analisadas, j que para
interpretar os movimentos que se formam e que se movem na contemporaneidade,
muitas vezes consideradas prticas exclusivamente juvenis, este termo poder ser
teoricamente limitado. Neste sentido, o objectivo no passa por esquecer nem apagar o
termo, mas sim assumir que os rituais contemporneos abrangem indivduos das mais
diversas idades, tornando-se impossvel catalog-los simplesmente como elementos
identificadores da cultura juvenil ao limitar os participantes de um determinado
movimento a uma determinada faixa etria.
Um dos elementos que foi considerado fulcral no desenvolvimento do papel dos
jovens na sociedade foi o aparecimento de um mercado desenvolvido em torno dos seus
gostos e das suas prticas. Chatterton e Hollands salientam o aparecimento de um
mercado juvenil na dcada de 1930 nos Estados Unidos da Amrica resultado de uma
padronizao da classe mdia consumista tal como em Inglaterra, onde figuravam
elementos como as revistas, filmes e locais de diverso virados exclusivamente para os
jovens (2003: 71). Apesar do desenvolvimento de um mercado juvenil, a ideia de que os
jovens queriam consumir as mesmas coisas por partilharem os mesmos valores e ideais,
tornou a oferta reduzida, pouco diversificada e confinada a certos produtos.
A II Guerra Mundial surgiu, neste contexto, como um ponto de viragem na
sociedade de consumo em geral, e em especial dos jovens. O crescimento econmico do
ps-guerra que proporcionou novos empregos, produtos e servios e mais poder de
compra aos jovens (idem) fez com que o mercado de consumo nas dcadas de 1950 e
1960 se abrisse para novos produtos tais como os ligados moda e msica.
As alteraes sociais e econmicas, principalmente o aparecimento de um
mercado juvenil, ofereceram aos jovens uma maior exposio social e,
8
consequentemente, uma maior pertinncia nos estudos acadmicos que se basearam nos
consumos simblicos dos jovens como forma de expresso e identificao.
1.2. A Escola de Chicago - Sociologia Urbana e Desvio Comportamental
A Escola de Chicago e a Sociologia Urbana so consideradas fortes influncias
dos estudos sobre jovens e das suas prticas em grupo, partindo das questes do desvio
comportamental e da delinquncia em espaos urbanos. Com a implementao desta
corrente sociolgica na dcada de 1920 no Departamento de Sociologia da Universidade
de Chicago, juntamente com outros grupos sociais, os jovens ganharam espao de
inquirio acadmica.
Tendo em Chicago um exemplo de um espao urbano de mltiplas relaes
sociais, os elementos desta escola analisaram essas relaes, directas e indirectas, que
resultavam das experincias quotidianas e da ocupao de determinados espaos
urbanos por grupos especficos, atravs da utilizao do trabalho de campo etnogrfico.
Sendo a segunda maior cidade dos Estados Unidos da Amrica nesse perodo e, ao
mesmo tempo, um dos maiores destinos da imigrao proveniente da Europa (Gelder
2005: 19), Chicago tornou-se um espao privilegiado para a constituio e a anlise de
diferentes grupos e prticas sociais.
As diferenas culturais entre estes outsiders que chegavam cidade e a
populao local reflectiam-se nas prticas dirias e nas suas relaes com o meio em
que estavam inseridos. Partindo do pressuposto de que o desvio comportamental seria
uma resposta dos novos grupos s normas institudas (Bennett e Kahn-Harris, 2004: 3),
os socilogos de Chicago pretenderam contrariar a ideia imposta pela criminologia de
que a delinquncia seria resultado de uma personalidade criminosa (Bennett, 2000: 14),
analisando os comportamentos delinquentes como respostas de indivduos
marginalizados perante o sistema em que viviam.
Foi neste contexto que gangs, jovens, imigrantes ou sem-abrigo foram
abordados como minorias que criavam as suas prprias regras internas, no contra o
sistema, mas de forma a adaptarem-se s condicionantes que esse mesmo sistema lhes
impunha. A Escola de Chicago traou um modelo sociolgico da delinquncia juvenil
9
como alternativa explicao criminologista que predominava no estudo das prticas
juvenis (Bennett, 2000: 14).
Atravs da influncia de Robert E. Park, que via a cidade como uma rea
dividida em zonas distintas que atraiam pessoas que fossem cultural e socialmente
semelhantes, a cidade de Chicago passou a ser vista como um laboratrio privilegiado
para a investigao dos processos sociais (Park, 1927: 34). A abordagem de Park sugere
que a anlise das relaes sociais em ambientes urbanos pode dar-nos vrias respostas
sobre a condio humana e a sua vida em comunidade (idem).
Com Paul G. Cressey e o seu estudo sobre o ciclo de vida das taxi-dancers
(1932), mas acima de tudo William F. Whyte (Bennett 2000; Laughey 2006), o mtodo
etnogrfico da observao participante foi adoptado pelos socilogos de Chicago no
estudo dos grupos segregados pela sociedade urbana, como forma de compreender os
comportamentos delinquentes e a maneira como estes indivduos viam o mundo que os
rodeava.
Para Howard Becker (1963: 438), o desvio comportamental seria uma criao
social, por isso esse desvio teria que ser visto como uma forma de catalogao e de
estigmatizao por parte dos membros mais convencionais da comunidade, pois a sua
cultura e o seu modo de vida no se enquadravam nos padres desejados pelas
instituies associadas norma dominante.
Assim, foi atravs do estudo sobre as relaes sociais em contexto urbano e a
ocupao de espaos urbanos por grupos marginalizados que surgiram as primeiras
abordagens sobre as culturas juvenis. A noo de descriminalizao das prticas
subculturais e a remodelao da noo de delinquncia em desvio comportamental,
justificada pela realidade sociocultural em que os jovens estudados se encontravam,
acabaram por se tornar fontes de inspirao para a teoria da resistncia juvenil
apresentada anos mais tarde pela Escola de Birmingham. Os estudos baseados na teoria
do desvio comportamental tornaram-se numa referncia para os estudos que surgiram
aps a II Guerra Mundial e continuam a ser referenciados como a origem dos estudos
sobre jovens, pois antes disso as aluses directas a grupos e s prticas juvenis eram
raras, ou mesmo inexistentes.
10
1.3. O CCCS de Birmingham e a Teoria das Subculturas Juvenis
Apesar da pertinncia da Sociologia Urbana de Chicago na anlise de diferentes
grupos e das suas prticas em sociedade, foi apenas com o Center for Contemporary
Cultural Studies (CCCS) de Birmingham, na dcada de 1960, que se desenhou uma
teoria centrada nos consumos e nas prticas das subculturas juvenis. Foi o CCCS que
delineou uma base terica que pretendia legitimar a vida subcultural juvenil,
compreendendo-a como um comportamento social razovel e coerente, e no como um
sintoma de demncia ou iniquidade (Filho e Fernandes, 2006: 25).
Os estudos iniciados nos EUA influenciaram o aparecimento da anlise sobre os
grupos juvenis na academia britnica, quando estudiosos como Mays (1954), Patrick
(1973) ou Phil Cohen aplicaram o mtodo norte-americano em questes comunitrias e
locais da sociedade britnica, associando a questo da delinquncia juvenil a algo que
faria parte da tradio local (Bennett e Kahn-Harris, 2004: 4).
Alguns destes trabalhos, em particular o de Cohen, tornaram-se bastante
pertinentes no desenvolvimento da teoria subcultural britnica. Cohen desenvolveu o
seu trabalho em torno dos jovens da classe trabalhadora deslocados e realojados
juntamente com as suas famlias nos novos subrbios de Londres devido ao
desenvolvimento urbano do ps-guerra. Ao distinguir as subculturas da delinquncia,
seguindo a teoria das subculturas desviantes da Escola de Chicago, Cohen abordou a
emergncia das subculturas como um conflito geracional entre esses jovens e a cultura
parental. Segundo este investigador, tal conflito geracional transformou-se, no num
sistema de conflito directo entre jovens e pais, mas sim num sistema simblico que se
fazia representar em contextos colectivos fora do espao pessoal (Cohen, 1972: 89).
Para Cohen, as subculturas teriam a funo de expressar e de resolver as contradies
que continuavam ocultas ou por resolver na cultura parental (idem). Desta forma, a
delinquncia deveria ser vista como forma de comunicao, uma forma de expressar
esse conflito e de o resolver.
Estas subculturas estariam afiliadas ao crescente mercado de consumo, pois era
atravs desse consumo que se expressavam de forma diferente da cultura parental,
dando voz a um sentimento de desintegrao da comunidade e da classe. Para Gelder
(2005: 82), esta desintegrao seria combatida a partir do momento em que algum se
juntasse a uma subcultura, pois, ao associarem-se s pessoas da mesma classe,
mantinham o sentimento de comunidade e solidariedade.
11
Phil Cohen situou a origem das subculturas juvenis na estrutura de classes e na
cultura de classes, numa poca de grandes mudanas a nvel social, cultural e
econmico. O seu trabalho foi de tal forma influente para o CCCS que Hall e Jefferson
(1976: 5-6) assumem que foi a partir da reviso e da crtica ao seu trabalho que se
formou a base terica da obra que viria a marcar os estudos juvenis. Este mtodo veio
tratar as representaes juvenis como forma de delimitar as origens estruturais e
culturais das subculturas juvenis britnicas.
Fundado em 1964, o CCCS de Birmingham ofereceu ao mundo acadmico uma
nova forma de ver as subculturas e consequentemente uma nova metodologia para o seu
estudo. Afastando-se de alguns dos mtodos apresentados pela sociologia urbana da
Escola de Chicago, principalmente do trabalho emprico centrado na observao
participante e da sua ligao directa criminologia, o CCCS props-se analisar
ideologicamente os media, a cultura popular, a literatura e o everyday life, pois a
cultura seria sempre entendida como uma questo de conflito de classes (Gelder, 2005:
81).
Para o CCCS, o crescente consumo de certos bens por parte dos jovens da classe
trabalhadora representava uma forma de resistncia dos jovens contra o poder
hegemnico. O CCCS analisou a forma como os recursos apropriados pelos jovens
podiam caracterizar uma reaco colectiva s alteraes vividas no ps-guerra (Bennett
e Kahn-Haris, 2004: 5). Desta forma, aquilo que para a Escola de Chicago era entendido
como desvio comportamental passou a ser visto pela escola britnica como uma forma
de resistncia contra o poder, dando sentido e significado aos objectos utilizados pelos
jovens pertencentes classe trabalhadora.
Com as influncias de Antonio Gramsci (atravs do conceito de hegemonia), de
Louis Althusser (principalmente atravs do conceito de ideologia), e de Roland Barthes
(atravs da leitura dos signos como um sistema de significados que esto na base da
cultura) os estudos britnicos afastaram-se do trabalho emprico proposto pela Escola de
Chicago, optando por uma via de anlise mais centrada no texto e preferindo ler estes
signos distncia (Gelder 2005: 83).
No entender de Sanches (1999: 198-199), esta leitura inovadora do marxismo
permitia uma viso mais diferenciada e autnoma da cultura, sem se incorrer no risco de
um idealismo traidor e isento de funo crtica. Desta forma, ao moldar a perspectiva
marxista atravs de um interesse semiolgico, os estudiosos de Birmingham viram nos
12
jovens da classe trabalhadora um factor de resistncia de classe temporrio e simblico
(Wulff 1995: 3).
Com a edio de Resistance Through Rituals: Youth Subcultures in Post-War
Britain (Hall e Jefferson, 1976) o estudo sobre a resistncia de culturas juvenis atravs
da msica, do estilo e do lazer tornou-se uma realidade nos estudos acadmicos. Aps a
edio desta obra, as abordagens acadmicas sobre os movimentos juvenis tornaram-se
indissociveis da Escola de Birmingham e dos seus autores. Continuamente discutido,
aplaudido ou criticado, este texto, e a escola a ele associado, marcaram profundamente
os estudos sobre jovens nas diferentes cincias culturais e sociais, criando uma linha
terica e metodolgica que continua a influenciar o estudo das culturas juvenis.
Esta obra conferiu ao CCCS as bases metodolgicas para estudar os fenmenos
associados aos jovens da classe trabalhadora na realidade social inglesa no ps-guerra.
Alm de delinear o modelo de anlise que se tornou a bandeira da Escola de
Birmingham, esta obra tornou-se a grande fonte de inspirao para a maioria dos
trabalhos acadmicos sobre jovens que se lhe seguiram. igualmente atravs deste
texto fundador que os tericos de Birmingham apresentam a teoria subcultural como
soluo para estudar estes fenmenos, apontando a questo de classes e a resistncia
contra o poder institudo como principais factores para o aparecimento das subculturas
juvenis em Inglaterra.
Ao considerar os jovens o grupo social mais emergente do perodo ps-guerra,
esta obra props-se explicar a representatividade e as motivaes que estiveram na
formao das subculturas juvenis enquanto manifestaes de mudana social. Acima de
tudo, os jovens tinham um papel importante na compreenso, interpretao e explicao
do perodo social e poltico que se vivia em Inglaterra, j que, segundo Caputo (1995:
21), os jovens estavam ligados a uma noo de resistncia em resposta s condies de
opresso social que experienciavam ao longo das suas vidas.
Na primeira teoria apresentada em Resistance4
4 Abreviatura do ttulo Resistance Through Rituals: Youth Subcultures in Post-War Britain
, clarifica-se a utilizao do termo
Youth Culture. Aqui a palavra cultura serve para referir o nvel em que grupos sociais
desenvolvem parmetros de vida e do uma forma expressiva sua experincia de vida
social e material. Consideraram que a cultura a forma como os grupos lidam
materialmente com a sua existncia e , no fundo, a prtica que d significado vida em
grupo (Clarke et al., 1976: 10).
13
Em Resistance, os tericos britnicos tiveram por objectivo reclassificar o termo
de cultura juvenil, atendendo aos diferentes tipos de subculturas, a relao destes grupos
com a cultura de classes e a forma como a cultura hegemnica se manteve estrutural e
historicamente (Hall e Jefferson 1976: 5). A partir desta nova classificao, o objectivo
passou por explicar tanto a aco social como a reaco social, de forma estrutural e
histrica, de modo a abranger vrios nveis de anlise que abordassem as diferentes
relaes das actividades juvenis com o poder, as classes, a ideologia e a hegemonia
(ibid., 6).
Foram estes grupos relativamente definidos, quando distinguidos por idade e por
gerao, que os estudiosos de Birmingham chamaram de youth sub-cultures (Clarke
et al., 1976: 14). Estas subculturas surgiam em determinados momentos histricos,
tornando-se visveis e ganhando ateno pblica, at ao momento em que desapareciam
ou se tornavam to difundidas que perdiam a essncia original e autntica que as
distinguiam da cultura dominante.
Os estudiosos de Birmingham, ao associarem os movimentos juvenis questo
de classes sociais e entendendo estes movimentos como um sinal de protesto contra a
situao precria das classes trabalhadoras, transformaram os estudos subculturais de
questes meramente comunitrias e locais em macro perspectivas de classe (Bennett e
Kahn-Haris, 2004: 4-5) atravs da abordagem estruturalista proveniente da Escola de
Frankfurt.
Inspirada pela linha terica de Phil Cohen e pela teoria marxista das classes
sociais, a investigao do CCCS assentou igualmente no conceito de hegemonia de
Antonio Gramsci. Ao analisar as subculturas como uma das formas da classe
trabalhadora lutar contra a realidade social e econmica (Bennett, 2000: 19), o centro de
estudos britnico idealizou e romantizou uma relao de oposio entre a classe
dominante e a classe trabalhadora. Classificadas a partir das suas origens estruturais, as
subculturas assumiam a sua posio de classe em oposio ao poder hegemnico,
distinguindo-se, simultaneamente, da sua cultura parental.
Segundo John Clarke et al. (1976: 13-14), as subculturas juvenis serviam-se de
actividades, de valores, da ocupao de espaos e da utilizao de certos artefactos para
se exibirem de forma suficientemente distinta da sua cultura parental. Todavia, no
entender dos autores, estes jovens no queriam esquecer ou apagar as suas
provenincias, pois, as subculturas juvenis subsistiam numa dupla articulao: com a
cultura parental e em simultneo com a cultura dominante (ibid., 15). Assim, as
14
subculturas implicavam um nvel de anlise duplo: por um lado na sua relao com a
hegemonia numa luta entre a classe trabalhadora e as classes dominantes e por outro
na relao entre os jovens e a cultura parental a que pertenciam. Era atravs desta dupla
relao que estas subculturas subsistiam dentro da cultura de classe onde se formaram
(ibid., 14-15).
Os smbolos e as prticas serviam para que estes grupos se afastassem da cultura
hegemnica, quebrando regras morais institudas na sociedade britnica do ps-guerra.
Desta forma, era atravs destes smbolos e destas prticas que as questes da juventude
assumiam uma forma palpvel e perceptvel (ibid., 16).
Adaptando a teoria de Gramsci a uma ideia de resistncia juvenil, os estudiosos
de Birmingham entenderam as subculturas como fenmenos que desafiavam a
hegemonia. Para Clarke et al., este desafio assumia a forma de uma luta de classes pela
distribuio do poder cultural (1976: 12). Assim, as subculturas juvenis centradas na
msica, no estilo e no lazer, representavam sub-ideologias que, para existirem e se
manterem vivas, lutavam contra o poder institudo, enquanto a cultura dominante
identificava e controlava todas as outras culturas, mantendo-as sob o seu domnio.
Em Resistance considera-se que a hegemonia trabalha atravs da ideologia ao
inserir as classes subordinadas nas instituies e nas estruturas que suportam o poder e a
autoridade social da ordem dominante, pois, como demonstram os autores desta obra,
nestas estruturas e nestas relaes que as classes subordinadas vivem a sua subordinao
(Clarke et. al., 1976: 39). O trabalho terico dos estudiosos de Birmingham veiculou
ainda a ideia de que nem todas as culturas subordinadas tm necessariamente que estar
sempre a lutar contra o poder hegemnico, pois, muitas vezes estas culturas adaptam-se
por determinados espaos de tempo s regras institudas.
No entender de Clarke et al. (1976: 25), o sistema capitalista mostrou-nos que a
pobreza era um dos seus factores estruturais atravs da redistribuio desigual da
riqueza, o que beneficiou em grande medida a classe mdia, e consequentemente, o
domnio sobre a estruturao social e cultural da sociedade. As subculturas seriam ento
a resposta dos jovens da classe trabalhadora, mais pobre e a mais vulnervel perante as
desigualdades estruturais, contra a situao precria em que vivia a sua cultura parental.
Para estes autores, a hegemonia garante que nas relaes sociais entre classes,
aqui representada na relao das subculturas (classe trabalhadora) com a cultura
dominante (classe mdia), cada um reproduza o seu papel na forma de dominado ou
subordinado, pois o conflito de classe nunca desaparece (ibid., 41). Assim, a partir da
15
posio que ocupam, enquanto fenmenos pertencentes classe subordinada, que as
subculturas da classe trabalhadora ganham forma e se relacionam a nvel social e
cultural com a hegemonia (ibid., 45).
Pode-se concluir que na interseco entre a cultura parental e as instituies
mediadas pela cultura dominante (escola, empregos em part-time, e lazer) que as
subculturas surgem (ibid., 53). A resistncia juvenil funciona como uma imitao da
relao de subordinao/luta da sua cultura parental perante a cultura dominante,
transformando e aplicando esta relao s suas prprias experincias. Assim, para
Clarke et al., as subculturas da classe trabalhadora so uma resposta s problemticas
que os jovens partilham com outros membros da classe parental (ibid., 48).
O carcter da relao entre a hegemonia e as subculturas tornou-se numa das
etiquetas mais significativas da proposta do CCCS de Birmingham para designar a
ruptura com os valores, os ideais e os modelos de vida idealizados pela classe
dominante, e s esta mesma relao onde a resistncia dos subordinados perante
quem domina justifica a tese estrutural em que assenta a base metodolgica dos
investigadores britnicos. Segundo a tese veiculada pelo CCCS, s a resistncia de
classe poderia justificar a existncia da hegemonia, uma posio que comprometeu a
aplicao do mtodo noutras realidades que no a experienciada pelos jovens da classe
trabalhadora britnica.
A ideia de um consumo comum, ideais comuns e de situaes sociais comuns
(precariedade, desemprego, desigualdades sociais) dos indivduos pertencentes s
subculturas inglesas criou uma sensao de padronizao dos gostos e das prticas
juvenis que tem vindo a ser cada vez mais criticada por ser empiricamente difcil de
provar. Para o CCCS s faz sentido falar em subculturas da classe trabalhadora a partir
dum modelo de estudo estrutural, onde o dominado resiste perante o dominante at ao
momento em que absorvido pela estrutura em que se insere. Essa absoro ento
feita atravs da comercializao das culturas marginais, elegendo o mercado e os mass
media como reguladores das regras e dos ideais sociais propostos pela cultura
dominante.
16
1.3.1. O Estilo
O estilo foi o elemento de consumo dos jovens que mais chamou a ateno aos
investigadores britnicos, e seria definido como a principal caracterstica das
subculturas, visto que marcava de forma mais distinta a resistncia e a autenticidade das
subculturas juvenis. Clarke (1976: 175-6) considerava que era sobretudo na esfera do
lazer que os estilos subculturais se tornavam mais visveis. Este lazer funcionava como
uma rea de relativa liberdade onde o estilo representava formas de expresso da
experincia de classe.
Para abordar o estilo como elemento distintivo das subculturas, a obra central do
CCCS de Birmingham apresenta um captulo exclusivo (Theory II) para lanar e
justificar a base terica sobre a questo do estilo em que se deveriam apoiar os estudos
das subculturas juvenis. Centrando a sua abordagem do momento da criao estilstica,
John Clarke (1976: 177) resgata o conceito de bricolage do antroplogo francs Claude
Levi-Strauss que via na reordenao e nova contextualizao de objectos uma forma de
comunicar novos significados, onde objecto e significado funcionariam juntos como
uma forma caracterstica de discurso.
Para Clarke, aplicada s formas de expresso estilstica dos jovens pertencentes
s subculturas, a transformao teria que ser entendida atravs do seu significado
alternativo gerado pela experincia e pela conscincia dum grupo social dominado
(ibid., 178). Estes elementos, existentes no mercado de consumo, seriam transformados,
adquirindo novos significados que exprimiam o conflito de classes.
O estilo garantia ao grupo uma identidade prpria que o distinguia dos outros,
atravs da variao de objectos, diferentes materiais e condies culturais sob as quais
cada um seria gerado (ibid., 180). Segundo Clarke (ibid., 182), os diferentes estilos no
funcionavam apenas como forma de criar uma imagem ou identidade prpria, mas
tambm como forma de definir as fronteiras de cada grupo tanto para os seus membros
como para aqueles que no pertenciam a esse mesmo grupo, permitindo a sua
continuidade.
O CCCS viu no estilo um espao onde uma homologia juntava diferentes
artefactos, como a msica, os penteados ou os espaos de lazer, que serviam como
forma de simbolizar determinados valores subculturais (Bennett 2000: 78). O CCCS d
importncia a esta relao homloga em torno do estilo pois esta clarifica a relao
entre a estrutura e o contedo de um artefato ou estilo visual adotado pela subcultura e
17
sua estrutura grupal, sua auto-imagem coletiva, suas inquietaes essenciais e suas
atitudes (Filho, 2007: 34).
Outra contribuio marcante do departamento de estudos culturais de
Birmingham para o quadro terico que predominou os estudos das subculturas juvenis
foi de Dick Hebdige, com a sua obra Subculture: The Meaning of Style de 1979. Nesta
obra, Hebdige aborda a subcultura punk formada pelos jovens da classe trabalhadora
inglesa como forma de teorizar a emergncia, a luta contra a norma instituda e, mais
tarde, a sua absoro pela cultura hegemnica.
As subculturas espectaculares, na sua origem, funcionavam para Hebdige
(1979b: 121) atravs de um mecanismo de desordem semntica, representada atravs do
estilo. Esta desordem seria exposta atravs de contedos proibidos e de forma proibida.
A utilizao de cdigos, que marcavam uma quebra das regras institudas, serviria como
forma de combater a cultura mainstream.
Hebdige analisa o estilo atravs dos estudos de Roland Barthes, para quem a
semitica permite ler e entender os estilos como desafiadores da ordem simblica. O
poder do estilo surgia atravs das diferentes formas em que os signos eram utilizados e
recolocados em contextos semiticos diferentes do original.
Para Hebdige o mainstream funcionava como uma forma de restabelecimento do
desvio protagonizado pelos estilos subculturais, baseando-se num processo de
recuperao atravs do regresso da ordem e da incorporao das subculturas dentro da
cultura dominante. Esta recuperao, baseada na comercializao das subculturas e na
criao de uma catalogao que inserisse as prticas destes jovens dentro da cultura
dominante, assentava em dois pontos: converso dos signos subculturais em produtos
produzidos em massa - The commodity form; e a catalogao e redefinio da
experincia desviante pelos grupos dominantes The ideological form (Hebdige,
1979b: 122).
Com a aproximao ao mainstream os estilos subculturais ficavam
comprometidos pela sua incorporao na indstria da moda e na esfera comercial e
mediatizada, decretando a sua morte. Deste modo, a inovao, atravs de signos j
existentes, representaria o esprito das subculturas, diferente da imitao que reflectia a
massificao dos elementos culturais utilizados por certas subculturas, consequncia da
sua chegada ao mainstream.
Hebdige tambm aplicou o conceito antropolgico de bricolage a fim de
explicar a auto-construo dos estilos pelas subculturas, comparando mesmo as prticas
18
estilsticas das subculturas a uma criao artstica dos movimentos Dada ou do
surrealismo. A referncia de Hebdige a estes movimentos artsticos deve-se ao facto das
subculturas espectaculares utilizarem objectos que existem na cultura mais abrangente,
retirando esses mesmos objectos do seu contexto e dando-lhe novos significados.
Roupas rasgadas, penteados em crista e tatuagens entre elas a cruz sustica, que
Hebdige justifica como forma de provocao e no de qualquer tipo de racismo seriam
alguns dos elementos estilsticos a que o movimento punk recorria para marcar a sua
resistncia, uma forma de anti-arte atravs da provocao.
Para os autores associados ao CCCS, o estilo representou a caracterstica mais
expressiva assumida pelas subculturas juvenis britnicas no perodo posterior II
Guerra Mundial. A partir da utilizao de elementos produzidos pelo crescente mercado
juvenil, adaptados de maneira a criarem uma identificao colectiva nica que daria
expresso autenticidade das subculturas, os jovens da classe trabalhadora criaram um
espao de debate sobre as desigualdades sociais vividas em Inglaterra.
Devido espectacularidade dos signos juvenis, os media catalogavam as
subculturas consoante os interesses do poder dominante, atravs de esteretipos
negativos que denegriam determinado estilo ou, em contrapartida, integrando-o na
esfera comercial do mercado. A adopo dos estilos subculturais pelo mercado e a sua
entrada no mainstream marcavam o fim dos pressupostos ideolgicos que estavam na
base da formao das subculturas. Estes estilos s poderiam ser considerados
subculturais enquanto mantivessem a sua autenticidade, e essa autenticidade s seria
mantida enquanto as prticas destes jovens no fossem retiradas do seu contexto
original.
A metodologia aplicada pelo CCCS de Birmingham possibilitou uma nova viso
sobre os movimentos juvenis e a sua importncia na sociedade, e ainda sobre a relao
dos jovens com o mercado de consumo. Este mtodo possibilitou ainda a percepo de
que os estudos sobre este tipo de movimentos esto teoricamente limitados ao tempo
poltico e social em que surgem, pois a evoluo da sociedade contempornea no
permite uma fixao terica a movimentos que surgem em diferentes locais por
diferentes razes.
Desde que o CCCS se interessou seriamente pelos aspectos espectaculares dos
jovens muitas tm sido as propostas que se seguiram, por vezes contrariando o trilho
delineado pelos pensadores de Birmingham. A proposta subcultural pode ter cado em
desuso muito por culpa da banalizao do termo, principalmente nos media, mas a sua
19
proposta de analisar o papel dos jovens na sociedade, seja a nvel econmico, social ou
cultural, continua presente nos estudos contemporneos sobre as prticas juvenis.
1.4. Propostas Ps-Subculturais Crticas e Novos Modelos de Anlise
A influncia dos estudiosos de Birmingham perdurou na academia durante as
dcadas de 1970 e 1980, comeando a ser criticada e reformulada na ltima dcada do
sculo XX. As chamadas teorias ps-subculturais, que surgiram no incio da dcada de
1990 atravs de autores como Steve Redhead, Sarah Thornton, Andy Bennett ou David
Muggleton, vieram colocar em causa a supremacia e a pertinncia acadmica da teoria
subcultural de Birmingham.
Muitos dos autores considerados ps-subculturais criticaram a base da teoria
subcultural e a sua inadequao na anlise de outras realidades que no as vividas na
Inglaterra na dcada de 1970. Entre as crticas de Thornton ao facto do CCCS querer
ignorar uma bvia relao entre os movimentos juvenis e os media, e o conceito de
neo-tribo de Bennett, onde a flutuabilidade inerente aos gostos juvenis contraria a
fixidez e a rigidez da teoria subcultural britnica, muitas so as propostas que se
seguiram ao boom acadmico que resultou da importncia dada pelo CCCS ao
segmento juvenil.
A crtica ao modelo subcultural tornou-se cada vez mais comum devido
abordagem demasiado localizada, no espao e no tempo, numa Inglaterra ainda a sofrer
socialmente as consequncias da II Guerra Mundial. A centralizao dos estudos na
questo de classes, a fixidez de objectos e de prticas e ainda da negao da relao
directa entre os movimentos juvenis e o crescente mercado dirigido especialmente aos
jovens, so outras questes apontadas na crtica ao modelo do CCCS.
As teorias ps-subculturais reconstruram a teoria centrada nas prticas e nos
consumos juvenis, afastando-se do mtodo utilizado pelo centro de estudos de
Birmingham, onde as subculturas seriam lidas como textos. Estes mtodos ps-
Birmingham apostaram antes no trabalho de campo e em entrevistas qualitativas (Filho
2007: 37). No entender de Filho, os grupos juvenis passaram a ser analisados a partir de
uma lgica de pertencimento superficial, transitria, dispersa, associada a apenas uma
frao da identidade individual e informada () por afinidades culturais eletivas
compartilhadas (idem).
20
A autenticidade das subculturas defendida pela corrente britnica dos estudos
culturais perde-se num mundo cada vez mais globalizado e verstil quando falamos de
consumos e prticas da vida quotidiana dos jovens. Os movimentos baseados nos gostos
individuais de cada um passam a assumir maior pertinncia em detrimento das
identidades colectivas rgidas, possibilitando o relacionamento num mesmo espao de
grupos que seriam considerados opostos.
Para alm da pouca flexibilidade de anlise apontada ao mtodo de Birmingham,
tambm foram alvos das crticas dos autores ps-subculturais a reduzida importncia
dada ao papel do gnero feminino e ao impacto que a etnicidade tinha nas subculturas
brancas. Estas negligncias tornaram o modelo subcultural frgil quando aplicado
noutros contextos que no aqueles analisados pelos pensadores de Birmingham.
Na opinio de Widdicombe e Wooffitt, o CCCS negligenciou as subculturas
no-brancas e os membros femininos de subculturas consideradas tradicionalmente
masculinas, como os punks, os mods ou os teddy boys (1995: 18-19). Estes autores
sugerem ainda alguns problemas tericos relacionados com a questo do estilo, pois a
teoria subcultural assume que o estilo manifestava automaticamente uma forma de
resistncia contra as diferenas sociais e isso dificilmente se justifica a partir do
momento em que esses smbolos so criados e rentabilizados pelo mercado capitalista
(1995: 25).
Bennett e Kahn-Harris (2004) apontam a excluso das mulheres, a relao do
consumo com a noo de resistncia da classe trabalhadora, o desprezar do papel dos
media na criao das subculturas, a limitao da definio de juventude e ainda o facto
da teoria subcultural se basear num conceito britnico, como alguns dos principais
aspectos para a inadequao do termo subcultura para classificar movimentos juvenis
relacionados com a msica e com o estilo.
Estes autores do ainda nfase crtica sobre a opo dos tericos de
Birmingham analisarem uma relao de resistncia da classe trabalhadora atravs da
evoluo do consumo no ps-guerra. Lanada por Muggleton, esta crtica assenta acima
de tudo na noo de que os membros das subculturas pertenceriam exclusivamente
classe trabalhadora, factor que considerado meramente uma conjectura terica e no
um facto provado (Bennett e Kahn-Harris, 2004: 7). Assim, ao classificar as subculturas
com papis estruturais, o CCCS nunca colocou a hiptese de estes jovens utilizarem
estes smbolos e estas prticas como mera forma de divertimento (ibid., 8).
21
Bennett no artigo Subcultures or Neo-Tribes? (1999: 599-617) considera que
o conceito de subcultura no serve enquanto ferramenta analtica nos estudos sobre os
movimentos juvenis centrados na msica, no estilo e no lazer. Bennett critica ainda o
destaque dado aos elementos de consumo, como a msica e os elementos estilsticos, e a
sua articulao com uma forma de resistncia da classe trabalhadora. Para Bennett no
faz sentido cruzar consumo com luta de classes ou seguir um ideal de que os
movimentos juvenis seriam fragmentos da sociedade associados a essas mesmas classes
sociais, pois alm da teoria subcultural ser utilizada de forma contraditria e pouco
coerente quando relacionada com jovens, msica e estilo, torna-se demasiado difcil de
compreender em termos empricos (1999: 605).
Bennett no contesta a ideia da Escola de Birmingham de que foram os jovens
da classe trabalhadora os primeiros impulsionadores dos movimentos centrados na
msica, no estilo e no lazer, dado que foi o primeiro grupo social no ps-guerra com um
mercado prprio e diferenciado (ibid., 602). No entanto, ope-se ideia de que o
consumo de elementos estilsticos fosse uniformemente utilizado pelos jovens da classe
trabalhadora como uma forma de colocar em causa as mudanas estruturais que
ocorriam na sociedade britnica, simbolizando um factor de resistncia, como defende a
teoria subcultural. Para Bennett faria mais sentido afirmar que o crescente consumismo
no ps-guerra ofereceu aos jovens uma forma de se diferenciarem e afastarem das suas
identidades de classe, facilitando a criao de novas identidades baseadas nos artefactos
que consumiam.
Juntamente com alguns destes problemas identificados na teoria subcultural, os
autores ps-subculturais justificaram a inadequao da teoria subcultural devido
constante fragmentao dos estilos juvenis desde a dcada de 1980 (Bennett e Kahn-
Harris 2004: 11). Este movimento acadmico que se seguiu longa influncia de
Birmingham argumenta que as divises subculturais que se centraram na relao entre
estilo, msica e identidade no esto to articuladas em questes estruturais, tnicas ou
de gnero como se pretendia (idem).
Por sua vez, a crtica de Sarah Thornton assenta no afastamento do modelo
subcultural do trabalho de campo, que esta autora considera fundamental, e na excluso
dos media e da questo do mercado na definio de culturas autnticas por parte do
CCCS (1995: 8-9). Para esta autora, as subculturas autnticas de Birmingham no
seriam mais que meras construes dos media, pois era atravs das imagens criadas
22
pelos media que os jovens se situavam relativamente ao resto da sociedade (Bennett
2000: 24).
No entender de Dan Laughey, a abordagem estruturalista da escola subcultural
britnica falhou por tentar retratar todos os grupos subculturais da mesma forma,
baseando-se na ideia de classes e do conflito geracional, romantizando uma guerrilha
entre as subculturas e o poder hegemnico. Para este autor, o mtodo do CCCS falhou
ainda por utilizar o conceito de homologia para classificar os estilos utilizados pelas
subculturas, considerando-a inconveniente. Laughey considera que os estilos
subculturais seriam tudo menos homlogos, pois pelo contrrio, muitos deles seriam
contra a homologia, e s assim conseguiram ganhar expresso (2006: 23-27).
Pode-se concluir que o mtodo desenhado em Birmingham na dcada de 1970
tem sido criticado por conter falhas tericas, metodolgicas e empricas, que no
entender das novas correntes impossibilitam a sua utilizao na anlise das prticas
multiculturais, multitnicas e multigeracionais da realidade contempornea.
A msica, os estilos ou as prticas colectivas so cada vez mais divulgados
atravs dos media tradicionais, assim como dos novos media, perdendo cada vez mais o
seu sentido de autenticidade e baseando-se na particularidade dos gostos individuais,
mesmo que estes continuem a ser influenciados pela massificao da informao
recebida diariamente. Classificar estruturalmente os gostos individuais torna-se uma
tarefa rdua, se no impossvel, pois na realidade contempornea, onde as trocas
culturais acontecem a um ritmo vertiginoso, muitas das barreiras sociais e culturais tm
vindo a ser derrubadas pela facilidade na troca de conhecimentos e experincias.
Com o aparecimento de novas manifestaes culturais nas sociedades
contemporneas e de movimentos juvenis que se expressam atravs do consumo de
determinados bens, tambm a vontade acadmica de analisar a representatividade social
destes fenmenos ganhou uma nova dimenso.
Entre algumas dessas novas abordagenss ps-subculturais, Joo Freire Filho
salienta as influncias de Pierre Bourdieu e a sua sociologia do gosto, de Max Weber a
partir da descrio da clivagem da sociedade em grupos de status, de Judith Butler com
o nfase dado ao carcter fendido, contraditrio e cambivel das identidades, ou ainda
do conceito de tribu de Michel Maffesoli (Filho, 2007: 37).
O modelo de Bourdieu, onde os gostos individuais estariam directamente
associados questo das classes sociais, foi importante para que se comeasse a pensar
seriamente na particularidade e na escolha dos gostos de cada um. Tambm o conceito
23
de tribu de Maffesoli teve uma enorme influncia nos estudos juvenis contemporneos,
j que ofereceu a autores como Andy Bennett a imagem de grupos urbanos flexveis e
temporais numa sociedade cada vez menos dividida de forma estrutural.
Influenciados por alguns dos modelos ps-modernistas de anlise cultural e
social, club cultures, neo-tribos, cenas e estilos de vida tornaram-se faces visveis das
novas propostas para o estudo das particularidades juvenis nas sociedades
contemporneas. As tentativas de enquadramento terico sobre as prticas quotidianas
influenciadas pela globalizao e rpida troca de informao, garantiram um
afastamento da rigidez estrutural da viso marxista do consumo cultural. As tradicionais
divises entre alta e baixa cultura desgastaram-se na anlise distante e na falta de
proviso emprica sobre fenmenos que dificilmente se enquadram numa ideia de luta
hegemnica entre o poder e a classe trabalhadora.
O consumo e a produo assumem especial pertinncia nos movimentos
contemporneos e nos modelos tericos para o seu estudo. Objectos, sons e estilos que
marcam os gostos individuais de cada um no podem ser vistos como marcos da origem
e do passado social de quem os consome. Fundamental para o entendimento das
culturas juvenis contemporneas, o consumo simblico e hbrido impossibilita a anlise
destas culturas atravs de questes como a classe, o gnero ou a etnia, onde uma forma
mais individualizada e privada do consumo supera a ideia de consumo colectivo e
padronizado (Chatterton e Hollands 2003: 73).
A capitalizao dos smbolos juvenis assume uma cada vez maior
preponderncia na formao e divulgao dos movimentos juvenis. A mercantilizao
dos objectos consumidos pelos jovens que identificam os seus gostos musicais ou
estilsticos est massificada num mercado exclusivamente para os jovens. Na opinio de
Steve Redhead (1993: 1), isso j aconteceria na dcada de 1980, considerando que a
cultura juvenil se tornara uma indstria por si s, o que comeou a levantar dvidas
sobre a autenticidade das questes juvenis que assentavam numa questo de revolta.
Para este autor, a catalogao das prticas juvenis passou a representar apenas uma
forma de marketing sobre os produtos e sobre as formas de lazer associados aos jovens.
Para alm da implementao do mercado juvenil, necessrio ter em conta a
evoluo dos meios tecnolgicos que permitem que as trocas culturais se tornem cada
vez mais rpidas e simplificadas. Esta troca de informao beneficiou a globalizao da
cultura, influenciando o aparecimento de novas formas de sociabilizao juvenil em
diferentes locais, praticamente ao mesmo tempo. Diferentes grupos passaram a ter
24
contacto entre si de diferentes formas, em concertos e festivais, em discotecas ou raves,
ou interagindo no mundo virtual da Internet onde se partilham ideais e novas formas de
produzir e consumir a cultura, criando grupos que no se baseiam numa qualquer
resistncia de classes.
A proposta de grande parte das teorias ps-subculturais resgata a ideia do
trabalho de campo etnogrfico, considerando que a flutuabilidade dos gostos juvenis
necessita ser observada in loco, fundamental para eliminar falsas e precipitadas
concluses de esteretipos juvenis pr-definidos. No entender de Amit-Talai (1995:
224), o carcter fluido e hbrido dos gostos juvenis tem que ser salientado quando se
estudam culturas contemporneas, pois no permite catalog-los como culturas
autnticas ou limitadas a espaos e a tempos especficos.
Segundo estas novas abordagens, sejam elas consideradas ps-subculturais ou
no, no possvel aplicar a teoria subcultural de Birmingham s prticas dos jovens
contemporneos que centram as suas escolhas estticas, estilsticas ou de lazer nos seus
gostos individuais, hbridos e temporais. A autenticidade torna-se difcil de explicar a
partir de elementos produzidos pelo mercado e que podem estar a ser consumidos por
diferentes indivduos, social e culturalmente diferentes, ao mesmo tempo em diferentes
locais.
1.4.1. Club Cultures e as Culturas de Gosto
O crescimento da popularidade do cenrio festivo na dcada de 1990 em torno
da msica electrnica de dana, particularmente em Inglaterra com o house e o techno, e
o aparecimento de um sem nmero de outros subgneros, estiveram na origem do termo
sociolgico club cultures (Bennett, 2001: 124-125). Os autores que se centraram neste
modelo terico viram nas diferenas estilsticas que compunham o cenrio das
discotecas britnicas um claro sinal que marcava o fim da tradio subcultural delineada
no ps-guerra (ibid., 125).
Chatterton e Hollands (2003: 74-75) consideram que o primeiro paradigma
alternativo ao CCCS de Birmingham foi o de Steve Redhead, com a sua proposta
centrada nas club cultures. Seguindo a ideia deste autor, com as club cultures no faria
sentido falar em classes, pois estas culturas teriam que ser vistas como estruturas soltas
de qualquer sistema. As club cultures seriam fundadas nas estruturas mediticas e
25
comerciais da msica de dana contempornea, onde a busca do prazer individual seria
mais pertinente do que qualquer ideia romantizada da luta de classes.
Steve Redhead abordou o movimento das raves britnicas onde identificou uma
clara aproximao entre diferentes culturas juvenis marcadas pelo estilo, as quais
partida seriam consideradas opostas. Este autor aproveitou o seu estudo para propor
uma nova forma de abordar os movimentos juvenis centrados nas questes da msica,
do estilo e do lazer.
Segundo Bennett e Kahn-Harris (2004: 11) o que originou as club cultures de
Redhead foram os efeitos da ps-industrializao e o aumento do tempo livre dos
jovens. Estas mudanas vieram eliminar as divises estruturais como as classes, a raa e
o gnero medida que os diferentes participantes das festas comearam a experienci-
las de forma colectiva. As discotecas e as festas em espaos abertos ou armazns
abandonados tornaram-se locais onde se misturavam os mais diversos e variados estilos
subculturais, quebrando a ideia de que diferentes grupos estilsticos ocupariam
obrigatoriamente espaos, gostos e formas de lazer diferentes.
Outra abordagem que viu nas culturas club uma forma de contrariar o modelo
subcultural foi a de Sarah Thornton. Thornton destacou-se por lanar o conceito de
capital subcultural na sua obra Club Cultures: Music, Media and Subcultural Capital
(1995), baseando-se no conceito de capital cultural de Pierre Bourdieu. Para esta autora
os gostos culturais funcionariam como forma de hierarquizar tambm o social.
Quando Pierre Bourdieu utilizou a noo de habitus e um modelo de anlise
sociolgico baseado no gosto, criou um sistema de classificao cultural onde o gosto
estaria intimamente ligado com a estruturao social. Este sistema de classificao
permitia explorar o conhecimento acumulado ao longo da vida, delineando o estatuto
social de cada um (Thornton, 1995: 10). Capital cultural seria ento um sistema de
distino a partir do qual as hierarquias culturais correspondiam s hierarquias sociais,
onde o gosto seria predominantemente uma questo de classe (idem).
Thornton defende que a definio de Bourdieu, apesar de estar ligada ideia de
classes, se afasta das formas rgidas de estrutura social, por isso, seria uma boa sugesto
terica para criar um mtodo interno de anlise dentro das prprias subculturas. Ao criar
a noo de capital subcultural, Thornton visou desmitificar a ideia de que a utilizao
dos estilos podia funcionar como uma forma de hierarquizao social. As hierarquias
que a autora encontrou durante o seu estudo seriam internas, uma questo de gosto,
onde o consumo cultural por parte dos membros das subculturas actuava em prol do seu
26
estatuto interno e de forma a se diferenciarem de outros grupos. Segundo Thornton, o
capital subcultural que confere estatuto ao seu proprietrio perante os seus pares,
podendo este ser personificado sob a forma de cortes de cabelo, de coleces de discos
ou estando ao corrente da linguagem e das formas de expresso dentro de um
determinado movimento (ibid., 11-12).
Desta forma, o capital subcultural proposto por Thornton acaba por se revelar na
forma como os objectos so utilizados e no pela utilizao dos objectos em si, e assim,
a utilizao de determinados objectos pode no ser uma representao directa das
divises estruturais da sociedade. A utilizao destes objectos pode ser uma mera
questo de gosto, assim como uma forma de identificao no momento das reunies
colectivas. O estatuto dentro duma subcultura ento definido pela hipness (estar na
moda e estar ao corrente das ltimas novidades), ou seja, definido a partir da maneira
como se utilizam os objectos subculturais e como se participam nos rituais celebrativos.
Thornton prev as crticas ao seu modelo e tenta afastar a ideia de que, apesar
dos elementos consumidos pelos jovens se converterem em capital econmico, o capital
subcultural no est relacionado com a questo de classes, pois considera que as
questes de classes so ofuscadas pelas distines subculturais (1995: 12). O capital
subcultural permite o afastamento dos jovens da questo das classes dos pais, pois o
imaginrio da no existncia de classes est inerente s distines subculturais. Para
Thornton, o capital subcultural representa uma alternativa hierrquica no qual a idade, o
gnero, a sexualidade e a etnia so utilizados para manter os determinismos de classe
afastados (ibid., 105).
O conceito de capital subcultural elaborado por Thornton define a hierarquia de
uma subcultura, uma hierarquia interna livre dos factores estruturais da sociedade. Essa
hierarquia definida atravs da forma como os elementos que compem a cultura so
utilizados, como o estilo, o penteado, ou a forma de danar, assim como da participao
nos rituais de fim-de-semana, onde o dia-a-dia esquecido em prol do prazer individual
em espaos colectivos.
A abordagem de Thornton ficou ainda marcada, e provavelmente esta foi a sua
maior contribuio, pela ligao entre subculturas juvenis e media. Thornton identificou
trs diferentes tipos de media directamente relacionados com as club cultures, assim
como as suas diferentes utilizaes e significados. Atravs da diviso entre micro, niche
e mass media, a autora assume que um mesmo fenmeno pode ter diferentes relaes
com os diferentes tipos de media, e que a sua utilizao, de forma positiva ou negativa,
27
evidente. Alis, Thornton considera que sem a interveno dos mass media,
dificilmente teria existido um movimento juvenil britnico (ibid., 132).
A relao afirmativa entre media e as subculturas demonstrada atravs da
utilizao dos micro-media, como os flyers para anunciar as festas, as rdios piratas, as
fanzines produzidas por seguidores de um determinado gnero musical ou forma de
vestir, as mailing lists ou os sites na Internet (1995: 137). Assim, no faz sentido, nem
possvel, negar a estreita relao entre os agentes mediticos e as prticas e consumos
juvenis, pois a autenticidade de um determinado movimento nunca poder estar
directamente dependente desta relao.
A proposta de Sarah Thornton veio contrariar a ideia imposta na grande maioria
dos estudos juvenis, acima de tudo aqueles que seguem a linha terica do CCCS, onde
as subculturas e os agentes mediticos vivem geralmente em oposio, provando que
para analisar esta relao entre jovens e media no basta analisar as manchetes dos
jornais ou as notcias televisionadas. Para esta autora, necessrio entender como os
indivduos pertencentes a estes grupos se relacionam e utilizam eles prprios estes
meios, j que sem eles a originalidade da msica, tal como de outros aspectos culturais
relacionados com os jovens, no pode ser provada (1995: 128). Assim, no a
utilizao dos media que tornam este ou aquele movimento parte de uma cultura de
massas/comercial/vendida, mas sim a forma como representam as prticas colectivas
juvenis e como so utilizados pelas subculturas em seu proveito prprio.
No entanto, o mtodo aplicado por Thornton, tal como a utilizao do conceito
sociolgico de club cultures, criticado por diversos autores (Bennett, 1999; Bennett e
Kahn-Harris, 2004; Carrington e Wilson, 2004; Laughey, 2006) por no ser uma ideia
consistente, j que a base da sua noo de capital subcultural , como a prpria autora
identifica, fundada a partir de um pensamento centrado nas classes sociais, classes essas
que a autora defende que no fazem sentido quando falamos de subculturas juvenis. A
aplicao do conceito de capital subcultural proposta por Thornton pode ser considerada
confusa e de certa forma contraditria, tornando-se assim um mtodo difcil de aplicar
na anlise das prticas culturais dos jovens.
Dan Laughey (2006: 40-41) dos mais crticos sobre a noo de club cultures.
Para este autor os modelos aqui apresentados falharam em afastar-se do paradigma da
teoria subcultural, afirmando mesmo que o modelo de Thornton no passa duma reviso
dessa mesma teoria. Para este autor, o modelo de Thornton falhou por no analisar a
realidade fora das reunies temporais, colocando de parte a relao das prticas de
28
consumo subculturais com as experincias dirias, o que supe que o mundo subcultural
exclui qualquer considerao do dia-a-dia dos seus actores quando esto fora do
contexto destas culturas de gosto.
Neste sentido, o mtodo de Thornton parece falhar devido ao sistema
hierrquico interno que criou para analisar as culturas club, que se baseia no consumo
de certos artefactos e a forma como so exibidos dentro das subculturas. Este modelo de
hierarquia interna cria uma clivagem na relao das subculturas com o meio que os
rodeia. Desta forma, se as subculturas esto inseridas na sociedade, acontecem na
sociedade, e consomem artefactos criados no mercado alargado, no as podemos excluir
da realidade social e cultural mais abrangente. No se pode catalogar determinado
movimento apenas pela forma como visto pelos seus participantes, pois preciso no
esquecer o seu papel e a sua relao com o social, assim como o significado do
consumo subcultural nas experincias dirias dos seus participantes.
Apesar da tentativa de inovao e de ter tido uma contribuio relevante na
anlise de como o gosto pode ser socialmente e culturalmente revelado atravs das
prticas do consumo, a proposta de capital subcultural de Sarah Thornton no ganhou
muitos adeptos na academia. No entanto, o seu trabalho serviu para mostrar que o
quadro terico para a anlise dos fenmenos colectivos juvenis necessita ser
continuamente repensado e adaptado s constantes evolues culturais e sociais
causadas pela globalizao e pela rpida troca de informao.
Os estudos de Redhead e Thornton assumem particular relevncia pela aplicao
do mtodo etnogrfico na sua pesquisa e pela aproximao do investigador com o
objecto. Estes autores, tal como muitos outros que vislumbraram nas culturas que
assentam na msica electrnica de dana um ponto de viragem na forma de ver os
movimentos juvenis, assumem que estas culturas, livres de compromissos tnicos,
estruturais ou de gnero, tm que ser analisados de outra forma que no aquela proposta
pelo CCCS, independentemente da sua origem, das suas prticas ou das relaes com os
diversos instrumentos que pertencem esfera mais alargada do espao cultural.
1.4.2. Neo-Tribos, Estilos de Vida e Cenas
Para alm das Club Cultures, trs dos modelos de anlise ps-subculturais que
tm vindo a ser referenciados nos estudos sobre as prticas culturais juvenis so as neo-
29
tribos, os estilos de vida e as cenas (Bennett, 2000, 2001; Bennett e Kahn-Harris, 2004;
Filho, 2007; Laughey, 2006). Em After Subcultures (2004) Bennett e Kahn-Harris
salientam que estas trs teorias ps-Birmingham tm vindo a ser aplicadas
principalmente na anlise das prticas juvenis relacionadas com a msica e dos
movimentos que se formam em torno de determinados estilos musicais. Estes mtodos
assumem a temporalidade dos rituais contemporneos assim como a flexibilidade dos
gostos e das prticas juvenis, onde o gosto por um determinado estilo musical quebra as
barreiras estilsticas, tnicas, culturais e sociais sugeridas pelo modelo do CCCS.
No artigo Subcultures or Neo-Tribes? (1999: 599-617), Andy Bennett baseia-
se no conceito de tribus estudado por Maffesolli (1996), para aplicar a sua teoria de neo-
tribos no estudo da dance culture existente em Newcastle. Esta teoria assenta nos
pressupostos de que os agrupamentos ligados msica e ao estilo podem ser melhor
compreendidos se interpretados como reunies temporais, marcadas por fronteiras
tnues e por uma participao flutuante dos seus actores (Bennett, 1999: 600).
Maffesoli utilizou o termo tribus para demonstrar o aumento da fluidez e a
natureza instvel das relaes sociais na sociedade contempornea, j que este termo se
afasta das formas de organizao comuns, referindo-se mais directamente aos estados de
esprito que so exprimidos atravs de estilos de vida que favorecem a aparncia e a
forma (Bennett, 1999; Bennett e Kahn-Harris, 2004: 12). Este modelo de identidade
tribal de Maffesoli mostra, acima de tudo, a flexibilidade das associaes colectivas
entre indivduos na sociedade de consumo e ilustrar a natureza temporal das identidades
modernas (Bennett, 1999: 606). Apesar de Maffesoli ver as neo-tribos como um
fenmeno social recente, alimentado pelas mudanas sociais e culturais da sociedade
consumista moderna, Bennett considera que a identidade tribal est directamente
associada s origens do consumo de massas no ps-guerra (ibid., 606-607).
Para Bennett as dance clubs (discotecas) oferecem uma articulao baseada no
divertimento, no relaxamento e no prazer onde acontece o colectivismo (Bennett e
Kahn-Harris 2004: 12). Este colectivismo pode ser ento visto como algo limitado no
tempo, formando uma associao neo-tribal caracterizada pela fluidez dos gostos dos
jovens contemporneos.
Atravs da sua anlise, Bennett conclui que a participao em determinados
eventos est cada vez mais dependente das escolhas individuais, onde o tipo de msica
ou o local onde acontecem os eventos podem influenciar na deciso da participao
30
(Bennett, 1999: 611). Para alm deste factor, Bennett considera que os gostos musicais
podem diferir, dependendo do contexto em que o individuo se encontra.
A noo de identidade neo-tribal afasta ainda a ideia criada pelo CCCS de que
entre as escolhas musicais e os estilos visuais existe sempre uma relao homloga. No
que essa relao no possa existir, mas que certamente no to rgida, e muito menos
obrigatria, como aquela que se veiculou durante anos nos estudos juvenis (ibid., 613).
As neo-tribos pensadas por Bennett centram-se na ideia de que impossvel nos
tempos que correm colar os estilos juvenis e os gostos musicais a uma noo rgida de
classes sociais, pois a identidade tribal, uma identidade que no se fecha sobre si
mesma, admite a flutuabilidade social e cultural.
Bennett entende que o estudo das culturas urbanas da msica de dana abriu as
portas para uma nova forma de entender o modo como os jovens relacionam os gostos
musicais e o estilo, revelando a natureza malevel da escolha do consumidor (1999:
613). Assim, a livre escolha dos gostos musicais ou dos estilos podendo ter diferentes
significados para cada indivduo que o consome faz com que as reunies colectivas
no se governem pela rigidez subcultural, mas sim pelo carcter flexvel das associaes
neo-tribais modernas.
Outro dos termos utilizados pelos ps-subculturalistas o de estilo de vida. Este
termo, aplicado por Max Weber no sentido de manifestao do status social, seria ento
a forma mais correcta para interpretar os fenmenos de mudana identitria e de
associao estilstica dos jovens contemporneos atravs da escolha individualizada e da
articulao en