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8º Encontro da ABCP
01 a 04/08/2012, Gramado, RS
Área Temática: Representação Política
Capital familiar e carreira política no Brasil - o caso da Câmara dos
Deputados
Danusa Marques
(Prof. Assistente Ipol/UnB; Doutoranda DCP/UFMG)
Carlos Augusto Mello Machado
(Prof. Assistente Ipol/UnB; Doutorando DCP/UFMG)
Luis Felipe Miguel
(Prof. Titular Ipol/UnB)
2
Resumo:
A literatura sobre gênero e carreira política aponta que o capital familiar é o
principal recurso na trajetória “tradicional” de ingresso das mulheres na vida
política. Contudo, ainda não foi verificado como o capital familiar singulariza as
trajetórias de mulheres, já que ele se encontra também entre políticos homens.
O paper analisa a presença do capital familiar de deputadas e deputados
federais eleitos no Brasil nas últimas três eleições, entre 2002 e 2010. Além da
variável gênero, serão consideradas a ocupação anterior de cargos públicos
eletivos ou não, a presença de outras formas de capital político (sindical,
econômico, midiático), a filiação partidária, a idade e a região geográfica. A
hipótese de pesquisa é que, ainda que em diferentes medidas, o capital familiar
é um recurso mobilizado por parlamentares de todos os perfis, inclusive
homens.
3
Introdução
O foco da discussão sobre carreiras políticas na ciência política
brasileira se direciona principalmente aos partidos políticos e sua relação com
o sistema eleitoral. Destacam-se pesquisas sobre os princípios da
representação majoritária ou proporcional, dos tipos de lista, da magnitude dos
distritos, do monopólio partidário das candidaturas, o índice de fragmentação
do sistema partidário e o poder nas mãos das lideranças partidárias. Há
também pesquisas que buscam mapear o momento pré-eleitoral de
recrutamento dos/as candidatas pelos partidos, mas não se dedicam à
discussão mais específica sobre o ambiente sociocultural no qual estas
instituições políticas estão inseridas. De modo geral, portanto, é possível
afirmar que as principais pesquisas sobre carreira política no âmbito da ciência
política brasileira se dedicam a discussões muito focadas nos partidos políticos
ou no sistema de partidos e sua interação com os limites institucionais de suas
ações1.
A construção da carreira política de mulheres no Brasil é um tema que
recebe menos atenção da área, acompanhando a tendência geral da ciência
política na discussão das questões de gênero. Há poucos estudos que se
dedicam à questão das desigualdades de gênero na construção de carreiras
políticas2 no contexto brasileiro, apesar de alguns trabalhos que discutem o
tema das carreiras políticas apresentarem a variável “sexo” na análise dos
perfis de origem social dos/as parlamentares3.
A tendência geral dos estudos sobre as desigualdades de gênero na
política é de discutir questões ligadas principalmente ao desenho institucional e
o seu efeito para a construção de carreiras por mulheres e seu estabelecimento
no âmbito da política formal. Isso é claramente importante, visto que diversos
1 Temas específicos mais recorrentes que podem ser apontados são questões sobre lealdade partidária (SANTOS, 2001), reeleição (PEREIRA e RENNÓ, 2001; LEONI, PEREIRA e RENNÓ, 2003), estratégia e tipos de ambição política (LEONI, PEREIRA e RENNÓ, 2003) e ideologia partidária (SANTOS e SERNA, 2007). Destaca-se como pesquisa que discute questões de trajetória extra-institucionais o artigo de Miguel (2003), que aborda a origem do capital político, com foco na influência da mídia (MIGUEL, 2003). 2 Destacam-se o artigo de Miguel (2003) e a dissertação de mestrado de Pinheiro (2007). 3 Como as pesquisas realizadas por Perissinoto, Costa e Tribess (2009) e Perissinotto e Miríade (2009).
4
fatores de engenharia institucional influenciam diretamente no número de
mulheres eleitas e a estrutura de oportunidades para as candidaturas
femininas. Fatores como a magnitude dos distritos, os incentivos institucionais
à ocupação de cargos internos dos partidos por mulheres, reserva de parte do
fundo partidário para órgãos internos que promovam a igualdade de gênero
nos partidos, reserva de parte do fundo partidário para gasto exclusivo com
campanhas de mulheres candidatas, a existência de cotas para mulheres nas
listas partidárias, especialmente se estas forem fechadas, mandato de posição
em listas fechadas etc. têm forte peso determinante neste processo. Pensando
em como podem afetar a construção de carreiras políticas femininas de
sucesso, todos esses fatores podem influenciar a “ambição” feminina em se
candidatar, mas há outros fatores que também devem ser analisados quando
se trata de estabelecer e considerar os padrões de construção das carreiras
políticas balizados por gênero. É importante também verificar quais seriam os
caminhos percorridos por mulheres e homens que conseguiram se eleger, se
manter com visibilidade dentro dos partidos, fazer planos para a sua carreira e
torná-los viáveis4. Tais caminhos são marcados pelo desenho do sistema
eleitoral, mas também pelo desenho institucional dos partidos, pela estrutura de
socialização partidária, pela diferentes formas de origem social que influenciam
no recrutamento partidário, por uma diversidade de fatores de socialização que
abrem e fecham portas para o desenvolvimento das carreiras políticas, além, é
claro, da estrutura de desigualdades sociais que marca o cenário político-
eleitoral brasileiro.
Este paper pretende aprofundar a discussão da importância do capital familiar
para a construção da carreira política, analisando dados de trajetória e de
capital político de parlamentares eleitos/as em 2002, 2006 e 2010. A literatura
especializada sobre gênero e política costuma apontar a importância das
relações familiares com políticos/as para a construção das carreiras das
(poucas) mulheres que conseguem chegar à Câmara dos Deputados. Como
esses estudos abarcam apenas o universo de mulheres, não se aprofundando
4 Seria importante também analisar a trajetória daquelas/es que não conseguiram construir suas carreiras com sucesso, o que não é objetivo desta pesquisa, por conta de limitação de recursos.
5
na análise dos deputados, esta pesquisa apresenta como hipótese central que,
ainda que em diferentes medidas, o capital familiar é um recurso mobilizado
por políticos/as de todos os perfis, inclusive homens.
O conceito de capital político no estudo de carreiras políticas
Nos estudos sobre carreiras políticas a utilização do conceito de capital
político de Pierre Bourdieu é bastante recorrente. A base da pesquisa Carreira
Política e Gênero no Brasil foi construída como continuidade a uma série de
investigações realizadas desde a década passada (MIGUEL, 2002; 2003) que
também trabalham com este conceito.
Para Bourdieu, o conceito de capital está diretamente relacionado a
outros dois: campo e habitus. Os campos são estruturas sociais que possuem
regras e hierarquias específicas e submetem seus agentes à sua lógica. Todas
as ações tomadas dentro de um campo são realizadas em função do seu
habitus (formas de agir, pensar e sentir o mundo, coletivas, mas incorporadas
ao sujeito). O habitus, assim, realiza a intermediação da posição (objetiva) e a
tomada de posição (subjetiva) do agente, através de critérios de classificação e
hierarquização do mundo que, embora pareçam, não são naturais. Estruturado
pelo campo, o habitus atua como uma espécie de “filtro” para o ingresso do
agente no campo. Para ser capaz de gerar efeitos no campo, o agente deve
possuir um determinado capital simbólico, que acaba por se constituir uma
forma de valor fundada no reconhecimento existente dentro daquele campo.
Além disso, é preciso observar que os campos são autônomos e tendem
a se fechar sobre si mesmos, ou seja, a influência dos agentes que não são
membros do campo tende a ser muito limitada e o acúmulo de capital simbólico
pelos membros é importante para que as ações venham a ser consideradas no
campo. No entanto, essa autonomia é sempre relativa, sendo que diferentes
campos exercem influência mútua e as ações realizadas em um campo podem
se refletir fora dele, em outros campos. Assim, o campo é mais autônomo (e
menos suscetível a influências externas) quanto mais fechado o mesmo se
apresenta. No entanto, existem outros campos que, por sua natureza, se
abrem episodicamente para os “profanos”, agentes que não pertencem a eles,
6
como o campo político (que se abre aos profanos – o eleitorado – em cada
momento eleitoral).
Embora não tenha realizado uma classificação completa do capital
político, pode-se dizer que Bourdieu dividiu o capital político na seguinte
classificação: o capital delegado (capital controlado pela instituição e delegado
a seus membros – o partido político acumula capital simbólico e o deposita
limitada e provisoriamente em seus militantes); o capital convertido
(transformação de capital de outros campos para a política, o que supõe uma
“taxa de conversão”); e o capital heróico (subespécie do capital convertido, é
acumulado lentamente e corresponderia ao “carisma” weberiano).
Baseado nos conceitos de Bourdieu, Miguel (2003) faz uma
simplificação de sua classificação e trabalha com dois tipos ideais de capital
político: capital delegado e capital convertido. Por capital delegado entende-se
que o político iniciaria sua carreira por cargos mais “baixos” e, aos poucos,
acumularia capital do próprio campo político, pela ocupação de cargos políticos
ou partidários. Para começar sua carreira, no entanto, seria necessária uma
pequena conversão de capital externo ao campo político. O capital convertido,
por sua vez, corresponderia à conversão de uma grande quantidade de capital
não-político, pressupondo-se a existência de uma “taxa de conversão” – ou
seja, a conversão de capital não-político em capital político não acontece
automaticamente e nem se dá na mesma quantidade do capital original,
implicando em perdas na conversão. O que se ressalta, com esta classificação,
é que as carreiras costumam se apresentar como uma mistura entre os dois
meios de se conseguir capital político.
A ideia geral, portanto, é de que os/as aspirantes ao ingresso no campo
político precisa acumular capital político para construírem suas carreiras, ou
seja, para serem admitidos como membros deste campo. Essa construção
passa não apenas pelo momento eleitoral, mas por toda a trajetória do sujeito,
que busca ocupar uma posição mais central (e aqui a descrição espacial
centro/periferia se encaixa adequadamente) no campo, admitindo-se a hipótese
geral dos estudos sobre carreira de que políticos/as costumam ter ambição
política ascendente, ou seja, seus movimentos têm a intenção de aproximar-se
cada vez mais do centro do campo político, na terminologia bourdiana.
7
De modo geral, as pesquisas que trabalham com trajetórias de mulheres
na política trabalham com os conceitos de campo e capital político de Bourdieu.
Assim como Miguel (2003), Pinheiro (2007) utiliza o arcabouço conceitual da
teoria dos campos bourdiana. A autora trabalha com quatro subdivisões de
capital político: capital familiar (delegado), capital delegado pela participação
em movimentos sociais, capital delegado da ocupação de cargos públicos e
políticos, e capital convertido de outros campos.
Neste paper, trabalha-se com as categorias de capital político familiar,
econômico, midiático, sindical e político do próprio campo.
O capital familiar
No principal estudo sobre perfis e trajetórias políticas de mulheres no
Brasil, Pinheiro (2007) afirma que a trajetória das relações familiares se
apresenta como uma das principais rotas de acesso à carreira política entre as
mulheres, que converteriam um prestígio de seus familiares à sua própria
carreira, aproveitando não somente a experiência de socialização com políticos
profissionais, mas também suas redes de compromissos e lealdades. A autora
afirma que esta rota não é exclusiva de mulheres, sendo importante para
homens, mas muito mais relevante para as candidaturas femininas. Em um
estudo comparativo entre legisladoras brasileiras e argentinas, Marx, Borner e
Caminotti (2007), por sua vez, afirmam que a maior parte das deputadas que
relatam a importância deste tipo de rota para sua carreira disse, em entrevista,
que chegou à candidatura para o cargo de deputada federal por decisão do
familiar, em especial, do cônjuge. De acordo com a análise de Pinheiro (2007),
muitas vezes as deputadas chegam a tal cargo para dar continuidade à ação
política de seus familiares e, em especial, de seus esposos.
É recorrente na literatura sobre gênero e política a afirmação de que o
capital familiar é o principal recurso no ingresso das mulheres na vida política.
No entanto, não é exclusividade feminina a presença de capital familiar - entre
os políticos homens ele também é presente, ainda que sua importância ainda
não tenha sido verificada, assim como uma comparação entre as trajetórias de
homens e mulheres em relação a este capital específico não foi realizada. É
8
objetivo deste paper iniciar esta verificação, buscando compreender qual é a
magnitude do impacto do capital familiar para a construção de carreiras de
mulheres e homens, considerando outros tipos de capital que marcam a
trajetória dos/as candidatas/os que tiveram sucesso em se eleger para a
Câmara dos Deputados.
Coleta dos dados
Os dados apresentados se referem às informações coletadas na
pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil5, para a qual foram levantadas
informações biográficas sobre a carreira política dos candidatos ao cargo de
deputado federal vitoriosos nas eleições ocorridas entre 1990 e 2010. As
principais fontes de informação foram o Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro, editado pelo CPDOC/FGV6 e as informações disponibilizadas pelo
site da Câmara dos Deputados, bem como notícias de jornal, buscadas através
de pesquisa no Google.
Neste paper somente são analisados os dados referentes às eleições de
2002, 2006 e 2010, devido à dificuldade de verificação da adequação dos
dados referentes às três eleições anteriores (1998, 1994 e 1990), cuja distância
da atualidade torna mais impreciso o rastreamento dos dados de trajetórias
das/os então deputados/as.
Análise dos dados
A tabela 1 apresenta a proporção de deputados/as federais eleitos/as
que haviam exercido cargo público eletivos7 ou não-eletivos8 antes de suas
5 Coordenada por Luis Felipe Miguel e realizada no âmbito do grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê (Ipol/UnB), com auxílio do CNPq. 6 Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas. 7 Cargos públicos eletivos: vereador/a, dep. estadual, dep. federal, senador/a, prefeito/a, vice-prefeito/a, governador/a, vice-governador/a, presidente/a, vice-presidente/a. 8 Cargos públicos não-eletivos: secretário/a municipal, secretário/a estadual ou distrital, ministro/a de Estado.
9
eleições9, discriminados/as por presença ou não de capital familiar. De acordo
com a tabela, o capital familiar não influi no exercício de cargos anteriores.
Tabela 1: Proporção de deputados /as eleitos /as que ocuparam cargos públicos eletivos
ou não-eletivos antes de sua eleição, por capital f amiliar
cargo
eletivo
com
capital
familiar
sem
capital
familiar
n
cargo não-
eletivo
com
capital
familiar
sem
capital
familiar
n
sim 87,4% 87,3% 1344
sim 41,0% 39,9% 621
não 12,6% 12,7% 195
não 59,0% 60,1% 918
TOTAL 100% 100% 1539
TOTAL 100% 100% 1539
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
Entretanto, a vinculação com familiares na vida política marca um
padrão diferenciado de presença de outros tipos de capital. Entre os/as
deputados/as com capital familiar há maior concentração daqueles que
possuem, também, capital econômico10, bem como capital midiático11, em
comparação àqueles que não possuem laços de parentesco com políticos/as,
de acordo com os dados da tabela 2:
9 Optou-se, no tratamento dos dados, em trabalhar com os dados de três eleições conjuntamente, exceto em alguns casos específicos. Deste modo, quando os dados forem trabalhados separadamente, por eleição, a informação do ano da eleição estará indicada. Em todos os outros casos trabalha-se com os dados agregados, no total de 1539 casos, ou seja, 513 casos por eleição. Consideraram-se, para a coleta dos dados, as pessoas eleitas e não suplentes que porventura ocuparam cargos após afastamento de eleitos/as. Em casos de reeleição, é possível que uma mesma pessoa apresente mais de uma entrada na base de dados, considerando-se que as situações individuais mudam de acordo com cada eleição. 10 Capital econômico: indicação de que o/a deputado/a é proprietário/a de empresa ou membro de alta diretoria de empresas de grande porte.
11 Capital midiático: indicação de que o/a deputado/a é proprietário/a de empresa de mídia, profissional de rádio ou TV ou apresenta outro tipo de popularidade da mídia (ator/atriz, cantor/a, esportista, etc).
10
Tabela 2: Distribuição de deputados /as federais eleitos /as por capital familiar e outras formas de capital
capital
familiar Capital econômico Capital midiático
Sindicato de
Trabalhadores Sindicato Patronal12
sim não TOTAL sim não TOTAL sim não TOTAL Sim não TOTAL
sim 68,3%
(427)
31,7%
(198)
100%
(625)
23,5%
(147)
76,5%
(478)
100%
(625)
9,6%
(60)
90,4% (
565)
100%
(625)
9,0%
(56)
91,0%
(569)
100%
(625)
não 48,9%
(447)
51,1%
(467)
100%
(914)
16,5%
(151)
83,5%
(763)
100%
(914)
25,7%
(235)
74,3% (
679)
100%
(914)
10,0%
(91)
90,0%
(823)
100%
(914)
TOTAL 56,8%
(874)
43,2%
(665)
100%
(1539)
19,4%
(298)
80,6%
(1241)
100%
(1539)
19,2%
(295)
80,8%
(1244)
100%
(1539)
9,6%
(147)
90,4%
(1392)
100%
(1539)
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
Ao mesmo tempo em que as relações entre a presença de capital
familiar e de capital econômico e midiático são positivas (detentores de capital
familiar apresentam 19 pontos percentuais a mais em presença de capital
econômico e 7 pontos percentuais a mais em presença de capital midiático),
verifica-se uma relação inversa entre capital político derivado de liderança
sindical13 e capital familiar: entre os detentores de capital familiar apenas 9%
possuem militância sindical prévia, enquanto 25% daqueles que não possuem
capital familiar participaram de instâncias decisórias sindicais. Ao contrário do
que ocorre em relação à presença de capital econômico ou midiático, há uma
diferença negativa de 16 pontos percentuais na participação em liderança
sindical entre detentores e não-detentores de capital familiar.
Em relação à liderança de sindicatos patronais, os dados não indicam
diferenças significativas entre detentores e não-detentores de capital familiar.
Os dados apresentados indicam que o vínculo familiar com políticos/as
possui relação com outras formas de capital que podem ser convertidos em
capital político, como indica a literatura, através da mobilização de redes e/ou
recursos provenientes destes diversos campos para a socialização política.
12 Capital Sindical Patronal: indicação de que a/o deputada/o foi presidente/a ou fez parte da diretoria de sindicatos patronais.
13 Capital Sindical: Indicação de que a/o deputada/o foi presidente/a ou fez parte da diretoria de sindicatos de trabalhadores.
11
Deve-se notar, entretanto, que a existência de capital familiar entre os/as
vitoriosos/as nas eleições à Câmara baixa brasileira não está distribuída
homogeneamente entre as eleições. Entre 2002 e 2010 verifica-se um
acréscimo do número de deputados/as federais que possuem familiares
participando da vida política em cargos eletivos, saindo de 32,6% em 2002
para alcançar 46,6% em 2010.
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
Retornando à avaliação do capital familiar enquanto elemento central
para a construção de carreiras políticas, cabe ressaltar o vínculo,
recorrentemente trazido pela literatura especializada, entre sexo do/a
candidata/o e a mobilização de recursos políticos.
A literatura sobre recrutamento político costuma apresentar este
processo como uma “corrida com barreiras” – aqueles/as que têm sucesso em
ultrapassá-las são os/as felizes vencedores/as desta competição e conseguem
ser eleitos/as, ou seja, conseguem ingressar no campo político. Neste contexto,
homens são privilegiados estruturalmente na mobilização de recursos que
viabilizam a construção de uma carreira política de sucesso, então tendem a
apresentar maior “ambição política”, ou seja, interesse em ingressar no campo
12
político. Nesse primeiro passo do recrutamento político, ou seja, de seleção de
aspirantes à ocupação de cargos eletivos, há mais homens do que mulheres,
porque o ambiente de recrutamento normalmente é mais favorável para os
homens – ou seja, a desigualdade na participação já se vê presente no
primeiro passo do recrutamento de possíveis políticos/as. Em praticamente
todas as culturas homens são socializados para ver a política como uma área
de atuação legítima, ao contrário das mulheres, o que os leva a desenvolver
mais interesse pela área do que as mulheres (e, consequentemente, a ter mais
ambição política). Além disso, eles costumam ter mais acesso a recursos
materiais, novamente por sua posição “de partida” privilegiada (Matland, 2005).
Dado o conjunto de aspirantes, o segundo passo é a seleção de
candidaturas, um dos papéis mais importantes de um partido político. A
seleção de quem será lançada/o candidata/o pode variar muito: pode ser das
mais abertas às mais fechadas, como candidatura de todos os membros, a
realização de primárias abertas ou fechadas, a indicação pelos líderes
partidários, a indicação das candidaturas por blocos dentro do partido,
indicação da direção do partido, etc. Outra dimensão da seleção de
candidaturas se refere ao grau de burocratização deste processo: altamente
burocratizado (com regras explícitas, teoricamente mais favoráveis às
aspirantes mulheres) ou baseado em liderança tradicional ou carismática (com
viés mandonista, de regras nada claras e mal seguidas, que tendem a ser
muito negativas para mulheres em um contexto de desigualdade de gênero).
Uma regra geral seguida pelos partidos, de acordo com Matland (2005),
é que eles sempre buscarão candidatos/as que maximizarão os votos, em um
cálculo de utilidade simples. Pessoas consideradas menos “atraentes”
eleitoralmente não serão selecionadas pelos partidos (ou, mais
especificamente, por aqueles que exercem a função de controle – gatekeepers
– dos partidos). Segundo a literatura especializada, os pontos avaliados mais
centrais são o passado do/a candidata/o no partido e os mandatos eletivos já
cumpridos. Novos/as candidatos/as podem ser avaliados/as pelo seu passado
de militância no partido. A visibilidade na comunidade, posições de liderança
em organizações sociais e a ocupação de cargos públicos também são fatores
observados para se estimar a quantidade de votos. Como essas posições são
13
ocupadas desproporcionalmente por homens, mulheres têm mais desvantagem
nesse ponto.
A terceira barreira, da eleição propriamente dita, não apresenta
consensos na ciência política. Apesar de haver evidências da desigualdade
social e da deslegitimação histórica das mulheres, não há pesquisa que possa
afirmar, empiricamente, o preconceito do eleitorado para com as candidatas
mulheres. Mesmo assim, por mais que o eleitorado possa não se importar com
características dos/as candidatos/as, a ideia de que certas características são
mais “atraentes” será considerada pelos partidos ao selecionar seus/suas
candidatos/as – novamente, retorna-se à questão de quais candidatos/as são
mais competitivos/as e trarão maior número de votos para o partido.14
Um ponto central no recrutamento de candidaturas, portanto, é a
consideração, por parte do partido político, de que determinada pessoa é
“eleitoralmente atraente” para ser escolhida como candidata – o que significa
que o partido reconhece a candidatura como um investimento de recursos cujo
bom resultado será sua eleição. O capital político que esse/a possível
candidato/a dispõe é um ponto central na definição da candidatura por parte do
partido e, como mulheres são desprivilegiadas estruturalmente, a literatura
especializada indica que a seleção de candidaturas pelos partidos é um
problema central na transposição das barreiras rumo à eleição. Nesse ponto, a
presença de capital familiar é um diferencial positivo na definição da
candidatura – em um contexto social de desprivilegiamento feminino em
relação à presença no campo político (ou seja, da ocupação prévia de cargos)
ou de outros tipos de capital (como o econômico, por exemplo), o capital
político transferido de familiares que pertencem ao campo político é um
diferencial importante que pode alavancar candidaturas de mulheres. Deste
modo, das poucas mulheres que conseguiram se eleger, muitas apontam seu
parentesco com políticos/as como fator relevante para sua eleição, desde a
14 O modelo apresentado por Matland (2005) se refere principalmente aos argumentos institucionalistas de recrutamento. Modelo semelhante, com “degraus de presença política” na indicando as “barreiras” foi apresentado por Biroli e Miguel (2011), em discussão do caso brasileiro e a questão da ambição política na construção de carreiras. Pippa Norris (2004) afirma que outros fatores, associados ao modelo de modernização cultural de cada sociedade, devem ser considerados.
14
definição de seu interesse em se candidatar (ou seja, na potencialização de
sua ambição política) até a mobilização de redes comuns e de recursos
importantes no processo, passando pelo convencimento dos partidos de que
comporão candidaturas atraentes.
O capital familiar, assim, se mostraria central às candidaturas femininas.
Ao mesmo tempo, pode-se imaginar que essa transferência de recursos, redes,
aprendizados e lealdades também se aplica a candidaturas de homens. No
entanto, ainda não se verificou, no caso brasileiro, se o capital familiar é tão
importante para homens quanto é para as mulheres.
Analisando-se os dados referentes aos/às deputados/as federais eleitos
em 2002, 2006 e 2010, ao se considerar as diferenças de capital político entre
homens e mulheres há a confirmação de que as mulheres possuem mais
recorrentemente vínculo familiar entre os componentes de sua trajetória
política, como se observa na tabela 3, a seguir:
Tabela 3: Distribuição do capital familiar, por sexo do /a
deputado/a federal eleito/a
capital familiar feminino masculino TOTAL
sim 53,4% (70) 39,4% (555) 40,6% (625)
não 46,6% (61) 60,6% (853) 59,4% (914)
TOTAL 100% (131) 100% (1408) 100% (1539)
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
Apesar da diferença entre homens e mulheres, o capital familiar não é
um elemento desprezível na carreira de homens, pois 39% dos deputados
federais eleitos entre 2002 e 2010 possuem vínculo de parentesco com
algum/a político/a. A variação temporal deste indicador permite observar uma
tendência de crescimento deste valor entre os homens, aliada à manutenção
da mesma taxa entre as mulheres, conforme a tabela 4, abaixo:
15
Tabela 4: Capital familiar e sexo dos /as deputados /as federais eleitos /as, por
ano de eleição.
capital
familiar
2002* 2006** 2010***
feminino masculino feminino masculino feminino masculino
sim 51,2% 30,9% 55,6% 41,5% 53,3% 45,9%
não 48,8% 69,1% 44,4% 58,5% 46,7% 54,1%
TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100%
n 41 472 45 468 45 468
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
Considerar a variação longitudinal permite observar que o aumento de
homens com presença de capital familiar, ou seja, que tem vínculo familiar com
políticos/as, aumenta a ponto de tornar a diferença percentual entre deputadas
e deputados pequena para o ano de 2010, como se vê na tabela acima. No
espaço de duas eleições o número de parlamentares homens com capital
familiar subiu 15 pontos percentuais, apontando uma mudança de padrão deste
tipo de capital entre os deputados. Observa-se, portanto, que a mudança de
padrão, indicando um aumento da presença de capital familiar entre o corpo de
parlamentares, ocorre apenas entre os deputados, porque esse capital está
estabilizado entre as deputadas – o que indica que esse tipo de capital está
crescendo em importância no campo político brasileiro no geral, porque os
deputados correspondem a mais de 90% da Câmara dos Deputados.
A tabela 5, abaixo, apresenta os dados de capital familiar por região do
país. A análise da distribuição da presença de capital familiar por região aponta
o Nordeste como a principal região na presença desse tipo de capital, seguida
do Centro-Oeste (que apresenta o segundo percentual, mas um número
absoluto de parlamentares menor do que todas as demais regiões, deve-se
ressaltar).
16
Tabela 5: Variação, entre as r egiões do país , da porcentagem de deputadas/os federais
eleitas/os que possuem capital familiar, por ano da eleição
Região
2002 2006 2010
capital
familiar TOTAL
capital
familiar TOTAL
capital
familiar TOTAL
Sul 27,3% (21) 100% (77) 29,9% (23) 100% (77) 36,4% (28) 100% (77)
Sudeste 25,7% (46) 100% (179) 39,1% (70) 100% (179) 39,7% (71) 100% (179)
Centro-
Oeste 34,1% (14) 100% (41) 39,0% (16) 100% (41) 48,8% (20) 100% (41)
Nordeste 45,7% (69) 100% (151) 53,6% (81) 100% (151) 60,3% (91) 100% (151)
Norte 26,2% (17) 100% (65) 44,6% (29) 100% (65) 44,6% (29) 100% (65)
TOTAL 32,6% (167) 100% (513) 42,7% (219) 100% (513) 46,6% (239) 100% (513)
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
A tendência de crescimento da presença do capital familiar entre os/as
deputados/as eleitas/os entre 2002 e 2010 já foi apresentada no gráfico 1, mas
a distribuição regional mostra que essa tendência é acompanhada mais
lentamente na região sul do país, que apresenta uma diferença de apenas 9
pontos percentuais entre essas eleições, ao contrário das demais regiões (14
p.p. no Sudeste, 13 p.p. no Centro-Oeste, 15 p.p. no Nordeste e 18 p.p. no
Norte).
Tabela 6: Variação da porcentagem de deputadas/os e leitas/os, por Região, sexo e ano de
eleição
Região 2002 2006 2010
Feminino masculino feminino masculino feminino masculino
Sul 33,3% (2) 26,8% (19) 50,0% (2) 28,8% (21) 20,0% (1) 37,5% (27)
TOTAL 100% (6) 100% (71) 100% (4) 100% (73) 100% (5) 100% (72)
Sudeste 46,7% (7) 23,8% (39) 43,8% (7) 38,7% (63) 46,2% (6) 39,2% (65)
TOTAL 100% (15) 100% (164) 100% (16) 100% (163) 100% (13) 100% (166)
17
Centro-Oeste 40,0% (2) 33,3% (12) 66,7% (2) 36,8% (14) 60,0% (3) 47,2% (17)
TOTAL 100% (5) 100% (36) 100% (3) 100% (38) 100% (5) 100% (36)
Nordeste 57,1% (4) 45,1% (65) 55,6% (5) 53,5% (76) 50,0% (6) 61,2% (85)
TOTAL 100% (7) 100% (144) 100% (9) 100% (142) 100% (12) 100% (139)
Norte 75,0% (6) 19,3% (11) 69,2% (9) 38,5% (20) 80,0% (8) 38,2% (21)
TOTAL 100% (8) 100% (57) 100% (13) 100% (52) 100% (10) 100% (55)
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
A observação separada por sexo da/o deputada/o, por região, permite
perceber que a região Norte é a única que apresenta um padrão diferenciado.
De modo geral, em todas as regiões cerca de metade das deputadas apresenta
capital familiar, exceto no Norte: ali, cerca de três quartos das deputadas
apresentam capital familiar, de modo estável. É importante ressaltar que a
tendência de crescimento da importância do capital familiar, verificada no
gráfico 1, em todas as regiões se manifesta principalmente entre os homens –
especialmente se considerado o elevado número absoluto de deputados.
Finalmente, a distribuição da presença de capital familiar por partido
político é apresentada na tabela 7, a seguir:
Tabela 7: Variação, entre os partidos, da porcentagem de deputadas/os eleitas/os com
capital familiar eleitas/os, por ano de eleição
Partido
2002 2006 2010
capital
familiar TOTAL
capital
familiar TOTAL
capital
familiar TOTAL
PT 13,2% (12) 100% (91) 20,7% (17) 100% (82) 20,9% (18) 100% (86)
PMDB 46,1% (35) 100% (76) 56,7% (51) 100% (90) 65,4% (51) 100% (78)
PSDB 28,6% (20) 100% (70) 50,0% (33) 100% (66) 53,7% (29) 100% (54)
PFL/DEM 45,2% (8) 100% (84) 49,2% (31) 100% (63) 67,4% (29) 100% (43)
PDS/PP/PPB/PPR 38,8% (19) 100% (49) 48,8% (20) 100% (41) 59,1% (26) 100% (44)
PL/PR 19,2% (5) 100% (26) 37,5% (9) 100% (24) 40,0% (16) 100% (40)
PSB 36,4% (8) 100% (22) 55,6% (15) 100% (27) 48,6% (17) 100% (35)
18
PDT 33,3% (7) 100% (21) 40,0% (10) 100% (25) 38,5% (10) 100% (26)
PTB 36,0% (9) 100% (25) 40,9% (9) 100% (22) 43,5% (10) 100% (23)
PPS/PCB 60,0% (9) 100% (15) 45,5% (10) 100% (22) 66,7% (8) 100% (12)
PC do B 25,0% (3) 100% (12) 38,5% (5) 100% (13) 20,0% (3) 100% (15)
PV 0,0% (0) 100% (5) 23,1% (3) 100% (13) 35,7% (5) 100% (14)
pequenos de direita 6,3% (1) 100% (16) 11,8% (2) 100% (17) 40,0% (14) 100% (35)
pequenos de esquerda 100% (1) 100% (1) 50,0% (4) 100% (8) 37,5% (3) 100% (8)
TOTAL 32,6%
(167)
100%
(513)
42,7%
(219)
100%
(513)
46,6%
(239)
100%
(513)
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política
A análise da tabela acima permite observar algumas diferenças
importantes no padrão de apresentação de capital familiar entre os
parlamentares de partidos distintos. O padrão de crescimento geral da
presença e capital familiar já foi apresentado no gráfico 1 e, se não houvesse
diferenças nessa distribuição entre os partidos, a distribuição deveria
apresentar percentuais semelhantes entre eles. De fato, isso ocorre em relação
à maior parte dos partidos políticos, com a exceção do PT – Partido dos
Trabalhadores e, de modo geral, os demais partidos de esquerda (exceto o
PPS/PCB), ainda que esses contem com um número de parlamentares muito
inferior. O PT teve aumento na presença de capital familiar, como a tendência
geral indicava, mas em um percentual bastante inferior aos demais partidos –
considerados os demais quatro maiores partidos, cerca de 40 pontos
percentuais de diferença, em 2010.
Ainda entre os maiores partidos, destaca-se o PSDB em 2002, que tinha
28,6% de seus parlamentares com capital familiar. O quadro do partido se
modifica nos anos seguintes, passando a 53,7% de sua bancada com presença
de capital familiar em 2010.
19
Na tabela 8 pode-se verificar a diferença de capital familiar, por sexo,
entre partidos selecionados (os dois maiores, de acordo com a vertente
ideológica):
Tabela 8: Variação, entre os partidos, da porcentag em de deputad as/os eleitas/os com
capital familiar, por sexo e ano de eleição (partid os selecionados*)
Partido 2002 2006 2010
feminino masculino feminino masculino feminino masculino
PT 30,8% (4) 10,3% (8) 28,6% (2) 20,0% (15) 12,5% (1) 21,8% (17)
TOTAL 100% (13) 100% (78) 100% (7) 100% (75) 100% (8) 100% (78)
PMDB 100% (4) 43,1% (31) 66,7% (6) 55,6% (45) 85,7% (6) 63,4% (45)
TOTAL 100% (4) 100% (72) 100% (9) 100% (81) 100% (7) 100% (71)
PSDB 16,7% (1) 29,7% (19) 66,7% (2) 49,2% (31) 50,0% (1) 53,8% (28)
TOTAL 100% (6) 100% (64) 100% (3) 100% (63) 100% (2) 100% (52)
PFL/DEM 66,7% (4) 43,6% (34) 60,0% (3) 48,3% (28) 100% (2) 65,9% (27)
TOTAL 100% (6) 100% (78) 100% (5) 100% (58) 100% (2) 100% (41)
PP 100% (1) 37,5% (18) 100% (3) 44,7% (17) 100% (4) 55,0% (22)
TOTAL 100% (1) 100% (48) 100% (3) 100% (38) 100% (4) 100% (40)
PSB 50,0% (1) 35,0% (7) 50,0% (3) 57,1% (12) 60,0% (3) 46,7% (14)
TOTAL 100% (2) 100% (20) 100% (6) 100% (21) 100% (5) 100% (30)
Fonte: Pesquisa Gênero e Carreira Política no Brasil
*Partidos selecionados: dois maiores partidos, por tendência ideológica (PT e PSB: esquerda;
PMDB e PSDB: centro; PFL/DEM e PP: direita)
Na tabela acima observa-se que o PT, que já apresentava um padrão
diferenciado na tabela 7, tem uma situação distinta dos demais partidos em
relação às deputadas: ainda que seja um número absoluto reduzido, verifica-se
que há uma tendência de queda da presença do capital familiar entre as
parlamentares mulheres, chegando a apenas uma deputada, entre oito, em
2010, cenário inverso aos demais cinco partidos selecionados.
Ainda em relação à tabela 8, observa-se que, considerando a magnitude
da bancada do PMDB e o número de deputadas que apresenta, o capital
familiar é um fator muito importante entre suas parlamentares, fato que se
mantém nos três anos. Ressalta-se o caso do PP que, embora tenha um
número reduzido de deputadas, nos três anos analisados todas as suas
deputadas tinham capital familiar.
20
Conclusão
Através da análise dos dados coletados a hipótese de pesquisa que
orienta esse paper não se confirma para 2002 e 2006, mas em 2010 a
diferença entre homens e mulheres é muito reduzida. Nas eleições passadas o
capital familiar era mais presente entre as (poucas) deputadas, enquanto em
2010 ele se apresenta muito mais frequentemente no universo de deputados, o
que mostra uma mudança no padrão de capital familiar entre deputados
federais – e, vale ressaltar, eles são 91,1% da Casa. Deste modo, pode-se
afirmar que há um padrão de mudança no sentido da hipótese deste trabalho:
enquanto antigamente a distância entre a presença desse tipo de capital era
considerável entre homens e mulheres que se elegeram para a Câmara dos
Deputados, na última eleição não há diferenças marcantes.
Se considerarmos a justificativa teórica de que o capital familiar é
importante, no caso das mulheres, porque diminui o risco de investimento por
parte do partido político para o lançamento de sua incerta candidatura, o
crescimento da importância desse tipo de capital entre os deputados homens,
que são maioria no ambiente analisado, aponta que esse capital pode estar
sendo mais considerado na decisão de lançamento de candidaturas
masculinas. Em uma visão mais utilitarista, isso indica um cenário competitivo
dentro dos partidos, que podem buscar mais “garantias” para avalizar
candidaturas em um contexto de novos atores tentando disputar um cargo, ou,
em uma hipótese mais conservadora, aponta o enraizamento de algumas
famílias no cenário de um sistema político ainda jovem – que tem pouco mais
de 25 anos, se considerarmos o retorno do poder político aos civis em 1985 –
que está se estabelecendo.
Isso indica duas novas hipóteses: novos atores que possuem relações
familiares com políticos/as poderiam estar ingressando na Câmara (e ali se
mantendo, via reeleição), ou os deputados que se reelegem estariam
conseguindo emplacar seus familiares na construção de novas carreiras,
provavelmente ainda no nível local. No entanto, devido à natureza exploratória
deste trabalho, são hipóteses que não poderão ser verificadas neste paper,
mas que ficam para aprofundamento em trabalhos futuros.
21
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