6
A ação performática de Luis Resquin observada por Lucas Bocatto “Toda relação intersubjetiva passa pela forma do rosto [toda forma é um rosto que me olha], que simboliza a responsabilidade que nos cabe em relação ao outro. Produzir uma forma é criar condições de uma troca, como devolver um saque em uma partida de tênis. Essa troca se resume a um binômio; alguém mostra algo e alguém lhe devolve à sua maneira.” Nicolas Bourriaud

Crítica à performance Inducãoo à ação por Lucas Bocatto

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Crítica à performance Inducãoo à ação por Lucas Bocatto

A ação performática de Luis Resquin

observada por Lucas Bocatto

“Toda relação intersubjetiva passa pela forma do

rosto [toda forma é um rosto que me olha], que

simboliza a responsabilidade que nos cabe em

relação ao outro. Produzir uma forma é criar

condições de uma troca, como devolver um saque

em uma partida de tênis. Essa troca se resume a

um binômio; alguém mostra algo e alguém lhe

devolve à sua maneira.”

Nicolas Bourriaud

Page 2: Crítica à performance Inducãoo à ação por Lucas Bocatto

Impossível não assimilar o interesse do artista Luis Resquin

aos designios antecessores do grupo Fluxus, de Courbet

(quando produz “A Origem do Mundo” e de Duchamp com

“Etant Donnes”.

Poderia citar outros momentos da arte em que o artista

compreende uma ação que certamente possui uma potência

autônoma em relação aos seus observadores, tais como Oliver

Sagazan, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Sophie Calle, Richard

Serra ou Cildo Meireles.

Porém, sinto que estes três exemplos bastam.

Quando Nicolas Bourriaud diz sobre o “ping pong” operado

quando o artista concebe sua obra- ou quando o observador a

encontra fisicamente- aponta que a troca entre o artista e a

obra e entre a obra e o espectador geram, pela sua simples

contemplação, uma troca. Uma troca de experiências, de

percepções e de valores sensíveis. Toda obra, ao ser finalizada

e apresentada ao olhar do público, no mesmo momento em

que se desloca do ateliê de produção do artista (seja este

local, qualquer local) ganha autonomia e independe, a partir

deste instante, dos desejos de seu criador.

Page 3: Crítica à performance Inducãoo à ação por Lucas Bocatto

As intenções do artista podem ser totalmente compreendidas

pelo público, mas podem também engendrar o inesperado.

Quando Rauschemberg expõe “Bed” (1955), este átimo se

coloca em dourada situação.

A colcha que compõe seu “Combine” havia sido furtada de um

varal próximo ao ateliê (ou à exposição?) do artista. Sua

dona, ao visitar a obra; e perceber sua colcha exposta como

objeto artístico; é inundada por uma série de sensações (mais

tarde reveladas pela mesma) que iam além das expectativas

criadas por Rauschemberg. Para a dona da colcha, e apenas

para ela, o valor sentimental do objeto- que havia sido ganho

por herança de familiares já mortos em guerra- fez com que a

contemplação, naquela troca “obra-dona específica da colcha”

frutificasse algo ímpar, ou uma experiência que Jorge Larossa

chamaria de “Verdadeira Experiência”.

Para tanto, antes de analisar a obra de Resquin, que muito

tem conexão com tudo isto, é necessário compreender que a

obra do artista, invariavelmente, ganha autonomia perante

seu criador e torna-se livre, para agir como quiser- e puder-

por sobre as percepções de quem a aprecia.

Page 4: Crítica à performance Inducãoo à ação por Lucas Bocatto

“Indução à Ação” compartilha do grupo

Fluxus (e porque não dizer que também

compartilha das anti-ações do grupo Dadá) na

medida em que profere uma série de induções

inusitadas ao cotidiano burocrático e

metódico do paulistano- talvez fosse

interessante pensar a mesma proposta em

atmosferas socioculturalmente opostas, como

uma tribo, ou uma cidade pequena

interiorana.

Tais induções inusitadas certamente são

percebidas e, só depois, realmente refletidas,

pelas pessoas.

O choque causado ao se perceber que o

papel entregue na calçada é vazio de

informações, certamente foi

verdadeiramente percebido e refletido por

quem o recebeu.

Diferente das ações do Fluxus, estas ações

de Resquin são sutis e menos caóticas, mas

exatamente por isto podem surtir efeito de

“dúvida”, “raiva”, “desdém” ou “humor”

tanto quanto do grupo de Yoko Ono.

Page 5: Crítica à performance Inducãoo à ação por Lucas Bocatto

Em comparação à Duchamp, e mais

especificamente à sua obra “Etant Donnes”,

há o fator comparativo inerente ao ser

curioso.

Uma porta com buracos e sem nenhum tipo

de “indução” (indicação ou sugestão ou ainda

voz de ação) faz, automaticamente o ser

curioso a olhar, como em um momento

voyeur. Só então a obra é percebida

verdadeiramente.

Me indago se algumas pessoas ao perceberem

na ação supostamente inocente e comum do

cotidiano algo inusitado, não teriam

retornado ao proponente (no caso, Luis

Resquin) e perguntado do que se tratava.

Desta maneira, e não sei a que ponto isto era

uma intenção da ação, existe uma

sensualidade curiosa voyeur em “Indução à

Ação” que possibilita outras leituras, talvez

menos densas como a reflexão da

Micropolítica feita pelo artista em debate.

Page 6: Crítica à performance Inducãoo à ação por Lucas Bocatto

Por fim, gostaria de atentar ao fato da obra de

Resquin estar em instante de respiro.

Conheço-o como aluno e percebo-o como

artista há pelo menos cinco anos.

Desde seus primeiros trabalhos me confunde

com seu leque “ingênuo político” acerca das

obras que produz.

Vejo, em comparação final à Courbet, que o

que eu imaginava como fraqueza, torna-se

cada vez mais potente em seu processo

artístico.

Se o realista Courbet claramente concebeu “A

Origem do Mundo” de forma chocante,

tencionando seu realismo literal para quase

que uma anedota pictórica

extravagantemente explícita, Luis Resquin

vai no sentido contrário, deixando, como faz

Sophie Calle, que o sutil respire em sua

poética. Tal sensação me é percebida em suas

séries de colagem, em suas máquinas sonóras,

em suas bugigangas que soltam água e podem

ser manuseadas e, principalmente, em um de

seus primeiros trabalhos “O Ritual”.

Reflexão sobre “Indução à Ação” de Luis Resquin por Lucas Bocatto, São Paulo, 2015.