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1 Crédito e reciprocidade na Feira da 25 de Setembro em Belém/Pa: construindo o olhar antropológico sobre o campo de pesquisa José Maria Ferreira Costa Júnior 1 Poucos os deuses nos dão, e o pouco é falso. Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva É verdadeira. Aceito, Cerro olhos: é bastante. Que mais quero? Ricardo Reis Resumo A construção do olhar antropológico é, segundo CARDOSO DE OLIVEIRA (2006), “a primeira experiência do pesquisador no campo”, necessária à domesticação teórica do olhar. Assim, é no decurso empírico do estabelecimento de relações de sentido entre o sujeito que conhece e o sujeito que ele conhece, que o pesquisador desenvolve a capacidade de apreender objetos que só se mostram através do prisma conceitual da sua disciplina (VIVEIROS DE CASTRO, 2002). Considerando esse pressuposto é apresentado aqui o percurso da constituição do olhar do pesquisador no estudo de um sistema de crédito informal existente entre os sujeitos que compõem a feira da 25 de Setembro em Belém/Pa. O objetivo da apresentação dessa pesquisa em andamento, a partir da problematização das condições epistemológicas necessárias ao conhecimento antropológico, é evidenciar algumas características do fieldwork e seus efeitos reflexivos. Partindo da noção de reciprocidade como fundamento de práticas econômicas não baseadas no sistema de mercado autorregulável, porém fundamental para circulação não utilitária de dádivas que põem em movimento valores, prestígio, honra, alianças e conflitos, foi identificada uma forma nativa para esse tipo de relação denominada fiado. Que consiste em um sistema de crédito fundado na confiança mútua entre os participantes. O fiado faz circular diferentes produtos comercializados na feira entre fornecedores e feirantes; feirantes e feirantes; feirantes e consumidores. Para captar e compreender os sentidos envolvidos nessa prática é necessário treinar o olhar para o entendimento da feira e sua dinâmica. Nesse sentido, foi necessário descrever a organização sócio-espacial e demográfica da feira, etapa realizada, entre setembro e outubro de 2014, através da sistematização de informações obtidas junto à Administração da feira e da aplicação de questionários à uma amostra de 10% dos feirantes. Essas atividades foram realizadas no âmbito da pesquisa “Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades em contextos Amazônicos”, coordenado pela Profª. Drª Carmem Izabel Rodrigues, IFCH/PPGSA-UFPA. Na apresentação e análise dos resultados é considerada a relevância dos processos de quantificação para os estudos etnográficos. Palavras chaves: Feiras livres, sistema de crédito informa, fiado, pesquisa de campo, dádiva, I. Introdução O aprendizado da antropologia implica a experiência etnográfica. O conhecimento disciplinar está imbricado na experiência de alteridade proporcionada por essa forma particular de pesquisa de campo. Procuro, nesta comunicação, (re)conhecer, como aprendiz, algumas consequências práticas dessas características do tornar-se antropólogo, apresentando, para a crítica e debate, elementos preliminares, que julgo 1 Mestrando PPGSA/UFPA, bolsista CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa Mercados Populares, GEMP/UFPA/IFCH, coordenado pela professora Drª. Carmem Izabel Rodrigues a quem o autor agradece a inserção na pesquisa das feiras amazônicas e a autorização para a utilização, neste trabalho, dos dados preliminares da pesquisa Mercados Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades em contexto Amazônico, ainda em andamento.

Crédito e reciprocidade na Feira da 25 de Setembro em ... Maria Ferreira...feiras livras, na abordagem que Marcel Mauss (2003) empreende em seu clássico Ensaio sobre a Dádiva –

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Crédito e reciprocidade na Feira da 25 de Setembro em Belém/Pa: construindo o

olhar antropológico sobre o campo de pesquisa

José Maria Ferreira Costa Júnior1

Poucos os deuses nos dão, e o pouco é falso.

Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva

É verdadeira. Aceito,

Cerro olhos: é bastante.

Que mais quero?

Ricardo Reis

Resumo

A construção do olhar antropológico é, segundo CARDOSO DE OLIVEIRA (2006), “a primeira

experiência do pesquisador no campo”, necessária à domesticação teórica do olhar. Assim, é no decurso

empírico do estabelecimento de relações de sentido entre o sujeito que conhece e o sujeito que ele

conhece, que o pesquisador desenvolve a capacidade de apreender objetos que só se mostram através do

prisma conceitual da sua disciplina (VIVEIROS DE CASTRO, 2002). Considerando esse pressuposto é

apresentado aqui o percurso da constituição do olhar do pesquisador no estudo de um sistema de crédito

informal existente entre os sujeitos que compõem a feira da 25 de Setembro em Belém/Pa. O objetivo da

apresentação dessa pesquisa em andamento, a partir da problematização das condições epistemológicas

necessárias ao conhecimento antropológico, é evidenciar algumas características do fieldwork e seus

efeitos reflexivos. Partindo da noção de reciprocidade como fundamento de práticas econômicas não

baseadas no sistema de mercado autorregulável, porém fundamental para circulação não utilitária de

dádivas que põem em movimento valores, prestígio, honra, alianças e conflitos, foi identificada uma

forma nativa para esse tipo de relação denominada fiado. Que consiste em um sistema de crédito fundado

na confiança mútua entre os participantes. O fiado faz circular diferentes produtos comercializados na

feira entre fornecedores e feirantes; feirantes e feirantes; feirantes e consumidores. Para captar e

compreender os sentidos envolvidos nessa prática é necessário treinar o olhar para o entendimento da

feira e sua dinâmica. Nesse sentido, foi necessário descrever a organização sócio-espacial e demográfica

da feira, etapa realizada, entre setembro e outubro de 2014, através da sistematização de informações

obtidas junto à Administração da feira e da aplicação de questionários à uma amostra de 10% dos

feirantes. Essas atividades foram realizadas no âmbito da pesquisa “Mercados Interculturais: linguagens,

práticas e identidades em contextos Amazônicos”, coordenado pela Profª. Drª Carmem Izabel Rodrigues,

IFCH/PPGSA-UFPA. Na apresentação e análise dos resultados é considerada a relevância dos processos

de quantificação para os estudos etnográficos.

Palavras chaves: Feiras livres, sistema de crédito informa, fiado, pesquisa de campo, dádiva,

I. Introdução

O aprendizado da antropologia implica a experiência etnográfica. O

conhecimento disciplinar está imbricado na experiência de alteridade proporcionada por

essa forma particular de pesquisa de campo. Procuro, nesta comunicação, (re)conhecer,

como aprendiz, algumas consequências práticas dessas características do tornar-se

antropólogo, apresentando, para a crítica e debate, elementos preliminares, que julgo

1 Mestrando PPGSA/UFPA, bolsista CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa Mercados Populares,

GEMP/UFPA/IFCH, coordenado pela professora Drª. Carmem Izabel Rodrigues a quem o autor agradece

a inserção na pesquisa das feiras amazônicas e a autorização para a utilização, neste trabalho, dos dados

preliminares da pesquisa Mercados Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades em

contexto Amazônico, ainda em andamento.

2

indispensáveis, para a constituição de um campo de pesquisa2, ou seja, o que transforma

um lugar, práticas cotidianas, relações comerciais, festas, conversas entre amigos ou

conhecidos, em fenômenos de estudo antropológico.

Busco perceber como as referências teóricas e bibliográficas se fundem com a

experiência empírica em uma operação intelectual que transforma um caleidoscópio

cultural em matéria de um conhecimento particular. A matéria prima que manipulei para

esta reflexão é o itinerário de constituição do campo da pesquisa que realizo para minha

dissertação de mestrado no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia

da UFPa, apresentado aqui em sua primeira sistematização, certo das limitações

próprias de escritos preliminares.

Pretendo observar e compreender, em um estudo etnográfico, uma modalidade

específica de circulação de objetos e pessoas na Feira da 25 de Setembro em Belém/PA.

Preliminarmente identifico essa forma de circulação com a noção de sistema de crédito

informal, denominado fiado. Ressalto, essa identificação é inicial e não conclusiva e

será submetida à construção de sentidos dos sujeitos que vivenciam e operam as

relações sociais naquela feira. Esse sistema de crédito, apesar de não classificado com

essa mesma terminologia, foi identificado nos trabalhos de WILM (2012) sobre o

Complexo de Abastecimento do Jurunas e CÔRREA e LEITÃO (2010) a cerca da

comercialização do pescado no Mercado do Ver-O-Peso. Da mesma forma, durante

levantamento de dados quantitativos realizado na Feira da 25 de Setembro entrevistei

feirantes que confirmaram operar essa modalidade de crédito em determinadas

situações. Dessa forma, a despeito da classificação adotada ter caráter preliminar a

mesma não é, de maneira alguma, arbitrária posto que foi construída a partir de

observações empíricas das pesquisas mencionadas e da que desenvolvo.

Compreender a circulação de bens, serviços e alimentos não pagos

imediatamente no momento em que são recebidos, não significa afirmar que existe uma

modalidade de troca não mercantil nos mercados populares de Belém, porém, mostra

que nesses espaços o comércio não é governado exclusivamente pela lógica do ganho e

acumulação pecuniária. POLANYI (2000), criticando o paradigma fisiocrata do homo-

economicus, já apontou a existência de práticas econômicas que não restringem seu

funcionamento ao sistema auto-regulável de mercado, do que é possível depreender que

não é apenas, nem principalmente, riqueza material, como imensa acumulação de

2 Entre outros DA MATTA (1978) e VIVEIROS DE CASTRO (1992) indicam a característica distintiva

da etnografia e do trabalho de campo para o conhecimento antropológico.

3

mercadorias, que está implicada nas práticas economias. Nesse sentido julgo ter

encontrado um pressuposto adequado para pensar a cerca desse aspecto da vida nas

feiras livras, na abordagem que Marcel Mauss (2003) empreende em seu clássico

Ensaio sobre a Dádiva – Forma e Razão das Trocas nas Sociedades Arcaicas, e nos

desdobramentos teóricos de sua obra operados por SAHLINS (1972), LANNA (2000),

SABOURIN (2008) e BOURDIEU (2014).

Observar as relações sociais nas feiras livres como interações mediadas por

dádivas significa reconhecer nessas atividades comerciais razões de sociabilidades e

alianças entre os sujeitos que a compõe e que aqui podem ser identificados, pelo menos,

em três categorias diferentes em razão de seu lugar no sistema de crédito informal:

feirantes/permissionários, fornecedores e consumidores. Trabalho com a hipótese de

que esses indivíduos ao permitir que seus bens permaneçam com outros sem que a

contraprestação correspondente seja realizada imediatamente, o fazem movidos por

outras preocupações que não os juros que uma tal transação poderia render, porém

relacionadas como valores morais, alianças e confiança mútua. Vender “fiado” ou “no

caderninho” se torna uma dádiva e para existir como tal necessita ser oferecida, recebida

e, sobretudo, retribuída. Acessível apenas a pessoas que provaram merecer tal benefício

“o fiado” estabelece um vínculo entre os participantes, ao mesmo tempo que importa o

risco de sério conflito quando desrespeitado. Essas são algumas características do

fenômeno que estou observando na pesquisa, percebidas nas primeiras incursões ao

campo, sobre as quais apresentarei alguns comentários a partir da perspectiva

metodológica apresentada por CARDOSO DE OLIVEIRA (2006).

Em seguida apontarei sumariamente o contexto institucional das pesquisas

antropológicas sobre mercados populares e feiras livres nas Ciências Sociais da UFPA,

para, ao final, apresentar, descritivamente, os primeiros dados sobre a Feira da 25 de

Setembro.

II. Aprender a olhar, ouvir e escrever: elementos do fazer etnográfico.

As breves observações acima apresentam a primeira tarefa necessária à pesquisa

antropológica de acordo com CARDOSO DE OLIVEIRA (2006), qual seja, a

preparação do olhar segundo um esquema conceitual específico. Sem o treinamento

teórico que possibilite aos sentidos e ao intelecto perceber e apreender os sentidos e

significados atribuídos aos fenômenos sociais a realidade escaparia completamente à

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possibilidade de conhecimento, sobretudo, antropológico. Dessa forma, é possível

reconhecer que a conformação teórico-metodológica do que, onde e como pesquisar

depende da capacidade de articular o arcabouço conceitual com a realidade empírica3.

Nos termos daquele autor:

Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo – ou no campo – esteja na domesticação

do olhar. Isso porque, a partir do momento em que nos sentimos preparados para a investigação

empírica, o objeto, sobre o qual dirigimos o nosso olhar, já foi previamente alterado pelo próprio

modo de visualizá-lo. Seja qual for esse objeto, ele não escapa de ser apreendido pelo esquema

conceitual da disciplina formadora de nossa maneira de ver a realidade. (pag. 19)

Seguindo a lição de CARDOSO DE OLIVEIRA é possível afirmar que o olhar

do antropólogo se dirige a um objeto construído, que só pode ser apreendido por um

esquema conceitual particular, ou seja, o objeto de pesquisa não é um fenômeno

imanente (essência necessária ou manifesta) associado a grupos, comportamentos, ou

espaços histórico-geográficos específicos, e sim o resultado de uma operação cognitiva

dirigida à um aspecto da realidade. No caso da pesquisa sobre “o fiado” na Feira da 25

de Setembro, a opção é compreender uma forma particular de comercialização segundo

a perspectiva da dádiva, como já apontado anteriormente. O desdobramento imediato

dessa constatação é que o campo da pesquisa etnográfica também não está dado em si

mesmo, é objetivado cientificamente através daquele esquema conceitual.

Seguindo ainda as orientações metodológicas daquele antropólogo sobre como a

teoria social estrutura nossa capacidade de observação, devem ser destacadas duas

outras faculdades do entendimento indispensáveis à pesquisa etnográfica: ouvir e

escrever.

Imbricada ao olhar e as suas condições de constituição, o ouvir disciplinado

teoricamente implica um posicionamento ético do pesquisador em relação aos sujeitos

com quem trava interlocução na busca da compreensão dos sentidos do fenômeno

estudado. É necessário que o pesquisador crie condições para o efetivo diálogo com os

interlocutores produzindo um espaço semântico partilhado por ambos interlocutores,

graças ao qual pode ocorrer aquela ‘fusão de horizontes’ (op. cit. Pag. 24). Essa

condição geralmente é alcançada com a observação participante, ou seja, quando

conseguimos assumir um papel com algum significado para o grupo observado. O

antropólogo não deixa de o ser, não se torna nativo, mas passa, de alguma maneira, a

3 Não se trata de definir a realidade em um a priori teórico definitivo, mas sim de submeter a teoria à

atualização empírica do campo de pesquisa, o que PEIRANO (2006) define como teoria vivida.

5

fazer parte da vida do grupo sobre o qual quer conhecer. Segundo essa perspectiva não

há informantes portadores de informações que serão transformadas em conhecimento

por um especialista habilitado, há reflexão recíproca e constante a cerca da realidade, o

fenômeno se constitui e se transformar no processo de sua apreensão no tenso campo

dialógico estabelecido entre os sujeitos da pesquisa.

O escrever sobre o qual trata CARDOSO DE OLIVEIRA significa dar forma

textual para o conhecimento produzido e a experiência vivida no campo, etapa que

ocorre fora e após o trabalho de campo, porém completamente dependente dele. É o

momento de sistematizar a teoria vivida na experiência empírica, torná-la inteligível

evidenciando as condições de sua realização e seus limites. Essa comunicação, segundo

esse critério, configura-se em proto-escrita, pois toda forma durante o trabalho de

campo e sistematiza percepções e informações ainda não conclusivas com objetivo de,

ao trazê-las ao debate e a crítica, receber contribuições que permitam indicar as

correções e adequações necessárias para a pesquisa.

A seguir apresentarei o contexto das pesquisas antropológicas sobre mercados

populares no qual este trabalho está inscrito.

III. Os estudos antropológicos recentes sobre mercados populares e feiras livres nas

Ciências Sociais da UFPA

Desde os primeiros anos da década de 2000 é possível observarmos uma

produção sistemática de estudos etnográficos sobre mercados populares e feiras livres

na Amazônia, realizadas através da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade

Federal do Pará, FCS/UFPA. Os livros organizados por LEITÃO (2010) e

RODRIGUES et al (2014), que reuniram, respectivamente, trabalhos de onze e vinte e

três pesquisadores/as sobre o tema atestam a força dessa produção. Os artigos

publicados apresentam olhares antropológicos sobre as práticas sociais, os processos

identitários, a religiosidade, a circulação comercial, a reciprocidade, as sociabilidades,

as relações entre o rural e o urbano, em suma sobre a diversidade sociocultural

produzida e produtora de algumas das principais feiras da Capital paraense e de sua

realidade urbana. Essas publicações resultaram de dois projetos de pesquisas levados a

cabo na FCS/UFPA: “Ver-o-Peso, o cheiro, o gosto, a cor e o som: o mercado de Belém

em sentidos e misturas” coordenado pela professora Drª. Wilma Leitão entre 2007 e

2008; e “Mercados Populares em Belém: sociabilidades, práticas e identidades

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ribeirinhas em espaço urbano” coordenado pela professora Drª. Carmem Izabel

Rodrigues entre 2009 e 2011. Além desses livros foram produzidos diversos trabalhos

acadêmicos (monografias de conclusão de curso e dissertações de mestrado) no âmbito

dessa pesquisa, ou seja, essas pesquisas formaram cientistas sociais capazes de

problematizar esse aspecto da realidade econômica e urbana da Amazônia.

Atualmente diversos estudos antropológicos sobre feiras continuam sendo

realizada no através do Projeto de pesquisa Mercados Interculturais: linguagens,

práticas e identidades em contexto Amazônico, também coordenado pela professora Drª.

Carmem Izabel Rodrigues. Essa pesquisa, atenta aos resultados acumulados até o

momento nessa área de estudo, considera que nas feiras livres é possível encontrar

muito mais do que relações de compra e venda de produtos, esses espaços são marcados

por redes de sociabilidade, produção e reprodução de saberes e práticas econômicas e

culturais de caráter tradicional. A própria história da formação do território da cidade de

Belém se confunde com o desenvolvimento de seus mercados populares e feiras livres.

Desde o início da ocupação do espaço sócio-geográfico, a partir do rio que margeia o

continente, foram constituídas também as primeiras feiras da Cidade (MEDEIROS,

2010).

Os mercados populares e feiras livres, considerados dessa forma, são espaços

plurais, marcados por alteridades, conflitos e resistências. Seu conhecimento além de

ampliar a compreensão da cultura, da economia popular e das cidades na Amazônia,

favorece sua valorização e o fortalecimento de sua legitimidade institucional, sempre

tão questionada pelo Estado e por agentes do circuito superior da economia.

Para aprofunda os estudos sobre os mercados populares e feiras livres em

Belém, a pesquisa Mercados Populares realizou um survey entre setembro de 2014 a

junho de 2015, com aplicação de questionários com questões fechadas e abertas à uma

amostra de aproximadamente dez por cento dos feirantes de cinco feiras de Belém,

conforme a Tabela 1, abaixo:

Tabela 1: Quantidade de feirantes entrevistados em cada feira da pesquisa

Feira Feirantes entrevistados

Feira da 25 de Setembro 43

Feira do Guamá 70

Feira do Jurunas 51

Mercado de São Brás 51

Complexo do Ver-O-Peso 105

Total 320

7

Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens,

práticas e identidades em contexto amazônico/UFPA/IFCH.

Pesquisa de campo 2014/2015.

As entrevistas foram realizadas aos sábados pela manhã por um grupo de dez

pesquisadores distribuídos nos diferentes setores de cada feira. O questionário aplicado

é composto de cinquenta e seis perguntas, das quais dezessete eram categorizadas

(fechadas) e trinta e nove não categorizadas (abertas). As respostas abertas foram

categorizadas para efeitos de contagem, porém, serão objeto também de análises

qualitativas. Os dados quantitativos estão em fase de tratamento e análise estatísticas e

comporão o banco de dados do Projeto sobre o tema. Além do aspecto quantitativo,

foram realizadas observações diretas sobre a dinâmica daquelas feiras que, também,

serão sistematizados e farão parte dos resultados desse trabalho.

A definição dos mercados e feiras onde foi realizado o levantamento e a

quantidade de questionários aplicados levou em consideração as informações

demográficas a cerca desses espaços disponibilizados pela Prefeitura Municipal de

Belém (PMB), conforme o Quadro 1, abaixo:

Quadro 1: Informações demográfica sobre Mercados, Feiras e permissionários em Belém

– 2010 (edição do autor)

Feiras Municipais Permissionários

Total Cadastrados Sem cadastros

Acatauassu Nunes 48 0 48

Augusto Correa 39 0 39

Bandeira Branca 153 4 157

Barreiro 0 725 725

Batista Campos 91 0 91

Campina 0 55 55

Complexo Catalina 17 3 20

Cremação 143 0 143

Damasco (Cabanagem) 186 3 189

Entrocamento 164 90 254

Guamá (Mercado e Feira)* 683 --** 683

Jurunas (Mercado, Feira)* 461 --** 461

Maracajá (Mosqueiro) 8 4 12

Marambaia 57 5 62

Mosqueiro 29 4 33

Mundurucus 7 5 12

Oito de Maio (Icoaraci) 240 0 240

Outeiro 0 0 0

Panorama XXI 28 34 62

8

Parque União (Tapanã) 0 344 344

Pedreira 175 0 175

Porto da Feira do Açai 128 5 133

Porto da Palha 144 4 148

Porto do Açai 50 0 50

Porto de Icoaraci 0 38 38

Providencia 83 3 86

Sacramenta 19 3 22

Santa Luiza 35 0 35

São Brás (Mercado e complexo)* 403 --** 403

São Benedito 80 12 92

São Domingos 30 0 30

São Gaspar (Tapanã) 0 73 73

Tavares Bastos 181 0 181

Telegráfo 179 5 184

Teófilo Conduru 43 15 58

Ver-o-Peso 872 0 872

25 de Setembro 321 0 321

Total 3.550 1.434 4.984

Fonte: MEDEIROS (2010, p. 63) de acordo com dados da DCT; DFMP; SECON (2010)

Notas do autor:

* Feiras incluídas pelo autor. A SECON em seu registro informa que as mesmas não estão regularizadas

junto ao órgão Municipal e por isso não constam na relação.

** A SECON não disponibilizou o número de feirantes sem cadastro para feiras não regularizadas junto

ao órgão.

Os dados apresentados no Quadro 1 referem-se ao registro oficial da PMB sobre

as trinta e quatro Feiras Municipais regularizadas pela Secretaria Municipal de

Economia (SECON). Dessa forma, não figuram ali aquelas em que os feirantes não

estão cadastrados no órgão municipal como permissionários. Nessa condição estão:

- Feira Ariri Bolonha;

- Feira do Benguí (Rua Ajax de Oliveira);

- Feira do Guamá;

- Feira do Jurunas;

- Feira da São Clemente;

- Feira da Terra Firme.

Desse fato é possível entrever um conflito latente entre o poder público

municipal e essa forma de prática econômica. A legislação municipal sobre mercados

populares e feiras livres sugere a primazia da ação Estatal na constituição, organização,

manutenção e dissolução desses espaços. Conforme se verifica no texto do Decreto

Municipal Nº 26.579 de 14 de abril de 1994:

9

Art. 1º Considera-se “Feira Livre” o local previamente designado pela Administração Pública

Municipal, dotado de equipamentos padronizados, removíveis ou não, destinados às atividades

comerciais a nível de varejo, voltada para o abastecimento de gêneros alimentícios à população,

especialmente os de origem hortigranjeira.

(...)

Art. 3º Fica delegada ao Secretário Municipal de Economia competência para criar feiras livres,

localiza-las, suspender-lhe o funcionamento, remaneja-las e extingui-las, total ou parcialmente,

em atendimento ao interesse público e respeitadas as exigências higiênicas, viárias e urbanísticas

em geral.

Art. 4º As feiras livres têm caráter supletivo de abastecimento, e o seu dimensionamento,

remanejamento, suspensão, funcionamento, reclassificação ou extinção poderão ocorrer, a juízo

da Secretaria Municipal de Economia – SECON, quando os equipamentos abastecedores fixos,

existentes na sua área de influência, forem suficientes para atender o abastecimento da

população.

Art. 5º As feiras livres funcionarão em vias e logradouros públicos ou em terrenos de

propriedade municipal ou particular, especialmente abertos à população para tal finalidade, desde

que instalados e fiscalizados pela Secretaria Municipal de Economia – SECON.

(BELÉM, 1994)

Os três parágrafos iniciais do Decreto4 investe o Estado em um poder absoluto

sobre as feiras livres. Tal autoridade não é encontrada na maioria dos mercados de

Belém, organizados, inclusive, antes desse instrumento legal e à margem das exigências

citadas no Artigo 3º. Da mesma forma, o caráter supletivo do abastecimento previsto

para esse tipo de comércio é difícil de encontrar e mesmo de ser verificado. Por outro

lado, o trabalho de MEDEIROS (2010) ao apontar para a trajetória de formação dos

mercados na cidade de Belém evidencia o protagonismo dos feirantes na constituição,

organização e manutenção desses espaços de diversidade na Cidade. A pesquisadora

paulista SATO (2007) contribui com esse debate ao apontar que a origem histórica das

práticas sociais que receberiam o nome de feiras livres remonta à Europa do Século IX e

cumpriam a função de suprir as populações locais com gêneros de primeira necessidade.

O recente estudo de MEDEIROS sobre as feiras livres em Belém, identificou que as

mesmas foram formadas na imbricação entre a economia comercial, a formação da

sociedade local e a constituição do espaço colonial na Amazônia, ocorridos durante o

Século XIX. Dessa forma, é necessário considerar quais as possíveis implicações

decorrentes da institucionalização legal centrada no poder Executivo, para os Mercados

e Feiras da Cidade.

Esse conflito entre o Estado e a Feira (ou entre o formal e o informal) se

manifesta, principalmente, nas intervenções promovidas pelo poder público sobre os

4 Ressalto que o ordenamento de mercados e feiras realizado por Decreto já é em si problemático, pois,

para seu estabelecimento como ato normativo não houve participação do Poder Legislativo, ou qualquer

outra representação da sociedade, além do próprio poder Executivo.

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mercados. Fiscalizações, proibições, cobrança de taxas, medidas sanitárias restritivas,

reformas e controle do uso do espaço são tentativas de modernização, normatização e

padronização das feiras. À algumas delas os feirantes resistem cotidianamente,

vendendo a permissão de uso (legalmente exclusivo da PMB), modificando o espaço,

introduzindo a venda de novas mercadorias, criando associações, enfim, buscando

formas de permanecer. As pesquisas sobre mercados populares e feiras livres em Belém

são realizadas nesse contexto tenso entre a norma e a prática e suas consequências,

como a falta de sistematização de informações, ou a falta de interesse em disponibiliza-

las, por parte da Prefeitura.

IV. A Feira da 25 de Setembro em Belém: elementos preliminares para uma descrição

do campo de pesquisa

A feira da 25 de Setembro recentemente foi palco de pesquisa levada a cabo por

SOUSA (2014), no âmbito do projeto Mercados Populares em Belém: sociabilidades,

práticas e identidades ribeirinhas em espaço urbano, com objetivo de mapear as relações

sociais naquele espaço através da análise dos atos de sociabilidade entre seus atores

sociais. Esse autor estudou as interações entre moradores do entorno da feira e feirantes,

evidenciando a influência recíproca entre esses atores na organização de suas práticas

sociais e na reprodução de saberes. Tomando esse trabalho e dos dados produzidos pelo

Projeto de pesquisa Mercados Interculturais por referência, proponho a seguir uma

breve descrição física da Feira da 25 de Setembro, tal como segue.

Essa feira, situada no limite entre os bairros de São Brás, Fátima e do Marco,

ocupa integralmente o canteiro central da Avenida Rômulo Mairana5, a partir do

cruzamento dessa via com a Travessa Jutaí e se estende até o seu cruzamento com a

Travessa Antonio Baena (sentido São Brás – Marco). Segundo conversas com algumas

feirantes que trabalham nesse espaço desde sua origem a 25 de Setembro surgiu na

década de 1970, quando a Prefeitura remanejou vendedores ambulantes que

circundavam o mercado de São Brás, a Praça do Operário e a Associação Berço de

Belém para o canteiro central da Avenida que deu nome a feira.

5 A designação feira da 25 de setembro, fazia menção ao nome do logradouro onde a feira está situada.

Até 2010 a Avenida dessa feira chamava-se 25 de Setembro, a partir daquele ano, por lei municipal,

passou a se chamar Rômulo Maiorana. A alteração do nome da via não provocou alteração no nome da

feira.

11

Inicialmente contava com estrutura física precária, as mercadorias eram

comercializadas em barracas e tabuleiros de madeiras sobre a calçada. Naquele período,

a feira era conhecida, entre outros aspectos, por ser um local muito sujo, o que afastava

seus consumidores (SOUSA, 2014). Tal fato era agravado por sua localização, o

cruzamento da Travessa Jutaí com a Avenida Rômulo Maiorana, onde essa feira

começa, forma um fundo de vale saneado apenas na década de 1990. Dessa forma, a

falta de estruturas dos equipamentos, a precariedade da limpeza urbana e a lama que se

formava próximo a feira foram algumas das dificuldades de sua trajetória.

O espaço físico da Feira da 25 de Setembro foi revitalizado na última década

pela PMB, passando a contar com edificações em alvenaria e concreto, além de um teto

de duas águas coberto com telhas de alumínio pintado que cobre toda a feira, como

mostra a Figura 1, a seguir:

Figura 1: Imagem da elevação frontal da Feira da 25 de Setembro.

Fonte: SECON/2015

Em entrevista realizada com um dos fiscais da SECON nessa Feira foi descrita a

organização interna da mesma em dois setores distintos, denominados Áreas. Cada área

comporta diferentes setores, caracterizados pelo produto comercializado. A Feira da 25

de Setembro tem onze setores. A área I tem início no cruzamento da Av. Rômulo

Maiorana com a Tv. Jutaí e vai até o cruzamento daquela avenida com a Tv. das Mercês

(sentido São Brás – Marco). A Figura 2 apresenta a distribuição dos equipamentos na a

área I:

12

Figura 2: Planta baixa da Área I da Feira da 25 de Setembro com a distribuição de seus

equipamentos

Fonte: SECON/2015.

A área II tem início no cruzamento da Av. Rômulo Maiorana com a Tv. das

Mercês e vai até o cruzamento daquela avenida com a Tv. Antonio Baena (sentido São

Brás – Marco). A Figura 3 apresenta a distribuição dos equipamentos na a área II:

Figura 3: Planta baixa da Área II da Feira da 25 de Setembro com a distribuição de

seus equipamentos

Fonte: SECON/2015

Com a reforma além da melhoria na estrutura física houve a padronização do

espaço interno na feira com a definição de medidas específicas para cada equipamento e

a distância entre eles. As duas plantas mostradas acima ilustram a proporcionalidade e o

paralelismo que caracteriza a disposição das edificações da Feira da 25 de Setembro.

Dividindo a Área I ao meio está o espaço da Administração da Feira, uma edificação

cilíndrica com salas individuais também utilizadas por agentes da limpeza pública.

Nesse local há, ainda, dois banheiros públicos.

13

Ainda de acordo com o que foi apresentado pelo fiscal da SECON, os

equipamentos e espaços utilizados pelos feirantes, são distribuídos dentro de cada área,

entre Box e Lojas, de acordo com a seguinte descrição6:

a) Box: Unidade individual de equipamento disponível nessa feira. Pode ser

caracterizado por constituir-se de quatro paredes baixas e balcão de alvenaria não

coberto. Tem tamanho variado e características específicas para cada setor. Em alguns

setores a partir do balcão há grades que fecham o Box. De acordo com aquele

interlocutor o tamanho dos boxes varia entre as duas Áreas da Feira e de acordo com a

mercadoria comercializada, tal como relacionado nos Quadro 2 (Área I) e 3 (Área II),

abaixo:

Quadro 2: Tamanho dos boxes segundo os setores da Área I da feira da 25

Setor/Mercadoria Tamanho do Box (metros)

Pescado 2X2

Refeição 2X2

Caranguejo 1,0X0,70

Hortifrutigranjeiro 1,60X1,20

Industrializados 2X2

Mercearia 2X1,50

Camarão 2X1,30

Farinha 2X1,50 Fonte: Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens, práticas e

identidades em contexto Amazônico (IFCH/UFPA, 2014)

Quadro 3: Tamanho dos boxes segundo os setores da Área II da feira da 25

Setor/Mercadoria Tamanho do Box (metros)

Marisco 2X1,5

Refeição 2X3

Hortifrutigranjeiro 1,60X1,20 Fonte: Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens, práticas e

identidades em contexto Amazônico (IFCH/UFPA, 2014)

b) Loja: Unidade individual de equipamento presente apenas na Área II dessa

Feira. Distingui-se do Box por sua construção: espaços fechados por paredes altas e

telhado com porta frontal metálica enrolar. De acordo com o fiscal da PMB o tamanho

das Lojas na Feira foi padronizado em 3X4 metros.

A demografia da Feira da 25 de Setembro e dos demais Mercados Populares esta

sujeito a variações particulares a esse meio. A busca pela definição exata do número de

feirantes é tarefa complexa até para o poder público, dadas as negociações e

6 Informações produzidas a partir de pesquisa de campo do Projeto Mercados Interculturais: linguagens,

práticas e identidades em contexto Amazônico, mencionadas com autorização de sua coordenadora.

14

modificações informais diárias na dinâmica promovidas pelos feirantes. Os trabalhos de

MEDEIROS (2010) e SOUSA (2014), por exemplo, apresentaram dados não

convergentes sobre a quantidade de permissionários na Feira da 25 de Setembro, apesar

de mencionarem a mesma fonte: SECON (2010). O trabalho de MEDEIROS aponta 321

feirantes cadastrados trabalhando na feira, enquanto SOUSA (2014, pag. 128)

identificou 415 permissionários.

Optei por trabalhar, nesta comunicação, com a contagem realizada pelo fiscal

que entrevistei, posto que o mesmo foi capaz de distribuir os permissionários da Feira

nas Áreas e setores onde atuam, o que favorece a identificação da densidade necessária

de feirantes para a comercialização de diferentes produtos. É apresentada a seguir a

distribuição de permissionários segundo o sexo e a isenção da taxa de permissão, que

indica a quantidade de feirantes com mais de 65 anos de idade, nas Área I, Quadro 4, e

Área II, Quadro 5.

Quadro 4: Permissionários segundo setores, sexo e isenção da taxa de permissão na Área I

da Feira da 25 de Setembro

Setores Box Permissionários* Homens Mulheres Isentos

Caranguejo 12 8 7 1 2

Pescado 8 5 5 - -

Refeições 51 37 7 30 9

Hortifrutigranjeiros 100 49 25 24 17

Industrializados 25 18 11 7 10

Mercearia 48 21 10 11 12

Camarão 22 14 14 - 1

Farinha 66 34 26 8 10

Total 332 186 105 81 61 Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades em

contexto amazônico (UFPA/IFCH, 2014). Pesquisa de campo 2014/2015.

Notas do autor:

* Excluídos os isentos.

Quadro 5: Permissionários segundo setores, sexo e isenção da taxa de permissão na Área

II da Feira da 25 de Setembro

Setores Box Permissionários* Homens Mulheres Isentos

Refeição 6 5 1 4 -

Hortifrutigranjeiros 20 12 5 7 3

Área de Mariscos 16 9 5 4 2

Total 42 26 11 15 5 Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades em

contexto amazônico (UFPA/IFCH, 2014). Pesquisa de campo 2014/2015.

Notas do autor:

* Excluídos os isentos.

15

Na Área II há também o setor de Lojas, que conta com 48 equipamentos e 42

permissionários, dos quais 23 são homens e 19 são mulheres, além de 12 isentos. Nesse

setor são comercializados os seguintes produtos: açai, maniçoba, tucupi, pato, queijo,

plantas ornamentais, calçados, móveis, utilidades domésticas (reparo para fogões,

borrachas em geral), carvão, churrasqueira, hortifrutigranjeiros (tomate, cebola, alface,

couve, jambu, frutas) e serviços de costura e reparo em roupas.

Segundo o levantamento do interlocutor que mencionei a Feira da 25 de

Setembro dispõe de 422 equipamentos entre Box e Lojas ocupados por 320

permissionários, em sua maioria homens 116, contra 96 mulheres e 66 isentos sobre os

quais não foi informado o sexo. Considero expressivo o número de feirantes com mais

de 65 anos concentrados nos setores de hortifrutigranjeiros, mercearia, industrializados

e farinha. Na survey da pesquisa, que observou uma amostra de aproximadamente 10%

dos permissionários (43 entrevistas), identificamos 8 permissionários com mais de 60

anos de idade e mais de 30 na Feira, conforme Tabela 1, a seguir. Considerando que o

conhecimento operado pelos feirantes se reproduz nesse espaço a permanência dos

sujeitos na feira é um dado que aponta para a forma de sua reprodução.

Tabela 1: Tempo de trabalho na Feira da 25 de Setembro segundo a faixa etária dos feirantes

Faixa etária Tempo de trabalho (em anos) na Feira da 25 de Setembro

Total Menos de 1 ano De 1 a 10 De 11 a 20 De 21 a 30 Mais de 30

De 15 a 25 2 0 0 0 0 2

De 26 a 45 1 7 4 2 1 15

De 46 a 60 0 1 3 7 5 16

Mais de 60 0 0 1 2 5 8

Não respondeu 0 1 0 1 0 2

Total 3 9 8 12 11 43

Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades em contexto

amazônico (UFPA/IFCH, 2014). Pesquisa de campo 2014/2015.

V. À guisa de considerações finais

A pesquisa etnográfica é caracterizada, acima de tudo, por ser qualitativa.

Dados quantitativos e análises estatísticas não são comuns nesse tipo de pesquisa.

Todavia, desde Malinowisk é conhecida importância de relacionar, classificar e

quantificar os elementos dos grupos onde estudamos, sem pretensões de encontrar nos

números as chaves para o entendimento dos fenômenos que estudamos, é necessário

16

considerar que a descrição do espacial, física, demográfica e institucional do espaço

onde se encontra a população observada faz parte da etnografia.

Assim, os dados apresentados aqui fazem parte do esforço de descrever, da

forma mais completa possível, a Feira da 25 de Setembro a fim de que seja possível

estabelecer as conexões possíveis entre o fenômeno estudado e as características gerais

do espaço onde ocorra. Colocando de outra forma, considero importante conhecer as

condições gerais em que o “fiado” acontece, ou seja, se é mais frequente entre homens

ou mulheres, que trabalham em que setores ou com que mercadorias, de qual faixa

etária, com quanto tempo de feira.

Para avançar na descrição iniciada nas seções anteriores apresentarei mais

quatro tabelas com resultados preliminares do survey, que indicam algumas

características gerais da feira estudada.

Tabela 2: Feirantes entrevistados segundo a faixa etária e o sexo

Faixa etária Sexo

Total Masculino Feminino

De 15 a 25 2 0 2

De 26 a 45 9 6 15

De 46 a 60 8 8 16

Mais de 60 5 3 8

Não respondeu 2 0 2

Total 26 17 43

Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais:

linguagens, práticas e identidades em contexto

amazônico (UFPA/IFCH, 2014). Pesquisa de campo

2014/2015.

Tabela 3: Feirantes entrevistados segundo o sexo e a quantidade de equipamentos

Sexo Quantos equipamentos possui

Total 1 2 3 4

Masculino 10 10 5 1 26

Feminino 5 8 3 1 17

Total 15 18 8 2 43

Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens,

práticas e identidades em contexto amazônico (UFPA/IFCH, 2014).

Pesquisa de campo 2014/2015.

Tabela 4: Feirantes entrevistados segundo o sexo e a quantidade de pessoas com quem

trabalha

Sexo Quantas pessoas trabalham com você

Total 0 1 2 3 4 6

Masculino 11 3 7 4 0 1 26

Feminino 6 1 4 5 1 0 17

Total 17 4 11 9 1 1 43

Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades em

contexto amazônico (UFPA/IFCH, 2014). Pesquisa de campo 2014/2015.

17

Tabela 5: Feirantes entrevistados segundo o sexo e o tipo de relação que mantém com as

pessoas com quem trabalha

Sexo Relação com as pessoas que trabalham com você

Total Parente Amigo Não se aplica Não respondeu

Masculino 10 3 12 1 26

Feminino 9 2 6 0 17

Total 19 5 18 1 43

Fonte: Projeto de Pesquisa Mercados Interculturais: linguagens, práticas e identidades

em contexto amazônico (UFPA/IFCH, 2014). Pesquisa de campo 2014/2015.

A observação atenta desses dados permite delinear algumas características

relevantes dos trabalhadores da Feira da 25 de Setembro, que em sua maioria estão

entre 26 e 60 anos com baixa concentração per capta de equipamentos, a maioria dos

entrevistados tem permissão de uso para 2 equipamentos, o que pode influenciar na

quantidade total de permissionários. Outro dado interessante é que, na maioria das

vezes, um permissionário emprega outros feirantes, dessa forma, é sempre importante

tem em mente que o número de pessoas autorizadas a utilizar um equipamento em

uma feira não será o mesmo da quantidade de pessoas que trabalham naquela feira. Por

fim, na Tabela 5 observa-se um dado de muito interesse para a antropologia e para o

conhecimento da reprodução dos saberes nas feiras livres. A maioria dos

permissionários trabalha com parentes, ou seja, o uso, a manutenção, a transmissão e o

acesso dos equipamentos nesses espaços são fortemente marcados por relações de

parentesco. Da mesma forma, os conhecimentos necessários ao trabalho na feira

também são aprendidos e ensinados entre parentes.

Essa brevíssima leitura de alguns dados estatísticos utilizados para descrever

elementos presentes campo de pesquisa indica seu potencial para o estudo proposto.

18

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