9
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007 135 Coroidite toxoplásmica unilateral. Apoptose retiniana com migração de células pigmentares Unilateral toxoplasmic choroiditis. Retinal apoptosis with pigment-containing cells migration RELATOS DE CASOS CARLOS OSWALDO DEGRAZIA – Ex-Pro- fessor Adjunto de Patologia. Medicina da UFRGS. Professor convidado para orientação em pesquisa em histologia normal e patológica do globo ocular, no Centro de Pesquisa e Pós- Graduação Heitor Cirne Lima, da FFFCMPA. LÍGIA M. BARBOSA COUTINHO – Pro- fessora Emérita da FFFCMPA. Neuropato- logista do CPPG; Disciplina de Patologia da FFFCMPA. JOSÉ EDUARDO CANDAL DEGRAZIA – Oftalmologista. Perito da Secretaria de Administração do Estado do Rio Grande do Sul. NELSON TELICHEVISKI – Oftalmologis- ta. Responsável Técnico da Equipe de Oftal- mologia do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre; Médico Auditor da UNIMED Porto Alegre. DANIEL FIGUEIRÓ DEGRAZIA – Estu- dante de Medicina da Universidade Católica de Pelotas. Laboratório de Pesquisas em Patologia do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação Hei- tor Cirne Lima, da Fundação Faculdade Fe- deral de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA). Endereço para correspondência: Carlos Oswaldo Degrazia Rua Coroados 790 91900-850 – Porto Alegre – RS, Brasil (51) 3268-9729 [email protected] Recebido: 22/12/2006 – Aprovado: 17/7/2007 RESUMO No relato de um caso de toxoplasmose, com as lesões secundárias, os autores mostram como devem ser entendidos os achados anatomopatológicos. Em face do avanço da tecno- logia e do infindável número de trabalhos correlatos, é importante detalhar o significado de cada alteração nos diversos segmentos das membranas oculares. Essa é a razão da valoriza- ção das técnicas clássicas de rotina e do destaque dado às seguintes partes: 1 – A clínica – 2 – a macroscopia, mostrando a gravidade da inflamação ocular. 3 – A microscopia com as etapas para o diagnóstico etiológico, nas quais se procuram correlacionar os achados dos corantes de rotina – HE, azul de toluidina e tricrômico – com as reações específicas imuno- histoquímicas para toxoplasma. 4 – Imagens que visam a separar a inflamação da coróide, do processo degenerativo secundário da retina, a apoptose. 5 – Degeneração cistóide da retina e evidência, anatomopatológica, de apoptose retiniana e migração de células do epitélio pigmentar para a retina. 6 – Comentários sobre os significados da retinopatia pigmentar, da retinite pigmentosa e da apoptose. UNITERMOS: Apoptose, Toxoplasmose, Retinopatia Pigmentar Unilateral, Migração de Células do Epitélio Pigmentar da Retina. ABSTRACT In a report of a toxoplasmosis case with secondary lesions, the authors show how the anatomopathologic findings should be understood. In face of the technological improve- ments and the great number of related works it is important to specify the meaning of each change in ocular membranes. This is the reason for valorization of the classical laboratory practice and the distinction given to the following parts: 1 – The clinic. 2 – Macroscopy showing the graveness of the ocular inflammation. 3 – Microscopy with the stages for etiological diagnosis, in which the authors try to correlate the findings of the routine procedure stains – HE, toluidine blue and trichromic – with the specific immunohistoche- mical reactions for toxoplasm. 4 – Images that aim at separating clearly the inflammation of the choroid, from the secondary degenerative process of retina, the apoptosis. 5 – Retinal cystoid degeneration and anatomopathologic evidence of retinal apoptosis, and migration of pigment epithelial cells to retina. 6 – Comments on the meaning of pigmentary retinopa- thy, retinitis pigmentosa and apoptosis. KEYWORDS: Apoptosis Toxoploasmosis, Unilateral Pigmentary Retinophaty, Migrati- on of Retinal Pigment Epithelial Cells. I NTRODUÇÃO O presente trabalho procura defi- nir a posição do patologista num labo- ratório de rotina diagnóstica, em fren- te à variada e importante carga tecno- lógica agregada à patologia nos últimos anos. Essa é a razão pela qual escolhe- mos um caso da rotina do Laboratório de Patologia Ocular, correspondendo a um caso clínico-cirúrgico, não se tratando, portanto, de um estudo esta- tístico, nem da validação de uma de- terminada técnica. Em pesquisas des- se tipo, são necessários vários casos. Mas, apesar de não termos uma con- firmação estatística, e justamente por isso, são feitas reflexões sobre as di- versas alterações encontradas. O mé- dico e seu paciente devem ser esclare- cidos sobre o diagnóstico, muitas ve- zes com muita urgência. Daí a neces- sidade de serem valorizados os mé- todos rotineiros da morfologia clás- sica, deixando-se de lado, o quanto possível, técnicas auxiliares, como a imuno-histoquímica. Em cada caso, são múltiplos os aspectos anatomo- patológicos encontrados, e cada um deles tem sido motivo de inúmeras pesquisas. É o que mostra o relato deste caso, onde, somente no item retinopatia pigmentar, o acesso, na internete, de retinal pigment epithe- lial cell migration, revela grande número de itens. 11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03 135

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007 135

Coroidite toxoplásmica unilateral. Apoptoseretiniana com migração de células pigmentares

Unilateral toxoplasmic choroiditis. Retinalapoptosis with pigment-containing cells migration

RELATOS DE CASOS

CARLOS OSWALDO DEGRAZIA – Ex-Pro-fessor Adjunto de Patologia. Medicina daUFRGS. Professor convidado para orientaçãoem pesquisa em histologia normal e patológicado globo ocular, no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação Heitor Cirne Lima, da FFFCMPA.LÍGIA M. BARBOSA COUTINHO – Pro-fessora Emérita da FFFCMPA. Neuropato-logista do CPPG; Disciplina de Patologia daFFFCMPA.JOSÉ EDUARDO CANDAL DEGRAZIA– Oftalmologista. Perito da Secretaria deAdministração do Estado do Rio Grandedo Sul.NELSON TELICHEVISKI – Oftalmologis-ta. Responsável Técnico da Equipe de Oftal-mologia do Hospital de Pronto Socorro dePorto Alegre; Médico Auditor da UNIMEDPorto Alegre.DANIEL FIGUEIRÓ DEGRAZIA – Estu-dante de Medicina da Universidade Católicade Pelotas.

Laboratório de Pesquisas em Patologia doInstituto de Pesquisa e Pós-Graduação Hei-tor Cirne Lima, da Fundação Faculdade Fe-deral de Ciências Médicas de Porto Alegre(FFFCMPA).

� Endereço para correspondência:Carlos Oswaldo DegraziaRua Coroados 79091900-850 – Porto Alegre – RS, Brasil� (51) [email protected]

Recebido: 22/12/2006 – Aprovado: 17/7/2007

RESUMO

No relato de um caso de toxoplasmose, com as lesões secundárias, os autores mostramcomo devem ser entendidos os achados anatomopatológicos. Em face do avanço da tecno-logia e do infindável número de trabalhos correlatos, é importante detalhar o significado decada alteração nos diversos segmentos das membranas oculares. Essa é a razão da valoriza-ção das técnicas clássicas de rotina e do destaque dado às seguintes partes: 1 – A clínica –2 – a macroscopia, mostrando a gravidade da inflamação ocular. 3 – A microscopia com asetapas para o diagnóstico etiológico, nas quais se procuram correlacionar os achados doscorantes de rotina – HE, azul de toluidina e tricrômico – com as reações específicas imuno-histoquímicas para toxoplasma. 4 – Imagens que visam a separar a inflamação da coróide,do processo degenerativo secundário da retina, a apoptose. 5 – Degeneração cistóide daretina e evidência, anatomopatológica, de apoptose retiniana e migração de células doepitélio pigmentar para a retina. 6 – Comentários sobre os significados da retinopatiapigmentar, da retinite pigmentosa e da apoptose.

UNITERMOS: Apoptose, Toxoplasmose, Retinopatia Pigmentar Unilateral, Migraçãode Células do Epitélio Pigmentar da Retina.

ABSTRACT

In a report of a toxoplasmosis case with secondary lesions, the authors show how theanatomopathologic findings should be understood. In face of the technological improve-ments and the great number of related works it is important to specify the meaning of eachchange in ocular membranes. This is the reason for valorization of the classical laboratorypractice and the distinction given to the following parts: 1 – The clinic. 2 – Macroscopyshowing the graveness of the ocular inflammation. 3 – Microscopy with the stages foretiological diagnosis, in which the authors try to correlate the findings of the routineprocedure stains – HE, toluidine blue and trichromic – with the specific immunohistoche-mical reactions for toxoplasm. 4 – Images that aim at separating clearly the inflammationof the choroid, from the secondary degenerative process of retina, the apoptosis. 5 – Retinalcystoid degeneration and anatomopathologic evidence of retinal apoptosis, and migrationof pigment epithelial cells to retina. 6 – Comments on the meaning of pigmentary retinopa-thy, retinitis pigmentosa and apoptosis.

KEYWORDS: Apoptosis Toxoploasmosis, Unilateral Pigmentary Retinophaty, Migrati-on of Retinal Pigment Epithelial Cells.

I NTRODUÇÃO

O presente trabalho procura defi-nir a posição do patologista num labo-ratório de rotina diagnóstica, em fren-te à variada e importante carga tecno-lógica agregada à patologia nos últimos

anos. Essa é a razão pela qual escolhe-mos um caso da rotina do Laboratóriode Patologia Ocular, correspondendoa um caso clínico-cirúrgico, não setratando, portanto, de um estudo esta-tístico, nem da validação de uma de-terminada técnica. Em pesquisas des-

se tipo, são necessários vários casos.Mas, apesar de não termos uma con-firmação estatística, e justamente porisso, são feitas reflexões sobre as di-versas alterações encontradas. O mé-dico e seu paciente devem ser esclare-cidos sobre o diagnóstico, muitas ve-zes com muita urgência. Daí a neces-sidade de serem valorizados os mé-todos rotineiros da morfologia clás-sica, deixando-se de lado, o quantopossível, técnicas auxiliares, como aimuno-histoquímica. Em cada caso,são múltiplos os aspectos anatomo-patológicos encontrados, e cada umdeles tem sido motivo de inúmeraspesquisas. É o que mostra o relatodeste caso, onde, somente no itemretinopatia pigmentar, o acesso, nainternete, de retinal pigment epithe-lial cell migration, revela grandenúmero de itens.

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03135

Page 2: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

136 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007

imunológicas foram encontrados pou-cos aglomerados de bradizoitos, espar-sos ou aglomerados, e nesses não seobservaram as cápsulas, contrastandocom a intensa reação inflamatória daúvea. Em um dos aglomerados, comomostra a Figura 2C, nota-se um res-quício de cápsula. Contrastando coma úvea, a retina apresenta acentuadosaspectos degenerativos, onde se vêem,ao lado de células em apoptose, outrasapresentando estrutura conservada. Háextensas áreas em degeneração cistói-de (retinose). Para a retina, há migra-ção de células do epitélio pigmentar e,em algumas áreas, moderado infiltra-do inflamatório.

C OMENTÁRIOS

É saliente, no presente caso, a in-tensa reação inflamatória da úvea e dossegmentos anteriores do olho, incluindoo vítreo retrocristaliniano. A macrosco-pia revela a severidade do processo, como descolamento regmatogênico da reti-na, e os extensos exsudatos.

Em face dos diversos aspectos en-contrados, cada um deles com grandesignificado patogênico, consideramosimpositiva sua apresentação em sec-ções separadas. Assim, abordamos,primeiro, a toxoplasmose, seguindo-seconsiderações sobre os vários aspec-tos da morte celular, a qual, até algu-mas décadas anteriores, ficava restritaao campo da anatomia patológica. Comos estudos sobre apoptose e seu signi-ficado, abriu-se um vasto campo nasciências biológicas. Em seguimento,apresentamos os aspectos da migra-ção de células pigmentares para a reti-na e o vítreo, manifestando-se comouma retinopatia pigmentar, suscetívelde confusão com a doença genética, aretinite pigmentosa. Tratando-se de umachado anatomopatológico em um la-boratório de rotina diagnóstica, tornou-se impossível uma tentativa de deter-minação da variedade ou subtipo dotoxoplasma envolvido, ou pesquisa deoutros elementos infectantes.

Enfatizamos a necessidade de umconstante esforço para um aprimo-ramento anatomoclínico, porquanto

termos usados em oftalmologia, po-dem não ter correspondência, ou serpouco entendidos, em anatomia pa-tológica.

T OXOPLASMOSE

A toxoplasmose é uma zoonose deampla distribuição na população mun-dial, tendo taxas de soroprevalência quevariam de 15 a 85%. A doença é cau-sada pelo coccídeo Toxoplasma gon-dii, protozoário parasita intracelularobrigatório de animais de sangue quen-te, infectando mamíferos e aves (1),(2). Em numerosas pesquisas, varie-dades de toxoplasma têm sido isoladas– tipos I, II, III, e outros – e tentativastêm sido feitas para correlacionar o tipode parasita com o quadro clínico apre-sentado pelos pacientes.

A toxoplasmose foi considerada tra-dicionalmente como uma doença con-gênita, sendo as lesões no adulto inter-pretadas como recorrências da lesãoinicial (3). Novos trabalhos, a partir dosanos 80, têm trazido evidências de quea doença adquirida é causa de grandenúmero de casos, como os demons-trados no Sul do Brasil (4.)

A uveíte toxoplásmica causa alte-rações da acuidade visual, olho verme-lho, desconforto e dor; os achados maisimportantes são os precipitados cerá-ticos, células no humor aquoso, preci-pitados vítreos, e a lesão de retinoco-roidite (5). A lesão típica atinge a reti-na e posteriormente a coróide e a es-clera, consistindo numa reação granu-lomatosa necrotizante (6). Inúmerostrabalhos mais recentes têm demons-trado que lesões atípicas podem ocor-rer, como ciclite heterocrômica deFuchs e alterações que simulam a reti-nose pigmentar (7), (8), vasculites,vitreítes e outras (9).

A POPTOSE, NECROSE,NECROBIOSE

A morte das células resulta, no mí-nimo, de três mecanismos: necrose,necrobiose/apoptose, autólise, sendodistintos os aspectos microscópicos.

R ELATO DO CASO

HISTÓRIA CLÍNICA: mulher bran-ca, com 64 anos de idade, recebida noServiço de Emergência do HospitalBanco de Olhos de Porto Alegre, coma seguinte história: há seis meses co-meçou a ter diminuição da visão noolho direito, chegando à amaurose. Háalguns anos relata traumatismo nomesmo olho. Irmão teve olho enuclea-do por tumor. Apresenta-se com olhoamaurótico, dolorido, trazendo sofri-mento à paciente. A opacificação demeios, com vascularização, o olho de-sorganizado não permitindo afastardoenças como neoplasias, a amaurosee o sofrimento, justificaram a indica-ção de enucleação.

ECOGRAFIA: Vítreo organizado edescolamento retiniano.

TESTES IMUNOLÓGICOS: Nãoconstam no protocolo. Devido à gra-vidade do quadro clínico, não foramrealizados testes laboratoriais no aten-dimento prestado à paciente.

EXAME ANATOMOPATOLÓGICO:Macroscopia: Globo ocular com as

seguintes dimensões: ântero-posterior:23mm. Equatorial: 22mm. Superfícieexterna com discretas sufusões he-morrágicas. Córnea ligeiramente trans-parente deixa ver massa opacificada nacâmara anterior (câmara anterior plás-tica). Vítreo coagulado, opalescente.Descolamento regmatógeno da retina,no sentido do pólo posterior até a oraserrata. Úvea, no pólo posterior, es-pessada e de cor parda clara. Exsuda-to com áreas organizadas e membra-náceas.

Microscopia: Úvea túrgida comespessura bem maior do que a normal.Uveíte caracterizada por intenso infil-trado monocitário. Há descolamentosda úvea e da retina, comprovados pe-los exsudatos. A coloração, pelo azulde toluidina e pela hematoxilina-eosi-na, revela corpúsculos dentro de his-tiócitos, que tomam fortemente os co-rantes básicos, sendo impossível dis-tingui-los de partes do núcleo. Corpús-culos semelhantes responderam posi-tivamente à reação específica para to-xoplasma. Com essas contraprovas

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03136

Page 3: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007 137

Figura 1 – A – Globo cortado no sentido ântero-posterior, com duas calotas e anel central. Nota-se a retina descolada, oextenso exsudato sub-retiniano, cristalino excêntrico e câmara anterior preenchida por exsudato. B – HE. Pequeno aumento.Objetiva 20x Ocular 2,5x. A figura assinala a coróide descolada pelo intenso infiltrado inflamatório, e os exsudatos sub-coroidiano e sub-retiniano. No canto inferior direito está a esclera; logo acima o exsudato subuveal, indicando descolamentoda úvea; segue-se a úvea densamente infiltrada por reação inflamatória monocitária; a seguir o epitélio pigmentar e, logoapós, o exsudato sub-retiniano, indicando o descolamento da retina, que não é visível no corte. C – Azul de toluidina. Objetiva100. Ocular 2,5. A flecha assinala dois corpúsculos densamente corados em azul. No encarte, usando-se um comando doscanner – a inversão –, que funciona como um filme negativo, sua densidade contrasta com a do núcleo do histiócito. D – HE.Objetiva 100x, Ocular 2,5x. Um corpúsculo hematoxilínico fagocitado por um monócito. Ampliação no encarte E – O mesmocorpúsculo visto com filtro do scanner, como imagem negativa. No encarte da figura E, monócitos estão fagocitando corpús-culos com reação imunopositiva para toxoplasma (bradizoítos). Reação pelo AEC (3-Amino-9-Ethil-Carbazole).

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03137

Page 4: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

138 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007

Figura 2 – A – Vista, em pequeno aumento, mostrando aglomerados de bradizoítos positivos (cabeça de flecha). Reativo: 3-Amino-9-Ethyl-Carbazole (AEC). B – Ampliação da figura A mostrando os aglomerados de bradizoítos fortemente positivos(cabeça de flecha). No encarte, maior ampliação da parte inferior do aglomerado. C – Grande cisto rompido, situado na úvea,e estruturas imunopositivas (flechas), sofrendo ação lítica dos monócitos (cabeça de flecha). Há restos da membrana comoindica a flecha em preto. Aumento: Objetiva 100x, Oc. 2,5x. Tamanho do cisto: aproximadamente 40 micra. Imunohistoquími-ca positiva para toxoplasma. REATIVO: Diamino Benzidina (DAB). Corante marrom. D – Tricrômico de Goldman. Cistosemelhante com numerosos elementos em torno compatíveis com bradizoítos. Esses achados devem ser tomados comoindícios de toxoplasmose, impondo-se a reação Imunohistoquímica específica. Comparar com a figura ao lado (E), na quala reação Imunohistoquímica (AEC) revelou inúmeros bradizoítos positivos, assinalados com as flechas. A cabeça de flechaindica um monócito fagocitando um bradizoíto. – Objetiva 100x. Ocular 2,5. Ampliação aproximada 2600 pixels. Reação: 3-Amino – Ethyl – Carbazole (AEC). F – A superfície interna da retina, no pólo posterior, é atapetada, em larga extensão, porprojeções, como mostra a foto, constituídas por uma ganga de monócitos, "debris" e formações fibrilares coagulativas deprovável origem vítrea. As flechas indicam a membrana limitante interna, da retina. Impregnação pela prata (W.F.). G – Emuma dessas projeções inflamatórias,vê-se um cisto fortemente positivo (AEC). Comparar seu tamanho com o tamanho dosmonócitos em torno.

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03138

Page 5: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007 139

Figura 3 – A – Observam-se células emfases diferentes de apoptose. A flechae a cabeça de flecha mostram célulasem cromatólise, marginação cromáti-ca e fragmentação nuclear. Esses as-pectos estão ampliados em B. A flechadupla engloba um grupo de células dagranulosa interna – que são neurôniosbipolares –, formando massas de cres-cimento, numa tentativa de restabele-cimento da homeostasia tecidual. A fle-cha dupla curva indica, no canto direitoinferior, a camada granulosa externa; ooutro braço indica a camada granulosainterna, desorganizando-se paulatina-mente, à medida que se sobe na figu-ra. Entre elas a plexiforme interna. Nagranulosa externa, da mesma formaque na interna, são vistas várias célu-las em apoptose. HE. Objetiva 100xOcular 6x. B – Ampliação de área da fi-gura anterior, mostrando três células,uma em marginação cromatínica; ou-tra em cariorrexe, e a terceira, microve-siculada e com fina granulação basófi-la. C – Retina em apoptose invadida porcélulas migrantes do epitélio pigmen-tar. As flechas delimitam a rarefaçãodessas células no epitélio, indicandosua migração. Células semelhantes,atravessando a membrana limitanteinterna, e formando conglomerados,darão ao exame de fundo de olho o as-pecto de uma retinopatia pigmentar.Abaixo, a úvea se apresenta esgarçadaartificialmente. HE. Objetiva 100x, ocu-lar 2,6. D – Degeneração cistóide daretina: hipocelularidade, ausência decélulas inflamatórias, acentuado pro-cesso regressivo e numerosos pseu-docistos.

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03139

Page 6: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

140 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007

Sua abordagem é fundamental no pre-sente caso (Figura 4).

As alterações nucleares na necrosesão descritas desde longa data da se-guinte forma: o núcleo se fragmenta, éa cariorrexe (rhexis=partição) ou cari-orrexia; liquefaz-se, é a cariólise oucromatólise; a cromatina se condensaem blocos na membrana nuclear, é amarginação cromatínica; na picnose, onúcleo perde líquidos, seca, se retrai ea cromatina fica densamente conden-sada no centro ou na periferia da célu-la (piknos=adelgaçamento). Via de re-gra, menos na cariólise, a membrananuclear fica densa, acompanhando osoutros componentes cromáticos. Pode,também, permitir a expulsão de blo-cos cromatínicos. Todos esses aspec-tos são considerados irreversíveis, in-dicando, portanto, cessação da vida.

As células necrosadas passam a secomportar como um corpo estranhoao organismo, liberando substânciasque irão desencadear uma forte reaçãoinflamatória, variável de acordo com anoxa atuante.

A Figura 4 demonstra as alteraçõesnucleares na necrose e na necrobiose/apoptose.

A necrobiose (morte com uma vidaque se esvai aos poucos) é a morte lentadentro de um tecido vivo. A apoptose,que também é morte lenta, podendodurar alguns dias, traz o significado deum mecanismo genético, o qual, libe-rado, induz a célula a morrer. É porisso que se diz tratar-se de morte pro-gramada, ou de suicídio celular. Amembrana celular permanece inaltera-da, bem como as organelas, tais comoos lisossomas. Nas descrições clássi-cas, o citoplasma se retrai e a mem-

brana forma vesículas ou bolhas emsua superfície, e, fragmentando-se,forma os corpos apoptóticos, ou de-bris, que serão absorvidos ou fagoci-tados por células vizinhas do própriotecido, e raramente por monócitos. Asalterações nucleares descritas por di-versos autores assemelham-se às danecrose, o que torna difícil a diferen-ciação. Esse é o motivo do uso da imu-no-histoquímica em casos suspeitos deapoptose.

A autólise acontece quando umfragmento de tecido é separado docorpo e não é mergulhado num líquidofixador, ou o corpo inteiro, após amorte, não é tratado com métodos parasua conservação.

O conceito de apoptose começouna anatomia patológica quando Vir-chow, em 1858, separou os dois tiposde morte celular em necrose e necro-biose, não podendo imaginar que a ne-crobiose se transmutaria na apoptose,palavra adotada por Kerr, Willie e Cur-re em 1972 (10), os quais, entretanto,não justificaram sua escolha. Hipócra-tes a usou nas fraturas complicadascom perda de fragmentos ósseos (11).Um apanhado histórico extenso é apre-sentado por A.A. Conti, D. Lippi e G.F.Gensini (12), e por Kerr (13). Para in-vestigação da etimologia do termo ver:(14), (15), (16), (17).

Aspectos da degeneração nuclearsão descritos pelos autores de maneirasemelhante, tanto na necrose como naapoptose, o que pode ocasionar con-fusão, acrescentando-se que foramobservadas lesões alternativas entrenecrose e apoptose no mesmo tecido.O essencial que se deve levar em con-ta é que, na necrose, há lesão da mem-

brana plasmática e das organelas, acélula sendo submetida a uma enérgi-ca ação exógena que se acrescenta daliberação dos fermentos proteolíticosexistentes nos lisossomas, enquantoque na apoptose, mesmo existindo umaação externa inicial, a regressão celu-lar se dá pela liberação de um determi-nado mecanismo genético intracelular,com liberação das caspases, presençade glutamato e íons cálcio (18, 19).Em face de estudos que mostraramesse fenômeno na patologia tumoral eno desenvolvimento, Kerr supôs queteria uma função homeostática, o quese comprovou depois, constatando-sesua influência na foliculogênese (20,21), no desenvolvimento da retina em-brionária (22), etc. Tem se verificadoque os efeitos benéficos da radiotera-pia e da quimioterapia, nos tumores,se devem à suscetibilidade de certostumores a sofrer apoptose (23). Des-de o início Kerr se preocupou em fa-zer a diferença com a célula necrótica,pois nesta a histoquímica revelou rup-tura dos lisossomos e lesão da mem-brana citoplasmática; e, na apoptose,conservação dos lisossomas e mem-brana celular intacta. A Figura 3A mos-tra células em fases diferentes de apop-tose. Essa assincronia já fora estudadapor Collins e colaboradores em 1997(24). Outros aspectos encontrados são:picnose e alongamento do citoplasma.Não há, absolutamente, reação infla-matória em torno delas. É sabido (25)que a célula em apoptose exerce in-fluência na proliferação das células vi-zinhas. Em (3B) há ampliação de trêscélulas com marginação cromática,fragmentação cromossômica e carió-lise. A célula em cariólise mostra pon-tuação cromatínica e um fenômenodescrito por vários autores: a forma-ção de bolhas na superfície e expulsãode fragmentos citoplasmáticos e nu-cleares. Na granulosa externa, da mes-ma forma que na interna, são vistasvárias células em apoptose.

Para o patologista, que trabalha emambiente hospitalar ou de laboratório,basta levar em consideração os dadosmorfológicos fornecidos acima, cons-tatados nos cortes histológicos com as

Figura 4.

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03140

Page 7: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007 141

colorações usuais de rotina, para che-gar ao diagnóstico diferencial. Tentati-vas dessa natureza já têm sido realiza-das, como no trabalho de Iwao Emura(26).

As causas primárias da apoptosesempre têm origem externa, ou deter-minadas por ação de um estímulo, oupor omissão, como no caso do glau-coma, onde a apoptose das células gan-glionares da retina é devida à barragemdo fluxo sangüíneo e do transporte re-trógrado, através dos axônios, das neu-rotrofinas, entre elas o fator de cresci-mento do nervo; as células gangliona-res da retina interpretam essa ausênciacomo uma dispensa de funcionamen-to, e desencadeiam o programa suici-da (27, 28). Cristiano Menezes Diniz,et al. (29), baseados em numerososautores, relatam que o número de ce-ratócitos em apoptose é significativa-mente maior nas córneas com cerato-cone do que nas normais. Apontamcomo causas a injúria crônica, usuá-rios de lentes de contato, e doenças queinduzem o paciente a fazer massagemocular.

As causas secundárias, ou desen-cadeantes da apoptose, levam à for-mação, dentro da célula, de compos-tos chamados caspases, nome símbo-lo para cystenyl aspartate-specific pro-teases. As caspases integram uma fa-mília com numerosos membros quelevam a sigla CD (cell death), sendo oprimeiro descoberto o CD-3. Entre as14 caspases isomórficas, existem ascaspases efetoras, que determinam amorte celular, e as inibidoras, sendoessas últimas as responsáveis pela pro-liferação celular nos tumores. Na apop-tose das células ganglionares da reti-na, tem sido enfatizada a liberação deglutamato e o aumento consecutivo decálcio. Em ambas as vias, o processose realiza numa cascata de reações,com envolvimento de muitas molécu-las, como em todo fenômeno biológi-co. As pesquisas, para diagnóstico decerteza, usam evidenciar essas subs-tâncias, bem como a presença de resí-duos de DNA nas células em cromató-lise, os genes promotores ou inibido-res, etc. Os compostos originados são

em tal número que, para lembrá-los,torna-se necessário um glossário desiglas e seus significados estruturais.Isso confirma uma lei geral da Biolo-gia segundo a qual a cada descobertade um fenômeno biológico, aparente-mente muito simples, os caminhos desua análise revelam, ao contrário, umagrande complexidade.

As palavras de Raul Leitão daCunha (30) – professor de AnatomiaPatológica na Universidade do Rio deJaneiro (1929) – em seu livro: Tratadode Anatomia Patológica, p. 43, revelam,numa pré-visão, o que está acontecendona Figura 3A do caso apresentado.

Todas as causas capazes de deter-minar um foco de necrose poderãoproduzir uma necrobiose, desde queatuem lentamente, ou em intensidademenor, de maneira a permitir que as al-terações locais apresentem sinais simul-tâneos de morte e de vida regionais.

Retinopatia pigmentar,migração das célulasepiteliais pigmentares

Dentro do vasto grupo das retino-patias pigmentárias, queremos salien-tar a diferença fundamental existenteentre a retinose pigmentar e a migra-ção de células do epitélio pigmentar,secundária a uma inflamação aciden-tal, como é o caso da uveíte toxoplás-mica. Processos inflamatórios de ou-tra natureza, bem como traumatismos,podem, da mesma forma, ocasionar amigração. A retinite pigmentosa (RP),expressão encontrada nos trabalhos delíngua inglesa, mais conhecida no Bra-sil como retinose pigmentar – para sa-lientar o aspecto degenerativo não in-flamatório da retina –, é hereditária, pre-dominantemente bilateral, com nume-rosos genes responsáveis. Começacom apoptose dos bastonetes, o queexplica o sintoma inicial de cegueiranoturna; estende-se depois para oscones, refletindo-se em dificuldade vi-sual diurna. A idade inicial dos sinto-mas depende da penetrância dos ge-nes envolvidos. Várias outras doenças,nas quais há migração de células epite-

liais pigmentares, estão ligadas a ge-nes. Muitos trabalhos têm sido realiza-dos na elucidação dos mecanismos quelevam as células epiteliais pigmentaresa migrar, pois de posse desse conheci-mento haverá maior entendimento dapatogenia de muitas doenças oculares,abrindo-se, dessa maneira, um cami-nho para o tratamento.

A retinopatia pigmentária secundá-ria a um processo inflamatório é pre-dominantemente unilateral e resulta deuma ampla degeneração retiniana. Ainflamação pode se localizar predomi-nantemente na coróide, como no casoapresentado, sendo a apoptose da reti-na secundária à coroidite.

Desde longa data são conhecidasas principais funções do epitélio pig-mentar da retina (EPR), como a inter-ferência no metabolismo e função doscones e bastonetes, promovendo a ab-sorção das extremidades distais de seussegmentos externos. Além disso, o EPRé um tapete extenso que forma umabarreira protetora da retina, impedindoa passagem de elementos oriundos dacoróide.

A migração de células oriundas doEPR depende de muitos fatores. Célu-las indiferenciadas desse epitélio, porexemplo, secretam Galectin-1, que estápresente nos campos migratórios (31).Uma proteína secretada por monóci-tos, a proteína quimiotática-1 (MCP-1),influencia a migração e é inibida peladexametasona, o que levou os autoresa recomendarem seu uso em casos devitreorretinopatia (32). Verificou-se queo soro sangüíneo é o responsável pelamigração em casos de traumas seve-ros e também na vitreorretinopatia: ocomponente responsável é a fibronec-tina (33). Por outro lado, bloqueado-res dos canais de cálcio têm efeito ini-bidor (34, 35).

Esses são alguns poucos dadoscolhidos da vasta literatura sobre o as-sunto. Uma revisão foge do âmbito dopresente trabalho. Apenas salientamosa importância do estudo da migraçãodas células do epitélio pigmentar daretina, dos mecanismos alusivos e daaplicação no tratamento de algumas re-tinopatias, ou vitreopatias pigmentares.

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03141

Page 8: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

142 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007

D ISCUSSÃO

No caso apresentado, ressalta, àprimeira vista, a intensa reação infla-matória da úvea, que atinge também,fortemente, os segmentos anteriores.Tratando-se de um caso selecionadode um laboratório de diagnóstico roti-neiro de anatomia patológica, não foipossível a utilização de testes clínicosimunológicos, nem isolamento e tipa-gem do parasita.

O traumatismo relatado pela pacien-te não deve estar relacionado com auveíte, nem com a migração das célu-las do epitélio pigmentar, pois a perdada visão começou somente seis mesesantes da consulta e o trauma aconte-ceu há vários anos. Por outro lado,apesar da severa inflamação, com gran-de alteração da estrutura ocular, comomostram as fotos da macroscopia, apaciente não apresentou sinais clínicosde acometimento geral. A inflamaçãoda úvea era extensa, não focal, mas aretina apresentava discreta infiltraçãoinflamatória em algumas áreas, nelapredominando degeneração cistóide eprocessos regressivos, encontrados nacamada granular externa, bem comona região dos cones e bastonetes. Nãose trata de autólise, resultante de máfixação ou ação de uma substânciaquímica qualquer, porque então todasas células teriam desaparecido. Não énecrose, que está sempre acompanha-da por células inflamatórias. Trata-se,portanto, de apoptose, definida comoum processo regressivo de destruiçãotissular, ou celular, no qual se encon-tram apenas debris, isto é, restos oupedaços de tecidos e células. À pre-sença de células do epitélio pigmentarna retina damos uma explicação poranalogia: essas células são encarrega-das da limpeza dos debris resultantesdo catabolismo das porções mais ex-ternas dos cones e bastonetes. Portan-to, a natureza lhes atribuiu, através delonga evolução e incorporação genéti-ca, a fagocitose daqueles detritos. As-sim, o vasto campo das retinopatiaspigmentárias, incluindo-se a retinosepigmentar hereditária, pode ter naapoptose a explicação de sua patoge-

nia, isto é, da curiosa migração isoladadas células do epitélio pigmentar.

Inúmeras pesquisas têm sido pu-blicadas nos diversos campos aborda-dos no presente trabalho, tornando di-fícil, e até quase inacessível, uma sim-ples revisão. Alguns deles poderão terextrema importância para o tratamen-to de doenças degenerativas, comoAlzheimer, retinose pigmentar e outras.Por exemplo, o trabalho de McKernane col. (36) demonstra que a resistên-cia das células ganglionares da retinade ratos adultos à apoptose, compara-da com as do recém-nascido, se deveà redução de expressão da caspase-3 eda Apaf-1, nos adultos.

No presente caso, mostramos apresença de uma lesão ocular unilate-ral de toxoplasmose, com inflamaçãodifusa, predominantemente monocitá-ria, localizada na úvea. A demonstra-ção do parasita foi feita com reativosimuno-histoquímicos. Usando-se co-lorações de rotina, como impregnaçãopela prata, tricrômico e azul de toluidi-na, observaram-se várias formas cís-ticas, sugestivas para cistos toxoplás-micos, indicando a necessidade de fa-zer-se uma reação imuno-histoquími-ca. Entretanto, à medida que se adqui-re experiência, as técnicas de rotinapodem ser suficientes. Com todas es-sas técnicas observaram-se várias for-mas de apresentação do parasita nostecidos do olho humano. Essas formassão iguais às apresentadas nos traba-lhos de pesquisa. Assim foram encon-trados cistos de diversos tamanhos,desde pequenos, de 7 a 10 µ, conten-do dois ou três bradizoítos, até 50 µ,com numerosos elementos. Em algu-mas formas, não foram identificadascápsulas. Provavelmente são aglome-rados de bradizoítos expulsos pela rup-tura dos cistos. Com as técnicas usa-das é impossível sabermos se estamosem presença de pseudocistos.

A correlação anatomoclínica, emoftalmologia é, algumas vezes, bastantedifícil. No campo da anatomia patoló-gica, não existe uma estrutura que cor-responda à expressão inflamação ne-crotizante, pois em anatomia patológi-ca é indispensável a especificação do

tipo de necrose. Da mesma forma, avasculite retiniana pode corresponderapenas a um transudato (leakage) decausa não inflamatória, e não a umainflamação, como sugere o sufixo ite,o qual, em anatomia patológica tem osignificado de inflamação. Da mesmaforma, a necrose da retina, deve seacompanhar de uma especificaçãosobre o tipo de necrose, como na ex-posição que fizemos acima. O mesmose diga para a expressão reação gra-nulomatosa necrotizante, porque a pa-lavra granuloma, ou granulomatosa,em anatomia patológica, se refere a nó-dulos inflamatórios circunscritos, ge-ralmente específicos, como granulo-ma por corpo estranho, granuloma tu-berculoso. Um vasto trabalho estatísti-co, visando à correlação anatomoclínicaseria necessário para dirimir as dúvidas.

C ONCLUSÃO

Na apresentação do caso, docu-mentamos a existência de coroidite to-xoplásmica, de apoptose retiniana, re-tinopatia pigmentária e discreta retini-te, não-focal, acompanhando-se desevera alteração estrutural, sugerindoseu enquadramento como manifesta-ção atípica de toxoplasmose ocular.

R EFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

1. KOPALIC-CRISTO A, BRITTO C,FERNANDES O. Diagnóstico molecularda toxoplasmose: revisão. J. Bras. Patol.Med. Lab. vol.41, n.4, Rio de Janeiro,Ag. 2005, 41 (4): 229-235.

2. MELAMED J. Toxoplasmose ocular. In:Doenças prevalentes da retina e vítreo,ed. Cultura Médica, Rio de Janeiro, 2002.

3. PERKINS E.S. Ocular Toxoplasmosis.Brit. J. Ophtal., 1973.

4. SILVEIRA CS, BELFORD R, JR., BUR-NIER M, JR., NUSSEMBLAT R. Ac-quired toxoplasmosis infection as the cau-se of toxoplasmic retinochoroidits in fa-milies. Am. J. Ophtalmol, 1988; 106: 216-220.

5. MELAMED J, GUNTZEL I. Toxoplas-mose ocular. In: Rotinas em oftalmolo-gia. Ed. Artes médicas, Porto Alegre,1995.

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03142

Page 9: COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL Degrazia … · COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun

COROIDITE TOXOPLÁSMICA UNILATERAL... Degrazia et al. RELATOS DE CASOS

Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (2): 135-143, abr.-jun. 2007 143

6. APPLE DJ, RABB MF. Ocular Patholo-gy; The C.V. Mosby Company; St. Louis;1985.

7. SILVEIRA C, BELFORT RJR., NUS-SENBLATT R, FARAH M, TAKA-HASHI W, IMAMURA P, BURNIERM. Unilateral Pigmentary retinophatyassociated with ocular toxoplasmosis;Am. J. Ophtalmol.; June, 1989, 197 (6):682-684.

8. SMITH JR, CUNNINGHAM ET. Aty-pical presentations of ocular toxoplas-mosis. Current Opinion in Ophtalmolo-gy. Dec. 2002; 13 (6): 387-392;

9. SILVEIRA C. Toxoplasmose – Levanta-mento bibliográfico de 1997 a 2000; Arq.Bras. Opftamol. 2001; 64, (3): 263-270.

10. KERR JFR, WYLLIE AH, CURRIE AR.Apoptosis: A basic biological phenome-non with wide ranging implications in tis-sue kinetics. Br. J. Cancer 1972; 26: 239-257.

11. LITTRÉ É. Ouvres completes D’ Hippo-crate, Vol III – Des fractures p. 411. Pa-ris. J.-B. Baillière, 1841.

12. CONTI AA, LIPPI D, GENSINI GF. Thehistorical evolution of the concept ofapoptosis in rheumatic diseases. Reuma-tismo, 2005: 57 (1): 57-51.

13. KERR F. History of the events leading tothe formulation of the apoptosis concept.Toxicology. 2002. Dec 27; 471-4: 181-182.

14. KUMAR V, ABBAS AK, FAUSTO N.In: Robins e Cotran. Patologia – BasesPatológicas das Doenças. 7.ed. Rio de Ja-neiro, Elsevier editora Ltda, 2005, pp.5:13: 27-28.

15. NELSON DL, COX MM. LehningerPrincípios de Bioquímica, 3.ed. São Pau-lo, Sarvier Editora de Livros MédicosLtda, 2002: 372-373.

16. FAUCI AS, BRAUNWALD E, ISSELB-CHER AB, WILSON JD, MARTIN JB,KASPER DL, HAUSER SL, LONGODL. Harrinson Medicina Interna, 14.ed.Rio de Janeiro, Editora MacGraw-HillInteramericana do Brasil Ltda, 1998, pp.1886-1887: 1919.

17. SPERANDIO S, DE BELLE I, BREDE-SEN DE. An alternative, non-apoptoticform of programmed cell death. Proc. Natl.Acad. Sci USA (Dec. 19, 2000); 97 (26):14376-81.

18. LEIST M, JÄÄTTELÄ M. Four deathsand a funeral: From caspases to alternati-

ve mechanisms. Nat. Rev. Mol. Cell Bio.2001; 2, 589-98.

19. RISS TL, MORAVEC RL. Use of multi-ple assay endpoints to investigate theeffects of incubation time, dose of toxin,and plating density in cell-based cytoto-xity assays. Assay and Drug Dev Tech-nol. 2004; 2, 51-62.

20. GUTHRIE HD, GARRETT WM, COO-PER BS. Follicle-stimulating hormoneand insulin-like growth factor-I attenua-te apoptosis in cultured porcine granulo-sa cells. Biol Reprod 1998 58: 390-396.

21. GUTHRIE HD, GARRETT WM. Fac-tors regulating apoptosis during follicu-logenesis in pigs. – Procedings of theAmerican Society of Animal Science.1999.

22. KUBÍNYOVÁ M, POSPÍSILOVÁ E.Role of apoptosis and proliferation in di-ferentiation of human retina, regio olfac-toria and regio respiratoria. Biomed. Pa-pers 2001; 145 (2), 65-68.

23. HANNUN YA. Apoptosis and the dy-lemma of chemoterapy. Blood, (March15), 1997; 89 (6): 1845-1853.

24. COLLINS JA, SCHANDL CA,YOUNG KK, VESELY J, WILLIN-GHAM MC. Major DNA fragmentationis a late event in apoptosis. J HistochemCytochem 1997; 45: 923-934. Cit. porWillingham, MC. – Cytochemical me-thods for the detection of apoptosis. TheJournal of Histochemistry and Citoche-mistry, 1999; 47 (9): 1101-1109,

25. SALAZAR JJ, RAMIREZ AL, DE HOZR, TREVIÑO A, RAMIREZ JM. Apop-tosis en la neuropatia óptica isquêmica.Archivos de la Sociedad Española de Of-talmologia. No 12 – Deciembre – 2000 (6páginas).

26. EMURA I. Hight incidence of apoptosisin periferal blood of myelodysplasticsymdrome patients determined by Papa-nicolaou-stained preparation. In Labora-tory Hematology 2003; 9: 42-46.

27. NICKELLS RW. Retinal ganglion cell deathin glaucoma: the how, the why and the may-be. J Glaucoma. 1996 Oct, 5 (5): 345-56.

28. LI GUO, MOSS SE, ALEXANDER RA,ALI RR, FITZKE FW, CORDERO MF.Retinal ganglion cell apoptosis.in glauco-ma is related to intraocular pressure andIOP-induced effects on extracellular ma-trix. Invest. Ophthalmol. and Vis. Sc.2005; 46: 175-182.

29. DINIZ CM, TZELIKIS PFM, RODRI-GUES JÚNIOR A, ALVIM HS, DAN-TAS RRA, FIGUEREDO ARP. Cerato-cone unilateral associado à constantemassagem ocular devido à obstrução davia lacrimal. Arq. Bras. Oftalmol. (Jan/Fev) 2005; 68 (1): 122-5.

30. DA CUNHA RL. Tratado de AnatomiaPathológica. Ed. Pimenta de Mello & Cia.Rio de Janeiro; 1929, 3.ed.

31. ANDO A, UEDA M, UYAMA M,MASU Y. Enhancement of dedifferentia-tion and myoid differentiation of retinalpigment epithelial cells by platelet deri-ved growth factor. Br J Ophthalmol. (No-vember), 2000; 84: 1306-1311.

32. ALGE CS, PRIGLINGER SG, KOOKD, SCHMID H, HARITOGLOU C,ELGE-LUSSEN U, KAMPIK A. Galec-tin-1 influences migration of retinal pig-mento epithelial cells. – Invest. Ophthal-mol, and Vis. Sc. 2006; 47:415-426.

33. QUAN-HONG HAN, YAN-NIANHUI, HONG-JUN DU, WEN-JIZHANG, JI-XIAN MA, SHOU-YANGWANG. Migration of retinal pigmentepithelial cells in vitro modulated by mo-nocyte chemotatic protein-1: enhance-ment and inhibition. Graefe´s arch. of clin.and exp. Ophthalmol. July 2001; 239 (7):531-538.

34. CAMPOCHIARO PA, JERDAN JÁ,GLASER BM. Abstract: Serum containschemoattractants for human retinal pig-ment epithelial cells. Arch. Ophthalmol.Dec. 1984;.102; 12: 1830-3.

35. HOFFMAN S, GOPALAKRISHNA R,GUNDIMEDA U, MURATA T, SPEEC, RYAN SJ, HINTON DR. Abstract:Verapamil inhibits proliferation, migra-tion and kinase C activity in human reti-nal pigment epithelial cells. Exp. Eye Res.July 1998; 67 (1): 45-52.

36. McKEERNAN DP, CAPLIS C, DONO-VAN M, O’BRIAN C, COTTER TG.Age-Dependent susceptibility of the re-tinal ganglion cell layer to cell death. Inv.Ophthalmol. And Vis. Sc. 2006; 47: 807-814.

37. HOLLAND GARY N, MUCCIOLI C,SILVEIRA C, WEISZ JM, BELFORT R,O´CONNOR GR. Intraocular inflamma-tory reaction without focal necrotizingretinochoroiditis in patients with acqua-red systemic toxoplasmosis. Am. J.Ophthalmol. Oct. 1999; 128:413-419.

11-63-coroiditetoxoplasmática_unilateral.pmd 22/08/2007, 11:03143