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NOÊMIA MARIA DE SOUZA CULTURA E MÍDIA TELEVISIVA: JOVENS LEITORES DE ARENÁPOLIS - MT UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT INSTITUTO DE LINGUAGENS – IL CUIABÁ 2008 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.

CULTURA E MÍDIA TELEVISIVA: JOVENS LEITORES DE … · conteúdos para serem trabalhados com os alunos. Preparando-me para o seletivo do mestrado, tive que fazer escolhas. Fiz opção

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NOÊMIA MARIA DE SOUZA

CULTURA E MÍDIA TELEVISIVA: JOVENS LEITORES DE ARENÁPOLIS - MT

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT INSTITUTO DE LINGUAGENS – IL

CUIABÁ 2008

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NOÊMIA MARIA DE SOUZA

CULTURA E MÍDIA TELEVISIVA: JOVENS LEITORES DE ARENÁPOLIS – MT

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Área de concentração: Estudos Literários e Culturais Orientadora: Profª Dra. Lúcia Helena Vendrúsculo Possari

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT

INSTITUTO DE LINGUAGENS – IL CUIABÁ

2008

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FICHA CATALOGRÁFICA S729c Souza, Noêmia Maria de Cultura e mídia televisiva: jovens leitores de

Arenápolis - MT / Noêmia Maria de Souza. – 2008.

v, 98p. : il. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de

Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Pós-graduação em Estudos de Linguagem, Área de Concentração: Estudos Literários e Culturais, 2008. “Orientadora: Profª. Drª. Lúcia Helena Vendrúsculo Possari”.

CDU – 316.346.32-053.6 Índice para Catálogo Sistemático 1. Sociologia da juventude 2. Cultura e comunicação 3. Comunicação 4. Ensino médio – Escola pública – Arenápolis (MT) 5. Jovens – Leitura – Seriado Malhação 6. Jovens – Linguagens 7. Jovens – Ensino médio – Arenápolis (MT) 8. Educação e cultura 9. Jovens – Comportamento social

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Dedico este trabalho ao meu esposo, Wanderson,

e a meus filhos, Amanda, Isabela e Rafael.

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AGRADECIMENTOS

Externo minha imensa gratidão:

A Deus, fonte permanente de água viva. Foi com Ele que encontrei forças

para caminhar...

À Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso - SEDUC – pela licença

remunerada para qualificação docente.

À família Santos Moraes, pela acolhida em Cuiabá.

A todos os professores do Mestrado em Estudos de Linguagem. Em especial,

à Profª. Dra. Lúcia Helena V. Possari, pois suas observações não se restringiram à

pesquisa, foram observações de vida.

Às professoras Dra. Lucy Ferreira Azevedo e Dra. Martha Haug, pela

disposição em participar da Banca Examinadora e pelas contribuições no Exame de

Qualificação.

Aos alunos-sujeitos desta pesquisa, pela disposição em comentar acerca do

seriado Malhação.

A meus pais, Ovídio e Josefa, pela confiança em mim depositada e pelos

sábios ensinamentos no meu processo de formação pessoal e profissional.

À minha estimada irmã e amiga Juscileide, pela prontidão em me ouvir nos

momentos difíceis na realização desse trabalho.

Às irmãs da Divina Providência, por dispor de um ambiente para realização de

estudos.

E, minha imensa gratidão aos meus filhos e ao meu esposo, por

compreenderem minhas constantes ausências em momentos importantes de suas

vidas.

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“Não só a escola, mas também o sistema educativo inteiro se nega a fazer perguntas como estas: que atenção estão prestando as escolas, e inclusive as faculdades de educação, às modificações profundas na percepção do espaço e do tempo vividas pelos adolescentes, inseridos em processos vertiginosos de desterritorialização da experiência e da identidade, apegados a uma contemporaneidade cada dia mais reduzida à atualidade, e no fluxo incessante e embriagador de informações e imagens? Que significam aprender e saber no tempo da sociedade informacional e das redes que inserem instantaneamente o local no global? Que deslocamentos cognitivos e institucionais estão exigindo os novos dispositivos de produção e apropriação do conhecimento a partir da interface que enlaça as telas domésticas da televisão com as laborais do computador e as lúdicas dos videogames?” J. Martín-Barbero & Germán Rey – Os Exercícios do Ver.

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RESUMO

SOUZA, N. M. Cultura e Mídia Televisiva: Jovens Leitores de Arenápolis – MT.

Esta dissertação relata os resultados de uma pesquisa qualitativa, que teve como objetivo analisar as leituras que jovens alunos do ensino médio, da escola pública de Arenápolis/MT, fazem do seriado Malhação da rede Globo. Os procedimentos metodológicos consistiram, inicialmente, na aplicação de um questionário factual, para serem verificadas as condições de produção (mediações), seguido de entrevista semi-estruturada, para a obtenção de sentidos atribuídos. As balizas teóricas estão ancoradas nos Estudos Culturais, que tem como locus de investigação o cotidiano, e nos estudos de Martín-Barbero, que destaca a recepção como espaço de interação. As análises, de natureza discursiva, oportunizaram identificar o pólo da recepção ativo. Os resultados apontaram que as práticas sociais cotidianas junto à família, à escola, à igreja e aos grupos de amigos, interferem nos modos de atribuição de sentidos.

Palavras-chave: Cultura, Comunicação, Seriado Malhação, Recepção.

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ABSTRACT

SOUZA, N. M. Culture and Televising: Young Readers of Arenápolis – MT.

This dissertation tells the results of a qualitative research, that had as objective to analyze the readings that young pupils of average education, of the public school of Arenápolis/MT, make of the Malhação soap opera of the Rede Globo. The methodological procedures had consisted, initially, in the application of a factual questionnaire, to be verified the conditions of production (mediations), followed of half-structuralized interview, for the attainment of attributed directions. The theoretical beacons are anchored in the Cultural Studies, that have as locus of inquiry the daily one, and in the studies of Martín-Barbero, that detaches the reception as interaction space. The analyses, of discursive nature, permitted to identify the active reception. The results had pointed that practical social the daily ones next to the family, to the school, the church and the groups of friends, intervene in the ways of attribution of meanings.

Keywords: Culture, Communication, Malhação soap opera, Reception.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11

CAPÍTULO I

1 CULTURA E COMUNICAÇÃO: INTERFACES ........................................................... 10

1.1 Cultura e identidade ................................................................................................. 10

1.2 Cultura e comunicação: interfaces ............................................................... 16

1.3 Culturas híbridas .......................................................................................... 19

1.4 Industrialização da cultura: res-significação do público e do privado .......... 23

1.5 Pós-modernidade x Modernidade ................................................................ 24

CAPÍTULO II

2 O CENÁRIO DA PESQUISA ....................................................................................... 15

2.1- Arenápolis: pequeno histórico .................................................................... 15

2.2 Características gerais de Malhação ............................................................. 32

2.3 Revisitando alguns conceitos da Semiótica ................................................. 33

2.4 Malhação e sua referencialidade ................................................................. 34

2.4.1 Um olhar contemplativo .................................................................. 34

2.4.2 Um olhar observacional .................................................................. 35

2.4.3 O que diz o olhar representativo .................................................... 36

CAPÍTULO III

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E BALIZAS TEÓRICAS DE NÁLISE .......... 31

3.1 Recepção: estudo de natureza qualitativa ................................................................ 31

3.2 Procedimento de coleta de dados qualitativos ....................................................... 411

3.3 Dados quantitativos .................................................................................................. 43

3.4 Procedimentos de análise ........................................................................................ 44

3.4.1 Conceituando discurso e texto ....................................................... 46

3.4.2 Condições de Produção e Formação Discursiva............................ 50

CAPÍTULO IV

4 RECEPÇÃO: SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO SERIADO MALHAÇÃO ....................... 543

4.1 Condições de produção: primeiros resultados ........................................... 543

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4.2 Resultados da pesquisa qualitativa: a escuta das vozes.................... 644

4.2.1 Motivação para assistir ao seriado ............................................... 677

4.2.2 Malhação: o eixo temático ............................................................ 700

4.2.3 No cotidiano da tela e da vida ...................................................... 733

4.2.4 Cotidiano escolar retratado em Malhação .................................... 788

4.2.5 Malhação: como tema de interlocução ......................................... 822

4.2.6 Discussão de temáticas sociais: escola, igreja e família .............. 844

4.2.7 (Des)interesse pelo seriado Malhação ......................................... 855

4.2.8 Malhação influencia os jovens? ................................................... 877

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 900

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 966

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INTRODUÇÃO

O curso de Letras me propiciou a pensar a linguagem na sua relação com a

exterioridade, assim como a importância de uma prática docente permeada por um

espírito investigativo. A partir disso, tenho encarado a profissão além de um rol de

conteúdos para serem trabalhados com os alunos.

Preparando-me para o seletivo do mestrado, tive que fazer escolhas. Fiz

opção pela área dos estudos culturais a partir da leitura dos livros: Dez Lições sobre

os Estudos Culturais, O que é afinal estudos culturais, Consumidores e Cidadãos.

Com a leitura deste último livro fui tomada por um afluxo de idéias no que respeita à

interface entre comunicação e cultura, visto que possibilitou uma escuta para

dialogar com o nosso tempo.

Assim, percebi que muitas das perguntas próprias dos cidadãos, tais como: a

que lugar pertenço, que direitos isso me dá, como posso me informar, quem

representa meus interesses são respondidas mais através dos meios de

comunicação de massa do que pela participação coletiva em espaços públicos.

Cabe destacar que vinha de uma tradição em que a discussão se restringia

em pensar o ensino de língua e literatura num enfoque sócio-interacionista.

Questões relacionadas ao campo da comunicação e cultura não estavam na ordem

do dia. Por isto, foi necessária uma construção de referencial teórico que me

possibilitasse compreender o lugar que a cultura assume na tardomodernidade.

Antes desse processo, sempre fazia indagações acerca da identidade cultural

do município de Arenápolis. Por diversas vezes fui tomada por uma sensação de

desenraizamento, haja vista que ainda não dispunha de leitura para compreender a

cultura contemporânea. Por outro lado, percebia que a televisão tinha um lugar de

destaque no ambiente domiciliar do município . Nessa inquietação, era comum fazer

alguns questionamentos, como: a televisão pode ser pensada como uma identidade

cultural? Há uma relação entre cultura e meios de comunicação? Ou ainda, em que

medida os estudos relacionados aos meios de comunicação contribuem para re-

pensar o espaço e tempo da escola?

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Foi considerando estas questões que delimitei como foco de estudo analisar

os sentidos que são atribuídos pelos alunos do ensino médio, da rede estadual, ao

seriado Malhação. A motivação deste enfoque deve-se ao fato das observações que

fazia sobre a preferência dos adolescentes quanto à programação televisiva, ou

seja, presenciei várias vezes em casa minha filha e seus amigos assistindo ao

seriado Malhação com satisfação.

Durante a realização dos créditos das disciplinas do curso de mestrado, fui

res-significando a pergunta da pesquisa, uma vez que compreendi que o receptor

não é uma caixa vazia, um depósito de mensagens midiáticas. Assim, descrever e

explicar os sentidos que os interlocutores da pesquisa atribuem ao seriado Malhação

não se sustenta por técnicas de mensuração, de verificação através de variáveis.

Por ser um estudo de natureza interpretativa, a pesquisa não parte de

hipóteses a serem verificadas, mas compreender quem é esse sujeito social,

receptor dos sentidos veiculados por Malhação. Nesse sentido, a abordagem

qualitativa é pertinente por resgatar a possibilidade de ver “através dos olhos

daqueles que estão sendo pesquisados”. Esse encaminhamento teve como objetivo

refletir sobre as leituras dos sujeitos da pesquisa acerca do seriado Malhação e, em

particular, destacar conceitos de culturas e suas implicações para atribuição de

sentidos tanto na produção quanto na recepção do seriado; analisar as leituras a

partir do espaço/tempo desses jovens entrevistados.

A proposta desse estudo de recepção leva em conta a mediação das práticas

culturais e cotidianas dos sujeitos da pesquisa. Dessa forma, as contribuições de

Martin-Barbero são, sem dúvida, essenciais para compreender as mediações que os

interlocutores da pesquisa lançam mão na atribuição de sentidos ao seriado

Malhação.

A dissertação está estruturada em quatro capítulos. No Capítulo I,

problematizo o conceito de cultura, destacando que as culturas nacionais são

identidades imaginadas, bem como discuto sobre o processo de mistura e

hibridização das culturas, sobretudo a partir da produção, armazenamento e

circulação das formas simbólicas que caracterizam o mundo contemporâneo. No

Capítulo II, abordo, de modo geral, o cenário da pesquisa, procurando, com isto,

situar o leitor acerca da localização e condições estruturais do município de

Arenápolis/MT, bem como a descrição do seriado Malhação à luz da semiótica

peirceana. No Capítulo III, delimito os procedimentos metodológicos, explicitando a

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recepção como um estudo de natureza qualitativa e as duas fases da pesquisa.

Discorro, ainda, sobre as perspectivas teóricas utilizadas no tratamento dos dados.

No Capítulo IV, apresento os dados da pesquisa quantitativa, tecendo alguns

comentários e detenho-me em analisar, à luz da análise de discurso e dos estudos

culturais, os sentidos que os sujeitos da pesquisa atribuem ao seriado Malhação.

Nas Considerações Finais, destaco o sentido de cultura na sociedade hodierna e

sintetizo os sentidos que os sujeitos da pesquisa atribuem ao seriado Malhação. A

partir disso, concluo que a recepção é um processo ativo, uma vez que as

mediações como, família, escola, grupo de amigos, igreja, estão presentes nas

práticas linguageiras dos sujeitos da pesquisa. Por fim, o estudo sinaliza questões

sobre a importância de o espaço escolar rever a reorganização que vive o mundo

das linguagens e, em conseqüência, as transformações dos modos de ler.

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CAPÍTULO I

1 CULTURA E COMUNICAÇÃO: INTERFACES

1.1 Cultura e identidade

Que categorias de análise podemos utilizar para compreender o nosso

tempo? Estamos na pós-modernidade? Que aspectos podemos considerar para

caracterizar a modernidade e a pós-modernidade? Na pós-modernidade há uma

diferente configuração das relações sociais, econômicas, políticas e culturais?

Estamos vivendo uma “crise cultural” da modernidade ou na modernidade? Em que

medida os mass-media desencadearam questionamentos acerca de conceitos

fundamentais ao pensamento moderno, tais como “Verdade”, “Sujeito”, “Progresso”,

“Razão”, etc. ? Ou ainda, como abordar as questões que desencadearam profundas

mudanças na cultura contemporânea?

Para refletir sobre estas questões, considero necessário compreender, numa

perspectiva diacrônica, a relação entre cultura e identidade e com isso destacar

algumas mudanças substanciais que podem caracterizar a cultura contemporânea.

As culturas nacionais são identidades imaginadas visto que não nascemos

com elas. Em outros termos, as sociedades modernas forjaram as culturas nacionais

através de um discurso que constrói sentido, influencia e organiza a identidade,

como lugar de pertencimento. Segundo Hall, 2005: 49-50:

A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional. (...) a cultura nacional se tornou uma característica-chave da industrialização e um dispositivo da modernidade.

Assim, as culturas nacionais ao produzir sentidos sobre a nação constroem

identidades com as quais podemos nos identificar. Os sentidos são narrados através

das histórias, das literaturas nacionais, da mídia e da cultura popular. Esses relatos

fornecem símbolos, rituais nacionais que representam as perdas e os triunfos de

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uma nação. Além disso, as culturas nacionais dão ênfase nas origens, na

continuidade, na tradição e na intemporalidade.

Desse modo, a perspectiva de uma cultura nacional não leva em conta que os

indivíduos de uma sociedade são diferentes em termos de classe, gênero ou etnia,

ela busca unificá-los numa identidade cultural, a fim de representá-los todos como

pertencentes à mesma e grande família nacional.

Gruzinski em “O pensamento mestiço” afirma que a mistura de culturas se

inscreve tanto no caminho da globalização como em margens menos vigiadas.

Neste processo, que borra as fronteiras do cultural, devem-se levar em conta

as seguintes questões: “por intermédio de qual alquimia as culturas se misturam?

Em que condições? Em que circunstâncias? Segundo quais modalidades? Em que

ritmo?”. Estas questões são enfocadas a partir de um período que mantém relações

particulares com o mundo contemporâneo. Segundo Gruzinski, se o século XVI da

expansão ibérica fosse mais bem conhecido não evocaríamos a globalização como

uma situação inédita e recente. Desde o Renascimento a expansão ocidental não

parou de provocar mestiçagens e reações de rejeição em nível mundial.

Assim, um primeiro passo é aceitar a realidade mesclada em sua globalidade.

Entretanto, o Ocidente tem imprimido sua marca em relação à alteridade,

classificando-a de exótica. Em relação às populações amazônicas, a ciência, numa

visão linear, ignorou suas capacidades de inovação e difusão, bem como as

federações que re-arranjaram diferentes tribos em unidades maiores. Ou ainda a

presença dos portugueses na Amazônia.

Os antropólogos, ao alimentar a imagem de sociedades imóveis na tradição,

privilegiou a adaptação do grupo a seu ambiente natural, desconsiderando as

interações entre os povos. A antropologia estruturalista ao contrapor as sociedades

frias, aquelas que deviam resistir às transformações históricas, às sociedades

quentes, aquelas que viveriam da mudança, sedimentou os clichês acerca de

supostas culturas puras. “Escritores, poetas, cineastas não pararam de explorar

esses clichês para transformá-los em sonhos destinados a um público cada vez mais

ávido de mundos primitivos e perenidade.” (Gruzinski, 2001: 39)

Para Gruzinski, ao ocultar à história as pesquisas sobre cultura privam de

uma profundidade essencial nos efeitos da colonização ocidental, em conseqüência

recusa-se a ver as mestiçagens que se desenvolveram ou se tornaram dominantes,

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para de forma apressada caracterizar o contato de culturas como contaminações ou

interferências.

No mundo hodierno, sobretudo através da espetacularização que a mídia tem

feito a respeito da cultura, tornou-se lugar comum dizer que vivemos um “idioma

planetário”. Nesse discurso nada neutro, percebe que “a linguagem de identificação

das novas elites internacionais, que, desenraizadas, cosmopolitas e ecléticas,

apelam para todo tipo de empréstimo às ‘culturas do mundo’”. (ibid 2001: 40)

O idioma planetário é um discurso retórico no qual o híbrido seria a

possibilidade de uma manifestação pós-moderna e pós-colonial, visto que poderia

emancipar-se de uma visão ocidental e unidimensional.

Assim, reconhecendo que todas as culturas são híbridas, datando desde a

origem da história da humanidade não é possível reduzir esse fenômeno originário a

globalização. Gruzinski chama atenção quanto ao nosso embaraço diante da

complexidade do universo social e histórico e quanto à compreensão que temos de

mestiçagem. Os hábitos intelectuais preferiram os conjuntos monolíticos aos

espaços intermediários. Esse modo de ver as coisas de modo dualista e não

ambíguo imobiliza e empobrece fazer uma possível leitura da realidade.

Para Gruzinski, os espaços de mediação tiveram um papel essencial na

história. No caso da Amazônia, os espaços in between criados pela colonização faz

com que desenvolva novos modos de pensamento, transformando e criticando as

heranças ocidental e ameríndia. De outro modo, para apreender as misturas é

preciso desconfiar do termo cultura. Ele “alimenta a crença de que existiria um

‘conjunto complexo’, uma totalidade coerente, estável, de contornos tangíveis, capaz

de condicionar os comportamentos”. (ibid 2001: 51). Tal delimitação culturalista “leva

a imprimir à realidade uma obsessão pela ordem, pelo recorte e pela formatação,

que na verdade é típica da modernidade” (idem).

De uma compreensão reducionista de cultura resulta a noção de identidade

com características e aspirações determinadas, uma vez que são fundadas num

substrato cultural estável. Ao valorizar categorias artificiais negligencia os grupos

múltiplos. Ora, cada pessoa é dotada de muitas identidades, que por sua vez tem

referências mais ou menos estáveis. Entretanto, as palavras identidade e cultura são

comumente reificadas, naturalizadas, pensadas a partir de clichês e estereótipos.

Gruzinski tem como referencial de reflexão sobre a mistura de culturas o

paradigma da física quântica, visto que predomina na natureza uma organização

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complexa, imprecisa, mutável, flutuante, sempre em movimento. “As mestiçagens se

encaixam nessa ordem da realidade” (ibid 2001: 60).

Ele emprega a palavra mestiçagem para abordar as misturas ocorridas no

continente americano no século XVI entre seres humanos, imaginários e formas de

vida, vindos dos continentes americano, europeu, africano e asiático. E hibridação

para abordar as misturas desenvolvidas numa mesma civilização.

Nessa reflexão em o pensamento mestiço, Gruzinski conclui que num

contexto tão movediço não é possível definir uma identidade. As mestiçagens

fornecem, assim, o privilégio de numa só vida pertencer a vários mundos.

1.2 Cultura e comunicação: interfaces

Como pensar a cultura sob o enfoque da comunicação ou vice-versa? É

inquestionável que não existe cultura sem comunicação e comunicação sem cultura.

Independente do tipo de organização social, todos os seres humanos estão

profundamente interligados aos processos de produção, circulação e recepção de

informações e de conteúdos simbólicos. Entretanto, com o desenvolvimento de

instituições de comunicação a partir do século XV até os nossos dias esses

processos de produção, circulação e recepção têm desencadeado significativas

transformações.

De acordo com Thompson (1998) a produção e reprodução das formas

simbólicas, em virtude do desenvolvimento ocorrido na chamada era moderna, têm

sido uma escala em expansão. As mercadorias ficaram “acessíveis” aos indivíduos

dispersos no tempo e no espaço com o desenvolvimento da mídia. Isto transformou

a forma de produzir, bem como os intercâmbios simbólicos no mundo moderno.

As diferentes mídias estão presentes no entretenimento, na construção do

saber, na formação do self, nas diversas formas de pesquisa. São imprescindíveis

para se estudar a cultura, a política, a sociedade, o nosso tempo. Enfim, vivemos um

momento, como discute Martín-Barbero (2003), em que necessitamos pensar do

ponto de vista da comunicação. Não a dessublimação da arte, na figura da indústria

cultural, como pensavam os frankfurtianos, mas sim “a emergência de uma razão

comunicacional, cujos dispositivos agenciam as mudanças do mercado da

sociedade” (ibid p. 13). Ou seja, a comunicação como motora eficaz “de desengate e

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de inserção das culturas”, ou ainda, um ecossistema comunicativo no qual emerge

outra cultura, em conseqüência, outras maneiras de perceber, de ler, de produzir

conhecimento.

Segundo Ortiz (2003), desde o final do século passado “os homens

encontram-se interligados, independentemente de suas vontades. Somos todos

cidadãos do mundo, (...) mesmo quando não nos deslocamos, o que significa dizer

que o mundo chegou até nos, penetrou nosso cotidiano” (pp. 7-8). O sociólogo

enfatiza a questão cultural para atribuir sentido a sociedade global, privilegiando os

aspectos referentes à sociedade de consumo. Destaca como uma cultura

mundializada corresponde a mudanças de ordem estrutural.

Seguindo o raciocínio de Ortiz, ele destaca que o paradigma do world-system

pode nos levar a alguns impasses. Um deles é a análise economicista, cujas

manifestações políticas e culturais resultariam como seu reflexo imediato. A

interação do universo cultural com a dimensão econômica não pode ser negada,

entretanto não pode ser entendida como uma relação de causa-efeito. Se tomarmos

como exemplo o período compreendido entre os séculos XV e XVIII, a base material

da sociedade demonstra um caminhar lento de mudanças, ou seja, ainda que há

uma mobilidade mercantil, com o domínio das trocas internacionais, os hábitos

alimentares, crenças, vestuário, não são mudados de forma imediata.

Outra assertiva postulada por esse paradigma, segundo Ortiz, refere-se ao

seu caráter sistêmico. Os trabalhos de Luhman têm esta perspectiva, uma vez que

entende a sociedade como um sistema. Para ele:

Nas condições modernas, como conseqüência de uma diferenciação funcional, somente um sistema societário pode existir. Sua rede comunicativa se espalha por todo o globo. Ela inclui todas as comunicações humanas. A sociedade moderna é, portanto, uma sociedade mundial no duplo sentido. Ela vincula um mundo a um sistema, e ela integra todos os horizontes mundiais como horizontes de um único sistema comunicativo. (In: Ortiz, 2003, p.24)

Ainda que esta proposta teórica consiga responder questões relativas ao

desempenho das forças econômicas e políticas do ‘sistema mundial’ ela, de acordo

com Ortiz, revela algumas fragilidades. Uma delas seria a ausência de atores

individualizados. As pessoas são representadas “como força de trabalho no mercado

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ou membros de uma classe social”. A sociedade-sistema prescinde o indivíduo,

realiza independente de sua existência, reedita as premissas do objetivismo

sociológico, qual seja, concebe a sociedade enquanto coisa ou estrutura,

transcendendo a existência dos homens que fazem à história. Nesta perspectiva, a

cultura é entendida como a manifestação ideológica do world-system.

A proposta de Ortiz consiste em não reforçar uma visão economicista da

questão cultural. Assim, destaca que a cultura não pode ser entendida da mesma

forma quando nos referimos a economia global, que subjaz uma estrutura única a

toda e qualquer economia. Isto porque, “uma cultura mundializada não implica o

aniquilamento de outras manifestações culturais, ela cohabita e se alimenta delas.

Um exemplo a língua.” (id ibid p.27)

Ortiz, para exemplificar a res-significação da cultura local sobre a circulação

de materiais simbólicos mundializados, destaca a impossibilidade de uma

uniformidade lingüística, como a hegemonia do inglês no mundo. A diversidade de

usos determina estilos e registros particulares do inglês. Assim, não é possível falar

de uma cultura-mundo sem situá-la em contextos nacionais e locais específicos.

Para o processo de mundialização se manifestar como fenômeno sócio-cultural “ele

deve se localizar, enraizar-se nas práticas cotidianas dos homens, sem o que seria

uma expressão abstrata das relações sociais” (id ibid pp.30-3l).

Cabe destacar que durante o século XX o processo de mundialização se

realiza plenamente com o advento das indústrias culturais. Assim, a produção,

circulação e recepção de materiais de consumo e simbólicos não se encontram mais

restritos aos mercados nacionais. Segundo Ortiz, o cinema, a publicidade, a indústria

fonográfica, a televisão e o rádio:

são significativos na medida em que indicam a existência de uma malha imprescindível para a mobilidade cultural. A circulação, princípio estruturante da modernidade, se realiza no seu interior. Como as antigas estradas de ferro, a materialidade dos meios de comunicação permite interligar as partes desta totalidade em expansão. (id ibid p.58).

Outro aspecto relacionado à mobilidade cultural diz respeito à alimentação.

Uma região não é mais definida apenas pelos seus pratos cultivados ou produzidos.

Ocorre uma passagem da cozinha tradicional para uma cozinha industrial. Os

alimentos desterritorializam para serem distribuídos em nível mundial. Percebemos

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isto, por exemplo, nos produtos que são consumidos mundialmente tais como

cervejas, chocolates, biscoitos, refrigerantes. Isto não quer dizer que os pratos

tradicionais perdem seu valor, entretanto há um rompimento na relação entre lugar e

alimento.

Desse modo, o espaço, com a velocidade das técnicas, parece unificado,

impessoal, cabendo ao indivíduo decodificar a inteligibilidade funcional dos lugares

que o envolve. Cada lugar revela de certa forma o mundo, torna-se reconhecível,

percebemos isto através de sinais exteriores, Coca-Cola, Calça Jeans, Phillips,

Renault, Sony. Assim, uma cultura internacional-popular, como diz Ortiz, é

compartilhada por objetos comuns em grande escala, nos quais constituem nossa

paisagem, mobíliam nosso ambiente. A sensação de um tempo presente é

prolongado nos espaços mundializados através da desterritorialização, visto que ao

nos deslocarmos percebemos que nos encontramos no mesmo lugar.

1.3 Culturas híbridas

Canclini, em “Culturas híbridas, poderes oblíquos”, com o propósito de

avançar na análise da hibridação intercultural, discute que a cultura urbana não pode

ser entendida sob os rótulos de culto ou popular. As transformações culturais não

podem ser pensadas apenas a partir do processo de produção e circulação

simbólica dos meios comunicacionais. Com a expansão urbana houve uma

intensificação na hibridação cultural. A cadeia de relações da vida urbana

disponibiliza uma oferta simbólica heterogênea, que se renova por uma constante

interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação.

Viver nas grandes cidades não implica dissolver-se na massa e no anonimato.

Tanto os grupos populares, quanto os setores médios e altos aprisionam-se em seus

espaços. Os meios de comunicação como o rádio e a televisão para todos e o

computador para alguns têm sido meios de transmissão de informação e

entretenimento domiciliar. Assim, a esfera pública já não é o lugar de participação

racional na qual se determina a ordem social. Além disso, há um crescimento de

reivindicações culturais e relativas à qualidade de vida (movimentos urbanos,

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étnicos, feministas, ecológicos, de consumidores etc.) cuja eficácia depende dos

meios eletrônicos de informação.

Nesse sentido, o mundo público torna-se a espetacularização do consumo e

de signos de status com a reorganização do mercado. A mídia tornou-se dominante

em relação ao sentido público da cidade, simulando integrar um imaginário urbano

desagregado. Além disso, os meios massivos, ao estabelecer redes de

comunicação, tornam possível apreender o sentido social, coletivo a respeito do que

acontece na cidade. Os meios como rádio e televisão ao fazer bricolagem de fatos

históricos, étnicos e regionais diversos e difundi-los maciçamente res-significam as

múltiplas temporalidades de diferentes espectadores. Canclini afirma que:

A ‘cultura urbana’ é reestruturada ao ceder o protagonismo do espaço público às tecnologias eletrônicas. Como quase tudo na cidade ‘acontece’ porque a mídia o diz e como parece que ocorre como a mídia quer, acentua-se a mediatização social, o peso das encenações, as ações políticas se constituem enquanto imagens da política. (id ibid p. 290)

Entretanto, destacar essa tendência, do espaço urbano à teleparticipação,

corre-se o risco de sugerir que as tecnologias comunicativas substituem a herança

do passado e as interações públicas. Para mostrar o tipo de tensões estabelecidas

entre a memória histórica e os signos visuais das cidades modernas, Canclini

analisou um grupo de monumentos. Estes contêm referências a vários estilos e de

diferentes períodos históricos e artísticos. “Os monumentos abertos à dinâmica

urbana facilitam que a memória interaja com a mudança, que os heróis nacionais se

revitalizem graças à propaganda ou ao trânsito: continuam lutando com os

movimentos sociais que sobrevivem a eles” (id ibid p.301). Canclini conclui que

como os monumentos quase sempre representam obras que o poder político utiliza

para consagrar as pessoas e os acontecimentos fundadores do Estado eles são res-

significados através de linguagens visuais tais como: grafites, cartazes comerciais,

manifestações sociais e políticas.

Assim, através dos cartazes comerciais há uma sincronia entre a vida

cotidiana e os interesses do poder econômico. Os atos políticos de oposição

expressam através das grafites a crítica popular à ordem imposta. “Às vezes, a

proliferação de anúncios sufoca a identidade histórica, dissolve a memória na

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percepção ansiosa das novidades incessantemente renovadas pela publicidade” (id

ibid p. 302).

Baseando nestas observações Canclini questiona se esses elementos não

são uma evidência da distância entre um Estado e um povo, ou ainda entre a

história e o presente como necessidade de atribuir outros sentidos políticos aos

monumentos.

Para compreender a cultura contemporânea já não é mais possível de rotulá-

la de culta, popular e massiva, visto que há um descolecionamento e

desterritorialização de bens simbólicos. Exemplo disso são os objetos de diferentes

grupos étnicos expostos nas lojas das cidades. Além disso, as tecnologias de

reprodução possibilitam que cada consumidor monte em sua casa um repertório de

discos e fitas que combinem o culto e o popular.

Assim, os interesses econômicos das inovações tecnológicas desencadeiam

mudanças culturais, tais como as ordens que classificavam e distinguiam as

tradições tradicionais, o sentido de pertencimento histórico e as concepções

macroestruturais em função do status de consumo de bens simbólicos. Cabe

destacar que o consumo das tecnologias culturais é assimétrico em sua produção e

seu uso, tanto em nível de classes quanto em relação aos países centrais e à

América Latina. Para Canclini, perceber isto não se trata de “retornar às denúncias

paranóicas, às concepções conspirativas da história, que acusavam a modernização

da cultura massiva e cotidiana de ser um instrumento dos poderosos para explorar

mais” (id ibid p. 308). E, sim, entender como a dinâmica do desenvolvimento

tecnológico rearranja a sociedade, articula com os movimentos sociais ou os

contradiz. Dessa forma, é pelo modo como se dão a institucionalização e

socialização que são construídos os sentidos das tecnologias.

As interações das novas tecnologias com as culturas tradicionais

desencadearam transformações sociais mais amplas. Ou seja, com a reorganização

dos sistemas simbólicos pelos grupos há um processo de descolecionamentos e

hibridações. Isto significa a impossibilidade de vincular, de forma rígida, às classes

sociais com os estratos culturais.

Segundo Canclini, esta reorganização dos cenários culturais, assim como os

cruzamentos de identidades implica outra forma de investigar as relações materiais e

simbólicas entre os grupos. Nesse sentido, advoga que entrar e sair da modernidade

significa as tensões entre desterritorialização e reterritorialização. Em outros termos,

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referem - se aos processos da perda da relação ‘natural’ da cultura, tendo em vista o

espaço geográfico e social delimitado, e as relocalizações territoriais relativas das

velhas e novas produções simbólicas.

O discurso da modernidade se constituiu em torno de relações de poder,

tendo em vista uma concepção dualista da realidade. Assim, realizada primeiro

através da dominação colonial, em seguida com a industrialização e urbanização, a

modernidade se configurou em antagonismos econômicos-políticos e culturais:

colonizadores vs. Colonizados, cosmopolitismo vs. Nacionalismo, imperialismo vs.

Culturas nacional-populares. Esse modelo é insuficiente para entender as atuais

relações de poder, visto que não explica de que modo opera o funcionamento em

rede das estruturas econômicas e ideológicas, assim como não consegue explicar a

necessidade das nações metropolitanas (Europa e América do Norte) flexibilizarem

suas fronteiras e integrar seus sistemas econômicos, educativos, culturais e

tecnológicos.

Embora se concentrem na burguesia das metrópoles as decisões e benefícios

de intercâmbios, processos como descentralização das empresas, a simultaneidade

planetária da informação, a recepção de certos saberes e imagens internacionais ao

saber local de cada povo tornam mais complexa a assimetria.

De acordo com Canclini, nos anos 80 e 90, países dependentes avançam no

processo de industrialização da cultura. Em relação ao Brasil, registra um aumento

de produções nacionais cinematográficas, editoriais e musicais. Além disso, o país

se transforma em agente ativo do mercado latino-americano de bens simbólicos ao

exportar as telenovelas. Estas considerações contrariam a idéia de uma

dependência da produção estrangeira.

Outro aspecto sobre a limitação do paradigma binário e polar na análise das

relações interculturais refere-se às migrações multidirecionais. Como explicar os

fluxos de circulação cultural dos povos latino-americanos para os Estados Unidos e

Europa num esquema unidirecional da dominação imperialista? É preciso uma

‘cartografia alternativa do espaço social’, baseada mais nas noções de ‘circuito’ e

‘fronteira’.

Segundo Canclini uma questão se torna fundamental: a reorganização cultural

do poder. “Trata-se de analisar quais são as conseqüências políticas ao passar de

uma concepção vertical e bipolar para outra descentralizada, multideterminada, das

relações sociopolíticas”. Para o autor, o processo de hibridações o leva a concluir

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que atualmente todas as culturas são de fronteira. As artes se desenvolvem na

relação com outras artes; o artesanato sai do campo para a cidade; as produções

culturais sonoras e audiovisuais que narram acontecimentos de um povo são

intercambiados com outros. Desse modo, houve uma perda do sentido de cultura

como exclusividade de um território, mas um ganho em comunicação e

conhecimento.

1.4 Industrialização da cultura: res-significação do público e do privado

Canclini (2005), em Consumidores e Cidadãos, tem como foco de discussão

as mudanças culturais desencadeadas pelos processos de urbanização e

industrialização da cultura na América Latina. Com isto, propõe entender de que

modo há uma alteração no exercício da cidadania a partir mudanças que ocorrem no

modo de consumir.

De acordo com o autor, os meios eletrônicos além de irromper as massas

populares na esfera pública fizeram com que deslocasse o desempenho da

cidadania em direção às práticas de consumo. Ou seja, outras maneiras de obter

informação, de pertencer a grupos sociais, de conceber e exercer os direitos foram

estabelecidas.

O público cada vez mais recorre à rádio e à televisão para conseguir o que as

instituições cidadãs não proporcionam: serviços, justiça, reparações ou simples

atenção. Isto não quer dizer os meios de comunicação de massa sejam mais

eficazes que os órgãos públicos, mas fascinam o público devido não precisar de

procedimentos formais, de ater a prorrogações, prazos, além do que a cena de

televisão é rápida e parece ser transparente.

Além disso, vivemos um momento em que o aspecto cultural está tão atrelado

a hegemonia das culturas eletrônicas transnacionais que a vida social urbana

acontece cada vez mais nos centros comerciais da periferia, e os passeios se

deslocam para os shoppings. Segundo Beatriz Sarlo, apud Canclini (2005: 106) cada

shopping é concebido como:

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um espaço sem qualidades, um vôo interplanetário a Cacharel, Stephanel, Fiorucc. Kenzo, Guese, McDonald´s. O shopping tem uma relação indiferente com a cidade que o rodeia, oferece seu modelo de cidade miniaturizada, que se torna independente soberanamente das tradições e do seu entorno.

Os conceitos de sujeito e identidade forjados na constituição do Estado-

moderno são alterados com a transnacionalização das tecnologias e da

comercialização de bens culturais. É na produção e circulação simbólica das redes

globalizadas que se estabelecem as tendências da moda, da publicidade, da

estética da arte, das linhas editoriais. Nesse sentido, ao refletir sobre a identidade e

a cidadania deve também levar em consideração a diversidade de repertórios

artísticos e de meios de comunicação que contribuem para a reelaboração das

identidades.

Hall (2005), ao discutir sobre a cultura contemporânea, também advoga a

mudança do conceito de identidade a partir dos fluxos culturais e do consumismo.

Para ele, as identidades são partilhadas, uma vez que somos

‘consumidores’ para os mesmos bens, ‘clientes’ para os mesmos serviços, ‘públicos’ para as mesmas mensagens e imagens. (...) quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas. (id ibid pp. 74 - 75).

1.5 Pós-modernidade x Modernidade

Para Vattimo (1992) o sentido do termo pós-moderno está relacionado com a

sociedade dos mass media em que vivemos. Problematizando essa compreensão

de pós-modernidade, o autor destaca que a modernidade acabou em alguns de seus

aspectos essenciais. Propõe como hipótese para falar do término da modernidade a

impossibilidade de compreender a história como “qualquer coisa de sentido unitário”.

Esta visão de história “implicava a existência de um centro em torno do qual

se recolhem e se ordenam os acontecimentos”, tais como: o estabelecimento de um

calendário com o nascimento de Cristo; o Ocidente como lugar de representação da

civilização. Com a crise da idéia de história, ou seja, não há um percurso unitário das

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ações humanas, compreende-se que não é possível sustentar a realização de um

projeto racional de progresso que leve a sucessivos melhoramentos na sociedade,

bem como a um ideal de homem.

Tal crise se deu não apenas no plano teórico. Os povos considerados

primitivos resistiram ao ideal de civilização da sociedade européia, o que tornou

problemática a concepção de uma história unitária.

Outro fator considerado por Vattimo como determinante para a dissolução da

modernidade diz respeito ao advento da sociedade de comunicação. Apesar de

todos os esforços de monopolização das centrais capitalistas, os mass media (rádio,

televisão, jornais) desencadearam uma multiplicação de visões de mundo. Segundo

Vattimo, “a própria lógica do mercado da informação exige uma contínua dilatação

deste mercado, e exige consequentemente que tudo, de qualquer maneira, se torne

objecto de comunicação” (1992: 11-12). Em outras palavras, os mass media

“possibilitaram” que culturas subalternas “tenham voz”, e isto, determina a passagem

da nossa sociedade à pós-modernidade.

De outro modo, a sociedade dos mass media não realiza o projeto de

racionalidade, que atinge a verdade através da razão e com isso a sociedade seria

mais iluminada. A tese de Vattimo é:

que na sociedade dos media, em vez de um ideal de emancipação modelado pela autoconsciência completamente definida, conforme o perfeito conhecimento de quem sabe como estão as coisas (seja ele o Espírito Absoluto de Hegel ou o homem não mais escravo da ideologia como o pensa Marx), abre caminho a um ideal de emancipação que tem antes na sua base a oscilação, a pluralidade, e por fim o desgaste do próprio “princípio de realidade. (id ibid p.13)

Para o autor a emancipação consiste no desenraizamento dos elementos

locais – “minorias étnicas, sexuais, religiosas, culturais ou estéticas”-, o que ele

chama de libertação das diferenças. Entretanto, a emancipação das diferenças não

é o efeito de apenas garantir reconhecimento diante da alteridade. Consiste no efeito

global de desenraizamento que possibilita o efeito de identificação. Assim, “viver

neste mundo múltiplo significa fazer experiência da liberdade como oscilação

contínua entre pertença e desenraizamento”.

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Frederic Jameson (2004) propõe entender o conceito do pós-moderno, tendo

em vista a cultura, uma vez que ela na sociedade pós-moderna se tornou um

produto.

De uma tradição marxista, Jameson entende que o pós-modernismo é o

reflexo de uma modificação sistêmica do próprio capitalismo. Entende o pós-

modernismo não como um estilo, mas uma dominante cultural na qual a produção

estética está intimamente relacionada à produção das mercadorias em geral. Assim,

afirma que:

a urgência desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam novidades (de roupas a aviões), com um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo. (id ibid p. 30).

Jameson destaca como elementos constitutivos do pós-moderno uma falta de

profundidade tanto na teoria contemporânea quanto na cultura de imagem e do

simulacro; um enfraquecimento da historicidade que se manifesta nas nossas

relações com a história pública e com as formas de temporalidades privadas; um

novo tipo de matiz emocional básico; e como tudo isso se relaciona com a nova

tecnologia.

Nessa tendência cultural dominante predomina a estetização da realidade, as

esferas culturais estão mergulhadas num turbilhão de imagens.

Marc Augé destaca três transformações que caracterizam o mundo

contemporâneo. A primeira está relacionada ao tempo, tanto no que diz respeito à

nossa percepção quanto ao uso que dele fazemos. O tempo não é mais princípio de

inteligibilidade. Não é possível explicar o depois em função do antes. As catástrofes

do século XX como guerras mundiais, os governos totalitários, levaram a um

desencantamento de “um progresso moral da humanidade”. Os grandes sistemas de

interpretação que pretendiam fazer do tempo um princípio de inteligibilidade,

fazendo da história uma portadora de sentido e de um principio de identidade, não

conseguem explicar a “superabundância factual” do nosso tempo. Para Marc Augé

(1994: 32):

O que é novo não é que o mundo não tenha ou tenha pouco ou

menos sentido, é que sentíamos explícita e intensamente a necessidade diária de dar-lhe um; de dar um sentido ao mundo (...). Essa necessidade de dar um sentido ao presente, senão ao passado,

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é o resgate da superabundância factual que corresponde a uma situação que poderíamos dizer de “supermodernidade” para dar conta de sua mobilidade essencial: o excesso.

De acordo com Augé, é o excesso de tempo que primeiro define a

supermodernidade, cuja dificuldade de pensar esse tempo diz respeito à

superabundância factual. E ainda, sendo de nossa exigência compreender o

presente que decorre a dificuldade de atribuir um sentido ao passado próximo.

O espaço, segundo Augé, é a segunda característica do excesso. Vivemos

num momento de mudanças de escala. Os meios de transporte rápidos e as

imagens, transmitidas por satélite, possibilitam um contato planetário de forma

intensa, o que provoca um encolhimento do planeta. Assistimos diariamente em

nossas telas as mais variadas imagens de informação, de publicidade e de ficção

compondo um universo relativamente homogêneo em sua diversidade. Tais imagens

para serem construídas levam em conta uma relação de familiaridade entre o

telespectador e o que é alvo da produção, mesmo que não conheçamos as

paisagens apresentadas, nós as reconhecemos.

O antropólogo utiliza a expressão não-lugares para referir a superabundância

espacial do presente. Assim, os não-lugares são:

tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são estacionados os refugiados do planeta. (id ibid p.37)

A terceira característica do excesso da supermodernidade é a figura do ego.

O indivíduo que se crê o centro do mundo, tornando-se referência para interpretar as

informações que lhe chegam.

Segundo Augé, na falta de novos campos para pensar a alteridade, na

desterritorialização, na falta de grandes narrativas para estudar o tempo e o espaço,

as reflexões ganham sentido a partir de um valor individual. A individualização como

possibilidade de atribuição de sentido é transmitida por todo um aparelho publicitário

que “fala do corpo, dos sentidos, do frescor de viver”, relacionado, como observa

Augé, a toda uma linhagem política, cujo eixo é o tema das liberdades individuais.

A hipótese defendida por Augé sobre as questões do nosso tempo é a de que

vivemos a supermodernidade. Esta é produtora de não-lugares, isto é, um espaço

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que não pode ser definido nem como identitário, nem como relacional e nem como

histórico. Assim, meios de transporte, máquinas automáticas e de cartões de crédito,

clubes de férias, hotéis, dentre outros são ocupações provisórias. Essa paisagem

representa “um mundo prometido à individualidade solitária, à passagem ao

provisório e ao efêmero”.

De outro modo, Augé chama atenção de que o não-lugar nunca existe sob

uma forma pura. Os lugares se recompõem nele. O lugar nunca é completamente

apagado e o não-lugar nunca se realiza totalmente, há um imbricamento de

identidade e relação. Augé define lugar como o do sentido inscrito e

simbolizado. Por não-lugar destaca a existência de duas realidades

complementares: “espaços constituídos em relação a certos fins (transportes,

trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantêm com esses espaços.

(...) assim como os lugares antropológicos criam um social orgânico, os não-lugares

criam tensão solitária”. (id ibid p.87)

A mediação entre o indivíduo e o não-lugar se dá por palavras, textos, que

possibilitam imagens. Nesses não-lugares as condições de circulação dos indivíduos

se dão por meio de textos prescritivos, proibitivos e informativos. Além disso, há todo

um processo midiático de textos e imagens que interpela o indivíduo a fazer do

mundo de consumo como seu. O que cabe destacar que a sociedade de consumo

produz efeitos de reconhecimento. Uma pessoa perdida num país que não conhece

só consegue se encontrar ao reconhecer o outdoor de uma marca de bebida, os

produtos comestíveis em um supermercado. Assim,

no mundo da supermodernidade, sempre se está e nunca se está “em casa”; as zonas fronteiriças ou os “limites” de que ele fala nunca mais introduzem a mundos totalmente estrangeiros. A supermodernidade (...) encontra naturalmente sua expressão completa nos não-lugares. (id ibid p.99)

Desse modo, o que distingue a supermodernidade da modernidade, segundo Augé:

“a supermodernidade não é o todo da contemporaneidade. Na modernidade da paisagem baudelairiana, ao contrário, tudo se mistura, tudo se mantém (...). O que o espectador da modernidade contempla é a imbricação do antigo e do novo. A supermodernidade faz do antigo (da história) um espetáculo específico” (1994: 100-101).

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Em síntese, Marc Augé defende a tese de que vivemos uma

supermodernidade desencadeada pelas transformações das categorias de tempo,

espaço e indivíduo. Caracteriza, desse modo, a supermodernidade pelas figuras do

excesso: superabundância factual, superabundância espacial e individualização das

referências.

Destaca que os não-lugares dizem respeito ao espaço da supermodernidade.

Sempre há um lugar específico para apresentar os exotismos e particularismos

locais. Entretanto, segundo ele, os não-lugares não estabelecem nenhuma síntese

só autorizam a coexistência de diferentes individualidades.

Ainda de que forma diferente para atribuir sentido sobre o mundo

contemporâneo, Vattimo, Jameson e Augé destacam como os processos

comunicacionais da sociedade midiática transformaram substancialmente a

organização social do poder simbólico.

Para eles, os mass media desencadearam novas formas de ação e de

interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e novas maneiras de

relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo.

De um modo fundamental, o uso dos meios de comunicação transforma a

organização espacial e temporal da vida social, criando novas formas de exercer o

poder, que não está mais ligado ao compartilhamento local comum.

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CAPÍTULO II

2 O CENÁRIO DA PESQUISA

Segundo Escosteguy e Jacks (2005), o receptor, nos estudos desenvolvidos

por Martín-Barbero, é considerado produtor de sentidos e o cotidiano, espaço

primordial da pesquisa. Ou seja, Martín-Barbero ao questionar as concepções

condutista e iluminista no processo de comunicação parte do princípio “de que a

recepção não é somente uma etapa no interior do processo de comunicação, (...)

mas uma espécie de um outro lugar, o de rever e repensar o processo inteiro da

comunicação.” (2002: p. 40)

Esta compreensão de recepção no processo de comunicação, também

sobressai nos estudos de Sousa (2002), uma vez que a comunicação busca na

cultura as condições de compreender o receptor, tanto empírica quanto

teoricamente.

Nesse sentido, como aponta Fogolari (2002), o cotidiano é considerado, pelos

Estudos Culturais, como locus de investigação. É considerando estas reflexões que

proponho neste capítulo abordar, em linhas gerais, as condições estruturais do

município, onde residem os sujeitos da pesquisa, bem como as características do

seriado Malhação.

2.1- Arenápolis: pequeno histórico

Arenápolis localiza-se na microrregião do Alto Paraguai e mesorregião do

centro-sul mato-grossense. Está situado a 259 km da capital de Mato Grosso. Sua

área é de 414,68 km². Sendo que 7,81% da área é rural e 92,19% urbana. A

economia é baseada na pecuária (corte e leite) e no comércio varejista.

A constituição de Arenápolis deu-se, segundo relatos de moradores antigos

do município, devido à grande quantidade de recursos minerais, ouro e diamante

que existiam nesta região. Moradores antigos dizem que o povoado do Areias tomou

forma de corrutela a partir de final da década de 30.

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Em relação à presença dos meios de comunicação no município, destaco

apenas o cinema e a televisão, pelo fato de estarem mais relacionado ao enfoque da

pesquisa. Dessa forma, a partir de 1956, o Sr. José Silva trabalhou com um pequeno

cinema no município. Como não havia energia elétrica, o funcionamento era via

motor. Vale ressaltar que durante as décadas de 70 e 80 o município teve um

aumento considerável da população.

A televisão chega ao município por volta de 1976. Este bem de consumo

levou alguns anos para que um maior número de famílias tivesse acesso. O cinema

no município entra em declínio no começo da década de 80, sendo que um dos

motivos foi a popularização da televisão.

Com a escassez do ouro e diamante, bem como da política ambiental sobre

os danos provocados pelo garimpo, o município tem sofrido constante êxodo de sua

população. Estima-se hoje, aproximadamente, 10.000 habitantes.

Dentre as práticas culturais do município, a religião assume um lugar de

destaque. A religião católica é a predominante no município, e por isso festa de

padroeiros como São Sebastião, Bom Jesus da Lapa, Nossa Senhora Aparecida,

São João e São José são realizadas todos os anos no município. Cabe destacar que

as festas de São Sebastião e Bom Jesus da Lapa, as mais antigas, estão

relacionadas com a promessa do povo católico diante da mortalidade infantil e

mortandade dos animais que ocorriam nas décadas de 30/40.

As festas religiosas têm, assim, um tempo cíclico que renova o sentido da

comunidade católica, visto que há um pertencimento e identificação de bens

simbólicos. Dos alunos entrevistados, sete são católicos e uma evangélica. O ir à

missa é comum no município.

Em relação ao lazer, como o município não oferece áreas recreativas ou

espaço de encontro entre os jovens, os encontros entre eles se dão frente a um

carro com uma música em alto volume. Frequentemente marcam encontros entre si

para tomar tererê, ou comer “churras”, como eles dizem, na casa do amigo

escolhido. Outras formas de entretenimento são oferecidas pelas tecnologias de

informação e comunicação.

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32

2.2 Características gerais de Malhação

Na sociedade de consumo, o público adolescente tornou-se alvo de disputas

das mídias, uma vez que é percebido como consumidor em potencial de produtos e

idéias. Nesse sentido, o aspecto cultural assume um lugar necessário para

conquistar o consumidor. Em relação ao seriado Malhação, isto é percebido no

processo de produção. Ou seja, produzir um programa para adolescentes demanda

conhecer o cotidiano juvenil, recolhendo e representando alguns elementos das

culturas privadas que os jovens vivem suas vidas. Além disso, a produção se

apropria dos conhecimentos de vários campos do saber, dentre o quais a psicologia,

a medicina, a publicidade e a educação.

Das estratégias de construção de um modo de ser jovem na mídia, incluem o

seriado Malhação, o programa Altas Horas, revistas femininas como Capricho,

Atrevida e Todateen.

Em relação ao seriado Malhação, este versa sobre temáticas sociais

relacionadas aos jovens e funciona como laboratório de novos talentos. O seriado

muda de roupagem a cada temporada. De abril de 1995 a outubro de 2007, um total

de treze temporadas, temas como gravidez na adolescência, câncer de mama,

corrupção, etc. têm sido focalizados em Malhação. Sobre isso a produção de

Malhação assim se manifesta:

A 1ª fase do programa teve como cenário uma academia de ginástica que deu

nome ao programa. Com o objetivo de revelar talentos, a novela sempre

buscou mesclar atores iniciantes com veteranos, apostando na troca de

experiências e abordando principalmente temas sociais relacionados aos

jovens. Temas: preconceito, prevenção à aids, virgindade, direitos e deveres

de cada cidadão, gravidez na adolescência, pais separados, uso de

anabolizantes, tabagismo e muitos outros temas sócio-educativos estão

presentes na novela. Malhação tem essa marca desde a estréia e, hoje, é

uma das campeãs da TV Globo em Merchandising social.

(www.globo.com/malhacao, acesso em 16 de março de 2008, às 10h43)

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Para descrever o seriado no seu aspecto icônico, indicial e simbólico considero

oportuno e necessário recorrer às contribuições da semiótica peirceana.

2.3 Revisitando alguns conceitos da Semiótica

Santaella, em Semiótica Aplicada, ao abordar sobre a linguagem híbrida de

meios comunicativos, como o cinema, o videodocumentário, a televisão, afirma que:

Esse hibridismo reclama por um tratamento semiótico, uma vez que é na

semiótica que podemos encontrar meios para a leitura não só dos

diferenciados tipos de signos, mas também dos modos como eles podem se

amalgamar na formação de linguagens fronteiriças que se originam da junção

entre vários sistemas de signos. (2005, p. 113)

Isso posto, é oportuna a definição de signo. Santaella, com base nos

pressupostos de Peirce, destaca que qualquer coisa pode funcionar como signo

devido a três propriedades formais que são comuns a todas as coisas, a saber, sua

qualidade, sua existência e seu caráter de lei. Assim, “pela qualidade, tudo pode ser

signo, pela existência, tudo é signo, e pela lei, tudo deve ser signo.”

Dado esse caráter geral, o signo ainda é pensado, na definição de Peirce,

numa perspectiva triádica. Ou seja, ele pode ser analisado em si mesmo, na sua

referencialidade e nos efeitos interpretativos.

Em relação à descrição de Malhação, focalizo apenas o aspecto do referente

a fim de situar o leitor acerca do que se trata no seriado. Vale ressaltar que ao falar

do aspecto referencial do signo, implica considerar que dependendo do fundamento

do signo (qualidade, existência e caráter de lei) decorre uma forma de representar

seu objeto. “Se o fundamento é um quali-signo, na sua relação com o objeto, o signo

será um ícone; se for um existente, na sua relação com o objeto, ele será um índice;

se for uma lei, será um símbolo”. (Santaella, 2005: p. 14)

Assim, o ícone ao ter como fundamento um quali-signo só pode sugerir seu

objeto por similaridade, ou seja, sua qualidade exibida se assemelha a uma outra

qualidade. Em relação ao índice, o signo deve ser considerado no seu aspecto

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existencial uma vez que ele aponta para um outro existente do qual faz parte. E o

símbolo por ter como fundamento uma lei, o signo representa aquilo que a lei

prescreve.

Para analisar a relação do signo com o objeto, ou seja, a que o signo se

refere, Peirce (apud Santaella) considerou dois objetos pertencentes ao signo, a

saber, o objeto dinâmico e o objeto imediato. O objeto imediato depende do

fundamento do signo, diz respeito ao modo como o signo representa, indica,

sugere, aquilo que ele se refere. Desse modo, é um recorte específico que o signo

faz do contexto mais amplo, ou seja, do objeto dinâmico. Santaella é muito precisa

nessa distinção. Assim diz: “Ele se chama imediato porque só temos acesso ao

objeto dinâmico através do objeto imediato, pois, na sua função mediadora, é

sempre o signo que nos coloca em contato com tudo aquilo que costumamos

chamar de realidade.” (id ibid, p.15)

2.4 Malhação e sua referencialidade

2.4.1 Um olhar contemplativo

Para ler semioticamente o seriado o primeiro olhar deve ser contemplativo,

dando aos signos o tempo que eles precisam para mostrarem de que modo seus

aspectos qualitativos estão presentes nas imagens. Aqui o objeto imediato coincide

com a qualidade de aparência do signo. Esta qualidade por sua vez ao sugerir uma

outra qualidade diz respeito ao objeto dinâmico.

O aspecto qualitativo em Malhação se manifesta com muita intensidade

através do recurso cromático que a produção lança mão para apresentar o espaço

que os personagens transitam como a escola, a república, a cantina, a casa. O

visual desses lugares é tão sugestivo que provoca no receptor um desejo de estar

num ambiente daquele. Assim, cada detalhe como a cor do sofá, a disposição dos

móveis, os objetos decorativos, tem um ar de jovialidade, de beleza, de alegria. Este

recurso cromático também está presente nas roupas que os personagens vestem,

sugerindo que a identidade é também uma questão de imagem, de estilo, de

aparência.

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Outro aspecto icônico presente em Malhação são as vinhetas utilizadas para

marcar a passagem do tempo entre uma cena e outra ou na narrativa de modo geral.

Assim, utilizam de vinhetas como o relógio, skate, as engrenagens de uma fábrica,

etc.

Face ao dispositivo imagético, a produção utiliza de recursos sonoros para

tratar de cenas amorosas, de suspense, de seqüência narrativa, de momentos de

lazer. A abertura de Malhação coaduna com o objetivo sinestésico da produção. Ou

seja, provoca sensações visuais e auditivas encantadoras, provocando uma

sensação de leveza, de diversão, de espírito jovem.

Na abertura de 2004 e 2005 a produção utilizou o laranja como cor de fundo,

com a música Te Levar de Charlie Brown Jr. Já em 2006 a cor de fundo mudava na

medida em que os personagens com seus respectivos nomes apareciam na tela.

Esta imagem teve o complemento com a música Lutar pelo que é meu. Também de

Charlie Brown Jr. E desde final de 2007, objetos do universo juvenil estão presentes

na abertura como tênis, mochila, skate, batom, boné, etc. As tonalidades do rosa e

azul predominam na apresentação destes objetos. A música de abertura chama-se

Paraíso Proibido da banda Strike.

Estas características, percebidas nas qualidades, sugerem que os

significantes liberados através da imagem se transformam num efeito estético de

fascinação e sedução.

2.4.2 Um olhar observacional

O segundo olhar deve ser observacional, percebendo as peculiaridades de

Malhação no que se refere ao seu aspecto existencial, isto é, seu objeto imediato,

bem como seu poder de funcionar como signo num contexto mais amplo do qual faz

parte, que vem a ser o objeto dinâmico.

Malhação, um seriado da TV Globo, tem como público alvo adolescentes de

13 a 18 anos e é exibido de segunda à sexta-feira, a partir da 17h30. A direção

aposta na discussão de temáticas sócio-educativas e na revelação de novos

talentos.

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Para trabalhar aspectos da cotidianidade, a produção explora cenas

relacionadas ao âmbito escolar. Assim, no Múltipla Escolha, escola privada de

ensino médio em Malhação, são apresentadas cenas que retratam o cotidiano

escolar do adolescente. As cenas focalizam alunos conversando no pátio da escola

e na cantina. Em relação à sala de aula, o que se observa são salas pequenas, que

demonstra estar cheia. O método de ensino, utilizado pelos professores, consiste

na exposição de conteúdos. Os instrumentos tecnológicos usados são: quadro,

retroprojetor e cartazes. Nesse cenário, alguns alunos conversam entre si, enquanto

o professor explica a matéria. Em algumas cenas, quando o sino toca os alunos

demonstram satisfação pelo término da aula.

Outro elemento para aproximar o público jovem ao universo retratado em

Malhação diz respeito à linguagem verbal e corporal. É comum a utilização de

expressões e gestos próprios do cotidiano Juvenil.

No tocante ao elenco, Malhação apresenta jovens com boa aparência. Corpo

malhado, pele cuidada, cabelos hidratados são características dos personagens.

Não há muito espaço para jovens que chocam com os esteriótipos sociais acerca do

conceito de beleza. O adolescente de Malhação apresenta um estilo fashion. A

maioria dos personagens representa o papel de bons mocinhos, incentivando

valores como honestidade, espírito solidário, auto-estima, etc.

2.4.3 O que diz o olhar representativo

O terceiro olhar é o representativo, uma vez que possibilita perceber como as

características específicas de Malhação se enquadram a um formato geral, assim

como, analisa padrões e expectativas culturais que o seriado visa preencher. Ou

seja, seu poder representativo acerca do universo juvenil, que valores atende face

ao formato do telespectador. Vamos por parte.

Com base nos estudos de Kellner (2001), a cultura da mídia como fenômeno

histórico é relativamente recente. Foi só com o advento da televisão, no pós-guerra,

que a mídia se transformou em força dominante na cultura, na socialização, na

política e na vida social. A partir de então, as tecnologias de entretenimento

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doméstico aceleram a disseminação e o aumento do poder da cultura veiculada pela

mídia.

É nesse contexto que é possível situar a diversidade de programação

existente na televisão. Entretanto, como o foco de discussão refere-se ao seriado

Malhação, cabe destacar em que consiste seu formato.

No que respeita ao gênero televisivo, Malhação apresenta formato de série ou

folhetim. Este de acordo com os estudos de Martin-Barbero (2003) aparece como o

primeiro tipo de texto impresso no formato popular dirigido a uma grande quantidade

de pessoas não só como um meio de comunicação, mas como um novo modo de

comunicação entre as classes. Para ele:

Propor o folhetim como fato cultural significa de saída romper com o mito da

escritura para abrir a história à pluralidade e à heterogeneidade das

experiências literárias. E, em segundo lugar, deslocar a leitura do campo

ideológico para ler não só a dominante mas também as diferentes lógicas em

conflito tanto na produção quanto no consumo. (2003: p.182)

O folhetim tem se modificado ao longo do tempo, indo desemborcar-se no

gênero televiso, a saber, a telenovela. Entretanto, no que respeita ao gênero

televisivo, Malhação apresenta um formato diferenciado das outras telenovelas que

têm em média 150 capítulos. De modo geral, existem pequenas tramas no enredo

de Malhação que duram mais ou menos duas semanas, com a permanência de

conflitos e tramas maiores.

Por outro lado, Malhação, assim como as telenovelas de modo geral,

consistem em contar histórias, utilizando recursos de imagens e sons, bem como

uma trama central ligada a conflitos amorosos entre pessoas, geralmente, de sexo

oposto.

No que se refere à representação do cotidiano juvenil, cabe ressaltar as

reflexões de Castro (1998) acerca da Infância e Adolescência na Cultura do

Consumo. Segundo a autora, na cultura contemporânea, crianças e adolescentes

deixaram seu lugar de penumbra enquanto cidadãos de uma sociedade

racionalizada e centrada no adulto, em favor de uma posição social notória definida

pela visibilidade com que o público juvenil se torna alvo da oferta de bens e serviços.

Nesse contexto, os processos de pedagogização foram assumidos por outras

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instituições, tais como os mass media, na medida em que estes deslancharam nos

processos de integração de crianças e adolescentes na dinâmica social. Para estes

a tevê combina o desfrute de uma atividade prazerosa e a possibilidade de

construção de certa inteligibilidade do mundo baseada numa determinada

configuração e posições subjetivas.

Desse modo, o aspecto simbólico em Malhação é representado através de

temáticas sócio-educativas, uma vez que põem em relevo assuntos que fazem parte

do cotidiano juvenil como: gravidez na adolescência, prevenção à aids, campanhas

contra as drogas, leis do transito, etc.

Assim, buscam fixar valores como honestidade, espírito solidário, auto-

estima, etc. através da narrativa, que é utilizada para ilustrar o argumento proposto

acerca do que deve ser consumido e deve ser considerado como modelo na esfera

comportamental.

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CAPÍTULO III

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E BALIZAS TEÓRICAS DE ANÁLISE

3.1 Recepção: estudo de natureza qualitativa O processo de recepção é inerente ao campo da comunicação. Entretanto,

dependendo da concepção teórica o sentido de recepção varia. Para situar de que

lugar esta pesquisa compreende a recepção do seriado Malhação pelos sujeitos,

julgo necessário abordar, em linhas gerais, o limite de algumas teorias ao discutir o

processo de recepção apenas como uma etapa linear do processo de comunicação.

Segundo Martín-Barbero (2003), o primeiro momento de análise da

comunicação na América Latina, nos finais dos anos 1960, vinculou-se ao modelo

de Laswell que concebia o conhecimento numa perspectiva epistemológica

psicológico-condutista. Esta concepção foi adaptada à produção teórica da semiótica

estruturalista convertida numa investigação crítica. Assim, o objetivo dessa fase

ideologista, denominada pelo autor, consistiu em descobrir e denunciar como a

ideologia dominante penetra nas mensagens do processo de comunicação e

provoca determinados efeitos. Sobre isso Martín-Barbero afirma que: “Tanto o

dispositivo do efeito, na versão psicológico-condutista, quanto o da mensagem, na

versão semiótico-estruturalista, acabavam remetendo o sentido dos processos à

imanência do comunicativo”. (id ibid, p. 290)

O segundo momento, compreendido após 1975, teve como referência o

paradigma positivista. Dessa forma, o campo de conhecimento da comunicação

percebe na teoria da informação a precisão de conceitos, bem como procedimentos

metodológicos baseados em princípios matemáticos.

Entretanto, o mapa conceitual e metodológico da teoria informacional deixou

de fora questões relacionadas ao sentido e ao poder. Segundo Martin-Barbero, “ao

deixar de fora da análise as condições sociais de produção do sentido, o modelo

informal elimina a análise das lutas pela hegemonia, isto é, pelo discurso que

‘articula’ o sentido de uma sociedade.” (ibid, p. 292)

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Tanto o modelo semiótico quanto o informacional pressupõem uma

linearidade no processo de comunicação. Este é reduzido à transmissão de uma

informação, convertendo o encaminhamento metodológico numa separação entre a

análise da mensagem e a análise da recepção. Subjacente à teoria da informação,

reside a noção de conhecimento, ou seja, quanto mais informação, mais

classificação.

Estudos como o de Sousa (2002) também advoga a busca do sujeito no

processo de comunicação. Assim, a noção de mediação é fundamental para analisar

o processo pelo qual se constitui o(s) sentido(s) entre emissor e receptor. Entretanto,

não elimina, não nega, nem inocenta o espaço do emissor. Por outro lado, o

receptor é buscado em seu contexto ainda que tenha um lugar assimétrico diante do

emissor.

Fausto Neto (2002) observa que, dentre os modelos para estudar a recepção,

encontra-se o de inspiração positivista que considera o processo de comunicação de

forma mecânica. Ou seja, o processo era analisado considerando apenas os efeitos

do emissor sobre o receptor.

Outro modelo explicativo, segundo Fausto Neto, para explicar o processo de

comunicação, pauta-se no estudo das mensagens, compreendidas como

reprodução das ideologias. O sujeito, ao ser interpelado pelo processo de

comunicação é concebido como indefeso diante da comunicação dominadora. A

recepção é vista como uma “caixa-vazia”, acessível como um depósito à reprodução

dos valores da classe dominante. Assim, projetos de “leitura crítica da comunicação”

objetivavam preparar os receptores para o enfretamento do “bombardeio alienante”

dos produtos da indústria cultural.

Negando as duas vertentes acima, ou seja, os estudos da comunicação

centrados no emissor ou na mensagem, sobressaem no cenário das investigações,

a compreensão de um receptor ativo na sua relação com as mensagens. “É o

momento em que se estudam determinados temas como ‘resistência’, ‘cultura de

resistência’, ‘culturas de contraposição’, ‘comunicação alternativa’, ‘receptor ativo’,

‘guerrilha televisiva, etc.” (Fausto Neto, 2002: 190)

Em relação à pesquisa sobre recepção, Fausto Neto destaca que o campo da

comunicação não dispõe de fundamentos teóricos e metodológicos para descrever e

explicar a relação entre a emissão e a recepção das mensagens. O que se tem feito

são estudos inferenciais, nos quais procura-se comprovar a fala do receptor diante

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da mobilização de “receitas teóricas”. É preciso, segundo o autor, considerar a

especificidade do que o campo da produção oferece à recepção, bem como a

apropriação dos discursos pelos receptores.

Baseado nisto, é pertinente indagar: “quais estratégias, eqüidistantes

daquelas propostas pelo campo da produção, elas constroem? Quais percursos

fazem contrariamente à idéia do receptor passivo?” (id ibid, p. 192)

Por outro lado, destaca que, nas tradições sócio-mercadológicas, tem sido

comum perceber o campo da recepção como vulnerável às manobras do campo da

produção, utilizando de “testes” e “controles” acerca do endereçamento do produto.

Nessa proposta mercadológica, empresas especializadas refinam cada vez mais o

conhecimento sobre o perfil do seu público alvo. Sobre isso, Fausto-Neto questiona:

Essa sofisticação protocolar da comunicação não supõe, nesse estágio reconhecer que o campo da recepção tem existência e funcionamento mais complexos, movidos por lógicas e regras simbólicas que lhe são inerentes e, que, conseqüentemente, não podem ser descritas nem compreendidas pelo equipamento teórico-metodológico desse tipo de pesquisa. (id ibid p. 193)

Assim, descrever e explicar o que os alunos do ensino médio, sujeitos da

pesquisa, fazem com os discursos de Malhação não se sustenta por técnicas de

mensuração, de verificação através de variáveis. Por ser um estudo de natureza

interpretativa, a pesquisa não parte de hipóteses a serem verificadas, mas

compreender quem é esse sujeito social, receptor dos sentidos veiculados por

malhação. Nesse sentido, a abordagem qualitativa é pertinente por resgatar o

significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preocupação do

investigador. Sobre isso Bauer e Gaskell concordam com a afirmação de Bryman em

relação à natureza da pesquisa qualitativa, a possibilidade de ver “através dos olhos

daqueles que estão sendo pesquisados”. (2002, p. 32)

3.2 Procedimento de coleta de dados qualitativos

De acordo com Bauer e Gaskell, um corpus de análise diz respeito à seleção

“de qualquer material com funções simbólicas” (2002: p. 45). A partir desse

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entendimento, tomo como corpus de análise os sentidos que alunos do 1º ano do

ensino médio, da rede estadual, atribuem ao seriado Malhação.

Inicialmente, considerando o proposto no projeto de pesquisa, a coleta de

dados qualitativos teve como propósito a constituição de um grupo focal. Este,

segundo Bauer e Gaskell, consiste em:

“um debate aberto e acessível a todos: os assuntos em questão são de interesse comum; as diferenças de status entre os participantes não são levadas em consideração, e o debate se fundamenta em uma discussão racional. (...) a idéia de ‘racional’ não é que a discussão deva ser lógica ou desapaixonada. O debate é uma troca de pontos de vista, idéias e experiências, embora expressas emocionalmente e sem lógica, mas sem privilegiar indivíduos particulares ou posições” (2002: 79).

As entrevistas seriam realizadas com um grupo focal que manifestou

interesse em participar da pesquisa, após assistir a alguns capítulos gravados do

seriado Malhação. Esta proposta de encaminhamento para coleta de dados não

obteve o resultado esperado. O motivo central foi a não constituição de um grupo

focal. No primeiro encontro, foram 8; no segundo, 5; no terceiro, não foi ninguém; no

quarto apenas duas. Devido à indisponibilidade dos sujeitos, realizei entrevistas

individuais, gravadas em fita cassete, com seis sujeitos que participaram do primeiro

grupo focal e duas com sujeitos que convidei aleatoriamente.

Duas entrevistas foram realizadas na escola onde os sujeitos estudam.

Marquei as entrevistas no período em que não atrapalharia as aulas. Seis

entrevistas foram realizadas nas respectivas residências dos sujeitos da pesquisa.

A entrevista, prefiro chamar de bate-papo, objetivou conhecer os sentidos que

atribuem ao seriado Malhação. Tomei por base um tópico guia como um indicativo

para orientar a conversa, de modo que alguns questionamentos foram lançados a

partir do que eles comentavam. De modo geral, questionei sobre: a identificação

com o seriado; a relação entre o cotidiano vivido e o representado pelos jovens; a

circulação de sentidos entre eles acerca de Malhação; se há influência do seriado.

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3.3 Dados quantitativos

Cabe destacar que a primeira coleta de dados foi de natureza quantitativa.

Esta teve como objetivo identificar o contato de 58 alunos, do município de

Arenápolis, do 1º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Senador Filinto Müller,

período matutino, turmas A e C, com as tecnologias de informação e comunicação,

bem como verificar se assistem ou não ao seriado malhação exibido pela rede globo

de televisão, de segunda a sexta-feira, às 17h e 30 mim (horário de Brasília).

As informações obtidas com base no questionário factual possibilitaram traçar

um mapa dos principais veículos de comunicação a que eles têm acesso, suas

preferências em relação à programação televisiva, a renda familiar, seus sonhos e,

sobretudo perceber se há uma empatia desses jovens com o seriado malhação.

Quadro 1- Questionário Factual aplicado no primeiro ano do ensino médio, turmas A

e C, Escola Estadual Senador Filinto Muller.

Número Informações/questões

01 Nome opcional – Gênero

02 Data de nascimento

03 Naturalidade

04 Lugar onde reside dois últimos anos (bairro)

05 Profissão do pai Profissão da mãe

06 Valor aproximado da renda familiar

07 Trabalha com remuneração? ( ) sim ( ) não

08 Qual curso superior pretende cursar

09 Que sonhos tem

10 Que programas assiste/prefere

11 Quais eletrodomésticos (com fins de informação e comunicação) tem em casa

12 Acessa à internet? ( ) sim ( ) não Com que freqüência: ( ) diariamente ( ) algumas vezes por semana ( ) raramente ( ) nunca

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13 Assiste ao programa Malhação exibido pela rede Globo de Televisão? ( ) sim ( ) não

14 Gosta ou não do programa Malhação? Justifique.

3.4 Procedimentos de análise

Como foi abordado, anteriormente, esta pesquisa propõe analisar as leituras que

os alunos do 1º ano do ensino médio, fazem do seriado Malhação, exibido pela

Rede Globo, de segunda a sexta-feira a partir das 17h30.

De acordo com os objetivos propostos, a análise de discurso, por estudar o

processo de significação no uso da linguagem, se mostra apropriada e pertinente

para analisar a fala dos alunos acerca do seriado Malhação. Ou seja, esta área do

conhecimento, diferentemente da análise de conteúdo, que procura extrair sentidos

dos textos, através da pergunta “o que este texto quer dizer?”, busca entender como

um texto significa. Na análise de discurso “tomar a palavra é um ato social com

todas as suas implicações: conflitos, reconhecimentos, relações de poder,

constituição de identidades, etc.” (Orlandi, 2000: 17).

Dessa forma, a análise de discurso propõe uma relação menos ingênua com a

linguagem, pois entender o funcionamento discursivo implica um duplo jogo da

memória, a saber, o da memória institucional e o da memória constituída pelo

esquecimento. Esta possibilita a ruptura e aquela funciona como um processo que

garante a estabilização, a cristalização dos discursos.

Na relação do sujeito com o sentido há imprevisibilidade, como também há

formas de controle da interpretação que são historicamente determinadas. Orlandi

observa isso dizendo que:

há modos de se interpretar, não é todo mundo que pode interpretar de acordo com sua vontade, há especialistas, há um corpo social a quem se delegam poderes de interpretar (logo de ‘atribuir sentidos’), tais como o juiz, o professor, o advogado, o padre, etc. Os sentidos estão sempre ‘administrados’ não estão soltos. (id 2001, p. 10)

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A análise de discurso trabalha, então, com maneiras de significar, com a

produção de sentidos. Nesse sentido, a análise de discurso cunhada por Orlandi

parte da idéia de que o discurso é a materialidade específica da ideologia e de que a

língua é materialidade específica do discurso. A língua faz sentido porque há um

sujeito interpelado pela ideologia. É oportuno dizer que a Análise de discurso (AD):

não procura um sentido verdadeiro através de uma ‘chave’ de interpretação. Não há esta chave, há método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender. (Orlandi, 2001, p. 26)

Baseado neste entendimento, Orlandi distingue três níveis de leitura:

inteligível, interpretável e compreensível. A inteligível refere-se ao conhecimento do

código em que o objeto é representado, por exemplo, um enunciado “ele disse isso”.

Entretanto, não é possível interpretar porque “não se sabe quem é ele e o que ele

disse”. Assim, o nível de leitura interpretável diz respeito à possibilidade dos

questionamentos anteriores serem preenchidos, uma vez que se relaciona ao

contexto imediato. E o compreensível propõe entender como as interpretações

funcionam, como um objeto simbólico produz sentido.

Orlandi distingue dois dispositivos da interpretação. O dispositivo teórico

deriva da sustentação teórico-metodológico de análise do discurso. Já o dispositivo

analítico diz respeito aos questionamentos, aos recortes conceituais, aos

procedimentos mobilizados pelo analista.

Assim, o objetivo do dispositivo teórico consiste em mediar o movimento entre

a descrição e a interpretação, fundamentado na análise de discurso. Após a

compreensão do processo discursivo, o analista lança mão dos instrumentos

teóricos dos campos de conhecimentos, no qual sua pesquisa se insere.

Desse modo, analisar a prática receptiva dos alunos acerca do seriado

Malhação como discurso rompe com a visão linear do processo comunicativo. Na

perspectiva da análise de discurso (AD) tanto o emissor quanto o receptor estão

produzindo significados. Não se trata apenas de informação, pois no funcionamento

da linguagem, no qual sujeitos e sentidos estão afetados pela língua e pela história,

temos um complexo processo de constituição dos sujeitos e produção de sentidos e

não meramente transmissão de informação.

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46

Dito isso, focalizo a seguir os conceitos que fundamentarão o corpus de análise.

3.4.1 Conceituando discurso e texto

Ao evocar a AD como ferramenta de análise, em que terreno estamos

pisando? De acordo com Orlandi, a AD nos anos 60 se constituiu a partir dos

questionamentos da Lingüística, não transparência da linguagem, do Marxismo, o

homem faz história, mas esta não lhe é transparente, e da Psicanálise, o

deslocamento da noção de homem para a de sujeito e que este se constitui na

relação com o simbólico na história.

Contudo, a AD interroga cada um desses três campos do conhecimento. Da

Lingüística, questiona a historicidade que ela deixa de lado. Do Materialismo, o

simbólico. E da Psicanálise, demarca o inconsciente como materialmente

relacionada com a ideologia. A AD, apropriando das reflexões desses campos de

conhecimento, produz um recorte e propõe um novo objeto de estudo: o discurso.

Segundo Orlandi (2001), a noção de discurso distancia da forma linear da

comunicação, haja vista que não há a separação entre emissor e receptor. Estes

dois realizam ao mesmo tempo o processo de significação. É nessa relação que ela

propõe pensar não a mensagem, mas o discurso. A relação entre emissor e receptor

não é apenas informativa, há todo um complexo processo de constituição dos

sujeitos e produção de sentidos que são afetados pela língua e pela história. “São

processos de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de

construção da realidade etc.” (Orlandi, 2001: 21). A partir dessas observações,

define discurso como efeitos de sentido entre locutores. É nele que constatamos o

modo social de produção na linguagem.

Do ponto de vista metodológico, a análise de discurso tem como unidade de

análise o texto. Este, por se constituir no processo de interação, funciona como

unidade de significação em relação à situação, podendo ser uma palavra, um

sintagma, um conjunto de frases, ou até mesmo uma letra. O texto funciona como

uma unidade de sentido numa dada situação e no interior de uma formação social.

Orlandi destaca que a AD não pensa a história refletida no texto, mas como “o

texto organiza a relação da língua com a história no trabalho significante do sujeito

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em sua relação com o mundo” (id ibid, p. 69). Assim, o texto é considerado como

um ‘dado’ lingüístico que se manifesta através de suas marcas, de sua organização,

e como um ‘fato’ discursivo, uma vez que a produção de sentidos está relacionada a

uma memória discursiva.

Para compreender a manifestação do discurso no texto, cabe ressaltar o

conceito de funcionamento. Segundo Orlandi, a atividade estruturante do discurso é

o funcionamento, ou seja, “o discurso como parte de um mecanismo em

funcionamento, correspondendo a um certo lugar no interior de uma formação

social”. (id, 2000, p. 23)

A cristalização de processos discursivos, os produtos, são os tipos. A noção

de tipo permite, do ponto de vista metodológico, o agrupamento de certas

propriedades, a generalização de certas características e distinção de classes. Os

tipos estão presentes nas condições de produção do discurso, determinando a

constituição de um novo tipo ou a reprodução de uma forma já estabelecida. Orlandi

(2000) elaborou uma tipologia de discursos para relacionar funcionamento e tipo.

Adverte que essa tipologia tem como critérios “a interação (a reversibilidade, a troca

de papéis ou de estatuto entre interlocutores) e a relação entre polissemia e

paráfrase (a possibilidade, ou não, de múltiplos sentidos).” (id ibid p.24)

O tipo autoritário tende para o mesmo, a paráfrase. A relação entre os

interlocutores é assimétrica, visto que a reversibilidade é contida, assim como há

uma imposição de sentido.

No tipo polêmico há uma relação tensa entre paráfrase e polissemia. Há uma

disputa pelo objeto do discurso entre os interlocutores. Nesse sentido, há

possibilidade de mais de um sentido.

E no discurso lúdico a polissemia é aberta, uma vez que a interação entre os

interlocutores, bem como a possibilidade de sentidos não são contidos. Entretanto,

para Orlandi não há um tipo puro. Por isso, prefere falar em tendências. Há

discursos que tendem para o tipo polêmico, etc.

Por outro lado, pensar a linguagem do ponto de vista do discurso implica

entender como se constitui dizer o mesmo e dizer o diferente. O dizível, a memória,

aquilo que representa um sentido sedimentado, mas produzido por diferentes

formulações do mesmo dizer diz respeito à paráfrase. Já o deslocamento, a ruptura

de processos de significação é a polissemia. Todo discurso se faz na relação entre o

mesmo (paráfrase) e o diferente (polissemia).

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Sobre isso Orlandi (2001) destaca que a matriz do sentido é a paráfrase, pois

o sentido só é possível porque há repetição. Já a polissemia é a fonte da linguagem,

pois é através da multiplicidade de sentidos e de sujeitos que decorre a necessidade

de dizer.

Assim como Orlandi, Maingueneau discute a análise de discurso na

perspectiva que articula o funcionamento discursivo e sua inscrição histórica, ou

seja, sobre as condições de possibilidade de um enunciado circunscrito na história.

Seu objetivo é apreender o discurso através do interdiscurso, discutindo a “suposta

autarquia dos discursos” sob o ponto de vista de sua gênese e de sua relação com o

interdiscurso.

Para o lingüista francês, discurso diz respeito à “uma dispersão de textos cujo

modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades

enunciativas” (2005: 15). As unidades do discurso constituem uma semiótica textual

(sistemas significantes, enunciados) que está imbricada com a história e que fornece

estruturas de sentido para sua manifestação.

Segundo Maingueneau, a presença do outro no discurso pode ser através da

heterogeneidade mostrada, “discurso citado, auto-correções, palavras entre aspas” e

heterogeneidade constitutiva. Esta não deixa marcas visíveis que pode ser

apreendida por uma abordagem lingüística stricto sensu, ou seja, a manifestação da

alteridade no processo de enunciação.

Maingueneau (2005) inscreve o primado do interdiscurso na perspectiva de

uma heterogeneidade constitutiva, numa relação intricada entre o Mesmo do

discurso e seu Outro. A questão do caráter dialógico do discurso de modo algum tem

neste autor sua gênese. Sua teoria converge sobre os estudos que têm discutido a

relação do Outro no fundamento da discursividade, dentre eles o círculo de Bakhtin.

Entretanto, opera essa orientação geral num quadro metodológico mais preciso. O

interdiscurso é pensado através de uma tríade: universo discursivo, campo

discursivo e espaço discursivo.

Define universo discursivo como “conjunto de formações discursivas de todos

os tipos que interagem numa conjuntura dada” (id ibid, p. 35). Devido a sua

amplitude, é de pouca utilidade para o analista.

Por campo discursivo, entende o conjunto de formações discursivas que se

encontra em concorrência e estão delimitadas em uma dada região do universo

discursivo. Concorrência aqui é entendida “tanto o confronto aberto quanto a aliança,

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a neutralidade aparente etc. entre discursos que possuem a mesma função social e

divergem sobre o modo pelo qual ela deve ser preenchida” (id ibid, p. 36). Campos

discursivos, por outro lado, não diz respeito a zonas insulares, há múltiplas redes de

trocas entre um campo e outro. A delimitação de campos discursivos (político,

filosófico, religioso, etc.) é uma abstração necessária, que o analista precisa fazer

como: escolhas, enunciar hipóteses.

Um discurso se constitui no interior do campo discursivo, cuja constituição é

possível descrever “em termos de operações regulares sobre formações discursivas

já existentes” (id ibid, p. 36). Isto não significa que todos os discursos de um campo

estão constituídos em um discurso devido seu caráter de heterogeneidade. A priori,

não é possível determinar as modalidades das relações entre as diversas formações

discursivas de campo.

Nesse sentido, é necessário isolar no campo espaços discursivos. Estes são

subconjuntos de formações discursivas, elegidos segundo a relevância do enfoque

da pesquisa pelo analista. O espaço discursivo, segundo Maingueneau, pode ser

apreendido como um modelo dessimétrico e como um simétrico. Este consiste numa

interação conflituosa entre dois discursos, que neste caso o outro representa em

parte ou totalmente o seu Outro. Aquele permite descrever a constituição de um

discurso, sem identificar o confronto existente no interior de uma formação

discursiva.

É sobre o Outro do discurso que decorre o “caráter essencialmente dialógico

de todo enunciado do discurso”. O intradiscurso se constitui no processo de

interação dos discursos; há uma imbricação do Mesmo e do Outro na constituição de

um discurso. Assim, o princípio de unidade da formação discursiva se dá através de

um conflito regrado entre o Outro e o Mesmo de um discurso. Como revelar a

relação com o outro, já que no espaço discursivo o Outro não é redutível a uma

figura de interlocutor?

Segundo Maingueneau, o Outro seria de alguma forma o interdito de um

discurso. Ou seja, numa dada formação discursiva, em que se delimita a zona do

dizível legítimo, atribui ao Outro a zona do interdito, isto é, a do dizível errado.

A totalidade dos enunciados que se desenvolvem no interior de uma formação

discursiva encontra-se presa no processo de dialogismo, definindo a zona do dizível

legítimo e a zona do dizível errado, seu Outro. Isso significa que os enunciados

devem ser analisados no que afirma e no que nega.

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Cabe destacar que o processo dialógico entre discursos não tendem ao

infinito. Os fundamentos semânticos das formações discursivas obedecem a muitas

restrições e são pouco variados. Isto porque novos fundamentos para constituição

das formações discursivas estão imbricados com as transformações interdiscursivas

globais que também sofrem restrições. Além disso, várias formações discursivas

podem derivar de um sistema primeiro.

3.4.2 Condições de Produção e Formação Discursiva

Orlandi (2001) destaca que as condições de produção referem-se aos

sujeitos, a situação, a memória. De modo restrito, elas dizem respeito às

circunstâncias da enunciação, isto é, o contexto imediato. Do ponto de vista amplo, o

contexto sócio-histórico e ideológico está inserido nas condições de produção.

A produção de qualquer enunciado está imbricada com uma memória

discursiva. Ou seja, todo dizer está sustentado sob a forma do já-dito, do pré-

construído. Essa relação da memória com o discurso, é tratada na análise de

discurso como interdiscurso. Este “disponibiliza dizeres que afetam o modo como o

sujeito significa em uma situação discursiva dada.” (id ibid, p. 31)

Isto significa que o dizer não é propriedade do sujeito. As palavras significam

pela história e pela língua. O sujeito pensa que é a fonte do que diz, porque não tem

acesso ou controle sobre como os sentidos estão constituídos no seu dizer. Para

compreender o funcionamento do discurso é necessária a observação do

interdiscurso. Este remete o dizer a toda uma filiação de dizeres, a uma memória, a

sua historicidade. De acordo com Courtine, apud Orlandi (2001), para constituição

do dizer lançamos mão do interdiscurso, ou seja, de dizeres já ditos e esquecidos. A

formulação do dizer refere-se ao intradiscurso, isto é, aquilo que dizemos num

determinado momento e de acordo com dadas condições.

Segundo M.Pêcheux (apud Orlandi), existem dois tipos de esquecimentos no

discurso. O esquecimento nº. 2 é da ordem da enunciação, ou seja, “produz em nós

a impressão da realidade do pensamento (...) Nos faz acreditar que há uma relação

direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo. (...) Ela estabelece uma relação

‘natural’ entre palavra e coisa” (id ibid, p. 35). Este esquecimento é parcial, visto que

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recorremos à paráfrase para melhor especificar o que dizemos. O esquecimento nº.

1 é o ideológico. Diz respeito ao inconsciente e ao modo pelo qual a ideologia nos

afeta. Por meio desse esquecimento nos iludimos de que o que dizemos origina-se

em nós. Entretanto, os sentidos “são determinados pela maneira como nos

inscrevemos na língua e na história”. (id ibid, p. 35)

Baseado nisto, Orlandi diz que a AD propõe fazer uma leitura a partir do

discurso, construindo escutas que possibilitam explicitar a produção de efeitos de

sentido. Em outros termos, essa prática de leitura coloca em relevo a diferença entre

o que é dito em um discurso e em outro, de que forma é dito, bem como propõe

escutar o não-dito no dito, “como uma presença de ausência necessária”. (id ibid, p.

34)

Cabe destacar que as condições de produção, ou seja, o modo em que os

discursos são constituídos funciona também segundo relações de sentidos,

mecanismo da antecipação, relação de forças e formações imaginárias.

Como a própria nomeação diz, a relação de sentidos indica que os sentidos

resultam de relações. Não há um início absoluto, nem um ponto final para o

discurso. Todo dizer tem relação com outros dizeres. O mecanismo da antecipação

é quando o sujeito coloca-se no lugar do seu interlocutor, “ouve” o que diz para com

isto reordenar sua argumentação e os efeitos sobre o interlocutor. Já as relações de

forças referem-se ao lugar a partir do qual o sujeito fala. A constituição do dizer

também está sustentada pelas relações hierarquizadas existentes na sociedade.

Segundo Orlandi, todos esses mecanismos de funcionamento do discurso

estão contemplados nas formações imaginárias. Tais formações resultam de

projeções, isto é, as posições dos sujeitos no discurso. As formações imaginárias

são imagens que o falante e o ouvinte produzem acerca dos sujeitos envolvidos na

interlocução, bem como do discurso numa conjuntura sócio-histórica. Sobre isso

Orlandi diz:

temos assim a imagem da posição sujeito locutor (quem sou eu para lhe falar assim?) mas também da posição sujeito interlocutor (quem é ele para me falar assim, ou para que eu lhe fale assim?), e também a do objeto do discurso (do que estou lhe falando, do que ele me fala?). É pois todo um jogo imaginário que preside a troca de palavras. E se fazemos intervir a antecipação, este jogo fica ainda mais complexo pois incluirá: a imagem que o locutor faz da imagem que seu interlocutor faz dele, a imagem que o interlocutor faz da imagem que ele faz do objeto do discurso e assim por diante. (2001:40)

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O que isto tem a ver com a produção de sentido? Conforme Orlandi, não é no

dizer em si mesmo nem tampouco pelas intenções de quem diz que reside o sentido.

Este se relaciona às condições de produção, à memória, à formação discursiva. O

sentido das palavras é determinado pelas posições ideológicas e de acordo com o

contexto social e histórico.

Ainda que não haja um consenso sobre a noção de formação discursiva,

segundo Orlandi, ela é básica na AD. Visto que possibilita compreender a produção

dos sentidos e estabelecer regularidades no funcionamento do discurso. Para a

autora, a formação discursiva de dada conjuntura sócio-histórica determina o que

pode e deve ser dito. Disso decorre que a constituição dos sentidos do discurso,

daquilo que o sujeito diz está inscrito numa formação discursiva. Implica dizer que

os sentidos das palavras derivam das formações discursivas, que representam no

discurso as formações ideológicas.

Entretanto, as formações discursivas não funcionam como blocos

homogêneos. Sua constituição se dá pela contradição e heterogeneidade. Elas

estão, desse modo, num processo de constante configuração e reconfiguração.

Além desses questionamentos acerca da formação discursiva, podemos

compreender no funcionamento discursivo os diferentes sentidos. “Palavras iguais

podem significar diferentemente porque se inscrevem em formações discursivas

diferentes”. (id ibid, p. 44)

É através da ideologia que o sujeito se constitui, pois é afetado pela língua e

pela história. O sujeito é determinado pelos efeitos do simbólico para se constituir,

para falar, para produzir sentido.

Na compreensão de Orlandi (2001), a noção de ideologia na Análise de

Discurso significa a evidência da produção de sentido, “como se ele estivesse já

sempre lá” (id ibid, p. 46). Há uma naturalização do sentido, uma vez que ocorre um

apagamento de como se constitui a produção de sentido, ou seja, na relação do

histórico e do simbólico.

Assim, ideologia não significa ocultar, mas funciona como uma relação

necessária entre linguagem e mundo. Daqui decorre a interpretação, ou seja, a

relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Significa dizer que

a interpretação é necessariamente regulada em suas possibilidades, em suas

condições.

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CAPÍTULO IV

4 RECEPÇÃO: SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO SERIADO MALHAÇÃO

4.1 Condições de produção: primeiros resultados

Considero necessário, antes mesmo de apresentar minha pesquisa,

aproximar os leitores de meu trabalho acerca de uma caracterização, em nível

descritivo, dos sujeitos da pesquisa. Para tanto, utilizo tabelas para uma melhor

visualização dos dados.

A maioria dos entrevistados é do gênero feminino. Tabela 1 – Gênero Gênero Quantidade Feminino 38 Masculino 20 A idade predominante, neste grupo de alunos, é 14 anos. 33 alunos têm esta

idade; seguido de 12 alunos com 15 anos; 7 estão com 16; 2 apresentam 13 anos; 2

com 17 anos; 1 com 18 anos e 1 aluno não respondeu a sua idade. De acordo com

esse dado, demonstra que a maior parte dos alunos se enquadra na faixa etária

estipulada para o 1º ano do ensino médio.

Tabela 2 – Faixa etária

Idade Quantidade 13 anos 02 14 anos 33 15 anos 12 16 anos 07 17 anos 02 18 anos 01 Não respondeu 01 Idade Quantidade Total 58

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No que respeita a naturalidade desses alunos, 55 são do Estado de Mato

Grosso, 1 de Minas Gerais, 1 de Santa Catarina e 1 de Paraná. Em relação ao

município do Estado de Mato Grosso, a maioria nasceu em Arenápolis.

Tabela 3 – Naturalidade Naturalidade Quantidade Arenápolis-MT 27 Nortelândia-MT 11 Tangará da Serra-MT

08

Cuiabá-MT 03 Alto Paraguai-MT

01

Denise-MT 01 Jaciara-MT 01 Rondonópolis-MT

01

Paranatinga-MT 01 Juara-MT 01 Uberlândia-MG 01 Brusque-SC 01 Nova Aurora-PR 01 Total 58 A maior parte dos alunos reside no bairro Vila Nova. Este é um bairro central,

onde se encontra a maioria do comércio. Devido a sua localização, o bairro conta

com uma infra-estrutura básica, como ruas calçadas ou pavimentadas, pequena

rede de esgoto e razoável coleta de lixo.

Bela Vista, o segundo mais habitado pelos alunos entrevistados, é o maior do

município. Este bairro, assim como os outros do município, apesar de algumas

melhorias em relação à infra-estrutura, ainda apresenta ruas não pavimentadas,

ausência de rede de esgoto e coleta de lixo uma vez por semana.

De modo geral, não é possível dizer que existe, no município, um bairro

habitado apenas por uma classe social economicamente favorecida.

Tabela 4 – Bairro residencial Bairro

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55

residencial Quantidade Vila Nova 16 Bela Vista 11 Centro Histórico 06 Primavera 06 São Mateus 03 Jardim Canaã 02 Vila Rica 02 Praça Uirapuru 01 Tapirapuã 01 Não respondeu 09 Total 57 Obs. 01 entrevistado mora na fazenda.

Em relação à profissão do pai, predominou neste grupo de entrevistados, as

atividades referentes à prestação de serviços (borracheiro, guarda, pintor, técnico

eletrônico, etc.), embora sobressaísse a profissão comerciante. Vale destacar que

10 alunos não responderam a profissão do pai.

Tabela 5 – Profissão do pai Profissão / pai Quantidade Administrador de Empresa

02

Borracheiro/mecânico

01

Caminhoneiro 01 Comerciante 09 Contador 01 Cortador de cana 01 Desempregado 01 Despachante 01 Funcionário público 02 Guarda 02 Profissão/pai Quantidade Leiteiro 01 Madeireiro 01 Motorista 02 Oficial de justiça 01 Operador de máquinas

01

Pecuarista 01 Pedreiro 05 Pintor 01 Produtor rural 02

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56

Professor 01 Representante comercial

02

Trabalhador rural 01 Trabalhador Usina Itamarati

01

Técnico eletrônico 02 Viajante 01 Vaqueiro 01 Vendedor 01 Vidraceiro 01 Taxista 01 Não respondeu 10 Total 58

Quanto à profissão da mãe, 21 desempenham atividades domésticas. 23

mães prestam serviços como: caixa, cabeleireira, escrivã, empregada doméstica,

costureira, etc. 4 comerciantes, 2 administradoras de empresa (lê-se: 1 proprietária

de laticínio e 1 de gráfica).

Tabela 6 – Profissão da mãe Profissão/mãe Quantidade Administradora de empresa

02

Agricultora 01 Cabeleireira 01 Caixa 01 Comerciante 04 Profissão/mãe Quantidade Copeira 01 Costureira 02 Cozinheira 01 Do lar 21 Diarista 01 Direito 01 Empregada doméstica

02

Escrivã 01 Funcionária pública 02 Gari 01 Gerente loja 01 Professora 06 Representante 01

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57

comercial Técnico em enfermagem

01

Vendedora 01 Não respondeu 06 Total 58 Quanto à renda familiar, 12 alunos disseram ter uma renda familiar de 3 a 4

salários-mínimos, 11 de 2 a 3 salários-mínimos e 10 de 1 a 2 salários-mínimos.

Totaliza, assim, 33 alunos com uma renda de até 4 salários-mínimos. Isto revela que

a maior parte dos alunos entrevistados tem um baixo poder aquisitivo

Tabela 7 – Renda familiar RENDA FAMILIAR QUANTIDADE 1 a 2 salários-mínimos 10 2 a 3 salários-mínimos 11 3 a 4 salários-mínimos 12 4 a 5 salários-mínimos 02 5 a 6 salários-mínimos 02 6 a 7 salários-mínimos 03 7 a 8 salários-mínimos 04 9 a 10 salários-mínimos 04 + 10 salários-mínimos 07 Não sabe 03 Total 58

A maior parte dos entrevistados não trabalha sob o regime de remuneração.

Além disso, a maioria que trabalha fora é do gênero masculino.

Tabela 8 – Gênero Masculino Trabalha com remuneração Quantidade Sim 08 Não 12 Total 20 Tabela 9 – Gênero Feminino Trabalha com remuneração Quantidade Sim 05 Não 33 Total 38

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Tabela 10 – O valor da remuneração TRABALHO REMUNERADO QUANTIDADE Menos 1 salário 10 1 salário 01 Mais 1 salário 01 Diária R$20,00 dia 01 Total 13

Sobre a formação em nível superior, apresento os dados de acordo com o

gênero.

Tabela 11 – A preferência dos meninos em relação ao curso superior Curso superior Quantidade Veterinária 04 Engenharia Civil 02 Direito 02 Engenharia Mecânica 01 Engenharia Mercado 01 Engenharia da informática 01 Curso superior Quantidade Ciência da computação 01 Curso na área de saúde 01 Administração 01 Administração de Agronegócios

01

Língua Inglesa 01 Matemática 01 Odontologia 01 Serviço Militar 01 Zootecnia 01 Não decidiu 04 Total 24 Cabe destacar que 3 meninos responderam mais de uma opção. Um

respondeu Engenharia de Mercado ou Zootecnia. Outro destacou 3 possibilidades:

Veterinária, Direito ou algum curso na área de saúde. E um respondeu 2

possibilidades: Matemática ou Odontologia. Estes dados revelam que as profissões

das áreas de exatas e saúde são as mais destacadas pelos meninos.

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Tabela 12 – A preferência das meninas em relação ao curso superior Curso superior Quantidade Medicina 10 Direito 10 Enfermagem 04 Administração de empresas 03 Psicologia 03 Veterinária 03 Agronomia 02 Aeronauta 02 Arqueologia 02 Odontologia 01 Cientista 01 Turismo 01 Diplomacia 01 Arquitetura 01 Fisioterapia 01 Biologia 01 Engenharia Civil 01 Engenharia de Produção 01 Curso superior Quantidade Ensino médio/um concurso 01 Não decidiu 02 Total 50 Destes dados, 12 meninas apresentaram 2 possibilidades de profissão. De

acordo com as respostas, observa-se que a maioria das meninas tem preferência

pela área da saúde: 10 medicina, 4 enfermagem, 1 odontologia, 1 fisioterapia. Em

seguida, o curso de Direito foi o mais apontado.

No questionário factual propus, também, conhecer os sonhos e projetos em

relação ao futuro. De acordo com as respostas, fiz a compilação dos dados a partir

das categorias apresentadas por eles. Assim, 18 alunos pretendem fazer uma

faculdade, 8 responderam ser feliz, 4 ter uma vida saudável, ótima, 4 ter família, etc.

Estas respostas sugerem que o imaginário, de modo geral, desses jovens

entrevistados, consiste em almejar uma vida feliz, seja através de um bom emprego,

de um curso superior, de estar ao lado da família. Veja a tabela abaixo:

Tabela 13 – Sonhos Sonhos Quantidade

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60

Ter curso superior 18 Ser feliz 08 Cargo de cientista 01 Trabalhar / ter bom emprego 08 Abrir loja chocolate 01 Abrir o próprio negócio 02 Passar na UFMT 02 Passar na UFMT p/ Medicina 02 Ser independente 01 Ir p/ NBA 01 Aprender/ estudar 02 Vencer na vida 01 Ir p/ Cuiabá cursar faculdade 01 Ir p/ EUA 01 Ser Pediatra 01 Ajudar a família 01 Ser enfermeira 01 Sonhos Quantidade Ser desembargadora 01 Ingressar no exército 01 Morar numa cidade circula muito dinheiro 01 Sair de Arenápolis 01 Ser alguém na vida 01 Casar 01 Ser milionária 02 Ser famosa 01 Ter uma boa formação 01 Ter vida saudável, ótima 04 Ser aeronauta 01 Ganhar na mega sena 03 Ter família 04 Ter sucesso vida profissional, financeira e pessoal

01

Viajar p/ uma cidade bem desenvolvida 01 Ser boa juíza 02 Ter família junta e unida 02 Ter saúde 01 Ter uma casa 01 Viajar / conhecer vários lugares 01 Terminar ensino médio 01 Ser promotora 01

No que se refere à programação televisiva, programas como: Caldeirão do

Huck, Vídeo Show, Pânico na TV, etc. fazem parte da categoria entretenimento. O

gênero folhetim refere-se a novelas. Jornal, Globo Repórter e SBT Repórter na

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categoria Noticiário/Informativo. E programas como desenhos, filmes e esporte

receberam estas categorias. Os dados foram compilados de acordo com a categoria

gênero.

Tabela 14 – Gênero feminino: programas televisivos mais preferidos Programas televisivos preferidos Quantidade Novela 37 Entretenimento 18 Desenho 08 Noticiário/Informativo 19 Filme 07 Programas televisivos preferidos Quantidade Programas televisivos preferidos Quantidade Esportivo 01 SBT 01 Obs. Em relação ao último dado, a informante destacou apenas o canal de sua preferência. Tabela 15 – Gênero masculino: programas televisivos mais preferidos Programas televisivos preferidos Quantidade Novela 15 Entretenimento 11 Noticiário/Informativo 06 Desenho 03 Esportivo 02 Não assiste TV, apenas filmes locados.

01

Não tem TV 01 SBT/Globo 01 Não respondeu 01 Obs. Em relação ao último dado, o informante destacou apenas os canais preferidos,

por isso, a categoria SBT/Globo.

Esses dados revelam que o programa preferido dos jovens é novela. Assim,

75% dos meninos e 97,4% das meninas gostam desse formato de programa

televisivo. Em 2º lugar, as meninas têm preferência por notícias e informações,

seguido de programas de entretenimento. Os programas de entretenimento ocupam

2º lugar na preferência dos meninos. Apenas 30% dos meninos assistem aos

noticiários.

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Os habitantes do município que não possuem antena parabólica ou TV a

cabo, dispõem apenas da transmissão da Rede Globo, SBT e Record.

Em relação ao contato dos jovens com as tecnologias de informação e

comunicação, os resultados mostraram que a televisão é o meio de consumo de

maior acesso, seguido do celular e rádio.

Tabela 16 – Veículos de comunicação acessíveis no domicílio Meios de comunicação no ambiente doméstico

Quantidade

TV 44 Telefone 18 Celular 31 Meios de comunicação no ambiente doméstico

Quantidade

Rádio 31 Som 13 Computador 16 DVD 05 Vídeo cassete 01 Não respondeu 02

Outro dado, das condições gerais de produção dos sujeitos da pesquisa,

refere-se ao consumo da Internet. Dos 58 entrevistados, 50 acessam a Internet.

Deste total, 29 acessam a Internet algumas vezes por semana, 11 raramente e 10

diariamente. Se confrontarmos esse dado com a tabela 15, observamos que apenas

16 dispõem de computador no ambiente doméstico, o que sugere o consumo que

fazem das 4 Lan Houses do município.

Tabela 17 – Acesso a Internet Acesso a Internet Quantidade Sim 50 Não 08 Tabela 17.1 – Freqüência de acesso a Internet

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Freqüência de acesso a Internet Quantidade Diariamente 10 Algumas vezes por semana 29 Raramente 11 Total 50

Além dessas características gerais sobre os sujeitos da pesquisa, o

questionário factual confirmou a hipótese de que grande parte dos jovens, de 12 a

17 anos, assiste ao seriado Malhação. Assim, dos 58 entrevistados, 38 assistem ao

programa. Isto significa que 65,5% dos entrevistados são receptores de Malhação.

Tabela 18 – Assiste ao seriado Malhação Assiste ao seriado Malhação

Quantidade

Sim 38 Não 20 Total 58

As justificativas dos jovens por que assistem ao seriado Malhação, foram

categorizadas de acordo com as respostas dadas por eles. Desse modo, 23

disseram gostar do seriado devido ser um programa destinado para o adolescente, o

que sugere uma identificação do jovem com Malhação. 9 abordaram que gostam de

Malhação porque é informativo. 5 disseram gostar muito, não falaram por que.

Outras respostas apareceram como: o programa tem a linguagem dos jovens,

mostra a realidade como namoro, inveja, etc.

Tabela 19 – Por que assiste ao seriado Malhação Por que assiste ao seriado Malhação

Quantidade

Programa p/ adolescente 23 Gosta muito/gosta 02 Divertido 05 Mostra o que acontece c/ a vida de algumas pessoas

01

Informativo 09 Linguagem dos jovens 01 Tem pessoas bonitas 01 Apresenta bom convívio entre as 01

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pessoas Mostra a realidade como namoro, inveja...

01

Porque é como outro programa comum

01

Por que assiste ao seriado Malhação

Quantidade

Identifica c/ o programa 01 Incentiva bons valores (praticar esportes, valor da amizade...)

04

Apresenta mulheres bonitas 01 Dentre as respostas dos 20 que não assistem ao seriado Malhação, 5

disseram que é chato, 3 abordaram que apresenta assuntos que não interessa,

seguidas de outras respostas como: o seriado não faz parte do contexto juvenil; é

fictício e irracional; não tem tempo de assistir, etc.

Tabela 20. Por que não assiste ao seriado Malhação Por que não assiste ao seriado Malhação

Quantidade

Não tem TV 01 Apresenta assuntos que não interessa

03

Fora do contexto juvenil 01 Induz o jovem a mentir, desrespeitar a família

01

Fictício/irracional 01 Não tem tempo 01 Não tem vontade de assistir 01 Acha chato 05 Não assiste/joga bola 01 Não gosta 01 Apresenta jovens rebeldes 01

4.2 Resultados da pesquisa qualitativa: a escuta das vozes

Antes de analisar trechos pertinentes ao foco de investigação, a saber, os

sentidos que alunos do 1º ano do ensino médio, da rede estadual de ensino do

município de Arenápolis atribuem ao seriado malhação, julgo necessário informar as

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características gerais dos sujeitos da pesquisa que participaram da coleta de dados

qualitativos.

Características Gerais dos alunos entrevistados individualmente. Sujeitos da pesquisa

Características

S1 Gênero feminino. Tem 14 anos. Nasceu em Tangará da Serra. Reside no bairro Bela Vista. O pai e a mãe são comerciantes. A renda familiar é de aproximadamente 3 mil reais. Não trabalha fora. Pretende cursar Direito ou Medicina. Sonha em ter uma faculdade e ser feliz. Dentre a programação de TV, assiste a novelas, multi-show, MTV, Vídeo Show, Super Pop, filmes e desenhos. Dispõe, no seu ambiente doméstico, de televisão, rádio, celular e telefone residencial. Acessa a internet algumas vezes por semana. Assiste à Malhação, porque fala sobre a vida dos jovens. Destaca que o assunto discutido é “muito legal”, uma vez que mostra a dificuldade de jovens no mundo todo.

S2 Gênero masculino. Tem 14 anos. Nasceu em Tangará da Serra. Reside no bairro Bela Vista. O pai é contador e a mãe, professora. A renda familiar é de aproximadamente 2.500,00 reais. Não trabalha fora. Pretende cursar Medicina Veterinária. Sonha em se formar e ter uma vida boa. Em relação aos programas televisivos, assiste a jornal, Malhação e novela. Em casa, dispõe de TV, computador e telefone. Acessa a internet diariamente. Assiste à Malhação, porque é um programa de adolescente. Segundo ele, traz temas de importância para a sociedade.

S3 Gênero feminino. Tem 14 anos. Nasceu em Arenápolis. Reside no bairro Vila Nova. O pai é comerciante e a mãe está terminando o curso de Direito. A renda familiar é de aproximadamente 8 salários. Não trabalha fora. Pretende cursar Medicina ou Odontologia. Sonha em sair da cidade e se formar em Medicina. Gosta de assistir a jornal, novela e desenho. Prefere novela. Dispõe em casa de televisão, celular e computador. Acessa a internet diariamente. Assiste à Malhação, porque mostra as coisas que interessam aos jovens.

S4 Gênero feminino. Tem 14 anos. Nasceu em Arenápolis. Reside no bairro Bela Vista. O pai é pedreiro e a mãe é do lar. A renda familiar é de aproximadamente 300,00 reais. Não trabalha fora. Pretende cursar Arqueologia (Egiptologia) ou Agronomia. Sonha em vencer na vida com liderança e aprender sempre mais e mais. Os programas de TV a que mais assiste são: Globo Repórter,

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Auto Esporte e desenhos. Dispõe em casa de televisão, rádio e celular. Raramente acessa a internet. Assiste à Malhação, porque passa a realidade e as tramóias dos adolescentes.

S5 Gênero masculino. Tem 15 anos. Nasceu em Arenápolis. Reside no bairro Vila Nova. O pai é vidraceiro e a mãe, cantineira. A renda familiar é de aproximadamente 2.000,00 reais. Não trabalha fora. Pretende prestar serviço ao exército. Sonha em ganhar na Mega Sena. Em relação aos programas televisivos, assiste à Escolinha do Golias, Malhação, Fora de Controle, Paraíso Tropical e Pé na Jaca. Dispõe, no ambiente doméstico, de TV, computador, rádio e telefone. Acessa a internet algumas vezes por semana. Assiste Malhação porque é um programa de adolescentes e é legal

S6 Gênero feminino. Tem 14 anos. Nasceu em Arenápolis. Reside no bairro Bela Vista. O pai é vendedor e a mãe, funcionária pública. A renda familiar é de aproximadamente 3 salários. Não trabalha fora. Pretende ser cientista. Sonha em terminar os estudos, cursar uma faculdade e exercer o cargo de cientista. Em relação à programação da TV, assiste a novelas, jornais, programas de conhecimento e programas de comédia. Dispõe, em casa, de som, rádio, DVD, TV, celular e telefone. Acessa a internet algumas vezes por semana. Assiste à Malhação, porque acha que deve estar por dentro dos assuntos. Acredita que os jornais não são os únicos que informam sobre o que acontece.

S7 Gênero feminino. Tem 14 anos. Nasceu em Nortelândia. Reside no bairro Vila Nova. O pai é comerciante. Não informou sobre a mãe. A renda familiar é de aproximadamente 2.500,00 reais. Não trabalha fora. Pretende ser aeronauta ou cursar Engenharia Arquitetônica. Sonha em ser aeronauta e milionária. Em relação aos programas televisivos, assiste a Play TV, Pânico na TV, Malhação, TV Futura. Dispõe, em casa, de TV, celular, telefone e rádio. Acessa a internet algumas vezes por semana. Assiste à Malhação porque tem muitas pessoas bonitas e um convívio bom entre as pessoas.

S8 Gênero feminino. Tem 14 anos. Nasceu em Arenápolis. Reside no bairro Bela Vista. O pai é trabalhador rural e a mãe é cabeleireira. A renda familiar é de aproximadamente 1.000,00 reais. Não trabalha fora. Está em dúvida quanto ao curso superior. Sonha em viver bem e ser feliz sempre. Em relação à programação da TV, assiste a novelas, desenhos animados, jornais e programas de entretenimento. Dispõe, em casa, de televisão e rádio. Raramente acessa a internet. Assiste à Malhação, porque é um programa voltado para o público jovem. Segundo ela, Malhação tenta interpretar o máximo

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da realidade juvenil, bem como traz informações contemporâneas.

Os corpora de análise consistem nos depoimentos dos sujeitos acerca dos

sentidos que atribuem ao seriado Malhação. O procedimento de análise dos dados

será permeado pelas contribuições da análise de discurso de linha francesa, bem

como pelas contribuições de estudiosos que discutem a cultura contemporânea a

partir do processo de comunicação.

A pergunta de pesquisa objetiva perceber as mediações que os jovens

lançam mão para atribuir sentido ao seriado Malhação. Para tanto, considero as

contribuições de Martin-Barbero para pensar a inter-relação entre cultura e

comunicação, tendo em vista as mediações históricas e socioculturais.

Os dados estão categorizados de acordo com o tópico guia, utilizado nas

entrevistas, bem como, a partir das regularidades discursivas manifestadas nas falas

dos sujeitos.

4.2.1 Motivação para assistir ao seriado

Canclini (2005), em Consumidores e Cidadãos, discute de que modo o

mundo, através de mudanças desencadeadas pelo processo de globalização,

reordena as identidades organizadas em torno de símbolos nacionais e são res-

significadas através de meios de comunicação como rádio e televisão. Assim, afirma

que:

para muitos homens e mulheres, sobretudo jovens, as perguntas próprias aos cidadãos, sobre como obtermos informação e quem representa nossos interesse, são respondidas antes pelo consumo privado de bens e meios de comunicação do que pelas regras abstratas da democracia ou pela participação em organizações políticas desacreditadas. (Canclini, 2005: 14)

Segundo o autor, esse processo pode significar a perda dos ideais de

democracia iluminista, mas também pensar que a noção política de cidadania se

expande com “a apropriação de outros bens no processo de consumo”.

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À luz do mapa conceitual desenhado por Canclini, denomino o seriado

Malhação como produto simbólico consumido pelos sujeitos da pesquisa. Para ele, é

comum, nas práticas linguageiras, associar consumo “a gastos inúteis e compulsões

irracionais.” E continua: “esta desqualificação moral e intelectual se apóia em outros

lugares-comuns sobre a onipotência dos meios de massa, que incitariam as massas

a se lançarem irrefletidamente sobre os bens.” (2005: 59)

Assim, é freqüente ouvir: por que assistir à telenovela, uma vez que ela

distorce a vida real?

Segundo Canclini, as pesquisas que refletem sobre os comportamentos do

consumo têm destacado apenas que elas servem para dividir. Sobre isso pondera

que, se não houvesse um compartilhamento acerca de sentido dos bens entre os

membros de uma sociedade, eles não poderiam ser entendidos como instrumentos

de diferenciação. Por isso, propõe: “devemos admitir que no consumo se constrói

parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma sociedade.” (2005: p. 63)

Para responder às perguntas acerca da suposta irracionalidade dos

consumidores, Canclini propõe associar o consumo a rituais e celebrações, tendo

por base as reflexões de Mary Douglas e Baron Isherwood. Estes, de acordo com a

leitura de Canclini, dizem que é por meio dos rituais que “os grupos selecionam e

fixam – graças a acordos coletivos – os significados que regulam a sua vida.” (id ibid

p. 64) Assim, para Douglas e Isherwood a função primária do consumo consiste

“dar sentido ao fluxo rudimentar dos acontecimentos”. (id ibid p.65)

Baseado nisto, o uso que a sociedade faz dos meios de comunicação é de

alguma forma um processo de ritualização, na medida em que horários são

estipulados para assistir a uma telenovela, um reality show, um telejornal, ou, no

nosso caso específico, assistir ao seriado Malhação. Por outro lado, Malhação pode

ser entendida como um ritual na medida em que possibilita um sentido provisório

acerca da ociosidade do tempo, ou na busca de uma identificação, cujas relações

face a face não são mais as únicas possíveis, como discute Thompson (1998).

A partir dessas considerações sobre o consumo de bens, é que questiono:

qual a motivação desses alunos para consumir o produto simbólico Malhação?

Para alguns entrevistados, o querer assistir à Malhação deu-se numa relação

de acaso com o ato de assistir à TV. Parece que a TV, para alguns desses jovens,

torna-se um passatempo quando não se tem nada pra fazer. Isto pode ser

confirmado nos depoimentos abaixo:

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“ah, eu tavu venu TV, aí eu vi e comecei a assisti.” (S7)

Para outros, a motivação deu-se devido aos comentários dos amigos. O que

em parte evidencia o agendamento da TV na conversa entre os jovens.

“é, todo mundo fala, né, de malhação, que é bom, que não sei o que, aí, a gente vai ver se é bom e pega o costume de assistir todo dia, todo mundo falanu.” (S8) “os amigos que falavam, ficava comentanu o que, que tinha acontecido, aí, eu comecei assisti, né.” (S5)

Outra motivação elencada para assistir à Malhação diz respeito à

identificação com a temática abordada no seriado.

“porque eu assisti a primeira vez, né, aí, eu, eu gostei do tema, né, dos jovens, né, aí eu comecei assistir com freqüência.” (S2) “ah, eu gosto, fala um poco do jovens.” (S1)

Estas falas revelam a circulação de sentidos entre os jovens sobre assuntos

relacionados aos valores grupais que compreendem o período de 13 a 18 anos. O

jovem se reconhece num seriado como Malhação, visto que os ícones, índices e

símbolos utilizados pela produção do seriado estão presentes em parte no seu

cotidiano como: escola, namoro, sexualidade, estilo visual. Elementos considerados

para atingir a sensibilidade dos jovens receptores. Dessa forma, a produção coloca

em circulação as representações do cultural, da subjetividade, da beleza, do modo

de se expressar próprio da juventude.

Dentre as temáticas apontadas pelos sujeitos da pesquisa, estão mais

enfaticamente: gravidez na adolescência, preconceito, esporte, namoro, drogas,

amizade, traição.

Isto posto, cabe discutir as leituras que os sujeitos da pesquisa fazem de

Malhação. Assunto para o próximo item.

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4.2.2 Malhação: o eixo temático

Falar do seriado Malhação do ponto de vista do receptor, que assiste ao

seriado mais ou menos há três anos, de modo assíduo ou não, foi uma das pautas

do tópico guia para conversa. Ao re-ler os depoimentos dos sujeitos, percebi que, de

modo geral, o eixo temático de Malhação foi um elemento central na fala dos sujeitos

da pesquisa

“ah, é que passa lá sobre as dificuldades dos jovens, ensinanu que muitas vezes a gente vai passa por isso tamém.” “ah, tem o namoro que é uma dificuldade do jovem que eu acho.” ”dificuldade...de união, sobre os amigos. Porque tem os rivais e tem o bem, né, já isso eles acham uma dificuldade. Ensina que nem todos nós somos iguais. Tem diferente.” (S1)

“sobre as doenças. Teve ano passado, teve o câncer, e foi com o câncer que o menino sobe aprender o lado bem da vida, porque ele era, ele sabotava os amigos, mexia com draga, es, álcool, esses negócio e quando ele teve essa doença ele percebeu que tinha outro lado da vida, o bom.” (S1)

Malhação, nestes depoimentos, adquire um sentido pedagógico na medida

em que discute temas como namoro, amizade, drogas, doenças (câncer). Estes

comentários confirmam os estudos de Castro (1998) quando discute os processos

de pedagogização assumidos pelos mass media:

as práticas de consumo, enquanto um mecanismo de integração

social das crianças, certamente foram bem sucedidas em reproduzir

uma visibilidade social para a infância e para a adolescência, que

em tempos idos tiveram de permanecer na obscuridade esperando

por sua vez. (...) na cultura contemporânea, os processos de

pedagogização foram assumidos por outras instituições, tal

como os mass-media, na media em que estes deslancharam

processos de integração de crianças e adolescentes na dinâmica

social. (pp. 63-64)

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Em relação ao enunciado “ah, é que passa lá sobre as dificuldades dos

jovens, ensinanu que muitas vezes a gente vai passa por isso tamém” fica implícito

o sentido que circula na sociedade, qual seja, ter conflitos é típico do adolescente.

Isto enseja recorrer a Eni Orlandi (2000: 58) quando discute a relação entre sujeito e

formação discursiva.

O sentido não existe em si mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. (...) A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada (isto é, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada) determina o que pode e deve ser dito.

S1 revela ainda uma leitura parafrástica do seriado. Isto pode estar

relacionado ao tipo de funcionamento do enunciado de Malhação, o tipo autoritário.

A polissemia é controlada com a imposição de um único sentido. Isto é possível ser

verificado através de modelos comportamentais sugeridos pelo programa, ou seja, o

mau caráter é redimido de seus pecados porque o câncer pôde ajudá-lo a perceber

que existe o lado bom da vida. Assim, a referência que tem para assistir ao seriado

consiste nos valores que toma para si como um comportamento ideal de um jovem

numa sociedade que tem sido freqüente o uso de drogas.

Falar do seriado a partir do enfoque sócio-educativo que a produção toma

para si foi uma regularidade discursiva nos depoimentos de quase todos dos sujeitos

da pesquisa.

“ah, ma, tipo assim, uma novela que, eu acho assim, que ajuda os, os adolescente desenvolver [xxx], tipo assim, passa bastante o de namoro essas coisas, jovens que gostam tá de, sempre é junto na escola, desenvolvendo coisas lá, que é tipo assim, acho bem legal. (S3)

“é como um programa jovem, é discute assim, o que a gente fala né, também discute temas sociais, né, gírias.” “dá, que nem tem, dá, o preconceito, roubo, é pessoas precisando de ajuda, que nem tá na atualidade agora.” “É da mentira, assim, a traição.” “esportes.” “superação”.(S2)

“é fala de bastante, é de assuntos bem diferentes. Cada ano fala de um assunto bem, bem é polem, é assuntos polêmicos, que, que, o jovem tá sempre vivenciando.”

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“é, gravidez na adolescência, drogas, é, o esporte, assim, que o jovem tá mais praticando, é o jovem que faz esporte e...”(S8)

“ah, eu acho que, que tem uma parte que é educativa, né, que ensina as pessoas não faze coisa errada, que mostra as conseqüências também.” “de respeita o pai, de respeita os professores também, é de não faze coisa errada é que nem lá passa bastante coisa, de que mostra assim que a pessoa engana faz um monte coisa errada.” (S6)

“exemplo, hum...no tempo de jovem, jovem qué muito curti a vida, então pode acontece gravidez, pode acontece alcoolismo no transito, morre, bate o carro, morre, brincadeirinhas de mau gosto, batida de carro pra prejudica um outro colega, pode, ou tanto coisas [xxx] mata, faz um outro colega, assim, vai sofre as conseqüências, e [xxx] muitas outras coisas também.” (S4)

”ah, era legal, abordava sobre várias, várias coisas. É, já abordou sobre o racismo, sobre DSTs. Várias coisas.” (S7)

S7 ao usar o verbo no tempo pretérito “era” destaca que discursivamente não

assiste mais ao seriado. Entretanto, cabe destacar que, durante a entrevista, percebi

que S7 se manteve reticente para comentar sobre Malhação. Nos três encontros que

participou do grupo focal, em nenhum momento deixou transparecer que não

assistia ao seriado. Isto em agosto de 2007. Porém, na entrevista individual

realizada, na sua residência, em novembro de 2007, demonstrou ponderação sobre

o seriado Malhação. Assim, disse:

“Não to acompanhanu.” “Assisti um poquinho desse mas eu não gostei.” “Porque eu acho que esses au, autores de novela não tão preocupado com a educação da população, tão mais preocupado em, em deixar a população passando tempo com essas besteira e não, não passa coisa importante que pode, que pode assim sê aproveitada.” “Não assim quem já comento, ela já falo que ela não gosta muito que eu assisto, porque ela fala que só tem besteira.” “é que ele já falo que podia, sobre isso né, que é que eles não passam muita coisa sobre, que falta passa tipo educação.”(S7)

O sentido que S7 atribui às novelas tem influência direta da família. Assim,

seu discurso se filia à redes de sentidos que compreendem as novelas como objeto

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simbólico inferior, uma vez que não pode ser aproveitada na educação da

população.

Orlandi (2001), tendo por base as reflexões de O. Ducrot, destaca que “ao

longo do dizer, há toda uma margem de não-ditos que também significam” (p. 82).

Baseado nisto, é possível depreender o conceito de cultura a que o dizer de S7 se

filia, analisando o não-dito. Assim, cultura significa instrução, a qual se adquire com

a leitura de um livro e não assistindo a novelas.

4.2.3 No cotidiano da tela e da vida

O questionário factual aplicado na primeira fase da pesquisa revelou que, dos

58 entrevistados, 38 disseram assistir ao seriado Malhação. A maior parte da

justificativa foi o fato de ser um programa para adolescentes. A partir desse dado,

coube questionar: que relações de semelhanças ou diferenças estabelecem entre o

adolescente representado em Malhação e o que vivencia cotidianamente como

adolescente?

A produção do seriado só pode ter êxito se conhece quem é o seu receptor

em potencial. Mas, de que adolescente fala? A literatura aborda que o texto

audiovisual não se preocupa com o nível econômico, cultural e social da audiência,

visto que há uma pausterização das imagens. Assim, quais elementos presentes em

Malhação fazem parte do cotidiano dos sujeitos da pesquisa?

A seguir, apresento algumas falas dos sujeitos sobre a relação que fazem

entre o cotidiano vivenciado e o representado na tela.

“ah, é muito diferente.” “porque muitas coisas que acontece lá não acontece aqui.” “ah, eu nunca vi é, aqui, ninguém no meu cotidiano, ninguém briga ou sabota a melhor amiga por causa de namorado. Isso passa muito na Malhação, né, as melhores amigas que fingem, né, entre aspas, sê amiga sabotaram. Acho que eu nunca vi.” “tem também, existem muitas diferenças, porque eles, o, lá eles são libe, os pais é liberais. Coisa que aqui não acontece. Que lá eles fazem o que quise, se decidi hoje vamo viaja, amanhã todo mundo tá viajanu.”

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“acho errado, porque se o pai e a mãe não tá presente pra man, é ordena o que a gente pode e o que não pode faze, acho que a gente nunca vai aprende o certo e o errado.” “Passa, eles mesmos decide suas próprias vidas.” (S1).

S1 considerou dois aspectos representados em Malhação que diferem do seu

cotidiano, que são a relação entre amigos e a atitude dos pais na educação dos

filhos. No que respeita à amizade, seu dizer se inscreve numa memória discursiva

que considera como verdadeiro amigo o que não trai, não mente. Valores que

provavelmente são fornecidos por instituições tradicionais como família, igreja,

escola.

Em relação à representação dos pais em Malhação, percebe um

comportamento liberal, uma vez que deixam o filho decidir sobre suas ações. Em

seguida, destaca a importância dos pais para ensinar “o certo e o errado”. Esta

leitura tem como base o interdiscurso da instituição familiar. A família é

indispensável na visão de muitos desses sujeitos da pesquisa, pois é através dela

que aspectos como caráter, limites, responsabilidade são apreendidos pelos filhos.

Os depoimentos abaixo também destacam a diferença entre o cotidiano da

tela e da vida, ao comentarem sobre a relação pais e filhos em Malhação.

“que nem lá, deveria mostrar mais assim, a família, né, porque a família é a estrutura né.” “não é diferente porque lá, que nem mostra a família assim, poucas vezes e conversas assim, de...como eu posso dizer, é nunca de uma bronca, nunca de uma briga, assim, sempre de, deixando fazer como, né, como se tudo fosse liberado, pudesse fazer tudo, então, no caso, assim, teria que ser mais abordado o lado familiar, né, uma bronca...é...um não, né.” (S2)

“teve um dia que eu até pensei sobre isso. Hum, eu não entendo como que os pais deixam o filho sair de outra cidade, eu acho assim que o Múltipla Escolha, ele é uma escola de ensino médio, ensino médio da minha idade, primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, então isso chega nem a tê18 anos. Ah, ah[xxx], o jovem ah, eu penso assim como que os pais deixam i pra essas república, assim que tavam todos os jovens, assim, desse jeito.” (S4)

Dos trechos acima depreende-se as filiações de sentido do que vem a ser

uma família ideal. Para eles, o papel dos pais é também por limites ao filho, atitude

ausente nos pais de malhação, já que são liberais.

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O sentido que atribuem ao conceito tradicional de família independe das

condições de produção, haja vista as diferentes atividades profissionais

desempenhadas por seus pais, assim como a renda familiar. Os pais de S1

trabalham no comércio; de S2, o pai é contador e a mãe professora e o pai de S4 é

pedreiro e a mãe do lar.

Outro aspecto refere-se ao uso da internet. Ou seja, ter acesso diariamente à

internet não interfere no conceito de S2 em relação à família, pois discursivamente

diz “a família é a estrutura.” Nesse sentido, S1, S2 e S4 percebem na família uma

estrutura panóptica na educação dos filhos.

O panoptismo, conceito utilizado por Foucault, refere-se a um dispositivo

disciplinar que desde fim do século XVII a sociedade utiliza como procedimento

coercitivo para assegurar a ordem.

De modo diferente da leitura anterior, a fala abaixo vê aspectos positivos na

representação de pais e filhos em Malhação.

“que eles são mais liberais, assim, porque é uma escola de ensino médio, né, então é de 15 a 17 anos. Então eles são bem liberais, assim.” “ah, aqui de casa não.” “um pou, assim, é pouco. É raro algum pai faze o que fazem na malhação.” “ser liberal é deixa sai todo dia, é não importa com hora, não, não quere sabe onde que o filho vai. Porque a maioria das vezes na malhação, é, são duas famílias, né, e o pai não, e os pais, assim, têm aquela preocupação, mas não, assim, é cobrado tanto.” “assim, eu acho que eles tão mostrando que, é que os filhos podem sai, mas eles têm que te aquela responsabilidade, né, de, de hora, de lugar, responsabilidade deles, já que eles têm que sabe o que eles têm que faze, o filho. Por isso que os pais deixam.” (S8)

Há uma aquiescência no depoimento de S8 em relação ao comportamento

dos pais representados em Malhação. O gesto de interpretação permite escutar

outro sentido na educação dos filhos, ao destacar a possibilidade de os pais

ajudarem os filhos na construção de uma autonomia diante da vida.

S3, de modo parecido à leitura de S8, destaca:

“é sempre os alunos moram sozinhos.” “ah, eu acho legal, tipo, já, já tem responsabilidade, né, tem os filhos, igual, tipo assim, eu pretendo já i embora ano que vem” “am ram, pra te responsabilidade.”

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“não, porque sempre que assim, todos que eu vejo parece que os pais,

assim pagam tudo, mas, tipo assim, mas eles parece ser responsáveis,

alguns.” (S3)

No dizer de S3, está implícito que a responsabilidade do jovem se desenvolve

ao morar sozinho. Em seguida, destaca que pretende ir embora pra ter

responsabilidade. Sair de Arenápolis e viver numa cidade grande faz parte do

imaginário de S3, pois no questionário factual, primeira fase da pesquisa, destacou

que sonha em sair da cidade e se formar em Medicina. Ela vê a cidade grande como

uma terra prometida, pois lá pode morar sozinha, cursar Medicina, adquirir

responsabilidade. Outro questionamento pode ser feito pelo contato que tem com os

meios de comunicação. No plano teórico, tem sido lugar comum discutir a res-

significação de tempo e espaço que os meios de comunicação desencadeiam.

Analisando o enunciado de S3, é possível dizer que, embora as tecnologias

de comunicação desencadeassem uma reorganização do tempo e espaço, para ela

é diferente o contato de outras realidades através de tecnologias do que vivenciar

um outro contexto que não o de morar em uma cidade pequena.

Para S8, a diferença entre o cotidiano representado em Malhação e o

vivenciado por ela, em parte, é diferente devido Malhação ter como cenário uma

cidade grande. A representação que tem acerca dos grandes centros urbanos é

parecida com a destacada anteriormente, quando evidencia o acesso ao ensino

superior. Entretanto, ela considera outros aspectos para diferenciar o espaço dos

grandes centros urbanos com o do interior.

“um pouco, em parte, porque o, na malhação é uma cidade grande assim, né, então eles são mais, sei lá têm outra cabeça mais, que é faculdade e muitos aqui em Arenápolis não, quer ficar aqui mesmo, só parado.” “não, eu acho que quem mora na cidade grande tem um pensamento, eu acho que tá muito, vivenciando mais coisas do que quem tá na cidade pequena.” “assim, é, tem mais gente, você convive com gente de todo tipo, diferente demais, assim, é muita gente, então, é muita coisa, porque, é gente de todo tipo, então, acontece mais coisas. É as drogas, é menina engravidando mais cedo, e aqui, acontece, mas eu acho que é menos. Todo mundo, lá ninguém é amigo de ninguém, assim, só aquele [xxx] um, dois, que é meu amigo mesmo e mais nada, e aqui não, todo mundo conhece todo mundo.” (S8)

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É possível depreender dos enunciados de S8 algumas representações em

relação à cidade grande. A primeira diz respeito à diferença entre o jovem dos

grandes centros urbanos e o jovem da cidade em que vive. Aquele tem outra

cabeça, porque pensa em fazer uma faculdade e os de Arenápolis, não.

Cabe destacar que o município conta com a unidade de ensino da UNIC

(cursos: História, Biologia, Matemática) e a faculdade EADCON, ensino a distância

(Pedagogia). Apenas nas cidades vizinhas, Tangará e Diamantino, há cursos que

gozam de prestígio social como Direito e Enfermagem. Cursos relacionados à

educação não têm preferência da grande maioria dos sujeitos entrevistados como

demonstrou a fase quantitativa da pesquisa, uma vez que “a imagem do graduado

num curso universitário que se dedica ao ensino move-se entre a de alguém que

renunciou à ambição econômica em favor de uma vocação social e a de quem não

soube nem conseguiu algo melhor.” (Covezzi, 2000: 45)

Em seguida, destaca que quem vive na cidade grande vivencia mais coisas

do que no interior. Sobre isso explica que, nos grandes centros, a pessoa convive

com gente de todo tipo. Então diz: “é drogas, é menina engravidando cedo, ninguém

é amigo de ninguém.” Retoma, assim, à memória discursiva, de que viver na cidade

grande implica viver no anonimato. Por outro lado, ao dizer “convive com gente de

todo tipo” cabe indagar: todo tipo quem? O criminoso? O fora da lei? Ou os grupos

sociais que se organizam para discutir questões sociais, econômicas, ambientais?

Talvez possa estar dando ênfase às representações que a mídia eletrônica tem

destacado acerca da criminalidade. Segundo Adorno (2002: 184), “a imprensa não

noticia o ladrão ou o indivíduo que provocou o assalto, mostra a criminalidade

organizada. É o tráfico de drogas, são os seqüestros, os assaltos a bancos, que de

fato ocupam a atenção e se constituem no perigo.” Para muitos do interior, a cidade

grande aterroriza, pois implica viver no anonimato, já que “ninguém é amigo de

ninguém.”

Diante disso, o sentido que S8 atribui ao seriado Malhação não se limita a

uma leitura passiva, apenas decodificando a linguagem do programa. Os sentidos

são atribuídos ao seriado a partir das condições de produção mais gerais como o

cotidiano que vivencia numa cidade do interior.

A reflexão de Ortiz (2003) sobre o valor que a cultura assume em tempos de

globalização contribui para compreender o processo de circulação de sentidos entre

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os jovens de uma cidade pequena diante do processo de recepção de seriado como

Malhação. Para ele, a questão cultural não pode ser entendida da mesma forma

quando nos referimos à economia global, que subjaz uma estrutura única a toda e

qualquer economia. Isto porque “uma cultura mundializada não implica o

aniquilamento de outras manifestações culturais, ela cohabita e se alimenta dela.” (id

ibid p. 27)

4.2.4 Cotidiano escolar retratado em Malhação

Martin-Barbero (2002) chama atenção em relação ao idealismo de supor que

o receptor pode fazer o que supor no seu processo de leitura, uma vez que há

limites sociais na atribuição de sentidos, bem como desvincular a recepção das

estruturas e das condições de produção. Assim, é preciso considerar que “as

indústrias culturais fabricam os saberes e cada vez mais aproveitam a própria

investigação social para isso. Eles estão sabendo tirar partido de muitas

investigações sociológicas, antropológicas, psicológicas, psicanalíticas.” (id ibid p.

57)

Em Malhação, a escola é considerada pela produção como um dos aspectos

para retratar o cotidiano juvenil, pois um grande número de jovens na sociedade

brasileira vivencia o espaço escolar. Baseado nisto, retratar em parte o cotidiano

escolar do adolescente possibilita, no processo de recepção por parte dos sujeitos

pesquisados, um reconhecimento. Isto é observado no depoimento abaixo:

“ali o que mais assim tem, assim, pra puxa a gente mesmo, quando eles estão na sala de aula e pega algumas partes de outros assuntos, entre, assim, o professor tá explicando pra sala de aula e eles ficam discutindo entre eles, dando diálogo sobre alguns assuntos muito interessantes, exemplo, o cigarro, dirigir alcoolizado. Esses outros temas que acontece, prejudica muito a vida das pessoas.” (S4)

“o que passa mais é na escola, que a gente, os jovens mesmos têm que se vira dentro da escola. Muitas vezes nas outras novelas faz assim, a, a pessoa tá indo pra escola, o jovem tá indo pra escola, chega lá ele só dava coisa pra ele só em prova. Não fica muito assim dentro da escola. Que na maioria das vezes o que mais acontece é na escola. Nós jovens, assim, temos duas casa, a

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escola e a nossa própria casa com nossos pais. E ali retrata mais isso, o que a gente tem na escola. Passa mais caso da família e tudo mais, com os amigos onde a gente freqüenta mais os jovens, que é clube, é...” .(S4)

No primeiro enunciado de S4, fica evidente que ela reconhece o mecanismo

que a produção lança mão para capturar a atenção do público juvenil. Sendo

estudante, se reconhece numa cena em que o professor está explicando e os

alunos, em conversas paralelas sobre assuntos sociais. Pode ter destacado isto para

de certa forma desfazer a formação imaginária de que os alunos, além de não

prestar atenção nas aulas com as conversas paralelas, falam sobre banalidades. No

enunciado abaixo, diz que a escola é mais uma casa. Discute ainda o enfoque que

Malhação dá ao espaço escolar em relação a outras novelas. Assim, S4 fala com

familiaridade do gênero folhetim – novelas – porque faz parte de uma cultura

textualizada. Sobre isso, Martin-Barbero diz:

as pessoas não conhecem a gramática, e vão a outro texto. Isso é um gênero. Uma família de textos que por parentesco levam pessoas que desconhecem a gramática de produção de uns a outros. Seu desfrute, sua chave de inteligência e sua chave de prazer não consistem em saber gramática de produção para desfazê-la, desmontá-la (...) as pessoas tornam experts em telenovela. E, no sentido mais estreito da palavra, sabem muito mais do que nós sobre telenovela, porque certamente tornam-se pessoas que entendem aquele gênero e acabam sendo expressão dessa cultura. (2002: 65-66)

Os trechos abaixo confirmam o que venho afirmando sobre o reconhecimento

dos sujeitos da pesquisa em relação ao espaço escolar.

“também que lá, que lá mostra escola, né, que nem sô estudante ainda, uma escola de adolescente.” (S6)

“porque mostra é jovens na escola estudanu que nem a gente.” (S7)

“não muito assim tipo a hora que bate o sinal todo mundo sai correnu que nem aqui ninguém espera.” “o grupo de meninas tamém que na sala sempre tem, cada um tem seu grupo.” (S5)

“na hora do recreio eu acho bastante parecido, que todo mundo senta num grupinho.” “também, sala de aula também acho bastante parecido, assim, porque passa poca cenas de sala de aula, é poca cena, porque

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quando passa é já, tá batenu o sinal pra sai. Então, é poca cenas que passa na sala de aula, passa da escola, mas na sala de aula é poco. É, a sala de aula, assim, é tem assim, os professores explicanu, os alunos quietos, as vezes bagunçanu, conversanu.” (S8)

A partir dessas observações acerca do reconhecimento dos sujeitos da

pesquisa, focalizo algumas falas que analisam o modo como a produção do seriado

representa o universo escolar. O trecho abaixo destaca um posicionamento

contrário ao que é abordado em Malhação no tocante à sala de aula.

“tem, que nem tem caso, tem os temas, né, que são abordados leva bastante a pensar. Tem que nem a escola, porque lá parece ser muito a vontade assim, quase não estuda assim, né, tudo bem que é programa de televisão assim, mas, eles têm que abordar como, mais dentro da sala de aula, como é na escola, cena gravada, né.” (S2)

A fala revela o que pode ser dito do processo escolar, a saber, a escola é

lugar onde se estuda. Coisa que na opinião dele não é o que está representado em

Malhação. Assim, por ser ficção, retrata um cotidiano escolar sem compromisso por

parte do estudante. O sentido que S2 atribui à escola representada em Malhação

tem por base um modelo escolar que visa à disciplina. Isto fica evidente ao dizer “lá

parece ser muito a vontade”.

O depoimento abaixo também aborda as diferenças entre a escola do seu

cotidiano e a de Malhação.

“eu acho que é, é, é diferente, né, porque lá eles tão vestido do jeito que querem, parece que, ah, é, do jeito que é ensinado aqui é ensinado lá diferente.” “ah, aqui é bem organizado, né, que lá eles fazem, parece que eles fazem o que quise na escola, tem diretor, só que, sei lá é diferente.” (S1)

De acordo com o depoimento de S1, fica implícito que os alunos da escola do

seu cotidiano usam uniforme, algo imposto. Malhação não usa, “eles tão vestido do

jeito que querem, parece que, ah”. A seguir muda o tópico da conversa, isto pode

sugerir que o uso do uniforme aborrece. Em relação ao ensino, destaca que há

diferenças, “aqui é bem organizado” e ainda que em Malhação tenha a figura do

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diretor, ou seja, aquele que faz o papel de manter a ordem na escola, o ensino é

diferente. O dizer de S1 deixa marcas que algo não pode ser dito. Seria a escola

representada no seriado mais atrativa?

Os depoimentos abaixo revelam o desejo de vivenciar uma escola como a de Malhação.

“ah, lá parece assim tê bastante direto, assim, coisas novas acontecenu, tipo assim, que nem aqui, já sempre a mesma coisa.” “tipo assim, a mesma to, tá estudanu todo dia, todo dia dentro da sala de aula. E lá, que nem agora surgiu um, outras escolas diferentes vão visitar aquela, tipo, uma ensina a outra. Tá passanu agora, passo hoje mesmo em malhação, é cada escola vai ensina no que sabe pra outra, tipo doença, matéria.” (S3)

“assim, ah, podia sê assim na escola, né, podia, igual tem coisa na malhação que, ah podia tê isso lá na escola também.” “igual passo esses dias na Malhação, um dia que eu assisti, é pequeno professor, sei lá uma coisa assim, que tinha um dia que o aluno ia tê que pega um assunto e explica para os professores e pra toda escola, e assim, por cau, igual, podia acontece lá na escola, né. Que nem, eu lembro que o aluno pega, abordava o assunto, igual o menino falou lá sobre o efeito estufa, essas coisas, e explica detalhes pra escola.” (S8)

“parecido só amizade que tem, porque a escola é bem bonita assim, é, as até as carteiras assim, do colégio, é, lá no múltipla escolha é bonito. Do colégio é tudo feio, tudo estragado. E os professores são todos formados assim, e aqui não tem professor formado.” “é, que é assim, não na maioria, assim, tem mas não é todos.” “é, e assim, o modo que os professores tratam os alunos também, eles são bem legais, assim compreendem.” “é, e aqui os professores, eles tratam os alunos assim, alguns né, como se tivesse ali porque tá ganhanu não tá nem aí, se o aluno, é, se o aluno vai aprender ou não. Eles tão ali, tão ganhanu, tão ensinanu, quem quise aprende que aprende, então, não tão nem aí.” “Malhação não, porque eles se preocupam, eles ensinam, perguntam, é, explicam bem direitinho, assim. E lá também tem o giga byte, que é um local em que, é, em que os jovens se encontram pra conversa e aqui não tem isso tamém.” (S7)

“ah, tipo os esporte que tem lá aqui não tem assim, né, aqui é mais futebol essas coisa.” “lá é, anda de esqueite, patins, aqui não tem muito isso.” “ah, lá é tipo assim, na novela é bem melhor, né, cê, olha assim, é bem mais legal. “ah, porque tipo cê olha a escola assim tem bem mais coisas pra você faze, tem ginásio tudo assim, não é como aqui assim. “aqui tem o ginásio, mas assim de lá parece ser melhor, lá tem mais, tem é pista de esqueite, essas coisas assim.” (S5)

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Os depoimentos acima revelam uma res-significação do tempo-espaço

escolar ao tomar Malhação como referência na mediação. Na fala de S7 fica

evidenciado não só os aspectos físicos da escola como a formação e titulação dos

professores. Por outro lado, os sujeitos da pesquisa desejam vivenciar aquele

espaço, uma vez que os significantes liberados através das imagens e das

sonoridades provocam no receptor um efeito sinestésico de fascinação e sedução.

Isto pode ser percebido nos enunciados de S7 e S5.

Outro aspecto que merece ser comentado nessas falas diz respeito à rotina

que envolve uma sala de aula, como fica evidenciado em S3: “tá estudanu todo dia

dentro da sala de aula”. S8 destaca que o aluno não tem sido desafiado na

construção do conhecimento, ou seja, é considerado apenas como receptor de

conteúdos. Dessa forma, confirma os estudos de Thompson (1998) quando diz:

Assim como a crescente disponibilidade dos produtos da mídia fornecem meios simbólicos para que os indivíduos se distanciem dos contextos espaço-temporais da vida diária e construam projetos de vida que incorporem reflexivamente as imagens e idéias mediadas recebidas, assim também os indivíduos se tornam cada vez mais dependentes – com relação à formação do self e ao que se poderia chamar genericamente de vida da imaginação – dos sistemas complexos para produção e transmissão de formas simbólicas mediadas, sistemas que a maioria dos indivíduos dificilmente pode controlar. (p. 188)

Cabe destacar que o ritual, enquanto uma ação que se repete porque de certa

forma dá uma identidade e segurança interior em relação ao social, para alguns

desses jovens, é algo que incomoda. A repetição das ações, a falta de novidade,

provoca no plano da subjetividade sensações de mal-estar.

4.2.5 Malhação: como tema de interlocução

Nesta parte, apresento as falas em que aparece o seriado Malhação como tema de interlocução.

“assim, não, por causa é também assim, quando as meninas chegavam lá na escola já falavam o que tinha acontecido, tipo assim, fosse faze um resumo de tudo que aconteceu, né, em

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malhação, aí, ali elas expressavam a opinião, falavam o que elas gostaram ou não.” “de roupas, principalmente as roupas, ah você viu aquela roupa? Ah, aquele penteado daquela menina?” “não sempre, tinha vez que era motivo de pirraça, né, assim, palhaçada do que via, tudo mais.” “dos gestos, gestos das pessoas que tavam, achavam talvez engraçadas. Elas mesmo, tem que, que eu nem prestava atenção, porque era horário de aula. Aí, eu[xxx] o que vocês tavam comentando, ou então, eu escrevia no papelzinho e ficava mandando uma pra outra. Aí, então, nós ficava sempre sabendo, né. E que era sempre assim, então falava, ai que pessoa bonita. Nossa você viu aquela uma que entrou agora? Você viu? Assim pela beleza dos artistas que entram na novela.” (S4)

Pelas afirmações que foram feitas Malhação, é, sim, tema de interlocução

entre os entrevistados, inclusive em sala de aula.

“ah, tem né, porque quase todo mundo assisti assim, aí, vê as coisa tão na moda tudo o que, que tá acontecenu.”

“ah, fala assim, ah, cê viu lá a menina, ela fico com tal menino, a ropa dela tá na moda, assim. “a maioria das vezes fica só pra gente, né. A gente comenta mais sobre isso aí.” “ah, que vê, assim, por exemplo, se fosse um que nem lá assim tá passanu, por exemplo, um nome Érica. A Éri, aí Érica é atriz, né, principal, aí fala, aí ela vai lá e pega aids, aí todo mundo vai comenta, né, sobre isso.” (S6)

Tanto S6 quanto S4 destacam que o tema freqüente que circula na roda de

amigos acerca de Malhação relaciona mais a linguagem não-verbal presente no

estilo teen de ser, que acerca das temáticas enfocadas pelo seriado Malhação. Para

S6, apenas os temas de gravidade serão comentados.

Os aspectos visuais predominam nas conversas devido à subjetividade, que

no contexto atual, está relacionada a um modelo estético.

Segundo Castro et alli (1998) a sociedade de consumo garante o ser por uma

contingência imediata que é a do possuir. O caráter constitutivo do ser, enquanto um

processo laborioso, perde sua importância frente às demandas do transformismo

imediatista obtido pela simples exibição de objetos. As coisas são investidas com um

valor simbólico cuja ostentação permite projetar instantaneamente os sujeitos numa

grade classificatória de status social. Como ícones portáteis, as coisas capacitam os

sujeitos.

Já os sujeitos da pesquisa de gênero masculino destacam:

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“ah, o que, que ia acontece quem ia fica com quem, assim né.” (S5) “não, assim, de chegar a comentar, assim de Malhação, falando assim você assistiu Malhação, assim não. Mas, que nem assim, preconceito quando tem trabalhos de escola, essas coisas que, relacionada a texto, esse tipo de texto.” (S2)

Segundo S5 e S2, os comentários que fazem acerca de Malhação, na roda de

amigos, dizem respeito aos relacionamentos amorosos e às temáticas. Estas, se

forem pertinentes nas práticas linguageiras.

4.2.6 Discussão de temáticas sociais: escola, igreja e família

Indaguei os entrevistados se as temáticas sócio-educativas discutidas no

seriado Malhação estão presentes na escola, igreja e família.

No depoimento abaixo, S6 afirma que, além do seriado, vivencia estas

discussões na escola. Em casa raramente discute questões como gravidez e drogas.

“na escola.” E em casa? “muito difícil.” (S6)

Já para S2, que a mãe é professora, os temas abordados em Malhação fazem parte do seu ambiente familiar e escolar. Destaca que a diferença consiste no modo como o seriado apresenta a temática, uma vez que esta vincula-se a outros assuntos.

“em casa a gente discute, a mãe fala sobre preconceito, que não pode ter, tem que respeitar a cada um,né, a sociedade, cor.”. “ah, que nem lá, no Filinto, né, já teve palestra do trânsito, né, da bebida alcoólica, das drogas, então a escola também demonstra, só que é, que nem eu falei, né, é, só aquele assunto, né, mas agora na malhação não aquele assunto já tá envolvido com mais, com outros assuntos relacionado ou não fica só naquilo.” (S2)

Para S3, tema como namoro está presente nas conversas dos seus amigos.

“não os amigos.”. “am ram, a gente comenta bastante sobre namoro.” (S3)

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S8 destaca:

“eu acho que tudo que você falo. O pai, a mãe, a igreja, a escola e a televisão. A televisão entro, eu acho assim que a televisão, igual, né, política, em religião, ela manipula o que a emissora quise, ela, ela coloca na emissora, é, é o partido, assim no caso que ela quise ela coloca, ela faz o bem sim, mas que nem no geral, informação, assim, é a televisão que assim, todo mundo tem televisão.” (S8)

Fica implícito na fala acima que tanto o espaço familiar quanto o religioso, do

qual faz parte, discutem temas sócio-educativos como os apresentados em

Malhação. Em seguida, ao abordar que a televisão manipula, evidencia uma não

ingenuidade em relação aos assuntos que a programação televisiva apresenta,

sobretudo, no que se refere à política. Assim, seu enunciado tem como interdiscurso

o descrédito da sociedade em relação às propostas de um partido político. A partir

dessa ressalva, destaca que a televisão, como um meio mais acessível à população,

é a que mais contribui na informação.

O depoimento a seguir destaca que a televisão tem discutido muito mais

temas sócio-educativos do que as instituições tradicionais. Para ela, os pais não

têm coragem de conversar com os filhos sobre temas que envolvem sexualidade.

“hoje em dia, mais é a televisão, eu acho. Porque, eu acho que os adolescentes não conversam sobre isso com os pais. E os pais também não, não tem coragem de falar isso com os filhos. Eu converso com meu pai, mas... “ (S7)

4.2.7 (Des)interesse pelo seriado Malhação

Outro aspecto que me chamou atenção durante as entrevistas individuais foi o

comentário de alguns interlocutores da pesquisa em relação à enunciação de

Malhação. De acordo com os entrevistados:

“muito parecido, é o, é mocinha, mocinho e vilão. Sempre é a mesma coisa, assim, que a, a mocinha que fica, o, o vilão que fica com a mocinha e o mocinho fica triste e é mes, muito a mesma coisa.”

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“assim, eu acho que as novelas pelos menos mudam um poco, e malhação sempre tá a mesma coisa, um, assim, os assuntos é diferente, o tipo das brigas é diferente, mas, o ah, é a mesma coisa. É por isso que eu parei de assisti.” (S8)

“é, geralmente só muda os personagem, mas assim o que que dize é sempre a mesma coisa.” “assim, sempre tem o amigo falso no meio de todos, aí sempre um, uma que toma o namorado da otra, sempre a mesma coisa.”

“diminuído.” “ah, porque que nem eu falei, vai ficando tudo a mesma coisa só muda os personagens. Sempre é a mesma coisa.” “ah, falaria que é assim, um programa legal, mas a primera vez que você assistiu, oh, você assiste um ano é legal, aí no segundo você já vê que é a mesma coisa, só muda os personagens, aí depois você já se desinteressa bastante.” (S5)

“diminuído.”

“esse ano tá muito chato.” “ah, porque não tá abordando nada de interessante assim, uns aluno é metido, chato e pessoas feia também.” “por que não tá abordando nada de interessante, as pessoas são assim, tá tendo muita rivalidade entre os jovens e, é, assim, muitas disputa, briga com os meninos lá, entre eles.” (S7)

Nos trechos acima, fica evidente como o processo de recepção não se dá

num vazio, uma vez que lançam mão de uma matriz cultural para atribuir sentidos.

Em relação ao folhetim eletrônico, Fogolari (2002: 113) afirma que: “a telenovela

diária, assim como o futebol e o carnaval, tornou-se uma das formas de

entretenimento do povo brasileiro, parte da identidade nacional.” Baseado nisto,

pode-se dizer que há uma competência comunicativa dos sujeitos da pesquisa, já

que submersos numa cultura textualizada, destacada anteriormente, no que respeita

ao funcionamento do texto narrativo de Malhação. Para eles, a construção do

enredo do seriado se torna remissivo, uma vez que só mudam as personagens. O

sentido da mensagem para eles é o mesmo. O modelo mocinha, mocinho e vilão da

trama narrativa tem provocado desmotivação para alguns dos sujeitos entrevistados.

Com o desdobramento das falas, encontrei sugestões e apontamentos de

como deveria ser o seriado.

“deveria trabalha mais?...é...a falta de responsabilidade que tá tendo o jovem hoje em dia.” “em geral de tudo, porque ele a, o jovem a, acha que ele, ele sai, ele acha que ele pode tudo.” (S8)

“é eu mudaria, colocava tipo outro tema assim.”

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“ah, sei lá, algum tema diferente, porque é sempre a mesma coisa, mas...” “tema...ah,...ah, agora eu não sei, assim, mas mudaria.” “poderia até tê isso sim, mas não igual sempre, que uma que toma o namorado da outra, essas coisas, poderia até tê, mas não do mesmo jeito que é agora.” (S5) “como que eu faria? Eu abordava temas que ajudasse os adolezen, os adolescentes a pensar sobre as coisas.” “sobre cultura de outros povos.” “é sobre alguma coisa relacionada à educação, não tantas intrigas como tá tendo.” “culturas de, é cultura de outros povos, colocava, por exemplo, a cultura dos indígenas, é o que, que eles utilizam no seu dia-a-dia, essas coisas pra, pra gente aprende.” “ah, assistindo outros, outros canais, por exemplo, o canal futura passa bastante isso.” (S7)

Segundo os sujeitos acima, Malhação deveria ter um formato mais educativo

e menos melodramático.

4.2.8 Malhação influencia os jovens?

Conforme objetivei na pergunta de pesquisa, ou seja, os sentidos atribuídos

ao seriado Malhação por jovens alunos do ensino médio de Arenápolis, julguei

necessário indagar os interlocutores sobre o que pensam em relação à influência do

seriado no comportamento dos adolescentes.

Os depoimentos abaixo afirmam que Malhação exerce certa influência no que

respeita à moda e às gírias.

“eu acho assim, gíria, é tipo de roupa, moda, assim, né.” (S8) “sim, as influências que muitas pessoas na Malhação que usam roupas estranhas, esquisitas ou então mesmo normais, mas que na vida real muitas pessoas pegam aquele ritmo das pessoas de malhação e vão seguindo roupas das de marca ou roupa sem marca, roupa rasgada.” (S4)

Outro depoimento sugere que cabe ao receptor a permissão ou não da

influência, uma vez que o seriado destaca os dois lados de uma dada situação. O

trecho abaixo destaca essa compreensão:

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“prum lado sim, prum lado não, porque a gente faz o que a gente que, né. Porque eles falam, tem vez que os pais e as mães jogam a culpa, ah, porque, tá, tá, tá, é assistindo aquele programa, por isso tá fazenu isso, eu acho que não, eu acho que tem influência, a gente aprende a faze assistindo, só que a gente faz o que a gente que, né. E a gente, e lá mostra o certo, mostra quando tá errado e mostra quando tá certo. A gente faz o que a gente que, né, eu acho que não existe influência.” (S1)

O argumento de S1 inscreve-se numa formação discursiva em que o sujeito é

senhor de si. Desconsidera o contexto social, as coerções sociais na visão que tem

de mundo. Revela saberes em que a construção do conhecimento passa apenas

pelo sujeito cognoscente, consequentemente há uma onipotência do sujeito em

relação às suas ações. Deixa transparecer ainda uma visão dicotômica diante do

que é apresentado, “lá mostra o certo, mostra quando tá errado”.

A fala abaixo concorda em parte com a anterior e evidencia que o leitor tem

discernimento.

“influencia.” “dá, que nem, influencia por as, as que nem as pessoas boas, que nem entre aspas, é vê aquilo, sabe que tá certo uns, vai fazer não tá certo. Agora se sabe que tá errado vai corrigi, né. Ou então, mas agora, que nem, se for aqueles pessoas que só querem os mal das outras vai influenciar pru mal as cenas,né. Muitas cenas que nem maldade vão influenciar bastante isso a pessoa. Influencia entre o bem e o mal, né,vai da pessoa.” (S2)

Duas meninas acham que Malhação não influencia o jovem. Entretanto, no

decorrer da conversa, há marcas sobre como o visual do adolescente de certo modo

tem Malhação como referência.

“ah, eu acho que não, porque primero mostra o que, que a pessoa faz de errado, depois mostra como eu disse primero, assim, mostra as conseqüências.” (S8)

Mais adiante, S8 diz:

“assim, assiste vê a gíria já começa a fala e todo mundo fica falanu.” “ropa tamém, é que vê, ropa,”

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“é cor de cabelo, também a pessoa muda bastante, né, sempre quando assiste assim, aí vê aquela atriz fico bonita com aquela cor de cabelo vai lá e muda. Ropa tamém vê, por exemplo, tem uma menina lá, vê assim uma atriz com uma calça não sei de que jeito ela vai lá e tenta copia pra fica bonita. Tenta fica bonita tamém.” (S6)

Ainda que S3 destaque que Malhação não influencia, nos trechos a seguir fica

evidenciado que o seriado é referência de modas para as meninas, visto que elas

tendem a usar o figurino proposto pelas personagens.

“tipo, que nem o colar da Vivian, que tem uma bolsinha, o pingente junto com a bolsinha, o brinco, o coração, que mesmo já tem, já vi igual.” “Roupa assim, parece um pouco porque a Kika ela usa bastante os vestido longo, né. O pessoal tá usando bastante.” (S3)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa objetivou analisar os sentidos que alunos do ensino médio

atribuem ao seriado Malhação. Para tanto, revisitei autores que discutem cultura

como categoria central para compreender a sociedade contemporânea. Isto porque

o estudo, aqui proposto, leva em conta as práticas culturais e cotidianas no processo

de recepção de materiais simbólicos.

Ao tomar a recepção de um produto simbólico da mídia televisiva como objeto

de estudo foi necessário rever o conceito de cultura. Na tardomodernidade o

conceito de cultura defendido pela antropologia, cultura é tudo, e pela sociologia,

cultura como especialidade de atividades e objetos, passam a ser revistos. Os fluxos

culturais, desencadeados pelas crescentes modificações do processo comunicativo,

fazem com que repensemos o conceito de cultura de modo estanque. Assim, os

estudos culturais também vão considerar as tecnologias de informação e

comunicação como produtoras de significado, portanto de cultura, uma vez que dão

sentido à vida social.

Nesse sentido, esta pesquisa não se limitou em descrever e analisar os

sentidos atribuídos ao seriado Malhação, mas, também, discutiu categorias, como

tempo, espaço, identidade e cultura para refletir sobre a sociedade hodierna. Em

outros termos, esta pesquisa possibilitou refletir como a presença dos meios de

comunicação na sociedade de consumo res-significa as relações de identidade, de

pertencimento, de produção simbólica dos indivíduos.

Isto posto, o que tenho a dizer sobre os sentidos que alunos do ensino médio

atribuem ao seriado Malhação?

Vale destacar que a mídia televisiva foi considerada como pertencente à

cultura do município de Arenápolis-MT, visto que as práticas que dão sentido à vida

social também têm sido permeadas pelo consumo domiciliar ou não dos meios de

comunicação.

Em relação às condições de produção (mediações) dos sujeitos da pesquisa,

obtidas através de um questionário factual, revelaram que a televisão é o meio de

consumo de maior acesso dos sujeitos da pesquisa, sendo a novela o programa

preferido tanto pelos meninos quanto pelas meninas.

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As expectativas de vida dos sujeitos da pesquisa consistem em almejar uma

vida feliz, seja através de um bom emprego, de um curso superior ou de estar ao

lado da família.

A motivação para assistir ao seriado Malhação deu-se, para alguns, por um

acaso. Isto porque a TV tem sido um passatempo quando não se tem nada para

fazer. A motivação deu-se também pela circulação de sentidos entre jovens, o que,

em parte, evidencia o agendamento da TV na conversa dos adolescentes.

Outro aspecto elencado, no que respeita à motivação, foi a identificação com

a temática abordada. Assim, ícones, índices e símbolos utilizados pela produção do

seriado estão presentes, de certa forma, no cotidiano dos interlocutores da pesquisa,

tais como, escola, namoro, sexualidade, estilo visual.

Dentre as temáticas apontadas pelos sujeitos da pesquisa estão mais

enfaticamente: gravidez na adolescência, preconceito, esporte, namoro, drogas,

amizade, traição. Esta perspectiva “pedagógica” objetivada pela produção foi uma

regularidade discursiva nos depoimentos dos sujeitos.

Ao estabelecer sentidos entre o cotidiano da tela e da vida, alguns sujeitos

destacaram que as diferenças consistem na relação entre amigos, bem como na

atitude dos pais na educação dos filhos. Valores fornecidos por instituições

tradicionais como família, igreja e escola estão presentes nos depoimentos dos

sujeitos da pesquisa. Assim, destacaram a importância de uma amizade verdadeira,

da educação recebida pelos pais, do espaço escolar como fonte de conhecimento.

Ao basearem-se numa compreensão de que os pais devem pôr limites ao

filho, alguns sujeitos da pesquisa percebem que os pais representados em Malhação

se omitem em cobrar dos filhos atitudes responsáveis. Vale ressaltar que os

depoimentos, que contemplam a importância da autoridade dos pais perante os

filhos, independem das condições de produção, como atividades profissionais

desempenhadas pelos pais, renda familiar, acesso e preferência em relação às

tecnologias de informação e comunicação.

Como a linguagem dá margem para mais de um gesto de interpretação,

alguns depoimentos destacaram aspectos positivos nos pais representados em

Malhação. Percebem que a permissão dos pais quanto aos espaços transitados

pelos jovens, aos horários, às amizades, possibilitam aos filhos desenvolverem a

responsabilidade.

Por outro lado, percebem que o jovem representado em Malhação é o da

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cidade grande. Esta, para um sujeito da pesquisa, se mostra como uma terra

prometida, pois lá pode morar sozinha, cursar Medicina, adquirir responsabilidade.

Aspectos que seu município não oportuniza. Assim, ainda que as tecnologias de

comunicação desencadeassem uma reorganização do tempo e espaço, ficou

evidenciado que, para os jovens do interior, o contato com outras realidades através

das tecnologias de informação e comunicação não são determinantes para sentirem

pertencidos aos grandes centros urbanos.

Os jovens entrevistados desejam os grandes centros para realizarem seus

sonhos como cursar uma profissão, que goza de status social, ou ainda para

conseguir um emprego. Alguns percebem que viver na cidade grande implica viver

no anonimato. Isto foi sendo descortinado nas entrevistas, na medida em que os

sujeitos da pesquisa foram estabelecendo relações entre o seriado Malhação e o

cotidiano, em que estão submersos.

No que respeita ao ensino superior, Arenápolis conta com uma unidade de

ensino da UNIC (Universidade de Cuiabá) e o ensino a distância da faculdade

EADCON. Entretanto, os interlocutores da pesquisa não fazem referência a estas

instituições de ensino. Um dos motivos, talvez, diz respeito ao fato de não

oferecerem cursos relacionados à saúde (Enfermagem, Medicina, Odontologia,

Medicina Veterinária, etc.) e às humanidades como Direito. Cursos relacionados à

educação não foram citados pelos sujeitos entrevistados como demonstrou a fase

quantitativa da pesquisa.

Outro aspecto considerado para atribuir sentido à Malhação refere-se à

relação que estabelecem entre o cotidiano escolar retratado em Malhação e o que

vivenciam no município. A escola, em Malhação, é considerada pela produção como

um dos aspectos para retratar o cotidiano juvenil, pois um grande número de jovens

na sociedade brasileira vivencia o espaço escolar. Os sujeitos da pesquisa

reconhecem o mecanismo que a produção lança mão para capturar a atenção do

público juvenil. Estes sujeitos falam com familiaridade do gênero folhetim porque

fazem parte de uma cultura textualizada. Ou seja, através de uma competência

cultural reconhecem o formato e os modos de ler dos gêneros que estão presentes

na dinâmica cultural da televisão.

Em relação ao universo escolar representado em Malhação, os sujeitos da

pesquisa têm como mediação o cotidiano escolar como condição de produção

imediata para atribuir sentido ao seriado. Dessa forma, um dos sujeitos percebe que

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pelo fato do seriado ser uma ficção não há uma preocupação em abordar o

comprometimento do estudante com o cotidiano escolar.

Vale ressaltar que, a maioria dos entrevistados revelou uma sedução pela

escola de Malhação. Desse modo, a mídia assume um papel de mediação para res-

significar o tempo-espaço escolar dos sujeitos da pesquisa. Algumas vozes

destacam não só os aspectos físicos da escola como a formação e titulação dos

professores.

Os significantes liberados, através das imagens e das sonoridades presentes

em Malhação, provocam nos sujeitos entrevistados um efeito sinestésico de

fascinação e sedução pelo espaço escolar representado nesse seriado. Através

desses recursos, o seriado insere na lógica do capitalismo tardio, uma vez que o

aspecto cultural assume um lugar necessário para ajudar a movimentar o

funcionamento e a propagação do sistema. Dessa forma, a produção do seriado

Malhação ao estruturar-se na esfera da cotidianidade do público jovem, tendo a

escola como principal elemento, mobiliza códigos que fazem parte do universo

juvenil para promover e reafirmar os valores que permeiam a sociedade do

consumo: a valorização do saber fazer em detrimento do saber pensar, o efêmero, a

consciência fragmentada de si, as coisas como ícones portáteis para capacitar os

sujeitos, a superabundância factual do nosso tempo, etc.

Além dos valores sociais e familiares, que estes jovens tomam para si ao

atribuírem sentidos ao seriado Malhação, tais como, a importância da família, do

amigo, da escola, entram em cena novos valores que a sociedade de consumo

promove. Assim, os aspectos visuais de Malhação predominam nas conversas dos

sujeitos da pesquisa com os colegas de seu entorno. O eixo temático de Malhação

aparece em segundo plano, na conversa entre os jovens, face aos dispositivos

imagéticos que assumem um lugar de destaque para ser comentado na roda de

amigos, como moda, gíria, estilo visual e corporal. Os aspectos visuais predominam

nas conversas, devido à subjetividade, que no contexto atual, está relacionada mais

à estética do que à ética.

Nesse contexto, torna-se perceptível que a cultura da mídia televisiva fornece

imagens, discursos, daquilo que é apropriado em termos de modelos sociais,

comportamentos sexuais, estilo e aparência. Ao associar a formação de identidades

com a aparência, o jeito de ser, a cultura da mídia transforma o sentido de

identidade. Houve um tempo em que identidade constituía-se de compromissos,

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escolhas morais, políticas e existenciais. Hoje, porém, a identidade é aquilo que se

aparenta, a imagem, o estilo e o jeito como a pessoas se apresentam.

Desse modo, o seriado Malhação por meio das imagens, da retórica e

slogans inseridos nos anúncios, interpela os adolescentes a identificarem com

roupas, cosméticos, acessórios e comportamentos desejáveis (sexualidade,

amizade, estilo de moda). A identidade é uma construção que pode ser

constantemente modificada.

A aparência, que se localiza no corpo vestido e que compõe a exterioridade,

passa a funcionar como signo de pertencimento ou exclusão. Dessa forma, a

intensificação da produção das imagens é, sem dúvida, uma das principais

características da época contemporânea. Os jovens mostram-se atentos à imagem

que têm do corpo, não tratam à roupa e corpo de uma forma ingênua ou desavisada,

têm consciência de que esta pode permitir o trânsito pelos espaços que querem

freqüentar, ou impedir sua circulação.

Quanto às temáticas sócio-educativas discutidas no seriado Malhação os

sujeitos da pesquisa destacaram que temas como alcoolismo, trânsito, gravidez

precoce também fazem parte do cotidiano escolar. Em menor número, alguns

sujeitos da pesquisa destacaram que as temáticas de Malhação também são

discutidas com a família e na roda de amigos. Entretanto, cabe destacar que, para

muitos dos sujeitos da pesquisa, a televisão tem discutido muito mais temáticas

sócio-educativas do que as instituições tradicionais.

Ficou evidenciado, também, na fala dos interlocutores da pesquisa, uma certa

desmotivação para assistir ao seriado Malhação. Para alguns sujeitos da pesquisa, a

construção do enredo do seriado torna-se remissivo, uma vez que só muda as

personagens e não o sentido da mensagem. Além disso, o modelo do melodrama,

que consiste em mocinha, mocinho e vilão da trama narrativa, tem desencadeado

uma desmotivação para alguns dos sujeitos entrevistados. Talvez a produção ainda

não se deu conta de que o jovem submerso numa cultura do efêmero não se sente

motivado para assistir a uma estrutura narrativa que se repete anos a fio.

Por fim, julguei necessário indagar os interlocutores da pesquisa sobre o que

pensam em relação à influência do seriado no comportamento dos adolescentes.

Para alguns, Malhação exerce certa influência no que respeita à moda e às gírias.

Para outros, cabe ao receptor a permissão ou não da influência, uma vez que o

seriado apresenta o comportamento desejável e indesejável na relação do jovem

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com a família, os amigos, a escola e a sociedade. Percebe, assim, que o argumento

de alguns sujeitos da pesquisa se inscreve numa formação discursiva em que o

sujeito é senhor de si. Os leitores entrevistados ao desconsideram o contexto social,

as coerções sociais acreditam que cabe ao telespectador discernir o que é certo e

errado.

Nesse sentido, é oportuno discorrer sobre o valor que a cultura assume no

mundo contemporâneo. Na falta de novos campos para pensar na alteridade, na

desterritorialização, na falta de grandes narrativas para estudar o tempo e o espaço,

as reflexões ganham sentido a partir de um valor individual. A individualização como

possibilidade de atribuição de sentido é transmitida por todo um aparelho publicitário

que fala do corpo, dos sentidos, do frescor de viver, relacionado, a toda uma

linhagem política, cujo eixo é o tema das liberdades individuais.

Em síntese, este estudo possibilitou perceber o processo ativo de recepção

dos sujeitos da pesquisa. As práticas de recepção são lugares privilegiados, uma

vez que os signos no processo comunicativo só completam sua existência na

interação, isto é, no momento de decodificação. Assim, as mediações como família,

escola, grupo de amigos, igreja, estão presentes nas práticas linguageiras dos

sujeitos da pesquisa para atribuírem sentidos ao seriado. Por outro lado, posso dizer

que grande parte dos jovens entrevistados assiste à Malhação por não ter outra

atividade para desenvolver. Em relação ao tempo/espaço desses jovens, percebe

que os sentidos são territorializados, uma vez que as condições gerais de produção

do município interferem na leitura que fazem de Malhação.

O estudo sinaliza questões em relação à prática pedagógica, na medida em

que o espaço escolar reconhecer a importância de desenvolver com os alunos

reflexões críticas acerca dos bens materiais e simbólicos que consomem. Além

disso, é imprescindível questionar a mudança que as tecnologias de informação e

comunicação desencadearam no mundo das linguagens e das escritas. Por isto, nós

professores, precisamos investigar o que significa aprender e saber no tempo em

que vivenciamos o fluxo intenso de informações e imagens.

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