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06 | 6 SET 2018 | QUINTA-FEIRA Opinião E se as universidades públicas portu- guesas adotassem o inglês como língua de formação? A necessidade de internacionali- zação das instituições de En- sino Superior, reforçada pelo Processo de Bolonha e pela construção do Espaço Europeu do Ensino Superior, tem vindo a fazer com que, cres- centemente, as universidades portuguesas adotem a língua inglesa como língua de formação. De acordo com a plataforma StudyPortals há, atualmente, 180 mestra- dos e 86 programas doutorais lecionados em inglês nas universidades públicas por- tuguesas. Esta tendência segue a já con- solidada estratégia seguida por outras uni- versidades europeias, como as holandesas, alemãs, suecas e dinamarquesas, por exemplo. Estudos científicos em diversos países da Europa têm vindo a analisar a adoção da língua inglesa como língua franca da formação no Ensino Superior, apontando diversas diversos argumentos a favor e contra. Por um lado, e no que concerne a bene- fícios institucionais, a adoção da língua in- glesa permite internacionalizar os currí- culos, atraindo mais estudantes estrangei- ros (o que contribui para a estabilidade fi- nanceira das universidades) e atraindo os melhores professores e investigadores que têm mais possibilidades de conseguir fi- nanciamento nacional e internacional. Para além disso, a língua inglesa facilita a construção de redes com universidades de topo e a participação em projetos in- ternacionais de formação e investigação que contribuem para a visibilidade das universidades. No que diz respeito a be- nefícios para os indivíduos, o ensino em língua inglesa contribui para a melhoria de competências linguísticas numa língua franca pelos estudantes que, assim, au- mentam as suas possibilidades de mobi- lidade e se tornam mais competitivos no mercado económico-profissional global. Por outro lado, os estudos sublinham a falta de competências em língua inglesa de professores e estudantes de países não-anglófonos, o que dificulta o proces- so de ensino-aprendizagem colocando, necessariamente, em causa a qualidade da formação oferecida pelas universida- des. Para além disso, a adoção da língua inglesa pelas universidades reforça as atuais assimetrias e desigualdades eco- nómico-sociais entre os países anglófonos e o resto do mundo, influenciando o de- senvolvimento económico dos países, pri- vilegiando os interesses dos primeiros. No âmbito desta perspetiva, surge uma forte preocupação com a perda de visibilidade e importância das línguas oficiais dos paí- ses, perda essa que influi no desenvolvi- mento social, económico e científico das suas sociedades. Face a estes argumentos, como se posi- cionaria, então, se esta fosse a opção das universidades portuguesas? | * Investigadora do Centro de Investigação “Didática e Tecnologia na Formação de Formadores” da Universidade de Aveiro Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico. (H)À Educação Susana Pinto* ([email protected]) D.R.

da06 Apresentação 1 - ua · formação. De acordo com a plataforma StudyPortals há, atualmente, 180 mestra-dos e 86 programas doutorais lecionados em inglês nas universidades

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Page 1: da06 Apresentação 1 - ua · formação. De acordo com a plataforma StudyPortals há, atualmente, 180 mestra-dos e 86 programas doutorais lecionados em inglês nas universidades

06 | 6 SET 2018 | QUINTA-FEIRA

Opinião

E se as universidades públicas portu-guesas adotassem o inglês como línguade formação?

Anecessidade de internacionali-zação das instituições de En-sino Superior, reforçada peloProcesso de Bolonha e pela

construção do Espaço Europeu do EnsinoSuperior, tem vindo a fazer com que, cres-centemente, as universidades portuguesasadotem a língua inglesa como língua deformação. De acordo com a plataformaStudyPortals há, atualmente, 180 mestra-dos e 86 programas doutorais lecionadosem inglês nas universidades públicas por-tuguesas. Esta tendência segue a já con-solidada estratégia seguida por outras uni-versidades europeias, como as holandesas,alemãs, suecas e dinamarquesas, porexemplo. Estudos científicos em diversospaíses da Europa têm vindo a analisar aadoção da língua inglesa como línguafranca da formação no Ensino Superior,apontando diversas diversos argumentosa favor e contra.

Por um lado, e no que concerne a bene-fícios institucionais, a adoção da língua in-glesa permite internacionalizar os currí-culos, atraindo mais estudantes estrangei-ros (o que contribui para a estabilidade fi-nanceira das universidades) e atraindo osmelhores professores e investigadores que

têm mais possibilidades de conseguir fi-nanciamento nacional e internacional.Para além disso, a língua inglesa facilita aconstrução de redes com universidadesde topo e a participação em projetos in-ternacionais de formação e investigaçãoque contribuem para a visibilidade dasuniversidades. No que diz respeito a be-nefícios para os indivíduos, o ensino emlíngua inglesa contribui para a melhoriade competências linguísticas numa línguafranca pelos estudantes que, assim, au-mentam as suas possibilidades de mobi-lidade e se tornam mais competitivos nomercado económico-profissional global.

Por outro lado, os estudos sublinham afalta de competências em língua inglesade professores e estudantes de paísesnão-anglófonos, o que dificulta o proces -so de ensino-aprendizagem colocando,necessariamente, em causa a qualidadeda formação oferecida pelas universida-des. Para além disso, a adoção da língua

inglesa pelas universidades reforça asatuais assimetrias e desigualdades eco-nómico-sociais entre os países anglófonose o resto do mundo, influenciando o de-senvolvimento económico dos países, pri-vilegiando os interesses dos primeiros. Noâmbito desta perspetiva, surge uma fortepreocupação com a perda de visibilidadee importância das línguas oficiais dos paí-ses, perda essa que influi no desenvolvi-mento social, económico e científico dassuas sociedades.

Face a estes argumentos, como se posi-cionaria, então, se esta fosse a opção dasuniversidades portuguesas? |

* Investigadora do Centro de Investigação “Didática e Tecnologia

na Formação de Formadores” da Universidade de Aveiro

Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

(H)À Educação

Susana Pinto*([email protected])

D.R.