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Crítica - O Cedro do Éden
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Diário do Nordeste ULTURA I
Após a leitura de O Cedrodo Eden, livro de poesia deSonia Leal Freitas, masprecisamente Sonia MariaLeal Rodrigues de Freitas(Fortaleza, edição daAutora, 2002), ficou-me asensação de algo muitoagradável, apesar doquadro realista e triste quea obra levanta (Augusto dosAnjos e Antônio Nobreseriam diferentes?) Osgrandes poetas sempreforam solitários e tristescomo os anjos. É que,inquestionavelmente,estava diante de uma poetaeleita, de idéias ricas enobres, levando-se em contao sentido da condiçãohumana que sua poemáticaapresenta noquestionamento dosproblemas existenciais.
A autora fixa, comoriginalidade, o momentoconflitante que vivemos,bem como seu mundoparticular. Não é uma vozdeflagrada no sentido deuma nova estética, numalinha cabralina oudrummondiana, ou maispróxima dos movimentos devanguarda, experimentais,que marcaram o espaçocultural de nossas artesapós o movimento dasemana paulista de 22.Sonia Leal seria tampoucoa voz que clama no deserto.Em sua poesia encontramoselementos que a identificamcom Bandeira, CassianoRicardo, Mário de Andradeou ainda Cecilia Meireles,mas a identidade maiorestá na leitura dosparnasianos e simbolistasbrasileiros, mesmo que elatenha percorrido o caminhodos modernistas da geraçãode 45, o que é admissíveltambém, ou quase certo,representada por Lêdo Ivo,Domingos Carvalho daSil,'a, Manso Félix deSousa e tantos outros.
Por outro lado, não tratase apenas de uma poeta (aficção não é a menina deseus olhos, mas estáenraigada nas suasambições literárias, poissabemos que escreveuvários contos, com muitosucesso, alguns atépremiados).
Mas é evidente que Soniaescolheu a poesia comodeusa e musa paraextravasar suas emoções eseus sentimentos maisfundos. Ela nasceu paraescrever poeSIa, com suaalma leve e sensível voltadapara as coisas belas eeternas, daí a plasticidadede seus versos, plenos deharmonias e ritmos sonoros.
Sonia Maria sabe comopoucos usar as palavras
com precisão e certovirtuosismo, magia emistério, que a distancia deseus colegas de letras. Edisso tira efeitos os maissurpreendentes. Fica detudo isso, como sugerimosacima, uma sensação de dore prazer, onde o misticismose junta à presença sombriada morte.
"Quando os meus pésafundam no fosso dobarro primitivo,minha alma se salvapara navegar no acenodistante dasárvores mais velhas quea história das minhasraízes.11
E tem mais:''Pássaro debatido no
turbilhão desesperadodos soproscelestes,articulo as asas feridasdentro da guerra dosventos, segurade quem sou:rotas de sítios edênicosainda se desenham nasveias domeu coração.1I
Todo o poema é um gritodilacerado que setransforma "entre lágrimasde sal".
A ansiedade por tudo navida é constante em seusversos, já que a vida é feitapara os poetas dedesassossego e inquietude.
Seus poemas são, a um s6tempo, um grito de revoltae um vôo afagante como odas borboletas, após o cairdas chuvas, lembrando oimpério de seus sonhos eum. vago murmurar deorações.
Um livro de poesia dequase trezentas páginaspredispõe e assustaqualquer leitor, afeito a lerpequenos livros de versosem poucos momentos, comose devora os jornais do dia.Este é um livro semparadoxo (ou paradoxal).Seu vocabulário poético nãomuda, se mantém docomeço ao fim numa linhade conduta muito pessoal,estilo da autora em toda asua criatividade.
O leitor de poesia, antesde mais nada, é um sedentode novidades, que é a marcada poemática ",tual.
O Cedro do Eden é umlivro sem precedentes emnossa literatura, e a autoratem consciência disso.Portanto interroga: "O quefazer, então, da minham~estadeI tãonaturalmente concedidapelas cores da mamhã?"
Essa dúvida se dissipaquando diz:
".Ag 'h.. ora, que camlD o
em solidão,não sei das avesnascidas no quintal.Tenho comigo apenas osninhos deformados.De sua partida,desconheço o rumoapontado,do seu gorjeio, eu nadasei contar."
Suas metáforas são quasesempre audaciosas e nossacodem do esturpor dospesadelos.
Logo no primeiro poema,lemos: liA ave da noiterasga a tenda do meuabrigo/e despeja umgrito estrito, longo, aíngua do punhal". Ou :"...0 silêncio é o únicoque faz a ronda,!
vistoriando a túnica danoitel já bem desfiadanos alfinetes da luz".
Poeta marcadamentecristã, nestes versos e emtantos e tantos outros quecompõem 9 volume de OCedro do Eden. "...E aconsciência de Deus temtoda a idade douniversoJ Por isso é tãojovem!".
Sim, deve-lhe ser muitodifícil com a sensibilidadeque possui, adaptar-se aeste mundo moderno econflitante. Deve fazer umesforço sobre-humano paraque sua arte, limpa erutilante como as estrelas,não mergulhe no lodaçal dodia-a-dia.
Nossa poeta estáprotegida "...Do voo doanjo que ainda seesconde em mim." E é elaainda que nos adverte:
"...Aprendo portanto, aconviver comigo.Enquanto tenho a voz,clamo por mim, dedentro de mim.Clamo pela eterna-idadee onipresença da minhaendogenia.Clamo porque ela mesegue, bem dita irmã daminhasombra."
Sua poesia, por vezescósmica, lide tantopadecimento que meveio deste dom I de amaro Universo como
'tetur 'nh"arqw a mJ. a.Essa integração com os
seres, as coisas, o infinitofaz parte de sua alma e seintegra e se multiplica nocosmos. Daí o grito de dorem busca de solução parasua angústia sem limites.
Agora o leitor tem aoalcance das mãos um livrode prêmio, onde a poesiacomo o condor nas alturastece o ninho.
Nunca um livro foi tãobem titulado, nuncaexpressão e comunhão sejuntaram táo íntimas paraa consagração e eternidadedesta obra.
José Alcides PintoEscritor e crítico literário