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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA ETIENE MENDES RODRIGUES BEM DO SEU TAMANHO E BENTO-QUE-BENTO-É-O- FRADE: DA ANÁLISE À SALA DE AULA JOÃO PESSOA 2006

da análise à sala

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

ETIENE MENDES RODRIGUES

BEM DO SEU TAMANHO E BENTO-QUE-BENTO-É-O-

FRADE:

DA ANÁLISE À SALA DE AULA

JOÃO PESSOA

2006

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ETIENE MENDES RODRIGUES

BEM DO SEU TAMANHO E BENTO-QUE-BENTO-É-O-

FRADE:

DA ANÁLISE À SALA DE AULA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Área de concentração: Linguagem e Ensino; Linha de pesquisa: Literatura e Ensino –, da Universidade Federal da Paraíba, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves

JOÃO PESSOA 2006

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Dissertação intitulada Bem do seu tamanho e Bento-que-bento-é-o-frade: da análise à sala de aula, apresentada pela aluna Etiene Mendes Rodrigues, ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Área de concentração: Linguagem e Ensino; Linha de pesquisa: Literatura e Ensino –, da Universidade Federal da Paraíba, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras, e aprovada pela seguinte banca examinadora:

___________________________________________________ Profº. Dr. José Hélder Pinheiro Alves

(Orientador)

__________________________________________________ Profª. Drª. Ana Cristina Marinho Lúcio

(Examinadora)

Profª. Drª. Maria Marta dos Santos Nóbrega (Examinadora)

___________________________________________________ Profª. Drª. Márcia Tavares Silva

(Suplente)

___________________________________________________ Profª. Drª. Elisalva de Fátima Madruga Dantas

(Suplente)

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FICHA CATALOGRÁFICA

RODRIGUES, Etiene Mendes. Bem do seu tamanho e Bento-que-bento-é-o-frade: da análise à sala de aula. João Pessoa, 2006.

Dissertação na Área de Linguagem e Ensino; Linha de Pesquisa: Literatura e Ensino; Curso de Pós-Graduação em Letras; Universidade Federal da Paraíba.

1. Literatura Infantil 2. Ana Maria Machado 3. Literatura e Ensino

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Aos meus pais, Raimundo e Eponina; meus irmãos e

irmãs Rogério, Rui, Eliene e Eliane; aos meus

sobrinhos Ana Luíza, Rian e Millena.

Para o Zé, que acreditou em mim.

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AGRADECIMENTOS

Ao longo desses dois anos de mestrado, muitas pessoas cruzaram meu caminho,

deixando marcas inesquecíveis; outras trataram de intensificar sua presença. A essas

pessoas, deixou aqui os meus sinceros agradecimentos.

Aos meus pais, irmãos e irmãs: presença constante;

Ao professor Hélder Pinheiro, pela orientação perspicaz, leituras atentas,

palavras de incentivo e, sobretudo, pela paciência;

Às professoras Maria Claurênia e Ana Cristina Marinho Lúcio, pelas leituras,

críticas e sugestões quando no Exame de Qualificação;

Às “amigas” Andréa Maria, Kelly Sheila e Kalina Naro, pela companhia sempre

alegre;

Aos “amigos” Kléber José e Josenildo Forte, pelos favores e amizade;

À Laura Maurício, pela acolhida carinhosa e atenciosa em sua casa;

À Tieta, pelos cuidados em casa de Laura;

À Márcia Tavares, pelas palavras de incentivo e amizade;

À Ana Lúcia de Sousa, pela disponibilidade em ler este trabalho e comentá-lo de

forma precisa;

À Vaneide Lima, pela leitura e comentários sobre o último capítulo;

Às professoras Ilenice Pereira e Giselma, por me “abrirem as portas” de sua

Escola;

Aos “meninos” da 4ª série da Escola Antônio Mariz, pela receptividade

carinhosa;

À “Família EDAC”, sobretudo, Francisca Vasconcelos, pelo apoio e

compreensão em relação às minhas ausências;

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Aos professores do Programa, pelas aulas e convivência agradáveis;

Ao Programa, pela oportunidade concedida;

A todos que um dia acreditaram que este trabalho seria possível.

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RESUMO

No âmbito da Literatura Infantil brasileira, alguns estudiosos atestam que, até a

década de 20, do século XX, não se oferecia às crianças obras cujo objetivo não fosse

meramente pragmático. A partir da década de 20 do mesmo século, esse quadro começa

a mudar, com a publicação de A menina do narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato.

Nesta obra, encontraremos um grupo de personagens que subvertem o comportamento

de passividade e submissão até então reservado às mulheres e às crianças. Após Lobato,

no entanto, raros foram os títulos que trouxeram personagens com as mesmas feições

que Emília e Narizinho, por exemplo. Só na década de 70 daquele século, com o

chamado boom da literatura infantil brasileira, um “novo” quadro começa a ser

delineado. Dentre os autores inseridos nesse contexto, temos a carioca Ana Maria

Machado, que criou inúmeras personagens femininas que contrariam os modelos

instituídos às mulheres e crianças. Neste trabalho, estudaremos o modo de representação

da personagem feminina em duas obras de Ana Maria Machado – Bem do seu tamanho

e Bento-que-bento-é-o-frade – atentando para as questões e situações em que as

protagonistas são postas e a forma como elas agem diante dessas situações.

Apresentaremos também o relato de uma experiência de leitura, com as duas obras

estudadas, com alunos de uma escola pública de Campina Grande-PB.

Palavras-chave:

Literatura infantil – Ana Maria Machado – Personagem feminina – Ensino

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ABSTRACT

In the scope of Brazilian Children’s Literature, some researchers attest that, until

the 1920’s, there were not literary work to children whose objective was not merely

pragmatic. From the 1920’s on, this situation begins to change with the release of A

Menina do Narizinho Arrebitado, by Monteiro Lobato. In this work, we can find a

group of characters that subvert the passive and submissive behavior reserved to women

and children. After Lobato, however, there were a few titles that brought characters with

the same features as Narizinho and Emília, for example. Only in the 1970’s with the so

called Brazilian Children’s literature boom, a “new” situation begins to be delineated.

Among the authors found in this context, we have Ana Maria Machado (from Rio de

Janeiro). In this research we studied a way of representing the female character in Ana

Maria Machado’s works – Bem do seu tamanho and Bento-que-bento-é-o-frade –

paying attention to the issues and situations in which the protagonists appear, and the

way as they act towards these situations. We also presented a report of a reading

experience, in the two works studied, with students from a public school in Campina

Grande, PB.

Keywords:

Children’s Literature – Ana Maria Machado – Female Character – Teaching

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1 – ANA MARIA MACHADO: LINGUAGEM E TEMAS 14

CAPÍTULO 2 – UNIVERSO DA INFÂNCIA: REALIDADE E FICÇÃO 34

2.1. Infância 34

2.2. As personagens 39

CAPÍTULO 3 – DOIS CLÁSSICOS DA LITERATURA INFANTIL

BRASILEIRA 53

3.1. As descobertas de Helena em Bem do seu tamanho 54

3.2. Conflitos e atitudes de uma menina em Bento-que-bento-é-frade 66

CAPÍTULO 4 – NA SALA DE AULA: UMA ABORDAGEM DIALÓGICA 73

4.1. Local e condições de realização das experiências 75

4.2. Trabalhando com Bem do seu tamanho 76

4.2. Hoje tem espetáculo: no país dos Prequetés 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS 109

BIBLIOGRAFIA 112

A) Obras primárias 112

B) Obras secundárias 117

ANEXOS

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INTRODUÇÃO

Nossa experiência de leitura de obras de Ana Maria Machado foi iniciada ainda

no curso de graduação em Letras, da Universidade Federal de Campina Grande, quando

cursamos a disciplina Literatura Infantil. Posteriormente, fazendo parte de um Grupo de

Estudos de Literatura Infantil – GELI –, começamos a desenvolver trabalhos sobre as

personagens femininas de Ana Maria Machado, mais especificamente a personagem

Gabriela, de Isso ninguém me tira (1994). Devido ao envolvimento com a obra da

autora como um todo, nosso foco inicial de atenção foi desviado, e passamos, então, a

pesquisar o tema da viagem em alguns de seus livros, a saber: Raul da ferrugem azul

(1979), Bento-que-bento-é-o-frade (1977) e Bem do seu tamanho (1980). Desta

pesquisa resultou, além de vários trabalhos apresentados em eventos acadêmicos, nossa

monografia de conclusão de curso. Concluída a pesquisa da graduação, retomamos o fio

inicial e pusemo-nos a estudar a presença de personagens femininas na obra infantil de

Ana Maria Machado. Acreditávamos, então, estar diante de um veio rico e que poderia

resultar numa pesquisa de mestrado.

Após o ingresso no Programa de Pós-Graduação em Letras desta Universidade, e

o conseqüente amadurecimento da pesquisa, elegemos como eixo de nossa pesquisa os

livros Bem do seu tamanho e Bento-que-bento-é-o-frade, centrando nossa atenção nas

protagonistas destas obras. Mostraremos que as diferentes questões levantadas pelas

personagens protagonistas Helena e Nita, e a maneira como são articuladas pelo jogo

narrativo, conferem ao texto ficcional um caráter inovador no modo de representar a

personagem feminina na literatura infantil brasileira contemporânea.

Consideramos inovador, o modo como as personagens se comportam diante de

seus problemas, de suas inquietações. Percebemos que Nita e Helena, por exemplo, não

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se conformam com o que lhes é imposto, e, por isso, estão sempre em busca de

respostas para seus dilemas. Para estarmos certos destas afirmativas sobre as

personagens, analisamos as situações em que essas personagens são postas, e refletimos

sobre a forma como elas agem diante dessas situações.

Com o objetivo de apontar as peculiaridades da narrativa de Ana Maria

Machado, rastrearemos, rapidamente, o modo de representação da infância nalgumas

importantes obras da tradição de nossa literatura infantil.

Para cumprir com uma das exigências da Linha de Pesquisa a que estamos

ligados – Literatura e Ensino –, também, propusemos-nos a experimentar possibilidades

de abordagem dessas duas obras – Bem do seu tamanho e Bento-que-bento-é-o-frade –

em sala de aula; fomos à sala de aula para observar como as crianças recebem estas

obras, e como, metodologicamente, poderíamos abordá-las. Para tanto, fizemos uma

pequena investigação da turma, planejamos aulas e fomos para a sala de aula com o

objetivo de experimentar possibilidades de trabalho. Todo o percurso deste trabalho

encontra-se registrado em quatro capítulos, conforme descrevemos a seguir.

No primeiro capítulo, fazemos uma apresentação da escritora Ana Maria

Machado, bem como apontamos seus temas predominantes, através da leitura de

dezenas de obras. Também refletimos sobre elementos da linguagem que caracterizam

seu modo peculiar de se expressar. Dada a amplitude de sua obra, foi realizado um

recorte, restringindo-nos à abordagem das obras infantis que julgamos mais

significativas.

Apresentamos, no segundo capítulo, algumas reflexões sobre a infância, a partir

de Philippe Ariès e Reinaldo Damazio. Após esse momento, apresentamos algumas

personagens infantis femininas em obras representativas de nossa literatura infantil;

partimos de Emília, de Lobato, passamos por Berenice e Angélica, de João Carlos

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Marinho e Lygia Bojunga Nunes, respectivamente, até chegarmos a algumas

personagens de Ana Maria Machado.

O terceiro capítulo consiste numa abordagem analítica de Bem do seu tamanho e

Bento-que-bento-é-o-frade. As análises pretendem mostrar o caráter inovador na

construção das personagens femininas recorrentes. Para tanto, observamos as situações

em que as protagonistas se envolvem e a maneira que cada uma delas encontra para

resolver suas questões.

No quarto capítulo, descreveremos uma experiência de leitura com os dois livros

estudados, com uma turma de 4ª série do Ensino Fundamental numa escola pública

municipal de Campina Grande-PB. Ao invés de formular propostas de abordagem dos

livros em sala de aula, optamos por relatar a experiência, destacando o que foi positivo,

quais as dificuldades enfrentadas e o que poderia ter sido mais significativo.

Acreditamos que assim não caímos na idealização de muitas sugestões, que não tiveram

o crivo da prática, podem levar.

Por fim, temos as considerações finais e as referências bibliográficas, seguidas

de anexos.

Pretendemos, com a realização desta pesquisa, contribuir para uma compreensão

mais abrangente de aspectos da obra infantil de Ana Maria Machado, bem como suscitar

formas de trabalho com as obras que constituem o corpus da pesquisa. Neste sentido,

consideramos ter cumprido com um dos objetivos da Linha de Pesquisa na qual se

insere este trabalho, que é unir o estudo crítico das obras à orientação metodológica.

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CAPÍTULO I

ANA MARIA MACHADO: TEMAS E LINGUAGEM

Escrevo porque é da minha natureza, é isso que sei fazer direito. Se fosse árvore, dava oxigênio, fruto, sombra. Mas só consigo mesmo é dar palavra, história, idéia.

Ana Maria Machado

A trajetória de Ana Maria Machado, se observada, confirma as palavras da

epígrafe. Desde muito jovem, a escritora se viu envolvida com as letras: antes dos cinco

anos de idade começou a ler sozinha; aos doze, teve um texto seu publicado numa

revista sobre folclore; formou-se em Letras pela Faculdade Nacional de Filosofia da

Universidade do Brasil; fez doutorado numa universidade francesa; trabalhou como

redatora em duas revistas quando esteve fora do Brasil; foi professora em duas

faculdades no Rio de Janeiro. Durante algum tempo, teve uma livraria voltada para

crianças, a Malasartes.

Ana Maria Machado começou a “dar histórias” ao iniciar sua carreira literária

em 1969, quando trabalhava para a revista Recreio, da Editora Abril, escrevendo textos

infantis. Lançando-se no mercado editorial nos anos de 1970, ela conta atualmente com

cerca de 150 obras publicadas, e alguns prêmios – dentre os quais destacam-se o Hans

Christian Andersen, o “Nobel” da literatura infanto-juvenil, em 2000, e o Machado de

Assis, em 2001, que é considerado o maior prêmio literário, no âmbito nacional.

Ambos, oferecidos, respectivamente, pela IBBY e pela Academia Brasileira de Letras,

foram-lhe conferidos pelo conjunto de sua obra. Ana Maria Machado tem se destacado,

nos últimos anos, também por sua produção juvenil com livros como: Isso ninguém me

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tira (1994); Tudo ao mesmo tempo agora (1997); Para sempre: amor e tempo (2001),

entre outros. Em 2004, a escritora foi laureada com uma Cadeira na Academia

Brasileira de Letras, ocupando, assim, a Cadeira de nº 23, fundada por Machado de

Assis.

Além da atuação no âmbito da literatura infantil e juvenil, a escritora publicou

um estudo sobre a obra de Guimarães Rosa “à luz do nome de seus personagens”1, fruto

de seu trabalho de doutorado. Atualmente, publica artigos sobre leitura, literatura e

educação em jornais e livros de circulação nacional2. Ana Maria Machado é também

tradutora e adaptadora de obras clássicas da literatura universal, e muitos de seus livros

foram traduzidos em dezessete países.

Uma vez considerada pela crítica “um dos nomes de mais evidência na área da

literatura infantil brasileira” (COELHO, 1984, p. 21), Ana Maria Machado garante tanto

sucesso com suas obras, entre outras razões, quando propõe um rompimento com as

estruturas tradicionais vigentes no momento de sua publicação, em que a produção

destinada ao público infantil era, predominantemente, de cunho moral e pedagógico,

deixando muito a desejar na dimensão estética.

Embora pareça contraditório, mas não o é, o rompimento de que falamos acima,

fora, antes, experimentado por Monteiro Lobato na década de 1920. No entanto, entre

Lobato e a geração de 1970, percebe-se grande escassez no mercado editorial no que se

refere à produção de obras de qualidade destinadas ao público infantil.

1 O título completo da obra é: Recado do nome: leitura de Guimarães Rosa à luz do nome de seus

personagens. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 2 Dentre esses merecem destaque: Contracorrente: conversas sobre leitura e política. São Paulo: Ática,

1999; Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001; Como e porque ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. (Coleção Como e porque ler); e Ilhas do tempo: algumas leituras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

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Laura Sandroni (1998, p. 14), que estudou detidamente a contribuição da

literatura lobateana para a literatura infantil brasileira produzida após a década de 1970,

chama a atenção para alguns dos traços caracterizadores de sua obra, dentre os quais

destacamos:

a) as crianças são interlocutoras privilegiadas;

b) trata de temas sérios e complexos que até então não eram apropriados à infância como: guerra, política, ciência, petróleo;

c) os problemas são apresentados de maneira clara e simples, por vezes didática;

d) linguagem: simplicidade, marcada pelo coloquialismo e por “brasileirismos inovadores”;

e) desmistifica a moral tradicional e prega a verdade individual;

f) não há limites entre realidade e fantasia;

g) a criança pode ser agente de transformação.

Estes tópicos levantados, por si sós, revelam o alcance da obra infantil de Lobato

que, até hoje, consegue atrair leitores adultos e crianças.

Ainda, conforme Sandroni (1998, p. 13-14), citando Zinda Vasconcellos, esses

aspectos são um reflexo da ideologia de Monteiro Lobato, que se configura

como a de alguém rebelde contra a estrutura oligárquica do poder vigente; nacionalista; cada vez mais preocupado com a miséria do povo e consciente de que a prosperidade das elites dela dependia; adversário de idéias, crenças, valores [...] que favorecessem a manutenção do status quo; vago defensor, em teoria, de idéias socializantes contra o obscurantismo autoritário do poder.

Salvo algumas exceções3, entre Lobato e a década de 1970, o panorama da

literatura destinada a crianças e jovens no Brasil permaneceu “semi-estagnado”, para

usar uma expressão de Laura Sandroni, com várias e frustradas tentativas de imitação.

3 Sandroni (1998) aponta Menotti Del Picchia, Malba Tahan, José Lins do Rego, Viriato Correia, Érico

Veríssimo, Vicente Guimarães, Ofélia e Narbal Fontes, Francisco Marins, Orígenes Lessa, Lúcia Machado de Almeida e Maria José Dupré, como autores que se destacaram do não-pragmatismo da obra literária destinada ao público infantil e juvenil, entre Lobato e década de 70 do século passado. No entanto, nenhum destes escritores alçou no nível estético e criativo alcançado pelo filho de Taubaté.

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A partir da década de 19704, esse quadro começa a tomar novas feições,

conseqüência, entre outros fatores, da lei de reforma do ensino que obriga a adoção de

livros de autores brasileiros nas escolas de 1º grau. Há, a partir daí, uma diversificação

na produção, novos autores aparecem e cresce o público leitor. Dentre os autores que

surgem nessa época estão: Fernanda Lopes de Almeida, Ruth Rocha, Eliardo França,

Bartolomeu Campos Queirós, Lygia Bojunga Nunes, Marina Colassanti, Ziraldo, Joel

Rufino dos Santos e Ana Maria Machado, para citar os conhecidos por nós. Desses

escritores, alguns ainda hoje escrevem para crianças e jovens, outros ficaram apenas

com publicações esporádicas. No entanto, algo em comum perpassa a obra deles: “sem

perder de vista o lúdico, o imaginário, o humor, a linguagem inovadora e a poética,

[eles] tematizam os atuais problemas brasileiros levando o pequeno leitor à reflexão e à

crítica”. (SANDRONI, 1998, p. 18)

Marisa Lajolo, importante pesquisadora da nossa tradição literária voltada para a

infância, em estudo sobre a obra de Ana Maria Machado, também faz referência à

ideologia de Monteiro Lobato, e que está presente na obra da autora. Conforme a

estudiosa,

É só com Lobato que o projeto de uma literatura infantil brasileira começa a tornar-se viável: a terceira década do século XX (A menina do narizinho arrebitado é de 1921) já é um tempo de um Brasil mais moderno e menos provinciano do que o Brasil que Bilac pretendia despertar do berço esplêndido. (LAJOLO, 1983, p. 97)

Mais a frente, Lajolo estabelece uma comparação entre a obra infantil de Ana

Maria Machado e a de Lobato, segundo a qual,

4 Desse período, Sandroni (1998) também cita Homero Homem, Odette de Barros, Carlos Marigny,

Eliane Ganem, Wander Piroli, Antonieta Dias de Moraes, Haroldo Bruno e Walmir Ayala, dentre outros, como renovadores da literatura infantil e juvenil brasileira.

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Em relação à tradição nota-se, nos textos de Ana Maria Machado, dois movimentos: fica claro, de um lado, que o projeto da escritora tem muito a ver com o projeto lobatiano de renovação da Literatura infantil brasileira; de outro, fica igualmente patente seu esforço de ruptura com o que se poderia chamar de tradição alienante e/ou escapista da literatura voltada para as crianças. (LAJOLO, 1983, p. 102)

Para refletir sobre as dimensões estética e ideológica da obra literária e da nossa

escritora, destacamos a importante contribuição de Lafetá (1974), que, em seu estudo

sobre a crítica literária brasileira no decênio de 1930 e o Modernismo, discute o que

Lajolo chama de “projeto estético” e “projeto ideológico”. Conforme o estudioso, o

primeiro diz respeito às “modificações operadas na linguagem”, já o segundo está

diretamente atado ao pensamento (visão-de-mundo) de sua época. Ou seja, enquanto o

projeto ideológico pauta-se “no que dizer”, é da alçada do projeto estético o “como

dizer”. Nas palavras de Lafetá, “é na (e pela) linguagem que os homens externam sua

visão-de-mundo (justificando, explicitando, desvelando, simbolizando ou encobrindo

suas relações reais com a natureza e a sociedade)”. (LAFETÁ, 1974, p. 13)

Embora Lafetá, em seu estudo, refira-se especificamente à arte modernista, é

possível afirmar que os dois projetos – estético e ideológico – estão presentes em toda

obra literária que se propõe “renovadora”, como é o caso da obra de Ana Maria

Machado, em que projeto estético e projeto ideológico estão intimamente imbricados. A

autora, à medida que nos oferece uma obra recheada de expressões onomatopaicas, um

significativo jogo lúdico com a linguagem, um vocabulário adequado ao universo

infantil, além da retomada de elementos da cultura popular, como versos, quadras,

cantigas e brincadeiras da tradição oral – dados que apontam para o seu projeto estético

– nos oferece também um novo modo de ver a criança e a cultura popular. Ou seja, há a

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valorização de uma cultura que está à margem, bem como a valorização da experiência

infantil.

O contato mais aproximado com a produção literária da autora nos leva a

perceber que esse desejo de ruptura com a tradição patriarcal, em que a criança e a

mulher quase não têm direito a voz e vez, entre outras influências, pode ter nascido,

também, do convívio com a obra de Monteiro Lobato, conforme aponta Marisa Lajolo.

A estudiosa também faz menção aos contos de fadas e às histórias exemplares de

que se alimenta a literatura para crianças, e que são reinventadas pela escritora carioca,

embora não analise sistematicamente a obra de Ana Maria Machado. Portanto, cabe a

nós aqui uma análise mais detida dessas questões.

No que se refere aos contos de fadas, percebemos que várias obras de Ana Maria

Machado, direta ou indiretamente, dialogam com os contos de fadas e com as histórias

de reis, rainhas, princesas... A título de exemplo, relembremos História meio ao

contrário (1978), Passarinho me contou (1983) e O Príncipe que bocejava (2004). No

primeiro, a escritora traz reis, príncipes e princesas para contestar situações e valores

estabelecidos historicamente, como é o caso da princesa que se recusa a casar-se com o

príncipe porque prefere sair pelo mundo a conhecer outros lugares e pessoas, e, desta

forma, fazer suas próprias escolhas. Em História meio ao contrário, outro personagem

que rompe com os valores preestabelecidos é o príncipe “encantador”, que casa-se com

a pastora e torna-se vaqueiro. Nessa obra, o fator ruptura instala-se não só no que diz

respeito à postura das personagens, mas também quanto à forma, quando a autora inicia

a narrativa com “E então eles se casaram, tiveram uma filha linda como um raio de sol e

viveram felizes para sempre...”, e termina com “Era uma vez...”, tradicionalmente, o

que se configura, respectivamente, como fim e início das histórias, são aqui como que

postos de “ponta a cabeça”. É como se a escritora colocasse em crise o modo tradicional

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de narrar. O que há também, em História meio ao contrário, é uma releitura dos contos

de fadas tradicionais, em que a condição feminina é posta de uma perspectiva mais

contemporânea. Embora o casamento permaneça, percebemos que há, nesta obra, uma

atitude das personagens femininas diversa, que não mais reduz o projeto de mulher

unicamente a ser esposa e mãe. A respeito dessa obra, Sandroni (1998, p. 18-19) afirma

que

[Ana Maria Machado] realiza o que talvez seja o texto exemplar desse grupo de autores [...] em que mantém, para desmistificá-los através da paródia, alguns dos clichês da linguagem típica da tradição oral (...) Dessa forma, está também, como Lobato, retomando personagens conhecidos do leitor, parte de suas referências culturais, para renová-los, enriquecê-los, reinventá-los.

Em Passarinho me contou, também há contestação: a população da “capital

maravilha” revolta-se contra as mazelas que atingem sua pátria, e toma atitudes no

intuito de resolver os problemas. Os elementos contestados e, em alguns casos,

desmistificados, nessa obra são: o rei e os cavaleiros. O primeiro porque vive na mais

completa ignorância a respeito dos problemas que assolam o reino, só tomando

conhecimento quando se depara com uma personagem oriunda das classes populares – o

velhinho; os cavaleiros porque, uma vez contratados pelo rei para descobrir e resolver

os problemas do reino, são incapazes de cumprir as tarefas a que foram incumbidos. As

autoridades, como dissemos, desconhecem os problemas por que passa sua terra, só

vindo a tomar conhecimento por meio de personagens advindos das camadas populares.

Nessa obra, os grupos representados são as crianças e os pobres, que aparecem como

que no intuito de valorizar as experiências dessas duas categorias. Em Passarinho me

contou, Ana Maria Machado procede, ainda, a um jogo intertextual quando traz para

essa obra as personagens João e Maria dos contos tradicionais. Só que, aqui, as crianças

não são abandonadas no meio da floresta, e sim na estrada. Os lugares por onde as

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personagens passam apontam para um cenário urbano, o que talvez se configure como

uma atualização da história clássica, em que as crianças enfrentam a floresta em busca

de sobrevivência.

O príncipe que bocejava conta a história de um príncipe “muito bem educado,

que havia sido preparado toda a vida para ser rei um dia”. De acordo com o narrador, o

príncipe fora ensinado “a se portar à mesa com boas maneiras, a ser gentil com as

pessoas, a ficar horas em pé sem se mexer, assistindo quietinho aos desfiles e paradas

[...] aprendeu toda a história de seu país e toda a geografia do mundo, estava sempre

lendo seus autores preferidos [...]”. Apesar de toda essa formação, o príncipe, quando

adulto, decide que não quer ser rei, nem tão pouco casar com alguma princesa que lhe

era apresentada nos bailes da corte. Em vez disso, queria viajar, conhecer outros lugares

e pessoas, e assim o fez. Quando estava viajando de trem conheceu uma moça com

quem travou longas conversas sobre livros que já haviam lido, personagens etc. Ao final

da viagem, que também corresponde ao final da história, os dois casam-se e vivem

felizes por muitos e muitos anos, “até onde a memória alcança”.

Nessa obra, mais uma vez, a postura das personagens dos contos de fada

tradicionais é contestada, uma vez que elas vivem sua vida de acordo com sua vontade,

e não de acordo com aquilo a que estavam destinados previamente. O próprio “...e

viveram felizes para sempre” já não existe mais. No entanto, o rompimento não se dá

por completo: o casamento, por exemplo, ainda permanece.

Em várias outras narrativas que Ana Maria Machado escreveu, podemos

encontrar enredos cujas personagens são postas em situação de conflito – que pode

ocorrer tanto no plano social como no plano individual. Nas obras Raul da ferrugem

azul (1979); O menino Pedro e seu boi voador (1979) e Bem do seu tamanho (1980),

entre outras, as protagonistas vivem dramas bem pessoais, que são representativos dos

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dramas vividos pela criança. Com exceção do último título, cujo cenário é a roça, os

demais vão tratar de dramas de crianças que vivem na cidade grande. Neste ponto pode-

se observar uma das notas diferenciadoras de Ana Maria Machado com relação a

Lobato: a presença marcante da cidade como espaço de suas narrativas, embora o

universo rural também seja contemplado.

O caráter questionador que percorrerá a parte mais significativa da obra de Ana

Maria Machado pode ser visto já em seu primeiro livro, Bento-que-bento-é-o-frade,

publicado em 1977. Nesta obra, a escritora nos traz uma garota – Nita, personagem

principal – que, a partir da natureza de uma brincadeira de caráter fixo, com seus

amigos, começa a questionar a si e aos outros sobre o sentido das palavras e sobre a

natureza das relações sociais, sobretudo o modo como elas estão estabelecidas.

Além da problematização das relações de poder, há na obra de Ana Maria

Machado recorrência de temas os mais diversos, como a brincadeira. Esse tema está

presente, sobretudo, nas obras destinadas ao público mais infantil. Como exemplo,

temos: Boladas e amigos (1988), Com prazer e alegria (1988) e Pena de pato e de tico-

tico (1988). Com exceção desta última, todas fazem parte da Mico Maneco, coleção

editada na década de 1980. Fato que merece consideração é que essas obras foram

criadas com o objetivo de alfabetizar, conforme a autora na contra-capa dos livros. Os

próprios textos que compõem as histórias apontam para esse dado, ao trazerem frases

curtas que enfatizam uma determinada sílaba ou conjunto de sílabas, lembrando, assim,

uma cartilha. O objetivo de ser criado apenas para alfabetizar, no entanto, é superado

quando Ana Maria Machado, nessas histórias, retrata de forma criativa fatos cotidianos

ligados ao universo da criança ou que incitam a imaginação infantil.

Outras obras que abordam a brincadeira como temática principal são: Dia de

chuva (2002); Brincadeira de sombra (2001); Balas, bombons, caramelos (1980) e

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23

Severino faz chover (1987). Nessas obras, brincadeira, amizade e solidariedade se

conjugam; o que presenciamos são crianças que se unem numa mesma brincadeira,

independente de serem menino ou menina, independente do local onde os fatos

acontecem – no meio da rua ou no espaço fechado de uma casa – e independente dos

objetivos com que se brinca. Em Severino faz chover, por exemplo, as crianças, juntas,

se envolvem em várias brincadeiras para trazer a chuva.

Podemos dizer que a solidariedade e a amizade, embora esteja representada em

muitas obras, configura-se com mais veemência em obras como O gato do mato e o

cachorro do morro (1980); Dorotéia, a centopéia (1993); Uma história de páscoa

(1999); Quem me dera (2000) e O Natal de Manuel (1980).

O gato do mato e o cachorro do morro conta a história de um gato e um

cachorro que, num concurso, dispuseram-se a contar vantagens – “já dei um murro no

nariz de perdiz; meti o cotovelo no camelo, arranhei com a unha a vicunha; acabei com

o papo do sapo”. Toda a valentia das personagens, no entanto, é contradita quando elas

se deparam com o leão. Nesse momento, gato, cachorro e toda a bicharada se unem para

combater o animal mais forte.

Nessa obra, o instinto/sentimento de amizade/solidariedade se manifesta quando

todos os bichos se unem em prol de uma causa que é de interesse de todos: a destruição

do leão – “E cada um foi tratando de fazer o que podia. Cada um podia um pouco, mas

eles eram uma porção, e por isso o tal leão quase ficou muito louco.” (p. 18) Se a obra

ganha pelas ilustrações e ao explorar jogos sonoros advindos das rimas, das aliterações

e assonâncias, ela meio que fragiliza-se ao ser finalizada com uma “moral” – “Num

grande abraço, o gato do mato e o cachorro do morro descobriram uma coisa boa: que

brigar pode ser útil, mas “pra que brigar à toa? Quem está na mesma tem que ser amigo.

E deixar para brigar junto quando vem o inimigo.” (O gato do mato e o cachorro do

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morro, p. 24 – grifo nosso) Entretanto, o final moralizante pode ser relativizado, se

atentarmos para o fato de que trata-se de uma referência intertextual estabelecida com a

estrutura das fábulas.

Também recheada de bichos, Dorotéia, a centopéia conta a história de uma

centopéia que estava passando por sérios problemas: “topadas com os pés da frente;

unha encravada no pé número 18 do lado esquerdo e no 27 do lado direito; calos nuns

35 pés do lado direito e nuns 42 do outro lado”. Os problemas nos pés de Dorotéia

foram causados, de acordo com o doutor Caracol, pelos sapatos apertados que a

centopéia usava desde o dia em que aprendera a andar. A solução seria Dorotéia trocar

todos os sapatos. Mas, como, se ela não tinha dinheiro para comprar cinqüenta pares de

sapatos? Diante desse novo problema, a bicharada se reúne e resolve fazer algo para

ajudar sua amiga: todos juntos montam um grande parque de diversões no canteiro onde

vivem. Com o parque montado, e funcionando, os bichos juntam dinheiro, e Dorotéia,

então, com seus cinqüenta pares de sapatos (botas, sandálias, chinelos), resolve os

problemas que lhes afetavam os pés.

O enredo de Uma história de Páscoa compreende a história de um menino e um

coelho. No início, os dois vivem em grande desencontro: o primeiro ansiava por ovos, e

o segundo queria cenouras coloridas no dia de Páscoa. No dia tão esperado, o domingo

de Páscoa, eles vão à procura do que queriam, mas nada encontram; por outro lado, eles

se conhecem e ficam muito compadecidos com o desejo e frustração um do outro. Não

sabendo como resolver o problema, ambos vão buscar ajuda. Nesse momento, os pais

dos dois personagens entram em ação: o pai do menino providencia uma porção de

cenouras coloridas, enquanto o pai do coelho se ocupa com os ovos. No final da

história, coelho e menino se encontram para trocar os presentes e terminam numa

grande festa/brincadeira.

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Quem me dera conta a história de Vera, uma menina bem moreninha, cabelo

encaracolado, sorriso simpático, olhar sempre animado. A menina queria brincar, mas

nunca tinha alguém disposto a isso: o pai, a mãe, a vizinha, D. Galinha, cachorro,

Pardal, abelha, lagarta estavam todos ocupados. Até que um dia Vera encontra Zé, o

novo vizinho. Ao encontrar com o menino, Vera teve vontade de estudar, de ir para a

escola. Zé, então, resolve falar com sua mãe que falou com a vizinha, que falou com os

pais de Vera, que falaram com a diretora do colégio. Dessa forma, Vera foi para a

escola e lá encontra muitas crianças de quem fica amiga. A menina aprendeu a ler, a

escrever, e agora só quer saber de livros. Ela lê sozinha ou com Zé.

Enredos que envolvem mistério são tratados em obras como: Mandingas da Ilha

Quilomba (1984) e Do outro mundo (2002). Esses livros, coincidentemente, são mais

juvenis, e têm como tema as crueldades que envolvem a escravidão dos negros no

Brasil.

A temática do amor também se faz presente em algumas obras de Ana Maria

Machado, e é recorrente, com exceção de O gato Massamê e aquilo que ele vê, em

obras não infantis. Como exemplos, temos: Alice e Ulisses (1999), Para sempre: amor e

tempo (2000) e Canteiros de Saturno (1998).

A busca de independência e liberdade é tema principal em obras como

Carnerinho, carneirão (1987) e Bebeto, o carneiro (1993). Segundo o narrador dessa

segunda obra, “Bebeto era um carneirinho cansado de carneirice. Cansado de fazer tudo

o que seu mestre mandava”. Ao longo da narrativa, temos exemplos que confirmam a

fala do narrador. Em busca de libertar-se das ordens dadas pelas pessoas, Bebeto sai em

viagem e vive inúmeras experiências. Entretanto, o protagonista nunca estava satisfeito.

Até que um dia conhece uma carneirinha, com quem se casa, tem muitos filhos, e,

juntos “saíram viajando pelo mundo afora”. Nessa obra, o casamento aparece como a

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solução para alguns problemas da personagem central da história; no entanto, essa não é

uma condição imposta por ninguém, mas, antes, uma escolha da própria personagem.

No universo ficcional de Ana Maria Machado, também há obras cujo objetivo é

apenas dar informações de cunho pragmático ao leitor. São elas: De fora da Arca (2004)

e Na praia e no luar, tartaruga quer o mar (2004). No primeiro livro temos duas

histórias, sendo a segunda conseqüência da primeira. Ou seja, num primeiro momento

do livro, temos a história bíblica de Noé e sua barca; em seguida, temos a história dos

bichos que ficaram de fora da Arca de Noé. São eles: os basiliscos, os centauros,

dragões, as esfinges, os grifos, hidras dentre outros. Para contar a história de cada bicho

que ficou de fora da Arca, Ana Maria cria um narrador, Cam. No entanto, a nosso ver,

as histórias narradas por Cam não apresentam nenhum atrativo do ponto de vista de

criação. Ou seja, o livro mais parece um pequeno manual de mitologia para crianças –

apesar dos arranjos, ilustração impecável, partitura para flauta – do que um livro de

literatura infantil.

Em Na praia e no luar, tartaruga quer o mar, os procedimentos adotados para

falar sobre as tartarugas marinhas, sua forma de reprodução etc. e do Projeto TAMAR5,

são muito parecidos com os da obra que comentamos anteriormente. Os personagens

são postos em situações cujo objetivo é dar informações sobre os aspectos que

acabamos de citar. Nessa obra, inclusive a ilustração nos parece pouco atrativa ao

pequeno e ao grande leitor.

A condição feminina é discutida com mais ênfase nas seguintes obras: Bisa Bia,

Bisa Bel (1982) e Isso ninguém me tira (2000), conforme mostraremos mais a frente.

5 O Projeto TAMAR – Projeto Brasileiro de Conservação das Tartarugas Marinhas – foi criado em 1980, pelo IBDF, com o objetivo de salvar e proteger as tartarugas marinhas do Brasil. Atualmente, o projeto é executado pelo IBAMA e conta, entre outros órgãos, com a participação da PETROBRAS.

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Se, de uma perspectiva mais dialética, ao abordarmos o projeto ideológico de

Ana Maria Machado (seus temas, personagens etc.) já está implícito o projeto estético

da autora, pensamos, no entanto, ser importante um olhar mais detido sobre a

linguagem, dada a riqueza que ela assume para construir sua obra e através da qual seu

projeto ideológico nos é apresentado.

Bons exemplos do “trato” que Ana Maria Machado dá à linguagem podem ser

encontrados, dentre outras obras, em Menina bonita do laço de fita (1986), O pavão do

abre-e-fecha (1998), Avental que o vento leva (1997) e Cadê meu travesseiro? (2004).

Nessas obras, a autora explora a linguagem, sobretudo, em sua dimensão poética.

Menina bonita do laço de fita conta a história de um coelho que achava a menina

da casa ao lado “a pessoa mais linda que ele tinha visto em toda a vida”. Querendo saber

de onde vinha tanta beleza, o coelho punha-se a perguntar: “Menina bonita do laço de

fita, qual é teu segredo pra ser tão pretinha?”; sem saber que respostas dar, a menina

“inventava”: “– Ah, deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina”, ou “–

Ah, deve ser porque eu tomei muito café quando era pequenina”, ou ainda “ – Ah , deve

ser porque eu comi muita jabuticaba quando era pequenina”. No intuito de ficar pretinho

e lindo como a menina, o coelho fazia tudo o que ela dizia, mas nada conseguia. Até que

um dia, ao encontrar com a mãe da garota, o coelho descobre a verdadeira razão de ela

ter a pele negra – “Artes de uma avó preta que ela tinha”, diz a mãe. Com essa resposta,

o coelho ficou convencido de que era quase impossível ser preto como a menina; a

solução seria casar com uma coelha preta. Assim o fez, e, com o tempo, tiveram muitos

filhotes, dentre os quais, uma coelha pretinha.

Recheado de belas ilustrações que, a todo momento, dialogam com o texto

verbal, o livro encanta não só pelo enredo, mas também pela linguagem, a começar pelo

título, que está em verso: Menina bonita/ do laço de fita. Trata-se um dístico em

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redondilha menor, com as últimas sílabas de cada verso rimando entre si – bonITA –

fITA. Além disso, o título constitui trecho de um refrão dentro do livro; sempre que

encontra a menina, o coelho pergunta: “Menina bonita do laço de fita, qual o teu

segredo pra ser tão pretinha?”. Os dados anteriormente expostos apontam para o caráter

formal da obra, no entanto, através dos exemplos a seguir, tomamos consciência de que

somos colocados diante de belas imagens metafóricas, construídas com os verbos

“parecer” e “ser”. Vejamos:

1. Era uma vez uma menina linda, linda. Os olhos dela pareciam duas azeitonas

pretas, daquelas bem brilhantes. Os cabelos eram enroladinhos e bem negros,

feito fiapos da noite. A pele era escura e lustrosa, que nem o pêlo da pantera negra quando pula na chuva. (Menina bonita do laço de fita, p. 04)

2. [...] Ela ficava parecendo, uma princesa das Terras da África, ou

uma fada do Reino do Luar. (Menina bonita do laço de fita, p. 04) 3. Não precisou procurar muito.

Logo encontrou uma coelhinha escura como a noite, que achava aquele coelho branco uma graça. (...) (Menina bonita do laço de fita, p. 14)

(grifos nossos)

Os exemplos 1 e 2 referem-se à menina, já o exemplo 3 é sobre a coelha preta com

quem o coelho se casa. As construções conferem à narrativa um encantamento frente à

imagem das personagens negras. Um encantamento advindo de comparações, que levam

o leitor a perceber as belezas contidas na pele negra.

O enredo de O pavão do abre-e-fecha gira em torno da história de pavão que

estava sempre em dúvida: não sabia se era feio ou se era bonito; quando era convidado a

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uma festa, não sabia se ia ou se não ia, etc. Do ponto de vista da linguagem, os

elementos explorados por Ana Maria Machado são, sobretudo, as rimas internas e

externas, como mostram os trechos a seguir:

1. Quando via a cauda aberta em leque, toda verde, roxa e azul-brilhante, se achava lindo e elegante.

2. Mas quando olhava para os pés e seu andar desajeitado, ficava até desanimado. E se escondia envergonhado.

3. – O que vale é que você tem uns pés que são mesmo uma gracinha... E depois, isso de bonito ou feio é só questão de recheio.

Atentemos para o fato de que as rimas não são meramente ilustrativas; elas são ricas em

significado, uma vez que apontam para o dilema porque passa o personagem principal

da história – o Pavão. Além dos recursos sonoros, ainda somos presenteados com as

seguintes imagens:

“Urubu é tão bonito, da cor do Jamelão e do jaguar, da jabuticaba e da noite sem luar”

Em Avental que o vento leva, as sugestões sonoras de que o livro está recheado

aparece já no título. Elas advêm dos fonemas /V/ e /L/, que sugerem, respectivamente, o

barulho e a leveza do vento. Sobretudo, a idéia de leveza será, durante o enredo,

reforçada pelas ilustrações de Helena Alexandrino, cujos traços finos e cores delicadas

vão, juntamente, com o texto verbal, narrar a história de Corina, a “menina que brincava

com cor”, em busca de seu avental.

O elemento linguagem é também discutido no corpo de muitas obras. Em alguns

casos, ele se configura como temática principal, a exemplo de Palavras, palavrinhas,

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palavrões (1982), em que a autora discute o problema da relação significante x

significado, embora não recorra especificamente a esses conceitos. O enredo de

Palavras, palavrinhas, palavrões gira em torno de uma menina que também pensa

sobre as palavras. O narrador a apresenta como “a menina que gostava muito de

palavras”. Apesar desse dado, a única demonstração de criação/brincadeira com as

palavras que temos é “Cusfosfós”, palavra que a menina cria para nomear o irmão que

está por nascer. O que predomina, nessa obra, é um “excelente registro das situações

familiares mais comuns nos dias de hoje: a luta dos mais velhos contra os “palavrões”

que as crianças [...] vivem dizendo, a propósito de tudo e de nada”, conforme aponta

Coelho (1984, p. 40).

Em outras obras, a linguagem é apenas o ponto de partida para se discutir outras

questões, conforme pode-se constatar nas obras que elegemos para compor o corpus do

nosso trabalho.

Jacqueline Held, em seu livro O imaginário no poder (1990), mais

especificamente no capítulo intitulado “Fantástico, linguagem e poesia”, chama a

atenção para a existência das “palavras selvagens”, isto é, trata-se de

um tipo de jogo verbal cujo encanto sempre nasce precisamente do absurdo, do imprevisto, do inesperado: palavra totalmente imaginária ou palavra “normal e civilizada” retomada e recriada, para fazer com que passe a significar coisa totalmente diferente. (p. 197)

Essa categoria da linguagem é recorrente nas obras de Ana Maria Machado,

sobretudo naquelas posteriores a Bento-que-bento-é-o-frade, a exemplo de Bem do seu

tamanho, Palavras, palavrinhas, palavrões, Avental que o vento leva dentre outras,

conforme mostramos anteriormente. Em Bento-que-bento-é-o-frade, primeira obra da

escritora, a percepção da protagonista sobre as imposições sociais começa pela

observação da linguagem. Observe a fala de Nita, nos momentos iniciais do livro:

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Que quer dizer essa coisa de bento-que-bento-é-o-frade? Não tem nada a ver com o frade. E forno não tem boca. E esse negócio de cozinhar bolo? Ninguém cozinha bolo, todo mundo bota bolo pra assar, ainda mais no forno. E no fim a gente ganha bolo palmada em vez de comer bolo de forno. (Bento-que-bento-é-o-frade, p. 11)

As inquietações de Nita, como mostra o fragmento acima, nascem da percepção

da protagonista em relação à linguagem. Apesar disso, o que se observa é que o caráter

da linguagem que proporciona o fantástico, de que nos fala Held, não acontece tão

explicitamente: o que há em Bento-que-bento-é-o-frade é uma espécie de antecipação

do que virá nas obras posteriores de Ana Maria Machado, em que se percebe uma maior

recorrência dessa linguagem selvagem. Outro aspecto que se configura como

antecipação diz respeito às personagens: assim como Nita, quase todas as personagens

criadas por Ana Maria Machado revelam uma certa inquietação ou fascínio pela

linguagem. Uma delas, Flávia, personagem de Bem do seu tamanho, declara:

– Ah, isso é justamente uma das coisas que eu invento. Inventar que as palavras são brinquedos, que a gente pode pegar, revirar, olhar de um lado ou de outro, ver se uma cabe dentro da outra, essas coisas... (Bem do seu tamanho, p.24-25)

Outra personagem consideravelmente inventiva, embora não declare, é o

Espantalho, também de Bem do seu tamanho. A explicação que o Espantalho dá para o

seu nome é bem representativa no que diz respeito à sua inventividade:

– (...) Eles [os pássaros] me ajudam muito no meu trabalho. Graças a eles é que posso me orgulhar de ser um bom espantalho. – Um bom espantalho? – admirou-se Tipiti. Olhando a passarada bicando o milharal em volta. – Nenhum outro espanta alho tão bem quanto eu. – Mas o senhor não devia espantar aves? – Não sou espantave. Sou espantalho. Pode procurar em todo esse milharal que não encontra nenhum pé de alho. Mesmo quando tem algum tentando entrar, os passarinhos voam até lá e puxam o pé dele. (Bem do seu tamanho, p. 29)

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A criatividade do Espantalho consiste, exatamente, em criar trocadilhos, porque ele

entende a língua apenas do ponto de vista denotativo.

Como bem ressaltou Lajolo (1983, p. 102), “todo esse espaço destinado a uma

reflexão sobre a linguagem na obra de Ana Maria Machado é também uma forma de

ruptura. De um lado, filia-se à tradição lobatiana de desliterarização da literatura (...)”.

Entendemos a “desliterarização”, de que nos fala Lajolo, como uma forma de linguagem

desprovida de prolixidades e rebuscamentos de que a produção literária de Ana Maria

Machado é recheada. Dessa forma, a linguagem cunhada pela escritora torna-se mais

próxima daquela usada por seu público-leitor, a criança.

Outros recursos lingüísticos que se fazem presente na obra de Ana Maria

Machado são: o diálogo – recurso responsável pelo dinamismo conferido às narrativas,

sobretudo quando as personagens estão em momentos de brincadeira (as de caráter

oral); animismo – recurso que consiste em dar vida a seres inanimados – e, também,

onomatopéias, rimas, trocadilhos, brincadeiras de cunho oral, quadras/versos,

cantigas.... Ou seja, a obra da escritora é reveladora de aspectos da cultura popular. Fato

esse que só vem a confirmar a consideração de Domício Proença Filho (1986, p. 34)

acerca da linguagem, segundo a qual, “A literatura se vale da língua e revela dimensões

culturais. Cultura, língua e literatura estão, portanto, estritamente vinculadas”. A

retomada que Ana Maria Machado faz de termos, expressões, trovas populares e

brincadeiras de rua, só vem confirmar o que já foi dito sobre sua atenção para com a

língua falada, e, como sabe trabalhar esteticamente com este material, uma vez que não

são postos nas obras aleatoriamente; pelo contrário, eles estão sempre inseridos num

determinado contexto, e têm como “finalidade” chamar a atenção do leitor para a

riqueza de significados que carregam. Em Bento-que-bento-é-o-frade, por exemplo, as

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reflexões de Nita sobre a linguagem aparecem como motivo para os questionamentos,

posteriores, acerca das relações de poder. Dessa forma, percebe-se a íntima ligação

entre projeto estético e projeto ideológico.

Para finalizar esse tópico, chamamos atenção para o fato de que, como veremos

no decorrer das análises que faremos de Bem do seu tamanho e Bento-que-bento-é-o-

frade, as observações feitas sobre a linguagem nessas duas obras revelam que a viagem

de Helena e a viagem de Nita são também de descoberta do sentido das palavras. Como

diria Paulo Freire, as duas personagens, em sua viagem, vão descobrindo a

“palavramundo”.

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CAPÍTULO II

UNIVERSOS DA INFÂNCIA: REALIDADE E FICÇÃO Quem não sabe ter coragem Fica sempre pelo chão Se você levar um susto Cresça e não corra não

(Bem do seu tamanho, p. 40)

O rápido painel sobre personagens femininas infantis de nossa literatura que será

apresentado a seguir, de um modo ou de outro, está ligado à visão que, ao longo do

século XX, nossa sociedade tem de infância. Parece-nos importante traçarmos um

quadro das diferentes concepções de infância que vêm sendo construídas e que são por

nós retomadas, direta ou indiretamente, ao longo do trabalho. Neste sentido, o presente

capítulo discorre sobre dois aspectos: o primeiro diz respeito a uma retomada de alguns

estudos sobre “infância”, a partir de Phillipe Ariès e Reinaldo Damazio; o segundo

aspecto a ser tratado refere-se à representação de personagens infantis femininas em três

momentos da literatura infantil brasileira.

2.1. Infância

Importante historiador do século XX, Phillipe Ariès (1981), em estudo sobre a

“história social da criança e da família”, traça o longo trajeto percorrido por aquilo que

ele chama de “sentimento da infância”, da Europa medieval à Europa do século XX. O

“sentimento da infância”, de acordo com Ariès, diz respeito “à consciência da

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particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do

adulto, mesmo jovem.” (1981, p. 156) O estudioso chama a atenção para o fato de que

essa consciência não existia na sociedade medieval, onde as crianças partilhavam de

quase todas as atividades praticadas também por adultos; bastava apenas que elas

pudessem vivem sem a mãe ou a ama, e logo eram postas no convívio dos adultos. Os

estudos de Ariès são detidos e partem muitas vezes de elementos como vestuário,

brinquedos, processo de adaptação da criança à escola, entre outras particularidades.

Para o nosso trabalho, importa perceber a mudança de concepção de infância ao longo

dos séculos e, sobretudo, a fixação do que hoje, em geral, se entende por essa

terminologia. Esta nova concepção de infância como um momento da vida humana com

particularidades, com necessidades específicas – diversas das dos adultos –, com um

modo de expressão distinta, voltada, sobretudo, para a fantasia e em que o jogo é

fundamental, pode ser observada, no início do século XX, na literatura de Monteiro

Lobato.

Tentando esboçar um conceito do que vem a ser “criança”, Damazio (1994)

inicia seu texto por uma questão filosófica sobre o assunto. Para tanto, traz duas teorias

clássicas que “explicam a relação do homem com o mundo em que vive”, quais sejam: o

empirismo e o racionalismo.

Para o empirismo, teoria criada pelo filósofo inglês John Locke (século XVII),

“a criança é um ser incompleto, um vazio inicial, já que sua mente é como uma página

branca que deve ser preenchida ao sabor dos fatos exteriores” (p. 11-12). Essa

concepção de criança é conseqüência do fato de que, para o empirismo, “todo

conhecimento é uma decorrência da experiência concreta (...) nosso pensamento se

forma como resultado da ação do mundo externo sobre nosso cérebro” (p. 11-12). Ou

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seja, é na relação com o mundo exterior que a criança/indivíduo vai se formando,

elaborando suas próprias concepções acerca do mundo que a rodeia.

Já para a teoria racionalista, de René Descartes (século XVII), “a criança será o

resultado de sua própria razão, que já nasce com ela e que precisa ser desenvolvida”

(DAMAZIO, 1994, p. 13). De acordo com a perspectiva racionalista, a criança é um

adulto pré-formado por que traz em si as probabilidades de seu crescimento intelectual,

a ser alcançado a partir de sua experiência com o mundo.

As duas teorias, como observa Damazio, não consideram a criança em seu

presente de ação, pensando, sentimento e existência integral; “ela é um “mero objeto do

mundo ou de uma concepção de racionalidade (e cultura) adultos”. (DAMAZIO, 1994,

p. 13-14)

Passeando por teorias modernas, o autor nos apresenta o conceito de criança a

partir do behaviorismo, da psicologia genética e da psicanálise.

Criada pelo psicólogo americano John B. Watson, a teoria behaviorista pensa o

homem como um ser “plenamente adaptável e condicionado pelo meio em que vive”.

(DAMAZIO, 1994, p. 14) Essa adaptação e condicionamento são ocasionados por

treinamentos que se baseiam em estímulos e respostas. Dessa forma, a criança “é uma

massinha amorfa sujeita a um treinamento que pode ser adequado ou não”; um “ser

modelável e adaptável a qualquer tipo de conduta” (DAMAZIO, 1994, p. 15-16).

Para a psicologia genética, de Jean Piaget, a “vida é um processo de maturação

intermitente, uma sucessão de momentos inter-relacionados e interdependentes”; dessa

forma, a criança é um “sujeito em seu processo de crescimento, com suas possibilidades

orgânicas e mentais e portadora de seus próprios meios de viver e conhecer a realidade”.

(DAMAZIO, 1994, p. 17) Ao contrário do behaviorismo, para a psicologia genética, o

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desenvolvimento da criança é que propicia seu aprendizado, e não o contrário, conforme

assinala Damazio.

Já, a psicanálise vê o desenvolvimento humano sob outra ótica, a da

sexualidade. Para a teoria psicanalítica, “a libido é o motor do comportamento

humano”; é a satisfação (ou não) dela que fundamenta o comportamento humano, e que

é traçada/desenvolvida nos sete anos iniciais da existência humana. Por esse meio, o

autor afirma que “a criança vai elaborando seus códigos de comportamento conforme

experimenta a satisfação ou não de suas necessidades em contanto com o mundo

externo e as pessoas.” (DAMAZIO, 1994, p. 20) Também, diferentemente da teoria

behaviorista, a criança, se vista pela ótica psicanalítica, é tida como um ser em processo

de maturação, que está sentindo a realidade e elaborando a sua sensibilidade ao mesmo

tempo, conforme atenta Damazio. Esse contato da criança com o mundo externo, no

entanto, pode resultar tanto em satisfação quanto em frustração.

Partindo do campo teórico, e passando para uma perspectiva mais prática, o

autor aborda o termo “criança” sob quatro perspectivas “distintas”: sua relação com o

adulto, com a família, com a escola e com a modernidade.

No que diz respeito à relação criança X adulto, Damazio nos chama a atenção

para o fato de que a infância é marcada pela seguinte “tensão contraditória”: “a criança

é um ser e, como tal, deve ajustar-se nesse contexto, entretanto, o mundo da criança,

suas formas de ver o mundo é diferente da do adulto”; enquanto o adulto está

preocupado em nomear as coisas, a criança está preocupada em apenas senti-las,

vivenciá-las, por exemplo. A relação criança X adulto “vai no sentido de transformar a

criança no adulto”, desrespeitando seus modos de ser e de pensar, através de

imposições, sem um diálogo aberto. Essa relação, pelo que se pode deduzir, parece estar

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pautada nas teorias que vêem a criança apenas como objeto e não como um sujeito, com

seus modos de pensar específicos.

A relação criança X família é também, comumente, marcada por um

“apagamento” daquelas em favor dos desejos desta. Segundo Damazio (1994, p. 28), o

que se percebe nessa relação são “repressões explícitas que tolhem a expressão da

criança, que a confundem com ordens sem explicações, com agressões repentinas e

incoerentes, com comportamentos contraditórios e sustentados na força e não na clareza

de uma conversa lúcida e sincera”.

Outro referencial importante para a criança na sua formação é a escola, uma vez

que lá a criança “estabelece seu primeiro contato com a coletividade, social”. Esse

contato, no entanto, nem sempre ocorre de maneira satisfatória porque, uma vez

transmissora de um aprendizado sistematizado e sistematizador, nem sempre permite à

criança criar e experimentar o mundo ao seu modo. Trata-se de conteúdos pré-

fabricados, elaborados pelo adulto e que, por isso mesmo, só elege a seus interesses.

Mais uma vez, a criança é objeto de algo imposto pelo mundo adulto.

Ao colocar a criança em confronto com o contexto da modernidade, Damazio a

focaliza a partir da realidade urbana. Realidade esta marcada, sobretudo, por um “ritmo

alucinante, por desigualdades sociais e pelo bombardeio de informações”. Nesse

contexto, a criança se vai formando, não de maneira a questionar essa realidade, e sim

de modo a absorvê-la, incorporá-la. Aqui, mais uma vez, temos o universo da criança

invadido e, pior, subvertido; pois, segundo o autor, “os meios de comunicação e a

tecnologia modificam o brinquedo, as concepções de brincadeira e a fantasia da

criança”. (DAMAZIO, 1994, p. 38)

Partindo de conceituações sobre o que é ser “criança”, e focalizando-a a partir da

relação com outras instituições, Damazio conclui suas reflexões sobre o assunto ao

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elaborar um conceito de criança, “por ela mesma”. De acordo com o autor, “a criança é

uma pessoa ávida de sensações e conhecimentos. Seu aprendizado é a marca mesma do

seu estar no mundo.” (DAMAZIO, 1994, p. 41) Atentemos para o fato de que o autor,

ao elaborar seu conceito, utiliza a palavra “sensação”. Ou seja, para ele, é através dos

sentidos que a criança estabelece seu primeiro contato com o mundo exterior ao seu,

diferentemente do adulto, cuja relação com o mundo é estabelecida, sobretudo, através

da razão.

O conceito elaborado por Damazio nos faz lembrar Helena, personagem de Bem

do seu tamanho; ao tentar entender o que é ser grande e o que é ser pequeno, confusa

em meio a tantas explicações, a personagem parte em busca de elaborar seus próprios

conceitos através das “sensações”, da experiência concreta, do contato com o mundo,

com pessoas e objetos. Lembremos ainda que essa experiência com o mundo exterior ao

seu é marcada, sobretudo, pela invenção da brincadeira, da fantasia da personagem

criança.

2.2. As personagens

A partir da década de 60 do século passado, em todo o mundo ocidental, ocorreu

uma verdadeira revolução com relação à situação vivida secularmente pelas mulheres.

Entre outros fatores, o aparecimento da pílula anticoncepcional e a entrada massiva no

mercado de trabalho impulsionaram fortemente as novas condutas femininas. Numa

sociedade secularmente patriarcal como a nossa, em que as mulheres só “ganham” o

direito de votar na década de 30 do mesmo século, estas mudanças vão ocorrer,

primordialmente, nas grandes cidades. E, em muitos lugares, essa libertação é ainda

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40

uma “bandeira”. O modo como a literatura representou esse percurso vem sendo

estudado de forma sistemática, sobretudo nas últimas duas décadas do século XX.

No âmbito na literatura infantil brasileira, percebemos que escritores como

Lobato, já a partir da década de 20 do século passado, traz para a nossa literatura

situações em que as tensões relativas à condição da personagem feminina são postas.

Antes de passarmos à análise da construção das personagens femininas, infantis

e juvenis, de Ana Maria Machado, traçaremos um rápido perfil da questão a partir da

apresentação de algumas personagens femininas de Monteiro Lobato, João Carlos

Marinho e Lygia Bojunga Nunes, buscando situar melhor o contexto de criação a que

nossa escritora está ligada. A escolha destes escritores deve-se ao fato de serem mais

representativos no que diz respeito à criação de uma postura diferenciadora das

personagens femininas.

Em seu artigo, Rosa Maria de Carvalho Gens (2002)6 apresenta-nos o resultado

de pesquisa realizada a partir de livros infantis brasileiros que foram publicados entre os

anos de 1890 e 1930. O objetivo da pesquisa era mostrar como mulheres e crianças

foram representadas na literatura destinada ao público infantil do período pesquisado.

Como objeto de investigação, a estudiosa recorreu a obras de cinco autoras, quais

sejam: Contos infantis (1836), de Júlia Lopes de Almeida e Adelina Lopes Vieira; Era

uma vez...(1917), de Júlia Lopes de Almeida; Lendas brasileiras (s/d), de Carmem

Dolores; e Contos Azuis (s/d), de Madame Chrysanthème. Após longa investigação,

Gens chega às seguintes conclusões:

6 O ensaio ao qual nos reportamos faz parte de uma coletânea de textos organizados sob o título Gênero e

representação: teoria, história e crítica, que foram inicialmente apresentados no IX Seminário Nacional Mulher & Literatura, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, em agosto de 2001.

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41

a) o tom pedagógico circunscreve e conduz as obras;

b) as características de nacionalização e, ao mesmo tempo de modernização da sociedade, no período de 1890 a 1930, pontuam de maneira forte as condutas morais;

c) a preocupação com a formação dos leitores e com o delineamento de uma literatura que atendesse aos não adultos; predomina a idéia de crianças a serem formadas e, portanto, cristalizam-se experiências e sentimentos no discurso; as configurações de crianças e mulheres seguem esquemas de comportamento e valor, fazendo parte de um processo normalizador da infância, ou seja, de adequar os leitores a comportamentos entrevistos como aceitáveis pela sociedade a que pertenciam; e

d) os textos estudados são um “perfeito documento da inscrição ideológica das questões da época, em que o feminino deveria se subordinar ao masculino, e as crianças, reproduzir o adulto”.

Das conclusões apresentadas pela estudiosa, nos interessa aqui aquelas que se

referem às crianças e às mulheres – letras C e D –, uma vez que nos serão úteis, quando

comparadas, para mostrar o caráter de novidade no que respeita à construção da

personagem feminina na literatura infantil brasileira produzida após a década de 1970,

mais especificamente as personagens criadas por Ana Maria Machado. Assim, nos

chama atenção a descoberta de Gens, segundo a qual, os textos estudados são “um

perfeito documento da inscrição ideológica das questões da época, em que o feminino

deveria se subordinar ao masculino, e as crianças, reproduzir o adulto”. (p. 152) Ou

seja, as conclusões a que chegou a autora apresentam-se como reflexo das condições em

que a mulher se achava na época em que as obras analisadas foram publicadas.

Apesar de nos ter apresentado o recorte selecionado para seu estudo – obras

escritas por mulheres –, as conclusões de Gens poderiam ser outras caso tivesse

observado as personagens femininas criadas por Monteiro Lobato, mais especificamente

Lúcia e Emília, em 1921, quando publicou A menina do narizinho arrebitado.

Não é nosso intuito fazer aqui uma análise detida dessas personagens. Nossos

comentários são para mostrar a grande inovação, empreendida por Lobato, ao criar essas

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42

personagens, e também para mostrar a influência que ele exerce sob autores posteriores,

sobretudo os da década de 1970.

A respeito de Lobato, Zilberman (2005) atenta para o fato de que ele, no Brasil,

foi quem conferiu primeiro plano a personagens femininas quando nos apresentou

Emília e Narizinho. Esta por que dotada de mais delicadeza e sensibilidade, aquela por

que “tomou conta da saga do sítio do Picapau Amarelo, boneca que, de certo modo

virou gente, liderou aventuras por todas as partes do mundo [...] e varou o tempo,

deslocando-se para a Antigüidade clássica com a maior desfaçatez”. (ZILBERMAN,

2005, p.82)

Escolhemos apenas uma personagem lobateana para realizarmos nossa

amostragem. Trata-se de Emília que nos chama a atenção, sobretudo, por seu caráter

questionador e sua independência. Em todas as obras de Lobato, em que a boneca

aparece, pode ser percebido esse caráter questionador, mas fiquemos apenas com A

chave do tamanho7, de 1942. Vejamos os excertos que seguem:

Ex.1:

Andrada! Arranca esse pendão dos ares! Colombo! Fecha a porta dos teus mares!

Tudo mentira. Como é que esse poeta manda o Andrada, que já morreu, arrancar uma bandeira dos ares, quando já não há nenhuma bandeira nos ares e, ainda que houvesse, bandeira não é dente que se arranque? Bandeira desce-se do pau pela cordinha. E como é que esse poeta, um soldado raso, se atreve a dar ordens a Colombo, um almirante? E como é que manda Colombo fechar a “porta” dos teus mares, se o mar não tem porta e Colombo nunca teve mares – quem tem mares é a Terra?

(A chave do tamanho, p. 261)

Ex.2:

- Isso também não! – protestou Emília. – Quer então a senhora que eu deixe o mundo como estava, dividido em duas partes, uma matando a outra, bombardeando as cidades, escangalhando tudo? Ah, isso é que não. Ou acabo

7 A referência da edição de A chave do tamanho, utilizada para esse estudo, é: LOBATO, Monteiro.

Obras completas.v. 6. 12.ed. Ilustrações de Manoel Victor Filho. São Paulo: Brasiliense, s/d.

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com a guerra e com esses ódios que estragam a vida, ou acabo com a espécie humana. Comigo é ali, na batata! (A chave do tamanho, p.317)

No primeiro fragmento, Emília discute com Dona Benta acerca de um poema de

Castro Alves. A boneca, o tempo inteiro, questiona os termos usados pelo poeta, ou

seja, põe em questão a retórica condoreira; no segundo fragmento, a discussão, também

entre Emília e Dona Benta, é sobre a guerra. Percebemos a capacidade de protesto e

indignação de Emília diante das atrocidades de que uma guerra é capaz. Além desses,

outros aspectos da personalidade da boneca ficam evidentes nesse fragmento; eles

dizem respeito à arrogância e senso de autoritarismo da personagem. Emília quer acabar

com a guerra, nem que, para isso, tenha que acabar com a espécie humana, conforme

ela mesma afirma.

Esses fragmentos nos parecem demonstrativos do caráter questionador e

autoritário de Emília. Veja que ela tem sempre uma resposta “na ponta da língua”. Se,

por um lado, ela “aprendeu” a perguntar, questionar, por outro, nem sempre dá

demonstração de que “sabe” argumentar. Outros traços de Emília, como independência,

capacidade de tomar decisões, de ter iniciativa, capacidade de discutir idéias etc, podem

ser observados em toda obra infantil de Lobato.

Após Lobato, percebe-se grande escassez no que diz respeito a textos de

qualidade para crianças e jovens no Brasil. Só a partir da segunda metade do século XX,

é que surgem narrativas cujas personagens femininas ostentam um conjunto de atitudes,

inquietações e ações notadamente diferentes do perfil tradicional conferido à mulher. Os

exemplos são inúmeros, conforme aponta Zilberman (2005).

A estudiosa dedica um capítulo inteiro de seu livro às personagens recorrentes

na literatura infantil brasileira, o que talvez não seja suficiente para dar conta da

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infinidade de personagens criadas. No entanto, os exemplos trazidos são bem

representativos para esse momento de nosso trabalho. Zilberman faz menção a: Lúcia e

Emília (de Lobato); Clara Luz e Glorinha (de Fernanda Lopes de Almeida); a menina

que desafia o reizinho mandão (de Ruth Rocha); Estela e Isabel (de Ana Maria

Machado); Tânia (Mirna Pinsky); e Clarice (de Eliane Ganem). Ao comentar essas

personagens, Zilberman chama a atenção para o fato de que

Da Clara Luz, de Fernanda Lopes de Almeida, a Clarice, de Eliane Ganem, a literatura infantil brasileira viveu uma década de mudanças, lideradas por representantes do sexo feminino que reproduziam, no âmbito da narrativa destinada a crianças e adolescentes, o que se passava na sociedade e na cultura. Em ambos os casos, as mulheres reivindicavam reconhecimento e retribuía com ações transformadoras.

(ZILBERMAN, 2005, p. 88)

A essas personagens, poderíamos acrescentar ainda Angélica e Berenice. A

primeira é protagonista de Angélica (1975), de Lygia Bojunga Nunes; a segunda é umas

das personagens femininas presente em obras de João Carlos Marinho, protagonizadas

pela “turma do Gordo”.

Angélica conta a história da personagem que dá título ao livro. Trata-se de uma

cegonha que vive alguns conflitos, a saber: num certo momento da narrativa, ela não

quer continuar a preservar o mito segundo o qual os bebês são trazidos pelas cegonhas e

deseja ser artista. No intuito de resolver essas questões, Angélica rompe com sua família

e viaja para o Brasil. Lá chegando, conhece outras personagens que também vivem

conflitos, como o Porco, o Elefante, o Sapo e o casal de Crocodilos.

Seguir o próprio destino, eis o que deseja Angélica. Mas não é a rebelde sem

causa, muito menos o modelo de personagem “pequeno-burguês”, que “rompe” mas

continua gastando as rendas da família. Angélica sai de casa, mas não se desliga

afetivamente dos seus irmãos e demais familiares. Ela também enfrenta o mundo do

trabalho, como artista que deseja ser. Estão postas, portanto, duas questões importantes:

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ser menina/mulher independente e ser artista. Lygia Bojunga Nunes cria uma

personagem que tem a mesma coragem de Emília, mas não tem o gênio da boneca.

Angélica parece-nos mais agregadora, sem, no entanto, compartilhar com qualquer

forma de injustiça, conforme podemos observar no fragmento abaixo:

LUX: Não fica chateada, não, Angélica. Olha: se a gente mente sempre a mesma mentira ela acaba com cara de verdade.

ANGÉLICA: Pois eu não acredito. LUTERO: Uuuuuuuuuuuuuuu! Tá na hora de formar o trem. LUME: Sabe, Angélica? Se você entrar no nosso trem você acaba pensando do

jeito que a gente pensa. ANGÉLICA: Mas eu não quero pensar do jeito que vocês pensam: eu acho que tá

errado. LUX Vem Angélica. Você fica sendo o vagão número nove e engata atrás de

mim. Vai ser legal. Vem. OS OUTROS: Vem Angélica! ANGÉLICA: Não! (Angélica, p. 60)

Através desse fragmento percebe-se o caráter não-conformista da personagem,

que se recusa a compartilhar com uma “verdade” com a qual não concorda. Angélica

mostra-se firme em suas decisões quando discute com os irmãos. Todo o livro está

recheado de exemplos que mostram as atitudes da personagem.

Berenice, como dissemos, é uma das personagens que vivem no universo

ficcional criado por João Carlos Marinho. Ela diferencia-se das demais personagens da

“turma do Gordo” por ser menina. Mas não é só isso: Berenice não é uma menina

qualquer. Ela carrega consigo alguns desejos, como o de ser escritora. Esse desejo vem

manifestado em Sangue Fresco (1982), e é concretizado em O livro da Berenice

(1984). Assim, a saga deste último livro desenrola-se em torno do desejo de Berenice de

ser escritora, na elaboração do livro, na ganância de Papoulos Scripopulos, que rouba o

livro, na luta dos garotos para recuperá-lo e na também luta de Berenice para publicá-lo.

Ela não é a menina submissa aos meninos da turma de que faz parte. O fragmento

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abaixo mostra, inclusive, sua “inconstância” no plano afetivo, sem que com isso seja

abandonada pelo Gordo:

Ex.1: - Você vai se dar mal com essa Berenice. Ela é meio cigana. (...) - é que ela é meio inconstante – falou a mãe do gordo. – Primeiro largou nosso filho pelo Biquinha, depois voltou, depois namorou o Alcides, depois voltou, ainda vai aprontar outra. (O livro da Berenice, p. 10) Ex.2: - Você tem medo do meu sucesso – falou Berenice. – Vou ficar muito em evidência e você vai se sentir inseguro. (O livro da Berenice, p. 16)

No primeiro exemplo, temos uma fala da mãe do Gordo sobre a garota. Ela se

refere a Berenice como “cigana”, por causa dos vários namorados que a menina teve. Os

valores dela, portanto, não são os da menina recatada, que desde criança se guarda para

um único homem. No segundo exemplo, é a própria Berenice quem fala, de forma

firme, sobre seu possível sucesso, quando se tornar escritora. Ou seja, a personagem

parece ter consciência do seu estar no mundo, do caminho que deve trilhar para

conquistar independência e do possível sucesso que alcançará.

Na mesma linha de contestação/inovação, outros autores também se destacam ao

oferecer obras para crianças cujas personagens femininas fogem ao padrão estabelecido

até a década de 70 do século passado. Nos reportaremos, agora, àquelas criadas por Ana

Maria Machado.

Nelly Novaes Coelho (1984) chamou a atenção para o fato de que até a

publicação de Bisa Bia, Bisa Bel, em 1982, Ana Maria Machado dera ênfase especial à

criação de personagens masculinos. O marco histórico proposto pela crítica pode ser

revisto. Já em 1977, com a publicação de Bento-que-bento-é-o-frade, Ana Maria

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47

Machado criara uma personagem feminina diferenciada, como veremos no capítulo de

análise direcionado especificamente para essa personagem. Nesse momento,

gostaríamos de mencionar outras personagens femininas criadas pela escritora. São elas:

Estela, de Raul da ferrugem azul; Isabel, de Bisa Bia Bisa Bel; e Gabriela, de Isso

ninguém de tira.

Raul da ferrugem azul (1979) narra a história de um garoto que vive um drama

bem peculiar: Raul, personagem principal, percebe que está enferrujando. A narrativa

vai tratar, portanto, da percepção da ferrugem por Raul, dos motivos que acarretam essa

ferrugem, e da busca de soluções para o “desenferrujamento”.

Constituída de oito capítulos, a obra está, assim, distribuída: no capítulo um,

Raul percebe que algo inusitado lhe está acontecendo: ele está enferrujando; nos

capítulos dois e três, as manchas azuis vão tomando dimensões cada vez maiores no

corpo de Raul; no capítulo quatro, numa conversa com Tita – a empregada de sua casa -,

Raul vai em busca de ajuda, e sai em viagem; no quinto capítulo, o personagem chega

ao morro onde fora buscar ajuda; no capítulo seis, dá-se o encontro de Raul com o Preto

Velho, e seu primeiro contato com Estela; no sétimo, há, de fato, o encontro com a

personagem Estela; e, no capítulo oito, temos a viagem de volta e o reencontro de Raul

com Tita.

Raul, ao viajar para tentar resolver seu problema, encontra Estela – a da

ferrugem amarela. Observe como se dá o encontro:

De repente, foi uma confusão. O menorzinho de todos, devia ter uns seis anos, punha a boca no mundo, aos berros. E bem atrás, uma voz de menina começou a gritar:

- Vocês são mesmo uns covardes, aproveitam que o Beto é pequenininho para roubar a pipa dele. Mas não vai ficar assim não, estão sabendo? Vocês vão ver só o que eu vou aprontar... (Raul da ferrugem azul, p. 30-31)

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Estela, pelo que se percebe no trecho acima, enfrenta alguns meninos para defender um

outro, “o menorzinho de todos”. Ela mora na favela e é caracterizada como a garota que

tem uma cara muito malandra, os olhos muito vivos e o cabelo todo trançadinho. (p.

34) Trata-se da única personagem feminina e criança de toda a narrativa, e é, ao nosso

ver, quem de fato contribui para o “desenferrujamento” (e amadurecimento) de Raul.

Esse processo, como mostraremos, é realizado através de posturas e atitudes da garota

diante do que vê. Observe os exemplos que seguem:

Ex.1: Mas a menina era enfezadinha: – Quem escolhe as minhas brigas sou eu. Um grandalhão ainda disse: Cala a boca! E ela: – Cala a boca já morreu. Quem manda aqui sou eu. (Raul da ferrugem azul, p. 31)

Ex.2:

– Beto, chorar não adianta. Tem é que se defender, dar bronca, brigar. – Sei lá, Beto. Não precisa ser briga de bater e apanhar. Mas se a gente for ficar a vida inteira esperando alguém do tamanho exato para brigar, não briga nunca, e todo mundo manda na gente. Nem toda briga minha é de bater, não. Mas eu não agüento é ficar calada nem ficar sem fazer nada quando uma coisa não está certa. (Raul da ferrugem azul, p. 31)

Ex.3:

E já reparando na presença de Raul, completou: – Desaforo para casa, eu não levo. Pelo menos assim não fico enferrujada como muita gente por aí.

(Raul da ferrugem azul, p. 31 – todos os grifos em itálico são nossos)

Os trechos acima nos mostram que Estela é uma garota que não se cala ante as

cenas que lhe causam indignação. Esse fato, porém, será a grande mola propulsora para

a mudança de Raul. Depois do encontro ocorrido entre os dois, Raul passa a refletir

sobre sua condição para, a partir de então, começar o processo de “desenferrujamento”.

Uma primeira demonstração desse desenferrujamento pode ser percebida na viagem de

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volta para casa, dentro do ônibus. Nesse momento, Raul se revolta contra as injustiças e

fala o que pensa, vejamos:

Um ponto antes de saltar, viu que a lavadeira tinha tocado a campainha para descer. E bem na hora em que ela ia descendo os degraus, carregando aquela trouxa pesada, o motorista acelerou o motor, fazendo um barulhão e reclamando porque ela estava demorando: - Como é, Dona Maria? Vai ficar a vida toda aí, é? Pensa que tá todo mundo à toa? Ela começou a pedir desculpas, toda atrapalhada. Raul ficou uma fera. E começou a falar: - Moço, o senhor não está vendo que ela está descendo e carregando peso? Faça o favor de esperar. O motorista respondeu: - A conversa não chegou na cozinha. Cala a boca, pirralho. Sem pensar, Raul respondeu: - Cala a boca já morreu. Quem manda em mim sou eu.

(Raul da ferrugem azul, p. 44)

Como podemos notar, ao falar, Raul tenta, inicialmente, ser cordial para com o

motorista do ônibus – Moço, o senhor não está vendo que ela está descendo e

carregando peso? Faça o favor de esperar. No entanto, o motorista responde de forma

grosseira – A conversa não chegou na cozinha. Cala a boca, pirralho. E então, Raul dá

a tréplica, apossando-se do “Cala a boca já morreu. Quem manda em mim sou eu”, dito

por Estela em outro momento do livro.

Outro ponto interessante a ser observado é que os pais de Raul são apenas

citados – isso se deva, talvez, a dois fatores: 1) os habitantes da cidade grande

geralmente estão preocupadas com outros afazeres que não com os dramas das pessoas,

sobretudo das crianças; 2) a presença dos pais talvez pudesse representar uma espécie

de barreira para os planos de Raul. As únicas personagens adultas relevantes na obra são

Tita (a empregada) e o Preto Velho – pessoas mais velhas e mais simples com quem

Raul mantém contato mais direto. Aqui, a representação da humildade se faz verdadeira.

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Considerado pela crítica um clássico de nossa literatura infanto-juvenil, Bisa

Bia, Bisa Bel, para Vera Tietzmann (1996), é o que se poderia chamar de narrativa em

profundidade. Ao longo de seu ensaio, a estudiosa persegue os indícios deixados por

Ana Maria Machado nesta obra, para confirmar a noção de profundidade /perspectiva

de que ela está impregnada. De acordo com Tietzmann, a noção de profundidade é a

nota mais marcante da obra, e ocorre em várias formas e níveis: tanto no tema abordado

– “alegoria da busca do equilíbrio interno e da identidade” – como na forma como é

abordado, e também nas ilustrações elaboradas por Regina Yolanda, para compor o

livro. Assim, no intuito de demonstrar sua afirmação, segundo a qual Bisa Bia, Bisa Bel

é uma “narrativa em profundidade”, a estudiosa parte para leitura da obra a partir dos

símbolos recorrentes, como: a fotografia, o espelho, o sapatinho de bebê, a vela, a água

etc, e as ilustrações. Após longa análise, Tietzmann conclui que

O cerne de Bisa Bia Bisa Bel é a experiência interna da protagonista [Isabel] na afirmação de sua identidade. Bel não assume nem rejeita totalmente as vozes que lhe falam de outros tempos. Com discernimento e autonomia escolhe seus próprios caminhos. (p. 123)

Em Isso ninguém me tira (2000), romance juvenil de Ana Maria Machado,

temos a história de Gabriela, uma adolescente que passa por vários problemas de

relacionamentos com sua família, namorado e amigos. Dividida em nove capítulos, a

obra se desenvolve em vários episódios, cada um deles referente a um conflito vivido

pela personagem central do livro. Tudo começa quando Gabriela conhece um garoto

chamado Bruno, que viria a ser seu namorado. Gabriela narra a fantasia criada por sua

prima com o rapaz dizendo que ele era seu namorado, as desavenças com sua família, os

problemas enfrentados com a ida de Bruno à Europa, o conflito com a mãe quando a

garota descobre que suas cartas estavam sendo lidas por ela, o retorno de Bruno e a

aceitação de seu namoro com Gabriela e os problemas encontrados quando a ela resolve

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trabalhar. Por fim, já no último episódio, temos as dificuldades encontradas por

Gabriela quando resolve se envolver numa campanha de reciclagem, mas que aos

poucos também vão sendo superadas a custo de muito trabalho.

O livro, como apontamos, aborda temas como as relações de poder a que a

mulher está sujeita, sobretudo se ela busca sua independência do ponto de vista

econômico. São muitas as situações em que a protagonista de Isso ninguém me tira se

sente ameaçada de pensar e agir. Estas situações, ao invés de imobilizá-la, revoltam e

movem Gabriela, que a todo o momento se mostra contrária aos padrões que lhe são

impostos.

Uma das coisas que a personagem começa a fazer é arranjar um meio de ganhar

dinheiro. Então ela começa a dar aula particular de inglês, pois achava que assim

poderia alcançar mais rápido sua tão sonhada liberdade, de poder mesmo um dia ficar

independente e só fazer o que quisesse.

Apesar de tudo isso, Gabriela nunca cedia às pressões, cada vez mais estava

convencida de que o trabalho só lhe fazia bem, e era isso que a motivava a continuar

trabalhando. Como ela mesma afirma:

Quanto mais eles insistiam, mais eu sabia que não queria parar de trabalhar, que achava ótimo ter um dinheirinho que eu gastava como queria, sem ter que dar satisfação a ninguém. Se, por um lado,estava muito feliz porque não precisava mais mentir, por outro também era verdade que grande parte da minha alegria não vinha só do Bruno e da boa relação com meus pais. Vinha de eu saber que estava conquistando mais liberdade, me preparando para ser dona do meu nariz, andar sem corrente no pé, do jeito que eu quisesse. Por causa do meu trabalho. (Isso ninguém me tira, p. 84)

Com o trabalho, Gabriela sente-se mais segura de si e resolve falar abertamente

sobre seu namorado com os pais, já que ele estava voltando da Europa e não queria

continuar como antes. Ela gostaria que as coisas fossem o mais verdadeiras possível.

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Em nosso acompanhamento dos gestos, atitudes e angústias vivenciadas por

Gabriela, pudemos constatar que a narrativa de Ana Maria Machado coloca em questão

certos modelos de relações familiares, afetivos, impostos às mulheres. Neste sentido,

Isso ninguém me tira se constitui obra exemplar. O que ninguém tira de Gabriela é a

convicção de que deve lutar por seus projetos, conquistar seu espaço, e ir criando

formas de convivência não regidas pelo poder, pela dominação de um ser humano sobre

outro. Os leitores – homens e mulheres – jovens que tiverem acesso a esta obra poderão

colocar em xeque esses conceitos contidos nas ações cotidianas. Por fim, a obra de Ana

Maria não impõe modelos, antes, expõe os limites de convivência humanos fincados ao

patriarcalismo ainda tão forte em nossa sociedade. Uma observação final, a respeito do

livro, é que se trata de uma experiência de adolescente de classe média, que tem acesso

a bens culturais que a maioria de adolescentes pobres não tem. Embora as questões

colocadas assumam uma dimensão universal, elas não trazem inúmeros conflitos que se

agravam com a questão de classe.

Marisa Lajolo (1983) ressalta:

Marca também forte no texto de Ana Maria Machado é sua sensibilidade para legitimar, nas histórias que conta, fragmentos do que poderia se chamar de culturas alternativas, geralmente silenciadas no coro da cultura oficial. São as vozes dos índios, dos pescadores, das mulheres, das crianças que enunciam, com as bênçãos do narrador, as perguntas e as respostas mais fundamentais. (p. 104)

Em nosso acompanhamento dos gestos, atitudes e angústias vivenciadas pelas

personagens Estela, Isabel e Gabriela, pudemos constatar que a narrativa de Ana Maria

Machado coloca em questão certos modelos de relações impostos. Neste sentido, as

obras de onde provém essas personagens se constituem paradigmas da literatura de

qualidade que se produz para crianças e jovens no Brasil atualmente.

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CAPÍTULO III

DOIS CLÁSSICOS DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA

- Eu não vou vender nada, não. Eu estou é querendo descobrir alguma coisa. - Ah, então, vou. Se a gente não descobrir, a gente inventa. Mas o que é que você quer descobrir?

Bem do seu tamanho, p. 26

Os dois livros que escolhemos para leitura e para aplicação em sala de aula

podem ser considerados verdadeiros clássicos tanto pelos leitores adultos quanto pelas

crianças. Entendemos por clássico, aqui, aqueles livros que, segundo Ítalo Calvino

(1993, p. 10), “constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas

constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira

vez nas melhores condições para apreciá-los.” As repetidas edições de Bem do seu

tamanho e Bento-que-bento-é-o-frade, a fortuna crítica que vêm acumulando ao longo

de quase vinte anos revela que são obras que não envelheceram, que vão além do gosto

apressado que o mercado editorial muitas vezes quer impor. Para as crianças, como

pode ser observado no relato e discussão da experiência a serem apresentados no quarto

capítulo, o livro assume grande importância.

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3.1. As descobertas de Helena em Bem do seu tamanho8

Antes de passarmos à análise das obras, gostaríamos de ressaltar que o método

de análise e interpretação que adotaremos consiste em acompanhar o desenrolar do

enredo e, ao mesmo tempo, ir comentando as diferentes situações colocadas e

enfrentadas pela personagem e seus companheiros. Embora reconhecendo que as

ilustrações do livro lido têm seu valor enquanto parte integrante das obras, gostaríamos

de ressaltar também que nossas observações serão no que corresponde ao texto verbal.

BST narra a viagem de uma garota, Helena, e seus amigos, Bolão (o Boi de

Mamão), Flávia, a menina “inventadeira de moda”, o Burrico e Tipiti – o primeiro

companheiro que Helena encontra ao iniciar sua trajetória. A viagem de Helena tem um

único objetivo: ela quer saber seu verdadeiro tamanho; para obter uma resposta, a

personagem principal, juntamente com seus companheiros, vive inúmeras aventuras.

A narrativa lembra a estrutura dos contos de fadas ao ser iniciada com um “Era

uma vez”. Além desse dado, que remonta a um tempo mítico, a estrutura do enredo

apresenta-nos uma situação problema – a menina deseja saber qual é o seu tamanho –;

em seguida, as personagens vivem inúmeras aventuras (ou peripécias); e, com ajuda dos

amigos, a protagonista entende melhor a questão do tamanho, retornando, assim, à

situação de apaziguamento. As histórias dos contos de fadas são ainda retomadas

quando Helena e Bolão partem em viagem, e os pais da garota lhes fazem algumas

recomendações, como é possível notar no trecho abaixo:

A mãe disse assim: - Cuidado com a floresta, que o lobo mau anda solto por aí... E o pai completou:

8 A partir de agora, as referências a Bem do seu tamanho serão mencionadas pela abreviatura BST,

seguida do número da página.

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- E se vocês encontrarem alguma velhinha precisando de ajuda para carregar lenha ou apanhar alguma coisa num lugar que ela não alcança... - ...ou um anão com a barba presa numa árvore...-lembrou a mãe. - ...tratem de ajudar, porque pode ser uma fada ou um gênio disfarçado. A mãe foi se animando: - É... e eles podem dar alguma coisa mágica a vocês, ou escolher um de vocês para

afilhado, ou satisfazer três pedidos. (BST, p. 14)

Nesse trecho do livro, são retomadas histórias clássicas como “Chapeuzinho

Vermelho”, “João e Maria”, dentre outras de caráter oral. De fato, o que observamos

neste fragmento é um curioso jogo intertextual com diferentes contos fada. Segundo

Vera Teixeira Aguiar (2001, p. 76) os contos de fadas são verdadeiros “modelos de

narrativa” pela estrutura que ostentam. Sua fórmula, ainda segunda a autora, “é repetida

na maioria das estórias infantis, independentemente de serem contos de fadas ou não.”

Outro aspecto que remonta aos clássicos da literatura infantil é o fato de a

narrativa ser de ambientação rural, tradição iniciada entre nós por Monteiro Lobato com

suas narrativas que têm como cenário o Sítio do Picapau Amarelo. Mas há alusões mais

sutis a outras narrativas: a percepção da Helena sobre o tamanho das coisas e de seu

próprio tamanho lembra o episódio de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll ,

e A chave do tamanho, de Monteiro Lobato. Só que nessa obra de Ana Maria Machado

não há bebida, comida e nem o “pó de pirlimpimpim” para fazer crescer ou diminuir; o

tamanho vem como questionamento da personagem.

No primeiro parágrafo de BST, temos uma rápida descrição de Helena.

Conforme o narrador, a personagem principal, “Não era uma menina deste tamaninho.

Mas também não era uma menina deste tamanhão”. (BST, p. 05) A descrição que nos é

dada diz respeito ao tamanho da personagem. E é essa a questão que norteia toda a

narrativa, ou seja, no decorrer da obra, Helena vai em busca de saber que tamanho é

esse que ela tem. Aos oito anos de idade, a personagem, ao longo da obra, mostra-se

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muito questionadora, esse dado aponta para o modo como a criança é vista pelo

narrador.

Também no primeiro parágrafo, nos é apresentada a razão pela qual Helena

sente-se motivada a ir em busca de saber qual o seu tamanho. Segundo o narrador, [...]

“muitas vezes ela [Helena] tinha vontade de saber que tamanho era esse”. (BST, p. 05)

Essa “vontade” surge a partir do momento em que ela se vê dividida entre várias

opiniões sobre essa questão. Os trechos que seguem são bem representativos dos

dilemas porque passa a personagem, no que se refere ao seu tamanho. Vejamos:

- Helena, você já está muito grande para fazer uma coisa dessas. Onde já se viu uma menina do seu tamanho chegar em casa assim tão suja de ficar brincando na lama? Venha logo se lavar.

Então ela achava que já era bem grande. Mas, às vezes, também, o pai dela dizia assim: - Helena, você ainda é muito pequenininha para fazer uma coisa dessas. Onde já

se viu uma menina do seu tamanho ficar brincando num galho de árvore tão alto assim? Desça já daí. Se não, você pode cair.

Aí Helena achava que ela era mesmo uma bebezinha que não podia fazer nada sozinha.

E era sempre assim. Na hora de ir ajudar na trabalho da roça, ela já era bem grande. Na hora de ir tomar banho no rio e nadar no lugar mais fundo, ela ainda era muito pequena. Na hora em que os grandes ficavam de noite conversando no terreiro até tarde, ela era pequena e tinha que ir dormir. Na hora em que espetava o pé com um espinho e queria ficar chorando no colo de alguém, só com dengo e carinho, sempre diziam que ela já estava muito grande para ficar fazendo manha. (BST, p. 05-06)

Com base no fragmento acima, é confirmado aquilo que o narrador nos

apresenta no início da obra. Percebemos que as situações em que Helena é posta

resultam num desconhecimento sobre seu verdadeiro tamanho. Ela, então, no intuito de

entender essa questão, vai à procura de respostas, e sua primeira atitude é olhar-se num

espelho.

Originária do termo latino speculum (especulacion), a palavra espelho, de acordo

com Chevalier & Gheerbrant (1986), carrega várias significações. Dentre elas, as que

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aqui nos interessam estão ligadas àquilo que reflete “a verdad, la sinceridad, el

contenido del corazon y de la conciencia; o instrumento de la iluminación; e las

possibilidades que tiene la essência de determinarse ella misma, posibilidad que trae

consigo soberanamente en virtud de su infinidad”.

Se, por um lado, Helena, ao olhar-se no espelho, não obtém respostas porque não

consegue ver-se por completo, ou porque tem apenas um olhar, por outro, ela tem

refletida o “contenido del corazon y de la conciencia”. Ou seja, o ato de olhar-se no

espelho parece aguçar ainda mais a curiosidade/vontade da menina em saber qual seu

verdadeiro tamanho. Não obtendo respostas, vai à procura de Bolão, seu boi de mamão,

com quem trava uma longa conversa. Vejamos como ocorre esse encontro.

- Bolão, você entende de tamanho? - Entender como, Helena? - Você sabe se as coisas e as pessoas são grandes ou pequenas? - Sei lá, Helena, é muito difícil. Eu acho que tudo está sempre mudando. As folhas, por exemplo. Quando eu ainda era só mamão e morava lá no alto do mamoeiro, as folhas ali perto da gente eram enormes. Mas as folhas do pé de abóbora aqui no chão eram tão pequenininhas... Depois que seu pai me tirou e vocês me botaram essas pernas, esse rabo e me fizeram essa cabeça, tudo mudou. - Claro que mudou, Bolão. Agora você é um Boi de Mamão. - Não. As folhas mudaram. Agora eu olho as folhas do mamoeiro lá longe, lá em cima e vejo que elas são tão pequeninas. Mas as folhas de abóbora cresceram muito, estão imensas. Principalmente quando a gente senta junto delas. - E as pessoas? - Também mudaram. Igualzinho. Quando eu morava no mamoeiro, vocês eram pequenos. Agora que eu moro no chão, na mesa, na prateleira, vocês estão bem maiores. - Não sei. Não, bolão. Acho que é outra coisa. Isso que você está falando é outra coisa. É quando a gente vê de perto ou vê de longe. Pode ser. Mas muda o tamanho, não muda? - Muda a distância - O tamanho também muda. - Eu acho que é diferente. Eu quero saber se a gente pode estar grande numa hora e pequena noutra. (BST, p. 08-10)

A explicação que Bolão dá para a questão do tamanho consiste em mudança –

Eu acho que tudo está sempre mudando – ou seja, para o boi, as coisas não são

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estanques, elas podem variar dependendo do lugar de onde se olha. Essa idéia nos faz

pensar na noção de perspectiva, idéia essa também partilhada pelo narrador – Helena

era pequena para algumas coisas e grande para outras. Se atentarmos para as falas da

menina no diálogo transcrito acima, veremos que Helena comunga da mesma idéia do

narrador e de Bolão – É quando a gente vê de perto ou vê de longe –, embora não tenha

consciência. A explicação de Bolão sobre o tamanho, no entanto, não convence Helena,

e ela então resolve viajar para encontrar respostas. Como ela mesma diz, “[...] se eu não

sei, se você não sabe, se mamãe e papai a cada ora sabem uma coisa diferente, acho que

o jeito mesmo é a gente sair por aí para descobrir”. (BST, p. 10)

O ato de viajar representa, também conforme Chevalier & Gheerbrant (1998),

uma insatisfação que leva à busca e à descoberta de novos horizontes, ou ainda, uma

aventura e uma procura, quer se trate de um tesouro ou de um simples conhecimento

concreto ou espiritual. No caso de Helena, as duas acepções para o termo viajar se

confirmam. Diz ela: “– se eu não sei, se você não sabe, se mamãe e papai a cada ora

sabem uma coisa diferente, acho que o jeito mesmo é a gente sair por aí para

descobrir.”. Ou seja, quando Helena diz sair por aí para descobrir pensamos que sua

viagem será uma grande aventura na busca de um conhecimento/aprendizado, fato que

se confirma no decorrer da narrativa.

Ao tomar a decisão de viajar, nos é revelado um certo amadurecimento por parte

da personagem. Primeiro é a sua necessidade (e vontade) de descobrir coisas e, segundo,

ela tem consciência de que precisa de outros olhares, outros paradigmas, para se

compreender, e assim construir suas certezas.

Helena é uma menina pobre – ela ajuda seus pais no trabalho da roça, seu único

brinquedo era o boi de mamão, etc – que vive com seus pais no meio rural. Sua viagem

é preparada com auxílio da mãe e o consentimento do pai – aspecto importante a ser

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observado é o modo como os pais de Helena se comportam ante a decisão da garota de

empreender uma viagem: não há uma postura repressora, embora haja preocupação.

No momento em que Helena inicia os preparativos para a viagem, a questão do

tamanho vem à tona, mais uma vez, como podemos perceber no diálogo com seus pais:

- Você bem que podia ajudar. Afinal, já está bem grandinha e pode passar seu vestido. (...) - Nada disso. Você é muito pequena para mexer em fogo. Ah, é? Sou bem grandinha e sou muito pequena? - Isso mesmo. Espere que sua mãe passa o vestido para você. - Ela não pode. Está cuidando de minha merenda. - Então espere um pouco. - Mas, pai, você não acha que mamãe vai ficar muito cansada? Já trabalhou o dia inteiro, ainda vai fazer um bolo, e no fim ainda precisa passar um vestido. Não posso fazer nada. Isso é coisa de mulher. (BST, p. 11 – grifo nosso)

Através desse fragmento pode-se notar que, além de suas indagações sobre o

tamanho, Helena também questiona o modelo de relação familiar (patriarcal) que está

inserida na obra: a autoridade masculina que atribui à mulher as tarefas domésticas. As

atitudes de poder impostas pelo pai, entretanto, são percebidas, discutidas e negadas por

Helena. Essa negação, como nos mostra o exemplo acima, se dá através de indagações

da garota a respeito do assunto, e quando ela contesta esse modelo de relação familiar.

A percepção da fixidez injusta que preside as relações familiares só é possível porque

Helena é possuidora de um caráter marcadamente indagador, como apontam os indícios

acima.

A protagonista inicia sua viagem com Bolão, e após terem “andado, andado,

visto muito lugar que não conheciam”, resolvem parar à beira de um “riozinho” para

descansar; nesse momento Tipiti se aproxima dos pequenos viajantes. De acordo com o

narrador, Tipiti é um moleque de jeitão simpático, comprido e desengonçado, e é com

ele que Helena tem seu primeiro aprendizado. Observe como ocorre esse momento -

conversa de Helena com o garoto:

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- E qual seu nome? - Tipiti. - Tipiti? (...) Tipiti não é nome de gente. É nome de coisa. De um cesto comprido que tem na casa de farinha. Agente bota massa de mandioca dentro dele. E ele tem umas alças, uma em cada ponta. (BST, p. 16)

Como dissemos, nesse momento Helena toma consciência de que está

aprendendo alguma coisa em decorrência de sua viagem. Tipiti, que se chama Jorge,

tem esse apelido por ser “comprido e magrelo”, parecido com um tipiti; a descoberta da

garota está no fato de ela associar o apelido de Jorge ao que o objeto (tipiti) representa.

A associação foi feita. No entanto, a confusão sobre o tamanho continua instalada na

cabeça de Helena; mais ainda quando a mãe de Tipiti diz que você já está bem

grandinho, a referir-se ao garoto quando ele pedia para viajar com Helena – Enquanto

Tipiti se animava todo com a idéia, Helena pensava que era mesmo muito engraçado

isso de dizer grandinho. Alguém diz pequenão? Como é que pode ser grande e inho ao

mesmo tempo? Inho não é só para coisas pequeninas? (p.20) O trecho é um bom

exemplo de que Helena inicia suas inquietações a partir da linguagem.

Tipiti tem um Burrico que, com ele, se junta a Helena e ao Bolão, e prossegue

em busca de resposta para o questionamento da garota. Quando sai de casa com Bolão,

Helena não tem nenhum destino definido para sua viagem; é, ao encontrar com Tipiti,

que isso fica resolvido: eles agora estão indo em direção à vila onde acontecerá uma

feira.

Mais à frente, Helena, Bolão, Tipiti e o Burrico esbarram em mais uma

personagem, Flávia, que os acompanhará nessa viagem. Segundo Helena, Flávia era a

pessoa mais colorida e faladeira que tinha visto na vida dela. Falando coisas esquisitas

que ninguém entendia. E com aquele cabelo amarelo, aqueles olhos azuis, aquelas

bochechas cor-de-rosa e aquele vestido vermelho... Helena ficava até meio atordoada.

(p. 23) O encontro com Flávia, causou em Helena, uma certa “desconfiança” e

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“atordoamento”. Essas são impressões do narrador, que passam a ser também de

Helena, podem ser confirmadas tanto através do olhar “desconfiado” que esta

personagem lança àquela, como também através do pronome “aquele”, repetido várias

vezes quando o narrador se refere a Flávia. A “desconfiança” e “atordoamento”,

impressos em Helena, parecem ser ocasionados pelo fato de a garota, pela primeira vez,

deparar-se com o, inicialmente, “diferente”: Flávia era uma “menininha da cidade” se

aventurando no meio rural.

De toda a narrativa, Flávia é umas das personagens mais criativas, no que se

refere à linguagem – “Ah, isso é justamente uma das modas que eu invento. Inventar

que as palavras são brinquedos, que a gente pode pegar, revirar, olhar de um lado ou de

outro, ver se uma cabe dentro da outras, essas coisas...” –, como podemos perceber

nesta conversa que ela mantém com Tipiti e Helena:

Quando chegaram mais perto, viram uma menina sentada no chão, mexendo

numa bibicleta. – Bom dia! – Oi, gente, bom dia. Será que vocês podiam me ajudar um pouquinho aqui? – Claro... – foi logo dizendo Tipiti. – Ajudar em quê? – Aconteceu alguma coisa com a minha bicicleta. Eu vinha muito bem andando

nela, mas de repente aconteceu alguma coisa. Eu pedalo mas ela não do lugar. – Tem alguma coisa solta – reparou Helena. – Deve ser a corrente – disse Tipiti. Pó – Vou dar um jeito. – Como pode ser a corrente? Corrente não se usa para prender? Como é que

pode soltar? (...) – Também, corrente é para correr. Se a bicicleta ficou parada, não é por causa

da corrente. Só se for por causa da parente. (BST, p. 23)

Já no primeiro contato com Helena e Tipiti, Flávia, através do uso de trocadilhos –

“corrente” serve para correr, e “parente” serve para parar –, dá demonstrações de que

realmente gosta de brincar com as palavras, conforme ela mesma afirma. Outros

exemplos aparecem ao longo do texto, como: “Sei lá, ver se cara e vela cabem dentro

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de caravela. Ou que dentro de brincadeira tem brinca e cadeira e pode até ter uma

cadeira de brim”. (BST, p. 25) Reiterando: inicialmente, Flávia causa estranhamento em

Helena; no entanto, basta um pouco mais de contato entre elas para que Flávia seja

convidada, por Helena, a participar do grupo e seguir em viagem também.

Embora Flavia goste de brincar de inventar palavras, ela questiona ‘os punhos’ e

as ‘varandas’ das redes que Tipiti havia feito para eles dormirem à noite, mostrando

assim seu desconhecimento de termos que não são do seu mundo – Flávia é uma

“menininha da cidade” se aventurando no meio rural. Observe o diálogo que segue:

Tipiti foi mostrando a ela o que tinha aprendido com o pai dele. Pegou duas palmas de coqueiro, pôs uma em cima da outra com um cabo para cada lado, uma pra lá outra pra cá (...). No fim de algum tempo, tinha tecido uma espécie de rede. As meninas ficaram encantadas: - Que maravilha, Tipiti! Como é que você teve uma idéia dessas? - Os índios fazem isso quando saem para caçar. Andam o dia inteiro e na hora de dormir fazem uma rede. Agora a gente precisa arranjar uma embira para cada punho. Flávia se espantou: - Por que é que vamos ter que nos amarrar para dormir? Foi a vez de Helena e Tipiti rirem dela: (...) Ninguém vai amarrar o punho da gente. Nós é que vamos amarrar o punho da rede. - E rede tem punho? - Claro menininha da cidade... E vamos cuidar logo de arrumar uns pedaços de embira e mais palmas de coqueiro para fazer outra rede, antes que escureça. Depois a gente até de conta das varandas de rede. - Varandas? Essa não...Não vá me dizer que rede também tem porta, janela, isso tudo. (BST, p. 32/33)

Dessa vez, Tipiti, a partir de seu conhecimento de mundo, e conhecimento da realidade

na qual está inserido, é quem se encarrega de “ensinar” algo a Flávia.

Depois de terem andado boa parte do caminho para a cidade, os pequenos

viajantes chegam a um milharal onde há um espantalho. Na verdade, o espantalho não é

como esses que se conhece que afastam aves de uma plantação; este, em vez de espantar

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os pássaros do milharal, espanta alho; segundo ele, Não sou espantave. Sou espantalho.

(p. 29)

Vejamos que, se por um lado, temos uma personagem (Flávia) capaz de ser

extremamente criativa com as palavras, temos uma outra que não consegue ir além do

sentido denotativo das palavras, sobre o termo que lhe nomeia, como é o caso do

espantalho – daí a explicação para seu nome ser Pé da Letra:

Flávia achou que o espantalho estava ficando outra vez meio solene e era capaz de desembestar a fazer discurso. Achou melhor interromper:

– Quer dizer que o senhor leva tudo ali no pé da letra? – Exatamente. A menina percebeu bem o que ocorre. Mas não pense que é por isso que

meu nome é Pé da Letras. – E por que é então? Por que o senhor faz gol de letra? – Porque meu pé é de letra. Veja só. Eu sou todo de palha, menos o pé. É que um dia

passou um carro pela estrada e jogaram um jornal pela janela. O vento trouxe o jornal até aqui perto. Quando o lavrador chegou, não gostou de ver a roça suja de papel e apertou o jornal para dentro da minha bota, que tinha ficado mesmo muito vazia. E eu fiquei sendo Pé da Letra.

(BST, 29-30)

A incapacidade de transcendência do espantalho em relação às palavras deve

estar relacionada ao fato de Pé da Letra viver com os dois pés fincados no chão,

vivendo, portanto, sem possibilidades de sair, conhecer outras realidades, e com isso

amadurecer. Outra possibilidade de leitura para a falta de transcendência do espantalho

pode estar ligada ao período de publicação de BST: embora o Brasil da década de 80 do

século passado já não viva mais sob a coação do regime militar, as pessoas ainda não se

sentem seguras em manifestar seus pensamentos e ações, e Pé da Letra pode, na

verdade, ser uma espécie de representante dessas pessoas. Por mais contraditório que

pareça, essa incapacidade de transcendência só tende a enriquecer a obra, uma vez que,

de fato, se traduz em jogo que enfatiza a ambigüidade na construção de algumas

palavras.

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É interessante que se note também, no episódio em que ocorre o encontro das

crianças com o espantalho, outro recurso de que Ana Maria Machado se vale para a

construção de BST: trata-se do animismo, outro truque comum na literatura infantil e

usado com maestria por Monteiro Lobato; quem não lembra o visconde de Sabugosa.

Em BST, o boi de mamão e o espantalho é que são animizados, como veremos mais a

frente.

Damazio (1991) chama a atenção para o valor do animismo e da fantasia infantil

para a formação de um ser humano mais sensível ao mundo e à condição humana em

geral:

Assim, o animismo (hábito de dar vida humana a objeto e seres não humanos) poderá se transformar, na vida adulta, em uma profunda consciência cósmica, um profundo conhecimento da vida animal e da relação complexa com o mundo físico e seus significados; (...) a fantasia poderá ser a grande mola inspiradora do prazer e da criação; a consciência do ser social e da cidadania seriam Uma extensão do auto-conhecimento lúdico e não repressivo; a espontaneidade funcionaria como antídoto para a neurose. (p. 50)

Após terem viajado o dia inteiro, as crianças param para comer e descansar a fim

de seguir viagem no dia seguinte. Ao amanhecer, todos escutam badaladas de sinos,

vindas da vila onde vai acontecer uma festa, e vão em direção a elas. O que marca, do

ponto de vista da construção da narrativa, é o interessante jogo de criação no que se

refere à linguagem. O que predomina nesse momento é o uso de onomatopéias9, de que

Ana Maria Machado lança mão: inicialmente, as crianças confundem as badaladas dos

sinos com o seu próprio nome. Vejamos:

- Quem é que está me chamando? E Bolão, todo encolhido, foi dizendo: - Eu ia chamar, mas ainda não tinha chamado. Só que Helena estava ouvindo muito bem: - Helena! Helena! Helena! E não era voz de gente nem de bicho. Aí, de repente, ouviram Tipiti perguntar: - Que é?

9 Recurso sonoro mais comum na poesia, que consiste em representar, através de palavras, um ruído ou um som, conforme Guimarães e Lessa (1988)

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- Que é, como? Ninguém falou nada... - Mas eu ouvi... Tipiti! Tipiti! Tipiti” - Eu só ouço Bolão! Bolão! – garantiu o boi. - E eu acho que é Helena! Helena ! – disse a menina (BST, p. 38)

Chegando na cidade, as crianças ficam abismadas com a quantidade de coisas

novas que encontram por lá: a caixa colorida, com um pé só, tocando música, e com um

periquito tirando a sorte de quem por ali encostasse; o “monstro de cinco pernas”, ou

então, “o homem que faz as coisas diminuírem”. Ao finalizar a narrativa, as crianças

descobrem que o Lambe-lambe está passando por alguns problemas financeiros e

decidem fazer algo para resolver essa situação; elas acabam atraindo a atenção de todos

que participavam da festa, para ajudarem o amigo retratista. Depois, os “viajeiros”, já

satisfeitos, resolvem voltar cada um para sua casa.

Como pudemos observar, ao longo da narrativa, o modelo de criança que está

representado em BST difere de uma tradição conformista, marcada por divisão rígida de

papéis e que, de fato, serve para justificar inúmeras formas de exploração. A iniciativa

da viagem é de Helena, todas as suas atitudes ao longo da narrativa revelam a criança

inquieta, inquiridora, mas em nenhum momento dominadora. A convivência com o

menino Tipiti, com Flávia e com os demais personagens confirma a postura de Helena.

Estamos, portanto, diante de uma representação da personagem infantil feminina que

foge aos estereótipos das relações familiares ainda vigentes.

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3.2. Conflitos e atitudes de uma menina em Bento-que-bento-é-frade10

BBF narra a história de Nita, uma garota que, numa brincadeira de bento-que-

bento-é-o-frade11 com seus amigos, começa a questionar a si e aos outros sobre o

sentido das palavras e sobre o porquê de determinadas convenções. Nita, no intuito de

encontrar respostas para seus questionamentos, sai em viagem, e acaba conhecendo

vários lugares e “pessoas”, como a floresta – lugar onde encontra os Prequetés –, e um

campo onde ela encontra várias pessoas – homens, mulheres e crianças – trabalhando

em regime de mutirão. No final da história, Nita volta para seus amigos para contar-lhes

o que havia aprendido com a viagem que fizera. Só que, para surpresa da garota, seus

amigos também aprendem algo significativo em sua ausência.

A narrativa se inicia com uma brincadeira de “meninos e meninas, nas calçadas

e se escondendo pelos quintais das casas da vizinhança, depois do jantar”. A brincadeira

“Bento-que-bento-é-o-frade” funciona da seguinte maneira: tem-se uma espécie de

mestre que dá ordens aos demais participantes; quem primeiro executar a ordem

corretamente será o novo mestre, e quem não executá-la “leva bolo”, isto é, palmada.

Os primeiros questionamentos de Nita dizem respeito ao sentido que as palavras

podem ter, mais especificamente as palavras que foram usadas pelo mestre ao dar a

primeira ordem, a saber: “Então cada um imita um bicho sem barulho...” (BBF, p. 03 –

grifo nosso). Nita, ao contrário das outras crianças, entende a ordem como sendo “imitar

um bicho que não faça barulho”, e não uma imitação de algum bicho sem fazer barulho,

que seria uma outra possibilidade. Esse é o primeiro dos muitos confrontos que virão,

com a continuidade da brincadeira/narrativa. Entretanto, já aqui, Nita mostra-se uma 10 A partir de agora, as referências a Bento-que-Bento-é-o-frade serão mencionadas pela abreviatura BBF,

seguida do número da página. 11 Esse é o nome atribuído no Estado de São Paulo ao que, em algumas regiões do país, é conhecido por

Boca de forno.

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garota mais atenta aos sentidos das palavras do que o restante do grupo, quando ela

contesta o resultado da brincadeira, e defende seu ponto de vista, já que estava prestes a

ganhar um “bolo”, observe:

- Um bolo à-toa, um bolinho só, de leve, na mão – insistiu Zé. - Não, não e não! – teimou Nita. – Eu sei que é brincadeira e não dói. Mas é que

eu fiz tudo o que seu mestre mandou, fiz direito, só que fiz do meu jeito. (BBF, p. 09 – grifo nosso)

Apesar de toda essa confusão inicial, a brincadeira prossegue, até que uma voz,

que estava meio “desencontrada”, falou “fazeremos” e não “faremos”, conforme manda

a regra. Como, pode-se supor, a voz era de Nita; mais uma vez, a garota não segue o

modelo imposto pela brincadeira, correspondente também à norma gramatical, que

determina que se diga faremos. Observe o fragmento que segue:

- Fareis tudo o que seu mestre mandar? Aí houve uma certa confusão. Quase todas as vozes disseram: - Faremos todos! Mas uma voz estava meio desencontrada. E falou assim: - Fazeremos todos! (...) Nita, você não ouviu outro dia a dona Jurema explicar na escola que a gente não deve dizer fazeremos? Agora já sabemos conjugar o verbo fazer e sabemos que o certo é dizer faremos. (BBF, p. 09/10 – grifo nosso)

Nesse exemplo, fica claro, de acordo com as intuições de Nita, a dominação do adulto

em relação à criança, que se apresenta tanto na figura da professora, ou melhor, o

adulto, como também através da conjugação verbal, de acordo com a norma gramatical.

Diante da situação, Nita expõe seus argumentos e explica o porquê de ter dito

uma coisa e não outra, mostrando-se, assim, dona de uma personalidade questionadora,

como mostra o trecho a seguir:

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- Eu sei disso, Zé, e não falei de propósito. Nem estava pensando nisso. Só falei fazeremos porque saiu assim. Eu estava acostumada, né? Afinal de contas, toda a vida a gente brincou de bento-que-bento-é-o-frade dizendo fazeremos todos. E só agora é que dona Jurema explicou isso. Eu falei sem pensar. (BBF, p. 10-11 – grifos nossos)

A partir daí, Nita começa a socializar, com os amigos, seus questionamentos –

que decorrem do ato de pensar – acerca do sentido das palavras, como pode-se perceber

no exemplo seguinte:

Mas aí, bem nesse momento, Nita parou. E começou a pensar. Até que disse: - É, mas agora eu estou pensando. E sabem de uma coisa? Eu acho que não tem nada demais. Quando eu falo fazeremos na hora da brincadeira, não estou conjugando verbo nenhum, estou só brincando. Estou só dizendo umas palavras meio esquisitas que são de brincadeira. Como se fossem umas palavras mágicas. Como outras palavras que a gente diz quando está brincando ou ouvindo histórias. (BBF, p. 11 – grifos nossos)

Com esse exemplo, presenciamos dois fatos: o primeira diz respeito à consciência de

Nita em relação aos usos da língua. Ou seja, a consciência de que o sentido da língua

depende de um contexto. O outro referem-se à capacidade de argumentação da garota.

Na seqüência, nossa personagem principal vai ainda mais longe com seus

questionamentos, quando começa a pensar sobre o sentido do nome da brincadeira de

que eles brincavam naquele momento, e convida seus amigos a pensarem juntos com

ela:

- Pensem bem. Que quer dizer essa coisa de bento-que-bento-é-o-frade? Não tem nada a ver com o frade. E forno não tem boca. E esse negócio de cozinhar bolo? Ninguém cozinha bolo, todo mundo bota bolo pra assar, ainda mais no forno. E no fim a gente ganha bolo palmada em vez de comer bolo de forno. (BBF, p. 11)

Todos os exemplos trazidos anteriormente, fazem-nos pensar que, o que tanto inquieta

Nita, no que diz respeito à linguagem, está ligado a um fenômeno lingüístico

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denominado polissemia. Segundo Monteiro (1991, p.144), ocorre polissemia quando “a

mesma forma assume significados diferentes, só esclarecidos pelo contexto. A

polissemia é, pois, um fenômeno que atinge praticamente todos os vocábulos”.

Há, no livro, vários outros momentos em que Nita levanta questões sobre o

sentido das palavras. Todavia, tais questionamentos são apenas uma prévia, pode-se

dizer, mas que também não deixa de ser uma “viagem” pelo mundo das palavras, de

uma questão maior que está por vir. Esta diz respeito às relações de poder que permeiam

as ações cotidianas do mundo infantil. Conforme a personagem, “Tem sempre alguém

mandando e a gente fazendo/ Todo mundo tem a mania de ficar mandando em criança.”

(BBF, p. 18)

Com essa fala, Nita contesta o fato de ter sempre alguém mandando em criança.

Entretanto, mais a frente, fica claro que o que ela rejeita é qualquer tipo de dominação,

seja em relação à criança mas também ao adulto.

Aqui, essas relações são vistas por uma personagem criança, e a partir do motivo

da brincadeira. Essa reflexão de Nita nos revela um caráter de inovação no modo de

representação da criança na literatura infantil brasileira. Outro fragmento de BBF

confirma nossas descobertas:

- (...) Comecei a pensar umas coisas e resolvi parar pra pensar melhor. (...) - Esse negócio da mandar, mandar, e a gente fazer. Tem sempre alguém mandando e a gente fazendo. Fazer tudo o que seu mestre mandar. Tudo o que manda el-rei Nosso Senhor. Todo mundo tem a mania de ficar mandando em criança sem parar. E a gente sempre obedecendo, obedecendo, obedecendo, sem cansar. Mas estou achando que agora eu cansei. (BBF, p. 17/18 - grifo nosso)

Nita, nesse exemplo, levanta a questão do “mandar”, mas também questiona a

postura, muitas vezes passiva, de quem recebe o “mandado”. Pode-se notar que a

escritora está nos oferecendo um modo de representação da infância que não se sujeita

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passivamente aos mandos e convenções dos adultos. Aqui fica clara a influência

lobateana, sobretudo de personagens como a boneca Emília. Além da influência

lobateana, a obra fora escrita num período marcado por lutas e conquistas femininas.

A partir do momento em que Nita questiona o “mandar”, suas angústias a

tornam mais inquieta diante das relações. Mais uma vez, como fora dito anteriormente,

essa postura instigadora da personagem não é de nada aleatória, ela surge sempre do ato

de pensar/refletir, de Nita, sobre a realidade circundante; como ela mesma diz:

“Comecei a pensar nas coisas e resolvi parar pra pensar melhor”.

De fato, a viagem já fora iniciada bem antes. O jogo, a brincadeira possibilitou-

lhe uma viagem primeiro ao reino das palavras. A reflexão de Nita sobre o sentido das

palavras revela que cada situação nova para ela oportuniza uma viagem. Depois é que

decide “sair por aí” para conhecer o mundo. Mas o conhecimento do mundo nasce do

conhecimento das palavras, da surpreendente riqueza de possibilidades semânticas que

as palavras guardam.

Motivada a sair em busca de respostas para seus questionamentos, agora, a

personagem dá início, só que de modo formalizado, à sua odisséia, nas palavras da

própria Nita: “vou sair por aí pra conhecer e ficar sabendo” ou “correr o mundo em

busca de aventuras”.

José Paulo Paes, na introdução do livro Histórias de aventuras12, faz uma

belíssima apresentação do termo aventura. Segundo o autor,

O substantivo português aventura vem do particípio futuro latino adventurus, que significa “o que vai acontecer”. Como o futuro é sempre uma icógnita, na própria etimologia da palavra aventura estão implícitas, pois, as idéias de imprevisto, de desconhecido, de risco. Risco que, diferentemente do comum das pessoas, tão apegadas à segurança do seu mundo familiar e rotineiro, os heróis das histórias de aventuras amam enfrentar nas regiões ignotas até onde os leva o imperativo de alguma missão ou

12 PAES, José Paulo (coord. e seleção de textos). História de aventuras. 4.ed. São Paulo: Ática, 2003. (Coleção Para gostar de ler)

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o incentivo de alguma ambição. Graças às suas qualidades pessoais de coragem, força e astúcia, tais heróis conseguem sair vitoriosos dos riscos e finalmente cumprir a missão ou satisfazer a ambição que os estimulou a arrostá-los. (PAES, 2003, p. 07)

Quando Nita fala em viajar, nos faz pensar que essa viagem será real. No

entanto, expressões como: “uma paisagem de floresta com jeitão mágico”; “árvores

bonitas e paradas, estranhas como se fossem desenhadas”; “como se pudessem sair

andando sozinhas, com pernas ou rodas”; “como num sonho” dentre outras, nos levam a

crer que a viagem é imaginária, interior, revelando-nos, assim, um mundo de fantasias

que está sendo visitado pela personagem principal, e que é o mundo infantil.

Iniciada sua viagem do ponto de vista “geográfico”, Nita chega até “uma

paisagem de floresta com jeitão meio mágico”, e a primeira personagem com quem ela

encontra é um boneco de pau “encarapitado no galho de uma árvore”. Nesse episódio,

vão-se suceder inúmeras confusões com a linguagem, a partir da polissemia da

linguagem. Um exemplo pode ser observado no momento em que Nita encontra com

Prequeté e o trata por “senhor”, e também quando ela o pede para “botar ordem” nas

confusões que estavam acontecendo. Interessante de observar é que, agora, as questões

serão levantadas por outra personagem. Aqui, diferentemente do que ocorre na primeira

parte da obra, quem está atento ao sentido das palavras é o boneco, e não a garota. No

entanto, esse fato é apenas passageiro, já que Nita trata logo de se explicar: “Chamei de

senhor pra ser educada”, e “Ordem de ordenar, organizar. Não foi ordem de ordenar,

mandar”. (p. 22)13

13 Esse recurso é ainda recorrente em obras como Bem do seu tamanho, também de Ana Maria Machado, no momento em que as crianças encontram com o Espantalho, veja o fragmento: - Um bom espantalho? – admirou-se Tipiti, olhando a passarada toda em volta./Nenhum outro espanta alho tão bem quanto eu./Mas o senhor não deveria espantar aves?/Não sou espantave. Sou espantalho. (p. 29 - grifo nosso)

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Nita, após ter vivido algumas aventuras na floresta com os Prequetés, vai, agora,

chegar num “lindo campo” onde encontrará “uma porção de gente reunida e ocupada”.

A garota assusta-se ao saber que essa gente “trabalha de graça e ainda faz festa”. No

entanto, essa primeira impressão que ela tem dos fatos é desfeita quando fica sabendo o

verdadeiro sentido daquela “festança”, ou seja, Nita descobre que o quê está

acontecendo é apenas um trabalho em regime de mutirão, sistema de trabalho que muito

a encanta.

Em ambas as experiências, nossa protagonista, inicialmente, se choca com o quê

vê. No primeiro caso, esse fato se dá quando a garota encontra uma comunidade

individualista, onde “tudo pode” e que “todo mundo faz o que quer”, e na segunda com

o fato de encontrar uma comunidade organizada e unida pelos mesmos interesses. No

entanto, é o contato com essas realidades que proporcionam o amadurecimento de Nita.

O ato de “sair por aí” pressupõe afastamento. Em BBF, especificamente, a

garota empreende uma viagem que suscita duas leituras, quais sejam: a primeira seria

um distanciamento de sua realidade, o que possibilita um olhar crítico sobre ela; e, a

segunda diz respeito ao encontrar com outras realidades para que se possa ter

paradigmas. No entanto, ambas levam, como verificamos, ao amadurecimento da

personagem, como dissemos anteriormente. Além disso, a experiência da viagem faz

com que a garota também ensine um pouco do que sabe aos outros; no entanto, esse

ensinar, aqui, não atua em seu sentido moral, isto é, no sentido de impingir ao outro

uma verdade, negando-lhe a possibilidade de experimentar, como o adulto geralmente o

faz em relação à criança. Trata-se, antes de vivenciar e compartilhar experiências.

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73

CAPÍTULO 4

NA SALA DE AULA – UMA ABORDAGEM DIALÓGICA14

Lendo uma história, de repente descobrimos nela umas pessoas que, de alguma forma são tão idênticas a nós mesmo, que nos parecem uma espécie de espelho. Como estão, porém, em outro contexto e são fictícias, nos permitem um certo distanciamento e acabam ajudando a entender melhor o sentido de nossas próprias experiências. Essa dupla capacidade de nos carregar para outros mundos e, paralelamente, nos propiciar uma intensa vivência enriquecedora é a garantia de um dos grandes prazeres da boa leitura.

Ana Maria Machado

Nesse capítulo, relataremos e comentaremos duas experiências de leitura que

realizamos com as obras que compõem a parte analítica de nossa pesquisa. Um dos

objetivos da realização destas experiências é mostrar que é possível trabalhar a literatura

de modo lúdico e, ao mesmo tempo, levar as crianças a se posicionarem diante dos

temas e ações representados nas obras. A perspectiva que presidiu esta atividade baseia-

se na crença de que os alunos, a partir de suas próprias experiências, podem refletir

sobre a leitura realizada, através de debates, bem como recriá-la a partir de

dramatizações e outras formas de expressão artística.

Guiaram-nos nesta prática pedagógica reflexões e sugestões advindas de autores

como Bordini & Aguiar (1988), sobretudo quando propõem o método recepcional e 14 O termo dialogismo aqui utilizado não traduz o conceito de Bakhtin, centrado da análise de obra de Dostoievski. O dialogismo, para esse teórico, está intimamente ligado à polifonia, que consiste num procedimento narrativo em que “as personagens que povoam o universo romanesco estão em permanente evolução” (BEZERRA, 2005: 191). Para Bezerra, “o dialogismo e a polifonia estão vinculados à natureza ampla e multifacetada do universo romanesco, ao seu povoamento por um grande número de personagens, a capacidade do romancista para recriar a riqueza dos seres e caracteres humanos traduzidas na multiplicidade de vozes da vida social, cultural e ideológica apresentada” (p. 192). No sentido que usamos, refere-se à possibilidade de cada aluno poder falar, poder expressar seu ponto de vista sobre qualquer faceta da narrativa estudada/lida.

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criativo para abordagem de textos literários. No entanto, não seguimos à risca nenhum

método fechado, uma vez que acreditamos que eles podem, muitas vezes, engessar um

trabalho mais criativo. O que o método recepcional e a estética da recepção nos

ajudaram foi mudar o foco do trabalho com o texto literário. Ou seja, o nosso receptor, a

criança, passou a ser visto não como uma tábula rasa das interpretações da professora,

conforme o modelo dos livros didáticos, mas como alguém capaz de vivenciar de modo

profundo a leitura e expressar seu ponto de vista. E este ponto de vista está ligado à sua

vida, à sua fantasia, às experiências de leitura que têm acumuladas. Neste sentido é que

toda nossa metodologia está baseada no diálogo com os leitores sobre os livros lidos.

Não se trata, por outro lado, de aceitar todo e qualquer palpite sobre as obras, mas de

estar atento ao modo como cada obra toca a sensibilidade do aluno leitor.

As reflexões e relatos de experiência de Vânia Maria Resende (1997) também

foram muito proveitosos no desenvolvimento da experiência. Por tratar-se de uma obra

repleta de sugestões, de idéias de como trabalhar a literatura infantil e juvenil de modo

lúdico e criativo, o livro da escritora mineira serviu, muitas vezes, como uma espécie de

espelho onde nos miramos, sobretudo no que se refere a atitude da autora frente ao texto

narrativo e ao leitor.

Dialogam na experiência realizada as vozes das personagens, das crianças

leitoras e da professora. O resultado não é um evento, ou textos elaborados pelas

crianças, mas um encontro do leitor com o texto e consigo mesmo.

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4.1. Local e condições de realização da experiência

A escola por nós “adotada” chama-se CIAEE Antonio Mariz – Escola Municipal

de Ensino Fundamental Governador Antonio Mariz –, que fica localizada no bairro

Ressurreição, em Campina Grande-PB. Localizada num bairro pobre da cidade, a

Escola atende alunos advindos do próprio bairro e de outros igualmente, ou mais,

carentes que o Ressurreição. Nosso primeiro contato com a Escola ocorreu em 2004; na

ocasião, trabalhávamos na condição de estagiária do projeto “Sala de Leitura” 15. Dessa

forma, mantivemos contato com alunos da pré-escola à 4ª série do ensino fundamental,

do turno da tarde. Dentre os vários textos lidos, os alunos da 4ª série tiveram acesso a

Hoje tem espetáculo: no País dos Prequetés, de Ana Maria Machado, e pude constatar a

alegria dos alunos ao ler esta obra.

Em 2005, no intuito de realizarmos as experiências de leitura que relataremos a

seguir, contatamos uma professora da referida Escola. Assim, tivemos dois encontros

com Ilenice Pereira, professora de uma 4ª série do turno da manhã; nesses encontros,

obtivemos algumas informações sobre a turma, como número de alunos, faixa etária, se

tinham ou não o hábito de leitura etc.; e apresentamos nossa proposta de trabalho. Ao

apresentarmos a proposta, a professora demonstrou uma certa resistência devido a

extensão das obras – ela temia que os alunos não correspondessem às minhas

expectativas – , e sugeriu que trabalhássemos com adaptações dos textos, a serem feitas

por nós professoras. A proposta não me foi bem vista, uma vez que fugia à minha idéia

de trabalhar o texto integralmente.

15 O projeto “Sala de Leitura” foi criado em 2003 pela Secretaria Municipal de Educação de Campina

Grande, e tinha como objetivo trabalhar a leitura de forma a despertar o gosto e interesse dos alunos por ela. Dessa forma, a Secretaria de Educação montou salas de leituras em dezesseis (16) escolas públicas municipais. Os trabalhos eram executados por estagiárias que, por sua vez, recebiam orientações de professores ligados à Universidade Federal de Campina Grande.

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De acordo com a professora, a turma contava com 35 alunos com idade que

variava entre nove (9) e quinze (15) anos, sendo 50% de meninos e 50% de meninas. A

maioria dos alunos tinha domínio de leitura, no entanto, três deles estavam ainda na fase

de alfabetização. De Ilenice Pereira, obtive ainda a informação de que os alunos já

haviam desenvolvido um certo gosto pela leitura de textos literários. Ao fazer uma

sondagem com os próprios alunos, sobre o que eles mais gostavam de ler, fiquei

sabendo que gostavam de poesia e fábulas. A par dessas informações, elaboramos um

plano de trabalho (cf. anexo) que abrangesse o interesse de todos os alunos, e fomos

para a sala de aula. Dessa forma, a experiência incluiu atividades de leitura, discussão,

elaboração de desenho e varal de poesia.

Ao longo do trabalho, surgiram alguns contratempos que, de certa forma,

interferiram no andamento das atividades. Dentre eles, estão duas paralisações

decorrentes de greves na rede municipal de ensino de Campina Grande e uma parada em

decorrência do período de recesso escolar. A seguir, faremos o relato das experiências.

4.2. Trabalhando com BST

Nossa atividade teve início no dia 02/06/2005. Após o primeiro encontro, foram

realizados mais cinco, respectivamente, nos dias 07/06, 09/06, 11/07, 18/07 e 25/07,

totalizando assim o número de seis encontros. Nos três primeiros encontros, foram

realizadas atividades de leitura e discussão dos capítulos 1, 2, 3 e 4 de Bem do seu

tamanho e atividade de confecção de desenho. Conforme informamos anteriormente, o

andamento do trabalho foi interrompido devido a uma greve na rede municipal de

ensino de Campina Grande, iniciada no dia 09/06/2005.

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1º encontro O primeiro encontro teve duração de cinqüenta (50) minutos, que foram

divididos em dois momentos: antes e após o recreio concedido aos alunos. O primeiro

momento durou cerca de 10 minutos – das 9:20 às 9:30 –, o segundo 40 minutos – das

9:50 às 10:30. Inicialmente, fiz uma apresentação de Ana Maria Machado, mostrando

aos alunos uma fotografia da autora, e dando algumas informações de caráter

biográfico. Em seguida, fiz uma apresentação do livro que seria lido em seguido - Bem

do seu tamanho –, explorando, inicialmente, a ilustração da capa. Para essa etapa,

mostrei a capa do livro aos alunos e perguntei: o que vocês estão vendo aqui?

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As respostas foram as seguintes16:

- Tem uma menina... acho que é uma índia, por causa do cabelo dela que é lisinho;

- Tem um boi de carnaval;

- Tá de noite;

- Eu acho que é um sonho;

- Mais alguém acha que é um sonho?;

- Eu acho (muitos responderam);

- E por que vocês acham que é um sonho?;

- Porque tá de noite;

- Porque tem uma lua, muitas estrelas.

Baseados em elementos como “lua” e “estrelas”, que apontam para uma ambientação

noturna, os alunos registram sua percepção para além do que estão vendo, ao

pronunciarem: “eu acho que é um sonho”. Além disso, nessas falas, fica registrado o

“boi de carnaval”, elemento comum em Campina Grande durante todo o ano, e mais

presente no período pré-carnavalesco. Nessa ocasião, a comunidade dos bairros mais

populares se organiza para preparar um “boi” que, durante o carnaval, participará de um

desfile numa avenida da cidade. Ou seja, os alunos começam a trazer para a leitura

elementos que fazem parte do seu universo.

Após esses comentários, mostrei a ilustração contida na página 05 e perguntei: E

aqui? O que vocês estão vendo?

16 Gostaríamos de esclarecer aqui que os trechos referentes às falas dos alunos não se tratam de

transcrições ipsis litteris do que eles disseram: à medida que os alunos falavam, íamos anotando essas falas ora no quadro-negro, ora num caderno de anotações, sendo que, dessa forma, algumas falas acabavam por escapar ao nosso registro. No entanto, este procedimento foi adotado durante toda a experiência.

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As respostas foram:

- É a mesma menina da capa;

- Tem um homem e uma mulher: devem ser os pais dela;

- Tem uma menina duas vezes: uma pequena e uma grande;

- Muito bem! Aqui a menina aparece em dois tamanhos: um maior e outro menor. Alguém sabe dizer por quê?;

- Eu acho que ela tá sonhando;

- Eu acho que a menina grande é a sombra da menina pequena;

- É porque ela tá em cima de um banco;

- Vocês estão vendo algum banco aqui?;

- Ih! Tem não, tia.

- Acho que ela é uma gigante.

Mais uma vez, a percepção dos alunos vai além do que está evidente na ilustração – “É

a mesma menina da capa” –, quando eles inferem ser “a menina grande uma sombra da

menina pequena” e “eu acho que ela tá sonhando”. A sugestão que Helena aparecia

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grande porque estava “em cima de um banco” foi desfeita porque, de fato, não há

“banco” na ilustração.

Após ter explorado a ilustração da página 05, mostrei a ilustração da página 09 e

perguntei aos alunos o que eles viam.

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81

A essa pergunta, quase todos responderam o seguinte:

- Eu vejo muitas plantas, uma casinha lá longe, a menina, o boi de carnaval;

- Tem as formigas no chão;

- Um rato;

- Muito bem! Todos estão certos: tem... (reiterei todas as falas, a partir da ilustração);

- Quem, no desenho, é maior?;

- O boi, a menina, as plantas, as formigas (quase todos responderam);

- Muito bem, é isso mesmo. Mas, por que será que a menina, o boi, as plantas aparecem tão grandes?;

- Sei não, tia (toda a turma respondeu) ;

- Olhem bem.. .quem está mais perto de vocês?;

- O boi, a menina, as plantas...

- Certo! Então, alguém descobriu por que eles estão tão grandes?;

- Porque estão mais perto, tia (uma aluna falou bem alto);

- Quem, no desenho, aparece pequeno?;

- O pé de mamão, a casinha, as passarinhos...

- E alguém sabe me dizer por que eles são tão pequenos?

- Porque estão longe, tia (a mesma voz de antes);

- Todos concordam? (poucos se manifestaram a favor da resposta da colega);

Ao comentar a ilustração, os alunos, a princípio, fizeram apenas uma leitura literal do

que viam nessa página. No entanto, bastou que eles fossem instigados – Olhem bem...

quem tá mais perto de vocês?; E alguém sabe me dizer por que eles são tão pequenos?

–, para que as respostas viessem: trata-se da noção de perspectiva abordada em toda a

obra, como afirmamos no capítulo de análise, iniciada com a ilustração da página 09, e

que foi percebida também pelos alunos.

Após esse momento de exploração das ilustrações, fiz um pequeno resumo do

enredo de BST, e procedi à leitura do texto verbal do primeiro capítulo. A leitura foi

realizada por mim; à medida que eu lia, ia passeando pela turma, mostrando os desenhos

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aos alunos. Nesse momento, o papel deles era de apenas escutar o que estava sendo lido.

Posteriormente, prosseguimos com uma sondagem sobre “se gostaram do que haviam

escutado”, “do mais gostaram”, em seguida, passamos à discussão do texto:

- Gostaram do que foi lido? Por quê? Do que vocês mais gostaram?

- Gostei, tia! (todos responderam);

- Gostei daquele pedaço que a menina conversa com o pai (um aluno);

- Gostei daquele pedaço que a menina conversa com o boi (uma aluna);

- E boi fala, tia? (uma aluna perguntou);

- No livro, o boi fala. Alguém sabe dizer porquê?

- Porque ele é um brinquedo (uma aluna respondeu).

À medida que os alunos falavam, eu anotava no quadro o que estava sendo dito. Em

seguida, selecionei alguns pontos para discussão. Vejamos como esse momento

aconteceu:

- Gostei daquele pedaço que a menina conversa com o pai. (Nesse momento, reli o trecho da conversa de Helena com o pai – último diálogo da página 11): - Mas, pai, você não acha que mamãe vai ficar muito cansada? Já trabalhou o dia inteiro, ainda vai fazer bolo, e no fim ainda precisa passar um vestido.

- Não posso fazer nada. Isso é serviço de mulher. (BST, p. 11)

Após reler o fragmento, fiz a seguinte pergunta: Mais alguém gostou desse trecho? As

respostas foram:

- Gostei (quase todos)

- Por que gostaram?

- Ah, tia, porque é sempre assim mesmo;

- Lá na minha casa é do mesmo jeito;

- Minha mãe é que sempre faz tudo;

- Pois na minha casa não é assim, não. Meu pai faz o almoço e limpa a casa (um aluno)

Nesse momento do trabalho, nos chamou a atenção o fato de os alunos serem receptivos

aos diálogos do livro; e, mais, como eles transpõem para a vida as experiências de

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leitura e vice versa. Neste sentido, a leitura cumpre um papel também de fazer refletir,

de olhar para a própria realidade e colocá-la em questão. Na experiência dos alunos, está

posto tanto o modelo de família nos moldes tradicionais, em que só a mulher/mãe é a

responsável pelas tarefas domésticas, quanto um modelo mais aberto, em que o pai “faz

o almoço e limpa a casa”.

Posteriormente a essas discussões, tentei com os alunos estabelecer um diálogo

afim de que eles percebessem a ligação entre texto verbal e não-verbal:

- Agora que a gente já conhece um pouquinho da história, vocês conseguiram entender por que Helena e o boi aparecem aqui? (mostrei a ilustração da capa)

- Eu entendi! (todos)

- Ah, tia, porque o boi é o melhor amigo dela. (quase todos responderam)

- E por que Helena aparece em dois tamanhos aqui? (mostrei a ilustração da p. 05);

- É porque a menina não sabia o tamanho dela;

- Porque toda hora um dizia uma coisa;

- E o que será que Helena vai fazer para descobrir o tamanho dela?;

- Ela vai viajar (todos);

- Viajar pra onde?;

- Num sei não. (uns disseram);

- Acho que ela vai pra uma cidade;

- E onde é que Helena mora?;

- Ela mora numa cidade;

- Eu acho que ela mora no sítio;

- Por que vocês acham que ela mora numa cidade?;

- Num sei não (alguns responderam);

- E, por que vocês acham que ela mora num sítio?;

- Porque só tem a casa dela;

- Porque tem muitas árvores;

- Porque tem fogão de lenha e ferro de brasa;

- Por causa do boi de mamão que o pai dela fez;

- Quer dizer que boi de mamão é brinquedo de quem mora no sítio?;

- É, sim. (quase todos responderam);

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Atentemos para o fato de que, após a leitura do texto verbal, as ilustrações tornaram-

se mais ricas em significados para os alunos. Eles vão deduzindo, tirando conclusões

livremente. Esse fato pode ser conseqüência do modo como eles tiveram acesso ao

texto; se fosse um esquema fechado de interpretação de texto, talvez não

conseguissem ir tão longe. A abordagem dialógica efetivada favorece a participação

de muitos e, consequentemente, diferentes pontos de vista são apresentados.

Depois desse diálogo, no intuito de valorizar as respostas dos alunos, reiterei

suas falas e reli um trecho da narrativa:

- Vocês estão certos. Helena mora num “sítio”. Aqui (mostrando a ilustração da

p. 09), ela aparece com o Boi porque eles são muito amigos. E aqui (mostrei a ilustração da p. 05), ela aparece em dois tamanhos porque, na verdade, ela não sabe que tamanho tem. Por isso, ela vai viajar para descobrir. Mas, por enquanto, ela ainda não sabe para onde vai, escutem...

- Não estou dizendo que ninguém tem culpa. Mas eu queria saber. E se eu não sei, se você não sabe, se mamãe e papai a cada hora sabem ma coisa diferente, acho que o jeito mesmo é a gente sair por aí para descobrir. (BST, p. 10)

O trabalho em sala de aula muitas vezes precisa dessas paradas, dessas conversas,

releitura de determinados fragmentos. Desta forma vamos aproximando mais a

criança/leitor do texto, possibilitando que ela expresse seus sentimentos e sensações.

Prossegui com as discussões:

- Alguém de vocês já teve um brinquedo parecido com esse da Helena? Um

brinquedo que o pai, a mãe ou vocês tenham feito?

- Eu não; (alguns responderam)

- Pois eu tenho um caminhão de lata que o meu pai fez;

- Eu já tive uma boneca de milho verde. Mas é ruim porque o milho murcha. Ela era a minha filha;

- Como vocês acham que a história vai terminar?

- Eu num sei não. (alguns responderam)

- Eu acho que a menina vai descobrir o tamanho dela, sim.

- Bom, isso a gente vai descobrir depois.

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- Ah, tia, conta logo. (uma aluna)

- Não. Vamos terminar de ler o livro.

Duas observações este diálogo suscitou: primeiro, as crianças se sentem à

vontade para falar sobre seus brinquedos e o modo como elas brincam – “Eu já tive uma

boneca de milho verde (...). Ela era a minha filha.”. Essa fala revela muito o universo

infantil no que diz respeito à fantasia da criança. A criança quando brinca, coloca ali

todos os seus desejos, alegrias e frustrações. Certamente outros também tinham

brinquedos e silenciaram. Poderíamos ter explorado, neste momento, um pouco mais o

modo como eles brincam, seus brinquedos alternativos, etc. Mas trataremos um pouco

mais desta questão no relato da segunda experiência realizada.

Passada essa última conversa, perguntei aos alunos se eles gostariam de

comentar mais alguma coisa sobre o que havíamos lido. A essa pergunta apenas uma

aluna fez o seguinte comentário: Ah, tia! Quero saber como a história termina. Então,

eu falei que precisaríamos terminar de ler a história para saber como ela termina. Como

mais ninguém se manifestou, dei o encontro por encerrado. O tempo para leitura e

discussão do capítulo um foi de, aproximadamente, 40 minutos.

2º encontro

O segundo encontro foi realizado no dia 07/06/2005, e teve duração de 90

minutos. Nesse dia, foi realizada a leitura e discussões do capítulo 2 de BST e atividade

de desenho. Para começar, fizemos uma pequena retomada do capítulo anterior, através

das seguintes perguntas: Bem do seu tamanho conta a história de quem? Qual o drama

vivido por Helena? O que ela vai fazer para resolver esse drama? As essas perguntas,

obtive as seguintes respostas:

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- Tem uma menina (a princípio, não lembravam o nome de Helena);

- Tem o boi de mamão;

- Tem o boi de carnaval;

- Os pais de Helena ficam só confundindo a cabeça dela;

- Helena não sabe se é grande ou pequena;

- Ela vai viajar.

Em seguida, distribuí uma cópia do capítulo dois com os alunos. Antes de

passarmos à leitura do texto verbal, fizemos novamente uma exploração da ilustração

que abre esse capítulo, na página 13:

Comecei com a seguinte pergunta: O que vocês estão vendo aqui? As respostas foram:

- Tem uma cesta de frutas;

- Uma mala;

- Boi chacoalhando;

- A casa da menina ta lá longe;

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- Tem boi;

- Como vocês sabem que o “boi tá chacoalhando”?;

- Ah, tia! Olha a poeira que ele tá fazendo; o chocalho balançando.

Essa etapa inicial durou cerca de dez (10) minutos. Em seguida, partimos para a leitura

do texto verbal. Inicialmente, a leitura foi feita por mim, depois passei a palavra aos

alunos. Alguns demonstraram muita ansiedade em ler, outros preferiram apenas escutar

acompanhando a leitura com a folha xerocopiada na mão. A leitura era revezada entre

os alunos, no entanto, como alguns apresentavam pouca fluência na leitura, assim que

um trecho era terminado, pedia a outro aluno que relesse o mesmo trecho. Outras vezes,

eu mesma fazia esse trabalho. Dessa forma, algumas vezes conseguia incentivar os

alunos a lerem mais alto e com mais desenvoltura.

Após o momento de leitura, passamos às discussões do capítulo lido. Perguntei

sobre o que os alunos mais gostaram; o que havia de novo no capítulo; se já haviam

vivido algo parecido com o que Helena estava vivendo etc. A essas perguntas, os alunos

responderam:

- Gostei do encontro de Helena com o menino;

- Os pais de Helena ficaram dando um bocado de conselhos;

- Helena encontrou com o amigo;

- Helena conheceu um menino;

- Helena dormiu na casa do menino.

Como havia uma certa confusão a respeito do encontro de Helena com Tipiti, reli o

trecho em que esse encontro acontece, para que ficasse claro para os alunos que Helena

e Tipiti, inicialmente, não se conheciam; eles passam a se conhecer depois que ela sai

em viagem.

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No intuito de tentar recuperar do texto as referências intertextuais, perguntei aos

alunos se eles conheciam histórias populares de caráter oral. Ao que me surpreendeu,

eles disseram não conhecer ou, possivelmente, não lembravam de nenhuma história;

poderia tê-los feito recordar de alguma, no entanto, esse aspecto ficou de fora de nossos

planos devido ao tempo. Perguntei também se, na hora de sair, seus pais, como os de

Helena, lhes davam conselhos etc. As respostas mais recorrentes foram:

- Cuidado com os carros na hora de atravessar a pista.

- Cuidado com os ladrões.

- Volte pra casa assim que a aula terminar.

Os “conselhos” citados pelas crianças são de cunho mais prático, e representam,

sobretudo, os cuidados de pessoas que vivem na cidade, diferentemente de Helena –

“Cuidado com a floresta, que o lobo mau anda solto por aí...” (BST, p. 14). Ainda a

partir do segundo capítulo, com base no último parágrafo da p. 20, levantei discussão

sobre a linguagem: se os alunos criam, se utilizam, e quando utilizam, de palavras como

grandinho e pequenão, recorrentes no texto. As respostas que obtive foram:

- Boca de prato;

- Beiço de burro;

- Beiço de bacia;

- Beiçola;

- Sissuqueira;

- Abigobal.

Se de cunho criativo ou não, os termos citados pelos alunos fazem referência a partes do

corpo, sobretudo os lábios, e servem, na maioria dos exemplos, para caracterizar alguém

de forma depreciativa. Quanto aos sentidos atribuídos a grandinho e pequenão, os

alunos responderam:

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89

- gradinho é um “grande não muito grande”, e pequenão é um “pequeno meio

grande”

Veja que a concepção dos alunos, acerca de “gradinho” e “pequenão” está bem próxima

daquelas demonstradas na obra.

Para encerrar o momento de discussão, perguntei aos alunos qual seria a

“função” de Tipiti no livro, se ele estava ou não conseguindo ajudar Helena a resolver

seu problema. De acordo com os depoimentos, “Tipiti vai ser outro amigo de Helena,

mas até agora ele ainda não ajudou a menina a descobrir seu verdadeiro tamanho”.

Encerradas as discussões, sugeri aos alunos que eles fizessem desenhos para compor a

capa do “livro”17 que aos poucos estava sendo montado. A atividade, a meu ver, foi

bastante produtiva; embora alguns alunos tenham, a princípio, se recusado a cumprir a

tarefa, alegando não saber desenhar, a maioria se dispõe a fazê-lo. O mais interessante

nessa etapa do trabalho foi o fato de que os alunos mais inquietos demonstraram

bastante envolvimento na atividade. Nos “Anexos” estão algumas das capas produzidas.

3º encontro

No terceiro encontro, realizado no dia 09/06, alguns contratempos dificultaram o

desenvolvimento das atividades planejadas. Um deles diz respeito ao conhecimento dos

alunos de uma possível greve na escola. A notícia gerou uma enorme ansiedade neles,

que buscavam saber se haveria greve ou não. Outro fator bastante relevante foi o fato de

a professora da turma não estar presente neste dia.

A princípio, havia planejado atividades de leitura e discussão do capítulo 3 de

BST. No entanto, devido à ansiedade em que os alunos se encontravam, procedemos 17 Trata-se de uma pasta que providenciei para cada aluno, contendo cópias do livro: à medida que íamos lendo os capítulos, deixávamos o material na pasta para que até o final da experiência cada aluno tivesse uma cópia do livro.

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apenas com leitura. Se, por um lado, “perdemos” ao deixar de discutir o terceiro

capítulo ganhamos ao ler também o capítulo 4 do livro, uma vez que os alunos

demonstravam grande ansiedade para saber como a história terminava. Os

procedimentos desse terceiro encontro foram: retomada do capítulo 2, lido

anteriormente, e leitura dos capítulos 3 e 4. Ao perguntar aos alunos sobre o que

lembravam do capítulo anterior, as respostas foram:

- Helena saiu de casa para viajar;

- Helena encontrou um amigo;

- Tipiti ajudou Helena;

- Tipiti deu comida e morada pra ela e Bolão.

Feita essa retomada, passamos à leitura da ilustração que abre o terceiro capítulo.

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Ao olhar para os desenhos, os alunos, antes que eu perguntasse, falaram alegre e

rapidamente:

- Olha Helena em cima de Bolão!;

- Helena carrega a cesta de frutas;

- Tipiti vai com a vara de pescar nos ombros;

- O jumento tá levando uma trouxa de roupa, uma cabaça e um saco de farinha.

Os comentários dos alunos, nesse momento, demonstraram grande entusiasmo diante da

cena: trata-se do momento em que as personagens Helena, Bolão, Tipiti e Burrico saem

em viagem. Feito o levantamento da ilustração, partimos para a leitura do texto verbal.

Iniciei a leitura e, em seguida, passei a palavra aos alunos. Como no encontro anterior,

sempre que julgava necessário, repetia a leitura do trecho lido ou pedia a outro aluno

que o fizesse, no intuito de melhorar o desempenho deles na leitura. Terminado o

capítulo 3, procedemos à leitura da ilustração da página 27, que abre o quarto capítulo:

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Ao perguntar sobre o que havia no desenho, os alunos responderam:

- Tem Helena, Tipiti e Flávia;

- Tem um espantalho;

- É um espantador;

- Uma espiga de milho em formato de homem;

Nesse momento, mais uma vez, os alunos demonstraram bastante entusiasmo. Com isso,

aproveitei para estender um pouco mais a conversa com eles sobre o que seria um

“espantalho”, de que material era feito, se já tinham visto um, qual sua função etc. A

essas questões, obtive as seguintes respostas:

- É feito de palha de milho e pano;

- A cabeça dele é de bassoura;

- Ele tem cabeça de coco;

- Cabeça de bola de couro;

- Cabeça de papel;

- Eu já vi um espantador igualzinho a esse num roçado lá perto da minha casa;

- Ele serve pra espantar os passarinhos.

Nessas falas, atentemos para o fato de que os alunos fazem inferências a partir do que

conhecem. Após essa etapa, partimos para a leitura revezada do texto verbal, em

seguida, encerramos o encontro.

4º encontro

Retomamos as atividades no dia 18 de julho, quando a greve e o período de

recesso escolar terminaram. Ou seja, passamos mais de um mês longe da turma. Nesse

dia, o encontro teve duração de 90 minutos, e contou com a presença da professora e da

estagiária da turma.

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Após uma rápida conversa com os alunos, sobre como havia sido as férias e

sobre o interesse deles em terminarmos de ler BST, prosseguimos com as atividades.

Iniciamos o encontro às 7:30 e terminamos às 9:00. Esse encontro foi dividido em dois

momentos: primeiro fizemos uma retomada do que já havia sido lido de BST; os alunos

iam falando livremente e, à medida que as dificuldades surgiam, as ilustrações eram

mostradas à turma no intuito de fazê-la lembrar dos acontecimentos que eles já

conheciam. Algumas falas dos alunos estão reproduzidas a seguir:

- BST conta a história de Helena;

- Helena viaja em cima do seu boi.

- Helena viajou com seu boi de mamão e encontrou Tipiti e Flávia;

- Tem a menina azul;

- Helena está em dúvida sobre seu tamanho;

- Os pais de Helena ficam só confundindo a cabeça dela;

- As crianças encontram o Espantalho;

- Eles vão para uma feira na cidade;

Com exceção de “tem a menina azul” – de fato, Flávia é a “menina mais colorida que

Helena tinha visto, conforme o narrador” –, os alunos recuperaram momentos

importantes do BST, sobretudo no que diz respeito ao enredo, os conflitos e a viagem

empreendida por Helena, bem como a presença de outros personagens.

No segundo momento, o trabalho foi direcionado para os desenhos que os alunos

haviam realizado para compor a capa do “livro” que eles teriam em mãos futuramente.

Os procedimentos adotados foram: mostrar à turma os desenhos que haviam feito,

discutir cada desenho com a turma, propor mudanças nos desenhos. Após esse

momento, cada aluno seguiu na confecção de um novo desenho. O resultado foi um

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94

belíssimo trabalho de ilustração, conforme podemos constatar nos anexos deste

trabalho.

A presença da professora nesse encontro foi de extrema importância uma vez

que ela nos ajudou a motivar os alunos na confecção da ilustração. Para essa atividade,

contamos também com a ajuda da estagiária. Após terminarem os desenhos, recolhi-os e

fui mostrar aos alunos o que cada um havia feito; à medida que mostrava, eles

comentavam:

- Esse é meu... tá vendo como eu sei desenhar. (um aluno)

- Nada. O meu é mais bonito. (outro aluno)

- Olha o meu! Eu desenhei a Helena viajando.

- Eu não sei desenhar não.

Mostrei os desenhos e comentamos rapidamente cada um deles, chamando a atenção

para os elementos recorrentes, em que se pareciam com a história que estávamos lendo

etc. Após essa etapa, encerramos o encontro.

5º encontro

O encontro do dia 20 de julho teve duração de 90 minutos – das 7:30 às 9 horas.

Nele, retomamos a história de onde havíamos parado no encontro do dia 09 de junho.

Para esse momento, instiguei os alunos para que eles relembrassem o que havíamos

lido. De acordo com os alunos:

- BST conta a história de Helena;

- Helena viajou com seu boi de mamão e encontrou Tipiti e Flávia;

- Tem a menina azul;

- Helena está em dúvida sobre seu tamanho;

- Os pais de Helena ficam só confundindo a cabeça dela;

- As crianças encontram o Espantalho;

- É o espantador da cabeça de coco;

- O Espantalho fica confuso com os nomes.

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Feito esse levantamento, procedemos à leitura da ilustração e, em seguida, à

leitura do texto verbal. Iniciamos com a leitura da ilustração contida na página 31, que

abre o capítulo cinco do livro.

Após observar os desenhos, as palavras dos alunos foram:

- Tem uma casa pequena;

- Flávia deitada na rede;

- É um sonho... olha a rede armada;

- Casa de pássaros;

- Casa de rato;

- Casa de boneca;

Em seguida, lemos o texto referente aos capítulos “Descansar” e “Festa de realejo”. A

leitura nesse encontro foi feita apenas por mim devido ao “atraso” em que se

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encontravam as atividades. No entanto, esse procedimento não prejudicou o andamento

do trabalho; percebemos isso através de uma conversa com os alunos:

- Eu não disse que era um sonho!;

- Eles (os personagens) falam com a lua!;

- Tem versos;

- Eu gosto de poesia. Tem um monte no meu caderno. (uma aluna)

- Vamos brincar de falar versos? (quase todos os alunos pronunciaram)

- “Fulana” faz versos porque ta apaixonada, tia. (uma aluna)

Através dessas falas, percebemos o gosto das crianças por poemas, versos etc. Foi

baseado nessas falas, que pensamos em acatar a sugestão deles para recitarmos versos.

Nesse momento, a turma demonstrou grande entusiasmo; então, organizamos a turma de

forma que cada um “recitasse” ou lesse um poema/verso conhecido. Alguns exemplos

estão colocados logo abaixo:

1. Não te dou flores Porque tem espinhos Mas te dou meu coração Que está cheio de carinho

2. O mar tem tudo o que eu quero: Ondas, espumas lá longe Uma linha chamada horizonte Que não some nunca

3. Da minha casa para a sua Tem um rastro de cobra Nunca perdi a esperança De sua mãe ser minha sogra

4.

Na casinha da vovó Cercadinha de cipó

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O café tá demorando Com certeza não pó

5. Da vaca tiro leite Do leite tiro a coalhada De você, eu tiro um beijo Às quatro da madrugada

Devido ao grande entusiasmo dos alunos com os versos, combinamos de, no encontro

seguinte, fazermos um “varal de poesia18”. Para isso, ficou acertado que cada aluno

traria um poema ou um verso de que gostasse. Após os acertos, encerramos o encontro.

6º encontro

No dia 25 de julho, realizamos o último encontro com a turma. Contamos com a

presença de 22 alunos. Esse encontro foi marcado por uma ansiedade que se instalara na

turma, com a notícia do que a Escola entraria em greve nesse dia. A professora não

estava presente, o que talvez tenha contribuído para a dificuldade em se trabalhar,

conforme mostraremos a seguir. Nesse dia, fizemos a leitura do último capítulo do livro

– “O mostro das cinco pernas”. Terminada a leitura, as crianças manifestaram um

enorme desejo de sair: todos colocaram suas mochilas nas costas. Então, fizemos a

proposta de concluirmos as atividades com um “varal de poesia” conforme havíamos

combinado no encontro anterior. Nesse momento, alguns alunos apresentaram uma certa

resistência, já outros manifestaram vontade em continuar na sala. Diante da reação dos

primeiros, combinamos que só continuaria na sala quem estivesse interessado em

participar do “varal”. Assim, aqueles que queriam sair, ficaram à vontade para fazê-lo, e

prosseguimos com as atividades.

18 O “varal de poesia” consistiu na confecção de peças de roupa em papel, para serem estendidas em um varal amarrado na sala de aula. À medida que os alunos liam os poemas, eles eram colocados numa peça do varal.

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A atividade de montagem do varal de poesia seguiu da seguinte forma: os

alunos, um de cada vez, iam até o quadro-negro, liam seu verso e, em seguida, colava-o

a uma peça de roupa estendida no varal. Alguns demonstraram ansiedade em ler seus

versos; outros, timidez. Apesar disso, grande era a satisfação ao ler e colar seus versos

no varal, talvez, sobretudo, pelos aplausos que recebiam dos colegas quando

terminavam a tarefa. Essa atividade durou em torno de 20 minutos e teve a participação

de 15 alunos. Concluído o varal, fizemos uma breve avaliação oral, em que os alunos e

eu pudemos manifestar nossas opiniões acerca do trabalho realizado. Um dos pontos

mais enfatizados foi o fato de termos interrompido o trabalho várias vezes; no entanto, a

maioria das falas apontava a experiência como tendo sido “muito boa”. A avaliação

escrita foi realizada em dezembro, quando retornamos à Escola para a leitura da

segunda obra selecionada. A seguir, alguns depoimentos dos alunos:

1. Bem, eu gostei da história de Bem do seu tamanho, porque foi uma história bem

trabalhada, e muito coletiva, pois todos os alunos podiam dar a sua opinião e debater sobre a história.

Eu também gostei muito dos personagens Helena, Boi de Mamão, Tipiti, Flávia e o Espantalho. Pois cada deles tinha um jeito engraçado de agir.

Eu também gostei muito do jeito que a história foi contada, pois em cada parte da história ficava aquele suspense, fazendo com que a gente tivesse mais vontade e prazer de ler a história. Bem, resumindo, a história foi muito legal.

Thayane Emanuelly Araújo dos Santos

2. Eu gostei da história porque Etiene contava muito bem e deixava

suspense, e tem muito a ver comigo, porque tem horas que a minha mãe diz que eu sou pequena e depois diz que eu grande, por exemplo: quando eu peço pra lavar os pratos, eu sou pequena, quando é pra arrumar a casa sou grande.

A história tem a ver comigo porque os pais de Helena agiam desse mesmo jeito com ela, é só isto.

Tamires Sousa Ramos da Silva

3.

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Eu gostei da história porque é uma história muito legal, os personagens interessantes e são crianças, por isso foi gostoso ouvir. Gostei da intimidade de Helena com o seu companheiro Boi de Mamão.

A viagem foi legal e eu gostei de toda a história e queria que outras pessoas também escutassem.

Monaylla Cristina Figueiredo Veloso

4.

Eu gostei da história porque ela fala de crianças. Helena se mostrando sempre muito esperta; soube fazer amigos. A companhia dos amigos deixou a viagem mais alegre. A descobrir no final o

tamanho foi a grande surpresa da história. Desejo que Etiene venha outra vez.

Larissa Herculano de Almeida

5. Eu gostei da história porque ela é interessante. As crianças Helena, Tipiti e

Flávia parecem até com a gente, sempre queremos descobrir coisas. Eu também às vezes não sei qual o meu tamanho, as pessoas grandes me

deixam confusa. Mas eles [os personagens] foram espertos, e tirando a foto no “monstro”

descobriram que eram bem do meu tamanho. Flaviane Silva Delgado

4.3. Hoje tem espetáculo: no país dos Prequetés19

Passemos agora ao relato da segunda experiência. Ela também foi realizada na

Escola Municipal de Ensino Fundamental Governador Antônio Mariz, na mesma turma

onde trabalhamos BST. Os encontros ocorreram durante uma semana – do dia 22/08/05

a 25/08/05 –, aproveitando que a professora estaria ausente nesse período, devido a um

evento acadêmico que iria participar. Nosso objeto de leitura agora é o livro Hoje tem

espetáculo: no país dos Prequetés, também de Ana Maria Machado.

19 Essa obra é uma versão, em teatro, de Bento-que-bento-é-o-frade, e que consta da coleção Literatura em minha casa, distribuída pelo MEC às escolas públicas do país.

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Diferentemente da primeira obra trabalhada, não se fez necessário reproduzir cópias do

texto a ser lido, uma vez que a “Sala de leitura” da Escola dispunha de quatorze (14)

exemplares de Hoje tem espetáculo: no país dos Prequetés20.

1º encontro

No dia 22/08/05, realizamos o primeiro encontro, e contamos com a presença de

doze alunos. A falta de mais de 50% da turma foi ocasionada por fatores como chuva e

falta de água nas casas dos bairros de onde provinham as crianças. Nesse primeiro

encontro, que teve duração de uma hora e vinte minutos – das 8 às 9:20 –, fiz alguns

esclarecimentos a respeito da ausência da professora, e explicitei a proposta de trabalho:

faríamos algo parecido com o que fizemos ao ler BST – leitura e discussões do livro.

Feito isso, partimos para a leitura do primeiro episódio, lendo um pequeno trecho da

brincadeira que abre a história:

JUCA Bento-que-bento-é-o-frade! TODOS Frade! JUCA Na boca do forno! TODOS Forno! JUCA Cozinhando um bolo! TODOS Bolo!

(HTEPP, p. 09)

Após ler esse fragmento, perguntei aos alunos se eles conheciam alguma brincadeira

parecida com essa. As resposta que obtive foram:

- Parece, sim (alguns responderam);

- Conheço não (outros disseram);

- Qual a brincadeira?;

- Abacaxi? - Xi!;

20 As referências a Hoje tem espetáculo: no país dos Prequetés serão mencionadas pela abreviatura HTEPP, seguida do número da página.

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- Maracujá? - Já!;

- Se/quando eu mandar? - Vou!;

- Se não for? – Apanha!;

- Vocês brincam muito dessa brincadeira?;

- Só, às vezes, tia (a maioria respondeu)

As respostas confirmam minha hipótese acerca de as crianças conhecerem a brincadeira.

A única divergência foi em relação a que conjunção pronunciar – “se” ou “quando” – no

momento de dar a ordens. Após esse momento, fiz uma síntese acerca da estrutura da

brincadeira. Falei também que aquela que eles conheciam era a mesma brincadeira que

estava no livro; só que aqui (no livro), ela tinha o nome de bento-que-bento-é-o-frade,

como era conhecida em São Paulo – Ih, tia! Em São Paulo as pessoas brincam disso?,

falou um aluno. Posteriormente às explicações iniciais, demos início à leitura da obra;

conforme sugestão dos alunos, à medida que a brincadeira fosse aparecendo no livro,

falaríamos em coro: “Abacaxi? Xi!, Maracujá? Já!”, como se estivéssemos brincando.

Ou seja, a leitura do livro, em seu início já foi contaminada com a experiência das

próprias crianças. A leitura foi iniciada por mim, em seguida passei a palavra aos

alunos. Sempre que necessário, pedia para que outro aluno relesse o trecho escolhido, e

fazia as seguintes observações: mais força na voz; olha a pontuação, mais alto....

Outras vezes, a releitura era feita por mim; nesses momentos, os alunos pareciam

demonstrar maior interesse pela história. Terminada a leitura, fiz algumas perguntas a

que iam respondendo ao mesmo tempo:

- Gostaram do que a gente leu?;

- Eu gostei (alguns disseram);

- Eu não entendi nada (um aluno falou) ;

- Não entendeu o quê? E por que não entendeu? ;

- Os meninos lêem muito baixo, tia...(um aluno);

- Fica essa zuada. (outro aluno).

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Reiterei as duas últimas falas dos alunos, no intuito de adquirir um melhor rendimento

na leitura das outras partes do livro, e então combinamos de fazer mais silêncio e prestar

mais atenção na hora da leitura. Feitas essas ressalvas, continuei com perguntas que

fizessem os alunos retomarem o que havíamos lido e até mesmo fazer inferências acerca

do desenrolar da história:

- O que vai acontecer com Nita? ;

- Num sei não (alguns responderam) ;

- Ela vai viajar;

- Viajar por quê? O que vocês acham que vai acontecer durante

a viagem? ;

- Eu acho que Nita vai viver um bocado de aventura, igual a Helena;

- Bom...isso a gente só vai saber se ler a história.

Através dessas respostas, parece-me que o encontro foi pouco produtivo no que

diz respeito à compreensão do que havia sido lido, uma vez que a maioria dos alunos,

não foi capaz de inferir nada acerca das aventuras a serem vividas por Nita. Entretanto,

uma fala merece ressalva: “Eu acho que Nita vai viver um bocado de aventura, igual a

Helena”. O fato de a aluna ter mencionado/lembrado da protagonista de BST pode ser

demonstrativo do valor que essa personagem tem diante do leitor também criança.

Talvez tenha acontecido aqui uma espécie de identificação ou, pelo menos,

simpatia/afinidade. Após os comentários, encerramos o encontro.

2º encontro

No segundo encontro – dia 23/08/05 –, a turma demonstrava grande inquietação.

Para amenizar, acatamos a sugestão de algumas alunas: separar a turma – meninas de

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um lado e meninos de outro. Feito isso, iniciei as atividades, retomando o que havia

sido lido no encontro anterior a partir das seguintes perguntas:

- Qual é mesmo o nome do livro que a gente está lendo?;

- A história começa com uma brincadeira. Alguém lembra o nome dela?

- Quem é a personagem principal? ;

- O que vai acontecer com a personagem?.

A essas perguntas, obtive as seguintes respostas:

- O nome do livro é Hoje tem espetáculo: no país dos Prequetés. E vai contar a história de Nita e dos amigos dela (uma aluna);

- Tem a brincadeira do “Abacaxi? Xi!”;

- O nome da menina é Nita, a menina que nunca queria levar bolada - Ela vai viajar;

- Nita vai viajar pelo mundo afora. (uma aluna);

- Ela vai para o país dos Prequetés;

- Nita conhece muita gente;

- Nita resolve suas dúvidas.

Ao contrário do que havia pensado, os alunos foram capazes de retomar muitos

elementos por eles já conhecidos, como também de acontecimentos que estavam por vir

– “Nita conhece muita gente”.

Após esse momento, iniciamos a leitura do segundo episódio da história, em que

acontece o encontro de Nita com os Prequetés (p. 26 a 37). Nesse momento,

procedemos à leitura, sem definir papéis a serem representados (o que poderia ter sido

interessante); no entanto, a leitura ocorreu de maneira fluente: ora eu lia, ora os alunos

liam; mas sempre fazendo retomadas, repetições. Terminada a leitura, sugeri discussões,

mas os alunos pareciam inquietos (ou exaustos) com a leitura. Então, eles sugeriram que

brincássemos. Sugestão acatada, passamos à uma eleição das brincadeiras que faríamos.

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Dentre as brincadeiras sugeridas, tivemos: “Morto! Vivo!”, “Brincadeira da sandália”

(não lembravam o nome), “Cuscuz” e “Abacaxi? Xi!”. Sendo esta última eleita,

começamos a brincar. A princípio, também por sugestão dos alunos, a professora (eu)

seria o mestre (sugestão dos alunos), mas, aos poucos, íamos nos revezando. As ordens

eram as mais curiosas, como “ir à secretaria “pedir a bênção à diretora da escola”,

“trazer um copo d’água”; “cheirar os pés de um determinado aluno”. Após essa

brincadeira, passamos à outra, “Brincadeira da sandália”, que consiste no seguinte: o

grupo coloca-se no chão, sentado em círculo, de cabeça abaixada e olhos fechados;

então, um determinado elemento do grupo levanta-se e fica andando ao redor do círculo

e coloca um objeto atrás de uma das pessoas; feito isso, a pessoa se levanta, pega o

objeto e corre atrás de quem o colocou, antes que ele se sente novamente. Quem chegar

mais rápido, ganha a brincadeira, e quem perder sai da brincadeira. Nessa brincadeira

passamos um bom tempo. Alunos e professora exaustos, encerramos as atividades com

uma pequena avaliação oral do encontro: gostaram do encontro de hoje? Do que mais

gostaram?

- Gostei mais da parte das brincadeiras. (todos disseram);

- Só não foi bom no começo, por causa da zuada dos meninos. (algumas alunas falaram);

- É mesmo. Eles ficam só atrapalhando. Se quiser ficar só bagunçando, vai pra casa, né, tia!? (uma aluna falou)

Vários fatos ocorreram no encontro: primeiro o fato de alguns alunos, sobretudo as

meninas, terem se incomodado com a falta de concentração e, consequentemente,

perturbação de alguns alunos. Esses dados podem ser reveladores de que um certo

interesse da turma pela obra trabalhada estava sendo despertado. Outro fator diz respeito

ao elemento “brincadeira” que presidiu o encontro. O fato de os alunos falarem “vamos

brincar” vai, aos poucos, se revelando de como a brincadeira é um elemento importante,

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para não dizer vital, na vida da criança. Ou seja, ela faz parte do seu cotidiano, mais do

que se supõe.

3º encontro

No dia 24/08/05 aconteceu o terceiro encontro, que teve duração de duas horas

(das 7:30 às 9:30). Para esse encontro, planejamos a leitura de Bento-que-bento-é-o-

frade, mais especificamente o episódio em que acontece o encontro de Nita com o

mutirão (p. 37 a 42), e posterior adaptação para teatro/encenação. Para isso, reproduzi e

distribui com os alunos uma cópia do referido episódio. Inicialmente, fizemos uma

leitura do texto: enquanto eu lia, os alunos acompanhavam silenciosamente. Terminada

a leitura, o que vocês acharam do texto? Gostaram? Não gostaram? Do que mais

gostaram?O que vocês acham do modo de vida das pessoas do mutirão?

- Ah, tia! Esse é bem melhor que o outro (praticamente todos disseram);

- Gostei porque a história é contada. (uma aluna respondeu, os demais silenciaram);

- Nunca vi isso de trabalhar e fazer festa ao mesmo tempo (um aluno) ;

- Deve ser bom! (um aluno);

- Ah! Assim é bem melhor: todo mundo trabalhando e ajudando os outros (uma aluna);

- Desse jeito nem cansa. (uma aluna).

Ao ouvir essas respostas, me surpreendeu o fato de os alunos terem gostado mais do

texto narrativo do que em teatro. No entanto, a explicação pode estar na fala dos

próprios alunos: “Gostei porque a história é contada”. O detalhe que se mostrou

pertinente está no fato de os alunos reconhecerem o valor que o trabalho em grupo tem,

representado na obra através do mutirão.

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Passado o momento dos comentários, partimos para adaptação do trecho. Dividi

os alunos em grupos de quatro, e dei as orientações. Inicialmente, os alunos

apresentaram dificuldades na atividade, outros (os que não sabiam ler) se recusaram a

executá-la. Diante desses fatos, resolvi ajudar aos alunos, iniciando a adaptação; à

medida que lia um trecho, escrevia no quadro-negro uma possibilidade para teatro. Esse

procedimento pareceu, a princípio, útil para alcançar os objetivos que almejávamos; no

entanto, os alunos não conseguiram concluir a atividade. No encontro seguinte, dia

25/08/05, continuamos com a atividade, mas também não obtivemos nenhum resultado.

Por fim, decidimos fazer como no início: eu lia e tentava com os alunos uma possível

adaptação, que ia sendo anotada no quadro-negro. Abaixo, eis o resultado que

obtivemos:

Nita chega num lindo campo, e escuta pessoas conversando, vozes de animais, pessoas cantando, martelando, serrando, pintando, e pá misturando o cimento...)

HOMEM – Bom dia, menina. Quer nos ajudar?

NITA – Posso ajudar. O que é que vocês estão fazendo?

HOMEM – Um mutirão. Não está vendo?

NITA – Um mutirão? O que é isso? É festa ou trabalho?

HOMEM – (O homem explicou) As duas coisas: festa e trabalho. E um bocado de esperteza também.

NARRADOR – Aí mesmo foi que Nita não entendeu nada.

NITA – Vocês vão me desculpar. Mas trabalho não pode ser festa.

HOMEM – Mas você não está vendo o trabalho? E o jeitão da festa?

NITA – Estou. Mas não estou entendendo.

NARRADOR – Aí Zefa (a mulher de João) suspirou.

ZEFA – Ai, como estou contente!

NARRADOR – Nita se espantou:

NITA – E elas vieram trabalhar de graça? Toda essa gente?

JOÃO – Pergunte a eles mesmos.

NITA – Que história é essa? Como é que vocês trabalham de graça e ainda fazem festa?

NARRADOR – O homem que se chama Mané foi explicando:

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MANÉ – Há, menina, é isso mesmo que você está vendo, mas não é bem isso. João precisou da gente. Ele convida e faz o almoço, arrumou umas mandiocas e outras coisas na roça, trouxe umas bebidas. É uma festança boa...

NITA – Mas vocês trabalham só por causa da festa?

HOMEM – Não! Não é só por causa da festa. É porque hoje ele precisou de nós. Outro dia fui eu que precisei de todos pra me ajudarem a capinar uma plantação. E outro dia foi o Antônio no açude e chamou todo mundo. Sempre a gente corre e ajuda, porque cada dia é um que precisa.

NITA – E a festa? (Quis saber Nita, que era muito festeira)

MANÉ – Bom, a festa também é de todos. Quem chama convida, mas só vira festa mesmo porque nós estamos contentes de trabalhar, de trabalharmos juntos, conversando, contando casos. E pra fazer uma coisa que é pra nós mesmos. Não é só pra encher o bolso dos outros. Uma coisa que vai fazer nossa vida ficar melhor.

NARRADOR – A esta altura, João estava se aproximando outra vez. Ele, Mané e Zefa foram falando ao mesmo tempo.

MANÉ – É bom e divertido. Imagine um começo que não tem nada.

JOÃO – Não, tem sim: uma terra, uns paus, um monte de areia, água, uma porção de palha...

ZEFA – Um forno pra cozinhar o barro dos tijolos e das telhas, o vento soprando pra secar, o sol ajudando...

MANÉ – E uma porção de gente misturando e serrando, batendo e pregando, juntando e arrumando...

ANTÔNIO – Até que fica pronta uma casa pra morar.

JOÃO (perguntando pra Nita) – Você não acha que isso é uma coisa linda? Que merece uma festa?

NARRADOR – Nita deu um sorriso de alegria e até bateu palmas, e falou:

NITA – É mesmo! Eu nunca tinha pensado nisso assim... Estou aprendendo coisas. Posso entrar também nesse mutirão?

NARRADOR – João, contente, respondeu:

JOÃO – Claro que pode.

NARRADOR – Então Nita entrou no esforço e na cantoria. Alegre e contente, junto com toda aquela gente. Foi uma festança. Mas, quando acabou o dia, ela tratou de se despedir.

NITA – Tchau, gente, eu já vou.

NARRADOR – Mas os novos amigos falaram, quase todos juntos:

AMIGOS – Já vai? Você não quer ficar para as danças, de noite, no terreiro?

NARRADOR – Nita explicou:

NITA – Não posso, pois tenho que voltar para junto dos meus amigos. Preciso contar a eles o que eu aprendi na viagem. Mas, prometo que um dia eu volto.

NARRADOR – Então todos se despediram de Nita. E enquanto ela saía, eles falavam:

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AMIGOS – Tchau! Boa viagem! Vá pela sombra! Cuidado com a floresta, porque Seu Lobo está solto por aí.

Com esses procedimentos, concluímos a tarefa. Mas o quarto encontro não se

deu por encerrado, uma vez que as crianças clamavam o tempo todo: Ah, tia, vamos

brincar!. Partimos então para a brincadeira “Morto! Vivo!21”. Só depois de termos

brincado bastante, o encontro foi encerrado. Como esse encontro pareceu-nos muito

tumultuado, os alunos dispersos e ansiosos devido a ausência da professora da turma,

resolvemos suspender o encontro do dia seguinte e, com isso, a leitura do último

episódio do livro, referente ao retorno de Nita para o lugar de onde havia saído no início

da história. Combinei com os alunos que retornaria para concluir a leitura quando a

professora estivesse em sala de aula, o que para uns pareceu um alívio – Oba!!! –, para

outros parece ter sido motivo de tristeza – Ah, tia! Vamos continuar. A senhora manda

os bagunceiros ficarem em casa!; - Tava tão bom!

Só retornamos à sala de aula em meados de dezembro. A princípio, havíamos

planejado fazer a leitura do último momento do livro – o retorno de Nita para seus

amigos –, no entanto, a atividade não foi realizada devido ao fato de os alunos estarem

ocupados em outra tarefa. Como isso, procedemos com uma avaliação escrita (ver

anexo) das experiências de leitura que havíamos realizado. Devido a dificuldade que os

alunos apresentam com a escrita, a professora da turma sugeriu que a atividade fosse

feita em grupo, onde cada um explicitasse livremente suas impressões sobre as

experiências de leitura, e com o livro. Um fato que pode ser bobo: ao chegar na sala de

aula, um aluno pronunciou: “Ei, tia, cadê Ttipiti?”

21 A brincadeira “Morto Vivo” consiste no seguinte: num grupo de pessoas, uma é escolhida para ser o mestre. Enquanto ele fica ditando ordens, os outros participantes obedecem, quem não executar o mandado corretamente, sai da brincadeira. As ordens a serem dadas pelo mestre são: Morto! - todos devem se abaixar – e Vivo! – todos se levantam.

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109

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegarmos ao final desta pesquisa, podemos afirmar que alcançamos nossos

objetivos. Pretendíamos analisar as obras Bem do seu tamanho e Bento-que-bento-é-o-

frade, de Ana Maria Machado, dando destaque para o caráter de construção das

personagens femininas – as protagonistas Helena e Nita, respectivamente –, também

pretendíamos realizar experiências de sala de aula com as duas obras selecionadas para

análise, na Escola Municipal Antônio Mariz. E relação às hipóteses, acreditávamos que:

a) Helena e Nita constituem personagens paradigmáticas de um novo modo de

representação do feminino na Literatura Infantil brasileira contemporânea; e b)

acreditávamos ser possível trabalhar o texto literário chamando a atenção do aluno para

a ludicidade e a criticidade das obras, fugindo, portanto, do pragmatismo que impera

nos livros didáticos.

Após analisarmos as situações em que Nita e Helena são postas, e refletirmos

sobre o modo como elas reagem a essas situações, concluímos que as personagens se

configuram como paradigmas de um novo modo de representação do feminino na

literatura infantil brasileira contemporânea. Um dos aspectos que confirmam esse

caráter às personagens diz respeito ao fato de que, diferentemente do que costumar

acontecer em obras que tratam de viagem, as duas personagens são meninas e não

meninos; primeiro, elas é que empreendem a viagem; segundo, elas viajam sem a tutela

de nenhum adulto; e, terceiro, elas não têm previsão de onde chegar. Ou seja, importa o

estar a caminho, não o ponto de chagada. Esses dados apontam para o nível de liberdade

e aventura que envolve as personagens, atributos concedidos tradicionalmente ao

universo masculino. Se a viagem empreendida por Nita e Helena é de descoberta,

significa que elas precisam de outros olhares, de outros modos de interação para

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110

poderem, assim, se compreender e amadurecer. O fato de reconhecerem que precisam

de outros olhares para aprender, também revela um certo nível de maturidades das

personagens, que pode ser estendido à criança, quando se mostra aberta ao diálogo com

outras experiências, sobretudo de outras crianças.

Esses aspectos elencados acima mostram-se de modo mais efetivo se

conseguirmos estendê-los à nossa vivência cotidiana com outras crianças, sobretudo se

estivermos dispostos a ouvi-las e entendê-las em sua complexidade. Isso nos foi

proporcionado quando fomos para a sala de aula e testamos possibilidades de trabalho

para as duas obras que analisamos. Pudemos constatar, através da prática pedagógica, o

quão importante é para a criança a vivência do jogo, da brincadeira.

Crianças pobres, sem acesso a bibliotecas, sem condições de comprar livros,

muitas fora de faixa etária para aquela sala, outras consideradas problemáticas

constituíam a sala em que a experiência se realizou. No entanto, percebemos que a

professora fazia um grande esforço de trabalhar a leitura literária com eles, de realizar

encenações e outras tarefas.

O que fica desta experiência é que as crianças, mesmo problemáticas, carentes,

em condições pouco favoráveis, são bastante sensíveis a textos literários. Sabem,

intuitivamente, levá-lo para vida, viajar em suas sugestões, se divertir com ilustrações,

com invenções, se reconhecer nas personagens, se projetar nos dilemas e dificuldades

que estão representadas na narrativa. Mas o trabalho precisa de detido planejamento, de

abertura na hora de realização do planejamento, de um mediador capaz de ouvir o que a

criança diz, os sinais que ela dá. Noutras palavras, o orientador deve ajudar o aluno a

dialogar com o texto, a retornar ao texto quando tiver dúvida e fazer isto sempre de um

modo simples, descontraído, sem repreensões tipo “isto está errado”, “você não

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111

entendeu” e outras expressões que revelam um total descuido com o modo como o outro

lê, como sente a obra e como nela se projeta.

Pretendemos, com a realização desta pesquisa, contribuir para uma compreensão

mais abrangente de aspectos da obra infantil de Ana Maria Machado, bem como sugerir

formar de trabalho com as obras que constituem o corpus da pesquisa. Neste sentido,

consideramos ter cumprido com um dos objetivos da Linha de Pesquisa na qual se

insere este trabalho, que é unir o estudo crítico de obras à orientação metodológica.

Page 112: da análise à sala

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