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6º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)
Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição
Belo Horizonte, 25 a 28 de julho de 2017
Área temática: Análise de Política Externa
DA OPERAÇÃO DE MANUTENÇÃO DE PAZ À COOPERAÇÃO TÉCNICA: AS INICIATIVAS BRASILEIRAS PARA A PAZ EM MOÇAMBIQUE (1992-2010)
Thaíse Kemer (PPGCP/UFPR)
Alexsandro Eugenio Pereira (PPGCP/UFPR)
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RESUMO: Com o fim da Guerra Fria, observou-se a crescente presença do Brasil no contexto das
iniciativas para a paz promovidas pela Organização das Nações Unidas na África. Essa participação
brasileira associa-se tanto à preocupação da política externa brasileira com a promoção da paz,
conforme a Constituição de 1988, quanto à promoção do desenvolvimento. Nesse contexto, debate-
se a seguinte questão: em que medida as iniciativas do Brasil no contexto do processo de paz de
Moçambique foram associadas à promoção do desenvolvimento, entre 1990 e 2010? Esse período
compreende tanto a análise da missão de manutenção da paz das Nações Unidas para Moçambique,
iniciada em 1992, quanto dos projetos de cooperação técnica entre Brasil e Moçambique que foram
estabelecidos após essa missão. Com base em pesquisas realizadas em fontes primárias e
secundárias e, em particular, no acesso ao Sistema de Atos Internacionais do MRE, o argumento do
artigo é o de que, no caso do processo de paz de Moçambique, o Brasil não adotou uma agenda de
longo prazo para a paz que estivesse associada ao desenvolvimento. Para evidenciar esse
argumento, o artigo foi dividido em três partes. Na primeira parte, apresenta-se uma contextualização
histórica sobre o Acordo Geral de Paz de 1992 e a implementação da ONUMOZ, que ocorreu entre
1993 e 1994. Na segunda seção, evidencia-se a participação do Brasil no contexto da ONUMOZ, de
forma a elucidar tanto as motivações do Brasil em participar dessa missão quanto a forma dessa
participação. Por fim, na terceira seção, analisam-se os acordos de cooperação técnica entre o Brasil
e Moçambique, entre 1990 e 2010. Assim, o artigo visa a contribuir para o debate sobre o papel do
Brasil relativamente à promoção de uma paz associada ao desenvolvimento no mundo
contemporâneo.
PALAVRAS-CHAVE: Paz; Desenvolvimento; Análise de Política Externa.
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INTRODUÇÃO
O presente artigo analisa as iniciativas do Brasil para a promoção da paz em
Moçambique, no período compreendido entre a implementação da Operação das Nações
Unidas em Moçambique (ONUMOZ), em 1992, a qual contou com a participação do Brasil, e
2010, último ano do segundo mandato de Luís Inácio Lula da Silva (2003 - 2010) como
presidente do Brasil. Esse período permite analisar a participação do Brasil tanto no
contexto da ONUMOZ quanto nos projetos de cooperação para o desenvolvimento que o
Brasil desenvolveu com Moçambique posteriormente ao término dessa missão.
O artigo debate a seguinte questão: em que medida as políticas brasileiras para a
promoção da paz em Moçambique estiveram relacionadas ao fortalecimento do
desenvolvimento nesse país, no período entre 1990 e 2010? Para operacionalizar a
pesquisa, utilizam-se as noções de “desenvolvimento” e de “construção da paz”. No
que se refere ao desenvolvimento, ainda que esse conceito seja objeto de debates
(TURK, 2014; MACHADO E PAMPLONA, 2008), o presente artigo utiliza a noção
difundida pelas Nações Unidas em 1990, em seu primeiro relatório sobre o
Desenvolvimento Humano (PNUD, 1990). Segundo esse relatório, “(…) o objetivo
básico do desenvolvimento é criar um ambiente que habilite as pessoas a
desfrutarem de vidas longas, saudáveis e criativas”1. (PNUD, 1990, p. 9; MACHADO
E PAMPLONA, 2008, p. 62). Ainda nesse relatório, enfatiza-se que o ser humano
deve ser considerado o centro do conceito de desenvolvimento, o qual não deve ser
reduzido à dimensão econômica, mas, sim, deve contemplar outras dimensões,
como, por exemplo, o acesso ao conhecimento, à liberdade política e à garantia de
direitos humanos (PNUD, 1990, iii). Assim, verifica-se que a definição de
desenvolvimento empregada pelas Nações Unidas em 1990 tem um escopo que abrange
não apenas temas econômicos mas, também, temas políticos e sociais.
Além disso, as Nações Unidas constituem a principal instância multilateral no mundo
contemporâneo para a promoção da paz e da segurança internacionais. Esse fato é
relevante para a política externa brasileira, pois, segundo Amado Cervo (2008, p. 28), a
ação internacional do Brasil pauta-se, historicamente, pela valorização de foros multilaterais;
nesse contexto, as Nações Unidas contam, desde seus primórdios, com uma expressiva
participação de legações brasileiras. Dessa forma, a abrangência do conceito de
desenvolvimento trazido em 1990 pelas Nações Unidas e a relevância dessa organização
para a ação externa brasileira justificam a escolha da definição onusiana de 1990 para servir
1 Tradução dos autores. Original em inglês: “The basic objective of development is to create an
enabling environment for people to enjoy long, healthy and creative lives” (PNUD, 1990, p. 9).
4
como um dos conceitos orientadores da presente análise, em detrimento de eventuais
divergências de ênfase dos diferentes presidentes brasileiros, entre 1990 e 2010, sobre o
conceito de desenvolvimento.
O conceito de “construção da paz”, por sua vez, foi criado por Johan Galtung, um dos
fundadores do campo dos Estudos para a Paz (Peace Studies), durante a década de 1970,
e foi internalizado no contexto das Nações Unidas no documento “Uma Agenda para a Paz”,
do Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali (A/47/277, 1992). Segundo Johan Galtung, a
noção de construção da paz remete à ideia de que a paz implica não apenas a cessação da
violência física, presente, por exemplo, no contexto de guerras, mas também o provimento
de estruturas sociais, como o acesso a sistemas de saúde e de educação, para que os
indivíduos possam alcançar a totalidade de suas potencialidades (GALTUNG, 1976, pp.
297-298; KEMER et al., 2016, p. 138-139). Nesse sentido, o relatório “Uma agenda para a
paz”, dialogou com o conceito de Galtung, pois relacionou a construção da paz “(…) aos
esforços de identificação e de fortalecimento de estruturas que tendam a consolidar a paz e
a estimular um sentido de confiança e de bem-estar entre as pessoas” (A/47/277, 1992, par.
55)2. A Agenda para a Paz destacou ainda que, entre os esforços possíveis para promover a
paz, estão medidas como projetos de cooperação, os quais podem contribuir para o
desenvolvimento (NAÇÕES UNIDAS, 1992, par. 56). Assim, o conceito de construção da
paz fortaleceu o elo entre paz e desenvolvimento no contexto das Nações Unidas (KEMER
et al., 2016, p. 139).
Dessa forma, com base nos conceitos de construção da paz e de desenvolvimento,
sustenta-se que o processo de paz moçambicano não terminou com o fim da ONUMOZ, em
1994, uma vez que, após a retirada dessa missão de Moçambique, houve a persistência do
quadro de subdesenvolvimento na sociedade moçambicana. Assim, o artigo analisa a
política externa brasileira para a promoção da paz em Moçambique, com vistas a identificar
em que medida as iniciativas de promoção do desenvolvimento, materializadas nos projetos
de cooperação técnica bilateral, foram concebidas como um instrumento de promoção da
paz nesse país.
Nesse contexto, a Análise de Política Externa (APE) torna-se um instrumento
relevante para o problema proposto, uma vez que, de acordo com Milani e Pinheiro (2013),
a compreensão das mudanças na política interna permite um entendimento mais amplo
sobre a política externa do Brasil. De acordo com esses autores, a formulação e a
implementação da política externa está inserida na dinâmica das escolhas de governo
(MILANI E PINHEIRO, 2013). A política externa implementada pelos diferentes governos
2 Tradução dos autores. Original em inglês: “(…) comprehensive efforts to identify and support
structures which will tend to consolidate peace and advance a sense of confidence and well-being among people” (NAÇÕES UNIDAS, 1992, par. 55).
5
brasileiros torna-se relevante para a análise, com foco particular nos governos de Fernando
Henrique Cardoso (FHC) (1995 - 2003) e Luís Inácio Lula da Silva (2003 - 2010), cujos
mandatos ocuparam a maior parte do recorte temporal selecionado. O artigo analisa a
maneira pela qual o perfil de atuação política desses governos trouxe diferentes implicações
para a implementação da política externa brasileira. Dessa forma, a análise da política
interna nacional oferece elementos que permitem problematizar a formulação da política
externa brasileira a partir da perspectiva da implementação da construção da paz.
O argumento avançado no artigo é o de que, no caso do processo de paz
moçambicano, o Brasil não adotou uma agenda de longo prazo que associasse a promoção
da paz à promoção do desenvolvimento. Esse argumento é válido na medida em que não
houve continuidade entre a participação do Brasil na ONUMOZ e os acordos bilaterais de
cooperação técnica entre Brasil e Moçambique, haja vista que apenas cinco acordos de
cooperação bilateral foram implementados no governo de Fernando Henrique Cardoso,
número que foi ampliado apenas no governo Lula. Esse fato evidencia que a promoção do
desenvolvimento esteve mais associada a decisões específicas de cada governo do que à
promoção da paz, a qual demandaria a intensificação desses acordos após o término da
ONUMOZ, como forma de oferecer aos moçambicanos condições estruturais para a paz.
Assim, não obstante o Brasil tenha apoiado, em termos retóricos, uma agenda de
“construção da paz”, na prática: (1) as iniciativas brasileiras para a promoção da paz em
Moçambique enfatizaram sua atuação na ONUMOZ e (2) houve uma relativa dissociação
entre a promoção da paz e a promoção do desenvolvimento, pois, imediatamente após o
término da ONUMOZ, houve um número relativamente baixo de acordos bilaterais entre
Brasil e Moçambique, situação que somente foi modificada no contexto dos mandatos do
presidente Luís Inácio Lula da Silva. Consequentemente, no caso de Moçambique, as
iniciativas brasileiras para a paz foram direcionadas no sentido de uma abordagem para a
operação de manutenção de paz (BLANCO, 2016), o que enfraquece a ideia de que o Brasil
promoveu, nesse caso, uma agenda para a paz centrada no desenvolvimento.
Para implementar essa análise, a metodologia utilizada consistiu em uma pesquisa
bibliográfica de fontes nacionais e internacionais, além da sistematização e da análise dos
acordos de cooperação técnica entre Brasil e Moçambique, os quais estão disponíveis no
Sistema de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O artigo
está dividido em três partes, além da introdução e da conclusão. Na primeira parte,
apresenta-se uma contextualização histórica sobre o Acordo Geral de Paz de 1992 e a
implementação da ONUMOZ, que ocorreu entre 1993 e 1994. Na segunda seção, evidencia-
se a participação do Brasil no contexto da ONUMOZ, de forma a elucidar tanto as
motivações do Brasil em participar dessa missão quanto a forma dessa participação. Por
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fim, na terceira seção, analisam-se os acordos de cooperação técnica entre Brasil e
Moçambique, entre 1990 e 2010. Assim, com base no estudo de caso do contexto
moçambicano, o artigo contribui para o aprofundamento do debate sobre o papel do Brasil,
enquanto parte do Sul Global, na promoção da paz internacional.
1. MOÇAMBIQUE: DO CONFLITO À OPERAÇÃO DE MANUTENÇÃO DA PAZ DAS
NAÇÕES UNIDAS DE 1992
A presente seção contextualiza historicamente o conflito moçambicano e o processo
de paz posterior a esse conflito. As causas desse conflito, que envolveu disputas entre os
dois principais partidos políticos do país, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e
a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), ultrapassam fatores políticos e residem
na intersecção de disputas por poder internas, regionais e internacionais. Como destacou
Malaquias (1998, p. 1), o acordo de paz de Moçambique foi elaborado com o objetivo de por
um fim a conflitos sangrentos e prolongados, que foram legados pela Guerra Fria e pelo
apartheid.
As raízes históricas desse conflito relacionam-se com o colonialismo português em
Moçambique, que remonta ao ano de 1498 (VISENTINI, 2012, p. 89). Em 1951, no contexto
dos movimentos de descolonização, o governo português de Antônio Salazar renomeou as
colônias portuguesas na África de “Províncias Ultramarinas”, como forma de garantir o
controle português sobre seus territórios, entre os quais Moçambique, e de lidar com as
críticas internacionais ao colonialismo (FUNADA-CLASSEN, 2012, p. 181). Ainda assim, os
movimentos de descolonização no continente africano possibilitaram que, em 1962,
houvesse a formação do primeiro partido de oposição moçambicana a Portugal, a Frente de
Libertação Nacional de Moçambique (FRELIMO) (RUPIYA, 1998, p. 10). Dois anos depois, a
FRELIMO lançou uma luta armada contra Portugal e recebeu suporte de forças radicais de
países do Leste Europeu, da China e de países africanos árabes (RUPIYA, 1998, p. 11).
Depois de 1970, Portugal lutou contra a FRELIMO; contudo, o contexto da
Revolução dos Cravos3, que ocorreu em Portugal, em 1974, e as discordâncias domésticas
nesse país sobre a presença portuguesa em Moçambique, Guiné-Bissau e Angola,
modificou o contexto moçambicano (RUPIYA, 1998, p. 11). Como uma consequência da
Revolução dos Cravos em Portugal, houve a retirada de 60.000 soldados portugueses de
3 A Revolução dos Cravos foi um movimento iniciado em Portugal no dia 25 de abril de 1974 no qual o
Movimento das Forças Armadas pôs fim a 48 anos de ditadura naquele país (VARELLA, 2012, p. 403).
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Moçambique. Ainda no mesmo ano, o Acordo de Lusaka foi assinado, o qual pôs um fim ao
colonialismo português em Moçambique (RUPIYA, 1998, p. 11).
Em 1975, Samora Machel, líder da FRELIMO, tornou-se o primeiro presidente
moçambicano e a FRELIMO tornou-se o centro do sistema unipartidário em Moçambique
(RUPIYA, 1998, p. 12). Em 1977, a FRELIMO foi oficialmente transformada em um
movimento Marxista-Leninista, o que deu condições para uma aproximação entre esse
partido e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (RUPIYA, 1998, p. 12). Rupiya
(1998, p. 12-13) argumenta que, a despeito da agenda nacionalista da FRELIMO, o governo
conferiu tratamento desigual a determinados grupos sociais, como foi o caso dos
camponeses moçambicanos, os quais foram relegados a um segundo plano no contexto das
políticas nacionais de Moçambique, em razão do foco do governo desse país nas fazendas
estatais. Além disso, Rupiya (1998, p. 12-13) afirmou que houve a marginalização das
autoridades tradicionais, o que levou a um aumento das hostilidades entre a população e o
governo e contribuiu para a escalada do conflito civil.
A principal oposição à FRELIMO foi a Resistência Nacional Moçambicana
(RENAMO), formada, em 1977, pela Agência de Inteligência Nacional do Zimbábue (CIO)
(RUPIYA, 1998, p. 13; REFWORLD, 2001). A CIO, a Agência de Inteligência Nacional do
Zimbábue, promoveu a formação da RENAMO como um contraponto ao Presidente de
Moçambique, Samora Machel, que apoiava o Exército de Libertação Nacional do Zimbábue
(ZANLA), grupo de oposição desse país (BRITANNICA, 2017). Os objetivos da RENAMO,
naquele contexto, eram desestabilizar o governo da FRELIMO e oferecer inteligência ao
Exército de Libertação Nacional do Zimbábue, que estava operando nas fronteiras de
Moçambique (RUPIYA, 1998, p. 13).
Em 1980, com a independência do Zimbábue, o controle da RENAMO foi transferido
para a África do Sul, cujo objetivo era fazer oposição ao movimento armado sul-africano que
estava lutando contra o apartheid (RUPIYA, 1998, p. 13). Além disso, a África do Sul
também bloqueou o acesso ao mar que o Zimbábue tinha por meio de Moçambique, o que
aumentaria a dominação da África do Sul no contexto regional (RUPIYA, 1998, p. 13). O
apoio sul-africano permitiu o fortalecimento das forças da RENAMO, as quais foram
ampliadas de 500 para 8.000 combatentes (RUPIYA, 1998, p. 13).
Em 1984, o Pacto de Não-Agressão de Nkomati, que visava ao fim das hostilidades
entre Moçambique e a África do Sul, foi assinado por esses países (RUPIYA, 1998, p. 13).
No contexto desse pacto, esses Estados comprometeram-se a não oferecer apoio material
aos movimentos de oposição presentes em cada um deles (CRAVINHO, 2004, p. 742).
Assim, o Congresso Nacional da África do Sul (ANC) foi proibido de conduzir operações
militares na África do Sul a partir de Moçambique, e o país sul-africano, por sua vez, não
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poderia mais apoiar a RENAMO (CRAVINHO, 2004, p. 742). O governo sul-africano,
contudo, ignorou o acordo e, em 1984, forças da RENAMO estavam presentes em todas as
províncias de Moçambique (CRAVINHO, 2004, p. 742).
Com a escalada do conflito, Moçambique advertiu ao governo da África do Sul que o
Acordo de Nkomati estava em risco (CRAVINHO, 2004, p. 742). Assim, esse governo
conduziu diálogos em separado com a RENAMO e a FRELIMO, os quais levaram à
Declaração de Pretória, em outubro de 1984 e, ainda, a um acordo de cessar-fogo em
Moçambique (CRAVINHO, 2004, p. 742). Contudo, o Pacto de Não-Agressão de Nkomati e
a Declaração de Pretória não foram suficientes para promover o término do conflito entre a
FRELIMO e a RENAMO. Uma das razões para isso foi que a RENAMO acusou a FRELIMO
de não reconhecer sua legitimidade (CRAVINHO, 2004, p. 742).
Após o Acordo de 1984, a RENAMO passou a adotar uma estratégia política
baseada na utilização de recursos da população local e no ataque a infraestruturas
nacionais, como construções públicas (RUPIYA, 1998, p. 13). Nesse sentido, uma das
principais ações da RENAMO era a destruição de estradas públicas, centros de saúde e
escolas, como formas de atacar o governo da FRELIMO (RUPIYA, 1998, p. 13).
Em 1987, Joaquim Chissano, que assumiu a presidência de Moçambique no
contexto do falecimento de Samora Machel, em 1986, iniciou um conjunto de reformas na
FRELIMO, o que levou esse partido a deixar de ser marxista, no ano de 1989 (RUPIYA,
1998, p. 14). Naquele momento, enquanto a RENAMO enfrentava o desafio de fazer a
transição de um grupo militar para um partido político, a FRELIMO também precisava de
garantias de segurança da parte da RENAMO, de forma que as hostilidades pudessem ter
um fim (RUPIYA, 1998, p. 14).
Esse contexto formou a base para os diálogos de paz em Moçambique, os quais
foram iniciados em 1990 e contaram com a mediação da Comunidade Católica de Santo
Egídio4. Após dois anos de negociações, foi estabelecido, em 1992, o Acordo Geral de Paz
entre a RENAMO e o governo da FRELIMO, composto por sete protocolos (RUPIYA, 1992,
p. 14). O Protocolo I, intitulado “Princípios Básicos”, estabeleceu o compromisso de o
governo não tomar quaisquer medidas contrárias ao Acordo Geral de Paz, ao passo que a
RENAMO não deveria entrar em conflitos armados. O Protocolo II, “Critérios para a
formação e reconhecimento de partidos políticos”, estabeleceu diretrizes para a organização
de partidos políticos, estabelecendo, por exemplo, que esses deveriam ser associações de
cidadãos voluntárias, independentes e livres, cujo propósito principal seria o de dar
expressão democrática à vontade popular e promover a participação democrática (GPA,
4 De acordo com Richard Jackson (2005, p. 19), a Comunidade Católica de Santo Egídio é uma
organização católica de caridade com sede em Roma e presença em Moçambique.
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1992, p. 42). O Protocolo III, “Princípios do Ato Eleitoral”, estabeleceu princípios que
deveriam orientar as eleições moçambicanas, como a liberdade de imprensa, de expressão
e o estabelecimento de procedimentos eleitorais baseado em um sistema de regras
democráticas, imparciais e pluralistas. O Protocolo IV, “Assuntos Militares”, tratou de temas
como a formação da Força de Defesa Moçambicana, uma força apartidária cuja formação
teria início após o cessar-fogo. O Protocolo V, “Garantias”, estabeleceu a criação de uma
Comissão para supervisionar o cessar-fogo e monitorar o Acordo Geral de Paz. Finalmente,
o Protocolo VI, “Cessar-fogo”, estabeleceu as condições para o cessar-fogo e o Protocolo
VII, “Conferência de Doadores”, afirmou a necessidade de uma conferência internacional
para viabilizar o financiamento do processo eleitoral, de programas emergenciais e da
reintegração de deslocados internos, refugiados e soldados desmobilizados (GPA, 1992, p.
60). O processo de paz moçambicano recebeu amplo suporte internacional de países como
os Estados Unidos, a França, Portugal e o Reino Unido (RUPIYA, 1998, p. 15).
Após o estabelecimento do Acordo Geral de Paz de 1992, o Conselho de Segurança
aprovou, em 13 de outubro do mesmo ano, a Resolução 782, pela qual deu as boas-vindas
à assinatura do Acordo Geral e aprovou o despacho de um Representante Especial Interino
do Secretário-Geral e de uma equipe de observadores militares a Moçambique (NAÇÕES
UNIDAS, 1992). Contudo, devido às persistentes violações ao cessar-fogo em várias áreas
do país, o Conselho de Segurança estabeleceu a Operação de Paz das Nações Unidas em
Moçambique, por meio de sua Resolução 797, de 16 de dezembro de 1992, a qual deveria
durar até 31 de outubro de 1993 (NAÇÕES UNIDAS, 1992b). O mandato da ONUMOZ
incluiu aspectos políticos, eleitorais, militares e humanitários.
No âmbito político, o Representante Especial ficaria responsável por liderar a
Comissão de Monitoramento e de Supervisão, a qual havia sido criada no contexto da
implementação do Acordo, com o objetivo de monitorar o processo de paz (ONUMOZ,
1996). Com relação ao processo eleitoral, o Acordo Geral de Paz estabeleceu que eleições
legislativas e presidenciais deveriam ocorrer um ano após a assinatura do Acordo. Nesse
contexto, a Divisão Eleitoral da ONUMOZ deveria monitorar o processo eleitoral que seria
organizado pela Comissão Nacional de eleições e, também, manter contato com o governo
de Moçambique (ONUMOZ, 1996).
No âmbito militar, a ONUMOZ teve o papel de monitorar e verificar: (1) o cessar-fogo;
(2) a separação e a concentração das forças das partes envolvidas no conflito; (3) a
desmobilização dos combatentes e a coleta, armazenamento e destruição de armas; (4) a
retirada das forças estrangeiras; e (5) o desmantelamento de grupos militares armados
privados e irregulares. Além disso, a ONUMOZ deveria prover a segurança para as Nações
Unidas e outras iniciativas internacionais que tivessem o intuito de apoiar o processo de paz
10
(ONUMOZ, 1996). Por fim, no âmbito humanitário, o componente da ONUMOZ para
operações humanitárias (UNOHAC), estabelecido em Maputo, deveria servir tanto como um
instrumento de reconciliação quanto como uma forma de apoiar o retorno de refugiados e de
deslocados internos para seus lares (ONUMOZ, 1996).
A despeito do estabelecimento da ONUMOZ, em 14 de Abril de 1993, o Conselho de
Segurança adotou a Resolução 818 (1993), que condenou os atrasos que impediam o
avanço do processo de paz moçambicano e ampliou o mandato da ONUMOZ por seis
meses (NAÇÕES UNIDAS, 1993). De fato, os atrasos na implementação das unidades
militares da ONUMOZ trouxeram lentidão ao processo, pois a RENAMO solicitou que, no
mínimo, 65 por cento das tropas da ONUMOZ deveriam estar a postos antes que tivesse
início o processo de implementação do Acordo Geral de Paz (ONUMOZ, 1996). Assim, a
ONUMOZ foi implementada em maio de 1993 (ONUMOZ, 1996), ao passo que as eleições
moçambicanas foram atrasadas em um ano (RUPIYA, 1998, p. 16). Nessas eleições, 85%
dos 5,2 milhões de votantes registrados compareceram às urnas e reelegeram Joaquim
Chissano como o Presidente de Moçambique, ao passo que a FRELIMO obteve a maioria
dos assentos do Parlamento (129 dos 250 assentos disponíveis) (RUPIYA, 1998, p. 16-17).
Nesse contexto, as eleições ocorreram em outubro de 1994 e foram declaradas “livres e
justas” pelas Nações Unidas (RUPIYA, 1998, p. 16).
Embora esses resultados aparentemente corroborem a ideia de “sucesso” da
iniciativa das Nações Unidas para a paz em Moçambique (MALAQUIAS, 1998, p. 1), é
relevante recordar, nesse contexto, os argumentos de Rob Jenkins (2013) sobre processos
de construção da paz. De acordo com esse autor, uma das questões que podem ser
levantadas sobre as iniciativas das Nações Unidas para a paz se refere à duração desses
processos (JENKINS, 2013, p. 24-28; KEMER et al., 2016, p. 144). Dado que não existe
uma duração definida para a conclusão de um processo de paz, é possível afirmar que o
término da ONUMOZ não trouxe, necessariamente, a paz para a sociedade moçambicana.
Reppell e outros pesquisadores (2016, p. 9) afirmam, nesse sentido, que, mais de vinte após
o estabelecimento do Acordo Geral de Paz, mais de 14 milhões de pessoas em
Moçambique vivem com menos de US$ 1,25 por dia5. Além disso, o país ainda necessita de
programas de apoio à reintegração de ex-combatentes na economia nacional (REPPELL et
al., 2016, p. 9). Adicionalmente, após 2013, a violência entre os partidos RENAMO e
FRELIMO tornou-se evidente no contexto político moçambicano. Segundo Bowker e outros
pesquisadores (2016) e Jentzsch (2016), abusos de direitos humanos são cometidos por
ambas as partes em conflito e, de acordo com a organização Médicos Sem Fronteiras
5 Segundo o Banco Mundial, a população total de Moçambique, em 2015, totalizava cerca de 28
milhões de habitantes (BANCO MUNDIAL, 2017).
11
(2016), mais de 5.800 refugiados moçambicanos ainda não têm acesso a condições
humanitárias mínimas, na medida em que estão em abrigos superlotados, sem acesso a
água potável e a saneamento básico (MSF, 2016). Nesse contexto, é importante considerar
a ênfase das Nações Unidas na interrelação entre paz e desenvolvimento, evidenciada por
meio do conceito de construção da paz. Partindo dessa perspectiva, é possível afirmar que
o processo de paz em Moçambique está, ainda, em curso (TSCHIRGI, 2003, p. 1-2; PBSO,
2010; KEMER et al., 2016), na medida em que o país apresenta diversas carências em
termos de estruturas sociais, como os déficits existentes em seus sistemas de educação, de
saúde e de saneamento básico, entre outros (BANCO MUNDIAL, 2017).
Esses dados evidenciam a necessidade de ampliar a discussão sobre o “sucesso” do
processo de paz moçambicano (REPPELL et al., 2016, p. 9; JENTZSCH, 2016). Para
ampliar esse debate, a próxima seção apresenta a perspectiva brasileira sobre o processo
de paz moçambicano, analisando o papel do Brasil no contexto da ONUMOZ.
2. O “JEITINHO BRASILEIRO” NA OPERAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS EM
MOÇAMBIQUE (1993 A 1994): INTERESSES E PRÁTICAS
A presente seção analisa o processo de paz moçambicano a partir da perspectiva do
Brasil, cujos objetivos, naquele contexto, foram tanto contribuir para o processo de paz
moçambicano quanto avançar seus interesses nacionais no plano internacional. A questão
problematizada é: no contexto moçambicano, em que medida é possível argumentar que
houve uma política brasileira para a paz com ênfase no desenvolvimento? Para elaborar
essa análise, a seção centra-se na participação do Brasil na ONUMOZ, que ocorreu entre
janeiro de 1993 e dezembro de 1994 (EBMIL, 2017b), ao passo que a terceira seção analisa
os projetos de cooperação bilateral entre Brasil e Moçambique que se seguiram ao término
dessa missão. Embora esses tópicos – a missão de peacekeeping e projetos de cooperação
técnica – sejam aparentemente distintos, analisa-se a existência de possíveis interrelações
entre as diferentes iniciativas brasileiras nesse país, as quais evidenciem a existência de
uma política brasileira para a paz em Moçambique centrada na promoção do
desenvolvimento. Antes de proceder a essa análise, é importante destacar que a expressão
utilizada no título, o “jeitinho brasileiro”, foi utilizada por Roberto DaMatta, no livro O que faz
o brasil, Brasil?, e esteve associada, de forma geral, à capacidade dos brasileiros de driblar
condicionantes legais e institucionais para obter vantagens próprias (DAMATTA, 1986). O
sentido adotado no artigo, no entanto, difere dessa conotação: na presente seção, debate-
se a ideia de que o Brasil teria uma forma particular de promover a paz em países em
desenvolvimento, a qual não apenas seria caracterizada pela empatia social e cultural com
12
esses países (AGUILAR, 2012), mas também demonstraria empenho com a promoção do
desenvolvimento nesses locais.
Para tanto, é relevante analisar a presença do Brasil na ONUMOZ. Nesse sentido,
destaca-se que o envio de tropas para missões de peacekeeping no continente africano se
enquadra dentro de um “interesse tradicional” do Brasil em apoiar a África, o que foi
expresso, por exemplo: (1) na Mensagem No 823 do Poder Executivo ao Congresso
Nacional, em 5 de novembro de 1993, a qual solicitou ao Congresso a autorização para o
envio de tropas brasileiras para a ONUMOZ (CONGRESSO NACIONAL, 1993, p. 25735); e
(2) na Mensagem No 1090, de 1994, por meio da qual o Poder Executivo brasileiro solicitou
autorização para o envio de tropas brasileiras à Angola, no contexto da operação de
peacekeeping UNAVEM III (CONGRESSO NACIONAL, 1995, p. 2363).
Nesse contexto, Fontoura (2005, p. 214) apresenta a atuação do Brasil de uma
maneira mais ampla no contexto das operações de manutenção da paz das Nações Unidas.
Segundo esse autor, desde 1957, o Brasil participou de 23 operações de manutenção da
paz e duas missões civis das Nações Unidas (FONTOURA, 2005, p. 214). O Ministério das
Relações Exteriores do Brasil informa ainda que, em 2017, o Brasil contribui com nove
missões de paz6 e possui um contingente de mais de 1.700 pessoas trabalhando nesses
contextos (MRE, 2017). Fountoura (2005, p. 214) argumenta que, diferentemente da década
de 1960, quando a contribuição brasileira para as missões de paz esteve diretamente
relacionada à contribuição com pessoal militar, na década de 1990, a contribuição brasileira
foi incrementada com a participação de civis e policiais, assim como com o suprimento de
onze oficiais membros das Forças Armadas para servir no Departamento das Operações de
Manutenção de Paz das Nações Unidas (FONTOURA, 2005, p. 214). No contexto da
ONUMOZ, Fontoura (2005, p. 216) destaca que o Brasil contribuiu com uma força de 300
membros, incluindo 218 militares, 66 policiais e 16 servidores civis. Essa participação, que
ocorreu entre janeiro de 1993 e dezembro de 1994, teve um brasileiro no comando do
componente militar da missão, o General Lélio Gonçalves Rodrigues da Silva (EBMIL,
2017). Além disso, o Brasil também contribuiu para o processo eleitoral moçambicano, por
meio da atuação de Walter Porto, Assessor do Presidente do Congresso Nacional Brasileiro,
que foi juiz das eleições moçambicanas de 1994 (FONTOURA, 2005, p. 216).
No plano da política doméstica do Brasil, Fontoura menciona a formação do Grupo
de Trabalho Interministerial como relevante para compreender as motivações do Brasil para
atuar no processo de paz moçambicano (FONTOURA, 2016, p. 221). Esse grupo, composto
6 As iniciativas de paz atuais das Nações Unidas que contam com a participação do Brasil são:
MINURSO (Sahara Ocidental), MINUSTAH (Haiti), UNFICYP (Chipre), UNIFIL (Líbano), MONUSCO (República Democrática do Congo), UNISFA (Abyei), UNMIL (Libéria), UNMISS (Sudão do Sul) and UNOCI (Costa do Marfim) (MRE, 2017).
13
por representantes de diferentes áreas do governo – Ministério das Relações Exteriores,
Ministério da Justiça, Forças Armadas e Congresso Nacional – foi formado por que o
governo brasileiro não tinha, naquele momento, uma estrutura governamental dedicada a
acompanhar a participação do Brasil em missões de paz (FONTOURA, 2016, p. 221). Esse
grupo tinha as seguintes motivações: (1) aumentar a influência brasileira nos órgãos das
Nações Unidas relacionados às missões de manutenção da paz; (2) atualizar a legislação
brasileira relacionada ao envio de tropas brasileiras para missões internacionais; (3)
aproveitar as oportunidades de cooperação bilateral que fossem identificadas no contexto da
implementação dos processos de paz. Assim, a participação do Brasil em iniciativas de paz
buscou tanto melhorar o status internacional do Brasil quanto identificar novas
oportunidades para a cooperação bilateral.
Com relação à participação do Brasil no contexto da ONUMOZ, após a aprovação
dessa missão pelo Conselho de Segurança, o Brasil reagiu positivamente à solicitação do
Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali relativamente ao envio de tropas brasileiras a
Moçambique (UZIEL, 2015, p. 111-112). Para justificar essa participação, as seguintes
razões foram apresentadas pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, por meio da
Mensagem No 823, de 5 de novembro de 1993: (1) responder positivamente a uma
demanda do Secretário-Geral das Nações Unidas; (2) obedecer à Constituição Nacional,
que afirma, em seu artigo quarto, o comprometimento do Brasil com a promoção da paz e,
também, cumprir com suas obrigações como membro das Nações Unidas; (3) contribuir
para a pacificação do Sul da África; (4) fortalecer o relacionamento com Moçambique e com
países africanos lusófonos; (5) evitar a redução do prestígio internacional do Brasil, na
medida em que "a ausência do Brasil nesse esforço de pacificação causaria surpresa e teria
repercussões negativas quanto à nossa capacidade de atuação internacional (…)”
(CONGRESSO NACIONAL, 1993, p. 25735). Ainda nessa mensagem, enfatizou-se que os
riscos de retomada das hostilidades e de um prolongamento indefinido da presença das
Nações Unidas em Moçambique seriam "bem menores" do que outras missões dessa
organização, uma vez que Moçambique já tinha 10 meses de paz entre os partidos
RENAMO e FRELIMO e suas eleições gerais já haviam sido marcadas (CONGRESSO
NACIONAL, 1993, p. 25735). Esses argumentos indicam a ponderação, por parte do Brasil,
dos custos e benefícios da sua participação no contexto moçambicano. Nesse contexto, o
Congresso Nacional Brasileiro aprovou a participação do Brasil, por meio do Decreto
Nacional Legislativo 15/1994, o que, segundo Uziel (2015, p. 112), foi condizente com os
seguintes interesses do Brasil: (1) manter a tradição brasileira de oferecer tropas a missões
internacionais; (2) expressar a solidariedade nacional com um país que partilha de traços
culturais e históricos com o Brasil; (3) promover a imagem do Brasil no plano internacional;
14
(4) aprimorar a experiência das Forças Armadas nacionais. Essas passagens evidenciam
alguns dos argumentos do Brasil sobre a participação na ONUMOZ, os quais estão
relacionados tanto à promoção internacional da paz quanto ao intuito de aumentar o
prestígio internacional do país e as capacidades de suas Forças Armadas.
No que se refere à participação das Forças Armadas brasileiras no terreno
moçambicano, Sérgio Aguilar (2012, p. 217) argumenta que existe uma “cultura brasileira
das operações de paz”, a qual é concebida pelo autor como a contribuição que as
características culturais do Brasil, como as habilidades de negociação e o comportamento
amigável dos brasileiros, podem oferecer no contexto de missões internacionais. Em
particular, o autor fornece alguns exemplos sobre como esse “jeitinho brasileiro” evidenciou-
se na ONUMOZ: (1) em uma negociação com ex-guerrilheiros que haviam bloqueado
estradas moçambicanas, as tropas brasileiras conseguiram, de forma amigável, negociar a
liberação das estradas (AGUILAR, 2012, p. 219); (2) a pobreza encontrada em Moçambique
era uma característica conhecida pelas tropas brasileiras, o que contribuiu para a
aproximação entre as tropas brasileiras e a população local (AGUILAR, 2012, p. 221); (3)
algumas práticas culturais brasileiras, como o futebol e a capoeira, contribuíram para a
construção de um ambiente de “convivência fraterna” no contexto dessa missão (AGUILAR,
2012, p. 223); (4) o fato de o Português ser um idioma comum contribuiu para a formação de
um relacionamento positivo entre a equipe brasileira na ONUMOZ e a sociedade
moçambicana (AGUILAR, 2012, p. 224).
A despeito de Aguilar ter trazido exemplos concretos da atuação das tropas
brasileiras, com base em entrevistas com militares que estiveram no terreno, é necessário
questionar em que medida essa atuação do Brasil em Moçambique promoveu a integração
entre as diferentes forças presentes em campo para a promoção, nesse país, de uma forma
de paz voltada à promoção do desenvolvimento. Embora esse “jeitinho brasileiro” tenha sido
reafirmado em outras ocasiões, como no contexto do Workshop realizado entre a
Universidade de São Paulo e o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB),
em maio de 2017 (USP, 2017), ressaltou-se, nesse evento, que não houve uma doutrina de
integração que coadunasse a atuação dos componentes militar, civil e policial no terreno.
Assim, conquanto as iniciativas das tropas brasileiras tenham apresentado proximidade
cultural àquelas da sociedade moçambicana, essas iniciativas não evidenciam,
necessariamente, um foco de promoção da paz por meio do desenvolvimento, o qual
pressuporia a atuação sinérgica entre os diferentes atores brasileiros com atuação em
Moçambique.
Dessa forma, se, por um lado, o Brasil manifestou interesses para a atuação em
Moçambique em diversas dimensões, na prática, a atuação do Brasil esteve associada,
15
preponderantemente, à dimensão militar, sem a previsão de sinergias com as dimensões
policial e civil. Visto dessa perspectiva, é possível afirmar que, embora os militares no
terreno tenham apresentado formas culturais de interação que foram caracterizadas como
um “jeitinho brasileiro”, essas características não constituíram indícios de que houve uma
política do Estado brasileiro comprometida com a promoção da paz por meio do
desenvolvimento no contexto da implementação da ONUMOZ. Como forma de ampliar as
discussões para o período posterior à ONUMOZ, a terceira seção avalia a implementação
de projetos de cooperação técnica para o desenvolvimento entre o Brasil e Moçambique.
3. A COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE BRASIL E MOÇAMBIQUE (1990-2010): LIMITES
AO ELO ENTRE PAZ E DESENVOLVIMENTO
Embora as observações da seção precedente apontem para uma contribuição
positiva das tropas brasileiras no contexto da ONUMOZ, a análise da atuação do Brasil no
processo de paz de Moçambique deve passar, também, pela análise dos acordos de
cooperação bilateral entre os dois países. De acordo com Mendonça e Faria (2015, p. 8), as
iniciativas brasileiras no contexto da cooperação técnica para o desenvolvimento podem ser
associadas às seguintes motivações: (1) a necessidade de promoção do desenvolvimento
sustentável, em particular no contexto da solidariedade existente entre países em
desenvolvimento; (2) uma forma de fortalecer os laços entre países latino-americanos e
africanos; (3) a proximidade histórica e cultural com alguns dos países com os quais o Brasil
mantém projetos de cooperação técnica.
Nesse contexto, Mendonça e Faria (2015, p. 8) argumentam que, desde a criação da
Agência Brasileira de Cooperação, em 1987, houve uma mudança no perfil da Cooperação
Técnica para o Desenvolvimento do Brasil, na medida em que a diplomacia brasileira
questionou o discurso de assimetria entre países receptores e doadores, propondo, ao invés
disso, parcerias na forma da Cooperação Sul-Sul. Contudo, esses autores também
afirmaram que a Cooperação Técnica para o Desenvolvimento do Brasil baseia-se nas
práticas e nas expectativas que foram consolidadas em organizações multilaterais e fóruns
com uma longa experiência na cooperação para o desenvolvimento (MENDONÇA E FARIA,
2015, p. 7). Essa afirmação traz questionamentos sobre a ideia de que o Brasil, um país em
desenvolvimento, tem maior proximidade com as sociedades locais e realidades de seus
parceiros em desenvolvimento (NGANJE, 2013).
De fato, no caso da cooperação técnica entre Brasil e Moçambique, o fato de o Brasil
ser um país em desenvolvimento não constituiu motivação suficiente para produzir uma
política de paz marcada pela continuidade entre a participação brasileira na ONUMOZ e os
sucessivos projetos de cooperação entre o Brasil e Moçambique, nos quais o
16
desenvolvimento pudesse ser identificado como um link de coesão. Essa afirmação pode
ser evidenciada por meio da análise dos governos brasileiros de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2003) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) relativamente ao continente
africano, cujos mandatos estão compreendidos no período que se seguiu à retirada da
ONUMOZ.
Com relação à política externa brasileira para a África durante o mandato de
Fernando Henrique Cardoso, Mendonça e Faria (2015, p. 8) argumentam que houve uma
“exclusão” da África das prioridades da Política Externa Brasileira (PEB) daquele período.
De acordo com esses autores, embaixadas brasileiras foram fechadas em diversos países,
como na Etiópia, Tanzânia, Camarões, República Democrática do Congo, Togo e Zâmbia.
Em particular, Mendonça e Faria (2015, p. 8) argumentam que a PEB durante a era de
Fernando Henrique foi orientada, principalmente, pelo pragmatismo no âmbito comercial,
com foco em países como Angola e Nigéria. De acordo com esses autores, Fernando
Henrique afirmou que: “…a promoção de relações com países africanos teria sido um
equívoco, tendo servido apenas para os militares brasileiros afirmarem sua pretensa
hegemonia no Atlântico Sul, sem que o Brasil nada ganhasse em termos econômicos”
(MENDONÇA E FARIA, 2015, p. 8). Mendonça e Faria (2015, p. 8) sustentam, ainda, que a
PEB passou por modificações durante os anos do governo Lula (2003-2010), no sentido de
promover o fortalecimento das relações entre o Brasil e os países africanos. De fato, entre
2006 e 2010, o orçamento anual da Agência Brasileira de Cooperação cresceu de 18,7
milhões de reais para 52,26 milhões de reais (MRE, 2010b, p. 9) e, em 2009, metade desse
montante destinou-se a países africanos (MRE, 2010b, p. 10, CALL E ABDENUR, 2017, p.
11).
Nesse contexto, a PEB foi concebida não apenas como uma forma de o Brasil
ampliar seu poder de barganha no Sistema Internacional, mas também de estreitar os laços
com as economias em ascensão do continente africano (MENDONÇA E FARIA, 2015, p.
10). O reforço das relações bilaterais foi particularmente evidente no cenário moçambicano,
como foi afirmado pelo ex-presidente Lula:
Moçambique é, hoje, um importante imã para investimentos. De forma sucinta, a produção energética e mineral moçambicana será um fator determinante para o impacto da África Austral no mundo. Algumas de nossas maiores companhias já atuam nesse país. Nós estamos todos cientes dos pontos de contato históricos entre Moçambique e o Brasil, e nossas similaridades auxiliam-nos no compartilhamento de experiências e facilitam contatos. Nós temos um legado real de amizade e sentimento de camaradagem que facilitam nossas relações
7. Discurso do Presidente Luiz
7 Tradução dos autores. Original em inglês: “Mozambique is today an important magnet for
investment. Very briefly, Mozambique’s mineral and energy production will be the determining factor in Southern Africa’s impact on the world. Some of our major companies are already working on this country…We are all aware of the historical points of contact between Mozambique and Brazil and our
17
Inácio Lula da Silva no encerramento da Reunião de Negócios, Maputo, 16 de Outubro de 2008 (MRE, 2010, p. 137).
De fato, no discurso de 2008, Lula enfatizou não apenas os laços históricos e
culturais com a África, mas também a importância do comércio e dos investimentos para as
relações bilaterais. Além disso, de acordo com Mendonça e Faria (2015, p. 12-13), os anos
Lula representaram uma mudança na Política Externa Brasileira. Nesse sentido, o Brasil não
apenas reconheceu o peso da questão da escravidão para as relações bilaterais, mas
também buscou relações horizontais com países africanos (MENDONÇA E FARIA, 2015, p.
12-13).
No caso de Moçambique, a mudança da PEB para esse país entre os governos de
FHC e de Lula da Silva pode ser observada por meio da análise do número e do escopo dos
projetos de cooperação técnica bilateral, de 1995 a 2010. No que concerne ao número de
projetos, o artigo traz um Anexo que foi organizado por meio do banco de dados do Sistema
de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores (MRE, 2017b). Esse Anexo
evidencia que cinco acordos de cooperação técnica foram assinados entre Brasil e
Moçambique durante os anos FHC, ao passo que, durante os anos Lula, 49 acordos
bilaterais desse tipo foram firmados8. Com relação ao escopo dos projetos, a Tabela 1
demonstra que houve um número relativamente reduzido de projetos de cooperação no
período posterior ao término da ONUMOZ, na comparação com o governo de Lula da Silva:
similarities help us to share experiences and facilitate contacts. We have a real legacy of friendship and fellow-feeling that makes our relations easier” (MRE, 2010, p. 137). 8 Durante o governo Lula, destacaram-se os projetos: (1) de instalação de uma fábrica de
medicamentos antirretrovirais em Moçambique; e; (2) da cooperação trilateral entre Brasil, Japão e Moçambique, no contexto do ProSavana. Segundo Almeida (2016, p. 58), a fábrica de medicamentos antirretrovirais, cuja propriedade é do governo moçambicano, evidenciou um diferencial da cooperação brasileira, na medida em que possibilitou maior autonomia ao país africano para a produção de medicamentos de combate ao HIV/AIDS. A cooperação trilateral no contexto do ProSavana, por sua vez, representou a aplicação da experiência nipo-brasileira com o Cerrado na Savana africana. Contudo, esse projeto vem sendo objeto de críticas, pois o modelo implementado no Brasil, ao ser exportado para Moçambique, poderia gerar uma série de problemas, como o surgimento de sem-terras, o aumento da pobreza e a produção de desequilíbrios ecológicos (ALMEIDA, 2016, p. 63).
18
Tabela 1: Acordos de Cooperação entre Brasil e Moçambique de 1995 a 2010
Áreas de Cooperação FHC Lula da Silva
Agricultura
2
Agropecuária
2
Alimentação
1
Biocombustíveis
1
Capacitação profissional
3
Científica e Tecnológica
1
Combate a Entorpecentes e a Transações Fraudulentas
1
Comunicação Social
1
Cooperação Acadêmica
1
Cultural
6
Desenvolvimento Urbano
3
Educação e Alimentação
2
Educacional 3 1
Esportes
3
Florestas
1
Fortalecimento Institucional
3
Mineração 1 1
Obras Públicas
1
Saúde
11
Segurança Pública 1 2
Terras e Mapeamento
1
Turismo
1
Fonte: Organizado pelos autores com base em MRE (2017b)
Vale destacar, ainda, que Mendonça e Faria (2015, p. 17) organizaram uma tabela
semelhante com dados de todos os acordos de cooperação entre o Brasil e países
africanos, de forma a evidenciar uma perspectiva comparativa entre os governos de FHC e
de Lula. Nesse trabalho, os autores demonstram que houve um incremento, na passagem
dos governos de FHC a Lula, do número e do escopo dos projetos de cooperação entre o
Brasil e países africanos, de forma geral. Essa análise fortalece o argumento de que os
projetos de cooperação para o desenvolvimento para Moçambique foram antes o resultado
da formulação mais ampla da política externa brasileira para a África específica do governo
Lula do que a resultante de uma lógica de longo prazo da PEB, na qual a promoção da paz
esteja baseada na ênfase ao desenvolvimento.
Assim, embora o relacionamento entre Brasil e Moçambique tenha sido resultado de
um quadro mais amplo da Política Externa Brasileira para a África, é possível argumentar
que houve uma descontinuidade da Política Externa Brasileira para a paz em Moçambique.
Isso é verdade na medida em que o governo de Fernando Henrique Cardoso reduziu a
cooperação bilateral com Moçambique, em um momento em que as preocupações com o
desenvolvimento moçambicano deveriam receber mais atenção do Brasil, haja vista que a
ONUMOZ havia sido encerrada nesse período e que o Brasil defende o desenvolvimento
19
como um meio indispensável para atingir a paz (MRE, 2017). Partindo dessa perspectiva, o
período de término de uma missão de peacekeeping ensejaria a ampliação dos esforços
para a promoção do desenvolvimento e o aumento dos projetos de cooperação técnica seria
uma evidência desses esforços. A análise da Tabela 1, entretanto, demonstra que áreas
cruciais para a promoção do desenvolvimento não foram objeto de acordos de cooperação
bilateral durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, como é o caso das áreas da
saúde, da agricultura, da alimentação e da ciência e tecnologia. Ressalte-se ainda que a
cooperação durante o governo de FHC contemplou projetos nas áreas de mineração, em
1997, e de segurança pública e educação, cujos acordos ocorreram somente em 2001.
Dessa forma, verifica-se que o período posterior ao término da ONUMOZ não implicou a
implementação sistemática de projetos que buscassem trazer a paz por meio do
desenvolvimento.
Essa análise apresenta um contraponto ao raciocínio de autores como Oliver
Richmond e Ioannis Tellidis (2013, p. 2-4). Esses autores argumentaram que a atual crise da
paz liberal abriu espaço para que atores como o Brasil possam desenvolver suas próprias
agendas para a construção da paz. Considerando as relações de proximidade entre os
países do Sul Global, essas agendas deveriam enfatizar as sociedades locais e aspectos de
sua vida diária, e, por extensão, o tema do subdesenvolvimento, que se faz presente na vida
diária dessas populações (RICHMOND & TELLIDIS, 2013, p. 2-4). Essa abordagem seria
consistente com uma perspectiva crítica da construção da paz, a qual compreende que a
promoção da paz é necessariamente relacionada ao diálogo com as sociedades locais com
o propósito de compreender os conflitos (MAC GINTY, 2011). Contudo, a análise da
participação brasileira na ONUMOZ e a relativa redução dos projetos de cooperação técnica
que se seguiram a essa missão apontam para uma direção diferente, a qual relaciona a paz
com missões de peacekeeping, mas posiciona a paz separadamente da cooperação
técnica. Essa observação corrobora a visão de Ramon Blanco (2016), segundo a qual a
inserção brasileira no debate internacional sobre a construção da paz é míope, na medida
em que uma inserção mais qualificada demandaria não apenas a contribuição com tropas,
mas, também, “…aglutinar, de modo integrado e coordenado, diferentes tipos de atores e
instituições em sua atuação na construção da paz internacional” (BLANCO, 2016, p. 23).
Essa inserção mais qualificada demandaria, inclusive, um maior diálogo entre o
Brasil e as entidades não-governamentais e outras forças da sociedade moçambicana, na
medida em que esse diálogo materializaria, na prática, uma promoção da paz centrada nas
necessidades locais. De fato, embora a Agência Brasileira de Cooperação enfatize a
solidariedade como uma das características basilares da cooperação para o
desenvolvimento do Brasil (MRE, 2010b, p. 3), autores como Abdenur e Marcondes (2016,
20
p. 3) e Call e Abdenur (2017, p. 6) apresentam uma perspectiva crítica a essa solidariedade,
a qual estaria mais atrelada aos processos decisórios governamentais dos parceiros
brasileiros do que ao diálogo com entidades não-governamentais e com as forças de
oposição desses países.
Dessa forma, não obstante o Brasil apresente uma retórica diplomática que enfatiza
a “(…) interdependência entre a segurança e o desenvolvimento como elemento
indispensável à paz sustentável” (MRE, 2017), no caso de Moçambique, verificou-se que
essa interdependência não se refletiu na produção de uma política externa brasileira para a
paz que enfatizasse a interligação entre dois dos mais presentes instrumentos da política
externa brasileira – a participação brasileira em missões de peacekeeping e os projetos de
cooperação técnica para o desenvolvimento. O caso moçambicano, portanto, enseja o
debate sobre a relevância de o Brasil promover uma inserção internacional que seja o
reflexo de uma maior sinergia entre os diferentes instrumentos que compõem o portfolio da
Política Externa Brasileira, como é o caso das missões de peacekeeping e dos projetos de
cooperação para o desenvolvimento. Assim, essa aproximação pode contribuir para que a
atuação internacional do Brasil para a promoção da paz reforce o desenvolvimento como
seu fio condutor.
CONCLUSÃO
O presente artigo debateu o papel do Brasil para a promoção da paz em
Moçambique, com o foco na agenda brasileira de desenvolvimento naquele país. Após uma
breve introdução sobre o contexto histórico que levou ao Acordo Geral de Paz e estabeleceu
a ONUMOZ, o artigo analisou o processo de paz moçambicano a partir da perspectiva
brasileira. Embora o Brasil enfatize a importância do desenvolvimento para a promoção da
paz - o que justificaria o link entre as operações de paz e os acordos de cooperação técnica
– verificou-se que, entre 1995 e 2003, período posterior ao término da ONUMOZ, houve
apenas cinco projetos de cooperação técnica entre Brasil e Moçambique, um número muito
inferior à quantidade de projetos de cooperação para o desenvolvimento implementados
durante o governo Lula (49 projetos). Além disso, a análise da concentração temática de
projetos evidenciou que apenas as áreas de mineração, educação e segurança pública
foram contempladas por projetos de cooperação no governo de Fernando Henrique
Cardoso, sendo que os projetos de educação e de segurança pública tiveram início somente
em 2001 – seis anos após o término do mandato da ONUMOZ. Esse fato evidencia que, no
caso de Moçambique, não é possível afirmar que houve uma política para a paz centrada na
promoção do desenvolvimento, pois a promoção da paz em Moçambique foi
operacionalizada, essencialmente, no contexto da missão de peacekeeping, e apenas
21
posteriormente, ampliou-se o número de projetos de cooperação para o desenvolvimento
entre os dois países. Essa análise lança novas perspectivas sobre a hipótese de autores
como Oliver Richmond e Ioannis Tellidis (2013, p. 2-4), segundo os quais países como o
Brasil, por pertencerem ao Sul Global, deveriam enfatizar práticas mais centradas no
desenvolvimento e nas sociedades locais. Embora essa hipótese seja afirmada na retórica
da Política Externa Brasileira, o caso de Moçambique evidencia que o Brasil adotou uma
abordagem de paz mais relacionada às operações de paz do que aos projetos de
cooperação técnica. Assim, os resultados da pesquisa contrariam a suposição de que o
Brasil, como um país em desenvolvimento, enfatizou, na prática de suas relações com
Moçambique, o link entre paz e desenvolvimento.
22
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Anexo: Acordos de Cooperação entre Brasil e Moçambique entre 1980 e 2010
Conclusão do Acordo
Área da Cooperação Título do Documento
10/04/1980 Capacitação profissional Acordo para Implementação do Projeto "Implantação de um Centro de Formação Profissional para Escritórios e Administração", em Moçambique.
15/09/1981 Acordo Geral de Cooperação Acordo Geral de Cooperação
15/05/1987 Comunicações Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação de 15/09/81, no Campo das Comunicações.
27/05/1989 Agricultura Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação de 15 de novembro de 1981, na Área de Agricultura Irrigada.
01/06/1989 Cultural Acordo de Cooperação Cultural
18/07/1997 Mineração Ajuste Complementar ao Acordo-Geral de Cooperação no Campo da Mineração.
20/06/2001 Educacional Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação na área de Educação para a Implementação do Programa Alfabetização Solidária em Moçambique.
20/06/2001 Educacional Memorando de Entendimento, na área de Cooperação Educacional.
20/06/2001 Educacional Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica na Área da Educação
20/06/2001 Segurança Pública Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica, Educacional, Científica e Tecnológica na Área da Segurança Pública.
02/05/2003 Saúde Memorandum de Entendimento no Âmbito do Programa de Cooperação Internacional do Ministério da Saúde do Brasil. (HIV e AIDS)
05/11/2003 Científica e Tecnológica Programa de Trabalho em matéria de Cooperação Científica e Tecnológica
05/11/2003 Cultural Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação na Área de Educação para Implementação do Projeto "Bolsa-Escola"
05/11/2003 Cultural Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Apoiar o Desenvolvimento do Programa Piloto Nacional de Alfabetização de Moçambique
05/11/2003 Esportes Ajuste Complementar ao Acordo Cultural para a Cooperação no Campo dos Esportes
05/11/2003 Educacional
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto "Uso de Tecnologias da Informação e da Comunicação na Educação Presencial e à Distância em Moçambique.”
05/11/2003 Terras e Mapeamento Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica na Área de Terras e Mapeamento.
05/11/2003 Agropecuária
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do "Projeto de Apoio ao Desenvolvimento e Fortalecimento do Setor de Pesquisa Agropecuária da República de Moçambique"
05/11/2003 Fortalecimento Institucional Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica na Área de Administração Pública
05/11/2003 Mineração Memorando de Entendimento nas Áreas de Geologia, Mineração e Transformação Mineral
05/11/2003 Saúde Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto PCI-NTWANANO no Âmbito do Programa de Cooperção Internacional do Ministério da Saúde do Brasil
31/08/2004 Segurança Pública Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica na Área de Formação de Pessoal Especializado em Prisões.
31/08/2004 Combate a Entorpecentes e a Transações Financeiras Fraudulentas
Acordo de Cooperação entre o Brasil e Moçambique sobre o Combate à Produção, ao Consumo e ao Tráfico Ilícitos de Entorpecentes, Substâncias Psicotrópicas e sobre o Combate às Atividades de Lavagem de Ativos e outras Transações Financeiras Fraudulentas
03/11/2004 Esportes Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto Inserção Social pela Prática Esportiva.
23/04/2007 Saúde Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto Fortalecimento do Instituto Nacional de Saúde de Moçambique
06/07/2007 Agricultura Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto Apoio ao Desenvolvimento da Horto-Fruticultura e Moçambique
06/07/2007 Cultural Programa Executivo do Acordo Cultural para os Anos 2007-2010
06/07/2007 Desenvolvimento Urbano Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto Apoio ao Desenvolvimento Urbano de
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Moçambique
06/07/2007 Alimentação Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto Fortalecimento das Ações de Alimentação e Nutrição
06/09/2007 Cultural Protocolo de Intenções para o Incentivo à Formação Científica de Estudantes Moçambicanos
06/09/2007 Cultural Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica na Área da Educação à Distância
06/09/2007 Obras Públicas
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação para Implementação do Projeto Apoio à Construção de Cisternas, Barragens Subterrâneas, Captação de Água de Chuva in situ e Jardins Produtivos em Comunidades Rurais de Moçambique
06/09/2007 Biocombustíveis Memorando de Entendimento na Área de Biocombustíveis entre Brasil e Moçambique
02/07/2008 Capacitação profissional
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para a Implementação do Projeto “Capacitação Técnica em Ciências Florestais”
04/09/2008 Fortalecimento Institucional
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto fortalecimento Institucional e Técnico do Instituto Nacional de Normalização e Qualidade de Moçambique”
04/09/2008 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Capacitação em Produção de Medicamentos Anti-Retrovirais e outros Medicamentos”
04/09/2008 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Fortalecimento Institucional do Órgão Regulador de Medicamentos de Moçambique como Agente Regulador do Setor Farmacêutico”
16/10/2008 Cultural Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Cultural entre o Brasil e Moçambique nas Áreas Audiovisual e Cinematográfica
16/10/2008 Esportes Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Brasil e Moçambique, para Implementação do Projeto “Inserção Social pela Prática Desportiva – Fase II”
16/10/2008 Educação e Alimentação Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Brasil e Moçambique, para Implementação do Projeto “Programa de Educação Alimentar e Nutricional – Cozinha Brasil-Moçambique”
16/10/2008 Comunicação Social Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Cultural entre o Brasil e Moçambique para Cooperação em Matéria de Comunicação Social
06/05/2009 Fortalecimento Institucional
Programa Executivo do Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para o Projeto “Apoio ao Desenvolvimento Gerencial Estratégico do Governo de Moçambique”
08/05/2009 Capacitação profissional
Programa Executivo do Acordo Geral de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a República de Moçambique e para o Projeto “Apoio à Implementação do Sistema Nacional de Arquivos de Estado”
16/06/2009 Turismo Memorando de Entendimento entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para o Desenvolvimento do Turismo
21/07/2009 Florestas Programa Executivo ao Acordo Geral de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a República de Moçambique para o Projeto “Reabilitação do Cefloma – Centro Florestal de Machipanda”
21/07/2009 Capacitação profissional
Programa Executivo ao Acordo Geral de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a República de Moçambique para o Projeto “Implantação de Centro de Formação Profissional Brasil-Moçambique”
21/07/2009 Segurança Pública Programa Executivo ao Acordo Geral de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a República de Moçambique para o Projeto “Capacitação Técnica em Matéria de Prisões”
12/05/2010 Agropecuária
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a República de Moçambique para a Implementação do Projeto “Suporte Técnico à Plataforma de Inovação Agropecuária de Moçambique”
07/06/2010 Desenvolvimento Urbano
Programa Executivo do Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Apoio ao Desenvolvimento Urbano de Moçambique – Fase II”
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17/06/2010 Educação e Alimentação
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Apoio ao Desenvolvimento de um Programa Nacional de Alimentação Escolar de Moçambique”
16/07/2010 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Implantação de Projeto Piloto de Terapia Comunitária em Moçambique, como Recurso de Promoção da Saúde
16/07/2010 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Fortalecimento das Ações de Prevenção e Controle do Câncer em Moçambique.
05/10/2010 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Apoio ao Sistema de Atendimento Oral de Moçambique – Implementação de Laboratório de Referência em Prótese Dentária em Maputo”
05/10/2010 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Apoio ao Desenvolvimento da Política Nacional de Saúde Oral em Moçambique: Pesquisa em Saúde Oral - Maputo“
09/11/2010 Agricultura
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Incremento da Capacidade de Pesquisa e de Difusão Tecnológica para o Desenvolvimento Agrícola do Corredor de Nacala, Moçambique”
09/11/2010 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Implantação de Banco de Leite Humano e de Centro de Lactação em Moçambique
09/11/2010 Desenvolvimento Urbano
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Apoio à Requalificação do Bairro Chamanculo “C” no Âmbito da Estratégia Global de Reordenamento e Urbanização dos Assentamentos Informais do Município de Maputo”
09/11/2010 Saúde
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação do Projeto “Apoio à Implantação do Centro de Tele-Saúde, da Biblioteca e do Programa de Ensino à Distância em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente de Moçambique”
09/11/2010 Cooperação Acadêmica
Ajuste Complementar ao Acordo Geral de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Moçambique para Implementação “Programa de Cooperação entre a Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Ministério da Educação (MINED), a Universidade Pedagógica (UP) e a Universidade Eduardo Mondlane (UEM) de Moçambique”
Fonte: Organizado pelos autores com base nos dados obtidos em MRE (2017b).