DarrylDomingos 35211 - Trance Psicadélico No Algarve - Versão Final 27-01-2011

Embed Size (px)

DESCRIPTION

DarrylDomingos 35211 - Trance Psicadélico No Algarve - Versão Final 27-01-2011

Citation preview

  • Universidade do Algarve Faculdade de Cincias Humanas e Sociais

    Departamento de Lnguas, Comunicao e Artes

    Trance Psicadlico no Algarve Um Estudo Sobre as Prticas Culturais de Um Movimento Marginal

    Darryl Emanuel Lampreia Domingos

    Dissertao Apresentada Para a Obteno do Grau de Mestre em Comunicao, Cultura

    e Artes Especializao em Estudos Culturais

    Faro

    2011

  • Darryl Emanuel Lampreia Domingos

    Trance Psicadlico no Algarve Um Estudo Sobre as Prticas Culturais de Um Movimento Marginal

    Dissertao Apresentada Para a Obteno do Grau de Mestre em Comunicao, Cultura

    e Artes Especializao em Estudos Culturais

    Orientadores:

    Professora Doutora Gabriela Borges

    Professor Doutor Antnio Lopes

    Jri

    Presidente:

    Doutora Merja Sirikka Nousia de Matos Parreira (Universidade do Algarve)

    Vogais:

    Doutor Joo Ferreira Duarte (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

    Doutora Gabriela Borges Martins Caravela (Universidade do Algarve)

    Doutor Antnio Manuel Bernardo Lopes (Universidade do Algarve)

    Faro

    2011

  • Agradecimentos

    Um agradecimento especial aos meus orientadores que me proporcionaram uma ajuda

    preciosa no apoio e na construo terica e metodolgica que tornaram este trabalho

    possvel.

    Um agradecimento particular minha famlia, pela disponibilidade, compreenso e

    apoio durante a realizao da Dissertao, assim como para os amigos e colegas que se

    interessaram e apoiaram o meu trabalho.

    Queria deixar ainda bem expresso o agradecimento s pessoas ligadas ao movimento

    estudado e a sua abertura e disponibilidade para partilharem comigo as suas vises

    sobre colectivismo criado pela msica trance numa poca de globalizao cultural.

    Obrigado Theo, Carlos, Rui Pedro, Adriano, T-Z, Daniela, Soraia e a todos os outros

    que ajudaram a compreender e a situar o movimento algarvio. Sem eles, nada disto teria

    sido possvel.

  • Resumo

    Este trabalho tem como principal objectivo analisar, sob o prisma dos estudos culturais,

    as particularidades e as prticas culturais de um movimento festivo local associado ao

    gnero de msica trance psicadlico. Limitando a anlise do objecto regio do

    Algarve, alm de se pretender perceber a importncia da msica na formao de

    movimentos locais, pretendeu-se interpretar os diferentes fenmenos que fomentam a

    sua existncia e a sua divulgao, tendo em ateno as questes da comercializao e da

    mediatizao da cultura juvenil.

    A anlise dos diferentes mtodos utilizados para abordar as prticas e os consumos que

    estimularam o aparecimento de movimentos colectivos, permitiu compreender a

    evoluo e adaptao situao econmica, poltica, social e cultural em que esses

    movimentos ocorreram. Esta anlise visou ainda clarificar os diferentes

    posicionamentos tericos sobre a relao entre os media e as culturas juvenis que

    incidem sobre as questes da problematizao e da difuso das suas prticas.

    Assumindo o carcter fluido e hbrido das identidades contemporneas, este trabalho

    aproximou-se das propostas ps-subculturais que do maior relevo ao gosto individual

    na apropriao da cultura e ao trabalho de campo para a obteno de dados empricos.

    Assim, na realizao deste trabalho adoptou-se uma abordagem etnogrfica, assente em

    sadas de campo e em entrevistas a indivduos que participam neste tipo de festividades,

    permitindo uma maior aproximao ao fenmeno festivo e aos seus actores.

    Situando o objecto na sociedade das redes, onde se assiste a uma relao crescente de

    interdependncia entre humanos e meios tecnolgicos, pretendeu-se ainda compreender

    a influncia que a globalizao da cultura principalmente atravs das tecnologias de

    informao e comunicao tem na criao, na difuso e na apropriao da cultura em

    realidades locais.

    Palavras-chave: Culturas Juvenis; Trance Psicadlico; Media; Tecnologias de

    Informao e Comunicao; Algarve.

  • Abstract

    The purpose of this work is to study, under a cultural studies perspective, the

    peculiarities and the cultural practices of a local festive movement related to

    psychedelic trance music. Limiting the object analysis to the region of Algarve, further

    than understanding the significance of music in the formation of local movements, we

    tried to understand the different phenomena that promote its existence and its

    dissemination, taking into account the issues of commercialization and media coverage

    of youth culture.

    By analyzing the various methods used to address the practices and the consumption

    that stimulated the emergence of collective movements, this study seeks to understand

    the evolution and the adaptation of these methods on the economic, political, social and

    cultural environment in which these movements occurred. This analysis also tries to

    clarify the different theoretical viewpoints on the relationship between the media and

    youth cultures that focus on the problematic issues of youth and on the dissemination of

    their practices.

    Assuming the fluid and hybrid nature of contemporary identities, this paper approaches

    the post-subcultural proposals that give greater emphasis to individual taste in the

    appropriation of culture and to fieldwork to obtain empirical data. Thus, in this work we

    have adopted and ethnographic approach, based on fieldwork and interviews with

    individuals that participate in such festivities, allowing a closer approach to the

    phenomenon and its actors.

    Placing the object in the network society, where we observe an interdependence

    relationship between humans and technological resources, we tried to understand the

    influence that the globalization of culture especially through the Information and

    Communication Technologies has in the creation, dissemination and appropriation of

    culture in local realities.

    Keywords: Youth Cultures; Psychedelic Trance; Media; Information and

    Communication Technologies; Algarve.

  • ndice Introduo ....................................................................................................................... 1

    1. O Estudo dos Movimentos Juvenis ........................................................................ 5

    1.1. A Condio Social dos Jovens e a sua Pertinncia Acadmica ......................... 5

    1.2. A Escola de Chicago - Sociologia Urbana e Desvio Comportamental .............. 8

    1.3. O CCCS de Birmingham e a Teoria das Subculturas Juvenis ......................... 10

    1.3.1. O Estilo ..................................................................................................... 16

    1.4. Propostas Ps-Subculturais Crticas e Novos Modelos de Anlise .............. 19

    1.4.1. Club Cultures e as Culturas de Gosto ....................................................... 24

    1.4.2. Neo-Tribos, Estilos de Vida e Cenas ........................................................ 28

    2. Os Media, os Jovens e a Sociedade das Redes ..................................................... 33

    2.1. As Culturas Juvenis e a Crtica aos Media ....................................................... 33

    2.2. A Internet e a Cultura das Redes ...................................................................... 39

    2.2.1. Msica: Consumo e Produo .................................................................. 42

    3. A Msica Electrnica de Dana e as Culturas Juvenis Contemporneas ........ 46

    3.1. Origens da Msica Electrnica de Dana House e Techno .......................... 46

    3.2. A Raveluo da Msica de Dana Do Underground ao Mainstream ....... 47

    3.3. Trance Psicadlico O Misticismo de uma Cultura Electrnica .................... 51

    3.3.1. Trance Psicadlico em Portugal ............................................................... 55

    4. Trance Psicadlico no Algarve: As Prticas Culturais de Um Movimento Marginal ........................................................................................................................ 60

    4.1. O Movimento Trance no Algarve: Observao Participante em Meio Festivo 60

    4.2. Rituais e Prticas de Sociabilizao Colectiva: A Msica e a Festa ................ 64

    4.2.1. O Pblico e o Consumo Recreativo de Drogas ........................................ 73

    4.2.2. A Difuso: Os Media ao Servio das Culturas Marginais ........................ 85

    4.3. A Comercializao de Uma Cultura Marginal: Reflexos da Globalizao em Realidades Locais ....................................................................................................... 91

    5. Consideraes Finais ............................................................................................. 97

    Bibliografia .................................................................................................................. 101

    Sitografia ..................................................................................................................... 112

    Anexos .......................................................................................................................... 113

    Anexo I Outdoors Publicitrios de Festas de Trance ............................................ 114

    Anexo II Festas de Trance Psicadlico no Algarve (entre Maro de 2009 a Abril de 2010) ......................................................................................................................... 115

  • Anexo III Informantes ............................................................................................ 118

    Anexo IV Festas de Trance Psicadlico Indoor no Algarve .................................. 119

    Anexo V - Festas de Trance Psicadlico Outdoor no Algarve ................................. 121

    Anexo VI - Decoraes ............................................................................................. 123

    Anexo VII Artigo do Jornal de Notcias sobre o Boom Festival 2004 .................. 128

    Anexo VIII Artigo do Jornal de Notcias sobre o Boom Festival 2006 ................. 129

    Anexo IX Artigo do Expresso sobre drogas no Boom Festival 2006 .................... 131

    Anexo X Artigo do Correio da Manh sobre overdoses no Freedom Festival 2007 ................................................................................................................................... 134

    Anexo XI Artigo do Jornal de Notcias sobre a deteno de pessoas durante o Freedom Festival de 2007 ......................................................................................... 136

    Anexo XII Artigo do Dirio de Notcias sobre detenes no Freedom Festival 2007 ................................................................................................................................... 138

    Anexo XIII Artigo do Pblico sobre rusga policial no Boom Festival 2008 ......... 139

    Anexo XIV Artigo da revista nica (Expresso) sobre trance psicadlico e consumo recreativo de drogas .................................................................................................. 140

    Anexo XV Flyers de Festas de Trance no Algarve ............................................... 147

  • 1

    Introduo

    A msica tem vindo a constituir-se como um dos factores culturais mais

    significantes da experincia diria, influindo na construo das identidades individuais e

    colectivas. Utilizada para fins de lazer, como forma de protesto ou como forma de

    identificao colectiva, a msica, tal como o estilo, teve papel preponderante na maioria

    dos movimentos juvenis contraculturais e subculturais formados nos Estados Unidos da

    Amrica e em Inglaterra na segunda metade do sculo XX1

    Este estudo aborda um fenmeno global escala local que, apesar da sua

    crescente difuso em Portugal, continua situado nas margens do circuito dos lazeres

    nocturnos. Este fenmeno funda-se em torno do gnero musical trance psicadlico, e a

    sua abordagem foi limitada realidade festiva na regio do Algarve.

    . Alguns destes movimentos

    contriburam para a mediatizao e comercializao dos gostos juvenis, tornando os

    signos juvenis e as suas prticas focos de anlise acadmica.

    A cultura psicadlica e a sua expresso em meio festivo sero enquadradas no

    fenmeno da globalizao da msica electrnica de dana, de maneira a analisar as

    prticas, o carcter transgressivo e as particularidades comerciais/ideolgicas que

    colocam o movimento numa posio marginal. O estudo sobre este fenmeno tem ainda

    como objectivo compreender a pertinncia da msica e da ideologia associada a

    determinados movimentos musicais na formao e demarcao de identidades

    individuais e colectivas, assim como compreender a influncia dos meios de informao

    e comunicao na origem, manuteno, e at no declnio desses mesmos movimentos.

    Apesar do crescimento global do movimento psy trance, a limitao do estudo

    rea geogrfica do Algarve pressupe a existncia de um movimento local, sem

    esquecer, como bvio, que a maioria dos movimentos locais resulta hoje dos

    processos associados globalizao (Bennett, 2000: 52). Desta forma, e assumindo o

    papel da globalizao na formao de movimentos locais, visa-se entender como que

    estes mesmos movimentos locais organizam e adaptam os recursos globais sua

    realidade. Ao estudar um movimento que se centra num determinado estilo musical

    torna-se necessrio, como sugere Bennett (2000: 60-61), ir alm das questes da

    produo musical local e ir ao encontro do papel mais alargado da msica na realidade

    1 Entre os quais se podem destacar os seguintes movimentos: Teddy Boys (rock); Mods (jazz, rhythm and blues, soul e ska); Hippie (rock psicadlico e experimental); Punk (punk rock).

  • 2

    quotidiana dos indivduos, percebendo os seus significados e as suas particulares nessas

    mesmas realidades locais.

    Para analisar fenmenos juvenis contemporneos torna-se necessrio reflectir

    sobre os diferentes mtodos acadmicos que analisaram a pertinncia social, cultural e

    econmica das culturas juvenis. Assim, o primeiro captulo deste estudo explora as

    diferentes conjecturas acadmicas que vislumbraram nos jovens e nas suas prticas um

    campo de anlise, seja em relao ao seu desvio comportamental, ao seu carcter de

    resistncia ou questo de gosto individual.

    Apesar da influncia dos estudos da Escola de Chicago, que analisavam os

    comportamentos delinquentes como respostas de indivduos marginalizados perante o

    sistema em que viviam, foi apenas com a fundao do Center for Contemporary

    Cultural Studies (CCCS) de Birmingham na dcada de 1970 que os jovens, as suas

    prticas em sociedade e os seus gostos particulares realmente cativaram a ateno da

    academia, tornando-se num fenmeno pertinente na anlise das relaes culturais e

    sociais.

    No entanto, o mtodo do CCCS de Birmingham tem vindo a ser criticado devido

    sua rigidez e inadequao para o estudo de outros fenmenos que no aqueles

    sugeridos pelos seus autores. Club cultures, neo-tribos, cenas ou estilos de vida so

    algumas das propostas que alcanaram pertinncia acadmica a partir da dcada de

    1990, atravs de metodologias que se aproximam mais dos actores sociais. Estas novas

    abordagens colocaram de parte paradigmas que estavam inerentes aos estudos sobre os

    jovens, como a resistncia de classe ou a relao de oposio entre culturas juvenis e os

    media.

    A face hbrida das prticas e dos gostos juvenis obriga a que os mtodos de

    anlise sejam flexveis, de forma a adaptarem-se s mudanas culturais e sociais do

    mundo globalizado onde os consumos e a produo cultural dos actores sociais gerem

    diferentes identidades influenciadas pelas experincias do quotidiano.

    A actual relao de interdependncia entre humanos e meios tecnolgicos

    alterou a forma como o indivduo contemporneo se apropria da cultura. As redes

    intercomunicacionais consentidas pelas tecnologias de informao e comunicao

    (TIC), alm de facilitarem a interconexo entre indivduos, permitem que a cultura se

    transmita de forma mais rpida, tornando-se mais acessvel e aproximando realidades

    distintas de uma forma simples e sem barreiras temporais, espaciais, socioculturais,

    tnicas ou de gnero.

  • 3

    Os movimentos juvenis contemporneos, seguindo o prisma dos estudos

    culturais, facultam-nos uma multiplicidade de fenmenos e prticas que fundam novas

    formas de identificao individual e colectiva. As identidades, que se encontram em

    constante mutao e formatao, geram-se atravs das novas formas de sociabilizao,

    de consumo e de produo que a era digital e informatizada nos permite. Assim, as

    tecnologias digitais possibilitam a disperso da cultura e fomentam novas formas de

    apropriao cultural.

    Assumindo a importncia do consumo cultural, da representao meditica e da

    apropriao dos meios tecnolgicos por parte do indivduo contemporneo, no segundo

    captulo deste trabalho prope-se abordar a relao entre os meios de informao e

    comunicao e a difuso e apropriao da cultura que influencia as prticas de

    movimentos contemporneos. Desta forma, para alm analisar a problematizao e

    comercializao das culturas juvenis nos agentes mediticos mais massificados, o

    objectivo passa por observar como que os meios tecnolgicos alteraram, e continuam

    a alterar, a construo e a apropriao da cultura em realidades locais.

    O terceiro captulo deste trabalho faz uma representao da msica electrnica

    de dana desde a sua origem underground nos Estados Unidos da Amrica, at ao

    momento em que tornou um fenmeno de massas fomentado pelas culturas club e rave

    britnicas. Neste captulo ser analisada a influncia da globalizao da msica

    electrnica de dana na formao de novos subgneros musicais e de novos movimentos

    colectivos. No decorrer deste captulo realiza-se ainda uma anlise das origens do

    trance psicadlico, das prticas do seu movimento festivo, e ainda, do aparecimento das

    festividades associadas a este gnero musical em Portugal.

    O quarto captulo resulta na aplicao prtica dos modelos e das teorias

    analisadas ao longo do trabalho, pois conjuga as prticas juvenis contemporneas com a

    era tecnolgica em que vivemos. O estudo de um movimento local permite uma anlise

    emprica atravs do trabalho de campo etnogrfico, como forma de explorar o meio, os

    actores, e os modos de colectivismo em meio festivo. Simultaneamente, explorou-se a

    relao entre este movimento festivo local e a sociedade de redes que permite a rpida

    divulgao de signos e prticas culturais e disponibiliza novos meios de apropriao e

    de produo cultural.

    Assumindo que a evoluo das tecnologias de informao e comunicao, como

    o caso da Internet, pode influenciar a criao e divulgao de movimentos colectivos

    em torno de um determinado gnero musical, este estudo visa analisar a relao entre

  • 4

    estes meios e as culturas contemporneas, especialmente aquelas que se mantm nas

    margens da cultura popular.

  • 5

    1. O Estudo dos Movimentos Juvenis 1.1. A Condio Social dos Jovens e a sua Pertinncia Acadmica

    Os estudos sobre movimentos juvenis associados ao estilo e msica tm

    sofrido diversas alteraes tericas desde que se tornaram num objecto pertinente para

    as reas da Sociologia e dos Estudos Culturais. As mudanas scio-culturais, polticas e

    econmicas, tal como a globalizao e a evoluo dos meios de informao, fazem com

    que as anlises sobre movimentos juvenis no se possam suportar em metodologias

    rgidas, por vezes limitadas a um tempo e a uma realidade especficos. Neste sentido, a

    metodologia para o estudo dos movimentos juvenis, apesar da pertinncia que a Escola

    de Birmingham assumiu nos estudos acadmicos a partir da dcada de 1970, tem

    divergido entre o aparecimento de novas ideias e a reconstruo e adaptao de teorias

    do passado.

    Alguns autores focam que existiram grupos juvenis anteriores ao tempo em que

    comearam a ser analisados2

    A condio de juventude

    , j que foi na segunda metade do sculo XIX que se

    comeou a dar pertinncia ao segmento juvenil e fase de vida da adolescncia

    quando, no entender de Jos Machado Pais, os problemas e tenses a ela associados a

    tornaram objecto de conscincia social (1990a: 148). Ainda de acordo com o mesmo

    autor, este perodo de vida viu ser-lhe conferida uma maior importncia social com o

    aumento da escolaridade, a criao de legislaes sobre trabalho infantil, o aumento da

    dependncia dos jovens relativamente s suas famlias de origem e o aumento de casas

    de correco (ibid.). 3

    2 Ver Bennett e Kahn-Harris (2004: 2-3).

    de cada sociedade depende das condies sociais e

    culturais existentes, da estrutura social, das instituies polticas e das questes

    ideolgicas vigentes. Garrat pretendeu mostrar que as principais caractersticas de

    qualquer subcultura residem no facto de capturarem o esprito social, poltico e

    econmico do tempo em que surgem, pois as subculturas so consideradas e descritas

    como um termmetro do clima poltico duma sociedade a cada tempo (apud.

    Carvalho 2007: 215).

    3 a juventude no uma realidade biolgica ou natural () mas uma condio social que se constitui histrica e socialmente. Quer isto dizer que a juventude, como produto da evoluo histrica das sociedades, se condiciona e diferencia socialmente, mas que, para alm da diferenciao social das juventudes e dos jovens, h algo que os constitui como sujeito social autnomo, e portanto tambm como objecto de anlise especfico, que precisamente a sua condio social. (Cruz et al., 1984: 285)

  • 6

    Devido s mudanas polticas, sociais, econmicas e culturais da sociedade

    contempornea tem-se vindo a assistir ao alargamento do perodo jovem. Segundo

    Chatterton e Hollands (2003: 68), este alargamento significa que os jovens

    comprometem-se durante um perodo mais longo s actividades culturais juvenis

    prolongando assim o esprito de juventude geralmente mais associado fase

    adolescente. Assim, para estes autores o desenvolvimento de uma fase prolongada da

    adolescncia e as mudanas no mercado laboral podem significar que as pessoas

    continuam a praticar actividades culturais juvenis durante um perodo mais longo da sua

    vida (idem).

    Paul Willis, um dos precursores da teoria subcultural britnica, sem se afastar

    das teorias utilizadas para estudar as culturas e a prticas juvenis, afasta-se da sua

    designao. Para este autor, tal como todas as outras classes etrias, os jovens fazem

    parte da sociedade, produzem e consomem cultura e assim no se deveria criar uma

    categoria para os designar (1990: 7). Willis considera mesmo que no se pode

    considerar a juventude uma fase biologicamente programada que diferencia os jovens

    dos outros grupos na sociedade (idem). Desta forma, pode-se concluir que o

    alargamento do perodo juvenil alterou a ideia de prticas e consumos limitados por

    uma questo etria.

    Apesar de mostrar o papel dos jovens na criao e formao de novos

    movimentos musicais, estilsticos ou artsticos, Paul Willis no ficou indiferente

    questo do alargamento dos prazeres juvenis a outras faixas etrias. Para este autor a

    designao de cultura juvenil pode no servir para representar a multiplicidade dos

    fenmenos contemporneos estudados que outrora seriam considerados meramente

    juvenis, j que cada vez mais difcil catalogar os movimentos contemporneos a partir

    de uma questo meramente biolgica como a idade.

    Levantar esta questo sobre a durao da fase de vida em que se podem

    enquadrar os movimentos e as prticas juvenis tornou-se fundamental quando se

    estudam movimentos que dificilmente so identificveis pela idade, mas que na prtica

    a sua significncia e representao cultural continuam a ser socialmente designadas e

    enquadradas como prticas pertencentes aos jovens.

    Assim, torna-se indispensvel reflectir sobre esta questo, acima de tudo porque

    a definio de juventude, ao ser entendida de uma forma mais biolgica, poderia criar

    srios problemas na anlise de prticas contemporneas onde o esprito juvenil

    aparenta ser mais prolongado do que no passado. O aumento dos anos enquanto

  • 7

    estudantes, as dificuldades em sair de casa dos pais, a entrada tardia no mercado de

    trabalho ou a manuteno do tal esprito juvenil atravs da conservao das prticas e

    dos estilos de vida, fomentam a ideia do alargamento psico-sociolgico desta fase de

    vida.

    No entanto, torna-se difcil fugir do termo jovem quando foi nestes moldes

    que se construram as bases tericas para a anlise destes fenmenos. Desta forma, o

    termo ter no presente caso de estudo mais sentido para definir as prticas, mas acabar

    por ser pouco consistente para definir e analisar quem as pratica.

    Assim, e apesar do presente trabalho se basear metodologicamente em estudos

    definidos como sendo sobre youth cultures, sempre que possvel o conceito de cultura

    juvenil no ser utilizado na definio das prticas culturais analisadas, j que para

    interpretar os movimentos que se formam e que se movem na contemporaneidade,

    muitas vezes consideradas prticas exclusivamente juvenis, este termo poder ser

    teoricamente limitado. Neste sentido, o objectivo no passa por esquecer nem apagar o

    termo, mas sim assumir que os rituais contemporneos abrangem indivduos das mais

    diversas idades, tornando-se impossvel catalog-los simplesmente como elementos

    identificadores da cultura juvenil ao limitar os participantes de um determinado

    movimento a uma determinada faixa etria.

    Um dos elementos que foi considerado fulcral no desenvolvimento do papel dos

    jovens na sociedade foi o aparecimento de um mercado desenvolvido em torno dos seus

    gostos e das suas prticas. Chatterton e Hollands salientam o aparecimento de um

    mercado juvenil na dcada de 1930 nos Estados Unidos da Amrica resultado de uma

    padronizao da classe mdia consumista tal como em Inglaterra, onde figuravam

    elementos como as revistas, filmes e locais de diverso virados exclusivamente para os

    jovens (2003: 71). Apesar do desenvolvimento de um mercado juvenil, a ideia de que os

    jovens queriam consumir as mesmas coisas por partilharem os mesmos valores e ideais,

    tornou a oferta reduzida, pouco diversificada e confinada a certos produtos.

    A II Guerra Mundial surgiu, neste contexto, como um ponto de viragem na

    sociedade de consumo em geral, e em especial dos jovens. O crescimento econmico do

    ps-guerra que proporcionou novos empregos, produtos e servios e mais poder de

    compra aos jovens (idem) fez com que o mercado de consumo nas dcadas de 1950 e

    1960 se abrisse para novos produtos tais como os ligados moda e msica.

    As alteraes sociais e econmicas, principalmente o aparecimento de um

    mercado juvenil, ofereceram aos jovens uma maior exposio social e,

  • 8

    consequentemente, uma maior pertinncia nos estudos acadmicos que se basearam nos

    consumos simblicos dos jovens como forma de expresso e identificao.

    1.2. A Escola de Chicago - Sociologia Urbana e Desvio Comportamental

    A Escola de Chicago e a Sociologia Urbana so consideradas fortes influncias

    dos estudos sobre jovens e das suas prticas em grupo, partindo das questes do desvio

    comportamental e da delinquncia em espaos urbanos. Com a implementao desta

    corrente sociolgica na dcada de 1920 no Departamento de Sociologia da Universidade

    de Chicago, juntamente com outros grupos sociais, os jovens ganharam espao de

    inquirio acadmica.

    Tendo em Chicago um exemplo de um espao urbano de mltiplas relaes

    sociais, os elementos desta escola analisaram essas relaes, directas e indirectas, que

    resultavam das experincias quotidianas e da ocupao de determinados espaos

    urbanos por grupos especficos, atravs da utilizao do trabalho de campo etnogrfico.

    Sendo a segunda maior cidade dos Estados Unidos da Amrica nesse perodo e, ao

    mesmo tempo, um dos maiores destinos da imigrao proveniente da Europa (Gelder

    2005: 19), Chicago tornou-se um espao privilegiado para a constituio e a anlise de

    diferentes grupos e prticas sociais.

    As diferenas culturais entre estes outsiders que chegavam cidade e a

    populao local reflectiam-se nas prticas dirias e nas suas relaes com o meio em

    que estavam inseridos. Partindo do pressuposto de que o desvio comportamental seria

    uma resposta dos novos grupos s normas institudas (Bennett e Kahn-Harris, 2004: 3),

    os socilogos de Chicago pretenderam contrariar a ideia imposta pela criminologia de

    que a delinquncia seria resultado de uma personalidade criminosa (Bennett, 2000: 14),

    analisando os comportamentos delinquentes como respostas de indivduos

    marginalizados perante o sistema em que viviam.

    Foi neste contexto que gangs, jovens, imigrantes ou sem-abrigo foram

    abordados como minorias que criavam as suas prprias regras internas, no contra o

    sistema, mas de forma a adaptarem-se s condicionantes que esse mesmo sistema lhes

    impunha. A Escola de Chicago traou um modelo sociolgico da delinquncia juvenil

  • 9

    como alternativa explicao criminologista que predominava no estudo das prticas

    juvenis (Bennett, 2000: 14).

    Atravs da influncia de Robert E. Park, que via a cidade como uma rea

    dividida em zonas distintas que atraiam pessoas que fossem cultural e socialmente

    semelhantes, a cidade de Chicago passou a ser vista como um laboratrio privilegiado

    para a investigao dos processos sociais (Park, 1927: 34). A abordagem de Park sugere

    que a anlise das relaes sociais em ambientes urbanos pode dar-nos vrias respostas

    sobre a condio humana e a sua vida em comunidade (idem).

    Com Paul G. Cressey e o seu estudo sobre o ciclo de vida das taxi-dancers

    (1932), mas acima de tudo William F. Whyte (Bennett 2000; Laughey 2006), o mtodo

    etnogrfico da observao participante foi adoptado pelos socilogos de Chicago no

    estudo dos grupos segregados pela sociedade urbana, como forma de compreender os

    comportamentos delinquentes e a maneira como estes indivduos viam o mundo que os

    rodeava.

    Para Howard Becker (1963: 438), o desvio comportamental seria uma criao

    social, por isso esse desvio teria que ser visto como uma forma de catalogao e de

    estigmatizao por parte dos membros mais convencionais da comunidade, pois a sua

    cultura e o seu modo de vida no se enquadravam nos padres desejados pelas

    instituies associadas norma dominante.

    Assim, foi atravs do estudo sobre as relaes sociais em contexto urbano e a

    ocupao de espaos urbanos por grupos marginalizados que surgiram as primeiras

    abordagens sobre as culturas juvenis. A noo de descriminalizao das prticas

    subculturais e a remodelao da noo de delinquncia em desvio comportamental,

    justificada pela realidade sociocultural em que os jovens estudados se encontravam,

    acabaram por se tornar fontes de inspirao para a teoria da resistncia juvenil

    apresentada anos mais tarde pela Escola de Birmingham. Os estudos baseados na teoria

    do desvio comportamental tornaram-se numa referncia para os estudos que surgiram

    aps a II Guerra Mundial e continuam a ser referenciados como a origem dos estudos

    sobre jovens, pois antes disso as aluses directas a grupos e s prticas juvenis eram

    raras, ou mesmo inexistentes.

  • 10

    1.3. O CCCS de Birmingham e a Teoria das Subculturas Juvenis

    Apesar da pertinncia da Sociologia Urbana de Chicago na anlise de diferentes

    grupos e das suas prticas em sociedade, foi apenas com o Center for Contemporary

    Cultural Studies (CCCS) de Birmingham, na dcada de 1960, que se desenhou uma

    teoria centrada nos consumos e nas prticas das subculturas juvenis. Foi o CCCS que

    delineou uma base terica que pretendia legitimar a vida subcultural juvenil,

    compreendendo-a como um comportamento social razovel e coerente, e no como um

    sintoma de demncia ou iniquidade (Filho e Fernandes, 2006: 25).

    Os estudos iniciados nos EUA influenciaram o aparecimento da anlise sobre os

    grupos juvenis na academia britnica, quando estudiosos como Mays (1954), Patrick

    (1973) ou Phil Cohen aplicaram o mtodo norte-americano em questes comunitrias e

    locais da sociedade britnica, associando a questo da delinquncia juvenil a algo que

    faria parte da tradio local (Bennett e Kahn-Harris, 2004: 4).

    Alguns destes trabalhos, em particular o de Cohen, tornaram-se bastante

    pertinentes no desenvolvimento da teoria subcultural britnica. Cohen desenvolveu o

    seu trabalho em torno dos jovens da classe trabalhadora deslocados e realojados

    juntamente com as suas famlias nos novos subrbios de Londres devido ao

    desenvolvimento urbano do ps-guerra. Ao distinguir as subculturas da delinquncia,

    seguindo a teoria das subculturas desviantes da Escola de Chicago, Cohen abordou a

    emergncia das subculturas como um conflito geracional entre esses jovens e a cultura

    parental. Segundo este investigador, tal conflito geracional transformou-se, no num

    sistema de conflito directo entre jovens e pais, mas sim num sistema simblico que se

    fazia representar em contextos colectivos fora do espao pessoal (Cohen, 1972: 89).

    Para Cohen, as subculturas teriam a funo de expressar e de resolver as contradies

    que continuavam ocultas ou por resolver na cultura parental (idem). Desta forma, a

    delinquncia deveria ser vista como forma de comunicao, uma forma de expressar

    esse conflito e de o resolver.

    Estas subculturas estariam afiliadas ao crescente mercado de consumo, pois era

    atravs desse consumo que se expressavam de forma diferente da cultura parental,

    dando voz a um sentimento de desintegrao da comunidade e da classe. Para Gelder

    (2005: 82), esta desintegrao seria combatida a partir do momento em que algum se

    juntasse a uma subcultura, pois, ao associarem-se s pessoas da mesma classe,

    mantinham o sentimento de comunidade e solidariedade.

  • 11

    Phil Cohen situou a origem das subculturas juvenis na estrutura de classes e na

    cultura de classes, numa poca de grandes mudanas a nvel social, cultural e

    econmico. O seu trabalho foi de tal forma influente para o CCCS que Hall e Jefferson

    (1976: 5-6) assumem que foi a partir da reviso e da crtica ao seu trabalho que se

    formou a base terica da obra que viria a marcar os estudos juvenis. Este mtodo veio

    tratar as representaes juvenis como forma de delimitar as origens estruturais e

    culturais das subculturas juvenis britnicas.

    Fundado em 1964, o CCCS de Birmingham ofereceu ao mundo acadmico uma

    nova forma de ver as subculturas e consequentemente uma nova metodologia para o seu

    estudo. Afastando-se de alguns dos mtodos apresentados pela sociologia urbana da

    Escola de Chicago, principalmente do trabalho emprico centrado na observao

    participante e da sua ligao directa criminologia, o CCCS props-se analisar

    ideologicamente os media, a cultura popular, a literatura e o everyday life, pois a

    cultura seria sempre entendida como uma questo de conflito de classes (Gelder, 2005:

    81).

    Para o CCCS, o crescente consumo de certos bens por parte dos jovens da classe

    trabalhadora representava uma forma de resistncia dos jovens contra o poder

    hegemnico. O CCCS analisou a forma como os recursos apropriados pelos jovens

    podiam caracterizar uma reaco colectiva s alteraes vividas no ps-guerra (Bennett

    e Kahn-Haris, 2004: 5). Desta forma, aquilo que para a Escola de Chicago era entendido

    como desvio comportamental passou a ser visto pela escola britnica como uma forma

    de resistncia contra o poder, dando sentido e significado aos objectos utilizados pelos

    jovens pertencentes classe trabalhadora.

    Com as influncias de Antonio Gramsci (atravs do conceito de hegemonia), de

    Louis Althusser (principalmente atravs do conceito de ideologia), e de Roland Barthes

    (atravs da leitura dos signos como um sistema de significados que esto na base da

    cultura) os estudos britnicos afastaram-se do trabalho emprico proposto pela Escola de

    Chicago, optando por uma via de anlise mais centrada no texto e preferindo ler estes

    signos distncia (Gelder 2005: 83).

    No entender de Sanches (1999: 198-199), esta leitura inovadora do marxismo

    permitia uma viso mais diferenciada e autnoma da cultura, sem se incorrer no risco de

    um idealismo traidor e isento de funo crtica. Desta forma, ao moldar a perspectiva

    marxista atravs de um interesse semiolgico, os estudiosos de Birmingham viram nos

  • 12

    jovens da classe trabalhadora um factor de resistncia de classe temporrio e simblico

    (Wulff 1995: 3).

    Com a edio de Resistance Through Rituals: Youth Subcultures in Post-War

    Britain (Hall e Jefferson, 1976) o estudo sobre a resistncia de culturas juvenis atravs

    da msica, do estilo e do lazer tornou-se uma realidade nos estudos acadmicos. Aps a

    edio desta obra, as abordagens acadmicas sobre os movimentos juvenis tornaram-se

    indissociveis da Escola de Birmingham e dos seus autores. Continuamente discutido,

    aplaudido ou criticado, este texto, e a escola a ele associado, marcaram profundamente

    os estudos sobre jovens nas diferentes cincias culturais e sociais, criando uma linha

    terica e metodolgica que continua a influenciar o estudo das culturas juvenis.

    Esta obra conferiu ao CCCS as bases metodolgicas para estudar os fenmenos

    associados aos jovens da classe trabalhadora na realidade social inglesa no ps-guerra.

    Alm de delinear o modelo de anlise que se tornou a bandeira da Escola de

    Birmingham, esta obra tornou-se a grande fonte de inspirao para a maioria dos

    trabalhos acadmicos sobre jovens que se lhe seguiram. igualmente atravs deste

    texto fundador que os tericos de Birmingham apresentam a teoria subcultural como

    soluo para estudar estes fenmenos, apontando a questo de classes e a resistncia

    contra o poder institudo como principais factores para o aparecimento das subculturas

    juvenis em Inglaterra.

    Ao considerar os jovens o grupo social mais emergente do perodo ps-guerra,

    esta obra props-se explicar a representatividade e as motivaes que estiveram na

    formao das subculturas juvenis enquanto manifestaes de mudana social. Acima de

    tudo, os jovens tinham um papel importante na compreenso, interpretao e explicao

    do perodo social e poltico que se vivia em Inglaterra, j que, segundo Caputo (1995:

    21), os jovens estavam ligados a uma noo de resistncia em resposta s condies de

    opresso social que experienciavam ao longo das suas vidas.

    Na primeira teoria apresentada em Resistance4

    4 Abreviatura do ttulo Resistance Through Rituals: Youth Subcultures in Post-War Britain

    , clarifica-se a utilizao do termo

    Youth Culture. Aqui a palavra cultura serve para referir o nvel em que grupos sociais

    desenvolvem parmetros de vida e do uma forma expressiva sua experincia de vida

    social e material. Consideraram que a cultura a forma como os grupos lidam

    materialmente com a sua existncia e , no fundo, a prtica que d significado vida em

    grupo (Clarke et al., 1976: 10).

  • 13

    Em Resistance, os tericos britnicos tiveram por objectivo reclassificar o termo

    de cultura juvenil, atendendo aos diferentes tipos de subculturas, a relao destes grupos

    com a cultura de classes e a forma como a cultura hegemnica se manteve estrutural e

    historicamente (Hall e Jefferson 1976: 5). A partir desta nova classificao, o objectivo

    passou por explicar tanto a aco social como a reaco social, de forma estrutural e

    histrica, de modo a abranger vrios nveis de anlise que abordassem as diferentes

    relaes das actividades juvenis com o poder, as classes, a ideologia e a hegemonia

    (ibid., 6).

    Foram estes grupos relativamente definidos, quando distinguidos por idade e por

    gerao, que os estudiosos de Birmingham chamaram de youth sub-cultures (Clarke

    et al., 1976: 14). Estas subculturas surgiam em determinados momentos histricos,

    tornando-se visveis e ganhando ateno pblica, at ao momento em que desapareciam

    ou se tornavam to difundidas que perdiam a essncia original e autntica que as

    distinguiam da cultura dominante.

    Os estudiosos de Birmingham, ao associarem os movimentos juvenis questo

    de classes sociais e entendendo estes movimentos como um sinal de protesto contra a

    situao precria das classes trabalhadoras, transformaram os estudos subculturais de

    questes meramente comunitrias e locais em macro perspectivas de classe (Bennett e

    Kahn-Haris, 2004: 4-5) atravs da abordagem estruturalista proveniente da Escola de

    Frankfurt.

    Inspirada pela linha terica de Phil Cohen e pela teoria marxista das classes

    sociais, a investigao do CCCS assentou igualmente no conceito de hegemonia de

    Antonio Gramsci. Ao analisar as subculturas como uma das formas da classe

    trabalhadora lutar contra a realidade social e econmica (Bennett, 2000: 19), o centro de

    estudos britnico idealizou e romantizou uma relao de oposio entre a classe

    dominante e a classe trabalhadora. Classificadas a partir das suas origens estruturais, as

    subculturas assumiam a sua posio de classe em oposio ao poder hegemnico,

    distinguindo-se, simultaneamente, da sua cultura parental.

    Segundo John Clarke et al. (1976: 13-14), as subculturas juvenis serviam-se de

    actividades, de valores, da ocupao de espaos e da utilizao de certos artefactos para

    se exibirem de forma suficientemente distinta da sua cultura parental. Todavia, no

    entender dos autores, estes jovens no queriam esquecer ou apagar as suas

    provenincias, pois, as subculturas juvenis subsistiam numa dupla articulao: com a

    cultura parental e em simultneo com a cultura dominante (ibid., 15). Assim, as

  • 14

    subculturas implicavam um nvel de anlise duplo: por um lado na sua relao com a

    hegemonia numa luta entre a classe trabalhadora e as classes dominantes e por outro

    na relao entre os jovens e a cultura parental a que pertenciam. Era atravs desta dupla

    relao que estas subculturas subsistiam dentro da cultura de classe onde se formaram

    (ibid., 14-15).

    Os smbolos e as prticas serviam para que estes grupos se afastassem da cultura

    hegemnica, quebrando regras morais institudas na sociedade britnica do ps-guerra.

    Desta forma, era atravs destes smbolos e destas prticas que as questes da juventude

    assumiam uma forma palpvel e perceptvel (ibid., 16).

    Adaptando a teoria de Gramsci a uma ideia de resistncia juvenil, os estudiosos

    de Birmingham entenderam as subculturas como fenmenos que desafiavam a

    hegemonia. Para Clarke et al., este desafio assumia a forma de uma luta de classes pela

    distribuio do poder cultural (1976: 12). Assim, as subculturas juvenis centradas na

    msica, no estilo e no lazer, representavam sub-ideologias que, para existirem e se

    manterem vivas, lutavam contra o poder institudo, enquanto a cultura dominante

    identificava e controlava todas as outras culturas, mantendo-as sob o seu domnio.

    Em Resistance considera-se que a hegemonia trabalha atravs da ideologia ao

    inserir as classes subordinadas nas instituies e nas estruturas que suportam o poder e a

    autoridade social da ordem dominante, pois, como demonstram os autores desta obra,

    nestas estruturas e nestas relaes que as classes subordinadas vivem a sua subordinao

    (Clarke et. al., 1976: 39). O trabalho terico dos estudiosos de Birmingham veiculou

    ainda a ideia de que nem todas as culturas subordinadas tm necessariamente que estar

    sempre a lutar contra o poder hegemnico, pois, muitas vezes estas culturas adaptam-se

    por determinados espaos de tempo s regras institudas.

    No entender de Clarke et al. (1976: 25), o sistema capitalista mostrou-nos que a

    pobreza era um dos seus factores estruturais atravs da redistribuio desigual da

    riqueza, o que beneficiou em grande medida a classe mdia, e consequentemente, o

    domnio sobre a estruturao social e cultural da sociedade. As subculturas seriam ento

    a resposta dos jovens da classe trabalhadora, mais pobre e a mais vulnervel perante as

    desigualdades estruturais, contra a situao precria em que vivia a sua cultura parental.

    Para estes autores, a hegemonia garante que nas relaes sociais entre classes,

    aqui representada na relao das subculturas (classe trabalhadora) com a cultura

    dominante (classe mdia), cada um reproduza o seu papel na forma de dominado ou

    subordinado, pois o conflito de classe nunca desaparece (ibid., 41). Assim, a partir da

  • 15

    posio que ocupam, enquanto fenmenos pertencentes classe subordinada, que as

    subculturas da classe trabalhadora ganham forma e se relacionam a nvel social e

    cultural com a hegemonia (ibid., 45).

    Pode-se concluir que na interseco entre a cultura parental e as instituies

    mediadas pela cultura dominante (escola, empregos em part-time, e lazer) que as

    subculturas surgem (ibid., 53). A resistncia juvenil funciona como uma imitao da

    relao de subordinao/luta da sua cultura parental perante a cultura dominante,

    transformando e aplicando esta relao s suas prprias experincias. Assim, para

    Clarke et al., as subculturas da classe trabalhadora so uma resposta s problemticas

    que os jovens partilham com outros membros da classe parental (ibid., 48).

    O carcter da relao entre a hegemonia e as subculturas tornou-se numa das

    etiquetas mais significativas da proposta do CCCS de Birmingham para designar a

    ruptura com os valores, os ideais e os modelos de vida idealizados pela classe

    dominante, e s esta mesma relao onde a resistncia dos subordinados perante

    quem domina justifica a tese estrutural em que assenta a base metodolgica dos

    investigadores britnicos. Segundo a tese veiculada pelo CCCS, s a resistncia de

    classe poderia justificar a existncia da hegemonia, uma posio que comprometeu a

    aplicao do mtodo noutras realidades que no a experienciada pelos jovens da classe

    trabalhadora britnica.

    A ideia de um consumo comum, ideais comuns e de situaes sociais comuns

    (precariedade, desemprego, desigualdades sociais) dos indivduos pertencentes s

    subculturas inglesas criou uma sensao de padronizao dos gostos e das prticas

    juvenis que tem vindo a ser cada vez mais criticada por ser empiricamente difcil de

    provar. Para o CCCS s faz sentido falar em subculturas da classe trabalhadora a partir

    dum modelo de estudo estrutural, onde o dominado resiste perante o dominante at ao

    momento em que absorvido pela estrutura em que se insere. Essa absoro ento

    feita atravs da comercializao das culturas marginais, elegendo o mercado e os mass

    media como reguladores das regras e dos ideais sociais propostos pela cultura

    dominante.

  • 16

    1.3.1. O Estilo

    O estilo foi o elemento de consumo dos jovens que mais chamou a ateno aos

    investigadores britnicos, e seria definido como a principal caracterstica das

    subculturas, visto que marcava de forma mais distinta a resistncia e a autenticidade das

    subculturas juvenis. Clarke (1976: 175-6) considerava que era sobretudo na esfera do

    lazer que os estilos subculturais se tornavam mais visveis. Este lazer funcionava como

    uma rea de relativa liberdade onde o estilo representava formas de expresso da

    experincia de classe.

    Para abordar o estilo como elemento distintivo das subculturas, a obra central do

    CCCS de Birmingham apresenta um captulo exclusivo (Theory II) para lanar e

    justificar a base terica sobre a questo do estilo em que se deveriam apoiar os estudos

    das subculturas juvenis. Centrando a sua abordagem do momento da criao estilstica,

    John Clarke (1976: 177) resgata o conceito de bricolage do antroplogo francs Claude

    Levi-Strauss que via na reordenao e nova contextualizao de objectos uma forma de

    comunicar novos significados, onde objecto e significado funcionariam juntos como

    uma forma caracterstica de discurso.

    Para Clarke, aplicada s formas de expresso estilstica dos jovens pertencentes

    s subculturas, a transformao teria que ser entendida atravs do seu significado

    alternativo gerado pela experincia e pela conscincia dum grupo social dominado

    (ibid., 178). Estes elementos, existentes no mercado de consumo, seriam transformados,

    adquirindo novos significados que exprimiam o conflito de classes.

    O estilo garantia ao grupo uma identidade prpria que o distinguia dos outros,

    atravs da variao de objectos, diferentes materiais e condies culturais sob as quais

    cada um seria gerado (ibid., 180). Segundo Clarke (ibid., 182), os diferentes estilos no

    funcionavam apenas como forma de criar uma imagem ou identidade prpria, mas

    tambm como forma de definir as fronteiras de cada grupo tanto para os seus membros

    como para aqueles que no pertenciam a esse mesmo grupo, permitindo a sua

    continuidade.

    O CCCS viu no estilo um espao onde uma homologia juntava diferentes

    artefactos, como a msica, os penteados ou os espaos de lazer, que serviam como

    forma de simbolizar determinados valores subculturais (Bennett 2000: 78). O CCCS d

    importncia a esta relao homloga em torno do estilo pois esta clarifica a relao

    entre a estrutura e o contedo de um artefato ou estilo visual adotado pela subcultura e

  • 17

    sua estrutura grupal, sua auto-imagem coletiva, suas inquietaes essenciais e suas

    atitudes (Filho, 2007: 34).

    Outra contribuio marcante do departamento de estudos culturais de

    Birmingham para o quadro terico que predominou os estudos das subculturas juvenis

    foi de Dick Hebdige, com a sua obra Subculture: The Meaning of Style de 1979. Nesta

    obra, Hebdige aborda a subcultura punk formada pelos jovens da classe trabalhadora

    inglesa como forma de teorizar a emergncia, a luta contra a norma instituda e, mais

    tarde, a sua absoro pela cultura hegemnica.

    As subculturas espectaculares, na sua origem, funcionavam para Hebdige

    (1979b: 121) atravs de um mecanismo de desordem semntica, representada atravs do

    estilo. Esta desordem seria exposta atravs de contedos proibidos e de forma proibida.

    A utilizao de cdigos, que marcavam uma quebra das regras institudas, serviria como

    forma de combater a cultura mainstream.

    Hebdige analisa o estilo atravs dos estudos de Roland Barthes, para quem a

    semitica permite ler e entender os estilos como desafiadores da ordem simblica. O

    poder do estilo surgia atravs das diferentes formas em que os signos eram utilizados e

    recolocados em contextos semiticos diferentes do original.

    Para Hebdige o mainstream funcionava como uma forma de restabelecimento do

    desvio protagonizado pelos estilos subculturais, baseando-se num processo de

    recuperao atravs do regresso da ordem e da incorporao das subculturas dentro da

    cultura dominante. Esta recuperao, baseada na comercializao das subculturas e na

    criao de uma catalogao que inserisse as prticas destes jovens dentro da cultura

    dominante, assentava em dois pontos: converso dos signos subculturais em produtos

    produzidos em massa - The commodity form; e a catalogao e redefinio da

    experincia desviante pelos grupos dominantes The ideological form (Hebdige,

    1979b: 122).

    Com a aproximao ao mainstream os estilos subculturais ficavam

    comprometidos pela sua incorporao na indstria da moda e na esfera comercial e

    mediatizada, decretando a sua morte. Deste modo, a inovao, atravs de signos j

    existentes, representaria o esprito das subculturas, diferente da imitao que reflectia a

    massificao dos elementos culturais utilizados por certas subculturas, consequncia da

    sua chegada ao mainstream.

    Hebdige tambm aplicou o conceito antropolgico de bricolage a fim de

    explicar a auto-construo dos estilos pelas subculturas, comparando mesmo as prticas

  • 18

    estilsticas das subculturas a uma criao artstica dos movimentos Dada ou do

    surrealismo. A referncia de Hebdige a estes movimentos artsticos deve-se ao facto das

    subculturas espectaculares utilizarem objectos que existem na cultura mais abrangente,

    retirando esses mesmos objectos do seu contexto e dando-lhe novos significados.

    Roupas rasgadas, penteados em crista e tatuagens entre elas a cruz sustica, que

    Hebdige justifica como forma de provocao e no de qualquer tipo de racismo seriam

    alguns dos elementos estilsticos a que o movimento punk recorria para marcar a sua

    resistncia, uma forma de anti-arte atravs da provocao.

    Para os autores associados ao CCCS, o estilo representou a caracterstica mais

    expressiva assumida pelas subculturas juvenis britnicas no perodo posterior II

    Guerra Mundial. A partir da utilizao de elementos produzidos pelo crescente mercado

    juvenil, adaptados de maneira a criarem uma identificao colectiva nica que daria

    expresso autenticidade das subculturas, os jovens da classe trabalhadora criaram um

    espao de debate sobre as desigualdades sociais vividas em Inglaterra.

    Devido espectacularidade dos signos juvenis, os media catalogavam as

    subculturas consoante os interesses do poder dominante, atravs de esteretipos

    negativos que denegriam determinado estilo ou, em contrapartida, integrando-o na

    esfera comercial do mercado. A adopo dos estilos subculturais pelo mercado e a sua

    entrada no mainstream marcavam o fim dos pressupostos ideolgicos que estavam na

    base da formao das subculturas. Estes estilos s poderiam ser considerados

    subculturais enquanto mantivessem a sua autenticidade, e essa autenticidade s seria

    mantida enquanto as prticas destes jovens no fossem retiradas do seu contexto

    original.

    A metodologia aplicada pelo CCCS de Birmingham possibilitou uma nova viso

    sobre os movimentos juvenis e a sua importncia na sociedade, e ainda sobre a relao

    dos jovens com o mercado de consumo. Este mtodo possibilitou ainda a percepo de

    que os estudos sobre este tipo de movimentos esto teoricamente limitados ao tempo

    poltico e social em que surgem, pois a evoluo da sociedade contempornea no

    permite uma fixao terica a movimentos que surgem em diferentes locais por

    diferentes razes.

    Desde que o CCCS se interessou seriamente pelos aspectos espectaculares dos

    jovens muitas tm sido as propostas que se seguiram, por vezes contrariando o trilho

    delineado pelos pensadores de Birmingham. A proposta subcultural pode ter cado em

    desuso muito por culpa da banalizao do termo, principalmente nos media, mas a sua

  • 19

    proposta de analisar o papel dos jovens na sociedade, seja a nvel econmico, social ou

    cultural, continua presente nos estudos contemporneos sobre as prticas juvenis.

    1.4. Propostas Ps-Subculturais Crticas e Novos Modelos de Anlise

    A influncia dos estudiosos de Birmingham perdurou na academia durante as

    dcadas de 1970 e 1980, comeando a ser criticada e reformulada na ltima dcada do

    sculo XX. As chamadas teorias ps-subculturais, que surgiram no incio da dcada de

    1990 atravs de autores como Steve Redhead, Sarah Thornton, Andy Bennett ou David

    Muggleton, vieram colocar em causa a supremacia e a pertinncia acadmica da teoria

    subcultural de Birmingham.

    Muitos dos autores considerados ps-subculturais criticaram a base da teoria

    subcultural e a sua inadequao na anlise de outras realidades que no as vividas na

    Inglaterra na dcada de 1970. Entre as crticas de Thornton ao facto do CCCS querer

    ignorar uma bvia relao entre os movimentos juvenis e os media, e o conceito de

    neo-tribo de Bennett, onde a flutuabilidade inerente aos gostos juvenis contraria a

    fixidez e a rigidez da teoria subcultural britnica, muitas so as propostas que se

    seguiram ao boom acadmico que resultou da importncia dada pelo CCCS ao

    segmento juvenil.

    A crtica ao modelo subcultural tornou-se cada vez mais comum devido

    abordagem demasiado localizada, no espao e no tempo, numa Inglaterra ainda a sofrer

    socialmente as consequncias da II Guerra Mundial. A centralizao dos estudos na

    questo de classes, a fixidez de objectos e de prticas e ainda da negao da relao

    directa entre os movimentos juvenis e o crescente mercado dirigido especialmente aos

    jovens, so outras questes apontadas na crtica ao modelo do CCCS.

    As teorias ps-subculturais reconstruram a teoria centrada nas prticas e nos

    consumos juvenis, afastando-se do mtodo utilizado pelo centro de estudos de

    Birmingham, onde as subculturas seriam lidas como textos. Estes mtodos ps-

    Birmingham apostaram antes no trabalho de campo e em entrevistas qualitativas (Filho

    2007: 37). No entender de Filho, os grupos juvenis passaram a ser analisados a partir de

    uma lgica de pertencimento superficial, transitria, dispersa, associada a apenas uma

    frao da identidade individual e informada () por afinidades culturais eletivas

    compartilhadas (idem).

  • 20

    A autenticidade das subculturas defendida pela corrente britnica dos estudos

    culturais perde-se num mundo cada vez mais globalizado e verstil quando falamos de

    consumos e prticas da vida quotidiana dos jovens. Os movimentos baseados nos gostos

    individuais de cada um passam a assumir maior pertinncia em detrimento das

    identidades colectivas rgidas, possibilitando o relacionamento num mesmo espao de

    grupos que seriam considerados opostos.

    Para alm da pouca flexibilidade de anlise apontada ao mtodo de Birmingham,

    tambm foram alvos das crticas dos autores ps-subculturais a reduzida importncia

    dada ao papel do gnero feminino e ao impacto que a etnicidade tinha nas subculturas

    brancas. Estas negligncias tornaram o modelo subcultural frgil quando aplicado

    noutros contextos que no aqueles analisados pelos pensadores de Birmingham.

    Na opinio de Widdicombe e Wooffitt, o CCCS negligenciou as subculturas

    no-brancas e os membros femininos de subculturas consideradas tradicionalmente

    masculinas, como os punks, os mods ou os teddy boys (1995: 18-19). Estes autores

    sugerem ainda alguns problemas tericos relacionados com a questo do estilo, pois a

    teoria subcultural assume que o estilo manifestava automaticamente uma forma de

    resistncia contra as diferenas sociais e isso dificilmente se justifica a partir do

    momento em que esses smbolos so criados e rentabilizados pelo mercado capitalista

    (1995: 25).

    Bennett e Kahn-Harris (2004) apontam a excluso das mulheres, a relao do

    consumo com a noo de resistncia da classe trabalhadora, o desprezar do papel dos

    media na criao das subculturas, a limitao da definio de juventude e ainda o facto

    da teoria subcultural se basear num conceito britnico, como alguns dos principais

    aspectos para a inadequao do termo subcultura para classificar movimentos juvenis

    relacionados com a msica e com o estilo.

    Estes autores do ainda nfase crtica sobre a opo dos tericos de

    Birmingham analisarem uma relao de resistncia da classe trabalhadora atravs da

    evoluo do consumo no ps-guerra. Lanada por Muggleton, esta crtica assenta acima

    de tudo na noo de que os membros das subculturas pertenceriam exclusivamente

    classe trabalhadora, factor que considerado meramente uma conjectura terica e no

    um facto provado (Bennett e Kahn-Harris, 2004: 7). Assim, ao classificar as subculturas

    com papis estruturais, o CCCS nunca colocou a hiptese de estes jovens utilizarem

    estes smbolos e estas prticas como mera forma de divertimento (ibid., 8).

  • 21

    Bennett no artigo Subcultures or Neo-Tribes? (1999: 599-617) considera que

    o conceito de subcultura no serve enquanto ferramenta analtica nos estudos sobre os

    movimentos juvenis centrados na msica, no estilo e no lazer. Bennett critica ainda o

    destaque dado aos elementos de consumo, como a msica e os elementos estilsticos, e a

    sua articulao com uma forma de resistncia da classe trabalhadora. Para Bennett no

    faz sentido cruzar consumo com luta de classes ou seguir um ideal de que os

    movimentos juvenis seriam fragmentos da sociedade associados a essas mesmas classes

    sociais, pois alm da teoria subcultural ser utilizada de forma contraditria e pouco

    coerente quando relacionada com jovens, msica e estilo, torna-se demasiado difcil de

    compreender em termos empricos (1999: 605).

    Bennett no contesta a ideia da Escola de Birmingham de que foram os jovens

    da classe trabalhadora os primeiros impulsionadores dos movimentos centrados na

    msica, no estilo e no lazer, dado que foi o primeiro grupo social no ps-guerra com um

    mercado prprio e diferenciado (ibid., 602). No entanto, ope-se ideia de que o

    consumo de elementos estilsticos fosse uniformemente utilizado pelos jovens da classe

    trabalhadora como uma forma de colocar em causa as mudanas estruturais que

    ocorriam na sociedade britnica, simbolizando um factor de resistncia, como defende a

    teoria subcultural. Para Bennett faria mais sentido afirmar que o crescente consumismo

    no ps-guerra ofereceu aos jovens uma forma de se diferenciarem e afastarem das suas

    identidades de classe, facilitando a criao de novas identidades baseadas nos artefactos

    que consumiam.

    Juntamente com alguns destes problemas identificados na teoria subcultural, os

    autores ps-subculturais justificaram a inadequao da teoria subcultural devido

    constante fragmentao dos estilos juvenis desde a dcada de 1980 (Bennett e Kahn-

    Harris 2004: 11). Este movimento acadmico que se seguiu longa influncia de

    Birmingham argumenta que as divises subculturais que se centraram na relao entre

    estilo, msica e identidade no esto to articuladas em questes estruturais, tnicas ou

    de gnero como se pretendia (idem).

    Por sua vez, a crtica de Sarah Thornton assenta no afastamento do modelo

    subcultural do trabalho de campo, que esta autora considera fundamental, e na excluso

    dos media e da questo do mercado na definio de culturas autnticas por parte do

    CCCS (1995: 8-9). Para esta autora, as subculturas autnticas de Birmingham no

    seriam mais que meras construes dos media, pois era atravs das imagens criadas

  • 22

    pelos media que os jovens se situavam relativamente ao resto da sociedade (Bennett

    2000: 24).

    No entender de Dan Laughey, a abordagem estruturalista da escola subcultural

    britnica falhou por tentar retratar todos os grupos subculturais da mesma forma,

    baseando-se na ideia de classes e do conflito geracional, romantizando uma guerrilha

    entre as subculturas e o poder hegemnico. Para este autor, o mtodo do CCCS falhou

    ainda por utilizar o conceito de homologia para classificar os estilos utilizados pelas

    subculturas, considerando-a inconveniente. Laughey considera que os estilos

    subculturais seriam tudo menos homlogos, pois pelo contrrio, muitos deles seriam

    contra a homologia, e s assim conseguiram ganhar expresso (2006: 23-27).

    Pode-se concluir que o mtodo desenhado em Birmingham na dcada de 1970

    tem sido criticado por conter falhas tericas, metodolgicas e empricas, que no

    entender das novas correntes impossibilitam a sua utilizao na anlise das prticas

    multiculturais, multitnicas e multigeracionais da realidade contempornea.

    A msica, os estilos ou as prticas colectivas so cada vez mais divulgados

    atravs dos media tradicionais, assim como dos novos media, perdendo cada vez mais o

    seu sentido de autenticidade e baseando-se na particularidade dos gostos individuais,

    mesmo que estes continuem a ser influenciados pela massificao da informao

    recebida diariamente. Classificar estruturalmente os gostos individuais torna-se uma

    tarefa rdua, se no impossvel, pois na realidade contempornea, onde as trocas

    culturais acontecem a um ritmo vertiginoso, muitas das barreiras sociais e culturais tm

    vindo a ser derrubadas pela facilidade na troca de conhecimentos e experincias.

    Com o aparecimento de novas manifestaes culturais nas sociedades

    contemporneas e de movimentos juvenis que se expressam atravs do consumo de

    determinados bens, tambm a vontade acadmica de analisar a representatividade social

    destes fenmenos ganhou uma nova dimenso.

    Entre algumas dessas novas abordagenss ps-subculturais, Joo Freire Filho

    salienta as influncias de Pierre Bourdieu e a sua sociologia do gosto, de Max Weber a

    partir da descrio da clivagem da sociedade em grupos de status, de Judith Butler com

    o nfase dado ao carcter fendido, contraditrio e cambivel das identidades, ou ainda

    do conceito de tribu de Michel Maffesoli (Filho, 2007: 37).

    O modelo de Bourdieu, onde os gostos individuais estariam directamente

    associados questo das classes sociais, foi importante para que se comeasse a pensar

    seriamente na particularidade e na escolha dos gostos de cada um. Tambm o conceito

  • 23

    de tribu de Maffesoli teve uma enorme influncia nos estudos juvenis contemporneos,

    j que ofereceu a autores como Andy Bennett a imagem de grupos urbanos flexveis e

    temporais numa sociedade cada vez menos dividida de forma estrutural.

    Influenciados por alguns dos modelos ps-modernistas de anlise cultural e

    social, club cultures, neo-tribos, cenas e estilos de vida tornaram-se faces visveis das

    novas propostas para o estudo das particularidades juvenis nas sociedades

    contemporneas. As tentativas de enquadramento terico sobre as prticas quotidianas

    influenciadas pela globalizao e rpida troca de informao, garantiram um

    afastamento da rigidez estrutural da viso marxista do consumo cultural. As tradicionais

    divises entre alta e baixa cultura desgastaram-se na anlise distante e na falta de

    proviso emprica sobre fenmenos que dificilmente se enquadram numa ideia de luta

    hegemnica entre o poder e a classe trabalhadora.

    O consumo e a produo assumem especial pertinncia nos movimentos

    contemporneos e nos modelos tericos para o seu estudo. Objectos, sons e estilos que

    marcam os gostos individuais de cada um no podem ser vistos como marcos da origem

    e do passado social de quem os consome. Fundamental para o entendimento das

    culturas juvenis contemporneas, o consumo simblico e hbrido impossibilita a anlise

    destas culturas atravs de questes como a classe, o gnero ou a etnia, onde uma forma

    mais individualizada e privada do consumo supera a ideia de consumo colectivo e

    padronizado (Chatterton e Hollands 2003: 73).

    A capitalizao dos smbolos juvenis assume uma cada vez maior

    preponderncia na formao e divulgao dos movimentos juvenis. A mercantilizao

    dos objectos consumidos pelos jovens que identificam os seus gostos musicais ou

    estilsticos est massificada num mercado exclusivamente para os jovens. Na opinio de

    Steve Redhead (1993: 1), isso j aconteceria na dcada de 1980, considerando que a

    cultura juvenil se tornara uma indstria por si s, o que comeou a levantar dvidas

    sobre a autenticidade das questes juvenis que assentavam numa questo de revolta.

    Para este autor, a catalogao das prticas juvenis passou a representar apenas uma

    forma de marketing sobre os produtos e sobre as formas de lazer associados aos jovens.

    Para alm da implementao do mercado juvenil, necessrio ter em conta a

    evoluo dos meios tecnolgicos que permitem que as trocas culturais se tornem cada

    vez mais rpidas e simplificadas. Esta troca de informao beneficiou a globalizao da

    cultura, influenciando o aparecimento de novas formas de sociabilizao juvenil em

    diferentes locais, praticamente ao mesmo tempo. Diferentes grupos passaram a ter

  • 24

    contacto entre si de diferentes formas, em concertos e festivais, em discotecas ou raves,

    ou interagindo no mundo virtual da Internet onde se partilham ideais e novas formas de

    produzir e consumir a cultura, criando grupos que no se baseiam numa qualquer

    resistncia de classes.

    A proposta de grande parte das teorias ps-subculturais resgata a ideia do

    trabalho de campo etnogrfico, considerando que a flutuabilidade dos gostos juvenis

    necessita ser observada in loco, fundamental para eliminar falsas e precipitadas

    concluses de esteretipos juvenis pr-definidos. No entender de Amit-Talai (1995:

    224), o carcter fluido e hbrido dos gostos juvenis tem que ser salientado quando se

    estudam culturas contemporneas, pois no permite catalog-los como culturas

    autnticas ou limitadas a espaos e a tempos especficos.

    Segundo estas novas abordagens, sejam elas consideradas ps-subculturais ou

    no, no possvel aplicar a teoria subcultural de Birmingham s prticas dos jovens

    contemporneos que centram as suas escolhas estticas, estilsticas ou de lazer nos seus

    gostos individuais, hbridos e temporais. A autenticidade torna-se difcil de explicar a

    partir de elementos produzidos pelo mercado e que podem estar a ser consumidos por

    diferentes indivduos, social e culturalmente diferentes, ao mesmo tempo em diferentes

    locais.

    1.4.1. Club Cultures e as Culturas de Gosto

    O crescimento da popularidade do cenrio festivo na dcada de 1990 em torno

    da msica electrnica de dana, particularmente em Inglaterra com o house e o techno, e

    o aparecimento de um sem nmero de outros subgneros, estiveram na origem do termo

    sociolgico club cultures (Bennett, 2001: 124-125). Os autores que se centraram neste

    modelo terico viram nas diferenas estilsticas que compunham o cenrio das

    discotecas britnicas um claro sinal que marcava o fim da tradio subcultural delineada

    no ps-guerra (ibid., 125).

    Chatterton e Hollands (2003: 74-75) consideram que o primeiro paradigma

    alternativo ao CCCS de Birmingham foi o de Steve Redhead, com a sua proposta

    centrada nas club cultures. Seguindo a ideia deste autor, com as club cultures no faria

    sentido falar em classes, pois estas culturas teriam que ser vistas como estruturas soltas

    de qualquer sistema. As club cultures seriam fundadas nas estruturas mediticas e

  • 25

    comerciais da msica de dana contempornea, onde a busca do prazer individual seria

    mais pertinente do que qualquer ideia romantizada da luta de classes.

    Steve Redhead abordou o movimento das raves britnicas onde identificou uma

    clara aproximao entre diferentes culturas juvenis marcadas pelo estilo, as quais

    partida seriam consideradas opostas. Este autor aproveitou o seu estudo para propor

    uma nova forma de abordar os movimentos juvenis centrados nas questes da msica,

    do estilo e do lazer.

    Segundo Bennett e Kahn-Harris (2004: 11) o que originou as club cultures de

    Redhead foram os efeitos da ps-industrializao e o aumento do tempo livre dos

    jovens. Estas mudanas vieram eliminar as divises estruturais como as classes, a raa e

    o gnero medida que os diferentes participantes das festas comearam a experienci-

    las de forma colectiva. As discotecas e as festas em espaos abertos ou armazns

    abandonados tornaram-se locais onde se misturavam os mais diversos e variados estilos

    subculturais, quebrando a ideia de que diferentes grupos estilsticos ocupariam

    obrigatoriamente espaos, gostos e formas de lazer diferentes.

    Outra abordagem que viu nas culturas club uma forma de contrariar o modelo

    subcultural foi a de Sarah Thornton. Thornton destacou-se por lanar o conceito de

    capital subcultural na sua obra Club Cultures: Music, Media and Subcultural Capital

    (1995), baseando-se no conceito de capital cultural de Pierre Bourdieu. Para esta autora

    os gostos culturais funcionariam como forma de hierarquizar tambm o social.

    Quando Pierre Bourdieu utilizou a noo de habitus e um modelo de anlise

    sociolgico baseado no gosto, criou um sistema de classificao cultural onde o gosto

    estaria intimamente ligado com a estruturao social. Este sistema de classificao

    permitia explorar o conhecimento acumulado ao longo da vida, delineando o estatuto

    social de cada um (Thornton, 1995: 10). Capital cultural seria ento um sistema de

    distino a partir do qual as hierarquias culturais correspondiam s hierarquias sociais,

    onde o gosto seria predominantemente uma questo de classe (idem).

    Thornton defende que a definio de Bourdieu, apesar de estar ligada ideia de

    classes, se afasta das formas rgidas de estrutura social, por isso, seria uma boa sugesto

    terica para criar um mtodo interno de anlise dentro das prprias subculturas. Ao criar

    a noo de capital subcultural, Thornton visou desmitificar a ideia de que a utilizao

    dos estilos podia funcionar como uma forma de hierarquizao social. As hierarquias

    que a autora encontrou durante o seu estudo seriam internas, uma questo de gosto,

    onde o consumo cultural por parte dos membros das subculturas actuava em prol do seu

  • 26

    estatuto interno e de forma a se diferenciarem de outros grupos. Segundo Thornton, o

    capital subcultural que confere estatuto ao seu proprietrio perante os seus pares,

    podendo este ser personificado sob a forma de cortes de cabelo, de coleces de discos

    ou estando ao corrente da linguagem e das formas de expresso dentro de um

    determinado movimento (ibid., 11-12).

    Desta forma, o capital subcultural proposto por Thornton acaba por se revelar na

    forma como os objectos so utilizados e no pela utilizao dos objectos em si, e assim,

    a utilizao de determinados objectos pode no ser uma representao directa das

    divises estruturais da sociedade. A utilizao destes objectos pode ser uma mera

    questo de gosto, assim como uma forma de identificao no momento das reunies

    colectivas. O estatuto dentro duma subcultura ento definido pela hipness (estar na

    moda e estar ao corrente das ltimas novidades), ou seja, definido a partir da maneira

    como se utilizam os objectos subculturais e como se participam nos rituais celebrativos.

    Thornton prev as crticas ao seu modelo e tenta afastar a ideia de que, apesar

    dos elementos consumidos pelos jovens se converterem em capital econmico, o capital

    subcultural no est relacionado com a questo de classes, pois considera que as

    questes de classes so ofuscadas pelas distines subculturais (1995: 12). O capital

    subcultural permite o afastamento dos jovens da questo das classes dos pais, pois o

    imaginrio da no existncia de classes est inerente s distines subculturais. Para

    Thornton, o capital subcultural representa uma alternativa hierrquica no qual a idade, o

    gnero, a sexualidade e a etnia so utilizados para manter os determinismos de classe

    afastados (ibid., 105).

    O conceito de capital subcultural elaborado por Thornton define a hierarquia de

    uma subcultura, uma hierarquia interna livre dos factores estruturais da sociedade. Essa

    hierarquia definida atravs da forma como os elementos que compem a cultura so

    utilizados, como o estilo, o penteado, ou a forma de danar, assim como da participao

    nos rituais de fim-de-semana, onde o dia-a-dia esquecido em prol do prazer individual

    em espaos colectivos.

    A abordagem de Thornton ficou ainda marcada, e provavelmente esta foi a sua

    maior contribuio, pela ligao entre subculturas juvenis e media. Thornton identificou

    trs diferentes tipos de media directamente relacionados com as club cultures, assim

    como as suas diferentes utilizaes e significados. Atravs da diviso entre micro, niche

    e mass media, a autora assume que um mesmo fenmeno pode ter diferentes relaes

    com os diferentes tipos de media, e que a sua utilizao, de forma positiva ou negativa,

  • 27

    evidente. Alis, Thornton considera que sem a interveno dos mass media,

    dificilmente teria existido um movimento juvenil britnico (ibid., 132).

    A relao afirmativa entre media e as subculturas demonstrada atravs da

    utilizao dos micro-media, como os flyers para anunciar as festas, as rdios piratas, as

    fanzines produzidas por seguidores de um determinado gnero musical ou forma de

    vestir, as mailing lists ou os sites na Internet (1995: 137). Assim, no faz sentido, nem

    possvel, negar a estreita relao entre os agentes mediticos e as prticas e consumos

    juvenis, pois a autenticidade de um determinado movimento nunca poder estar

    directamente dependente desta relao.

    A proposta de Sarah Thornton veio contrariar a ideia imposta na grande maioria

    dos estudos juvenis, acima de tudo aqueles que seguem a linha terica do CCCS, onde

    as subculturas e os agentes mediticos vivem geralmente em oposio, provando que

    para analisar esta relao entre jovens e media no basta analisar as manchetes dos

    jornais ou as notcias televisionadas. Para esta autora, necessrio entender como os

    indivduos pertencentes a estes grupos se relacionam e utilizam eles prprios estes

    meios, j que sem eles a originalidade da msica, tal como de outros aspectos culturais

    relacionados com os jovens, no pode ser provada (1995: 128). Assim, no a

    utilizao dos media que tornam este ou aquele movimento parte de uma cultura de

    massas/comercial/vendida, mas sim a forma como representam as prticas colectivas

    juvenis e como so utilizados pelas subculturas em seu proveito prprio.

    No entanto, o mtodo aplicado por Thornton, tal como a utilizao do conceito

    sociolgico de club cultures, criticado por diversos autores (Bennett, 1999; Bennett e

    Kahn-Harris, 2004; Carrington e Wilson, 2004; Laughey, 2006) por no ser uma ideia

    consistente, j que a base da sua noo de capital subcultural , como a prpria autora

    identifica, fundada a partir de um pensamento centrado nas classes sociais, classes essas

    que a autora defende que no fazem sentido quando falamos de subculturas juvenis. A

    aplicao do conceito de capital subcultural proposta por Thornton pode ser considerada

    confusa e de certa forma contraditria, tornando-se assim um mtodo difcil de aplicar

    na anlise das prticas culturais dos jovens.

    Dan Laughey (2006: 40-41) dos mais crticos sobre a noo de club cultures.

    Para este autor os modelos aqui apresentados falharam em afastar-se do paradigma da

    teoria subcultural, afirmando mesmo que o modelo de Thornton no passa duma reviso

    dessa mesma teoria. Para este autor, o modelo de Thornton falhou por no analisar a

    realidade fora das reunies temporais, colocando de parte a relao das prticas de

  • 28

    consumo subculturais com as experincias dirias, o que supe que o mundo subcultural

    exclui qualquer considerao do dia-a-dia dos seus actores quando esto fora do

    contexto destas culturas de gosto.

    Neste sentido, o mtodo de Thornton parece falhar devido ao sistema

    hierrquico interno que criou para analisar as culturas club, que se baseia no consumo

    de certos artefactos e a forma como so exibidos dentro das subculturas. Este modelo de

    hierarquia interna cria uma clivagem na relao das subculturas com o meio que os

    rodeia. Desta forma, se as subculturas esto inseridas na sociedade, acontecem na

    sociedade, e consomem artefactos criados no mercado alargado, no as podemos excluir

    da realidade social e cultural mais abrangente. No se pode catalogar determinado

    movimento apenas pela forma como visto pelos seus participantes, pois preciso no

    esquecer o seu papel e a sua relao com o social, assim como o significado do

    consumo subcultural nas experincias dirias dos seus participantes.

    Apesar da tentativa de inovao e de ter tido uma contribuio relevante na

    anlise de como o gosto pode ser socialmente e culturalmente revelado atravs das

    prticas do consumo, a proposta de capital subcultural de Sarah Thornton no ganhou

    muitos adeptos na academia. No entanto, o seu trabalho serviu para mostrar que o

    quadro terico para a anlise dos fenmenos colectivos juvenis necessita ser

    continuamente repensado e adaptado s constantes evolues culturais e sociais

    causadas pela globalizao e pela rpida troca de informao.

    Os estudos de Redhead e Thornton assumem particular relevncia pela aplicao

    do mtodo etnogrfico na sua pesquisa e pela aproximao do investigador com o

    objecto. Estes autores, tal como muitos outros que vislumbraram nas culturas que

    assentam na msica electrnica de dana um ponto de viragem na forma de ver os

    movimentos juvenis, assumem que estas culturas, livres de compromissos tnicos,

    estruturais ou de gnero, tm que ser analisados de outra forma que no aquela proposta

    pelo CCCS, independentemente da sua origem, das suas prticas ou das relaes com os

    diversos instrumentos que pertencem esfera mais alargada do espao cultural.

    1.4.2. Neo-Tribos, Estilos de Vida e Cenas

    Para alm das Club Cultures, trs dos modelos de anlise ps-subculturais que

    tm vindo a ser referenciados nos estudos sobre as prticas culturais juvenis so as neo-

  • 29

    tribos, os estilos de vida e as cenas (Bennett, 2000, 2001; Bennett e Kahn-Harris, 2004;

    Filho, 2007; Laughey, 2006). Em After Subcultures (2004) Bennett e Kahn-Harris

    salientam que estas trs teorias ps-Birmingham tm vindo a ser aplicadas

    principalmente na anlise das prticas juvenis relacionadas com a msica e dos

    movimentos que se formam em torno de determinados estilos musicais. Estes mtodos

    assumem a temporalidade dos rituais contemporneos assim como a flexibilidade dos

    gostos e das prticas juvenis, onde o gosto por um determinado estilo musical quebra as

    barreiras estilsticas, tnicas, culturais e sociais sugeridas pelo modelo do CCCS.

    No artigo Subcultures or Neo-Tribes? (1999: 599-617), Andy Bennett baseia-

    se no conceito de tribus estudado por Maffesolli (1996), para aplicar a sua teoria de neo-

    tribos no estudo da dance culture existente em Newcastle. Esta teoria assenta nos

    pressupostos de que os agrupamentos ligados msica e ao estilo podem ser melhor

    compreendidos se interpretados como reunies temporais, marcadas por fronteiras

    tnues e por uma participao flutuante dos seus actores (Bennett, 1999: 600).

    Maffesoli utilizou o termo tribus para demonstrar o aumento da fluidez e a

    natureza instvel das relaes sociais na sociedade contempornea, j que este termo se

    afasta das formas de organizao comuns, referindo-se mais directamente aos estados de

    esprito que so exprimidos atravs de estilos de vida que favorecem a aparncia e a

    forma (Bennett, 1999; Bennett e Kahn-Harris, 2004: 12). Este modelo de identidade

    tribal de Maffesoli mostra, acima de tudo, a flexibilidade das associaes colectivas

    entre indivduos na sociedade de consumo e ilustrar a natureza temporal das identidades

    modernas (Bennett, 1999: 606). Apesar de Maffesoli ver as neo-tribos como um

    fenmeno social recente, alimentado pelas mudanas sociais e culturais da sociedade

    consumista moderna, Bennett considera que a identidade tribal est directamente

    associada s origens do consumo de massas no ps-guerra (ibid., 606-607).

    Para Bennett as dance clubs (discotecas) oferecem uma articulao baseada no

    divertimento, no relaxamento e no prazer onde acontece o colectivismo (Bennett e

    Kahn-Harris 2004: 12). Este colectivismo pode ser ento visto como algo limitado no

    tempo, formando uma associao neo-tribal caracterizada pela fluidez dos gostos dos

    jovens contemporneos.

    Atravs da sua anlise, Bennett conclui que a participao em determinados

    eventos est cada vez mais dependente das escolhas individuais, onde o tipo de msica

    ou o local onde acontecem os eventos podem influenciar na deciso da participao

  • 30

    (Bennett, 1999: 611). Para alm deste factor, Bennett considera que os gostos musicais

    podem diferir, dependendo do contexto em que o individuo se encontra.

    A noo de identidade neo-tribal afasta ainda a ideia criada pelo CCCS de que

    entre as escolhas musicais e os estilos visuais existe sempre uma relao homloga. No

    que essa relao no possa existir, mas que certamente no to rgida, e muito menos

    obrigatria, como aquela que se veiculou durante anos nos estudos juvenis (ibid., 613).

    As neo-tribos pensadas por Bennett centram-se na ideia de que impossvel nos

    tempos que correm colar os estilos juvenis e os gostos musicais a uma noo rgida de

    classes sociais, pois a identidade tribal, uma identidade que no se fecha sobre si

    mesma, admite a flutuabilidade social e cultural.

    Bennett entende que o estudo das culturas urbanas da msica de dana abriu as

    portas para uma nova forma de entender o modo como os jovens relacionam os gostos

    musicais e o estilo, revelando a natureza malevel da escolha do consumidor (1999:

    613). Assim, a livre escolha dos gostos musicais ou dos estilos podendo ter diferentes

    significados para cada indivduo que o consome faz com que as reunies colectivas

    no se governem pela rigidez subcultural, mas sim pelo carcter flexvel das associaes

    neo-tribais modernas.

    Outro dos termos utilizados pelos ps-subculturalistas o de estilo de vida. Este

    termo, aplicado por Max Weber no sentido de manifestao do status social, seria ento

    a forma mais correcta para interpretar os fenmenos de mudana identitria e de

    associao estilstica dos jovens contemporneos atravs da escolha individualizada e da

    articulao en