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Crenças e as Avanços e Desafios Da UNESCO No Brasil

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UNESCO 2003 Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil

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edições UNESCO BRASIL

Conselho Editorial da UNESCO no BrasilJorge WertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdama OuaneCélio da Cunha

Organização e Seleção: Célio da Cunha, Sueli Teixeira, Maria Luiza Monteiro e Vera RosRevisão Técnica: Sueli TeixeiraRevisão: Reinaldo de LimaAssistente Editorial: Rachel Gontijo de AraújoDiagramação: Fernando BrandãoProjeto Gráfico: Edson Fogaça

© UNESCO, 2003

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturaRepresentação no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.70070-914 – Brasília – DF – BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

Werthein, JorgeCrenças e esperanças: avanços e desafios da UNESCO no Brasil/ JorgeWerthein. – Brasília : UNESCO Brasil, 2003.376p.

1. Cooperação Técnica Internacional 2. Organizações Internacionais3. UNESCO – Brasil 4. Educação 5. Meio Ambiente 6. AIDS7. Cultura 8. Desenvolvimento Social 9. Comunicação I. UNESCOII. Título

CDD 337.1

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Resumo ...............................................................................................................9

Abstract ............................................................................................................11

EDUCAÇÃO: EM TEMPOS DE RENOVAÇÃO E ESPERANÇA

� A Escola como Construtora da Paz ...................................................15� Reforma Universitária como Compromisso Histórico ....................22� O Futuro Começa pela Primeira Infância..........................................26� A Educação Infantil como Meta Prioritária ......................................28� Brasil Alfabetizado, a Vez dos Excluídos ..........................................32� Educação para o Trânsito e Mobilidade Inteligente.........................34� Educação Infantil: É Preciso Reconhecer a sua Importância ...........37� A Infância em Debate .........................................................................41� Made in Brazil ......................................................................................44� Universidade: Relevância e Reforma .................................................47� A Lição dos que Avançaram ...............................................................50� A Importância da Educação para o Desenvolvimento .....................54� A Importância dos Planos Nacionais de Educação...........................57� Reprovar ou Não, Eis a Questão ........................................................59� A UNESCO e o Fórum Brasil de Educação .....................................63� A Importância Estratégica da Gestão Descentralizada ....................66� Alfabetização, Desenvolvimento e Cidadania ..................................69� Alfabetização para Todos: um Grito de Guerra ................................76� Vencendo a Cegueira ..........................................................................82� O Ensino Médio: Proposições que Traduzem Vontades de seus

Atores ...................................................................................................85� Ensino Médio: Vozes que se Levantam .............................................89

SUMÁRIO

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� Educação para Todos: um Imperativo do Nosso Tempo .................93� Semana Internacional de Educação para Todos ................................96� Educação: a Contribuição das ONGs ...............................................99� A UNESCO e o Parlamento ............................................................103� Educação para Todos e Cooperação Empresarial ...........................106� A UNESCO no Telecongresso Internacional de Educação

de Jovens e Adultos ..........................................................................109� Por um Novo Ensino Médio .............................................................111� Escolas Internacionais de Avaliação .................................................116� A Educação Infantil como Política de Melhoria da Qualidade

do Ensino ............................................................................................119� Prêmio NOMA de Alfabetização ....................................................122� Educação e Exclusão Social ..............................................................127� A UNESCO e o CONSED..............................................................129� Escola, Trânsito e Cidadania .............................................................131� Visão Renovada da Alfabetização ................................................... 133

CULTURA: PATRIMÔNIO E DIVERSIDADE

� A Literatura no Diálogo entre Culturas ..........................................139� Por uma Visão Política da Cultura ....................................................142� O Programa Monumenta ...................................................................145� Voz e Vez dos Excluídos ...................................................................147� O Patrimônio Mundial no Brasil .......................................................149� A UNESCO e a ABEP ......................................................................151� A Relevância da Memória Histórica ................................................156� Goiás na Rota de Novos Tempos .....................................................158� Patrimônio Imaterial como Fonte de Identidade ...........................161� A Arte Jovem Promovendo a Paz no Trânsito ................................163� Educação, Diversidade Criadora e Cultura de Paz ........................166� A Dimensão Cultural da Política de Educação ...............................177

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CIÊNCIA E MEIO AMBIENTE: POLÍTICA E ENSINO

� Água da Amazônia .............................................................................183� Conhecimento e Inovação Contra a Exclusão ................................185� Ensino de Ciências: Novas Diretrizes .............................................188� Que Ciências Ensinar? ......................................................................191� Futuro do Planeta Está na Água ........................................................193� Educação Científica e Desenvolvimento ........................................196� Fernando de Noronha, Patrimônio Mundial ...................................199� Ciência, Ética e Sustentabilidade ....................................................201

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS:PAZ E RESPEITO COMO CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO

� Brasil: Voz e Vez ................................................................................205� Juventude e Direitos Humanos ........................................................208� A Educação no Processo de Transformação Social .........................211� Precisamos Desarmar a Violência .....................................................218� Caminhos da Esperança ....................................................................220� Escola Aberta como Caminho para a Redução da Violência ........235� Escola da Família ...............................................................................238� A Escola Kabum: Novos Espaços para os Jovens ...........................242� Direitos Humanos e Combate à Pobreza ........................................245� Políticas Redistributivas e Redução da Pobreza .............................247� Um Livro de Vanguarda ....................................................................255� A UNESCO e as Políticas Públicas para a Juventude ....................257� Educação e Racismo no Brasil ..........................................................262� A UNESCO e os Desafios da Cidadania ........................................269� Violências nas Escolas e Cultura de Paz ..........................................272� A UNESCO e a Promoção dos Direitos Humanos .......................275� Juventude: um dos Grandes Desafios das Políticas Públicas ..........278� Juventude e Violência: a Contemporaneidade do Tema ................283� Juventude: Indicações para uma Política de Resultados ................289

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COMUNICAÇÃO, INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO:NOVAS TECNOLOGIAS NO INTERCÂMBIO DO SABER

� Dia Nacional da Educação a Distância ............................................299� Reflexões sobre os Caminhos do Livro ..........................................302� América Latina e Caribe na Sociedade da Informação ..................305� Aspectos Éticos da Sociedade da Informação: a Marca da

UNESCO no Debate Global ...........................................................308� Sociedade da Informação, Exclusão Digital e Desigualdade

Social ..................................................................................................314� Observatório da Sociedade da Informação em

Língua Portuguesa ..............................................................................317� Novas Tecnologias e a Comunicação Democratizando

a Informação ......................................................................................320� Por um Sistema de Informações para a Cultura ..............................337� Exercendo a Liberdade de Imprensa ...............................................344� Livros: Passaporte para o Futuro ......................................................347� Perspectivas sobre a Criança e a Mídia ...........................................349� Informação e Conhecimento para Todos ........................................353

AIDS E SAÚDE: EDUCAR PARA PREVENIR

� AIDS e Juventude Escolar ................................................................359� Educadores na Prevenção da AIDS .................................................361� Ética e Qualidade na Educação Profissional para a Saúde .............366� O Prêmio UNESCO/PROFAE ........................................................370� A Riqueza Singular da Infância .........................................................372� AIDS: uma Nova Dinâmica para o Cone Sul ..................................375

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Assim sendo, os artigos e discursos de Jorge Werthein, reunidosneste livro sob o título de Construção e Identidade: as Idéias da UNESCO no Brasil,traduzem um pouco do enorme esforço que a Organização tem feito nosúltimos anos no sentido de dar seguimento aos diversos compromissos erecomendações firmados em nível internacional com a participação degovernantes, intelectuais e líderes da sociedade civil.

Os artigos e discursos classificados em sete áreas e setores �Educação, Meio Ambiente, AIDS, Cultura, Cultura de Paz,Desenvolvimento Social e Direitos Humanos e Comunicação e Liberdadede Imprensa dão uma idéia mais precisa da extensão e abrangência dasatividades desenvolvidas pela UNESCO Brasil. Todos eles convergem paraum objetivo comum que é o ser das pessoas. Em outras palavras, os artigose discursos de Jorge Werthein expressam a esperança da Organização nummundo mais humano e solidário.

Defendendo a diversidade cultural e criadora, a política de educaçãopara todos, o patrimônio histórico, a educação ambiental, os direitos humanos,a liberdade de imprensa ou defendendo uma educação preventiva em setratando de AIDS, drogas e violências, os textos de Jorge Werthein apontamem direção à necessidade que todos nós sentimos de construir um novo séculosustentado pelos pilares da identidade, da justiça e da solidariedade.

Célio da CunhaAssessor da UNESCO

This book is a collection of articles written by the UNESCORepresentative in Brazil and published in various newspapers. It is also acollection of speeches from scientific, cultural, and political events. Thesearticles and speeches encompass the efforts of the agenda to implementthe commitments and ideas in Brazil that were approved by the 186Member Countries of the Organization.

The articles and speeches are grouped into seven broad areas ofknowledge and action. These are, respectively: Education in Perspective;the Environment � Shared Responsibility; AIDS - Strategies for Reversion;Culture and Creative Diversity; Building a Culture of Peace; SocialDevelopment and Human Rights, and Communication, Information andFreedom of the Press.

All of the articles and speeches point to the fight for a commonobjective. This objective incorporates assuring education and culturefor all, stimulating scientific and technological development, guaranteeingaccess to information and knowledge, and preserving freedom of the press.This is done while keeping the primary goal of UNESCO in sight at alltimes, and that is the goal of a culture of peace.

RESUMO

Miriam Abramovay1

A presente publicação reúne, nas áreas de educação, ciência emeio ambiente, cultura, comunicação e informação, direitos humanose desenvolvimento social e saúde preventiva, artigos, conferências,entrevistas, prefácios de apresentações de livros produzidos e/oueditados nos anos de 2001 a 2003. Os textos traduzem a política daUNESCO nas ações em parceria, que ela apóia ou desenvolve no Brasil,tanto no âmbito do poder público quanto da sociedade civil. Elesservem de exemplo de como os compromissos da organização seefetivam em projetos de políticas públicas, mostrando ainda os avançosalcançados, bem como os obstáculos e desafios existentes.

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ABSTRACT

Miriam Abramovay1

This publication gathers articles, conferences, interviews andprefaces to books published and/or edited from 2001 to 2003 in theareas of education, science and environment, culture, communicationand information, human rights, social development and preventivehealthcare. The texts present UNESCO�s policies in terms of theactions supported or developed by the organization in Brazil inpartnership with public sector agencies or civil society institutions.They serve as examples of how the organization�s commitments areput into practice in the form of public policy projects and showachievements as well as current obstacles and challenges.

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Educação:Em tempos de renovação e esperança

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A Escola como Construtora da Paz1

Nem milagreira, nem impotente: assim é a escola. Para que ela possaexercer os seus papéis, é preciso que seja vista a partir de uma posição deequilíbrio. Entre o otimismo e o pessimismo pedagógico, situa-se orealismo. Nessa perspectiva, é possível examinar o que a escola podefazer, na qualidade de sujeito, para influenciar a história do homem, emvez de ser apenas um reflexo da história.

Abordando a questão sob esse ângulo, cabe partir de uma pergunta:o que conduz os alunos ao êxito, em termos não só de aprendizagensmensuráveis, mas também de aquisição e desenvolvimento de valores?Os últimos 40 anos de pesquisas em educação no mundo inteiro(naturalmente, onde se consegue fazer pesquisas) demonstram que osfatores explicativos do êxito são dois: o entorno sóciofamiliar dos alunose a efetividade da escola. No caso dos países desenvolvidos, os estudosatribuem os pesos de cerca de 80 e 20 por cento, respectivamente, àqueleentorno e à escola. Nos países em desenvolvimento, porém, a escola,apesar de precária e cheia de limitações que conhecemos de perto, émais influente: na América Latina estes pesos são, respectivamente, de 60e 40 por cento. Mais ainda, no contexto desses países, a escola ainda temimpacto maior entre as camadas de baixa renda. Estamos, portanto, diantede um tesouro (não a descobrir, conforme o famoso Relatório Delors,mas já descoberto): se uma escola que aparece nos últimos lugares nasavaliações internacionais de aproveitamento é responsável por quase a

1 Artigo preparado para o periódico: �Gestão em Rede�, Brasília: CONSED, dez. 2003.

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metade do impacto sobre o êxito do aluno, do que será capaz casotomemos um conjunto de medidas para melhorá-la e torná-la uma escolarenovada, a serviço da inclusão social?

Temos, assim, nós, educadores, um desafio que nos introduz numasituação ao mesmo tempo de humildade e de ricas possibilidades: é oambiente social e familiar, que influencia a maior parte dos resultadosescolares, no entanto, é grande a relevância da escola, sobretudo onde oambiente social e familiar é menos favorecido, isto é, nos países emdesenvolvimento e nas áreas de pobreza. Não nos cabe, desse modo,nem chorar oportunidades perdidas, nem propor planos de reestruturaçãoda sociedade. Cumpre-nos, sim, atuar do melhor modo possível no quinhãoque nos corresponde � quinhão que não é pequeno.

Que nos dizem, então, esses 40 anos de pesquisa sobre aspossibilidades de uma escola ter melhor qualidade, refletida nos seusresultados? Esse conjunto de conhecimentos, pacientemente formado(com idas e vindas, acertos e erros, como os dos praticantes da educação)nos aponta uma série de fatores relativamente simples. No nível da escola,a liderança e a cooperação de diretores e professores; o acompanhamentoe o estímulo contínuos do progresso dos alunos; a avaliação freqüente dodesempenho dos professores; o reconhecimento dos professores nummarco de incentivos e a gestão escolar autônoma, com real poder dedecisão sobre o pessoal docente. No nível da sala de aula, a focalizaçãona aprendizagem de competências básicas; altas expectativas em relaçãoa todos os alunos; aproveitamento ótimo do tempo letivo; sólida formaçãoinicial dos docentes; existência de deveres de casa e planejamento dasatividades pelos professores, que devem ter tempo próprio para isso.

É claro que as pesquisas vão muito além, mas focalizemos a atençãopara a escola, onde realmente ocorre a aprendizagem (os alunos não vãopara as Secretarias e Ministérios da Educação para aprender, ao contrárioa estes compete o dever de possibilitar a aprendizagem discente). Asinvestigações sobre escolas bem sucedidas descrevem estas últimas como

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ambientes sociais onde, com a liderança do diretor, se estabelece umclima agradável de trabalho, em que todos são estimulados e exigidospara alcançar os objetivos pactuados. Os alunos se sentem conhecidos etodos, corpo docente e discente, possuem um sentimento depertencimento à escola. Na nossa realidade, em certos casos esse climafavorável e o orgulho de vincular-se ao estabelecimento se manifestamnas expressões oral e material de �vestir a camisa da escola�, que muitasvezes é desenhada em conjunto pela comunidade2. A unidade escolarsabe o que quer, tem um caminho claro a percorrer para atingir os seusobjetivos e apresenta um projeto pedagógico efetivo, que não é umdocumento de gabinete, às vezes copiado de outros, mas constitui umdocumento vivido, entranhado nas ações de todos, em salas de aula, pátiose corredores. Dessa forma, cabe destacar a relevância do diretor, aformação da equipe e um clima de relacionamento social favorável àaprendizagem. A responsabilidade é grande e difícil, mas é possívelperfeitamente alcançar o sucesso.

Se a pesquisa assinala a importância do clima escolar, nós,educadores, sabemos o quanto essa atmosfera tem sido degradada pelasviolências. A unidade escolar, vista como um casulo protetor, torna-secom freqüência palco de ações violentas e de profunda repercussão, como,por exemplo, reflete o filme �Tiros em Columbine�. Ou, ainda, o que émais constante, soma uma série de violências verbais de incivilidades ede violências físicas de alunos e até de professores. Não raro aodesinteresse e à agressividade de alunos o estabelecimento responde commedidas repressivas e com violências simbólicas, embutidas, entre outras,no uso da reprovação como um meio de punir. Em outros casos, professorese diretores são intimidados pelo crime organizado, e precisam atéestabelecer acertos com ele para proteger suas vidas e as dos seus alunos,numa realidade cada vez mais presente na América Latina.

2 Estas características se encontram presentes em escolas públicas inovadoras na superaçãodas violências, estudadas pela UNESCO (cf. ABRAMOVAY, M. (Coord.). Escolas inovadoras:experiências bem sucedidas em escolas públicas. Brasília: UNESCO, 2003).

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Que dizer de tudo isso? As ciências sociais nos ensinam que ocaminho entre escola e sociedade tem idas e vindas. As violências domundo de hoje têm múltiplas e intrincadas causas, mas certamente estãorelacionadas à erosão de valores sociais, numa crise de legitimidade, e àprópria super exposição e exploração da violência como produtoindustrial, a ser vendido para gerar lucros. Se a sociedade se torna maisviolenta e/ou desenvolve novas formas de violências, a escola deixa deser o sonhado casulo e se patenteia como espelho da sociedade em quese insere. Por outro lado, as violências nos estabelecimentos educacionaisconstituem uma ameaça àquele clima favorável ao sucesso. Elas sãoresponsáveis pela suspensão de aulas; pelas ausências de professores ealunos, em certos casos intimidados por pessoas de dentro ou de fora daescola; pelo mau aproveitamento do tempo letivo, na medida em que épreciso debelar a desordem primeiro para, depois, dedicar-se à aquisiçãode conhecimentos e à formação de comportamentos, atitudes e valores.As violências constituem, por conseguinte, um prejuízo coletivo eindividual incomensurável, que neutraliza em parte os investimentos depaíses pobres e ricos. Embora vitime grandes segmentos no mundoocidental, as violências são depressoras da aprendizagem e do sucessoescolar, atingindo sobretudo os grupos sociais mais vulneráveis, quer nospaíses desenvolvidos, quer nos países em desenvolvimento. Por issomesmo, a UNESCO tem realizado uma série de pesquisas sobre o assunto3

e, no ano passado, instituiu um projeto conjunto com a UniversidadeCatólica de Brasília, o Observatório de Violências nas Escolas � Brasil,dedicado a atividades de pesquisa, ensino e extensão na área.

Desse modo, as violências precisam ser encaradas a partir da duplaperspectiva da reflexão e da ação. A escola, como um espelho, reflete asociedade. Porém, ela, não sendo um objeto passivo, tem a capacidadede percorrer o caminho inverso e construir uma cultura de paz. A guerra

3 Cf. em especial ABRAMOVAY, M.; RUA, M. G. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO,Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME,2002.

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e a paz, diz a Constituição da UNESCO, não estão fora do homem, masdentro dele, na sua mente. A escola não pode afrontar exércitos ou gangues,mas pode efetivamente trabalhar com os valores, que constituem uma dasgrandes raízes das violências. Essa é precisamente uma das linhas de açãodas escolas bem sucedidas, estudadas pela UNESCO, e de programascomo �Abrindo Espaços�, que abrem as escolas nos fins de semana paraque alunos e comunidade tenham educação, cultura, esporte e lazer.

Nesta reflexão sobre cada escola é preciso, em coerência com osresultados das pesquisas, responder a algumas questões:

• Como é a escola hoje, quais são as suas qualidadse e necessidades?

• Aonde a escola quer chegar num determinado prazo?

• Quais são os seus objetivos e metas?

• Como caminhará para atingir esses objetivos e metas?

As perguntas acima se referem ao projeto pedagógico, sem o qualas ações se tornam um conjunto pouco coerente e pouco efetivo.Formulado esse projeto, é preciso que nele tenha lugar não só o ensino,mas sobretudo a educação, no sentido da formação de valores. Isso ocorreem grande parte pelo silêncio do exemplo, mas também por meio depalavras e ações, inclusive de expressões artísticas e de trabalhocomunitário. Em sua trajetória as Nações Unidas e a UNESCOsistematizaram um conjunto de valores basi lares e extraíram asconseqüências para a educação. Esses valores são basicamente a igualdadede direitos, a liberdade, a dignidade, a paz, a solidariedade, o respeito ànatureza e a responsabilidade compartilhada4. Nada disso é fácil. Nada

4 A UNESCO realizou um estudo, com ampla ilustração de experiências, sobre como os atos eprincípios das Nações Unidas e da UNESCO podem ser traduzidos para projetos escolares epolíticas educacionais. Cf. GOMES, C. A. Dos valores proclamados aos valores vividos. Brasília:UNESCO, 2001.

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disso é simples. Nada disso cai do céu de graça, mas precisa ser arduamenteconquistado pelo homem, ao que indica a história, depois de páginas epáginas de sangue, suor e lágrimas. Também não será fácil para a escola,porém é possível � e, mais que possível, urgente � que ela se olhe eindague sobre as linhas da sua atuação:

• A escola está contemplando no seu currículo os instrumentos essenciais para aaprendizagem e os conteúdos básicos de aprendizagem?

• É uma escola onde os alunos podem sentir-se felizes e seguros, fazer amigos eaprender ainda mais, se quiserem?

• É uma escola em que os professores são estimulados e valorizados?

• É uma escola cujos recursos atendem a um padrão mínimo de qualidade?

• É uma escola isolada ou que estabelece relações e parcerias com as famílias e acomunidade?

Os valores basilares das Nações Unidas e da UNESCO, bem comoas Declarações de Jomtien e Dacar, apontam essencialmente para o direitoefetivo à educação, com qualidade. Se esta deve satisfazer as necessidadesbásicas de aprendizagem, se deve desenvolver valores, incluindo os dacidadania, então a escola não é lugar para crianças, jovens e adultospassarem o tempo. Ao contrário, é lugar de competência ética, técnica epolítica. Para isso o projeto escolar deve prever não só o quê e quanto oaluno precisa aprender, como também a sua formação como ser humano.Por isso mesmo, no seu auto-exame, cabe à escola perguntar-se:

• Qual a preocupação maior: transmitir conteúdos ou ensinar os alunos a aprenderem� inclusive e sobretudo valores �, para que eles possam aprender sempre?

• A escola ajuda a colocar os conhecimentos em prática, por meio de projetos, criaçãode hábitos e outros meios, ou só se preocupa com o que os alunos respondem nasprovas?

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• É uma escola que só informa ou informa para formar?

• Na sua missão formativa, os educadores, pelas palavras e pelos exemplos, praticame se inspiram nos valores basilares acima citados?

• É uma escola que ajuda grupos diferentes a se comunicarem em pé de igualdade, a serespeitarem e se enriquecerem com as suas diferenças e perseguir projetos comuns? Oué uma escola que reforça as diferenças de grupos sociais, raciais, de gênero e outros?

• É uma escola que vê o aluno pela sua cognição ou como pessoa que sente, pensa e age?

• É uma escola que trata de temas significativos para a vida do aluno, como odesenvolvimento sustentável, a saúde, o meio ambiente e os diversos elementos que,entrelaçados, conduzem ao bem-estar?

Esse auto-exame crítico não aponta para atuações miraculosas, masprocura maximizar aquilo que a unidade escolar pode fazer naqueles 40por cento ou mais que a pesquisa estima ser o seu quinhão ao concorrerpara o sucesso do aluno. É claro que, se a escola não é milagreira, nemimpotente, é preciso que todos, a começar pelos diretores, tenham dosesmaiores ou menores de grandeza (e por que não dizer, em certos casos,de heroísmo) para reverter situações tanto de pobreza material e imaterialda escola, como de fatores adversos da comunidade. Entretanto, aeducação é processo que dá sentido à vida, precisamente porque infundee desenvolve valores. Cumprir essas funções é o que pode dar sentido àvida dos educadores, para muito além de um cargo burocrático. Não poracaso, o Relatório Delors assinalou que a educação para o século XXI seapóia sobre os quatro pilares de aprender a conhecer, aprender a fazer,aprender a conviver e aprender a ser. Isso vale para quem épredominantemente educador (mas também educando), como para quemé predominantemente educando (mas também educador).

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Reforma Universitária como Compromisso Histórico1

O evento que ora se inaugura nos coloca face a face com a missãode mobilizar as lições do passado histórico e as vivências do presentepara delinear o futuro que queremos e que podemos. Temos aquirepresentadas, por meio dos participantes, experiências dos diversoscontinentes, no mesmo espírito de comunicação ecumênica que presidiuao estabelecimento da UNESCO ao fim da Segunda Guerra Mundial.Diante deste incomensurável acervo de idéias, pensar a universidade parao século XXI na América Latina implica um duplo movimento: o de partirda nossa realidade, para enriquecê-la com o amplo conhecimentodisponível hoje no mundo, e o de voltar a ela, focalizando os aspectosimanentes à nossa realidade, de modo a inseri-los no que lhes transcende.Esta viagem de ida e volta que se precisa fazer a cada momento permiteque tenhamos a sintonia das necessidades dos países em desenvolvimento,sem jamais perder de vista o processo de mundialização que nos envolvee que não nos pergunta se dele queremos participar.

De fato, a universidade em sua origem era uma instituiçãointernacional, na escala de comunicação da Idade Média. Utilizandoinicialmente o latim, a instituição procurava recuperar o conhecimento,que progredia a passos lentos e se perdia na memória dos precáriosregistros anteriores ao papel e à imprensa. Já naquele período histórico auniversidade, não sem conflitos e dilemas, se inseria nas sociedades,exercendo papéis de grande relevância. Transplantada para o Novo Mundo,

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário Internacional Universidade XXI, Brasília 25-27nov. 2003.

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veiculou as idéias da Ilustração, que, embora importadas como plantasexóticas, viriam a produzir o fermento de revoluções e transformaçõessociais.

Esta dualidade, nas Américas, de instituição importada e, ao mesmotempo, de veiculadora de um saber transformador, ressalta a necessidadedos países em desenvolvimento no sentido de ter uma universidade sua,mas não uma universidade isolada, superada pelos acontecimentos etendências mundiais. Ser nacional sem deixar de ser universal. E serecumênica sem deixar de ser significativa para o seu contexto imediato éum duplo desafio que foi discutido pela Conferência de Paris, em 1998.

Aquela grande conferência enfatizou não só as relações decompromisso entre a universidade e o seu entorno histórico-social, mastambém a sua integração com os demais níveis educacionais. É possívelinterpretar que a função de serviço se realiza tanto pelo ensino, quantopela pesquisa, quanto, ainda, pela própria extensão. Ademais, é precisoter sempre em mente que a universidade constitui uma parte da educaçãosuperior. Em circunstâncias cada vez mais diversificadas, este níveleducacional necessita de plasticidade para responder às necessidades quelhe são postas. Desse modo, o pensamento deve ser abrangente, já que auniversidade e a educação superior como um todo padecem das limitaçõesdo sistema educacional e da sociedade, ao mesmo tempo que têm a missãode contribuir para ambos.

Portanto, a vocação da universidade, tal como a concebemos, é ado comprometimento com a sua realidade, seja esta imediata, na sua regiãoe no seu país, como, ainda, no âmbito regional e internacional. Comoantena sensível, capta e deve captar as grandes tendências, discussões ealternativas do mundo em que vivemos, oferecendo sua contribuição parao desenvolvimento. Cabe-lhe também gerar inovações em sintonia comos avanços da nossa época, contribuir para aplicar tais inovações eparticipar, articuladamente com a sociedade, do processo da formaçãodos trabalhadores requeridos pela era do conhecimento, sob pena de

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perda de espaço no processo de mundialização, de empobrecimento dopaís e de aprofundamento das disparidades sociais. Nesse sentido, cumpre-nos lembrar a conferência da UNESCO que, também em Paris, revisitouas conclusões da sua antecessora, de 1998. Inserida nas encruzilhadas dahistória e com a sua vocação ecumênica, a educação superior está nocentro dos debates sobre a categoria da educação: trata-se de um serviçopúblico ou de um serviço que, à semelhança de mercadorias, pode ter oseu comércio liberalizado internacionalmente?

Esta é uma discussão arriscada, que não pode se restringir aospensamentos desejosos e que, como se sabe, poderá ser decidida pelosgovernos sem maior participação dos educadores. Além de uma atitudeativa de repúdio à mercantilização da educação superior, é indispensávelque as universidades tenham coerência entre pensamento e ação e quereforcem cada vez mais as contribuições sociais à coletividade. Por outrolado, cabe-nos destacar como profundamente preocupante o fato de aliberalização da educação superior como um serviço vendável confiar nassupostas vantagens da mão invisível do mercado. Como a história ensina,esta mão pode ser invisível, mas obedece a vontades determinadas. Assim,a interação desigual entre as universidades dos Hemisférios Norte e Sul,dos países desenvolvidos e em desenvolvimento pode contribuir para umapartheid cultural e, mesmo, para a extinção daquelas consideradas menoscompetitivas. Se cabe reconhecer que a educação oferece significativosretornos econômicos, é inadmissível, por outro lado, ter uma posturareducionista que ignore a relevância social e cultural das instituiçõeseducativas, como forma de descoberta dos contextos específicos e dealcance de identidade social.

As questões são, pois, tão candentes quanto desafiadoras. Da mesmaforma que temos optado inúmeras vezes pelo caminho da igualdade, dademocracia, da paz e do desenvolvimento na história da educação superior,precisamos reunir forças para prosseguir a caminhada. Esperamos, pois,que as discussões deste dia e dos subseqüentes sejam profundamenteenriquecedoras para o cumprimento da missão da universidade,

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

entrelaçando as vocações de enraizamento na sua terra e de projeção dosseus ramos por todo o mundo. Temos ainda a expectativa de que asrecomendações deste Seminário, ao receber contribuições de especialistasde várias tendências e partes do mundo, ajudará o Brasil e os países daAmérica Latina a definirem os fundamentos da reforma universitária quese tornou um imperativo histórico.

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O Futuro Começa pela Primeira Infância1

Cada vez mais, a educação e os cuidados na primeira infância vêmsendo tratados como assuntos prioritários de governos, organismosinternacionais e organizações da sociedade civil, por um número crescentede países em todo o mundo. Essa especial atenção à criança de zero a seisanos, não se deve apenas à observância dos compromissos firmadosinternacionalmente, como a Declaração Universal dos Direitos da Criança, massobretudo à compreensão mais ampla de que o presente e o futuro deuma nação caminham nos pés de suas crianças.

Nas últimas décadas, várias pesquisas têm demonstrado que oatendimento educacional de qualidade durante os primeiros anos de vidatem um impacto extremamente positivo no curto, médio e longo prazo,gerando benefícios educacionais, sociais e econômicos mais expressivosdo que qualquer outro investimento na área social. Melhor desempenhona escolaridade obrigatória, menores taxas de repetência e evasão, e maiorprobabilidade de completar o ensino médio foram observados entre osque tiveram acesso à educação infantil de qualidade, quando comparadosaos que não tiveram esta oportunidade.

A freqüência a instituições de educação infantil também afetaindireta e positivamente o status no emprego na medida em que aumentaa competência escolar, além de estar também associada a atitudes positivasna busca de realização profissional.

1 Artigo publicado nos jornais: �Jornal Cruzeiro do Sul�, SP, 11/10/2003; �Mogi News - Mogi dasCruzes�, SP, em 08/10/2003; �Jornal do Commercio � Manaus�, AM, em 07/10/2003

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Análises econômicas têm demonstrado que é no início da vida queos investimentos públicos e sociais encontram seu melhor custo-benefíciopara o aperfeiçoamento das habilidades humanas, sejam elas intelectuais ouemocionais. A educação infantil é, assim, uma das políticas mais importantespara o desenvolvimento humano e social, constituindo-se também em umapoderosa estratégia no combate à pobreza e à exclusão social.

Esse reconhecimento levou as nações a assumirem, em Dacar, em2000, entre os compromissos pela �Educação para Todos�, a meta deampliar a oferta e melhorar a qualidade da educação e dos cuidados naprimeira infância, com especial atenção às crianças em situação devulnerabilidade. O Brasil é um dos signatários desse compromisso e aUNESCO é a instituição das Nações Unidas que tem entre suas atribuiçõesa de apoiar os países no alcance dessa meta.

O Banco Mundial, sensível para a importância da primeira infânciae ciente dos inúmeros impactos positivos da freqüência à creche e à pré-escola de qualidade criou um Fundo Especial, o �Fundo do Milênio paraa Primeira Infância�, que está sendo implantado em três países, entre eleso Brasil. O Banco fez uma doação inicial, de recurso a fundo perdido,para a constituição desse Fundo e o desenvolvimento da proposta decooperação técnica � que será implementada, em cada Estado, com oapoio do empresariado local. Em reconhecimento à atuação da UNESCOna área da educação infanti l , ela foi indicada para ser a agênciaimplementadora deste Fundo no país, começando pelo Estado do RioGrande do Sul.

Acreditamos que com a implantação de políticas públicas voltadaspara a primeira infância é possível contribuir, de forma decisiva, para amelhoria da formação educacional dos brasileiros, garantindo assim umfuturo melhor para as crianças de hoje, que amanhã serão os protagonistasdo desenvolvimento do Brasil. Para isso, precisamos que todos � governos,empresários, ONGs, sociedade e organismos internacionais � apóiem osprimeiros passos de nossas crianças.

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A Educação Infantil como Meta Prioritária1

A UNESCO, na qualidade de agência especializada das NaçõesUnidas para assuntos ligados à educação, tem direcionado sua atençãopara a difusão da importância de uma educação de qualidade, desde osprimeiros anos de vida.

Crescente desde os anos 80, em grande parte como resultado daurbanização e da participação da mulher no mercado de trabalho, mastambém em decorrência da afirmação dos direitos da criança e do avançono conhecimento científico sobre a importância das experiências dequalidade nos primeiros anos de vida, a educação infantil constitui metaprioritária nos compromissos internacionais assumidos sob os auspíciosda UNESCO.

O Marco de Ação de Dacar, em 2000 � que avaliou o cumprimento dosprincípios da Educação para Todos, firmados em Jomtien, na Tailândia, em1990 � explicita como primeira meta �expandir e melhorar o cuidado e a educaçãoda criança pequena, especialmente das mais vulneráveis e em maior desvantagem�.

Na área da Educação Infantil, a UNESCO no Brasil tem atuado emdiversas frentes:

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário �Financiamento da Educação Infantil� e lançamentodas publicações �Anais do Simpósio Educação Infantil: construindo o presente� e �Os serviçospara a criança de zero a seis anos no Brasil: algumas considerações sobre o atendimento emcreches e pré-escolas e sobre a articulação de políticas�, Brasília, 8 set. 2003. Artigo publicadono jornal �Zero Hora�, RS, em 16/09/2003.

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• assessoria ao Poder Executivo na formulação de Projetos eProgramas;

• captação de recursos do setor privado, com o objetivo depromover a valorização e a melhoria da qualidade da educaçãoinfantil. Como exemplo, projetos-piloto nos Estados do RioGrande do Sul e de Santa Catarina;

• promoção e realização de Seminários, visando fomentar o debatesobre os maiores desafios à implementação das metas do PlanoNacional de Educação e sobre a formulação de políticas articuladaspara a primeira infância;

• disseminação de conhecimentos no campo das políticas deeducação infanti l , qualif icação do debate teórico eaprimoramento da prática, por intermédio da publicação de livrossobre temas relevantes na área.

É, portanto, com grande satisfação e orgulho que a UNESCO integraesta mesa com o intuito de lançar duas publicações muito especiais, juntoà Fundação ORSA � tão caro parceiro � e em momento de tamanhaimportância para as políticas de educação infantil no Brasil.

As duas publicações são: �Anais do Simpósio Educação Infantil: construindoo presente� e �Os serviços para a criança de zero a seis anos no Brasil: algumasconsiderações sobre o atendimento em creches e pré-escolas e sobre aarticulação de políticas�.

Ambas publicações marcam as comemorações dos dois últimos anosda Semana de Educação para Todos, destinada a relembrar, no mundo inteiro, oscaminhos que as nações pactuaram tri lhar a partir de 2000, emcontinuidade aos esforços de Jomtien.

Assim, ao lançar os Anais do Simpósio Educação Infanti l :construindo o presente, gostaríamos de lembrar que o evento, realizado

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no mês de abril, no Auditório Petrônio Portela, do Senado Federal,integrou a Semana de Educação para Todos do ano 2002. Constituiu, ainda pautada reunião ordinária da Comissão de Educação do Senado Federal,representando uma iniciativa de aproximação entre os legisladores esegmentos sociais relevantes na área da educação infantil.

O Simpósio foi o resultado de um congraçamento de forças, unindoas Comissões de Educação do Senado Federal e da Câmara dos Deputados,a UNESCO, o Ministério da Educação, o Movimento Interfóruns deEducação Infantil do Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI),o Serviço Social da Indústria (SESI), a Universidade de Brasília, oConselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED), aUnião Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), oFundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Fundação ORSA.

Esta publicação, embora patrocinada pela UNESCO, é fruto de umesforço coletivo na luta pelo cumprimento das metas definidas no PlanoNacional de Educação. Ao trazer a público o resultado destes três dias detrabalho, não poderia deixar de agradecer a todos os palestrantes eparceiros do Simpósio, que contribuíram de alguma forma para que estapublicação se tornasse uma realidade.

O livro �Os serviços para a criança de zero a seis anos no Brasil:algumas considerações sobre o atendimento em creches e pré-escolas esobre a articulação de políticas�, publicado em comemoração à SemanaInternacional de Educação para Todos, de 2003, consiste em um breve estudoauspiciado pela UNESCO sobre os serviços para a primeira infância, noBrasil. Responde a um levantamento promovido pela Sede da UNESCO,em Paris, sobre a situação desta temática em vários países. Publicado emportuguês e em inglês, visa permitir o conhecimento do caso brasileiroaos interessados de outras nações, além daquelas de língua portuguesa.

A representação da UNESCO no Brasil espera que este brevediagnóstico sobre os serviços para a primeira infância, em nosso País,

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auxilie a compreensão dos leitores sobre a situação atual de tal oferta,especialmente no que tange à área da educação.

Afirma-se, ainda, a intenção de que a disseminação deste estudopossa contribuir para a superação dos desafios que se impõem aocumprimento do compromisso assumido, em Dakar, de dar acesso àscrianças pequenas a experiências educacionais de qualidade.

Não poderia finalizar sem antes agradecer à Fundação ORSA poraceitar nosso convite em lançar a publicação Município feliz: educaçãoinfantil durante este importante evento, com tão significativa participação.

A UNESCO se orgulha desta parceria e pretende ampliá-la eaprofundá-la, continuando a trilhar os caminhos da luta por um País maisjusto e melhor para nossas crianças.

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Brasil Alfabetizado, a Vez dos Excluídos1

Em fevereiro deste ano, na cidade de Nova York, na sede da ONU,foi lançada a Década das Nações Unidas para Alfabetização, evento que contoucom a honrosa participação do Ministro de Estado da Educação, ProfessorCristovam Buarque.

Naquela oportunidade, o Diretor-Geral da UNESCO, o EmbaixadorKoichiro Matsuura, afirmou que �por meio da alfabetização os menosfavorecidos podem encontrar sua voz. Por meio da alfabetização, os pobrespodem aprender a aprender. Por meio da alfabetização, os sem poderpodem ser fortalecidos�.

Essas palavras do Diretor-Geral da UNESCO adquirem um profundosignificado na Solenidade de hoje, pois o Governo de Vossa Excelênciarepresenta uma esperança concreta para que as vozes dos segmentos maispobres e excluídos sejam ouvidas.

O Programa Brasil Alfabetizado é a resposta do Governo de VossaExcelência ao apelo das Nações Unidas e da UNESCO.

Há décadas, vem sendo empreendido um esforço mundial para asuperação do analfabetismo e a redução das desigualdades sociais.

Resgatar essa dívida histórica constitui o primeiro dever ético detodos os governantes e de todos nós. Sim, de todos nós, porque a novaética � que se tornou necessária � requer a radicalização da solidariedadee a dignificação de todas as pessoas.

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento do Programa Brasil Alfabetizado, Brasília, 8 set. 2003.

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Se isso não bastasse, creio ser importante salientar, nestaoportunidade, que pesquisas mais recentes mostram que a educação � e aalfabetização em particular � constitui uma estratégia privilegiada para aexpansão econômica e o desenvolvimento social e político.

A interdependência de tais dimensões se distingue pelo fato daexpansão econômica não se traduzir em desenvolvimento social e humanose os seus benefícios não se distribuírem e não levarem em conta aparticipação e a conscientização.

Por outro lado, os frutos são gerados pelo aumento da produção.

Pode-se afirmar, assim, que a educação contribui tanto para dar frutoscomo para distribuí-los. Por isso mesmo, o combate à pobreza começa na escola.

Além disso, pesquisas mostram evidências de que as taxas médiasde retorno do investimento na educação são altas em comparação aoretorno das despesas de outros setores.

Elas são mais elevadas tanto em termos de benefícios individuaisquanto coletivos, sobretudo em relação à educação fundamental.

Além do mais, fora os benefícios que podem ser medidos, há osque são mais difíceis de mensurar, mas igualmente importantes, tais comoos efeitos na educação, na alimentação, na educação da família, todoscontribuindo para a redução de despesas públicas em saúde, segurança eprevidência, só para citar três exemplos.

Por isso mesmo, o lançamento do Programa Brasil Alfabetizado, ao ladode outros anteriormente lançados, como o Fome Zero e o Primeiro Emprego,colocam o Governo de Vossa Excelência em sintonia com os novos rumoséticos do desenvolvimento que todos nós esperamos.

Estou seguro de que a história saberá registrar e interpretar o alcancesocial dessas medidas e a verdadeira dimensão de estadista que se destacano panorama mundial.

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Educação para o Trânsito e Mobilidade Inteligente1

No dia 9 de maio deste ano, em Uberlândia (MG), 613 alunos daEscola Hercília Martins Rezende, pais, professores e comunidadebloquearam a Avenida João Neves de Ávila pedindo melhor sinalização efaixas de pedestres na via pública. Essas mesmas pessoas tomaram ainiciativa de pintar o muro da escola. No mesmo dia, em Caxias do Sul(RS), um grupo de estudantes lançou o programa Madrugada Viva,percorrendo bares e restaurantes para alertar sobre a importância do usodo cinto de segurança e o perigo de dirigir após o consumo de bebidaalcoólica. O movimento conseguiu da Prefeitura a instalação de redutoresde velocidade perto de uma escola. Em Sorocaba (SP), a Prefeituraatendeu ao pedido dos estudantes de instalação de luz elétrica em umadas ruas da cidade.

Histórias como essas estão sendo escritas, diariamente, pelas mãosde 26 mil alunos de 415 escolas brasileiras que participam, este ano, doProjeto Você Apita, um programa de ação educativa que tem por missão convocaros jovens à atuação democrática e solidária para a solução dos problemasde mobilidade e segurança de suas comunidades. Desenvolvido pela FiatAutomóveis com o apoio da UNESCO no Brasil, do Ministério da Educaçãoe das Secretarias Municipais de Educação e órgãos gestores de trânsito, oprojeto vem permitindo que estudantes do ensino fundamental e médio deescolas públicas e privadas, de 18 capitais brasileiras, façam um estudo do

1 Artigo publicado nos jornais: �Correio Braziliense�, DF, em 21/09/2003; �Boletim Notícia emTrânsito�, DF, set. 2003.

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meio onde vivem e, a partir desse diagnóstico, proponham soluções paratornar o trânsito mais racional e humano.

A UNESCO aposta em ações educativas de estímulo aoprotagonismo juvenil, à mobilidade inteligente e à cidadania � como aspromovidas pelo Você Apita � pela sua importância na construção de umacultura de paz.

O envolvimento dos jovens na solução dos problemas sociaiscontribui, de forma decisiva, para o desenvolvimento de ações que, amédio e longo prazo, resultarão na melhoria da qualidade de vida dosbrasileiros. O contínuo investimento em programas de conscientizaçãode jovens em áreas como trânsito, mobilidade e convívio social no espaçopúblico irão, com certeza, fazer diferença no futuro.

Estatísticas do Departamento Nacional de Trânsito � DENATRANdão uma boa idéia do quanto é necessário um esforço conjunto dasociedade e dos governos no sentido de se reduzir as altas taxas deacidentes de trânsito. Em 2001, ocorreram quase 395 mil acidentes comvítimas fatais e não-fatais no Brasil. O índice é de 228,9 vítimas para cadagrupo de cem mil habitantes. Já o livro �Mapa da Violência � Os Jovens doBrasil�, de Jacobo Waiselfisz e editado pela UNESCO, mostra que, de1991 para 2000, a evolução no número de mortes por acidentes detransporte na população jovem (6,7% no período) foi superior ao dapopulação total (3,7%).

É preciso, portanto, que a sociedade brasileira invista na formaçãode cidadãos mais conscientes. Cada um pode e deve fazer a sua parte. OVocê Apita é um bom exemplo de parceria de sucesso entre Estado eSociedade que deve ser seguido por outras empresas, tendo como metao desenvolvimento humano e social. Graças a essa iniciativa, foi criadano País uma extensa rede de colaboradores voluntários do projeto e quejá reúne 222 parceiros. Os mais novos aliados são os estudantesuniversitários.

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O Programa tem o mérito de ultrapassar os limites da escola eenvolver a comunidade na discussão de assuntos ligados à cidadania. Comisso, os jovens passam a ter uma atuação pró-ativa, democrática e solidáriapara a resolução dos problemas locais que afligem seus vizinhos. Elesdesenvolvem a sensibilidade e observação em relação aos fatos docotidiano, tendo cuidado e respeito com o próximo e buscandoalternativas que promovam a igualdade de oportunidades de acesso emobilidade para toda a comunidade.

Por todos esses motivos, depositamos grande confiança na parceriacom a sociedade civil para, juntos, enfrentarmos o desafio de construircenários sócio econômicos mais eqüitativos em que o respeito aos direitoshumanos e à diversidade se traduzam, concretamente, na vida de cadacidadão.

Só a partir da soma de diferentes iniciativas sociais na área deeducação, sobretudo as que envolvam crianças e jovens, será possívelcriar no Brasil, de forma permanente, uma rede de luta incessante em prolda cidadania e dos direitos humanos.

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Educação Infantil:É Preciso Reconhecer a sua Importância1

Inicialmente, gostaria de congratular-me com a Comissão deEducação e Cultura da Câmara dos Deputados e com o Ministério daEducação que, prontamente, atenderam ao convite da UNESCO paraque, juntos, promovêssemos este Seminário sobre o Financiamento daEducação Infantil�.

Assim, os Poderes legislativo e executivo brasileiros tornamevidente o reconhecimento da necessidade de que este tema tenha umlugar de destaque na agenda das políticas públicas.

Ter conosco, nesta tarefa, a efetiva participação da União dosDirigentes Municipais de Educação � UNDIME e do Conselho Nacionalde Secretários Estaduais de Educação � CONSED é uma exigência, umavez que a educação infantil, bem como os outros níveis de ensino, devemser ofertados sob a égide do Regime de Colaboração entre a União, osEstados e os Municípios.

Realizar o Seminário nesta Casa, onde o povo brasi leiro érepresentado em seus anseios por um País melhor e mais justo, é tambémuma oportunidade de dar o devido relevo a uma das principais políticaspara a Infância � a da educação nos primeiros anos de vida.

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário Nacional �Financiamento da Educação Infantil�.Brasília, 8 set. 2003.

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A educação e o cuidado da Primeira Infância são, freqüentemente,percebidos como uma última fronteira a ser conquistada, ao se criar umsistema integrado de educação que favoreça a aprendizagem durantetoda a vida. Este sistema deve, com efeito, começar a partir donascimento.

Desse ponto de vista, a Educação Infantil é um elo que faltava porquenão fazia parte dos sistemas educativos de muitos países.

Nos últimos anos, têm-se verificado reformas educativas em váriosdeles, integrando, no sistema educacional, os serviços de cuidado eeducação das crianças desde os primeiros anos de vida. O Brasil encontra-se entre as nações que têm empreendido esforços nessa direção.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a educaçãoda criança de zero a seis anos, em creches e pré-escolas, é reconhecidacomo um dever do Estado e um direito da criança e da família, direitoque é inserido no Capítulo da Educação, do referido texto legal.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vigente a partir de 1996,em consonância com a Carta Magna, dedicou-lhe uma seção, situando-acomo primeira etapa da educação básica.

Não basta, porém, contar com leis avançadas.

É preciso buscar a concordância entre os valores proclamados e osvalores reais na educação brasileira, segundo a expressão de AnísioTeixeira, e, desta forma, passar à ação.

Para isso é preciso que se definam políticas claras e que estas setraduzam em alocações orçamentárias a curto e a longo prazos.

Eis porque, numa evidência de maturidade política e administrativa,este Seminário tem em vista focalizar questões da maior responsabilidade:quanto custa a educação infantil? Quem paga por ela? Quais os pontos de

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estrangulamento na distribuição das fontes? Quais as necessidades emtermos dos orçamentos públicos?

Os parlamentos, há séculos, têm um papel democrático de relevo,no direcionamento da receita e da despesa pública. Aqui não está somenteo Congresso Nacional, nosso anfitrião, mas os diferentes níveis do PoderExecutivo federal, estadual e municipal.

É, portanto, o ambiente propício para congregar esforços e assegurarà educação infantil o papel que ela merece, inclusive como política eficazde combate à pobreza.

Se o direito à educação, desde os primeiros anos de vida, é razãosuficiente para que o Estado implemente políticas públicas para atendê-lo, benefícios da educação infantil, inclusive de natureza econômica, têmsido amplamente demonstrados internacionalmente.

Nos últimos anos, muitas publicações na área da educação e daeconomia têm tratado dos impactos positivos de uma educação dequalidade nos primeiros anos de vida: melhor desempenho na escolaridadeobrigatória, menores taxas de repetência e evasão e maior probabilidadede completar o ensino médio têm sido observados entre os que tiveramacesso à educação infantil de qualidade, quando comparados aos que nãotiveram essa oportunidade.

A freqüência a instituições de educação infantil também afeta,indireta e positivamente, o status no emprego, na medida em que aumentaa competência escolar, além de estar também associada a atitudes positivasna busca de realização profissional.

Análises econômicas têm demonstrado que esses benefícios superam,em larga escala, os investimentos financeiros realizados para prover esses serviços.

O reconhecimento da importância da educação infantil levou asNações a assumirem, em Dacar, em 2000, entre os compromissos pela

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Educação para Todos, a meta de ampliar a oferta de educação e cuidadona primeira infância, com especial atenção às crianças em situação devulnerabilidade.

O Brasil é um dos signatários desse compromisso e a UNESCO é ainstituição das Nações Unidas que tem entre suas atribuições a de apoiaros vários países no alcance dessas metas.

A realização deste Seminário é a expressão da vontade dasinstituições envolvidas em tornar realidade o acesso das crianças brasileirasà educação infantil.

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A Infância em Debate1

Era de se esperar que a UNESCO, na qualidade de agênciaespecializada das Nações Unidas para assuntos ligados à educação,direcionasse sua atenção para a difusão da importância de uma educaçãode qualidade desde os primeiros anos de vida, bem como para osprogramas que garantam o seu bem estar.

Este tema faz parte dos documentos que orientam nossa ação diária,tais como a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (realizada em Jomtien,na Tailândia, em 1990) � um importante marco na luta pela �educaçãopara todos ao longo de toda a vida�. Afirmam que a aprendizagem seinicia a partir do nascimento e que a educação e o cuidado na primeirainfância são um componente essencial da Educação Básica.

Subseqüentemente, fruto de uma avaliação dos progressos daeducação durante a década 1990/2000, o Marco de Ação de Dacar, (2000)definiria que a principal meta da UNESCO, na área da educação infantil,é garantir o aprimoramento e a expansão da educação e o cuidado naprimeira infância.

Com grande satisfação a UNESCO integra esta mesa, junto a tãocaros parceiros, para apresentar o primeiro volume da Série �Coordinators�Notebook � A infância em debate: perspectivas contemporâneas�. Esta série depublicações pretende contribuir para:

1 Pronunciamento por ocasião da Solenidade de lançamento da Série �Coordinators Notebook:A infância em debate, perspectivas contemporâneas�, Brasília, 7 ago. 2003.

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a) Disseminar conhecimentos no campo da educação infantil;

b) Qualificar o debate teórico e o aprimoramento da prática;

c) Sensibilizar os quadros de decisão, pais e comunidades sobre aimportância da implementação de programas de qualidade quegarantam a efetivação dos direitos das crianças e de suas famílias;

d) Fomentar o debate sobre a formulação de políticas articuladaspara a primeira infância.

A Série �Coordinators� Notebook� é originalmente publicada em línguainglesa pelo Secretariado do Grupo Consultivo sobre Cuidado e Desenvolvimento Infantil,atualmente sediado no Canadá, em colaboração com várias OrganizaçõesNão-Governamentais e Organismos Internacionais.

Cumpre lembrar que esta iniciativa se soma aos esforços que jávêm sendo realizados pela UNESCO. De forma similar, desde 1999, aUNESCO, em Paris, traduz para a língua francesa alguns artigosselecionados e estudos de caso. Seu objetivo é promover a importânciadas políticas e programas destinados à criança de zero a oito anos juntoaos países francofônicos, em especial o Oeste da África.

Complementarmente, a Representação da UNESCO no Brasil e aFundação ORSA, entendendo ser este um momento crucial para ampliaro debate sobre questões contemporâneas relacionadas à área da educaçãoinfantil, firmaram parceria com o Grupo Consultivo para mais esta realização,destinada aos profissionais da primeira infância, pesquisadores, professores,quadros de decisão, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pais e acomunidade. Por meio desta iniciativa, a UNESCO e a Fundação ORSApretendem, ainda, expandir sua atuação para além das fronteiras brasileirase alcançar os países de língua portuguesa.

É, portanto, pautando-se nos preceitos descritos anteriormente eacreditando que �o bem-estar das crianças ao longo dos seus primeiros anos de vida é

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bastante revelador do bem-estar geral de uma nação ou de uma população� que a UNESCOse alia à Fundação ORSA e ao Grupo Consultivo com o intuito de fazeravançar as práticas e políticas destinadas às crianças de zero a seis anos ede influir na definição de uma agenda política que situe a criança pequenano foco das prioridades nacionais.

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Made in Brazil1

Nos últimos anos, o Brasil vem produzindo uma série de �históriasde sucesso� que, em alguns casos, não ganharam na opinião pública odestaque merecido. O estereótipo, muitas vezes difundido entre ospróprios brasileiros, de que o Brasil produz sucesso internacional apenasnos esportes e na música começa a ser gradualmente alterado quando seobserva o sucesso nos campos da educação e da saúde. Hoje, vemos queexperiências brasileiras são modelos internacionais, não apenas para paísesem desenvolvimento, mas para todo o mundo. O País já forneceu ao mundopelo menos dois consagrados programas � o Programa Nacional de AIDSe o Programa Bolsa-Escola � além de um terceiro � o Fome Zero � emestágio inicial.

Um dos grandes motivos de orgulho do Brasil é o Programa Nacionalde AIDS. A política inovadora de tratamento gratuito aos portadores doHIV foi rapidamente reconhecida nos principais fóruns internacionais, daAssembléia Geral da ONU à Organização Mundial da Saúde � OMS,com discussões sobre o direito ao tratamento e a quebra de patentes parapreservar a saúde pública. O sucesso do Programa levou um brasileiro aser indicado para chefiar o Departamento de AIDS da OMS, prova doprestígio da estratégia formulada.

Outra política social brasileira também foi elevada, ainda que maissilenciosamente, à condição de modelo universal de combate à exclusãosocial e de promoção da educação. As experiências iniciais do Bolsa-

1 Artigo publicado no jornal �O Globo�, RJ, em 18/08/2003.

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Escola já mostravam, entre 1997 e 1998, seu potencial de sucesso comopolítica pública, aumentando a freqüência escolar e o desempenho naescola e diminuindo o trabalho infantil. Tais resultados, bem como aconcepção inovadora e criativa da idéia, justificaram sua transformaçãoem um Programa Nacional que hoje atinge mais de 8 milhões de crianças.O Programa tornou-se pluripartidário, sendo apoiado por autoridadesdas mais distintas matizes polít icas e ideológicas e rapidamenteincorporado por estados e municípios.

Uma característica interessante da cooperação internacional é a rápidadifusão de experiências bem-sucedidas nos principais fóruns internacionais.Com o Bolsa-Escola não foi diferente. Em 1995, em um feito inédito, oPrograma foi capa da revista Time. Na abertura do Fórum Mundial de Educação,em Dacar, em 2000, Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU, apontou oPrograma como exemplo de política social e educacional de sucesso. NaConferência de Ministros de Educação da África, realizada na Tanzânia, emdezembro de 2003, o Bolsa-Escola teve um destaque sem precedentes.

Assim, chega-se a uma situação na qual conseguiu-se �exportar� oBolsa-Escola para uma série de países de diferentes contextos sociais,econômicos e culturais: Argentina, Bolívia, El Salvador e México, Tanzânia,Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, entre outros. O modelode concepção, planejamento e gestão contido no Bolsa-Escola já foiincorporado por grande parte das organizações internacionais � OIT,Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial, UNICEF,UNESCO, para citar apenas algumas.

Esse amplo e rápido sucesso levanta uma questão interessante: porque essas polít icas se tornaram experiências reconhecidasinternacionalmente? Em outras palavras, quais os elementos de sucessodesses Programas?

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que tanto o Bolsa-Escola comoo Programa Nacional de AIDS atacam questões apontadas consensualmente

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como grandes entraves ao desenvolvimento social. Com a adoção daDeclaração do Milênio pelas Nações Unidas, em 2000, ficou evidente aprioridade absoluta que a solução de mazelas como a pobreza, a exclusãosocial, a fome, os baixos níveis educacionais e a AIDS teria na formulaçãode políticas sociais, especialmente nos países em desenvolvimento.

No Bolsa-Escola, deve-se enfatizar a âncora educacional acopladaa um programa de renda mínima, característica inovadora que diferencioua experiência brasileira de qualquer outra. Desvia-se, assim, o focotradicional de programas de seguridade social (a renda) para uma políticaestrutural de longo-prazo (o investimento em educação). A contrapartidadas famílias (manutenção das crianças na escola) torna-se um elementodefinidor do Programa, garantindo-lhe uma posição distinta daquelaocupada por quaisquer outras ações de transferência de renda. Assim,caracteriza-se o Bolsa-Escola como programa educacional e não apenasuma ação de garantia de renda mínima. Isso representa uma das principaisgarantias de seu sucesso.

O Brasil teve o mérito de criar grandes ações que mobilizaram apopulação, cujos nomes fixam-se, pouco a pouco, no imaginário popular.Elas não se restringem apenas aos Programas com visibilidade internacional,mas ocorrem em inúmeras localidades, com experiências bem-sucedidasem estados e municípios. Além de continuar a compartilhar estasexperiências com o resto do mundo, é preciso fortalecê-las nacionalmente.Elas são fonte de inspiração para outros projetos sociais que devem serincentivados e aproveitados. Assim, daremos grandes passos rumo a umPaís mais inclusivo, justo e desenvolvido.

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

Universidade: Relevância e Reforma1

A oportunidade deste evento se reveste da mais alta relevância,como prova de alta maturidade política. Declara a Constituição que osPoderes da República são independentes e harmônicos. Assim, oLegislativo deve preocupar-se com quem executa a legislação que eleelabora e aprova. Da mesma forma, o Executivo precisa discutir,amplamente, suas propostas com os representantes do povo e dos Estados,para que sejam aperfeiçoadas e legitimadas. Nesta ocasião, não se trataainda de discutir proposições, porém � o que é ainda mais importante �de, em conjunto, tecer pensamentos e gestar o embrião de projetos futuros.

Tal posicionamento abre caminhos promissores para todos os agentesenvolvidos. As reformas verticais, geralmente rápidas de conceber, tendema se tornar reformas de papel. A discussão e o entrosamento insuficienteslevam à hierarquia de perdedores e ganhadores, o que entrava grandementesua concretização. Quando se discutem desde o início as questõescontroversas, aumenta-se a probabilidade de as forças em atuaçãoconvergirem para pontos de vista comuns. Superam-se dificuldades,esclarecem-se divergências e temores prévios que se manifestam em todoprocesso de mudança. Em outras palavras, ruma-se para um pacto entreos diferentes atores, onde todos devem ser vencedores e todos devemceder alguma coisa em favor do todo.

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário Universidade: Por que e como Reformar?�Universidade: Relevância e Reforma�, Brasília, 6 ago. 2003.

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A universidade é semelhante a uma torre de vigia. Trata-se de umlugar privilegiado de observação da sociedade, localizado no seu topo.Dela se avistam as tendências e as perspectivas. Dela se pode partir paradesenhar os horizontes do futuro. Futuro marcado não só pelosconhecimentos e competências, mas também pelos valores de aceitaçãoda diversidade, da paz, da valorização do desenvolvimento humano, daigualdade e tantos outros. No entanto, a universidade não pode cumprirplenamente seus papéis se não está inteiramente sintonizada com seutempo e o futuro que ajuda a construir. Lócus histórico da divergência,tende também a ser conservadora, como guardiã de certos valores, idéiase critérios. Por isso, sua mudança é processo delicado que não se cumprepor ato de vontade. É processo negociado, em face das divergências queenriquecem o debate. Porém, se a universidade não se reforma, não podesobreviver. Como elaborar o futuro da sociedade e do mundo voltadapara trás e para dentro e não como um facho de luz dirigido para a frente?

Nesta oportunidade, cabe considerar que a universidade é parte deum todo. Como a torre de vigia, ela é o ponto alto de uma edificaçãoque não vive sem ela, porém a torre também não se justifica sem o conjuntoda sociedade. Instituição cara, é socialmente sustentada e precisa oferecerfrutos, embora sem perder a liberdade e a sua própria dinâmica. Caberecordar, pela procedência, a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior,realizada pela UNESCO em Paris, no ano de 1998. Entre as açõesprioritárias, destacou que os Estados devem estabelecer o marcolegislativo, político e financeiro da reforma segundo os termos definidosna Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela qual a educação superiordeve ser acessível a todos com base no mérito, sem discriminações.Portanto, a igualdade é uma das idéias-chave, além da vinculação com otodo da sociedade, com a pesquisa, com o sistema de ensino e com aeducação permanente. O comprometimento e a responsabilidade socialda universidade constituem, dessa forma, idéias-chave para possibilitarrespostas adequadas aos desafios de formar jovens capazes de aprender aaprender e a empreender. A reforma, portanto, cumpre a função, ressaltadapela Declaração de Paris, de orientar, a longo prazo, a educação superior em

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geral e a universidade em particular. Tal orientação se baseia na suaimportância em termos de objetivos e necessidades sociais, o que exigepadrões éticos, imparcialidade política, criatividade crítica e íntimaarticulação com os problemas da sociedade e do trabalho.

Neste contexto, é indispensável atentar, cuidadosamente, para aspalavras que o Senhor Ministro de Estado da Educação, com sua experiênciade acadêmico e gestor, pronunciou sobre a universidade, na UNESCO, emParis. Da mesma forma que as universidades medievais foram criadas porqueos mosteiros não saíram dos seus muros, a universidade de hoje arrisca a suasobrevivência se não se refundar. Marcada pelas dificuldades financeiras doPaís e rodeada pela exclusão social, ela precisa recuperar a sintonia éticacom os verdadeiros interesses da população. Necessita escolher entre acontinuação da modernidade técnica e a construção da modernidade éticaalternativa. Nessa encruzilhada, tem a urgência de optar, de modo a tornar-se, à altura do seu tempo, uma instituição dinâmica, unificada, para todos,aberta, tridimensional e sistemática. Para isso, espera-se que professores,jovens e governo se unam nesse portal de esperança que é a universidade,para exercer um papel à altura da história.

A UNESCO participa desses esforços dando o melhor de si edesejando que este encontro seja profícuo e decisivo para oengrandecimento da universidade e, por conseqüência, do País e dacomunidade mundial.

Por último, quero ressaltar que a idéia do Ministro Cristovam Buarquede construir uma nova universidade, alinha-se entre as grandes prioridadesdo nosso tempo. Nunca este País precisou tanto de suas universidades. Asmudanças que se operam são radicais e se processam em alta velocidade.Se tradicionalmente a universidade foi capaz de exercer sabiamente a suafunção crítica e de provedora de recursos humanos, hoje ela precisa iralém e inserir-se fortemente no contexto das grandes transformações queocorrem em nível mundial, de forma a elevar-se à condição de instituiçãoindispensável para o desenvolvimento auto-sustentado do Brasil.

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A Lição dos que Avançaram1

Em 1852, publicava-se um ato que impunha a pais e mestres aresponsabilidade pela alfabetização e educação básica de seus filhos eempregados. Eram inspecionados por funcionários do governo, quecomprovavam se as crianças e os empregados tinham competência naleitura e na escrita. O objetivo principal era possibilitar a leitura e acompreensão dos códigos escritos, das leis e dos documentos preparadospelo governo. Estaríamos falando do Brasil? Não, trata-se aqui do Ato deMassachussets, província dos Estados Unidos, atualmente um dos maiorespólos científicos e tecnológicos do país e do mundo.

Em 1865, em resposta à agitação popular, a Assembléia Legislativaaprova a primeira legislação educacional, com a previsão de abertura deescolas públicas gratuitas e não-sectárias. Um Conselho Geral de Educaçãofoi criado e fortalecido para estabelecer distritos escolares, criar emodificar currículos, nomear professores e indicar livros didáticos.Estamos falando do Brasil? Não, trata-se da província canadense de BritishColumbia, mais especificamente de Vancouver, sua capital, que promoveriauma grande e profunda reforma no sistema educacional local.

Em 1872, aprovou-se uma lei educacional que visava à promoçãode ensino de qualidade para todos os cidadãos, sem discriminação de

1 Artigo publicado nos jornais: �Correio Braziliense�, DF, em 15/07/2003; �O Imparcial�, MA, em16/07/2003; �A Gazeta � Cuiabá�, MT, em 21/07/2003; ; �Diário de Cuiabá�, em 27/07/2003 ;�Folha de Pernambuco�, PE, em 27/07/2003; �Jornal do Comércio � Recife�, PE, em 27/07/2003; �O Rio Branco�, AC, em 21/08/2003.

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gênero, raça ou condição social, para que todos pudessem conquistarigualmente a felicidade e a prosperidade. Além de afirmar que �aprenderé a chave do sucesso na vida�, a lei ainda ambicionava que �dali em diante,em todo o país, em nenhuma vila haverá uma única casa sem educação,em nenhuma casa uma só pessoa ignorante�. Estamos falando do Brasil?Infelizmente, não. A lei à qual nos referimos foi aprovada no Japão, durantea era Meiji, onde se buscava construir um país rico e próspero. Por voltade 1910, o Japão já estava completamente alfabetizado.

Em 1895, foi publicado um decreto sobre educação para o futuroda nação, reafirmando sua importância e focalizando no desenvolvimentode inteligências e habilidades que permitiriam atingir os objetivos maioresde formar pessoas capacitadas e competentes, contribuindo para reerguera nação. A partir daí, escolas modernas de ensino fundamental e vocacionalforam estabelecidas na capital e outras regiões do país. E agora, estamosfalando do Brasil? Ainda não. O edito ao qual nos referimos foi declaradopelo Rei Gojong, da Coréia (atual Coréia do Sul), possibilitando umgrande movimento nacional pela educação que, após a Segunda GuerraMundial, ajudaria aquele país a impulsionar a sua economia.

Em 1906, criam-se cursos de ensino técnico e formação deprofessores, com maior ênfase para o ensino de mulheres. Em 1909, 21moças se formam. Dois anos mais tarde, o número sobe para 100 jovens,alcançando 214 estudantes em 1918. Dado relevante é ainda o fato de quecerca de 75% dessas jovens conseguiram emprego após concluírem o ensinotécnico. E dessa vez, estamos falando do Brasil? Na verdade, o exemplorefere-se a Taiwan, onde houve, no início do século, um grande esforçopara incluir as mulheres no sistema educacional, o que implicou grandesavanços nos indicadores educacionais e na situação das mulheres na ilha.

Em 1946 e 1947, uma Comissão se reúne para reestruturar o sistemaeducacional do país, buscando �adaptá-lo à estrutura social�. O planoapresentado afirmava que, enquanto em 1880, havia a necessidade dedifusão do ensino fundamental para as massas, atualmente, devido à rapidez

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do processo de transformação econômica, o problema é o recrutamentode profissionais mais qualificados e com maiores conhecimentos técnicos.Buscava, portanto, aproximar a escola do mundo real, aproveitando osprogressos científicos para a melhoria do aprendizado. Teria isso ocorridono Brasil? Infelizmente, esse processo de reforma se deu na França, apósa ocupação na Segunda Guerra Mundial, sendo apontado como um fatorfundamental na melhoria do ensino do país.

Em 1971, a Universidade Aberta é inaugurada, promovendo um novoconceito de ensino superior e de educação de adultos, com 19.500 alunosmatriculados nos diversos cursos oferecidos. Começou-se a empregar asnovas tecnologias de informação e comunicação, com a elaboração deum sistema de educação a distância que colocava à disposição de jovense adultos trabalhadores diversos meios de aprendizagem que poderiamser utilizados e aproveitados em diferentes situações de espaço e tempo.Estamos finalmente falando do Brasil? Não, a Universidade Aberta foicriada na Grã-Bretanha, desenvolvendo-se hoje como um dos principaisinstrumentos educacionais daquele país.

É certo que na história educacional do Brasil esses exemplos sãoraros. E mesmo assim, algumas tentativas feitas não foram avante, como alei da Assembléia Geral Legislativa, de 1827, que determinava a criaçãode escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e povoados. Teriasido a Lei Áurea da Educação Brasileira para usar a expressão de Lauro deOliveira Lima, caso tivesse sido levado a sério. Nisso está a diferença.

Todavia, não devemos ficar pessimistas em relação à educação denosso País . Afinal , em várias áreas o Brasi l promoveu avançossignificativos nos últimos anos. O País caminha, por exemplo, em direçãoà educação fundamental universal, como também foi capaz de edificarum excelente sistema de pós-graduação. Em que pese tais avanços, nãose pode perder de vista que a velocidade e profundidade das mudançasque se operam hoje, em escala mundial, exigem reformas educacionaisde longo alcance.

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Sob esse aspecto, tem razão o Ministro Cristovam Buarque ao verna erradicação do analfabetismo uma segunda abolição. E isso é apenas ocomeço para que as gerações futuras de brasileiros possam olhar para tráse sentir orgulho da geração presente que tem a responsabilidade deempreender as reformas que se tornaram necessárias.

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A Importância da Educação para o Desenvolvimento1

O representante da UNESCO no Brasil, Jorge Werthein, fala sobrea situação da educação no Brasil.

Missão Criança � Como a UNESCO vê a situação da educação,neste momento, no Brasil?

Jorge Werthein � A educação no Brasil passa por um importantemomento, recebendo um real destaque na agenda do novo governo. OBrasil tem investido muito na expansão da educação e bons resultadosforam alcançados, especialmente no acesso ao ensino fundamental.Entretanto, os níveis de aprendizagem ainda deixam muito a desejar,segundo diagnóstico do próprio Ministério da Educação. São muitos osfatores envolvidos, tais como a formação e a valorização dos professores,a qualidade das propostas e das práticas pedagógicas, dos materiaisdidáticos, dos ambientes escolares, da gestão das escolas. Mobilizar todosos recursos humanos e materiais é necessário para enfrentar esse desafioem um País marcado pela desigualdades.

Missão Criança � Há um reconhecimento, por parte da sociedade,da importância da educação e por isso cresce a responsabilidade, porparte de entidades, Organizações Não-Governamentais e Governo degarantir uma educação de qualidade?

Jorge Werthein � Na minha opinião, tem crescido muito aconsciência social sobre a importância da educação de qualidade.

1 Entrevista publicada no �Boletim Informativo da ONG Missão Criança�, DF, n.12, jun. 2003.

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Atualmente, no Brasil, vários segmentos da sociedade civil expressam-se,de uma ou outra forma, sobre essa relevância. Organizações Não-Governamentais, entidades sindicais, associações de profissionais,empresários e empresas privadas, dentre outros, não apenas defendem,junto ao Estado, os direitos à educação de qualidade para todos, comoeles próprios se envolvem na oferta de serviços no campo educacional,compartilhando a responsabilidade com os governos.

Missão Criança � Qual o papel estratégico da educação nodesenvolvimento social?

Jorge Werthein � A educação de qualidade é fundamental para odesenvolvimento social e econômico de qualquer país. A educação dequalidade é fundamental para o acesso do cidadão aos bens culturaissocialmente acumulados, ao exercício da cidadania e, fundamentalmente,ao trabalho e à renda. As experiências de vários países e as pesquisas maisrecentes mostram que a educação constitui um motor para a expansãoeconômica e, ao mesmo tempo, é mola propulsora do desenvolvimentosocial e político reunindo, assim, dimensões de um processo que hoje secaracteriza como desenvolvimento humano.

Missão Criança � Qual a visão da UNESCO sobre o programaBolsa-Escola como estratégia de combate à exclusão social?

Jorge Werthein � A UNESCO considera que o Programa Bolsa-Escola é uma estratégia simples e efetiva de combate à exclusão social.Isso porque parte de uma idéia simples: se as crianças não estudam porquesuas famílias são pobres, com o Bolsa-Escola cria-se renda para essasfamílias, propiciam-se melhores condições de vida às crianças e a suasfamílias e, mais importante, assegura-se a permanência da criança na escola.

Missão Criança � Como a UNESCO vê o trabalho da Missão Criança?

Jorge Werthein � A Missão Criança tem feito um trabalho exemplarem sua luta pela erradicação do trabalho infantil e pela inclusão das crianças

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pobres nas escolas. Ao levar a diferentes localidades a idéia e o apoio aações como o Bolsa-Escola Cidadã, a Missão Criança atua para que a educaçãoseja de fato acessível a todos. Com a universalização da educação, tambémse democratiza o acesso ao emprego, à renda, aos bens culturais e àscondições de vida adequadas. É o círculo virtuoso que almejamos.

Missão Criança � Qual a importância da parceria entre a UNESCOe a Missão Criança?

Jorge Werthein � Por considerar que os objetivos, pressupostos eforma de trabalho da Missão Criança são muito importantes, especialmenteem sociedades caracterizadas por grande desigualdade social, esta parceriatem sido bastante profícua para a divulgação da Missão Criança, uma vezque, sendo a UNESCO um organismo internacional, tem acesso a váriospaíses onde estratégias de inclusão social defendidas pela Missão Criançapodem ser efetivadas.

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A Importância dos Planos Nacionais de Educação1

A aprovação, em março de 1990, em Jomtien, na Tailândia, daDeclaração Mundial de Educação para Todos, pode ser considerada um marco nahistória mundial da educação. Sem dúvida, após Jomtien, iniciou-se umadmirável movimento de dimensão universal com o objetivo de assegurara todas as pessoas um mínimo de conhecimento capaz de atender às suasnecessidades básicas de aprendizagem.

O Brasil participou ativamente desse movimento elaborandoinicialmente um Plano Decenal de Educação para Todos e, depois, fazendo aprovar,neste Congresso Nacional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação daEducação Nacional, em 1996 que, por sua vez, determinou a elaboraçãodo Plano Nacional de Educação.

O artigo da LDB que determinou o Plano Nacional de Educaçãoorientou para que ele fosse elaborado com base nas metas e ideais daDeclaração Mundial de Educação para Todos.

Mais uma vez o Congresso Nacional respondeu a esse desafioaprovando o Plano Nacional de Educação, após inúmeros debates eaudiências com a participação dos diversos segmentos da sociedade civil.

O Plano Nacional de Educação foi convertido em lei em janeiro de2001. Sua tramitação e apuração, nesta Casa, coincidiu com a realização,

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário �Plano Nacional de Educação: o compromisso doPoder Legislativo�. Brasília, 4 jun. 2003.

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pela UNESCO e outras Agências e Organismos Internacionais, do FórumMundial de Educação de Dacar, convocado para examinar e refletir sobre osavanços e limitações da política mundial de educação para todos.

Na ocasião, foi aprovado o Marco de Ação de Dacar, estabelecendonovas metas para a educação mundial, as quais Sir John Daniel abordaráem sua conferência.

O que me parece oportuno destacar, na abertura deste Seminário,é o fato de que, apesar dos progressos inegáveis feitos nos últimos anos,o Brasil precisará fazer um esforço redobrado nos próximos, sobretudono que se refere à qualidade da educação básica, para alcançar uma posiçãodigna no conjunto das nações em desenvolvimento.

Para atingir essa meta, o papel do Poder Legislativo, nas trêsinstâncias administrativas do País, é da mais alta relevância.

Por isso mesmo, considero este Seminário, promovido pelaComissão de Educação da Câmara, a UNESCO e o Conselho Nacionalde Secretários Estaduais de Educação -CONSED, como um evento degrande alcance na medida em que promove o diálogo entre osparlamentares federais e os das Assembléias Estaduais, visando à elaboraçãodos Planos Decenais Estaduais de Educação.

Além disso, a presença de Sir John Daniel neste Semináriorepresenta a importância que a UNESCO confere a este evento. Estegrande estudioso é a maior autoridade da UNESCO na área da educaçãoe acompanha, em nível mundial, o processo de elaboração de planosnacionais de educação.

Por último, aproveito o ensejo para cumprimentar a iniciativa doDeputado Gastão Vieira, Presidente da Comissão de Educação da Câmarados Deputados, como também o apoio do Presidente do CONSED,Professor Gabriel Chalita.

Iniciativas como essa receberão sempre o apoio da UNESCO.

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Reprovar ou Não, Eis a Questão1

O Brasil ainda tem altas taxas de reprovação e de abandono, emboraelas estejam declinando, continuamente. Em vista da cultura da repetência,diversas Secretarias de Educação, desde a década de 80, têm adotadomedidas como os ciclos (de dois, três ou quatro anos), ao longo dosquais não se reprova, assim como programas de aceleração daaprendizagem � em que alunos e alunas têm possibilidade de avançar maisrapidamente, recuperando o tempo perdido.

Passados 20 anos, afinal de contas, vale a pena continuar reprovando?Os ciclos de formação e a aceleração da aprendizagem têm dado certo?

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura� UNESCO, o Ministério da Educação � MEC e a Universidade Católicade Brasília reuniram especialistas nacionais e internacionais para fazer umbalanço das experiências � realizando um seminário em Brasília, nos dias 21e 22 de maio. O que dizem, afinal, os resultados de duas décadas depesquisas? Primeiro, a questão de reprovar. Reprovar o(a) estudante levaao maior aproveitamento? Os resultados dizem, em geral, que esse não éum bom remédio. Ao contrário, quanto mais a idade de alunos e alunas sedistancia da série que deveriam estar freqüentando, pior tende a ficar oaproveitamento. Certas investigações mostram que a situação vai secomplicando, como se crianças e jovens entrassem em parafuso.

1 Artigo publicado no jornal: �Jornal da Cidadania�, DF, n. 117, jun./jul. 2003.

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Por outro lado, pelo menos no ensino médio, aprovação eaproveitamento verificado em testes padronizados vão para ladosdiferentes: há Estados com alto rendimento e reprovação tanto alta comobaixa, o mesmo ocorrendo com aqueles de baixo rendimento. É como setocasse um ritmo e professores(as) e alunos(as) dançassem outro. Na UniãoEuropéia, verifica-se algo idêntico: não são os países que mais reprovamos que alcançam maiores notas nas avaliações internacionais e vice-versa.

E então os ciclos são a alternativa? Pelos dados dos testes aplicadosa amostras nacionais de estudantes, não chega a haver desvantagem. Isto é,alunos(as) dos ciclos não têm notas menores que alunos(as) das séries. Masfica a pulga atrás da orelha: primeiro, como aqueles e aquelas com mais

reprovações estão avançando mais rapidamente e saindo do sistema,as médias deveriam estar subindo e não estão. Aliás, as notas para o Paísmostram que se aprende pouquíssimo na escola e, a cada dois anos, asituação tem piorado.

Pesquisadores e pesquisadoras que conviveram muito tempo emescolas e salas de aula constataram que também têm havido falhas naimplantação dos ciclos. Em não poucos casos, faltavam investimentos paratornar a escola melhor e mais atraente. A implantação dos ciclos era muitasvezes feita de cima para baixo, sem que professores fossem convencidose preparados para trabalhar de forma diferente.

Com isso, em certas situações, pais, mães, estudantes, professores eprofessoras entendiam que os ciclos correspondiam à promoção automática,isto é, não era preciso os professores ensinarem nem os alunos aprenderem.Nesses casos, o caos se instalava. Em outros, em vez das Secretariasreformarem as escolas, as escolas reformavam as reformas e faziam tudodo seu modo. Enfim, acabavam dando um jeito de reprovar.

Quanto à aceleração da aprendizagem, as pesquisas mostraramque quanto maior o cuidado com os programas, preparando os

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professores, acompanhando-os, fornecendo materiais a eles e aos alunosem tempo certo, melhores os resultados apresentados. Nos bonsprogramas, alunos e alunas chegavam ao mesmo nível de colegas quenão tinham atraso. No entanto, em certas situações, foram encontradasdificuldades de retorno às turmas regulares. Uma espécie de �o que ébom dura pouco�.

O que se pode concluir daí? Fica claro que a reprovação não éremédio amargo, só amarga. Por outro lado, não se pode colocar maiságua no feijão, porque isso não resolve o problema da qualidade, isto é,da aprendizagem. Ao contrário, a situação do Brasil é vergonhosa quantoao que os alunos conseguem aprender até a quarta e a oitava séries doensino fundamental e a terceira série do ensino médio.

Só aumentar a aprovação pode acabar com o atraso, mas não levacrianças e jovens a aprenderem aquilo que é considerado necessário parao seu nível. Ou seja, nas estatísticas, tudo vai ficando correto, mas, comono ditado, �por fora bela viola; por dentro pão bolorento�.

Aqui, as lições de outros países podem nos ajudar muito. Porexemplo, Japão, Coréia, Suécia e Reino Unido têm promoção automáticano ensino fundamental e, apesar disso, são bem ou muito bem situadosnas avaliações internacionais , quando se aplicam testes aos seus alunos.Qual o segredo?

Pode-se simplificar em dois pontos: primeiro, a escola, a família e asociedade exigem muito dos estudantes � e as duas últimas, da escola.Ninguém pensaria no absurdo de que, se o sistema não reprova, não é precisoensinar nem aprender. Ao contrário, isso é obrigação de todas as pessoasenvolvidas no processo e a qualidade da educação é buscada persistentemente.Segundo, existe uma rede de apoio e exigências para alunos e alunas que seatrasam , com recuperações, grupos especiais, tutoria, trabalho diversificadoem sala de aula, horários extras, exercícios suplementares em casa, tratamentopor profissionais especializados, dentre outros.

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Em outras palavras, a escola tem qualidade e é cara, ao mesmotempo em que exige de si mesma e é exigida. Pensando no Brasil, conclui-se que não reprovar é bom, porém não é suficiente para que a qualidademelhore. Ao contrário, pode até piorar. Para que a escola efetivamenteensine e alunos e alunas aprendam, de fato, são necessários recursos ededicação. A escola que não reprova precisa ser uma escola de melhorqualidade, com mais recursos e mais atenção. Não reprovar não significadeixar passar de qualquer jeito, mas continuar exigindo. O caminho não éestreito e é suado, mas os resultados compensam.

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A UNESCO e o Fórum Brasil de Educação1

Tudo indica que a parceria entre o Conselho Nacional de Educação� CNE e a UNESCO, não somente começa a dar os primeiros resultados,como tende a se fortalecer e produzir reflexões importantes para oaperfeiçoamento da política nacional de educação.

Este já é o 3º Encontro do Fórum Brasil de Educação, cujo núcleotemático contempla, desta vez, a histórica questão da formação e carreirados professores da educação básica. Trata-se de um tema da mais altarelevância, não apenas em relação à educação brasileira, mas no que serefere mesmo ao próprio futuro da educação, em nível mundial. Aindarecentemente, a UNESCO em Paris publicou o Perfil Estatístico da ProfissãoDocente, mostrando a situação dos professores em vários países. Segundoesse estudo, a média salarial do Brasil para professores em início de carreiraé de US$ 4.818 por ano, enquanto na Argentina esse número cresce paraUS$ 9.857 e na Suíça para US$ 33.209. O Brasil só perde para o Peru e aIndonésia, em um total de 38 países estudados.

O mais interessante desse estudo é a revelação de que os paíseseuropeus estão seriamente preocupados com o futuro, pois mesmopagando salár ios consideravelmente superiores aos países emdesenvolvimento, estão perdendo professores para outras carreiras maisatraentes.

1 Pronunciamento por ocasião do 3º Encontro do Fórum Brasil de Educação do ConselhoNacional de Educação �Uma Parceria em Busca de Respostas�, Brasília, 3 jun. 2003.

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Em breve teremos o prazer de divulgar os resultados de uma pesquisanacional sobre o magistério brasileiro feita pela UNESCO, a qual apontaum quadro altamente preocupante, tanto no que se refere à carreira esalários, como também em relação à situação cultural e social dosprofessores e às suas aspirações e expectativas de vida.

O 3º Encontro do Fórum Brasil de Educação do Conselho Nacional deEducação conta com a presença de conferencistas nacionais e internacionaisde grande credibilidade, como Bernadete Gatti, Umbelina Salgado, InêsAguerrondo e Sir John Daniel.

Conta, ainda, com uma Conferência extraordinária a ser proferidapor Éric Debarbieux e Catherine Blaya, do Observatório de Violências nas Escolasde Bordeaux, Franca. Ao sugerir ao Conselho Nacional de Educação ainclusão desses dois especialistas de reconhecimento internacional, aUNESCO fundamentou-se nos alarmantes índices de violências escolaresapontados por diferentes pesquisas realizadas e suas conseqüências naqualidade do ensino e na formação de professores. Por isso mesmo, aapresentação de Éric Debarbieux será complementada por Catherine Blayaque, de forma breve, fará algumas incursões em possíveis implicações dasviolências escolares na formação de professores.

Considero a questão do professor o maior desafio existente hojenão apenas para o Brasil como também para toda América Latina. Nãopodemos perder de vista que não será possível melhorar a qualidade doensino se não formos capazes de conceber e executar uma nova políticade formação e de carreira para os professores da educação básica. Pode-se mesmo afirmar que o futuro da educação na América Latina dependeráem parte do que se conseguir fazer hoje em prol de uma efetiva valorizaçãoda profissão docente.

Por último, quero cumprimentar o Conselho Nacional de Educaçãopelo esforço em continuar o Fórum Brasil de Educação que, em sua 3ªedição, conta também com o apoio da OEI (Organização dos Estados

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Iberoamericanos), apoio esse que esperamos que possa continuar comvistas ao fortalecimento e ampliação dos debates e reflexões na busca demelhores soluções para a educação brasileira.

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A Importância Estratégicada Gestão Descentralizada1

Quero, primeiramente, expressar minha alegria por, mais uma vez,participar do Fórum Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação e aproveitar aoportunidade para cumprimentá-los, presentes neste tradicional fórumde debates da política educacional brasileira.

A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação � UNDIME,ao longo de seus vinte anos de existência, já logrou oferecer à política nacionalde educação contribuições relevantes para o aperfeiçoamento dos sistemasmunicipais de ensino, meta que condiciona o futuro da educação brasileira.Nunca será demais insistir sobre a importância estratégica do município,sobretudo em relação à educação infantil, fundamental e de jovens e adultos.Como dizia Anísio Teixeira, que ajudou a fundar a UNESCO, adescentralização é uma condição do governo democrático e federativo. Nãoé uma tese educacional, mas uma tese política, parecendo ser impossível nãoreconhecê-la como ponto incontroverso � de letra e de doutrina � daConstituição Federal que estabelece, além do mais, a federação dos Estadose a autonomia dos Municípios2.

Essas palavras de Anísio, pronunciadas em conferência na AssociaçãoBrasileira de Educação, em 1952, são de impressionante atualidade. Coloca a

1 Pronunciamento por ocasião da abertura do 9º. Fórum Nacional do Dirigentes Municipais deEducação �Educação Nacional: Importância Estratégica dos Municípios�, Brasília, 07 mai. 2003.

2 TEIXEIRA, A. A educação no Brasil. São Paulo: CEN, 1969. p. 335.

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descentralização como tese política. Sem dúvida, o município sempreestará mais apto a compreender e a atender às necessidades básicasindispensáveis à conquista da cidadania. É neste sentido que a educaçãomunicipal, ancorando-se na realidade de cada município, pode retratar etrabalhar a sua cultura com fidelidade e, assim, credenciar-se a vôos maisdistantes e, certamente, mais dinâmicos. Em outras palavras, a educaçãomunicipal constitui o alicerce que sustentará e dará vitalidade à trajetóriaeducacional de crianças, jovens e adultos.

A UNESCO, em todos os documentos que balizam o seupensamento, tem procurado ressaltar e valorizar a gestão descentralizadada educação como forma de estabelecer a indispensável aliança entrerecursos e problemas, entre idéias pedagógicas e necessidades e aspiraçõesde crianças e jovens. Em suma, entre a escola e a comunidade a que serve.Uma escola ideal será sempre uma escola ligada à vida e aos seus problemas.

Sob esse aspecto, a bandeira da �educação para todos�, hasteadapor todos os países signatários da Declaração Mundial de Jomtien e do Marco deAção de Dacar, procurou ressaltar a dimensão política do processo educativo,não apenas concebendo a educação como direito fundamental de todasas pessoas, como também uma estratégia de superação do atraso e dosubdesenvolvimento.

Na linha desse raciocínio, situa-se, também, a Declaração de Hamburgosobre Educação de Adultos, que inspirou a proclamação da Década das NaçõesUnidas para a Alfabetização, recentemente lançada em Nova York, com apresença do Ministro Cristovam Buarque, e que será lançada no Brasil, noCongresso Nacional, ainda neste mês de maio.

Os compromissos de alfabetização e educação para todos foramintensamente debatidos no Brasil nos últimos anos. O Plano Nacional deEducação, aprovado pelo Congresso Nacional e transformado em lei peloPresidente da República, incorporou a maior parte dessas metas e, seexecutado plenamente, poderá colocar o Brasil em um novo patamar deprogresso com eqüidade.

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Para tanto, torna-se cada vez mais necessário elevar e sedimentar aconsciência do País de que a política de educação para todos não apenascontribui para fortalecer a cidadania e aumentar o capital social e culturalde uma nação, como também, poderosamente, para a produtividade. Astaxas de retorno da educação básica são altas. Quanto mais perto da base,maior é o retorno individual e coletivo. Além disso, a educação ajuda adistribuir mais eqüitativamente a renda. É sempre oportuno frisar quenão há desenvolvimento real com renda concentrada. Além do mais, aeducação conduz à participação política e aumenta a confiança na lutapor melhores condições de vida.

Se não faltam razões de ordem econômica e social para investir emeducação, quero destacar, por último, que o momento político no Brasilabre uma nova perspectiva para se assegurar a todas as pessoas umaeducação de qualidade, de forma a resgatar uma dívida secular. Os novosdirigentes do país possuem um compromisso histórico com a educação.Estou seguro de que chegou a hora de um pacto entre o Poder Público ea sociedade civil para erradicar o analfabetismo e organizar sistemaspúblicos de educação que assegurem a todas as crianças e jovens o direitode estudar, de progredir e de participar intensamente da luta pela reduçãodas desigualdades.

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Alfabetização, Desenvolvimento e Cidadania1

Ao ensejo do lançamento da Década das Nações Unidas para a Alfabetização,no Brasil, neste Congresso Nacional, quero, primeiramente, manifestaros mais profundos agradecimentos da UNESCO aos parceiros destasolenidade, especialmente à Comissão de Educação, Cultura e Desportoda Câmara dos Deputados, que criou todas as condições para a suaefetivação; à Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia,Comunicação e Esporte do Senado; ao Grupo de Parlamentares Amigosda UNESCO, como também o apoio irrestrito do Ministério da Educação,do Conselho Nacional de Educação (CNE), do Conselho Nacional deSecretários Estaduais de Educação (CONSED), da União Nacional dosDirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e do Conselho de Reitoresdas Universidades Brasileiras (CRUB).

As reflexões proporcionadas por este início de Década remetem aum provérbio, da antigüidade, ao dizer que �Adquirir sabedoria vale mais do queouro�. Com efeito, esse provérbio expressa a superioridade dos valoresmorais sobre os materiais e, no contexto de hoje, a importância do homemeducado, cuja sabedoria e prudência lhe abrem as portas para um mundoinfinito de riquezas de natureza espiritual, social e econômica, o qualpoderia sintetizar-se no conceito de desenvolvimento humano.

Cerca de meio século se passou desde que as pesquisas detectaramque, em um mundo tecnicizado e urbanizado, a expansão econômica se

1 Pronunciamento por ocasião da cerimônia de lançamento da �Década das Nações Unidaspara a Alfabetização, 2003-2012, Congresso Nacional, Brasília, 20 mai. 2003.

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tornou menos dependente dos fatores tradicionais, tais como o capital emão-de-obra, tendo sido mais influenciada pelos conhecimentos e pelaspessoas, valorizadas pela educação, pela saúde e pela busca informal doconhecimento. Não se trata, pois, de novidade, mas de fatos que continuama ser desvelados, decênio após decênio, reiterando a indispensabilidadeda educação para o desenvolvimento.

As pesquisas mais recentes mostram que a educação � e aalfabetização em particular � constitui um motor para a expansãoeconômica e, ao mesmo tempo, mola propulsora do desenvolvimentosocial e político, reunindo, assim, dimensões de um processo que hoje secaracteriza como o desenvolvimento humano. A interdependência de taisdimensões se distingue pelo fato de a expansão econômica não se traduzirem desenvolvimento humano se os seus benefícios não se distribuem enão levam à participação e conscientização. Por outro lado, os frutos nãose distribuem sem ser gerados pela economia. Assim, pode-se afirmar quea educação contribui tanto para dar frutos como para distribuí-los.

No primeiro caso, vários trabalhos recentes continuam a caracterizarseu valor, ao longo do tempo. Relatório recente da Organização de Cooperação eDesenvolvimento Econômico � OCDE e do Instituto de Estatística da UNESCO, analisandoos indicadores educacionais mundiais, constata que o capital humano foi ofator mais importante para o crescimento dos países da OCDE nas três últimasdécadas. Por sua vez, melhorias no capital humano foram responsáveis porcerca de 0,5% das taxas anuais de crescimento de quase todos os países doPrograma Mundial de Indicadores Educacionais, nos anos 80 e 90, comparadoscom as décadas anteriores. Cada ano de escolaridade acrescentado à populaçãoadulta de tais países, entre os quais se inclui o Brasil, implica aumento médiode 3,7% na taxa de crescimento econômico de longo prazo. Nosso País, emparticular, é apontado como um daqueles em que é mais intensa a relação entreo capital humano e o crescimento econômico, nos anos 90.

Substancial conjunto de evidências de pesquisas mostra que as taxasmédias de retorno da educação são altas em comparação com o retorno

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das despesas em outros setores. Por seu lado, elas são mais elevadas, tantoem termos de benefícios individuais quanto coletivos, para o nível primárioou fundamental do que para os demais níveis de escolaridade. Em outraspalavras, quanto mais perto da base, que deve ser universal e compartilhadaigualmente por todos, maiores são os benefícios da educação, que, porsua vez, tende a ter custos menores.

Uma comparação de oito economias do Leste Asiático destaca que,de longe, o maior determinante do seu desenvolvimento econômico foi aeducação primária. No caso da República da Coréia, o incremento daescolaridade básica tornou a renda per capita 30 a 40% mais elevada do queseria se a matrícula na escola primária fosse menor em 1960, quando ataxa de escolaridade era de 94%.

Como é amplamente reconhecido, pessoas mais educadas têm maiorprobabilidade de trabalhar e de permanecer empregadas e percebemmaiores salários. A produtividade da economia, em geral, e da agricultura,em particular, tem grande acréscimo quando seus empresários etrabalhadores adquirem mais e melhor escolaridade.

O Brasi l , entretanto, não tem explorado integralmente taispossibilidades, ao desenhar seus horizontes. Como afirma documentorecente do Ministério da Fazenda sobre a política econômica e as reformasestruturais, a força de trabalho tem contribuído pouco para o crescimentoeconômico nacional per capita, ao longo do último meio século, inclusiveem períodos de acelerado crescimento econômico. Isso ocorre pelo baixonível de escolaridade da população e pelo atraso crescente dos indicadoresem relação a economias da América Latina, até meados dos anos 80.

O retorno privado e social da educação no Brasil é alto, levandocada ano adicional de estudo a aumentar o salário do trabalhador emtorno de 12%. Tal resultado pode tornar-se ainda mais favorável, á medidaque, no prazo de cerca de mais uma década e meia, isto é, até 2020, asociedade do conhecimento continuar se estruturando no ritmo de hoje.

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A agricultura e a indústria ocuparão pequena parcela da populaçãoeconomicamente ativa, de tal modo que o setor terciário terá uma demandamuito mais expressiva de pessoas qualificadas.

Essas evidências tratam do retorno econômico mensurável. Há,ainda, benefícios educacionais difíceis de medir, que se localizam nocampo social, porém com profundas repercussões econômicas. Pessoasalfabetizadas e educadas são mais capazes de cuidar da sua saúde e nutrição,bem como são capazes de oferecer melhores condições de saúde, nutriçãoe educação às suas crianças, criando uma geração com maioresoportunidades de viver bem e com menor pobreza que a precedente.Mensurar o bem-estar é difícil, no entanto, este círculo virtuoso conduz,sem dúvida, a menores despesas públicas em saúde, previdência e outrossetores. Nessa dimensão, ainda recentemente, o presidente Luiz InácioLula da Silva, em solenidade de lançamento do programa educacional�Acelera Pernambuco� alertou para a necessidade de o País investir emeducação, sob pena de futuramente ter de gastar mais recursos com ocombate à violência. Aquilo que nós nos recusamos a investir na educaçãode hoje possivelmente amanhã estaremos investindo em prisões.

Desse modo, a educação soma retorno econômico palpável, subtraidespesas públicas e, ainda, divide mais eqüitativamente os benefícios.Efetivamente, conforme o mencionado documento do Ministério daFazenda, a análise controlada dos fatores que influenciam a renda dotrabalho indica que cerca de 40% da sua desigualdade está correlacionadaàs disparidades do grau de escolaridade. Portanto, a expansão e aqualificação educacionais têm a capacidade de distribuir riquezas. Dessaforma, consoante o aludido documento, políticas que busquem facilitar oacesso dos mais pobres à educação e à saúde e que reduzam os custossociais do acesso ao crédito e à aquisição de ativos constitueminstrumentos importantes para acelerar o crescimento.

Contudo, o Brasil, desigual como é, tende a concentrar os benefícioseducacionais. Segundo a UNESCO e a OCDE, este é um dos países em

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que é maior a diferença de despesa aluno/ano entre o ensino fundamentale superior e se conta entre os países em que é menor a proporção dedespesas educacionais do governo central quando se subtraem os gastoscom a educação superior. Isto é, a despesa pública se desvia dos grupossociais mais vulneráveis. Mais ainda, a escola deixa de exercer a sua funçãodemocratizadora, mais viável nos países em desenvolvimento. Evidências,em geral, mostram que é nesses países que a escola tem um impacto maiorsobre as pessoas e sua posição social, ao contrário das sociedadesdesenvolvidas.

Foi observado, por meio dos dados do PISA � Programme forInternational Student Assessment � que os efeitos do status socioeconômicosobre o aproveitamento escolar pode ser mitigado por melhorias dasescolas, tais como menor proporção de alunos por professor, maiordisponibilidade de recursos, tais como bibliotecas e computadores, eprofessores mais qualificados. Em outros termos, a educação traz, em si,as potencialidades para reduzir e não amplificar as disparidades sociais.

O panorama internacional das pesquisas deixa clara a existência defalsos dilemas, em que muitos, no Brasil, ainda acreditam. Dentre eles sedestacam os dilemas da quantidade e qualidade, da opção entre criançase adultos e da alfabetização e educação básica. O primeiro deixa evidentesua falta de fundamento, porque a educação sem qualidade é o barato quesai caro. Expandi-la, improvisadamente, conduz a ineficiências einefetividades que fazem as supostas economias fugirem por entre os dedos.Além de, perversamente, ser melhor para os mais aquinhoados e piorpara os desprivilegiados, tornando-se um mecanismo de ampliação dedesigualdades com a qual a sociedade não consegue mais conviver.

O segundo falso dilema, entre a educação das novas e das antigasgerações, ou entre ensino regular e educação de jovens e adultos, nãoresiste às evidências de pesquisa sobre os impactos das melhorias nageração adulta que incidem sobre as crianças. Educar os adultos significaobter os correspondentes retornos econômicos e sociais em mais curto

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prazo, ou fazer uma semeadura cuja colheita surgirá agora e logo depois:nos resultados dos próprios adultos e dos seus cuidados com a novageração. Neste sentido, ainda retornando ao relatório da UNESCO e daOCDE, cada ano de escolaridade acrescentado à população adulta dospaíses participantes do Programa Mundial de Educadores Educacionais leva aoincremento de 3,7% na taxa de crescimento econômico de longo prazo.Mais ainda, cabe ainda refletir sobre a referência explícita ao Brasil comoum dos países em que é maior o hiato educacional entre a geração adultae a geração em idade escolar.

O terceiro falso dilema é o da alfabetização e da educação básica.As duas são ligadas não por uma escadaria íngreme, mas fazem parte, hoje,da mesma rampa, a ser percorrida por todos, em um mundo cada vez maisexigente, em que se integram conhecimentos e habilidades da maiorimportância. A alfabetização, correspondendo ao novo contextohistórico-social, não é mais um momento, um breve processo, porém umcaminho dividido em várias etapas, em que se desenvolve não só oconhecimento da língua falada e escrita, mas também a compreensão, aconscientização, o uso dos mais variados símbolos e linguagens que,inclusive, contribuem para superar o chamado divisor digital. Quando ocontexto exigia uma alfabetização mais simples, o Brasil perdeu aoportunidade de democratizar esta via incontornável de acesso à cidadania.E se vê às voltas, na atualidade, com requisitos mais complexos, arriscando-se, segundo as projeções do Instituto de Estatística da UNESCO, a nãocumprir, no prazo, o Compromisso de Dacar no sentido de melhorar em50% a alfabetização de adultos, até 2015.

Considerando, portanto, as características e a inserção da boaeducação no mundo de hoje, verifica-se que ela não é um ônus, umadespesa caritativa, um encargo improdutivo a pesar sobre os ombros dosgovernos e da coletividade. Ao contrário, ela é uma fonte inesgotável deriqueza, fonte de sabedoria mais preciosa que o ouro, por ser a raiz deoutras riquezas. Trata-se de uma fonte não egoísta, mas altruísta, comgrande potencial redistributivo e democratizante. E, nas suas divisões

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internas, fica transparente, mais uma vez, que a casa se constrói pelosseus alicerces. A alfabetização e a educação básicas constituem ofundamento sólido, do qual emanam maiores frutos econômicos e sociais.Pelo seu caráter, concorrem de maneira essencial e intrínseca à conquistados valores basilares das Nações Unidas e da UNESCO, sintetizados naDeclaração do Milênio, que selecionou como fundamentos a liberdade, aigualdade, a solidariedade, a tolerância, o respeito pela natureza e aresponsabilidade compartilhada pelo desenvolvimento econômico esocial, pela paz e pela segurança.

Por último, importa assinalar que a inauguração da Década das NaçõesUnidas para a Alfabetização coincide com um período auspicioso da naçãobrasileira, em que se pode ver, claramente, tanto no âmbito do PoderLegislativo quanto do Executivo e do Judiciário, uma vontade políticasem precedentes em relação à meta de erradicar o analfabetismo. Estoucerto de que, a continuar esse clima promissor, que também se manifestaem vários segmentos da sociedade civil, aumentam as chances do Brasildar um passo decisivo em sua história educacional e social.

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Alfabetização para Todos: um Grito de Guerra1

Pode ser surpreendente dedicar atenção ao analfabetismo no Brasil.Conforme a pergunta de Koïchiro Matsuura, nesta obra, �a questão daalfabetização universal não deveria ter sido resolvida no século passado?�Na verdade, como aqui se discute, a alfabetização se revelou a meta deJomtien mais difícil de ser alcançada. Poderíamos imaginar que os maioresobstáculos se encontrariam no acesso a níveis mais avançados ou naqualidade da educação. No entanto, a falha ocorre na própria base dossistemas educacionais, comprometendo os esforços ulteriores por nãohaver condições de aproveitamento dos estudos. Peca-se no alicerce ecompromete-se o edifício todo para um contingente significativo depessoas excluídas. As dimensões desse fato são realçadas, mais adiante,por Amartya Sen, que destaca a consciência quanto aos problemas dainsegurança que o mundo tem manifestado desde os acontecimentos de11 de setembro. Na verdade, porém, se uma pessoa é reduzida peloanalfabetismo lingüístico e matemático, ela não apenas está insegura porquealgo terrível pode lhe suceder, mas também algo terrível já lhe aconteceu,que é essa grande privação.

O analfabetismo está comprometendo o futuro do Brasil. Emrealidade, nos vários Brasis persistem pessoas que não têm oportunidadesadequadas para alfabetizar-se. Com o analfabetismo freqüentemente

1 Apresentação em parceria com o Ministro Cristovam Buarque, feita ao livro: Alfabetizaçãocomo liberdade. Brasília: UNESCO Brasil, 2003, para o lançamento da �Década das NaçõesUnidas para a Alfabetização � 2003". Artigo publicado nos jornais, �Jornal do Brasil�, SP, em 20/05/2003; �A Gazeta de Cuiabá�, MT, em 24/05/2003.

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enraizado nas circunstâncias da pobreza, em áreas rurais e urbanas, não sepode esperar que esse grupo de excluídos caminhe para a morte a fim deque se reduza sua presença nos indicadores estatísticos. Sua exclusão éum fato que não pode ser ignorado. Trata-se daquela privação terrívelpara a qual não se pode fechar os olhos. Por isso, o Brasil precisa engajar-se plenamente na Década da Alfabetização das Nações Unidas, que começa esteano e se estende até 2012. Temos aqui os quatro motivos principais quejustificaram a sua aprovação pela 54ª Sessão da Assembléia-Geral, pormeio da sua Resolução A/RES/54/122. A alfabetização universal de criançase adultos continua sendo um desafio. E ela constitui um direito humanofundamental, uma necessidade básica de aprendizagem e a chave paraaprender a aprender, condição indispensável para o exercício pleno daliberdade � o bem supremo de ser na vida. Além disso, a batalha pelaalfabetização requer esforços sustentados, intensivos e focalizados, alémde programas, projetos e campanhas de curto prazo. Finalmente, aalfabetização favorece a identidade cultural, a participação democrática,a cidadania, a tolerância pelos demais, o desenvolvimento social e a paz.Daí porque, combinando-se os prazos curto e longo, precisamosestabelecer compromissos de reflexão e ação seguindo os marcos tantoda Década da Alfabetização, dividida em biênios, como do Dia Internacional daAlfabetização, celebrado a cada ano.

Na verdade, precisamos estar atentos para o fato de que o tempo e osdesafios são dinâmicos. Se, entre as Conferências de Jomtien e de Dacar, osesforços de alfabetização não foram suficientes em face do crescimentodemográfico e outros fatores, a complexidade da alfabetização hoje já não éa mesma do século passado. Aliás, desde a criação da UNESCO, ao terminara Segunda Guerra Mundial, verificam-se mudanças expressivas no conceitoe no modo de conceber a alfabetização. Esse é o espelho das complexasrelações entre educação e sociedade que interagem entre si, em rua de mãodupla e tráfego intenso, num turbilhão acelerado de mudanças. No pós-guerra, refletindo as concepções da época, a UNESCO concebia aalfabetização como a capacidade de ler, escrever e fazer cálculos aritméticos.Como indica um dos textos deste volume, os alunos adultos eram tratados

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como crianças na prática da sala de aula e o currículo podia ter ou nãoconexões com a vida cotidiana. Era uma educação em grande parte dissociadada sua circunstância, como se o aluno fosse uma criança grande que haviasimplesmente perdido as oportunidades educacionais e podia ser introduzidonuma espécie de máquina do tempo para recuperá-las.

No entanto, a perspectiva da alfabetização cresceu como umaárvore, tanto para baixo como para cima. Numa direção, ela vitalizou-se,envolvendo competências e habilidades que a vida social exigia cada vezmais, até porque a subescolaridade era resultado intrínseco dedeterminadas situações sociais injustas. Em outra direção, aprofundou suasraízes para integrar-se e diversif icar-se, segundo as condições enecessidades dos alfabetizandos. Foi desse modo que os anos 60 gestarama visão funcional de alfabetização, como resposta às demandas econômicas.Já emergindo a concepção ortodoxa de economia da educação, o CongressoMundial de Ministros da Educação sobre a Erradicação do Analfabetismo, realizado emTeerã, em 1965, considerou o conceito de que a alfabetização era umaspecto fundamental do treinamento para o trabalho e o aumento daprodutividade. Por sua vez, nos anos 60, a influência de Paulo Freireacrescentou dimensões políticas, situando o aluno não mais comobeneficiário, mero objeto, mas como sujeito de um processo dealfabetização crítica, entendida como capacidade de participar. Os anos80, afinal, trouxeram a distinção entre alfabetização �autônoma� e�ideológica�. Os efeitos modestos das campanhas massivas e maciçasdespertaram a atenção cada vez mais para a necessidade de abordagensflexíveis, com o enraizamento mais profundo nas diversif icadasnecessidades dos alunos. Verificou-se que a alfabetização, emboracorrespondesse às necessidades de grandes segmentos populacionais, nãopodia assumir uma escala �industrial�, mas, sim, �artesanal�, dotada deampla plasticidade para ser efetiva.

Os anos 90 foram inaugurados pela Conferência Mundial de Educação paraTodos, em Jomtien, na Tailândia, que destacou a alfabetização e a aritméticabásica como instrumentos essenciais de aprendizagem para que cada pessoa

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possa se beneficiar das oportunidades educacionais. Assim, ambas foramdefinidas como condições para satisfazer às necessidades básicas deaprendizagem, esta constituindo o âmago da dimensão qualitativa daeducação para todos. Como desdobramento, a quinta Conferência Internacionalsobre Educação de Adultos � Confintea V, realizada em Hamburgo, definiu aalfabetização em termos amplos, consistindo no �conhecimento e nashabilidades básicas necessários a todos num mundo em rápidatransformação�, como �direito humano fundamental� e como capacidadenecessária em si e �um dos alicerces das demais habilidades necessáriaspara a vida�. Desse modo, a alfabetização, relacionada, ainda, com a lutacontra a pobreza, foi inserida no contexto da educação de adultos e dasociedade da aprendizagem. Foram aprofundadas preocupações primordiaissobre as quais se debruçava o Instituto de Educação da UNESCO, em Hamburgo,como a sustentação do processo por meio da pós-alfabetização, evitando aregressão dos alfabetizados e a inserção do mesmo processo na perspectivade educação continuada, do berço ao túmulo. A um mundo cada vez maiscomplexo e globalizado correspondiam exigências maiores de educação,elevando o limiar das exclusões sociais. Acompanhando a trajetóriahistórico-social, a árvore continuava se tornando cada vez mais frondosa eestendendo as suas raízes mais profundamente.

Hoje, a concepção que a UNESCO tem da alfabetização é, dessemodo, mais ampla. É ampla quanto ao tempo necessário ao domínio deconhecimentos e competências, no que se refere às novas e variadaslinguagens utilizadas modernamente e quanto aos caminhos para atingiros objetivos, assim como em relação à flexibilidade e à diversificação depúblicos. Não se trata de um processo rápido e determinado, mas que seestende ao longo da vida e que pode levar seis ou sete anos de escolaridadepara manejar o código da leitura e escrita, embora um domínio pleno daúltima requeira doze anos de escolaridade, segundo as estimativas. Poroutro lado, a alfabetização, no mundo atual, é plural em diversos sentidos.Pode haver a bialfabetização, em situações de bilingüismo. Igualmente,com o desenvolvimento das linguagens, ela abrange a representaçãomultimodal de linguagem e idéias (texto, figura, imagem em movimento,

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em papel, em meio eletrônico etc.). Embora as comunicações eletrônicasnão tenham substituído a alfabetização impressa, o analfabetismo e o divisordigitais, separando incluídos e excluídos das novas linguagens, são algumasdas preocupações da UNESCO, manifestadas em especial pelo documentoA UNESCO e a Sociedade de Informação para Todos (1995). As alfabetizações,como conceito plural contemporâneo, implicam também a aceitação doscaminhos da educação formal e não-formal, assim como da educaçãopresencial e da educação a distância. Além disso, é aconselhável adiversificação de públicos que apresentam características e necessidadesdiferentes: adolescentes e jovens, meninas e mulheres, trabalhadores eoutros. Também o seu enfoque precisa ser integrado e, ao mesmo tempo,flexível para articular-se a todos os aspectos da vida, para além dacomunicação, tanto oral como escrita, tendo uma visão da linguagem comototalidade (falar, escutar, ler e escrever). Para isso, pode incluir, conformeo contexto, agrotecnologia, saúde, nutrição, cidadania, pequeno comércio,artesanato, literatura religiosa e microcrédito, entre outras áreas.

Pode-se afirmar, portanto, que as raízes da árvore hoje são maisprofundas, ao mesmo tempo em que se encontra uma profusão de ramospara atender ao leque de diversidades que enriquecem o processoeducacional. Se as nossas possibilidades de resposta cresceram, com novosrecursos, também aumentou o tamanho do desafio. Temos, assim, umacorrida em que não há lugar para lamentar o tempo perdido, mas em quese pode perceber que teria sido mais simples responder antes aos desafios.Afinal, voltando ao Diretor-Geral da UNESCO, a questão da alfabetizaçãonão deveria ter sido resolvida no século passado? Diante desse panoramade complexidade, urge, portanto, não só responder às necessidades dosjovens e adultos, por meio da modalidade própria de educação, comotambém dispensar a necessária atenção aos que se alfabetizam na idaderegular, uma vez que a alfabetização se estende e se consolida ao fim devários anos de escolaridade e não constitui responsabilidade de uma áreaespecífica do currículo, mas de todo ele. São duas frentes básicas quenão podemos perder de vista: a de evitar que os excluídos continuemanalfabetos e a de evitar a geração de neoanafabetos.

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Por outro lado, a criação da Década da Alfabetização pelas NaçõesUnidas coincide com um fato histórico da vida nacional. Pela primeiravez, depois de tantas lutas, o Brasil elegeu um Presidente da República �Luiz Inácio Lula da Silva � que veio do povo. Mais do que isso. Umpresidente que saído do agreste de uma das regiões mais sofridas do País,que é o Nordeste, escolheu como palco de sua luta uma região deoperários de um grande centro urbano, fazendo o enlace entre asaspirações e problemas dos vários Brasis e edificando, nessa matéria-prima,a plataforma de uma nova sociedade, mais justa e mais humana. Dessaforma, a Década da Alfabetização no Brasil, que passa a ser chamada de DécadaPaulo Freire, em homenagem ao que mais pensou e lutou para livrar o Brasilda ignorância, representa, historicamente, a grande oportunidade para oBrasil resgatar uma dívida secular.

Todavia, há de se ter profunda consciência de que o mesmo povoque elevou um líder operário à posição mais alta na hierarquia do Estadobrasileiro precisa agora assumir um papel protagonista na batalha paraerradicar o analfabetismo, indignando-se por um lado com os elevadosíndices de analfabetismo e, por outro, fazendo da alfabetização para todosum grito de guerra, como sugeriu Louise Fréchette, Vice-Secretária-Geraldas Nações Unidas, para que o Brasil não perca essa oportunidade histórica.E se isso for mais uma vez adiado, poderá ser tarde demais...

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Vencendo a Cegueira1

�Que ônibus é este?�, �Para onde vai?�, �Qual o nome desta rua?�,�O troco está certo?�, �O que diz o cartaz à entrada da repartiçãopública?�, �Que remédio é este e como tomá-lo?� Olhar e não ver, ouvire não entender, querer fazer e depender dos outros, estejam disponíveisou não, são algumas facetas do drama de uma parte da humanidade, semconvivência tanto com a cartilha quanto com o computador.

Com um pé no século 21 e outro no século 19, a visão renovada da�Alfabetização para Todos� deixou de lado as metas de �erradicar oanalfabetismo� ou de �reduzir as taxas de analfabetismo� e passou adefender a criação de ambientes e sociedades letrados, em que o domíniodas diversas linguagens, inclusive do computador, se cultive e se reforcepelo contexto em que são utilizadas. Antes a alfabetização estava ligada aum período determinado da vida de uma pessoa, ao passo que hoje ela éentendida como um processo de aprendizagem que dura toda a suaexistência e se aperfeiçoa ao longo dela. Assim, entrelaça-se a educaçãoregular com a educação continuada.

Isso ocorre em grande parte porque anteriormente a alfabetizaçãoestava associada apenas à linguagem escrita e aos meios impressos. Hoje,ela é compreendida como o desenvolvimento da expressão e comunicaçãooral e escrita, com uma visão da linguagem como totalidade, envolvendofalar, escutar, ler, escrever. Mais do que isso, inclui não só o lápis e o

1 Artigo publicado no �Jornal do Commercio � Recife�, PE, em 15/05/2003.

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papel, mas os instrumentos modernos existentes (teclado e tecnologiasdigitais, entre outras) e aqueles que vierem a ser inventados. Alfabetizaçãotem a ver com representação multimodal de linguagens e idéias por meiodo texto, da figura, da imagem em movimento, em papel, em meioeletrônico e assim por diante. Ou seja, inclui a capacidade de continuaraprendendo.

Como conseqüência, o indicador pertinente mais simples é,atualmente, aquele em que o cidadão se considera ou não alfabetizado.Como as sociedades se tornaram mais exigentes, conceitua-se o iletrismo ea alfabetização funcional. No primeiro caso, a alfabetização não é utilizadade maneira ativa e/ou significativa. No segundo caso, as competências sãoescassas, não efetivas e insuficientes para as necessidades cotidianas de umasociedade letrada. Por isso mesmo, a Declaração Mundial sobre Educação paraTodos (Jomtien, 1990) estabeleceu uma visão ampliada da educação básica,atendendo às necessidades básicas de aprendizagem de todos.

Com efeito, na década passada a matrícula em educação primária nomundo cresceu em cerca de 82 milhões de meninos e meninas e os paísesem desenvolvimento, em seu conjunto, alcançaram taxa média de matrículaigual a 80%. No entanto, as seis metas de �Educação para Todos� pactuadaspara o ano 2000 não foram atingidas. Como afirma a Avaliação 2000, não seprestou atenção suficiente às áreas do desenvolvimento infantil e pré-escola,além da educação de jovens e adultos. Como resultado, o índice global dealfabetização de adultos subiu a 85% para os homens e a 74% para asmulheres, o que está distante da meta de reduzir a taxa de analfabetismoadulto à metade da verificada em 1990. Atualmente, o mundo conta, segundoalgumas estimativas, com 875 milhões de jovens e adultos analfabetos ecom 113 milhões de meninos e meninas fora da escola.

Esta situação mundial, da qual o Brasil partilha com os seus contrastesregionais e sociais, levou a Assembléia Geral das Nações Unidas, emdezembro de 1999, a adotar uma Resolução com o objetivo de proclamaruma �Década da Alfabetização das Nações Unidas�, que começa este ano

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e não é um acréscimo aos compromissos internacionais estabelecidos pelospaíses-membros. Ao contrário, permanece em vigor o que foi fixado peloFórum Mundial da Educação, em Dacar. Ocorre, porém, que aalfabetização é amplamente concebida como habilidades e conhecimentosbásicos necessários a um mundo em mudança, projetando-se na educaçãoao longo da vida. Por sua importância, as Nações Unidas fixaram estadécada como um meio de chamar a atenção para processos e metas desuma importância. Não se trata de mero exercício, de um documentoadicional, mas sim de evento destinado a mobilizar esforços no sentidode que o mundo, em 2015, conforme a Declaração de Dacar, apresente-secom uma face bastante diferente. No Brasil, nunca é demais relembrarque os compromissos de Dacar estão consubstanciados no Plano Nacionalde Educação.

O Governo brasileiro tem demonstrado seu comprometimentoinequívoco com a luta contra o analfabetismo. Esse tema se tornou nãoapenas a prioridade central do Ministério da Educação, mas também detodos os programas sociais do governo federal. Ao se vincular a promoçãoda alfabetização com o Programa Fome Zero, uma das maiores estratégiassociais já elaboradas neste país, tem-se a certeza de que o combate aoanalfabetismo será implacável, envolvendo crianças, jovens e adultos.

Do mesmo modo que a alfabetização é o núcleo da educação básicapara todos, ela se situa no próprio coração das finalidades da UNESCO.Sintonizada com os anseios do momento histórico, a UNESCO instituiuo dia 8 de setembro como o Dia Internacional da Alfabetização. É essedia o ponto de partida para a Década das Nações Unidas para aAlfabetização. Esta Instituição convida a todos para que este seja um dianão de angústia e desesperança, mas de união do melhor de nossos esforços,em favor de um futuro melhor. Vamos todos fazer a nossa parte, utilizandopalavras do diretor-geral da UNESCO, Koïchiro Matsuura, para abrir portase janelas, oferecer luz e espaço, assim como vencer fronteiras. Como elemesmo lembra, a alfabetização é inseparável da oportunidade e aoportunidade é inseparável da liberdade.

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O Ensino Médio: Proposições que Traduzem Vontadesde seus Atores1

A pesquisa �Ensino Médio: Múltiplas Vozes�, concluídarecentemente pela UNESCO no Brasil, em parceria com o Ministério daEducação, revela uma radiografia em profundidade da situação da educaçãodesse nível de ensino, no Brasil. A necessidade dessa radiografia se justificapela importância desta etapa da aprendizagem no processo de formaçãoe de preparação dos jovens para vida, para continuar seus estudos, para oexercício da cidadania e ingresso futuro no mercado de trabalho

Vale destacar, também, a reforma do ensino médio, a qual prevê arenovação e melhoria da infra-estrutura dos prédios escolares, bem comoa adoção de um currículo que contemple a interdisciplinaridade e oestabelecimento de vínculos entre os conteúdos curriculares e as demandaspolíticas, econômicas e sociais.

Tal quadro cria uma situação nova, em que a escola, em tese, torna-se mais democrática, ampliando as possibilidades de jovens � antesexcluídos � avançarem nos estudos além da educação básica, conseguiremum bom emprego e exercerem plenamente a cidadania. Porém, dentrodesse contexto, novos desafios e problemas se apresentam, compondoum quadro em que o investimento na qualidade de ensino torna-se urgentee prioritário.

1 Artigo publicado nos periódicos: �Revista do Terceiro Setor�, SP, em 24/05/2003 e �Cidadania-e�, disponível em: <www.rits.org.br> em 12/06/2003.

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A pesquisa constatou, por meio de depoimentos de alunos, professorese demais membros das equipes pedagógicas das escolas, que existe umasérie de desafios e problemas a serem superados, principalmente no quediz respeito à qualidade de ensino. Atento aos problemas existentes nasescolas brasileiras, o Ministro Cristóvam Buarque elegeu a capacitação deprofessores e a qualidade de ensino como duas de suas prioridades máximas.

Entre os diversos pontos levantados como problemáticos no estudo�Ensino Médio: Múltiplas Vozes�, quatro merecem especial destaque. Em primeirolugar, a pesquisa aponta para a necessidade de se investir em formação iniciale continuada dos professores. Os dados levantados nas 13 capitaispesquisadas revelam que 60% dos docentes têm licenciatura e que cerca dedois terços do total dos que participaram da pesquisa não têm pós-graduação(especialização, mestrado ou doutorado). Em seus depoimentos, osprofessores reivindicam uma formação mais avançada e sintonizada com asdemandas do mundo contemporâneo, de modo que sejam capazes de darconta de questões e problemáticas de interesse dos jovens, inclusive noque diz respeito à promoção e ao exercício da cidadania.

O atraso e o abandono escolar constituem outro problema levantadona pesquisa. É bem verdade que este não é um problema exclusivo doBrasil, na medida em que pode ser constatado em toda a América Latina.Apesar disso, os resultados apontam para uma situação que merece especialatenção. Na maioria das capitais, pelo menos metade dos jovens já repetiuo ano em algum momento de sua trajetória escolar e por isso estão atrasadosnos estudos. No que diz respeito ao abandono e ao retorno à escola, osdados também impressionam pela sua magnitude, sobretudo no períodonoturno: 35,2% dos alunos que estudam à noite já abandonaram a escola,em algum momento de sua vida escolar. No turno diurno, a taxa deabandono e retorno à escola é da ordem de 8,9%.

Considerando que a principal causa de abandono dos estudos,segundo depoimentos dos alunos, é a necessidade de ajudar no sustentoda família, torna-se fundamental adotar uma política de bolsas, a fim de

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que esses jovens disponham de uma renda que lhes permita dedicar-seexclusivamente aos estudos e ao seu desenvolvimento intelectual.

A escassez e a precariedade dos laboratórios de ciências é umterceiro ponto levantado no estudo e que merece atenção, pois se tratade um recurso pedagógico fundamental no ensino médio � já que sãoespaços em que os alunos têm a oportunidade de aplicar o que aprendemem sala de aula, bem como podem desenvolver a capacidade de �aprendera aprender�, a experimentar. Por isso, é premente equipar os laboratórios,bem como criar condições para que eles funcionem plenamente.

Os dados oficiais dão conta de que 43,1% das escolas brasileiras deensino médio possuem laboratórios de ciência. No entanto, a pesquisaconstatou que, mesmo nos colégios em que eles existem, o acesso é restritopor uma série de deficiências na organização e no funcionamento da escola.Há falta de material, de equipamentos e de funcionários. Na rede pública,entre 89,9% e 92% dos alunos afirmaram que os laboratórios são poucousados. A mudança desse quadro pode ser viabilizada por meio daconcretização de uma proposta considerada prioritária pelo Ministérioda Ciência e Tecnologia: a assinatura de um convênio com o Ministérioda Educação visando dotar as escolas de laboratórios de ciências.

Finalmente, é necessário criar estratégias e programas para diminuira exclusão digital a que estão submetidos alunos e professores da educaçãomédia pública. Assim como os laboratórios de ciências, os computadorese a Internet são pouco utilizados como instrumento pedagógico. Oproblema é mais acentuado na rede pública: pelo menos 51% dosestudantes dizem que essas ferramentas não são usadas em aula e quase atotal idade dos alunos da rede pública dizem que não aprendemcomputação na escola.

O baixo nível de utilização dos computadores como ferramentadidática pode ser explicado pela falta de familiaridade dos professorescom as novas tecnologias de informação. Em seis capitais, entre 10% e

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15% dos docentes dizem que não dominam a informática e 40% dosprofessores ouvidos na pesquisa não têm computador em casa. E, o que émais grave, desse último percentual, 44,5% também não têm acesso acomputadores na sua escola.

A superação desse quadro de exclusão digital dos docentes levanta anecessidade de se criar estratégias para que eles possam adquirir essesequipamentos a preços subsidiados, o que requer uma ação conjuntaenvolvendo os Ministérios da Educação e das Comunicações utilizando,por exemplo, recursos do Fundo de Universalização dos Serviços deTelecomunicações (Fust). Se dermos respostas a essas prioridades estaremosrespondendo às reivindicações e vontades dos atores do ensino médio.

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Ensino Médio: Vozes que se Levantam1

O presente evento representa, para todos nós, um marcosignificativo na história da expansão e aperfeiçoamento da educaçãobrasileira. Há muito não se realizava uma pesquisa tão ampla sobre oEnsino Médio, precisamente porque esse era para poucos, constituindouma ponte frágil para a educação superior ou o caminho trilhado por umnúmero ainda menor de alunos que se dirigia à profissionalização.

A obra hoje lançada representa um significativo esforço no sentidode subsidiar um nível da educação básica cuja importância é decisiva naformação e encaminhamento da juventude.

Associando métodos quantitativos e qualitativos, esta investigaçãode larga escala, realizada pela UNESCO, em parceria com a Secretariade Educação Média e Tecnológica, do Ministério da Educação, incluiudados de alunos, professores e diretores de 13 capitais brasileiras,envolvendo milhares de participantes.

É interessante lembrar que, em passado não muito remoto,considerava-se que os problemas do ensino médio não mereciam sequerserem cogitados em primeiro plano, pois urgia equacionar, primeiro, oinsuficiente acesso e o represamento do ensino fundamental. Hoje, o Brasil,assim como muitos outros países, se encontra no rumo da democratizaçãodo acesso ao ensino médio.

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento da Pesquisa Ensino Médio: Múltiplas Vozes(UNESCO/SEMTEC/MEC), Brasília, 29 abr. 2003.

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Segundo a Reunião Internacional de Especialistas sobre Educação SecundáriaGeral, realizada pela UNESCO em Beijing, China, em maio de 2001, énecessário conceder alta prioridade a esse nível de ensino e, ao mesmotempo, redefinir seus objetivos e funções à luz dos horizontes do séculoXXI. O que era de poucos passou a ser de muitos, não de tantos quantoseria desejável, mas gerando a necessidade de mudanças qualitativas queexigem uma política própria e um equacionamento de problemascompatível com a identidade desse nível de ensino, que deixa de ter umafunção apendicular do ensino fundamental.

Nesse sentido, torna-se imperativo repensar o ensino médio a partirdo conhecimento sobre quem são esses jovens e quais são suasexpectativas.

Os resultados da pesquisa apontam para essa necessidade e oferecemelementos importantes para estimular o debate e a reflexão acerca dadiversidade das características sociais, econômicas, culturais, dosinteresses e expectativas desses jovens. O reconhecimento dessasespecificidades e de seus significados certamente evidenciará a necessidadee relevância de propormos polít icas públicas que atendam a taldiversidade.

Assim, a educação brasileira vai ganhando corpo e robustez ante oscompromissos de Educação para Todos, firmados em Jomtien, na Tailândia erenovados em Dacar, no Senegal. O acesso à educação obrigatória seexpandiu até aos mais longínquos rincões, com conseqüências expressivassobre os níveis posteriores. Vai concretizando-se o bloco da educaçãobásica, desenhado pela Lei Darcy Ribeiro, ou Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional. No entanto, a estabilidade e o crescimento daeducação brasileira dependem das bases e da sua estrutura.

Um país se constrói pela solidariedade, pela igualdade, pelo respeitoà diversidade, pela liberdade e pela paz � valores tão caros às NaçõesUnidas e à UNESCO, desde os seus documentos pioneiros.

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A UNESCO se orgulha em poder contribuir para a construção destePaís e da sua educação. Este é um livro cujas páginas palpitam, plenas devida, e representam, segundo procedimentos metodológicos utilizados,o pensamento de grande parte da população docente e discente nacional,com suas críticas, angústias, realizações e sonhos. O nosso anseio é que,em mais um passo relevante, tais expressões e sentimentos possamgerminar sob a forma de políticas públicas solidárias e democráticas. Esteé o papel da UNESCO, para o qual está sempre disponível: o de incentivar,assistir, discutir, desvelar e cultivar para que a educação seja cada vezmelhor, mais ampla e mais justamente distribuída.

Nesta oportunidade, desejamos expressar os nossos agradecimentosao Ministério da Educação, em especial à Secretaria de Educação Média eTecnológica, cuja parceria permitiu a realização de uma pesquisa de tal porte.

Igualmente, agradecemos a todos os que dela participaram, quercomo pesquisadores, quer como pesquisados, estes, de certo modo,também exercendo o papel de pesquisadores ao mostrar e abrir novoscaminhos para esta incursão na realidade do ensino médio.

Ao mesmo tempo, manifestamos os votos para que o Brasil continuea trilhar, com confiança, os caminhos do Compromisso de Dacar. Essa foi rotasegura escolhida pelos Países Membros da UNESCO para, até 2015,construir um mundo melhor.

Por maiores que sejam os tropeços enfrentados, a mundializaçãonos torna cada vez mais próximos, cada vez mais interdependentes e cadavez mais necessitados de relações pacíficas. E, quanto mais próximos,mais a educação se torna um caminho por excelência para se construir apaz e superar as violências � uma conquista árdua, porém indispensávelpara o mundo de hoje.

Por último, quero ressaltar que a divulgação dessa pesquisa, mediantea publicação do livro �Ensino Médio: múltiplas vozes� coincide com um momento

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auspicioso para a educação brasileira. Refiro-me ao impulso inovador dagestão Cristovam Buarque, o qual encontra-se empenhado em imprimirum enfoque holístico à polít ica nacional de educação, visandopotencializar a interdependência entre os diversos níveis e modalidadesdo ensino.

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Educação para Todos: um Imperativo do Nosso Tempo1

Com o objetivo de comemorar o 2º Aniversário do Fórum Mundial deDakar, no Senegal, a UNESCO instituiu a Semana de Educação para Todos, noperíodo de 22 a 26 de abril. A idéia dessa Semana nasceu da necessidadede renovar, em todo o mundo, o sentido da luta para garantir a todas aspessoas as aprendizagens indispensáveis à vida contemporânea,preconizadas pelo Marco de Ação de Dakar.

A proposta de colocar a Reunião do Conselho Nacional deSecretários Estaduais de Educação � CONSED como parte da Semana deEducação para Todos tem um sentido especial. Entre os diversos fóruns depolíticas públicas existentes nos vários países, seguramente o CONSEDtem sido um dos mais atuantes em matéria de educação para todos. Suacontribuição à educação brasileira é crescente e certamente se ampliaráno futuro, dada a importância das Unidades Federadas na políticaeducacional brasileira.

Nesta oportunidade, é oportuno sublinhar que tanto a Conferência deJomtien, na Tailândia, no início de 1990, onde foi aprovada a DeclaraçãoMundial de Educação para Todos, quanto o Marco de Ação de Dacar, representamna história da educação mundial um verdadeiro divisor de águas, pois nãose contentaram apenas com a universalização do acesso, como tambémcom a qualidade e a democratização educacionais. Ambos os

1 Pronunciamento por ocasião da Reunião do Conselho Nacional de Educação, na Semanade Educação para Todos, �Educação para Todos: um imperativo do nosso tempo�, Brasília,abr. 2003.

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compromissos traduzem a vontade dos Países Membros da UNESCO comuma educação básica de qualidade para todos.

O reconhecimento de que a escolaridade é muito mais do que estarna escola, vinculando-a à luta pela sobrevivência e dando ênfase à melhoriadas condições de vida, foi um salto sem precedentes em matéria de políticaeducacional. Os eixos norteadores de Dacar consagram essa nova postura.Eqüidade, qualidade e competências essenciais à vida abrem um novohorizonte pedagógico.

O Brasil, há alguns anos entrou em sintonia com a meta de educaçãode qualidade para todos. Nas três instâncias da administração educacionalbrasileira � União, Estados e Municípios � trava-se uma luta incessantepara não deixar nenhuma criança sem escola. O resultado dessa políticaestá à vista e se expressa por quase 97% de crianças brasileiras inseridasno processo de escolarização obrigatória. Sobressai, agora, o desafio daqualidade que constitui, sem dúvida, o mais difícil dos obstáculos.

O desafio da qualidade não será vencido do dia para a noite. Elerequer tempo, mais recursos, planejamento e políticas de longo prazo.Daí a importância do Plano Nacional de Educação e de seu desdobramento emplanos decenais dos Estados e dos Municípios. E o que é um plano? É ummapa para se poder caminhar. Ele indica os marcos dos caminhos, os nósa serem desatados. Por isso, é necessário saber aonde se pretende chegar,para então se estabelecer etapas da sua trajetória.

O planejamento e a correspondente tradução em atos representauma experiência desafiadora. Disso decorre a necessidade de se conceberum plano que esteja acima de interesses políticos mais imediatos paraque todas as pessoas e instituições nele se achem representadas e, nessacondição, se mostrem dispostas a cooperar e somar esforços e energias.O desafio educacional brasileiro exige um pacto entre governo e sociedadecivil, mediado por regras democráticas, com a consciência de que,conforme observou Edgar Morin, a vitalidade e produtividade dos conflitos

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só podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulamos antagonismos. A potencialidade existente no Brasil requer uma políticade educação que faça da escola uma instância promotora da criatividadee do desenvolvimento humano.

Para que a esperança de uma escola de qualidade e criativa, ondeo aprender a ser, a fazer, a conhecer e a viver juntos se tornem lugarcomum no cotidiano da escola, é indispensável um esforço coletivoque tenha como referência a luta do Brasil para se converter em umaNação plena em matéria de direitos humanos. E como indica compropriedade o Marco de Ação de Dacar, a educação é um direito humanofundamental e constitui a chave para um desenvolvimento sustentável,assim como para assegurar a paz e a estabilidade dentro de cada país eentre eles e, portanto, meio indispensável para alcançar a participaçãoefetiva nas sociedades e economias do século XXI, afetadas pela rápidaglobalização. Não se pode mais postergar esforços para atingir as metasde educação para todos. As necessidades básicas da aprendizagem podeme devem ser alcançadas com urgência.

Em sendo assim, nesta Semana de Educação para Todos, onde em diversaspartes do mundo está ocorrendo uma série de eventos mobilizadoresda opinião pública, é oportuno insistir na tese de Dacar de que sem umprogresso acelerado na direção de uma educação para todos, as metasnacionais e internacionais acordadas para a redução da pobreza não serãoalcançadas e as desigualdades entre as nações e dentro de cada sociedadese ampliarão.

Por último quero apresentar aos novos Secretários de Educaçãoque tomaram posse recentemente os nossos cumprimentos e a certezade que a parceria entre o CONSED e a UNESCO, em prol de umaeducação de qualidade para todas as pessoas, poderá se consolidar aindamais, de forma a ampliar a sua perspectiva no contexto de uma educaçãorenovadora.

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Semana Internacional da Educação para Todos1

Bem vindos à UNESCO. Meu nome é Jorge Werthein e sou oRepresentante da UNESCO no Brasil.

Temos o prazer de contar, neste programa em que comemoramos aSemana Internacional de Educação para Todos, com as presenças doexcelentíssimo Senhor Senador Aloísio Mercadante, representante dosParlamentares Amigos da UNESCO e da nossa palestrante, a excelentíssimaSenhora Maria José Feres, Secretária de Educação Fundamental doMinistério da Educação.

A educação para todos constitui um dos compromissos basilares daUNESCO, desde sua constituição em 1945. Naquele momento, os Estadosmembros da Organização afirmaram sua crença em �oportunidades iguaise plenas de educação para todos, na busca sem restrições da verdadeobjetiva, e no livre intercâmbio de idéias e conhecimentos�.

Este objetivo fundamental de Educação para Todos foi retomadocom grande ênfase em 1990, quando a UNESCO coordenou, em Jomtien,na Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos, com aparticipação dos países-membros da ONU, inclusive o Brasil. Daí resultoua elaboração de uma visão renovada dos compromissos de Educação paraTodos. Esses compromissos foram reiterados no Fórum Mundial da

1 Pronunciamento por ocasião da teleconferência em comemoração à Semana Internacional deEducação paraTodos, Brasília, 11 abr. 2003. Brasília: UNESCO Brasil, Embratel 21, 2003. (ProgramaBiblioteca Digital Multimídia).

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Educação realizado em Dacar em abril de 2000 e é por isso que secomemora neste mês a Semana Internacional de Educação para Todos.

Na Conferência de Dacar (26-28 de abril de 2000) se empreendeuum balanço e avaliação das ações implementadas pelos países-membros,em cumprimento dos compromissos assumidos com a Declaração Mundialde Educação para Todos � formulada na Conferência de Jomtien em 1990� constatando-se que seus resultados haviam ficado, em geral, aquém doesperado.

Em parte porque as políticas adotadas foram pouco incisivas algumasou apenas parcialmente bem sucedidas outras. Mas também porque ocenário mundial se havia transformado, exigindo, dentre outrasprovidências, ajustar as estratégias educativas ao enfrentamento de novospatamares de desigualdade social, de intolerâncias e discriminações, deconflitos inter-étnicos e religiosos e, mais que tudo, de acentuadaampliação da pobreza.

Esse ajustamento levou os países e organizações participantes aestender a compreensão das estratégias básicas de Melhoria da Qualidadee Eqüidade da Educação para Todos, de Utilização Eficaz dos RecursosEducativos, de Cooperação com a Sociedade Civil para Alcançar osObjetivos Sociais por meio da Educação e, em especial, a de Promover aEducação para a Democracia e para a Paz. Firmou-se o consenso de queera preciso avançar e encaminhar propostas mais ousadas e efetivas, nomarco das próprias diretrizes de Educação para Todos.

Foram estabelecidas, em Dacar, as seguintes seis metas de Educaçãopara Todos: 1) Expandir e melhorar a educação e os cuidados dirigidos àprimeira infância; 2) assegurar, até 2015, educação elementar gratuita,compulsória e de qualidade; 3) assegurar que as necessidades básicas deaprendizagem de jovens e adultos sejam satisfeitas de modo eqüitativo,por meio de acesso a programas de aprendizagem apropriados; 4) atingir,até 2015, 50% de melhoria nos níveis de alfabetização de adultos;

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5) eliminar, até 2005, disparidades de gênero na educação primária esecundária e alcançar igualdade de gênero até 2015, com foco no acessode meninas a educação básica de boa qualidade; e 6) melhorar todos osaspectos da qualidade da educação e assegurar excelência para todos.

Respondendo a esses desafios evidenciados em Dacar, ações vêm sendoimplementadas pelos diversos setores envolvidos na educação. Por exemplo,o Brasil sediou em janeiro deste ano, a reunião anual da Consulta Coletiva deONGs sobre Educação para Todos, cujo objetivo foi o de avaliar aparticipação da sociedade civil no processo de promoção da Educação paraTodos desde o Fórum de Dacar. Da reunião resultaram recomendações paraa melhoria da qualidade da educação e a mudança social e, em especial,recomendações relativas às expectativas e contribuições da sociedade civilpara a implementação da Década de Alfabetização das Nações Unidas, quese inicia em 2003 e estende-se até 2012.

É auspicioso destacar que o Brasil dá demonstrações de elevadocompromisso com a Educação para Todos. O Excelentíssimo senhorPresidente da República, Luis Inácio Lula da Silva e o ExcelentíssimoSenhor Ministro da Educação, Cristovam Buarque assumiram perante aNação o compromisso de eliminar rapidamente o analfabetismo no Brasil,mobilizando, para tanto, todas as forças da sociedade. Como teremosainda oportunidade de ouvir na palestra da senhora Secretária de EducaçãoFundamental, Maria José Feres, os demais compromissos de Dacar sãotambém prioridades do Ministério da Educação.

Agradeço a atenção e tenho o prazer de passar a palavra aoexcelentíssimo senhor Senador Aloísio Mercadante.

(Ao final da apresentação do Senador Aloísio Mercadante).

Agradeço ao Senador Aloísio Mercadante e passo a palavra àpalestrante de hoje, a excelentíssima senhora Secretária de EducaçãoFundamental do MEC, a senhora Maria José Feres.

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Educação: a Contribuição das ONGs1

É com prazer que a UNESCO auspicia esta reunião anual da ConsultaColetiva de Organizações Não-Governamentais em Educação para Todos, contando coma colaboração de todos os presentes e lhes dá boas vindas.

A realização desta reunião no Brasil, em articulação com o II FórumMundial de Educação e o III Fórum Social Mundial, representa uma oportunidadeespecial para o debate sobre o papel da educação para todos, no contextogeral das questões de desenvolvimento, de justiça e de transformação social.

A UNESCO vem desenvolvendo, desde o final da década passada,um conjunto de posicionamentos ante a diretriz adotada pelo sistema dasNações Unidas de priorizar as políticas de erradicação da pobreza, emescala global. A esse conjunto veio se integrar outro, oriundo da elaboraçãode uma visão renovada dos Compromissos de Educação para Todos, enunciados naConferência de Jomtien, na Tailândia, em 1990 e reiterados no Fórum Mundialda Educação realizado em Dacar, no Senegal, em abril de 2000.

Aquela diretriz se impôs ante as seqüelas sociais de um período emque prevaleceram as prescrições do chamado Consenso de Washington �traduzidas, em particular, na redução das funções do Estado, na contençãodos gastos sociais e na liberação e desregulação dos mercados. Tornaram-sepatentes tanto um dramático aumento das desigualdades entre os povos edentro das nações, quanto um agravamento das condições de pobreza de

1 Pronunciamento por ocasião da abertura da Reunião Anual 2003 da Consulta Coletiva deONGs sobre Educação para Todos, Porto Alegre, 19 jan. 2003, no Fórum Mundial de Educação.

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significativa parte da humanidade. Diante desse quadro, o sistema dasNações Unidas passou a ser instado a atuar com vigor, em cooperação comoutras organizações internacionais e multinacionais, no encaminhamentode políticas de combate à pobreza e às iniqüidades sociais.

Formou-se um consenso no sentido de que, para promoverdesenvolvimento social sustentável e combater a pobreza nos termospostos pelos pertinentes debates internacionais neste início do SéculoXXI, seria indispensável ultrapassar o viés de direcionar ações apenaspara as dimensões predominantemente econômicas do problema, comose fez em momentos anteriores. E isso requeria abrir caminho para umanova abordagem do tema. A pobreza devia ser entendida como umfenômeno que se projeta para além do que é captado pelas escalas demensuração econométrica, dando maior atenção à vida cotidiana e àspreocupações das pessoas. E este fenômeno remete ao direito que aspessoas inerentemente possuem de beneficiar-se

a) das oportunidades oferecidas pelos avanços das tecnologias dainformação, das ciências e das comunicações, dos ganhosmultidimensionais da educação e dos fundamentais sensos deidentidade e de mútua compreensão que são proporcionadospela cultura e pelas humanidades;

b) da defesa da igualdade, que reconhece que as barreiras de gênero,de etnia e de religião precisam ser superadas;

c) da segurança � amplamente definida por meio dos princípiosdemocráticos e da ausência de corrupção, tanto nos paísesdesenvolvidos como nos demais � da boa e transparentegovernança, dos direitos humanos, da integridade e da aplicaçãoda lei, da inclusão e da participação de todos os cidadãos.

Tornou-se também consenso que a pobreza não pode ser enfrentadacom efetividade e sucesso senão quando todas suas dimensões forem

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completamente integradas, afetando tanto as econômicas quanto ashumanas. O que requer, principalmente, a construção de alianças eparcerias com Organizações Não-Governamentais e organizações dasociedade civil, particularmente aquelas representativas dos grupos pobrese marginalizados.

Confluem com tais posicionamentos as discussões mais recentes eespecíficas sobre os rumos futuros da educação no mundo, a começarpelas que se realizaram na Conferência de Dacar (26 a 28 de abril de 2000).Ali se empreendeu um balanço e avaliação das ações implementadas pelosPaíses Membros, em cumprimento dos compromissos assumidos com aDeclaração Mundial de Educação para Todos � formulada na Conferência deJomtien, na Tailândia, em 1990 � constatando-se que seus resultadoshaviam ficado, em geral, aquém do esperado.

Em parte porque as políticas adotadas foram pouco incisivas, algumasparcialmente bem sucedidas, outras não chegando a tanto. Mas tambémporque o cenário mundial se havia transformado, exigindo, dentre outrasprovidências, ajustar as estratégias educativas ao enfrentamento de novospatamares de desigualdade social, de intolerâncias e discriminações, deconflitos interétnicos e religiosos e, mais do que tudo, de acentuadaampliação da pobreza.

Esse ajustamento levou os países e organizações participantes aestender a compreensão das estratégias básicas de melhoria da qualidadee eqüidade da Educação para Todos, de utilização eficaz dos recursoseducativos, de cooperação com a sociedade civil para alcançar osobjetivos sociais por meio da educação e, em especial, de promover aeducação para a democracia e para a paz. Firmou-se o consenso de queera preciso avançar e encaminhar propostas mais ousadas e efetivas, nomarco das próprias diretrizes de Educação para Todos.

Desde então, ações foram implementadas pelos diversos setoresenvolvidos na educação, respondendo aos desafios evidenciados em Dacar.

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E é para avaliar a participação da sociedade civil no processo de promoçãoda Educação para Todos que aqui se realiza esta reunião anual da ConsultaColetiva de Organizações Não Governamentais sobre Educação para Todos.

Espera-se deste encontro que sejam apresentadas recomendaçõespara a melhoria da qualidade da educação, para a promoção da mudançasocial e, em especial , recomendações relativas às expectativas econtribuições da sociedade civil para a implementação da Década deAlfabetização das Nações Unidas, no âmbito da articulação entre as agendas daEducação para Todos e da V CONFITEA.

È auspicioso destacar que esta reunião ocorre em um momentoespecial para o Brasil. Isto porque o Excelentíssimo senhor Presidente daRepública, Luis Inácio Lula da Silva e o Excelentíssimo Senhor Ministrode Estado da Educação, Professor Cristovam Buarque assumiram perantea Nação o compromisso de eliminar rapidamente o analfabetismo,mobilizando, para tanto, todas as forças da sociedade.

Senhores participantes, na qualidade de Representante da UNESCOno Brasil dou-lhes as boas-vindas a esta bela cidade de Porto Alegre efaço votos de que esses dias de intenso trabalho resultem em proveitosascontribuições para o desenvolvimento da Educação para Todos, em cadauma das regiões e países aqui representados.

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

A UNESCO e o Parlamento1

As relações entre a UNESCO e o Parlamento brasileiro sempre seorientaram pelo reconhecimento recíproco da importância do CongressoNacional para o futuro da política de educação. De fato, quando analisamoso discurso educacional das últimas décadas, com freqüência aparece acrítica de que sem vontade política a educação jamais se converterá emprioridade de Estado.

Foi devido a isso que o Relatório da Comissão Mundial de Educaçãoda UNESCO, que se tornou mundialmente conhecido como o RelatórioDelors, dedica um capítulo ao papel do político, onde se afirma, por umlado, que no mundo inteiro se exige dos sistemas educativos que façammais e melhor e, por outro, se constata que a educação não pode fazertudo, e algumas das esperanças por ela suscitadas podem se transformarem desilusões.

É preciso, continua o Relatório da UNESCO, que se façam opçõesque podem ser difíceis. É nessa hora que o papel do político sobressai ese define como da mais alta importância. A ele compete definir o futuropor uma visão de longo prazo, assegurando, ao mesmo tempo, aestabilidade do sistema educativo e a sua capacidade de se reformar,garantir a coerência do conjunto, estabelecendo prioridades e, finalmente,abrir um verdadeiro debate na sociedade sobre as opções econômicas efinanceiras.

1 Pronunciamento por ocasião da III Conferência Brasileira de Educação, Ciência e Cultura daCâmara dos Deputados, Brasília, 3 dez. 2002.

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Sem dúvida, a política de educação depende das opções econômicase dos modelos de desenvolvimento. Daí ser o Parlamento o fórumprivilegiado para se discutir a política de educação e tomar as decisõesque requerem consenso e legitimidade política, de forma a criar para oPoder Executivo as condições básicas de governabilidade educacional.

As decisões, no entanto, precisam ser respaldadas em estudos ereflexões, seguidos de debates, em que os diversos segmentos da sociedadepossam livremente exercer a crítica responsável e contribuir para oamadurecimento de idéias e de soluções. Sob esse aspecto, a ConferênciaBrasileira de Educação, Cultura e Desporto, que a Câmara promove hátrês anos, e da qual a UNESCO sente-se honrada em ser parceira, vem-serevelando uma instância oportuna de debates, gerando subsídios quealimentam as decisões, tanto do Parlamento quanto dos Poderes Executivosda União, dos estados e dos municípios.

Além disso, não se trata apenas de uma Conferência de Educação,pois inclui também a Cultura e o Desporto, condição que amplia o seusignificado interdisciplinar, pois uma política de educação é indissociávelde uma política de cultura, como também de uma política de desportos.São três faces que se convergem na formação integral da personalidadede crianças e jovens. Ademais, como reconhece a UNESCO, em seuRelatório Mundial sobre Cultura e desenvolvimento, nenhuma políticade desenvolvimento logrará êxito se não considerar as condições culturais.Mais do que isso, a cultura e o desporto são partes integrantes do processoeducativo.

O tema escolhido para a III Conferência que hoje se inicia � Porque há ainda quem não aprende? � é dos mais relevantes. Como afirma opreâmbulo desta Conferência, a força e a pungência dessa interrogaçãoadvêm da constatação auspiciosa de várias ciências de que todos podemaprender. Essa é, também, a constatação da UNESCO. No início da décadade 1990, quando foi aprovada a Declaração Mundial de Educação paraTodos, a UNESCO já sabia que isso era possível, desde que se assegurassem

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

condições mínimas para que a escola atendesse com eficiência àdiversidade de sua clientela.

São inúmeros os fatores e obstáculos que estão dificultando aaprendizagem e impedindo que as crianças prossigam os estudos, semrepetência e evasão. Eles vão das dificuldades de natureza pedagógicaaté os entraves de ordem socioeconômica. A esses se acrescentam osnovos obstáculos relacionados ao clima de insegurança no ambiente escolar.Pesquisas realizadas pela UNESCO no Brasil estão indicando fortecorrelação entre violências nas escolas e resultados na aprendizagem.

Assim sendo, a Câmara Federal, ao procurar responder à questãopor que há ainda crianças, jovens e adultos que não aprendem?, retomauma das questões mais urgentes da política educacional, que é a daqualidade. É enorme o contingente de crianças vítimas do fracasso escolar.O preço da repetência e do atraso escolar certamente é muito maior doque os investimentos necessários à sua correção.

A educação brasileira fez muitos progressos nos últimos anos, oque a credencia agora a enfrentar o desafio da qualidade, indiscutivelmenteo mais difícil e que exigirá esforços redobrados, tanto do poder públicoquanto da sociedade civil. A superação desse desafio aumentará, de formaconsiderável, as chances de o Brasil converter-se em nação plenamentedemocrática, onde a eqüidade e a igualdade sejam a regra dominante.

Para atingir essa meta, sobressai a importância do CongressoNacional, cuja Câmara dos Deputados reúne condições para impulsionaresse novo salto. A UNESCO acredita que um sistemático envolvimentodos parlamentares na questão educacional poderá dar uma contribuiçãosem precedentes para dotar os sistemas de educação das condições básicasao exercício pleno de sua missão.

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Educação para Todos e Cooperação Empresarial1

A Solenidade de Assinatura deste termo de parceria entre a FundaçãoBankBoston e a Missão Criança, visando à criação do Fundo Educação para oatendimento de 300 crianças e adolescentes matriculados na escola básica,com o apoio da UNESCO e do UNICEF, reveste-se de um significadoemblemático, pois sinaliza para o advento de um futuro mais promissorpara a educação brasileira.

Sem dúvida, em que pesem os avanços feitos pelo Brasil nos últimosanos, sobretudo no que se refere à meta de assegurar escolas para todas ascrianças e jovens, há ainda um enorme caminho a percorrer para que oPaís possa ostentar um sistema público de educação de qualidade, capazde garantir o atendimento, com sucesso, às necessidades mínimas deeducação exigidas pela atualidade.

Já se foi o tempo da predominância do fator matéria-prima para ofortalecimento da economia. As últimas revoluções tecnológicas estãofazendo surgir uma nova estrutura social, �um novo modo dedesenvolvimento� que conduz a um capitalismo informacional, para usar aexpressão de Manuel Castells. Esse modo de desenvolvimento se caracterizapor uma busca incessante de conhecimento e informação. A rigor, estamosem plena economia da informação e do conhecimento. Em decorrênciadesse novo paradigma, cresce, como nunca antes havia acontecido nahistória, a importância da escola e da educação de qualidade.

1 Pronunciamento por ocasião da Solenidade de Assinatura da Cooperação Banco de Boston eMissão Criança, com Apoio da UNESCO e do UNICEF, Brasília, 28 nov. 2002.

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Entretanto, se, por um lado, a sociedade começa a reconhecer ovalor estratégico da educação, por outro, torna-se, também, mais clara amagnitude do desafio para a construção de um sistema público de educaçãode qualidade, amplo e inclusivo, principalmente nos países que, como oBrasil, não lograram, ainda, atingir os padrões mínimos de escolaridade econhecimento.

A complexidade do desafio de assegurar a todas as crianças eadolescentes uma educação de qualidade se amplia na medida em que sereconhece, também, que o Estado, por si só, já não dispõe de forçassuficientes para atender às crescentes demandas por mais e melhoreducação. Há a urgente necessidade de somar esforços e energias.

A Conferência de Educação para Todos, organizada pela UNESCO noinício dos anos noventa, em Jomtien, na Tailândia, já havia percebido issocom clareza. Por essa razão, propôs a adoção generalizada de umaestratégia de alianças e parcerias, como condição básica para oenfrentamento dos novos desafios.

No Brasil, a política de alianças e de parcerias já possui inúmerosexemplos, com destaque para o crescimento das fundações e institutosempresariais. Grandes grupos econômicos começaram a perceber, comlucidez, a necessidade de imprimir às suas organizações um sentido socialsolidário, como forma de ajudar o Poder Público em seu esforço de garantira todos o direito inalienável a uma educação de qualidade.

A Fundação BankBoston é um exemplo da nova lucidez empresarial. O�Fundo Educação�, que está sendo criado hoje, alia demandas do capitalcom demandas por educação. Nessa aliança reside a potencialidade doprojeto. Certamente, ele se converterá em referência para que outrosGrupos adotem o mesmo caminho.

A proposta do Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, depromover um amplo pacto social situa-se nessa perspectiva, ou seja, da

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necessidade de superar limitações e obstáculos mediante ações concretasque possam harmonizar e conciliar interesses, visando colocar a sociedadebrasileira em um circuito moderno de inovações cidadãs.

Por último, quero ressaltar o conteúdo do projeto que trata deconceder uma bolsa-escola anual às crianças e aos adolescentes que tiveremfreqüência e aprovação. Ao final do ensino obrigatório, essas crianças ejovens terão não apenas vencido uma etapa importante para dar sentidoàs suas vidas, como também terão uma pequena poupança que, certamente,ajudará a projetar um horizonte mais promissor.

O Programa Bolsa-Escola constitui, sem dúvida alguma, uma dasinovações mais bem pensadas dos últimos anos na educação brasileira.Concebida por um grupo de estudos da Universidade de Brasília e testadacom êxito ao tempo em que Cristovam Buarque era Governador doDistrito Federal, hoje ela já se espalha por várias partes do mundo. Tem omérito de, simultaneamente, dar sentido à educação e à vida.

Tanto a Fundação BankBoston como a Missão Criança podem contar como apoio da UNESCO. Iniciativas como esta, a Organização não apenasapóia, mas acompanha e sistematiza para divulgá-la em outros países econtinentes. Somente por este esforço conjunto poderemos fazer daeducação o maior bem comum da humanidade, para usar a expressão doDiretor-Geral da UNESCO, Embaixador Koïchiro Matsuura.

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A UNESCO no Telecongresso Internacional deEducação de Jovens e Adultos1

É com enorme satisfação que participo da Solenidade de Aberturado II Telecongresso Internacional de Educação de Jovens e Adultos promovido peloServiço Social da Indústria � SESI, a UNESCO e a Universidade de Brasília,e ainda com o apoio de entidades expressivas, tais como a AssociaçãoBrasileira de Educação a Distância � ABED, a Associação Brasileira deTecnologia da Educação � ABT, a Ação Educativa, o Alfabetização Solidária,a Associação Nacional de Universidade Particulares � ANUP, a CidadeEscola Aprendiz, a Comissão de Educação do Senado Federal, o ConselhoNacional de Secretários Estaduais de Educação � CONSED, o Conselhode Reitores das Universidades Brasileiras � CRUB, o Canal Futura, oInstituto Ayrton Senna, o Instituto Paulo Freire, o Ministério da Educação,o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério do Trabalho e Emprego,a Organização Internacional do Trabalho � OIT, o Serviço de Apoio àsMicro e Pequenas Empresas � SEBRAE e a União dos Dirigentes Municipaisde Educação � UNDIME.

Além dessas instituições, a edição do II Telecongresso conta aindacom o significativo apoio da Oficina Internacional de Educação da UNESCO,situada em Genebra e dirigida pela reconhecida educadora e pesquisadora,Senhora Cecilia Braslavsky, que ajudou a concebê-lo e estruturá-lo.

1 Pronunciamento por ocasião do II Telecongresso Internacional de Educação de Jovens eAdultos. Brasília, 14 ago. 2002.

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Essa competente rede de apoio mostra o crescente reconhecimentodo Telecongresso como um evento sintonizado com as idéias e aspirações donosso tempo. O núcleo temático deste ano, Aprender a Viver Juntos � Educaçãopara a Diversidade, representa um dos maiores desafios educacionais daatualidade. Foi pensado a partir da Conferência Internacional de Educação que aUNESCO realizou em 2001, em Genebra.

A discussão desse tema, no Brasil, tem o objetivo de ampliar odiálogo multicultural e subsidiar os sistemas de ensino no País, tendo emvista uma nova postura que se tornou urgente no contexto do processode mundialização das atividades humanas.

Se aspiramos a uma cultura de paz, precisamos desenvolver, desdea educação infantil, uma pedagogia do diálogo que respeite a diversidadecultural. Nenhuma cultura poderá ser reduzida ao silêncio. Essa condiçãoé imprescindível para o advento de sociedades verdadeiramentedemocráticas que possam proporcionar aos jovens e às pessoas em geralum maior sentido à vida, à integração social, à participação na cultura ena política e à realização pessoal.

Para o êxito deste evento, a UNESCO mobilizou alguns de seusmelhores intelectuais, de que são exemplos as presenças nesta aberturade Cecilia Braslavsky e Juan Carlos Tedesco que dirige o Instituto Internacionalde Planejamento da Educação, de Buenos Aires. Outros especialistas, de Genebrae de Paris, constam também da programação.

Por último, quero ressaltar o papel prospectivo que o SESI vemdesenvolvendo na educação brasileira. A educação, pela importânciaestratégica na vida do País e no processo de universalização da cidadania,precisa ser pensada e planejada com a participação de todas as forçassociais e econômicas disponíveis. O exemplo do SESI amplia apossibilidade de um pacto suprapartidário em prol de uma educação dequalidade para todos, respeitando a diversidade e os direitos humanos.

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Por um Novo Ensino Médio1

Quero, primeiramente, expressar minha alegria devido ao fato de aUNESCO no Brasil realizar este Seminário em articulação com a Faculdadede Educação da Universidade de Brasília.

A Organização tem uma longa tradição de trabalho conjunto com asuniversidades. Além disso, a UNESCO considera o papel da Universidadeda mais alta relevância, sobretudo em relação à necessidade de refletirsobre as mudanças que vêm ocorrendo e de indicar caminhos e alternativas.

Especificamente o Seminário sobre o Ensino Médio que estamosiniciando, e que conta com a participação de dois especialistas de altonível, respectivamente Daniel Filmus, Secretário de Educação de BuenosAires, e Elba Siqueira de Sá Barreto, da Universidade de São Paulo, alémde vários debatedores dos Estados, do Ministério da Educação, do ConselhoNacional de Educação e desta Universidade, considero oportuno sublinhara relevância de discutirmos esse nível de ensino, em decorrência de seupapel na educação da juventude. Além do mais, o Brasil promoveu, nosúltimos anos, uma notável expansão de matrículas, com nítida tendênciapara ampliar e perseguir a meta de sua universalização.

Como todos nós sabemos, os processos de mundialização e deglobalização, que começaram com o próprio início da modernidade noséculo XV, estão alcançando uma profundidade e uma extensão até há

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário �O Ensino Médio no Contexto das TransformaçõesSocioeconômicas�, Brasília, 22 ago. 2002.

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pouco tempo impensáveis. De um modo ou de outro, certas tendênciasde desenvolvimento econômico, social e cultural perpassam, hoje, todosos continentes e afetam todos os povos, condicionando, inclusive, o lequede respostas e de alternativas possíveis para satisfazer a todas asnecessidades humanas e, em particular, as educativas.

As transformações em curso, decorrentes das mudanças que seoperam no campo do desenvolvimento científ ico e tecnológico,particularmente no que diz respeito à biotecnologia, às ciências dainformação e comunicação, somadas ao notável avanço da globalizaçãodas relações econômicas, colocam diferentes desafios para o ensino médio.A reestruturação produtiva, por exemplo, está reduzindo, de formacrescente, as oportunidades de trabalho e ampliando o tempo deescolarização obrigatória.

Por outro lado, a velocidade das mudanças dos perfis ocupacionaisreforça, cada vez mais, a velha demanda pedagógica de �ensinar aaprender�, transformado-a em um imperativo socioeconômico e pessoal.Além disso, o crescimento do setor não formal gera novas demandas deeducação profissional, o que tem levado muitas instituições formadoras aorganizar programas voltados para o empreendedorismo jovem. Assim,não há dúvida de que a escola média tem uma importante missão a cumprir,pois de seu desempenho e abrangência dependerá, em grande parte, ofuturo de alguns milhões de jovens que a ela estão tendo acesso com aesperança de uma inserção significativa no processo de mudança em curso.

Assim, como argumenta Filmus, o ensino médio é cada vez maisnecessário, pois quem não o termina, permanece, quase totalmente, àmargem da possibilidade de ter acesso a empregos de qualidade, emparticular no setor moderno. Mas, ao mesmo tempo em que aumenta suaimportância para a juventude, por outro lado, o ensino médio tornou-seinsuficiente como garantia de acesso ao emprego. Nem todos os egressosdo ensino médio conseguem trabalho e uma boa parte dos que o fazemnão se incorporam aos setores de maior produtividade e renda.

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Nessa perspectiva, partindo do pressuposto de que essa situaçãopossa ser enfrentada por meio de decisões, dentre outras, educativas,dois pontos merecem ser observados. O primeiro, seria compor estruturascurriculares e processos educativos que, ao menos, tentassem ofereceroportunidades equivalentes de formação ao conjunto de jovens eadolescentes, independentemente de sua origem e que desafiassem,permanentemente, a suposição de determinismo estrutural irreversíveldos destinos educativos, mesmo sabendo que as conquistas que sealcançarão terão limitações inevitáveis. Para tanto, perseverar no sentidode que, em todos os caminhos possíveis, haja, por um lado, um pesorazoável de formação de caráter geral, contendo componenteshumanísticos e tecnológicos básicos e, por outro lado, de formaçãocontextualizada.

O segundo ponto seria fortalecer a formação de virtudes que induzamos jovens a valorizar a convivência harmoniosa e a paz e a recusar sociedadespolarizadas, levando-os a compreender que uma distribuição desigual earbitrária das oportunidades de acesso aos bens sociais, em especial àeducação e ao trabalho, significa um risco à sobrevivência de todos.

Além disso, importa destacar o problema das violências na sociedadee nas escolas. As pesquisas realizadas pela UNESCO mostram dadosassustadores. A juventude está sendo vítima de diversos tipos de violência,desde as simbólicas até aquelas que mutilam e subtraem a vida. O projetoque a UNESCO vem desenvolvendo, em alguns estados e municípios, deabertura de escolas nos fins de semana, nasceu da constatação de que, aossábados e domingos, são maiores os índices de mortalidade juvenil. Oprojeto visa abrir os espaços escolares para a juventude em atividades eações de valor educativo e cultural que envolvam a família e a comunidade.

Tais desafios impõem a necessidade de transformar radicalmente asmetodologias de ensino e de aprendizagem pressupondo umatransformação pedagógica, desde a mudança da arquitetura curricular atéa concepção de uma nova escola capaz de responder a tamanhos desafios.

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Ao mesmo tempo, atenção especial deverá ser dada à educação para adiversidade. A riqueza cultural e multiétnica brasileira deverá ser fontepermanente, inspiradora de currículos e de ações voltadas para a cidadania.A atenção à diversidade implica, também, a liberdade para criar e adotar asmetodologias mais apropriadas para cada situação e grupo de alunos. Sãorequeridas, assim, numerosas e complexas mudanças na vida cotidiana dasinstituições educativas, na capacitação e na formação docente e nosorganismos de condução, de avaliação e de acompanhamento dos sistemaseducativos.

Em princípio, parece que a questão da capacitação dos professores,requerida para realizar as novas orientações curriculares, é um dos gargalosmais sérios, tanto do ponto de vista de sua concepção como dos conteúdosdos dispositivos institucionais que deveriam ser elaborados para garantira quantidade e os perfis profissionais que a envergadura das mudanças, daproposta e da expansão da matrícula do ensino médio requerem. Nessadireção, seria necessário pensar que tipo de formação específica se podeoferecer aos perfis profissionais que provêm da docência, do mundoacadêmico e da pedagogia, para que possam intervir nos processos dereorganização curricular com maior compreensão e maior capacidade deintervenção, tendo em vista a complexidade de tais processos.

Na realidade, é preciso promover um diálogo sistemático quepermita responder, de forma fundamentada, às estratégias estruturais emetodológicas e diferentes alternativas que viabilizem a implementaçãodessa nova estrutura curricular para o ensino médio, permitindo umimpacto sistêmico, em todas as instâncias envolvidas.

Nesse quadro de preocupações, a carreira docente deverá merecero melhor das atenções, pois nenhuma reforma da educação avança semque o professor se sinta sujeito das mudanças pretendidas.

Muitos desses desafios e preocupações estão sendo enfrentados peloPrograma de Reforma e Expansão do Ensino Médio no Brasil � com o apoio da

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UNESCO e do Banco Interamericano de Desenvolvimento � cujo objetivoé garantir ao educando a preparação básica para o trabalho e o exercícioda cidadania, bem como assegurar os conhecimentos e instrumentosbásicos para continuar aprendendo ao longo de sua vida, condiçãoimportante para o exercício pleno da participação social.

Assim sendo, a Representação da UNESCO no Brasil espera, comeste Seminário, ampliar os espaços de discussão sobre o ensino médio,de forma a gerar subsídios para o aperfeiçoamento das políticas que estãoem curso no âmbito da União e dos estados, com vistas à implementação,no País, da reforma desse importante nível de ensino. Para tanto, torna-senecessário articular todos os atores envolvidos direta e indiretamentenesse processo, para, juntos, construirmos o melhor caminho que nosleve a vencer os desafios do presente e a oferecer à nossa juventude umaeducação que credencie os jovens a enfrentar a vida com otimismo eesperanças concretas, pois, como abertamente proclama o Marco de Açãode Dacar da UNESCO:

�A todos os jovens e adultos deve ser dada a oportunidade de obter conhecimentoe desenvolver valores, atitudes e habilidades que lhes possibilitem desenvolver suascapacidades para o trabalho, para participar plenamente de sua sociedade, para detero controle de sua própria vida e para continuar aprendendo. Não se pode esperar quepaís algum se desenvolva como economia moderna e aberta sem ter certa proporção desua força de trabalho com educação secundária completa�.

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Escolas Internacionais de Avaliação1

Permitam-me, em primeiro lugar, dar-lhes as boas-vindas a estasegunda Escola Internacional de Avaliação Educacional, resultado do esforçoconjunto da UNESCO, da Universidade de Brasília e do Serviço Socialda Indústria � SESI, todas entidades unidas por antigos laços de amizadee atuação conjunta, em várias outras áreas.

Não é casual que nos reunamos novamente, agora sob a temática daAvaliação Educacional. Desde a década de 90 até nossos dias, as realidadesinternacional, latino-americana e brasileira têm sido pródigas em fazerememergir sistemas internacionais, nacionais, regionais ou locais de avaliaçãoda qualidade educacional.

Em nosso continente, a partir das experiências pioneiras do Sistema deMedición de la Calidad de la Educación � SIMCE, do Chile, iniciadas no ano de1982, e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica � SAEB, doBrasil, entre os anos de 1988 a 1990, contabilizamos, hoje, mais de 20 paíseslatino-americanos incorporados neste esforço de desenvolver ou consolidarseus sistemas nacionais de avaliação educacional. A UNESCO também nãofoi alheia a este esforço. Por meio de seu Escritório Regional de Educação paraAmérica Latina e o Caribe � OREALC �, foi co-partícipe dessas iniciativas.

No Brasil, esse percurso recente da avaliação também avançou apassos largos. Desde a implantação do SAEB, pelo Ministério da Educação,

1 Pronunciamento por ocasião da 2ª Escola Internacional de Avaliação Educacional: AnáliseComparada de Sistemas de Avaliação, Brasília, 06 mai. 2002.

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nos anos de 1988/90, diversas iniciativas estaduais e municipais têmalimentado essa significativa evolução. Às experiências pioneiras dosEstados de Minas Gerais e Ceará, no início da década de 90, têm-sesomado, até hoje, pelo menos mais doze Unidades Federadas e umsignificativo número de Municípios.

Todo esse movimento internacional e nacional apóia-se em algumaspremissas básicas, relativamente consensuais, tanto nos meios acadêmicosquanto nas próprias estruturas de gestão educacional.

Por um lado, os novos desafios da economia e da mundialização dasatividades humanas repercutiram fortemente, com suas novas demandas,no campo educacional. Por outro, muitos países, na década de 90,conseguiram vencer, ou, ao menos, avançar a passos largos, em um dosdesafios impostos pela Conferência de Jomtien: o desafio dauniversalização da educação fundamental. Para este significativo grupode países, emergiu um novo desafio: o da qualidade e o da eqüidadeeducacional.

Não menos importante que esses fatores é a própria natureza daatividade educacional, relativamente �opaca� nos seus resultados quandocomparada com outras áreas sociais, onde é possível ver, de forma maisimediata e simples, os resultados de nossa atividade. O fato de criançasestarem ou não aprendendo, em nossas escolas, o que se espera queaprendam não é facilmente percebido pela sociedade ou pelas própriasfamílias.

Esse conjunto de fatos, junto a outros, explica essa eclosão, nomundo todo, de sistemas de avaliação educacional que giram, na maiorparte dos casos, sempre em torno do eixo da melhoria da qualidadeeducacional.

Não obstante esses consensos, as características concretas queassume, em cada país ou em cada estado, o sistema de avaliação, parecemdepender bem mais das capacidades técnicas e das decisões políticas locais

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do que de grandes consensos. Assim, capacidades técnicas e decisõespolíticas convertem-se, atualmente, no eixo das características queassumem nossos ainda incipientes sistemas de avaliação.

E são esses dois eixos � aprofundar as competências técnicas eclarificar os sentidos das decisões políticas � que fundamentaram, paranós, a organização das Escolas Internacionais de Avaliação Educacional já em suasegunda versão. A de hoje, com o enorme peso da contribuição de nossocompetente colega e amigo Alejandro Tiana.

Mas esses eixos fundamentam, também, um segundo instrumentode cooperação permanente que hoje estamos assinando com aUniversidade de Brasília. Com esse instrumento, temos a intenção deinstitucionalizar, permanentemente, diversos mecanismos de apoio àexpansão e ao aprofundamento das atividades de avaliação educacionalno País.

Sinceramente, espero que tirem o máximo proveito desta Escola,e, mais do que isso, tenham condições de reverter esses saberes namelhoria de nossas práticas e políticas educacionais.

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A Educação Infantil como Política de Melhoria daQualidade do Ensino1

É uma grande satisfação para a UNESCO estar participando, comoorganizadora e colaboradora, deste Simpósio que se realiza durante aSemana UNESCO de Educação para Todos e que trata de um assuntoextremamente atual e relevante: a educação das crianças de 0 a 6 anosno Brasil.

A parceria formada entre a UNESCO, a Comissão de Educação doSenado Federal, a Comissão de Educação da Câmara Federal, o SeviçoSocial da Indústria � Sesi, o Movimento Interfóruns de Educação Infantilno Brasil e a Universidade de Brasília, contando ainda com o apoio doMinistério da Educação, do Conselho Nacional de Secretários Estaduaisde Educação � Consed, da União dos Dirigentes Municipais de Educação� Undime, do Fundo das Nações Unidas para a Infância � Unicef e daFundação Orsa, constitui um exemplo de como um somatório de esforçose de energias pode viabilizar uma realização de grande alcance social.

O Simpósio Educação Infantil: Construindo o Presente coincide com ummomento de crescente consciência nacional em prol de uma educação dequalidade. Seguramente, o acesso dos segmentos mais pobres da populaçãobrasileira à educação infantil poderá se converter em estratégia de grandealcance para a melhoria da qualidade da educação brasileira.

1 Pronunciamento por ocasião da abertura do Simpósio Educação Infantil: Construindo oPresente, Brasília, 23 abr. 2002.

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O foco de trabalho da UNESCO, com relação aos programaseducacionais, tem sido acompanhar e promover a implementação das seismetas de Educação para Todos, firmadas no Fórum Mundial de Educação para Todos,realizado no ano de 2000, em Dacar, no Senegal. A primeira meta doMarco de Ação de Dacar é �a expansão e o aprimoramento da educação ecuidados na primeira infância, especialmente para as crianças maisvulneráveis e desfavorecidas�.

Temos pela frente um grande desafio, pois:

• Segundo dados do IBGE-PNAD, de 1999, 42% das criançasmenores de 6 anos, no Brasil, vivem em famílias cuja renda éinferior a meio salário mínimo per capita, ou seja, vivem em situaçãode pobreza;

• A ciência, por sua vez, está mostrando que o período que vai dagestação até o sexto ano de vida é o mais importante napreparação das bases das competências e habilidades. É nodecorrer destes primeiros anos de vida que a criança aprende aaprender, aprende a fazer, a conviver e a ser;

• Estudo realizado pelo IPEA mostra que cada ano de freqüênciana pré-escola aumenta em 0,4 anos a escolaridade atingida;diminui, entre 3% a 5%, o nível de repetência e equivale a umaumento de renda, no futuro, de 6%. Sendo que são as criançaspobres as que mais se beneficiam deste atendimento.

Dessa forma, a educação infantil � direito constitucional das criançasbrasileiras, desde o nascimento � também se constitui em uma estratégiaeficiente no rompimento do ciclo intergeracional da pobreza.

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)lançou no ano passado um estudo temático denominado �Educação e Cuidadona Primeira Infância � grandes desafios�. Trata-se de uma comparação entre aspolíticas praticadas em doze países desenvolvidos. Estaremos lançando

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

hoje, às 18 horas, esta publicação em português, possível graças à parceriaentre a UNESCO, a OCDE e o Ministério da Saúde. Aproveito aoportunidade para convidá-los para este lançamento.

Temos, agora, o conhecimento, a oportunidade e a obrigação detrabalharmos árdua e criativamente para a criação de �oportunidadesjustas� para todas as crianças brasileiras, do nascimento à entrada na escolae do meio restrito da família para o mundo exterior. Pois como diz opoeta Mário Quintana: �Democracia? É dar a todos o mesmo ponto departida...�

Finalmente, coube-me aproveitar esta oportunidade para lançar oPrêmio de Incentivo à Prevenção das DST e AIDS e ao Uso Indevido de Drogas nas Escolas.Esse prêmio é uma iniciativa da UNESCO e do Programa das Nações Unidaspara o Controle Internacional de Droga � UNDCP. A Oficial Encarregada, CíntiaFreitas, está aqui conosco. Da Coordenação Nacional de AIDS, do Ministérioda Saúde, conto aqui com a presença de Raldo Bonifácio, CoordenadorAdjunto. Além de Telva Barros, do Programa Conjunto das Nações Unidas sobreHIV/AIDS � UNAIDS que também apóia a realização deste Prêmio. Seuobjetivo é enfatizar ações educativas e de prevenção com o propósito detransformar a realidade da manifestação da epidemia de HIV e do usoindevido de drogas, reduzindo o risco de infecção e agregando grandesmelhorias na qualidade de vida dos jovens. Já em sua terceira edição, oPrêmio pretende destacar instituições de ensino que desenvolvem açõesnas áreas de DST, AIDS e drogas. As informações completas já estãodisponíveis na Internet, nos s i tes da UNESCO, da UNDCP e daCoordenação Nacional de AIDS.

Contamos com a participação de todos vocês.

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Prêmio NOMA de Alfabetização1

O conceito de analfabetismo tem evoluído rapidamente, de formadinâmica e complexa, nos últimos anos. Daí a questão: como definiranalfabetismo no momento atual? É evidente que a definição de �pessoaanalfabeta� deve, nos nossos dias, ser profundamente repensada. Ela deveter cada vez mais em conta uma concepção ampla da realidade e devepoder incorporar a cultura pessoal do individuo, fator essencial noprocesso de educação.

Dentro dessa preocupação, a Conferencia Mundial de Educação para Todos,de 1990, influenciou, marcantemente, a definição de �alfabetismo�,alargando seu âmbito para a discussão do que seriam as necessidades (oucompetências) básicas de aprendizagem que incluem, não apenas o domínioda escrita, da leitura e da aritmética, mas também conhecimentos ligadosa habilidades para solucionar problemas.

Esta definição reforça, assim, a referência a várias modalidades deeducação � formal, não-formal e informal � ponderando sobre suaimportância relativa. É sabido que as modalidades não-formais e informais,que envolvem competências adquiridas ao longo da vida, conhecimentosprévios e experiências pessoais em diversos contextos informais deaprendizagem podem, em muitos contextos sobrepor-se, com sucesso, àsmodalidades formais de educação.

1 Pronunciamento por ocasião da comemoração do Prêmio Alfabetização NOMA, atribuído aoInstituo Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário � IBEAC, São Paulo, 11 dez. 2001.

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É, também, patente o caráter permanente da educação de jovens eadultos encarada como uma modalidade do sistema educativo. Ou seja, aeducação de jovens e adultos não pode ser vista como uma educaçãocompensatória e de retificação que atenda a problemas residuais, nãomerecendo, portanto, a atenção que lhe é devida no percurso escolar ena distribuição de recursos.

O atendimento a pessoas jovens e adultas inclui também jovens�empurrados� para fora do sistema educativo, ou que não chegaram a teracesso a ele, ambas questões significativas para elaboração de programaseducativos. A adoção de estratégias pedagógicas e metodologiasorientadas para a otimização da comunicação pressupõem, nessa linha, aformação e a capacitação específica de pessoal docente.

Fator importante, nesta década, tem sido a crescente participaçãode Municípios e Organizações Não-Governamentais na promoção daeducação de jovens e adultos, possibilitando um volume considerável deinovações nessa área com a integração de numerosos temas da atualidade,tais como:

• a educação para os direitos humanos, a paz, os valores, ademocracia;

• a educação para melhorar a qualidade de vida, a proteção domeio ambiente e o desenvolvimento sustentável;

• a educação para uso das novas tecnologias de comunicação.

Por força dessa crescente participação, persiste a preocupação demelhoria da institucionalizacão da educação de jovens e adultos. Estapassa pelo reforço da coordenação entre o governamental e o não-governamental, pela criação de redes de instituições de educação e,sobretudo, pelo desenvolvimento de sistemas de credenciamento ehomologação de conhecimentos, cada vez mais urgentes.

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Desde sua criação, em 1946, a UNESCO manifestou grande interessepela educação de jovens e adultos, área que, desde então, tem constituídoprioridade absoluta para a Organização. Foi assim que, no propósito de,por um lado, fazer frente aos desafios com que se confrontam os Governose Organizações Não Governamentais no âmbito da educação de jovens eadultos e, por outro, de analisar as tendências e preocupações mundiais,a UNESCO criou e tem mantido prêmios mundiais atribuídos por júrisinternacionais, semelhantes ao Prêmio NOMA, que nos reúne aqui, hoje.

O Premio NOMA de Alfabetização, criado em 1980, contribui paraa intensificação da luta pela alfabetização de adultos, vista como parteimportante da educação ao longo da vida e recompensa, anualmente,instituições, organizações ou indivíduos que tenham se destacado portrabalho meritório e eficaz, em alfabetização. Das vinte e sete indicaçõesa este Prêmio, submetidas em 2001 por governos e Organizações Não-Governamentais, o júri internacional, reunido em Paris, decidiu porunanimidade premiar o Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário � IBEAC,pelos trabalhos desenvolvidos no Estado de São Paulo.

Em primeiro lugar, o IBEAC é premiado por ter conduzido extensotrabalho de educação de jovens e adultos no Estado, com o envolvimentoda sociedade civil, setores público e privado e empresas filantrópicas emprojetos que introduziram um movimento nacional, pela promoção deníveis mais elevados de qualidade de vida, educação e cultura para pessoasmarginalizadas nas comunidades locais. Para tal, criou localmente osConselhos Comunitários de Educação, Cultura e Apoio Social ,assegurando programas de alfabetização para todos os grupos de idade.

Em segundo lugar, por ter desenvolvido materiais criativos,diversificados e práticos para a condução dos programas de alfabetização,utilizando a mídia para sua publicidade.

E, em terceiro lugar, por ter tornado acessível aos participantes,em particular os jovens, níveis de domínio de alfabetização e outros

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conhecimentos, possibilitando o retorno ao sistema formal de ensino paracompletar os estudos.

O IBEAC tornou, assim, possível a inclusão social de gruposmarginalizados da sociedade, por meio de atividades conseqüentes eadequadas às prioridades da UNESCO.

Na realidade, a ação da UNESCO, nos próximos anos, será marcadapor duas preocupações fundamentais: trabalhar em prol da educação paratodos, de acordo com os compromissos coletivos aprovados no FórumMundial de Dakar, em abril de 2000 e, a pedido da Assembléia Geral das NaçõesUnidas, preparar o Quadro de Ação para dar um novo ímpeto a todas asiniciativas em prol da alfabetização para todos.

Esse quadro de ação deve partir das necessidades básicas deaprendizagem de jovens, adultos e crianças e utilizar metodologiasdiferenciadas de alfabetização, sendo esta encarada como um processocultural que diz respeito à própria sobrevivência dos povos.

A luta contra o analfabetismo deve estar ligada, de maneira direta,concreta e prática a todas as outras lutas. Em particular, a programas decombate à pobreza, mas, também, à proteção do meio ambiente, à lutacontra o trabalho infantil, à prevenção do HIV/AIDS e outras DST.

Qualquer espaço deve ser visto como �espaço educativo�. Qualquerespaço deve fazer parte do processo de criação de ambientes favoráveisà consolidação de redes de comunicação, informação e de documentaçãoque acrescentam valor à vida de todos e cada um. Os conteúdos deverãoser flexíveis e participativos, além de centrados nas necessidades dos queaprendem, em especial as necessidades dos jovens, meninos e meninasem idade escolar.

É bem sabido que os processos de alfabetização estãointrinsecamente ligados, por um lado, às possibilidades oferecidas devalorização pessoal, em qualquer área de interesse e, por outro, à liberdade

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de escolha dessas possibilidades. A preservação dessas possibilidades eda liberdade de escolha, partes integrantes da dignidade humana,continuará sendo a luta principal da UNESCO, dentro de suas prioridadesmais prementes.

Quero, portanto, manifestar minha gratidão e admiração profundasao conjunto dos profissionais que se entregam com ardor, muitas vezesem condições difíceis, à tarefa de propagar os benefícios da alfabetização.A ação desses profissionais é uma fonte inesgotável de enriquecimentohumano e espiritual para este nosso mundo tão conturbado.

Retomando o que eu dizia acima, temos ocasião, hoje, dehomenagear um desses grupos de profissionais cujo trabalho emalfabetização foi considerado excepcional. Refiro-me ao Instituto Brasileirode Estudos e Apoio Comunitário, o IBEAC, vencedor do Premio NOMA 2001,pela ação desenvolvida e pelo notável sucesso alcançado nessa ação. Omérito não é em nada diminuído se, ao homenagear o IBEAC, saudarmostambém todos os atores � e são muitos no Brasil � que se esforçam paracriar um mundo alfabetizado.

Esta é uma luta de todos e deve ser reconhecida por todos. Parabéns,pois, ao Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário.

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Educação e Exclusão Social1

A UNESCO mais uma vez sente-se honrada em apoiar epart ic ipar da 2ª Conf e r ênc ia Nac iona l de Educação , Cul tura e Despor topromovida pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto daCâmara dos Deputados.

Ela vem ao encontro de uma luta histórica da UNESCO junto aosgovernantes e à sociedade civil no sentido de incorporar, nas políticaspúblicas, objetivos e metas em prol da democratização da educação, daciência, da cultura e dos desportos.

Para atingir esse objetivo, o Parlamento ocupa uma posiçãoestratégica. A discussão e a aprovação, no plano legislativo, de mecanismosde governabilidade que venham a assegurar o direito de todos aopatrimônio de conhecimentos produzidos pela humanidade constituemum dos caminhos mais seguros para converter em ações concretasaspirações populares legítimas em favor da dignidade humana.

O tema central desta 2ª Conferência � Exclusão Social � é dos maisurgentes. A exclusão social está colocando em risco a luta pelauniversalização da cidadania. Metade da população latino-americana viveem situação de pobreza e mais de 1 bilhão e 200 milhões de habitantesdo planeta subsistem com menos de 1 dólar por dia.

1 Pronunciamento por ocasião da 2a Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto.Brasília, 20 nov. 2001.

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Estou convencido de que o Brasil tem condições de vencer suapobreza. Há muitas condições favoráveis e, sobretudo, há uma novavontade do Poder Executivo, do Legislativo e da sociedade civil.

Assim sendo, a UNESCO coloca-se como parceira do esforço daCâmara dos Deputados para repensar a escola no contexto de uma políticade inclusão social, com a esperança de que surjam nesta Conferência asrecomendações relevantes e viáveis que conduzam ao fortalecimento econsolidação das políticas do setor.

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A UNESCO e o CONSED1

Ao instante em que o Conselho Nacional de Secretários Estaduaisde Educação � CONSED comemora o seu 15º aniversário, a UNESCOnão poderia deixar de prestar publicamente sua homenagem a uma entidadecuja trajetória tem sido marcada por uma incessante luta em prol daeducação para todos.

Em diversas oportunidades, e até mesmo em artigos e trabalhospublicados, sempre coloquei a criação e a atuação do CONSED comoum dos fatos importantes da política educacional brasileira dos últimosanos. Sem dúvida, a atuação do CONSED como Fórum privilegiado paraa discussão de políticas de educação tem dado uma contribuição ímparao fortalecimento do federalismo educacional.

Quanto mais as Unidades Federadas se fortalecerem em matéria depolíticas de educação, tanto mais adequadas estas serão. Sob essa ótica,o CONSED tem conseguido se destacar e adquirir credibilidade junto àopinião pública nacional, em sua condição de interlocutor legítimo daspolíticas estaduais de educação.

Estou seguro de que deve ser creditado ao CONSED muitos dosavanços que foram alcançados pela política educacional brasileira. OCONSED sempre se mostrou aberto ao diálogo e às perspectivas inovadorasda educação, postura que tem sido fundamental para o futuro da educação.

1 Pronunciamento por ocasião da III Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Educação.Sessão Solene de Abertura em Comemoração dos 15 anos do CONSED. Belém, 15 set. 2001.

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Assim sendo, em seus quinze anos de profícua e relevante existência,quero deixar o reconhecimento da UNESCO na luta que o CONSEDtem travado em prol do ideal de educação de qualidade para todos queela defende em todo o mundo, como condição fundamental ao processoem marcha de universalização da cidadania.

Por último, aproveito para ressaltar que a cooperação entre oCONSED e a UNESCO, que já ocorre em diversos projetos, possui umaenorme potencialidade para se ampliar. As teses que a UNESCO defendesão teses aprovadas pelos Estados-Membros da Organização, pois apontamem direção a uma escola concebida como centro de formação de cidadãos.

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Escola, Trânsito e Cidadania1

Para a UNESCO, estar presente nesta solenidade constitui umaalegria ímpar, pois trata-se de dar continuidade a uma parceria com oDepartamento Nacional de Trânsito � DENATRAN, que visa aodesenvolvimento de valores e atitudes em prol de um trânsito mais humanoe cidadão.

Há muito sentimos a falta de uma concepção de trânsito maisabrangente, que possa ser visto como espaço público de convivência humana.

Os princípios dessa concepção de trânsito, adotados pelo ProjetoRumo à Escola, inserem-se plenamente no mandato da UNESCO. Insistosempre em dizer que a UNESCO é uma Instituição essencialmentepreocupada com a valorização da vida e com a dignidade humana.

Para que isso seja possível, torna-se necessário fortalecer o processoeducativo desde a pré-escola e assegurar sua continuidade em toda atrajetória escolar.

É oportuno ressaltar que um dos pontos altos que norteia a políticado DENATRAN em matéria de educação para o trânsito é a sua dimensãopreventiva. Daí a importância de ações no âmbito escolar.

Estou certo de que o investimento em ações preventivas representauma das melhores alternativas para se instaurar uma nova cultura na área.

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento do Projeto Rumo a Escola (UNESCO/Ministérioda Justiça/DENATRAN). Brasília, 23 ago. 2001.

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Essa ação continuada e sistemática garantirá a formação de uma novaconsciência no sentido de ver o trânsito em seus aspectos de interação ede cidadania.

A experiência de parceria e cooperação técnica entre a UNESCOe o DENATRAN, apesar de recente, já apresenta resultados animadores.Ainda há pouco recebi correspondência do Diretor do Departamento deEnsino Fundamental da UNESCO, em Paris, felicitando esse tipo decooperação que é inédita na história da Organização.

Estou seguro de que a adesão dos DEPARTAMENTOS DETRÂNSITO � DETRAN a esse projeto, envolvendo inicialmente quinzeUnidades Federadas, representa mais um passo importante rumo a umanova postura.

Quero dizer, por último, que as idéias presentes nesse Projetosituam-se entre aquelas que estão na ordem do dia em razão da perspectivaque anima a todos nós: de construir um século XXI mais humano e maissolidário.

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Visão Renovada da Alfabetização1

A sociedade em que vivemos é muito mais exigente do que a dosnossos antepassados em termos da criação e do uso dos conhecimentos,como também dos valores necessários à convivência social.

Enquanto, há alguns séculos, na Europa medieval, os vitrais coloridosdas catedrais eram algumas das escassas expressões imagísticas da cultura,hoje, vivemos em meio a um torvelinho de imagens, sons, textos,hipertextos, difundidos por intermédio dos mais variados meios. Ainformática chegou aos mais modestos caixas de lojas do interior, passandopelos cartões magnéticos da Previdência Social, do Programa Bolsa Escola,pelos terminais bancários e pelas urnas eletrônicas de votação.

Ao mesmo tempo em que o cidadão comum precisa ter acesso atodos esses meios � que se multiplicam a cada dia � o letramento básicoainda falta a muitos milhões de pessoas em todo o mundo e no Brasil:sendo analfabetas, ainda têm dificuldades de responder a perguntas básicas,tais como: �Que ônibus é este?�, �Para onde vai?�, �Qual o nome destarua?�, �O troco está certo?�, �O que diz o cartaz à entrada da repartiçãopública?�, �Que remédio é este e como tomá-lo?� Olhar e não ver, ouvire não entender, querer fazer e depender dos outros, estejam disponíveisou não, são algumas facetas do drama de uma parte da humanidade, semconvivência tanto com a cartilha quanto com o computador.

É tão grande a complexidade da vida contemporânea que uma visãorenovada da Alfabetização para Todos acabou sendo gerada. Passou-se a encarar

1 Pronunciamento por ocasião do IV Encontro de Educação de Jovens e Adultos � ENEJA, BeloHorizonte, 21 ago. 2001.

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o analfabetismo como um fenômeno estrutural e de responsabilidade social.Por essa visão, não tem mais sentido metas de �erradicar o analfabetismo�ou de �reduzir as taxas de analfabetismo� e, sim, criar ambientes esociedades letrados, em que o domínio das diversas linguagens, inclusivea do computador, se cultive e se reforce pelo contexto em que sãoutilizadas. Em tempos anteriores, a alfabetização infantil e a alfabetizaçãode jovens e adultos eram vistas e desenvolvidas como campos separados,não raro a última como alternativa remediadora e de segunda classe. Hoje,ambas são articuladas segundo um marco e uma estratégia integrados depolítica. Antes, a alfabetização estava ligada a um período determinadoda vida de uma pessoa, ao passo que hoje ela é entendida como umprocesso de aprendizagem que dura toda a sua existência e se aperfeiçoaao longo dela. Entrelaça-se, assim, a educação regular com a educaçãocontinuada. Isso ocorre, em grande parte, porque anteriormente aalfabetização estava associada apenas à linguagem escrita e aos meiosimpressos. Hoje, ela é compreendida como o desenvolvimento daexpressão e comunicação oral e escrita, com uma visão da linguagem comototalidade, envolvendo falar, escutar, ler, escrever.

Mais do que isso, inclui não só o lápis e o papel, mas os instrumentosmodernos existentes (teclados de computadores e tecnologias digitais,entre outros) e aqueles que vierem a ser inventados.

Alfabetização tem a ver com representação multimodal delinguagens e idéias, por meio do texto, da figura, da imagem emmovimento, em papel, em meio eletrônico e assim por diante. Ou seja,inclui a capacidade de continuar aprendendo. Por isso mesmo, precisa serda responsabilidade entre o Estado e a sociedade civil.

Como conseqüência, hoje, o indicador pertinente mais simples éaquele em que o cidadão se declara ser ou não alfabetizado. Como associedades se tornaram mais exigentes, o iletrismo e a alfabetizaçãofuncional podem ser conceituados. No primeiro caso, a alfabetização nãoé utilizada de maneira ativa e/ou significativa. No segundo, as competências

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são escassas, não-efetivas e insuficientes para as necessidades cotidianasde uma sociedade letrada. Por isso mesmo, a Declaração Mundial sobre Educaçãopara Todos, em Jomtien, na Tailândia, em 1990, estabeleceu uma visãoampliada da educação básica, atendendo às necessidades essenciais daaprendizagem de todos.

Com efeito, na década passada, a matrícula em educaçãofundamental, no mundo, cresceu em cerca de 82 milhões de meninos emeninas e os países em desenvolvimento, em seu conjunto, alcançaramtaxa média de matrícula igual a 80 por cento. No entanto, as seis metasde Educação para Todos, pactuadas para o ano 2000, não foram atingidas.Como afirma a Avaliação 2000, não se prestou atenção suficiente às áreasdo desenvolvimento infantil e educação inicial e da educação de jovens eadultos. Como resultado, o índice global de alfabetização de adultossubiu a 85 % para os homens e a 74 % para as mulheres, o que está distanteda meta de reduzir a taxa de analfabetismo adulto à metade da verificadaem 1990. O mundo conta, atualmente, segundo as estimativas, com 875milhões de jovens e adultos analfabetos e com 113 milhões de meninos emeninas fora da escola que, em breve, poderão ser jovens e adultosanalfabetos, aumentando aquele valor.

Esta situação mundial, da qual o Brasil partilha, com os seuscontrastes regionais e sociais, levou a Assembléia Geral das Nações Unidas, emdezembro de 1999, a adotar uma Resolução com o objetivo de proclamar aDécada da Alfabetização das Nações Unidas. Começando este ano, não é umacréscimo aos compromissos internacionais estabelecidos pelos PaísesMembros. Ao contrário, permanece em vigor o que foi fixado pelo FórumMundial da Educação, em Dacar, no Senegal.

Ocorre, porém, que a alfabetização, pelo visto acima, é amplamenteconcebida como conhecimentos e habilidades básicos necessários a ummundo em mudança, projetando-se na educação ao longo da vida. Pelasua importância, as Nações Unidas fixaram essa Década como um meiode chamar a atenção para processos e metas de suma importância.

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Não se trata de um mero exercício, de um documento a mais e, sim,de um evento destinado a mobilizar esforços no sentido de que o mundo,em 2015, conforme a Declaração de Dacar, apresente-se com uma facebastante diferente. No Brasil, nunca é demais relembrar que os compromissosde Dacar estão consubstanciados no Plano Nacional de Educação, de duraçãodecenal, traduzidos, aos níveis estadual e municipal, pelos respectivos planosde educação. Esses documentos devem constituir letras vivas, orientadorasdas ações articuladas em cada nível administrativo e na articulação entre asOrganizações Governamentais e as da sociedade civil.

Do mesmo modo que a alfabetização é o núcleo da educação básicapara todos, ela se situa no próprio coração das finalidades da UNESCO,da sua estrutura organizacional e das suas estratégias educacionais.Sintonizada com os anseios do momento histórico, a UNESCO instituiuo dia 8 de setembro como o Dia Internacional da Alfabetização. É esse dia oponto de partida para a Década das Nações Unidas para a Alfabetização.

Por isso, tendo em mente a cegueira de quem não teve acesso aesse direito humano fundamental, esta Instituição convida a todos paraque este seja um dia não de angústia e desesperança, mas de união domelhor dos nossos esforços, em favor de um futuro melhor. Vamos todosfazer a nossa parte, para, utilizando palavras do Diretor Geral KoichiroMatsuura, abrir portas e janelas, oferecer luz e espaço, assim como vencerfronteiras. Como ele mesmo lembra, a alfabetização é inseparável daoportunidade e a oportunidade é inseparável da liberdade.

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Cultura:Patrimônio e diversidade

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A Literatura no Diálogo entre Culturas1

Há dois anos, quando solicitei a Violeta Weinschelbaum para pensarum livro que reunisse contos e ficções breves de escritores brasileiros eargentinos, passava em minha mente a idéia de que a UNESCO poderiadar uma contribuição significativa ao diálogo cultural, no âmbito doMercosul.

O Mercosul surgiu sob a égide das necessidades de integraçãoeconômica e, por isso mesmo, sua evolução tem sofrido as oscilaçõespróprias do quadro de instabilidades e incertezas que dominam o cenárioda economia globalizada. Todavia, entre as nações latino-americanas,independentemente das demandas de ordem econômica que devemaproximá-las e integrá-las, existem laços mais profundos, de naturezacivilizatória que devem ser pesquisados e postos em debate com o objetivode aprofundar o entendimento dos pontos em comum, como também dasdiferenças e da diversidade cultural que as caracterizam.

Como diz o Relatório sobre Cultura e Desenvolvimento da UNESCO,nenhuma cultura constitui uma entidade hermeticamente fechada. Todasas culturas influenciam outras e são por elas influenciadas. Criar condiçõespara o diálogo entre as culturas representa, nos tempos atuais, umacondição indispensável para a conquista da paz e para o fortalecimentoda dimensão planetária da existência.

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento do livro �Vinte ficções breves: antologia decontos brasileiros e argentinos�, Rio de Janeiro, 19 mai. 2003.

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Violeta Weinschelbaum foi muito feliz na escolha dos autores e dasficções que compõem o livro. A antologia de contos organizada por ela,tendo por eixos orientadores os direitos humanos e o combate às violênciase discriminações que, lamentavelmente, continuam a vitimar pessoas inocentes,mostra como a literatura participa do debate contemporâneo e pode ajudara encontrar novas alternativas para o futuro das sociedades. A literatura deficção tem o mérito de mostrar realidades que escapam até mesmo às análiseseconômicas e sociológicas mais sofisticadas.

Certamente, no dia em que as políticas de planejamento de umpaís ou de uma região levarem em conta as contribuições da literatura,seguramente teremos uma visão mais humana da economia e muitosequívocos poderão ser evitados.

Assim sendo, o diálogo entre escritores brasileiros e argentinos, cujarelevância cultural torna-se desnecessário sublinhar e enfatizar, insere-seno marco das ações da UNESCO na região, com o objetivo de fazer avançara integração no âmbito do Mercosul por intermédio de fatores não-econômicos, tais como a literatura. Estou seguro de que esta linha depensamento poderá ampliar e dar mais sentido ao Bloco. Além do mais,nunca se pode perder de vista que o estudo da literatura e das línguas doMercosul poderá também contribuir e facilitar a integração econômica.

Se a lógica dos mercados deve ser ampliada, deve ser também alógica da cultura. É preciso, como diz Morosini, desenvolver uma culturada integração, com a lucidez de que integração não é pasteurização e nãoimplica nenhum tipo de colonialismo interpaíses. Implica, sobretudo,respeito às características das nações e rearticulação das relações existentes.Começa-se a se formar uma nova consciência Brasil, Argentina, Paraguai eUruguai. Esta cultura da integração é primordial para o sucesso do Mercosul2.

2 MOROSINI, M. Mercosul: desafios sociolingüísticos da integração. Educação Brasileira, Brasília:CRUB, n. 38, 2001. p.45.

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E quando se fala em integração, não posso deixar de ressaltar tambéma integração educacional. Aliás, numa visão mais ampla, a educação fazparte do projeto cultural. Numa perspectiva de tempo, o processoeducativo é essencial para a construção de uma cultura da integração. Ascrianças e os jovens precisam participar cada vez mais do processo deintegração. Sob esse aspecto, a literatura pode representar um iníciomarcante na medida em que escritores, como os que foram incluídos naantologia Vinte Ficções Breves, sejam aproveitados, por exemplo, nos livrosdidáticos da educação básica, proporcionando aos alunos a oportunidadede penetrar no imaginário das culturas que estão tão próximas e que sãotão importantes para a formação de uma visão continental do mundo queestamos vivendo.

Para encerrar, quero ressaltar, ainda, que o diálogo que a UNESCOinicia hoje entre escritores argentinos e brasileiros deverá ter continuidadee desdobramentos. A UNESCO vem mantendo sucessivos entendimentoscom os Ministros da Educação e da Cultura do Brasil e com diversasoutras autoridades dos países do Mercosul com o objetivo de ampliaresse diálogo e criar mecanismos que possam induzir e suscitar diferentesformas de cooperação entre as diversas instituições e atores que compõemo mosaico criador do Mercosul.

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Por uma Visão Política da Cultura1

O poeta espanhol Gabriel Celaya quando defendia que �a poesia éuma arma e tem que tomar partido até manchar-se� por certo argumentavaque a cultura, entendida, no caso, como produção do belo, de expressãode desejos, linguagem dos sentidos, tinha chão no seu tempo � o fascismo�, e que poderia contribuir para combatê-lo, disparando ideais,mobilizando vontades, minando indiferença e exultando os combatentes.Mas seria simplista assumir que, para o poeta, a metáfora semetamorfoseasse na referência, e que poesia e guerra se confundissem ouque a poesia se reduzisse a apêndice de uma causa, perdendo sua linguagemprópria, a intimidade com angústias existenciais.

No �Relatório da Comissão Mundial de Cultura eDesenvolvimento�, promovido pela UNESCO, sai-se do campo de debatesobre o que é ou não cultura, deixa-se de lado a questão de hierarquias naprodução cultural, se alta ou baixa cultura, e se ela seria um fim em si,separada da economia política ou a essa subordinada. Nesse documento,divisor de águas, que se tornou conhecido como Relatório Perez deCuellar, publicado em 1999, reflete-se sobre a diversidade de sentidos, amultiplicidade de formatações, sendo a cultura debatida porpossibilidades, isto é, como instrumental para o desenvolvimento, aexpressão de medos, fantasias, desejos, formas de ser e sentir. Não semesclariam, portanto, avaliações sobre produções culturais com suas

1 Artigo publicado nos jornais: �Correio Braziliense�, DF, em 28/05/2003; �Cultura e Mercado�,disponível em <http://culturaemercado.terra.com.br/>, em 29/06/2003.

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finalidades coletivas e sociais, mas se reconheceria sua potencialidadepara o reencantamento do mundo, a construção de uma cultura de paz, oexercício da liberdade criativa em favor de coletividades, projetos decivilização antagônicos a violências.

Como produção humana, a cultura não escaparia de ser parte deum projeto de civilização, principalmente quando tal projeto se impõeem um mundo de violências. Por outro lado, tanto na produção como nasua formatação como bem cultural, o mercado imprime limites, legitimaartistas e colabora para o aborto de talentos. Neste caso, somente haveriademarcações de classe no acesso a bens culturais e ocorreria a construçãode um imaginário social que consideraria algumas expressões culturaiscomo algo de elites, o que teria raízes históricas e seria legitimado poruma educação diferenciada quanto a hábitos, por exemplo, de ida abibliotecas. Centros culturais e teatros seriam atividades que não fariamparte do horizonte cultural oferecido aos pobres, ou de sua socializaçãocultural.

Essas reflexões vêm a propósito de uma nova fase que o Brasil começaa viver com esperanças que se reacendem na perspectiva de um doscompromissos mais importantes dos países-membros da UNESCO, que éo de cultura para todos. Declaração recente do Ministro Gilberto Gil aojornal La Nación sinaliza em direção a uma política cultural de alcancecoletivo. Afirma o Ministro que é necessário uma visão política da cultura.A cultura precisa acompanhar o projeto político. As comunidades derisco, por exemplo, poderiam ser resgatadas mediante sua inclusão cultural.Os habitantes de favelas podem ter acesso a centros culturais e abibliotecas. Além disso, é preciso considerar a produção cultural dasfavelas. Há cultura em seus modos de vestir e falar. Levar e trazer coisasdas favelas pode ser importante para afastar crianças e jovens do crimeorganizado. Como sabiamente reconhece o Relatório da UNESCO sobreCultura e Desenvolvimento, não existem culturas superiores, masdiferentes. Nessa diferença reside a riqueza de uma nova política culturalconstrutora de uma cultura de paz.

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Com essa sinalização dada pelo Ministro Gilberto Gil, ademocratização da cultura no Brasil tende a se ampliar de formaconsiderável. Nesse sentido, o projeto da Secretária Claudia Costin, deSão Paulo, de combater violências por intermédio de atividades culturaisé alentador e tem respaldos em estudos e experiências realizados pelaUNESCO. As experiências de abrir escolas nos fins de semana em áreasde maior incidência de crimes e violências, por exemplo, conduzidas noRio de Janeiro e em Pernambuco, mostram uma redução altamentesignificativa de vários tipos de violência entre os jovens.

Uma política de inclusão cultural pode converter-se em fatorestratégico de uma política mais ampla de governo. Ela ajuda as pessoas,especialmente os jovens, a internalizarem um sentimento vitalizador depertencimento e não mais de exclusão que, com freqüência, tem sido acausa da interrupção prematura de tantas vidas em nossa sociedade.

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O Programa Monumenta1

Desde meados da Década de 1990, a UNESCO participa dosesforços do Ministério da Cultura para conceber, negociar e,posteriormente, implementar o Programa Monumenta.

Tal Programa, inovador e abrangente, exigiu um longo períodode maturação. Mas, para nossa alegria, parece estar agora, sob acoordenação do Ministro Gilberto Gil , in ic iando sua fase maispromissora e produtiva. Acredito que, hoje, podemos afirmar que oMonumenta está maduro. Seus métodos e instrumentos de gestão estãoconcebidos. Esta solenidade de assinatura dos convênios reflete talmaturidade e resulta de um esforço do Ministério de recompor o seuorçamento e agilizar a sua execução.

Acredito também que, a partir de agora, um novo desafio se coloca:o de dinamizar as ações que darão ao Monumenta a dimensão e o caráterinovador pretendidos.

Tal foi a motivação do Banco Mundial � BID � para apoiá-lo e ada UNESCO para que nele apostasse, desde o seu início, ou seja, a decontribuir para a reconstrução do sistema de gestão do patrimôniocultural brasileiro baseado no compartilhamento da atuação dos trêsníveis de governo, no compromisso das comunidades e na adesão dosetor privado.

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário de Intercâmbio do Programa Monumenta, Brasília,22 abr. 2003.

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Os componentes que se referem ao fortalecimento institucional,ao apoio à recomposição do Instituto do Patrimônio Histórico e Artísticonacional � IPHAN e à Educação Patrimonial são os que farão com que osefeitos do Monumenta se prolonguem ao longo do tempo, tornando-o, defato, uma ação de Estado em favor da preservação do patrimônio culturalbrasileiro.

A UNESCO, com toda certeza, continuará presente, não apenascontribuindo com sua experiência, mas ajudando a difundir os resultadosdo Programa no Brasil e entre os Países Membros da Organização.

Para nós, é particularmente cara a experiência de um Programa quecontempla todos os sítios urbanos brasileiros inscritos na Lista do PatrimônioMundial, tornando-os, como é nosso desejo, parâmetros para a difusão dasboas práticas de preservação.

A determinação demonstrada pelo Ministro Gil nestes poucos diasà frente do Ministério da Cultura, especialmente pela firmeza de sua atitudecom relação à recente problemática de Ouro Preto, confirmando recursose suporte à gestão da cidade, só faz reafirmar nossa confiança nacriatividade e no compromisso público que reverterão, com certeza, asituação deste símbolo do patrimônio brasileiro.

Cercada de tantos apoios, tenho plena certeza de que Ouro Pretocontinuará fazendo jus ao título de Patrimônio Cultural da Humanidade.

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Voz e Vez dos Excluídos1

Quero, primeiramente, agradecer à Universidade de Passo Fundo eà Prefeitura Municipal o convite feito à UNESCO para tomar parte naSessão de Abertura da 10ª Jornada Nacional de Literatura, com o tema centralVozes do Milênio: a arte da inclusão.

Desnecessário dizer sobre a importância de tal tema, sobretudoem um País como o Brasil que possui um enorme contingente de pessoasexcluídas � da educação, da cultura, dos livros. Excluídas em suma, decondições mínimas que justifiquem o estar no mundo.

A UNESCO, no marco de seu mandato e sob a inspiração daDeclaração Universal dos Direitos Humanos, vem travando uma luta incessantepara convencer governantes e a elite dos diversos países que a integramsobre o perigo que representa a exclusão social e cultural de milhões,bilhões de pessoas.

Por isso mesmo, não tem medido esforços para, em escala mundial,estabelecer metas de comum acordo com outras nações, objetivando garantira todos o direito à educação, à cultura e aos conhecimentos científicos etecnológicos considerados essenciais para a universalização da cidadania.

Muitos avanços foram conseguidos, nos últimos anos. No entanto,o mapa das desigualdades e dos excluídos ainda é muito grande, o que

1 Pronunciamento por ocasião da 10ª. Jornada Nacional de Literatura �Vozes da Inclusão�,Passo Fundo, RS, 26 ago. 2003.

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significa que os esforços não devem apenas continuar, mas seremredobrados. Existem fundadas razões para se prever que o Terceiro Milênioque se inicia passará para a história como o Século da Cidadania. Vozesdo mundo inteiro começam a ser ouvidas devido aos avanços das ciênciase tecnologias da informação e da comunicação.

A UNESCO tem procurado ser uma caixa de ressonância dessasvozes, levando-as à discussão pública em inúmeros fóruns mundiais etransformando-as em metas e compromissos de governos, nos campos daeducação, da ciência, da cultura e da comunicação.

Estou seguro de que, quanto mais educação e cultura colocarmosao alcance de todas as pessoas, tanto mais se aproximará o dia em que acentralidade do ser de todas as pessoas passará a ser uma condição e umcritério norteador das políticas e dos planejamentos.

Assim sendo, a 10ª Jornada e a 2ª Jornadinha Nacional de Literatura sãoeventos que se inscrevem na esperança mundial de novos caminhos e denovas alternativas. Colocam a Universidade de Passo Fundo, a Prefeituradesta cidade e as demais instituições que apóiam o evento no circuitocontemporâneo de idéias e debates visando possibilitar a construção deum novo estatuto ético para servir de âncora às polít icas dedesenvolvimento.

Não poderia encerrar esse breve discurso sem fazer menção a umfato inédito que vem a propósito do tema desta Conferência.

Refiro-me à Secretaria de Inclusão Educacional que está sendoorganizada pelo Ministro Cristovam Buarque, no Ministério da Educação.Representa uma inovação que, certamente, colocará o MEC em sintoniacom as vozes que ecoam de todo o País e de todo o mundo.

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O Patrimônio Mundial no Brasil1

Vários motivos nos alegram, ao final deste ano de 2002, quando aUNESCO celebra os trinta anos da Convenção do Patrimônio Mundial. Esta é,certamente, a Convenção de maior sucesso e de maior adesão dentretodas aquelas aprovadas pela Conferência Geral da UNESCO nos seus mais decinqüenta anos de existência. Tal instrumento nos estimula a buscar adesõespara a causa do patrimônio e é exatamente isto que comemoramos nesteevento, hoje.

Apresentamos aos senhores os resultados de uma cooperaçãocrescente entre a UNESCO e a Caixa Econômica Federal. No ano 2000,publicamos, em conjunto, a primeira edição do livro Patrimônio Mundial noBrasil, quando se comemoravam os 500 anos do Descobrimento e quandoo País possuía doze bens considerados Patrimônio da Humanidade.

A lista brasileira cresceu: foram acrescentados a cidade de Goiás equatro sítios naturais importantes, verdadeiros emblemas do patrimônionatural brasileiro; o Jaú, que representa os ecossistemas amazônicos; oPantanal; o Cerrado e as Ilhas Atlânticas de Fernando de Noronha e Atoldas Rocas.

O enorme interesse pelo primeiro livro e os novos bens inscritosnos levaram a prosseguir lançando agora a segunda edição acompanhadade Exposição que, na verdade, trata da essência do conteúdo do livro.

1 Pronunciamento por ocasião da exposição fotográfica e lançamento do livro �PatrimônioMundial no Brasil� 2.ed. Brasília, 16 dez. 2002.

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A versão em inglês e francês da Exposição já está sendo exibida na sede daUNESCO em Paris e, em 2003, deve circular pela Europa e Estados Unidos.

No Brasil, pretendemos, em conjunto com a Caixa EconômicaFederal, que esta versão em português esteja nos aeroportos, centrosculturais, escolas e universidades de todo o País.

O que nos move é, permanentemente, divulgar tantas riquezas eestimular um compromisso cada vez maior dos governos e da sociedadepara sua valorização, sua gestão adequada, seu aproveitamento comorecurso turístico gerador de divisas e promotor de comportamento éticoe cidadão diante da história, da cultura e dos recursos naturais.

Como dissemos na introdução deste livro, aqui reunimos um poucodo melhor de todos nós � dos nossos pesquisadores, dos gestores públicos, dacomunidade que soube preservar estes sítios, dos artistas, fotógrafos, escritorese ensaístas, todos movidos pela emoção que os vincula a estes bens.

Dentre os que colaboraram neste projeto, a UNESCO gostaria dehomenagear, especialmente, o Embaixador Wladimir Murtinho, falecido hoje,autor do texto introdutório sobre Brasília, grande articulador da sua inscriçãona Lista do Patrimônio Mundial e, muito mais do que isto, um dos nossosmais belos exemplos de servidor público dedicado à Cultura Brasileira.

Agradeço a parceria da Caixa Econômica Federal, o esforço daequipe da UNESCO e a presença de todos.

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A UNESCO e a ABEP1

São múltiplas as âncoras e os sentidos, para a UNESCO, colaborarcom a realização deste XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais� ABEP e se fazer presente neste evento por intermédio de suaRepresentação no Brasil e vários de seus técnicos e consultores. Em todasua história, a comunidade científica sempre se fez presente e tem dadouma contribuição importante para a consolidação do pensamento e dasteses centrais que a UNESCO defende em prol do desenvolvimentohumano universal.

Além do mais, a UNESCO não poderia estar ausente no instanteem que a ABEP, uma das mais prestigiadas associações científicas nacionais,comemora 25 anos de profícua produção e visibilidade nacional einternacional. Temos acompanhado, com o mais vivo interesse, o sucessoda participação da ABEP na organização da recente XXIV Conferência Geralde Populações, promovida pelo International Union in Social Sciences of Population.Acompanhamos, ainda, a repercussão internacional da gestão do Dr. JoseAlberto Magno de Carvalho à frente da direção dessa união deespecialistas em população, a colaboração de membros da ABEP a váriasconferências internacionais do sistema ONU, assim como suas publicaçõese nomes de alta credibilidade que compõem seu quadro de associados.

Além disso, destacamos a oportunidade da UNESCO de somar-seem homenagem à expressiva figura político-intelectual do abepiano Vilmar

1 Pronunciamento por ocasião do XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais�Âncoras de um novo conhecimento: O compromisso com a qualidade de vida da população�,Ouro Preto, 4 nov. 2002.

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Faria, falecido em novembro de 2001, cuja amizade tive o privilégio dedesfrutar por vários anos. A singular personalidade de Vilmar Faria aliavaqualidades diplomáticas de fazer política com elevada cidadania; o gostodo melhor das tradições mineiras ao compromisso social consciente e aum sólido nome na Sociologia � e, também, na Demografia, como bemressalta a Doutora Elza Berquó, no Novos Estudos Cebrap.

Vilmar Farias gozava do reconhecimento da UNESCO, não apenaspor ter participado de eventos promovidos pela Organização, quantopor seus escritos, sua preocupação com políticas públicas e sua colaboraçãoàs ciências humanas. Muitos dos projetos sociais em curso, que a históriahaverá de lembrar, foram pensados e concebidos por Vilmar Faria. Elesoube integrar, com ponderação e sobriedade, seu compromissoacadêmico e a necessidade de ajudar na concepção e execução de políticassociais.

A UNESCO junta-se, nesta oportunidade, às homenagens aodemógrafo Luiz Armando de Medeiros Frias e a outra personalidadeabepiana, também recém-falecida, que, como Vilmar Farias, soube bemequacionar a política e o trabalho intelectual. Refiro-me ao médico JoãoYunes que muito contribuiu para a Saúde Pública, não apenas do Brasilcomo de outros países da América Latina e do Caribe.

Por outro lado, como bem ressalta o Boletim Informativo daABEP, este Encontro supera as expectativas em número de documentossubmetidos aos distintos Grupos de Trabalho e Comitês, assim comoos aceitos que comporão o Encontro � 247 trabalhos, por 47 sessões.Trata-se de um volume que expressa e traduz a maturidade acadêmicada ABEP.

Outra característica positiva deste Encontro que importa sublinharrefere-se à sua diversidade temática. A preocupação com estudos sobreníveis, tendências e qualidade de populações, considerando sua diversidadede raça, gênero, meio ambiente, acesso à educação, à saúde e ao trabalho.

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Muitos desses temas constam hoje da agenda da UNESCO, tanto emtermos de linhas de pesquisa quanto no que se refere à formulação depolíticas públicas.

Destacamos, também, a inclusão de temática cara à UNESCO, qualseja, a das gerações, em particular a da juventude, por intermédio de umComitê e número da Revista da ABEP, a RBEP � Revista Brasileira de EstudosPopulacionais, sobre o tema que, aliás, conta com a especial colaboração daUNESCO.

A UNESCO no Brasil, desde 1997, por meio de seu setor depesquisas, vem produzindo diversos títulos sobre juventude, violência,cultura, educação e cidadania, pois em seu mandato está a defesa dosdireitos humanos dos jovens e o reconhecimento de sua específicavulnerabilidade a violências as mais variadas � o que será mais discutidoneste Encontro, inclusive por técnicos e consultores da UNESCO2 e oconvidado da CEPAL, Dr. Martin Hopenhayn, que temos o prazer detrazer para colaborar com o Encontro.

Como a UNESCO está sempre preocupada com a melhoria dosíndices de desenvolvimento humano, os vetores de pesquisa do acervoda UNESCO Brasil conjugam interesse pragmático � visando o objetivode colaborar com políticas públicas � e preocupação com o lugar doconhecimento nestes tempos de globalização e crescente complexidade.

2 Participam do Encontro da ABEP como expositores convidados � Julio Jacobo Waisenfisz(Coordenador do Escritório da UNESCO em Pernambuco) e Miriam Abramovay (Professorada Universidade Católica de Brasília, que vem participando como consultora de várias pesquisasda UNESCO) - que, juntamente com Martin Hopenhayn (CEPAL/CELADE, convidado pelaUNESCO), comporão a Mesa-Redonda sobre Juventudes e Políticas Públicas na AméricaLatina; Fabiano de Sousa Lima (Pesquisador da UNESCO) - apresentando trabalho selecionadopela ABEP; Mary Garcia Castro (Pesquisadora Sênior da UNESCO e, também, Vice-Presidenteda ABEP) como comentarista no Pré-Encontro sobre Mulheres Chefes de Família; Organizadorada Plenária sobre �Violência, o Estado e a Qualidade de Vida da População Brasileira�;comentarista de uma Sessão Temática sobre Juventude e em outra sobre MigraçõesInternacionais.

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Vem a Organização, por exemplo, insistindo na necessidade derepensar os paradigmas educacionais e a instituição escola, abandonandoa convencional preocupação com níveis de matrícula e currículos formais.A qualidade da educação para a vida e a satisfação de necessidades, sociaise existenciais, são dimensões que precisam ser consideradas. Tal orientaçãopassa pela construção de uma cultura de paz, não somente como paradigmacivilizatório e antítese a violências, mas como estratégia para outras formasde ser e estar perante a vida.

O mote para uma cultura de paz pede abrir espaços de várias ordens,inclusive repensar o espaço da produção do conhecimento, da geração dedados, do questionamento de tipos de informações que se vêm produzindo� para quem, para que e para qual Estado � nos leva a refletir e parabenizara ABEP por ter selecionado, como tema nuclear deste Encontro, a temática�Violências, o Estado e a Qualidade de Vida da População Brasileira�.

A leitura que se pode fazer dessa temática é a busca pela interaçãoentre quantidade e qualidade, optando-se por uma demografia sobre aqualidade de vida da população, com preocupação com a ética daestatística. A qualidade dos dados e o seu uso pelo Poder Público sãofundamentais para o futuro das políticas públicas.

Por tal leitura, identificamo-nos com a implícita preocupação emoferecer um novo sentido para o conhecimento, para a informação,questionando a neutralidade axiológica dos dados, as disputas deindicadores para fins �propagandísticos� e de impacto noticioso, por maisimportante que seja o indignar-se com níveis de expressões de violências.

Sublinhamos a importância de se investir em um conhecimentopreocupado por desvendar relações sociais, frustrações e banalizaçõesde conflitos e perversidades.

Enfatizamos o compromisso do saber acadêmico e da pesquisa comindicadores para formatar, acompanhar, criticar, avaliar e propor políticaspúblicas.

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Se não bastassem tantas identidades com este Encontro promovidopela ABEP, o fato de se realizar em Ouro Preto, cidade que mereceu otítulo de Patrimônio da Humanidade, configura-se, também, mais umaâncora. Daí decorre, aliás, uma última reflexão, qual seja, o lugar do Estadoe da Cultura quando a preocupação é com a qualidade de vida dapopulação e o cuidado contra violências.

Sugerimos que os estudiosos sobre população e os cidadãos e cidadãspreocupados com a coisa pública discutam mais o estado das cidades, emparticular as de cunho histórico, como Ouro Preto. O patrimônio urbanoe a preservação da cidade devem ser enfocados não somente como partede uma memória cultural, mas se faz necessário considerar seu significadono presente3 e como a gestão municipal vem cuidando de tal herança,suas transformações, usos e necessidades de populações, em termos deplanejamento integrado.

Colegas de Mesa, abepianos e amigos da ABEP, são muitas as âncorasque fazem confluir a UNESCO a este Encontro e, com alegria, deleparticipamos.

Parabéns à ABEP, com os meus votos e a certeza de que este eventoatingirá plenamente seus objetivos.

3 Ver sobre esta idéia em relação a Ouro Preto, MACHADO, J. Ouro Preto: a alma e os ornatos,Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 147, p. 107-121, out./dez. 2001.

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A Relevância da Memória Histórica1

Foi com muita alegria que a UNESCO se associou ao projeto derealização deste Simpósio pela solidez das instituições que o conceberam,pela amizade e respeito que nos une e pela riqueza do tema que serádiscutido a partir de agora.

O Simpósio, a começar pelo seu título � Caminhos do Pensamento:Horizontes da Memória � apresenta-se como um irrecusável convite à reflexão.

Ao refletir sobre o objeto do trabalho, a instituição que tem pordever preservar e reter registros da memória, o faz remetendo opensamento ao horizonte, ou seja, àquilo que está por vir, àquilo que secoloca sempre à nossa frente e nos obriga a caminhar.

A percepção da memória como elemento fundador, como lugar deorigem, é também um conceito que une nossas Organizações. Parafraseandonovamente um título tão rico em sugestões, me pergunto que caminhosteria percorrido o pensamento da Corte Portuguesa, ameaçada pelo avançodas tropas de Napoleão, ao decidir salvar as sessenta mil peças da suaReal Biblioteca e trazer para o Brasil o acervo que daria origem à BibliotecaNacional, preterindo riquezas materiais e até mesmo arriscando vidashumanas? A incerteza diante do novo e do desconhecido certamente fezcom que as referências da cultura e da história daqueles homens fossemnaquele momento consideradas tão vitais quanto os víveres que

11111 Pronunciamento por ocasião do Simpósio �Caminhos do Pensamento: Horizontes da Memória�,Rio de Janeiro, 3 set. 2002.

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abasteceram seus navios ou quanto as cartas de navegação que permitiramque eles atravessassem o Atlântico.

Relembro esse momento fundador porque ele me remete, poranalogia, ao início da trajetória da UNESCO: um dos seus primeiros atos,em meio às urgências do pós-guerra e da sua construção institucional, foium enorme esforço de sistematização de uma História do DesenvolvimentoCientífico e Cultural da Humanidade, na qual o saudoso Embaixador PauloCarneiro teve papel central. Desde aquele momento, estava claro para aUNESCO que a compreensão da História, longe de se tornar uminstrumento de exacerbação de nacionalismos ou de xenofobias, seria comoque a nossa Carta de Navegação, aquela que daria suporte às idéias de respeitomútuo, solidariedade e interdependência científ ica e cultural dahumanidade.

A presença nesta sessão de abertura do Vice Diretor Geral daOrganização, Márcio Barbosa, é um testemunho do nosso apreço pelotema e pelas instituições e pessoas que conduzem os trabalhos desteseminário. Estou certo que sua trajetória de cientista, somada à experiênciae compromisso com a UNESCO, o tornam ainda mais sensível ao desafioao qual os senhores se dedicam: compreender o papel da memóriaconferindo sentido à construção racional do conhecimento, das idéias eda história.

Mais do que desejo, tenho a certeza de que os trabalhos destesdois dias serão um sucesso e um grande privilégio para os que aquiestiverem.

Parcerias como esta terão sempre nossa melhor acolhida.

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Goiás na Roda de Novos Tempos1

Ao visitar o Estado de Goiás pela primeira vez, em 1998, comeceide imediato a sentir que aqui estava sendo desenhado, com dinamismo evisão política, um novo Estado que apontava em direção ao Brasil do futuro.

Essa percepção inicial se ancorava, por um lado, na disposição doEstado de Goiás em promover o desenvolvimento com justiça e, poroutro lado, na valorização de sua história e de sua cultura.

Com o tempo, essa impressão inicial foi sendo confirmada, o quecontribuiu para colocar a UNESCO Brasil em sintonia com inúmerasiniciativas do governo e da sociedade civil goianos, nas áreas da educação,cultura e ciência, consideradas relevantes para o desenvolvimento sociale humano.

Na área da educação, por exemplo, creio ser oportuno destacarinúmeros pontos inovadores do Governo Estadual, entre eles, o Salário-Escola,a Bolsa Universitária, os projetos de alfabetização, de aceleração daaprendizagem e de incentivo à leitura que estão contribuindo para dar aosistema de educação do Estado de Goiás uma visão mais moderna. Da mesmaforma, quero destacar o esforço da Prefeitura Municipal de Goiânia no projetode desenvolver uma escola para o século XXI com base em algumasorientações e recomendações do Relatório Internacional de Educação da UNESCO.

Foi nesse contexto que a UNESCO � Organização das NaçõesUnidas comprometida com a luta contra a pobreza e a desigualdade por

11111 Pronunciamento por ocasião do recebimento do Título Honorífico de Cidadão Goiano,Goiânia, 16 ago. 2002.

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meio de políticas de radical democratização da educação, da cultura edo conhecimento científico e tecnológico � sentiu a necessidade de apoiaro Estado de Goiás em sua luta por uma nova modernidade, a partir dacooperação técnica e de iniciativas compatíveis com o seu mandato.

O discurso da UNESCO para o Século XXI tem procurado darênfase à erradicação da pobreza e à redução das desigualdades sociais,econômicas e regionais. Devido a isso, ele é considerado um discurso emsintonia com a crença em uma nova modernidade que valoriza tanto adimensão econômica quanto o direito que todo ser humano tem a umavida digna e ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades.

Tal discurso está fundado na aliança entre o desenvolvimento, aciência e a preservação do meio ambiente. Defende assegurar o acesso detodas as pessoas às informações que facilitam a transição para a sociedadedo conhecimento, tendo a educação ao longo da vida como um dos eixosdiretores, além de se apoiar em uma nova ética que se define pela buscade uma cultura de paz, o respeito à diversidade e a promoção dasolidariedade.

Foi no marco desses valores que a UNESCO estabeleceu váriasfrentes de cooperação com o Estado de Goiás, no conjunto das quais sedestacou o admirável movimento para dar à cidade de Cora Coralina �Cidade de Goiás � o título de Patrimônio Cultural da Humanidade,finalmente conseguido, com mérito e justiça, em julho de 2001.

Poucas cidades no mundo podem ostentar essa distinção. AUNESCO, ao processar esse reconhecimento mediante novos critériosvalorizadores da cultura, dá um novo salto no sentido de resgatar epreservar a identidade de um povo. No caso específico de Goiás, a cidadetestemunha �a maneira como os exploradores de territórios e fundadoresde cidades, portugueses e brasileiros, adaptaram às realidades difíceis deuma região tropical os modelos urbanos e arquitetônicos portugueses, etomaram de empréstimo aos índios diversas formas de utilização dos

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materiais locais�. Mais ainda, �Goiás é o último exemplo de ocupação dointerior do Brasil conforme foi praticado nos séculos XVIII e XIX.�

Esse reconhecimento da UNESCO coincide com um momento emque o Estado de Goiás atravessa � uma fase de prosperidade e renovação� e indica que a aliança entre cultura e desenvolvimento é fundamentalpara o futuro de qualquer sociedade.

Assim, ao receber este nobre e honroso título de Cidadão Goiano,que me foi conferido pela Assembléia Legislativa deste Estado, o façocom alegria e entusiasmo sem precedentes, pois nunca cheguei a imaginarque isso pudesse ocorrer.

Certamente, ele aumenta mais ainda meu compromisso com o Estadode Goiás que, não se pode negar, tem dado seguidos exemplos de lutacontra o atraso e o subdesenvolvimento, estabelecendo com firmeza umanova rota em direção a um futuro mais próspero.

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Patrimônio Imaterial como Fonte de Identidade1

É com muita satisfação que recebo, em nome do Diretor Geral daUNESCO, a primeira Candidatura Brasileira à Proclamação de ObrasPrimas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade.

Para muitas pessoas, especialmente as minorias étnicas e os povosindígenas, o patrimônio imaterial é uma fonte de identidade e carrega asua própria história.

A filosofia, os valores e formas de pensar, refletidas nas línguas,tradições orais e diversas manifestações culturais constituem o fundamentoda vida comunitária. Na era da globalização, a revitalização de culturastradicionais e populares assegura a sobrevivência de culturas específicasdentro de cada comunidade.

Hoje, o mundo volta os olhos para a Cúpula Mundial para oDesenvolvimento Sustentável, em Johanesburg. A UNESCO está certa de quea cultura será uma das principais questões da sustentabilidade, dodesenvolvimento e da governabilidade no próximo século. Isso porqueela fornece os elementos da identidade e da fidelidade étnicas, molda oscomportamentos de trabalho, poupança e consumo, forma a base docomportamento político e, principalmente, constrói os valores queorientam a ação da coletividade para o futuro global.

Nesse sentido, penso que a diversidade cultural é essencial para odesenvolvimento sustentável. Visões variadas do que pode ser o bem-estar

1 Pronunciamento por ocasião da Primeira Candidatura Brasileira à Proclamação de ObrasPrimas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, Brasília, 30 ago. 2002.

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humano são necessárias para entender e proteger o meio ambiente e, aomesmo tempo, atender às necessidades desta e das próximas gerações. Épreciso entender como as diferentes culturas moldam e se relacionam como seu meio-ambiente.

Não se pode mais negligenciar o conhecimento que relaciona adiversidade cultural com a biodiversidade. É preciso também pensar emmedidas inovadoras para assegurar que a demanda, cada vez maior, porconhecimentos produzidos pelos povos indígenas resulte em respeito enão em um abuso desses povos.

Assim, felicito o Ministério da Cultura pela importante iniciativade registrar e valorizar a cosmologia do povo indígena WAJÃNPI,patrimônio de escala nacional indiscutível. Este dossiê de candidatura àProclamação de Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade é umproveitoso resultado da polít ica adotada pelo Ministério � einternacionalmente reconhecida como pioneira � de associar ações deinventário, divulgação e registro do Patrimônio Cultural Imaterial.

A UNESCO parabeniza esse esforço nacional e dá todo seu apoiopara que iniciativas como essa sigam acontecendo, de forma a mostrar, aoBrasil e ao mundo, toda a diversidade do seu riquíssimo patrimôniointangível, componente frágil e insubstituível da diversidade humana.

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A Arte Jovem Promovendo a Paz no Trânsito1

A violência, cada dia mais proeminente em nosso mundocontemporâneo, é um preocupante fenômeno que viola o mais fundamentaldos direitos humanos: o direito à vida.

Para a UNESCO é uma satisfação participar do lançamento doConcurso �Grafite no Trânsito�, pois trata-se de uma parceria com oDENATRAN, que pretende trazer à tona questões relativas ao tema, pormeio da arte-grafite no espaço público; considerando-a como um canalde comunicação alternativo para expressar sentimentos, pensamentos eimpressões sobre o �transitar�, bem como conduzir ao debate, à reflexãoe à busca de soluções capazes de promover a concepção de PAZ NOTRÂNSITO.

Na realidade esse Concurso está sendo implementado no âmbitode um Acordo de Cooperação Técnica que temos em parceria com oDENATRAN cujo objetivo maior é �a formação de parcerias com asestruturas que exercem influência junto à opinião pública, difundindo econsolidando valores de cidadania, ética e paz no trânsito�.

E a promoção da Cultura de Paz encontra-se entre os grandescompromissos mundiais da UNESCO. Cinqüenta anos depois da fundaçãodas Nações Unidas e da UNESCO, o mundo ainda busca os meios demudar definitivamente as atitudes, valores e os comportamentos com ofim de promover a paz e a justiça social.

1 Pronunciamento por ocasião do Lançamento do Concurso Grafite no Trânsito DENATRAN/UNESCO, Brasília,17 abr. 2002.

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No Brasil, a UNESCO vem empreendendo grandes esforços nosentido de mobilizar e de conscientizar a sociedade com vistas à criaçãode um ambiente favorável à instauração de políticas de valorização davida e de uma Cultura de Paz.

Nesse sentido, a UNESCO compartilha da mesma preocupação doDENATRAN, no sentido de difundir atividades voltadas à PAZ no trânsito,procurando substituir a Cultura de Violência pela Cultura de Paz.

Assim, a UNESCO e o DENATRAN, do Ministério da Justiça,pretendem reconhecer e estimular os artistas do Grafite a utilizarem asua arte como forma de conscientização e de transformação do convíviono transitar no espaço urbano.

A história do grafite se inicia no final dos anos 60 e início dos anos70 na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos, no âmbito da eclosãode novos movimentos culturais propiciados pelas minorias excluídas dacidade, principalmente os jovens da periferia. Nasce como expressãográfica desse amplo movimento cultural , no qual a afirmação do�individual� se confunde com a �dos grupos�, principalmente, nos bairrospopulosos e degradados das grandes cidades.

Há pessoas que têm fascínio pelo grafite por ser uma �galeria ao arlivre�, uma �arte grátis�. Outras, ainda o confundem com pichação. Mas,na realidade, é um movimento organizado nas artes plásticas. Emborareprimido até hoje, o número de adeptos é crescente, passando de simplesassinaturas, para o grafite de figuras. Atualmente os artistas do grafite sãoconvidados a exporem seus trabalhos em museus de arte moderna de todoo mundo. Mas, ainda existem preconceitos...

Neste contexto, o �Grafite no Trânsito�, abre para esses jovens,geralmente �excluídos�, a oportunidade de expressar suas habilidades,reconhecendo-os como artistas e disponibilizando espaços apropriadospara realização de seu trabalho. Estimula, nesse contexto, a chamada�Cultura de Rua�, o movimento Hip Hop.

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Paralelamente, utiliza a potencialidade do Grafite enquanto umveículo de comunicação, por meio do qual será divulgado o tema �Paz noTrânsito�.

Isso porque ao trabalhar os muros e paredes das cidades como�telas�, o Grafite potencializa a divulgação de sua mensagem, atingindoum grande número de pessoas que transitam pelas ruas e avenidas.

Ao mesmo tempo, estimula diretamente o debate sobre o temajunto aos jovens que participarão do Concurso.

Esperamos que essa iniciativa propicie reflexos positivos naconscientização e mobilização popular pela paz e cidadania no trânsito.Precisamos aproveitar a nossa �diversidade criadora� para a construção emanutenção da paz em cada esquina, sempre em busca de melhorar a vidadas próximas gerações.

Esse é o desafio que todos nós, cidadãos do mundo temos:construirmos, em nossa sociedade, uma cultura de paz, onde haja espaçopara a pluralidade e a vida possa ser vivida sem violência.

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Educação, Diversidade Criadora e Cultura de Paz1

Entre os grandes desafios do século que se inicia, sobressai o respeitoà diversidade cultural. Em um mundo, como lembra Pérez de Cuéllar,onde dez mil diferentes sociedades vivem em cerca de apenas 200 estadose mais de 1 bilhão de pessoas pobres estão à margem do processo demundialização cultural, tornou-se imperativo e urgente pensar e conceberformas e modos de desenvolvimento que levem em conta essa situação.Mais do que isso: sobressai a necessidade de todos nós reconhecermosque todas as culturas produzem conhecimentos e saberes que sãoindispensáveis à construção de uma nova ordem social. Não existemculturas superiores, mas diferentes. O reconhecimento dessa diversidadecriadora constitui um dos elementos fundadores de grande alcance naperspectiva de sairmos de um paradigma excludente e marcado pelainiqüidade em direção a um paradigma de desenvolvimento humanosustentável, sob o ponto de vista econômico e político.

Como bem ressaltou David Maybury-Lewis, da Universidade deHarvard, a Europa Ocidental produziu a moderna idéia do Estado, mas éclaro hoje que os Estados dessa parte do mundo não realizaram as esperançasdos racionalistas da época da Revolução Francesa, que esperavam que osEstados do Futuro fossem informados por valores liberais, e que, neles, oscidadãos interagiriam em bases iguais, não importando sua identidade étnica.O que aconteceu foi a hegemonia de uma identidade étnica legitimada

1 Pronunciamento por ocasião da VIII Conferência Nacional de Direitos Humanos, �O Brasil eo Sistema Nacional de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos�, Brasília, 10 jun. 2002.

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pelo Estado, deixando de lado ou ignorando a possibilidade de contribuiçãodas culturas e identidades dominadas. Os que não pertenciam à identidadehegemônica legitimada ficaram relegados a cidadãos de segunda classe. Oespectro da limpeza étnica que há pouco tempo presenciamos na Bósnia,como também a ansiedade generalizada que existe em relação aos�forasteiros�, a discriminação e mesmo a violência contra eles, são exemplosque mostram a persistência e amplitude dos problemas étnicos quecomprometem o desenvolvimento de uma cultura de paz.

Do outro lado, como escreve Maybury-Lewis, as Américas têm sido,historicamente, a região clássica de melting pot . Povos de todas asnacionalidades migraram para as repúblicas americanas, sendo permitida amanutenção de certos vínculos étnicos, contanto que essas etnicidadesfossem claramente compreendidas como secundárias em relação à culturadominante. Todavia, em relação aos índios e aos negros, eles foram demodo geral excluídos , gerando uma dívida sociocultural que não podeser esquecida no contexto do desafio maior do nosso século que é o daconstrução de sociedades mais solidárias.

A questão dos conflitos étnicos assume importância decisiva dianteda necessidade por todos sentida de edificar um novo paradigma dedesenvolvimento humano. Por isso, ela não pode ser ignorada, em que pesea sua complexidade e a magnitude dos obstáculos a serem enfrentados. Odesenvolvimento de uma teoria sobre estados multiétnicos constituirá umpasso necessário se tivermos esperança de mudar o pensamento do públicoem geral, com a consciência de que o problema está, sobretudo, na formacomo os povos abordam essa questão. Somente na medida em que pudermosdesenvolver uma teoria da etnicidade capaz de se tornar um novo e poderosoparadigma, poderemos ter esperança em alterar o pensamento convencional,gerando mudanças em práticas repressivas que abominamos. Esta é uma dastarefas mais urgentes do nosso tempo .

A UNESCO, preocupada com o problema, constituiu, em 1992, aComissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, coordenada por Javier

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Pérez de Cuéllar, composta por 12 personalidades eminentes oriundasdos vários continentes e mais 7 membros honorários, entre eles ClaudeLévi-Strauss, Ilya Prigogine e Derek Walcott. O Brasil foi convidado aparticipar por intermédio do economista e pensador social Celso Furtado.A Comissão concluiu seu trabalho em setembro de 1995, produzindo umdenso relatório de reflexões, publicado no Brasil, em 1997, sob o títulode �Nossa Diversidade Criadora�.

Uma das conclusões centrais desse relatório, e que vem a propósito dotema que estamos abordando, é a de que ainda não aprendemos a respeitarplenamente o outro e a trabalhar em conjunto. Vivemos um períodoverdadeiramente excepcional da história, que exige soluções tambémexcepcionais. O mundo, tal como o conhecemos, com todos os seusrelacionamentos e interações, que tomamos como certos, está passando porprofunda reavaliação e reconstrução. Por isso, são necessárias a imaginação, ainovação, a visão ampla e a criatividade. Isso exige mentes abertas, prontidãoem buscar novas definições, capacidade de conciliar antigas oposições e deformular mentalmente novos tipos de mapas conceituais .

O desafio de hoje é o de adotar novas formas de pensamento, novosmodos de ação, novas modalidades de organização social, em suma, novosestilos de vida. O desafio é também o de promover diferentes vias dedesenvolvimento, com base no reconhecimento de que fatores culturaisforjam os modos de como as sociedades concebem seu próprio futuro eescolhem os meios de construí-lo .

A importância dos fatores culturais para a organização de novasalternativas de desenvolvimento é uma das teses mais relevantes doRelatório Pérez de Cuéllar. O desenvolvimento, divorciado de seucontexto humano e cultural, não é mais do que um crescimento frio einsensível. O verdadeiro desenvolvimento econômico só se efetiva comoparte da cultura de um povo, pois ele compreende não apenas o acesso abens e serviços, como também a possibilidade de escolher um estilo decoexistência satisfatório, pleno e agradável. Sob esse aspecto, a cultura é

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fonte permanente de progresso e de criatividade. No dia em queconseguirmos superar a visão puramente instrumental de cultura, e tivermosreconhecido o seu papel construtivo, constitutivo e criativo, pensaremoso desenvolvimento como parte indissociável da cultura .

Graças aos progressos da ciência antropológica, que conseguiudesvendar antigos mitos da cultura hegemônica, cujo propósito maior era ode justificar e dar cobertura ao colonialismo cultural, econômico e político,um horizonte promissor abriu-se no sentido de combater com novas armasa naturalização do fracasso. Dessa forma, o que antes era visto como naturale debitado à conta do destino, passou a ser objeto de novas consideraçõesem relação à possibilidade de mudança. Essas possibilidades de mudançasassentam-se em dois vetores fundamentais para a instauração de um novoentendimento. Em primeiro lugar, o de que todas as culturas podemcontribuir; em segundo, o que coloca a educação como chave paratransformar em realidade o que antes parecia impossível ou mesmo utópico,pois o poder da educação está ao nosso alcance.

É oportuno insistir no fato de que muitos projetos de desenvolvimentofracassaram por não considerar as implicações dos fatores culturais. A cultura,em seu sentido mais específico de valores, símbolos, rituais e instituições,diz o relatório, afeta as decisões e os resultados econômicos. Por isso, oprincípio básico que deve presidir uma nova ordem será o respeito a todasas culturas, cujos valores sejam tolerantes em relação aos de outras, e queaceitem a ética universal . Todavia, o respeito vai além da simples tolerância.Implica também a adoção de uma atitude positiva para com os outros e asatisfação em relação às suas culturas. A paz social, tão necessária para odesenvolvimento, exige que as diferenças entre as culturas sejam vistas nãocomo algo estranho, inaceitável ou mesmo detestável, mas como o resultadode diferentes maneiras de coexistência humana que contêm ligações einformações valiosas para todos .

Esse novo cenário de harmonia multicultural que todos nós desejamosrequer sacrifícios continuados e uma visão estadista, para trabalharmos o

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advento de uma nova ética universal. Para tanto, torna-se essencial eimperativo �identificar um núcleo de valores e princípios éticos comuns� atodas as culturas para serem aceitos e colocados como �pontos de referênciapartilhados de forma a estabelecer um guia mínimo de moral a ser consideradapela comunidade mundial� em seus esforços para resolver o problema.

O advento de uma nova ética para presidir o desenvolvimentodeverá constar, obrigatoriamente, da agenda dos governos e da sociedadecivil. Ela envolve a luta pelos direitos humanos e requer ações enérgicaspara combater a desigualdade e a pobreza. Reclama uma nova postura daclasse dominante com o objetivo de �transcender interesses estreitos, eegoístas e reconhecer que a adesão a um conjunto comum de direitos eresponsabilidades é a melhor forma de servir aos interesses da humanidade�

Outro elemento fundador de uma ética universal é a legitimidadedemocrática. Por isso, ela precisa ser trabalhada com a participação detodos. Tanto âmbito nacional quanto internacional, a participaçãodemocrática constitui um mecanismo insubstituível de legitimação. Alémdisso, há estreita interdependência entre democracia, cultura edesenvolvimento. O desenvolvimento não é um empreendimentotecnocrático a ser implementado de cima para baixo, sem a presença ativada sociedade civil. Ademais, as pessoas estarão muito mais motivadasquando forem abertos espaços para que elas possam se expressar livrementee oferecer sua contribuição. Neste processo, o fator cultural se farápresente na medida em que as pessoas percebam que suas expectativas eopiniões encontram ressonância nas políticas de desenvolvimento.

É importante sublinhar que cabe precipuamente aos governos e aseus líderes a implementação dos princípios e preceitos da ética universal.Os Estados devem ser os principais arquitetos da construção e damanutenção de uma ordem constitucional global fundada em pressupostoséticos. Outros atores devem também estar envolvidos, como: osorganismos internacionais, a sociedade civil mundial, os sindicatos, ospartidos políticos, as entidades empresariais, as congregações religiosas e

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os movimentos sociais. Em síntese, a futura cidadania mundial só terá êxitonum processo de construção coletiva.

Nesse processo de construção/reconstrução coletiva de uma novaordem, um lugar importante deverá ser reservado à educação. Os benefíciosgerados pela educação básica de massa são significativos, sobretudo, nospaíses mais pobres. Como procuramos mostrar anteriormente, a educaçãoconstitui a chave para o advento da cidadania mundial. Não no sentido deque ela pode resolver todos os problemas da noite para o dia. Porém, naperspectiva de dotar as pessoas de um valor agregado insubstituível emtermos de auto-estima e desenvolvimento de competências, condiçõesprivilegiadas para a inserção na vida cultural e econômica.

Não será muito lembrar que a educação é um fim em si mesma. Oacesso ao acervo de conhecimentos acumulados por todas as culturas éum direito de todas as pessoas. Ademais, a aquisição de conhecimentoeleva a produtividade dos indivíduos e favorece a luta pelos seus direitos.Um povo pouco instruído e pobre, por exemplo, contribui para adegradação ambiental e é sua principal vítima. Além disso, a educaçãopromove o aumento do capital social . Como diz Kliksberg, o capitalsocial e a cultura começaram a instalar-se no centro do debate sobre odesenvolvimento. As pessoas, as famílias, os grupos, são capital social ecultural por essência. São portadores de atitudes de cooperação, valores,tradições, visões da realidade, que são sua própria identidade. Se isso forignorado, importantes capacidades serão inutilizadas e desencadeadas,tornando-se poderosas resistências .

É nessa perspectiva que a Unesco tem procurado pensar emestabelecer os fundamentos de uma nova educação para o século XXI.Uma educação que ajude a construção de uma cultura de paz, mediante orespeito à diversidade criadora. Uma educação multicultural. O RelatórioDelors, ao propor os 4 pilares � Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer,Aprender a Ser e Aprender a Viver Juntos � como eixos norteadores daeducação para o século XXI, já havia percebido a importância de uma

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política multicultural de educação. A educação tem por missão, afirma orelatório, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade daespécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomarem conhecimentoda semelhança e da interdependência entre todos os seres humanos doplaneta. Ensinando, por exemplo, os jovens a adotar a perspectiva deoutros grupos étnicos ou religiosos, pode-se evitar incompreensõesgeradoras de ódios e de violências entre os adultos .

Os fundamentos para uma nova educação propostos pelo RelatórioDelors foram ampliados por Edgar Morin, num texto de elevado alcancepedagógico e social, elaborado a pedido da UNESCO e editado no Brasilsob o título �os sete saberes necessários à educação do futuro�. Nestetrabalho, Edgar Morin chama a atenção para a importância de se ensinar acompreensão. Ele insiste que a compreensão mútua entre os seres humanos,quer próximos, quer estranhos, é, daqui para a frente, vital para que asrelações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão. Daídecorre a necessidade de estudar a incompreensão a partir de suas raízes,suas modalidades e seus efeitos. Este estudo é tanto mais necessário porqueenfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, dodesprezo. Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras daeducação para a paz, à qual estamos ligados por essência e vocação .

A proposta de uma nova educação para o século XXI requer uma escolaque se defina como agência de cidadania para formar mentes lúcidas e sempreconceitos. As sociedades do século XXI demandam cidadãos capazes deoperar a solidariedade em todas as situações de vida. Na formação das criançase dos jovens de hoje estará a esperança no futuro da sociedade.

À luz desse argumento, pode-se afirmar que uma educação dequalidade não é apenas aquela que assegura a aquisição de conhecimentos,mas também aquela que acrescenta aos conhecimentos adquiridos umsentido ético e solidário. O patrimônio de conhecimentos acumulado, aolongo dos séculos, pelas diversas culturas, deve ser posto a serviço dobem-estar das pessoas.

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Assim sendo, uma política de educação fundamentada caminha emdireção à construção de uma cultura de paz e ao desenvolvimento da dignidadehumana. A UNESCO, nas áreas de seu mandato, tem procurado atuar inter etransdisciplinarmente nessa direção. Educação, Ciência, Cultura, Informaçãonão são fins em si mesmo, são meios para o avanço da dimensão intelectual emoral da cultura de paz. A paz autêntica só se efetiva e subsiste quandoancorada no respeito à justiça para com as pessoas, individual e coletivamenteconsideradas. A guerra e a violência surgem quando se negam os princípiosdemocráticos da dignidade e da igualdade de direitos e deveres. Nessesentido, paz e liberdade constituem um binômio indissociável.

Por isso, a construção de uma cultura de paz depende de uma escolaplural que seja capaz de trabalhar pedagogicamente a diferença, de modoa facilitar o florescimento da criatividade, que é inerente a todas as pessoase a todas as culturas. Nenhum processo educacional deve perseguirobjetivo diferente. A escola, como agência de cidadania, é, porconseguinte, uma agência para a cultura de paz.

Para dar mais visibilidade a essas idéias e concepções, a UNESCOconcebeu e colocou em execução o Programa Cultura de Paz com oobjetivo de promover e mostrar o que pode ser feito em termos de açõesconcretas. O programa pressupõe que não vejamos a paz de forma abstrata,mas, sim, por um imbricamento lógico, com todos os fatos e dimensõesda vida cotidiana. Essa preocupação operacional da UNESCO situa-se nomarco das estratégias da Organização de fazer a aliança entre as concepçõesteóricas e a urgência das mudanças que se impõem num mundo dominadopor um insensível processo de globalização assimétrica.

Substituir uma secular cultura de violência e de guerra por umacultura de paz requer um esforço educativo prolongado para mudarposturas e concepções. Sem uma nova mentalidade não será possívelconceber alternativas sustentáveis de desenvolvimento, que sãoindispensáveis para suprimir ou atenuar os vetores geradores da iniqüidadee da injustiça social.

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No campo do desenvolvimento econômico, por exemplo, é precisodar um novo sentido à globalização, agregando-lhe mecanismos degovernabilidade de modo a evitar que os excessos da competitividadeconvertam-se em fatores de ampliação da pobreza. Há de se revisar a políticade adotar, acriticamente, modelos de desenvolvimento que não levem emconta a dimensão cultural do progresso. É necessário respeitar cada vezmais os direitos culturais. Um enfoque puramente instrumental é perigoso.A teia complexa de relações, crenças, valores e motivações existentes nocentro de toda cultura, não pode ser subestimado por concepçõesburocráticas, homogêneas e lineares. O processo de desenvolvimento édialético e pressupõe uma lúcida visão de conjunto em permanente interação.Concepções parciais podem ser deformadoras. Temos hoje, a necessidadede sínteses que só podem ser conseguidas por uma metodologia quetranscenda o universo estreito da divisão compartimentada que podeconduzir a equívocos e distorções da realidade.

Trata-se de uma maneira de ser diante do saber. Precisamos atingirum novo patamar civilizatório em escala planetária, ou seja, uma novaética do desenvolvimento que, por força do diálogo intercultural, abre-se para a singularidade de cada um e para a totalidade dos fatos sociais. Aperspectiva transdisciplinar ajuda viabilizar a construção e a discussão dacultura de paz pela educação fundada no respeito ao múltiplo e ao diverso,contemplando cada ser humano como único, percebendo e considerandoas interações que o envolvem.

A UNESCO defende a idéia de que é possível conviver com adiversidade e a pluralidade e que parte importante dessa convivência,está na educação. Visando a aprofundar essa perspectiva, ela organizou,no ano de 2001, em Genebra, a Conferência Internacional de Educaçãodedicado ao tema �Educação para Todos � Aprendendo a Viver Juntos�.A síntese final desse evento ressalta que a mundialização que queremosnão é a dos impérios econômicos que acirram o �fundamentalismo demercado� e cavam o fosso entre os países do Norte e do Sul. Porém, umsistema que permite uma educação que considere a dimensão individual e

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promova uma educação para aprender a viver juntos, para analisar, pensarsua unicidade e tornar-se capaz de enriquecer-se na diversidade . Essa é aface humana da globalização que precisa ser trabalhada pelas escolas comoparte do esforço em prol de uma nova ética.

Para isso, impõe-se uma nova postura das pessoas no sentido de nãose fecharem sobre si mesmas e se prepararem para o diálogo dasdiversidades. Esse tipo de diálogo, eleva-se à condição de peça-chavepara a construção de uma democracia da diversidade. Esta, supõe umprofundo respeito às raízes de cada comunidade cultural e às suas maneirasde pensar e produzir cultura.

A promoção e a educação para a diversidade como valorescontemporâneos, implicam impedir que mecanismos de discriminação eexclusão nos afastem dos talentos e de um ambiente em que a diferença sejaa vantagem e o motivo de enriquecimento para toda a coletividade.Diversidade tem a ver, portanto, com uma questão ética e comoportunidades iguais para todos, com profundo respeito à dignidade detodas as pessoas.

Sob esse aspecto, a Declaração da Unesco de Princípios sobre aTolerância é um documento importante na luta por uma cultura de paz.Seu artigo primeiro conceitua e define um marco referencial de grandealcance. Afirma que a tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço dariqueza e da diversidade das culturas do nosso mundo, de nossos modosde expressão e nossas maneiras de manifestarmos nossa qualidade deseres humanos. A tolerância é a harmonia na diferença. Não é apenas umdever de ordem ética, mas igualmente uma necessidade política e dejustiça .

Nessa perspectiva, a educação pode se colocar como fator decoesão, procurando ter em conta a diversidade dos indivíduos e dos gruposhumanos, evitando, por conseguinte, continuar a ser um fator de exclusãosocial. Afinal, para além da multiplicidade dos talentos individuais, a

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educação confronta-se com a riqueza das expressões culturais dos váriosgrupos que compõem a sociedade .

Para desempenhar esse papel é imprescindível que a educação sejadefinitivamente colocada no topo das prioridades do Estado. Como dizDelors:

�A educação deve, no futuro, ser encarada no quadro de uma nova problemática em quenão pareça apenas como um meio de desenvolvimento, entre outros, mas como um dos elementosconstitutivos e uma das finalidades essenciais desse desenvolvimento�.

Dito de outra forma:

�Um dos principais papéis reservados à educação consiste, antes de mais nada, em dotara humanidade da capacidade de dominar o seu próprio desenvolvimento. Ela deve, de fato,fazer com que cada um tome o seu destino nas mãos e contribua para o progresso da sociedadeem que vive, baseando o desenvolvimento na participação responsável dos indivíduos e dascomunidades.�

Assim sendo, o principal objetivo da educação é o desenvolvimentohumano na perspectiva de uma cultura de paz, cabendo-lhe a missãopermanente de contribuir para o aperfeiçoamento das pessoas numadimensão ética e solidária. Para atingir esse aperfeiçoamento, tornou-seum imperativo do nosso tempo trabalharmos juntos uma nova éticauniversal capaz de imprimir novos rumos ao desenvolvimento e recuperaro sentido da vida, sobretudo em relação às crianças e aos jovens queanseiam por um mundo diferente.

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A Dimensão Cultural da Política de Educação1

Mais uma vez a UNESCO sente-se gratificada em ser parceira doServiço Social do Comércio � SESC na realização de um eventointernacional de grande alcance para as política de educação e cultura noBrasil. O núcleo temático deste Encontro � Educação e Cultura � hámuito tempo vem sendo objeto das melhores atenções da UNESCO. ORelatório �Nossa Diversidade Criadora�, produzido pela Comissão Mundial deCultura e Desenvolvimento, já editado em língua portuguesa, pode mesmo serconsiderado um dos pontos mais altos do pensamento da UNESCO noque diz respeito à importância dos fatores culturais nas políticas dedesenvolvimento e na construção coletiva de uma nova ética para presidire regular a convivência e o diálogo entre as diversas culturas.

O citado Relatório lançou as bases e mostrou a indissociabilidadeentre cultura e desenvolvimento. �Quando a cultura é entendida comobase do desenvolvimento�, diz o relatório, �a própria noção de políticacultural deve ser consideravelmente ampliada. Toda polít ica dedesenvolvimento deve ser profundamente sensível à cultura, e inspiradapor ela�2.

E entre as políticas de desenvolvimento, a que mais estreitamentese vincula à cultura é a política de educação, pois esta configura-se comoum processo de transmissão e construção da cultura. Por isso, uma políticade cultura é indissociável de uma política de educação.

1 Pronunciamento por ocasião do Encontro Internacional sobre Educação e Cultura doSESC, São Paulo, 20 ago. 2001.

2 CUÉLLAR, J. P. de (Org.). Nossa diversidade criadora: relatório da Comissão Mundial deCultura e Desenvolvimento. São Paulo: Papirus, UNESCO, Ministério da Cultura, 1997.

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É importante sublinhar que não trata somente de chamar a atençãopara a importância econômica do setor cultural em termos de ProdutoNacional Bruto � PNB. Se insistirmos, exageradamente, nessa linha deargumentação, os objetivos culturais correm o risco de serem suplantadospor objetivos puramente mercantis3. As práticas culturais possuem umsignificado mais profundo e se vinculam à identidade de uma comunidadeou de um povo.

Quando se afirma que as práticas culturais são importantes para aeducação, por exemplo, deve ser entendido que um processo educativosó tem legitimidade e alcance quando se respeita e considera a dimensãocultural. Só a partir da compreensão das raízes, pode-se alçar vôos maisaltos. As diferenças precisam ser consideradas. Como diz Madan Sarup,da Universidade de Londres, a existência de outras lógicas e racionalidadesdesafia o absolutismo de nossas próprias categorias.4

O fracasso escolar, do qual tanto se fala na atualidade, pode, emparte, ser explicado por matrizes culturais que perpetuam a repetência.Algumas chegam mesmo a desqualificar, conceitualmente, crianças pobrese negras. Ocorre que a cognição não pode ser separada do contextocultural. A pedagogia precisa ser contextualizada. Não se pode, emeducação, permanecer fora do universo cultural de crianças e jovens. Aseparação entre sujeito e objeto não faz mais sentido numa concepçãomoderna de educação e de desenvolvimento.

Daí a importância de um Encontro para discutir Educação e Cultura.Mais do que isso. De um Encontro que tem a marca e a presença de EdgarMorin, indiscutivelmente uma das mentes mais férteis da atualidade. Morintem razão ao dizer que não podemos compreender alguma coisa deautônomo, senão compreendendo aquilo de que ele é dependente. Estanova maneira de ver a ciência implica em uma revolução no pensamento,

3 Idem, p. 3104 SARUP, M. Marxismo e educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

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pois o conhecimento ideal implicava fechar inteiramente um objeto epesquisá-lo exaustivamente. Isso ainda é o ideal das teses de doutoradoque, em geral � e por essa razão � são tão estéreis.5

Assim sendo, o pensamento complexo de Morin possui implicaçõesradicais na área da educação. Como ele mesmo diz, o pensamentocomplexo é o pensamento que se esforça para unir, não na confusão, masoperando diferenciações. Isso me parece vital na vida cotidiana. Anecessidade vital da era planetária, diz Morin, é um pensamento capaz deunir e diferenciar. É uma aventura muito difícil. Mas se não o fizermos,teremos a inteligência cega, a inteligência incapaz de contextualizar6.

Na área da educação e de suas relações com o mundo da cultura, opensamento de Morin tem força para instaurar um novo paradigma parapresidir e nortear o surgimento de uma pedagogia capaz de perceberdiferenças e conexões e de tratá-las na perspectiva de construção de umnovo entendimento do fenômeno educativo.

Um novo entendimento do fenômeno educativo poderá ampliar aschances para o advento de uma nova mentalidade que permitirá operardiscernimentos importantes no contexto da complexidade que estamosvivendo.

5 MORIN, E. Por uma reforma do pensamento. In: PENA-VEGA, A.; NASCIMENTO, E.P. O pensarcomplexo. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p. 25.

6 Idem, p.33.

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Ciência e Meio Ambiente:Política e ensino

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Água da Amazônia1

Temos a satisfação de apresentar o livro Problemática do uso local e globalda água da Amazônia, contribuição nobre do Núcleo de Altos EstudosAmazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará no seu trigésimoaniversário para o Ano Internacional da Água. A obra integra as atividadesdo Programa de Cooperação Sul-Sul para o Ecodesenvolvimento quepromovem o Programa MAB/UNESCO, a Universidade das Nações Unidase a Academia de Ciências do Terceiro Mundo, e que se publica em co-edição do NAEA e a UNESCO.

O livro discute e analisa questões cruciais, entre as quais: comogerenciar um recurso finito que tende à escassez e que definirá o futuroda vida do planeta? Quais parâmetros éticos orientarão um novo contratovital da água com o valor econômico que ela representa? Que medidas sefazem necessárias para resolver o problema do acesso a água potável equal o papel da Amazônia e do Trópico Úmido nessa questão?

O uso ineficiente da água está no cerne dessas questões. O Diretor-Geral da UNESCO, Koïchiro Matsuura, afirmou recentemente que:

�Nos próximos 20 anos é esperado que a média mundial de abastecimento deágua por habitante diminua um terço�.

1 Apresentação feita em conjunto com Alex Bolonha Fiúza de Mello, reitor da UFPA, do livro:ARAGÓN, L. E.; GLÜSENER-GODT, M. (Orgs.). Problemática do uso local e global da água daAmazônia. Belém: UFPA, NAEA, UNESCO Brasil, 2003.

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A crise, na realidade, refere-se principalmente ao acesso à águadoce potável. Conforme o Relatório Mundial sobre Desenvolvimento de RecursosHídricos, lançado recentemente pela UNESCO:

�O fato de facilitar ao pobres um melhor acesso a uma água mais bem gerenciadapode contribuir para a erradicação da pobreza�.

E agrega que cerca de dois milhões de toneladas de dejetos sãojogados diariamente em águas receptoras, incluindo resíduos industriais equímicos, e dejetos humanos e agrícolas; e estima que a produção globalde águas residuais chega aproximadamente a 1.500 Km³, e a carga mundialde contaminação a 12 mil Km³, o que representaria uma quantidade 50%superior a toda a água contida em todas as represas até hoje construídas,as quais armazenam um volume total de oito mil Km³.

O livro que agora se publica foi elaborado com o intuito de daroportunidade aos estudiosos dos países amazônicos oferecer umacontribuição para o III Fórum Mundial da Água, ocorrido em Kyoto, Japão,de 16 a 23 de março de 2003. A região Amazônica tem granderesponsabilidade na questão das águas, pois nela está contida a maior baciahidrográfica do mundo. Essa situação confere visibilidade ampliada e exigegestão competente e responsável de seus recursos; caso contrário àsconseqüências serão imprevisíveis no nível local e global.

A obra inclui documentos escritos conforme termos de referênciadiscutidos em workshop realizado em Belém em junho de 2002 e posteriormenteapresentados e debatidos em seminário internacional, também em Belém, de9 a 13 de março de 2003, evento que contou com a participação de mais de200 pessoas, incluindo representantes da UNESCO, da UNU e outrosorganismos nacionais e internacionais, e com a presença do Ministro de Ciênciae Tecnologia do Brasil, por ocasião da sessão de encerramento. O livro secompleta com os textos elaborados pelos debatedores participantes doseminário. Este livro, portanto, constitui-se em obra de referência para açõesfuturas e em indutora de novos estudos sobre o tema.

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Conhecimento e Inovação Contra a Exclusão1

O cientista e pensador Mario Bunge, que tinha uma visão integradado desenvolvimento, observou, há mais de duas décadas, que a civilizaçãomoderna, tanto no Ocidente quanto no Oriente, desmoronaria em poucotempo se um grupo de fanáticos liquidasse os cientistas do mundo porquea civilização se tornou dependente da técnica e da ciência. Para ele, seriauma loucura planejar o desenvolvimento sem atribuir um papel de destaqueà ciência e à técnica, pois estas constituem o núcleo da cultura modernae o seu componente mais dinâmico.

Ao tempo em que Bunge escreveu isso � final dos anos 70 � muitosainda nem imaginavam que ao termo da década seguinte, após o declíniodo bloco soviético, em 1989, o mundo passaria a conhecer uma fase semprecedentes de utilização intensa do conhecimento e da inovação. A partirdaí, mudanças radicais começaram a se operar na economia e na sociedade,em escala mundial, demandando níveis crescentes de escolarização dequalidade e de produção e aplicação de conhecimentos. Não é necessáriodizer que a revolução que então se iniciou não teria sido possível sem osavanços científicos e tecnológicos, notadamente em algumas áreas, entreelas a microeletrônica, a informação e a comunicação. Apoiado natecnologia da informação, o capitalismo revitaliza-se, reestrutura-se eamplia os seus espaços em todo o planeta. Uma nova estrutura social,para usar a expressão de M.Castells, começa a surgir.

As conseqüências dessa nova fase do capitalismo invadem epromovem mudanças em todos os setores da sociedade e da economia.O conhecimento e a inovação adquirem um valor estratégico jamais visto.As expressões sociedade e gestão do conhecimento tornaram-se presentes

1 Artigo preparado para o jornal Correio Braziliense.

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em todos os grandes fóruns mundiais convocados para discutir odesenvolvimento. Os países que perceberam a tempo essa tendência, eisso já era possível nas décadas de 1970 e 1980, empreenderam reformasem áreas estratégicas como a da educação e aumentaram seus investimentosem ciência e tecnologia e, devido a isso, conseguiram entrar na divisãoespecial da competitividade; outros, como Brasil, Argentina, México,procuram recuperar o tempo perdido; e há os que podem estar condenados,a menos que uma nova lucidez tenha acento na cúpula dos incluídos.

No caso do Brasil, apesar de ter perdido muitas chances no passado,algumas ainda sobrevivem e podem servir de alavancas em direção aofuturo. Elas passam necessariamente pela erradicação do analfabetismo,universalização da educação básica e presença de sólidas instituições depesquisa básica e aplicada. Nessa direção, o lançamento do Programa BrasilAlfabetizado, pelo Presidente da República, propondo erradicar oanalfabetismo em poucos anos, configura-se como um sinal auspicioso parao fortalecimento da auto-estima do Brasil excluído, Por outro lado, osfundamentos e diretrizes da política científica e tecnológica, que estãosendo propostos pelo Governo, têm a coragem de reconhecer aimportância do conhecimento e da inovação para combater a exclusão eajudar a resgatar uma dívida histórica com os que vieram e lutaram antes,mas cujos herdeiros permanecem excluídos das condições mínimas devida digna. Em outras palavras, uma política científica e tecnológica só selegitima em sua identificação com os segmentos mais pobres e sofridos dapopulação. Caso contrário, ela perde o seu sentido social e deixa depromover o uso ético do conhecimento.

As ilhas de excelência não bastam para combater a exclusão,sobretudo no cenário atual da globalização que requer uma visão integradaentre educação, ciência e tecnologia. Uma educação básica de qualidadeprepara o cenário futuro para que, de forma crescente, um maior númerode brasileiros possa ter acesso às tecnologias da informação e dacomunicação e, dessa forma, usufruir os frutos comuns do conhecimento.

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É preciso dar saltos para compensar em parte o tempo perdido.Mais do que isso. A velocidade das transformações exige urgência. Naeducação, na ciência e na tecnologia estão as esperanças do Brasil. Emoutras palavras, no conhecimento e no seu poder para modificar o regimede desigualdades vigente. educação e ciência para todos faz aumentar ocerco à exclusão, ajuda a reduzir a marginalidade e a violência e contribuipara instaurar um clima social favorável ao desenvolvimento.

Daí a importância de uma política científica e tecnológica que ajude,por um lado, a reduzir a dependência do país e, promova adesconcentração regional nos investimentos em ciência e tecnologia, quese volte para as questões sociais mais urgentes dos excluídos, entre elas oproblema da fome, da habitação, do saneamento, da educação e da saúde.Essa política, que demanda amplas parcerias entre o poder público e asociedade civil, precisa consolidar-se como política de Estado. Só assim,ela poderá criar um horizonte mais promissor.

O Combate à exclusão por intermédio do conhecimento e dainovação, que constitui o principal fundamento das políticas de ciência etecnologia do MCT, está na raiz da UNESCO e estará sempre presenteem toda a sua trajetória. A Declaração Mundial de Budapeste sobre o usode conhecimento científico ressalta a sua dimensão ética e a necessidadede popularizá-lo e colocá-lo ao alcance da coletividade. Só assim oconhecimento e os seus frutos poderão beneficiar todos as pessoas.

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Ensino de Ciências: Novas Diretrizes1

�Como ensinar as ciências experimentais? Didática e formação� émuito mais que uma indagação e respectivas alternativas de respostas.Trata-se de um trabalho profícuo realizado pelo autor na UniversidadeParis-Sud /Orsay em colaboração com professores das classes de colégio(ensino secundário inferior) da França. Reveste-se, portanto, de duplaimportância: é um trabalho vivo de uma universidade em articulação comoutro nível educacional, ao mesmo tempo em que focaliza uma importanteárea dos currículos, o ensino-aprendizagem das ciências.

Sob o primeiro aspecto, o livro é mais um incentivo para que asinstituições brasileiras de educação superior associem teorias e práticasna formação inicial e continuada dos nossos professores. Essa é uma áreaque precisa dar grandes passos rumo à renovação, com conseqüênciasmuito ricas e compensadoras sobre todo o sistema educacional e asdiversidades culturais e sociais cada vez mais presentes nele.

O relacionamento entre a educação superior e os outros níveiseducacionais é justamente uma das recomendações da Conferência de Paris,em 1998. Aqui um livro foi gerado a partir de longos trabalhos deexperimentação no collège francês, que, como parte do ensino de massa,enfrenta a heterogeneidade e a falta de motivação de muitos alunos. Viaúnica de democratização, situada entre o ensino primário e o liceu, ocollège é um espaço difícil e controvertido, em que os alunos vêm decamadas sociais diferentes, são imigrantes ou filhos de imigrantes de vários

1 Apresentação feita ao livro: SOUSSAN, G.; FREITAS, G. Como ensinar as ciências experimentais?Didática e formação. Brasília: UNESCO Brasil, OREALC, 2003.

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continentes e pelo menos uma parte apresenta sérias dificuldades deaprendizagem. É uma realidade que não chega a ser estranha às salas deaula dos países em desenvolvimento que expandem e democratizam oseu ensino.

Sob o segundo aspecto, sem desmerecer outras áreas do currículo,igualmente nobres, as ciências permitem ter outra visão do mundo econstituem necessidades básicas de aprendizagem, de crianças,adolescentes, jovens e adultos. Se ensinar ciências até pode vir a ser caro,qual será o incomensurável retorno social e econômico de conhecimentosque ensinam a tratar melhor a saúde e evitar doenças muito dispendiosas?Não por acaso, a Reunião Regional de Consulta da América Latina e do Caribe sobre oEnsino da Ciência, em Santo Domingo, em 1999, destacou que ademocratização da ciência envolve a meta de maior abertura no seu acessoe entendida como componente cultural central. Enfatizou, também, aconstrução de uma cultura científica transdisciplinar � em ciênciasmatemáticas, naturais, humanas e sociais � que a população possa sentircomo própria.

Por sua vez, a Conferência Mundial sobre a Ciência para o Século XXI, emBudapeste, 1999, na sua �Agenda para a Ciência�, recomendou que os governosdevam entrar em acordo quanto às mais altas prioridades para melhorar aeducação científica em todos os níveis, com especial atenção à eliminaçãode efeitos de preconceitos quanto ao gênero e aos grupos em desvantagem.Para isso, currículos, metodologias e recursos devem ser desenvolvidospelos sistemas educacionais, levando em conta essas diversidades.Acrescentou, ainda, que os professores de ciências e pessoas envolvidasna educação científica devam ter acesso à contínua atualização dos seusconhecimentos.

A questão é, pois, democratizar os conhecimentos científicos viaescolarização, para o homem melhor conhecer o mundo de que é parteintegrante, segundo relações recíprocas. A presente obra representa,portanto, uma contribuição para que os professores no Brasil reflitam sobre

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novas alternativas, criem sobre elas e levem seus alunos à descobertamotivada do ambiente em que vivemos. Tudo isso norteado pela formaçãode valores, tão caros à continuação da vida, como parte da formação deuma cidadania planetária, em que cada um deve sentir responsabilidadepelo ambiente e pelo desenvolvimento sustentável. Portanto, as ciênciasnão são um compartimento dos currículos, mas uma forma deconscientização e promoção da vida.

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Que Ciências Ensinar?1

O presente livro tem o significado de uma contribuição daUNESCO para um momento estratégico da educação brasileira: ele tratatanto do ensino das ciências quanto do ensino secundário. O Brasil eoutros países estão vivendo, ao mesmo tempo, uma grande carência noensino das ciências. A expansão a que estamos assistindo do ensinosecundário ou médio transforma-os em ensino de massa, conformereconheceu Declaração apresentada em reunião da UNESCO, em Beijing.

São dois campos férteis para crescerem as plantas dos novosconhecimentos. De um lado, a Conferência de Jomtien se comprometeucom o atendimento às necessidades básicas de aprendizagem de criançase adultos, entre as quais se situa o conhecimento científico. De outrolado, o ensino secundário, abaixo da linha do Equador, cada vez maisdeixa a feição de ensino de elite passando a ensino democrático. Devemos,aliás, levar em conta que a expressão ensino secundário em grande partedo mundo e em alguns trabalhos aqui apresentados, compreende tanto oensino secundário superior como inferior, este posterior ao primário. Naorganização educacional brasileira isso quer dizer que corresponde nãosó ao ensino médio (que equivaleria, em muitos países, aos últimos anosda escola secundária ou ao ensino secundário superior), como às sériesfinais do ensino fundamental (equivalente ao ensino secundário inferior).

Assim, temos níveis de ensino, especialmente o médio que, em nossarealidade, crescem aceleradamente, deixando de ser um filtro apurado

1 Apresentação feita ao livro: SASSON, A.; MACEDO, B.; KATZKOWICZ, R. Cultura científica:um direito de todos, Brasília: UNESCO Brasil, OREALC, 2003.

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de poucos para se tornar escolaridade obrigatória ou progressivamenteobrigatória. Isso traz o novo à baila das discussões educacionais e,também, desafios sobre o que fazer e como fazer. É então que se colocamas necessidades básicas da aprendizagem. Jomtien preocupou-seeminentemente com a qualidade: não adianta conceber a educação comouma caixa vazia (que, aliás, faz mais barulho que a cheia) ou como umcertificado desprovido de competências. Matricular é importante, porémmais relevante ainda é o que acontece ao aluno na caixa preta da escola eda sala de aula. Parte dessas necessidades básicas de aprendizagem se refereao conhecimento do mundo natural, do mundo físico, que é a casa dohomem, aliás, seu inquilino (por sinal, nada bem comportado). Sabemoscomo continuam a existir crenças mágicas, ilusões e áreas de totaldesconhecimento não só nas populações de baixa como de alta renda,como nos países em desenvolvimento e desenvolvidos. As ciênciascontribuem, portanto, para que o homem substitua o conhecimento comumpelo científico e possa ser melhor inquilino do Planeta.

Tudo isso ocorre em meio a uma torrente ininterrupta deconhecimentos que fluem pelos meios eletrônicos, por todos os cantos.Se a revolução da informação e da comunicação permite que osconhecimentos se difundam em massa, padronizadamente, as escolasapresentam cada vez mais o desafio da diversidade social e de interesses.Paradoxalmente, em meio às novas tecnologias, ensinar ciências se tornaprocesso desafiador para os educadores. Como então interessar crianças,adolescentes, jovens e adultos num mundo fascinante, porém aindaescondido por trás de uma casca de erudição e estranheza, como se nãofosse atinente ao dia de hoje e ao momento de agora?

Esta obra representa, pois, um desafio aos desafiados, os nossoseducadores. Que ciências ensinar e como ensiná-las? É o título de um dosseus capítulos. E como somos cidadãos do mundo, cada vez mais estreito,o seu conteúdo coloca em discussão experiências de fora. É a certeza deque não estamos sós em nossas dificuldades, mas podemos tambémaprender � assim como ensinar com as nossas experiências.

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Futuro do Planeta Está na Água1

O III Fórum Mundial da Água, em Kyoto, Japão, este ano, é ocoroamento de um processo de muito tempo e trabalho no âmbito dasNações Unidas. Nesse processo, a UNESCO (Organização das NaçõesUnidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) tem papel de destaquepor ser uma das agências que tratam da questão da água desde 1975, quandolançou o Programa Hidrológico Internacional.

O objetivo final de anos de trabalho no assunto água é um só:fornecer uma abordagem internacional coerente com o desenvolvimentosustentável no mundo. Como gerenciar um recurso finito que tende àescassez e que definirá o futuro da vida no planeta? Quais parâmetroséticos orientarão um novo contrato social no que diz respeito aos recursoshídricos? O uso ineficiente da água está no cerne dessa questão. O diretor-geral da UNESCO, Koïchiro Matsuura, afirmou que nos �próximos 20anos é esperado que a média mundial de abastecimento de água porhabitante diminua um terço�.

A pobreza de grande parte da população do mundo é, ao mesmotempo, o sintoma e a causa da crise na água. O fato de facilitar aos pobresmelhor acesso a uma água melhor gerenciada pode contribuir para aerradicação da pobreza, traz o Relatório Mundial sobre o Desenvolvimentodos Recursos Hídricos. Lançado pela UNESCO, trata-se da maisimportante contribuição intelectual para o Fórum Mundial e para o AnoInternacional da Água Doce 2003, coordenado também pelo Departamentode Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas.

1 Artigo publicado nos jornais: �Diário da Região - S. J. do Rio Preto�, SP, em, 19/07/2003;�A Tarde�, BA, em 16/04/2003; �Diário de Cuiabá�, MT, em 12/04/2003; �Jornal do Commercio�,RJ, 03/04/2003.

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Segundo o Relatório Mundial, cerca de 2 milhões de toneladas dedejetos são jogados diariamente em águas receptoras, incluindo resíduosindustriais e químicos, dejetos humanos e agrícolas (fertilizantes eagrotóxicos). Ainda de acordo com o estudo, estima-se que a produçãoglobal de águas residuais chegue a aproximadamente 1,5 mil km3.

Considerando que 1 litro de águas residuais polui 8 litros de águalimpa, a carga mundial de contaminação pode, hoje, chegar a 12 mil km³.O que significa uma quantidade 50% superior a toda a água contida emtodas as represas até hoje construídas, que armazenam um volume totalde 8 mil km³.

O que nos falta com relação à gestão da água é maiscomprometimento polít ico, melhor direcionamento dos recursosfinanceiros, educação continuada e informação ampla de toda a sociedademundial para reverter as tendências negativas anunciadas. Embora muitoseventos e discussões internacionais tenham acontecido nos últimos 25anos sobre questões relacionadas à água, quase nenhum dos objetivosestabelecidos para melhorar sua gestão foi atingido.

O planeta não vai suportar o ritmo atual do uso da água, e umamudança radical de atitude e comportamento é determinante paraconstruir novos cenários e diminuir as incertezas.

Como obter água é aparentemente fácil, há grande desperdíciodesde sua extração, distribuição e uso. Embora seja um elemento abundanteno planeta, apenas 2,53% do total constituem água doce e daí a extremaurgência em desenvolver novas atitudes voltadas ao manejo racional desseativo ambiental essencial à vida.

Brasília, por exemplo, tem muita responsabilidade na questão daságuas. No Distrito Federal, estão localizadas nascentes formadoras dasbacias do São Francisco, do Araguaia-Tocantins e do Prata, esta últimacompartilhada com outros países. A situação confere visibilidade ampliada

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e exige da capital do Brasil uma gestão competente e responsável de seusrecursos; caso contrário, as conseqüências podem ter impactos locais,nacionais e internacionais.

A Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, realizadaem 1992 em Dublin, República da Irlanda, estabeleceu quatro princípiosque ainda continuam válidos para discussões sobre o assunto: 1. a águadoce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, odesenvolvimento e o meio ambiente; 2. o aproveitamento e a gestão daágua doce devem estar baseadas na abordagem participativa, envolvendousuários planejadores e tomadores de decisão de todos os níveis; 3. amulher desempenha um papel fundamental no abastecimento, na gestão ena proteção da água, e 4. a água tem um valor econômico em qualquerque seja seu uso e deve ser reconhecida como um bem econômico.

Sendo um bem essencial, até quando trataremos mal a água? Se ahumanidade quer sobreviver é necessário começar a perceber a água deuma outra maneira, e agir condizente com isso. Por meio de um conjuntode políticas públicas e de atitudes coletivas e individuais em nossocotidiano acreditamos que a mudança ainda poderá acontecer a tempo.

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Educação Científica e Desenvolvimento1

Quero, nesta oportunidade, e em nome da UNESCO, congratular-me com o Ministério da Educação e com o Ministério da Ciência eTecnologia, especialmente com a Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico,pela iniciativa de lançar o Prêmio Experiências Inovadoras para oAperfeiçoamento do Aprendizado das Ciências da Natureza e Matemática.

Demonstram, desta forma, os Ministérios da Educação e da Ciênciae Tecnologia o reconhecimento de que o acesso ao conhecimentocientífico faz parte do direito à educação de todos os homens e mulheres.Igual entendimento foi adotado na Declaração sobre a Ciência e o Uso doConhecimento Científico, proclamada pela Conferência Mundial de Budapeste,realizada pela UNESCO.

A educação científ ica é de importância essencial para odesenvolvimento humano, para a criação de capacidade científica endógenae para que tenhamos cidadãos participantes e informados. A Declaração deBudapeste insiste que a educação em ciência, sem discriminação e abrangendotodos os níveis e modalidades de ensino, é um requisito fundamental dademocracia e também do desenvolvimento sustentável.

Ainda que o Brasil mostre, em diversos diagnósticos, sérios problemas aenfrentar na esfera educacional e, em especial, no ensino de ciências, são muitosos esforços desenvolvidos para superá-los. São esforços meritórios feitos por

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento do Prêmio �Experiências Inovadoras para oAperfeiçoamento do Aprendizado das Ciências da Natureza e Matemática�, Brasília, 5 ago. 2003.

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Estados e Municípios, por escolas e por professores, buscando a valorizaçãodo ensino das ciências, mesmo enfrentando diferentes tipos de obstáculos.

Esses esforços podem e devem ser sistematizados e organizadosem âmbito nacional e, desta forma, subsidiarem a formulação eimplementação de políticas e ações que restabeleçam a importância daeducação científica, criando, de forma gradual, as condições paraproporcionar às crianças e jovens do Brasil, oportunidades concretas deuma educação científica de qualidade.

Se, como argumenta Manuel Castells que, pela primeira vez nahistória, a mente humana é uma força direta de produção e não apenas umelemento decisivo no sistema produtivo, pode-se concluir que, a ausênciade uma educação científ ica de qualidade pode comprometer odesenvolvimento das inteligências necessárias a um mundo que demanda,de forma crescente, conhecimentos e mentes inovadoras.

Nunca se pode perder de vista que grandes descobertas como oDNA, a invenção do computador e da Internet e tantos outros inventos ecriações revolucionárias, são frutos de uma cadeia pedagógica e científicaque começa na pré-escola, chega à universidade e continua em programasde pós-graduação e pesquisa de alto nível. Einstein, Flemming, Chagas,Lattes não surgem da noite para o dia.

Mario Bunge, um pensador singular da ciência contemporânea, tinharazão ao afirmar que o desenvolvimento da ciência e da técnica de umasociedade faz parte de seu desenvolvimento cultural e, em uma sociedadeem vias de modernização é, ou deveria ser, a parte principal dessedesenvolvimento. Por isso mesmo, há a necessidade de se pensar aeducação em todas as suas etapas visando a adoção de políticas sinérgicasque se complementem reciprocamente.

Nunca será demais observar que uma política para o setor precisaestar atenta a vários fatores que condicionam o seu êxito, particularmente

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no que se refere à formação inicial e a carreira do magistério que precisamser revistas e redirecionadas para um horizonte que estimule a escolhapela profissão docente. O Brasil dispõe hoje de excelentes cientistas quese dedicam ao ensino das ciências e que começam a serem convocadospara enfrentar esse desafio.

De sua parte, a UNESCO já está mobilizando seus especialistas econsultores com o objetivo de oferecer sua experiência e cooperaçãointernacional ao Governo Brasileiro, com a crença de que as novascondições políticas, mesmo diante das limitações econômicas, possamcriar um clima favorável para a instauração de uma política promissoranesse setor.

Nesta oportunidade, coloco a Representação da UNESCO do Brasilà disposição dos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia paraconstruir essa nova realidade.

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Fernando de Noronha, Patrimônio Mundial1

Os historiadores nos contam que, em 1503, ao avistar, acidentalmente,as ilhas de Fernando de Noronha, o navegador Américo Vespúcio não seconteve e disse que �se houver paraíso na terra ele não deve estar longe!�.

Criar paraísos não é tarefa dos homens. No entanto, mantê-los epermitir que a eles se tenha acesso, sem ameaçá-los ou destruí-los, essesim, é um desafio que nos cabe!

Em dezembro de 2001, ao conferir o título de Patrimônio Mundialao conjunto das �Ilhas Atlânticas Brasileiras � Fernando de Noronha e Atol dasRocas�, a UNESCO o fez por considerá-las um singular sistema emerso esubmerso, do qual depende a preservação da biodiversidade de todo oAtlântico Sul.

Isto significa que, à beleza desse arquipélago de águas translúcidase de inacreditáveis azuis, que vão do turquesa ao esmeralda, se soma umpapel estratégico para o conhecimento científico, para a reprodução dosorganismos marinhos e, se adequadamente controlado, para o turismoecológico.

Ao decidir trazer, pessoalmente, a Pernambuco, este diploma epassá-lo às mãos do Governador Jarbas Vasconcelos, minha intenção foi ade registrar solidamente o compromisso da UNESCO com a preservação

1 Pronunciamento por ocasião da entrega do título de Patrimônio Mundial ao Sítio Natural doArquipélago de Fernando de Noronha, Recife, 27 dez. 2002.

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da Ilha e seu reconhecimento a todos aqueles que vêm crescentementetrabalhando pela sua preservação � pesquisadores, Organizações Não-Governamentais, cidadãos de Fernando de Noronha, instituiçõesgovernamentais e em, especial, ao Governo do Estado de Pernambuco.

Afinal, Patrimônio Mundial, mais do que um selo de qualidade éum selo de compromisso.

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Ciência, Ética e Sustentabilidade1

O final do século vinte deixou claro um conjunto de preocupaçõesque devem orientar a conduta intelectual dos cientistas. Protagonistas deum formidável poder de modificar nosso mundo, os pesquisadoresencarnam agora, mais do que em qualquer outra época, um papel querepresenta ao mesmo tempo a esperança da solução de problemas eimpasses e também o risco de que novos problemas e impasses surjam,como decorrência do próprio avanço da ciência.

A degradação do meio ambiente, que tem sido objeto de alarmeshá décadas é, sem dúvida, um notável exemplo de seqüelas da utilizaçãode novos conhecimentos, sem uma prévia consideração dos efeitos sobreas condições de vida no longo prazo. Os novos progressos no campo dagenética chamam a atenção, igualmente, para o imperativo de seestabelecer cr itér ios de aval iação das conseqüências do uso deconhecimentos aplicados às técnicas.

A responsabilidade da elite científica é, portanto, um tema inevitávelse quisermos encarar o desenvolvimento de forma sustentável. E, nessesentido, há que se introduzir o debate sobre a ética, invocando sua funçãoreguladora das condutas científicas.

A presente obra reúne um conjunto de textos produzidos porpesquisadores universitários preocupados com este instigante desafio.

1 Apresentação do livro: BURSZTYN, M. et al. Ciência, ética e sustentabilidade: desafios ao novoséculo. Brasília: UNESCO Brasil, Cortez, CDS-UnB, 2001.

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Trata-se de estudos que contribuem, sob diversos ângulos, para oaprofundamento do debate, no qual a UNESCO se empenha por força deseu mandato.

Organizada pelo professor Marcel Bursztyn, do Centro deDesenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília � instituiçãoparceira da UNESCO �, a obra torna público as reflexões de uma crescentecomunidade de pesquisadores que levantam críticas e apontam caminhospara a revisão do papel da Universidade, da Ciência e das Políticas Públicas.

É nosso desejo que o produto desse esforço sirva para fomentarnovas reflexões sobre as inter-relações entre três ingredientes tãoinstigantes: ciência, ética e sustentabilidade.

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Desenvolvimento Social e Direitos Humanos:Paz e respeito como caminhospara o desenvolvimento

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

Brasil: Voz e Vez1

Estamos na quinta edição do Prêmio UNESCO, seguindo a suatrajetória de identificar e valorizar o que existe de mais expressivo nasáreas que constituem as categorias de premiação, tendo o desenvolvimentosocial como um denominador comum de todas elas.

Em 2003 conseguimos reunir exemplos concretos de algumas dasmelhores experiências e de personalidades de incontestável destaque,considerando a relevância social de seus trabalhos e contribuições.

Além disso, levou-se em conta o mérito e a abrangência social dainiciativa.

Estou seguro de que o Brasil está iniciando uma nova fase de sua vidacomo nação. Essa nova fase pode ser caracterizada pela oportunidade depoder expressar seus diversos Brasis, de um País composto por pessoas quehoje têm voz e vez, que cresce a cada dia e se orgulha de ser a nação que é.

Uma aspiração histórica do Brasil também começa a ter lugar: estamosacertando o passo com nossa origem múltipla: origem européia, origemíndia e origem negra.

É a confluência dessas três origens que prenuncia um novo projetocivilizatório e gera a esperança da construção de um País efetivamente

11111 Pronunciamento por ocasião da Cerimônia de entrega do �Prêmio UNESCO 2003�, Brasília,19 nov. 2003

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comprometido com o passado, com o presente e com o futuro. Essaconfluência deságua na diversidade criadora do povo brasi leiro,produzindo uma criatividade que valorizada em todo o mundo. Essadiversidade só é possível em um clima de tolerância e cultura de paz,valores sempre presentes nas ações da UNESCO.

O que se faz com a instituição do Prêmio UNESCO é ressaltar,como diria William Bonner, um Brasil bonito e alegre, que trabalha efaz, cheio de esperanças. Um Brasil que dá certo, que ousa, que inova,que dá visibilidade a boas experiências tornando possível que sejamrepetidas em distintos lugares do país e do mundo. Que multiplica asoportunidades e as soluções. Por tudo isso, por este novo cenário quese abre hoje à nação brasileira, estamos sendo observados de perto portodo o mundo. Há uma atenção voltada aos temas que nós vivemos ediscutimos e há uma grande esperança neste olhar.

Os premiados desta noite, por tudo o que representam, pelainovação de seus projetos e idéias, pela coragem e estímulo de lutareme mudarem a realidade social, passam também a ser observados porprofissionais de todas as áreas e de todos os cantos do planeta. Por issomesmo, a UNESCO lhes presta hoje esta homenagem.

O salto do Brasil rumo ao desenvolvimento já foi iniciado. Ocombate à pobreza começa na escola e se sedimenta por meio de umaeducação permanente ao longo da vida. Nesse processo, à educação sejunta a ciência e tecnologia , ambas imprescindíveis para odesenvolvimento social e econômico de uma nação e constituem osinstrumentos capazes de promover a revolução social que o Brasil tantoprecisa.

O valor mais importante do mundo hoje é o conhecimento. E é naprodução do conhecimento que está fundamentada a significativa parceriaentre o Brasil e a UNESCO.

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

Estou seguro que a UNESCO está dando uma grande contribuiçãoao país, sobretudo no que diz respeito a ações preventivas e inclusivas.Pela inclusão social é possível evitar o agravamento de problemas nofuturo. Violências, doenças, analfabetismos, entre outros, devem sertratados de forma preventiva. A UNESCO sempre enfatiza que o custoda prevenção é consideravelmente menor que o custo dos programasrepressivos ou curativos, além de mais eficiente. A UNESCO reiterasua confiança na parceria com o Brasil e as iniciativas premiadas hojemostram que estamos no caminho certo.

Nos últimos anos temos aprofundado a discussão sobre o temaJuventude. Além de nossa linha de pesquisas e dos programas que aUNESCO desenvolve, buscamos também identificar pessoas que dêemvisibilidade a esta preocupação, capazes de atuar como parceiras nostemas do nosso mandato. Por isso é com alegria que chamo ao palco aapresentadora Fernanda Lima, que a partir de hoje se junta à UNESCOcomo nossa colaboradora especial para assuntos de juventude.

Mas antes de passar a palavra à Fernanda, quero agradecer a GlóriaMaria e a Zeca Carmargo por emprestarem seu brilho à nossa festa e aosprogramas da UNESCO.

Também quero registrar o empenho e a competência da equipe daUNESCO que organizou a premiação de hoje.

Passo agora a palavra a Fernanda Lima.

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Juventude e Direitos Humanos1

Juventude, violência e cidadania são temas caros à Unesco. Desde1997, a Organização tem realizado no Brasil uma série de pesquisas paramapear, analisar e compreender quem são os jovens, seu relacionamentocom a escola, com a família e com seus próprios grupos. As pesquisas daUnesco, fundamentalmente, vem contribuindo com suas recomendaçõespara a formulação de políticas públicas.

Esses estudos delineiam um quadro que pode ser classificado, nomínimo, como preocupante, pois revelam a situação de exclusão eviolência a que está submetida uma parcela significativa da juventudebrasileira. Como sabemos, hoje, temos 34 milhões de jovens no Brasil,que são os que mais matam e mais morrem na nossa sociedade. Temos12% de jovens que não trabalham e não estudam. E ainda, 40% dessesjovens vivem em situação de pobreza extrema. A ampliação dasdesigualdades e da exclusão social gera o agravamento dos sentimentosde insegurança, medo e vulnerabilidade que interferem e potencializamsituações de violências nas escolas.

Nessa linha, entre os temas abordados nas pesquisas, a questão dasviolências nas escolas ganhou destaque. A ocorrência de brigas, agressões,entrada de armas e mesmo mortes, nos estabelecimentos de ensino, é umindicador da deterioração das relações humanas e sociais. Isso tudo, no

11111 Pronunciamento por ocasião do Encerramento do Curso �Juventude e Direitos Humanos�,Brasília, 06 nov. 2003

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âmbito de uma instituição que é, por excelência, o espaço de formaçãodas futuras gerações.

Nessa trajetória, a Universidade Católica de Brasília se tornou umparceiro inestimável da Unesco, na medida que demonstrou sensibilidadee determinação para desenvolver iniciativas que possam colaborar paramudar este estado de coisas. Esta parceria se deu através do Observatóriode Violências nas Escolas do Brasil, na medida que se tornou um núcleode desenvolvimento de pesquisas, avaliações, cursos, trabalhoscomunitários e de fomento do debate � como ocorrerá no próximo ano,por ocasião do Congresso Ibero-Americano sobre Violências nas Escolas.Esse será um evento preparatório do Congresso Internacional sobre otema, que será realizado no Brasil em 2005. Este Congresso será organizadopelo Observatório Brasileiro, o qual atua em parceria com o ObservatórioEuropeu da Violência Escolar e com o Observatório Internacional daViolência na Escola.

É dentro dessa linha de atuação, de estímulo ao debate e aointercâmbio, que se insere o curso Juventude e Direitos Humanos, umprojeto conjunto da Unesco e da Católica, atendendo uma solicitaçãodo Batalhão Escolar da Polícia Militar do Distrito Federal. Trata-se deuma experiência extremamente rica, que possibilitou a interação depoliciais e pesquisadores, atores que lidam com o problema da violênciaescolar a partir de perspectivas diferentes.

O intercâmbio já está produzindo outros desdobramentos. Um delesé a realização de um segundo curso, em 2004, para um númerosignificativamente maior de policiais, consolidando o relacionamento entrea Polícia Militar do Distrito Federal, a Unesco e a Universidade Católicade Brasília.

Outro desdobramento é o surgimento de um novo olhar sobre asquestões envolvendo a juventude, decorrente das reflexões e discussõesrealizadas durante o curso. Esse novo olhar certamente será revertido em

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novos padrões de relacionamento, superando a visão negativa sobre ajuventude, que costuma predominar em nossa sociedade. Pois na medidaem que se ultrapassa os estereótipos e as visões cristalizadas, reconhecendoas diferenças e especificidades dos atores sociais, abre-se a via para acriação de uma cultura de paz, em que a tolerância e o diálogo dão otom. É assim que se abre a via para que os diferentes aprendam a viverjuntos, inviabilizando a cultura de violência.

O querer e saber viver juntos exigem algumas mudanças deparadigmas e padrões. Para a Unesco, o viver juntos exige conhecimento,já que a intolerância e a rejeição do outro provêm, quase sempre, domedo que alimenta a ignorância, do desrespeito aos direitos humanos eda falta de acesso ao desenvolvimento humano.

Mas não basta conhecer, saber. É preciso mudar atitudes ecomportamentos, pois há um certo número de códigos elementares queservem de fundamento à vida em sociedade. Entre eles estão o auto-respeito, o respeito pelo outro, pelo bem comum, pela qualidade devida e pelas regras da vida comunitária. Portanto, em primeiro lugar, deveser desenvolvida uma �educação civil�, o fundamento da cultura de paz.

O dia de hoje é uma oportunidade para que todos se congratularemem virtude desses passos dados rumo à construção de uma cultura depaz. Desse modo, desejamos que os profissionais da segurança pública sesintam cada vez mais encorajados a refletir sobre o seu papel na construçãoda cidadania e na prevenção da violência na sociedade.

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A Educação no Processo de Transformação Social1

A abordagem das relações entre a educação e o processo detransformação social requer uma consideração preliminar sobre os limitese o alcance do poder da primeira. A educação, por si só, não operamilagres. Ela pode, no entanto, converter-se em fator altamente estratégicopara as mudanças socioeconômicas desejadas, na medida em que estiversinergicamente conectada a uma política mais ampla de desenvolvimento.

Como todos nós sabemos, as mudanças sociais são sistêmicas eexigem ações concertadas e simultâneas nas diversas variáveis e pontoscríticos dos obstáculos a serem superados. Uma das vantagens, porexemplo, dos programas de distribuição de uma renda mínima associadaà educação, tais como o Programa Bolsa-Escola, é o conjunto de variáveisabrangidas, tanto de natureza pedagógica quanto socioeconômica. Açõesparciais estão sempre sujeitas a produzir efeitos efêmeros.

Em que pesem essas limitações, é preciso reconhecer a enormepotencialidade da educação. Essa dimensão transformadora foi muito bempercebida pela Comissão Delors, no Relatório Mundial para a Educação no SéculoXXI, concluído em meados dos anos noventa. O próprio título dessehistórico documento � Educação: um tesouro a descobrir � indicou o alcance eo poder prospectivo da educação.

Sem dúvida, �os tesouros escondidos no interior de cada serhumano� podem ser revelados por uma educação de qualidade para todos.

1 Pronunciamento por ocasião da Arena de Responsabilidade Social do 17º. Congresso Mundialde Petróleo, �Educação e Transformação�, Rio de Janeiro, 3 set. 2003.

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Na medida em que isso ocorrer de forma generalizada, uma rede deproteção contra o atraso e a ignorância começa a ser formada e se converteem fator de progresso e desenvolvimento.

Por outro lado, se movimentarmos nosso raciocínio em direção aocenário das transformações produtivas e das mudanças sociais que estãoem curso, é possível identificar três grandes impulsos motores, sendo oprimeiro, o da sociedade da informação e que está mudando a naturezado trabalho e da produção; o segundo, o impulso da globalização, queestá conduzindo a um mercado global de trabalho; e o terceiro, aaceleração do desenvolvimento científico e tecnológico e seus efeitosnos métodos e modos de produção2.

As conseqüências dessas transformações na política educacional sãoinúmeras. À medida que a informação e o conhecimento, por exemplo,passam a constituir fatores estratégicos do desempenho econômico esocial, a educação adquire um novo status e se coloca como condiçãoimprescindível ao êxito de uma política de desenvolvimento. Por issomesmo, inúmeros países empreenderam, na década de noventa, reformaseducacionais abrangentes, com o objetivo de preparar seus sistemaseducacionais para enfrentar os desafios da globalização e da mundializaçãodas atividades humanas.

Além do mais, essas mudanças estão conduzindo a uma novaengenharia social. Como diz Juan Carlos Tedesco, a maior novidade noatual processo de transformação é o papel que passam a desempenhar oconhecimento e a informação. A mudança fundamental seria, nesse sentido,a passagem de um sistema de produção para consumo de massa para umsistema de produção para um consumo diversificado. As novas tecnologiasbaseadas na informação permitem a produção adaptada a diferentesclientelas. Em decorrência, os modelos fordistas e tayloristas de produção

2 COMISIÓN EUROPEA. Enseñar y aprender: hacia la sociedad de conocimiento. Luxemburgo:Comisión Europea, 1995. p. 6.

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e de treinamento entram em declínio, pois o novo modo de produçãorequer uma distribuição mais homogênea da inteligência3.

Mais do que isso. Devido à acirrada competição por mercados, adurabilidade de uma inovação é reduzida, pois o tempo de vida de um produtodiminui. O efeito mais visível dessa nova formatação no mundo do trabalhoé o aumento da demanda por mentes flexíveis e abertas à inovação. A culturageral passa a ser um valor agregado indispensável, pois compreender osignificado das coisas e de suas conexões é, agora, um atributo importante.Não é mais possível assegurar mercados com baixa escolarização. Umaeducação básica de qualidade e uma educação permanente ao longo da vidase convertem em motores da transformação social.

Todavia, quando se fala em qualidade, torna-se necessário não reduzira educação ao campo cognitivo, o que significaria amputar sua dimensãoaxiológica e de desenvolvimento integral da personalidade humana. Comoo conceito de transformação social é multidimensional, precisamos pensaruma nova educação que assegure uma formação compatível com os desafiosdo nosso tempo, tanto os de ordem econômica quanto os de natureza éticae moral. Assim sendo, aprender a fazer, a ser, a viver juntos e aprender aaprender, que são os pilares reestruturantes da educação neste séculopropostos pelo Relatório da UNESCO , constituem aprendizagensfundamentais no contexto da diversidade de culturas de um mundoglobalizado, onde cidadania e competitividade devem caminhar pari passu.

Observe-se que esses quatro princípios procuram dar respostas apreocupações e desafios fundamentais do nosso tempo. O Aprender aConhecer responde ao desafio de uma sociedade da informação e doconhecimento. A didática do ensinar tudo a todos, de Comenius, precisaser substituída por uma didática do Aprender a Aprender, sem a qual se tornaráimpossível a formação de pessoas capazes de enfrentar as oscilaçõesciclotímicas do mercado de trabalho. O Aprender a Ser é importante para

3 TEDESCO, J. C. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 1998. p. 17.

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formarmos pessoas autônomas e críticas, em condições de formular seuspróprios juízos de valor. O Aprender a Fazer é indispensável paracredenciarmos todos ao trabalho produtivo, inclusive no que se refere àformação de uma mentalidade empreendedora. Por último, o Aprender aViver Juntos, responde à necessidade do diálogo no panorama mundial dadiversidade de culturas.

É importante salientar que a UNESCO tem procurado pensar aeducação no quadro das transformações em curso, onde é tão importanteuma educação para atender às novas exigências do mundo do trabalhoquanto uma educação para satisfazer às demandas do processo irreversívelde universalização da cidadania. Disso decorre a importância de termosescolas e professores capazes de repensar e operar o novo papel daeducação no mundo contemporâneo.

Sem um novo professor e uma nova escola não será possível darrespostas plenas às exigências do nosso tempo. A presença na sociedadede pessoas bem formadas, tanto em termos éticos quanto cognitivos,constitui condição indispensável para o desenvolvimento sustentado epara a consolidação do processo democrático. Daí a importância de umaeducação de qualidade para todos. Qualidade e ética são termosindissociáveis.

No caso específico do Brasil, um grande progresso ocorreu nosúltimos anos. O Brasil, praticamente, universalizou o ensino fundamental,atingindo uma cobertura de mais de 96% da faixa etária obrigatória, de 7a 14 anos, e promoveu significativa expansão do ensino médio e do ensinosuperior. Enfrenta, agora, um desafio ainda maior que é o problema daqualidade, o qual, certamente, exigirá esforços redobrados e políticasconsistentes e continuadas de várias gestões, em todos os níveis � federal,estadual e municipal.

A superação desse desafio poderá colocar o Brasil em posiçãoprivi legiada. Em que pesem os limites do poder da educação, já

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anteriormente mencionado, a quantidade de escolarização tem efeitosdiretos na vida das pessoas e, por conseguinte, no processo detransformação social. A partir dos dados do PNAD/99 (Pesquisa Nacionalpor Amostra de Domicílios do IBGE), é possível constatar uma progressivainserção no mercado de trabalho, na medida em que os níveis educacionaisse elevam. Entre as pessoas sem estudo ou com menos de um ano deestudos, só 36,3% estavam trabalhando. Essa proporção se elevarapidamente até a faixa dos que possuem 15 ou mais anos de estudos,onde 78,5% se encontravam inseridos no mercado. Fazendo uma estimativasimples, é possível verificar que cada ano de estudo aumenta em 2,6% aschances de emprego, sendo o ensino fundamental o que mais agregachances de trabalho.

Essa pesquisa mostra que o nível educacional da população estáfortemente associado às chances de trabalho e aos níveis de rendimento.Além disso, um outro dado que chama a atenção nessa pesquisa é o deque quando os pais têm uma média de 4,3 anos de estudo, os filhos de 20anos e mais apresentam uma média de 7,9 anos, com tendência a aumentar,dado que 21,4% continuavam estudando.

Se considerarmos esses dados no contexto da política educacionalbrasileira, deduz-se que, por um lado, se o Brasil está prestes a universalizaro ensino fundamental e dá passos largos em direção à universalização doensino médio, pode dar um passo sem precedentes se conseguir erradicarseu analfabetismo. Não será difíci l concluir que a superação doanalfabetismo tem um efeito duplo e reversível, qual seja, fortalecer aauto-estima e a cidadania do alfabetizado e aumentar a demanda poreducação no núcleo familiar.

Além do mais, uma política educacional para todos, não-excludentee que respeite as diferenças e a diversidade, fortalece o capital social ecultural de um país. Como observa Bernardo Kliksberg, o capital social ea cultura são componentes-chave do desenvolvimento. As pessoas, asfamílias e os grupos são capital social e cultural, por excelência.

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São portadores de atitudes de cooperação, valores, tradições, visões darealidade que formam sua própria identidade. Se isso for ignorado,importantes capacidades aplicáveis ao desenvolvimento serão inutilizadas4.A escola pode dar uma contribuição importante para o fortalecimento ea expansão do capital social e cultural. Sobretudo uma escola que ofereçauma educação de qualidade.

A complexidade do mundo contemporâneo se amplia de formacrescente, pois as fronteiras físicas estão sendo substituídas pelas fronteirasdo conhecimento. Os países que não alcançarem êxitos na reforma deseus sistemas educacionais estarão condenados a uma posição secundária.E isto é urgente, devido à velocidade das transformações tecnológicas e,por conseguinte, da economia do conhecimento.

Assim sendo, não será difícil perceber o quanto a educação estávinculada ao processo de transformação social. Por isso, a escola, paraacertar o passo com o futuro, precisa estar sintonizada com as mudançasem curso. Para tanto, torna-se inadiável dotá-la de padrões mínimos defuncionamento. Estes padrões devem incluir infraestrutura didático-pedagógica e professores bem formados.

É preciso não esquecer que uma educação de qualidade tem umcusto elevado. Todavia, é preciso ter em vista que o custo de uma educaçãode qualidade converte-se em investimento pelo retorno multidimensionalque ele propicia. O preço da ignorância ou de uma educação de péssimaqualidade é consideravelmente maior.

Devido ao quadro atual de escassez de recursos e à dificuldade denovos aportes, a política educacional precisa ser pensada, formulada eexecutada mediante uma aliança entre o Poder Público e a sociedadecivil. Nesse processo, os setores produtivos podem dar uma contribuição

4 KLIKSBERG, B. Falácias e mitos do desenvolvimento social. Brasília: UNESCO, Editora Cortez,2002. p.115.

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de grande alcance. Muitas iniciativas do chamado Terceiro Setor queestão em curso mostram que isso é possível. O Poder Público, por si só,dificilmente terá condições de vencer esse desafio.

Por último, importa sublinhar, ainda que isso possa parecerrepetição, que a elevação permanente dos níveis de educação de um país,sobretudo se for uma educação de qualidade, fortalece e qualifica asestratégias do desenvolvimento e, no caso de uma economia emergente,como a do Brasil, confere-lhe condições de enfrentar obstáculos por vezesconsiderados intransponíveis.

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Precisamos Desarmar a Violência1

Episódios recentes de violência mostram que a banalização no usode armas de fogo vem contribuindo para o aumento no número dehomicídios e de vítimas inocentes no Brasil.

Apesar dos avanços na legislação penal e de importantes medidasde combate à criminalidade adotadas nos últimos anos, o Brasil ainda éum dos líderes mundiais no uso de armas de fogo e um dos países ondemais se mata. Segundo o �Mapa da Violência�, feito com base em dadosdo governo federal, em 62,7% dos assassinatos no País há o uso de armasde fogo. Surpreendentemente, na taxa de óbitos por armas de fogo, oBrasil supera até países de longa tradição nas facilidades de acesso legalàs armas: são 18,7 mortes por cem mil habitantes.

O uso abusivo e ilegal de armas de fogo vem sendo também umaperigosa ameaça ao desenvolvimento e ao futuro dos jovens brasileiros.O �Mapa da Violência III � Os Jovens do Brasil�, de Jacobo Waiselfisz,publicado pela UNESCO no Brasil (Organização das Nações Unidas paraa Educação, a Ciência e a Cultura), faz um alerta importante. Em 2000 asarmas de fogo foram a causa de 74,2% dos homicídios de jovens. Quase20 mil jovens são assassinados anualmente no País.

Por outro lado, as pesquisas mostram que os países que adotampolíticas mais estritivas de porte e comercialização de armas apresentam

1 Artigo publicado no jornal �Mogi News - Mogi das Cruzes�, SP, em 30/08/2003.

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índices de óbitos extremamente inferiores ao brasileiro. O Japão, porexemplo, tem taxa de óbito por armas de fogo cerca de 180 vezes menorque o Brasil. A França tem uma das legislações mais rígidas da Europa eapresenta índices baixos de homicídios com armas: nos últimos três anos,ocorreram em torno de mil mortes por ano e cerca de 1.200 tentativasnuma população de quase 60 milhões de pessoas.

Ali, para se obter autorização para porte de armas de defesa énecessário passar por uma investigação policial. É preciso, portanto, quese tomem as medidas apropriadas para o desarmamento da população epara o fim da venda ilegal de armas no Brasil. Não podemos aceitar oargumento dos que defendem o uso de armas pela população para sedefender porque, ao contrário de contribuir para a paz, isso só faz aumentara violência nas ruas, nas escolas e até dentro de casa. Voltada para aconstrução de uma cultura de paz e para a garantia dos direitos humanos,a UNESCO no Brasil se congratula com o Congresso Nacional pelacorajosa decisão de votar o Estatuto do Desarmamento. A proposta é umavanço e o primeiro passo para a proibição da comercialização de armasno Brasil.

Para se mudar uma cultura de violência, é preciso também investirforte na educação e na conscientização da população. Por isso a UNESCOdesenvolve importantes programas como o �Abrindo Espaços�, no Rio ��Escolas de paz�, que consiste na abertura das escolas nos fins de semanapara atividades de artes, esportes, cultura e lazer, e em pesquisas sobreviolência nas escolas. Afinal, �a paz está em nossas mãos�.

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Caminhos da Esperança1

O desenvolvimento, especialmente para a América Latina, trouxeum conjunto de grandes realizações e profundos desapontamentos.

Com ele, vieram os avanços tecnológicos e a pujança econômica.Porém, ao contrário do esperado, prosseguiram e se aprofundaram asdisparidades, transformando o continente no mais desigual do mundo,com crescente violência, inclusive com a expansão do crime organizado.

Conseqüências como essas contribuíram para que as Nações Unidasformulassem o conceito de desenvolvimento humano, levando-nos a pensarnos rumos, a curto e longo prazo, da nossa vida social.

À primeira vista, esta reflexão pode parecer uma tarefa de filantropose pessoas menos comprometidas com a ação quando, na verdade, competea todos, em especial àqueles que podem influenciar mais significativamentenos destinos da comunidade e da sociedade.

As dificuldades em que vivemos concernem a todos e têm ligaçõesprofundas com o desempenho econômico, valor tão prezado pelo mundoem que vivemos.

Se a economia pode ser comparada a uma bicicleta em movimento,seu equilíbrio precário pode estar sendo crescentemente ameaçado porproblemas que costumamos varrer para debaixo do tapete.

11111 Pronunciamento por ocasião do Seminário do Instituto Ayrton Senna e Microsoft sobreEducação e Tecnologia para o Desenvolvimento Humano �Os Quatro Pilares da Educação: seupapel no desenvolvimento humano�, São Paulo, 13 jun. 2003.

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Nesta reflexão, algumas perguntas se mostram relevantes: onde estános levando o desenvolvimento cujos caminhos estamos trilhando?

Em que medida prosseguir nos rumos presentes conduzirá à soluçãodos problemas?

Se tal solução não acontece, que alterações de rota precisam serrealizadas?

Teria a educação relações com esses processos? Quando tratamosde aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser osquatro pilares da educação para o presente século (Delors, 1996) , háalguma relação com as formas pelas quais a sociedade produz e distribuiriquezas?

Afinal, os valores sociais, a que a educação está intimamente ligada,têm alguma relação com o desenvolvimento e com o bem-estar do homem?

1. UM ADMIRÁVEL MUNDO NOVO?

Algumas gerações latino-americanas, especialmente aquelas quepresenciaram mais de perto a transformação de sociedades rurais arcaicasem sociedades urbano-industriais, depositaram profunda esperança nodesenvolvimento.

À medida que vielas se convertiam em largas avenidas, aconcretização dos sonhos de igualdade e prosperidade parecia aproximar-se a olhos vistos.

Apesar de relativamente conscientes das rupturas e conflitos doseu tempo, ta is gerações, embaladas pela rampa ascensional ,aparentemente infinita, dos indicadores econômicos e sociais, chegarama considerar que o remédio para os males do desenvolvimento era maisdesenvolvimento.

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Até poucos anos atrás, o símbolo da associação de industriais deimportante país latino-americano era uma chaminé expelindo fumaça,símbolo de orgulho da modernidade.

À semelhança do conceito positivista de progresso, parecia-lhesque os horizontes à frente eram necessariamente ditosos e, com um poucomais de trabalho, o continente se tornaria cada vez melhor, mais rico,mais justo, mais feliz.

Herdeiras do Iluminismo, da Revolução Francesa e da RevoluçãoIndustrial, essas gerações professavam sua religião leiga, tendo comoalicerce a racionalidade. O mundo, visto como racional (tudo o que erareal parecia racional e tudo o que era racional parecia real), assemelhava-se ao funcionamento de um relógio.

E a educação, restrita a poucos nas aristocracias, parecia o meio delevar a racionalidade às massas e tornar o homem melhor.

Grandes e amplas metanarrativas se apresentavam para explicar omundo, por vozes como as de Hegel, Adam Smith, Comte, Marx e Freud.

O mundo tinha sentido, tinha futuro, era explicável e o homempossuía nele lugar definido.

Esse pequeno e doce paraíso, entretanto, não resistiu por muito tempoà árvore do discernimento entre o bem e o mal. Uma sucessão de hecatombes,de divisões, de incapacidades de conviver e de ser, tornou difícil acreditarem um mundo que funcionasse com a racionalidade de um relógio, dandolugar, na filosofia, a conceitos como os de náusea e de absurdo.

Períodos de guerra, entremeados por tempos de paz armada,indicaram que o homem continuava exterminando o seu igual, supondoque ele era não humano. O recente fi lme �O Pianista� mostra airracionalidade de seres humanos que negavam a outros o direito à

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v ida , em sociedades his tor icamente avançadas e cujos povosdesfrutavam de alto nível relativo de escolaridade � e o processo nelemostrado é um entre muitos outros de mortandade e de perseguição,de luto e de dor.

E tudo isso possibilitado pela pujança das ciências e das tecnologias.

Entre o cortejo de bens oferecido ao homem, lá estava a amargarealidade da destruição.

Vieram o movimento ecológico, a rebelião estudantil de 1968, arevolução da informática, o fim da guerra-fria e outros eventos que riscaramo céu da história, marcando o fim da modernidade ou uma nova etapadesta última (Rust, 1991).

As grandes sínteses foram abaladas e, conforme Lyotard (2000), afunção narrativa se dispersa em nuvens de elementos lingüísticos, cadaum deles veiculando valências pragmáticas sui generis.

O homem perde um pouco mais da sua ingenuidade, em um ambienteem onde a segurança dos valores parece um chão que foge aos pés.

Aparentemente, tudo parece relativo, tudo parece areia movediça,numa paisagem marcada por grandes problemas herdados de uma eraorgulhosa das suas realizações, mas pouco sensível às suas contradições.Assim, por exemplo:

• Na Terra, que hospeda cerca de 6,3 bilhões de pessoas, 15%vivem em países ricos e consomem 56% dos recursos mundiais.

• 40% vivem em países pobres e representam 11% do consumo(Effeto uomo..., 2002).

• Apenas 358 pessoas são possuidoras de uma riqueza acumuladasuperior à de 45% da população mundial (Kliksberg, 2001).

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• Um mundo só não basta: se cada habitante do planeta secomportasse como o habitante médio de um país de alta renda,precisaríamos de 2,6 planetas para satisfazer às necessidades detodos (Effeto uomo..., 2002).

• Existem, no mundo, 36 milhões de pessoas com Aids, 70% dasquais na África. Em 2000, cerca de 3 milhões de pessoas morreramda doença e mais de 5 milhões contraíram o vírus. Se a situaçãonão for revertida, alguns países africanos sofrerão dezenas demilhões de óbitos nos próximos anos (Kliksberg, 2001).

• O rendimento real por habitante, na África ao sul do Saara,baixou de 563 dólares, em 1980, para 485 dólares, em 1992(Delors et al., 1996). Esse rendimento continua caindo, inclusivecom o recuo da participação da África no comércio internacional.

• Na América Latina, após a �década perdida�, a deterioração dascondições sociais tem dilacerado a família, com profundasconseqüências econômicas e sociais, em função do aumento dodesemprego juvenil, da resistência a formar e manter famílias eda incapacidade de muitas destas de proporcionarem uma infâncianormal. Daí advêm violências domésticas, trabalho infantil ecrianças abandonadas (Kliksberg, 2001).

2. UMA VISÃO RENOVADA DO DESENVOLVIMENTO

Fatos como esses mostram a necessidade de renovação das visões.

O estrito modelo produtivista não levou à solução dos problemassociais, nem ambientais. Ao contrário, desvelou as falsas promessas eas infundadas esperanças de que mais desenvolvimento resolveria asmazelas do próprio desenvolvimento, em um processo supostamenteendógeno.

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Foi assim que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento propôs,a partir do seu primeiro Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, em 1990, queo bem-estar do homem fosse considerado como a finalidade dodesenvolvimento.

Seus indicadores não deveriam limitar-se à renda per capita, masincluiriam, também, dados relativos à saúde (inclusive taxas de mortalidadeinfantil), alimentação e nutrição, acesso à água potável, educação eambiente.

Trata-se, portanto, de um conceito de desenvolvimento muito maisamplo que não se constitui, simplesmente, da geração de riquezas e suadivisão aritmética pelo número de convidados, como se o bolo fossepartilhado em fatias iguais.

Trata-se de um desenvolvimento voltado para o homem e oatendimento às necessidades de uma vida decente, em que ele é não sófator e meio do desenvolvimento, mas, sobretudo, seu fim.

Esse o conceito de desenvolvimento destacado pela Declaração doMilênio (Nova York, 2000) como um dos fundamentos do relacionamentointernacional, no século XXI.

Esse também o conceito de desenvolvimento sustentável dasConferências do Rio (1992) e Joanesburgo (2002).

Tal extensão e aprofundamento do conceito tradicional decorremdo fato de este se ter tornado estreito em face do seu caráter predatórioe concentrador.

O pensamento econômico convencional começou a se dar contada importância do homem quando a Teoria do Capital Humano constatouque o incremento das economias não se explicava somente pelosacréscimos de capital físico.

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O homem educado e capacitado, como parte da força de trabalho,contribuía para explicar em grande medida aquele crescimento.

Daí a perspectiva da educação como invest imento, porémconsiderando o homem como fator de produção, isto é, comoinstrumento.

Entretanto, a noção de capital social, hoje, tem no seu cernemúltiplos elementos culturais, não considerados pelo pensamentotradicional e que são imprescindíveis à economia. Cooperação, confiança,etnicidade, identidade, comunidade e amizade são elementos que formamo tecido social em que se fundamentam a política e a economia.

Conforme o estudo das diferenças entre a Itália do norte e do sul,o capital social inclui o grau de confiança entre os atores sociais, as normasde comportamento cívico praticadas e o nível de associatividade. Aconfiança atua para evitar conflitos. As normas de comportamento cívicoenvolvem desde o cuidado dos espaços públicos ao pagamento deimpostos, com óbvias implicações econômicas.

A associatividade se refere à capacidade da sociedade atuarcooperativamente, estabelecer redes, acordos e sinergias.

Do ponto de vista do indivíduo, o capital social tem a ver com seugrau de integração social, sua rede de contatos, relações, expectativas dereciprocidade e comportamentos confiáveis, melhorando a chamadaefetividade privada.

Do ponto de vista coletivo, o capital social é um bem que pode semanifestar nas normas tácitas de, em uma vizinhança, todos zelarem portodos e não se agredirem, resultando na possibilidade de as criançascaminharem até a escola com segurança.

Desse modo, o capital social estará produzindo ordem pública.

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Nesse sentido, a família deve ser considerada um componente centraldo capital social que se quer o mais sólido possível.

Afinal, é a família que forma a criança em seus aspectos físico, sociale moral, inclusive infundindo valores positivos ou negativos que serefletem nos comportamentos.

Quando esta se desestrutura, revelam as evidências de pesquisas, acriança tende a ter insucesso na escola, a sofrer problemas emocionais, ater dificuldades com os colegas e a ter condutas anti-sociais (Kliksberg,2001). Portanto, o apoio à família, por meio de políticas sociais efetivas,se traduz na redução de gastos públicos e privados e na geração de atitudese situações favoráveis à atividade econômica.

Por que o Banco Mundial apontou a corrupção como um obstáculoao desenvolvimento?

Por que o crime organizado se expandiu a ponto de se tornar umpoder transversal, imiscuído e internalizado pelo Estado (não um poderparalelo), levando várias sociedades latino-americanas a serem classificadascomo de risco e ameaçando a ordem democrática?

Por que o crime organizado e o banditismo se associam, comproveitos mútuos, engolfando cidades? Por que o crime organizado, nasua simbiose com o banditismo, recruta, cada vez mais, jovens que, comopeixes miúdos � com maior freqüência negros e pobres � são capturadose povoam nossas prisões?

Por que a idade de agenciamento de prostitutas e de criminosostende a continuar abaixando, passando da adolescência para a infância?

Como poderemos mensurar os imensos custos destas situações dolorosas?

Mais uma vez, esses fatos e processos têm raízes em situações sociaisinjustas, nos contrastes dos regimes de participação e níveis de vida e nacrise de valores que se expressa no domínio do cinismo e do vale-tudo.

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Quanto vale, então, a ética?

A quanto montam os prejuízos resultantes do individualismo, daindiferença frente ao destino do outro, da falta de responsabilidadeindividual e coletiva, do endeusamento do lucro a qualquer preço? Noentanto, a ética não se compra nem se fabrica, porém, medra como plantaa princípio frágil, em condições histórico-sociais propícias.

Conforme Kliksberg (2001), é hora de recuperar a ética e de relacioná-la com a economia nessa visão abrangente dos problemas humanos.

3. OS QUATRO PILARES DA EDUCAÇÃO DE AGORA

Tedesco (1998), um dos grandes pensadores da educação nocontinente, alerta-nos para o risco, pela primeira vez na História, de oselos entre as gerações se enfraquecerem.

Isso resulta do enfraquecimento dos grupos sociais primários, acomeçar pelas famílias que, primeiro e mais eficazmente, transmitem eformam valores.

Esses elos frágeis entre as gerações abrem as portas para oesgarçamento do tecido social, uma vez que as crianças e os jovens ficamsujeitos a interferências de todas as espécies, inclusive da comunicaçãode massa. É aqui que entra a escola como instituição socializadora,absorvendo, quer queira, quer não, cada vez mais funções da família ecaminhando, já em certos países da América Latina, para o tempo integral.Nos limites cada vez mais estreitos da convivência familiar, ela se torna olocal por excelência onde pode ocorrer educação.

Mas que educação é necessária?

A UNESCO reuniu alguns dos maiores luminares do mundo naComissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, produzindo o Relatório�Educação: um tesouro a descobrir� (Delors et al., 1996).

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Com efeito, o tesouro da educação, passados alguns anos, aindanão foi plenamente descoberto, como sugerem as indagações acimarelativas a um conceito ampliado de desenvolvimento e às suas implicaçõescom valores, atitudes e comportamentos individuais e coletivos.

Todavia, tendo em mente reflexões como essas, a Comissão destacouquatro pilares que são as bases da educação ao longo de toda a vida parao século que já se iniciou e até nos surpreende com os seus percalços.

O primeiro deles é aprender a conhecer.

Ao contrário de outrora, não importa tanto, hoje, a quantidade desaberes codificados, mas o desenvolvimento do desejo e das capacidadesde aprender a aprender. Compreender o mundo que rodeia o aluno e estese tornar, para toda a vida, �amigo da ciência�, dispor de uma culturageral vasta e, ao mesmo tempo, da capacidade de trabalhar emprofundidade determinado número de assuntos, exercitar a atenção, amemória e o pensamento são algumas das características desse aprenderque faz parte da agenda de prioridades de qualquer atividade econômica.

É um processo que não se acaba e se liga, cada vez, mais àexperiência do trabalho, à proporção em que se torna menos rotineiro.

O segundo pilar é aprender a fazer.

Conhecer e fazer, diz-nos o Relatório, são, em larga medida,indissociáveis.

O segundo é conseqüência do primeiro. Em economiascrescentemente tecnificadas, onde ocorre a �desmaterialização� dotrabalho e cresce a importância dos serviços entre as atividades assalariadase onde o trabalho na economia informal é constante, abandona-se a noçãorelativamente simples de qualificação profissional. Passa-se para outranoção, mais ampla e sofisticada, de competências, capaz de tornar aspessoas aptas a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe.

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Isso ocorre nas diversas experiências sociais e de trabalho que seapresentam ao longo de toda a vida.

O terceiro pilar é aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensãodo outro e a percepção das interdependências, no sentido de realizarprojetos comuns e preparar-se para gerir conflitos.

Em contraposição à competitividade cega, a qualquer custo, domundo de hoje, cabe à escola transmitir conhecimentos sobre a diversidadeda espécie e, ao mesmo tempo, tomar consciência das semelhanças e dainterdependência entre todos os seres humanos. Para isso, não basta colocarem contato grupos e pessoas diferentes, o que pode até agravar um climade concorrência, em especial se alguns entram com estatuto inferior.

É preciso, para tanto, promover a descoberta do outro descobrindo-se a si mesmo, para sentir-se na pele do outro e compreender suas reações.

E, além disso, tender para objetivos comuns, trabalhando emconjunto sobre projetos motivadores e fora do habitual, cuja tônica sejaa cooperação.

Por fim, o quarto pilar é aprender a ser. A Comissão reafirmou que aeducação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa, isto é,espírito e corpo, inteligência, sensibil idade, sentido estético,responsabilidade pessoal, espiritualidade.

Cabe à educação preparar não para a sociedade do presente, mascriar um referencial de valores e de meios para compreender e atuar emsociedades que dificilmente imaginamos como serão.

Este pilar significa que a educação tem como papel essencial �conferira todos os seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento,sentimentos e imaginação de que necessitam para desenvolver os seustalentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu própriodestino� (Delors et al., 1996).

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Pode parecer a muitos que é uma visão poética, de pessoasdescomprometidas com a prática.

Nada mais enganoso.

A UNESCO no Brasil tem-se dedicado a estudar e a intervir emfenômenos angustiantes que são as violências nas escolas.

As violências têm altos custos individuais e coletivos, sob a formade agressões, ameaças, intimidações, incivilidades, furtos, roubos,estupros, vandalismo e uma série de manifestações que ocorrem tanto emescolas públicas quanto particulares, tanto em grandes capitais quantomenores (Abramovay e Rua, 2002).

Ao mesmo tempo, segundo várias pesquisas, as violências reduzemo aproveitamento dos alunos, levando-os, inclusive, por medo,desinteresse e outros motivos, a fa l tar à escola , a afastar-setemporariamente dela e mesmo a evadir-se definitivamente. Cálculosdesses custos, quando existem, atingem apenas parte da ponta do iceberg,isto é, o vandalismo.

É difícil medir o que se deixou de aprender, assim como as marcasfísicas e psicológicas das vítimas, alunos, funcionários e professores.

Ora, a UNESCO, por meio do projeto �Abrindo Espaços�, temconseguido reverter tais situações. Escolas localizadas em áreas miseráveis,onde o estabelecimento de ensino é o único equipamento socialdisponível, têm conseguido não só construir uma cultura de paz no seuinterior, mas também levado à redução de violências no seu entorno.

Para isso são desenvolvidas atividades educacionais, culturais,esportivas e de lazer nos períodos em que a escola estaria fechada.

Comunidades que antes se desvalorizavam conseguem oportunidadespara se expressar artisticamente e transmitir mensagens há muito sufocadas.

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O custo médio total mensal desse programa foi estimado em R$1,00 por participante em Pernambuco e em R$ 2,00 no Rio de Janeiro.Esses valores podem ser considerados muito baixos, segundo os padrõesinternacionais, para programas preventivos e, ainda, enormemente maisbaixos que os gastos originados por atividades repressivas ou punitivas,como os custos de internação de adolescentes infratores ou prisionais dejovens criminosos (Waiselfisz e Maciel, 2003).

4. CAMINHOS DE ESPERANÇA

À medida que avança o processo de mundialização, persistem osseparatismos e fundamentalismos. Estes passam pela educação formal einformal, convencendo gerações acerca de determinados valores.

Violências plurisseculares podem ser recordadas por famílias ecomunidades, gerações a fio, até desaguarem em conflitos armados noséculo XXI. Currículos escolares podem ensinar a não saber conviver,contando a História, a Geografia e outros componentes curriculares demodo viesado.

A mídia pode formar opiniões e levar até ao pânico e à histeriacoletiva.

Enfim, a educação, de variadas formas, pode convencer de que eusou humano, mas o outro não. Que eu sou titular de direitos, mas o outroé indigno deles.

Se a educação pode fazer tudo isso tão eficazmente em favor doódio, pode também fazê-lo em favor da paz. Apoiando-se nos quatropilares citados, ela pode, por meio de diferentes instituições e agências,promover a paz e a vida (Gomes, 2002).

E, com isso, resolver uma contradição cada vez mais aguda: a queexiste entre os separatismos e um mundo que se torna cada vez menor.

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Quanto mais se estreita o mundo, mais aumenta o risco dasobrevivência da humanidade se não aprendemos a viver juntos, vivercom os outros e aprender a ser.

As opções acabam por se reduzir a uma só: conviver ou conviver.

Resta estabelecer a convivência entre os diferentes no quadro deuma diversidade cada vez mais criadora (cf. Cuéllar, 1997).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVAY, M. et al. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, InstitutoAyrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford,CONSED, UNDIME, 2002.

CUÉLLAR, J. P. (Org.). Nossa diversidade criadora: relatório da ComissãoMundial de Cultura e Desenvolvimento. Campinas: Papirus, UNESCO,1997.

DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir; relatório para aUNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI.4. ed. São Paulo: Cortez, UNESCO, 1996.

EFFETO uomo, la terra soffre il doppio. Corriere della Sera, Milão, p. 7, 22ago. 2002.

GOMES, C. A. Gestão educacional: para onde vamos? Em Aberto, Brasília,v. 19, n. 75, p. 9-22, jul. 2002.

KLIKSBERG, B. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo: Cortez,UNESCO, 2001.

LYOTARD, J.-F. La condición postmoderna: informe sobre el saber. Madri:Catedra, 2000.

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RUST, V. D. Postmodernism and its comparative education implications.Comparative Education Review, Chicago, v. 35, n. 4, p. 610-626, nov. 1991.

TEDESCO, J. C. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática, 1998.

WAISELFISZ, J. J.; MACIEL, M. Revertendo violências, semeando futuros:avaliação de impacto do Programa Abrindo Espaços no Rio de Janeiro eem Pernambuco. Brasília: UNESCO, 2003.

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Escola Aberta como Caminho paraa Redução da Violência1

O envolvimento dos jovens com a violência no Brasil, seja comoagentes ou como vítimas, é motivo de grande preocupação entre pais,educadores e autoridades da área de educação, direitos humanos e segurançapública. Pesquisas que vêm sendo promovidas pela UNESCO no Brasildestacam que a violência relacionada aos jovens oscila no decorrer dosdias da semana, aumentando os índices de agressões e criminalidade nosfinais de semana. Por outro lado, os jovens clamam por alternativasrecreativas e esportivas que lhes permitam expressar sua criatividade e gozarde momentos agradáveis de lazer, sobretudo nos sábados e domingos.

Em 2000, a UNESCO no Brasil lançou o Programa �Abrindo espaços:educação e cultura para a paz�, mais um esforço para o combate à exclusãosocial e pela construção de uma nova escola para o século XXI. A estratégiado Programa consiste na abertura das escolas nos finais de semana e nadisponibilização de espaços alternativos que possam atrair os jovens,colaborando para a construção da cidadania. A idéia é ampliar a voz e darvisibilidade às diversas manifestações juvenis por meio de atividades delazer, culturais e esportivas.

O Programa, executado em parceria com as Secretarias de Educação,está em andamento nos Estados da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco evem sendo implantado, também, em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

1 Artigo publicado no jornal �A Tarde�, BA, em 11/06/2003.

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A expectativa é que tais Programas estaduais, apoiados pela UNESCO,funcionem como um importante aporte na elaboração de políticas públicasvoltadas para a juventude.

A relevância do Programa na Bahia pode ser medida pelos dados daSecretaria de Segurança Pública do Estado que apontam um crescimento de74,8% nas ocorrências policiais entre 1999 e 2000. Destaca-se, ainda, que,entre 1996 e 1999, foram registrados 4.215 homicídios. Em 41,8% deles, asvítimas se encontravam na faixa etária de 15 a 24 anos. No ano de 2000, dos666 homicídios ocorridos em Salvador, 276 eram de jovens entre 15 e 24anos de idade, o que corresponde a 41,44% dos homicídios registrados.

Os dados mostram que é preciso dar alternativas aos jovens paraque eles possam trocar o risco da violência nas ruas por atividades criativase produtivas que permitam sua inclusão social. A abertura das escolasbaianas nos finais de semana vem sendo um importante caminho nessesentido. O Programa vem atendendo jovens de 14 a 24 anos com atividadescomo capoeira, dança, futsal , informática, crochê, teatro, artesanato debijuterias, bordado, manicure, entre outras. Também conta com aparticipação de crianças e adultos da comunidade, o que vem contribuindopara que a escola torne-se um local de socialização que aproximaestudantes, educadores, pais e moradores.

Os participantes vêem na escola aberta a possibilidade de encontraros amigos, conhecer melhor a escola, observar as atividades que estãosendo desenvolvidas e ter acesso a bens culturais que não estão à suadisposição no cotidiano do ambiente escolar. Em muitas escolas, éfreqüente a presença de famílias inteiras, tirando partido de todas asoportunidades possíveis. O Abrindo Espaços conta, ainda, com parcerias dasacademias e centros comunitários para desenvolver algumas de suasatividades nas escolas.

Segundo os resultados da Avaliação do Programa � publicado sobo título Revertendo violências, semeando futuros: avaliação de impacto do Programa Abrindo

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Espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco, em 2003 pelas Edições UNESCOBrasil � , os diretores das escolas participantes afirmam que ele temimpactos positivos sobre o relacionamento escola-comunidade ( 82,8%)e contribui para a diminuição da violência na escola ( 74,1%). Na opiniãodos beneficiários, o impacto do Programa está em facilitar a relação escola-comunidade (92,4%); oferecer alternativas de lazer ( 91,1%); melhorar avida pessoal dos participantes ( 88,2%) e colaborar para a redução dasituação de violência ( 81,7). Quando perguntados sobre o que mais gostamno Abrindo Espaços, a opção mais apontada pelos beneficiários é �encontraramigos e conhecer pessoas� (53,2%), mostrando que a escola, nos finaisde semana, é também um espaço de encontro e sociabilidade.

Na fala dos entrevistados, aparece também o sentido da valorizaçãosocial e cultural da condição juvenil, traduzida em mudanças de atitudefrente à vida, construídas na medida em que se sentem respeitados. Aelevação da auto-estima se dá na exata medida da possibilidade de produzire partilhar conhecimentos e formas de expressão nos campos da arte, dacultura e do esporte, o que, conseqüentemente, implica o seu auto-reconhecimento como produtores de cultura.

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Escola da Família1

No marco do conjunto de idéias e mesmo de utopias que preside,há mais de meio século, a luta mundial da UNESCO por uma sociedademais solidária, a assinatura com o Governo do Estado de São Paulo e coma Agência Brasileira de Cooperação � ABC, do presente projeto decooperação técnica, representa não apenas um avanço conceitual empolíticas de desenvolvimento humano, como também serve de indicadorde uma nova consciência que está surgindo na gestão pública brasileira,cujo propósito é o de colocar o Estado como ator insubstituível na defesados direitos da cidadania.

E quando falo em direitos da cidadania, fica implícito, também, ofortalecimento da consciência em relação aos deveres. O par dialéticodireito-deveres compõe o quadro de razões fundantes de um modernoprojeto de cidadania. Por isso mesmo, o próprio título do projeto � Escolada Família � indica a diretriz fundamental que presidirá as ações previstaspor esse Acordo. A educação começa na família, onde se sedimentam asbases para seu prosseguimento na escola e ao longo de toda a vida. Nessatrajetória, sobretudo nas faixas etárias que abrangem a infância e a juventude,a integração família-escola-comunidade é decisiva para a consolidação devalores éticos indispensáveis a uma visão solidária da vida em sociedade.

Por visão solidária da vida deve ser entendido o respeito àsdiferenças e às diversas concepções de mundo consagradas pela Declaração

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento do Projeto Escola da Família �Abrindo espaçospara uma nova educação�, São Paulo, 26 mai. 2003.

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Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948. Só existe solidariedadeno reconhecimento do outro. Caso contrário, corre-se o risco daindiferença que permeia, dilui e adia a solução das diversas formas dediscriminação social e de egoísmo corporativo.

A cooperação entre a Secretaria de Educação do Estado de SãoPaulo e a UNESCO � que ora se formaliza � tem o seu foco no jovem eno adolescente, mediante um conjunto de ações educativas e culturaisque favoreçam o desenvolvimento do protagonismo juvenil e ajude ojovem a estruturar o seu projeto de vida em um mundo de crescentesinterrogações e descrenças. Mas, por vivermos mesmo em uma sociedadepermeada por interrogações quanto ao futuro, é que sobressai a relevânciadessa cooperação, pois precisamos com a maior urgência buscar respostasque restabeleçam a crença e valorizem a subjetividade. Nesse sentido, ainserção do jovem em processos de busca compartilhada de respostaspossíveis, seguramente o colocará como sujeito protagonista na luta peloadvento de sociedades mais humanas e edificadoras de uma nova ética.

Numa perspectiva existencialista, como dizia Jean-Paul Sartre, apessoa primeiramente existe, se descobre, surge no mundo e só depois sedefine e se lança para o futuro. Cabe à educação criar as condições para aconstrução de um projeto consciente do futuro. E não será deixando osjovens à margem que isso ocorrerá. A escola precisa rever-se e enxergaras transformações reestruturantes da vida contemporânea.

Quando a UNESCO, por intermédio de inúmeras pesquisasrealizadas no Brasil sobre juventude, violência e cidadania, constatou oaumento, nos fins de semana, da criminalidade e da violência entre osjovens, concluiu, de imediato, que se as escolas abrissem suas portas paraa comunidade aos sábados e domingos, poderia dar uma contribuiçãoimportante para preencher, de forma mais significativa, a necessidade quetem a juventude por experiências novas e de vanguarda que, via de regra,têm sido atendidas por vários outros mecanismos empobrecedores davida, tais como as gangues, as galeras, chegados e rappers e os espetáculos

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de violências que são veiculados pela televisão e outros meios decomunicação.

Assim sendo, o Projeto Escola da Família, tendo seu foco nos jovens eutilizando como metodologia, entre outras, a abertura de escolas nosfinais de semana, tornando-a uma agência de cultura que se converta emponto de encontro entre a comunidade escolar, a família, a juventude ediversos outros segmentos, visando, ainda, a participação ativa em inúmerasatividades culturais e esportivas, poderá imprimir ao processo educativouma nova perspectiva, certamente mais consentânea com a natureza dasmudanças em curso.

Essa nova perspectiva ensejará a possibilidade de ajudar o jovem etambém sua família a amadurecer escolhas e alternativas e a assumirresponsabilidades. A responsabilidade representa um ponto alto da tarefaeducativa, pois ela envolve o outro, ela envolve toda a comunidade. Oreconhecimento do outro é indispensável ao futuro das sociedades. Todaescolha deve ter um sentido ético, pois ela se relaciona com o mundo.Uma escola ideal, como quer o Ministro Cristovam Buarque, será, antesde tudo, uma escola que eduque pelo exemplo, que fundamente todas assuas ações em valores que apontem em direção a uma nova ética daexistência e do desenvolvimento. O valor econômico da educação � queimporta ressaltar � deve estar vinculado à dimensão moral, sem a qualdesfaz-se a esperança e naturaliza-se o imediatismo.

Outro ponto alto desse projeto de cooperação é a participaçãodas Universidades e de Organizações Não-Governamentais, pois ambaspossuem uma enorme potencialidade, nem de longe aproveitada pelasescolas de educação básica que, via de regra, se isolam da comunidade.O processo de formação integral da juventude poderá serconsideravelmente enriquecido na medida em que a escola abra espaçospara a contribuição de pessoas e instituições, tais como escritores, artistas,especialistas, dentre outros. Essa cooperação poderá ocorrer, inclusive,sob a forma de enriquecimento cultural de uma determinada área de

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estudo. Na sociedade do conhecimento, a escola perdeu a exclusividade.O conhecimento está em toda parte. Cria-se e recria-se em ritmo semprecedentes. Além do mais, a conexão com a comunidade permite umaformação mais próxima da realidade social, contribuindo, dessa forma,para as escolhas futuras.

Por último, quero dizer que estou certo de que, ao final desteprocesso, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, emcooperação com a UNESCO, terão desenvolvido uma experiênciainovadora capaz de servir de referência na construção de uma pedagogiapara a juventude, em tempos de incertezas, como os atuais.

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A Escola Kabum: Novos Espaços para os Jovens1

É com grata satisfação que inauguramos hoje a Kabum � Escola deArte e Tecnologia, em parceria com o Instituto Telemar e a Spetaculu- EscolaFábrica de Espetáculo.

A preocupação da UNESCO em oferecer oportunidades para osjovens quebrarem o ciclo de exclusão social data de vários anos. Em linhasgerais, pode-se dizer que esse é um tema presente já na criação daorganização, em 1947, quando foi estabelecido nosso objetivo de �criaras condições para a construção da paz nas mentes dos homens�.

Recentemente, esse objetivo geral tornou-se mais concreto. AUNESCO no Brasil buscou tornar-se uma referência nos estudosprospectivos das causas da violência e da exclusão entre os 34 milhões dejovens do País. É sabido que muitos deles vivem em situações de extremadificuldade.

Mas, e o que eles pensam dessas condições?

Nossas pesquisas ganharam um caráter bastante inovador ao ressaltara importância de analisarmos a percepção que os próprios jovens têmsobre sua situação.

Por um lado, mostram uma triste realidade enfrentada pela maioria dosjovens brasileiros: falta de oportunidades, exclusão e vulnerabilidade �

1 Pronunciamento por ocasião da Inauguração da Escola de Arte e Tecnologia Kabum, Rio deJaneiro, 30 mai. 2003.

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características constantes para muitos deles. Por outro lado, apesar dasconstatações preocupantes, os estudos nos mostraram que é possível encontrarsoluções impactantes e de baixo custo para os problemas dos jovens.

Pudemos perceber, por exemplo, que uma das principais causas para aviolência entre jovens é a falta de espaços onde eles possam exercer suacriatividade. Espaços culturais, educacionais e esportivos que permitam aosjovens o exercício máximo de sua potencialidade. Uma estratégia efetiva,nesse sentido, é justamente a criação de novos espaços para os jovens.

É assim que podemos compreender de forma mais ampla ainauguração da Kabum! Escola de Arte e Tecnologia. Trata-se, sem dúvida,de um espaço profícuo para os jovens que dela participarão. Essa certezajustifica-se por uma experiência anterior, também de enorme sucesso,que é o grupo Spetaculu. Deve-se destacar que, além de anfitriã do projeto,a Spetaculu é um modelo de experiência bem-sucedida, cuja metodologiae forma de trabalho inspirou profundamente a realização desta escolaque hoje inauguramos.

Ao utilizar a arte como ferramenta pedagógica, a Escola ofereceaos jovens novos horizontes, mais amplos e promissores. Para isso, agrega-se também o componente tecnológico que não será utilizado apenas comosuporte, mas também reconhecido como linguagem fundamental dacomunicação no momento histórico em que vivemos.

É assim que podemos entender mais profundamente a granderelevância da parceria com o Instituto Telemar, uma instituição à frente deseu tempo, cuja percepcão clara da grande sinergia existente entreeducação, cultura e tecnologia, impõe assumir, permanentemente, suaresponsabilidade social. Assim, provê-se aos jovens que participarão daEscola uma formação integrada, multidisciplinar e completa, quecertamente os influenciará por toda a vida.

São esses princípios e metas comuns que unem os parceiros destainiciativa. Esperamos estar somando esforços para o desenvolvimento de

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ações que, no médio e longo prazos, colaborem para a reversão do quadrosocial de exclusão que presenciamos hoje, em especial no que toca seucomponente de violência � mal que afeta de forma ainda mais drástica osjovens, em especial aqueles em situação de exclusão. Buscamos, assim,promover um desenvolvimento social e sustentável, cristalizando umacultura de paz.

A juventude representa um capital social valioso para qualquer nação.Como tal, um futuro melhor deve oferecer aos jovens novos horizontes eoportunidades. Não basta defendermos idéias e princípios nobres.Devemos transformá-los em ações concretas, que realmente mudem a vidade populações jovens. A Escola de Arte e Tecnologia Kabum é um grandepasso nessa direção. Obviamente, muitos outros são necessários. Mastemos certeza de que esse é um modelo a ser seguido.

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Direitos Humanos e Combate à Pobreza1

É com muita satisfação que participo da cerimônia de abertura daterceira edição do Colóquio Internacional de Direitos Humanos, importanteiniciativa que aproxima a universidade da sociedade civil organizada napromoção e defesa dos direitos humanos.

Por esse motivo, cumprimento calorosamente o Consórcio Universitáriopelos Direitos Humanos e os representantes de cada uma das três instituiçõesque o fazem realidade � a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,a Universidade de São Paulo e a Universidade de Colúmbia. Queroagradecer aos organizadores e coordenadores do Colóquio a oportunidadede estar com vocês.

Quero, também, dar as boas vindas a todos os participantes docurso, brasileiros, sul-americanos, nossos colegas de África e da Ásia.

Mais do que ensinar, essas três conceituadas instituições de ensinosuperior colocam seus saberes e capacidades intelectuais e pedagógicas aserviço da aproximação de pessoas que, com diferentes origens e culturas,histórias e experiências de vida, unem-se pelo respeito à democracia, aosdireitos humanos e à vida com dignidade e justiça social.

A UNESCO sempre valorizou a diversidade cultural, expressandoexplicitamente a riqueza e o potencial que a soma das diferenças tem.Essa postura inverte o senso comum de que as diferenças culturais,

1 Pronunciamento por ocasião do III Colóquio Internacional de Direitos Humanos, São Paulo,26 mai. 2003.

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de raça e religião são as responsáveis pelos conflitos e pelas guerras. Oencontro de diferentes civilizações não precisa gerar choques e conflitos,como esperava Huntington, mas pode representar uma oportunidadesingular para plantarmos as sementes da paz e da tolerância.

Nunca é demais repetir as palavras do documento de criação daUNESCO: �se é na mente dos homens que nascem as guerras, é na mentedos homens que devemos cultivar os alicerces da paz�. E com grande acerto,os homens e mulheres que constituíram a UNESCO escolheram a educação,as ciências e a cultura como os grandes impulsionadores da paz.

O Senhor Koichiro Matsuura, Diretor Geral da UNESCO, expressagrande sabedoria ao eleger o combate à pobreza como a prioridade númeroum dessa Organização Internacional. Mas, diz ele em complemento aisso, todo o desenvolvimento deve convergir para o respeito aos direitoshumanos, pois sem eles, o desenvolvimento continuará a ser desigual econtinuará a promover a violência ao invés de construir a paz.

E aqui, prezados professores e alunos, vocês estão tendo aoportunidade de construir bases sólidas para promover a paz.

Todos vocês e cada um de vocês, à semelhança dos participantes dosdois Colóquios Internacionais que antecederam este evento, passam a ser pontosde uma rede cooperativa de parcerias, fortalecendo o diálogo Sul-Sul.

Somos nós, habitantes dos países em desenvolvimento e dos paísesmenos desenvolvidos, que temos de nos fortalecer mutuamente paraconquistar nossos direitos, com base em idéias, conhecimentos e açõesconcretas. Somente a partir desse movimento poderemos alcançar a justiçasocial para nossos povos.

Por isso, aproveitem cada ensinamento e cultivem idéias e amizades.Desenvolvam projetos comuns e mantenham vivas as forças que aqui estãosendo plantadas.

Estejam certos de que a UNESCO estará ao lado de vocês ondequer que estejam.

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Políticas Redistributivas e Redução da Pobreza1

É inegável que enormes avanços foram registrados nas últimasdécadas. Desde 1960, a mortalidade infantil nos países em desenvolvimentocaiu mais de 50%. A incidência da subnutrição teve queda de 30%. Em 20anos, a China e outros 14 países, que representam 1,6 bilhão de pessoas,diminuíram em 50% a parcela da população vivendo abaixo do nível depobreza. Ainda assim, 840 milhões de pessoas, entre elas 160 milhões decrianças, estão subnutridas, 100 milhões de crianças estão sem escolas,cerca de quase 900 milhões de habitantes são analfabetos e um númeroainda maior não tem acesso à água potável.

Os dados apresentados nos levam a uma conclusão já sabida: políticasredistributivas são cada vez mais necessárias.

Sem elas, não se quebra o ciclo de pobreza.

Sem elas, não se promove um verdadeiro desenvolvimentosustentável.

A distribuição de renda no Brasil é ainda uma realidade cruel. Épreocupante constatarmos que, apesar de estarmos entre as 10 maioreseconomias do mundo, ainda não estamos sequer entre os 70 países commelhor qualidade de vida, no ranking do Índice de DesenvolvimentoHumano � IDH.

11111 Pronunciamento por ocasião do Seminário Inaugural do Grupo Temático FundamentosEstratégicos para o Desenvolvimento. �A UNESCO e o compromisso com o desenvolvimento�,São Paulo, 28 mai. 2003.

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Para alcançarmos um padrão comparável ao da Grécia � paísrelativamente bem situado nesse quesito, onde reformas estruturais puderamser realizadas com sucesso � estima-se que o Brasil precisaria crescer 5% aoano durante 20 anos, além de implantar, com urgência, políticas redistributivase autopromotoras. Temos, portanto, uma grande tarefa pela frente.

Em termos continentais, a pobreza não é um mal restrito ao Brasil,mas sim um problema enfrentado por toda América Latina. De acordocom estudos de Bernardo Kliksberg, somos a região mais desigual domundo. Os 5% mais ricos controlam 25% do PIB, enquanto os 30% maispobres só possuem 7,6%.

Não há, portanto, focos de pobreza a erradicar. O problema é muitomais amplo e requer estratégias globais.

Dada a constatação dessa realidade, não podemos adotar o discursode alguns círculos conservadores, admitindo a inevitabilidade da pobreza.Se, apesar de todos os esforços, a pobreza continua a vitimar milhões depessoas, torna-se necessário e urgente proceder à revisão do paradigmade desenvolvimento em curso, tanto no âmbito nacional, quanto na relaçãoentre nações.

A construção de um novo modelo de desenvolvimento, ou ainda,de uma ética subjacente a esse modelo, requer a superação de algumasfalácias implícitas na concepção de desenvolvimento amplamentedifundida atualmente. Seguindo o pensamento de Kliksberg, podemosdestacar algumas delas:

1. Negação ou minimização da pobreza. Como já destacamos, apobreza é, de fato, o principal desafio da comunidadeinternacional nos dias de hoje. Minimizar seu impacto significafugir da realidade, o que traz conseqüências profundas para aformulação de políticas públicas, atrasando enormemente aerradicação da pobreza.

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2. Falácia da paciência. É muito comum vermos formuladores depolítica pedirem paciência na solução dos problemas enfrentadospela população pobre, alegando, com freqüência, tratar-se deetapas que devem se suceder umas às outras. Essa política acabapor conduzir a um panorama sombrio, como, por exemplo, aexistência, no ano 2000, de 36% de crianças com menos de doisanos, na América Latina, em situação de risco alimentar.

3. Falácia do crescimento econômico. Pôde-se constatar, nos últimos50 anos, que o crescimento econômico, per se, não traz a redução dasdesigualdades. É preciso adotar políticas distributivas efetivas e dealto impacto para que a situação de pobreza possa se reverter.

4. A desigualdade é um dado da natureza e não impede odesenvolvimento. Para os defensores dessa falácia, a desigualdadeé, simplesmente, uma etapa inevitável da marcha para odesenvolvimento. Alguns chegam mesmo a admitir a acumulaçãode recursos em poucas mãos para ampliar a capacidade deinvestimento.

5. Descrença sobre a possibilidade de contribuição da sociedadecivil. Muitos procuram minimizar e mesmo desvalorizar o papelda sociedade civil, atribuindo-lhe uma função secundária. Ignora-se que alguns dos modelos de organização e gestão sociais maisefetivos de nosso tempo foram engendrados no âmbito dasociedade civil, muitos dos quais apoiados em trabalhosvoluntários. É preciso que coloquemos a sociedade civil no centrode políticas sociais, garantindo, assim, uma maior efetividade.

6. A ilusão ética. A análise econômica convencional centra sua forçanas questões de custo-benefício, sem nenhuma consideraçãopelas implicações éticas do desenvolvimento. A racionalidadetécnica tem a primazia em detrimento de uma discussão maisampla e profunda sobre os fins. Entre as perguntas-chave que

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devem ser feitas nessa perspectiva, destacam-se: Quais são asconseqüências éticas das políticas em curso? É eticamente lícitoo sacrifício de gerações? Por que os mais frágeis, como as criançase os velhos, são mais afetados? Por que as famílias estão sendodestruídas? As prioridades não deveriam ser reexaminadas? Nãohá políticas que precisariam ser descartadas por seu efeito letalem termos sociais?

7. Não há outra alternativa. Uma argumentação freqüente é aalegação de que as medidas adotadas são as únicas possíveis.Portanto, os problemas sociais que se criam são inevitáveis. Nãose admitem vias alternativas em que pesem as discussões quevêm sendo feitas nessa direção, com a participação de Chefesde Estado dos países mais desenvolvidos.

O enfrentamento dessas falácias, por intermédio de uma nova matrizconceitual do desenvolvimento, poderá, a médio e longo prazos, rompercom o círculo vicioso da inevitabilidade do atraso e ensejar uma visãomais ampla do desenvolvimento, no contexto em que se tornará factíveluma efetiva política de combate à exclusão social.

Devido à interdependência das políticas de desenvolvimento, adefinição e operacionalização de uma nova matriz conceitual implicamrevisões no plano externo e interno. No plano externo, analistas comoJoseph Stiglitz e Anthony Giddens vêm chamando a atenção para anecessidade de novos caminhos.

Giddens, por exemplo, ressalta a natureza interdependente domundo contemporâneo. Por isso, a globalização precisa ser administradapara que todos possam dela se beneficiar. A governança global não éapenas possível, mas também necessária. Giddens vai mais longe ainda:

Se quisermos que a África, algum dia, viva seu milagre econômico próprio, serápreciso que os países africanos, longe de serem excluídos dos processos deglobalização, sejam mais e mais incluídos neles.

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O exemplo da África se aplica a outros continentes. O importanteé a sensibilização dos países desenvolvidos em relação ao maior desafioda história, qual seja, o de encontrar alternativas de desenvolvimentoque proporcionem a todos um patamar mínimo de atendimento àsnecessidades básicas da pessoa humana.

No plano interno, torna-se necessário, sobretudo em países como oBrasil, a adoção de políticas redistributivas que priorizem a redução dadesigualdade. A desigualdade na distribuição da renda tem sido,historicamente, um dos grandes entraves ao combate à exclusão. Essaestratégia deve combinar políticas redistributivas estruturais � a partir daredistribuição de ativos, como a aceleração da educação, a reforma agrária eo acesso ao crédito � que têm impacto de médio e longo prazos, com políticasredistributivas compensatórias � como programas de renda mínima � quecorrigem, temporariamente, as desigualdades, com impacto de curto prazo.

Os programas de renda mínima são um bom exemplo, sobretudo quandoassociados à educação e a outros componentes do desenvolvimento humano.

Não se poderia encerrar esta breve exposição sem um comentáriosobre o esforço da UNESCO para reorientar suas políticas de ação emdireção à erradicação da pobreza. Trata-se de uma posição importante,na medida em que a Organização, ao longo de sua existência de mais demeio século, acumulou um acervo de conhecimento construído no embatedireto com diferentes tipos de problemas sociais, em todo o mundo.Assim, a UNESCO, percebendo a necessidade de mudanças, estásinalizando o advento de um novo paradigma de desenvolvimento,mediante a reorientação de seus planos de ação, de modo a situá-los noesforço de combate à pobreza.

Nesse sentido, no campo da Educação, os esforços da UNESCOconvergirão para melhorar o acesso de populações de baixa renda à educaçãobásica, a criação de programas direcionados à comunidade, a promoção deamplas iniciativas de acesso à universidade para os menos favorecidos,

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bem como para a criação de uma Agenda para a Educação no Século XXI, baseadano Fórum Mundial de Educação, realizado em Dacar, no Senegal.

No campo da Ciência, a UNESCO busca desenvolver váriosprogramas científicos intergovernamentais relacionados aos diversos temasdo desenvolvimento sustentável e diretamente ligados à água, à energia,à reciclagem e ao uso apropriado de tecnologias.

Quanto ao microfinanciamento, o desafio reside em promover suaexpansão, com o acesso dos menos privilegiados, especialmente das mulheres,a serviços sociais e facilidades de benefícios. A dimensão cultural dodesenvolvimento é explorada pela UNESCO como condição primordial parao acesso de famílias e de grupos populacionais, em situação de pobreza, àeducação.

Apesar desses esforços, importa assinalar que o combate à pobrezaconverteu-se no grande desafio deste milênio. Precisamos estar sempreatentos para as medidas paliativas que perpetuam a miséria. Seguindouma proposta apresentada por Pierre Sané, Subdiretor Geral da UNESCOpara a área de Ciências Sociais, devemos reconhecer a pobreza comouma violação extrema dos direitos humanos. Como tal, é necessário oimperativo ético e moral para sua abolição.

No instante do estabelecimento das metas de desenvolvimento parao novo milênio, as Nações Unidas fixaram, como a mais importante, aredução à metade, nos próximos dez anos, do número de pessoas quevivem na extrema pobreza. Ainda que seja louvável por si, essa meta nãoencerra a questão da pobreza. Com efeito, esse objetivo não seráalcançado com facilidade e, mesmo que o seja, o problema da misériacontinuará intacto: poderemos seguir tolerando a perpetuação da pobreza?

É preciso, afirma Sané, colocar a questão em termos muito diferentes.Enquanto continuarmos abordando a pobreza apenas como um déficitquantitativo natural, não se logrará mobilizar a vontade política necessária

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para reduzi-la. A extrema pobreza só acabará no dia em que reconhecermosque ela constitui uma violação aos Direitos Humanos e que, por conseguinte,for declarada sua abolição. Importa saber agora o porque e o como.

Argumenta, então, que, se definimos a pobreza em termos relativos, elase mostrará inesgotável e incurável, porque seremos obrigados a aceitá-laindefinidamente e a gastar recursos e mais recursos para reduzi-la sem cessar.Daí a necessidade de proclamar sua abolição, o que significaria introduzir oreconhecimento do direito dos pobres. No entanto, ela não desapareceria deforma milagrosa, mas se criariam as condições para que a causa abolicionista seerigisse como prioridade das prioridades, por ser do interesse comum, de todos.

A aplicação do princípio da Justiça e o rigor do Direito, postos aserviço dessa causa, são forças extremamente potentes. Foi assim que seconseguiu abolir a escravidão e combater o colonialismo e o apartheid.Importa salientar e advertir que a pobreza está desumanizando a metadedos habitantes de nosso planeta, em meio a uma indiferença generalizada,enquanto a escravidão e o apartheid foram rechaçados e combatidos.

Hoje, é difícil discutir as evidências de que o investimento socialgera capital humano e que este se transforma em produtividade, progressotecnológico e é decisivo para a competitividade dos países.

Na realidade, a política social bem desenhada e eficientementeexecutada é um poderoso instrumento de desenvolvimento econômico.

Acreditamos que o Brasil vive seu momento mais oportuno paradiscutir um modelo de desenvolvimento que possa combater a pobreza ea desigualdade e acelerar o processo de inclusão social, com participaçãoe crescimento econômico.

No dizer de Alain Touraine (1997):

� Ao invés de compensar todos os efeitos da lógica econômica, a política socialdeve conceber-se como condição indispensável do desenvolvimento econômico.�

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O que precisamos é de uma política social com letra maiúscula,como diz Kliksberg, onde possamos dar prioridade efetiva às metas sociaisno desenho das políticas públicas, procurar articular de forma estreita aspolíticas econômicas e as sociais, montando uma institucionalidademoderna e eficiente, assegurando recursos apropriados, formando recursoshumanos qualificados na área, fortalecendo as capacidades de gerência ehierarquizando esta área da atividade pública.

Assim, vamos poder avançar para promover o desenvolvimento cominclusão social.

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Um Livro de Vanguarda1

Bernardo Kliksberg já é um autor bastante conhecido no Brasil. Esteé o seu 4º livro que a UNESCO edita e coloca à disposição dos leitoresbrasileiros. A admiração por suas idéias e teses tem sido crescente nãoapenas entre os formuladores e executores de políticas públicas comotambém nas universidades e centros de pesquisa em desenvolvimento social.

A razão desse êxito decorre, por um lado, da clareza conceitualnas abordagens de temas considerados complexos pelo público em gerale, por outro, as teses centrais sobre o desenvolvimento social defendidaspor Kliksberg vêm ao encontro de expectativas de milhares de pessoasque hoje se encontram perplexas em relação ao futuro da sociedade.

Estamos iniciando um novo Milênio com desafios sem precedentes.Ainda ontem, a UNESCO teve a oportunidade de lançar em Brasília umlivro sobre as Violências nas Escolas, fruto de pesquisa realizada em 14unidades da federação brasileira. São impressionantes os diferentes tiposde violências que estão ocorrendo hoje nas escolas, vitimando crianças eadolescentes e comprometendo a imagem da escola como instituição deformação para a cidadania e de aprendizagens éticas.

É nesse quadro de perplexidade que estamos vivendo que a obrade Kliksberg se destaca. Como especialista em políticas sociais e comoobservador arguto da realidade latinoamericana, Bernardo Kliksberg tem

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento do livro de Bernardo Kliksberg �Falácias e Mitosdo Desenvolvimento Social�, Rio de Janeiro, 26 mar. 2003.

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promovido análises importantes a propósito dos dilemas e dos impassesdo continente.

Neste livro, por exemplo, sobre as Falácias e Mitos do Desenvolvimento Social, oautor fornece um retrato abrangente e claro das políticas de desenvolvimento,mostrando seus equívocos e apontando caminhos e alternativas.

A indicação de alternativas sobressai como uma das virtudes dasanálises empreendidas por Kliksberg. Ele não apenas procede ao exameda situação, mas propõe linhas de ação que seguramente podem contribuirpara a redução da pobreza e das desigualdades sociais.

As linhas de ação que propõe incidem com o mesmo vigor sobre areforma do Estado e a adoção de uma nova ética para o desenvolvimento.Por isso mesmo, ele afirma que a pobreza deve ser considerada como umtema de direitos humanos, pois ela viola necessidades fundamentais. Aconstituição de sociedades democráticas estáveis e ativas requer aconstrução e o exercício da cidadania. Um dos componentes centrais é arestituição dos direitos a oportunidades produtivas e de desenvolvimento,negados pela pobreza.

Para concluir, estou certo de que o livro Falácias e Mitos do DesenvolvimentoSocial está destinado a cumprir um importante papel no campo das políticaspúblicas. O Brasil empreende hoje uma luta incessante no sentido deconceder à área social condições que, historicamente, lhe foram negadas.

O livro de Kliksberg, certamente, dará uma contribuição dequalidade para sensibilizar os Poderes Públicos, os setores produtivos, oParlamento e todos os demais segmentos da sociedade civil organizada.

Ao mesmo tempo, oferece um painel de responsabilidades a seremcompartilhadas na formulação da política de desenvolvimento do País,tendo em vista a urgência de se promover um combate substantivo àpobreza, sem o que será impossível garantir o atendimento às necessidadesbásicas de todas os indivíduos.

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A UNESCO e as Políticas Públicas para aJuventude1

Quero agradecer o convite formulado pelo Núcleo de Estudos da Infânciae Juventude e pelo Grupo de Pesquisas sobre Violência e Exploração Sexual Comercial deMulheres, Crianças e Adolescentes, da Universidade de Brasília � UnB para aparticipação da UNESCO Brasil neste seminário.

A oportunidade de debatermos o tema das Políticas e Ações de Combateà Violação dos Direitos de Crianças e Adolescentes, entre autoridades e especialistas,representantes do Governo, do Ministério Público, de OrganizaçõesInternacionais e da sociedade civil organizada, reforça o reconhecimentode que a política de direitos humanos não é responsabilidade de um ououtro ator social isolado, mas implica na reunião das forças e competênciasvivas de toda a sociedade.

Nos dez minutos programados para este pronunciamento �evidentemente insuficientes para tratar com profundidade todos osaspectos sobre como a UNESCO encara a Cooperação Internacional parao Enfrentamento da Violação dos Direitos da Criança e do Adolescente � farei umabreve abordagem sobre os trabalhos que temos desenvolvido e, emseguida, apontando os pontos que, a nosso ver, não podem serdesconsiderados na formulação de políticas públicas para o segmento deadolescentes e jovens.

11111 Pronunciamento por ocasião do Seminário Políticas e Ações no Combate à Violação dosDireitos da Criança e do Adolescente,�Política de cooperação internacional para o enfrentamentoda violação dos Direitos da Criança e do Adolescente�, Brasília , 5 fev. 2003.

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Como todos sabem, a UNESCO promove os direitos humanosdesde o momento da formulação e implementação, pelas Nações Unidas,da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, e sempre estimulou ebuscou a mobilização de governos e sociedade nas ações desta área. Issoexpressa nosso entendimento de que direitos humanos são para todos e éuma responsabilidade coletiva e de cada um.

Para as Nações Unidas, os direitos humanos são universais eindivisíveis, isto é, os direitos civis, políticos econômicos, culturais esociais têm que ser tratados em sua totalidade e têm que alcançar todas aspessoas, sem distinção de idade, raça, cor, sexo, situação econômica,religião e opção sexual.

Durante a 29ª Conferência Geral da UNESCO, realizada em 1998, quandose comemorava 50 anos daquela Declaração, foi aprovado seu Plano deAção para os Direitos Humanos, destacando-se o direito à educação, o direitode todos se beneficiarem dos avanços científicos e suas aplicações, odireito de participar da vida cultural, o direito à proteção ao interessemoral e material resultante da produção científica, literária ou artística, odireito à liberdade de expressão e opinião, à liberdade de informação e odireito à paz.

É com base nessa orientação do Plano de Ação que a UNESCOtem focado sua atuação no Brasil. Nossa estratégia central é a constituiçãode parcerias com o Governo, em todos os níveis, com Organizações NãoGovernamentais, com institutos de pesquisas, com universidades, empresase segmentos organizados da sociedade civil. Apenas assim a cooperaçãointernacional se internaliza no País e seus resultados tornam-se duradourose mais efetivos.

Nossa parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos daPresidência da República já tem 6 anos e ainda pode ser bastante ampliadae dinamizada. Temos parcerias com o Movimento Nacional dos DireitosHumanos, com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos

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Deputados, com o Instituto Ayrton Senna, com a Missão Criança, com oConsórcio Universitário pelos Direitos Humanos, com a Rede Brasileirade Educação em Direitos Humanos, com o Conselho Nacional da Mulhere com o CONANDA � Conselho Nacional dos Direitos da Criança e doAdolescente, dentre vários outros. Com essas parcerias, mobilizamos epotencializamos o saber brasileiro e, complementarmente, trazemosexpertise externa para o País.

No caso das crianças e adolescentes, evidentemente reconhecemosos graves problemas de violação de seus direitos e as dificuldades e aimportância de preveni-los, promovê-los e defendê-los. Sabemos quemuito há para ser feito em relação ao acesso ao ensino de qualidade epermanência das crianças e adolescentes na escola, desde a creche aoensino médio e profissionalizante; ao acesso à saúde e aleitamentomaterno; à erradicação do trabalho infantil; ao abuso sexual e à prostituiçãoinfantil; à violência doméstica; ao problema dos meninos e meninas derua; aos adolescentes em conflito com a lei; aos adolescentes e mesmocrianças envolvidas no tráfico de drogas, dentre inúmeros outros.

Na perspectiva da UNESCO, muito já se faria se o governo e asociedade cumprissem com fidelidade o Estatuto da Criança e do Adolescente �ECA. Temos, também, acompanhado os trabalhos do Conselho Nacional dosDireitos da Criança e do Adolescente � CONANDA e das Organizações Não-Governamentais que atuam junto a tal público e reconhecemos que aimplementação efetiva das Resoluções do CONANDA podem modificarsubstantivamente o quadro de violações de direitos das crianças eadolescentes brasileiros. As políticas públicas para enfrentar as violaçõesde direitos das crianças e adolescentes têm que buscar inspiração emtodo esse conhecimento acumulado e já sistematizado.

Um aspecto de grande interesse da UNESCO no Brasil é o queassocia políticas públicas ao atraso escolar brasileiro. Por acreditarmosque a educação é a base da luta contra a miséria e a pobreza e, ao mesmotempo, a forma de garantir cidadania e democracia, temos uma

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preocupação permanente com os fatores que atrasam ou impedem oaprendizado das crianças e adolescentes.

Para colaborar na superação desses problemas, a UNESCO no Brasilestá desenvolvendo trabalhos efetivos, iniciados com uma pesquisa emnível nacional sobre �Violência, AIDS e Drogas nas Escolas�, com informações eanálises inéditas e importantes para a formulação de políticas públicassobre os temas abordados; concebeu e implantou um programa denominado�Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz�, que consiste na abertura deescolas nos finais de semana em locais de altos índices de violência, ondese desenvolvem atividades educacionais, culturais, artísticas, esportivase outros entretenimentos, aberta a crianças, jovens, familiares ecomunidade do entorno das escolas, oferecendo alternativas que despertamo interesse e são sadias para o desenvolvimento psicológico, físico eintelectual dos participantes. Nos locais onde esse programa foiimplementado, já se observa queda significativa nos índices de violência.Outra iniciativa da Organização foi implantar, no final do ano 2002, os�Observatórios de Violência nas Escolas�em cooperação com a UniversidadeCatólica de Brasília.

Outra política que a UNESCO no Brasil defende é a extensão daformulação e implementação de políticas públicas para um segmento quea ONU classifica como �jovens� � população de 15 a 24 anos. Há inúmerase inquestionáveis evidências de que esse segmento é o menos assistidoem termos de políticas públicas no Brasil. São esses jovens que maismorrem e mais matam no doloroso quadro da violência instalado no País,especialmente nas grandes e médias cidades. Este é o grupo que nãoencontra oferta de lazer, emprego ou trabalho digno e, portanto, torna-se presa fácil do tráfico e do consumo de drogas.

A questão da juventude tem absorvido boa parte do esforço detrabalho da UNESCO no Brasil. Temos feito pesquisas focadas no tema�juventude, violência e cidadania�, com resultados publicados em forma de livrosque, além de ampliar o conhecimento sobre o assunto, estimulam a reflexão

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e os debates. Aspecto importante desses trabalhos e que se refletem noineditismo dos resultados, é a metodologia utilizada e que dá voz aos jovens,permitindo e captando suas percepções e representações.

É oportuno salientar o trabalho valioso de identificação e análisede projetos que utilizam a educação, a arte, a cultura e os esportes comomeios de combate à exclusão social de crianças, adolescentes e jovens.Aqui relembramos, também, o programa �Abrindo Espaços: Educação e Culturapara a Paz�, cuja descrição e resultados já foram mencionados.

Para não prolongar este pronunciamento, gostaria de apenas me referirao enfoque que a UNESCO recomenda na formulação e implementaçãode políticas públicas para a juventude.

Em primeiro lugar, acreditamos que se deve adotar uma postura deformular políticas públicas de/para/com juventudes, indicando ser essencialreconhecer a diversidade de situações existentes e a pertinência de construirpolíticas com o envolvimento dos próprios jovens. Acreditamos que essapostura da UNESCO está plenamente coerente com o atual momentopropício para se firmar a legitimidade de políticas gestadas de forma maisdemocrática, sensíveis à diversidade e ao direito de representação dos jovens.

A UNESCO advoga a definição de juventude a partir datransversalidade contida nessa categoria, ou seja, definir juventude implicamuito mais do que cortes cronológicos, vivências e oportunidades nasrelações sociais de trabalho, educação, comunicações, participação,consumo, gênero, raça, dentre outros. Na realidade, essa transversalidadetraduz que não há apenas um grupo de indivíduos em um mesmo ciclo devida, isto é, uma só juventude.

Finalmente, apontamos o que denominamos �complicadores� paraa formulação de políticas de/para/com juventudes: o paradigma conceitual dejuventude; as condições de vida de juventudes no Brasil; o macro cenáriosócio-político-econômico-cultural e a formatação convencional daspolíticas públicas elaboradas para e com a juventude.

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Educação e Racismo no Brasil1

É com prazer que a UNESCO, em parceria com o Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento � PNUD, realiza este Seminárioe, esperando contar com a colaboração de todos os presentes, lhes dandoboas vindas

Da Declaração e Programa de Ação adotados em 8 de setembro de 2001,em Durban, na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,Xenofobia e outras Formas de Intolerância, destacam os seguintes artigos:

�Insta-se os Estados a apoiarem esforços que assegurem ambiente escolar seguro,livre de violências e de assédio motivados pelo racismo, discriminação racial, xenofobiae intolerância correlata (art. 122);

�Apóia esforços da comunidade internacional, em especial sob os auspícios daUNESCO, para promover o respeito e a preservação da diversidade cultural (art. 179);

�Insta-se os Estados, em estreita cooperação com a UNESCO, a promoverem aimplementação do programa de ação sobre Cultura da Paz (art 202);

�Insta-se os Estados a incentivarem a ativa participação, bem como a promovermais de perto os jovens na elaboração, planejamento e implementação de atividades deluta contra o racismo e a discriminação racial , xenofobia e intolerâncias correlatas eexorta os Estados em parceria com as ONG e outros atores da sociedade civil a

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário �Educação e Racismo no Brasil:Avaliação e Desafiosno Pós-Durban�, Brasília, 11 dez. 2002.

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facilitar o diálogo entre jovens tanto a nível nacional e internacional sobre racismo,discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas (art. 216)�.

Assim sendo, este Seminário deve ser visto como uma das iniciativasdo compromisso da UNESCO no Brasi l em dar continuidade àmobilização e colaborar com a agenda acordada quando da ConferênciaMundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,realizada em Agosto, na África do Sul. Na ocasião, buscou-se resgatar,em particular, o lugar da educação, da cultura, da promoção doreconhecimento da diversidade, da cruzada contra a pobreza e asdesigualdades sociais e a importância estratégica da juventude no combateao racismo.

Educação, cultura, diversidade de conhecimentos e re-conhecimentos, justiça social e juventudes são áreas destacadas naquelaConferência como estratégicas para a construção de uma Cultura de Pazcontra discriminações, tais como as de teor racial. São dimensões e temasfundantes, nortes de programas, pesquisas e reflexões da UNESCO.

Não por acaso, na Agenda daquela Conferência, é a UNESCO aorganização mais citada, compreendendo-se a sua missão noentrelaçamento de direitos sociais, políticos e culturais para a reparaçãoda dívida histórica que o Ocidente tem para com os afro-descendentes.

Mas para tal resgate, há que colaborar para que o capital cultural,práticas e formas de conhecimentos diversas sejam reconhecidos etransmitidos.

Assim como se faz necessário dispor de vontade e ação políticapara que os afro-descendentes tenham acesso à riqueza material, intelectuale simbólica do acervo civilizatório que se acumulou mediante o sacrifíciode tantos negros e negras.

Paradoxalmente � perversa ironia � tal processo de acumulaçãocolaborou para uma nação brasileira fragmentada, para as desigualdades

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raciais que se reproduzem hoje, não por inércia histórica movida poruma herança colonial e escravista, por mais que esta nos pese, mas pordinâmica inscrita nas relações sociais, culturais e políticas de várias ordens.

Segundo Pierre Sané, Diretor Geral Adjunto da UNESCO, emDurban se anunciou �um processo, uma longa negociação�. Sané destacaque, naquela Conferência, um dos pomos de discórdia foi o temareparações, entendido como compensações financeiras. Lembra que seoutros sentidos ao termo reparação fossem lembrados, lamentavelmenteesses não seriam tão questionados, �pois, tendo em vista os valoresuniversais partilhados hoje, outros tipos de reparação, tais como o deverde memória e de reconhecimento do crime, não teriam provocado taiscontrovérsias.�2

Nas pesquisas da UNESCO no Brasil se insiste na importância deconhecer o fato, sim, mas considera-se que indagar mais como esse épercebido e representado é vetor mais complexo e necessário, pois sãocom valores, formas de conhecimentos e sua construção que sãoreproduzidos ou são �desconstruídos� lugares comuns, estereótipos,preconceitos não assumidos, verdades frágeis que muitas vezes sãotransmitidas por uma pedagogia de museu, de costas para sentimentos,vivências e expressões de criatividade.

Vem nos surpreendendo, nas pesquisas com jovens no Brasil, aextensão e a plasticidade do �racismo cordial� assumido como�brincadeiras� ou verbalizado de forma indireta, negado mas ativo. Étambém desconfortável documentar um racismo explícito, inclusive nasrelações sociais de poder, legitimado e, como tal, se alimentando demúltiplos tipos de desigualdades.

2 SANÉ, P. Reivindicações articuladas e (contestadas) de reparação dos crimes da história apropósito da escravidão e do colonialismo por ocasião da Conferência de Durban. In:SEMINÁRIO CIENTÍFICO REPARAÇÕES E CRIMES DA HISTÓRIA: o Direito em Todas suasFormas. Genebra, 22-23 mar. 2002. Anais. Genebra: Nações Unidas, 2002.

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Por outro lado, as pesquisas da UNESCO no Brasil também vêmapontando para a ampliação da crítica social entre os próprios jovenssobre as sutis formas de racismo e preconceitos; para experiênciasinovadoras, em particular da sociedade civil, em direção a outro paradigmacultural-social que não o pautado em assimetrias por conta de raça, gêneroe outras identificações codificadas, bem como para a legitimidade dodiscurso anti-racista em textos da sociedade política.

Também tem sido material de reflexão, a partir de tais pesquisas, oslimitados horizontes de juventudes quanto à memória social sobre aconstrução da nação e algum desencanto sobre como a escola vem seposicionando, ou não, para assumir papel de relevância contra racismos,sexismos e outras discriminações.

A UNESCO vem insistindo na importância de atentar-se para osmúltiplos sentidos e processos implícitos do conceito de reparação,saindo da acepção vulgar tanto de algo que se doa ou se devolvegenerosamente para alguém quanto o reconhecimento de uma dívidahistórica com um outro.

A dívida de reparação da espoliação colonial para com o povo negroé uma dívida consigo, com cada um de nós, com o princípio de dignidade,com a identidade de nação � uma identidade que se singulariza poralteridades e por uma história viva, mas que não necessariamente têm quese sustentar por estranhamentos, opressões, discriminações e perpetuaçãode mitos de superioridade.

Tal dívida para com os outros, para consigo e para com a nação emdesenvolvimento, requer criatividade, por mais importante que sejam asfórmulas internacionais, os programas contra o racismo e a discriminaçãoque vêm sendo acionados em outros contextos. O conhecimento deexperiências internacionais, como o que nos traz nosso convidado,Professor Thomas Boston, do Instituto de Tecnologia dos Estados Unidos,é importante, inclusive para refletirmos sobre nossos próprios desafios.

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É quando os apelos à cultura e à educação inclusiva são mais do queelementos necessários de postura de direitos humanos e justiça social,mas inerentes ao desafio à criatividade.

É quando também os conceitos de cultura e educação devem serquestionados se restritos ao institucionalizado, ao sancionado porlegitimidade formal, sem a sensibilidade para práticas e linguagens degerações étnico-raciais diversas.

A UNESCO no Brasi l , ao pensar neste Seminário, buscou,originalmente, o seguinte elenco de objetivos:

1. Colaborar com a visibilidade da produção do e sobre o povonegro quanto a direitos humanos, reparações, ações afirmativas,linguagens e conhecimentos étnico-culturais e vivências quantoa discriminações, em particular na escola, com ênfase no debatesobre como tal produção de saberes vem sendo veiculada nasinstitucões de nível médio e superior;

2. Refletir, junto a estudiosos e ativistas, sobre o quanto se avançoue quais os desafios para o futuro próximo considerando aPlataforma e as Propostas de Ação concertadas em Durban, em especialno campo da educação formal, do compromisso com oconhecimento e com os saberes culturais e artísticos orientadospara os direitos humanos do povo negro, no Brasil;

3. Reunir propostas de especialistas e ativistas no campo dasociedade civil, da academia e do governo sobre as relaçõesraciais e humanas do povo negro para que a UNESCO bemcolabore em áreas enfatizadas em Durban � educação e direitoshumanos, em particular no tocante à produção deconhecimentos, entrelaçando-se o saber acadêmico e o ativistabaseados em experiências de populações afro descendentes eidentificando-se propostas de pesquisas e ações;

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4. Organizar publicação com textos dos participantes e sobre osdebates que ocorrerem durante o Seminário para ampladistribuição no âmbito das escolas. Espera-se, assim, incentivarnelas a organização de encontros � seminários itinerantes sobreo lugar da educação e da escola no combate ao racismo e àsdiscr iminações racia is , em parceria com entidades domovimento negro.

Tais objetivos se remodelaram um pouco com a contribuição deparceiros que colaboraram na formatação final deste Seminário, freandonossas incomensuráveis pretensões à temática, está a exigir e proporcionartantas abordagens.

Mas persiste o desafio em refletir sobre como a educação e a culturae, em especial, a escola, podem colaborar na luta contra racismos ediscriminações.

Por outro lado, adiantamos que vários passos já vêm sendo dadospela UNESCO no Brasil, além dos que se expressam durante esteSeminário, no sentido de cumprir uma agenda de atividades a médioprazo.

Estão sendo lançadas neste Seminário, duas publicações deeminentes pesquisadores: uma de Ricardo Henriques e outra de HédioSilva, ambas sobre temas relativos a racismo e à escola.

Por outro lado, nas pesquisas com juventudes realizadas pelaUNESCO, tanto raça quanto gênero são temas transversais e constantes.Em 2003, inicia a UNESCO um amplo programa de pesquisas, recuperandoo Projeto da UNESCO dos anos 50, os avanços e os desafioscontemporâneos, com especial referência para os cruzamentos ecombinações entre gênero, raça, classe e geração. Ainda, pesquisas comjovens em escolas e a análise de recomendações e políticas sobre o lugarda instituição escolar contra as discriminações.

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Este Seminário, portanto, mais que um evento é, insisto, peça deum processo de mobilização e de relacionamento com os presentes,pesquisadores, ativistas, formadores de opinião e indutores de políticaspúblicas.

Relacionamento que, espero, evolua para uma rede de parcerias evontades pela concretização de uma Cultura de Paz pautada em umaeducação avessa a racismos e intolerâncias, apostando na diversidade semdesigualdades sociais.

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A UNESCO e os Desafios da Cidadania1

Acaba de ser editado no Brasil o livro A UNESCO e os desafios do novoséculo, de Koïchiro Matsuura, Diretor Geral da UNESCO, reunindo seusprincipais discursos e conferências proferidas em várias partes do mundo.Os textos fazem a defesa dos ideais de uma organização que há mais demeio século tem lutado ininterruptamente pelo direito mundial de todasas pessoas a uma cidadania compatível com as necessidades mínimas detodo ser humano.

Para se compreender o alcance desse livro é necessário,primeiramente, lembrar que, se por um lado, como observou o historiadorArnold Toynbee, �esta é a primeira geração, desde o início da história, naqual a humanidade ousa acreditar na possibilidade de fazer com que todosos benefícios da civilização possam estar ao alcance de todas as pessoas�,por outro, há de se ter consciência de que a magnitude dos obstáculos a sersuperada �exige profundas mudanças nas atitudes e nos comportamentos�,de seres humanos e instituições públicas e privadas. Também não se podeperder de vista que as fraturas sociais provocadas pelos modelos dedesenvolvimento em curso abalam e, por vezes, mutilam esforços inovadoresde combate às desigualdades e às discriminações sociais.

A UNESCO, em sua missão histórica de ajudar a construir umacultura de paz por intermédio da cooperação intelectual entre as nações,conseguiu angariar, ao longo de sua existência, credibilidade e ética,

1 Artigo publicado no �Jornal do Brasil�, SP, em 05/11/2002.

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desfrutando hoje de uma posição singular e de um status moral. É o que atorna caixa de ressonância dos impasses sociais que se aguçam em nívelmundial e, ao mesmo tempo, porta-voz das aspirações que crescem e seavolumam em ritmo sem precedentes. Para dar continuidade a essaexpectativa, a UNESCO repensou suas estratégias e definiu, emconsonância com o seu passado e com sua visão de futuro, novas linhas deprioridades e de ações.

Os discursos e conferências de Koïchiro Matsuura se inserem,portanto, nessa nova fase da UNESCO, cujo ponto nevrálgico é o combateà pobreza. Em um de seus pronunciamentos mais básicos, ele admite queníveis insustentáveis de endividamento estão comprometendo as opçõesde políticas públicas dos países e absorvendo recursos que poderiam estarsendo utilizados em serviços sociais como a educação básica, água potávelde boa qualidade ou programas orientados para aliviar a pobreza.

A UNESCO, diz ele, defende uma abordagem de desenvolvimentobaseada em direitos. A pobreza não pode ser enfrentada efetivamente seas respostas a todas as suas dimensões não estiverem plenamente integradas.Uma concepção abrangente do alívio à pobreza precisa incluir tanto asdimensões econômicas como as humanas e exige uma concepção integradade planejamento.

Com base nesse eixo norteador, o livro de Matsuura inclui textosdas áreas de educação, ciências e meio ambiente, cultura, comunicação,cultura de paz, diálogo entre as nações e temas contemporâneos. Em todasessas áreas do mandato da Organização, o pensamento de KoïchiroMatsuura indica uma agenda de ação e sugere caminhos e alternativas decomo os países podem, com seus próprios meios e com ajudainternacional, superar seus dilemas e encontrar uma rota adequada para oresgate de suas dívidas sociais e culturais.

Matsuura coloca a educação no centro das estratégias da UNESCO,porém vinculando-a aos demais processos de desenvolvimento.

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A educação, segundo ele, deixou de ser apenas mais um direito fundamentalconsagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela passou a ser a précondição essencial para qualquer tipo de desenvolvimento, para a reduçãoda taxa de pobreza e de desemprego, para o progresso social e cultural,para a promoção de valores democráticos e para o estabelecimento deuma paz duradoura.

Estou seguro de que o livro de Koïchiro Matsuura vem ao encontrode um novo clima que se instalou no Brasil nos últimos anos, cujacaracterística mais marcante é a progressiva lucidez, tanto dos poderespúblicos, quanto de expressivos segmentos da sociedade civil quanto àimportância de se promover avanços nos direitos de cidadania. No novocenário social e político brasileiro que está nascendo ao meio de inúmerasexperiências de resgate de uma dívida social antiga, patrocinadas tantopelos governos como por iniciativas de Organizações Não-Governamentais, está se tornando possível obter consensossuprapartidários julgados até então impossíveis.

Esses consensos são fundamentais para a criação de alternativas dedesenvolvimento que reduzam o hiato que separa uma boa parte dapopulação brasileira dos benefícios da civilização.

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Violências nas Escolas e Cultura de Paz1

Hoje, a escola ganha espaço no noticiário de TV e nas páginas dosjornais por ter se transformado em um cenário de ocorrências violentas:brigas, discussões e até assassinatos acontecem dentro e nas redondezasdas escolas, gerando medo e apreensão em alunos, professores, diretores,pais e na comunidade em geral e colocando em risco seu papel de formaçãodos jovens cidadãos.

Esse fato chama a atenção porque reflete o caráter naturalizadoque a violência está assumindo na sociedade contemporânea. Ela está difusanas relações interpessoais e nas instituições e tem se manifestado, de modocada vez mais intenso, até em espaços considerados protegidos, tais comoa escola, que é um dos principais lugares de transmissão do patrimôniocientífico e cultural da humanidade.

Preocupa não apenas o fato de a violência estar se acentuando, mas ofato de que ela viola direitos fundamentais do ser humano. A paz, a saúde,a segurança, a harmonia, a alegria, a dignidade das pessoas ficam ameaçadasdiante da violência. Consideramos aqui o conceito de violência em umaperspectiva mais ampla, que abarca não apenas danos físicos que indivíduospodem cometer contra si próprios e aos outros, mas também o conjuntode restrições que impedem o pleno gozo de seus direitos essenciais.

Mas se, de um lado, a violência provoca um sentimento de insegurança,de outro, ela também motiva o questionamento e a ação. Afinal, se a violência

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário Internacional Violência Nas Escolas: Educaçãoe Cultura Para a Paz, Brasília, 27 nov. 2002

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é um sinal dos tempos, um sintoma de questões e mudanças maiores queatravessam a sociedade e a própria instituição escolar, o fenômeno tambémprovoca uma reação que se materializa em uma mobilização. Uma mobilizaçãode pessoas e esforços no sentido de se contrapor à violência e de buscaralternativas em prol da construção e da difusão de uma cultura de paz.

Em todo o mundo, a UNESCO tem-se dedicado a promover acultura de paz, seguindo a determinação da Assembléia Geral das NaçõesUnidas, que incumbiu a Organização de levar à frente um movimentomundial de transição de uma cultura de violência para uma cultura detolerância e solidariedade. No Brasil, o trabalho da Representação daUNESCO tem sido apoiado por uma sólida linha de pesquisas sobrejuventude, violência e vulnerabilidade social. Os resultados desses estudostêm permitido caracterizar e analisar uma série de problemas que afetamdiretamente o dia-a-dia e as expectativas de futuro de 34 milhões dejovens brasileiros, entre eles a violência escolar.

Como apontam essas pesquisas, a violência cria um ambientedesfavorável ao aprendizado, prejudicando o desempenho do aluno edesmotivando professores e dirigentes. Mas as pesquisas também mostramque é possível superar esta realidade e avançar no sentido da construçãode uma cultura de paz, usando a escola como vetor e espaço de difusão econsolidação de um novo modelo de relacionamento social. Os estudostambém mostram que as escolas não são obrigatoriamente violentas, masque elas passam por situações de violência que podem ou não ser superadas.

Assim como as pesquisas brasileiras, uma série de levantamentosrealizados em diversos países, revelam que a violência escolar não é umfenômeno restrito ao Brasil ou aos países em desenvolvimento. Aocontrário do que poderia se imaginar, é um problema globalizado, que semanifesta em diversas partes do mundo.

É nesse sentido que este seminário consiste em uma contribuiçãoimportante para o debate a respeito da violência escolar e, mais do que isso,

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no avanço do tratamento da questão. Feito o diagnóstico e a análise doproblema, o momento agora é de discutir soluções e colocá-las em prática.

Um movimento concreto nesse sentido é a criação do Observatóriode Violências nas Escolas, uma iniciativa inédita na América Latina e queresulta de uma parceria entre a UNESCO-Brasil e a Universidade Católicade Brasília e que está sendo lançado neste seminário. O Observatórioreúne uma equipe multidisciplinar que vai se dedicar à pesquisa e à criaçãode estratégias de intervenção em escolas, a fim de fazer propostas depolíticas públicas.

Paralelamente, neste seminário serão apresentados estudos eexperiências que apontam algumas estratégias adotadas por dirigentes deescolas brasileiras e que foram bem sucedidas na superação da violênciaescolar. Em geral, são estratégias que se pautam pelos valores essenciais àvida democrática e que sustentam a cultura de paz: participação,igualdade, respeito aos Direitos Humanos, respeito à diversidade cultural,justiça, liberdade, tolerância, diálogo, reconciliação, solidariedade,desenvolvimento, justiça social.

E esse não é um processo passivo: a humanidade deve se esforçarpor ela, promovê-la e administrá-la, daí a necessidade de pensar e colocarem prática estratégias de superação da violência. A cultura de paz étambém uma iniciativa de longo prazo que deve levar em conta o contextohistórico, político, econômico, social e cultural de cada ser humano. Énecessário aprendê-la, desenvolvê-la e colocá-la em prática no dia-a-diafamiliar, regional, nacional e mundial.

E nesse processo, a educação, no sentido mais amplo do termo, é ocomponente crucial da cultura de paz; uma educação que torne cadacidadão sensível ao outro, e que imponha um senso de responsabilidadecom respeito aos direitos e liberdades.

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A UNESCO e a Promoção dos Direitos Humanos1

A UNESCO tem grande satisfação em, mais uma vez, participar daConferência Nacional de Direitos Humanos, organizada pelo Fórum de Entidades Nacionaisde Direitos Humanos e pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

O evento se reveste de grande importância por ser o primeirorealizado no Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, cuja históriade vida é a própria expressão de seu comprometimento com a defesa epromoção dos direitos humanos.

Como é natural, esse compromisso fomenta a expectativa dasociedade em ver seus sonhos de um governo ético promovendo efortalecendo os direitos humanos e caminhando de forma decidida para aconstrução da justiça social. E o espaço da Conferência Nacional de DireitosHumanos é aquele para onde convergem os anseios e as iniciativas de todosos que se dedicam ao tema, neste País.

A partir da perspectiva de consolidar e fortalecer os direitos humanosno Brasil, a UNESCO se coloca ao lado dos agentes civis e públicosprotagonistas desta luta. Nunca é demais recordar que a UNESCO, desdesua fundação, tem-se dedicado a promover os direitos humanos e a construira Paz. Em pronunciamento recente, o Diretor Geral da UNESCO, KoichiroMatsuura reafirma esta prioridade ao assinalar que �nós confirmamos nossocompromisso com os direitos humanos e com a reflexão coletiva sobre osobstáculos e ameaças para sua implementação�. Mais adiante, completa

1 Pronunciamento por ocasião da VIII Conferência Nacional de Direitos Humanos, �O Brasil eo Sistema Nacional de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos�, Brasília, 10 jun. 2002.

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indicando a importância dos direitos humanos ao expressar que �o respeitoaos direitos humanos é uma condição indispensável para a paz, a segurança,a estabilidade e a democracia no mundo, e é o objetivo último dodesenvolvimento econômico, político, social e cultural�.

No Brasil, a UNESCO é parceira firme do Governo e da sociedadecivil na promoção e defesa dos direitos humanos. Temos consciência deque apenas o trabalho integrado e complementar de todos que militamneste campo pode trazer resultados importantes e permanentes. Para isso,temos acionado sistematicamente os mecanismos que fazem parte domandato da UNESCO, realizando cooperação técnica internacional,publicando livros e matérias em português sobre direitos humanos,desenvolvendo estudos e pesquisas, direta e indiretamente relacionadosao assunto e contribuindo para mobilizar instituições e conhecimentos.

Conhecemos os avanços já alcançados no Brasil nessa área,especialmente a partir da Constituição Federal de 1988 e da legislaçãocomplementar que a seguiu, bem como do Programa Nacional de Direitos Humanos.

Da mesma forma, temos a percepção do muito que se tem por fazerpara assegurar a todos os mesmos direitos. Por isso, é preciso insistir semprena universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, incorporando,aos direitos civis e políticos, os direitos econômicos, sociais e culturais.

É preciso demonstrar, permanentemente, que as violênciascotidianas são graves violações aos direitos humanos e, por isso,precisamos agir para reduzir drasticamente a violência no Brasil. Entendoque a repressão violenta, as propostas de endurecimento de penas, aredução da idade penal e o livre comércio de armas são propostasequivocadas. É muito mais vantajoso prevenir do que reprimir, tanto sobo aspecto econômico, quanto social e cultural.

As propostas da UNESCO de educação com qualidade para todose ao longo de toda a vida, de valorização da diversidade cultural, do usoético e democrático dos avanços científicos convergem positivamentepara o tratamento preventivo da violência e da preservação da vida.

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A partir dessa visão, a UNESCO Brasil tem concebido e realizadopesquisas, estudos e programas que, de um lado, procuram contribuirpara explicar as causas e manifestações da violência e, por outro lado,procuram mostrar que há experiências positivas e bem sucedidas no Brasilque podem ser reproduzidas e aplicadas com sucesso. Ao mesmo tempo,concebeu e tem participado da implantação de um programa que consistena abertura de escolas nos finais de semana, que atende a comunidadeescolar, as famílias dos alunos e aproveita as competências e valores dacomunidade atendida pelas instituições escolares.

Aproveitando esta solenidade de abertura da VIII Conferência Nacionalde Direitos Humanos, quero anunciar, de público, que a UNESCO criou umposto no Brasil de grande significado para os direitos humanos �atualmente ocupado por uma profissional de grande capacidade ecompletamente comprometida com as questões da luta contra o racismoe discriminação racial. Refiro-me à Senhora Edna Roland que, tenhocerteza, todos conhecem por sua militância e sua participação ativa nostrabalhos preparatórios e na própria Conferência de Durban, em 2001.Ela está fazendo parte de nossa equipe e, sem dúvida, trará uma novadinâmica para os trabalhos e parcerias neste tema. A Senhora Edna Roland,a partir do Brasil, passa a ser o ponto focal da UNESCO para a AméricaLatina e o Caribe sobre questões de racismo e discriminação racial.

Indo além, quero deixar registrado o compromisso da UNESCOBrasil em contribuir, de todas as formas possíveis, para que odesenvolvimento e implementação do que se está denominando �SistemaNacional de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos�, tema central destaConferência, seja efetivamente bem sucedido.

Desejo que os trabalhos que serão desenvolvidos resultem empropostas inovadoras, uma vez que contamos com a participação depessoas e instituições que definem os direitos humanos como o centro desuas ações como cidadãos.

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Juventude: um dos Grandes Desafiospara as Políticas Públicas1

Por muito tempo, o consenso dominante nos organismosinternacionais, nos meios acadêmicos do primeiro mundo e,evidentemente, nas equipes econômicas dos governos dos países emdesenvolvimento, era unânime na expectativa de que o crescimentoeconômico, por si mesmo, terminaria por corrigir as profundas e variadasdesigualdades sociais, responsáveis pelos déficits crônicos de educação,saúde e de todos os outros indicadores de bem-estar. Esta fórmula depolítica econômica utilizava uma metáfora hidráulica: a fertilização dosolo pelo gotejamento (trickle-down) dos benefícios do crescimentoeconômico. Este modelo fracassou rotundamente, na América Latina.

A conjuntura atual impõe novos desafios para pensar políticas paraa juventude, que sejam coerentes com as tendências econômicas, sociaise demográficas contemporâneas.

Os jovens de 15 a 24 anos nunca foram tão numerosos no conjuntoda população. Esse fenômeno apenas amplia e nos permite ver, de formamais nítida, as distorções que a desigualdade produz em nossa região,

1 Pronunciamento por ocasião da �Assembléia Anual de Governadores do Banco Interamericanode Desenvolvimento e Seminário Liderança Juvenil no Século XXI. Painel:A Juventude e a Formação:Aprendizagem Continuada na Economia do Conhecimento�, Fortaleza, 07 mar. 2002.

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fazendo com que o acesso diferenciado a bens educacionais e informativosgere um ciclo de desigualdade, exclusão e pobreza.

Esse abismo é aprofundado pela vigência, generalizada na AméricaLatina, de duas políticas juvenis paralelas e absolutamente impermeáveisentre si: para os �incluídos�, programas educacionais, culturais,profissionalizantes e de diversão; para a maior parte dos jovens�excluídos�, políticas repressivas de segurança pública e justiça.

Nos dois segmentos, mas sobretudo no segundo, é necessário que afamília, a escola, o governo, os meios, as organizações da sociedade civile do setor privado adotem uma nova atitude para a integrar, dar dignidadee valorizar a juventude, no seu conjunto.

É preciso notar que essa postura, além de ser mais inteligente, émais racional, do ponto de vista econômico. No Brasil, por exemplo, ocusto de manter um jovem no sistema penitenciário monta a cerca deUS$ 700,00 mensais. Dados recentes da Fundação Getúlio Vargas mostram,por exemplo, que, em 2001, o Brasil gastou 1,6% de seu Produto InternoBruto com os efeitos da violência2. O vínculo desse mesmo indivíduo aorganizações da sociedade civil, que trabalham com o fortalecimento docapital social juvenil, mediante atividades culturais, artísticas e voluntárias,gera custo que chega a apenas US$ 60,00. Um estudo recente do BID,Fundação Kellogg e UNESCO revela que, nesse país, a aplicação de US$200,00 mensais por jovem em situação de risco, mediante o trabalho deONGs seria satisfatório para manter as experiências com alta qualidade ereproduzi-las em contextos diferentes.

Nesse contexto, a juventude desponta, hoje, como um dos grandesdesafios para as políticas públicas latino-americanas, tanto governamentaiscomo não-governamentais. A formação se coloca, portanto, em um quadro

2 Estas cifras incluem serviços médicos, aparelhos de segurança e de justiça.

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mais amplo, onde a luta contra as desigualdades econômicas, sociais e deconhecimento, é o principal vetor do trabalho de governos, sociedadese setores privados.

Considero que, no Brasil, há exemplos concretos de políticaspúblicas para jovens estruturadas sobre um forte componente definanciamento internacional e cooperação técnica com agências das NaçõesUnidas, que são capazes de esboçar uma resposta inovadora e que, paramim, está no centro do desenvolvimento internacional contemporâneo: aassociação de estruturas estatais a organizações civis, as quais, em conjunto,formulam e implementam ações para jovens, de forma descentralizada.

Quando se faz uma reflexão, dentro deste marco conceitual, épossível se conceber um programa de formação que atenda as necessidadesde populações locais específicas e não se limite a reproduzirconhecimentos e fórmulas elaboradas em escritórios nacionais. Se ogoverno central souber identificar, escolher e promover iniciativas sociaisbem-sucedidas no campo da formação (tanto a profissional, como aartística, a civil e outras), mediante recursos nacionais e internacionais,estará gerando uma reação em cadeia muito positiva, no cenário de pobrezae desigualdade, como os que caracterizam nossa região. Um exemplodesse tipo de preocupação são os trabalhos quantitativos e qualitativosque têm por objetivo oferecer um mapa das angústias, problemas easpirações da juventude em grandes centros urbanos ou no mundo ruralde hoje. Mediante esse esforço, a UNESCO, vem promovendo váriasações locais e nacionais para reduzir os índices de violência entre jovense aumentar os de inclusão social e participação.

Outra forma concreta, desenvolvida por várias secretarias de educaçãono Brasil, junto com a UNESCO, é a de utilizar os espaços ociosos dasescolas públicas de regiões com altos índices de violência, durante os finsde semana. Nessas ocasiões, os jovens e os promotores se organizam paradefinir as atividades que realizarão ao longo de um período, e, com poucosrecursos, é possível se obter a mobilização de toda a comunidade local.

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O resultado é a existência de um espaço de sociabilidade alternativo, ondeo jovem pratica atividades culturais, esportivas e musicais, associa-se à escolae a preserva como patrimônio da comunidade. Esse projeto incorpora umainovação, ao tomar o jovem como um participante do debate sobre osproblemas de sua comunidade e da sociedade contemporânea, promovendoa reflexão criativa em relação ao futuro.

Finalmente, é importante citar a participação do setor privado, queé fundamental. O setor privado é co-responsável pela oferta deoportunidades de formação. O exemplo mais significativo, no Brasil, talvezseja a Confederação Nacional das Indústrias, mediante sua agência doServiço Social da Indústria (SESI). São responsáveis pelo maior programade formação de jovens profissionais em todo o país, e vêm fazendo issode forma vitoriosa, com vários parceiros, entre eles a Universidade deBrasília e a UNESCO. As dimensões desta atividade são bastante marcantes.Em 2001, foram treinados um milhão, novecentos mil cidadãos. As açõesconjuntas, que realizamos para vincular o setor privado a este programaeducacional, têm por premissa um estudo do Banco Mundial, que revelanúmeros surpreendentes: cada ano a mais de educação na vida dapopulação economicamente ativa gera um aumento da ordem de 20% noProduto Interno Bruto do Brasil.

A democratização de chances de educação é indispensável paraabrir oportunidades de crescimento para a juventude. Rigorosamente, ogrande problema da formação é a melhoria dos programas escolares e dosprofessores. Há iniciativas importantes que trabalham dessa forma, comoo Programa Escola Jovem da Secretaria Brasileira de Educação Média eTecnológica do Ministério da Educação.

Para realizar um exercício desse porte, as agências internacionais,financeiras ou técnicas podem contribuir de várias formas. A primeira éassegurar que o país conte com um sistema de identificação de problemase oportunidades. Isso significa, mapas quantitativos e qualitativos quepermitam escolher objetivos consistentes com as necessidades locais.

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A segunda é atrair instituições nacionais para os projetosgovernamentais. Essas agências estão em posições singulares para promovera aproximação de organizações e institutos que trabalham em áreastangenciais, mas que, tradicionalmente não coordenam seus esforços. Aterceira é oferecer transparência e flexibilidade administrativa para queos projetos possam avançar rapidamente, mediante respostas concretas aproblemas específicos.

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Juventude e Violência: a Contemporaneidade do Tema1

Até pouco tempo atrás, a realização de um Seminário como esteera impensável na América Latina. O tema da violência, e maisespecificamente, o da relação entre violência e juventude, era apenasobjeto de algumas disciplinas universitárias e dos sistemas públicos desegurança. Hoje em dia, este assunto ocupa a pauta de todos os setoresde nossas sociedades e, em alguns casos, os problemas relacionados àviolência são compreendidos como entraves cruciais para a promoção dodesenvolvimento sustentado, em nossa região.

Os intelectuais e as universidades da América Latina ainda nãoproduziram um paradigma suficientemente amplo para pensar no tema dajuventude e da violência no mundo contemporâneo. Contudo, é possívelapontar algumas características gerais observadas nestes países.

As formas pelas quais a população jovem de um país sofre e produzviolência têm relação com o tipo de democracia que cada sociedadeconstruiu ao longo dos anos. Isto significa que, pelo menos do ponto devista teórico, não parece haver uma saída única para os desafios que ajuventude enfrenta. Pode-se, de fato, pensar em princípios amplos, quesejam capazes de abranger as especificidades nacionais.

1 Pronunciamento por ocasião do Encontro Juventude, Violência e Cooperação Internacionalpara o Desenvolvimento na América Latina: a Contemporaneidade do Tema,,,,, México, DF, 15mar. 2002.

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Minha exposição consistirá em um breve panorama deste assunto.Também tentarei apontar possíveis soluções que os países podem encontrar,mediante a utilização extensiva da cooperação internacional principalmentejunto a agências do Sistema das Nações Unidas, fundações privadas,instituições financeiras internacionais e Organismos Não-Governamentais.

AS PERGUNTAS CENTRAIS

Penso duas perguntas essenciais que devem guiar as respostas às nossasindagações. São elas: (a) quais os desafios que as democracias latino-americanas impõem a seus jovens, no dia de hoje? (b) Quais as alternativase mecanismos que tais democracias oferecem como saída factível para apopulação juvenil?

O trabalho que a UNESCO vem desenvolvendo no Brasil, ondetemos, por um lado, um forte componente de pesquisa social aplicada, epor outro, um amplo conjunto de projetos para a juventude sugere algumasconclusões que considero importantes para este debate.

OS DESAFIOS

1. A EVASÃO ESCOLAR. Há um círculo vicioso formado pelosbaixos níveis de educação, poucas oportunidades de emprego eaumento dos níveis de pobreza entre os jovens latino-americanos.Esta cadeia � que se auto-alimenta � é ainda mais perversa quandovemos que muitos de nossos países não contam com uma estruturagovernamental capaz de oferecer oportunidades seguras para queos pais possam manter, definitivamente, seus filhos na escola.

2. AS REDES DE SOCIABILIDADE. Em ambientes de pobrezae desemprego juvenil, as redes de sociabilidade e proteção aos

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jovens são, em geral, informais. Nesse contexto, o sentimentode pertencer a um grupo � que é tão definitivo na vida de umadolescente � passa, muitas vezes, pelo tráfico de drogas.Novamente, gera-se um círculo, no qual a falta de perspectivasconduz à associação de indivíduos a grupos vinculados ao mundoda droga e, aí, para elevados índices de violência.

3. A RESPOSTA REPRESSIVA DO ESTADO . Os países daAmérica Latina ainda não puderam equacionar seus sistemas desegurança pública com as tendências internacionais maisavançadas. Parece que ainda se insiste em táticas repressivas queterminam por condenar jovens delinqüentes a cumprir penas, semque, com isso, se garanta a reinserção do indivíduo na vida emsociedade.

4. A DISCRIMINAÇÃO EM RELAÇÃO AO JOVEM . Adiscriminação racial, social, de gênero e de idade está presentena vida da juventude latino-americana, por meio da programaçãotelevisiva, do sistema educacional, dos serviços que o Estadooferece, dentre outros. Em nossa região, a triste realidade é a deque ter ascendência africana ou indígena aumenta,significativamente, a exposição de um jovem a algum tipo deagressão física ou violência simbólica. Ser jovem, na AméricaLatina, significa estar superexposto ao fenômeno do desemprego,por exemplo.

AS SOLUÇÕES:

Porém, a experiência recente nos dá exemplos de iniciativas bemsucedidas para reverter as tendências que acima enumeramos. Podem-seresumir da seguinte forma:

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1. A PROGRAMA BOLSA ESCOLA. Uma forma eficaz de garantira permanência de crianças e jovens de comunidades excluídas naescola é garantir que exista um sistema de renda vinculado aodesempenho escolar de cada aluno. As famílias recebem umpequeno �salário� em troca de que seus filhos cumpram asobrigações escolares. O efeito que esse programa teve no Brasil,no México e na Argentina é bastante impressionante: não só onúmero de jovens matriculados nas escolas cresceuexponencialmente, como as famílias adquiriram uma capacidadede autonomia que até esse momento não haviam tido.

2. O PROGRAMA ESCOLA ABERTA. Devido ao fato de que otráfico de drogas é uma realidade profundamente estruturada nospaíses latino-americanos, trata-se de criar incentivos para que ajuventude possa escolher alternativas de sociabilidade que sejammenos brutais. Esta realidade é mais intensa durante os fins desemana, quando se comprova que os índices de mortalidadejuvenil crescem assustadoramente. Uma saída eficiente, no Brasil,vem sendo a abertura das escolas durante os fins de semana paraa realização de atividades definidas pela comunidade juvenil.São atividades de grupos de dança, música, esportes, teatro,executadas por jovens para jovens. O resultado tangencial desteesforço tem sido uma mudança de mentalidade em que as escolaspararam de ser depredadas e a comunidade assumiu seu cuidado,uma vez que é o lugar de diversão e de criação de laços sociais.O custo deste esforço é baixíssimo e foi realizado pela união deesforços das autoridades educacionais, diretores da escola, líderescomunitários e a UNESCO.

3. CULTIVANDO VIDAS . As polít icas repressivas para ajuventude são ineficazes como seus custos superam, infinitamente,o custo das ações preventivas. Na América Latina, existeminúmeras experiências da sociedade civil que são bem sucedidas

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quando se trata de romper o ciclo da violência e da pobrezaque assola a juventude. Só no Brasil, a UNESCO identificoumais de 300 iniciativas, que utilizam a música, a dança, as culturaspopulares e o trabalho voluntário para vincular jovens em situaçãode risco a propósitos criativos. Falando em termos financeiros,descobrimos que o custo mensal destas experiências por jovematendido é dez vezes menor que o custo de manutenção de umjovem na prisão. Nem é preciso mencionar o perigoso impactomoral e intelectual que tem sobre a vida de um jovem o fato depassar alguns dias, meses ou anos no sistema penitenciário latino-americano.

4. A PESQUISA COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇASOCIAL. A discriminação � em todas as suas formas � é umfenômeno que está culturalmente associado à forma como vivemnossas sociedades. É possível promover mudanças significativas,a médio prazo, mas esse tipo de esforço não pode significar acópia de modelos que tenham obtido bons resultados no mundoindustrializado. Para isso, é fundamental que, em nossos países,possamos contar com mapas de caráter quantitativo e qualitativoque nos indiquem quais são as demandas, as angústias e asalternativas da juventude. No Brasil, a UNESCO realizoupesquisas sobre violência, drogas, sexualidade e AIDS nas escolas� nas favelas (que são zonas urbanas com altos índices de violênciae baixíssimos indicadores sociais) � incluindo pais e professores.As conclusões a que chegamos são muito significativas e servempara que as autoridades públicas e o setor privado possamdirecionar suas ações e políticas.

Um dos grandes problemas de nossa região é a ausência de políticaspúblicas sérias que possam oferecer respostas concretas a um tema quevem afetando negativamente nossa juventude. Ao promover diagnósticosmediante a parceria entre organismos internacionais e da sociedade civil,

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estamos produzindo conhecimentos importantes porque ilustram adramaticidade do problema e ajudam a definir políticas que sejamconsistentes com as necessidades nacionais. Ao mesmo tempo, este tipode pesquisa serve como guia para que os governos possam investir recursosfinanceiros, domésticos e internacionais, para reverter a situação dos jovensem situação de vulnerabilidade.

Finalmente, não podemos deixar de mencionar o papel estratégicodos meios de comunicação. Em sociedades onde a mídia está amplamenteinstalada, como as nossas, a televisão, o rádio e a imprensa ocupam umpapel fundamental na disseminação de conhecimentos sobre o tema daviolência juvenil, assim como na divulgação de experiências bem sucedidasque existem, com maior ou menor intensidade, na grande maioria dospaíses. Os meios de comunicação têm a capacidade de despertar a discussãopública sobre o tema, e são também os responsáveis por fazer com que ainformação, que circula pela sociedade, observe os princípios dos direitoshumanos e as várias recomendações internacionais sobre o assunto. Dessamaneira, governos nacionais, organismos internacionais, instituiçõesfinanceiras, sociedade civil e meios de comunicação podem juntar forçaspara trazer soluções criativas e coerentes com os contextos domésticosao desafio da violência juvenil.

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Juventude: Indicações parauma Política de Resultados1

Até pouco tempo atrás, a realização de um evento como este eraimpensável. O tema da juventude ocupava a atenção de certas disciplinasuniversitárias, de algumas correntes do pensamento educacional e dosistema público de segurança. Hoje, o assunto está na pauta de todos ossetores da sociedade brasileira e seus problemas são vistos como um dosprincipais obstáculos para o desenvolvimento do País, durante ospróximos anos.

Este I Fórum de Cooperação da Juventude é um exemplo nítido de queestamos construindo um novo paradigma para pensar a questão dajuventude. Embora não haja um pensamento acabado sobre o tema, já épossível apontar quais os gargalos, quais as potenciais soluções e quais osatores-chave para transformar para melhor o futuro de milhares de jovensno Brasil contemporâneo.

Gostaria de oferecer uma síntese do que entendo como essa novaforma de encarar um dos maiores desafios desse Brasil contemporâneo.

Há, aproximadamente, dez anos, a pauta mais instigante do debatepúblico em todo o mundo referia-se aos tipos de regimes políticos queo fim da Guerra Fria deixaria. A pergunta, mais especificamente, era:

1 Pronunciamento por ocasião do Io Fórum de Cooperação da Juventude: Construindo umaAgenda para a Formulação de Políticas Públicas, �Juventude e desenvolvimento�, Rio de Janeiro,13 dez. 2001.

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com o fim do embate ideológico no seio de cada sociedade, que tipo dedinâmica política ocuparia a cena na Europa do Leste, na África, na Ásiae na América Latina e Caribe?

Para essa pergunta havia muitas respostas, mas uma tônicapredominante, que podia ser vista nas principais universidades do mundo,nos editoriais dos maiores jornais e revistas, nas Nações Unidas e nasintelligenzias nacionais. Esse novo senso comum sugeria que a partir dadécada de 1990 o mundo assistiria a uma gradual mas certeira onda dedemocratização.

As pressões internacionais de agências financiadoras, organismosde cooperação e governos de países industrializados seriam tão intensasque terminariam por induzir um efeito dominó em prol da democracia.

Efetivamente, foi isso o que pôde ser visto nos mais diversoscontextos: a América Latina passou a contar eleições periódicas ecompetitivas na imensa maioria de seu países; a Africa do Sul abandonouo apartheid e incluiu a população negra ao sistema político; a Europa doLeste passou a reconhecer as facções de oposição como interlocutoresválidos; inúmeros países asiáticos começaram a pensar a adoção do modeloeleitoral democrático do Ocidente etc.

Entretanto, a pergunta sobre que tipo de regime vingaria provouser extremamente limitada. Porque, embora a democracia tenha avançadoem todos os quadrantes do mundo, essa onda de democracia está longede ser homogênea.

Não há um tipo exclusivo � nem ideal � de democracia no mundo.O que há são diversas formas de organizar a vida pública mediante aconvocação sistemática de eleições. É por isso que quando olhamos paraa Rússia, a India e o Brasil, vemos três democracias continentais comdiferenças muitíssimo significativas. Seus problemas são diferentes, assimcomo as suas soluções.

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Portanto, aquele consenso é hoje substituido por uma novapergunta, que é mais adequada para compreender processos detransformação: que tipo de democracia estamos construindo no Brasil?

Esse é o contexto no qual, hoje, discutimos a juventude e seustemas correlatos (educação, cultura, violência, consumo de drogas,emprego, dentre outros). Que tipo de desafios coloca a democraciabrasileira a seus jovens? E mais importante, quais são as respostas ealternativas que essa democracia oferece para a parcela jovem dapopulação?

A UNESCO e seus parceiros � como o Estado do Rio de Janeiro, aFederacão de Indústrias do Rio de Janeiro � FIRJAN e a Fundacão deAmparo à Pesquisa do Rio de Janeiro � FAPERJ � vêm-se fazendo essasperguntas e buscando respostas plausíveis, mediante um programa amplode pesquisa aplicada nas áreas de juventude, violência, sexualidade ecidadania. Alguns dos resultados desse trabalho transformaram-se em livrose estudos. Outros, em projetos que têm servido como pilotos para testaros conceitos e idéias que o nosso grupo de especialistas desenhoumediante o contato direto com jovens, pais, professores, gangues, policiaise educadores de todo o País.

O conhecimento acumulado nesses exercícios oferece boas pistassobre os elementos centrais que fazem a pauta da juventude hoje. Essemesmo conhecimento também sugere caminhos e alternativas factíveispara modificar a situação atual.

Citarei alguns:

A) A questão da violência é percebida pelo jovem brasileiro comoum fenômeno que inclui questões de cor e raça, classe social,nível educativo, acesso a bens culturais e a serviços públicos.Nem sempre foi assim, e o alargamento do conceito de violênciaé benéfico, porque permite experimentar novos campos de açãoe intervenção pública.

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Nesse contexto, as tendências que podem ser observadas sãobastante alarmantes: ser afrodescendente aumenta significativamentea exposição do jovem brasileiro a algum tipo de agressão física ouviolência simbólica; quase a metade dos desempregados têm até24 anos e as taxas de desemprego entre os jovens em certas regiõesdo País chegam a bater a taxa dos 20%, uma realidade até poucotempo desconhecida no Brasil; nas favelas desta cidade, 62% dosjovens não completaram o ensino fundamental; o trânsito matajovens num ritmo semelhante ao de uma guerra civil; mais da metadedos jovens brasileiros não leu nenhum livro em 2001 e nunca foi aocinema na vida; os serviços públicos são insuficientes e não estãoequipados para lidar com uma perspectiva de atendimento rápidoe eficaz ao público � quando se trata de atender ao jovem, essasituação é ainda mais dramática.

B) As políticas de segurança pública mostram-se insuficientes e,muitas vezes, irracionais: os custos da repressão excedem emmuito os da prevenção. Um jovem internado numa FEBEM custaR$ 1,700,00 por mês aos cofres públicos. Esse mesmo jovem,vinculado a uma organização não-governamental de carátereducativo, esportivo ou cultural custa menos de R$ 300,00.

C) A baixa qualidade da educação formal � seja por falta de recursoshumanos e materiais, seja por discrepâncias entre o sistemaeducativo e o contexto prático que o jovem enfrenta no dia adia � reverte-se em altas taxas de repetência e desistência. Aoabandonar a escola, o jovem vê suas possibilidades de acesso aomercado de trabalho restringidas. O desemprego, por sua vez,gera uma situação de falta de expectativas tal que dá início a umcírculo vicioso que vai da pobreza à violência. Da mesma forma,o jovem não tem emprego porque não tem experiência e nãotem experiência porque não tem emprego.

D) Temas como a sexualidade são pouco ou mal tratados nos espaçosformais de educação e mesmo na televisão, gerando um clima

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generalizado de despreparo para lidar com a gravidez indesejadae a Aids. Apesar do sucesso do programa brasileiro para conteressa epidemia, ela atinge cada vez mais mulheres e jovenscidadãos de baixa renda e moradores de pequenas cidades dointerior. São esses os grupos justamente menos preparados paraadministrar o desafio da Aids.

E) Além da dificuldade de encontrar postos de trabalho para umapopuulação ativa que não pára de crescer, também é necessáriomelhorar a qualificação do trabalhador. A participação da empresaprivada nesse processo ainda é difusa, embora o Instituto dePesquisa Econômica Aplicada � IPEA tenha mostrado,recentemente, que o envolvimento das grandes empresas privadasbrasileiras em ações sociais apresente um crescimento claro.

F) Os laços que geram sociabilidade entre jovens incluem a música� que funciona como tal desde princípios do século em todo omundo � mas também o consumo sistemático de drogas comoalcool, maconha e crack. Desfazer essa realidade implica trocaresses elementos por outros menos malignos que também possampropiciar um sentimento de pertencimento a um grupo, geremsolidariedade entre seus membros, sirvam como fundadores deidentidades.

Geralmente, esses elementos estão vinculadas a padrões históricosde pobreza e seus legados. Reverter situações tão terríveis e tãocontemporâneas não é uma tarefa fácil porque a globalização dos fluxoscomerciais e financeiros parece consagrar ganhadores e perdedores,aumentando as diferenças sociais em todo o mundo.

Mas há diversas experiências que têm mostrado muito sucesso. Porexemplo, os programas do Comunidade Solidária que associam governos,empresas e comunidades na promoção da educação e da geração de renda;os programas de decentralização e informatização dos serviços públicos;

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a política nacional para doenças sexualmente transmissíveis e Aids queassocia recursos internacionais e Organizacões Não-Governamentais napromoção da saúde sexual; o programa nacional de Educação para oTrânsito, que utiliza os principais meios de comunicação e a escola paracriar uma cultura de respeito ao pedestre, dentre outros.

Em todos esses casos houve uma decisão política concreta. O PoderPúblico reconheceu os problemas e não os banalizou, como muitas vezesacontece. A definição de políticas públicas somente pode funcionar nessecontexto. Assim aconteceu no Estado do Rio de Janeiro, onde oGovernador Garotinho decidiu enfrentar o problema. Hoje temos umexemplo concreto e bem sucedido que está dando respostas às demandasde crianças e jovens historicamente excluídos dos benefícios da sociedade� o Programa Escola de Paz. Esse programa conjunto do Estado do Riode Janeiro e da UNESCO promove a abertura de escolas aos finais desemana para atividades culturais e esportivas em comunidades de baixarenda nas quais a oferta de opções de lazer é baixa.

Todas essas iniciativas utilizam uma tecnologia social comum, queconsiste em somar parceiros que: a) aproveitam suas vantagenscomparativas em determinado campo do conhecimento para não dobrare desperdiçar esforços; b) utilizam a capilaridade das organizações dasociedade civil como braços executores de políticas que o Estado podeperfeitamente desenhar e financiar mas tem pouca capacidade operativapara implementar; c) apostam em espaços informais para educar, porexemplo, a televisão, as revistas, as letras de músicas, o carnaval de rua,os grupos religiosos, ou outros; d) contam com parceiros que dividem aresponsabilidade do sucesso � assim como do fracasso; e) associam aempresa privada aos esforços públicos mediante o co-financiamento deatividades ou a promoção de iniciativas com os trabalhadores de cadaempresa; f) e , finalmente, trabalham com a premissa de que a educaçãoé o principal instrumento para modificar, de vez, a qualidade de vida dosjovens do Brasil.

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Como notou meu colega de mesa, Gouvêa Vieira, da FIRJAN, emartigo recentemente publicado no jornal O Globo: �A educação é o bemmais precioso de uma nação. É seu elemento básico de transformação�.

Muitas destas idéias vêm sendo implementadas por agências públicasem nível federal, estadual e municipal. Algumas delas já estão sendoreproduzidas em países da Africa, da América Latina e do Caribe, que porterem situações semelhantes podem aprender do modelo de intervençãosocial que a democracia brasileira soube construir nos últimos anos.

A realização deste evento � e a presença de todos estes parceiros� é um dos melhores indicadores de que o Brasil está hoje em condiçõesde promover mudanças de fundo para os jovens de hoje e os adultos deamanhã. É uma mostra de que a democracia que está sendo construídaaqui pode vir a ter sucesso na procura de uma Cultura de Paz, Não Violência eDesenvolvimento.

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Comunicação, Informaçãoe Conhecimento:

Novas tecnologias no intercâmbio do saber

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Dia Nacional de Educação a Distância1

Tenho grande satisfação de, em nome da UNESCO, abrir essaatividade que comemora o dia 27 de novembro como o Dia da Educaçãoa Distância no Brasil.

O Brasil, assim como outros países populosos e em desenvolvimento,tem um enorme desafio a enfrentar para realizar os compromissos assumidosem Dacar.

Como todos se recordam, o compromisso assumido é o de:

• Assegurar que todas as crianças recebam educação fundamentalde boa qualidade até o ano de 2015;

• Melhorar em 50 por cento, até o ano de 2015, os níveis dealfabetização de adultos, em particular de mulheres, e o acessoeqüitativo à educação básica e continuada de adultos;

• Eliminar, até 2015, as disparidades de gênero na educaçãofundamental e média;

• Melhorar, sob todos os aspectos, a qualidade da educação oferecida;

• Expandir e melhorar a educação infantil; e

• Garantir que as necessidades básicas de aprendizagem dos jovenssejam satisfeitas de modo eqüitativo.

1 Pronunciamento por ocasião da Teleconferência em Comemoração ao Dia Nacional deEducação a Distância, Brasília, 27 nov. 2003

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A incorporação de métodos e práticas da educação a distância impõem-se como estratégia efetiva no processo de realizar as metas de Dacar.

A evidência internacional demonstra a contribuição positiva que aeducação a distância e a incorporação de novas tecnologias de informaçãoe comunicação no processo de ensino/aprendizagem têm tido tanto naampliação do acesso à educação quanto na melhoria da qualidade dosmateriais educativos a custos que são significativamente inferiores aosenvolvidos pelas formas mais tradicionais de educação.

É, portanto, de extrema relevância para o Brasil a instituição de umdia em que a celebração da Educação a Distância conduza a coletividadebrasileira a refletir sobre a importância dessa modalidade de ensino/aprendizagem.

A UNESCO tem atuado de forma significativa e firme no apoio àutilização de todos os meios possíveis para atingir as metas de Dacar.

No caso da educação a distância e do uso das novas tecnologias naeducação, a UNESCO considera sua responsabilidade alertar para o fatode que nenhuma metodologia de ensino ou tecnologia educacional surtiráefeitos desejados se não forem colocadas a serviços de objetivospedagógicos claros.

Concluindo minhas palavras, quero lembrar a todos que a base paraque se possa definir uma combinação apropriada de tecnologias naeducação é composta por três fatos já comprovados pela evidênciainternacional.

A primeira é que a aprendizagem é um processo que envolve tantoatividades interativas quanto aquelas realizadas de forma independentepelo estudante. A segunda é que o contato humano de professores, tutorese estudantes é um componente intrínseco da aprendizagem.

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E, finalmente, que livros podem ser enriquecidos por outras mídiascomo peças fundamentais na construção do conhecimento.

A difusão da educação a distância no Brasil poderá ser peçafundamental no avanço em direção à realização das metas de Dacar.

E isso ocorrerá na medida em que a educação a distância combineas mais diversas tecnologias para elevar o acesso à educação de qualidade,com interatividade, mas sem perder de vista que a aprendizagem envolveo contato humano, e que o livro jamais deixará de estar na base desseprocesso, agora acompanhado da grande diversidade de mídias e materiaisde aprendizagem que o avanço tecnológico coloca a nossa disposição.

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Reflexões sobre os Caminhos do Livro1

Num mundo multifacetado qual será o futuro do livro? De um lado,temos sociedades pós-modernas altamente complexas que contrapõemespaço real e espaço virtual, montando sofisticadas teias de comunicaçãoe gerando verdadeira pletora de dados e informações, que desafiam acapacidade de assimilação de indivíduos e grupos. Disso resulta que olivro pode parecer um objeto do passado, uma reminiscência renascentista,vestida posteriormente por uma roupagem da Revolução Industrial. Comoconseqüência, a alfabetização deixa de ser um velho processo de aprendera ler e escrever e passa a envolver diversas linguagens, combinado a palavra,o número e as imagens numa multiplicidade de meios. Nesse mundo novohá quem destaque que a posse dos dados e informações é menosimportante que a facilidade de acesso às diferentes fontes. Em outraspalavras, vale menos possuir acervos de informações do que a capacidadede borboletear de fonte em fonte, combinando-as e recombinando-as,numa dinâmica que se choca frontalmente com a visão estática daacumulação linear de conhecimentos. De outro lado, temos um mundo aoqual sequer o livro já chegou. Correspondendo à maior parte da populaçãomundial e envolvendo áreas como a África ao sul do Saara e o Sul da Ásia,sem esquecer as desigualdades da América Latina, esse é o mundo queluta para alcançar a Educação para Todos, nos termos do Marco de Açãode Dacar. Nessas regiões o livro didático é uma preciosidade sonhada

1 Apresentação do livro: PORTELLA, E. (Org.). Reflexões sobre os caminhos do livro. São Paulo:Ed. Moderna, UNESCO, 2003.

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por muitos, enquanto os professores lutam para reunir materiais escritosque possam garantir processos mais ou menos convencionais dealfabetização, além da pós-alfabetização, para que, num mundo analfabeto,as novas competências, adquiridas com sacrifício, não venham a regredir.É lá que papéis e lápis são material inestimável, às vezes com substitutosimprovisados, e onde a palavra escrita ocorre em poucos lugares além doquadro tosco das salas de aula. Nessas regiões, luta-se ainda para fazerchegar a todos uma educação básica de qualidade, além de reduzir em 50por cento o analfabetismo adulto até 2015.

É um mundo onde coexistem realidades diversas: a possível reduçãoda leitura de livros, em face da rapidez e relativa facil idade dacomunicação por outros meios, como a dança eletrônica de imagenscoloridas, em contraste com a mais notória escassez de acesso à era deGutenberg, acrescida hoje do divisor digital. Em meio aos paradoxosdeste mundo em processo de mundialização � onde, portanto, asdisparidades tendem a se tornar cada vez mais marcantes, em aceleraçãocrescente -, cumpre discutir o livro. É o que faz a presente obra, sob aperspectiva de filósofos e literatos, em finas reflexões que têm a vantagemde não se alienar, antes de abranger, as diferenças do mundo de hoje. Aperspectiva multicultural é uma tônica enriquecedora, proporcionada pelasvisões de autores que retratam a realidade dos seus continentes e dasdesigualdades dos seus contextos sociais. A UNESCO se orgulha de ser oâmbito onde tais diferenças se encontram e dialogam de modo fecundo.De fato, a obra, dirigida por Eduardo Portela, coordenador do Comitêde orientação �Caminhos do Pensamento no Alvorecer do TerceiroMilênio�, teve a sua origem no colóquio internacional da UNESCO, �OLugar do Livro: entre a Nação e o Mundo�. Para a realização deste eventocontribuiu decisivamente, entre outras instituições, a Fundação BibliotecaNacional, do Brasil.

Esperamos que este conjunto de reflexões sobre um mundocaleidoscópico, possa despertar novos pensamentos e ações no que tange

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ao livro. Na sua absoluta escassez ou inserido na teia competitiva dasnovas formas de comunicação, cabe a ele, com plasticidade, responder àsmúltiplas e cambiantes exigências que se lhe fazem. Há frutos da civilizaçãoque têm a capacidade de combinar a continuidade histórica, atravessandoos tempos, com o dinamismo de se adaptar às novas exigências do futuro.É o que se espera do livro, esse fruto tão estimado da nossa formação, quenos faz capazes de apreender o passado e projetar o futuro.

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América Latina e Caribe na Sociedade da Informação1

A Representação da UNESCO no Brasil sente-se honrada emcontribuir para que representantes de grande número de países dessa vastaregião possam reunir-se e dar mais um passo no processo de construçãode uma visão compartilhada sobre princípios, diretrizes e até algunsprojetos regionais de utilização das novas tecnologias de comunicação einformação em benefício de uma sociedade mais desenvolvida e onde asoportunidades de educação, acesso e utilização da ciência, participaçãona criação e usufruto da cultura sejam estendidas ao maior numero possívelde pessoas.

Este Fórum Internacional consiste, para a UNESCO, em umaconsulta regional sobre questões fundamentais para o desenvolvimentoda Sociedade da Informação e a redução do hiato digital na AméricaLatina e no Caribe. O resultado dessa consulta regional será incorporadoà contribuição que a UNESCO levará à Cúpula Mundial da Sociedade daInformação, em Genebra, em dezembro do próximo ano.

O debate em que esta eminente audiência estará envolvida nessesdias permitirá revelar a visão dos vários atores aqui representados,particularmente o governo, a academia e o terceiro setor, sobre temascentrais à Sociedade da Informação e sobre os quais a UNESCO poderácontribuir de forma peculiar, complementando as abordagens que enfatizammais os aspectos de infra-estrutura e da tecnologia. A peculiaridade da

1 Pronunciamento por ocasião do Fórum Internacional: América Latina e Caribe na Sociedadeda Informação, Rio de Janeiro, 26 set. 2002

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abordagem da UNESCO decorre de sua missão de promover o livreintercâmbio de idéias e conhecimento e de manter, incrementar e difundiro conhecimento.

Faz parte da plataforma da UNESCO nessa área, a convicção deque a Sociedade da Informação que desejamos dependerá em grandemedida dos princípios básicos que compartilhemos e que orientarão nossosesforços. Para a UNESCO, tais princípios devem incluir:

• Liberdade de expressão;

• Educação primária gratuita, compulsória e universal;

• O reconhecimento de que a educação, tanto como outros bense serviços culturais, não pode ser tratada como mera mercadoria;

• O papel central das políticas públicas;

• Promoção da informação de domínio público e do serviço deradiodifusão público.

Princípios como esses permitem fundamentar ações que promovamo acesso do maior número de pessoas possível às oportunidades deaprendizagem oferecidas pelas novas tecnologias de informação. Issoimplica em que os sistemas educacionais incorporem �alfabetização�digital como competência básica, que acesso gratuito à Internet sejaoferecido em escolas e bibliotecas públicas e que sejam exploradas aomáximo as oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias para educaçãoa distância, a aprendizagem continuada e ao longo da vida.

Na Sociedade da Informação que queremos construir é necessárioutilizar a tecnologia para fortalecer a capacidade de pesquisa científica eo compartilhamento de informações. É de interesse da UNESCO que,nesse processo, sejam incrementados o intercâmbio e a cooperação entre

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especialistas e grupos atuantes nas áreas de educação, ciência, cultura ecomunicação. Para tanto, será necessário encorajar a utilização de novosmétodos de desenvolvimento de conteúdo e de acesso à educação einformação científica e o estabelecimento de vínculos e sinergia entreciência e conhecimento local.

Além da utilização das novas tecnologias em favor da educação eda ciência, uma Sociedade da Informação se desenvolve também à medidaem que as tecnologias são utilizadas para promover maior participaçãodos cidadãos na vida democrática. Isso se consegue não apenas ao utilizá-las como ferramentas para o diálogo entre cidadãos e autoridadesgovernamentais, mas também em sua integração com tecnologiastradicionais e na facilitação do processo de produção de conteúdo locale da expressão de variados contextos culturais. Fundamentalmente, aSociedade da Informação deverá dar prioridade às necessidades de gruposdesprivilegiados e aumentar o acesso de mulheres e crianças aos benefíciosdas novas tecnologias.

Senhores participantes, na qualidade de Representante da UNESCOno Brasil dou-lhes as boas-vindas ao Brasil e a essa bela cidade do Rio deJaneiro e faço votos de que, esses dias de intenso trabalho resultem emproveitosas contribuições para o desenvolvimento da Sociedade daInformação na América Latina e no Caribe como um todo e em cada umade suas sub-regiões.

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Aspectos Éticos da Sociedade da Informação:a Marca da UNESCO no Debate Global1

O livre trânsito de informação e conhecimento é um doscomponentes que permitem tornar efetivo o mandato da UNESCO decontribuir para a paz no mundo por meio da colaboração entre as nações.A UNESCO incentiva as inúmeras aplicações das novas tecnologias deinformação e comunicação, apoiando sistematicamente as políticaspúblicas voltadas para essa área, ao mesmo tempo em que estimula umaposição crítica e construtiva com relação à contribuição dessas novastecnologias para o desenvolvimento.

Para a UNESCO, a euforia provocada pela alvorada da Sociedadeda Informação não deve impedir o reconhecimento de que a direção e oritmo da mudança têm sido objeto de preocupação tanto entre aquelessobre quem recaem os resultados mais imediatos dessa mudança quantoentre os estudiosos desse novo fenômeno.

Apesar do entusiasmo com esses avanços, não são poucos os setoresda sociedade que observam com atenção a evolução histórica do novoparadigma da informação e tornam explícitas, em cada etapa dessedesenvolvimento, suas preocupações com as implicações sociais dasnovas tecnologias. Não se podem ignorar os desafios éticos que a atualonda de desenvolvimento tecnológico suscita, e a UNESCO entende

1 Artigo publicado no portal �Observatório da Sociedade da Informação da UNESCO emLíngua Portuguesa�, em 03 set. 2003. Disponível em: <http://osi.unesco.org.br>.

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como parte de seu mandato garantir que essas preocupações não sejamexcluídas do debate.

Os desafios da sociedade da informação são inúmeros. Há desafiosde caráter técnico e de natureza econômica, assim como desafios culturais,legais e os de natureza psicológica e filosófica. Alguns observadoreschegam a formular os desafios éticos da sociedade da informação comouma busca por formas de enfrentar uma múltipla perda: perda dequalificação, associada à automação, e desemprego; de comunicaçãointerpessoal e grupal, transformada pelas novas tecnologias ou mesmodestruída por elas; de privacidade, pela invasão de nosso espaço individuale efeitos da violência visual e poluição acústica; de controle sobre a vidapessoal e o mundo circundante; e do sentido da identidade, associado àprofunda intimidação pela crescente complexidade tecnológica. Já outrosse dedicam a examinar estratégias de resistência para, como um novo�luddismo�, lutar contra os aspectos perniciosos da tecnologia virtual,acusada de disseminar na sociedade a utilização de um simulacro derelacionamento como substituto de interações face a face, e contra aalegada usurpação pelo capital do direito de definir a espécie deautomação desejada, escolha que tem conduzido a um processo quedesqualifica trabalhadores, amplia o controle gerencial sobre o trabalho,intensifica as atividades e corrói a solidariedade.

Algumas das preocupações acima têm sido transformadas com oavanço do novo paradigma, incluindo as ações dos movimentos sociaisem reação às implicações consideradas socialmente inaceitáveis. Umadessas implicações se refere ao desemprego provocado pelo avançotecnológico. O chamado desemprego tecnológico e a desqualificaçãodo trabalho, por exemplo, tendem a serem compensados pelareestruturação sistêmica do emprego e re-qualificação dos trabalhadores,mas nem sempre essas compensações ocorrem com a velocidade necessária.Em alguns outros casos, como a perda da privacidade, a sociedade tem-semobilizado para promover o �comportamento normal responsável�

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inclusive por meio de legislação adequada para proteger os direitos docidadão na era digital. A perda do sentimento de controle sobre a própriavida e a perda da identidade são temas que continuam preocupantes eque estão ainda por merecer estratégias eficientes de intervenção.

Talvez a questão ética central do novo paradigma seja a que dizrespeito ao aprofundamento de desigualdades sociais, desta vez sobre oeixo do acesso à informação. O ritmo do avanço tecnológico no alvorecerdo novo paradigma tem sido, sob qualquer ótica, extraordinário. O ritmode expansão da Internet no mundo levou apenas um terço do tempo queprecisou o rádio para atingir uma audiência de 50 milhões de pessoas. Aredução dos preços dos computadores por volume de capacidade deprocessamento facilitou grandemente essa difusão, mas outros fatores alémdessa redução de preços continuam a agir, impedindo a superação da relaçãoentre nível de renda e acesso às novas tecnologias.

Abrangendo uma população algumas vezes maior que a dos paísesdesenvolvidos, os baixos níveis de renda per capita nos países emdesenvolvimento refletem-se em alta taxa de analfabetismo jovem eadulto, baixo acesso à educação formal avançada e à tecnologia dainformação tanto convencional quanto moderna. Nesse contexto, o papeldas tecnologias de informação na construção de uma �sociedade doconhecimento� inovadora poderá ser muito relevante e contribuir parao desenvolvimento sustentado, mas será acompanhado de muitos riscos.Nesses países, em especial os de nível médio de renda, as novastecnologias e seu uso requerem invest imentos na elevação dascapacidades tecnológicas locais e no desenvolvimento das instituiçõespolíticas, culturais, econômicas e sociais. O avanço do novo paradigmadependerá de como serão resolvidas as tensões entre as culturas e modosde organização social existentes e aquelas que começam a se tornardominantes. As sociedades desses países terão de adaptar suas estruturasinstitucionais para tratar questões importantes como a proteção dapropriedade intelectual. Terão também de examinar a conveniência de

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estabelecer um equilíbrio entre suas metas de exportação de produtose serviços de maior conteúdo tecnológico e a criação de oportunidadespara ampliar a adoção local das novas tecnologias. Para muitos analistas,não se pode esperar que estratégias que objetivem acelerar a difusão donovo paradigma erradiquem a pobreza, em curto prazo, e há riscos deque as novas políticas e investimentos nas aplicações das tecnologias deinformação introduzam novas forças de exclusão. Tais riscos decorremde decisões sobre investimentos em alta tecnologia em situação deescassez de recursos, benef ic iando camadas mais favorecidas eagudizando desequilíbrios sociais o que favorece a emergência de umanova dimensão de desigualdade, o chamado �hiato digital�.

Na sociedade globalizada em que avança o novo paradigma, novasforças de exclusão emergem tanto em nível local quanto global erequerem esforços em ambos os níveis no sentido de superá-las. Açõesfundamentais nessa direção são as que promovem o acesso universal tantoà infra-estrutura quanto aos serviços de informação a preços accessíveis.A conexão internacional dos países em desenvolvimento estáextremamente concentrada em poucos pontos de acesso. Novas parceriase políticas de cooperação internacional deverão ser elaboradas paraestimular o desenvolvimento e fortalecimento de redes intra-regionais.A instalação de backbones regionais de alta capacidade, por exemplo,permitiria ligar cada país a uma rede global de múltipla conexão emque ninguém dominaria a conectividade.

O acesso universal ao conteúdo e a fontes de conhecimento apontapara a necessidade de resolver vários outros desafios. Um dos maisrelevantes é o reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual.Do ponto de vista dos países em desenvolvimento, uma delicadanegociação deveria assegurar que as novas tecnologias não serão elasmesmas utilizadas para impedir o �uso justo� dos recursos disponíveisna Internet. A essa negociação dever-se-iam acrescentar ações visandodifundir de forma eficiente o princípio de respeito aos direitos de

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propriedade intelectual, inclusive na Internet. Uma outra questão éelevar o volume de informação de qualidade e de domínio públicodisponível na Internet no(s) idioma(s) de expressão da população decada sociedade. Isso envolverá convencer o governo e centrosprodutores de conhecimento financiados por recursos públicos a tornardisponíveis ao público as informações produzidas.

No campo educacional dos países em desenvolvimento, decisõessobre investimentos para a incorporação da informática e da telemáticaimplicam também riscos e desafios. Será essencial identificar o papelque essas novas tecnologias podem desempenhar no processo dedesenvolvimento educacional e resolver como utilizá-las de forma afacilitar uma efetiva aceleração do processo em direção a educação paratodos, ao longo da vida, com qualidade e garantia de diversidade. Asnovas tecnologias de informação e comunicação tornam-se, hoje, partede um vasto instrumental historicamente mobilizado para a educação eaprendizagem. Cabe a cada sociedade decidir que composição doconjunto de tecnologias educacionais mobilizar para atingir suas metasde desenvolvimento.

Esses são alguns dos desafios que nem sempre são levados emconsideração na euforia que acompanha o desenvolvimento da Sociedadeda Informação. É para acompanhar esse desenvolvimento e estimular areflexão crítica sobre eles que a UNESCO mantém um portal, o�UNESCO Observatory of the Information Society�, por meio do qualdissemina informação nos idiomas inglês e francês. Em conformidadecom seu compromisso de promover a diversidade cultural e lingüísticana Internet, a UNESCO fomenta a elaboração de versões do Observatoryem vários idiomas, estando já em operação versões em russo e para ospaíses asiáticos. À Representação da UNESCO no Brasil foi solicitada atarefa de elaborar, hospedar e manter a versão do Observatório parapaíses de língua portuguesa.

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O Observatório da Sociedade da Informação � OSI - é um sítio�web� dinâmico, desenvolvido com tecnologia de fonte aberta. Suaelaboração representou uma oportunidade de trabalho integrado naRepresentação da UNESCO no Brasil, envolvendo a Coordenação deComunicação e Informação, a Gerência de Informática, o Centro deDocumentação e o setor de Planejamento Visual. O processo dedesenvolvimento do OSI foi realizado no período de março a julho de2003 e envolveu a participação direta de seis profissionais, sendo quepara cinco deles essa atividade foi realizada junto com os demaiscompromissos na Representação. A versão-teste do OSI foi submetida àanálise de um grupo de profissionais atuantes em várias áreas doconhecimento convidados a enviar comentários e sugestões à equiperesponsável pelo desenvolvimento.

Agradecemos aos seguintes profissionais por seus comentários esugestões: Adauto Soares, Andrew Radolf, David Moisés, Elza Maria FerrazBarbosa, Helenise Ribeiro Caldeira Brant, Helio Kuramoto, Jaime Tachery Samarrel, Lilian Maria Araújo de Rezende, Marlova Noleto, MaximoMigliari, Nelson Simões, Oscar Maeso Varela, Paula Costa, Paulo HenriqueLima, Ricardo Medeiros Coelho e Souza, Thereza Lobo. É desnecessáriodizer que nenhum deles tem responsabilidade pelas imperfeições que aindapersistirem no OSI. A equipe de desenvolvimento na Representação daUNESCO em Brasília continuará envidando todos os esforços noaperfeiçoamento do OSI com a finalidade de oferecer sempre a melhor,mais completa e representativa informação sobre as ações voltadas para aSociedade da Informação nos países de Língua Portuguesa.

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Sociedade da Informação, Exclusão Digital eDesigualdade Social1

No ano em que se realiza a primeira fase da Cúpula Mundial daSociedade da Informação, em Genebra, a UNESCO tem grande satisfaçãoem apresentar o livro [email protected], que contém uma ampla reflexãosobre o significado da sociedade da informação, da exclusão digital esuas relações com outras formas de desigualdade social, assim como aanalise da experiência brasileira.

Quero enfatizar dois aspectos do texto que me parecem de grandeimportância nesse ano de celebração da Cúpula Mundial da Sociedade daInformação e que ressaltam do livro de Bernardo Sorj. O primeiro serefere a uma visão madura dos processos recentes da globalização, panode fundo para o avanço da sociedade da informação. O outro é aoportunidade que o autor nos oferece de refletir sobre a contribuiçãoque o pensamento social no Brasil pode fazer à compreensão dos processosde apropriação social criativa das novas tecnologias de comunicação einformação.

Tendo presente a experiência concreta de uma organização não-governamental atuante junto a populações desprivilegiadas do Rio deJaneiro, Bernardo Sorj nos conduz a refletir sobre os fundamentos dessetipo de ação compartilhados solidariamente por inúmeras outras ONGs e

1 Apresentação do livro: SORJ, B. [email protected]. São Paulo: Ed. Jorge Zahar, UNESCO, 2003.

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grupos de indivíduos em escala global. De fato, é importanteconscientizarmo-nos de que, apesar dos efeitos negativos da globalização,dela também cresce o que o autor chama de �espaço unificado deexpectativas de igualdade�, cujo fundamento é o reconhecimento de que�toda a humanidade tem direito de usufruir o mesmo patamar civilizatório�,composto pelo conjunto de bens materiais e culturais básicos alcançadospelas nações mais ricas e que passam a constituir-se em �bens fundamentais�.Essa é uma dimensão da globalização sobre a qual muito pouco se reflete,mas que constitui uma possibilidade de interpretação de movimentos comoo que conduz à Cúpula Mundial da Sociedade da Informação. Nessesentido, o espetáculo que se verá em Genebra, em dezembro de 2003, seráuma etapa avançada do diálogo global sobre princípios e ações quepermitirão a máxima expansão desse novo patamar civilizatório, condiçãomesma do desenvolvimento da Sociedade da Informação.

O livro de Bernardo Sorj resgata, na discussão sobre a exclusãodigital, uma tradição de pensamento social baseada na dialética entreigualdade e desigualdade. Sua reflexão sobre a reprodução da desigualdadesocial ressalta a existência simultânea de aspectos que alimentam adesigualdade e aqueles que levam à maior justiça distributiva, os processosque �atuam no sentido do fortalecimento dos valores de liberdade,solidariedade e justiça social�. Com essa reflexão, o livro traz à reflexãodo público leitor, em língua portuguesa, os fundamentos de uma estratégiaativa para a construção de uma Sociedade da Informação em conformidadecom os princípios de igualdade e solidariedade. Nunca é demais apontarpara o fato de que existe espaço para a intervenção criativa nodesenvolvimento social e que o potencial que as novas tecnologias deinformação e comunicação têm de aumentar as desigualdades coexistecom as possibilidades de facilitar a vida de pessoas dos setores menosfavorecidos. Como os exemplos analisados no livro demonstram, �cadatecnologia se atualiza pela forma de apropriação criativa dos diferentesgrupos sociais e seus impactos na sociedade não são lineares, podendogerar novas formas de estratificação e fragmentação social�.

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O apoio da UNESCO na publicação deste livro é ilustrativo domodo pelo qual a Organização se insere no esforço coletivo que conduzà Cúpula Mundial. A UNESCO contribui para os objetivos da Cúpulacom sua visão e competência específicas, de acordo com os trêscompromissos estratégicos da Organização. O primeiro é o compromissocom a formulação de normas e princípios universais, baseado em valorescompartilhados, que permitirão proteger e fortalecer o �bem comum�no enfrentamento dos desafios emergentes, em escala global, em educação,ciência, cultura e comunicação. Em segundo lugar, a UNESCO estácomprometida em promover o pluralismo, reconhecendo e estimulandoa diversidade e respeitando os direitos humanos. Finalmente, a UNESCOtraz para a Cúpula Mundial seu compromisso com o acesso eqüitativo, acapacitação e o compartilhamento do conhecimento como formas depromover o empoderamento e a participação na Sociedade da Informação.

Para a UNESCO, o crescimento das redes e aplicações dastecnologias de informação e comunicação não garante, por si mesmas, osfundamentos das sociedades do conhecimento. Para construir a sociedadedo conhecimento é necessária a escolha política sobre quais são as metasdesejáveis, principalmente para que se possa ampliar o acesso eqüitativoà educação e ao conhecimento. Essa é uma tarefa de todos e se insere noprocesso coletivo de superação da exclusão digital, uma das dimensõesda desigualdade social. Celebremos a Cúpula Mundial da Sociedade daInformação, em sua fase de Genebra, e preparemo-nos para a fase seguinte,em Tunis, em 2005.

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Observatório da Sociedade da Informação em LínguaPortuguesa1

É com grande satisfação que os recebo hoje, na Representação daUNESCO no Brasil, para o lançamento público do Observatório daSociedade da Informação em Língua Portuguesa. Este evento é marcoimportante em nossa ação em favor da construção de uma sociedade deinformação que respeite a diversidade lingüística e cultural. Foi paracumprir seu mandato nessa área que a UNESCO decidiu criar a versãoem Língua Portuguesa de seu Observatory of the Information Society e oEscritório da UNESCO no Brasil foi chamado a responsabilizar-se pelainiciativa.

O Observatório da Sociedade da Informação � OSI - é um sítio�web� dinâmico, desenvolvido com tecnologia de fonte aberta. Suaelaboração representou uma oportunidade de trabalho integrado naRepresentação da UNESCO no Brasil, envolvendo a Coordenação deComunicação e Informação, a Gerência de Informática, o Centro deDocumentação e o Setor de Planejamento Visual . O OSI foidesenvolvido no período de março a julho de 2003 e sua versão-testefoi submetida à análise de um grupo de profissionais atuantes em váriasáreas do conhecimento convidados a enviar comentários e sugestões àequipe responsável pelo desenvolvimento. A versão que tornamos

1 Pronunciamento por ocasião da Teleconferência de Lançamento do Observatório da Sociedadeda Informação em Língua Portuguesa, Brasília, 5 set. 2003.

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pública hoje incorpora esses comentários, pelo que agradecemos a todosos que se envolveram nesse processo.

Um portal na rede mundial de computadores é algo que dificilmentese pode considerar pronto e acabado. Nossa equipe estará continuamenteatenta para completar as modificações que se fizerem necessárias e ampliaras funções do portal sempre que a comunidade de usuários demandar.Nosso objetivo é o de oferecer sempre a melhor, mais completa erepresentativa informação sobre as ações voltadas para a Sociedade daInformação nos países de Língua Portuguesa.

Nesse sentido, o Observatório apenas inicia o processo deidentificação e registro das informações. Há ainda um grande descompassono volume de informações procedentes dos vários países de LínguaPortuguesa, mas estamos confiantes em que nossa base de dadosbrevemente tornar-se-á mais representativa das ações em promoção dasociedade da informação e do conhecimento nos países de LínguaPortuguesa.

A iniciativa em que nos envolvemos e que tornamos pública hojedemandará de nós um grande esforço e seu sucesso dependerá, em grandemedida, da rede de colaboração que conseguirmos construir. Contamoscom o co-patrocínio do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil querealiza muitas ações do governo brasileiro na área da sociedade dainformação, dispõe do Instituto Brasileiro de Informação Científica eTecnológica e uma rede de institutos de pesquisa, inclusive na área detecnologia da informação.

Começamos a estabelecer parcerias com �pesos-pesados� na áreada sociedade da informação nos países cobertos pelo Observatório. Aindano Brasil, temos a honra de ter estabelecido uma parceria com a iniciativado Governo Eletrônico. Posso anunciar, nesse momento, nossa mais recenteconquista: confirmou-se ontem a parceria entre o Observatório e a Unidade

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de Missão Inovação e Conhecimento (UMIC) de Portugal. A propostade parceria com a Comissão para a Política de Informática de Moçambiquefoi entusiasticamente aceita pelo senhor Primeiro Ministro deMoçambique, Pascoal Mocumbi, quando de sua visita à UNESCO no dia29 de julho passado. Estamos ainda aguardando a formalização dessaparceria e o estabelecimento de contato mais constante com as autoridadesde Moçambique.

Temos muito a fazer e em breve estaremos anunciando a constituiçãode um grupo coordenador internacional com participantes dos váriospaíses envolvidos que nos ajudarão a levar à frente este empreendimento.

Passemos a palavra aos jornalistas e tenhamos paciência com asflutuações da tecnologia que queremos promover....

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Novas Tecnologias e a ComunicaçãoDemocratizando a Informação1

As novas tecnologias hoje ocupam um lugar essencial em nossasvidas. Constituem a estrutura de nosso sistema de comunicação, seja local,nacional, internacional ou global. E elas são responsáveis por profundastransformações no relacionamento que temos em todas as áreas de nossavida: no trabalho, em casa, na escola e no lazer. O fato é que agora �temos�que conviver com as novas tecnologias e há muito isso deixou de ser umaopção: quer queiramos ou não elas estão aqui, do nosso lado, interferindoprofundamente em nossa relação com o mundo. A começar por umareformulação da noção de tempo e de espaço que elas nos impõem. Énecessária uma revisão completa nesses conceitos. Não sabemos mais seo mundo é o nosso planeta, o aqui e agora, ou se o mundo é todo ouniverso. Até onde vai o �mundo�? Instala-se uma nova dinâmica nofuncionamento do mundo, seja lá qual for a sua extensão.

Teríamos muito o que falar sobre as implicações psicológicas esociológicas das novas tecnologias na vida das pessoas, mas sobre issoexistem estudos variados. Não é esse o foco desta apresentação. Aquivamos explorar a evolução das novas tecnologias de comunicação e ouso delas no desempenho da prestação dos serviços públicos aos cidadãosao longo dos últimos anos. Como era na década de 90 e como é hoje.

1 Pronunciamento por ocasião do III Congresso Brasileiro de Comunicação no ServiçoPúblico�Novas tecnologias e a Comunicação no Serviço Público: Democratizando a informação�,São Paulo, 28-29 ago. 2003.

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Vou iniciar minha apresentação falando dos conceitos e compromissosinternacionais assumidos na área da comunicação, passando por direitoshumanos e o direito ao acesso à informação, assim como a liberdade deimprensa, elemento crucial na garantia deste acesso.

Falaremos também brevemente sobre a democratização dainformação e como ela é promovida hoje pelo Estado, e sobre ademocratização do conhecimento como questão fundamental para umamudança na realidade dos excluídos sociais e digitais e que recebe muitaatenção da parte da Organização das Nações Unidas para a Educação, aCiência e a Cultura, a UNESCO, em todo o mundo. E, naturalmente,falaremos também dos programas e contribuições da UNESCO nestecaminho da democratização do conhecimento.

A era da nova sociedade informatizada, que trabalha quase que emtempo real, nos coloca muitos desafios. Traz um tipo diferente de viver:um viver instantâneo, que com certeza afeta profundamente as relaçõesentre as pessoas. E, em especial, a relação entre o serviço público e oscidadãos. É isso que estamos vivendo hoje e, fatalmente, uma relaçãodiferente nos será apresentada amanhã, tamanha é a velocidade com que osavanços tecnológicos acontecem. Nosso principal desafio é não apenasconviver bem com a era atual, e tudo o que a tecnologia já nos oferece � oque já é muito! �, mas também mantermos uma postura aberta e um olharde aprendiz a tudo o que é novo que nos surge a cada instante. Porque éesse novo que, ao longo do tempo, afeta nossos parâmetros, nossosconceitos, enfim, toda a nossa vida e nosso relacionamento com os outros.É a permanente mutação da realidade individual e coletiva no planeta.

Falar em novas tecnologias nos obriga a discutir e a delimitar, namedida do possível, o que são estas novas tecnologias hoje. Enfatizo aqui:hoje. Refiro-me a um retrato instantâneo dos instrumentos mais comunsque dispomos. Digo os mais comuns pois se tivesse a intenção de listartodos os avanços que conhecemos, enfrentaríamos uma longa lista.

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Ninguém em sã consciência vive hoje sem acessar, constantemente, osmais conhecidos modos de comunicação a distância, por exemplo, comoo telefone, o telefone celular, o fax, a Internet... Só para ficar nos maisusados. Em cada um desses modos de comunicação, existe um sem númerode tecnologias que nos conduzem a outra enorme gama de opções.Segundo dados da União internacional de Telecomunicações, analisadospela professora da Universidade de São Paulo (USP) Heloiza Matos, oBrasil está em 5º lugar no mundo em número de telefones fixos instaladose está entre os 10 primeiros com relação ao número de telefones celulares.

Outros meios de comunicação de massa já bastante disseminadosentram na lista: rádio, cinema, televisão. Estes são meios muito conhecidose que também têm registrado evolução sem precedentes em sua funçãode prestar informações à sociedade. Rádio e televisão vêm se tornando,constantemente, interativos. Ao mesmo tempo em que o ouvinte escutaum programa de uma emissora de rádio, ele pode falar ao rádio com olocutor ao vivo, pode enviar mensagens por e-mails que são lidas nosegundo seguinte, e isso tudo cria uma dinâmica de ação-e-reaçãoinesgotável. E por conseqüência, uma atuação ao vivo sobre a realidade.É a interatividade em funcionamento.

Na televisão o mesmo já acontece em algumas circunstâncias, comoas coberturas jornalísticas ao vivo, quando o cidadão que está diante datela de sua TV, sentado no sofá da sala de sua casa, recebe mais informaçõessobre um acidente, por exemplo, do que as pessoas que estão vivenciandoo próprio acidente!

Alguém poderia perguntar: mas televisão é uma nova tecnologia?Seguramente afirmo que sim. Os usos mais recentes da televisão � entreeles as emissoras com vocação para a divulgação de temas de áreasespecíficas da informação e do saber � provam que a cada dia surgemnovas maneiras de operar esta mídia. Basta falar em Tv Educativa, TVCultura e Canal Futura, no âmbito de canais abertos, e a TV Escola,

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no fechado, para ficar apenas nas que transmitem informação para aeducação. As duas primeiras mais antigas e a última recente. Todas têmpapel muito importante nos tempos atuais e se adaptam como podem aosnovos recursos surgidos para agilizar sua função de informar e de levarconhecimento a um grande número de pessoas ao mesmo tempo.

Mesmo diante das baixas audiências de algumas dessas emissorasvoltadas a temas específicos no Brasil, é imperdoável que não se coloque odestaque merecido à função dessas mídias, ou da TV Câmara, TV Senado,TV Justiça, que aproximam os cidadãos dos diferentes poderes da Repúblicade maneira impressionante. Não é de se menosprezar a força que existe nofato do eleitor acompanhar o desempenho em plenário do deputado emquem votou, por exemplo. Ainda há muito a evoluir, é certo. Mas a mídiatelevisão é uma das mais poderosas em todo o mundo e, em especial, noBrasil, onde possui uma história de sucesso em sua disseminação enquantomeio de comunicação e de facilitador do acesso à cultura.

Com referência ao segundo grupo de tecnologias da comunicaçãoque eu menciono aqui � rádio, cinema, televisão � é preciso marcar adiferença fundamental com relação ao primeiro grupo � telefones, fax eInternet. Este primeiro grupo permite uma comunicação individual,personalizada, de uma pessoa a outra pessoa; enquanto que o segundo, acomunicação já acontece de um único emissor para muitos receptores aomesmo tempo. Daí sua extrema competência na capacidade de difundircampanhas públicas, informações do Estado, informações jornalísticas eeducativas.

Acho oportuno também falar um pouco, como disse anteriormente,sobre os direitos do receptor no processo de comunicação promovidopelas diferentes mídias. Trata-se da ponta da relação �emissor � mensagem� receptor�: o público em geral e o cidadão em particular. A liberdadede expressão é a base de todos os demais direitos e garantias individuais.E isso desde fins do século XVIII, quando surgiu a noção não apenas de

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que cada pessoa pode expressar o seu pensamento livremente, mas tambémque nenhuma outra pessoa ou instituição tem o poder de decidir o que ooutro pode ler, ouvir ou assistir. Há toda uma literatura em defesa daliberdade de expressão e da liberdade de imprensa. A importância dessestemas é tal que os coloca no topo da lista de referência quanto aos direitosdo ser humano.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em dezembro de1948 e hoje endossada por mais de 130 países além de diversas convençõesregionais, em seu Artigo 19 diz o seguinte:

�Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direitoinclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitirinformações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras�.

Outro documento sobre a liberdade de informação de especialimportância para as Américas é a Declaração de Chapultepec, de 1994. O Brasiladotou a Declaração em 1996. A Declaração de Chapultepec estabeleceprincípios fundamentais em relação à liberdade de informação. Em seuArtigo I, a Declaração de Chapultepec diz o seguinte:

�Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa.O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo�.

Vale relembrar dois artigos seguintes:

Artigo 2 � �Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressaropiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar estes direitos�.

Artigo 3 � �As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposiçãodos cidadãos, de forma oportuna e eqüitativa, a informação gerada pelo setor público.Nenhum jornalista poderá ser compelido a revelar suas fontes de informação�.

Seguem-se outros sete artigos, totalizando os 10 que constituem aDeclaração de Chapultepec, que estão disponíveis na Internet.

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A UNESCO também assinou o documento. Segundo o diretor Geralda UNESCO, Koichiro Matsuura, este documento é uma dos maisimportantes sobre liberdade de imprensa na América. Para ele, a democracianão pode funcionar sem liberdade de imprensa, essa é definitivamente aposição da UNESCO e a própria convicção do Diretor Geral.

Também não se pode deixar de mencionar a Constituição do Brasil de1988, chamada �Constituição Cidadã�, que traz significativas menções àliberdade de expressão e de informação em vários artigos, além doconhecido Artigo 5º, que inaugura o Título �Dos Direitos e GarantiasFundamentais�, e cujo caput é o seguinte:

�Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito àvida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade�

E a seguir estão dezenas de incisos onde são estabelecidos os termosa que o artigo se refere, sendo cinco deles diretamente relacionados àliberdade de expressão.

Depois de relembrar os conceitos constantes desses documentosfundamentais � a Declaração dos Direitos Humanos, a Declaração deChapultepec e a Constituição Brasileira � e antes de entrar no ponto centralda palestra, proponho fazer uma colocação conceitual. O que é o serviçopúblico? Seria todo serviço que eu considero de responsabilidade do Estadopara comigo, cidadão? Ou será que há limites nessa �responsabilidade�?Recorro à especialista Maria Sylvia Zanello Di Pietro, e a seu livro �DireitoAdministrativo�. Para ela, o serviço público �é toda atividade material que alei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seusdelegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidadescoletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público�.

Maria Sylvia conclui ainda em relação aos conceitos de serviçopúblico, que �a noção de serviço público não permaneceu estática ao

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longo do tempo; houve uma ampliação de sua abrangência, para incluiratividades de natureza comercial, industrial e social�. Mais do que isso,ela diz que:

�O serviço público varia não só no tempo como também no espaço, pois dependeda legislação de cada país a maior ou menor abrangência das atividades definidascomo serviços públicos�.

Podemos trabalhar aqui com o conceito amplo: serviços públicossão todos aqueles definidos como sendo de responsabilidade do Estado,realizados com o aparato público e voltados para as necessidades docidadão. Esses serviços estão distribuídos nos domínios econômico,político e social e são variados. Destaco as áreas de Educação e Ciência,diretamente ligadas ao saber e ao desenvolvimento fundamental dasociedade.

Antes com uma presença muito mais forte em todas as áreas da vidadas pessoas, o Estado hoje mantém sua presença em áreas fundamentais,aquelas consideradas suas funções essenciais. A reengenharia pela qual oEstado Brasileiro tem passado nos últimos anos chama a atenção quanto àimportância da comunicação com a sociedade e da prestação de serviçospúblicos de qualidade. O Estado não só tem o dever e o compromisso defornecer serviços básicos como também de fazê-lo bem. Odesenvolvimento crescente dos movimentos de defesa do consumidorreforça isso. É o uso das novas tecnologias que constitui ferramentafundamental em direção a essa eficiência na prestação dos serviços.

Para entrarmos no foco de nossa apresentação, proponho quefaçamos dois cortes rápidos no cenário da relação dos serviços públicoscom o cidadão brasileiro. Voltemos à década de 90, que não faz tantotempo assim. O que aconteceu de novo desta época até hoje, ano 2003,primeira década do século XXI e com a utilização de todos os meiostecnológicos disponíveis? Cito como exemplo a obtenção de certidõesda secretaria da Receita Federal, da Secretaria da Fazenda ou do INSS há

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cerca de 10 anos. Permitam-me refazer o caminho necessário para que ocidadão tivesse a demanda atendida. Era preciso:

• deslocar-se até a sede da repartição pública responsável pelacertidão, que normalmente estava localizada no centro da cidadee a pessoa tinha que tomar ônibus � às vezes mais de um � ouenfrentar trânsito até chegar lá;

• chegando à repartição, era necessário colocar-se na fi la,normalmente grande, e aguardar atendimento, tambémnormalmente por um bom período de tempo;

• ser atendido, e preencher formulário solicitando a informação,entregar o formulário preenchido em troca de um protocolo;

• voltar com este mesmo protocolo para pegar o documentosolicitado cerca de 10 dias depois, ou mais, dependendo dodocumento solicitado;

• dirigir-se novamente à repartição e, se outro documento não forexigido para o atendimento da demanda, a pessoa recebia suacertidão na hora. Caso contrário, voltava outro dia de posse dodocumento adequadamente providenciado.

Logo nos primeiros anos do século XXI, essa situação mudoubastante. Descrevo agora, rapidamente, as ações incluídas na obtençãodas mesmas certidões fornecidas pelos governos em muitas repartiçõespúblicas hoje do Brasil. É preciso:

• se a pessoa dispõe de um computador com acesso à Internet �sentar-se à frente do computador, acessar o site da repartição eprocurar a área de fornecimento do documento que está sendosolicitado; se não tem, dirige-se a um Centro de Atendimento aoCidadão ou a um quiosque público onde possa ter acesso à Internet;

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• fornecer algumas informações exigidas para a produção dodocumento;

• acessar o documento em alguns segundos;

• fazer a impressão do documento.

Esse processo não leva mais do que alguns minutos. Se for uma guiade pagamento de imposto e você deixou passar a data do vencimento, nãotem o menor problema: o site fornecerá uma guia atualizada que o cidadãopode pagar também via internet no minuto seguinte à obtenção da guia!

Outro exemplo que provavelmente muitas pessoas presentes terãovaga lembrança: na necessária comunicação com o Estado, quando o cidadãonecessitava conhecer decisões pontuais do Governo ele procurava no jornalDiário Oficial da União. Ali estavam � e ainda estão � muitas das decisõesdo Estado. No entanto, o acesso à compra do jornal não era fácil e, o pior,o próprio era de difícil leitura. Muitas vezes era necessária uma ajudaespecializada para localizar, dentro do jornal, o assunto procurado.

Hoje há uma versão eletrônica do Diário Oficial da União, comacessos fáceis e sistema de navegação compreensível a todos. Qualquerpessoa pode acessar o endereço www.in.gov.br, site da Imprensa Nacionalque é a instituição responsável pela produção do Diário Oficial, e terá apossibilidade de fazer o download de uma edição inteira do jornal, assimcomo recuperar várias edições anteriores por data. Pode-se tambémdelimitar a pesquisa por meio de links específicos para os atos doJudiciário, do Executivo e do Legislativo, além daquelas informaçõespublicadas especialmente com referência aos Ministérios, entre outros.

Não é difícil de perceber que hoje o relacionamento do cidadãocom os serviços públicos está alterado profundamente. O processo quemelhor exemplifica isso é o governo eletrônico, assunto no qual o Brasilestá na frente de muitos países da América Latina e de outras partes do

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mundo. O Programa Governo eletrônico tem como objetivo proporcionarmaior eficiência à Administração Pública visando melhor atendimento àsnecessidades dos cidadãos.

Troca permanente de documentos internos, compras virtuais emsistemas como o pregão � um tipo de licitação que vem sendo muitousado no portal de compras do governo federal, no endereçowww.comprasnet.gov.br � e um sem número de serviços oferecidos peloportal www.governoeletronico.gov.br mostram como o governo brasileirotem avançado na comunicação com os cidadãos.

Eu concordo com a professora da USP, Heloiza Matos, quando dizque, na maioria dos países, os princípios gerais que orientam o governoeletrônico, qualquer que seja o seu estágio, são: a democratização doacesso à informação, a universalização na prestação dos serviços públicos,a proteção da privacidade individual e a redução das sociedades nacionaise regionais.

A professora estima que oferecer serviços que não exijam a presençafísica do cidadão na rede mundial de computadores já é realidade para maisde 1.700 serviços governamentais federais e estaduais em 21 mil links parasítios governamentais reunidos no portal www.governoeletronico.gov.br. �OPrograma e-gov�, argumenta ainda a professora da USP:

�É fundamental para o país se consolidar no contexto das sociedades dainformação e obter uma vantagem competitiva em um enfoque global. Claramente,essa é uma estratégia de utilizar a revolução digital, do avanço das tecnologias, paracriar vantagens competitivas para o país.�

As descrições que fizemos aqui são exemplos concretos da revoluçãoque as novas tecnologias fizeram na vida do cidadão. E da mudança nacomunicação do governo com o cidadão, que foi muito grande nos últimosanos. A atuação da rede global interativa na vida de todos nós ainda estátrazendo conseqüências cujas dimensões desconhecemos. E é essa

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revolução tecnológica da comunicação do cidadão com o serviço públicoque gera uma nova dinâmica nos relacionamentos.

A Câmara de Inclusão Digital do Governo federal planeja, aindapara este ano, que mil municípios incluídos no Programa Fome Zero tenhamacesso à banda larga, e que pelo menos 500 telecentros sejam implantadosnesses municípios. A idéia é utilizar R$ 140 milhões relativos aos recursosdo FUST para a implantação de projetos para educação e saúde na áreatecnológica. Estas iniciativas, que serão implementadas em municípioscom os menores índices de desenvolvimento humano do Brasi l ,demonstram a preocupação do governo federa com a situação.

Exponho toda essa argumentação para chegar ao que considero ocerne da questão, o ponto mais importante de todos, na comunicação enas novas tecnologias usadas no serviço público. Falamos emdemocratização da informação devido à existência das novas tecnologias.Mas em um país como o Brasil, com um nível de exclusão digital tãogrande, quem realmente tem acesso a essas informações hoje disponíveis?A democratização da informação é extremamente importante, é fato.Porém, ela faz parte de um processo que levará ainda mais longe: é precisoter em vista a democratização do conhecimento, que é a informaçãotransformada e capaz de efetivar mudanças na realidade das pessoas, emespecial dos excluídos sociais. E este trabalho necessita da participaçãode todos os segmentos da sociedade, cada um dando a sua parcela econtribuição.

Não basta colocar a informação à disposição dos internautas. Isso éfundamental, porém o passo adiante será oferecer a análise dessainformação, possibilitar que as universidades, os centros acadêmicos e oscentros de pesquisa possam trabalhar esta informação, extrair tudo o quepode oferecer ao cidadão, torná-las inteligíveis e compreensíveis para apopulação em geral, de forma que todos, qualquer pessoa, tenha a opçãodo acesso aos serviços públicos prestados por meio das novas tecnologias.

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Mesmo com tantos avanços e tantas tecnologias, o número de pessoasque têm acesso à rede mundial de computadores ainda é muito pequenono País. Levando em conta que as novas tecnologias possuem um alcancesocial enorme e que podem � e devem � estar a serviço da luta contra apobreza e as desigualdades sociais. Mais uma razão para a expressão deespanto quando vemos números tão baixos de acesso não apenas à Internetmas à informática de modo geral.

O fenômeno é muito sério, porém difícil de ser quantificado. OCentro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas fez um exercícioe, usando dados do Censo Demográfico de 2000 do IBGE editou, emabril de 2003, o Mapa da Exclusão Digital. A idéia foi estabelecer umaplataforma para análises de ações de inclusão digital, com a possibilidadede contínuas atualizações, e assim direcionar ações estratégicas tanto porparte de instituições da sociedade civil quanto dos diversos níveis dogoverno. Assim, temos disponíveis mais instrumentos para a construçãode uma atuação integrada com outras ações que objetivam combater amiséria e a desigualdade, proporcionando um bem-estar social sustentável.

Segundo dados do Mapa da Exclusão Digital, a quantidade depessoas que têm acesso a computadores no Brasil é de pouco mais de 16milhões, sendo que o total da população brasileira é de quase 170 milhões.Ou seja, o total de excluídos hoje no País é de cerca de 154 milhões depessoas.

O centro de poder político do País registrou a maior taxa de acessoà Internet: no Distrito Federal 19,22% da população fazem uso destatecnologia. E isso reforça o tema que apresento aqui neste Congresso: aadoção das novas tecnologias pelo Estado na prestação dos serviçospúblicos. Não podemos deixar de considerar que também no DistritoFederal estão concentrados os maiores níveis de renda per capita do País.Obviamente que, em seguida, está o estado de São Paulo, com 15,12%, edepois Rio de Janeiro, com 12,81%.

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A perversidade da situação mostra que dois estados da regiãonordeste estão entre as menores taxas de acesso à Internet, ainda segundoo estudo da FGV: o estado do Maranhão ficou com o menor índice, 1,44%,seguido de Tocantins, com 1,79%, e depois Piauí, com 2,02%.

O trabalho da FGV inclui o conceito de �capital digital� comosendo uma espécie de valor agregado dos impactos das novas tecnologiassobre o nível de bem-estar da população. O trabalho enfatiza, em todo oPaís, o acesso doméstico à tecnologia digital e, em uma certa medida, oacesso via as escolas. É constituído de duas partes: um banco de dados,com uma base de dados primários e secundários visando identificar opúblico-alvo de ações destinadas à inclusão digital, e uma segunda parteque é a de possibilitar a transformação da informação em conhecimentoda parte do usuário, visando a construção de um mapa das oportunidadespolíticas de inclusão digital por meio de um diagnóstico crítico das causase conseqüências da exclusão digital.

O estudo é vastíssimo e fornece todo tipo de subsídios, o quesignifica um passo adiante na compreensão e na busca de soluções para asituação. Os números dão uma dimensão do enorme trabalho que temospela frente: o de possibilitar um acesso mais justo a todos à era digital.

Na verdade já existem inúmeras iniciativas do governo no sentidode diminuir a exclusão digital. Alguns exemplos bem-sucedidos mostramisso, como veremos a seguir. No âmbito federal � reforço, existem muitosoutros projetos � uma boa experiência de inclusão digital é o ProgramaNacional de Informática na Educação, uma iniciativa do Ministério daEducação por meio da Secretaria de Educação a Distância criada em abrilde 1997 e desenvolvida em parceria com os governos estaduais e algunsmunicipais. O Ministério e o Conselho Nacional de Secretários Estaduaisde Educação estabelecem as diretrizes do Programa, sendo que em cadaunidade da federação há uma Comissão Estadual de Informática naEducação que tem como principal objetivo introduzir as novas tecnologias

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de informação e comunicação nas escolas públicas de ensino médio efundamental como ferramenta de apoio ao processo ensino-aprendizagem.As diretrizes do Programa são estabelecidas pelo Ministério da Educação.Em cada unidade da federação, há uma cujo papel principal é o deintroduzir as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação nas escolaspúblicas de ensino médio e fundamental.

Já no âmbito municipal, há um exemplo que merece ser lembrado e éexatamente aqui na cidade de São Paulo. Trata-se do projeto de Capacitaçãopara Utilização de Novas Tecnologias de Comunicação e Informação,conhecido por Inclusão Digital do Professor, da Prefeitura de São Paulo.Para participar, o professor deve se inscrever exclusivamente via Internet,pelo site www.educacao.sp.gov.br, e seguir as orientações até que receba umchamado do banco que, mediante análise da documentação apresentada,oferece um crédito para a compra de um micro-computador. O valor mensalda prestação será debitado na folha de pagamento do funcionário. Este projeto,embora simples, tem sido um sucesso e tem possibilitado diminuir a exclusãodigital junto aos professores da capital paulista.

A escola pública brasileira é a instituição de democratização doacesso ao conhecimento por excelência. É nela onde todas as criançasestão juntas, sem distinção social, recebendo o mesmo ensino e as mesmasinformações; é nela onde as crianças aprendem a tratar os outros, a sertratadas com respeito e a construir a sua cidadania; é o espaço de expressãodas crianças e, por todas estas razões, precisa estar sempre muito bemaparelhado para que o professor tenha condições de exercer seu trabalhocom competência.

Os professores, por outro lado, também precisam ser atendidos etreinados para o uso da informática e da Internet. Apesar do esforçobrasileiro que se expressa na implementação desses projetos, ainda existemuito o que fazer, e o governo sabe disto. E esta situação foi captada no

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estudo �Ensino Médio; múltiplas vozes�, uma edição da UNESCO noBrasil e do Ministério da Educação, lançado em abril passado, que fazuma radiografia da atual situação do ensino médio no País. Trata-se damaior pesquisa já realizada sobre o assunto na América Latina.

Na publicação foi constatado que entre os alunos que pesquisados� um total de 1milhão 271 mil e 364 se considerarmos a amostra expandida,de escolas públicas e privadas dos centros urbanos de 13 capitais brasileiras� mais da metade dos que cursam o ensino médio não tem acesso acomputador em suas residências. A exclusão digital é mais perversa paraos alunos de escola pública. Na maioria das capitais, enquanto mais de60% dos alunos das escolas privadas declaram ter computador, nas escolaspúblicas a tendência é que 20% o possuam.

Outra informação impressionante da pesquisa é com relação aosprofessores � cerca de 7.020 professores responderam a questionários.Em muitas cidades chega a mais de 40% a proporção de professores quenão têm computadores em suas residências (chegando a 59% em Teresina),tendendo a estarem mais representados nas escolas públicas. Em muitascidades, particularmente em escolas públicas, os professores não usamcomputadores na escola � cerca de 30% dos casos � variando tal estadode exclusão digital entre 16,9% em Curitiba a 62,1% em Goiânia.

É com essa compreensão da importância da inclusão digital para oprocesso de desenvolvimento que a UNESCO possui extenso trabalhovoltado para o assunto. A estrutura da Organização possui uma áreaespecial para Comunicação e Informação, na qual desenvolve projetos,no mundo todo, de acesso digital a todos, de educação a distância, degoverno eletrônico e ainda de promoção à liberdade de imprensa. NoBrasil, a cooperação técnica da UNESCO nesta área acontece por meiode acordos estabelecidos com parceiros como o governo e instituiçõesdo terceiro setor.

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Citarei apenas alguns exemplos de projetos que estão sendorealizados atualmente, embora existam outros em andamento e em fasede implementação.

• O PROFAE, que é uma solução criada pelo Ministério da Saúdee conta com a parceria da UNESCO no Brasil, tornou possível amobilização de recursos externos e do Tesouro Nacional paraqualificar assistentes de enfermagem que atuam em todo o País.O objetivo é inserir conceitos de qualidade nos serviçosprestados pela rede de atendimento médico-hospitalar do Brasil.Em meados deste ano, cerca de 2.500 enfermeiros terãoconcluído o curso e 11.300 ultrapassaram os objetivosquantitativos. Os enfermeiros treinados, graduados por meio detécnicas de ensino a distância, são responsáveis pelo treinamentode assistentes de enfermagem em todo o Brasil.

• Em um acordo de cooperação com o INSS, a UNESCO no Brasildesenvolveu a Universidade da Previdência � UniPrev, com oobjetivo de instaurar uma comunidade permanente deaprendizagem e garantir a todos os servidores condições deaprendizagem e auto-aprendizagem. A UniPrev é virtual wepermite que cada servidor programe o seu processo deaprendizagem e de educação continuada. Os cursos sãoorientados e desenvolvidos por 5 centros de educaçãopermanente abrangendo as áreas cultural, social, gerencial,institucional e tecnológica.

• Com relação a liberdade de imprensa, a UNESCO no Brasil,além de atividades isoladas, iniciou este ano uma parceria com aAssociação Nacional de Jornais (ANJ) no sentido de desenvolveruma Rede de Defesa da Liberdade de Imprensa, que estáatualmente em fase de planejamento.

• Um passo muito importante no trabalho da UNESCO na áreade Comunicação e Informação será dado no início de setembro

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próximo, quando será lançado em âmbito mundial o portal doObservatório da Sociedade da Informação. O site será o pontode encontro de todos os países de Língua Portuguesa quebuscarem, na Internet, informações sobre a Sociedade daInformação ou atividades referentes ao assunto. Assim como essesmesmos países serão responsáveis pelo fornecimento deinformações que estarão disponíveis a todos no site.

A principal conclusão que podemos tirar de toda a situaçãoapresentada aqui hoje é que a inclusão digital está intimamente ligada àinclusão social. E que todos os esforços no sentido de diminuir a imensalacuna entre as pessoas que têm computador e acesso à Internet e aquelasque não têm merecem e precisam ser valorizados e multiplicados. Nãobasta ter a informação, insisto: o importante é ter a informação etransformá-la em conhecimento capaz de gerar mudanças e melhorar avida das pessoas.

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Por um Sistema de Informações para a Cultura1

Além da simpatia que sinto por Recife, da ótima companhia dessaMesa e da satisfação por pessoas tão ilustres terem aceitado o convite detrabalhar conosco, durante os três dias desse seminário, agrada-me,sobretudo, nesse momento, a sensação de estar diante de algo novo.

Não é a primeira vez que se discutem políticas culturais no Brasil,nem mesmo as relações entre cultura e desenvolvimento. Estas últimasintegram a pauta da UNESCO, desde, pelo menos, os anos 80.

Também não é a primeira vez que se discute a importância dasinformações sobre cultura e não são inéditas as tentativas de levantá-las.Se dissesse o contrário, estariam aqui para me desmentir � falando apenasdos que se encontram nesta Mesa � o Ministério da Cultura, o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística � IBGE, a Fundação Joaquim Nabucoe o próprio Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada � IPEA, parceiroda UNESCO na promoção desse Seminário. Em seguida, se levantariamvários pesquisadores presentes na platéia, exigindo-me que fizesse justiçaaos esforços que já foram feitos nesse sentido.

Vocês devem estar, então, se perguntando: se é assim, onde está onovo que tanto me agrada?

Tenho a ousadia � ou o otimismo � de acreditar que amadurecemosbastante e, sobretudo, que a nossa demanda por um sistema de informações

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário �Políticas Culturais para o desenvolvimento: umabase de dados para a cultura�, Recife, 27 ago. 2003.

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sobre a Cultura é hoje de uma tal evidência que teremos a capacidade deconcepção e as adesões necessárias para construí-lo.

Para argumentar objetivamente sobre essa afirmação, recorro àevolução do pensamento da UNESCO sobre as relações entre Cultura eDesenvolvimento. Essa tem sido uma construção contínua no campo dasidéias que, ao longo do tempo, veio agregando complexidade aoentendimento do processo cultural e ampliando, progressivamente, nossasresponsabilidades.

Se voltarmos aos anos oitenta, mais precisamente a 1982, naConferência Mundial do México, vamos nos deparar com os conceitos de culturae desenvolvimento sendo expressos com uma tal intimidade entre ambosque um leitor menos atento poderia, facilmente, permutar um pelo outro,sem prejuízo dos seus conteúdos.

A Recomendação da Década Mundial do Desenvolvimento Cultural, que resultouda Conferência realizada naquele país, conhecido como o centro daantropologia e país de adoção do nosso ilustre conferencista desta noite,o Professor Doutor Nestor Garcia Canclini, define:

• cultura como o conjunto de características espirituais e materiais, intelectuaise emocionais que definem um grupo social. (...) engloba modos de vida, os direitosfundamentais da pessoa, sistemas de valores, tradições e crenças e define

• desenvolvimento como um processo complexo, holístico e multidimensional,que vai além do crescimento econômico e integra todas as energias da comunidade(...) deve estar fundado no desejo de cada sociedade de expressar sua profundaidentidade....

�Energia criadora e desejo de expressar identidade� não seria esta uma beladefinição para cultura? Ou para desenvolvimento? Ou para os dois?

Depois do México, veio, em 1987, a Conferência de Brundtland,Noruega, cujo documento final, Nosso Futuro Comum, introduziu os conceitos

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de sustentabilidade e de biodiversidade, ambos transportados e trazendoavanços importantes para o campo da Cultura.

A década seguinte é marcada pela criação da Comissão Mundial deCultura e pelo relatório Javier Perez de Cuellar, Nossa Diversidade Criadora,publicado em 1995, acrescentando o entendimento de que odesenvolvimento não deve ser apenas sustentável, mas cultural. A partirdos anos 90, a defesa da Diversidade Cultural passa a ser tratada pelaUNESCO como uma política imperativa frente às tendências dehomogeneização trazidas pela globalização.

Por último, registro a Conferência de Estocolmo sobre Políticas Culturais parao Desenvolvimento, em 1998.

Toda essa seqüência se dá num crescendum que vai se imbricando cadavez mais, tornando-se fortemente indissociável e, por fim, postulando,até mesmo como determinante, o significado da Cultura no processo deDesenvolvimento.

Relembro estes conceitos porque eles nos colocam diante doprimeiro grande desafio para a construção do nosso sistema de informações� digo nosso porque tenho a convicção de que sairemos daqui todossócios deste projeto.

Esye desafio resulta, exatamente, da riqueza do objeto quepretendemos trabalhar: trata-se da definição do campo de trabalho, ouseja, desse que acabo de defender como sendo o vastíssimo campo daCultura.

Insisto, no entanto, que a busca dessa definição deva ser assumidacomo uma instigação permanente, mas, ao mesmo tempo, mobilizadora enão como uma dúvida paralisante.

Os países e instituições que avançaram na construção dos seus bancosde dados sobre a Cultura certamente conviveram e convivem com esta

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inquietação. Nada, no entanto, que nos impeça de começar pelo que jásabemos, pelo que os mais experientes têm para nos dizer e,principalmente, pela construção de critérios que sejam pactuados comoreferências para que não se perca tempo em polemizar sobre resultados,sem considerar as premissas de onde se originaram as análises.

Vencido esse obstáculo inicial, qualquer que seja a dimensão douniverso adotado, uma primeira chave do nosso sistema de informações,a que hoje nos parece a mais simples e a mais óbvia, é aquela que sejacapaz de demonstrar que a Cultura tem significado econômico. E, emconsequência, este significado deve ser medido!

Mais uma vez, os mais céticos dirão das dificuldades de sedimensionar a participação da atividade informal ou de atividades que,indiretamente, participam do processo de produção de bens culturais.

Insisto, também, em começarmos por aquilo que as estruturasexistentes de coleta de dados já são capazes de captar � e que não épouco! Não temos aproveitado os resultados que podem advir dessasinformações e que, especialmente se tornadas públicas com regularidade,podem nos oferecer instrumentos para defender, de forma maisconvincente, uma melhor participação da cultura no orçamento público.

Além disso, conhecer por dentro o funcionamento do setor, alémde ampliar seu desempenho como um fator de recursos para a economia,nos permitirá associar a melhoria das condições de vida como parte damesma estratégia.

Outro resultado importante, decorrente de todo tipo de mensuraçãoconfiável produzida com regularidade, é o de favorecer comparações queacabam por estimular uma competição saudável entre setores,administrações ou territórios. A mídia repercute hoje uma infinidade deíndices, muitos deles aguardados ansiosamente a cada ano e muitos jáincorporados ao vocabulário de grande parcela da população. Quando

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publicados, surgem inevitavelmente as comparações: uns são chamadosàs falas por não estarem cumprindo seu papel, outros saem envaidecidose premiados pela sua evolução ou pelo seu bom desempenho.

A vertente econômica me parece ser, como disse, a mais imediata.

A segunda chave de um sistema de informações sobre a cultura,mais complexa e não dedutível da mensuração direta, mas de correlaçõesque irão desafiar nossos especialistas, surge, no entanto, como essencialpara que não se perca de vista o real sentido da Cultura.

Falo do tratamento da cultura como capital social. Se a Culturatem, como matérias primas, a inovação e a criatividade, ela é tambémpeça chave da economia do conhecimento e pode significar um estímulopermanente para outros setores. Além disso, é mobilizadora no sentidode estimular a pertinência de um projeto coletivo, a participação, apromoção de atitudes que favoreçam a paz e o desenvolvimentosustentado, o respeito a direitos, enfim, a capacidade da pessoa humana ede comunidades de regerem seu destino.

A terceira chave é o insumo para a compreensão das anteriores: épreciso conhecer mais intestinamente o processo de produção e consumode bens culturais. É preciso identificar as práticas culturais, compreendersua relação com os lugares, com a cidade, com o ambiente. É precisoconhecer os atores do processo cultural, seja na condição de produtores,de consumidores ou de gestores. É importante compreender as regrasque regem suas relações, a legislação, as condições de formaçãoprofissional, suas organizações, suas interdependências.

Tudo isso parece pretensioso? Grande demais? Eu concordaria sepretendesse que a produção dessas informações fosse atribuída a um únicoe grande agente, que vasculhasse cada canto onde se produz cultura nessePaís, desde uma aldeia yanomami, em Roraima, até o coração da AvenidaPaulista.

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O que chamo de novo não é esse �grande produtor� de estatísticasculturais. Também não seria um novo IBGE ou um novo IPEA, agoradedicados à cultura. Menos ainda, um novo Ministério da Cultura, novasSecretarias de Cultura, ou mesmo de uma nova UNESCO, todos setransformando em grandes órgãos de Estatística.

Falo do desenho de um sistema � se entendermos como sistemaalgo que seja orgânico e articulado. Algo que, partindo de um cerne deconceitos comuns, de um quadro de prioridades e de uma estratégiaconvincente de adesão, passe, a partir daí, a disseminar tarefas de execuçãodescentralizada, mas convergentes para um todo comum.

Além daqueles cuja missão já é a produção e o tratamento dainformação, como é o caso do IPEA e do IBGE, os demais atores dessesistema também estão representados aqui: o setor público que gererecursos e formula e implementa políticas culturais; o setor privado, sejao empresarial, sejam as Organizações Não Governamentais; a Universidadee os produtores de cultura. É fundamental para aqueles que produzemcultura sejam seduzidos, também, pela �cultura� da informação. Esta deveestar disseminada entre todos, em cada instituição, em cada local detrabalho, em cada agência, por menor que seja. Naturalmente que, aosistematizar tudo isso, uns terão atribuições maiores, outros menores,mas não há como pensar em conhecer o universo da cultura, com aabrangência que pretendemos que ele tenha, se esta não for uma práticadifundida por todo o setor cultural.

E mais:

• existe, hoje, uma grande subutilização do acervo de informaçõesdo IBGE, assim como são subutilizados os acervos recolhidos eem permanente produção por todo o sistema de cultura,

• existe o IPEA, cada vez mais envolvido em compreender e avaliaro processo social

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• existe uma indiscutível capacidade na Universidade e nasinstituições de pesquisa brasileiras;

• existe onde buscar inspiração e experiência, seja naquilo que jáproduzimos, seja em exemplos ricos como estes que teremosaqui, nesses próximos dias.

Nessa perspectiva, a UNESCO oferece o melhor da sua vocação:criar sinergias, buscar convergências, aportar cooperação em torno deboas idéias e de bons projetos e, por que não, de grandes empreitadascomo será a disseminação da �cultura� da informação entre os produtoresde cultura e a criação de um sistema brasileiro de informações culturais.

Aos nossos sócios nessa empreitada � instituições, pesquisadores,membros da futura rede brasileira de informações culturais � desejo queaproveitem bem o Seminário, discutam, troquem idéias, façam bonscontatos e bons amigos.

No que depender da UNESCO, este será apenas o começo de umprocesso onde todos vocês serão essenciais.

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Exercendo a Liberdade de Imprensa1

É com orgulho que estamos aqui reunidos para celebrar o �DiaMundial da Liberdade de Imprensa�, comemorado oficialmente no dia 3de maio. Esta é sempre uma ocasião para celebração e reflexão� e quemerece particular atenção da UNESCO, a agência do Sistema das NaçõesUnidas que se ocupa de assuntos ligados à Comunicação e Informação.

Vivemos em uma época de crescimento e progresso semprecedentes. Em poucos segundos, podemos ter acesso a informações dequalquer lugar do globo, em qualquer idioma. A �maravilha da informação�é hoje tão habitual que sequer nos damos conta dos perigos enfrentadospor jornalistas, e dos sacrifícios a que se submetem, para que essas notíciascheguem a nossos lares.

A ONG internacional �Repórteres Sem Fronteiras�, por exemplo,nos oferece dados alarmantes em seu �Barômetro da Liberdade deImprensa�: apenas em 2003, 15 jornalistas foram assassinados e 128 forampresos ao redor do mundo. Além disso, mais de uma dezena de países seencontra em situação gravíssima no que toca a liberdade de imprensa.

Nessa oportunidade, e aproveitando este tema, gostaria de chamara atenção para a realidade brasileira. O Brasil é uma das maioresdemocracias do mundo, onde se constata um esforço de todos os atores� governo, sociedade civil, setor privado, organismos internacionais �

1 Pronunciamento por ocasião do Seminário �Exercendo a Liberdade de Imprensa�, Brasilia, 8mai. 2003

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para a expansão cada vez maior das liberdades necessárias para ofortalecimento da democracia e promoção do desenvolvimento social.Ainda assim, apesar de não estarmos situados nas zonas de risco daliberdade de imprensa, temos problemas que precisam de solução.

O �Barômetro da Liberdade de Imprensa�, que citei há pouco,detecta que o Brasil enfrenta �problemas sensíveis� em relação ao tema.Do mesmo modo, a Associação Nacional de Jornais afirma que a liberdadede imprensa, apesar de existente no país, encontra-se sob constante ameaça.

Há menos de dois anos, todos testemunhamos os cruéis assassinatosdo jornalista Tim Lopes e de Domingos Sávio Brandão de Lima Júnior,dono do jornal Folha do Estado (em Mato Grosso do Sul), cujos impactossobre a sociedade brasileira são sentidos até hoje.

Diante de um quadro tão delicado, que papel cabe à UNESCO?Devo dizer que a livre circulação de idéias é uma das missões fundamentaisda UNESCO, e está incluída em seu objetivo maior, que é a construção ea manutenção da paz no mundo. Este ideal está traduzido em vários denossos documentos, entre eles a Conferência Geral da UNESCO de 1997,a qual condena �a violência contra jornalistas e conclama os governosnacionais a investigarem exaustivamente os crimes cometidos contra essesprofissionais�.

De igual maneira, nosso Diretor-Geral, o Sr. Koichiro Matsuura,defende arduamente os benefícios inerentes à liberdade de imprensa.Aqui, faço minhas suas palavras ao dizer que �sempre que um jornalista éexposto à violência, intimidação ou detenção arbitrária por causa de seucompromisso em transmitir a verdade, todos os cidadãos são impedidosde exercer seu direito de expressão e de agirem segundo sua própriaconsciência�.

No entanto, a UNESCO deve � e pretende � defender a �Liberdadede Imprensa� não só no plano das idéias, mas também no campo das ações

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concretas. Nesse sentido, é preciso um trabalho contínuo, diário eincessante. A liberdade de imprensa é construída a cada dia, caso porcaso. A luta pela liberdade (e credibilidade da informação, devo dizer) épositiva a todos: aos governos e aos cidadãos.

É com isso em mente, que aproveito para parabenizar a AssociaçãoNacional de Jornais (ANJ). Ao implementar mais uma parceria com aANJ, a UNESCO acredita que está promovendo uma comemoração queproduzirá resultados ainda mais importantes: a futura criação de uma �Redede Liberdade de Imprensa�, cuja discussão dos parâmetros será iniciadaneste seminário. É com o debate e a participação de profissionais comovocês que iniciativas como essa poderão se tornar referência em termosde ação conjunta visando um objetivo comum.

Por fim, aproveito para cumprimentar todos os jornalistas aquipresentes, sem os quais nossa luta diária não teria sentido. Aplaudimos acoragem destes profissionais, mesmo diante de perigos que podem sermortais. Admiramos o entusiasmo e a tenacidade em perseguir a verdadedos fatos, onde quer que ela esteja.

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CRENÇAS E ESPERANÇAS: Avanços e desafios da UNESCO no Brasil

Livros: Passaporte para o Futuro1

O dia 23 de abril foi instituído pela UNESCO como o Dia Mundialdo Livro e dos Direitos Autorais. A idéia desta celebração originou-se naCatalunha, Espanha, onde, neste dia, uma rosa é tradicionalmente oferecidacomo presente a cada livro vendido. A data é ainda carregada de outrossimbolismos para a literatura mundial, pois foi quando, no mesmo ano de1616, morreram Cervantes e Shakespeare, dois pilares da literaturamundial. Ao dirigir-me, nessa oportunidade, ao Presidente da FundaçãoBiblioteca Nacional, desejo que esse ato simbolize a homenagem que aOrganização faz às bibliotecas, aos bibliotecários, aos autores, aostradutores, ilustradores, às editoras, aos impressores, distribuidores elivreiros que contribuem, no Brasil, para o desenvolvimento da cultura, adisseminação do saber e a promoção do fluxo de idéias por meio depalavras e imagens.

Transmito, neste momento, a saudação fraterna da UNESCO atodos os leitores do Brasil e aos governantes desse País que desejamelevar, cada vez mais, o número daqueles que adquirem a maravilhosacapacidade de ler.

Nesse início de novo milênio, os livros são um dos mais fundamentaismeios de comunicação e de preservação da memória cultural antiga erecente; são fontes de recreação para o presente e a rica plataforma quenos permite uma visão do futuro. Os livros são também um passaporte

1 Pronunciamento por ocasião da teleconferência em comemoração ao Dia Mundial do Livro edos Direitos Autorais, Brasília, 24 abr. 2003.

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para todos os destinos, para todas as culturas e para todas as formas possíveisde imaginação. Eles permitem, ainda, que crianças e jovens de todo omundo se divirtam com a variedade de formas de pensamento e os fazemcapazes de participar ativamente de suas próprias histórias e compartilhara dos outros.

É por esta razão que o Programa da UNESCO Livros para Todos (Booksfor All) tem proposto o acesso a livros e a promoção da leitura,particularmente entre crianças e jovens de áreas urbanas e ruraisproblemáticas, tanto por meio de fornecimento de livros a bibliotecaspúblicas, quanto por meio da circulação de ônibus de leitura, bibliotecasmóveis, kits portáteis de atividades culturais de incentivo à leitura, entreoutros. Além de seus resultados imediatos no plano da cultura e doconhecimento, como fonte de prazer e enriquecimento espiritual, as açõesdo Programa Livros para Todos têm a função de servir como um complementoàs políticas nacionais de desenvolvimento da indústria editorial.

Neste dia em que celebramos mundialmente o Livro e os Direitosdos Autores, conclamo os brasileiros a se unirem no esforço de encorajara todos, e em particular os jovens, a descobrir o prazer da leitura e adquirirum renovado respeito pelos autores e as criações únicas que tantocontribuem para o avanço social e cultural da humanidade.

Para concluir, lembro as palavras do Diretor Geral da UNESCO,Sr. Koïchiro Matsuura, em sua mensagem relativa ao Dia Mundial do Livro edos Direitos Autorais de 2003:

�Hoje mais do que nunca, o livro permanece, sob as suas diversas formas, dasmais tradicionais às mais inovadoras, um meio insubstituível de informação, de reflexãocrítica e de educação. Está assim na própria base do edifício, sempre por consolidar, dademocracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, das quais a proteçãodo direito de autor e o acesso eqüitativo do público são atributos incontornáveis�.

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Perspectivas sobre a Criança e a Mídia1

A todos, os meus agradecimentos pela presença e participação nestacerimônia de lançamento deste livro. Como disse anteriormente, trata-sede uma parceria entre a UNESCO e a Secretaria de Estado dos DireitosHumanos, por meio de um Acordo de Cooperação Técnica que tantosresultados valiosos já forneceu ao Brasil e à UNESCO.

Inicio meu pronunciamento apresentando o Sr. John Daniel, SubDiretor Geral da UNESCO para a área de Educação. Ele se encontra noBrasil para participar de uma Conferência Internacional e para encontroscom autoridades brasileiras.

A tradução do livro que hoje lançamos decorre da percepção daUNESCO e da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos sobre a importânciado tema das relações entre a mídia e as crianças no Brasil. O novo livro dáseqüência a uma série de publicações sobre criança e mídia, anualmenteorganizadas e publicadas pela UNESCO International Clearinghouse on Children andViolence on the Screen, em parceria com a Universidade de Göteborgs, na Suécia.

Trata-se do quarto Livro Anual da Clearinghouse da UNESCO sobreCrianças e Violência na Tela. O primeiro Livro Anual foi lançado em1998 e, no Brasil, recebeu o título de �A Criança e a Violência na Mídia�.Nos anos seguintes foram lançados os livros ��Educação para a Mídia�(1999) e �As Crianças na Nova Paisagem da Mídia� (2000).

1 Pronunciamento por ocasião da Cerimônia de Lançamento do Livro: �Perspectivas sobre acriança e a mídia�, no Ministério da Justiça,�Brasília, 17 abr. 2002.

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As organizadoras e autoras do livro, Cecilia von Feilitzen e CatharinaBucht são duas pesquisadoras com reconhecimento internacional sobre oassunto, o que garante rigor científico e informações valiosas para todosque estudam, trabalham ou se preocupam com o tema da criança e damídia.

Não vou me estender e nem entrar em detalhe sobre o livro, porqueteremos a oportunidade de ouvir a explanação sintética sobre ele que oProfessor Doutor José Salomão Amorim fará. No entanto, não posso deixarde reproduzir as palavras da Dra. Ulla Carlsson, Diretora da Clearinghouseda UNESCO, no prefácio do livro:

�O objetivo do livro é oferecer um panorama amplo sobre as crianças e a mídia nomundo, enfocando a cultura de mídia nos múltiplos sentidos dessa expressão. O que temos emmente é o conhecimento sobre as crianças e a mídia e sobre os esforços feitos no sentido deconcretizar os direitos das crianças quanto a essa área, inclusive seu direito de exercerinfluência e de participar da mídia. O livro contém uma análise sobre as tendênciasinternacionais recentes e atuais relativas à cultura de mídia, incluindo pesquisas sobre ascrianças e a mídia. Em outras palavras, resumindo exemplos de pesquisas e práticas,conferências e declarações importantes relacionadas à área e, também, uma seleção deorganizações e websites de interesse no mundo�.

Se por si só o conteúdo do livro já é relevante, ele assume umadimensão extraordinária ao ser instigante e nos fazer pensar sobre osprincipais aspectos envolvidos na relação de influência da mídia naeducação, formação e comportamento de crianças e jovens.

Alguns dados extraídos do livro e associados com outras informaçõessão suficientes para nos mostrar a importância e dimensão do tema sobreo qual estamos falando.

Estimativas da própria Organização das Nações Unidas indicam queas crianças � todas as pessoas com menos de 18 anos, segundo o conceitoda ONU � representam 36% de toda a população mundial. Em números

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absolutos, são 2,1 bilhões de crianças para uma população total de cercade 6 bilhões de pessoas. Do total de crianças, apenas 13% vivem nospaíses mais ricos e 87% vivem nos países em desenvolvimento e menosdesenvolvidos. Como sabemos da fragilidade dos direitos das criançasprincipalmente nesses países em desenvolvimento e menos desenvolvidos,estamos falando de um contingente de mais de 1 bilhão e oitocentosmilhões de crianças, que são influenciados positiva e negativamente pelasinformações, pela propaganda, pelo entretenimento digital, pela Internete pela mídia em geral � rádio televisão, jornais, revistas etc.

E não se pode deixar de considerar o poder das empresas de mídia.As sete maiores empresas de mídia de entretenimento � AOL- TimeWarner, Walt Disney, Viacom, Vivendi-Universal, Bertelsmann, NewsCorporation, divisão de música, filmes e TV da Sony � tiveram uma receitaanual entre 2000 e 2001 de 140,3 bilhões de dólares norte-americanos.Isso representa quase 30% do PIB brasileiro em 2001.

As estatísticas sobre usuários da Internet demonstram asdesigualdades de acesso a informações segundo os países e regiões nomundo. As informações disponíveis indicam que o total mundial de usuáriosde Internet alcança 513,4 milhões de pessoas (8,5% da população mundial).Os Estados Unidos da América, com uma população de 5% da populaçãomundial, concentra 35,2% do número de usuários.

A Europa, cuja população representa 12% da população mundial,tem 30,1% dos usuários. A região da Ásia e Pacífico, com 61% da populaçãomundial, tem 28,1% dos usuários da rede mundial e a América Latina,com 9% da população mundial, tem 4,9% do total de usuários da Internet.

A quantidade cada vez maior de meios visuais eletrônicos edigitalizados traz tanto esperanças quanto medos. Isso aconteceu tambémquando surgiu a imprensa, os livros, o rádio, o cinema etc. No entanto, arapidez das comunicações e o acesso imediato às informações romperamfronteiras e atingem uma população enorme no mundo.

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A televisão por satélite e a cabo tanto traz maior liberdade de escolhacomo padroniza o entretenimento e a propaganda, desconsiderando a culturae as tradições de cada povo.

Os vídeogames e os jogos eletrônicos, se olhados por umaperspectiva otimista, representam uma revolução cultural e uma formadiferente de socialização; ensinam crianças e jovens a lidar com a realidadevirtual no ciberespaço. Sob a perspectiva pessimista, no entanto, observa-se que os conteúdos dos vídeo games e dos jogos de computador sãotremendamente violentos, sexistas e racistas, podendo vir a levar àagressão, dessensibilização, medo e até mesmo à destruição dos processosmentais, das relações sociais e da cultura.

A Internet também apresenta duas faces de uma mesma moeda: aomesmo tempo que oferece portais à educação, à cultura, ao auto-aperfeiçoamento e aos contatos sociais, fornecendo e democratizando ainformação, pode causar isolamento do usuário e oferecer material deopressão sob a forma de ódio, discriminação de gêneros e de culturas,exibições gratuitas de violência, receitas para fabricação de drogas e armas,pornografia violenta e pornografia infantil.

Como se vê, o problema é grande e tem múltiplas implicações.Portanto, conhecer o tema, refletir sobre ele e debatê-lo é o mínimo quepodemos fazer. É isso que a UNESCO está fazendo ao produzir o livro eagora, com o auxílio e participação da Secretaria de Estado dos DireitosHumanos, traduzi-lo para o português, ampliando as oportunidades epossibilidades de discutir e avançar sobre o tema. Esperamos que seuconteúdo contribua para estimular novas pesquisas e reflexões,constituindo-se em novos subsídios para a formulação de políticas públicas.Esperamos também uma reação dos meios de comunicação, voltando-secada vez mais para ajudar a garantir os direitos de nossas crianças.

Para finalizar, reproduzo um depoimento que está no livro, de umajovem mulher de 18 anos, e que reflete bem a relação da mídia com essesegmento de crianças e jovens: �A mídia não retrata a juventude, é ajuventude que retrata a mídia�.

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Informação e Conhecimento para Todos1

Hoje, as tecnologias da informação e comunicação fazem parteintegrante do nosso dia-a-dia e entraram de tal maneira na nossa rotinaque, em certas esferas, já não se aprende ou trabalha sem o recurso a umconjunto de meios e suportes de informação. Mais do que isso, é hojepraticamente impossível compreender boa parte dos processos políticosou econômicos, os processos relacionados à identidade pessoal ou culturale, sobretudo, à educação, sem ter em conta o papel inerente a toda agama das tecnologias disponíveis.

Claro que essas necessidades são, de certo modo, criadas pelodesenvolvimento econômico e tecnológico. É aceito por todos que oadvento dessas tecnologias criam novas desigualdades, mas também criamcomunidades que transcendem as fronteiras nacionais. Por outro lado, aooferecerem novas possibilidades de escolha individual, fazem surgir novasdificuldades como as relacionadas, por exemplo, com a necessidade deacesso eqüitativo e igualitário ao que elas disponibilizam e que representamavanços nos níveis de bem estar, individual e social.

No que diz respeito ao evento que nos traz aqui � cujo titulo �Dasociedade da Informação à sociedade do conhecimento: desafios da Educação a distancia� ébem elucidativo � abordarei rapidamente três aspectos que, no fundo,traduzem três das tensões mais presentes.

1 Pronunciamento por ocasião do VIII Congresso Internacional de Educação à Distância daABED. �Da sociedade da Informação à Sociedade do Conhecimento: desafios para a Educaçãoa Distância�, Brasília, 6 ago. 2001.

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A primeira é a tensão entre a diversidade de abordagens coerentecom a diversidade dos contextos e a necessária busca de clareza esistematização, se queremos ultrapassar o entusiasmo inicial, se mepermitem exprimir-me assim. Quero dizer que é cada vez mais prementea definição clara dos objetivos e métodos da educação a distancia se nãoquisermos que ela amplie as incoerências e erros da educação tradicional.Esse paradoxo é reforçado pela tensão que designo, em segundo lugar, eque é traduzida pela resistência ancestral da instituição �escola� a qualquertipo de inovação, tais como as que as novas tecnologias introduzem nopróprio relacionamento e nos processos pedagógicos, face à realidadecircundante, formal ou informal.

Em terceiro lugar, mencionarei a tensão entre, por um lado, umdireito que é fundamental � o direito à informação e à educação � para oqual a educação a distancia pode trazer soluções mais adequadas que aeducação tradicional e, por outro, as dificuldades ainda consideráveis deacesso, resultantes de um conjunto de variáveis, apesar da proliferaçãodos meios de comunicação e informação a que me referia acima.

Percorrendo a agenda do VIII Congresso, reparei que as questões deética serão abordadas ainda hoje e queria fechar esta minha fala justamentecom uma reflexão nessa linha, ligada à importância de uma educação paraa cidadania, por mais banal que se tenha tornado esta expressão. Nessaperspectiva, o vasto terreno de pesquisa, de informação e de interação einteratividade, aberto pela educação a distancia, deve ser largamenteexplorado e aprofundado, para que passemos da sociedade da informaçãopara todos à sociedade do conhecimento para todos.

A UNESCO, Agência das Nações Unidas para Educação, Ciência,Cultura e Comunicação, considera-se parte integrante dessa reflexão quese consolida por ocasião deste Congresso. Desde sempre � e cada vezmais � tem como prioridade uma atuação, nas áreas do seu mandato, quepromova a �inclusão dos excluídos�. Neste âmbito, a educação a distanciaé uma ferramenta de extrema relevância e atualidade na transformação do

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paradigma que tem vigorado praticamente sem mudanças significativas,desde que a educação adquiriu o caráter institucional. Para tal, ela deve,também como contribuição ao processo de educação ao longo da vida,integrar a diversidade e a flexibilidade necessárias à formação do serhumano, em toda sua complexidade.

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AIDS e Saúde:Educar para prevenir

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AIDS e Juventude Escolar1

A UNESCO, mais uma vez, sente-se orgulhosa em estar presente aum evento cuja prioridade é a juventude.

É o Brasil dando prioridade à educação preventiva como instrumentode controle da epidemia de AIDS, tendo em vista sua importância para ofuturo das sociedades.

A construção e o exercício da cidadania de todos vocês, jovensaqui presentes, devem ser fundamentados nos princípios da autonomia,da dignidade, da solidariedade, do respeito e da convivência familiar ecomunitária.

Tudo isso com responsabilidade e compromissos individuais ecoletivos. Assim, o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas disponibilizapreservativos aos adolescentes, integrando ações educativas e reforçandoo que está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz: �A criançae o adolescente têm direito à proteção, à vida e à saúde, mediante aefetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e odesenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência�.

Nessa perspectiva, a educação sexual e as ações voltadas para aprevenção de gravidez entre adolescentes, doenças sexualmentetransmissíveis e AIDS, devem estar baseadas numa visão abrangente, pois

1 Pronunciamento por ocasião do lançamento do Projeto Nacional de Disponibilização dePreservativos nas Escolas, Curitiba, 19 ago. 2003.

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a educação sexual deve ser entendida como um processo que contemplaaspectos psicológicos, afetivos, biológicos e socioculturais.

Parabenizo, neste sentido, a ação dos Ministérios da Saúde e daEducação que desde o início contou com o apoio total da UNESCO.Reforço, ainda, o apoio da Organização aos Estados do Acre, São Paulo eParaná e aos Municípios de Xapuri, Rio Branco, São Paulo, São José doRio Preto e Curitiba que, corajosamente e numa atitude de vanguarda,adotaram esta idéia. Mais uma vez, o Brasil se destaca: além de livros,lápis e cadernos, o Brasil inova disponibilizando preservativos nas escolas.

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Educadores na Prevenção da AIDS1

A UNESCO, mais uma vez, sente-se orgulhosa em estar presente aum evento organizado para discutir a prevenção à epidemia de HIV/AIDS,devido à sua importância para o futuro das sociedades. Como bem frisouo Marco de Ação de Dacar em 2000, a ameaça dessa epidemia aodesenvolvimento representa um grande desafio. O seu terrível impactosobre a demanda, a oferta e a qualidade da educação exige atençãoexplícita e imediata na formulação de políticas e no planejamento nacional.Os programas que têm em seu foco a prevenção e a educação preventivadevem fazer o máximo uso do potencial da escola e da universidade,objetivando educar para as mudanças de atitudes e de comportamentosagora, mais do que nunca, que se tornam necessários.

Nas três instâncias da administração educacional brasileira � União,Estados e Municípios � trava-se uma luta incessante para não deixarnenhuma criança sem escola. O resultado dessa política está à vista e seexpressa por quase 97% de crianças brasileiras inseridas no processo deescolarização obrigatória. Sobressai agora o desafio da qualidade queconstitui sem dúvida o mais difícil dos obstáculos.

Nesse contexto, a organização, pela ONG APTA � Associação dePrevenção e Tratamento da Aids, de uma Encontro para repensarestratégias de educação sexual de jovens e crianças e mobilizar esforçosque favoreçam o fortalecimento, tanto de ações preventivas quanto de

1 Pronunciamento por ocasião da Abertura do 7 º EDUCAIDS - Encontro Nacional deEducadores na Prevenção da AIDS, São Paulo, 12 jun. 2003.

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ações para minimizar os impactos sociais da epidemia HIV/Aids, configura-se como uma iniciativa que merece o apoio e o reconhecimento daUNESCO. Ademais, a presença neste evento de um grande números derepresentantes da área de educação e de saúde amplia o alcance e alegitimidade das discussões.

Para que a esperança de um ensino de qualidade e criativo, onde oaprender a ser, a fazer, a conhecer e a viver juntos � se tornem lugarcomum no cotidiano da escola e da universidade, é indispensável umesforço coletivo que tenha como referência a luta do Brasil para seconverter em uma Nação plena em matéria de direitos humanos.

Considero a questão do professor o maior desafio existente hojenão apenas para o Brasil como também para toda a América Latina. Nãopodemos perder de vista que não será possível melhorar a qualidade doensino se não formos capazes de conceber e executar uma nova políticade formação e de carreira para os professores da educação básica. Pode-se mesmo afirmar que o futuro da educação na América Latina dependeráem parte do que se conseguir fazer hoje em prol de uma efetiva valorizaçãoda profissão docente.

A UNESCO, em diversas partes do mundo, tem sido um importanteprotagonista das iniciativas de combate à Aids. No Brasil, em cooperaçãocom o Ministério da Saúde, ajudou a colocar o país como exemplo mundialde combate a essa epidemia. Em relação ao município de São Paulo, desdeo inicio do mandato da Prefeita Marta Suplicy, a UNESCO tem procuradodar a sua contribuição no processo de construção de respostas contundentesna cidade de São Paulo a esse mal que já aflige milhões de pessoas.

Não posso, também, deixar de ressaltar nossa cooperação com oEstado de São Paulo, que se iniciou em 1999 e hoje estamos trabalhandono estabelecimento de uma nova parceria com o propósito de oferecer apopulação novas ações de educação, comunicação e assistência para apromoção de mudanças de comportamento.

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Fortalecer a população para lidar com a epidemia significa que acooperação da UNESCO procura colocar o seu valor agregado e sinalizarpara a implementação de ações que:

• aliviem a discriminação e o preconceito em relação às pessoasque vivem com o HIV/Aids;

• incentivem a mudança de comportamento;

• promovam a mensagem preventiva entre os principais formadoresde opinião;

• construam redes de trocas de experiências entre países para quea experiência brasileira seja adaptada às diferentes realidades;

• aproveitem a potencialidade da educação e da escola comoinstância preventiva privilegiada.

É importante destacar, nesta oportunidade, que os resultadosdestes programas de cooperação técnica entre o poder público e aUNESCO, ajudam a vocalizar demandas e anseios junto às autoridadespúblicas, incorporando a sociedade civil organizada na formulação eimplementação de políticas governamentais. Atualmente, a UNESCOmantém mais de 1.300 contratos de financiamento de atividades comONGs, incentivando idéias e projetos oriundos de setorestradicionalmente isolados das políticas públicas e facilitando o acesso aserviços de saúde básicos.

Aproveito para informar que a UNESCO/Brasil foi indicada comoo ponto focal para a disseminação das experiências de sucesso para ospaíses de língua portuguesa. Certamente, a experiência do EDUCAIDSserá recomendada pela UNESCO para servir de referência a outros paísesda África portuguesa e da África subsaarina, onde essa epidemia vemassumindo proporções catastróficas.

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As ações da UNESCO no Brasil têm o seu foco no jovem e noadolescente, mediante um conjunto de ações educativas e culturais quefavoreçam o desenvolvimento do protagonismo juvenil. E além disso,ajudem o jovem a estruturar o seu projeto de vida num mundo decrescentes interrogações e descrenças. Por vivermos numa sociedadepermeada por interrogações quanto ao futuro, é que sobressai a relevânciadesse encontro, pois precisamos com a maior urgência buscar respostasque restabeleçam e valorizem a subjetividade. Nesse sentido, a inserçãodo jovem em processos de busca compartilhada de respostas possíveis,seguramente o colocará como sujeito protagonista da sua própria história.

Compete à educação criar as condições para a construção de umprojeto consciente do futuro. E não será deixando os jovens à margemque isso ocorrerá. A escola precisa rever e enxergar as transformaçõesreestruturantes da vida contemporânea. Cabe-me, desta forma, destacara inovadora iniciativa do Ministro da Educação, Cristovam Buarque, emcriar uma unidade em seu ministério com o importante e atual propósitode acompanhar e propor novas ações de educação preventiva para o HIVe a aids na esfera das políticas públicas de educação em saúde.

Não tenho dúvidas de que o 7º Educaids está entre os exemplosque devem ser seguidos, com vistas ao objetivo comum não apenas decontrolarmos essa epidemia, como, também, no enfoque da educaçãopreventiva, na mudança de comportamento da população jovem.

Antes de concluir, gostaria de parabenizar o Programa Brasileirode Aids, por mais uma conquista, o Prêmio da Fundação Bill Gates deSaúde Global em 2003. O Programa foi contemplado com um milhão dedólares pela ampla resposta brasileira à epidemia de HIV/Aids. AUNESCO no Brasil está associada a Coordenação Nacional de DST/Aids,e por esta razão, não tenho dúvidas em afirmar que este prêmio é mais umreconhecimento público internacional das contribuições extraordináriasrelativas ao progresso do conhecimento e a prática de saúde em sociedadesde baixa renda.

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Por fim, estar aqui, esta noite, ao lado de outras instituiçõesmultilaterais das Nações Unidas e com a presença de expressivas liderançasdo poder público e da sociedade civil, serve para demonstrar o nossocompromisso de ajudar a fortalecer as políticas públicas do setor. Nessesentido, estaremos atentos aos resultados e recomendações deste Encontro,pois, com certeza, dela sairão excelentes subsídios para as ações dopresente e do futuro.

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Ética e Qualidade na Educação Profissionalpara a Saúde1

É com grande satisfação que participo da Solenidade de Aberturado I Fórum Nacional do Programa PROFAE. A parceria UNESCO/ PROFAEtem contribuído enormemente para o cumprimento do mandato daOrganização no que se refere à educação profissional. A educaçãoprofissional na área da saúde, busca o aumento da qualidade, da dignidadee da humanização da assistência médica à população, devendo ser vistanão apenas como um direito de todos, mas também como um dever decidadania.

A inserção de profissionais no mercado de trabalho depende daqualificação e da capacidade de adaptação desses trabalhadores àstransformações contínuas. As novas tecnologias, entre outros fatores,contribuem e ajudam a melhoria da qualidade dos recursos humanos,tornando necessária à implementação de políticas públicas que asseguremcondições de aquisição e renovação dos conhecimentos.

Para a UNESCO, a educação profissional de qualidade representaum dos caminhos mais seguros para enfrentar, com êxito, as mudançasque se operam em decorrência do avanço científico e tecnológico,notadamente no que diz respeito aos progressos das tecnologias dainformação e da comunicação. Na Reunião Mundial realizada em Seul,

1 Pronunciamento por ocasião do I Fórum Nacional do PROFAE � Construindo uma PolíticaPública de Formação Profissional em Saúde�, Brasília, 9 dez. 2002.

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na Coréia, em 1999, convocada pela UNESCO especialmente para discutiras novas tendências da educação técnica e profissional, ficou claro que oséculo XXI será palco de uma economia e de uma sociedade radicalmentediferentes e isso terá implicações profundas para o ensino técnico eprofissional, o qual deverá se adaptar, cada vez mais, à constante evoluçãodas tecnologias, à revolução da informação e da comunicação. A sociedadecriada com base no saber proveniente dessas mudanças oferece novasmodalidades e opções para a formação e a educação. Além disso, requer-se cada vez mais uma educação permanente, ao longo da vida. Estou seguroque o Projeto PROFAE já se inscreve nessas novas tendências.

Não é mais suficiente alfabetizar e oferecer um treinamentoprofissional rápido. O projeto PROFAE vai além, sendo um exemplo depolítica pública, voltada para a formação de profissionais, baseado naética e na qualidade, contribuindo com a dignidade e respeito aos usuáriosdo Sistema Único de Saúde � SUS. Devemos considerar que ofortalecimento das pessoas pela educação cidadã, de qualidade, é ocaminho mais seguro para enfrentar, também, a crise de desemprego evalorizar os profissionais que estarão em melhores condições de repensaralternativas.

A qualificação dos trabalhadores da equipe de enfermagem é umgrande desafio para o sistema único de saúde, desafio esse encarado pelaUNESCO e pelo PROFAE. O Brasil possui trabalhadores atuando nomercado de saúde sem reconhecimento legal para o exercício profissional,por não terem formação adequada. Com essa parceria, milhares detrabalhadores têm a oportunidade de concluir a escolaridade necessária àlegalização profissional.

O PROFAE contabilizou um contingente de, aproximadamente, 250mil trabalhadores do sistema de saúde, sem formação profissional. Apósdois anos de execução do projeto, já temos 50.106 trabalhadores formadose outros 104.687 em sala de aula, nos cursos de qualificação profissional,em todo o País.

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Além de apoiar a formação dos trabalhadores na equipe de saúde, oPROFAE também vem atuando em outros aspectos que estão contribuindono desenvolvimento da política de recursos humanos para o SUS.

Considero, sob o ponto de vista educacional, alguns pontosrelevantes e de destaque. O primeiro seria a preocupação com a formaçãodos professores que atuam nos cursos com a criação do curso de formaçãopedagógica, em nível de especialização, realizado por meio da educaçãoà distância. Além de ser um grande estímulo para os professores dos cursos,esta formação garante a atualização de conhecimentos desses profissionais.

A tecnologia educacional utilizada, o ensino a distância, envolvendodiversas Universidades como parceiras dos cursos e criando, assim, umaestrutura de formação de docentes no País, fortalece ainda mais a qualidadedo ensino técnico em saúde.

Um segundo ponto a ser destacado é a valorização, pelo PROFAE,das Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde, nos diversos estados dafederação brasileira. Com a proposta de modernização dessas unidades,podemos dar início a um processo sustentável de formação no nível técnicoem saúde.

A implementação de um projeto político pedagógico, a implantaçãode um currículo voltado para as competências laborais dos profissionaisde saúde, a informatização e a modernização da gestão são pontosfundamentais para o desenvolvimento e fortalecimento dessas instituições,também sendo levados em consideração nos projetos de modernização jáem andamento.

Vale destacar, ainda, a elaboração de um sistema de certificação decompetências que vem sendo desenvolvido pelo PROFAE e, futuramente,irá garantir uma avaliação dos seus egressos. Esta avaliação poderácontribuir para o aprimoramento dos cursos e sua real compatibilizaçãoàs necessidades dos serviços.

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Menciono também, o grande trabalho das instituições parceiras doPROFAE, sem as quais não seria possível a realização desse trabalho e,também, o grande esforço de professores e alunos durante a elaboraçãodos cursos. Sabemos que é um grande desafio a educação profissional deadultos, pois lidamos com uma diversidade cultural significativa e umaheterogeneidade de experiências.

Quero, por fim, expressar meu reconhecimento ao Ministério daSaúde pela condução do projeto e dizer que a UNESCO sente-se honradaem cooperar com este trabalho.

A todos os participantes do I Fórum desejo um grande proveito nostrabalhos que serão realizados e que este momento se reverta em reflexõespara a melhoria de nossas práticas.

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O Prêmio UNESCO/PROFAE1

Há dois anos e meio, no Fórum Mundial de Educação, realizado em Dakar,no Senegal, reafirmou-se o compromisso de �Educação para Todos�. Estecompromisso contempla a universalização do acesso, a democratização eprincipalmente a qualidade educacional.

O desafio da qualidade educacional só será conseguido se tivermosrecursos, tempo e políticas de longo prazo. Também é importante que aspolíticas educacionais façam da escola uma instância promotora dacriatividade e do desenvolvimento humano.

Nesse sentido, a criação do prêmio UNESCO/PROFAE traduz-seem instrumento de reconhecimento às instituições que oferecem cursosde formação profissional e que têm procurado melhorar e inovar em suagestão escolar.

As categorias para premiação contemplam três aspectos importantespara a obtenção da qualidade: o desenvolvimento das potencialidadeshumanas, a gestão institucional e a inovação educacional.

Para satisfação da comissão julgadora, formada por integrantes daOrganização Panamericana de Saúde -OPAS, da Fundação InstitutoOswaldo Cruz � FIOCRUZ e da UNESCO, das mais de cem escolasselecionadas, muitas se destacaram nos aspectos citados acima. Três escolas

11111 Pronunciamento por ocasião da entrega do Prêmio UNESCO/PROFAE da Gestão Escolar daFormação Profissional. Brasília, 10 dez. 2002.

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serão agraciadas, mas, certamente, elas estarão representando o númerosignificativo de escolas concorrentes e que apresentaram bom desempenhoe comprometimento com a educação profissional.

A entrega deste prêmio pretende criar um incentivo para a melhoriado trabalho de gestão dos cursos do PROFAE e também criar ummecanismo de reconhecimento do trabalho exercido pelas unidadesescolares.

Quero agradecer a todas as instituições que participaram destetrabalho, abrindo suas portas e fornecendo as informações necessárias: àUniversidade de Brasília, por intermédio do Centro de Seleção ePromoção de Eventos � CESPE, parceiro no trabalho de logística decampo; à OPAS e à Fundação Instituto Oswaldo Cruz pela participaçãona composição do júri e ao PROFAE, nosso parceiro nesta cooperaçãoem busca da qualidade educacional.

Por último, gostaria de agradecer a todos os que contribuem paraque se torne realidade a esperança de uma escola de qualidade, criativa eque possa conduzir à conquista de um País com mais cidadania.

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A Riqueza Singular da Infância1

Em primeiro lugar, gostaria de expressar minha gratidão à Prefeiturada bela cidade de Lisboa, a qual tão gentilmente cedeu o espaço da RuaAugusta para a exposição �Só vemos bem com o coração�. Em segundo lugar,permitam-me expressar a honra de representar oficialmente a UNESCOem tão importante evento, o qual apresenta uma iniciativa original eesteticamente única para um tema de fundamental importância para aUNESCO: a riqueza singular da infância.

Deste modo, o Diretor-Geral da UNESCO, Sr. Koichiro Matsuura,hoje me incumbiu da missão de sublinhar a relevância do �Programa Criançasem Risco� da UNESCO (Children in Need). Por todo mundo, milhões decrianças vivem em situação precária e são desfavorecidas no tocante a ummínimo de direitos elementares, como uma infância digna e plenitude daintegridade física e moral. De forma alarmante, mais de 110 milhões decrianças não tem acesso à escola, o que leva seus países a um ciclo depobreza e de conseqüente instabilidade social.

Em um mundo globalizado, permeado por complexidades cada vezcrescentes, a educação tem papel de destaque na capacitação edesenvolvimento de nossos futuros cidadãos. Como já salientou o Diretor-Geral da Organização, �o ensino fundamental não é somente um direitobásico para cada indivíduo, mas é também a chave para o desenvolvimentosustentável, a paz e a estabilidade entre as nações�.

1 Pronunciamento por ocasião da exposição �...só vemos bem com o coração...�, dedicada àscrianças de Moçambique, Lisboa, Portugal, 12 set. 2002.

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As palavras do Diretor-Geral da UNESCO não poderiam ser maisoportunas em função dos recentes debates da Conferência de Joanesburgo.

Portanto, o reconhecimento da importância crucial deste direitobásico para a recuperação e inserção de jovens impõe umaresponsabilidade maior à UNESCO, a qual deve � a partir de agora � sercada vez mais pró-ativa no cumprimento de seu mandato.

Em abril de 2000, em Dakar, no Senegal, mais de 160 naçõesadotaram as metas do Plano de Ação �Educação para Todos�, uma iniciativade grande alcance liderada pela UNESCO. Sua responsabilidade naconsecução desses objetivos é, portanto, da mais alta relevância. Cabe ànossa Organização zelar pelo cumprimento de metas ambiciosas, tais comoa expansão de programas de atenção básica infantil, o estabelecimento deuma educação universal, o fim das disparidades de gênero em educaçãobásica e a inserção de programas de treinamento e educação continuadapara jovens e adultos.

A importância da exibição �Só vemos bem com o coração� também não seresume apenas à abordagem de um tema tão importante como a proteção decrianças em situação de risco. Outro mérito da exposição, a meu ver, tambémreside num aspecto muitas vezes esquecido em políticas educacionais e deinclusão social que é, precisamente, a cooperação entre os povos.

Nesse sentido, aproveito para felicitar meu colega Luis Tibúrcio, oqual, no passado, representou a UNESCO em Maputo e lançou as basespara o programa �Empresa Jovem�, uma das primeiras iniciativas a ofereceralternativas artístico-culturais para jovens em situação de risco. Acreditoque a cooperação internacional só agrega valor à solução de problemascomuns a todos os povos, especialmente no tocante à infância. Por isso,creio que a exposição sobre Moçambique, feita com base na percepçãodas lentes de fotógrafos portugueses, vem a contribuir e enriquecer umapercepção multicultural sobre temas que são de importância global, masque sempre permitem percepções distintas.

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A UNESCO no Brasil, País irmão de Moçambique e Portugal,também tem muito a contribuir num modelo de cooperação entre os povos.Recentemente, por exemplo, temos trabalhado junto a Moçambique emáreas nas quais ambos os países podem se beneficiar de experiências sociaisinovadoras. Nossa cooperação tem se estendido a campos que vão desdea prevenção ao vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), a programas de cooperação de cunho técnico-científico, todoscom um claro objetivo implícito: um futuro melhor para nossas crianças.

Por fim, aproveito para lembrar as sábias palavras de Jean Piaget, asquais não poderiam ser mais adequadas para tão interessante exposição:�quando vejo uma criança, sou tomado por dois sentimentos: ternura,pelo que ela é, e respeito, pelo que ela pode vir a ser�.

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AIDS: uma Nova Dinâmica para o Cone Sul1

Durante os últimos meses, o mundo vem discutindo a forma comoenfrentará os desafios que a AIDS haverá de impor a todos nós, duranteos próximos anos. Todas as agências especializadas das Nações Unidas, asagências multilaterais e os programas internacionais de cooperação estãotrabalhando para criar um novo quadro de ação para o combate a estaepidemia que tanto nos afeta.

Esta dinâmica abre uma oportunidade única para os países do ConeSul. Temos condições efetivas para ajudar a modelar um novo regimeinternacional para a AIDS. Utilizando nossas experiências, os perfis dasepidemias em nossos países e nossa riqueza cultural, podemos trabalharpara que a estrutura, que está nascendo, sirva como instrumento demelhoria interna. Raros são os momentos em que nossas nações podemdesempenhar um papel ativo e proposicional na definição de novas regras,princípios e mecanismos de alcance global. Nossos países não devemdeixar que esta oportunidade lhes escape das mãos.

Por isso, nosso encontro de hoje tem uma importância estratégica.Ao dar vida a um grupo de parlamentares para a AIDS, a Argentina ofereceuma evidência real de que está disposta a buscar saídas para a epidemia,incluindo não apenas as estruturas governamentais nacionais, como tambéma sociedade civil organizada, as autoridades das províncias e dosmunicípios, os meios de comunicação, o setor privado, o sistema

1 Pronunciamento por ocasião da �Oficina Regional em HIV e AIDS dos Países do Mercosul.Grupode Parlamentares para a AIDS na Argentina�, Buenos Aires, 10-11 mai. 2001.

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educacional e os que vivem diretamente com o HIV/AIDS. Estamosreconhecendo que o problema da AIDS será solucionado quando todosos atores sociais se sintam co-responsáveis nessa luta.

A publicação, que hoje lançamos, constitui uma guia de fácil acessopara que os parlamentares possam propor e implementar legislações epolíticas públicas alimentadas pela enorme quantidade de práticas bem-sucedidas e princípios internacionalmente reconhecidos. Mais que isso,é um insumo crucial para que a sociedade Argentina possa demandar aseus representantes posturas firmes para enfrentar a epidemia.

Não podemos limitar-nos a adicionar o tema da AIDS à interminávellista de problemas que afetam nossas sociedades. Esta doença tem umaespecificidade que a torna prioridade número um em nossos países: afetadiretamente os jovens e se alimenta do silêncio e da incompreensão.

Hoje, o Sistema das Nações Unidas e o Parlamento Argentino juntamesforços para oferecer uma solução potencial que possa chegar a ter umimpacto muito significativo sobre a vida de todos os argentinos. Estãodadas as condições para que o perfil da AIDS na Argentina dos próximosanos atravesse mudanças notáveis.