Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    1/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    Controle social e a transparncia da administrao pblica brasileira

    Luiz Alberto dos SantosAgosto de 2004

    1. IntroduoDesde a dcada de 1970, vivenciamos, em todas as esferas, a busca de mais eficincia, eficcia e

    efetividade na atuao das organizaes, sejam pblicas ou privadas. A interao Sociedade Civil Mercado Estado sofre diversas alteraes, com o reconhecimento de novos interlocutores no processo, aincorporao ao sistema poltico de diversos segmentos antes mantidos margem, provocando aumento ediversificao de demandas e a mudana, s vezes dramtica, dos papis desempenhados pelos atores nessecomplexo sistema.

    razovel admitir que na esfera do Estado e da Administrao Pblica que se encontra o maiordesafio para se alcanar essa gesto eficiente, eficaz, efetiva e democrtica, baseada na idia da representaopopular, em que algumas pessoas representam o interesse coletivo e tomam as decises pblicas respeitandoesse interesse. Entretanto, o que se tem observado, principalmente em pases em desenvolvimento, que osrepresentantes populares agem contrariamente ao princpio Iluminista, tomando decises com base eminteresses localizados. Dados disponibilizados pelo Banco Mundial sobre o fenmeno do State Capture1(captura do Estado) reforam essa afirmao, com a agravante de que no se trata de um problema ocasional,mas de uma situao endmica nesses pases: instituies formais so perpassadas e controladas por redes depessoas que intercambiam favores e fazem uso da mquina governamental em seu prprio interesse. Nessecontexto, a representao democrtica seriamente distorcida.

    Ainda que no esteja muito claro qual o resultado do momento atual, em que se discutem tanto osconceitos de cidadania quanto o de Estado, h um certo consenso em torno da predisposio do segmento poltico em prestar contas de suas aes ao pblico, garantindo maior transparncia das aes (e,principalmente, das finanas pblicas), do reforo de sua capacidade de articular compromissos e alianasem torno de projetos polticos representativos para a maior parte da sociedade e a construo de

    competncias para implement-los de acordo com os valores democrticos dominantes naquela sociedade.Portanto, percebe-se que, no discurso dos reformistas, construir um Estado Capaz2 envolve muito mais quesimplesmente criar capacidades e habilidades para articular um projeto poltico ou para implementar esseprojeto, como um grande coordenador ou regulador. A criao das competncias para exercer esse papelimplicaria, num primeiro momento, focalizar a ao do Estado no que se considera essencial e,

    1 Utilizamos aqui o conceito desenvolvido por Joel Hellman, Geraint Jones e Daniel Kaufmann no texto Seize the State,Seize the Day: State Capture, Corruption and Influence in Transition, September 2000, World Bank Policy ResearchWorking Paper No. 2444 :Whereas state capture refers to the capacity of firms to shape and affect the formation of the basic rules of the game (i.e.,laws, regulations, and decrees) through private payments to public officials and politicians, influence refers to the samecapacity without recourse to such payments. Administrative corruption refers to so-called "petty" forms of bribery inconnection with the implementation of existing laws, rules and regulations. () Influence tends to be inherited as a legacyof the past by large, incumbent firms with existing formal ties to the state. These influential firms enjoy advantages in termsof greater security of property and contract rights and superior firm performance. By contrast, state capture is a strategicchoice made primarily by de novo firms trying to compete against influential incumbents.

    De fato, estendemos o conceito, no considerando apenas as firmas como capturadoras do Estado, mas diversos outrosgrupos ou elites que gravitam em torno de redes baseadas em interesse econmico.2 Segundo o Relatrio de Desenvolvimento Mundial publicado pelo Banco Mundial em 1997, capacidades estatais dizemrespeito s habilidades de promover e implementar aes coletivas eficientemente tais como garantia da lei e da ordem,sade pblica e infraestrutura bsica. Difere, assim, do conceito de efetividade, que o resultado do emprego dessacapacidade para atender s demandas sociais por esses bens. Um estado, assim, pode ser capaz, mas no muito efetivo ematender s necessidades sociais.

    1

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    2/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    gradualmente, expandir essas capacidades para outras reas. O segundo elemento dessa estratgia se refereao reforo das instituies pblicas, significando a aplicao de ordenamentos efetivos, que colocassem emxeque aes arbitrrias dos agentes estatais e combatessem a corrupo. Para isso, as instituies teriam deter um desempenho melhor, o que pode ser acompanhado pela utilizao intensiva de diferentes formas deavaliao e monitoramento das polticas pblicas, como apoio ao processo de responsabilizao3 do Estado eseus agentes em relao a suas aes, ampliando a transparncia e garantindo o surgimento de formas

    alternativas de controle.Isso se justifica pela prpria origem anglo-sax da palavra accountability4: no sistema democrticomoderno, os princpios centrais so a soberania popular e o controle dos governantes pelos governados. Pararesponder a esses dois princpios, os processos eleitorais se tornaram, ao longo do tempo, um aspecto centralda democracia. De fato, so o principal instrumento de responsabilizao dos governantes frente aoscidados, embora, por si ss, no garantam o bom desempenho democrtico os resultados da competio poltica so condicionados, em larga medida, pelas instituies polticas, entre as quais se destacam ossistemas partidrios e eleitorais, o financiamento e o controle judicial das campanhas e a distribuio depoder entre o Executivo e o Legislativo. Alm disso, no existem mecanismos que obriguem os polticos acumprir as promessas de campanha, prejudicando a capacidade valorativa dos cidados, que s poderiamavaliar o desempenho de seus representantes nas eleies seguintes, fazendo um clculo retrospectivo.

    nesse sentido que se torna crtico repensar as formas de controle social das aes dos agentes estatais, bemcomo de garantir a transparncia.O controle da ao do governo, historicamente, era garantido pelo controle dos procedimentos

    (controle da constitucionalidade das decises, garantia dos direitos dos cidados frente aos governantes,fiscalizao e auditorias das contas pblicas e ao de promotores pblicos no controle dos polticos), pelocontrole parlamentar (sistema de checks and balances) e, em menor proporo, por alguns mecanismos de participao popular ou controle social independente dos poderes pblicos (como o ombudsman). Noentanto, esses controles surgiram em um momento de grande expanso do aparato estatal (perodo ps-IIGrande Guerra), fazendo com que diversos espaos de ao governamental escapassem do controle social edas instituies representativas.

    Assim, no discurso da Reforma do Estado, prega-se a utilizao de novas formas de

    responsabilizao dos agentes pblicos, em conjunto com a adoo de mecanismos de gesto mais flexveise menos sujeitos a controles normativos e processuais: controle pelos resultados5, controle pela competioadministrada6 e controle social das polticas pblicas, considerando esse ltimo como o efeito da ao do

    3 A palavra responsabilizao uma expresso que tenta traduzir a noo inglesa de accountability, a qual no tem umequivalente direto nos idiomas latinos. Sem embargo, ao utilizar esse termo, modificou-se em parte o sentido daaccountability para referir-se tanto ao dever da Administrao Pblica de prestar contas frente a sociedade como ao direitodos cidados de controlar a ao do governo.4Na lngua portuguesa, accountability ainda um termo de difcil traduo. Mesmo na lngua inglesa o termo ambguo.Segundo Quirk (1997)accountability is a chameleon word. We all like accountability, when others are accounting of themselves to us; we are notquite so keen when we are required to account of ourselves to others. At this personal and basic level, accountabilityrevolves around the relationships between people, the power relations between people and the level of trust between

    people.Esse mesmo autor chama ateno para os trs propsitos principais da accountability na Administrao Pblica:

    direcionar e orientar a ao administrativa; aferir o desempenho e os resultados; e garantir sua probidade e integridade. Aolongo desse trabalho, utilizaremos a expresso no sentido de responsabilizao dos agentes polticos, dirigentes eservidores pblicos pelo resultado de sua gesto, perante os atores sociais e polticos aos quais prestam contas.5 Esse tipo de controle tem como ponto de partida a necessidade de modificar a gesto pblica, fazendo-a evoluir do modelo

    burocrtico clssico para uma estrutura gerencial ou ps-burocrtica, baseada no controle a posteriori de resultados,consubstanciados na contratualizao.6 O controle pela competio administrada outra modalidade que tem por objeto adequar a eficincia responsabilizaoda administrao pblica, quebrando o monoplio pela introduo do princpio da competio entre diferentes provedoresde servios e bens estatais, pblicos no estatais e privados e aplicando sanes ou recompensas aos competidores,

    2

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    3/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    cidado participante sobre os servios pblicos, ou seja: da sociedade sobre o estado, o que confere Democracia carter mais participativo. Todavia, este ltimo controle difere da concepo rousseauniana: opapel do pblico no se exerce apenas no momento do voto, legitimando ou no seus representantes; em vezdisso, a aprovao garantida ou buscada ao longo do perodo em que os eleitos permanecem no poder, umavez que a responsabilidade pelas decises tambm dividida com o pblico-alvo das polticas.

    No h uma receita nica e certa para que as organizaes pblicas propiciem aos segmentos sociais

    ainda mantidos margem da agenda pblica a voz e a oportunidade de participao desejadas. Algumastentativas vm sendo feitas, no sentido de aproximar a atuao das instituies governamentais dasorganizaes privadas, modificando a noo de cidado: a sua condio de detentores de direitos (civis, polticos e sociais) ora considerada prpria de um cliente-contribuinte, ora de um cliente-usurio deservios. Especialmente em polticas de cunho mais social tem-se reforado o papel dos Conselhos Sociais, para controle da implementao dos programas, a exemplo do que acontece, no caso brasileiro, com oPrograma Bolsa-Famlia e no mbito do Sistema nico de Sade. Ao mesmo tempo, buscam-se meios paraque instituies destinadas ao controle externo da Administrao Pblica, como o Tribunal de Contas daUnio, possam ter uma atuao mais incisiva e consistente no campo da avaliao da eficincia e eficciadesses programas, especialmente por meio do acesso s informaes relacionadas aos atos de gesto e execuo oramentria e financeira e de sua interao com o controle social.

    Essa monografia busca discutir esse cenrio de mudanas na esfera estatal, bem como apresentar perspectivas para o desenvolvimento de processos de controle social e de garantia de transparncia daAdministrao Pblica. Para isso, encontra-se dividida em trs captulos. O primeiro captulo aprofunda aimportncia conferida responsabilizao governamental para o desenvolvimento das reformas, alm deapresentar os tipos de controle utilizados e, a partir da reviso da literatura, fazer um breve relato daexperincia internacional recente.

    No segundo captulo, enfoca-se o tema no mbito da Administrao Pblica Federal no Brasil, emvista da implantao de um processo de reforma do Aparelho do Estado que busca introduzir no Brasil aspremissas e conceitos da Nova Gerncia Pblica e suas decorrncias, notadamente a busca da eficincia e daflexibilidade gerencial, priorizando os controles a posteriori por resultados e pela competio administrada.

    No terceiro captulo, abordam-se criticamente algumas experincias de controle social por cidados,analisando o funcionamento de conselhos nas reas de poltica social e a tentativa de tornar a gesto maistransparente, inclusive por meio da utilizao de processos de elaborao participativa do oramento pblico.Ainda neste captulo, apresentam-se algumas perspectivas para o Controle Social e a transparncia naAdministrao Pblica e propostas para o aperfeioamento dos mecanismos de controle e de ampliao da participao do cidado no processo de formulao e avaliao das polticas pblicas. Insiste-se navalorizao desses mecanismos para incluso dos cidados no processo decisrio das polticas pblicas,ainda que no constituam a soluo para o problema da falta de confiana no segmento poltico; com certeza,no so a nica alternativa para isso, mas contribuem decisivamente para reconstruir a cidadania e aumentara confiana nos processos decisrios, e para viabilizar a adoo de mecanismos de flexibilizao de gestooramentria, financeira e operacional.

    2. Accountability e controle social - sua aplicao na experincia internacionalrecente

    Ao longo do sculo XX, muitas foram as experincias e tentativas de reforma estatal implementadasem grande escala, visando transformar certas caractersticas da organizao e do funcionamento do aparelhode Estado, a fim de dot-lo de maior eficincia e eficcia e, mais recentemente, tambm de efetividade, pelomenos no nvel da retrica (Oszlak, 1999).

    As reformas administrativas tiveram diversas razes: desde o fim da I Grande Guerra, e mais

    segundo seu desempenho.

    3

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    4/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    enfaticamente aps a II, tem-se percebido a expanso da interveno governamental nos domnioseconmico, social e cultural: os oramentos nacionais aumentaram consideravelmente e o governo assumiufunes de organizador, produtor e protetor; o Estado passou a investir, subsidiar e redistribuir renda. Essaconcepo de relacionamento entre Estado e Mercado propiciou igualmente a expanso do escopo daburocracia estatal. Alm de aumentar o oramento e dirigir empresas pblicas, o governo tambm assumiu aresponsabilidade pelo planejamento, pela previso e pela programao da economia, aumentando ainda mais

    suas prerrogativas e sua misso tecnocrtica. Com o aumento de suas responsabilidades, o aparelho estatalampliou-se, adotando princpios de profissionalizao, impessoalidade, neutralidade e racionalidade, queformam o chamado "paradigma burocrtico"7. Alm disso, a administrao pblica assume diversasatribuies antes da esfera do Poder Legislativo: formulao do oramento nacional, gerncia de empresaspblicas e planejamento econmico.

    Pode-se afirmar que as experincias de reforma administrativa reservam ao Estado um papelfundamental como instncia articuladora das relaes sociais e, portanto, no questionam sua intervenonesse plano, como tambm no propunham criar formas de controlar sua interveno. Em diversos pases,criam-se arranjos corporativistas entre o Estado e alguns segmentos da sociedade, provocando, no limite, acaptura do primeiro por segmentos melhor articulados da segunda, com alta capacidade de organizao, deproduo de informaes e de presso. Como a prosperidade econmica garante a todos um razovel nvelscio-econmico, aparentemente no se questiona a quem as polticas pblicas produzidas esto atendendoprioritariamente. O cenrio passa a sofrer modificaes a partir dos anos 70, com um movimento na Europae nos EUA a favor da redefinio (leia-se reduo) do papel do Estado, redesenhando suas fronteiras e, emlarga medida, substituindo-o pelo mercado, estabelecendo um novo esquema de diviso social do trabalho edesregulamentando a atividade econmica.

    Nessa primeira fase de reformas administrativas, no campo das polticas sociais, o redirecionamentoestratgico do Estado se faz para a tentativa de estratificao das clientelas, mais precisamente, no campo daspolticas sociais de natureza pblica, de corte assistencialista, voltadas integralmente para as populaes nafaixa da pobreza. Para os grupos sociais integrados economia, buscou-se a satisfao das necessidadessociais pela via do mercado, ainda que se levantassem objees a respeito do tratamento injusto, uma vez queo mercado falha e, s vezes, at mais que o setor pblico (Stiglitz, 1999).

    As premissas adotadas na primeira fase das iniciativas de reforma do Estado foram duas: ocrescimento do governo ao longo das quatro ltimas dcadas aparentemente no havia contribudo muito para o alcance dos objetivos sociais e econmicos e os pases com estruturas governamentais reduzidashaviam apresentado indicadores sociais favorveis, apesar das baixas despesas pblicas. Assim, haveria umbom espao para a reduo do tamanho do Estado: corte nos gastos (subsdios e transferncias), mantendo osobjetivos sociais e econmicos bsicos, e reduo do Estado-Providncia, com a reforma dos sistemas deprevidncia e sade (privatizao ou terceirizao) (Tanzi e Schuknecht, 1996).

    Com todas essas caractersticas, tornou-se clara a mudana qualitativa na concepo de atuaoestatal na economia e no restante conjunto da vida social, a ponto de considerar o surgimento de um novo

    7 A idia paradigma decorre do trabalho de Thomas Kuhn (1970). Relaciona-se evoluo das disciplinas cientficas e, emparticular, quando se quebra o consenso formado sobre um determinado conjunto de valores e crenas e se constri umnovo conjunto, causando uma revoluo cientfica. A revoluo, ento, traz novos valores, novas agendas e,freqentemente, novas pessoas redefinido a rea que, agora, dirigida por um novo paradigma. questionvel a aplicaodesse conceito de cincias exatas a outras reas - ainda mais em cincias sociais, onde dificilmente h um paradigmadominante, mas concorrentes. Ainda assim, tem-se falado em mudana de paradigma na Administrao Pblica.Uma formade operacionalizar esse "paradigma burocrtico" pode ser a seguinte (Cardoso, 1994):a - as agncias devero ter uma definio clara de papis e um sistema de valores consistente e que apie sua misso;

    b - as agncias que tratem de interesses sociais especficos devero ter um ethos profissional distinto daquele que prevaleceentre os profissionais da sociedade civil e ser independentes de sua clientela;c - cada agncia dever administrar um corpo de leis e regulaes que define suas responsabilidades e as dos grupos sociais,no sujeito a negociaes, seja na interpretao, seja na implementao ed - as burocracias devero gerar elas prprias a informao, tcnica ou no, requerida para o prosseguimento de sua misso.

    4

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    5/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    paradigma para conformar o surgimento de um novo Estado, consensualmente denominado "paradigma ps-burocrtico" ou "gerencial". Esse paradigma prope rupturas com as principais dicotomias que esto sempreou quase sempre presentes nas discusses sobre a atuao do Estado: a polaridade Estado-Mercado e adicotomia entre racionalidade governativa e imperativos democrticos - e outra com o paradigmatecnocrtico, ao questionar os conceitos de eficincia entendida como concentrao, centralizao efechamento do poder decisrio, o de eficcia de gesto como insularidade tecnocrtica8 e o de autonomia

    como capacidade de isolar-se das presses. Assim, procura-se abandonar as estratgias coercitivas eimpositivas de implementao, ao adotar a estratgia de busca do consentimento, do acatamento, da adesodos grupos de interesse e foras polticas. Essa nova Gerncia Pblica trouxe uma epistemologia prpria eprops redefinio da concepo de accountability e de estruturas para sua concretizao. Os objetivos dosdirigentes que implementaram reformas foram, de um modo geral, reduzir a burocracia, reafirmar o controlepoltico, revitalizar a mquina administrativa, mudar os padres de oferta de servios e introduzir umanova filosofia gerencial de economicidade de recursos, de eficincia e de controle de dispndios (Gray eJenkins, 1995; Self, 1993).

    Algumas das caractersticas desse novo cenrio que se destacam so: maior exigncia deresponsabilidades dos servidores, a escassez de recursos e a presso para melhorar a gesto financeira, bemcomo a considerao do pblico como cliente principal dos servios prestados pelo Estado. Evolui-se, porm, da viso do cliente-consumidor, prpria das iniciativas baseadas nos conceitos do consumerismlevadas a cabo na segunda metade dos anos 80 (em que a atuao do usurio, individual e atomizadamenteconsiderada, era considerada suficiente para permitir a avaliao das polticas pblicas e da eficinciaadministrativa), para uma viso mais global, onde o cidado, como integrante da coletividade, e sua relaocom os provedores de servios pblicos, torna a responsabilizao muito mais legtima e eqitativa,reconhecendo-se o direito de voz e influncia a todos, e no apenas aos diretamente interessados na prestaode um servio especfico (Pickard, 1998). A adoo de oramentos por resultados e contratos de gestoassume importncia vital nesse processo, permitindo maior flexibilidade na gesto ao mesmo tempo em quese vincula a definio dos meios ao atingimento de metas e alcance de resultados, o que, por sua vez, exige aimplantao de sistemas efetivos de avaliao do desempenho governamental.

    Dessa forma, a avaliao e/ou o monitoramento do desempenho constituem parte indispensvel dagesto moderna, ao lado da implementao de oramentos por resultados e da fixao de metas, contratos eajustes para controlar a execuo do gasto e a prestao de servios pblicos. Informaes adequadas sobre ofuncionamento da Administrao Pblica podem ajudar os rgos administrativos a desenvolver suaspolticas, administrar seus custos de forma mais eficiente, aumentar a efetividade e promover a transparnciada gesto pblica, ampliando o grau de accountability9.

    O controle do aparelho de Estado pelos cidados, dessa forma, seria viabilizado por meio damensurao de resultados dos servios e/ou produtos ofertados pelas instituies pblicas em relao qualidade esperada pela sociedade. Esse sistema de mensurao deve ser composto por indicadores dediversos tipos que refletiro o interesse e as expectativas do cliente-cidado quanto aos servios e/ouprodutos ofertados pelo Estado.

    A reconstruo das capacidades estatais, de governabilidade e governana assume relevncia nesse

    8 A eficcia da ao estatal no depende apenas da capacidade de tomar decises, mas da adequao das polticas deimplementao, dos meios polticos de execuo, ou, em outras palavras, da viabilidade poltica e da capacidade de articularalianas e coalizes para a sustentao da poltica; ruptura com a noo corrente de interesse pblico - a eficcia do Estadoest ligada consecuo das metas coletivas; h a recuperao da noo de interesse pblico, com a primazia das metascoletivas, enfatiza-se a responsabilidade pblica dos agentes, com a adoo de meios de controle externos mais eficazes,

    bem como de procedimentos formais de prestao de contas.9 H que se considerar, no entanto, os riscos intrnsecos ao paradoxo da accountability a que se refere DUBNICK: atenso entre accountability eperformance no nvel operacional implica em que ampliar esforos para aumentar a eficinciaatrav da accountability tende a ter efeito oposto, uma vez que cada vez mais energia e esforos tm que ser destinados

    prestao de contas, em lugar da prpria atividade finalstica (DUBNICK, 2003, p 31).

    5

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    6/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    cenrio. Um Estado mais capaz pode vir a ser um Estado mais efetivo, mas efetividade e capacidade socoisas distintas. Capacidade significa a habilidade de promover e conduzir aes coletivas eficientemente,como promover a lei e a ordem, garantir oferta de servios de sade pblica e infra-estrutura bsica;efetividade, por outro lado, o resultado da utilizao dessas capacidades para atender s demandas sociais.Um Estado pode ser capaz e, contudo, no ser efetivo, se suas capacidades no so utilizadas no interesse dasociedade.

    A construo de um Estado mais capaz e efetivo tem, pelo menos, dois estgios obrigatrios.Primeiro, o Estado deve avaliar que capacidades ele realmente tem, para comear a construir e desenvolvercapacidades adicionais. Pases que so menos capazes e no focalizam os seus esforos tendem a ser menosefetivos; j pases com mais capacidades e mais focalizados tendem a ser mais efetivos. No entanto, no sepode chegar ao topo de uma hora para outra: necessrio antes focalizar em tarefas fundamentais e superar arelativa limitao do Estado com outras iniciativas, tais como promover parcerias com o mercado e asociedade civil, de forma gradativa. Por outro lado, a construo de um Estado mais capaz, com maioresvantagens de propor e implementar polticas de acordo com a sua idealizao - ou seja, com maiorgovernana - abriria tambm a possibilidade de superao de limites do sistema poltico como um todo,esvaziando ento o atual debate sobre a crise de governabilidade.

    Nesse mesmo sentido, a construo de capacidades estatais no pode prescindir do princpio datransparncia: maior abertura e compartilhamento de informao torna o pblico mais capaz de decidir efazer as escolhas polticas, aumenta a accountability dos governos e reduz o mbito da corrupo. Maiortransparncia tambm essencial para a economia: melhora a alocao dos recursos, refora a eficincia e as perspectivas de crescimento econmico. Informao assimtrica nos mercados, por sua vez, aumenta oscustos de transao e provoca as falhas do mercado.

    O uso extensivo dos contratos tem sido crucial para o processo de reforma do servio pblico emdiversos pases10. O contrato em si, porm, mais um instrumento de retrica que jurdico: o mais relevante a redefinio das funes do Estado - separar um ncleo de formulao de polticas e direo e manterapenas um mnimo de atividades residuais e perifricas que so consideradas essenciais ou que, por algumarazo, no puderam ser classificadas de outra forma. Ao menos em tese, esse processo deveria ser capaz detransformar o Estado em um facilitador/regulador, que garanta que os servios pblicos sejam prestados (emvez de prest-los diretamente). As funes que o Estado no mais desempenha poderiam ser, assim,transferidas para outras agncias, agindo para obter lucro, ou operando como organismos voluntrios dentrode um quadro de competio controlada, no qual o contrato tem um papel importante. O que se deveesclarecer, no entanto, que, apesar da retrica de enxugamento do Estado e de sua reduo, percebe-se queo Estado continuar a ter um papel fundamental na conduo de polticas de sade, educao, saneamento,segurana, proteo ambiental, proteo aos direitos do consumidor e redistribuio de renda, sem falar emoutras tantas, a depender de seu ordenamento constitucional. Alm disso, as expectativas quanto capacidade do Estado em promover a regulao desses itens tender a crescer, conforme o desenvolvimentoeconmico for avanando. O desenvolvimento social depender da existncia de um equilbrio no perfeito,mas adequado, entre o crescimento econmico e a estabilidade social e poltica. Sabendo da naturezaperversa do mercado e da sua dinmica geradora de crises, bvio que o Estado no dispensvel paraproteger interesses difusos e garantir a universalidade de procedimentos a todos os setores da sociedade.

    2.1 Reformas e Lgicas de controle

    Apesar da nfase no uso de instrumentos semi-contratuais e contratuais, e de mecanismos deperformance measurement, a primeira fase das reformas do Estado, calcadas no paradigma gerencial, nologrou aumentar o grau de controle das aes governamentais. Com efeito, segundo a literatura, a

    10 Especialmente os pases de lngua inglesa: Inglaterra, Estados Unidos, Nova Zelndia, Austrlia. No entanto, no se podeesquecer tambm das experincias francesa e italiana.

    6

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    7/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    preocupao em criar formas alternativas de controle governamental, bem como de aumentar a transparnciado governo, caracterstica da segunda fase de reformas. Neste item, analisam-se diversas menes aos tiposde controle interligados necessrios para isso.

    Em Oszlak (1988), criticam-se alguns dos termos mais comumente associados ao relacionamentoentre estado e cidadania, ou, mais precisamente, al vnculo que debera existir entre la responsabilidad socialdel Estado por la produccin de determinados bienes y servicios y el nvel de satisfaccin de los ciudadanos

    em tanto demandantes de esos mismos bienes y servicios. Seja qual for o nome que assuma (ownership,responsiveness, delivery, accountability ou empowerment), todos esses conceitos implicam, implcita ouexplicitamente, em uma certa irresponsabilizao do Estado em relao a seus atos.

    Analisem-se os termos responsiveness e accountability, por exemplo: o primeiro utilizado paraexpressar e s vezes medir o grau em que uma agncia estatal ou um funcionrio guia sua atuao em funodas necessidades de seu cliente (beneficirio, usurio, sujeito de regulao), colocando os interesses desseltimo acima da cega observncia das normas ou dos procedimentos vigentes. Tal atitude, quando verificada,indica a inteno de desburocratizar a gesto, flexibilizando-a e ajustando-a a critrios de racionalidade quelevem em considerao a natureza dos bens ou servios que o destinatrio espera receber, e no o merocumprimento de um ritual burocrtico. A flexibilizao, aqui, no se trata de transgresso do marco jurdicoinstitudo, mas uma interpretao ampla e generosa de seu esprito interpreta-se a norma luz dasnecessidades dos cidados, em vez de adequar essas ltimas primeira. Entretanto, observa-se amide queessa ltima atitude se verifica, como no tradicional volte amanh, em que o direito do cidado usurio e ointeresse social em jogo so irrelevantes frente s normas de procedimento.

    O termo accountability, por sua vez, um dos que mais ateno tem chamado, a ponto de terprovocado o surgimento da palavra responsabilizao para traduzir, nas palavras de Oszlak, a la vignciade las reglas de juego que exigen la rendicin de cuentas a terceros, ante los cuales se es responsable de umacto o de uma gestin. Novamente, em outro extremo, a accountability manifesta uma faceta deirresponsabilidade do Estado: a vigncia de uma cultura que admite que ningum deve responder por suasaes quando se trata de julgar os resultados de uma gesto; que no h por que prestar contas ainda quandoexistam normas que assim o estabeleam; que o segredo, o anonimato e a falta de transparncia so o habitatnatural para o desenvolvimento da gesto pblica; e, sobretudo, que ningum se arroga a faculdade de exigirtal prestao de contas porque a cadeia de inimputabilidade percorre todos os nveis da hierarquiainstitucional do Estado.

    Outro termo que tambm requer maior compreenso transparncia. Para os fins deste trabalho, otermo descreve o fluxo crescente e tempestivo de informao econmica, social e poltica: como osinvestidores privados se relacionam com o Estado (tomada de emprstimos, capacidade de pagamento)?Como o Estado prov os seus servios (poltica monetria e fiscal)? A transparncia, assim, tem os seguintesatributos (Vishwanath e Kaufman, 1999):

    1. Acessibilidade aos meios de informao, aliada proficincia (nvel educacional) da populaoem geral;

    2. Relevncia da informao apresentada;3. Qualidade e confiabilidade, bem como tempestividade, abrangncia, consistncia e relativa

    simplicidade em sua apresentao.Mesmo tendo sua importncia considerada, h ainda um longo caminho a ser percorrido pelas

    sociedades para obter um nvel de transparncia adequado. Stiglitz (1999), em conferncia promovida pelaAnistia Internacional, afirmou que:

    On the whole societies preference should be in favor of greater openness and transparency.Conceptually, the information economics literature supports the notion that better information willimprove resource allocation and efficiency in economy. Disclosure of financial information directscapital to its most productive uses, leading to efficiency and growth. Lack of transparency can becostly, in both political and economic terms. It is politically debilitating because it dilutes the ability ofthe democratic system to judge and correct government policy, cloaking the activities of special

    7

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    8/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    interests, and creating rents by giving those with information something to trade. The economic costsof secrecy are equally staggering, affecting not only aggregate output but also the distribution ofbenefits and risks in the economy. The most significant cost is that of corruption, which has adocumented adverse effect on investment and economic growth.Assim, ainda que haja pertinncia de discutir a divulgao de informaes que podem vir a colocar

    em risco a segurana nacional, a estabilidade, a no interferncia em negociaes complicadas, h que selembrar que sempre existe dubiedade em relao ao que se pode divulgar e maior contradio ainda em

    relao ao que o povo tem direito de saber.Por esses e tantos outros motivos, as reformas estatais a partir da dcada de 1990 buscam tornar o

    Estado, alm de eficaz e eficiente, tambm efetivo. H limites para se obter o controle, assim como aaccountability, que se pode constatar observando o Quadro 1, que busca representar os tipos deresponsabilizao segundo a forma predominante de controle e conforme os controladores que efetuam oprocesso.

    O primeiro controle da ao do governo, historicamente, foi garantido pelo controle parlamentar,tendo os polticos como controladores. uma via clssica de accountability e tem como premissa aseparao dos poderes como a realizao do controle mtuo entre o Executivo e o Legislativo. Constitui-se,assim, um mecanismo horizontal de responsabilizao, tendo como uma de suas principais caractersticas oconceito liberal de limitao de poder. Entre os principais mecanismos de controle parlamentar, destacam-se:

    1.a avaliao das indicaes realizadas pelo Executivo para importantes cargos pblicos;

    2.o controle da elaborao e gesto oramentria e da prestao de contas do Executivo;3.a existncia e o funcionamento pleno de comisses parlamentares destinadas a avaliar as

    polticas pblicas e a investigar a transparncia dos atos governamentais;4.audincias pblicas para avaliar leis em discusso no Legislativo, projetos do Executivo ou

    programas governamentais em marcha.O principal desafio do controle parlamentar obter um tipo de sistema de governo que equilibre os

    poderes. Caso haja um exagerado predomnio do Executivo, pode ser prejudicado, requerendofortalecimento dos instrumentos de controle, superviso e assessoramento pertencentes ao Legislativo. Almdisso, os sistemas partidrios e eleitoral constituem uma varivel importante na definio da fora dosLegislativos.

    A responsabilizao por meio dos controles processuais clssicos fundamental na fiscalizaorepublicana dos governos (controle da constitucionalidade das decises, garantia dos direitos dos cidadosfrente aos governantes, fiscalizao e auditorias das contas pblicas e ao de promotores pblicos nocontrole dos polticos), realizando-se mediante mecanismos internos administrao, tais como as comissesadministrativas de fiscalizao do comportamento financeiro e jurdico dos funcionrios, assim como pormeio de mecanismos externos, como os tribunais de contas, as auditorias independentes e o PoderJudicirio11.

    Os principais objetivos dessa forma de responsabilizao consistem em fazer com que a burocraciaadministre de acordo com as disposies legais existentes, de modo que se mantenha a obedincia aos princpios de probidade e universalidade dos atos governamentais; igualmente, consiste em controlar as

    11 A experincia portuguesa, no campo das garantias legais de controle e participao, significativa: a Constituioportuguesa bastante abrangente, indo alm da Constituio Federal brasileira e do ordenamento legal ordinrio, onde seprev o direito de petio, a ao civil pblica, a ao popular e o mandado de segurana, dentre outros instrumentos decontrole social da Administrao Pblica. No caso portugus, alm desses instrumentos clssicos, assegura-se tambm o

    princpio constitucional do aprimoramento da democracia participativa, situando-se como tarefa fundamental do Estadoassegurar a participao democrtica dos cidados na soluo dos problemas nacionais (art. 9, c). A Constituio

    portuguesa garante, ainda, a participao de representantes dos trabalhadores e das atividades econmicas no ConselhoEconmico e Social, rgo de consulta e planejamento estatal. No mbito da Administrao Pblica, prev a participaodos interessados na sua gesto efetiva, por meio de associaes pblicas, organizaes de moradores e outras formas derepresentao democrtica (art. 277, 1), garantindo-se ao cidado o direito de acesso a arquivos e registrosadministrativos.efetiva (TCITO, 1998).

    8

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    9/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    aes dos governantes para que respeitem os direitos dos cidados e no cometam atos de corrupo. Oscontroladores, neste caso, so habitualmente burocratas, com duas ressalvas: os controladores do PoderJudicial e do Tribunal de Contas tm um status diferenciado e superior em relao ao resto da burocracia e,em alguns pases, as auditorias financeiras independentes tambm incluem representantes da sociedade.

    A responsabilizao por mecanismos de participao popular ou controle social independente dospoderes pblicos, por sua vez, faz dos cidados os controladores dos governantes, no apenas em perodos

    eleitorais, como tambm ao longo do mandato de seus representantes. Deste modo, a accountability ao longodo governo no se restringe aos controles horizontais clssicos, mas adota formas verticais de fiscalizao.Esse tipo de controle procura responder crtica de que o Estado no ouve as demandas dos

    cidados; participando ativamente, a Sociedade garante a democratizao do seu relacionamento com oEstado, fortalece as polticas gerenciais de modernizao do setor pblico, uma vez que o antigo modeloburocrtico auto-referenciado no logrou estabelecer um processo defeedbackcom os usurios dos serviospblicos. Dessa forma, melhoraria o processo de construo de capacidades estatais, por trs razes:

    1. Quando o cidado pode expressar suas preferncias e reivindicaes publicamente, o Estadoganha parte da credibilidade que necessita para bem governar;

    2.Como na maioria dos bens pblicos no existem mecanismos de mercado, a voz popular podereduzir os problemas de informao e diminuir os custos de transao;

    3.Por maior que seja sua dedicao, seu empenho ou esprito pblico, as autoridades estatais nopodem prever (e prover tempestivamente) todos os bens e servios que os cidados desejam,modificando, assim, o relacionamento entre a sociedade e os prestadores de servios.

    O exerccio do controle social, porm, somente pode ocorrer quando existem instrumentos dedivulgao e controle da consistncia das informaes governamentais (acesso fcil a informaes referentesa licitaes, contratos, programas governamentais, avaliao do resultado de polticas), assim como canais dereclamaes da populao para o governo.

    A discusso sobre os limites e a eficcia do controle social sobre os agentes pblicos est, como sedepreende, muito longe de ser considerada conclusiva. Mais recentemente, Grau (2000) procurou resumir asquestes essenciais do tema, conforme o Quadro 2, as quais sero abordadas em itens prximos nestetrabalho.

    Outras formas de controle prprias do modelo gerencial, formuladas recentemente, so o controlepelos resultados e o controle pela competio administrada. So muito parecidos em termos de concepo eseguem quase a mesma lgica: o controle pelos resultados tipicamente se manifesta como uma relaocontratual ocorre entre uma instncia do governo central, que ser o rgo supervisor do contrato, e umaagncia governamental (que pode ser empresa pblica ou agncia executora). Os oramentos por resultadoinserem-se nessa forma de controle: as agncias governamentais operam a partir de uma relao que lhesassegura condies financeiras e capacidade operacional ampliada; em troca, comprometem-se a atingirmetas fsicas ou operacionais, ou objetivos e resultados quantitativos ou qualitativos, articuladas ecomplementares, compatveis com suas misses, em determinado horizonte temporal. Segundo DavidArellano Gault (2001:4),

    Este processo de concatenacin entre impactos y resultados implica la construccin de un modelorelativamente completo de la contribuicin de los diferetnes programas, manejados por diferentes

    agencias, tienente tanto en el uso de recursos, como en en costo y eficiencia de las accionesdiseadas. En otras palabras, no es possible contentarse solamente con una definicion del nivel derecursos que se necesita para empreender una accin, sino una comparacin en trminos deeficiencia, congruencia e incluso equidad de cada programa y de cada accion organizacional aempreender.Inegavelmente existem diversos obstculos para a implementao desse sistema, tanto no ambiente

    interno s organizaes quanto no externo. No ambiente interno, percebe-se que a escolha de indicadores ecritrios de sucesso adequados s condies das organizaes pblicas so prejudicados por interessesmltiplos e conflitantes, ambigidade de objetivos, interdependncia entre organizaes afins, resistncia

    9

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    10/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    avaliao e mensurao, alm de efeitos no previstos no comportamento das pessoas. No ambienteexterno, muitas vezes o cenrio dinmico e complexo, a instabilidade das decises, a interdependncia, adiversidade e a incerteza formam o cotidiano dos gerentes e gestores responsveis pela implementao deprogramas e projetos governamentais.

    Das experincias mais consolidadas, como a da Inglaterra e dos EUA, ficaram diversas lies: osrgos de controle perceberam que houve diversas falhas de gerenciamento (controles financeiros

    inadequados, no-cumprimento de regras, inadequada conduo dos recursos pblicos e incapacidade degarantir o valor do dinheiro). Alm disso, alguns relatrios tambm apontaram para as falhas dosdepartamentos governamentais em estabelecer monitoramento efetivo dos rgos pblicos descentralizadosque eles financiam, o que dificultou sobremaneira a apurao de desperdcios e irregularidades. H que seatentar igualmente para os casos em que os executivos comissionados nas agncias, especialmente aquelesvisivelmente dominadores, saibam exatamente quais so as suas responsabilidades individuais (OCDE,1997). Alm disso, segundo Arellano Gault, em alguns pases identificou-se problemas como indefinio narelao entre baixo desempenho de programas e medidas corretivas, a desconsiderao de fatores externos,fora do controle das agncias, capazes de influir em sua atuao, e a prpria influncia poltica na tomada dedeciso no processo oramentrio (2001:5)

    Ademais, percebeu-se que h falta de clareza na relao entre as agncias e os seus departamentos.Os britnicos perceberam que os papis das agnciasNext Steps e seus ministrios ficam, na maior parte dasvezes, no muito claros devido aos problemas inerentes ao processo de delinear responsabilidades (Massey,1995). Por exemplo, enquanto os departamentos deveriam fazer as polticas e as agncias, implement-las,uma avaliao mostrou que isso no tem acontecido na prtica: por vezes, as decises tomadas pelasagncias causaram impacto nas escolhas das polticas. Se uma agncia tem por meta reduzir um dficitoperacional, pode propor a criao de uma taxa para os usurios do servio. Enquanto essa proposta pode servista como uma deciso da agncia de implementar uma poltica de reduzir custos, pode tambm significaruma deciso sobre os tipos de programas pblicos cujo financiamento ser feito pelo usurio.

    Com a iniciativa das agncias executivas Next Steps, tem ocorrido uma visvel modificao nossistemas de controle, cujas caractersticas principais so: a crena de que os departamentos governamentaisdeveriam concentrar-se no gerenciamento estratgico, e no nas questes mais cotidianas do controle; aindicao dos executivos chefes para as agncias, de dentro ou fora do servio pblico, para a execuo datarefa; o incentivo, tanto pelos departamentos quanto pelas agncias, total utilizao das liberdadesgerenciais, com o mximo de delegao possvel de sua atuao no governo local; e o estabelecimento, paracada agncia, de um marco referencial que define os objetivos e metas das agncias e os produtos eresultados esperados tanto em termos de quantidade e qualidade, com indicadores de desempenho explcitos.

    Essa experincia na Inglaterra, todavia, sofreu alguns revezes. Os rgos de controle perceberam quehouve diversas falhas de gerenciamento: controles financeiros inadequados, no-cumprimento de regras,inadequada conduo dos recursos pblicos e incapacidade de garantir o valor do dinheiro. Alm disso,alguns relatrios tambm apontaram para as falhas dos departamentos governamentais em estabelecermonitoramento efetivo dos rgos pblicos descentralizados que eles financiam, o que dificultousobremaneira a apurao de desperdcios e irregularidades. H que se atentar igualmente para os casos emque os executivos comissionados nas agncias, especialmente aqueles visivelmente dominadores, saibamexatamente quais so as suas responsabilidades individuais (OCDE, 1997).

    O governo britnico tem tomado medidas para resolver essa questo, mas com sucesso limitado, deacordo com os estudos publicados mais recentemente. Uma dessas medidas foi a criao do Fraser, umfuncionrio pblico mais graduado que promove a coordenao entre a agncia e o departamento. Essafigura tem sido usada em cerca de 40% das agncias. Contudo, as avaliaes sugerem que essa abordagemno tem funcionado to bem, uma vez que o Fraser raramente capaz de representar as vises tanto dodepartamento quanto da agncia de forma equilibrada e geralmente no tem uma equipe disponvel paracoordenar as atividades. Alm disso, foram introduzidos conselhos dentro de 30% das Agncias, mastampouco tiveram pleno sucesso: tendem a ser desequilibrados em suas funes de assessoria e

    10

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    11/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    monitoramento, geralmente enfatizando uma em detrimento da outra.Essa falta de clareza quanto aos respectivos papis e responsabilidades das agncias e departamentos

    tambm afetam a responsabilizao pelos resultados. Uma vez que a distino entre a administrao e aformulao de polticas no esteja clara, a definio de um responsvel torna-se uma questo muitocomplexa. O processo de formulao de polticas e sua implementao esto freqentemente ligados e,assim, difcil distinguir quem claramente responsvel - se o ministrio que a desenha ou o executor -

    especialmente em casos de resultados ruins. Para resolver essas pendncias, o governo britnico temencorajado maior colaborao entre ministros e executores, facilitada pelos Frasers, o que, pelo que j foiexposto, tem alguns limites.

    As recentes mudanas no governo britnico no afetaram o uso desses instrumentos contratuais,havendo, mesmo, uma ampliao do uso de instrumentos semi-contratuais, como os Public ServiceAgreements, idia lanada ao final de 1998 como forma de introduzir, na prpria estrutura ministerial edepartamental do governo britnico, a utilizao de metas e objetivos claros, pblicos e quantificveis comomeio de avaliar o desempenho da administrao pblica, e aumentar sua eficincia e produtividade12.

    Pouco mais de um ano aps anunciar sua deciso nesse sentido, em 30 de junho de 1998, o governobritnico relanou o Citizens Charter Programme, redirecionando experincia em vigor desde 1991 e quecomplementa a utilizao dos contratos de gesto por meio da fixao de compromissos de desempenho comos usurios, fixando regras para orientar o relacionamento entre rgos prestadores de servios e seususurios, estipulando direitos dos usurios e obrigaes para os servidores e rgos. Em sua configuraooriginal, o Citizens Charterfoi apontado como um programa que priorizou a concepo de consumidor, emprejuzo do conceito de cidado, especialmente em face da nfase no direito de escolha dos servios pblicose no controle das polticas pblicas (Abrucio, 1998), fruto da concepo de despolitizao daadministrao ou separao entre formulao e implementao de polticas, tpica da administraogerencial. Outras falhas apontadas foram a falta de clareza na fixao de padres, servios no diferenciados para usurios com problemas especficos, ausncia de prioridades relevantes para o usurio, baixa participao do cidado na avaliao dos servios, bem como dos funcionrios da linha de frente nadefinio de padres .

    Nos EUA, as alternativas escolhidas foram declaradamente inspiradas na experincia britnica. Nombito do programa National Partnership for Reinventing Government(NPR), novo nome do programainiciado em 1993 (ento denominado National Performance Review), o governo americano vemintroduzindo, especialmente a partir de 1996, novos mtodos de gesto nos departamentos e nas agnciasgovernamentais.

    Em agosto de 1993, o Congresso Nacional americano aprovou o Government and PerformanceResults Act(GPRA), obrigando legalmente as agncias e departamentos do governo federal a apresentaremao Congresso e a publicarem, anualmente, relatrios do desempenho. Os organismos devem desenvolverplanos anuais de desempenho, incluindo metas e objetivos e os respectivos critrios de aferio. Em caso deno se alcanarem as metas, o relatrio anual deve apresentar justificativas e as medidas a serem adotadaspara que as metas possam ser cumpridas nos exerccios seguintes. Decreto presidencial baixado em setembrode 1993 passou a exigir das agncias federais que estabelecessem, em conjunto com seus usurios, metas para o aprimoramento de seus servios. O GPRA exigiu que as agncias submetessem seus planosestratgicos ao Congresso e ao Office of Management and Budgetat 30 de setembro de 1997 e que, a partirdo ano fiscal de 1999, implementassem planos estratgicos qinqenais e planos de desempenho anuais, paralelamente s suas propostas de oramento enviadas ao Congresso. Embora sejam reconhecidas asparticularidades dos organismos governamentais, pela primeira vez, em maro de 2000, foram apresentados

    12 A avaliao de desempenho das agncias executivas e departamentos ministeriais, envolvendo 136 agncias e 2departamentos envolvidos noNext Steps Program apontou um ndice de 75,7% de atingimento das metas, no ano de 1998.Houve, em relao aos anos anteriores, uma melhoria significativa nos resultados (aumento de cerca de 52% de metasatingidas, em relao ao ano anterior).

    11

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    12/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    os relatrios, relativos ao ano fiscal encerrado em setembro de 1999. O plano estratgico de cada agnciadever ser revisado anualmente, e os planos anuais devero ser compatveis com o plano estratgico13.

    Como resultado do GPRA, e a partir de projetos pilotos foi implementado o programa High ImpactAgencies14, com vistas orientao para o usurio e foco em resultados, e que, tambm por meio decompromissos de gesto ou contratos de desempenho, passam a ter seu desempenho aferido a partir de metaspr-estabelecidas. Em outubro de 1998, o ento Presidente Bill Clinton sancionou lei instituindo a primeira

    Performance-Based Organization

    15

    , novo status jurdico conferido s agncias governamentais para quefossem dotadas de maior autonomia. Essa nova forma jurdica assegura tratamento diferenciado agncia,especialmente no que se refere gesto de pessoal, compras e contrataes, a fim de que possa atuar deforma mais assemelhada s companhias privadas. As flexibilidades estaro associadas ao cumprimento demetas anuais, assegurado um bnus de 50% sobre o salrio do Chefe Executivo da Agncia. Agnciascomo a U.S. Mint, aFederal Aviation Administration, aDefense Commissary Agency, o Federal Retirementand Insurance Service e o Patent and Trademark Office, que j participam do High Impact Agencies,aguardam a aprovao pelo Congresso americano de leis que lhes confiram o mesmo status. Essas medidas,igualmente, vm sendo acompanhadas de processos de privatizao e contratao externa, sob a lgica dacompetitividade entre provedores de servios.

    Na Nova Zelndia, pas que implementou uma das mais radicais redues do Estado de Bem-Estarnos ltimos 15 anos, igualmente lanou-se mo de novas formas organizacionais16. Nesse pas, a reduo doaparelho do Estado iniciou-se em 1986, pela via da redefinio de suas funes na explorao de atividadeseconmicas. No curso desse processo, denominado corporatizao, foram constitudas novas empresas pblicas, a partir de departamentos e rgos governamentais que at ento exploravam atividadeseconmicas17.

    A corporatizao deu origem s State Owned Enterprises, separando-se estas empresas dasinstituies prestadoras de servios pblicos no-comerciais, e preparando-as para a privatizao. Entre 1987e 1990, processou-se a privatizao direta de departamentos ministeriais18 e tambm das empresas dossetores de navegao, telecomunicaes, transporte areo e petrolfero, e do Banco Postal.

    A flexibilizao dos controles no mbito das empresas e demais organizaes pblicas,especialmente no que se refere gesto de pessoal, foi acompanhada da adoo de novos princpios, entre osquais a orientao para resultados, mediante reduo de custos proporcional reduo das estruturas eservios extintos, incentivo obteno de recursos prprios por meio da cobrana de servios prestados aos

    13 Dados disponveis em: http://www.npr.gov/library/misc/s20.html.14 Trinta e duas agncias do governo federal americano, como oInternal Revenue Service, a Social Security Administration,o National Park Service, a U.S. Mint, a Federal Aviation Administration, a Defense Commissary Agency, o Federal

    Retirement and Insurance Service, oPatent and Trademark Office e o United States Postal Service, envolvendo 1,4 milhode servidores pblicos, fazem parte desse programa.15 Por meio dessa Lei, foi estabelecida, no Departamento de Educao umaPerformance-Based Organization PBO com oobjetivo, dentre outros, de ampliar a oferta de financiamento aos estudantes, reduzir os custos de administrao dosservios, aumentar a accountability dos servidores responsveis, assegurar flexibilidade na gesto operacional, integrarsistemas de informao e manter um sistema de assistncia financeira a estudantes confivel. Para isso, a lei assegura PBOautonomia oramentria, de gesto de pessoal e de processos, sujeita a auditoria anual. O plano de desempenho, firmado

    pela Secretaria de Estado da Educao, ter durao de 5 anos, devendo a cada ano ser enviado relatrio ao Congresso. Aautonomia concedida afasta da PBO a aplicao das tabelas de remunerao aplicadas ao servio pblico americano(General Schedule), devendo ser implementada sistemtica de avaliao de desempenho individual, grupal ouorganizacional.16 Cf. Toward Better Governance public service reform in New Zealand. Office of the Auditor Geral of Canada, s/d.Disponvel em http://www.oag-bvg.gc.ca/other/html/other_e/nze/nzbody.html.17 Como exemplo dessa situao, cite-se o fato de que o Departamento de Energia, rgo da estrutura ministerial, respondia

    pela produo de carvo e de energia eltrica na Nova Zelndia, ao mesmo tempo que o Post Office administrava tanto oscorreios quanto o Banco Postal, at 1986.18 Os departamentos governamentais encarregados dos seguros de vida e da imprensa oficial foram privatizados sem quetivessem, antes, sido criadasstate owned enterprises.

    12

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    13/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    usurios e reinvestimento de recursos economizados no aumento da eficincia.A reestruturao deu-se tambm, a partir de 1992, por meio da criao de Crown Entities, entidades

    autnomas criadas para a execuo de funes operacionais e regulatrias, em reas como educao,pesquisa cientfica e sade pblica, dirigidas por Chefes Executivos nomeados por livre escolha ministerial,de natureza similar s Executive Agencies britnicas e as Performance-Based Organizations americanas.Essas instituies passaram a operar mediante cartas de inteno, especificando metas, objetivos e

    mecanismos de aferio, formuladas em acordo com os respectivos Ministros, aos quais caberia a auditoria esuperviso sobre as Crown Entities, e submetidas ao Parlamento.A reestruturao operada no governo neozelands, acompanhada de processos de downsizing,

    reduziu em 53% o nmero de servidores, de 86.000 para 34.000, e de 53 para 35 os departamentos e crownentities, entre 1984 e 1993. Estimativas indicam que, ao todo, o processo de reestruturao gerou pelo menos100.000 novos desempregados na Nova Zelndia, com resultados diretos na reduo de gastos pblicos, eimpactos, tambm, na efetividade19 da atuao do Estado, especialmente em vista da adoo do foco emresultados, que reduziu a importncia de critrios qualitativos na apurao do desempenho das instituies pblicas. Os contratos de desempenho empregados no servio pblico neozelands foram usualmenterelacionados medio de outputs em termos de bens e servios produzidos ou prestados, mais do que nosoutcomes para a sociedade. Embora os ministrios continuassem responsveis pela fixao dos outcomes,cada agncia tinha autonomia para fixar os outputs. A correta e adequada fixao de outputs, do ponto devista qualitativo, era assim fundamental no processo de alocao de recursos.

    Que resultados concretos foram obtidos de todo esse esforo? Diagnsticos recentes tm apontadouma significativa correlao entre as medidas adotadas e a reduo da qualidade do governo, assim comodo acesso aos servios pblicos, em especial os de sade e educao, deteriorao da qualidade dosempregos, e aumento da pobreza, da violncia e de tenses sociais e raciais20. Ao contrrio do esperado, omaior grau de autonomia reduziu a accountability e a transparncia das organizaes pblicas, enquanto aexcessiva fragmentao das atividades governamentais reduziu a capacidade de interveno e coordenaoentre Ministrios e agncias prestadoras de servios. A utilizao de contratos, finalmente, produziu a perdado referencial tico e moral, introduzindo como referencial para a gesto das instituies, em lugar da buscae satisfao do interesse pblico, o cumprimento de metas e objetivos contratuais, exclusivamente.

    Segundo Roberto Picciotto (1998, pp. 5-6), no mbito internacional a nfase atualmente repousamenos nos aspectos punitivos e de controle e mais nos benefcios desenvolvimentistas da funo deavaliao. Em muitos pases, os governos tm adotado uma postura menos intervencionista, dando aosgerentes maior autonomia e, conseqentemente, maioraccountability, o que implica crescente necessidadede objetividade e agilidade nos relatrios de gesto. E implica, ainda, que as respostas para as necessidadescambiantes devem ser flexveis e pragmticas.

    3. Controle,Accountability e Transparncia na Administrao Pblica no BrasilA ampliao do controle social, da responsabilizao dos agentes pblicos e a busca de maior

    transparncia, alm de ser imperativo da construo da democracia, vincula-se, no Brasil, necessidade deenfrentar um problema de graves propores: a corrupo na esfera pblica. Sem tal enfrentamento, a

    19 Segundo Gaebler & Osborne (apud Abrucio, 1998:184) a efetividade medida pelo grau em que se atingiu os resultadosesperados, o que envolve, segundo Abrucio, a avaliao qualitativa de servios pblicos. Mas a efetividade tambm considerada quando se atingem resultados socialmente relevantes, ou seja, de interesse do conjunto da sociedade, no casodos servios pblicos. Em qualquer caso, o nexo qualidade-efetividade o aspecto mais relevante para a anlise do

    problema: Com o conceito de efetividade, recupera-se a noo de que o governo deve, acima de tudo, prestar bonsservios (idem, p. 184).20 V. Harris, Peter. Reestruturing the public sector: The New Zealand Experience. Public Services International. Disponvelem http://www.world-psi.org/download/en_restruct_nz.rtf, em: jul. 1999.

    13

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    14/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    instruo de mecanismos flexibilizadores da gesto e do controle, orientados para a introduo de umaadministrao orientada para resultados podero produzir disfunes ainda mais graves do que a perda deeficincia na alocao dos recursos.

    Conforme alerta o Prof. Simon Schwartzman, as formas tradicionais de representao democrticaapresentam dois problemas: um a corrupo, e o outro o das dificuldades inerentes ao prprio modelopoltico de representao democrtica. Nesse ltimo caso, esto presentes as prprias limitaes do sistema

    democrtico dentre a quais a tendncia oligarquizao dos regimes polticos burocratizados, e os problemasde racionalidade substantiva, prprios do welfare state, que requerem, presumivelmente, formas derelacionamento mais direto entre governo e cidadania, sem que isso represente o esvaziamento dos sistemasrepresentativos tradicionais.

    A abordagem do fenmeno da corrupo e do seu combate parte, primeiramente, de uma adequadaconceituao desse termo. Tantas so as manifestaes da corrupo, e tantos os exemplos vivenciados nodia-a-dia, que se assume como vlida a conceituao sugerida por Klitgaard (1994, p. 40):

    corrupo o comportamento que se desvia dos deveres formais de uma funo pblica devido ainteresses privados (pessoais, familiares, de grupo fechado) de natureza pecuniria ou para melhoraro status; ou que viola regras contra o exerccio de certos tipos de comportamento ligados a interessesprivados.

    Segundo Marcos Gonalves da Silva21, professor da Fundao Getlio Vargas, a corrupo no Brasil

    apresenta caractersticas endmicas: manifesta-se de forma disseminada em todos os setores da sociedade,est ligada a fatores culturais, e insere-se num contexto mais amplo e, para seu combate, requer medidas delongo prazo h uma aceitao tcita tanto do lado do corrupto quanto do corruptor, a sociedade no cumpreleis e acha natural, portanto, que seus dirigentes no as cumpram tambm.

    Como na maior parte dos pases em desenvolvimento, os nveis de corrupo na AdministraoPblica brasileira so alarmantes. Segundo a Transparncia Internacional, o Brasil ocupava, em 2002, numalista de 102 pases, a 45 posio em nveis de corrupo percebida pela sociedade22. No ano 2000, a posiodo Brasil era a 49; em 1998, o pas ocupava a 36 posio. O ndice de Percepes de Corrupo de 2003 daTransparncia Internacional mostra que o Brasil no mostrou alterao, mantendo o status de pas afetadopor nveis relativamente altos de corrupo. No ranking da corrupo, o Brasil, que em 2002 ocupou o 45

    lugar, em 2003 passou para o 53

    23

    . Segundo a Transparncia Internacional, o ndice de corrupo percebidado (que em 2003 incluiu 133 pases), que classifica o grau de corrupo dos pases numa escala de 0 a 10, emque 10 corresponde ao menor grau de corrupo percebido e 0 ao maior grau, foi, no Brasil, aferido em 3,9,contra 4,0 em 2002 e 2001, 3,9 em 2000, 4,1 em 1999 e 4,0 em 1998. Embora o pas no tenha piorado aolongo do tempo na percepo internacional sobre o grau de corrupo vigente, tambm no houve melhoras.Com efeito, a atual posio do Brasil no ranking e a sua situao acarretam enormes custos sociais eeconmicos, alm de polticos.

    A pontuao brasileira foi atribuda com base em nove estudos, de cinco fontes diferentes. Segundo oPresidente do Conselho deliberativo da Transparncia Brasil, Eduardo Capobianco, o Brasil foi reprovado

    21 In Silva e Garcia. Os impactos econmicos da corrupo. Disponvel em http://cevep.ufmg.br/bacp/028-agosto/03-028.htm22 Cfe. Transparency International, Global Corruption Report 2003, London: Profile Books, 2003, p. 264-265.23 A atual posio do pas, 53 no ranking, no implica que tenha havido piora significativa. Em 2002, o Brasil mereceu nota4,0, a mesma de 2001. Nesses anos, porm, ficou em 45 lugar (2002) e em 46 (2001). A incluso de novos pases, noentanto, tem mudado as posies relativas no ranking. Num grupo de 133 pases considerados em 2003, a Finlndia,considerado o pas menos corrupto, recebeu nota 9,7 e Bangladesh, o mais corrupto, 1,3. A Argentina, que em 2001recebera nota 3,5, caiu para 2,8 em 2002 e 2,5 em 2003, ficando com a 92 posio, muito prxima da Rssia e ndia. OsEstados Unidos, com 7,5, ficaram com a 18 posio. Na Amrica Latina, a melhor posio ficou, mais uma vez, com oChile, (20) com nota 7,4. Nesse critrio, ficaram ainda na frente do Brasil o Uruguai, com 5,5, (33), e a Costa Rica, com4,5 (50). O Peru e a Colmbia dividem a 59 posio, com 3,7 pontos. O Mxico atingiu a 64 posio, com 3,6 pontos. Emltimo lugar ficou o Paraguai, com 1,6 em 129). Cfe. Transparency International, Global Corruption Report 2004, London:Profile Books, 2003;p. 284-285.

    14

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    15/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    pela percepo internacional". Na sua opinio, o ndice de corrupo percebida no Brasil inaceitvel, parauma economia desenvolvida e complexa como a que existe no Pas, o que requer medidas urgentes, nos trsnveis de governo, para a sua reduo24.

    Todavia, a sociedade brasileira clama por medidas para coibir e combater a corrupo. No basta,porm, adotar medidas que atendam ao clamor popular ou presso da mdia, com pretenso de combater aimpunidade. Para o Presidente do Conselho da Transparncia Brasil preciso adotar aes preventivas, para

    que a corrupo seja reduzida a nveis tolerveis, uma vez que, segundo Klitgaard (1994:45), o nvel timode corrupo no zero, mas sim aquele em que os custos do controle da corrupo, e do seu combate,sejam menores do que os prejuzos por ela causados. Parece no restar dvida de que a corrupo tem, emsituaes com a vivenciada no Brasil, um custo excessivo. Embora inexista pas livre da corrupo, o seuimpacto nos pases em desenvolvimento so muito mais crticos, agravando-se os efeitos perversoscomumente associados corrupo: a corrupo prejudica o desenvolvimento econmico, e pases com altosnveis de corrupo tendem a ser marginalizados na economia global, atingindo mais duramente os pasespobres25. Exemplificando como a corrupo erode as instituies, aponta Shepherd (1998):

    1. a corroso das instituies pblicas pela subverso das leis, regulamentos e do sistema defreios e contrapesos, reduzindo, conseqentemente, a legitimidade e a credibilidade doEstado, acarretando srios problemas de governana;

    2.

    o incentivo ao desperdcio, ineficincia dos gastos pblicos e sonegao de impostos;3. o desencorajamento do investimento externo e interno26;4. o aumento dos custos de transao27.

    Esse quadro de anomia conduz a um crculo vicioso em que medidas saneadoras tm seus efeitosdrasticamente reduzidos, reclamando ainda mais empenho para que os resultados sejam atingidos.

    Entre as solues apontadas para reduzir a corrupo, destaca Shepherd a necessidade de um Estadomais honesto e capaz, no apenas para assegurar que os fortes no exploraro os fracos num regime depropriedade privada, mas tambm para prover servios pblicos dentro das regras legais e que favoream osmenos privilegiados, alm de estabelecer um sistema de finanas pblicas, procuradoria e auditoria maiscontrolvel e transparente, e um servio pblico mais profissionalizado e bem remunerado28.

    24 Outro dado emblemtico a concluso, tambm obtida a partir de levantamento do Instituto Brasileiro de Opinio ePesquisa e da Transparncia Internacional, divulgado em maio de 2001, que 6% dos eleitores receberam ofertas de comprade voto com dinheiro nas eleies municipais de 2000. A mesma pesquisa aponta que 9% das pessoas que procuraramsolucionar problemas com administraes municipais tiveram os servios condicionados votao em algum candidato, eque 4% dos entrevistados receberam pedidos de pagamento de propina por parte de agentes pblicos, nos ltimos 12 meses.Segundo pesquisa, para a maioria dos brasileiros a corrupo piorou no Pas nos 2 anos anteriores, com uma percepo,

    pelos entrevistados, de que houve um aumento maior da corrupo na esfera federal do que nos outros nveis do governo.Para 37% dos entrevistados, a corrupo aumentou muito no governo federal nos dois anos anteriores (cfe. Marinello,Fabiana. Brasileiros acham que a corrupo cresceu no pas. Jornal do Brasil, 9 mai 2001. Disponvel emhttp://jbonline.terra.com.br/jb/papel/brasil/2001/05/09/jorbra20010509011.html).25No Brasil, segundo Marcos Fernando Garcia, se o ndice de corrupo no Brasil casse 10%, a renda per capita nacionalaumentaria R$ 6.000, ou seja, sofreria um incremento de 33%.26 Segundo estimativas, a taxa de investimento em relao ao Produto Interno Bruto 16% menor em pases com altosnveis de corrupo do que em pases com baixos nveis de corrupo.27 Segundo estudo do Banco Mundial, envolvendo 3.600 empresas em 69 pases, mais de 40% dos empresrios relataram terque pagar propinas rotineiramente para resolver problemas. Alm desses custos extraordinrios, a corrupo tambmacarreta outras ineficincias, tais como o desperdcio de tempo e relaes improdutivas com o setor pblico.28 Para Miguel Schloss, diretor-executivo da Transparncia Internacional, a corrupo uma "doena endmica", cuja curaestaria centrada na tica e no profissionalismo das relaes entre Estado e empresas privadas e na presso da sociedadecivil. Eduardo Capobianco associa a corrupo misria, e afirma que o suborno o maior responsvel pela misria doBrasil". Em maio de 2001, a Declarao Final do Global Forum of Fighting Corruption and Safeguarding Integrity II,realizado em Haia, Holanda, com representantes de 142 pases, concluiu que a integridade na administrao crucial parao alcance da boa governana e requer o comprometimento contnuo das lideranas nos nveis poltico e administrativo,sendo necessrio que os governos a promovam envolvendo cidados, meios de comunicao e o setor empresarial na

    15

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    16/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    No Brasil, muitas dessas medidas tm sido adotadas nos ltimos anos: em 1993, um Cdigo de ticado Servio Pblico foi aprovado e baixado por Decreto presidencial. Em dezembro de 1993, foi constitudauma Comisso Especial de Investigao da corrupo para atuar no mbito da Administrao Pblica Diretae Indireta, composta por membros da sociedade civil, integrantes do Ministrio Pblico e do governo, eauxiliada por tcnicos do Tribunal de Contas da Unio, com amplos poderes para investigar aes doExecutivo. Foi reestruturado, no Poder Executivo, o Sistema de Controle Interno, com a criao da Secretaria

    Federal de Controle, em 1994

    29

    . A Corregedoria-Geral da Unio foi criada pela Medida Provisria n 2.143-31, de 2 de abril de 2001, no mbito da Presidncia da Repblica, com o objetivo de dar o devido andamentos representaes ou denncias fundamentadas que receber, relativas a leso ou ameaa de leso ao patrimnio pblico. Em abril de 2002, o Presidente Fernando Henrique Cardoso props ao Congresso aalterao da denominao desse rgo para Controladoria-Geral da Unio. Ainda em 1998, foi editadopelo Presidente da Repblica um novo "Cdigo de Conduta dos Titulares de Cargos na Alta AdministraoFederal", sem fora de lei, abrangendo ministros de Estado, secretrios-executivos dos Ministrios, titularesde cargos em nvel de DAS-6, diretores de agncias reguladoras, diretores de empresas estatais, e outroscargos de igual hierarquia. Em agosto de 2001, por meio da Medida Provisria n 2.171-44, foi instituda, emcarter geral, a figura da quarentena para ministros e autoridades do segundo escalo do governo, proibindo-os a, ao deixarem o governo, por quatro meses, de aceitarem empregos na iniciativa privada na rea de

    atuao. Nesse perodo, esses profissionais permaneceriam vinculados ao rgo em que atuaram, recebendocompensao equivalente remunerao do cargo que exerceram30.Essas medidas, porm, adotadas no plano formal, pouco contriburam para reduzir o nvel de

    corrupo, na prtica, ou aumentar a governana do pas. Episdios recentes, como o caso Waldomiro Diniz,em que um Subchefe da Casa Civil foi flagrado solicitando propina a um conhecido empresrio envolvidocom a explorao ilcita de jogos de azar, reacendeu no Congresso Nacional o debate sobre a necessidade deuma nova Comisso Parlamentar de Inqurito para investigar casos de corrupo no Governo, identificarsuas causas e propor medidas para o seu enfrentamento.

    Como ressalta o Prof. Marcos Gonalves da Silva, o combate corrupo depende dos sistemasfederais de controle que so institucionalizados e depende tambm da Justia. Uma vez apurados os casos decorrupo, a Justia tem de ser crvel e confivel, o que no acontece no Brasil. lenta, ineficiente,

    oligrquica, incompetente. Na prtica, o que se v no Brasil que a corrupo opera de forma muito maisarticulada e consistente como expresso do crime organizado do que os instrumentos institucionais para oseu combate, revelando, portanto, uma organizao sistmica que perpassa os trs nveis de Governo, e osPoderes Legislativo, Executivo e Judicirio.

    O Sistema Federal de Controle Interno, por exemplo, enfrenta obstculos diversos, tais como ainsuficincia de pessoal e mesmo a heterogeneidade de seu quadro tcnico profissional. A atuaoconfigurao do rgo central desse Sistema, com status ministerial, confere-lhe melhores condies

    formulao e implementao de medidas anticorrupo. Uma das medidas recomendadas a criao de corposindependentes para supervisionar, controlar e exigir a integridade da administrao pblica e assegurar relatrios eauditorias sistemticas de fundos destinados ao financiamento poltico. Outra medida recomendada a reduo dasoportunidades de corrupo por meio de incentivos integridade pblica, por meio de uma gesto baseada no mrito e deum servio pblico civil profissional e imparcial, recrutado e mantido de maneira apropriada e sujeito a cdigos de tica.29 Ver RIBEIRO, 1997, sobre a organizao do Sistema Federal de Controle Interno e seu processo de institucionalizao.30 A Medida Provisria foi regulamentada pelo Decreto n 4.187, de 8 de abril de 2002. Ministros e outras autoridades quetenham acesso a informaes com repercusso econmica no podero aceitar cargos de administrador ou conselheiros comquaisquer pessoa fsica ou jurdica com que tenha mantido relacionamento direto e relevante nos seis meses anteriores exonerao. Para essa finalidade, so consideradas autoridades que tenham tido acesso a informaes que possam terrepercusso econmica exclusivamente os membros da Cmara de Poltica Econmica, do Conselho de Governo. Tambmso proibidos de intervir em benefcio ou em nome de qualquer empresa, em rgos do governo com os quais tenham serelacionado nos seis meses anteriores exonerao. A nomeao para outro cargo no Governo faz cessar as restries. Afixao da quarentena visa coibir a prtica do trfico de influncia e da troca de informaes privilegiadas por ex-funcionrios.

    16

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    17/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    institucionais e respaldo poltico para fazer frente s responsabilidades de fiscalizar ministrios e autarquias einstaurar procedimentos de responsabilizao administrativa, mas essa condio, embora necessria, no suficiente. A Corregedoria-Geral da Unio foi criada pela Medida Provisria n 2.143-31, de 2 de abril de2001, no mbito da Presidncia da Repblica, com o objetivo de dar o devido andamento s representaesou denncias fundamentadas que receber, relativas a leso ou ameaa de leso ao patrimnio pblico. Emabril de 2002, o Presidente Fernando Henrique Cardoso props ao Congresso a alterao da denominao

    desse rgo para Controladoria-Geral da Unio. No entanto, o rgo ainda hoje no dispe de umaestrutura adequada para operar, dependendo, em grande parte, do atendimento, por parte de rgos daAdministrao, de requisies de pessoal, inclusive de tcnicos, por lei irrecusveis. Depende, ainda, da participao efetiva no processo de apurao de irregularidades de outros rgos, especialmente osintegrantes do Sistema Federal de Controle Interno, que devem cientificar o rgo das irregularidadesverificadas, e registradas em seus relatrios, atinentes a atos, ou fatos, atribuveis a agentes da AdministraoPblica Federal, dos quais haja resultado, ou possa resultar, prejuzo significativo ao errio.

    Ainda que tenha havido significativa melhora em seus instrumentos de atuao, inclusive com autilizao de recursos de tecnologia de informao e comunicao, como a Internet, para ampliar atransparncia sobre o uso de recursos pblicos, tambm o Tribunal de Contas da Unio, rgo de naturezatcnica porm composto por critrios polticos, auxiliar do Congresso Nacional no controle externo daAdministrao Pblica Federal, mediante a fiscalizao oramentria, contbil, operacional, financeira e patrimonial dos rgos do governo, tem historicamente demonstrado pouca capacidade de fiscalizar ecombater a malversao de recursos, notadamente em vista da politizao de sua composio, em que rotineira a nomeao de ex-parlamentares para integrar o seu corpo de Ministros. Esse quadro se repete nosEstados, em que os Tribunais de Contas tm a responsabilidade de fiscalizar as contas dos governosestaduais. Deslegitimados aos olhos da sociedade e de setores do Parlamento, tais tribunais sofreqentemente objeto de crticas e de propostas com vistas sua extino.

    Para atenuar essas deficincias, em 1999 o Deputado Carlito Mers (PT-SC) apresentou Cmara dosDeputados a Proposta de Emenda Constitucional n 50/99, visando a profissionalizao da composio dosTribunais de Contas mediante realizao de concurso pblico de provas e ttulos, de modo a aproximar aatuao do rgo daquela que existe nos demais pases da Amrica Latina, em que o rgo de fiscalizao composto por uma estrutura tcnica, normalmente chamada de Controladoria-Geral, submetida a um nicotitular, que responsvel perante o Congresso ou o Poder Executivo, conforme o caso. A propostaassemelharia o TCU, ainda, ao General Accounting Office GAO do Congresso americano, embora sem a previso de mandato fixo para o Auditor-Geral, como nesse caso. Com sentido semelhante, o DeputadoDoutor Evilsio (PSB-SP) apresentou, no mesmo ano, a Proposta de Emenda Constituio n 123/99,propondo que os ministros do TCU sejam escolhidos mediante concurso pblico. Em dezembro de 2003, oDeputado Renato Casagrande (PSB-SP) apresentou nova Proposta de Emenda Constituio (n 222/2003),criando a figura do Ministro-Auditor em substituio aos atuais Ministros, cujos ocupantes deveriam serescolhidos mediante concurso pblico de provas e ttulos.

    H, porm, muito ainda a ser feito para que o controle social ultrapasse as barreiras formais e possaintegrar-se ao rol de mecanismos de controle da Administrao Pblica no Brasil, aliando-se aos demaismeios de garantia da transparncia da ao governamental. O captulo seguinte buscar descrever econtextualizar as iniciativas adotadas com esse propsito, no governo federal brasileiro.

    4. Experincias e Tentativas de Ampliao do Controle Social no BrasilApesar do crescente uso de instrumentos de contratualizao na Administrao Pblica brasileira,

    voltados avaliao de desempenho de instituies pblicas oupblicas no-governamentais, accountabilitye controle social so elementos via de regra desconsiderados nos processos de reforma implementados noBrasil desde 1936, data da primeira reforma administrativa voltada modernizao do aparelho do Estado.

    17

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    18/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    Ao longo de todo esse tempo, o padro de expanso da Administrao Pblica brasileira,notadamente na esfera federal, inicialmente pela via da criao de novos ministrios, e a seguir por meio dacriao de autarquias, depois fundaes e finalmente empresas estatais, jamais considerou a necessidade dacriao de instrumentos que viabilizassem a participao do cidado na formulao, gesto e avaliao daspolticas pblicas.

    Mesmo aps a Carta de 1988, denominada Constituio Cidad, que previu no art. 14 o exerccio

    da soberania popular mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular

    31

    , os avanos foram poucosignificativos, explicitando-se um conflito aparente entre as necessidades da democracia participativa e oslimites aceitos pela democracia representativa.

    As concepes originais inspiradoras dos processos de agencificao e publicizao embutidas nasconcepes da reforma gerencial implementada a partir de 1995 no Brasil tm, como pressuposto, umelevado grau de participao e controle social. A busca da maior eficincia somente se justifica seassegurada,pari passu, a preservao dos nveis de efetividade e equidade na implementao das polticas ouda prestao de servios. Contudo, a abertura dada participao social acha-se limitada, na concepoadotada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), pela sua falta de legitimidade, uma vez que,numa democracia, em ltima anlise, o poder legtimo o poder legitimado pelo voto, pela cidadania.Assim, nem a burocracia em si mesma, nem os grupos da sociedade civil que no passaram pelo teste das

    urnas tm legitimidade para liderar a mudana. Eles tm, sim, o dever de preparar a discusso, de pressionaros governantes, mas a legitimidade da deciso tem que caber queles que so os detentores da vontadepopular. Esta a essncia da democracia; esta a essncia do republicanismo.

    Da mesma forma, a criao de agncias executivas no demonstrou maior preocupao com esteelemento, pelo menos no que se refere possibilidade de converso das autarquias federais em agnciasexecutivas. E o Programa Nacional de Publicizao, ainda que preveja mecanismos de participao eminstncias colegiadas internas s organizaes sociais, no oferece garantias de que essa participao sejacapaz de tornar-se efetiva. De que tipos de controles, ento, trata a Reforma do Estado no Brasil concebidasob as premissas da Nova Gerncia Pblica?

    No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, menciona-se a existncia de trs mecanismosde controle fundamentais: o Estado, o mercado e a sociedade civil. No Estado est includo o sistema legal

    ou jurdico, constitudo pelas normas jurdicas e instituies fundamentais da sociedade; o sistema legal omecanismo mais geral de controle, praticamente se identificando com o Estado, na medida em queestabelece os princpios bsicos para que os demais mecanismos possam minimamente funcionar. Omercado o sistema econmico em que o controle se realiza mediante a competio. A sociedade civil, porsua vez, funciona como controle de interesses definidos (watchdogs): os grupos sociais que a compemtendem a se organizar, seja para defender interesses particulares, corporativos, seja para agir em nome dointeresse pblico.

    Se utilizado um critrio funcional para tipificar os controles, por outro lado, obtm-se um leque quevai do mecanismo de controle mais difuso, automtico ao mais concentrado e fruto de deliberao; ou domais democrtico ao mais autoritrio. Nessa ordem, teremos como mecanismos de controle, alm do sistemajurdico, que antecede a todos: (1) mercado, (2) controle social (democracia direta), (3) controle democrticorepresentativo, (4) controle hierrquico gerencial, (5) controle hierrquico burocrtico e (6) controlehierrquico tradicional.

    O mercado, assim, seria o melhor dos mecanismos de controle, por seu carter mais geral, maisdifuso e mais automtico; em segundo lugar, a democracia direta ou o controle social so os mecanismosmais democrticos e difusos para controlar as organizaes pblicas (Bresser Pereira, 1997a, p. 38). Mesmoque discordemos da primeira parte da concepo, sintomtico que o discurso governista reconhea aimportncia do controle social.

    31 Somente aps 10 anos de vigncia o dispositivo constitucional foi regulamentado, mediante a Lei n 9.709, de 18 denovembro de 1998.

    18

  • 8/8/2019 Controle Social e a Trans Par en CIA Da Administracao Publica Brasileira

    19/42

    IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Madrid, Espaa, 2 5 Nov. 2004

    Esta forma de controle requer que a sociedade se organize politicamente para controlar ou influenciarsituaes sobre as quais no tem poder formal, ou que se instituam mecanismos de cima para baixo,especialmente na forma de conselhos diretores de instituies pblicas no-estatais. Na concepo doPlano Diretor, porm, no que tange s atividades exclusivas de Estado no haveria razo para o Estadoabrir mo de seu poder, compartilhando com a sociedade o processo decisrio.

    Mesmo no caso das organizaes sociais, onde a participao de representantes da sociedade civil

    nos seus conselhos de administrao tem previso legal, h severas crticas quanto sinceridade e validade prtica desses instrumentos de participao, em vista da possibilidade mais do que real de manipulaodessas composies em desfavor de sua representatividade e iseno.

    Desses conselhos, como prev o artigo 3 da Lei n 9.637, de 1998, fazem parte 20 a 40% demembros natos representantes do Poder Pblico, definidos pelo estatuto da entidade, 10 a 30% demembros eleitos pelos demais integrantes do conselho, dentre pessoas de notria capacidade profissional ereconhecida idoneidade moral, e mais at 10% de membros indicados ou eleitos na forma estabelecidapelo estatuto.

    A previso legal da presena obrigatria de representes do Poder Pblico em entidade privadaconfigura, entretanto, interferncia estatal em seu funcionamento, muito mais do que o controle social queexpressamente objetiva contemplar. Observados os limites fixados no art. 3 da Lei n 9.637/98, contata-seque a simples manipulao do Estatuto permitiria que entre 40 e 80% dos membros do Conselho sejamescolhidos por indicao do Poder Pblico, preservando os liames hierrquicos entre o Estado e aorganizao.

    Uma outra possibilidade no mbito das organizaes sociais que a participao em seus conselhoscrie espaos para a atuao de representantes no de interesses de usurios, mas de interesses especficos, jque, como conclui Nassuno (1997), a lgica da ao coletiva no garante que os indivduos ou entidades aque estejam vinculados estejam, efetivamente, interessados em participar da gesto das instituies, mas naapropriao de seus recursos ou na busca de vantagens associadas ao processo decisrio da O. S.. Por outrolado, os custos de organizao, associados dificuldade de assegurar-se representao efetiva econseqentemente legitimidade s entidades com assento nos conselhos, requerem a existncia deincentivos, inexistentes a um primeiro exame, para que essa representao realmente ocorra. Assim, pelolado oposto, o esvaziamento dessas instncias decisrias mais do que provvel, deixando mais uma vez tais entidades exclusivamente sob o arbtrio governamental.

    No obstante, preciso buscar o aperfeioamento destes mecanismos, sob pena de produzirem-sesituaes em que as instituies pblicas ou semipblicas, subitamente autonomizadas, tornem-seorganizaes auto-referentes, insubmissas ao controle poltico, por um lado, e imunes ao controle social, poroutro. Esta disfuno produziria resultados desastrosos, convertendo-as em organismos impermeveis einacessveis aos cidados, apesar do discurso proclamar o oposto. Neste caso, e