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Da Semiótica do Texto Literária à Adaptação... – Silva & Santos
Revista Diálogos N. º 17 – abril./maio. – 2017 358
Da Semiótica do Texto Literário à Adaptação da Personagem
“Maggie Fitzgerald” para O Cinema
d.o.i.10.13115/2236-1499.v1n17p358
João Paulo Muniz da Silva1 - UPE
Deividy Ferreira dos Santos2 - UPE
Ivana Teixeira Siqueira3 - UPE
Resumo: Tomando como ponto de partida as transposições
intersemióticas, a correspondência intermitente das artes e o jogo
intertextual que faculta o trânsito entre as diversas linguagens artísticas,
o presente artigo revisita, particularmente, os contrapontos existentes
entre Literatura e Cinema. Assim, pretendemos realizar algumas análises
interpretativas da adaptação cinematográfica da personagem Maggie
Fitzgerald, da obra Menina de Ouro, de F. X. Toole, focalizando os
aspectos dessa personagem, tentando fazer uma relação entre trechos do
livro com as cenas do filme. Dessa maneira, buscaremos discutir sobre a
produção cinematográfica e os recursos técnicos utilizados na produção
pelo diretor Clint Eastwood e sua equipe para adaptar a obra de F. X.
Toole para o cinema.
Palavras-chave: Literatura, Cinema, Intertextualidade, Tradução
Intersemiótica.
Resumen: Tomando como punto de partida las transposiciones
intersemióticas, la intermitente correspondencia entre las artes y el juego
1 Graduando em Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa e suas Literaturas pela
Universidade de Pernambuco (UPE). Garanhuns-PE. 2 Especializando em Estudos Linguísticos e Literários (UCAM), Graduado em Letras –
Língua Portuguesa e suas Literaturas (UPE). Exerce a função de Tutor à distância no
Departamento de Letras do Núcleo de Ensino à distância (NEAD/UPE/UAB) – Bolsista
CAPES. Garanhuns-PE. 3 Graduanda em Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa e suas Literaturas pela
Universidade de Pernambuco (UPE). Garanhuns-PE.
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Revista Diálogos N. º 17 – abril./maio. – 2017 359
intertextual que proporciona tránsito entre los diferentes lenguajes
artísticos, este artículo se propone a revisitar, muy particularmente, los
contrapuntos posibles entre la Literatura y el Cine. Por lo tanto, tenemos
la intención, en este trabajo, de hacer análisis interpretativos de la
adaptación cinematográfica del personaje Maggie Fitzgerald, de la obra
Million Dollar Baby de F. X. Toole, centrándose en los aspectos de este
personaje, estableciendo una relación entre partes del libro y las escenas
de la película. De esta manera, se entabla una discusión sobre el trabajo
cinematográfico y los recursos técnicos utilizados en su producción por
el director Clint Eastwood y su equipo durante la adaptación de la obra
de F. X. Toole para el cine.
Palabras-clave: Literatura, Cinema, Intertextualidad, Traducción
Intersemiótica
1. Introdução
Antes do surgimento das produções audiovisuais, a literatura era o
único meio de acesso a histórias que envolviam o imaginário com o
cotidiano das pessoas. A partir do surgimento das produções
audiovisuais, como por exemplo, a novela, as minisséries e os filmes, que
sofreram grande influência da literatura, é possível ver nas várias
adaptações de gêneros literários para as telas, sejam elas televisivas ou
nas grandes telas do cinema, que com sua linguagem híbrida, o Cinema
transforma o discurso – no caso, a obra literária – em imagens, som,
movimento, luzes, e essa nova obra, independente, desvinculada do texto
de origem, mas sem perdê-lo de vista, ganha autonomia e novos sentidos.
Extrapolando a nossa capacidade de assimilação e apreensão, na
contemporaneidade, as imagens, veiculadas pelos mais diversos meios de
expressão, ganharam uma inegável preponderância, tomando o receptor
de chofre, provocando um atordoamento, deixando-nos sem norte.
Nesse sentido, as primeiras adaptações de obras para as telas
possuíam uma preocupação apenas em manter a fidelidade ao enredo
original. Os diretores cinematográficos encontraram na literatura
modelos para que pudessem elaborar um enredo, criar personagens,
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apresentar como se dá o processo de pensamentos e como trabalhar o
tempo e espaço, dando novas características aos aspectos encontrados na
literatura. Com as comparações entre os filmes e as obras literárias, os
espectadores e vários críticos de cinema procuram a fidelidade, isto é,
buscam encontrar no filme a perfeita correspondência com a obra
literária. Assim, pode-se afirmar que a adaptação de uma obra literária
para o cinema deixa, obviamente, de ser um livro com as ideias do autor
e passa a adquirir novos significados e com as ideias do diretor-
adaptador, que será o autor.
Partindo desta perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo
analisar a adaptação do personagem feminino Maggie Fitzgerald da obra
Menina de Ouro, de F. X. Toole, para o cinema, como também, verificar
como certos aspectos do livro são traduzidos para o cinema, mostrando a
utilização da Semiótica na tradução de signos literários. Então, partindo
do pressuposto de que a adaptação/tradução de uma obra literária escrita
produz signos que têm a capacidade de traduzir signos literários em uma
produção cinematográfica e acrescentando outras marcas sobre
personagem feminino, caracterizamos o nosso trabalho como analítico-
descritivo.
2. Literatura e Cinema: uma relação conflituosa
Quando o assunto em pauta envolve a relação da literatura com o
cinema, ou mais especificamente, quando um texto literário é adaptado
para o cinema é comum ouvirmos questões polêmicas e discussões sobre
a “fidelidade” ou “infidelidade” que uma produção cinematográfica tem
com a obra literária. Leitores de romances, por exemplo, procuram
assistir à adaptação para o cinema buscando, não a versão do diretor, mas
a sua versão particular, frutos de suas expectativas e comparações
infundadas com o livro. Entretanto, o filme deve ser visto como uma obra
independente.
A esse respeito, segundo Corseuil (2003), para que uma obra
literária seja adaptada para o cinema, é necessário respeitar o momento
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histórico-cultural e é preciso também a inserção dos vários discursos que
constituem como uma produção cinematográfica, como o desempenho
dos atores e como eles operam dentro dessa indústria cinematográfica, a
ideologia dominante no filme, o sistema responsável pela divulgação e
produção, os elementos narrativos envolvidos e a linguagem específica
para o cinema. Sendo assim, Corseuil afirma que: Ao contrário dessa perspectiva redutora de adaptação, vários
estudos de adaptação têm proposto uma análise mais
contextualizada do filme adaptado, respeitando o momento
histórico-cultural em que ele é produzido e inserindo-o nos vários
discursos que o constituem como produção cinematográfica, tais
como: a performance dos diversos atores e como eles operam na
indústria cinematográfica, a ideologia dominante no filme, o
sistema de divulgação e produção, os elementos narrativos e a
linguagem específica ao cinema. (CORSEUIL, 2003, p. 296).
A partir desta abordagem, percebe-se que a comparação com o
original deixa de ser o foco de análise, assim, o filme passa a ser
apreciado como um novo texto, com elementos que devem ser julgados
em seu próprio texto, reconhecendo a importância dessa produção no
processo de reescrita do texto literário. Portanto, é importante observar
que as relações entre o cinema e a literatura são complexas e se
caracterizam pela intertextualidade que, por sua vez, leva a literatura ao
cinema, com a certeza de que não apenas é impossível ser fiel ao livro
como também uma adaptação cinematográfica não deve ter isso como
pretensão.
Em relação à insistência na fidelidade, pode-se afirmar que é um
falso problema, pois se ignora a dinâmica do campo de produção em que
os meios estão inseridos. Então, Johnson (2003, p. 2) afirma que “Um
filme – baseado ou não em obra literária – tem que ser julgado antes de
tudo como um filme, e não como uma adaptação [...] a adaptação fílmica
como uma forma de tradução e, como tal, uma forma de recriação
artística”. De acordo com a colocação de Johnson (2003), não podemos
pensar que será possível colocar em duas horas de filme cada detalhe que
o autor escreve no livro. Sabemos que quando um livro é lido, cada um
tem seu ponto de vista sobre esse livro, da mesma forma é o diretor. Um
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diretor de cinema faz a sua própria leitura sobre uma obra literária e
produz sua releitura na adaptação cinematográfica.
Então, a adaptação fílmica é uma comunicação direta entre a
literatura e o cinema, pois as palavras escritas são transformadas em
sequências de palavras e os personagens são transformados em imagens
reais. Assim, uma obra literária adaptada para o cinema é uma
transmutação de um texto verbal em um texto não verbal, pois essa
adaptação ou transmutação pode ser considerada de tradução
intersemiótica.
3. Adaptação/Tradução
Quando diante de linguagens e signos distintos, a relação que
existe entre as diversas modalidades textuais, a forma pela qual um texto
pode incorporar e representar os outros textos, tudo isso, conjuntamente,
acaba por se constituir como objeto dos estudos de tradução
intersemiótica. O conceito de tradução está, tradicionalmente, vinculado
à ideia de fidelidade a algo original. Numa outra face, tem-se o conceito
de adaptação tradicionalmente ligado à ideia de “simplificação” ou até
mesmo de “manipulação” do original. Isso acontece quando o adaptador
tem o intuito de auxiliar a compreensão do receptor do texto-meta,
buscando uma maneira de estabelecer uma ponte entre a cultura de
partida e a cultura de chegada.
A adaptação é vista, por muitos, como ferramenta para adequar
determinada texto-fonte à realidade do receptor do texto-meta. Essa
adequação, muitas vezes, se refere a mudanças de linguagem, sejam estas
mudanças simplificações, atualizações etc. Só o leitor, com seu
conhecimento próprio, com a sua sensibilidade, pode constatar,
gerenciar, perceber a presença ou não de outros textos no texto que lê.
Trata-se da busca que o leitor ou o espectador poderá fazer quando, ao
ler uma obra literária ou assistir a um filme, for provocado pelo
reconhecimento de determinados elementos presentes em suas leituras
anteriores. Trata-se de uma evocação particular e sensitiva desse receptor
específico no seu ato particular de leitura. Na realidade, o leitor faz um
passeio, incursionando pelas suas lembranças, promovendo associações
textuais perceptíveis no universo do seu saber cultural.
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Quando a tradução foi reconhecida no mundo como algo
necessário para o crescimento intelectual do homem, King James (apud
Milton, 1998, p. 2) afirma que “é a tradução que abre a janela, para deixar
entrar; que quebra a casca, a fim de podermos comer a polpa; que abre a
cortina, a fim de podermos olhar o lugar mais sagrado; que remove a
tampa do poço, a fim de podermos tirar água”. Então, podemos afirmar
que a partir da tradução, o mundo pode ter acesso a obras escritas em
outras línguas, agora, escritas em sua própria língua materna. De acordo
com Hutcheon (2011), a tradução pode ser, inevitavelmente, alterada, não
apenas no sentido literal, mas também em certas nuances, em associações
e no próprio significado cultural do material traduzido. Já com as
adaptações surgem as complicações, pois as mudanças ocorrem entre
mídias, gêneros e, muitas vezes entre idiomas e, portanto, culturas.
Dessa forma, para Vieira (1996), o papel da tradução na criação
das imagens relaciona-se com a inversão do aforismo convencional,
afirmando que “tradutores têm que ser traidores” e relaciona-se também
à metáfora óptica da refração, a qual foi introduzida por Lefevere para
descrever os efeitos da tradução. O termo metáfora da refração na
tradução foi utilizado por Lefevere em suas primeiras publicações,
passando a ser considerado como reescrita da literatura, pois o mesmo vê
a literatura como um jogo de linguagem e cultura.
É necessário enxergarmos a adaptação não como um objeto
subordinado a sua obra fonte e sim entendermos essa obra como uma
nova obra, um resultado, outro produto criativo, com suas próprias
especificidades. Desse modo, a adaptação sugere que, como qualquer
texto literário, pode-se gerar um número infinito de leituras, pois um
romance pode ter diversas adaptações, dependendo do contexto social,
histórico e cultural.
4. A adaptação do personagem feminino Maggie Fitzgerald para o
cinema
Nesta seção do trabalho, faremos um estudo de como o
personagem feminino Maggie Fitzgerald foi adaptado para o cinema,
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bem como mostraremos passagens da obra literária e suas respectivas
traduções/adaptações intersemióticas para a linguagem cinematográfica.
O primeiro encontro de Maggie e Frankie foi numa luta de boxe.
Um boxeador, treinado por Frankie, estava em combate e acabou por
vencer a luta. Maggie estava na arquibancada observando todas as
expressões de Frankie durante a luta. Com o término do combate, Maggie
procura Frankie para uma conversa, com o intuito de que o mesmo seja
seu treinador. No entanto, Frankie estranha uma garota a sua procura e
pergunta se está devendo algum dinheiro a ela, obtendo uma resposta
negativa da mesma. A recusa de Frankie, a partir das descrições feitas
pelo autor, nos remete ao cotidiano, quando os homens olham para uma
mulher apenas como um objeto de desejo e insignificante para o mundo
propriamente masculino. No entanto, percebemos que o autor também a
mostra como uma pessoa equilibrada e com grande potencial para ser
uma lutadora de boxe. Frankie nunca tinha treinado garotas e achava o
boxe um ato antinatural, do qual só os homens poderiam participar, por
ser um esporte sangrento.
O autor descreve a história de Maggie e Frankie através da
narração de Scrap (amigo de muito tempo de Frankie), que é um
narrador-personagem. Scrap consegue perceber o que cada personagem
pensa e nos mostra os aspectos do livro em que ele e o personagem de
Frankie pensam sobre como a mulher está se inserindo no espaço que
antes era apenas masculino. Assim, percebemos no livro aspectos que
retratam os pensamentos de Frankie: Ok, ele pensou, os tempos mudaram. As damas estão fazendo o
que os caras fazem, mas não significa que está certo. E aí vinham
os motivos práticos. Marcar lutas de acordo com os ciclos
menstruais. E peitos com hematomas. E se uma estivesse grávida
e perdesse o filho numa luta? Tudo isso. E ele não podia falar
palavrão. Não que ele falasse tanto palavrão. Mas às vezes um
palavrão é a melhor maneira de dizer o que você quer. Como,
mantenham a porra das mãos levantadas! (TOOLE, 2005, p. 94).
Nesses aspectos, percebemos como o pensamento do homem em
relação à mulher ainda é preconceituoso e machista. As mulheres, desde
que conseguiram ter acesso à educação, também vêm conseguindo
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espaço no mercado de trabalho, que antes era prioridade apenas do sexo
masculino. O boxe foi um deles, apesar de a mulher ter os ciclos
menstruais e ter uma gestação de nove meses, sendo esposa, mãe, ela
consegue dar conta da profissão. Percebe-se que os homens só
conseguem ver o lado negativo de mulheres inseridas em espaços vistos
apenas como masculinos.
Nas imagens a seguir, visualizaremos a tradução das expressões
que o personagem feminino Maggie fez durante a cena da luta e o seu
encontro com Frankie, o qual ocorreu à primeira conversa entre os dois.
Fonte: http://sallinos.blogspot.com/2009/08/ameninadeouro.html. Acesso em:
07/04/17
Primeira conversa
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Destacamos nas imagens o primeiro encontro e a primeira
conversa entre Maggie e Frankie, como foi traduzido para o cinema. A
expressão do rosto de Maggie é de satisfação em perceber que a sua
escolha para treinador é a melhor. Durante a conversa com Frankie,
aparentemente, percebemos a submissão dela diante de Frankie. No
entanto, não é a submissão por ele ser do sexo masculino, e sim por
respeito ao profissional que está ao seu lado.
As imagens logo no início do filme mostram uma decomposição
do primeiro plano, ou seja, o tipo de plano close up que apresenta o rosto
da personagem bem próximo, passando aos telespectadores do filme a
expressão emocional de cada personagem que pode ser chamada de
visualização do close up. Sobre este tipo de plano, Xavier (1984:19) nos
mostra que “a câmera, próxima da figura humana, apresenta apenas um
rosto ou outro detalhe qualquer que ocupa a quase totalidade da tela (há
uma variante chamada primeiríssimo plano, que se refere a um maior
detalhamento – um olho ou uma boca ocupando toda a tela)”.
Nas imagens, nas quais está ocorrendo o diálogo entre Maggie e
Frankie, vemos uma apresentação do cenário onde passa a cena,
mostrando o plano médio ou de conjunto, que pode ser confundido com
o plano geral. O plano médio apresenta uma cena em situação interior
que remete às figuras humanas e aos cenários, como foi observado. Em
relação ao plano médio, Xavier afirma que:
[...] uso aqui para situações em que, principalmente em interiores
(uma sala, por exemplo), a câmera mostra o conjunto de elementos
envolvidos na ação (figuras humanas e cenários). A distinção entre
plano de conjunto e plano geral é aqui evidentemente arbitrária e
corresponde ao fato de que o último abrange um campo maior de
visão. (XAVIER, 1984, p. 19).
No cenário dos bastidores do ginásio, percebemos um local
rústico e com pouca iluminação, representando um espaço masculino. O
plano médio nos remete à conclusão de que foi usado esse recurso para
apresentar um espaço apropriado para lutadores de boxe do sexo
masculino. Na obra literária não conseguimos sentir o grande impacto da
situação. A tradução cinematográfica prende a atenção dos espectadores,
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passando ao público uma grande emoção da cena e a impossibilidade de
evitar o acidente. Durante a vida como treinador de boxe profissional o
lema de Frankie para com seus lutadores era o de “sempre se protejam”.
Maggie foi a primeira e única mulher que Frankie treinou, sempre dava
um jeito de fazer as coisas como ela queria e não como Frankie mandava.
Ele tratava Maggie como se fosse a sua própria filha.
Fonte: http://sallinos.blogspot.com/2009/08/ameninadeouro.html. Acesso
em: 07/04/17
A última luta
As imagens retratam o momento da luta mais importante da vida
de Maggie, já que ela estava enfrentando uma adversária muito forte.
Mas, por obra do destino, embora ela estivesse ganhando a luta, Maggie
acabou sendo golpeada covardemente pela sua adversária e acabou
caindo, batendo o pescoço, atingindo a coluna, o que a deixou
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tetraplégica. Nas imagens, percebemos a utilização de vários recursos. O
som, o silêncio, o movimento da câmera para mostrar cada etapa da queda
e o momento exato em que Maggie bate no banquinho e o som do
impacto. Sobre o som, Martin (2007, p. 111) afirma que “o som faz parte,
sem dúvida, da essência do cinema, por ser, como a imagem, um
fenômeno que se desenvolve no tempo”.
Maggie ficou tetraplégica, apenas falava e movimentava um
pouco a cabeça, perdera a capacidade de respirar por conta própria e, para
continuar sobrevivendo, precisava de uma bomba de oxigênio que era
instalada na garganta. Devido às delimitações do seu corpo sem
movimento, começam a surgir feridas causando um grande mau cheiro,
chegando até a ter uma perna amputada. Nunca reclamava de nada, nem
o fato de a família não ir visitá-la e quando foram apenas tentaram que
ela passasse para a mãe a responsabilidade de cuidar do seu dinheiro. No
entanto, a ex-boxeadora já havia doado todo o seu dinheiro para a
Associação Americana de Paralisia. Maggie ficou ainda mais
decepcionada com sua mãe.
Certo dia, ela contou uma história sobre o pai a Frankie; ele tinha
um cachorro aleijado e, com muito penar, o pai sacrificou o cão para
acabar com o sofrimento do pobre animal. Maggie, então, pede que
Frankie a coloque para dormir, como o pai fez com o cão. Frankie tenta
tirar esses pensamentos da cabeça dela. No entanto, certo dia, ainda sem
poder se movimentar, Maggie morde a própria língua que sangra muito,
e só não morreu porque a equipe médica percebeu o que ela havia feito.
Essa atitude custou sua fala, mas as enfermeiras ensinaram Maggie a se
comunicar por sinais piscando os olhos.
Após várias reflexões e conselhos de um padre, Frankie não
suporta mais ver o sofrimento de Maggie, e então, resolve atender ao
pedido de Maggie de colocá-la para dormir, como o pai fez com o seu
cachorro. Frankie aplica uma grande dose de adrenalina na veia de
Maggie, ele queria ter certeza de que não teria possibilidade de Maggie
voltar a sofrer, como presenciou o sofrimento desde o seu acidente.
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Fonte: http://sallinos.blogspot.com/2009/08/ameninadeouro.html. Acesso
em: 07/02/16
Frankie coloca Maggie para dormir (eutanásia)
As imagens traduzem todo o aspecto descrito no conto, já exposto
anteriormente. A tradução para o cinema envolve recursos que não
existiam na época em que a história foi produzida, o que se percebe por
meio de aparelhos bem modernos apresentados nas cenas do hospital. A
iluminação da cena nos repassa um aspecto de tristeza, de luto.
Percebemos que as imagens são envolvidas por metáforas, pois cada
detalhe que possamos observar tem um grande significado. Xavier (1984,
p. 15) nos mostra que “as metáforas que propõe a lente da câmera como
uma espécie de olho de um observador astuto apóiam-se muito no
movimento de câmera para legitimar sua validade, pois são as mudanças
de direções, os avanços e recuos, que permitem as associações entre o
comportamento do aparelho e os diferentes momentos de um olhar
intencionado. ”
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Além do final do enredo, outra parte da história que nos chamou
a atenção foi o nome em irlandês que Frankie mandou bordar no roupão
de Maggie em uma luta na qual ela ficou conhecida no mundo todo. O
nome bordado era em gaélico, Mo cuishle, tinha vários irlandeses que
começaram a gritar pelo nome escrito, ganhando fãs irlandeses. Na
história de Toole, é revelado logo a Maggie o significado da palavra. No
entanto, no filme, para prender a atenção do público, o significado só foi
revelado apenas antes de Frankie injetar a adrenalina em Maggie, que no
filme não foi na ponta da língua conforme narra o livro, e sim na veia do
braço. Como percebemos ao longo do contexto, Frankie via a Maggie
como uma filha e a amava como tal, da mesma forma Maggie o via como
o seu segundo pai. A palavra irlandesa Mo cuishle, significa “minha
querida, meu sangue” e foi assim até o final.
5. Considerações finais
Como foi possível demonstrarmos ao decorrer deste trabalho com
a produção cinematográfica do livro em estudo, a adaptação do literário
para o fílmico não se encerra ou se esgota na transposição de um para
outro meio. É um processo permanente e extremamente dinâmico, que
permite uma infinidade de inferências, referências, ajustes, adequações,
para moldar as (re) interpretações e postular a observância de
significados desejados.
É claro que quando os diretores se propõem a levar para a telona
um texto literário, com certeza, estão conscientes do desafio que a
empreitada requer. Da concepção tradicional de tradução baseada na
obstinação pela fidelidade ao texto original, podem advir julgamentos
superficiais. A questão da fidelidade textual é, na realidade, como
tentamos reiteradamente demonstrar, uma questão não pertinente. Há que
se considerar os recursos da nova linguagem. Se a literatura dialoga,
como sempre o fez, consigo mesma, a abrangência do discurso literário,
num dialogismo intertextual, pode, com certeza, enveredar para outras
áreas do conhecimento humano.
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Muitas são as designações atribuídas ao processo de tradução
intersemiótica. Entre as denominações mais frequentes, constam
transposição, transmutação, transcodificação, transformação,
transcriação, tradução e transmigração. Na realidade, há entre livros e
filmes uma produção de significados estéticos. As películas partem das
palavras escritas para se redimensionarem como imagem, som,
movimento etc.
Nosso propósito, ante a abrangência do tema, é esperar que,
instaurando dúvidas, suscitando questões, enfrentando a polêmica, o
tema seja ponto de partida para retomadas, críticas e, naturalmente, outras
e melhores considerações.
6. Referências
CORSEUIL, Anelise Reich. Literatura e cinema. In: BONNICI, T.;
ZOLIN, L. O. (Orgs.) Teoria literária: abordagens históricas e tendências
contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Trad. de André
Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011.
JOHNSON, Randal. Literatura e cinema. Macunaíma: do modernismo
na literatura ao cinema novo. São Paulo: Queiroz editor, 2003.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Trad. de Paulo Neves.
São Paulo: Brasiliense, 2007.
MILTON, John. Tradução: teoria e prática. 2ª Ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. [Coleção leitura e crítica].
TOOLE, F. X. Menina de Ouro. Trad. de Marçal Aquino. São Paulo:
Geração Editorial, 2005.
VIEIRA, Else Ribeiro Pires. André Lefevere: a teoria das refrações e da
tradução como reescrita. In: VIEIRA, Else Ribeiro Pires. (Org.)
Teorizando e contextualizando a tradução. Curso de Pós-graduação em
Estudos Linguísticos da FALE/UFMG, 1996.
XAVIER, Ismael. O discurso cinematográfico: a opacidade e a
transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.