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Contribuição para o Estudo da Fase Nemática Biaxial em Dendrímeros Líquido-Cristalinos Termotrópicos Mariana Marcelino Belchior Cardoso Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Física Tecnológica Júri Presidente: Prof. João Carlos Carvalho de Sá Seixas Orientador: Prof. Carlos Manuel dos Santos Rodrigues da Cruz Vogais: Prof. João Luís Maia Figueirinhas Prof. Paulo Ivo Cortez Teixeira Setembro 2007

Contribuição para o Estudo da Fase Nemática Biaxial em ... · apresentação dos resultados de difracção de raios-X obtidos para os tetrapodes organosiloxanos Ts e Tas. Nesta

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Contribuição para o Estudo da Fase Nemática Biaxial

em Dendrímeros Líquido-Cristalinos Termotrópicos

Mariana Marcelino Belchior Cardoso

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Física Tecnológica

Júri

Presidente: Prof. João Carlos Carvalho de Sá Seixas

Orientador: Prof. Carlos Manuel dos Santos Rodrigues da Cruz

Vogais: Prof. João Luís Maia Figueirinhas

Prof. Paulo Ivo Cortez Teixeira

Setembro 2007

i

Agradecimentos

Agradeço, antes de mais, ao Professor Carlos Cruz, orientador deste trabalho, por todo

o apoio, disponibilidade e paciência no decorrer deste trabalho.

Agradeço também ao Professor João Figueirinhas pelas várias sugestões e ideias, pela

preparação das amostras utilizadas, pelo auxilio no uso da consola de espectroscopia RMN, e

pela construção de um novo sistema de rotação. Agradeço, igualmente, a Paul Kouwer, pelos

dados de difracção de raio X e ao grupo do Professor Georg H. Mehl (Universiade de Hull,

Reino Unido) pela síntese dos compostos usados neste trabalho.

Gostaria ainda de agradecer à Fundação para a Ciência e Tecnologia, instituição

financiadora dos projectos POCTI/ISFL/261-516 e PTDC/FIS/65037/2006.

Gostaria também de agradecer a duas instituições, ao Instituto Superior Técnico e à

Fundação Gulbenkian pela atribuição do Prémio Professor António da Silveira.

Finalmente, agradeço ao Centro de Física da Matéria Condensada em particular ao

Grupo de Cristais Líquidos e Ressonância Magnética Nuclear pelo espaço e disponibilidade

cedidos para a realização deste trabalho.

ii

Resumo

Neste trabalho pretende-se contribuir para o estudo da fase nemática biaxial em

tetrapodes organosiloxanos, através da análise estrutural de fases nemáticas destes materiais

e de estudos de ordem molecular em fases nemáticas formadas pelos monómeros

constituintes dos mesmos.

Neste contexto, foram efectuados estudos estruturais por difracção de raios X (DRX)

em amostras alinhadas, nas mesofases formadas por dois tetrapodes organosiloxanos com

estruturas moleculares correlacionadas. Um dos compostos, Tas, apresenta uma fase nemática

biaxial, confirmada por técnicas ópticas e de espectroscopia RMN. No outro composto, Ts, que

apresenta uma fase nemática e uma fase esmética C, a biaxialidade na fase nemática foi

verificada opticamente. Com base nos resultados obtidos por DRX, são propostos modelos de

organização molecular nas mesofases destes compostos.

Com o objectivo de relacionar a ordem nemática biaxial com a estrutura das moléculas,

foram analisados dois monómeros de um dos tetrapodes por espectrocopia de RMN do

deutério de forma a avaliar se as fases nemáticas apresentadas pelos monómeros são

uniaxiais ou biaxiais. Para tal, foram preparadas misturas dos monómeros com sondas

nemáticas deuteradas. Da análise dos espectros resultou que, dentro da precisão permitida

pelo método experimental utilizado, as amostras dos monómeros não evidenciam ordem biaxial

nas respectivas fases nemáticas.

Estes resultados, conjuntamente com os estudos estruturais, sustentam a hipótese de

que a origem da ordem biaxial se relaciona com a especificidade da ligação entre os elementos

mesogénicos e o corpo do dendrímero e com o efeito desta ligação na estrutura peculiar da

fase nemática resultante.

Palavras Chave: Cristais Líquidos, Mesofase Nemática Biaxial, Espectroscopia RMN de

Deutério, Tetrapodes Organosiloxano, Dendrímeros

iii

Abstract

This work is a contribution to the study of the biaxial nematic phase of organosiloxane

tetrapodes based on structural studies of the nematic phases of these materials and molecular

order investigations by NMR in the nematic phases of the corresponding monomers.

In this framework, the structures of the mesophases exhibited by two organosiloxane

tetrapodes with related molecular structures were studied by means of X-ray diffraction (XRD) in

aligned samples. One of these compounds, Tas, presents a biaxial nematic phase confirmed by

optical techniques and NMR spectroscopy. The other compound, Ts, presents nematic and

smectic C phases. Packing models for the studied mesophases are proposed on the basis of

XRD results. Two monomers of the tetrapode Ts were analysed through deuterium NMR

spectroscopy in order to investigate the relationship between the molecular structure of the

tetrapodes and the biaxial ordering in the nematic phase. The key aim of this study was to verify

the existence (or inexistence) of biaxial nematic order in the monomers nematic phase. The

samples used in this analysis were mixtures of the monomers with a deuterated probe. From

this study, no evidence of biaxial nematic order was found, in the nematic phase of the

monomers.

The results obtained from NMR, together with the structural studies, support the

hypothesis that the biaxial order in the nematic phase is related to the structural specificity of

the linkage between mesogenic units and the dendritic core of the tetrapodes and its effect in

the peculiar structure of the resulting nematic phase.

Key Words: Liquid Crystals, Nematic Biaxial Mesophase, Deuterium NMR Spectroscopy,

Organosiloxane Tetrapodes, Dendrimers

iv

Apresentação do Trabalho

Este trabalho teve como objectivo contribuir para a compreensão da mesofase

nemática biaxial em tetrapodes organosiloxanos (dendrímeros de geração zero), através do

estudo experimental da estrutura destes compostos, por difracção de raios X, e ainda do

estudo por espectroscopia de RMN do deutério, nas mesofases nemáticas exibidas por

monómeros constituintes destes tetrapodes.

O trabalho encontra-se dividido em seis capítulos.

Inicialmente (capítulo 1) é feita uma introdução aos cristais líquidos e fases líquido

cristalinas, com particular incidência na fase nemática, atendendo aos objectivos dos estudos

aqui apresentados.

No capítulo 2, segue-se uma breve introdução às técnicas experimentais de difracção

de raios-X e ressonância magnética nuclear, com as quais se estudou a estrutura e ordem

molecular exibidas pelas mesofases destes compostos.

No capítulo 3 apresenta-se um resumo de estudos anteriormente publicados na

literatura sobre fases nemáticas biaxiais e abordagens que tem sido experimentadas na

procura de materiais potencialmente adequados à formação deste tipo de mesofase.

Após esta introdução e contextualização do trabalho segue-se, no capítulo 4, a

apresentação dos resultados de difracção de raios-X obtidos para os tetrapodes

organosiloxanos Ts e Tas. Nesta análise é dado particular ênfase à fase nemática dos dois

compostos e o seu comportamento particular. Os padrões bidimensionais de difracção de raios

X resultam de amostras alinhadas pela presença de um campo magnético. Este tipo de

estudos é particularmente útil para a análise estrutural das mesofases apresentadas por estes

compostos.

Segue-se, no capítulo 5, a apresentação dos resultados de espectroscopia de

ressonância magnética nuclear do deutério, para os monómeros Tm e Tm-NS. Para esta

análise foram preparadas amostras com a presença de uma sonda deuterada e foram obtidos

espectros com as amostras estáticas e em rotação. Da simulação destes espectros concluiu-se

que as amostras apresentam ordem uniaixial, em toda a extensão da gama de temperaturas

correspondente à fase nemática destes compostos.

Por fim, no capítulo 6, apresenta-se uma breve conclusão, após a discussão dos

resultados obtidos, onde se destaca a relação entre as características da ordem biaxial nos

tetrapodes, a respectiva organização molecular na fase nemática e os resultados de RMN

correspondentes aos seus monómeros constituintes.

v

Índice

Capítulo 1 – Generalidades Sobre Cristais Líquidos 1

Mesofases Nemáticas 5

Mesofase Nemática Quiral ou Colestérica 9

Mesofase Nemática Biaxial 10

Mesofases Esméticas 13

Mesofases Colunares 14

Capítulo 2 – Técnicas Experimentais 15

Microscopia Óptica Polarizante 15

Calorimetria Diferencial 16

Difracção de Raio X 17

Ressonância Magnética Nuclear 21

Capítulo 3 – Fase Nemática Biaxial 25

Capítulo 4 – Análise Estrutural dos Compostos Ts e Tas por Difracção de Raios–X 31

Composto Ts 34

Composto Tas 44

Capítulo 5 – Análise dos Compostos Tm e Tm NS por Espectroscopia RMN de Deutério 48

Capítulo 6 – Conclusão e Perspectivas de Trabalho Futuro 61

Bibliografia 65

1

Capítulo 1

Generalidades Sobre Cristais Líquidos

Os cristais líquidos assumiram, nos últimos anos, uma importância crescente devido às

suas múltiplas aplicações tecnológicas [ 1, 2]. Pode-se referir como exemplo disso: mostradores

electro-ópticos, ecrãs planos de computadores e televisão, indicadores de temperatura, janelas

de transparência controlável, válvulas de luz [ 3]. O nome cristal líquido está associado a com-

postos que apresentam formas de organização molecular com características comuns ao

estado sólido e ao estado líquido. Este estado intermédio apresenta geralmente a aparência de

um líquido translúcido, que o distingue dos líquidos “normais” (isótropos) opticamente

caracterizados pela sua transparência. As fases intermédias apresentadas por estes

compostos, ditas líquido-cristalinas são também designadas mesofases. Os compostos com

estas propriedades denominam-se mesogénicos. Estas mesofases conjugam características

macroscópicas típicas do estado sólido, como anisotropia óptica, eléctrica e magnética, com

características mecânicas dos líquidos (fluidez).

Os cristais líquidos podem ser de dois tipos – liotrópicos e termotrópicos. Nos primeiros,

a ocorrência das mesofases é controlada pela concentração de um composto com característi-

cas específicas (anfifílicas) num solvente apropriado, tipicamente, água.

No caso dos cristais líquidos termotrópicos o aparecimento das mesofases é deter-

minado pela temperatura. Estas mesofases surgem em gamas de temperatura, superiores à

temperatura de fusão (transição entre os estados cristalino e líquido-cristalino) e inferiores à

temperatura de clarificação (transição entre os estados líquido-cristalino e líquido isótropo).

A descoberta das fases líquido cristalinas ocorreu em 1888 aquando do estudo da fun-

ção do colesterol nas plantas, pelo botânico austríaco Friedrich Reinitzer. Os primeiros estudos

destes compostos (com aparência de líquidos) por microscopia óptica com luz polarizada,

foram efectuados pelo físico alemão Otto Lehmann. A observação de imagens de microscopia

semelhantes às dos cristais (sólidos) permitiram verificar a anisotropia óptica destes compostos,

tendo daí surgido a denominação de cristais líquidos, atribuída por Lehmann.

Esta introdução abordará essencialmente os cristais líquidos termotrópicos, uma vez

que os estudos apresentados neste trabalho irão incidir sobre um tipo particular destes mate-

riais.

Existem diferentes tipos de moléculas, normalmente compostos orgânicos, que exibem

comportamento líquido-cristalino termotrópico. Estes compostos são caracterizados por

apresentarem estruturas moleculares anisométricas, o que significa que as dimensões das

moléculas dependem fortemente da direcção espacial. Os exemplos mais importantes são as

moléculas calamíticas (em forma de bastonete) e discóticas (em forma de disco). Há no entanto

2

um grande conjunto de moléculas com diferentes geometrias (em geral estruturalmente mais

complexas) que também originam mesofases.

Na Figura 1 apresentam-se dois exemplos esquemáticos de moléculas mesogénicas,

respectivamente, calamíticas e discóticas, numa fase líquido cristalina. Nos cristais líquidos de

baixo peso molecular, (com massas moleculares tipicamente da ordem das centenas de unida-

des de massa atómica) as moléculas coincidem com as respectivas unidades mesogénicas

(elementos estruturais que determinam a simetria da mesofase).

Figura 1 – Representação esquemática de moléculas líquido cristalinas em forma de bastone-

tes (a) e de discos (b) (ambas numa fase líquida cristalina nemática).

Noutros casos, estas unidades megosénicas podem ser combinadas por ligação

química através de segmentos, geralmente flexíveis (por exemplo, cadeias alifáticas), dando

origem a estruturas moleculares de maior complexidade que apresentam ainda comportamento

líquido-cristalino. O exemplo mais comum deste tipo de estruturas são os cristais líquidos

poliméricos, cuja importância tem vindo a aumentar progressivamente nos últimos anos, devido

às suas aplicações tecnológicas, como fibras kevlar [ 5] e aplicações ópticas [ 6].

Os polímeros resultam da repetição de unidades elementares, formando cadeias muito

longas a que se associa grande flexibilidade. Os polímeros líquido cristalinos têm adicional-

mente unidades mesogénicas ao longo do polímero que lhe vão conferir comportamento e

fases características dos compostos líquido cristalinos. Os polímeros líquido cristalinos podem

ser divididos em dois grandes grupos, dependendo do posicionamento das unidades estrutu-

rais nas moléculas. No caso em que estas unidades se encontram ligadas lateralmente à ca-

deia polimérica, diz-se que se trata de polímeros de cadeia lateral. Alternativamente, no caso

em que as unidades mesogénicas estão incluídas ao longo da cadeia polimérica diz-se que se

trata de polímeros de cadeia principal [ 1]. A introdução destas unidades mesogénicas, de uma

ou outra forma, induz uma organização diferente da que o polímero tomaria na ausência das

mesmas e pode conferir diferentes estruturas moleculares que poderão dar origem a diferentes

mesofases.

As unidades mesogénicas incluídas nos polímeros líquidos-cristalinos podem ser cala-

míticas, discóticas ou de outro tipo. Podem obter-se diversos tipos de polímeros por combina-

ção de diferentes unidades mesogénicas ligadas em alternativa ou complementarmente em

cadeia lateral ou cadeia principal (ver Figura 2).

a) b)

3

Figura 2 – Representação esquemática de polímeros líquido-cristalinos de cadeia lateral (a) e

de cadeia principal (b).

Para além das estruturas lineares, representadas pelos polímeros, podem obter-se

moléculas de maior complexidade através, por exemplo, de substituição lateral de elementos

das cadeias poliméricas, reticulação (cross linking), ou ramificação (ver Figura 3). Neste último

caso, através de um processo de síntese sequencial, produzem-se moléculas com uma

estrutura em “árvore” designadas por dendrímeros [ 7]. Uma vez que, neste caso, o número de

camadas de ramificação (geração do dendrímero) pode ser controlado no processo de síntese,

obtém-se compostos com massa molecular bem determinada (monodispersos), contrariamente

ao que se passa com os polímeros. Os dendrímeros apresentam assim, maior organização

estrutural, contrariamente aos polímeros em que existe grande dispersão (associada a

distribuição estatística de massas moleculares) e desorganização dentro de uma amostra. Em

geral, devido à estrutura molecular característica, os dendrímeros de geração suficientemente

elevada tendem a adoptar estruturas globulares.

Figura 3 – Esquema de alguns dendrímeros líquido cristalinos de diferentes gerações.

Dendrímeros de segunda geração (a), terceira geração (b), geração zero (tetrapode) (c),

geração zero (octopode) (d).

À semelhança dos polímeros líquido cristalinos, os dendrímeros podem incluir na sua

estrutura unidades mesogénicas, que no caso mais comum se situam na camada periférica. A

presença destas unidades, associada à flexibilidade inerente ao corpo dendrimérico, confere a

estas moléculas a possibilidade de assumirem diversas formas. Daí resulta o aparecimento de

a) b)

a) b) c) d)

4

diferentes mesofases consoante a configuração molecular mais favorável, em função do ba-

lanço energia-entropia, para uma dada temperatura.

Os sistemas que serão abordados neste trabalho são o caso particular de dendrímeros

de baixa geração, tetrapodes (Figura 3), e os respectivos monómeros [ 9]. Estes sistemas são

especialmente interessantes pelo facto de apresentarem uma fase nemática biaxial a baixas

temperaturas. Esta fase, como será referido adiante, apresenta, para além do interesse em

termos de investigação fundamental, aspectos ligados a potenciais aplicações tecnológicas.

Os cristais líquidos apresentam propriedades intermédias relativamente às proprieda-

des dos líquidos isótropos e dos cristais. Estas propriedades relacionam-se com o tipo de

ordem que as diferentes mesofases apresentam. Numa classificação muito geral é possível

definir três tipos de mesofases: nemáticas, esméticas e colunares (Figura 4) [ 4, 8]. No caso das

fases nemáticas, mais próximas dos líquidos isótropos, verifica-se a existência de ordem

orientacional, reflectindo a tendência para o alinhamento das moléculas numa direcção média

comum. Numa fase esmética além de ordem orientacional existe ordem posicional a uma

dimensão. Neste caso, e à semelhança do que acontece num sólido há correlação (não local)

entre as posições das moléculas, mas apenas numa dimensão, o que significa que as

moléculas se organizam em camadas. E por fim, uma fase colunar apresenta ordem

orientacional, e ordem posicional a duas dimensões, o que significa que as moléculas (neste

caso, tipicamente em forma de disco) se dispõem em colunas paralelas, organizadas no plano

perpendicular ao eixo das mesmas. Nos extremos, estão, por um lado, os líquidos isótropos,

que não apresentam ordem orientacional nem ordem posicional, e por outro, os cristais, que

apresentam ordem posicional nas três dimensões. Segue-se uma apresentação destes

diferentes tipos de mesofases, dando particular enfase à fase nemática, uma vez que este

trabalho incide sobre o estudo da fase nemática biaxial, e à fase esmética, uma vez que um

dos compostos analisados também apresenta fases esméticas.

Figura 4 – Esquematização dos diferentes tipos de mesofases, nemáticas (a), esméticas (b) e

colunares (c).

a) b) c)

5

Mesofase Nemática

Uma fase nemática apresenta ordem orientacional, caracterizada pela existência de um

vector que define a orientação média das moléculas, designado por vector director ou director

(ver Figura 5). A ordem posicional que as moléculas experimentam restringe-se a uma

vizinhança local. Diz-se desta mesofase que apresenta ordem posicional de curto alcance.

Considerando cristais líquidos com origem em moléculas calamíticas, é possível definir um eixo

molecular principal que indica a orientação natural das moléculas numa fase nemática, como

se ilustra na Figura 5.

O facto da ordem posicional ser apenas de curto alcance permite que, à semelhança

do que acontece nas fases líquidas isótropas, os centros de massa das moléculas estejam

aleatoriamente distribuídos. A ordem orientacional garante que as moléculas fiquem orientadas

preferencialmente numa direcção. As posições dos centros de massa variam no tempo, à

semelhança do que acontece num líquido isótropo, devido a fenómenos de difusão e agitação

térmica. A densidade desta mesofase, assim como acontece num líquido isótropo, não depen-

de das coordenadas, é uniforme no espaço (ρ(r)=ρ0).

Figura 5 – Esquema representativo de uma fase nemática e da direcção média de orientação

das moléculas e eixo molecular principal.

A ordem orientacional pode ser definida por um tensor de segunda ordem simétrico de

traço nulo designado tensor de ordem de Saupe. Considere-se o referencial cartesiano do

laboratório (x,y,z) e um referencial solidário com uma molécula calamítica definido pelas

coordenadas de Euler, (ξ,η,ζ), Figura 6. No sistema de coordenadas do laboratório, o eixo z

coincide com o director, n.

6

Figura 6 – Definição dos ângulos de Euler para uma molécula calamítica.

O tensor de ordem de Saupe vem então dado por:

(1)

com α, β = ξ, η, ζ, onde os vectores k são as projecções do director n (orientado segundo o

eixo z) em cada um dos eixos ξ, η, ζ associados à molécula e onde ⟨.⟩ denota a média num

domínio nemático. Uma vez que se trata de um tensor simétrico de traço nulo, pode ser

diagonalizado obtendo-se os parâmetros S e D a partir dos valores próprios:

ψθηη

θ

ξξ

ζζ

2cossin2

3

1cos32

1

2

2

=−=

−==

SSD

SS

(2)

O parâmetro S mede a ordem do eixo longitudinal da molécula, ou seja, mede o desvio

do eixo molecular em relação ao director. Constata-se que o parâmetro de ordem orientacional,

S, é dado pela média sobre as moléculas da amostra do segundo polinómio de Legendre

P2(cosθ) (onde P2(x)= ½(3x2-1)). O parâmetro D mede o grau de anisotropia transversal (acha-

tamento) da molécula.

A definição para o parâmetro de ordem orientacional ou parâmetro de ordem nemático

é conveniente uma vez que toma o valor zero para uma amostra isótropa, organizada aleatoria-

mente, e o valor 1 para uma amostra perfeitamente alinhada. Em geral, o parâmetro de ordem

diminui com o aumento da temperatura. Verifica-se uma abrupta diminuição no parâmetro de

αβ β α αβ δ θ θ − = cos cos 3 2

1 S

θ

ψ

Z

Y

X

ζ

n

ξ

η

⊥ ao plano zζ φ

7

ordem para zero, quando a amostra experimenta uma transição de uma fase líquido-cristalina

para a fase isótropa (transição de fase de primeira ordem). Este parâmetro de ordem pode ser

determinado experimentalmente, por exemplo através de RMN. Em geral, para cristais líquidos

na mesofase nemática, S toma valores que se situam tipicamente entre 0.4 e 0.7 sendo a sua

variação principalmente controlada pela temperatura.

Os compostos nemáticos não assumem uma orientação preferencial, pelo que os dois

sentidos que a direcção média permite são equivalentes. O sentido do vector director não é

importante, apenas a sua direcção importa. Se um composto contém dipolos permanentes,

com componente não nula segundo o director, então numa qualquer amostra haverá tantos

dipolos num sentido como no sentido inverso e o sistema não será ferroeléctrico.

O alinhamento segundo uma direcção bem definida das moléculas de um cristal líquido

nemático dá origem a uma anisotropia óptica. Ou seja, uma onda polarizada segundo n propa-

ga-se com um velocidade diferente de uma onda polarizada perpendicularmente a n. Isto

significa que existe uma diferença entre os índices de refracção paralelo e perpendicular (∆n =

n ⁄ ⁄ - n⊥) que evidencia a birrefringência dos cristais líquidos, resultante principalmente da

anisotropia dieléctrica ∆ε = ε ⁄ ⁄ - ε⊥ (para as frequências ópticas).

O facto de existir anisotropia nas mesofases nemáticas indica a presença de forças

intermoleculares, que têm a propriedade de conferir orientação às moléculas, sem impedir a

sua mobilidade, como num líquido isótropo.

A teoria contínua elástica descreve o que se passa com as distorções que uma amos-

tra nemática experimenta. Esta teoria considera perturbações numa amostra que se impõe

orientada, mas cujo alinhamento pode não ser uniforme ao longo de toda a amostra. Há então

três constantes elásticas que importa definir K1, K2, K3 – constantes elásticas de Frank – que

descrevem os três modos básicos de distorção, que são, respectivamente: afunilamento, torção

e flexão (ver Figura 7) . A energia livre de Frank é dada por:

(3)

Figura 7 – Definição das geometrias de distorção fundamentais para amostras confinadas: afu-

nilamento (a), torção (b) e flexão (c).

A distorção relativamente à orientação uniforme é resultado da adaptação do composto

às condições a que se encontra sujeito, ou seja, à presença de defeitos (por exemplo

( ) ( ) ( ) ( ) dv n n K n n K n K F vol d ∫ × ∇ × + ∇ ⋅ + ⋅ ∇ =

2 3

2 2

2 1

2

1 ×

a) b) c)

8

originados por impurezas), às condições fronteira das superfícies com que contacta ou à

presença de um campo externo, e resultam de uma condição de minimização de energia. A

resposta das amostras a diferentes constrangimentos pode ser decomposta nos três modos de

distorção fundamentais caracterizadas pelas respectivas constantes elásticas.

Considerando uma amostra nemática depositada sobre uma superfície plana, as molé-

culas do composto tenderão, nos dois casos mais comuns, a alinhar-se paralelamente à super-

fície, ou perpendicularmente a esta: Estes dois tipos de alinhamentos designam-se, respectiva-

mente, alinhamento planar e alinhamento homeotrópico, Figura 8.

Figura 8 – Amostra nemática depositada numa superfície; alinhamento planar (a), alinhamento

homeotrópico (b).

Um amostra, em geral, pode estar confinada entre diferentes superfícies. O alinhamen-

to das moléculas junto a cada superfície, pode ser planar ou homeotrópico, daí resultando

diferentes configurações. Os tipos de alinhamentos fundamentais, mais simples, que as

moléculas podem assumir quando confinadas entre duas superfícies planas (casos mais

relevantes no estudo de cristais líquidos) estão resumidos na Figura 9. Configurações mais

complexas resultam de o director ter tendência a assumir uma configuração uniforme, mesmo

quando se registam alinhamento distintos junto a cada superfície. A configuração uniforme que

o director tende a assumir indica a presença de forças internas, na mesofase, as quais são de

natureza elástica, descritas pela teoria contínua elástica.

Figura 9 – Tipos de alinhamento fundamentais que as moléculas tomam quando confinadas

entre duas placas paralelas. A: planar uniforme. B: homeotrópica. C: planar helicoidal.

Uma amostra nemática pode alinhar-se não só devido ao confinamento entre superfí-

cies, mas também pela aplicação de campos (magnético ou eléctrico).

Na presença de um campo exterior, uma amostra nemática tem tendência a alinhar-se

com o campo aplicado (se o alinhamento é paralelo ou perpendicular ao campo aplicado é

função da anisotropia, da susceptibilidade magnética ou eléctrica, ou seja, se esta for positiva o

a) b)

a) b) c)

9

alinhamento será paralelo, e será perpendicular se a anisotropia for negativa). A equação

seguinte, válida para uma amostra nemática (caracterizada por um director n), dá a relação

entre o vector magnetização, o campo aplicado e as componentes da susceptibilidade

magnética do material relativamente ao director nemático (na zona de resposta linear ao cam-

po aplicado):

(4)

Como os cristais-líquidos, em particular a fase nemática têm como característica serem

fase anisótropas, quando uma amostra é sujeita a um campo magnético, há uma interacção

entre o campo introduzido e a orientação do nemático que origina um termo adicional na densi-

dade de energia livre.

( )2

0

2

0

B

0mag nB

2

1B

2

1dBMF ⋅χ∆

µ−χ

µ−=⋅= ⊥∫

(5)

Uma situação análoga verifica-se na presença de um campo eléctrico exterior, no

entanto a situação onde há um campo magnético exterior será mais relevante no contexto

deste trabalho, uma vez que este foi o utilizado para promover o alinhamento das amostras.

Quando se verifica a competição entre o alinhamento induzido pela presença de cam-

pos exteriores e efeitos de superfície dá-se uma transição entre um e outro alinhamento, em

função da intensidade do campo, que é descrita no quadro das chamadas transições de

Fredericksz. Esta competição está na origem dos ecrãs de cristal líquido nemático, que são

uma importante aplicação tecnológica dos cristais líquidos.

Para além da fase nemática uniaxial (isto é definida por um único eixo de simetria)

existem outras variantes de fases nemáticas que importa referir e que serão apresentadas de

seguida.

Mesofase nemática quiral ou colestérica

Uma destas mesofases é a mesofase colestérica ou nemática quiral. A origem deste

nome, colestérico, vem da família dos primeiros compostos líquido cristalinos identificados,

derivados do colesterol, que são constituídos por moléculas quirais. Entenda-se por moléculas

quirais: moléculas que não são idênticas à sua imagem num espelho, ou seja, estas moléculas

não são invariantes perante uma reflexão.

Um composto que exiba uma mesofase colestérica pode ser descrito como um nemá-

tico com uma torção natural uniforme em torno de um eixo normal ao director local, pelo que

) n ( n B 1

B 1

M 0 0

⋅ χ ∆ µ

+ χ µ

= ⊥

10

nestes compostos o director local roda ao longo da amostra, de forma periódica. Esta torção

natural demonstrada por estes compostos deve-se ao facto de as moléculas não se alinharem

numa determinada direcção de forma exactamente paralela. Procuram antes uma forma de

emparelhamento aproximadamente paralelo que acaba por induzir rotação, com um ângulo

residual, umas relativamente às outras. Não se criam no entanto camadas de moléculas onde o

director toma estas diferentes direcções, Figura 10. Na direcção normal à evolução helicoidal

do director verifica-se uma evolução gradual da orientação das moléculas. Assim ao avançar

no eixo perpendicular à torção, percorrendo um passo p, conhecido por passo da hélice,

chega-se a uma situação de alinhamento idêntica à inicial. De notar que os dois sentidos que o

director pode tomar são equivalentes, pelo que o passo da hélice correspondente a uma

rotação de 360º na orientação do director define no espaço uma distância que é o dobro do

período de repetição da estrutura molecular.

Figura 10 – Estrutura de uma fase colestérica, variação especial do respectivo director local e

definição do passo da hélice (trata-se de uma fase nemática, as camadas indicadas são

apenas para facilitar a compreensão do esquema, não existem num sistema real),.

A anisotropia óptica dos colestéricos é negativa. Outra particularidade é a ordem de

grandeza deste passo, em geral é da ordem das centenas de nanómetros, ou seja, na escala

do visível. Estas duas propriedades, anisotropia óptica e passo com comprimento na ordem

dos comprimentos de onda da luz visível, são interessantes para a aplicação a dispositivos de

cristais líquidos.

Por fim, uma fase nemática não quiral pode ser entendida como um caso limite de uma

fase nemática quiral com um passo infinito.

Mesofase nemática biaxial

As fases nemáticas uniaxias são definidas por um único eixo relativamente ao qual se

dá o alinhamento preferencial das moléculas, sendo os dois outros eixos equivalentes (neste

caso as moléculas podem considerar-se em média como objectos com simetria cilíndrica). No

entanto, é possível definir, num caso mais geral, a chamada fase nemática biaxial. Neste caso

p/2

11

as moléculas para além de se orientarem segundo o seu eixo maior, ou principal, também o

podem fazer adicionalmente em relação a um eixo secundário, o que não acontecia para os

nemáticos uniaxiais (Figura 11).

Figura 11 – Exemplo de uma molécula calamítica e respectivo director, e uma molécula tipo

“tábua” e os directores principal (n1) e secundários (n2 e n3).

Um domínio de um composto que exiba uma fase biaxial continua a ser homogéneo no

espaço, no entanto apresenta três eixos ópticos distintos, ao contrário de uma fase uniaxial que

só apresenta um eixo preferencial em torno do qual o sistema é simétrico para rotações e um

eixo ortogonal a este, desfavorável à propagação de luz. O grupo de simetria pontual para um

nemático biaxial é D2h.

A biaxialidade presente numa fase nemática biaxial, pode ser discutida em função da

estrutura dos compostos e da estrutura local da fase nemática resultante.

A ordem biaxial pode ser descrita com base na matriz de ordem (6).

(6)

Onde i,j = X,Y,Z, referente aos eixos do referencial da fase (Z coincide com o director principal,

em cada domínio nemático), α,β = ξ,η,ζ, referentes aos eixos do referencial molecular, θiα,θjβ

ângulos entre o referencial da fase e o referencial molecular.

A existência de ordem nemática biaxial reflectir-se-à na medição de qualquer grandeza

física tensorial de segunda ordem relacionada com a estrutura da fase. Enquanto numa fase

uniaxial uma grandeza deste tipo poderá ser definida no seu referencial principal apenas por

duas quantidades, Q|| e Q⊥, numa fase biaxial são necessárias três quantidades (associados

aos três eixos do referencial principal) Qxx, Qyy e Qzz para definir essa grandeza. Um exemplo

de uma grandeza com estas características é o tensor gradiente de campo eléctrico na

vizinhança de uma ligação Carbono-Deutério (C-D) numa molécula deuterada.

Segundo a formulação de Straley [ 10], os elementos do tensor gradiente de campo

eléctrico médio (AFG, do inglês, averaged field gradient) associados a cada domínio, no

referencial da fase, podem ser relacionados com os valores das componentes principais do

n n1

n2

n3

( ) αβ β α αβ δ ij θ θ − =

j i ij S cos cos 3

2 1

12

tensor gradiente de campo eléctrico médio (Vii) associado à ligação C-D, no referencial

molecular, utilizando quatro parâmetros de ordem: S, D, P e C. Estas componentes

determinam o parâmetro de assimetria, que caracteriza uma fase nemática biaxial:

ZZ

YYXX

V

VV −=η

(7)

As componentes do tensor gradiente de campo médio, no referencial da fase, podem

ser determinadas em função de quatro parâmetros de ordem, S, D, P e C, e das componentes

do tensor AFG no referencial molecular:

(8a)

(8b)

Os parâmetros de ordem são dados por:

(9a)

(9b)

(9c)

(9d)

Os ângulos indicados reportam uma vez mais a Figura 6. Adicionalmente, podem agora

obter-se os parâmetros P e C, que não apareciam no caso de fases uniaxiais. O parâmetro S

continua a representar a ordem orientacional nemática e mede a tendência do eixo molecular

se alinhar com o director, no domínio em que a molécula se encontra. O parâmetro D,

anteriormente introduzido, relaciona-se com o achatamento das moléculas numa fase uniaixial,

e mede a diferença na tendência da projecção do director principal no plano ξη se alinhar com

os eixos ξ η moleculares. O parâmetro P é um parâmetro biaxial que mede a diferença na

2

1 cos

2

3 2 − = ≡ θ Z ζζ S S

ψ θ 2 cos sin 2

3 2 = − ≡ Z ηη

Z ξξ S S D

γ θ 2 cos sin 2

3 2 = − ≡ Y ζζ

X ζζ S S P

( ) ( )

γ ψ θ γ ψ

θ 2 sin 2 sin cos 3 2 cos 2 cos 2

3 cos

2

3 2 −

+ =

= − − − ≡ Y ηη

Y ξξ

X ηη

X ξξ S S S S C

( ) ζζ ηη ξξ

YY XX V P V V C

V V . 3

+ − = −

( ) ζζ ηη ξξ ZZ V S V V

D V .

3 + − =

13

tendência do alinhamento da projecção do eixo molecular no plano XY em alinhar-se numa

direcção, X ou Y. E C é um parâmetro intrínseco de biaxialidade molecular para uma fase

biaxial. Numa experiência de espectroscopia RMN de deutério estes parâmetros de ordem não

são determinados directamente. O parâmetro relevante numa experiência deste tipo é o

parâmetro de assimetria, que se relaciona com os parâmetros de ordem através das

expressões (8) e (9).

Mesofases Esméticas

As mesofases esméticas caracterizam-se pela organização das moléculas em cama-

das, sobrepostas de espessura idêntica. Nesta mesofase (para além de ordem orientacional,

que neste caso é em geral superior ao que se verificava na mesofase nemática), os cristais

líquidos exibem ordem posicional, numa determinada direcção.

As camadas podem ser desordenadas (por exemplo: fases esméticas A, SmA ou C,

SmC) ou ordenadas (por exempo: fase esmética B, SmB).

Nas mesofases esméticas de camadas desordenadas, a distribuição dos centros de

massa das moléculas faz-se, dentro de cada camada, de forma aleatória, estabelecendo-se

uma periodicidade espacial da densidade na direcção normal às camadas, Figura 12.

Figura 12 – Estrutura de fases esméticas, para o caso de moléculas desordenadas, SmA (a) e

para o caso de uma fase de moléculas inclinadas, SmC (b).

Há dois tipos de fases esméticas de camadas desordenadas, as ortogonais (em que as

de moléculas se dispõem perpendicularmente às camadas), SmA, e as de moléculas inclinadas,

SmC (Figura 12) (em que as moléculas apresentam um média uma inclinação em relação à

perpendicular às camadas). O ângulo médio que dá a inclinação das moléculas na fase SmC, f,

evolui na temperatura, diminuindo, geralmente, com o aumento da mesma. No caso mais

comum (fases esméticas de monocamada) o comprimento das moléculas é semelhante à

espessura das camadas esméticas, ℓ, no caso da fase SmA, e dado por ℓ cosf, para a SmC,.

a) b)

ℓ ℓ

φ

14

As fases esméticas de moléculas inclinadas, ou fase esméticas inclinadas são biaxiais.

A direcção média de inclinação das moléculas definida, no plano das camadas, permite definir

uma ordem de orientação molecular transversa.

As mesofases esméticas de camadas ordenadas, como a fase esmética B, onde se

observa ordem posicional de longa distância nas três dimensões, devem, em rigor, ser consi-

deradas cristalinas. Verifica-se geralmente num processo de aumento da temperatura, as fases

mais ordenadas precedem as menos ordenadas.

Mesofases Colunares

As mesofases colunares são, nos casos mais comuns, formadas por moléculas em

forma de disco (discóticas). As moléculas discóticas organizam-se preferencialmente com os

planos dos discos aproximadamente paralelos. A direcção importante nestas unidades

mesogénicas é a direcção normal ao plano molecular. Nas fases nemáticas de moléculas

discóticas a orientação média comum, a que se associa o director, será definida pelos versores

normais aos planos dos discos.

Relativamente à estrutura das mesofases colunares, esta caracteriza-se pelo empi-

lhamento dos discos moleculares formando colunas. A organização espacial das colunas no

plano transversal ao plano onde se encontra o director permite ainda classificar esta mesofase

em termos das redes cristalinas bidimensionais formadas pelas colunas; a considerar fases

colunares hexagonal, rectangulares ou oblíquas, Figura 13. Nas fases discóticas desordenas, a

posição e movimento relativo da terceira dimensão são livres, o que confere carácter líquido ao

composto, ou seja, os discos podem deslocar-se entre colunas. As fases colunares ordendas,

uma vez mais, têm comportamento e estrutura que se aproximam mais nos cristais.

Figura 13 – Fases colunares de moléculas desordenadas.

15

Capítulo 2

Técnicas Experimentais

Das diversas técnicas experimentais utilizadas para o estudo de fases de compostos

líquido cristalinos termotrópicos aquelas que importa evidenciar, no contexto deste trabalho,

são: microscopia óptica polarizante, calorimetria diferencial, difracção de raios X e ressonância

magnética nuclear. A microscopia óptica polarizante e a calorimetria diferencial serão

brevemente referidas, uma vez que foram aplicadas na determinação da sequência de fases e

respectivas temperaturas de transição dos compostos utilizados neste trabalho. Esses

resultados foram obtidos na sequência da síntese dos compostos e preparação das amostras e

antecederam a realização deste trabalho. A difracção de raios-X e ressonância magnética

nuclear foram utilizadas de forma sistemática ao longo deste trabalho e por isso serão referidas

de forma mais pormenorizada.

Microscopia Óptica Polarizante

A microscopia óptica polarizante (MOP) é uma técnica fundamental para a determina-

ção da sequência de fases em compostos líquido cristalinos. Esta técnica consiste em observar

num microscópio uma pequena amostra do composto através de polarizadores cruzados,

controlando a temperatura a que a amostra se encontra. Os compostos líquido-cristalinos,

como tinha sido já referido, caracterizam-se por apresentarem anisotropia óptica. Ao sujeitar

uma amostra no estado sólido a aquecimento então esta transitará para uma fase líquida (ou

líquido-cristalina). A utilização dos polarizadores cruzados permite fazer a distinção entre uma

fase líquida cristalina e uma fase isótropa. No caso de uma fase isótropa, como as moléculas

podem tomar todas as orientações possíveis, não há uma direcção preferencial para a

propagação de luz na amostra. Então, uma amostra isótropa colocada entre polarizadores

cruzados não permite a passagem de luz, e o que se observa é simplesmente um padrão

negro uniforme.

No caso de amostras cristalinas ou líquido-cristalinas, o que se obtém com os polariza-

dores cruzados é um padrão que depende da organização molecular do material constituinte

da amostra. Estes padrões (texturas) são caracteristicamente diferentes para as diferentes

fases. Assim, quando no processo de evolução da temperatura (quer aquecimento, ou

arrefecimento) se atinge uma transição de fase, há uma variação significativa nos padrões

apresentados. Este processo pode ser executado tanto no caso de subida ou descida de

temperatura mas é de ter em conta que a transição de fases é mais nitidamente verificada

quando há diminuição da temperatura a partir da fase isótropa. Nota-se ainda que é frequente

16

nestes compostos verificar-se sobre-arrefecimento das amostra quando se transita das fases

líquido-cristalinas para a fase cristalina, ou seja, a cristalização dá-se a uma temperatura

inferior àquela a que se dá a transição de fase no sentido ascendente da temperatura.

O facto das texturas observadas por este método apresentarem padrões característi-

cos para as diferentes mesofases permite não só determinar as temperaturas para as quais se

dão as transições de fase, mas também (com algumas precauções associadas à interpretação

das texturas) identificar as fases envolvidas neste processo.

Calorimetria diferencial

Outro método experimental utilizado na determinação de transições de fase é calorime-

tria diferencial de varrimento (DSC, do inglês, differential scanning calorimetry). Na aplicação

desta técnica, as amostras são aquecidas e arrefecidas, progressivamente, medindo-se

durante este processo, o calor latente associado às diferentes transições de fase. Nestas

experiências a diferença na quantidade de calor necessária para variar a temperatura da

amostra em estudo e de uma amostra de referência, são medidas, como função da

temperatura. A referência tem uma capacidade térmica bem determinada na gama de

temperaturas que se está a inspeccionar, o que permite avaliar a quantidade de calor envolvida

no varrimento em temperatura da amostra. Desta variação da quantidade de calor é possível

detectar as temperaturas a que se dão eventuais transições de fase.

No caso de o processo que a amostra experimenta requerer maior ou menor quanti-

dade de calor do que a referência para atingir a mesma temperatura, assim vai ser maior ou

menor o fluxo de calor que é necessário transmitir à amostra em relação à referência. Por

exemplo, quando uma amostra transita de uma fase sólida para líquida (isótropa) esse

processo vai requerer maior fluxo de calor a fluir para a amostra para aumentar a temperatura

à mesma taxa do que acontece na referência. Isto acontece devido à absorção de calor por

parte da amostra quando atravessa uma transição de fase endotérmica, de sólido para líquido.

Da mesma forma, se a amostra experimentar uma transição exotérmica, como um processo de

cristalização, é necessária uma menor variação da quantidade de calor para diminuir a

temperatura da amostra. Ao observar a diferença entre o fluxo de calor da amostra e referência,

então é possível determinar a quantidade de calor absorvida e libertada durante as transições.

A DSC pode também detectar transições de fase mais subtis, como as transições para fases

líquido-cristalinas ou a transição vítrea. Estas transições envolvem variações de energia mais

pequenas, quer na transição de sólido para cristal líquido quer de cristal líquido para a fase

isótropa. Esta última situação é muito relevante no contexto do estudo de compostos líquido-

-cristalinos.

Trata-se de uma técnica complementar para a determinação das temperaturas a que

ocorrem as diferentes fases. Mais uma vez os fenómenos de sobre-arrefecimento podem

17

conduzir a resultados que não são simétricos nas situações de subida e descida da temperatu-

ra. Esta situação é recorrente e é necessário tê-la em conta, na análise dos dados.

Difracção de raios-X

Enquanto, nos casos anteriormente descritos, da MOP e da DSC, o principal objectivo

é a caracterização das temperaturas de transição de fases e identificação das respectivas

mesofases, no caso da difracção de raios-X (DRX) o objectivo é a caracterização da estrutura

das mesofases presentes.

Um experiência de DRX necessita de uma fonte de raios X a qual radia sobre a

amostra. A interacção da radiação com os átomos da amostra provoca um padrão de difracção

em função da dispersão que a radiação incidente sofre na interacção com a amostra. O padrão

de difracção resulta da combinação das várias ondas difractadas, provenientes de diferentes

átomos que constituem a amostra, as quais interferem construtiva ou destrutivamente

(consoante as respectivas fases). Este padrão tem contribuições de todos os átomos

espacialmente distribuídos por toda a amostra e, por isso, reflecte a estrutura da mesma. Uma

imagem típica de DRX corresponde a zonas maior e menor intensidade em função da

distribuição da radiação electromagnética difractada segundo cada direcção.

No caso de haver interferência construtiva, resultante de sucessivas direcções

preferenciais na amostra (no caso cristalino, corresponde a planos da rede cristalina) os

máximos de intensidade verificados relacionam-se com a estrutura da amostra pela lei de

Bragg (da diferença de percurso óptico nos diferentes planos, Figura 14), 2 d sin θ = n λ,

Figura 14 – Esquema ilustrativo da difracção de Bragg.

onde d corresponde às distâncias entre planos definidos pela organização molecular (no caso

cristalino, corresponde à distância entre planos cristalinos), θ é o ângulo de incidência, λ o

comprimento de onda da radiação incidente, e n é um inteiro (correspondente às diferentes

ordens de difracção.

No caso de uma rede cristalina, o padrão de difracção, idealmente, terá infinitas ordens

de difracção em n 2π/d. A intensidade destes picos, no caso de interferência construtiva, pode

d

θ

θ

d.sinθ

θ

θ

18

ser matematicamente descrita por um impulso δ de Dirac, na situação de interferência

destrutiva a intensidade será zero. No entanto, nos cristais líquidos a ordem que se estabelece

nunca se estende a tão longa distância como num cristal. No caso da fase nemática, em que a

ordem é a curta distância, os picos de Bragg dão lugar, em geral, a picos difusos e não é

possível detectar mais do que uma ordem de difracção. Nos cristais líquidos em que existe

ordem posicional (esméticos e colunares) o padrão de difracção inclui pseudo picos de Bragg,

picos de grande intensidade (contudo inferior ao observado no caso dos cristais, propriamente

ditos) que reflectem a ordem posicional a quase longa distância.

O padrão de difracção de raios-X pode ser registado com recurso a detectores unidi-

mensionais ou bidimensionais, sendo que nestes últimos o difractograma fornece mais informa-

ção sobre a estrutura. Os dados de DRX analisados neste trabalho provêm de um detector

bidimensional, pelo que a apresentação que se segue descreve o que acontece nesta situação.

Para uma amostra nemática, idealmente orientada (S=1), constituída por um único

domínio, o padrão observado, num detector bidimensional, é formado por quatro picos difusos,

distribuídos como se indica na Figura 15. Note-se que a orientação das amostras se consegue

com recurso a um campo magnético ou eléctrico. Este padrão reflecte a difracção

correspondente às distâncias entre moléculas consecutivas (d) (associada a uma distância 2π/d,

na região dos pequenos ângulos), e às distâncias laterais entre moléculas (a) (associadas a

uma distância 2π/a, na região dos grandes ângulos). Os picos, na região dos pequenos e

grandes ângulos estão desfasados no espaço de π/2 (difracções em direcções perpendicula-

res).

Figura 15 – Padrão de DRX de uma amostra nemática alinhada, com parâmetro de ordem S=1,

e as dimensões características no espaço real e recíproco.

No caso de uma amostra com parâmetro de ordem, S, diferente da unidade, as bandas

difusas alargam angularmente indicando variações na orientação que as moléculas assumem,

na amostra, como se exemplifica na Figura 16.

a

d

2π/d

2π/a

19

Figura 16 – Padrão de DRX de uma amostra nemática alinhada, com S<1, e as dimensões

características no espaço real e recíproco.

Para amostras esméticas, em que há ordem posicional, o padrão que antes era

composto por bandas difusas na região dos pequenos ângulos passa a dar lugar a pseudo

picos de Bragg, em n×2π/ℓ (n dá a ordem de difracção), resultantes da difracção nos planos das

camadas esméticas. Na região dos grandes ângulos continuam a estar presentes as bandas

difusas (em 2π/a), ver Figura 17.

Figura 17 – Padrão de DRX de uma amostra esmética alinhada e as dimensões características

no espaço real e recíproco.

Para fases esméticas de moléculas inclinadas, situação que terá interesse para a

análise dos dados apresentados neste trabalho, os padrões encontrados são parcialmente

semelhantes aos encontrados para a fase esmética A, obsevando-se o padrão rodado de um

ângulo (que em geral corresponde ao ângulo de inclinação da fase) na região dos pequenos ou

dos grandes ângulos consoante o tipo de organização dos domínios esméticos da amostra. No

caso em que as moléculas se encontram inclinadas, mas com as camadas orientadas

perpendicularmente ao campo usado para alinhar a amostra, esta orientação da amostra

esmética designa-se bookshelf. Neste caso a inclinação detecta-se na região dos grandes

ângulos (Figura 18 a) . Para uma orientação chevron, em que as moléculas ficam alinhadas

d

a

n 2π/d

2π/a

a 2π/a

2π/ℓ 2π/ℓ

20

com o campo aplicado, mas as camadas inclinadas, o ângulo de inclinação da fase é detectado

na região dos pequenos ângulos. Na Figura 18 estão esquematizados os padrões de DRX para

amostras na fase SmC totalmente alinhadas, assumindo as orientações bookshelf e chevron,

respectivamente.

Figura 18 – Padrões característicos de DRX para amostras na fase SmC para a orientação

bookshelf (a) e chevron (b) e as respectivas organizações moleculares.

No caso de uma experiência de DRX é frequente as moléculas ou camadas, para as

orientações bookshelf e chevron, respectivamente, tomarem mais que uma orientação

preferencial, resultando os novos padrões e organizações moleculares indicados na Figura 19.

Figura 19 – Padrões característicos de DRX para amostras na fase SmC para a orientação

bookshelf (a) e chevron (b) e as respectivas organizações moleculares, numa experiência típica

de DRX.

No caso em que os padrões de DRX resultam de amostras policristalinas (pós), deixam

de se detectar picos e bandas, passando o padrão a ser composto por imagens circulares de

2πℓ

2πa

ψ

2πℓ

2πa

a) b)

d

a

d

a ψ

n

2π/a

ψ n

2π/d d

a

2π/d

2π/a

a) b)

21

raio correspondente às distâncias anteriormente indicadas. Neste caso, deixa de haver

informação sobre a inclinação nas fases esméticas de moléculas inclinadas. A informação que

é possível recolher de uma imagem de difracção de um pó, é idêntica à que se pode obter com

um detector unidimensional (em que se usam amostras de pós, ou se colocam as amostras em

rotação, para percorrer todos os diferentes ângulos possíveis).

Nos resultados analisados, no contexto deste trabalho, as amostras encontram-se

alinhadas pela presença de um campo magnético.

Ressonância Magnética Nuclear

A ressonância magnética nuclear (RMN) é uma outra técnica experimental, que repre-

senta um importante contributo para o estudo de fases líquido-cristalinas, uma vez que permite

obter informação sobre um conjunto grande de parâmetros [ 11]. Para além da sua importância

nos estudos de ordem molecular em fases líquido-cristalinas, é uma das técnicas mais

utilizadas no estudo da dinâmica molecular através da determinação dos tempos

característicos associados ao diferentes tipos de movimentos observados.

Trata-se de uma técnica experimental que se baseia no facto de alguns núcleos atómi-

cos exibirem propriedades magnéticas intrínsecas, apresentando momento magnético intrínse-

co, mesmo que a amostra não apresente magnetização natural. Esta técnica baseia-se no ali-

nhamento dos momentos magnéticos nucleares (o que acontece devido à presença de uma

campo magnético estático muito forte, B0) e posterior análise da resposta do sistema a

perturbações a este alinhamento.

Para o caso mais simples de um sistema com spins 1/2, são possíveis dois

alinhamentos com o campo, paralelo e anti-paralelo. Entre as duas situação há uma diferença

energética, o nível orientado paralelamente (α – spin up) ao campo tem menor energia

enquanto que o outro ocupará um estado mais energético (β – spin down). Assim, o nível

menos energético será o mais ocupado, na situação de equilíbrio – minimização da energia,

havendo uma diferença de energia, ∆E= h ν = ω, entre estes dois níveis. O desequilíbrio

energético na ocupação dos dois níveis é função da intensidade do campo aplicado (ν = γ

B0/2π), resultando ∆E = γ B0 (γ é a relação giromagnética). Esta diferença energética surge

como consequência da interacção de Zeeman associada ao campo B0. A diferença de energia

entre os dois níveis, considerados provoca uma diferença entre a ocupação dos mesmos, que

em equilíbrio termodinâmico a uma dada temperatura é descrita pela distribuição de Boltzmann.

Existem então dois níveis energicamente afastados de ∆E com diferentes ocupações.

Uma experiência RMN supõe então que é aplicada uma radiação de frequência

adequada, a qual terá exactamente o valor da frequência que separa os dois níveis α e β (ωL =

γ B0 esta é a frequência de precessão de Larmor no campo estático, B0). Esta radiação é

aplicada com recuso a um campo electromagnético oscilante, B1, com frequência ωL, induzindo

22

transições entre os dois níveis. Assim haverá uma reocupação dos níveis, com aumento da

população no nível mais energético, quando a amostra já se encontra sujeita ao campo estático.

Nesta situação a magnetização total da amostra toma um valor diferente do valor que tomava

quando sujeita apenas ao campo B0. No limite, a situação em que as ocupações dos dois

níveis se igualam corresponde à situação de saturação. Assim, para analisar o sistema será

necessário perturbá-lo relativamente à condição de equilíbrio inicial. Na ausência do campo, B1,

os momentos magnéticos têm tendência a voltar a alinhar-se com o campo estático, B0,. Numa

experiência de RMN, a frequência típica encontra-se na gama das radiofrequências.

Em termos macroscópicos esta circunstância corresponde a rodar a magnetização de

um ângulo, θ (θ = γ B1 ∆t), em que ∆t representa o intervalo de tempo durante o qual o impulso

é aplicado . Em particular, para experiências típicas importa considerar rotações de 90 e 180º,

correspondentes a impulsos designados π/2 e π. No entanto ao retirar a frequência excitadora

dá-se um processo de relaxação dos spins nucleares que conduz o sistema de novo para o

equilíbrio.

Os processos de relaxação não são um fenómeno de emissão espontânea. Ou seja, a

relaxação dá-se através de um fenómeno de recuperação de um estado de menor energia

após um fenómeno de ressonância. Não é fruto ocasional dos processos associados à emissão

espontânea. As transições típicas em RMN tem origem em transições que são induzidas pela

rede, a qual funciona como reservatório térmico ideal, pelo que terá facilidade em absorver o

excedente de energia do sistema de spins quando este entrou em ressonância.

A análise dos processos de perda de energia para retornar à configuração mais estável

são caracterizados por uma relaxação spin-spin (relaxação transversal, com tempo característi-

co: T2) e relaxação spin-rede (relaxação longitudinal, com tempo característico: T1). À relaxação

spin-spin não está associada uma transferência energética, enquanto que na outra se supõe

uma perda de energia para a rede. A relaxação spin-spin não implica trocas de energia, basta

que o excesso de spins responsável pela magnetização fora do equilíbrio passe a ter

distribuição aleatória. No entanto a relaxação spin-rede, como já foi referido implica uma

transição de energia do sistema de spins para a rede a qual funciona como reservatório térmico

ideal. Assim os tempos de relaxação característicos tanto spin-spin como spin-rede são impor-

tantes, embora se refiram ao processo de relaxação permitem extrair informações diferentes. A

análise deste tempo de relaxação spin-rede característico vai ser importante para a compre-

ensão de fenómenos associados à dinâmica molecular. Uma análise RMN para além de um

espectro em frequências com informação sobre a ordem das moléculas na amostra permite-

-nos saber mais, em particular sobre movimentos moleculares.

A evolução da magnetização para o equilíbrio é que vai permitir determinar os tempos

característicos dos fenómenos de relaxação. A evolução da magnetização é dada pelas equa-

ções de Bloch, estas equações são equações diferenciais que descrevem o comportamento da

magnetização na presença dos campos magnéticos B0 e B1.

23

(10)

Numa experiência de espectroscopia de RMN detecta-se um espectro de absorção de

energia por parte da amostra que contém informação sobre a ordem orientacional e a estrutura

da amostra. O hamiltoniano do sistema, é dado por:

H = Hz + Hdq + Hd + Hi + Hq (11)

Onde o termo Hz do hamiltoniano é a interacção de Zeeman (reflecte a interacção dos spins nu-

cleares com o campo magnético B0); Hdq é o desvio químico (representa a interacção dos spins

nucleares com o campo magnético local criado pela nuvem electrónica que se cria em torno

deste); Hd dá o acoplamento dipolar entre pares de spins (reflecte a interacção magnética entre

spins); Hi dá o acoplamento dipolar indirecto entre spins (reflecte a perturbação induzida por

cada spin na nuvem electrónica em seu redor); finalmente, Hq é a interacção quadrupolar, para

núcleos com spins pelo menos iguais a 1 (representa a interacção do momento quadrupolar

eléctrico nuclear com o gradiente de campo eléctrico que existe na posição do núcleo criado

pela nuvem electrónica que o rodeia).

No contexto deste trabalho, em que foi utilizado deutério (I = 1), a perturbação ao termo

de Zeeman relevante é a da interacção quadrupolar. O hamiltoneano de Zeeman é dado por:

HZ = – γ B0 Iz (12)

Onde IZ é a componente de spin segundo a direcção do campo B0 (definida como coincidente

com o eixo dos ZZ). O termo da interacção quadrupolar é dado por:

Hq=„i

3

4 e Qi XVZZ

i\Ii H2 Ii -1L BIZ

i2-

1

3 Ii IIi +1MF

(13)

Onde ⟨ViZZ⟩ é a componente ZZ do gradiente de campo eléctrico médio no referencial do

laboratório.

Numa experiência de espectroscopia de RMN, na presença de deutério resulta um

espectro de absorção, que é função das transições entre estados diferentes pela aplicação dos

campos magnéticos adequados na amostra. As energias associadas a estas transições podem

ser determinadas calculando, pela a teoria das perturbações, os níveis de energia associados

ao hamiltoneano da interacção quadrupolar (13), como perturbações à interacção de Zeeman.

dMx

dt=g @My B0+ Mz B1 sin Hw tLD- Mx

T2

dMy

dt=g @Mz B1cos Hw tL - MxB0D- My

T2

dMz

dt=-g @MxB1 sin Hw tL+MyB1 sin Hw tLD- Mz-M0

T1

24

Num espectro de RMN de deutério (no caso em que a molécula contém um único núcleo de

deutério) vai haver um padrão de riscas, duas para cada domínio nemático que vão ficar

afastadas, em frequência, de uma distância que depende do parâmetro de assimetria (de onde

se pode avaliar, experimentalmente, a biaxialidade). O afastamento quadrupolar resultante da

perturbação de primeira ordem ao hamiltoneano de Zeeman devida à interacção quadupolar, é

dado por (consultar Figura 6, para ver definição dos ângulos):

ϕθ

η+

−θν=δν 2cossin

22

1cos

2

3 22Q2

3

(14)

No caso de uma amostra com a presença de deutério ligado a um núcleo de carbono, θ

e ϕ são respectivamente os ângulos polar e azimutal que definem a orientação do campo B0 no

referencial principal do tensor gradiente de campo eléctrico associado à ligação C-D.

O afastamento quadrupolar tem dependência no parâmetro de assimetria, η, que é

função dos parâmetros de ordem (resultantes das matrizes de ordem de Saupe), já indicado no

Capítulo 1. Pelo que se pode avaliar a biaxialidade de uma fase nemática recorrendo a

espectroscopia RMN de deutério.

A forma que o espectro assume relaciona-se com a ordem da fase subjacente à

amostra. Mais uma vez, este estudo é feito para diferentes temperaturas e em geral requer já

um conhecimento relativo do esquema de transições de fase que o composto apresenta.

25

Capítulo 3

Fase Nemática Biaxial

O tema da biaxialidade em fases nemáticas embora introduzido teoricamente há várias

décadas (1970) por Freiser [ 12], é um tema que experimentalmente se encontra ainda envolto

em controvérsia. A primeira evidência experimental da existência de uma fase nemática biaxial

em compostos líquido cristalinos aconteceu em 1980, por Saupe [ 13], para um sistema

liotrópico. Os resultados apresentados suscitaram grande interesse e desde logo foram

iniciados estudos em sistemas termotrópicos, a fim de investigar a possível existência de fases

nemáticas biaxias, neste tipo de compostos líquido-cristalinos. Se no caso dos sistemas

liotrópicos as experiências eram claras, para os sistemas termotrópicos o processo tem-se

desenrolado mais lentamente e com resultados menos evidentes.

Uma fase nemática biaxial caracteriza-se pelo facto das três componentes principias de

qualquer propriedade tensorial de segunda ordem serem diferentes entre si. As técnicas

experimentais que se usam (a maioria são provenientes de resultados de dispersão) são, por

exemplo: difracção de raios X, de electrões, de luz (por exemplo com recurso a laseres), de

neutrões, difusão dinâmica de luz, espectroscopia RMN de deutério, conoscopia.

O índice de refracção, por exemplo, permite avaliar a simetria da fase, uma vez que

pequenas diferenças no índice de refracção são mensuráveis. A técnica experimental que

permite avaliar a biaxialidade através de variações no índice de refracção denomina-se

conoscopia. Para tal é necessária a preparação de um monodomínio nemático. Que pode

conseguir-se sujeitando uma pequena camada de amostra na fase nemática ao efeito de um

campo eléctrico que alinhe o director principal. As tensões superficiais são então usadas para

alinhar o director secundário, das fases nemáticas biaxiais. A diferença entre os índices de

refracção ao longo das direcções no plano ortogonal ao director principal, ou seja ao longo das

direcções dos directores secundários, pode ser determinada por técnicas de conoscopia. As

imagens obtidas para fases uniaxiais e biaxiais são distintas. Para uma fase nemática uniaxial

o padrão de interferência é dado por duas riscas escuras, conhecidas por isogiras, que se

cruzam, formando uma cruz no centro da imagem. No caso de uma fase biaxial estas isogiras

abrem, deixando de se cruzar no centro da imagem, como indicado na Figura 20. A

biaxialidade será tanto maior quanto maior for o desvio que as isogiras experimentem.

26

Figura 20 – A imagem a) indica o padrão esperado para uma amostra uniaxial, em b) está o

assinatura biaxial, com a abertura das isogiras.

Há no entanto um problema associado a esta forma de identificar fases biaxiais, para

uma amostra de pequena espessura é possível induzir biaxialidade óptica na amostra uniaxial,

através da interacção com as superfícies.

No contexto das transições de Fredericks, é possível partindo de um monodomínio de

uma amostra, conjugado com a aplicação de uma campo que alinha a amostra, induzir

transições, ditas transições de Fredericks. Nesta situação pode acontecer que o director

principal esteja inclinado em relação à normal à superfície. Neste caso o perfil obtido seria

característico de uma fase biaxial e não uniaxial, mesmo que a amostra seja uniaixial. Para

verificar inequivocamente que uma fase é biaxial é necessário que os resultados verificados

por conoscopia sejam validados por outra técnica experimental [ 14].

Uma outra técnica experimental que permite avaliar a biaxialidade de uma fase

nemática, é a espectrocopia RMN de deutério. Como foi já referido, o afastamento quadrupolar

tem dependência explícita no parâmetro de assimetria, η, que caracteriza uma fase biaxial.

Numa experiência para avaliar a biaxialidade por espectroscopia RMN de deutério,

podem seguir-se dois métodos diferentes para tentar detectar se existem, ou não, mais do que

um director segundo os quais as moléculas se alinham. Os dois métodos apresentados em

seguida, não podem ser utilizados indiferentemente para qualquer amostra, a viscosidade das

amostras condiciona as experiências, como será adiante indicado.

Um dos métodos de verificar, por RMN do deutério, a existência (ou inexistência) de

ordem biaxial numa amostra nemática consiste na comparação de dois espectros de RMN

adquiridos respectivamente antes e após a aplicação de uma rotação de um ângulo fixo a uma

amostra alinhada, em torno de um eixo perpendicular a B0. Para uma amostra nemática que

esteja alinhada com o campo aplicado, B0, o espectro apresenta duas riscas (por cada átomo

de deutério presente na molécula em estudo) referentes à orientação do director principal com

o campo. No caso de a amostra ser rodada de 90º (ortogonal ao alinhamento inicial), ao ser

adquirido um novo espectro, se não houver um outro director secundário (fase nemática

uniaxial) os picos estarão agora afastados de metade do afastamento verificado para a

situação inicial, 0º. Pelo contrário se for detectado um par de picos com um afastamento

diferente de metade do afastamento para o ângulo 0º, estes reflectem uma orientação

preferencial na direcção ortogonal ao director principal. Considerando a equação para o

a) b)

27

afastamento quadrupolar (14), para θ=0º e ϕ=0º (amostra alinhada), resulta: ∆νQ=(3/2) νQ, para

θ=90º e ϕ=0º (amostra rodada de 90º) agora resulta ∆νQ=(3/4) νQ. Se a viscosidade for muito

baixa, acontece que a amostra ao ser rodada do ângulo fixo, reorienta-se muito depressa com

o campo. Neste caso o espectro obtido reflecte o realinhamento do director principal com a

amostra, não sendo possível avaliar a biaxialidade.

Alternativamente, pode tomar-se uma amostra policristalina (pó). No caso de um pó o

espectro obtido passa a ser mais complexo, reflectindo todas as orientações do director,

correspondentes aos diferentes domínios nemáticos presentes na amostra. Estes espectros

resultam como indicado na Figura 21.

Figura 21 – Espectro RMN de deutério típico de uma amostra policristalina bidimensional, a

preto: amostra alinhada (a); a verde: uniaxial (b); a vermelho: biaxial (c).

Estes espectros resultam da sobreposição de pares de riscas, cada uma das quais

associada a uma direcção específica assumida pelo director no conjunto dos domínios

nemáticos existentes na amostra. No caso de uma amostra uniaxial ou biaxial, em rotação

contínua em torno de um eixo perpendicular ao campo magnético estático, B0, o tipo de perfil

que se espera encontrar apresenta, em ambos os casos (se no caso biaxial um dos directores

secundários se alinhar com o eixo de rotação), dois pares de picos (exteriores e interiores).

Correspondentes, respectivamente, a ângulos de 0º e 90º entre o director principal e o campo

magnético estático, B0. No caso de uma amostra uniaxial o afastamento entre picos interiores é

metade do dos exteriores e no caso de uma amostra biaxial esta largura será diferente de

metade dos exteriores. Trata-se de uma assinatura clara da biaxialidade. A viscosidade da

amostra condiciona a experiência. É necessário que a amostra rode com velocidade suficiente

para que o director não tenha tempo de se alinhar com o campo, B0.

A espectroscopia RMN de deutério é uma forma eficaz de avaliar a biaxialidade. A

verificação da biaxialidade por técnicas de conoscopia está associada a alguma incerteza, uma

vez que numa experiência de conoscopia pode ser induzido carácter biaxial a uma amostra

uniaxial.

Os cristais líquidos termotrópicos mais simples são constituídos por pequenas molé-

culas, de baixo peso molecular e que têm comportamento líquido cristalino intrínseco numa

gama de temperaturas bem determinada. A biaxialidade tem sido investigada para estas

a) b) c)

28

moléculas. Os estudos nesta área, com moléculas de baixo peso molecular, têm recorrido a

compostos com estrutura molecular biaxial, no sentido de investigar a existência, ou não, de

fases biaxias, nestes sistemas. Os compostos com estrutura molecular biaxial apresentam forte

anisotropia molecular, apresentando conformações com dimensões distintas nas diferentes

direcções.

Dos sistemas de baixo peso molecular, mais simples, destacam-se as moléculas em

forma de tábua. Nestes sistemas, em 1988, Chandrasekhar et al [ 15], identificaram uma fase

nemática biaxial, com recurso a técnicas de conoscopia. O sistema apontado é estruturalmente

biaxial, no entanto, esta condição não garante a existência de uma fase biaxial, tinham sido já

testadas, anteriormente, outras moléculas, com a mesma forma, mas sem resultados, no que

respeita à biaxialidade das fases nemáticas.

Um dos tipos de estruturas que têm sido igualmente investigado são os compostos em

forma de banana ou boomerang, cuja ordem nemática biaxial foi prevista teoricamente [ 16] .

Em 2004, Madsen et al [ 17], publicaram os resultados do estudo com este tipo de moléculas

em forma de boomerang exibindo simetria biaxial. Neste artigo ficou experimentalmente

provada a existência de uma fase nemática biaxial para estes compostos. As técnicas

experimentais utilizadas foram a conoscopia e espectroscopia de RMN com a presença de uma

sonda deuterada, estes resultados são consistentes entre si e demostram a existência de uma

fase nemática biaxial.

Nesse trabalho, [ 17], foram preparadas amostras para a análise por técnicas de

conoscopia, as quais foram testadas para diferentes temperaturas, tendo sido verificada uma

possível fase nemática biaxial. No entanto estas observações conoscópicas, não são uma

confirmação unívoca da biaxialidade, assim em [ 17] apresentam-se também os resultados

referentes à espectroscopia RMN. O parâmetro de assimetria encontrado por RMN do deutério

para este composto é não nulo (aproximadamente igual a 0.11), o que indica tratar-se de uma

fase nemática biaxial. A origem desta biaxialidade, de acordo com [ 17], tem origem na forma de

empacotamento que as moléculas assumem na fase nemática. Pelo facto de o ângulo entre os

dois “ramos” da molécula ser de 140º (superior ao que, em geral, se verifica para moléculas em

forma de banana, ~120º) permitindo melhor empacotamento das moléculas. Este empacota-

mento conduzirá a uma fase nemática mais organizada, com duas orientações preferenciais

distintas, ou seja propicía o aparecimento da fase nemática biaxial, como se verifica.

No entanto existem diferentes abordagens, em sistemas mais complexos, que os sis-

temas de baixo peso molecular. A primeira alteração que se pode pensar para estes sistemas é

obter misturas [ 18] e compostos uniaixiais, com estruturas e orientações preferenciais distintas,

de modo a propiciar diferentes organizações moleculares. Em particular, a mistura de cristais

líquidos em forma de bastonetes com cristais líquidos discóticos, uma vez que estas moléculas

são mais simples, e têm os directores orientados de forma distinta, em relação ao corpo das

moléculas.

A forma destes dois tipos de moléculas e a orientação que o director assume

relativamente a cada um deles (paralelamente aos bastonetes e perpendicularmente aos

29

discos) permite antever a possibilidade de obtenção de misturas onde coexistam dois directo-

res mutuamente perpendiculares, potenciando, deste modo, a existência de ordem biaxial

numa fase nemática. Esta hipótese tem sido explorada com resultados até à data inconclusivos.

Um dos principais condicionantes que se têm verificado para a obtenção destas fases é a

dificuldade em obter misturas entre os compostos de uma e outra espécie. As moléculas

tendem a separar-se, conduzindo à segregação entre os componentes, resultando numa bifase

e não numa mistura, como se pretenderia. Ao contrário dos resultados teóricos e dos que se

têm obtido por simulação [ 19, 20, 21, 22], que são promissores, os resultados experimentais

requerem esforços adicionais, no sentido de produzir sistemas miscíveis. Resultados recentes

de estudos de miscibilidade entre compostos calamíticos e discóticos apontam uma via

promissora neste sentido [ 23]. Atendendo aos problemas de miscibilidade suscitados por estes

sistemas, torna-se pertinente estudar amostras em que os componentes calamíticos e

discóticos estão quimicamente ligados entre si, originando amostras onde a segregação fica

limitada, esse é o princípio agora estudado por G. H. Mehl [ 23].

Paralelamente às misturas e aos compostos de baixo peso molecular a biaxialiadade

têm sido investigada em sistemas mais complexos como polímeros. Em 1987, Hessel et al [ 24],

encontraram, experimentalmente (conoscopia), uma fase nemática biaxial num composto

polimérico líquido cristalino. O polímero onde esta fase foi encontrada apresenta cadeias

ligadas lateralmente ao corpo central dos polímeros, polímero de cadeia lateral. Estas cadeias

laterais correspondem a grupos mesogénicos, com comportamento, intrinsecamente, líquido

cristalino. Neste tipo de polímeros os movimentos de rotação das unidades mesogénicas em

torno do seu eixo principal encontram-se condicionados, pela forma como estas unidades estão

ligadas à cadeia principal do polímero (ligação lateral através de espaçadores). A explicação

sugerida para a fase nemática biaxial nestes composto baseia-se na forma como as cadeias

estão ligadas ao corpo central (lateralmente) surgindo limitações nas rotações que estarão na

origem da fase nemática biaxial [ 24]. Pelo facto de os movimentos de rotação das unidades

mesogénicas em torno do seu eixo maior estarem limitados proporcionam-se condições para o

aparecimento de ordem biaxial.

Para um sistema idêntico ao apresentado por Hessel et al [ 24] foram publicados, em

2004, por Severing e Saalwächter [ 25] os resultados do afastamento quadrupolar resultante de

espectroscopia RMN na presença de uma sonda deuterada. Os resultados verificaram a

biaxialidade do sistema. O trabalho [ 25] é de grande importância no contexto da verificação,

inequívoca da biaxialidade em polímeros nemáticos. Foram estudados dois sistemas, um dos

quais muito próximo do sistema [ 24], mas com as cadeias centrais quimicamente diferentes. O

outro sistema trata-se de também um polímero, em que as cadeias mesogénicas estão ligadas

à cadeia central, não lateralmente, mas terminalmente; designando-se polímeros de cadeia

principal. Estes dois sistemas comportam-se globalmente de forma diferente, no que respeita

ao possível comportamento biaxial das fases nemáticas. Por RMN de deutério, concluiu-se que

apenas o polímero de cadeia lateral tem comportamento biaxial, apresentando um parâmetro

de assimetria não nulo (~0.18, no ensaio a temperatura mais baixa dentro da fase nemática).

30

A origem da biaxialidade resultante deste tipo de estruturas é fundamentalmente

diferente da que resulta para cristais líquidos de baixo pelo molecular. Neste caso a

biaxialidade não está relacionada com unidades mesogénicas com formas particulares, ou

achatas e longas, ou em forma de banana, ou outras variantes, mas relaciona-se antes com a

forma como os constrangimentos, na ligação das unidades mesogénicas à cadeia central,

condicionam a organização que diferentes partes do polímero assumem.

Além dos polímeros, também em dendrímeros, a biaxialidade tem sido explorada. Em

particular tem sido explorados tetrapodes (dendrímeros de geração zero).

Em 2004, K. Merkel et al [ 26], apresentaram um estudo de espectroscopia dos infra

vermelhos polarizada, para um sistema formado por tetrapodes organosiloxanos. Neste estudo

foram avaliados os parâmetros de ordem orientacional (S), molecular (D) e da biaxialidade da

fase (P). Os resultados indicam uma fase nemática com parâmetro de ordem P não nulo, o que

indica, promissoramente, uma possível fase biaxial. Neste contexto, em 2005, Figueirinhas et al

[ 27] estudaram um sistema semelhante, constituído por uma mistura de um tetrapode

organosiloxano com uma sonda deuterada, por RMN de deutério. O resultado obtido confirma a

existência de uma fase nemática biaxial, com um parâmetro de assimetria de aproximadamente

0.8, para a temperatura mais baixa ensaiada, na fase nemática. Trata-se do primeiro resultado

com cristais líquidos termotrópicos em que o parâmetro de assimetria assuem um valor tão

elevado, reforçando a validade dos resultados obtidos. Uma vez mais, volta a ser defendido

que a forma de organização que as moléculas assumem na fase nemática é condição

fundamental para o aparecimento da ordem biaxial. Corroborando estes resultados de

espectroscopia RMN do deutério estão outros estudos dos mesmos autores em que são

adoptadas técnicas de RMN complementares (rotação contínua com aquisições síncronas e

assíncronas) C. Cruz et al [ 28] e de K. Neupane et al [ 29] com estudos de difusão dinâmica de

luz.

31

Capítulo 4

Análise Estrutural dos Compostos Ts e Tas por

Difracção de Raios–X

Neste capítulo são apresentados dados de difracção de raios-X para os compostos Ts

e Tas. O composto Tas apresenta uma fase nemática biaxial, que foi verificada por

espectroscopia por RMN do deutério. O outro composto, Ts, é estruturalmente semelhante a

este, Tas. A nomenclatura Ts e Tas, relaciona-se com a estrutura dos corpos aromáticos, que é

simétrica (s) para o composto Ts, e assimétrica (as) para o outro composto, Tas. Neste

contexto, é importante caracterizar de forma detalhada a estrutura das mesofases exibidas por

estes compostos, com o objectivo de procurar estabelecer uma correlação entre as proprieda-

des estruturais e a ordem biaxial.

No decorrer deste trabalho foram analisados dados de difracção de raios-X (DRX)

obtidos para amostras alinhadas num difractrómetro MAR345 com um detector bidimensional,

plano. A ampola de raios-X utilizada é de cobre (Cu), emite radiação Ka, o monocromador é de

grafite e o comprimento de onda da radiação X é de 1.54 Å.

A estrutura química dos compostos, Ts e Tas, bem como os esquemas de transições

de fase são apresentados na Figura 22. As sequências de fases dos compostos foram anterior-

mente identificada por DSC e MOP. Os dois compostos agora apresentados correspondem a

dendrímeros de geração zero. A síntese respectiva encontra-se descrita em [ 30, 31, 32, 26].

Si

Si

O

Si

Si

O

C8H17O OC8H17

O

O

O

4

O

O

Si

Si

O

Si

Si

O

C8H17O OC8H17

O

O

O

4

O

O

O

O

C 70ºC SmC 89ºC N 132ºC IC 70ºC SmC 89ºC N 132ºC I

32

Si

Si

O

Si

Si

O

C8H17OOC11H23O

O

O

4

Si

Si

O

Si

Si

O

C8H17OOC11H23O

O

O

4

Tg -30ºC N 47ºC ITg -30ºC N 47ºC I

Figura 22 – Estrutura química dos compostos analisados e respectivas sequências de fases.

Em cima: Ts, em baixo Tas.

O composto Ts tem massa molecular 3910.06 gmol-1. Trata-se de um tetrapode orga-

nosiloxano baseado num núcleo de siloxano ligado a quatro unidades mesogénicas. Os espa-

çadores flexíveis que ligam o núcleo mesogénico ao núcleo de siloxano são constituídos por

cinco grupos metileno, e grupos tetrametildisiloxano. O composto Tas, de massa molecular de

3597.96 gmol-1, difere do anterior no número de grupos aromáricos nas unidades mesogénicas.

O núcleo é formado por três anéis benzénicos (ao contrário dos quatro que caracterizavam o

composto Ts) e, adicionalmente, onze grupos metileno (no composto Ts eram oito) formam as

cadeias alifáticas de cada unidade mesogénica. O comprimento total das unidades mesogéni-

cas, na configuração mais distendida é aproximadamente o mesmo nos dois compostos. Na

Figura 23 apresenta-se uma imagem esquemática da estrutura molecular dos compostos

estudados em que se indicam os comprimentos característicos médios dos diferentes

segmentos moleculares.

33

lm≅ 4 nm

lc≅ 2 nm

lch≅ 1 nm

lch≅ 1 nm

ls≅1.4 nm

lp≅ 1.4 nm

ls≅1.4 nm

lc≅ 1.6 nm

lch2≅ 1.4 nm

lch1≅ 1 nm

lp≅ 1.4 nm

lm≅ 4 nm

lc≅ 2 nm

lch≅ 1 nm

lch≅ 1 nm

ls≅1.4 nm

lp≅ 1.4 nm

ls≅1.4 nm

lc≅ 1.6 nm

lch2≅ 1.4 nm

lch1≅ 1 nm

lp≅ 1.4 nm

Figura 23 – Representação esquemática das moléculas e os comprimentos caracterísiticos

médios dos diferentes segmentos moleculares. A molécula da esquerda tem os corpos

aromáticos simétricos (Ts) e a da direita, os corpos assimétricos (Tas).

Convém notar que, embora no esquema apresentado na Figura 23, as moléculas

estejam representadas no plano, a respectiva estrutura é, efectivamente tridimensional,

partindo do grupo siloxano central com simetria tetraédrica. Do esquema apresentado é

possível também verificar a semelhança química entre as duas moléculas. Os dados de raios-X

que em seguida se apresentam, confirmam as sequências de fases determinadas anterior-

mente por DSC e MOP.

Nos resultados obtidos utilizaram-se integrações azimutais e radiais (na gama dos

pequenos e grandes ângulos) com recurso ao programa Fit2D 12.077. Os ajustes foram reali-

zados recorrendo a um processo de regressão não-linear de minimização do c2 reduzido. Na

Figura 24 estão indicados os ângulos segundo os quais foram efectuadas as integrações,

angulares radiais (ângulos y e c) e azimutais (ângulo q) necessárias à análise de dados.

34

Figura 24 – Esquema da forma de integração adoptada no programa Fit2D. Para estudos de

variação angular azimutal nos pequenos ângulos, os resultados são integrados em θ

(radialmente), na coroa circular interior indicada, e a variável angular é y. Nos grandes ângulos

procede-se analogamente para a coroa circular exterior, sendo a variável angular χ. Para obter

um perfil em função de θ, correspondente ao que seria obtido numa amostra não alinhada, os

dados são integrados azimutalmente (num domínio de 360º).

Os resultados de integrações azimutais, dependentes do ângulo q, são apresentadas

em função da variável q que se relaciona com θ pela Lei de Bragg (2d sinθ=nλ), tendo em

conta que q=2π/d, resulta:

λ

θπ=

nsin4

q (15)

Os compostos estudados exibem as fases já indicadas na Figura 22. A apresentação

dos resultados é feita respectivamente para cada uma das fases líquido cristalinas de cada um

dos compostos, começando pela fase esmética C do composto Ts, seguindo-se a fase

nemática do mesmo composto e por fim a fase nemática do composto Tas.

Composto Ts

Na Figura 25 encontra-se registado o padrão bidimensional de difracção de raios-X

numa temperatura incluída na gama correspondente à fase esmética C para uma amostra do

composto Ts parcialmente alinhada, pela presença de um campo magnético. Os resultados de

integração azimutal destes dados são apresentados na Figura 26.

0

χχχχ

ψψψψ q

35

Figura 25 – Padrão de difracção bidimensional para uma amostra alinhada do composto Ts, na

fase esmética C, a 78ºC.

2 4 6 8 10 12 14 16100

1000

Lo

g (

I)

q (nm -1)

Figura 26 – Ajuste da integração azimutal do padrão de difracção na fase esmética C (78ºC).

A análise dos resultados apresentados nas Figura 25 e Figura 26 evidencia claramente

tratar-se de uma fase esmética de camadas desordenadas. Os dois picos, na região dos

pequenos ângulos, correspondem a pseudo picos de Bragg de primeira e segunda ordem,

associados a uma organização lamelar, com camadas de espessura, ℓ. O valor de ℓ é apro-

ximadamente 3.1 nm, a 78ºC. De acordo com as dimensões indicadas na Figura 23, o

comprimento das unidades mesogénicas é de aproximadamente 4 nm, ou seja superior à

distância entre camadas esméticas. Pelo facto de a distância entre camadas esméticas ser

36

inferior ao comprimento molecular das unidades mesogénicas, ℓm, indica que se trata de uma

fase de moléculas inclinadas. A identificação da fase esmética C tinha também sido já confir-

mada por MOP.

Na região dos grandes ângulos é possível detectar duas bandas difusas, que cor-

respondem a distâncias latereais entre segmentos moleculares. A 78ºC as bandas detectadas

estão centradas em 0.44 nm e 0.68 nm, respectivamente. A primeira reflexão corresponde à

distância lateral entre os corpos aromáticos e entre as cadeias alifáticas, a segunda,

corresponde à distância lateral média no plano das camadas entre as cadeias siloxano

desordenadas. Aos pseudo picos de Bragg na região dos pequenos ângulos foram ajustadas

curvas lorentzianas e as bandas difusas detectadas na região dos grande ângulos foram

ajustadas funções gaussianas. Na Tabela 1 estão resumidos os dados obtidos para as

diferentes distâncias, resultantes da integração azimutal do padrão de difraccção.

Picos de difracção q (nm-1) Distância (nm) (2p/q)

001

siloxano

Aromática-alifática

2,03

9,17

14,05

3,1

0,68

0,44

Tabela 1– Resultado das distâncias obtidas por integração azimutal do padrão de difracção do

composto Ts a 78ºC, fase esmética C.

Relativamente à fase nemática evidenciada por esta amostra, é de notar que se

formam grupos cibotáticos em que se observa ordem local semelhante à de uma fase esmética

C. Na Figura 27 está apresentado o padrão de difracção, para a amostra alinhada, caracterís-

tico desta fase nemática.

37

Figura 27 – Padrão de difração de raios-X bidimensional para uma amostra alinhada do

composto Ts, na fase nemática, a 104ºC.

Figura 28 – Ajuste da integração azimutal do padrão de difracção na fase nemática a 104ºC.

Na Figura 28 apresentam-se os resultados de integração azimutal dos dados experi-

mentais. Uma vez que os resultados indicam a presença de domínios cibotáticos com estrutura

esmética C, o tratamento adoptado na análise de dados correspondente à fase esmética C foi

igualmente adoptado para fase nemática. No caso da fase nemática verifica-se a existência de

uma banda difusa (x), que, a 104ºC, corresponde a uma distância de 1.31 nm. Uma explicação

2 4 6 8 10 12 14 16120

140

160

180

200

220

I (u

ni.

arb

.)

q (nm -1 )

38

plausível para a ocorrência desses picos de difracção, pode ser atribuída à distância média

entre átomos de silício centrais dos tetrapodes, no plano da camada esmética (como se vê

adiante no esquema estrutural proposto para a fase esmética SmC, Figura 30). A Tabela 2

resume os dados obtidos, por integração azimutal, para as distâncias.

Picos de difracção q (nm-1) Distância (nm) (2p/q)

001

x

siloxano

aromática-alifática

2,13

4,80

9,61

13,79

2,95

1,31

0,65

0,46

Tabela 2 – Resultado das distâncias obtidas por integração azimutal do padrão de difracção do

composto Ts a 104ºC, na fase nemática, estes resultados estão associados as grupos cibotá-

ticos (grupos de moléculas, com simetria da fase esmética C que localmente existem na fase

nemática).

Qualitativamente, o pico correspondente aos pequenos ângulos observado tem

diferente significado na fase esmética e nemática: na fase esmética, este corresponde à

difracção de primeira ordem associada ao espaçamento das camadas esméticas. Na fase

nemática este pico refere-se à distância entre pseudo camadas que existem localmente nos

grupos cibotáticos. Os valores encontrados para a fase esmética C e nemática são próximos. A

evolução desta distância na fase nemática está igualmente apresentada na Figura 29.

Da observação dos dados de DRX verifica-se que o alinhamento com o campo

magnético, na fase esmética C não é perfeito, é apenas parcial. O alinhamento parcial resulta

da competição entre a tendência de manutenção de uma estrutura esmética por um lado e, por

outro lado a propensão para o alinhamento das moléculas com o campo aplicado. Verifica-se,

partindo da Figura 29, que na fase esmética C, ℓ aumenta com a diminuição da temperatura.

Para a fase nemática o espaçamento tende a ser constante, verificando-se um ligeiro aumento

com a diminuição da temperatura, que se pode associar à diminuição de flexibilidade das

cadeias alifáticas, com o decréscimo da temperatura. Por fim, nota-se que os valores regista-

dos para a fase nemática são inferiores aos da fase esmética C (Figura 29), o que corrobora a

existência de grupos cibotáticos de moléculas inclinadas na fase nemática.

39

70 80 90 100 110 120 130

29,0

29,5

30,0

30,5

31,0

N SmC

l (Å

)

T (ºC)

Figura 29 – Variação da distância entre moléculas consecutivas na fase nemática e esmética

C, como função da temperatura. Para a fase esmética esta distância corresponde a ℓ.

A organização que estas moléculas adoptam na fase esmética é determinada por

razões estereoquímicas e considerações entrópicas. Na fase esmética C as moléculas

aparecem alternadas em sentidos opostos, na direcção perpendicular ao plano das camadas,

como indicado na Figura 30, ou seja em cada camada estão, sucessivamente, braços de

tetrapodes sucessivos [ 33, 34]. Nesta forma de organização das moléculas, há interdigitação,

bem como microssegregação entre as diferentes partes constituintes das moléculas.

Figura 30 – Configuração esquemática de uma fase esmética C (a) e uma fase nemática (b) de

moléculas de compostos tetrapodes siloxanos.

a) b)

40

Os resultados das integrações radiais, no caso dos pequenos ângulos (para a fase

esmética C, ver Figura 31, e para a fase nemática, consultar Figura 32) reforçam a hipótese do

tipo de estrutura atrás proposta. No caso dos resultados integrados radialmente, foram

ajustadas funções gaussianas e lotentzianas, dependendo do perfil mais adequado a cada

caso. Na Figura 32 é possível verificar a presença de quatro picos, como resultado dos grupos

cibotáticos presentes na amostra. Inversamente, na fase esmética C detectam-se apenas dois

picos, devido à competição do alinhamento molecular entre as camadas esméticas e o campo

aplicado. É importante reforçar que o perfil de difracção dos picos na região dos pequenos

ângulos mostra que se trata efectivamente de uma fase nemática, embora apresente uma

estrutura com grande organização local e padrões de difracção não comuns numa fase

nemática, para temperaturas afastadas na temperatura de transição. Os resultados de DSC e

MOP assim reforçam esta conclusão. Este efeito de ordem local foi verificado em toda a gama

de temperaturas da fase nemática, tratando-se de uma ordem local suficientemente forte para

não ser, significativamente, alterada na gama de temperaturas correspondentes a esta fase.

0 45 90 135 180 225 270 315 3600

200

400

600

800

1000

I (u

ni.

arb

.)

ψ (º)

Figura 31 – Ajuste do padrão radialmente integrado na região dos pequenos ângulos, na fase

esmética C, a 78ºC.

41

0 45 90 135 180 225 270 315 360

130

140

150

160

170

180

190

I (u

ni.

arb

.)

ψ (º)

Figura 32 – Ajuste do padrão radialmente integrado na região dos pequenos ângulos, na fase

nemática, a 104ºC.

Estes dados mostram que a fase nemática presente nesta amostra tende a assumir

localmente uma estrutura cibotática como uma fase esmética C, numa estrutura em chevron,

conforme é discutido, em termos gerais no capítulo 2 e exemplificado nas Figura 18 e Figura 19.

Da presença destes quatro pseudo picos (Figura 32) foi possível determinar a evolução do

ângulo de inclinação nos núcleos moleculares em relação à ordem local apresentada pela fase

nemética, nos domínios cibotáticos. Tratando-se de uma fase nemática não existem camadas,

no entanto é conservada alguma memória da organização da fase esmética e este ângulo que

se determina está relacionado com esta reminiscência da estrutura da fase esmética nos

grupos cibotáticos da fase nemática. Na Figura 33 apresenta-se a evolução do ângulo de

inclinação dos corpos aromáticos em relação ao director nemático que se verifica nos grupos

cibotáticos (este ângulo corresponde ao ângulo em y definido na Figura 24).

42

90 95 100 105 110 115 120 125 130 135

60,0

60,5

61,0

61,5

62,0

62,5

ψ (

º)

T (ºC)

Figura 33 – Evolução, na temperatura, do ângulo de inclinação presente nos grupos cibotáticos

da fase nemática.

Em complemento da discussão até aqui apresentada pode estimar-se analiticamente o

ângulo de inclinação da fase esmética C. A área molecular é definida como Vm/ℓ, onde Vm é o

volume molecular e ℓ é a espessura das camadas. O volume molecular pode ser estimado

partindo da massa molecular e da densidade (considera-se que a densidade de compostos

deste tipo é próxima de 1 gcm-3). O valor do volume molecular a 78ºC é de aproximadamente

6.493 nm3, resultando a área molecular ~2.09 nm2.

A estrutura da fase esmética apresentada (Figura 30 a) é importante para relacionar a

área molecular com o ângulo de inclinação dos corpos aromáticos na fase esmética C. Nota-se

que a área molecular nas diferentes subcamadas é necessariamente constante por razões

geométricas. Assim, a área molecular associada à subcamada na qual os corpos mesogénicos

tendem a alinhar-se é a mesma área da subcamada onde coexistem as cadeias alifáticas e

siloxanos. Paralelamente, cada molécula é composta por quatro unidades mesogénicas.

Da microssegregação que se verifica na fase esmética C resulta uma subcamada,

composta pelos corpos aromáticos, disposta entre duas subcamadas onde se encontram as

cadeias alifáticas e siloxano, Figura 34. Considerando uma camada esmética, para cada

elemento mesogénico (contido numa subcamada) haverá em média uma cadeia alifática e

apenas meia cadeia siloxano (Figura 34).

43

Figura 34 – Esquematização de uma fase esmética de moléculas inclinadas de tetrapodes

organosiloxanos.

A área molecular correspondente a cada uma das unidades mesogénicas é dada por

Σ=Vm/4ℓ, que é de aproximadamente 0.52 nm2, para 78ºC. A relação entre as áreas

moleculares do corpo mesogénico (c), das cadeias alifáticas (ch) e das cadeias siloxano (s) é

Σ=Σc=Σch+Σs/2. Para a determinação do ângulo de inclinação da fase esmética, é ainda

necessário considerar a secção transversal molecular. Para cada segmento molecular a

secção transversal, σ, dada por: Σcosψ, onde ψ é o ângulo entre o eixo do segmento

considerado e a normal às camadas esméticas. Considerando este argumento para todos os

segmentos moleculares, o ângulo entre os corpos aromáticos e a normal às camadas esméti-

cas resulta em (16).

s

s

ch

ch

c

c

ψ

σ

ψ

σ

σψ

cos2

1

cos

cos

+

=

(16)

O ângulo ψc é o ângulo que dá inclinação da fase esmética, uma vez que os corpos

aromáticos, são as unidades que apresentam uma rigidez significativa, e que a conferem à fase

esmética. Esta rigidez é relativa ao que se passa com as cadeias alifática e siloxano, que têm

grande mobilidade permitindo grandes oscilações em relação a uma posição média, com-

portando-se como cadeias quase líquidas. Minimizando em ordem a ψc, resulta

cosψc=σc/(σch+1/2σs). Este ângulo define a inclinação da fase esmética. Para o cálculo do valor

deste ângulo são necessários os valores típicos para as secções transversais de cada uma das

secções. Para os núcleos aromáticos o valor é σc~0.22-0.24 nm2, para as cadeias alifáticas

σch~0.2-0.4 nm2 e para as cadeias siloxano σc~0.43 nm2. Resultando o ângulo da fase esmética

~60º.

ψc

ψch

Σ σ

ψs

44

Por haver competição entre o alinhamento do director nas camadas esméticas e no

campo aplicado, a partir dos resultados experimentais resultantes da difracção de raios X, não

é possível verificar directamente este valor a partir dos dados de DRX da fase SmC. No

entanto, uma vez que a fase nemática apresenta ordem local, assumindo uma organização

local cibotática idêntica à fase esmética C, dos resultados associados à fase nemática resulta

um ângulo para a inclinação das moléculas em relação à ordem local que se verifica. Verifica-

se que os ângulos encontrados experimentalmente (consultar Figura 33) estão próximo do

determinado teoricamente, reforçando a hipótese relativa ao tipo de estrutura adoptada por

esta amostra.

As integrações radiais nos grandes ângulos são também relevantes neste contexto. Os

perfis apresentados para a fase esmética e nemática, na região dos grandes ângulos, são

semelhantes, e caracterizados por dois picos. Na Figura 35 está indicada a evolução, na tem-

peratura, da largura a meia altura (full width at half maximum, FWHM) dos picos referentes às

integrações radiais, nos grande ângulos. Verifica-se que a largura destes picos é significativa-

mente superior na fase esmética C do que na fase nemática. Verifica-se que na fase esmética

os picos registados na integração radial para os grandes ângulos são mais difusos do que para

a fase nemática. Este dado corrobora a apontada competição entre o campo magnético aplica-

do no alinhamento no director das moléculas, e a formação das camadas esméticas.

70 80 90 100 110 120 130 14040

60

80

100

120

140

160

180

200

N SmC

FW

HM

(º)

T (ºC)

Figura 35 – Evolução da largura a meia altura (full width at half maximum, FWHM), com a

temperatura, para os picos de difracção na região dos grandes ângulos – ângulo c.

O gráfico indica que os corpos moleculares estão mais alinhados com o campo mag-

nético na fase nemática do que na fase esmética C. Energeticamente, na fase esmética C

verifica-se a competição entre o termo magnético, que tende a alinhar o director no campo

aplicado, e a energia associada à formação das camadas esméticas. Uma estrutura esmética

apenas permite deformações de flexão. Ao submeter a amostra a um campo magnético, os

45

corpos moleculares tendem a alinhar-se na direcção desse campo, no entanto a estrutura em

camadas esméticas tende a inibir esse alinhamento, dando origem a uma estrutura em chevron.

Na Figura 36 pode notar-se que a distância lateral entre os corpos aromáticos e os

grupos alifáticos aumenta com o aumento de temperatura.

70 80 90 100 110 120 130

4,45

4,50

4,55

4,60

4,65

N SmC

d (

Å)

T (ºC)

Figura 36 – Evolução da distância lateral entre moléculas com a temperatura, nas fases

nemática e esmética.

Composto Tas

O composto Tas apresenta apenas uma fase liquido cristalina nemática, Figura 22. O

padrão de difracção para 25ºC é apresentado na Figura 37.

46

Figura 37 – Padrão de difração de raios-X bidimensional para uma amostra alinhada do

composto Tas, na fase nemática, a 25ºC.

A Figura 37, correspondente ao composto Tas, é bastante semelhante à Figura 27, cor-

respondente ao composto, Ts. Ambas as figuras correspondem a padrões de difracção na fase

nemática. Este perfil indica uma vez mais a presença de grupos cibotáticos na fase nemática

onde as moléculas adoptam uma estrutura semelhante a uma estrutura chevron de uma fase

esmética de moléculas inclinadas, com camadas líquidas. Os dados de DRX agora obtidos

para o composto Tas foram tratados de forma semelhante à do composto anterior, os

resultados seguem nas Figuras: Figura 38 (integração azimutal, os valores obtidos estão

agrupados na Tabela 3), Figura 39 (integração radial nos pequenos ângulos) e Figura 40

(integração radial nos grandes ângulos).

47

2,5 5,0 7,5 10,0 12,5 15,0

75

150

225

300

375

450

525

I (u

ni.

arb

.)

q (nm -1 )

Figura 38 – Ajuste da integração azimutal do padrão de difracção na fase nemática, a 25ºC.

0 45 90 135 180 225 270 315 360

220

240

260

280

300

320

340

360

380

400

I (u

ni.

arb

.)

ψ (º)

Figura 39 – Ajuste do padrão radialmente integrado na região dos pequenos ângulos, na fase

nemática.

48

Figura 40 – Ajuste do padrão radialmente integrado na região dos grandes ângulos, na fase

nemática, a 25ºC.

O perfil agora determinado para este composto é similar aos resultados já obtidos para

o composto Ts. Os valores obtidos pela integração azimutal determinam a distância típica entre

moléculas adjacentes, na região dos grandes ângulos e o comprimento molecular, na região

dos pequenos ângulos.

Picos de difracção q (nm-1) Distância (nm) (2p/q)

001

x

siloxano

aromática-alifática

2,31

4,46

12,42

14,09

2,72

1,41

0,51

0,45

Tabela 3 – Resultado das distâncias obtidas por integração azimutal do padrão de difracção do

composto Tas a 25ºC, na fase nemática, estes resultados estão associados aos grupos

cibotáticos que localmente existem na fase nemática.

Na região dos pequenos ângulos, é possível, uma vez mais, verificar a existência dos

quatro picos semelhantes aos observados numa fase esmética C , Figura 39. Uma vez mais é

possível determinar um ângulo associado à inclinação que se detecta nos grupos cibotáticos

que coexistem na fase nemática. A evolução deste ângulo vem dada na Figura 41.

0 45 90 135 180 225 270 315 360200

250

300

350

400

450

500

I (u

ni.

arb

.)

χ (º)

49

25 30 35 40 45 5040

42

44

46

48

50

52

54

56

58

ψ (

º)

T (ºC)

Figura 41 – Evolução, na temperatura, do ângulo de inclinação presente nos grupos cibotáticos

da fase nemática.

É possível notar uma ligeira diferença, de alguns graus, entre este ângulo para os dois

compostos, o ângulo é superior para o composto Ts. O composto Tas tem cadeias alifáticas

mais longas e corpos aromáticos menos extensos, em relação a Tas. As cadeias alifáticas

conferem flexibilidade à fase, trata-se do segmento mais flexível da molécula. Assim as

moléculas do composto Ts conseguem inserir-se em modelos de empacotamento menos

inclinados resultando num menor valor do ângulo de inclinação detectado.

50

Capítulo 5

Análise dos Compostos Tm e Tm NS por

Espectroscopia RMN de Deutério

No decurso deste trabalho foram estudados dois monómeros do tetrapode, Tas

(anteriormente estudado por Figueirinhas et al. [ 27], por espectrocopia RMN de deutério) os

resultados de difracção de raios X deste tetrapode foram apresentados no capítulo anterior. No

capítulo 3 são apresentados alguns sistemas de cristais líquidos termotrópicos onde tem sido

investigada a existência de fases nemáticas biaxiais.

Neste trabalho procura-se contribuir para a investigação da origem da ordem nemática

biaxial, anteriormente observada num composto tetrapode organosiloxano [ 27]. A questão

central que será colocada prende-se com a comparação entre dois efeitos previamente

associados à origem da fase nemática biaxial em cristais líquidos termotrópicos. Por um lado

uma contribuição da forma das moléculas no sentido em que estas possam assumir uma

biaxialidade molecular, resposável pela estrutura biaxial da fase, como no caso dos compostos

em forma de boomerang [ 17] e, por outro, o constrangimento das rotações dos elementos

mesogénicos como foi observado nos polímeros líquido cristalinos de cadeia lateral [ 25]. Na

abordagem da questão da origem da fase nemática biaxial, será tida em conta a estrutura dos

tetrapodes detalhadamente analisada por DRX no capítulo 4. No sentido de contribuir para a

solução deste problema, foram também estudados, por RMN de deutério, monómeros dos

tetrapodes, anteriormente investigados.

O estudo a que estes compostos foram sujeitos teve como objectivo determinar se

misturas (com a mesma sonda e em semelhante concentração (percentagem de peso) à que

tinha sido já realizada com o tetrapode) agora com os monómeros, apresentam comportamento

biaxial na fase nemática. Assim, utilizou-se a mesma sonda que em [ 27], 7CB, deuterada na

posição a. A utilização de uma sonda deuterada, prende-se com o tipo de análise a que estas

moléculas vão ser submetidas (RMN do deutério), uma vez que as amostras dos compostos

puros não são deuteradas. Na escolha das sondas teve-se em conta que as mesmas deverão

possuir uma estrutura molecular tal que as leve a assumir o tipo de ordem apresentada pelo

composto em que se encontram dissolvidas. A sonda escolhida apresenta uma fase nemática

(à semelhança dos monómeros). Deste modo, uma condição crucial será a forma como a

sonda se posiciona em relação às moléculas do composto. Neste caso, pretendia-se que a

sonda se dispusesse junto dos corpos aromáticos, uma vez que se supõe serem estes os

responsáveis pela ordem nemática biaxial.

As misturas são constituídas por 15% (em peso) de sonda e 85% (em peso) do

monómero considerado. Como é normal, a presença da sonda provocou alterações nas

temperaturas de transição dos monómeros puros, para as misturas (dados obtidos por DSC). A

51

estrutura química das moléculas, bem como o esquema de transições de fase das respectivas

misturas com a sonda utilizada, estão indicados na Figura 42.

a)

Si

Si

O

Si

Si

O

C8H17O OC11H23 O

O

O

4\

I N T C C

g → → − º 37 º 40

b)

CN D D

c)

I N T C C g → → º 33.6 º 5.5

d)

C8H17O

OC11H23 O

O

O

I N T C C

g → → º 72.6 º 51.6

Figura 42 – Estruturas moleculares dos compostos considerados neste capítulo e sequência

de fases para as respectivas misturas com a sonda deuterada, 7CBαD2. (a) O tetrapode, Tas;

(b) a sonda deuterada, 7CBαD2; (c) o monómero, Tm e (d) o monómero não substituído, Tm

NS (d).

Para avaliar se estas misturas apresentam fases nemáticas biaxiais foram obtidos

espectros de RMN do deutério, cuja importância foi já referida no capítulo 3, uma vez que o

afastamento quadrupolar resultante inclui um termo dependente do parâmetro de assimetria, η,

que se não for nulo indica estarmos em presença de uma fase biaxial. Conforme foi referido no

capítulo 3, a expressão do afastamento quadrupolar é dada por:

ϕθ

η+

−θν=δν 2cossin

22

1cos

2

3 22Q2

3

(17)

Os parâmetros dos quais depende o afastamento quadrupolar são νQ, que corresponde

ao valor médio da constante de acoplamento quadrupolar do deutério (abreviadamente, cons-

tante quadrupolar) e η, o parâmetro de assimetria. Este afastamento é também dependente

dos ângulos θ e ϕ. O ângulo θ mede o desvio da orientação do director principal em relação ao

campo magnético estático, B0. O ângulo ϕ dá, por seu lado, o desvio do alinhamento do direc-

tor secundário em relação ao campo estático. No caso em que se tratam de amostras uniaxiais

o segundo termo é nulo, uma vez que η=0 (Figura 11).

Si

O

Si

C8H17O

OC11H23 O

O

O

52

Os espectros que se podem obter por RMN do deutério, no caso mais simples, em que

estamos na presença de uma amostra estática e alinhada com o campo estático aplicado, cor-

respondem a duas riscas centradas em zero e separadas por um intervalo de frequências

correspondente a 3/2 da constante quadrupolar, νQ (corresponde à situação em que θ é zero,

ou seja o director principal está completamente alinhado com o campo estático). Esta situação

mais simples corresponde ao que se obtém para uma amostra nemática totalmente alinhada

(monodomínio). No caso de espectros policristalinos, a análise é mais complexa. Para estas

amostras, policristalinas, os diferentes ângulos entre as orientações do director em cada

domínio e o campo estático vão ser ponderados no afastamento quadrupolar, originando um

espectro que precisa de ser analisado caso a caso. O afastamento máximo volta a ser dado

por 3/2νQ (situação de alinhamento total).

Dependendo das condições experimentais, uma amostra pode apresentar-se como um

pó cristalino em duas ou três dimensões. Os espectros obtidos para policristais bidimensionais

ou tridimensionais têm características diferentes. Em ambos os casos, para amostras uniaxiais

e biaxiais os espectros apresentam características, intrinsecamente diferentes. Dado que os

espectros para os pós são distintos no caso biaxial ou uniaxial, a existência de ordem nemática

biaxial poderá ser avaliada utilizando amostras com estas características.

Uma amostra policristalina nas três dimensões resulta de uma distribuição uniforme de

dos directores principais no espaço tridimensional. Já um policristal bidimensional resulta de se

ter uma amostra, sujeita ao campo magnético estático, em rotação em torno de um eixo

perpendicular ao campo aplicado, B0. Daí decorre uma distribuição uniforme do director

principal no plano perpendicular ao eixo de rotação, resultante da minimização da energia na

presença do campo magnético. Neste trabalho foram obtidas amostras policristalinas a duas

dimensões (pós bidimensionais).

No caso de um pó bidimensional uniaxial o espectro apresenta dois picos, correspon-

dentes às situações em que θ = 0 e 90º, das quais resultam, respectivamente, afastamentos

δνQ=3/2νQ e 3/4νQ. O espectro é caracterizado por quatro picos, em que os picos interiores se

encontram afastadas de metade do intervalo associado às das exteriores. No espectro de uma

amostra biaxial, contribui também o termo associado ao parâmetro de assimetria, e neste caso,

os picos exteriores encontram-se na mesma posição (afastadas da mesma distância). Mas as

riscas interiores têm um afastamento que é diferente de metade do afastamento entre as riscas

exteriores (portanto diferente do que se observava no caso uniaxial, consultar Figura 21).

Um outro processo possível para investigar a possível existência de ordem biaxial

consiste em rodar uma amostra totalmente alinhada de um ângulo fixo e obter espectros

associados a esta nova direcção, fixa, como descrito no capítulo 3. Este procedimento não é

adequado a este problema com os monómeros (no caso do tetrapode é um bom método), por

questões que se prendem com a viscosidade das amostras. A viscosidade das amostras

condiciona os procedimentos, na medida em que para viscosidades suficientemente baixas

(como é o caso dos monómeros) o tempo de reorientação é da mesma ordem de grandeza que

o tempo de observação, o que impossibilita a observação do sistema por este método. Partindo

53

de uma amostra líquido-cristalina alinhada, se a esta for aplicada uma rotação uniforme, em

torno de um eixo perpendicular ao campo magnético estático, com velocidade superior à

velocidade crítica (abaixo da velocidade crítica a amostra mantém-se alinhada com o director

principal desviado de um ângulo fixo em relação ao campo estático), a amostra assumirá uma

distribuição do director correspondente a um pó bidimensional no plano perpendicular ao eixo

de rotação. Nestas condições, se se obtiver um espectro com aquisições não sincronizadas

poder-se-á averiguar da existência (ou inexistência) da assinatura associada à ordem nemática

biaxial.

No trabalho em causa, para avaliar a velocidade crítica das amostras, estas foram

colocadas em rotação contínua com diferentes velocidades e foram registados os respectivos

espectros. No caso de a velocidade ser inferior à velocidade crítica, o espectro resultante

apresenta um par de riscas, à semelhança do que acontecia na rotação por um ângulo fixo, ou

na situação totalmente alinhada. Para velocidades crescentes, verifica-se que o director deixa

de estar alinhado paralelamente ao campo aplicado passa a ter um ângulo entre o director e o

campo aplicado. No espectro resulta uma diminuição do afastamento quadrupolar. Já no caso

em que a amostra roda com velocidade superior à velocidade crítica o espectro passa a ser

distinto, apresentando dois pares picos, correspondentes a uma amostra policristalina. Foi

inspeccionada a velocidade a partir da qual a amostra perdia o alinhamento total com o campo

magnético, passando a exibir um espectro de um pó. Verificou-se que a velocidade crítica

surge, para o composto Tm para uma velocidade superior ao que acontecia para Tm NS (todos

os espectros de amostras policristalinas apresentados foram obtidos para velocidades

superiores à velocidade crítica).

Os dados experimentais foram obtidos num espectrómetro BRUKER AVANCE II 300

equipado com um electromagneto BRUKER B-E30 operando a um campo magnético com

intensidade de 2.3T, correspondendo a uma frequência de ressonância do deutério de 15.1

MHz.

Verificou-se no circuito a existência de ringing acústico. A intensidade do sinal com

origem no ringing, sem significado para a física do problema, introduz ruído nas medições.

Para melhorar a relação sinal ruído foi necessário recorrer a um programa de impulsos em que

se tentasse compensar o ruído proveniente do ringing. A sequência utilizada inclui uma

composição de duas sequências de eco sólido (solid echo), em que uma das sequências foi

antecedida de um impulso–p que inverte a magnetização do sistema. Numa sequência de eco

sólido são aplicados dois impulsos π/2, (com fases relativas deslocadas de 90º, ver Figura 43)

que rodam a magnetização de π/2. Estes impulsos estão separados de um intervalo de tempo τ.

Quando se dá finalmente a relaxação do sistema para a situação inicial, o máximo de

intensidade é registado, um tempo, τ, após o segundo impulso. A combinação destas duas

sequências de impulsos resulta na soma do sinal de precessão livre que se pretendia medir

resultante da presença do deutério (uma vez que os sinais de precessão livre de uma e outra

situação são absolutamente equivalentes). No caso do sinal resultante do ringing pela inversão

que o sistema sofreu o resultado é a subtracção dos sinais de ringing das duas situações. Na

54

Figura 43 apresenta-se o esquema de impulsos adoptado. A sequência de impulsos indicada

foi a utilizada para a obtenção de todos os espectros adiante apresentados.

Figura 43 – Esquema dos impulsos adoptado.

O esquema de montagem utilizado nestes ensaios é apresentado na Figura 44.

Figura 44 – Esquema da montagem experimental.

Foram adquiridos espectros para as duas misturas (dos monómeros com a sonda) dos

dois diferentes monómeros do tetrapode. Foram tomadas aquisições para diferentes

temperaturas, dentro da fase nemática dos compostos. No início de cada experiência, as

amostras foram submetidas ao campo magnético estático e foram aquecidas, com recurso ao

sistema de controlo da temperatura, até se dar a transição para a fase isótropa, posteriormente

foram arrefecidas, uma vez mais na presença do campo, até à temperatura pretendida. A

subida da temperatura aconteceu a uma taxa máxima de 5ºC/min, já na descida a velocidade

máxima foi de -3ºC/min. Neste processo as amostras estiveram sempre estáticas, ou seja, nas

amostras, o director ficou uniformemente alinhado com o campo estático. Para cada

temperatura foi obtido um espectro em que a amostra estática estava alinhada com o campo

p p/2x p/2y p/2x p/2y

FID FID Solid echo Solid echo

τ τ τ τ

Motor M

AG

NE

TE

MA

GN

ET

E

Amostra Cabeça de medida

55

aplicado. A amostra foi seguidamente submetida a uma rotação contínua e foram adquiridos

novos espectros, utilizando aquisições assíncronas.

Foram feitas aquisições entre as temperaturas 8 e 24ºC, e 20 e 65 ºC, para os

compostos Tm e Tm NS, respectivamente. Às temperaturas analisadas os compostos

apresentam sempre fases nemáticas. Esta condição manteve-se válida quando se desce a

temperatura para valores inferiores à temperatura de transição para o estado sólido, devido ao

fenómeno de sobre-arrefecimento [ 15], que neste caso ocorre numa larga gama de temperatu-

ras.

A única mesofase exibida pelos monómeros investigados, à semelhança do que já

acontecia para o tetrapode, correspondente, é uma fase nemática. Uma fase biaxial é uma fase

mais ordenada que uma fase uniaxial. Em geral fases mais ordenadas surgem para

temperaturas inferiores às das fases mais desordenadas. Será então de esperar que, para

temperaturas mais baixas, a possibilidade de existir uma fase nemática biaxial seja maior do

que para uma temperatura mais elevada. Assim o fenómeno de sobre-arrefecimento pode ser

útil no sentido de propiciar eventualmente o aparecimento de fases nemáticas biaxiais.

Pela simulação dos espectros pretende-se averiguar, se existe ou não um parâmetro

de assimetria, h, não nulo, dentro do erro experimental. Os espectros obtidos foram simulados

tendo como critério de ajuste a minimização do c2 reduzido. O erro admitido para os pontos dos

espectros segue uma distribuição estatística normal em que o erro é, naturalmente, dado pela

raíz do número de contagens. Este erro não pondera o facto de as riscas terem mais relevância

no ajuste dos espectros. Os ajustes parecem, no entanto, suficientemente fieis aos espectros

experimentais para se considerar que os modelos utilizados descrevem adequadamente o

problema.

Para o caso dos espectros de amostras estáticas, em que se verifica o alinhamento do

director com o campo estático aplicado, o que é evidenciado pela presença de duas únicas

riscas, o espectro experimental pode ser simulado pela expressão:

( ) ( ) ( )2 / L 2 / L G δν + ν + δν − ν = ν (18)

( )( )22 2/

2/Lδν−ν+λ

λ=δν−ν

(19)

No caso dos espectros obtidos para amostras em rotação, como há contribuição de

muitos domínios nemáticos, a situação verificada é equivalente a ter uma distribuição de

domínios no plano perpendicular ao eixo de rotação da amostra. Esta situação é equivalente à

distribuição de pares de riscas como na situação em repouso (orientação de 0º em relação ao

campo aplicado) para as diferentes orientações possíveis, no plano ortogonal ao eixo de

rotação da amostra. Os espectros resultantes desta nova situação são descritos pela

expressão (20):

56

( ) ( ) ( )[ ] ( ) ΩΩδν+ν+δν−ν=ω ∫Ω

dP2/L2/LG

(20)

Se se tratar de um pó bidimensional P(Ω) corresponde a uma distribuição uniforme no

plano ortogonal ao eixo de rotação da amostra. No caso da amostra em rotação verificou-se

que a descrição anterior não era suficientemente precisa para o bom ajuste dos espectros.

Dada a baixa viscosidade destes compostos, foi necessário considerar que a distribuição dos

directores P(Ω) apresentava uma contribuição não uniforme resultante de reorientações

parciais devido ao acoplamento com o campo B0. Esta correcção pode ser descrita por uma

expansão em série de Fourier onde só aparecem os termos pares em coseno, uma vez que o

alinhamento do director é indistinguível para θ=0 e θ=π. O facto de aparecerem apenas termos

em coseno e não em seno resulta da simetria física do problema. A expansão foi desenvolvida

até à terceira ordem, (21).

( ) ( ) ( ) ( )[ ]θ+θ+θ+=Ω 6cosC4cosC2cosC1P 321 (21)

Verifica-se que a correcção introduzida tem um papel significativo na simulação dos

espectros. Esta correcção é tanto maior quanto menor a velocidade, para velocidades acima da

velocidade crítica. Trata-se de uma situação esperada uma vez que quanto menor for a

velocidade de rotação maior a influência do campo no alinhamento das moléculas, que para

ângulos diferentes resulta na aceleração ou desaceleração dos directores ao tentarem alinhar-

se com o campo. Para todas as velocidades experimentadas, dentro da gama de velocidades

possível para o sistema motor–suporte da amostra não foi possível chegar a nenhuma

velocidade para a qual não houvesse um realinhamento parcial dos directores com o campo

magnético estático.

Para os diferentes ensaios foram obtidos sempre os espectros estáticos antecedendo

os espectros de amostra em rotação. Os parâmetros νQ e λ (obtidos para os espectros

estáticos) foram usados como valores iniciais na simulação dos espectros de amostras em

rotação.

Em seguida estão apresentados alguns dos resultados obtidos para os dois compostos

estudados, para diferentes temperaturas e velocidades de rotação da amostra.

Para o monómero Tm NS os espectros obtidos para amostras estáticas são da forma

indicada na Figura 45.

57

-40 -20 0 20 40-50

0

50

100

150

200

250

300

I (u

ni. a

rb.)

ν (kHz)

Figura 45 – Espectro RMN do deutério, para amostra estática do composto Tm NS a 25ºC.

Aos espectros das amostras estáticas foi ajustada a função (18). Os mesmo parâme-

tros referentes à forma das riscas foram utilizados subsequentemente, para os espectros em

rotação. O que se passa na situação de rotação, em relação ao caso estático, é que em rota-

ção não haverá apenas a contribuição, para o espectro final, de um par de riscas, mas sim de

uma distribuição de riscas que será ponderada pelo ângulo entre o campo e o director. Nesta

situação foi ainda ponderada uma possível contribuição referente ao parâmetro de assimetria.

Assim as características de cada par de riscas em relação à situação estática mantêm-se, e daí

a importância dos resultados do ajuste relativo aos espectros de amostras estáticas aquando

do ajuste aos espectros correspondentes a amostras em rotação.

O resultado da simulação do espectro obtido em condições estáticas em causa vem

indicado na Figura 46. À mesma temperatura o espectro resultante para a amostra em rotação

vem dado na Figura 47.

58

-40 -20 0 20 40-50

0

50

100

150

200

250

300

I (u

ni. a

rb.)

ν (kHz)

Figura 46 – Espectro RMN do deutério, para amostra estática do composto Tm NS a 25ºC

(preto), simulação (vermelho), parâmetros obtidos no ajuste: νQ = 45 kHz; λ = 2.2kHz.

-40 -20 0 20 40

0

50

100

150

200

I (un

i. ar

b.)

ν (kHz)

Figura 47 – Espectro RMN do deutério para amostra do composto Tm NS, em rotação

contínua (~0.1 Hz) a 25ºC.

O resultado da simulação deste espectro vem dado na Figura 48. Deste ajuste é

possível afirmar que, dentro do erro da experiência, a amostra estudada não apresenta

comportamento biaxial. A relação entre a distância entre as riscas interiores e exteriores é,

dentro do erro da experiência, 1/2, o que indica tratar-se de uma fase uniaxial.

59

-40 -20 0 20 40

0

50

100

150

200

I (un

i. ar

b.)

ν (kHz)

Figura 48 – Espectro RMN do deutério, para amostra em rotação contínua (~0.1 Hz) do

composto Tm NS a 25ºC (preto), simulação do espectro na ausência da correcção à

distribuição do director (verde).

Como tinha já sido referido, foi considerada uma correcção adicional na simulação dos

espectros associados a amostras em rotação. Com esta correcção é tida em conta a diferença

entre as velocidades efectivas que o director nemático toma na amostra e a velocidade a que a

amostra é posta em rotação. No caso das amostras em estudo, os dados mostram que esta

correcção não é desprezável. Na Figura 49 é apresentado, a verde, o ajuste na ausência deste

termo correctivo e é possível verificar um desvio significativo entre a situação com e sem

correcção.

-40 -20 0 20 40

0

50

100

150

200

I (un

i. ar

b.)

ν (kHz)

Figura 49 – Espectro RMN do deutério, para amostra em rotação contínua (~0.1 Hz) do

composto Tm NS a 25ºC (preto), simulação do espectro na ausência da correcção à

60

distribuição do director (verde), simulação do espectro com correcção à distribuição do director

(vermelho) segundo a expressão (21), parâmetro de assimetria obtido do ajuste: η =

0.003±0.012.

A correcção angular utilizada para a distribuição do ângulo θ, segundo a expressão

(21), para o ensaio apresentado, é representada na Figura 50, pela curva a vermelho. Na

ausência desta correcção, a distribuição angular seria uniforme, dando o mesmo peso a todos

os ângulos, como indicado na Figura 50 (curva a verde).

0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,00,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

1,2

P(θ

)

θ (rad)

Figura 50 – Correcção angular (segundo a expressão (21)) para ensaio ao composto Tm NS à

temperatura de 25ºC e velocidade de rotação ~ 0.1 Hz (curva a vermelho). A linha a verde

corresponde à distribuição uniforme do director em θ.

A correcção angular encontrada reflecte o que se esperava: uma valorização dos

ângulos correspondentes a 45º, situação em que é favorecida a reorientação do director pelo

campo magnético. Há então um decréscimo da distribuição do director para os ângulos 0 e 90º,

que se reflecte nos espectros através de uma diminuição nas intensidades dos picos interiores

e exteriores. No resultado apresentado a verde, no ajuste, para espectro simulado sem a

correcção, está já patente esta situação. Ou seja, em geral, esperar-se-ia que a contribuição

angular em 0 e 90º fosse superior ao efectivamente registado.

Para o outro composto, Tm, os resultados são semelhantes, aqui a viscosidade do

composto, em relação ao anterior, é superior, mas verificam-se o mesmo tipo de fenómenos.

As figuras que se seguem apresentam um estudo semelhante ao anterior, de onde resulta uma

vez mais que a amostra não apresenta comportamento nemático biaxial. A Figura 51

apresenta-se os resultados para o espectro relativo à amostra estática, na Figura 52 encontra-

se o espectro correspondente à amostra em rotação e, por fim, na Figura 53 temos o resultado

da correcção da distribuição angular.

61

-40 -20 0 20 40

0

50

100

150

200

I (un

i. ar

b.)

ν (kHz)

Figura 51 – Espectro RMN do deutério, para amostra estática do composto Tm a 8ºC (preto),

ajuste do espectro (vermelho), parâmetros obtidos dos ajuste: νQ = 42 kHz; λ = 2.7 kHz.

-40 -20 0 20 40

0

75

150

225

300

375

450

I (un

i. ar

b.)

ν (kHz)

Figura 52 – Espectro RMN do deutério, para amostra em rotação contínua (~1.3 Hz) do

composto Tm a 8ºC (preto), ajuste do espectro na ausência da correcção à distribuição do

director (verde), ajuste do espectro (vermelho), parâmetro de assimetria obtido do ajuste: η =

0.015±0.016.

62

0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,00,00

0,25

0,50

0,75

1,00

1,25

P(θ

)

θ (rad)

Figura 53 – Correcção angular (segundo a expressão (21)) para ensaio ao composto Tm à

temperatura de 8ºC e velocidade de rotação ~ 1.3 Hz (curva a vermelho). A linha a verde

corresponde à distribuição uniforme do director em θ.

Os dados apontados foram obtidos para condições especificas de temperatura e

velocidade de rotação das amostras. Verificou-se, dentro da gama de temperaturas da fase

nemática de cada uma das amostras, que estas não apresentam comportamento biaxial, ao

contrário do que foi verificado para o tetrapode correspondente. Estes resultados indicam que a

origem da fase nemática biaxial no tetrapode não surge associada ao comportamento dos

monómeros considerados individualmente. Para diferentes velocidades de rotação da amostra

é de notar que a correcção na distribuição angular é tanto mais significativa quanto menor for a

velocidade de rotação, se acima da velocidade crítica.

63

Capítulo 6

Conclusão e Pespectivas de Trabalho Futuro

O trabalho que deu origem a esta tese teve como objectivo o estudo da fase nemática

biaxial em dendrímeros líquido cristalinos (de geração zero). Os estudos na fase nemática

biaxial, de sistemas termotrópicos, têm sido alvo de controvérsia [ 20]. Neste trabalho preten-

deu-se estudar a origem da fase nemática biaxial, do composto tetrapode organosiloxano Tas,

verificada por técnicas ópticas [ 35] e de espectroscopia RMN de deutério [ 27] (a verificação da

presença de biaxialidade numa fase nemática através destas duas técnicas experimentais,

indica tratar-se de uma fase nemática biaxial). A ordem biaxial que se observa na fase

nemática encontra-se geralmente associada à forma das moléculas ou elementos mesogénicos

que constituem esta fase. É, então, considerado expectável que uma fase nemática formada

por moléculas cuja estrutura química se afaste das convencionais moléculas em forma de

bastonete ou de disco (ambas com simetria de rotação em torno de um eixo) tenda a

apresentar ordem biaxial. Este é o caso das fases nemáticas de moléculas em forma de

boomerang [ 17]. Por outro lado, foi observada, tanto em polímeros líquido cristalinos

termotrópicos [ 25], como em tetrapodes organosiloxanos [ 27], a existência de fases nemáticas

biaxiais em sistemas cujas unidades mesogénicas são relativamente próximas das que

constituem as fases nemáticas uniaxiais. Neste caso, a ordem biaxial surge associada à

complexidade dos sistemas, no sentido em que a quebra de simetria de rotação em torno do

eixo associado ao director principal resulta dos constrangimentos impostos pela estrutura dos

polímeros ou dendrímeros em causa e não pela forma dos elementos mesogénicos. Nos casos

conhecidos, este tipo de fase aparece em sistemas formados por ligação lateral dos elementos

mesogénicos a uma cadeia polimérica ou ao corpo central de um dendrímero, respectivamente.

No sentido de averiguar qual o factor que contribui, de forma mais determinante, para a

fase nemática biaxial, o tetrapode Tas bem como Ts foram estudados por DRX para

determinação das suas estruturas moleculares. Por outro lado, dois monómeros do tetrapode

Tas foram submetidos a espectroscopia RMN de deutério, para averiguar da existência (ou

inexistência) da assinatura biaxial na fase nemática destes compostos. A realização deste

trabalho permitiu concluir que a biaxialidade observada em mesofases nemáticas para o

tetrapode organosiloxano, Tas, não tem origem nos monómeros, individualmente, mas antes

na forma como estes estão ligados nas moléculas e como a estrutura molecular condiciona a

organização das fases.

Em termos estruturais, verifica-se que os compostos Ts e Tas, que têm dimensões

moleculares idênticas (ver Figura 23), no entanto, os aparentes detalhes que diferenciam estas

duas moléculas, determinam que o composto cujos elementos mesogénicos são simétricos

apresenta uma fase esmética C, para além da fase nemática, enquanto o composto de

64

elementos mesogénicos assimétricos apresenta apenas uma fase nemática. Os padrões de

DRX mostram claramente que ambos os compostos apresentam fases nemáticas com uma

estrutura peculiar associada à presença de grupos cibotáticos, do tipo esmético C, cuja

existência prevalece em toda a extensão do domínio térmico da fase. É significativo notar que,

em trabalhos relativos ao estudo da fase nemática de um composto de moléculas em forma de

boomerang, este tipo de padrões de DRX aparece associado à presença de ordem biaxial [ 17].

Por outro lado, os dois compostos apresentam espessuras diferentes para as pseudo-camadas

presentes nos grupos cibotáticos das respectivas fases nemáticas, sendo inferiores para o

composto Tas que para o composto Ts (consultar Tabela 2 e Tabela 3). Esta diferença significa

que a agregação molecular é mais eficaz para o composto Tas relativamente a Ts. Este ponto

pode ser significativo para a discussão da origem da fase nemática biaxial. Em termos da

constituição dos compostos, as diferenças entre Ts e Tas manifestam-se na extensão dos

corpos aromáticos e das cadeias alifáticas. No composto Tas os corpos aromáticos são mais

longos, e as cadeias alifáticas menos extensas. Os corpos aromáticos estão associadas a

maior rigidez que as cadeias alifáticas. Os detalhes da forma de agregação molecular, que são

diferentes entre Ts e Tas poderão estar relacionados com esta diferença de rigidez e de

comprimentos entre corpos e cadeias, assegurando um empacotamento molecular mais eficaz

na fase nemática para o composto Tas. Esta poderá ser uma condição importante da

biaxialidade em fase nemáticas.

A espessura das pseudo-camadas, ℓ, que se formam localmente nos grupos cibotáticos

da fase nemática, sofre uma evolução na temperatura. No composto Ts que apresenta uma

fase nemática e uma fase esmética C a evolução de é ℓ registada na Figura 29. Neste gráfico

fica indicado que ℓ assume valores superiores na fase esmética C do que na fase nemática.

Esta variação de ℓ indicía um alinhamento mais fácil nas camadas esméticas para temperaturas

mais baixas (onde há menos mobilidade de o sistema e consequentemente o alinhamento com

o campo fica prejudicado), ou seja, o alinhamento local é facilitado na fase nemática em

relação à fase esmética. Fica evidenciada a crescente mobilidade da fase nemática em relação

à fase esmética. Esta mobilidade na fase nemática tem efeito no sentido de originar uma

estrutura para a fase nemática mais compacta do que para a fase esmética C. Uma vez mais

esta compactação pode propiciar o aparecimento de uma fase nemática biaxial. Experimental-

mente a biaxialidade na fase nemática do composto Ts foi verificada por técnicas ópticas e de

espectroscopia do infravermelho [ 26].

Da análise estrutural dos dois tetrapodes pode concluir-se, pela permanência dos

grupos cibotáticos, que ambos apresentam fases nemáticas localmente mais organizadas do

que as fases nemáticas mais comuns. Este tipo de comportamento existe em toda a gama de

temperaturas ensaiadas da fase nemática. Para o composto Ts foram tomados dados em toda

a gama de temperaturas de existência da fase nemática (as temperaturas de transição estão

indicadas Figura 22). Relativamente ao composto Tas foram efectuados ensaios na fase

nemática entre as temperaturas de 47ºC e 25ºC, não tendo sido realizadas medidas abaixo da

temperatura ambiente, no entanto o composto apresenta a transição vítrea a -30ºC (Figura 23).

65

Em estudos de biaxialidade em fases nemáticas em polímeros líquido-cristalinos

publicados na literatura [ 24, 25] concluiu-se que nos polímeros de cadeia lateral era possível a

existência de fases nemáticas biaxiais, enquanto nos polímeros de cadeia principal, as fases

nemáticas apresentadas eram invariavelmente uniaxais. A explicação para esta diferença de

comportamento prende-se com constrangimentos nos movimentos de rotação das unidade

mesogénicas nos polímeros de cadeia lateral (que não existe nos polímeros de cadeia

principal). No caso dos tetrapodes estudados, e embora a sua estrutura seja idêntica,

possivelmente, no composto Tas os corpos aromáticos e as cadeias alifáticas adoptam uma

estrutura mais compacta, com movimento de rotação mais restringidos, propiciando uma fase

nemática biaxial mais inequívoca. Este efeito é especialmente importante para as baixas

temperaturas incluídas no domínio térmico de existência da fase nemática do composto Tas.

Para avaliar a importância da estrutura molecular dos tetrapodes, no que respeita à

presença da ordem biaxial na fase nemática, foram estudados dois monómeros do tetrapode

Tas. Os monómeros, à semelhança do tetrapode, foram estudados por espectroscopia RMN de

deutério. Os monómeros estudados não têm deutério na sua composição, pelo que foram

preparadas misturas destes compostos para os ensaios de espectroscopia. A sonda utilizada

(7CBαD2), é um cristal líquido nemático com uma estrutura molecular que, previsivelmente, o

levará a assumir o tipo de ordem apresentada pelo composto em que se encontra dissolvido.

Da análise dos resultados experimentais obtidos por RMN do deutério para as misturas

dos monómeros do tetrapode Tas conclui-se que as amostras estudadas não apresentam uma

fase nemática biaxial. A assinatura nos espectros de pós bidimensionais (resultantes de

rotação da amostra segundo um eixo ortogonal ao campo estático B0 aplicado) é a de uma fase

nemática uniaxial (a relação entre o afastamento entre riscas exteriores e interiores é de 1/2).

Por seu lado, a mistura do tetrapode [ 27] tem uma fase nemática biaxial. Comparando os

resultados obtidos para monómeros e tetrapode pode-se dizer que a fase nemática biaxial que

se observa no tetrapode não é resultado de uma característica intrínseca dos monómeros.

O facto de não ter sido verificada biaxialidade na fase nemática dos monómeros, indica

que, assim como nos polímeros [ 24, 25], a estrutura dos elementos mesogénicos considerados

individualmente não é necessariamente determinante para o comportamento biaxial ou não das

fases nemáticas que exibem. Esta conclusão já tinha sido também inferida para sistemas de

baixo pelo molecular [ 20]. Por outro lado, os resultados estruturais para os tetrapodes apontam

para organizações compactas onde se pode presumir inibição de determinados movimentos de

rotação na fase nemática (biaxial). As fases nemáticas que os tetrapodes exibem são,

localmente, muito organizadas, mais organizadas do que em geral se verifica para uma fase

nemática convencional. Resumindo: o facto das fases nemáticas formadas pelos monómeros

apresentarem apenas ordem uniaxial (contrariamente ao que acontece com os tetrapodes) é

compatível com a hipótese de que a ordem nemática biaxial resulta de constrangimentos

orientacionais das unidades mesogénicas provocados pela ligação ao núcleo central dos

dendrímeros.

66

Em termos de possíveis análises futuras de espectroscopia RMN de deutério, seria

interessante considerar os tetrapodes deuterados, em vez de se recorrer a uma sonda, para

confirmar o carácter biaxial dos compostos, separadamente das misturas. Seria igualmente

interessante fazer a caracterização dos espectros obtidos para os tetrapodes em função da

velocidade de rotação da amostra, recorrendo a equações para a dinâmica do director (para

amostras biaxiais). Os estudos da caracterização dos espectros em função da velocidade

seriam também interessantes para os monómeros, uma vez que estes têm movimentos muito

rápidos o que pode ser útil em termos do estudo comparativo com os tetrapodes.

67

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