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Comissão Nacional de Energia Nuclear CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DA TECNOLOGIA NUCLEAR Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia das Radiações, Minerais e Materiais CONTRIBUIÇÃO DE TÉCNICAS ANALÍTICAS NUCLEARES NO RESGATE DA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA: ANÁLISE DE CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS DA TRADIÇÃO TUPIGUARANI Linha de Pesquisa: Aplicações das radiações em estudos ambientais Gleikam Lopes de Oliveira Faria Área de concentração: Ciência e Tecnologia das Radiações - CTRA Orientadora: Dr a Maria Ângela de B. C. Menezes Co-orientadora: Dr a Cláudia de Vilhena Schayer Sabino Belo Horizonte, 2011

CONTRIBUIÇÃO DE TÉCNICAS ANALÍTICAS NUCLEARES NO ... · Figura 22b. Distribuição Ce x La: fontes de matéria prima usadas de acordo com o tipo de vasilha

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Comissão Nacional de Energia Nuclear

CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DA TECNOLOGIA NUCLEAR

Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia das Radiações,

Minerais e Materiais

CONTRIBUIÇÃO DE TÉCNICAS ANALÍTICAS NUCLEARES NO

RESGATE DA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA: ANÁLISE DE

CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS DA

TRADIÇÃO TUPIGUARANI

Linha de Pesquisa: Aplicações das radiações em estudos ambientais

Gleikam Lopes de Oliveira Faria

Área de concentração: Ciência e Tecnologia das Radiações - CTRA

Orientadora: Dra Maria Ângela de B. C. Menezes

Co-orientadora: Dra Cláudia de Vilhena Schayer Sabino

Belo Horizonte, 2011

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Agradecimentos

À Deus, por tudo...

Ao meu marido, pelo incentivo, companheirismo e apoio.

Aos meus pais e minha irmã, pelo amor e pela torcida!

À minha orientadora, Maria Ângela Menezes, por toda ajuda, compreensão e carinho

de sempre. Dizer muito obrigada é pouco demais diante da grandiosidade de ser

humano que reflete em você...

À minha co-orientadora, Cláudia Sabino, pela imprescindível ajuda, pela gentileza e

simpatia.

Às arqueólogas Loredana Ribeiro e Camila Jácome, por fornecer as amostras, pela

atenção e principalmente pelas informações.

Ao Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/CNEN) pela

oportunidade.

Ao serviço de Reator e Técnicas Analíticas do CDTN e toda sua equipe pelas diversas

análises.

Ao Sr. Zilmar Lima Lula, técnico do laboratório de Difração de Raios X do CDTN

e a geóloga Nadja Cruz Ferraz, pela receptividade e pelas dicas.

Ao pessoal do Laboratório de Espectroscopia Mössbauer, em especial ao Dr. José

Domingos Ardisson, pelos conselhos, atenção e gentileza.

3

À Técnica Maria Aparecida da Silva “Cida”, pela ajuda, paciência, amizade e

pela agradável companhia.

Ao Dovenir, por todo o cuidado no preparo das amostras.

A todo corpo docente da pós-graduação, pelos ensinamentos e dedicação.

Aos colegas da turma de 2009, foi uma convivência espetacular e deixarão ótimas

recordações...

Ao pessoal da Secretaria da pós-graduação, especialmente à Cerisa e á Roseli, pela

competência e simpatia.

À Virgínia e à Nívia, pelo auxílio na biblioteca.

Aos novos amigos da Escola Marista Champagnat de Contagem, pela agradável

convivência de cada dia.

Aos meus alunos do passado, do presente e aos próximos que espero ter, por

despertarem em mim o constante desejo de aperfeiçoamento.

As amizades que foram feitas nesta etapa da minha vida, que ouviram minhas

preocupações e anseios, pela escuta e companheirismo...

4

“A paz é a única forma de nos sentirmos realmente humanos.”

(Albert Einstein)

5

Dedico ao meu marido, que foi o primeiro a

convencer-me que esta realização seria possível...

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RESUMO

No “Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas

pela Instalação da Segunda Linha do Mineroduto Samarco”, foram resgatados fragmentos de

cerâmicas dos sítios arqueológicos de maior valor histórico, Bota-Fora e Hiuton. Esses sítios

estão localizados no Espírito Santo, onde se estabeleceram Missões Jesuíticas no século XVI

em tribos indígenas da tradição Tupiguarani. Por ser um material resistente ao tempo, às

variações climáticas e normalmente conter elementos traço, a cerâmica é um testemunho

arqueológico importante em arqueometria. Portanto, nesta pesquisa, os elementos Al, As, Ba,

Br, Ce, Cl, Co, Cr, Cs, Dy, Eu, Fe, Ga, Hf, I, K, La, Mn, Na, Nd, Rb, Sc, Sm, Ta, Tb, Th, Ti,

U, V, Yb, Zn, Zr foram determinados nos fragmentos pela técnica de ativação neutrônica,

utilizando o reator nuclear de pesquisa TRIGA MARK I IPR-R1 do CDTN/CNEN. Este

trabalho foi o primeiro no Brasil em que os valores de concentração elementar foram

interpretados por meio de análises estatísticas aplicando o programa R que valoriza métodos

robustos, associados às interpretações dos arqueólogos. Os resultados sugerem que as

cerâmicas dos dois sítios arqueológicos foram confeccionadas por matéria-prima de fonte de

argila diferentes, e que os utensílios do sítio Bota-Fora foram confeccionados com matérias

primas provenientes de fontes distintas. Também foram realizadas análises de difratometria de

raios X para o estudo da composição mineralógica, além das análises de espectroscopia

Mössbauer, ambas com o objetivo de auxiliar no entendimento de qual tecnologia de queima

foi usada nas cerâmicas. Em relação à temperatura de queima alcançada, pela análise de

difração de raios X não foi possível fazer inferências. Entretanto, os resultados obtidos pela

técnica de espectroscopia Mössbauer indicam que a queima desses utensílios, deve ter

acontecido em fogueiras, a céu aberto, não havendo influência do colonizador português que

já utilizava fornos. Estas conclusões poderão auxiliar em trabalhos posteriores para um

melhor entendimento da cultura da tradição Tupiguarani, auxiliando na reconstrução da Pré-

história brasileira.

Palavras-chave: Análise por Ativação Neutrônica, Arqueologia, Cerâmica, Tupiguarani

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ABSTRACT

During the “Program for Prospection and Excavation of the Archaeological Heritage from

Areas Affected by the Installation of the Second Line of Pipeline Samarco”, several sherds

were excavated from archaeological sites with more historical value, Bota-Fora and Hiuton.

These sites are located in the Brazilian State of Espírito Santo, where the Jesuitical Missions

were built during the XVI century. Ceramic is a very resistant material to time and also TO

the natural conditions in the surrounding areas, and IT IS CONSIDERED an important

vestige in archaeometry due to its elemental composition Therefore, in this research the

concentration of Al, As, Ba, Br, Ce, Cl, Co, Cr, Cs, Dy, Eu, Fe, Ga, Hf, I, K, La, Mn, Na, Nd,

Rb, Sc, Sm, Ta, Tb, Th, Ti, U, V, Yb, Zn, Zr were determined in the pottery fragments by

neutron activation technique, using the TRIGA MARK I IPR-R1 nuclear reactor located at

CDTN/CNEN. This study is the first one developed in Brazil, in which the elemental

concentration values were interpreted by statistical analysis applying R package software that

promotes robust methods, supported by archaeological interpretations. The results pointed out

that the pottery from the sites were made by clay from different resources and the earthenware

from Bota-Fora site was made by clay of different compositions pointing out different

provenances. The X ray powder diffraction analyses were carried out in order to determine the

mineral composition and Mössbauer spectroscopy was applied to provide information on both

degree of firing and atmosphere in order to reconstruct the Indian firing strategies temperature

used on pottery. Related to burning temperature, the information from the X ray powder

diffraction technique found was not relevant; however, the results from Mössbauer technique

pointed out that the firing should be happen in bonfire, the traditional Indian burning process,

without Portuguese settler influence, the use of ovens. These conclusions may support future

studies contributing for a better understanding of the Tupiguarani tradition, helping in the

reconstruction of the Brazilian prehistory.

Keywords: Neutron Activaton Analysis, Archaeology, Pottery, Tupiguarani

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Vasilha da Coleção do Museu Municipal de Conceição dos Ouros, MG vista em

duas posições com projeções semelhantes a forma das vasilhas abertas do Tipo 1.................31

Figura 2.Vasilhas associadas à fermentação da mandioca........................................................32

Figura 3. Projeção de forma de vasilha fechada Tipo 1 (cambuchi), sítio Bota-Fora...............33

Figura 4. Representação dos fenômenos envolvidos na ativação de um núcleo

atômico......................................................................................................................................35

Figura 5. Reator Nuclear TRIGA MARK I IPR-R1.................................................................36

Figura 6. Espectro Mössbauer típico do ferro metálico, obtido à temperatura

ambiente....................................................................................................................................43

Figura 7. Sítios arqueológicos escavados no Espírito Santo.....................................................47

Figuras 8 e 9. Fotos ilustrativas de como foram feitas as escavações para a retirada das

amostras. (Ilustrações retiradas do 4º Relatório de Atividades do “Programa de Prospecção e

Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação da 2ª Linha do

Mineroduto Samarco”, Portaria IPHAN No 51, 23/02/2006, Belo Horizonte,

2008).........................................................................................................................................48

Figura 10. Retirada das impurezas depositadas nos fragmentos ao longo dos anos por meio de

uma broca de tungstênio...........................................................................................................49

Figuras 11 e 12. Fotos ilustrativas da etapa de acondicionamento das amostras para

análise........................................................................................................................................49

Figura 13a. Detetor HpGe com 15% de eficiência nominal.....................................................50

Figura 13b. Espectro gama da amostra de referência ..............................................................51

Figura 14. Foto mostrando acima um frasco de polietileno com uma amostra. À esquerda,

placa de alumínio do difratômetro e ao lado placa de vidro de 2x3 cm....................................52

Figura 15. Demonstrando como cada amostra é pressionada sob a placa de alumínio para ficar

distribuída uniformemente e apresentar uma superfície mais “fina”possível...........................52

Figura 16. Amostras preparadas para serem analisadas............................................................52

Figura 17. Amostras acondicionadas dentro do difratômetro de raios X..................................53

Figura 18. Difratômetro de raios X utilizado para as análises..................................................53

Figura 19. Esquema de um arranjo experimental típico na espectroscopia Mössbauer............54

9

Figura 20. Histogramas do Fe e do Ta......................................................................................62

Figura 21. Histograma lognormal do Mn e Zr..........................................................................64

Figura 22a. Distribuição Ce x La: proveniência de matéria prima dos cacos de cerâmica.......64

Figura 22b. Distribuição Ce x La: fontes de matéria prima usadas de acordo com o tipo de

vasilha.......................................................................................................................................65

Figura 23. Distância entre Mahalanobis e a distância robusta..................................................66

Figura 24. Espalhamento univariado de variáveis....................................................................67

Figura 25. Espalhamento univariado da univariável CE...........................................................67

Figura 26. Espalhamento de variáveis......................................................................................68

Figura 27. Difratograma de raios X da amostra 2 (“Tigela Pintada”) sítio

Hiuton........................................................................................................................................73

Figura 28. Difratograma de raios X da amostra 41 (“Tigela Pintada”) sítio Bota

Fora...........................................................................................................................................74

Figura 29. Espectros Mössbauer à temperatura ambiente de utensílios indígenas

- (parte 1)...................................................................................................................................75

- (parte 2)...................................................................................................................................76

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Resumo dos principais parâmetros relacionados à análise de espectros Mössbauer

contendo diagramas relacionando níveis nucleares, interações hiperfinas e os espectros

Mössbauer correspondentes......................................................................................................42

Tabela 2a. Concentração elementar, em mg kg-1

, dos materiais de referência analisados.......55

Tabela 2b. Tendência Relativa eTeste u-score para o material de referência IAEA/SOIL7....57

Tabela 3. Relação de tipos de vasilhas por sítio arqueológico..................................................59

Tabela 4. Análise descritiva dos dados.....................................................................................61

Tabela 5. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado aos dados, n=66............................................62

Tabela 6. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado à distribuição lognormal dos dados, n=66....63

Tabela 7. Elementos para os quais as amostras são “outliers”..................................................66

Tabela 8. Cargas das componentes principais (CP)..................................................................69

Tabela 9. Scores relacionados às amostras...............................................................................70

11

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................13

2. OBJETIVOS.......................................................................................................................18

3. JUSTIFICATIVA...............................................................................................................19

4. REVISÃO DE LITERATURA..........................................................................................21

4.1 A CULTURA TUPIGUARANI..............................................................................21

4.1.1 Os Índios .................................................................................................21

4.1.2. A Cerâmica ............................................................................................22

4.2 AS CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS E OS ESTUDOS DE PROVENIÊNCIA

DE SUAS MATÉRIAS-PRIMAS................................................................................24

4.3 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS NO ESPÍRITO SANTO: CERÂMICA

TUPIGUARANI...........................................................................................................29

4.4 ANÁLISE DOS FRAGMENTOS CERÂMICOS..................................................33

4.4.1 Determinação da Composição Elementar...............................................34

4.4.1.1 Análise por Ativavação Neutrônica ..............................................34

4.5 DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA....................................37

4.5.1 Difração de Raios X.................................................................................38

4.5.2 Espectroscopia Mössbauer .................................................................41

4.6 MÉTODOS DE ESTATÍSTICA MULTIVARIADA.............................................43

5. PARTE EXPERIMENTAL...............................................................................................46

5.1 REGIÃO DE ESTUDO..........................................................................................46

5.2. COLETA DAS AMOSTRAS DE FRAGMENTOS DE CERÂMICAS...............48

5.3 PREPARO DAS AMOSTRAS PARA AS ANÁLISES.........................................48

5.4 DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO QUÍMICA ELEMENTAR...................49

5.5 DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA DAS CERÂMICAS...51

5.5.1 Aplicação da Técnica de Difração de Raios X........................................51

5.5.2 Aplicação da Técnica de Espectroscopia Mössbauer..........................54

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................................55

6.1 ESTATÍSTICA MULTIVARIADA.......................................................................55

6.2 TECNOLOGIA DE COZIMENTO DAS CERÂMICAS.......................................72

6.2.1 Difração de Raios X................................................................................ 72

6.2.2 Espectroscopia Mössbauer ................................................................ 75

12

7. CONCLUSÕES...................................................................................................................78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 80

ANEXO I – Concentração elementar, em mg kg-1

, das amostras dos fragmentos de

cerâmicas analisados por Ativação Neutrônica....................................................................87

ANEXO II – Correlações robustas entre as variáveis ........................................................93

ANEXO III - A cultura tupiguarani .....................................................................................94

ANEXO IV - Trabalhos apresentados em congressos.........................................................98

13

1. INTRODUÇÃO

O conhecimento é buscado por todos. Talvez porque a necessidade de esclarecer um

conceito do que é a realidade, de certa forma, conforta o ser humano em seu íntimo. A

curiosidade do homem estende-se muito além do que simplesmente conhecer os objetos a sua

volta, todas as pessoas possuem um imenso desejo de conhecerem a si mesmas. Para

Aristóteles [Costa, 2006], “todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer”. Somos

movidos pela curiosidade e através dela desenvolvemos o nosso conhecimento pelo puro

prazer de conhecer... Segundo Tales de Mileto [Watanabe, 1991], “conhecer a si mesmo é a

mais difícil de todas as coisas.” Para que o homem conheça a si próprio, contudo, talvez seja

interessante procurar entender primeiro o seu passado.

A busca pelo autoconhecimento levou o homem a procurar técnicas científicas para

encontrar a identidade no tempo e no espaço de vestígios que possam contribuir para esse

entendimento. Estes vestígios podem ser encarados como “pistas”, por exemplo, sinais

gravados ou pintados nas pedras, pedaços de conchas, ossos de animais, esqueletos humanos,

utensílios de cerâmicas, etc. A vantagem é que essas “pistas” podem elucidar o passado

remoto do homem e revelar uma parte de sua história.

A arqueologia é a área de estudo responsável por investigar os povos atuais ou

primitivos por meio da cultura material, ou seja, dos objetos e vestígios materiais deixados

pelas sociedades. A arqueologia tem por objetivo a reconstituição da história das culturas

humanas a partir de teorias, métodos e técnicas específicas, baseada nos artefatos

arqueológicos e nas características locais [Laet, 1976; Schuchardt, 1972]. Muitas das

informações conhecidas hoje foram desvendadas através de pesquisas arqueológicas. Essas

pesquisas, por sua vez, deram origem aos estudos arqueométricos [Quiñones, 2003], que

consistem em combinar as diversas técnicas científicas com a finalidade de colaborar na

identificação e legitimação de vestígios arqueológicos. A arqueometria aplica métodos físicos

e químicos em suas análises, cujos resultados fornecem suporte para as hipóteses levantadas

pelos arqueólogos e, assim, ajudam na interpretação da história dos povos estudados.

Os estudos arqueométricos surgiram em 1786 com o pesquisador George Pearson,

porém, a evolução das técnicas e métodos utilizados teve considerável avanço somente no

século XIX. Em 1840, Göbel declarou que a química poderia estar a serviço da arqueologia e

da pré-história. Foram analisados vários objetos metálicos encontrados em escavações nas

províncias bálticas da Rússia e por meio de comparação de suas composições químicas com a

de outros objetos da pré-história européia, concluiu-se que os objetos analisados tinham

14

origem romana. Nesse estudo, Göbel analisou um número considerável de amostras. Portanto,

Göbel pode ser considerado um dos pioneiros na caracterização química de materiais

arqueológicos [Harbottle, 1982].

Um pouco depois, em 1850, o austríaco Jan Erazim Wocel [Harbottle, 1990] sugeriu que

estudos da composição química de materiais arqueológicos poderiam ser usados para verificar

a proveniência desse material, de modo a fornecer informações sobre sua manufatura e uso.

Por volta de 1864, foi publicado um dos primeiros trabalhos sobre análises mineralógicas em

materiais arqueológicos, realizado pelo mineralogista francês Augustin Alexis Damour, que

se interessou pelo estudo da origem do material lítico encontrado em monumentos célticos

[Leute, 1987]. Damour teve a idéia de que os arqueólogos deveriam recorrer ao auxílio de

geólogos, químicos, zoólogos e paleontólogos para melhorar as interpretações dos dados

coletados em estudos arqueológicos. “A mineralogia e a química podem elucidar as

características e composição de artefatos arqueológicos” [Damour, 1865].

Após a segunda metade do século XIX diversos trabalhos sobre química e física

começaram a se despontar até que no final deste mesmo século a físico-química tornou-se

uma especialidade independente. Um dos primeiros estudos importantes com abordagem

físico-química foi a descoberta dos raios X, em 1895 pelo cientista Wilhelm Konrad Roentgen

que no mesmo ano tentou fazer a primeira radiografia de uma pintura [Gilardoni, 1977].

Já no século XX as abordagens passaram a ser interdisciplinares, envolvendo

historiadores, arqueólogos, físicos, químicos, etc. Surgiram, então, traduções de manuais

artísticos antigos, como por exemplo, a tradução para a língua inglesa do histórico I l libro

dell’Arte, com o nome de The craftsman’s handbook (Manual do Artífice), contendo a

descrição de materiais e métodos empregados na produção artística, escrito no século XV por

Cennino d’Andrea Cennini, na Itália [Cennini, 1988; Rosado, 2008], e traduzido por D. V.

Thompson, no ano de 1932. Já em 1934, Irene Curie, filha de Marie e Pierre, com seu marido,

Frederic Joliot, descobriram a radioatividade artificial. Em 1936, Hevesy e Levi descobriram

que amostras contendo certos elementos de terras raras ficavam altamente radioativas quando

expostas a uma fonte de nêutrons: essa descoberta deu origem à análise por ativação

neutrônica [Hevesy & Levi, 1936]. Essa técnica, junto com outras técnicas analíticas, como a

análise através de raios X, a microscopia eletrônica, a espectroscopia de massa, após a

Segunda Guerra Mundial, se tornaria de grande importância para a análise de materiais

arqueológicos [Munita et al, 2005]. Na década de 1940, os métodos de datação também

trouxeram importantes contribuições para os estudos arqueométricos.

Nos anos 50 e 60, com a Guerra Fria, foi possível conhecer um pouco mais sobre os

15

poderes e efeitos da radioatividade por meio dos testes de bombas nucleares e o uso de

películas infravermelhas, detectores com maior sensibilidade, exatidão e precisão [Leute,

1987]. Nessa mesma época surgiram os primeiros estudos de datação por

Termoluminescência e em 1962, estas pesquisas foram utilizadas pela primeira vez para

datação de cerâmica. Em 1954, J. Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica, propôs que a

análise por ativação com nêutrons [Hevesy & Levi, 1936] poderia ser útil para realizar a

análise química de cerâmicas arqueológicas do Mediterrâneo com a finalidade de determinar

sua procedência [Pollard, 2008].

Em 1956, John Stone e L. C. Thomas [Pollard et al, 2007] usaram a espectroscopia de

emissão óptica para determinar alguns elementos traço presentes em faianças e faianças

vítreas manufaturadas no Egito e em alguns lugares da Europa, caracterizando quartzo, areia e

álcali utilizado na sua manufatura. Foi verificado que as peças eram provenientes da

Inglaterra, do Egito ou do leste Mediterrâneo. A partir desses estudos, esta inovação

tecnológica difundiu-se do oriente para o ocidente.

No ano de 1975, o desenvolvimento de equipamentos que apresentassem maior

sensibilidade, precisão e exatidão e o uso de dados processados em computador, foram de

grande destaque, pois estes fatores são indispensáveis nas comprovações científicas. Durante

o século XX e nos dias atuais, já no século XXI, o uso de exames científicos como

ferramentas analíticas para o estudo de artefatos arqueológicos intensificaram-se ainda mais.

As metodologias interdisciplinares envolvendo ciências exatas e humanas já não “andam mais

separadas”. Essa abordagem vem contribuindo para os estudos nas áreas da arqueometria e

história da arte técnica [Ainsworth, 2005]. Como resultado desta interdisciplinaridade,

atualmente, é intenso o uso de técnicas de caracterização físico-química em estudos de

vestígios arqueológicos [Felicíssimo et al, 2004].

Os fragmentos cerâmicos são importantes na arqueologia uma vez que são duráveis,

sendo resistentes às variações climáticas, constituindo-se assim os objetos mais encontrados e

estudados [Munita et al, 2004a]. As cerâmicas têm como principal componente a argila que,

do ponto de vista geológico, é formada a partir de rochas sedimentares, alumínio silicatos de

composição indefinida. O Al2O3 e o SiO2 se encontram presentes em quantidade maiores que

10% e as impurezas menores, tais como óxidos de Na, Mg, K, Ca, Ti e Fe, são encontradas

em concentrações que variam de 0,1 a 5%. Entretanto, são os elementos traço (menores que

0,1%) cuja presença na argila é “acidental”, os que normalmente proporcionam a melhor

informação para estudos arqueométricos. Esta característica torna estatisticamente

improvável, que a concentração de vários elementos traço na argila de uma determinada

16

localidade coincida quantitativamente com a de argila de outras localidades [Glascock, 1992;

Latini et al, 2001]. Portanto, as propriedades microscópicas da cerâmica, tal como as

composições química e mineralógica, são capazes de fornecer informações seguras a respeito

das comunidades antigas e este é um dos principais motivos pelos quais pesquisadores vêm

fazendo uso de técnicas eficazes para caracterizar cerâmicas [Toyota et al, 2008; Scarlett et al,

2007; Cooper et al, 2008].

Esse estudo em testemunhos cerâmicos é denominado de assinatura química, que é

definida como o perfil químico de um grupo específico. Diversos trabalhos foram publicados

na Arqueologia Brasileira sobre assinatura química de cerâmicas arqueológicas [Rogge, 2004]

A pré-história dos últimos dois milênios no Brasil tem sido caracterizada pela co-

existência de várias culturas em cada região. No final do princípio da pré-história (datando de

1000 anos antes a depois de Cristo), os índios da Tradição Tupiguarani [Peixoto, 1998],

viveram na planície da costa brasileira, no estado do Espírito Santo, em uma região de baixa

altitude em colinas e em áreas baixas perto de cursos de água e perto do oceano. Quando os

colonos portugueses chegaram a esta região, no século XVI, vários Missionários Jesuítas já

haviam se estabelecido ao longo da costa. “Missões Jesuíticas” [Domingues, 2006] eram

antigas aldeias organizadas por padres jesuítas e o objetivo destas aldeias, além de civilizar e

cristianizar os índios, era manter um grupo social com os benefícios de uma organização

européia cristã, sem quaisquer maus hábitos e violência. Apesar de viverem na Missão e

serem catequizados, os índios continuaram produzindo artesanato tradicional, como a

cerâmica decorada. No entanto, eles introduziram elementos europeus tais como objetos com

metais incrustados, produzindo novas formas e padrões europeus em sua cerâmica.

Os sítios arqueológicos nesta região [Ribeiro et al, 2008] estão próximos uns dos

outros (menos que 10 km) e os vestígios predominantes presentes são vários fragmentos de

cerâmica, sendo que há ocorrência de cerâmica de decoração pintada. Durante expedições de

pesquisa a esse sítio arqueológico, muitos cacos foram encontrados e catalogados para serem

estudados posteriormente. Foram levantadas diversas hipóteses pelos arqueologistas sobre as

atividades relacionadas às cerâmicas. Uma delas é como os índios exploravam os recursos de

argila, porque havia diversas fontes de matéria-prima para as cerâmicas na região. Essa

informação a respeito da matéria-prima torna-se relevante para definir se vários artífices na

mesma tribo usavam a mesma fonte ou se as fontes foram compartilhadas por diferentes

tribos. Estabelecer as similaridades entre as concentrações dos elementos dos fragmentos e as

argilas usadas para produzir as cerâmicas, pode ajudar no entendimento do relacionamento

dos índios com o meio ambiente.

17

Outra hipótese é sobre as técnicas aplicadas na produção da cerâmica. A ocorrência

ou não de minerais como o quartzo e caulim podem informar sobre as temperaturas

alcançadas para queimar a cerâmica e inferir se o processo de queima ocorreu ao ar livre –

processo indígena - ou em ambiente fechado, como dentro de um forno – processo europeu.

Nesta pesquisa foram analisadas amostras cerâmicas encontradas em sítios próximos

ao litoral do Espírito Santo. As amostras de fragmentos em estudo fazem parte do “Programa

de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação de

Segunda Linha do Mineroduto Samarco”, e constam do 4º Relatório de Atividades, Portaria

IPHAN Nº 51, 23/02/2006 [Ribeiro et al, 2008]. A coordenação geral, consolidação e edição

do relatório foram de responsabilidade da arqueóloga Loredana Ribeiro.

Segundo o Relatório, foram identificados cinquenta e seis locais com testemunhos

materiais indicativos do patrimônio cultural entre os municípios de Mariana (Minas Gerais) e

Anchieta (Espírito Santo) que corresponde a Área de Influência Direta do empreendimento,

sendo que esta área já vem sendo substancialmente impactada há décadas, com a instalação e

operação da 1ª Linha de Mineroduto Samarco. Desse modo, quase todas as evidências

encontradas na faixa de servidão são relativas a depósitos arqueológicos já destruídos, dos

quais restaram pouquíssimas informações. Entretanto, há áreas com fragmentos mais intactos

e com elevado valor pré-históricos. Estima-se que cerca de doze mil fragmentos cerâmicos

componham a coleção deste projeto com diversificada forma. Para a análise, foram escolhidos

os 66 fragmentos mais representativos dos sítios de maior interesse histórico.

18

2. OBJETIVOS

O objetivo principal desta pesquisa é contribuir para a caracterização da cultura da

Tradição Tupiguarani no Espírito Santo, analisando material cerâmico arqueológico com

auxílio da quimiometria.

Sob outro ponto de vista, é uma oportunidade de estudar o sistema sociocultural das

populações indígenas, numa tentativa de reconstituir sua história e, assim, contribuir para o

conhecimento da cultura sob dois aspectos sociais: a relação dos grupos com o seu cotidiano,

item i, e dos grupos com o colonizador item ii. Desta forma, os objetivos específicos são:

i) verificar se os fragmentos de cerâmica encontrados nos dois sítios arqueológicos

eram:

- provenientes da mesma fonte de matéria-prima;

- provenientes da mesma região;

- e do mesmo tipo de utensílio na forma e na sua possível utilização (para

cozimento, armazenar água, etc.) e

ii) caracterizar os processos tecnológicos que foram estabelecidos dentro das missões,

destacando a introdução de fornos – usados pelos europeus no processo de queima –

substituindo ou sendo usados simultaneamente com o tradicional processo de queima

indígena, ao ar livre.

19

3. JUSTIFICATIVA

A importância em se analisar amostras de cerâmicas arqueológicas brasileiras, além de

contribuir para os estudos sobre a cultura Guarani, reside no fato de que no Brasil, a pré-

história dos últimos dois milênios tem sido caracterizada pela co-existência de várias culturas

em cada região. A chamada Tradição Tupiguarani corresponde [Latini et al, 2001; Ribeiro,

2007], aos vestígios arqueológicos deixados por populações indígenas instaladas em toda a

costa atlântica do Brasil e áreas adjacentes (inclusive áreas do atual território de Minas

Gerais) desde cerca de 2.000 anos atrás até a invasão européia. O registro arqueológico

principal deixado por estes povos consiste em uma cerâmica pintada e com decoração

plástica. Uma equipe de Minas Gerais, coordenada por André Prous [Prous, 2004, 2008]

(Setor de Arqueologia da UFMG) vem estudando, desde 2001, sítios arqueológicos

Tupiguarani em duas regiões de Minas Gerais: no sul de Minas (município de Conceição dos

Ouros, divisa com São Paulo) e no leste de Minas (Vale do Rio Doce, divisa com Espírito

Santo). As sínteses regionais (editadas por André Prous, da UFMG, e Tânia Andrade Lima,

do Museu Nacional) das ocupações Tupiguarani em todo o Brasil, já estão sendo publicadas.

Elas caracterizam uma fase na arqueologia brasileira de retomada do interesse por estas

ocupações arqueológicas, sistematização de resultados e intercâmbio de informações entre

pesquisadores de diferentes regiões.

O estudo da cultura através de vestígios de materiais usando evidências arqueológicas é

uma das possibilidades para se conhecer o dia-a-dia das civilizações pré-históricas. Os

vestígios de materiais encontrados em um sítio arqueológico são as provas que os

arqueologistas possuem para reconstruir os diferentes estilos da vida antiga. Os vestígios de

materiais podem ser muito diversificados, mas a cerâmica apresenta valor arqueológico

elevado, porque o material é muito resistente ao tempo e ao ambiente natural circundante. A

identificação e classificação de cerâmicas [Latini et al, 2001; Sabino et al, 2002; International

Atomic Energy Agency, 2003; Ribeiro, 2007; Vinagre et al, 2005], através de uma análise

química multielementar aplicada com um tratamento estatístico de dados, podem ser usadas

para determinar as cerâmicas, a matéria-prima (argila) original e as técnicas de produção. É

importante conhecer a composição química [Latini et al, 2001; Sabino et al, 2002;

International Atomic Energy Agency, 2003; Ribeiro, 2007] das cerâmicas, pois reflete a

composição original da fonte da argila, como uma “impressão digital”. Produtos de diferentes

procedências podem ser distinguidos através de sua composição química, apesar de terem

estilos e aparência similares.

20

As informações provenientes deste estudo poderão ajudar a caracterizar [Jácome, 2006;

International Atomic Energy Agency, 2003; Sabino et al, 2002] os processos tecnológicos que

se instauraram no contexto das Missões Jesuíticas, eventualmente confirmando a introdução

de fornos (queima européia) em substituição ou em concomitância com a queima em

fogueiras (queima tradicional indígena).

Considerando as diferenças e similaridades dos materiais, assim como possíveis

influências do colonizador português, o passado poderá ser elucidado.

21

4. REVISÃO DE LITERATURA

Para contribuir para a caracterização da cultura da Tradição Tupiguarani no Espírito

Santo, analisando fragmentos de cerâmica encontrados em dois sítios arqueológicos, serão

estudadas as correlações entre as características das cerâmicas (forma dos vasilhames e

composição química) e os sítios arqueológicos onde foram encontradas. Assim, neste

capítulo, será discorrida sobre a cultura Tupiguarani, a relação do indígena com a cerâmica,

com a matéria prima, técnicas de análise dessa matéria prima e métodos estatísticos usados na

análise dos resultados.

4.1 A CULTURA TUPIGUARANI

4.1.1 Os Índios

A cultura dos povos indígenas falantes das línguas tupi e guarani é conhecida

principalmente pelos relatos de cronistas da época do Descobrimento e dos primeiros tempos

da colonização do Brasil. “O conhecimento dos grupos Tupiguarani que habitavam a costa

brasileira nos dois primeiros séculos da conquista depende de um material razoavelmente

extenso, mas sobre tudo variado em sua origem”. Uma parte desse material trata-se de

crônicas de viajantes e correspondências entre religiosos cujos autores escreveram de posições

bastante distintas: há jesuítas Ibéricos como Anchieta e Nóbrega, franceses como Abville e

Évreuux, o Huguenote Lery, o colono português (e escravizador de índios) Soares de Souza, o

artilheiro Alemão e prisioneiro dos tupinambás Hans Stadem, “o amigo de camarões” Pedro

de Magalhães Gandavo, entre outros. Se suas origens e posições são diversas não menos

dissimilares são suas experiências na terra com os povos que habitavam o Brasil: o tipo de

envolvimento que tiveram com os índios, quanto tempo aqui permaneceram, para que vieram,

o que almejavam, a que serviram. A respeito de tudo isso, há uma razoável homogeneidade de

informações, que pode de alguma forma permitir certo grau de segurança na reconstrução da

história dessas sociedades [Fausto, 1992].

Quando os europeus chegaram ao que viria a ser o Brasil, encontraram primeiramente

no litoral uma população ameríndia (nativa do continente americano, ou seja, indígena)

bastante homogênea em termos culturais e lingüísticos, distribuídas desordenadamente ao

longo de toda a costa. A respeito dessa homogeneidade dividiram-se dois grandes blocos: ao

sul o Guarani e ao norte o Tupi. Todavia, logo os europeus perceberam que havia diferenças

22

marcantes entre a grande quantidade de indígenas que habitavam o litoral.

As outras populações indígenas não-tupis que também habitavam o litoral no momento

da chegada dos “conquistadores” eram chamadas Tapuias que diferentes dos tupis não

conheciam a atividade agrícola e nem praticavam a antropofagia (cerimônia coletiva que tinha

como centro o inimigo, que deveria ser executado. Esse ritual era o momento ápice da vida

tupi.). De acordo com pesquisadores da área, o litoral brasileiro anteriormente era dominado

pelos chamados povos sambaquis, que foram expulsos pelos Tapuias e estes posteriormente

pelos Tupis. Assim, quando os “conquistadores” chegaram ao litoral, deparou-se com uma

grande quantidade de nativos que falavam o tupi, que foi a primeira língua assimilada pelos

“conquistadores”, tornando-se posteriormente a língua geral que foi imposta a outros índios

não-tupis servindo como uma arma poderosa no processo colonizador dos Europeus.

Segundo os registros deixados por missionários e viajantes europeus dos séculos XVI e

XVII [Fausto, 1992] os tupis praticavam sistematicamente a agricultura e a cerâmica, embora

nem todos os grupos Tupiguaranis fossem agricultores e ceramistas. O desenvolvimento da

agricultura como principal atividade produtiva, além das atividades de caça e pesca e as

diminuições da mobilidade espacial, afetaram as populações tupis de maneira diversa e em

épocas diferentes de acordo com cada região. Em muitos casos, as populações agrícolas

também eram fabricantes de cerâmica. A necessidade de cozinhar e armazenar alimentos

levou-as a confeccionar os primeiros utensílios cerâmicos: potes, vasos, panela, tigelas, etc.

As tarefas cotidianas eram divididas de acordo com a faixa etária e com o sexo dos

indivíduos. As mulheres eram responsáveis por cuidar da casa, pela coleta de frutos e raízes e

pela agricultura, e os homens dedicavam-se à caça, à pesca, à guerra e a derrubada das matas

para plantio. Homens e mulheres confeccionavam seus próprios pertences pessoais, tais como

ornamentos de penas, cestas, arcos, flecha, canoas, suas moradias e demais produtos

[Holanda, 1995].

4.1.2 A Cerâmica

Com o surgimento da arqueologia, vestígios desses povos ancestrais foram encontrados

como vasilhas e fragmentos de cerâmica, muitas vezes pintados com motivos variados. Esse

material cerâmico é denominado por arqueólogos como “Tradição Tupiguarani”. De acordo

com pesquisadores [Holanda, 1995], esses materiais parecem expressar os valores coletivos

desses primeiros habitantes do litoral brasileiro.

Quando Pedro Álvares Cabral desembarcou no Brasil, a maior parte do litoral, do

23

nordeste até o rio da Prata, entre o Uruguai e a Argentina, era ocupada por populações

indígenas que falavam línguas tupi (desde a área onde se situa hoje o estado de São Paulo até

o atual Maranhão) e guarani (do atual Paraná até o norte da Argentina). Essas línguas eram

aparentadas (como o são entre si o espanhol e o português) e as culturas dos seus falantes

bastante parecidas. Os primeiros cronistas – particularmente os protagonistas das lutas entre

franceses e portugueses pelo controle da baía de Guanabara forneceram preciosas informações

sobre essas numerosas tribos. Mencionaram, entre outras coisas, que as mulheres produziam e

decoravam os potes de barro. Essas tribos foram logo dizimadas pelas doenças trazidas pelos

europeus e pelas guerras coloniais, e no século XVII tinham desaparecido quase que por

completo do litoral central e Nordestino. No final do século XIX, os amadores de

antiguidades brasileiras e os organizadores dos primeiros grandes museus, como Ladislau de

Souza Mello Netto (1828-1894), já tinham identificado como de origem tupi os potes pintados

encontrados no litoral de Rio de Janeiro [Prous, 2005].

Tupiguarani em uma só palavra trata-se de um conceito arqueológico que não

corresponde obrigatoriamente aos povos falantes das línguas tupi-guarani (com hífen),

embora se supusesse que os autores das peças fossem, ao menos em parte, ancestrais desses

povos [Prous, 2005].

Os índios da cultura Tupiguarani expressavam-se por meio de suas cerâmicas. As

pinturas aplicadas às vasilhas eram uma forma de expressar seus sentimentos e fazer suas

manifestações. Sabe-se, de acordo com relatos de historiadores, que o orgulho das mulheres

daquela sociedade era preparar a cerâmica e sua decoração. Nessas tarefas não apenas se

realizavam como produtoras, porém ao pintar vasilhas para rituais, elas participavam e

contribuíam para sua sociedade. Alguns arqueólogos afirmam que, de acordo com relatos dos

próprios jesuítas, a cerâmica certamente era manufaturada por mulheres.

Formas distintas da cerâmica Tupiguarani chamaram a atenção dos arqueólogos quanto

à presença de peças em miniatura e pequenos pratos com divisão interna. Essas miniaturas e

os pratos divididos ao meio permitiram pensar em relações sociais envolvidas no processo de

construção e uso da cerâmica, através da aprendizagem e sociabilidade. As peças em

miniatura foram associadas com a seguinte possibilidade interpretativa: as miniaturas

poderiam estar relacionadas às crianças ou aprendizes [Ribeiro, 2008]. Quando as miniaturas

são relacionadas com crianças, além do uso prático compartilhado pelos adultos, as peças têm

um caráter lúdico. Seria uma espécie de brinquedo, segundo Janet E. Baxter (2005). Esses

objetos seriam importantes para aquele povo, uma vez que sendo feitos para uso das crianças,

ou mesmo pelas próprias, reforçariam mensagens que os adultos queriam transmitir a elas

24

como a definição de idade, gênero e de comportamentos e tarefas. A ocorrência de pratos

divididos ao meio na cerâmica Tupiguarani pode ser produto de um ritual específico que

envolvesse homens que necessitavam da produção de parentesco, ou seja, homens não

consanguíneos, por exemplo, cunhados, que precisavam produzir laços de parentesco mais

estreitos. Existia um ritual em que esses pratos eram usados para que dois indivíduos

“comessem juntos” no mesmo prato e assim, a partir daquele momento, passariam a fazer

parte da mesma família.

Esses vestígios desse material cerâmico podem ser considerados como uma “pista” para

tentar reconstituir e entender a respeito da vida cotidiana e das crenças desses povos

ancestrais. Acredita-se que os índios tinham consciência da importância da sua tarefa: ao criar

e pintar seus potes, dentro de suas normas, os valores coletivos que distinguiam as tribos entre

si eram expressos. Por isso é tão precioso entender um pouco a respeito dessa sociedade, uma

vez que, certamente, seja possível aproveitar todo esse conhecimento nos dias atuais,

principalmente os valores e o respeito que aqueles povos tinham entre si em suas

comunidades.

4.2 AS CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS E OS ESTUDOS DE PROVENIÊNCIA

DE SUAS MATÉRIAS PRIMAS

Pode-se dizer que a maioria dos seres humanos, ao longo dos tempos, possui curiosidade

em entender um pouco sobre seus antepassados. Uma marca que o homem deixou pelos

lugares onde esteve foi um dos recursos naturais mais adaptáveis às suas necessidades: a

argila ou, usando um termo mais popular, o barro. Os comportamentos, os significados

econômico-sócio-culturais, os critérios e os processos que assentam na sua transformação em

material cerâmico tem sido alvo de muitos estudos e, fruto das valiosas relações

interdisciplinares e dos significativos avanços científicos, tecnológicos e instrumentais.

Na opinião de muitos estudiosos na área de Arqueologia, como a cerâmica foi um

material tão utilizado pelo homem ao longo da História, é possível que o estudo em vestígios

de cerâmicas possa determinar como era sua produção, os mecanismos de distribuição, a troca

ou até mesmo a comercialização desses materiais. Sabe-se que a partir do entendimento da

proveniência desses materiais pode-se descobrir um pouco a respeito do comportamento

humano. A caracterização química e mineralógica das pastas cerâmicas possibilita o

fornecimento de dados úteis para esse tipo de investigação.

Certamente, a porosidade, o tamanho, a distribuição e forma dos grãos influenciam na

25

textura das pastas cerâmicas. A variabilidade dessa textura será limitada pela qualidade da

peça, pela exigência do ceramista e, ainda, pelas características de certos materiais usados

como têmperas.

O termo “têmpera” tem sido considerado como talvez o mais impreciso que se tem

usado nas descrições arqueológicas e tecnológicas de cerâmica. Refere-se à ação de adicionar

um ou alguns materiais para modificar as propriedades do barro [Rice, 1987]. Para alguns

arqueólogos, o termo “têmpera” é quase sempre usado como sinônimo de

“desengordurante”[Cabral, 1999]. Isso significa que, nesse caso, se a têmpera foi adicionada

ao barro, ela irá alterar apenas e especificamente a sua plasticidade, tornando mais “magra”

uma argila bastante plástica, ou seja, uma argila “gorda”.

Existem várias substâncias que ao serem adicionadas aos barros alteraram suas

características e comportamentos, como por exemplo, aumentar ou reduzir a plasticidade

proporcionando melhor maleabilidade, modificação do processo de secagem, abaixamento do

ponto de vitrificação no momento do cozimento, etc. Essas substâncias podem ser plásticas

como barros residuais com características de menor plasticidade e que podem “temperar”,

“desengordurar” os barros muito plásticos, como também podem ser não-plásticas. As

hipóteses abaixo ilustram a proveniência das “têmperas”:

i) origem mineral como o sal ou como rochas e minerais de distintas naturezas e

texturas;

ii) origem orgânica animal, como esterco, e vegetais, como palhas, ervas ou outras

fibras;

iii) origem bio-mineral, como ossos e conchas ou, ainda;

iv) origem antropológica, como cerâmica moída, normalmente produção defeituosa, ou

chamote (mistura de alumina e sílica, aquecida a alta temperatura, e que e adicionada, depois

de arrefecida, à massa de argila cerâmica que irá ser submetida à ação do calor para constituir

material refratário).

Considera-se também que o próprio barro pode conter naturalmente substâncias não-

plásticas de diferentes origens, inclusões, que o ceramista não retira durante o preparo da

pasta. Verifica-se que estas substâncias não foram adicionadas, tratando-se então de um barro

não “temperado” ou não “desengordurado”, mas, possivelmente estas inclusões modificam as

propriedades do barro.

Há dificuldades no estudo da origem das cerâmicas que não se deve deixar de

considerar:

- necessidade de confrontar os fragmentos encontrados pelos arqueólogos com

26

as fontes de matérias-primas, ou seja, os “barreiros”;

- a complicada tarefa da amostragem de todas as fontes de matérias-primas

possíveis, assegurando que cada uma é homogênea e distinguindo cada uma delas;

- o pensamento de que as fontes, ou seja, “barreiros” atuais podem não ser as

mesmas dos tempos pré-históricos (embora alguns estudiosos do assunto terem

constatado exemplos de considerável estado de conservação.);

- a possibilidade que podem ter ocorrido sedimentações ao longo do tempo, de

maneira que as características dos níveis atualmente explorados poderão não ser as

mesmas que as dos níveis pré-históricos;

- durante o processo de preparação das pastas, as argilas são esmagadas,

peneiradas e lavadas, o que pode fazer remover alguns dos seus componentes;

- as argilas podem não ser puras, uma vez que os ceramistas podem vir a

misturar argilas de diferentes características e de duas ou mais origens. Esta prática,

sendo muito comum, é fator de complexidade;

- além de misturar outras argilas, os ceramistas podem adicionar outros materiais

não-plásticos, o que altera o nível de elementos originais e introduz novos. Nestes

casos, então, a distinção entre uns e outros poderá ser muito difícil, ou até impossível;

- no decorrer do processo de cozedura podem haver componentes voláteis que

certamente se perdem. No entanto, os grãos de areia, silicatados são pouco afetados

pela temperatura necessária para produzir uma cerâmica, servindo como esqueleto de

suporte para a cerâmica durante esta fase. Este tipo de substância normalmente

mantém a sua identidade e podem ser observados e identificados mineralogicamente.

Por isso, é possível que elas sejam usadas para identificar a fonte geológica daquela

fração da cerâmica, enquanto os minerais argilosos não [Homem, 2006].

- Mesmo que as amostras argilosas percam sua identidade mineralógica e não

possam ser identificadas por essa via, ainda assim, existe a possibilidade de analisá-

las quimicamente. De acordo com a literatura, um dos tipos de análise que permite

consideráveis resultados em termos de concentrações elementares é a análise por

ativação neutrônica [Homem, 2006].

Considerando todas as dificuldades citadas, acredita-se que as alterações ocorridas

durante o período de enterramento podem ser muito significativas e comprometer correlações.

Os resultados das análises podem ser muito difíceis de interpretar se as correlações entre as

amostras não forem significativas estatisticamente.

Pressupõe-se que dois barreiros relativamente próximos são suficientemente distintos

27

quanto à sua composição química e mineralógica. O problema é que, a uma distância de

50/100 km, se o enquadrante geológico da paisagem for o mesmo, não há motivos para

mineralogicamente haver diferenças [Coroado, 2004]. As análises químicas são, então, de

grande utilidade, pois, nem sempre, pode-se afirmar que “argilas provenientes de barreiros

diferentes apresentam diferenças de composição química que, em geral, excedem

significativamente as diferenças de composição química existentes dentro de cada barreiro”

[Cabral, 1999]. Isso pode ser verificado não apenas pelas razões já apontadas e que se referem

às alterações, pelo acréscimo ou subtração de substâncias, às argilas para a obtenção de

diversos efeitos, mas o simples fato de enterrar o material pode alterar drasticamente a

composição química das pastas em resultado de reações de: dissolução, deposição ou troca

iônica. Mesmo assim, a Química permite que, através da análise elementar, seja possível

identificar grupos, porque existem elementos que quimicamente não mudam, como, por

exemplo, os Lantanídeos ou Terras Raras. Estes podem constituir a “impressão digital” de tais

grupos, qualquer que seja a escala da entidade geográfica ao qual eles representem.

De acordo com historiadores [Holanda, 1965], para a maioria dos ceramistas dos tempos

antigos, as fontes de barro cumpriam o “princípio do menor esforço e da maior comodidade”

possíveis, assim, eram usadas aquelas de acesso mais fácil. Os solos formados e concentrados

no topo, próximo a superfície, eram as principais escolhas, a não ser que se fizessem

necessárias grandes quantidades para uma maior produção. Nestes casos, enquanto os solos

tendem a possuir cerca de um metro de espessura, as rochas ricas em argila, sujeitas a

meteorização (ação ou efeito dos agentes climáticos sobre os materiais), podiam fornecer uma

maior quantidade de barro macio. As argilas que ocorrem na natureza raramente existem

como depósitos puros, sendo possível encontrar também minerais quer do material que lhe

deu origem, quer das rochas e sedimentos com que se encontraram durante o transporte [Rice,

1987]. Sabe-se que as argilas primárias ou residuais carregam fragmentos da sua rocha-mãe e,

dependendo do grau de meteorização, podem consistir na combinação de vários minerais

argilosos. As argilas sedimentares ou secundárias podem conter uma mistura de minerais de

diversas proveniências, por exemplo, sais e materiais orgânicos, como resultado dos processos

de deposição. Normalmente são mais finas e mais plásticas.

Os rios, os ventos e as águas das chuvas são os maiores agentes de transporte de

materiais argilosos. Sendo que, estes podem separar os componentes da meteorização de

acordo com o tamanho do grão. Os materiais adicionados aos barros tanto podem ser de uma

fonte que lhe é próxima como de outra muito distante, dependendo do tipo de recursos, dos

objetivos do ceramista ou do tipo de comunidade em que o mesmo estivesse inserido:

28

sedentária ou nômade. De acordo com estudos em arqueologia, sabe-se que os nômades

aproveitavam os recursos dos meios por onde se deslocavam e trabalhavam o barro, que

poderia transportar materiais eventualmente bastante distintos. Por isso, é uma tarefa difícil

distinguir componentes naturais daquilo que foi adicionado aos barros [Shepard, 1985]:

i) há materiais que não ocorrem naturalmente em barros, como, por exemplo,

fragmentos cerâmicos, fragmentos de várias rochas ígneas. A formação das rochas ígneas vêm

do resultado da consolidação devida ao resfriamento do magma derretido ou parcialmente

derretido. Elas podem ser formadas com ou sem a cristalização, ou abaixo da superfície como

rochas intrusivas (plutônicas) ou próximo à superfície, sendo rochas vulcânicas, sedimentares

e metamórficas (formadas por transformações físicas e/ou químicas sofridas por outras

rochas, quando submetidas ao calor e à pressão do interior da Terra, num processo

denominado metamorfismo), areias grosseiras e pedra-pomes (rocha vulcânica de muito baixa

densidade, formada quando gases e lava formam um colóide que por arrefecimento solidifica

sob a forma de uma rocha esponjosa);

ii) às vezes o tamanho do grão e a sua relativa abundância indicam se são ou não

materiais adicionados. Por exemplo, o quartzo em partículas finíssimas pode ocorrer em

alguns barros, mas em areia grosseira e desgastada pela água não advém, em processos

naturais, misturada com eles. Outro exemplo seria a deposição do pó vulcânico num lago

onde os barros pudessem ser depositados incorporando-se neles, porém as cinzas não

ocorressem nem na quantidade nem nas dimensões com que normalmente se encontram nas

pastas;

iii) a forma e a dimensão podem dar informações sobre o tipo de mineral presente [Rye,

1981]. As diferenças que são mais evidentes são entre quartzo e feldspatos, que tendem a ser

irregulares e arredondados na forma, enquanto as micas são, normalmente, em folhas

delgadas, alongadas. São alongadas porque a forma do cristal é uma estrutura foliácea,

semelhante à dos minerais argilosos. Um corte transversal origina, quase sempre, uma forma

fina e linear. Grãos com arestas arredondadas teriam sido sujeitos a erosão natural e ao

transporte, enquanto grãos com arestas com angulosidade pronunciada resultariam de

esmagamento, o que pode indiciar a sua adição. Entretanto, esta distinção nem sempre é

sustentável, [Rice, 1987] uma vez que partículas angulosas podem estar presentes em barros

primários ou em barros sedimentares depositados próximo do material que lhe deu origem.

A quantidade de inclusões poderia ter sido feita de acordo com a finalidade que os

objetos estivessem destinados a cumprir. Por exemplo, objetos de cozinha, onde se supõe a

sujeição ao calor. Durante o preparo das pastas, é necessário amassar e dar forma ao barro, o

29

que resulta numa orientação das partículas. Concentrando-se nos minerais argilosos: quando

as partículas argilosas se alinham paralelamente, elas resistirão à transmissão da temperatura

através desta estrutura, originando um isolante térmico, pois a transmissão do calor é cerca de

seis vezes maior ao longo da estrutura foliácea do que através dela [Velde & Druc, 1999]. A

fim de ultrapassar esse efeito, os ceramistas introduziam substâncias que não apenas eram

não-plásticas como possuíam diferentes propriedades térmicas. A maioria desses não-

plásticos é silicatada, especialmente o quartzo. Embora também tenham sido encontrados

minerais que têm formas que não são dirigidas por uma causa cristalográfica. Assim, a

transmissão do calor em tais minerais não é orientada pelo trabalho do ceramista. Esses

minerais podem transmitir calor em todas as direções e tendem a igualar o fluxo de

temperatura no objeto concedendo-lhe uma melhor capacidade de aquecimento ou, pelo

menos, maior homogeneidade. Então, a quantidade de não-plásticos adicionados excede as

necessidades de controle apenas da plasticidade para também promover o aumento da

condutividade térmica, tornando-se um material de “boa qualidade” para a finalidade ao qual

se destinava.

4.3 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS NO ESPÍRITO SANTO: CERÂMICA

TUPIGUARANI

No período da pré-história brasileira (cerca de 1000 anos antes de Cristo), várias etnias

indígenas, inclusive Tupiguarani [Lattini, 2001; Ribeiro, 2007], viveram na planície da costa

brasileira, no estado do Espírito Santo, em uma região de baixa altitude em colinas e em áreas

baixas perto de cursos de água e perto do oceano. Quando os colonos portugueses chegaram a

esta região, no século XVI, vários missionários jesuítas já haviam se estabelecido ao longo da

costa. “Missões Jesuíticas” eram antigas aldeias organizadas por padres jesuítas e o objetivo

destas aldeias, além de civilizar e cristianizar os índios, era manter um grupo social com os

benefícios de uma organização européia cristã, sem quaisquer maus hábitos e violência.

Apesar de viverem na Missão e serem catequizados, os índios continuaram produzindo

artesanato tradicional, como a cerâmica decorada, manipulando materiais e técnicas européias

juntamente com seus processos tecnológicos tradicionais (fabricação de artefatos de cerâmica,

pedra, madeira, osso e concha). O resultado dessa introdução de elementos exóticos em

comunidades criadas artificialmente é a presença, nos depósitos arqueológicos, de

instrumentos indígenas associados a artefatos europeus (como louças, objetos em metal, etc.).

Assim, foram introduzidos elementos europeus tais como objetos com metais incrustados,

30

produzindo novas formas e padrões europeus em sua cerâmica.

Os sítios arqueológicos nesta região estão próximos uns dos outros (menos que

10 km). Durante expedições de pesquisa a esses sítios arqueológicos, muitos fragmentos

foram encontrados e catalogados para serem estudados posteriormente. Foram levantadas

diversas hipóteses pelos arqueologistas sobre as atividades relacionadas às cerâmicas. Uma

delas é conhecer como os índios exploravam os recursos de argila, porque havia diversas

fontes de matéria-prima para as cerâmicas na região. Esta informação a respeito da matéria-

prima é relevante, para definir se vários artífices na mesma tribo usavam a mesma fonte ou se

as fontes foram compartilhadas por diferentes tribos. Estabelecer as similaridades entre as

concentrações dos elementos dos fragmentos e as argilas usadas para produzir as cerâmicas,

ajudará no entendimento do relacionamento dos índios com o meio ambiente. Outra hipótese

é sobre as técnicas aplicadas na produção da cerâmica. A ocorrência ou não de minerais como

o quartzo podem informar sobre as temperaturas alcançadas para queimar a cerâmica. Esta

informação determinará se o processo de queima ocorreu ao ar livre – processo indígena - ou

em ambiente fechado, como dentro de um forno – processo europeu.

Coleções de cerâmicas pré-históricas formadas a partir de intervenções arqueológicas

nos sítios da planície litorânea sul-capixaba compartilham características típicas do que foi

definido para a cerâmica Tupiguarani, tanto em forma, quanto em pasta e decoração [Ribeiro,

et al, 2008]. Não se pode deixar de considerar que as peças foram submetidas a muitos efeitos

de agentes naturais e antrópicos de ocupação do espaço no decorrer da história colonial até os

dias atuais.

Algumas hipóteses a respeito das possibilidades de uso de algumas formas de vasilhas

foram [Ribeiro, et al, 2008]:

- Vasilhas Abertas - Tipo 1. As vasilhas com forma de bacias apresentam depósitos

carbônicos intensos em fragmentos de bojo inferior e manchas de redução esparsas e mais

claras nas partes mais próximas da borda. A face externa apresenta manchas de oxidação e

redução. A partir destes sinais, acredita-se que estas vasilhas possam ter sido usadas para

cozimento de mingau (ou outros alimentos pastosos), para refervura da pasta para produção

do cauim e para fermentação de líquidos a base de mandioca. Mariana Neumann (2008) ao

analisar coleções de vários sítios guarani do Rio Grande do Sul encontrou depósito carbônico

concentrado no fundo de vasilhas do tipo yapepó rebí agûa (panelas com fundo arredondado).

Esse tipo de vestígios, como apontou James Skibo (1992), é decorrente do cozimento de

alimentos pastosos, onde a água evapora provocando a concentração da pasta no fundo da

panela. De acordo com Mariana Neumamm (2008) acredita-se que a função dessas vasilhas

31

fosse o cozimento de mingau, comida típica dos Guaranis atuais e referenciada pelos cronistas

(Anchieta 1964; Staden 1968). Apesar das yapepó rebí agûa e das bacias do Tipo 1

apresentarem formas distintas, a concentração de depósito carbônico no fundo de ambas e o

fato de terem sido produzidas por grupos que compartilhavam uma dieta a base de mandioca,

sugere uma mesma função para as panelas guarani de fundo arredondado e para as bacias

tupinambá capixabas. Outro possível uso culinário para as vasilhas do Tipo 1 seria a etapa de

refervura da pasta produzida pela mastigação da mandioca na produção do cauim. Para Noelli

e Brochado (1998) isso seria feito nas vasilhas ñaetá, de boca muito aberta, o que permitiria

que o conteúdo fosse mexido na preparação. Somente após essa fervura é que o líquido

produzido seria posto para “descansar” em uma vasilha tipo cambuchi, onde se dava o

processo de fermentação. Como o conteúdo é mexido dentro das ñaetá, a ação provocaria

estrias e ranhuras nas paredes e o depósito carbônico seria mais aderido no fundo do que no

bojo interno.

Figura 1. Vasilha da Coleção do Museu Municipal de Conceição dos Ouros, MG vista em duas

posições com projeções semelhantes a forma das vasilhas abertas do Tipo 1

- Abertas Tipo 2 e Tipo 3. A maior parte das tigelas com pintura na face interna

(apresenta somente marcas de produção na face externa (manchas de oxidação e redução) e de

gestos de elaboração dos desenhos da face interna. Em geral, as tigelas pintadas maiores são

associadas tanto ao armazenamento de alimentos já cozidos quanto à exposição de partes de

corpos humanos em rituais de canibalismo, no caso dos Tupinambás. Já as tigelas menores

com pintura são associadas ao consumo de alimentos sólidos ou líquidos individuais [Prous,

2005].

32

Figura 2.Vasilhas associadas à fermentação da mandioca

- Fechadas Tipo 1. As vasilhas fechadas do Tipo 1 seriam aquelas que em forma e

decoração são parecidas com as dos cambuchi, muito comuns no Rio Grande do Sul. No

vocabulário guarani levantado por resultados das análises arqueológicas, vasilhas desse tipo

estão relacionadas ao armazenamento de água e bebida alcoólica, assim como para a produção

do viño. É relativamente comum encontrar em sítios Tupiguarani cambuchis utilizados como

urna funerária. Mariana Neumann (2008:134) identifica três tipos de uso para os cambuchis,

analisando as marcas de uso e a ausência delas: cozimento de ingredientes de cauim, cujas

marcas são oxidação, carbonização e fuligem; produção do cauim, cujas marcas seriam

superfície interna das peças descamada pelos gases envolvidos no processo de fermentação e

armazenagem de água, que não deixaria marcas. Michael Schiffer e James Skibo (1987)

salientam o efeito corrosivo da água na superfície cerâmica que ocasiona perda de material.

Vladmir Dantas e Tânia Andrade Lima (2006) notaram em cerâmicas do Sítio Justino no

Xingó, manchas contínuas no corpo do pote que foram interpretadas como marcas da linha

d’água em potes de armazenamento de água. Portanto, é possível que os cambuchis de

armazenagem de água sejam identificados não pela ausência de marcas, mas, pela mancha

causada pela corrosão que a água produz na cerâmica.

33

Figura 3. Projeção de forma de vasilha fechada Tipo 1 (cambuchi), sítio Bota-Fora

4.4 ANÁLISE DOS FRAGMENTOS CERÂMICOS

As cerâmicas são os materiais mais encontrados nos sítios arqueológicos desde o

período Neolítico, segundo a literatura [Ribeiro, 2008]. Desta forma, se constituem em uma

das mais importantes ferramentas de estudo, pois permitem, por meio da determinação da

composição química, estudo da cronologia e das técnicas de manufatura empregadas, que

informações importantes dos povos antigos sejam obtidas. Com os dados da composição

química elementar é possível se determinar a proveniência das cerâmicas, estabelecendo os

locais de coleta de argila para a sua produção [Lahli et al, 2009].

Em arqueologia, a análise do material cerâmico encontrado em um sítio arqueológico

tem início com a catalogação do material, estudo descritivo e o seu desenvolvimento, análise

da argila e da fabricação da cerâmica. A partir da caracterização da cerâmica é que são

realizados os estudos de procedência da matéria prima. Além disso, há, também, exames

visuais, petrológicos e de composição.

34

4.4.1 Determinação da Composição Elementar

A composição química do material cerâmico pode ser determinada por diversas

técnicas analíticas [Latini et al, 2001], entretanto, neste estudo, a técnica aplicada foi a de

Ativação Neutrônica, método k0. Essa técnica, por ser multielementar, não precisar de destruir

a amostra para o preparo químico prévio à análise, utilizar pequena quantidade de material

com precisão e exatidão, está disponível no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia

Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN), onde foi desenvolvida a

parte experimental deste trabalho.

4.4.1.1 Análise por Ativação Neutrônica

A classificação das amostras analisadas pode ser facilitada quando suas composições

químicas são estatisticamente distinguíveis de acordo com seus perfis químicos. No estudo

composicional da cerâmica, supõe-se que as características da pasta são determinadas pelas

características químicas das argilas e temperos utilizados. Como o comportamento químico

das rochas que deram origem aos materiais utilizados para fabricação da cerâmica é um

reflexo dos processos geológicos, as presenças dos elementos são dependentes destes

processos.

Para a determinação da composição química elementar dos fragmentos de cerâmicas

arqueológicas, entre as várias técnicas analíticas disponíveis, existe a análise por Ativação

Neutrônica [Vinagre et al, 2005; Menezes et al, 2003, 2006; Sabino et al, 2002], que é técnica

multielementar com elevada sensibilidade, precisão e exatidão. Além disso, em se tratando de

amostras arqueológicas, a técnica é especialmente indicada uma vez que para a análise exige

uma massa pequena, cerca de 200mg. "Atualmente a ativação neutrônica tem

sido referenciada como a técnica indicada para análise de fragmentos cerâmicos.” [Ronald

and Blackman, 2002]. Como no CDTN a técnica é disponível, ela foi usada nesta pesquisa.

A análise por ativação teve seu início quando em 1936, Hevesy e Levi verificaram que

certos elementos tornavam-se radioativos após a sua exposição a uma fonte de nêutrons

[Hevesy & Levi, 1936; Friedlander et al, 1981]. A partir dessa observação, perceberam as

potencialidades das reações nucleares para identificação, qualitativa e quantitativa de

elementos químicos, por meio da medida da radioatividade induzida por uma fonte de

nêutrons ou partículas carregadas.

A Ativação Neutrônica é reconhecida como uma técnica analítica para determinação da

35

composição química elementar e se baseia na irradiação de uma amostra com nêutrons e

subsequente medida da radioatividade induzida. A sequência de eventos que ocorrem durante

as reações envolvidas nessa análise é denominada captura radioativa de nêutrons. A reação

nuclear que ocorre é do tipo (n, ) na qual um nêutron interage com o núcleo alvo por meio de

uma colisão inelástica ou captura, havendo formação de um núcleo composto em um estado

excitado. O núcleo composto é levado para um estado energético mais estável, quase que

instantaneamente, devido à emissão de um ou mais raios gama, denominados raios gama

prontos. Na maioria dos casos, esta nova configuração resulta em um nuclídeo radioativo com

emissão de raios gama característico, com taxa de decaimento governada pela meia vida (t1/2).

Dependendo da espécie radioativa em particular, a meia vida é de frações de segundos ou

anos [IAEA-TECDOC-564, 1990, Friedlander et al, 1981]. A probabilidade de ocorrência

dessa reação nuclear depende de características do nuclídeo alvo como a secção de choque a

determinada energia de nêutrons e a sua abundância isotópica. A Figura 4 ilustra a seqüência

das reações.

Figura 4. Representação dos fenômenos envolvidos na ativação de um núcleo atômico

[Glascock, 2009]

A forma mais efetiva de se medir a atividade induzida é por espectrometria gama. Com

a energia e a intensidade das radiações emitidas pelos radionuclídeos produzidos e as áreas

sob os picos dos raios gama, não só os elementos são identificados como têm as suas

concentrações determinadas.

Para se realizar uma análise por Ativação Neutrônica, é necessária uma fonte de

nêutrons para induzir a atividade e a forma mais efetiva de irradiação é utilizando um reator

nuclear. Neste trabalho, foi utilizado o reator nuclear de pesquisa TRIGA MARK I IPR-R1

(Figura 2), localizado no CDTN/CNEN [CDTN/CNEN, 2001], que operando a 100kW,

apresenta na Mesa Giratória, um fluxo de nêutrons térmicos médio de 6,35 1011

nêutrons cm-2

s-1

. A Figura 5 ilustra o reator TRIGA MARK I IPR-RI em operação. A cor azul é devido ao

36

efeito Cherenkov [Blackburn, 1993].

Figura 5. Reator nuclear TRIGA MARK I IPR-R1

Para a medida da atividade induzida na amostra, o sistema de espectrometria gama,

Figura 13a, consiste de um detector de radiação gama do tipo germânio hiper puro (HPGe),

pré-amplificador, amplificador, fonte de alta tensão, placa de multicanal, sistema de aquisição

de dados composto de microcomputador e programas específicos. É necessária uma

blindagem de chumbo, usada para proteger a amostra da radiação do ambiente, ou seja, do

“background”.

Nos métodos convencionais de Ativação Neutrônica, amostras e padrões dos elementos

a serem analisados são ativados simultaneamente, sendo as concentrações dos elementos de

interesse determinadas por meio da comparação das respectivas atividades, caracterizando-se

como métodos relativos. Neste estudo foi aplicado o método k0, [De Corte, 1987; Menezes et

al, 2003, 2006], no qual as concentrações elementares são calculadas utilizando-se constantes

nucleares como o k0, já determinado para cada radionuclídeo e disponíveis na literatura [De

Corte, 2003], parâmetros do reator, sistema de detecção absolutamente calibrado e equações

específicas. Algumas vantagens do método k0 em relação ao método convencional são o

menor custo; determinação de todos os elementos passíveis de ativação que forem detectados

na amostra, e, principalmente, a não necessidade de padrões dos elementos de interesse.

No método k0, a equação fundamental do método, [De Corte, 1987] é aplicada para se

calcular a massa do elemento presente na amostra:

pppaaapn

aaapppanp

aHDCSFCk

HDCSFCmm

,0

,

Equação 1

37

onde pppa

aaap

PM

PMk

,0,

,0,

0

Equação 2

Considerando os índices a, referindo-se a amostra, e p ao padrão, tem-se na Equação 1

que: m é a massa do elemento analisado, Cn é a área líquida sob o pico gama do radionuclídeo

de interesse, é a eficiência do detector para o gama considerado, F é [f + Q0( )], onde f é a

razão entre os fluxos de nêutrons térmico e o epitérmico definido a partir de uma determinada

energia e Q0( ) é a razão entre o I0( ), integral de ressonância, e o , secção de choque a

nêutrons térmicos; S é o fator de saturação de irradiação em função do tempo de irradiação, C

é o fator de correção de decaimento do radionuclídeo durante a contagem; D é o fator de

correção de decaimento do radionuclídeo entre o final de irradiação e o início da contagem; H

é o tempo morto do detector durante a contagem. Na Equação 2 onde k0 é definido, tem-se M,

que é a massa atômica do elemento, é a abundância isotópica do elemento, P é a

abundância absoluta medido, 0 é secção de choque a nêutrons térmicos. Os valores de k0

estão disponíveis na literatura [De Corte, 2003].

Como todo método analítico, a técnica apresenta vantagens e desvantagens. As

principais desvantagens da análise estão relacionadas à impossibilidade de identificar a forma

química dos elementos, a necessidade de fonte de irradiação como reator nuclear – caso se

deseje aplicar a técnica em toda a sua potencialidade – ao custo de irradiação e tempo de

análise, especialmente quando o interesse é se determinar elementos cujos radionuclídeos são

de meias vidas longas. Por outro lado, quando aplicada de forma instrumental, dispensa

tratamento químico preliminar e possibilita a reutilização da amostra após um período de

decaimento. Além disso, analisa pequenas quantidades de material, da ordem de alguns

miligramas. É técnica multielementar, sendo aplicada a todo tipo de matriz, determinando

concentrações na faixa de parte por trilhão a percentagem. É técnica versátil, sensível, precisa

e exata.

4.5 DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA

As técnicas de manufatura das cerâmicas dos povos antigos, quando estudadas,

possibilitam entender o processo tecnológico de produção [Marghussian et al., 2009;

Polvorinos Del Rio & Castaing, 2010], sendo a temperatura de queima e a análise da

composição dos minerais da cerâmica essenciais para a compreensão deste processo. Assim, a

38

composição mineralógica é alterada pelo efeito da temperatura no momento em que a

cerâmica é queimada para ser transformada em um artefato.

A determinação da temperatura de queima de peças cerâmicas encontradas em sítios

arqueológicos é de interesse na elucidação do modo pelo qual povos antigos fabricavam seus

utensílios.

4.5.1 Difração de Raios X (DRX)

Röntgen denominou de raios X um tipo de radiação que havia descoberto, pois na época

não tinha meios de determinar se esta radiação era constituída de partículas, como os elétrons

nos raios catódicos, ou ondas, como no caso da luz (ondas eletromagnéticas). Não era possível

mostrar que eram partículas, pois os raios X não eram desviados quando passavam por um

campo elétrico ou campo magnético. Portanto, se os raios X fossem constituídos de partículas,

estas deveriam ser neutras (sem carga elétrica). Até o início do século XX não foi possível

mostrar que os raios X eram ondas, uma vez que não se observava difração quando estes

passavam pelas fendas ou grades de difração disponíveis na época. Julgava-se então que, se os

raios X fossem ondas, o comprimento de onda deles deveriam ser muito curtos, da ordem de

apenas alguns ângstrons, ou seja, da ordem de grandeza do diâmetro atômico. Para essas

dimensões não era possível construir grades de difração como as utilizadas para observar a

difração da luz.

Em 1912 Max von Laue propôs que um sólido cristalino poderia ser uma rede de

difração adequada para os raios X. Os cristais apresentam uma disposição regular de átomos

cujo espaçamento entre os planos de átomos seria de poucos ângstrons. Laue colocou um

pequeno monocristal em frente a um feixe de raios X e pode observar sobre um filme

colocado a frente um conjunto de pontos característicos o máximo de difração da radiação

pelo cristal, demonstrando o caráter ondulatório dos raios X, portanto, seria uma radiação

eletromagnética de comprimento ultra-curto. Max von Laue ganhou o Prêmio Nobel de Física

de 1914 por esta descoberta.

Os raios X são ondas eletromagnéticas em que o comprimento de onda se situa entre

0,01 e 100 Å, e são gerados quando um ânodo, ou alvo, é bombardeado por elétrons oriundos

de um cátodo e acelerados por altas tensões. Assim como as demais radiações, os raios X

podem ser polarizados, refratados, refletidos e, o que é mais interessante, neste caso, podem

ser difratados.

39

A técnica de Difração de raios X (DRX) é uma análise mineralógica, que determina os

minerais aditivos (inclusões), argilominerais e produtos de transformação presentes na pasta

cerâmica. Essa análise é realizada por difratometria de raios X [Albers et al, 2002].

À medida que os elétrons do cátodo são emitidos em direção a um material, os elétrons

do próprio material são removidos de onde estavam pela colisão com os elétrons que estão

sendo bombardeados. Durante esta perturbação, elétrons que estavam fracamente associados

ao núcleo de um átomo do material têm certa probabilidade de ocupar estados mais estáveis, o

que significa dissipar parte de sua energia cinética e vibracional na forma de radiação (fótons)

e outras energias quânticas (fônons, bósons, etc.).

A XRD consiste na detecção da emissão de raios X da superfície da amostra mediante a

incidência de um feixe também de raios X, chamado de feixe primário. Esse feixe é difratado

pelo material, o que significa que foi desviado do seu caminho original sem que seu

comprimento de onda seja alterado pela interação com os elétrons do material. O que acontece

é que, entrando em ressonância com a componente do campo elétrico da radiação

eletromagnética, que são os raios X, o elétron se torna um gerador de ondas de mesma

freqüência e, consequentemente, mesmo comprimento de onda do feixe primário. Assim,

considera-se que o feixe é difratado pelo material [Sullasi, 2005].

Dos equipamentos usados nas análises difratométricas, a câmara de Debye-Scherrer é

uma das mais utilizadas, permitindo a análise na sua forma cristalina ou em pó, para materiais

cristalinos ou policristalinos. A análise de materiais cristalinos é usada na caracterização de

sua estrutura cristalina, enquanto o método do pó permite a identificação do material e as

fases presentes. Essa técnica é a mais indicada na determinação das fases cristalinas presentes

em materiais cerâmicos dentre as várias análises de caracterização de materiais. Isto ocorre

porque na maior parte dos sólidos (cristais), os átomos se ordenam em planos cristalinos

separados entre si por distâncias da mesma ordem de grandeza dos comprimentos de onda dos

raios X. Ao incidir um feixe de raios X em um cristal, o mesmo interage com os átomos

presentes, originando o fenômeno de difração. A difração de raios X ocorre segundo a Lei de

Bragg, a qual estabelece a relação entre o ângulo de difração e a distância entre os planos que

a originaram (característicos para cada fase cristalina):

n = 2d sen θ

onde n é número inteiro, é o comprimento de onda dos raios X incidentes, d é a distância

interplanar e θ é o ângulo de difração.

40

Dentre as vantagens da técnica de difração de raios X para a caracterização de fases,

destacam-se a simplicidade e rapidez do método, a confiabilidade dos resultados obtidos (pois

o perfil de difração obtido é característico para cada fase cristalina), a possibilidade de análise

de materiais compostos por uma mistura de fases e uma análise quantitativa destas fases. Ao

se caracterizar argilominerais, a utilização da técnica de difração de raios X é indicada, pois

reporta como os elementos químicos presentes no material, estão ligados.

Os materiais de cerâmica têm como principal matéria-prima a argila que, por sua vez, é

um conjunto de minerais formados por compostos principalmente de silicatos de alumínio

hidratados, que possuem a propriedade de formarem com a água uma pasta plástica suscetível

de conservar a forma moldada, secar e endurecer sob a ação de calor. Além da argila, usam-se

outras matérias primas como o caulim, o quartzo, etc., que durante a operação de queima

sofrem transformações físico-químicas.

Pela ocorrência ou não de minerais como o quartzo e o caulim é possível inferir sobre as

temperaturas alcançadas para queimar a cerâmica. Baseando-se nesta informação pode-se

determinar se o processo de queima [Cardoso et al, 2005] ocorreu ao ar livre – processo

indígena - ou em ambiente fechado, como dentro de um forno – processo europeu.

41

4.5.2 Espectroscopia Mössbauer

O efeito Mössbauer foi descoberto por Rudolf L. Mössbauer em 1957 no decorrer do

seu trabalho de doutoramento. A absorção ressonante para radiação emitida por transições

nucleares já era investigada há algum tempo, mas os primeiros resultados experimentais

satisfatórios só foram obtidos por Mössbauer. Além do experimento, ele apresentou o modelo

teórico adequado que explicava os resultados e apontava para as possíveis razões dos

insucessos anteriores. Mössbauer recebeu o Prêmio Nobel em Física em 1961 pelo seu

trabalho, dada a imediata repercussão e enormes possibilidades de utilização da técnica

[Gutlinch et al, 1978]. O efeito consiste na emissão e absorção de raios gama sem perda de

energia por recuo e sem alargamento térmico. Com o passar dos anos a espectroscopia

Mössbauer tornou-se um método alternativo de pesquisa nos mais diversos campos da ciência,

desde a pesquisa fundamental em física, química, biologia, geologia metalurgia até o estudo

de cerâmicas de valor arqueológico. Devido à grande resolução desta técnica, é possível

determinar o tipo de geometria dos sítios ocupados, o estado de valência dos átomos, as

propriedades magnéticas, as fases presentes, etc.

Através da análise dos resultados obtidos a partir dos espectros Mössbauer pode-se

então obter os seguintes parâmetros Mössbauer hiperfinos, como mostrado na Tabela 1: a)

Fator-f e o Deslocamento Doppler de 2a ordem parâmetros relacionados com a dinâmica de

vibração do reticulado cristalino; b) desvio isomérico ( ), que é proporcional a densidade de

elétrons no núcleo, fornece informações do estado de oxidação ou valência dos átomos que

compõem a amostra, configuração eletrônica e eletronegatividade dos ligantes; c)

desdobramento quadrupolar ( Eq), está relacionado com desvio da simetria esférica da

distribuição de carga nuclear e suas interações com o gradiente de campo elétrico local. São

responsáveis pelo desdobramento do estado de energia nuclear em diferentes níveis, gerando

múltiplas linhas no espectro observado; d) campo hiperfino (BHF), parâmetro relacionado com

as interações hiperfinas entre o momento magnético nuclear e o campo magnético gerado

pelos elétrons que compõem o átomo e e) área espectral, parâmetro relacionado com a

população dos átomos de ferro nos sítios e/ou fases dos materiais.

42

Tabela 1. Resumo dos principais parâmetros relacionados à análise de espectros Mössbauer

contendo diagramas relacionando níveis nucleares, interações hiperfinas e os espectros Mössbauer

correspondentes.

Parâmetros Hiperfinos Diagrama de Níveis de Energia

Nucleares

Espectro Típico

Largura de linha

Desvio isomérico ( )

Deslocamento dos

níveis de energia do núcleo;

Proporcional à

densidade de elétrons s no

núcleo

Desdobramento

quadrupolar ( Eq)

Desdobramento dos

níveis de energia nucleares;

Proporcional ao

desvio de simetria esférica da

distribuição da carga nuclear;

Campo magnético

hiperfino (BHF)

Desdobramento de

níveis de energia nucleares;

Proporcional ao

momento magnético dos

átomos de ferro;

Propriedades

magnéticas.

e

f

E0 E0

E0

e

f

E0

Es E0 Es

I=1/2

I=3/2 3/2

1/2

1/2 Eq

E0

I=1/2

I=3/2 - 3/2

+ 3/2

- 1/2

1 2

3

4

5 6

E0

+ 1/2

+ 1/2

- 1/2

43

Conforme foi descrito acima, os parâmetros hiperfinos, podem ser utilizados para

identificar e quantificar os diferentes estados de oxidação do Fe dos sítios/fases presentes no

composto, detectar óxidos de ferro com diferentes estruturas e tamanhos de partículas, etc.

Como exemplo, pode-se citar o espectro Mössbauer a temperatura ambiente para o ferro

metálico ordenado magneticamente, na ausência de campo magnético externo aplicado. O

espectro apresenta com um padrão de seis linhas (sexteto), como mostra a Figura 6.

Figura 6. Espectro Mössbauer típico do ferro metálico, obtido à temperatura ambiente.

Neste trabalho, a espectroscopia Mössbauer foi utilizada para identificar e quantificar as

fases de ferro presentes e razões entre Fe (II) e Fe (III) nas amostras, com o intuito de auxiliar

na interpretação dos resultados obtidos no estudo mineralógico feito pela difração de raios-X.

Para este trabalho, a razão entre Fe (II) e Fe (III) é de importância, pois permite verificar o

processo de queima utilizado pelos povos antigos como, por exemplo, se a cerâmica foi feita

usando fogueiras a céu aberto ou enterradas e até mesmo com a utilização de fornos [Wagner

et al, 1999].

4.6 MÉTODOS DE ESTATÍSTICA MULTIVARIADA

A Quimiometria compreende um conjunto de métodos estatísticos aplicados em

química, entre eles, a análise multivariada. Os métodos multivariados são modelos estatísticos

que consideram muitas variáveis ao mesmo tempo. Desta forma é possível se obter diversas

informações simultaneamente [Georgescu et al, 1998; Leitão et al, 2000; Sena et al, 2000;

Shoop et al, 1998].

-12 -9 -6 -3 0 3 6 9 120,88

0,90

0,92

0,94

0,96

0,98

1,00

Parametros hiperfinos

& = 0.0 mm/s

Deq = 0.0 mm/s

BHF

= 33 Tesla

Area espectral= 100%

Pontos experimentais Sexteto Fe0

Tra

nsm

issã

o r

ela

tiva

Velocidade (mm/s)

44

Há diversos métodos de análise multivariada [Sena et al, 2008; Johnson; Wichern, 1992,

Glascock et al, 2004], entretanto, o mais comum é a Análise de Componentes Principais, ACP

(“Principal Component Analysis”), técnica adequada para explorar, interpretar e reduzir os

dados, gerar hipóteses a partir de dados coletados e testar hipóteses. O objetivo principal da

técnica é reduzir os dados sem haver perda de informação. Assim, esta redução simplifica a

interpretação dos dados experimentais, permitindo que relevantes informações sejam

extraídas. Na ACP, um conjunto de dados consistindo de n informações sobre x variáveis é

substituído por n observações sobre k combinações lineares das variáveis, sendo k<x. Em

geral, os dados são dispostos em forma de uma tabela em que m, linhas, são as amostras e n,

colunas, são as variáveis – no caso, elementos determinados, etc. A tabela, então, passa a ser

analisada como uma matriz [Georgescu et al, 1994].

Quando a ACP é aplicada à tabela, ou matriz, há redução dos dados, ou vetores, por

alteração da direção e magnitude dos vetores em um novo espaço de fatores n-dimensionais.

Uma nova representação baseada em k componentes principais é obtida contendo tanta

informação quanto a representação original. Para isto, as novas variáveis - componentes

principais, CPs - que passam a ser analisadas, são aquelas de maior variância, ou seja, aquelas

que sejam capazes de explicar uma parte significativa da variância total contida nos dados: o

primeiro componente principal, CP1, é a combinação linear de todas as variáveis orientadas

na direção de máxima variação dos dados. A segunda representa a direção da máxima

variação restante, com a restrição que tem que ser perpendicular à primeira componente

principal. As CPs subsequentes descrevem progressiva e decrescentemente as variações

remanescentes dos dados. Assim, ACP é um método onde os autovalores são arranjados em

ordem de importância. Cada componente é caracterizado por escores e fatores. Os escores

projetam os objetos em um componente principal e os fatores refletem a contribuição de cada

variável em um componente particular.

Outro método aplicado é a Análise de Correlação, através do qual se verifica se há

interdependência entre duas variáveis através de uma equação linear [Rodushkin et al, 2000].

Nessa análise, os coeficientes de correlação obtidos apresentam valores que variam entre +1 e

–1. Um coeficiente de correlação de valor 0 (zero) indica que nenhuma das duas variáveis em

estudo apresentam comportamento entre si previsto por uma equação linear. Um coeficiente

+1 significa que uma variável se comporta em função da outra através de uma função

perfeitamente linear e na mesma direção; o valor negativo indica um comportamento

semelhante, mas na direção oposta.

Outro método aplicado para verificar se há diferenças ou similaridades entre os grupos

45

estudados, por exemplo analisando as variâncias de dois grupos, é ANOVA (“Analysis of

Variance - Model”) [Draper et al,1998, Armienta et al, 1997;]. Este método só pode ser

aplicado quando os dados a serem analisados apresentam distribuição normal.

Assim, neste estudo, a técnica de Análise Multivariada Robusta, foi aplicada através

da Análise por Componentes Principais – ACP e Análise das Correlações [Reimann, 2008)].

O software R foi utilizado juntamente com o StatDA package para a análise multivariada.

Após o cálculo das componentes principais foi observado que as duas primeiras componentes

seguiam a distribuição normal, então foi utilizada a análise de variância através do método de

análise estatística ANOVA [Armienta et al, 1997; Norman et al, 1998].

46

5. PARTE EXPERIMENTAL

Nesta pesquisa foram analisadas amostras de fragmentos de cerâmicas coletadas em

sítios arqueológicos durante o “Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio

Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação de Segunda Linha do Mineroduto

Samarco”, e constam do 4º Relatório de Atividades, Portaria IPHAN Nº 51, 23/02/2006

[Ribeiro, 2008]. A Coordenação geral, a consolidação e a edição do relatório foram de

responsabilidade da arqueóloga Loredana Ribeiro. Segundo o Relatório, foram identificados

cinquenta e seis locais com testemunhos materiais indicativos do patrimônio cultural entre os

municípios de Mariana (Minas Gerais) e Anchieta (Espírito Santo). Essa região corresponde a

Área de Influência Direta do empreendimento, sendo que essa área já vem sendo

substancialmente impactada há décadas, com a instalação e operação da 1ª Linha de

Mineroduto Samarco. Desse modo, quase todas as evidências encontradas na faixa de

servidão são relativas a depósitos arqueológicos já destruídos, dos quais restaram

pouquíssimas informações. Entretanto, há áreas com fragmentos mais intactos e com elevados

valores pré-históricos [Ribeiro, 2007]. Estima-se que cerca de doze mil fragmentos cerâmicos

componham a coleção deste projeto com diversificada forma. De acordo com estudos do

grupo de especialistas em arqueologia que forneceu as amostras para análise [Ribeiro, 2007],

as coleções cerâmicas encontradas apresentam grandes semelhanças quanto às formas,

entretanto faz-se necessário um estudo mais detalhado para proporcionar uma melhor

interpretação das hipóteses já feitas por eles.

Todos os procedimentos laboratoriais da Parte Experimental foram desenvolvidos nas

dependências do CDTN. Para esta pesquisa, foram aplicadas as seguintes técnicas analíticas:

Ativação Neutrônica, Difração de raios X e Espectroscopia Mössbauer.

5.1 REGIÃO DE ESTUDO

Foram encontrados fragmentos de amostras cerâmicas provenientes de sítios

arqueológicos do Espírito Santo, onde se estabeleceram Missões Jesuíticas no século XVI.

Várias etnias indígenas, inclusive Tupiguarani, foram reunidas nestas missões religiosas ao

longo dos primeiros séculos de colonização, manipulando materiais e técnicas européias

juntamente com seus processos tecnológicos tradicionais.

Para este trabalho, foram estudados os fragmentos encontrados nos sítios arqueológicos

de maior interesse histórico, segundo o grupo de arqueologia: o Bota Fora e o Hiuton. Eles

47

estão localizados a uma distância máxima de 5 km do mar, próximos entre si e também foram

escolhidos para estudo, por terem apresentado uma quantidade maior de fragmentos de

material cerâmico. Entretanto, não foi possível a coleta de argila porque a região está

totalmente urbanizada. Não é possível localizar as fontes de matéria prima das cerâmicas. A

Figura 7 mostra os diversos sítios arqueológicos no Espírito Santo.

Figura 7. Sítios arqueológicos escavados no Espírito Santo [Ribeiro, 2008].

5.2. COLETA DAS AMOSTRAS DE FRAGMENTOS DE CERÂMICAS

O material sob estudo foi coletado pelos arqueólogos [Ribeiro et al, 2008] e agrupadas

por similaridades de estilo e características arqueológicas de cada amostra. As figuras 8 e 9

mostram como foram feitas as escavações para a retirada das amostras. Após a coleta, os

fragmentos foram lavados com água corrente para retirar o material do solo que estava

agregado e foram secados ao ar livre. Depois foram identificados e acondicionados em

embalagens plásticas.

48

Figura 8

Figura 9

Figuras 8 e 9. Fotos ilustrativas de como foram feitas as escavações para a retirada das amostras.

(Ilustrações retiradas do 4o Relatório de Atividades do “Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio

Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação da 2ª Linha

do Mineroduto Samarco”, Portaria IPHAN No 51, 23/02/2006, Belo Horizonte, 2008.

5.3 PREPARO DAS AMOSTRAS PARA AS ANÁLISES

O preparo das amostras consistiu basicamente em retirada de alíquotas de pó de cada

fragmento, em quantidade suficiente para que fossem analisadas pelas três técnicas. Não foi

necessário lavar os cacos, uma vez que já haviam passado por esse processo ao serem

coletados em campo.

Para se retirar a alíquota de cada amostra de fragmento, foi utilizada uma furadeira com

brocas de tungstênio. A superfície de cada fragmento de cerâmica foi limpa com a broca com

o objetivo de retirar impurezas depositadas ao longo dos anos, conforme a Figura 10

demonstra. Em seguida, a amostragem foi realizada fazendo-se diversas perfurações com a

broca no sentido transversal. O pó foi coletado em papel sobre placa de Petri e, então,

acondicionado em frascos de plástico devidamente identificados como mostram as Figuras 11

e 12. A umidade foi determinada, a 110 o

C por 24 horas, tendo sido encontrados valores

desprezíveis (1%).

49

Figura 10. Retirada das impurezas depositadas nos fragmentos ao longo dos anos por meio de uma broca

de tungstênio.

Figura 11 Figura 12

Figuras 11 e 12. Fotos ilustrativas da etapa de acondicionamento das amostras para análise

5.4 DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO QUÍMICA ELEMENTAR

Todas as amostras – total de 66 - foram pesadas (em torno de 200mg) em duplicata e

acondicionadas em tubos de polietileno próprios para a irradiação. Acompanhadas por

monitores de ouro – liga Al-Au, 0,1% (Institute for Reference Materials and Measurements.

Certified reference material IRMM-530R. Certificate of analysis, Gold mass fraction in Al-

(0.1%)Au Alloy. Geel, Belgium: 2002.)- e por padrão de referência certificado

[INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, 1984.], as amostras foram irradiadas no

reator TRIGA MARK I IPR-R1, a 100 kW, de acordo com dois esquemas:

- para a determinação de elementos – Al, Mn, Mg, V, Ti, etc. - cujos radionuclídeos são de

meias vidas curtas (<3 horas), as amostras foram irradiadas uma a uma por 5 minutos no CI-

40, sendo f (razão entre o fluxo de nêutrons térmicos e o epitérmicos) e , (mede o

afastamento do fluxo de nêutrons epitérmicos da Equação de Boltzman). Após tempo de

espera de cerca de 2 minutos, foi levantado o espectro gama por tempo suficiente para se

50

alcançar uma boa estatística de contagem;

- para os radionuclídeos de meias-vidas médias e longas, o tempo de irradiação foi de 8 horas

no canal de irradiação CI-7, no qual os parâmetros f e são 22,32 e -0,0022 [Menezes et al,

2006]. O tempo de decaimento foi de 2 dias a 1 semana, para a determinação de elementos

cujos radionuclídeos são de meias-vidas médias (entre 12 e 72 horas) como o Na, K, As e Br;

foi de 20 dias, para a determinação de radionuclídeos de meias-vidas longas, como o Cr, Hg,

Sb, Sc, Zn, etc. O controle de qualidade das análises foi realizado através da análise do

material de referência, o IAEA/SOIL 7, para verificar a exatidão do método. Para a precisão, a

cada 5 amostras, uma foi analisada em triplicata.

A espectrometria gama foi executada em detetor HPGe com 15% de eficiência nominal,

Figura 13a, utilizando o programa Genie PC, CANBERRA. A deconvolução dos espectros

gama, Figura 13b, foi realizada através do programa Hyperlab PC [Simonits et al, 2003;

HyperlabPC, 2005] e o cálculo de concentração foi executado através do programa Kayzero

for Windows específico para o método k0 [KAYWIN, 2008] .

Figura 13a. Detetor HPGe com 15% de eficiência nominal

51

Figura 13b. Espectro gama da amostra de referência

As análises foram executadas no Laboratório de Ativação Neutrônica, Serviço de

Reator e Técnicas Analíticas do CDTN/CNEN, com o auxílio da Técnica Maria Aparecida da

Silva.

5.5. DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA DAS CERÂMICAS

5.5.1 Aplicação da Técnica de Difração de Raios X

Para a análise de difração de raios X foram separadas alíquotas de aproximadamente

1,5g do pó obtidos dos fragmentos cerâmicos. Cada alíquota foi colocada entre a placa de

alumínio do difratômetro que possui um diâmetro em torno de 2 cm e uma placa de vidro de

2x3 cm, pressionando-se a amostra, de maneira que se obtivesse uma distribuição uniforme

com uma superfície mais delgada possível.

52

Figura 14. Foto mostrando acima um frasco de polietileno com uma amostra. À esquerda, placa de

alumínio do difratômetro e ao lado placa de vidro de 2x3 cm

Figura 15. Demonstrando como cada amostra é pressionada sob a placa de alumínio para ficar distribuída

uniformemente e apresentar uma superfície mais “fina” possível.

Figura 16. Amostras preparadas para serem analisadas

53

Figura 17. Amostras acondicionadas dentro do difratômetro de raios X.

Para as medidas foi utilizado um difratômetro de raios X, marca Rigaku, modelo e

sistema D\MAX ULTIMA automático, com goniômetro θ-θ, varredura 2θ/θ e tubo de raios X

com anodo de cobre e foco normal. Software aplicativo da Materials Data Inc. Jade 9, para

análise qualitativa, quantitativa e medidas cristalográficas de fases cristalinas. Uso integrado

com o arquivo PDF-2 (Database) em CD-ROM da ICDD. Os difratogramas foram analisados

por meio de programas computacionais.

Figura 18. Difratômetro de raios X utilizado para as análises.

As análises foram realizadas com a colaboração do Sr. Zilmar Lima Lula, técnico do

Laboratório de difração de raios X e da geóloga Nadja Cruz Ferraz.

54

5.5.2 Aplicação da Técnica de Espectroscopia Mössbauer

Para a análise por espectroscopia Mössbauer [Paduani et al, 2009; Murad, 1991] foram

necessários, aproximadamente, 100 mg de cada amostra dos materiais cerâmicos. Os

espectros foram obtidos através de um espectrômetro Mössbauer convencional (aceleração

constante, fonte de 57

Co em matriz de Rh mantido a temperatura ambiente em geometria de

transmissão (Figura. 19). As medidas foram feitas sem aplicação de campo magnético

externo, à temperatura ambiente. Os espectros foram ajustados usando um programa numérico

desenvolvido pelo R. A. Brand, conhecido como "NORMOS".

Figura 19. Esquema de um arranjo experimental típico na espectroscopia Mössbauer

Estas análises foram realizadas pelo Dr. José Domingos Ardisson, do laboratório de

Espectrometria de Mössbauer do CDTN.

55

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 ESTATÍSTICA MULTIVARIADA

Por meio da ativação neutrônica foi possível quantificar os seguintes elementos

químicos nos fragmentos de cerâmicas analisados: Al, As, Ba, Br, Ce, Cl, Co, Cr, Cs, Dy, Eu,

Fe, Ga, Hf, I, K, La, Mn, Na, Nd, Rb, Sc, Sm, Ta, Tb, Th, Ti, U, V, Yb, Zn, Zr. É importante

destacar que as amostras foram analisadas sem envolvimento de qualquer tratamento químico

preliminar, o que seria necessário caso fosse aplicada outra técnica analítica como, por

exemplo, espectrofotometria de absorção atômica.

A Tabela 2a mostra os resultados obtidos experimentalmente para o material de

referência, IAEA/Soil-7 [International Atomic Energy Agency, 1984] e os valores

certificados.

Tabela 2a. Concentração elementar, em mg kg-1

, dos materiais de referência analisados

Valores

Experimentais

Valores Certificados

Al 50500 2000 (47000 3500)

As 13 1 13,4 0,85

Ba 169 21 (159 32)

Br 6,5 0,3 (7 3)

Ce 56 2 61 6,5

Cl < 100 NR

Co 9,1 0,3 8,9 0,85

Cr 72 3 60 12,5

Cs 5,4 0,2 5,4 0,75

Dy < 8 3,9 1,05

Eu 1,1 0,1 1 0,2

Fe 26680 938 (25700 500)

Ga 9 2 (10 2)

Hf 5,5 0,2 5,1 0,35

I < 20 NR

K 10370 421 (12100 700)

La 28 1 28 1

Mn 650 42 631 60

Na 2026 121 (2400 100)

Nd 33 2 30 6

Rb 51 3 51 4,5

Sc 9,1 0,3 8,3 1,05

Sm 4,9 0,2 5,1 0,35

Ta 0,69 0,04 0,8 0,2

Tb 0,65 0,03 0,6 0,2

Th 8,1 0,3 8,2 1,05

Ti <5000 (3000 600)

U 2,4 0,1 2,6 0,55

V < 90 66 7

Yb 2,4 0,1 2,4 0,35

Zn 105 8 104 6

Zr < 190 180 10,5

Elemento

IAEA / Soil-7

NR, Não Reportados; ( ), Não-Certificados

56

Para avaliar a exatidão da análise, foram aplicados a Incerteza Expandida e o Teste u-

score [Brookes et al, 1979; Shakhashiro et al, 2006] considerando os valores certificados do

material de referência IAEA/SOIL7. A Incerteza Expandida foi expressa por meio da

Tendência Relativa (Relative Bias) em %. O objetivo foi verificar se os valores experimentais

obtidos para o material de referência eram consistentes dentro do intervalo de confiança

expandido de 95%. Em relação ao Teste u-score, a avaliação incluiu as incertezas das

medidas e a incerteza do valor certificado. Neste estudo, as seguintes equações foram usadas

nos cálculos:

Incerteza Expandida Experimental (uexp)

22

exp métodoÁREAuuncu

onde uAREA é a incerteza da área líquida do pico gama e umétodo é a incerteza total do método k0

estabelecido no CDTN como 3,5%.

Tendência Relativa (TR):

%100ocertificad

ocertificadLab

Valor

ValorValorTR onde Lab, é o valor experimental.

Teste u-score:

22

Labocertificad

ocertificadLab

score

uu

ValorValoru

onde exp2 uuLab .

Para comparar os resultados obtidos experimentalmente com os valores certificados, o

critério u < 1,96 (P=95% ou ± 2σ) foi aplicado, que é equivalente a 95% do intervalo de

confiança do valor certificado. Isso significa que o resultado passa pelo teste, se u< 1,96.

Observa-se na Tabela 2b que todos os resultados de concentração atenderam ao critério

do Teste u-score. Portanto, os resultados experimentais estão de acordo com os valores

certificados, comprovando a confiabilidade do método k0 utilizado.

57

Tabela 2b. Tendência Relativa eTeste u-score para o material de referência IAEA/SOIL7

Valor

Certificado

v ± u u-score

(mg kg-1

)

As 13,4 ± 0,85 -3

Ce 61 ± 6,5 -8,2

Co 8,9 ± 0,85 2,2

Cr 60 ± 12,5 20

Cs 5,4 ± 0,75 0

Eu 1,0 ± 0,2 10

Hf 5,1 ± 0,35 7,8

La 28 ± 1 0

Mn 631 ± 60 3

Nd 30 ± 6 10

Rb 51 ± 4,5 0

Sb 1,7 ± 0,2 -6,5

Sc 8,3 ± 1,05 9,6

Sm 5,1 ± 0,35 -3,9

Ta 0,8 ± 0,2 -13,8

Tb 0,6 ± 0,2 8,3

Th 8,2 ± 1,05 -1,2

U 2,6 ± 0,55 -7,7

Yb 2,4 ± 0,35 0

Zn 104 ± 6 1

v, valor; u, incerteza*; RB, Tendência Relativa, n=1

ElementoTR, %

0,3

0,73

0,22

0,94

0

0,46

1,01

0

0,26

0,48

0

0,49

0,74

0,49

0,54

0,25

0,09

0,36

0

0,1

No Anexo I estão os resultados encontrados para os fragmentos de amostras de cerâmica

analisados. A presença dos elementos de terras raras, como Ce, Dy, Eu, Yb, Nd, Sm e Zr, está

compatível com o local em que foram encontrados, pois o Espírito Santo é conhecido como

uma região onde naturalmente há elevada ocorrência desses elementos [Loureiro, 1994].

A quimiometria compreende um conjunto de métodos estatísticos aplicados em

química, entre eles, a análise multivariada. Os métodos multivariados são modelos estatísticos

que consideram muitas variáveis ao mesmo tempo. Desta forma é possível se obter diversas

informações simultaneamente [Georgescu et al, 1998; Leitão et al, 2000; Sena et al, 2000].

Há diversos métodos de análise multivariada, entretanto, o mais comum é a Análise de

Componentes Principais, ACP (“Principal Component Analysis”), técnica adequada para

explorar, interpretar e reduzir os dados, gerar hipóteses a partir de dados coletados e testar

hipóteses. O objetivo principal da técnica é reduzir os dados sem haver perda de informação.

Assim, esta redução simplifica a interpretação dos dados experimentais, permitindo que

58

relevantes informações sejam extraídas. Na ACP, um conjunto de dados consistindo de n

informações sobre x variáveis é substituído por n observações sobre k combinações lineares

das variáveis, sendo k<x. Em geral, os dados são dispostos em forma de uma tabela em que m,

linhas, são as amostras e n, colunas, são as variáveis – no caso, elementos determinados, etc.

A tabela, então, passa a ser analisada como uma matriz [Georgescu et al, 1994].

Quando a ACP é aplicada à tabela, ou matriz, há redução dos dados, ou vetores, por

alteração da direção e magnitude dos vetores em um novo espaço de fatores n-dimensionais.

Uma nova representação baseada em k componentes principais é obtida contendo tanta

informação quanto a representação original. Para isto, as novas variáveis - componentes

principais, CPs - que passam a ser analisadas, são aquelas de maior variância, ou seja, aquelas

que sejam capazes de explicar uma parte significativa da variância total contida nos dados: o

primeiro componente principal, CP1, é a combinação linear de todas as variáveis orientadas

na direção de máxima variação dos dados. A segunda representa a direção da máxima

variação restante, com a restrição que tem que ser perpendicular à primeira componente

principal. As CPs subsequentes descrevem progressiva e decrescentemente as variações

remanescentes dos dados. Assim, ACP é um método onde os autovalores são arranjados em

ordem de importância. Cada componente é caracterizado por escores e fatores. Os escores

projetam os objetos em um componente principal e os fatores refletem a contribuição de cada

variável em um componente particular.

Outro método aplicado é a Análise de Correlação, através do qual se verifica se há

interdependência entre duas variáveis através de uma equação linear [Rodushkin et al, 2000].

Nessa análise, os coeficientes de correlação obtidos apresentam valores que variam entre +1 e

–1. Um coeficiente de correlação de valor 0 (zero) indica que nenhuma das duas variáveis em

estudo apresentam comportamento entre si previsto por uma equação linear. Um coeficiente

+1 significa que uma variável se comporta em função da outra através de uma função

perfeitamente linear e na mesma direção; o valor negativo indica um comportamento

semelhante, mas na direção oposta.

Outro método aplicado para verificar se há diferenças ou similaridades entre os grupos

estudados, por exemplo, analisando as variâncias de dois grupos, é ANOVA (“Analysis of

Variance - Model”) [Draper et al, 1998, Armienta et al, 1997; Draper et al, 1998; Nowak et al,

1998]. Este método só pode ser aplicado quando os dados a serem analisados apresentam

distribuição normal.

Assim, neste estudo, a técnica de Análise Multivariada Robusta, foi aplicada através

da Análise por Componentes Principais – ACP e Análise das Correlações [Reimann et al,

59

2008]. O software R foi utilizado juntamente com o StatDA package para a análise

multivariada. Após o cálculo das componentes principais foi observado que as duas primeiras

componentes seguiam a distribuição normal, então foi utilizada a análise de variância através

do método de análise estatística ANOVA [Armienta et al, 1997; Norman et al, 1998].

Nesta pesquisa foi aplicada a chamada “estatística robusta”, que pode ser definida como

uma estatística independente da distribuição dos dados e presença de “outliers”. Esta

estatística não requer proposições preliminares sobre os dados, como, por exemplo, de

normalidade [Huber, 1981].

Para ANOVA foi estabelecido que:

- p, a probabilidade da hipótese H0 seria aceita, se o valor limite de 0,05, isto é, 5%,

- a hipótese é H0 : A = B , ou seja, deseja-se saber se a média de um grupo A é igual a

média do grupo B, ou se o grupo A é igual ao grupo B, ao se aplicar os testes de variância,

- o valor de p < 0,05, significa que se rejeita a hipótese formulada, isto é, A B,

concluindo-se que os grupos são diferentes. Em outras palavras, quanto menor o valor de p,

menor a probabilidade de se aceitar a hipótese H0. Assim, p = 0,000 indica diferença

significativa entre as médias, probabilidade igual a zero de as médias – ou grupos - serem

iguais,

- p 0,05 significa 5%, ou mais, de probabilidade de as médias serem iguais.

Assim, os objetivos deste estudo visavam verificar se havia diferenças ou semelhanças

entre os grupos, no caso os sítios arqueológicos (Bota Fora e Hiuton); os tipos de vasilhas

utilizadas (globulares, tigela pintada, etc.); se a matéria prima dos fragmentos de argila era

proveniente da mesma fonte, etc., rejeitando-se ou aceitando-se a hipótese H0.

Segundo os arqueólogos, os fragmentos analisados correspondiam a diversos tipos de

vasilhas. A Tabela 3 apresenta esses tipos e quantas vasilhas de cada tipo correspondiam aos

fragmentos analisados.

Tabela 3. Relação de tipos de vasilhas por sítio arqueológico

Bota Fora Hiuton

bacia 6 1

caaguabá 6 -

cambuchi 9 10

globular 11 7

tigela pintada 7 9

Tipo de Vasilha:

Quantidade de tipos em cada sítio

arqueológico:

60

Com os resultados da composição elementar dos cacos das cerâmicas provenientes dos

dois sítios arqueológicos, que foram obtidos pela análise por ativação neutrônica. Foi

executada, inicialmente, a análise descritiva, que foi obtida aplicando-se o software R. Os

valores encontrados estão apresentados na Tabela 4. Para cada elemento, Min é o menor valor

de concentração determinado em todas as amostras, Max é o valor da maior concentração,

Média é a média aritmética dos valores de concentração, Mediana é a medida de localização

do centro da distribuição dos dados de concentração, DP é o desvio padrão, MAD é o desvio

absoluto da mediana, que é uma medida de dispersão absoluta, sendo um estimador mais

robusto que o desvio padrão, CV é o Coeficiente de Variação e CVR, Coeficiente de Variação

Robusto. Como pode ser observado, em alguns elementos como Cr, Hf, K, La, Na e Sc há

diferença significativa entre a média e a mediana (>3). Também pode ser observada

discrepância (>3) entre o MAD e o desvio padrão (DP) para os elementos Ce, Cl, Co, Cr, Fe,

Hf, K, Mn, Na, Sc e Zn. Ambos os fatos sugerem um afastamento da normal.

61

Tabela 4. Análise descritiva dos dados

Min Max Mediana Média DP MAD CV CVR

(mg kg-1

) (mg kg-1

) (mg kg-1

) (mg kg-1

) (mg kg-1

) (mg kg-1

) % %

Al 12800 261000 113000 117700 46280 54110 39,33 47,89

As 0,22 119,2 7,679 14,4 21,65 9,644 150,3 125,6

Ba 56,35 4227 301 384 517,1 75,69 134,7 25,15

Br 1,16 44,77 12,32 16,08 11,69 11,26 72,73 91,38

Ce 76,02 13320 234,1 1951 3393 166,3 173,9 71,04

Cl 85 13100 394 565,7 1577 133,4 278,8 33,87

Co 3,261 125,7 10,33 29,03 34,65 5,346 119,3 51,75

Cr 9,605 5392 52,22 685,4 1362 56,87 198,7 108,9

Cs 0,6548 11,2 2,442 3,265 2,516 1,364 77,06 55,87

Dy 2,9 29 9,52 9,683 4,38 2,936 45,24 30,84

Eu 0,4863 42,76 2,561 5,011 6,281 1,509 125,3 58,93

Fe 17830 1068000 54570 256900 366500 20010 142,7 36,66

Ga 0,346 382,6 28,04 51,49 58,23 9,318 113,1 33,24

Hf 0,29 223,1 15,62 50,5 68,17 7,569 135 48,46

I 0,9 32,4 10,5 10,51 5,862 4,522 55,77 43,07

K 241,8 533900 10700 54770 97190 4549 177,5 42,49

La 2,91 4804 91,28 648,1 1159 56,66 178,8 62,08

Mn 45,5 1090 253,5 306,4 185,7 117,1 60,6 46,2

Na 4,5 273600 3940 31680 55940 2667 176,6 67,69

Nd 4,15 2433 100,7 422,9 634,4 59,42 150 59

Rb 9,3 169,2 59,97 67,07 34,61 26,68 51,61 44,49

Sc 4,537 1258 19,89 234,7 393,4 6,486 167,6 32,61

Sm 5,105 89,66 15,64 22,49 17,13 8,206 76,19 52,47

Ta 0,321 5,629 2,485 2,641 1,235 1,25 46,77 50,3

Tb 0,588 7,917 1,647 2,082 1,369 0,7836 65,73 47,56

Th 3,273 424,3 23,29 50,06 71,99 25,56 143,8 109,8

Ti 2390 25900 12200 12520 4706 4515 37,59 37

U 0,19 15,89 1,516 2,64 2,705 1,161 102,5 76,57

V 66,3 283 140,5 148,2 50,06 47,44 33,79 33,77

Yb 0,151 156,4 2,647 7,23 25,32 1,638 350,2 61,88

Zn 28,45 1855 109,7 381,3 521,7 39,53 136,8 36,03

Zr 79,6 4682 683,6 1218 1286 317,1 105,6 46,39

Elemento

O teste Kolmogorov-Smirnov [Corder et al, 2009] foi aplicado nas 66 amostras

visando verificar quais elementos apresentavam distribuição normal. Os resultados na Tabela

5 mostram que apenas Al, I, Mn, Rb, Ta, Ti e V (valores em negrito) seguem a distribuição

normal. Como exemplos das distribuições, estão apresentados na Figura 20 os histogramas do

Fe (não normal) e do Ta (normal).

62

Tabela 5. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado aos dados, n=66

Kolmogorov-

Smirnov Z

Asymp, Sig,

(2-tailed)

Absoluta Positiva Negativa

Al 0,11 0,11 -0,085 0,898 0,396

As 0,256 0,246 -0,256 2,082 0

Ba 0,358 0,358 -0,263 2,906 0

Br 0,17 0,17 -0,124 1,378 0,045

Ce 0,416 0,416 -0,29 3,383 0

Cl 0,448 0,448 -0,38 3,643 0

Co 0,336 0,336 -0,229 2,733 0

Cr 0,41 0,41 -0,31 3,331 0

Cs 0,237 0,237 -0,152 1,926 0,001

Dy 0,194 0,194 -0,102 1,573 0,014

Eu 0,282 0,282 -0,238 2,29 0

Fe 0,407 0,407 -0,257 3,304 0

Ga 0,356 0,356 -0,206 2,889 0

Hf 0,413 0,413 -0,231 3,359 0

I 0,105 0,105 -0,052 0,853 0,461

K 0,424 0,424 -0,287 3,441 0

La 0,409 0,409 -0,289 3,321 0

Mn 0,161 0,161 -0,13 1,31 0,064

Na 0,371 0,371 -0,286 3,014 0

Nd 0,373 0,373 -0,255 3,031 0

Rb 0,138 0,138 -0,063 1,12 0,163

Sc 0,451 0,451 -0,279 3,667 0

Sm 0,194 0,194 -0,155 1,579 0,014

Ta 0,062 0,062 -0,052 0,503 0,962

Tb 0,191 0,191 -0,137 1,553 0,016

Th 0,258 0,219 -0,258 2,095 0

Ti 0,098 0,098 -0,04 0,794 0,554

U 0,209 0,209 -0,183 1,702 0,006

V 0,104 0,104 -0,091 0,841 0,479

Yb 0,451 0,451 -0,39 3,666 0

Zn 0,413 0,413 -0,249 3,354 0

Zr 0,363 0,363 -0,188 2,949 0

ElementoDiferenças

Figura 20. Histogramas do Fe e do Ta

63

O teste Kolmogorov-Smirnov também foi aplicado para verificar se os elementos

seguem a distribuição lognormal. Na Tabela 6, observa-se que diversos elementos (Al, As, Br,

Cs, Dy, Eu, I, Mn, Rb, Sm, Ta, Tb, Th, Ti, U, V, Yb) seguem a distribuição lognormal. Como

exemplo, as distribuições do Mn (lognormal) e do Zr (não lognormal) estão apresentadas na

Figura 21. Os elementos Ba, Ce, Cl, Co,Cr, Fe, Ga, Hf, K, La, Na, Nd, Sc, Zn e Zr (em itálico

na Tabela 3) não seguem a distribuição normal (Tabela 2) nem a lognormal.

Tabela 6. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado à distribuição lognormal dos dados, n=66

Kolmogorov-

Smirnov Z

Asymp, Sig, (2-

tailed)

Absoluta Positiva Negativa

Al 0,097 0,086 -0,097 0,784 0,57

As 0,143 0,089 -0,143 1,163 0,134

Ba 0,177 0,177 -0,172 1,44 0,032

Br 0,116 0,081 -0,116 0,942 0,337

Ce 0,262 0,262 -0,149 2,13 0

Cl 0,178 0,178 -0,118 1,446 0,031

Co 0,217 0,217 -0,153 1,767 0,004

Cr 0,183 0,183 -0,121 1,486 0,024

Cs 0,107 0,107 -0,065 0,867 0,439

Dy 0,113 0,113 -0,076 0,921 0,365

Eu 0,152 0,152 -0,09 1,237 0,094

Fe 0,306 0,306 -0,184 2,483 0

Ga 0,224 0,224 -0,216 1,82 0,003

Hf 0,25 0,25 -0,169 2,035 0,001

I 0,147 0,094 -0,147 1,19 0,117

K 0,294 0,294 -0,144 2,392 0

La 0,224 0,224 -0,112 1,818 0,003

Mn 0,08 0,08 -0,067 0,646 0,798

Na 0,236 0,236 -0,139 1,921 0,001

Nd 0,208 0,208 -0,147 1,688 0,007

Rb 0,113 0,046 -0,113 0,916 0,371

Sc 0,356 0,356 -0,188 2,889 0

Sm 0,1 0,1 -0,055 0,814 0,521

Ta 0,126 0,068 -0,126 1,022 0,247

Tb 0,084 0,084 -0,052 0,684 0,738

Th 0,118 0,118 -0,052 0,962 0,313

Ti 0,083 0,049 -0,083 0,675 0,752

U 0,071 0,068 -0,071 0,58 0,89

V 0,081 0,081 -0,074 0,654 0,786

Yb 0,153 0,153 -0,147 1,239 0,093

Zn 0,299 0,299 -0,17 2,425 0

Zr 0,19 0,19 -0,101 1,544 0,017

ElementoDiferenças

64

Figura 21. Histograma lognormal do Mn e Zr

Após serem verificados quais os elementos que seguiam a distribuição normal ou

lognormal, foi verificado se havia correlações entre as variáveis [Reimann et al, 2008]. As

correlações robustas com valores acima de 0,6 estão apresentadas no Anexo II. Observa-se

que os elementos Al, Ba, Cl, Dy, I, Mn, Rb, Sm, Ta, Tb, Ti, U, V, Yb e Zr não são

correlacionados entre si, enquanto que os demais elementos sim.

Um exemplo de distribuição de dados correlacionados (La e Ce; 1,00 no anexo II), que

são elementos característicos do solo da região, está apresentado nas Figuras 22a e 22b. Pode

ser observado que no caso, os dois sítios não se sobrepõem e que vasilhas globulares de

Hiuton e de Bota Fora também não se sobrepõem.

.

Figura 22a

65

Figura 22b

Figura 22. Distribuição Ce x La: a) proveniência de matéria prima dos cacos de cerâmica; b) fontes de

matéria prima usadas de acordo com o tipo de vasilha

Para verificar a presença de “outlier” – valor que está numericamente distante dos

outros dados [Rousseeuw et al, 1996], foi comparada a distância entre Mahalanobis [Oliveira et

al, 2006] e a distância robusta. Os resultados estão apresentados na Figura 23. Pode ser

observado que algumas amostras, como 22, 33, 35, 45 e 57 se comportam como “outliers”.

66

Figura 23. Distância entre Mahalanobis e a distância robusta

A detecção de “outlier” pelo método ARIMA (Autoregressive Integrated Moving

Average) [Percival et al, 1993] e utilizando o SPSS (Statistical Package for the Social

Sciences)[http://www-01.ibm.com/software/analytics/spss/products/statistics] indica que as

amostras comportam-se como “outliers” em relação aos elementos apresentados na Tabela 7.

Tabela 7. Elementos para os quais as amostras são “outliers”

Amostra:

22 Ba Ce Cs Dy Hf K La Nd Rb Sm Ta Tb V Zr

33 Al Ce Ga K Nd Rb Sm Tb Ti U V Yb

35 Ba Cs Ga Nd Sc Tb

45 Ba Co Dy Hf Rb

57 Ba Cr Cs Eu Hf Rb

Elementos:

O resultado do estudo univariado visando identificar “outliers” pelo método de

espalhamento está apresentado na Figura 24. Observando os gráficos, principalmente do Ce,

Hf e Nd, observa-se que o espalhamento entre os sítios arqueológicos é significativo, o que

também pode ser visualizado na Figura 25.

67

Figura 24. Espalhamento univariado de variáveis

Figura 25. Espalhamento univariado da variável Ce

Das amostras analisadas, verificou-se que 7,5% delas apresentaram resultados

“outliers”, que normalmente são desconsiderados. Entretanto, tendo em vista que a população

amostrada foi de 66 fragmentos e que foram determinados 32 elementos ou variáveis, não se

descartou os “outliers”, principalmente porque se aplicou métodos robustos, pouco sensíveis a

“outliers”. Pelo mesmo motivo, conforme sugerido por Reimann, 2009, página 216, para a

análise por componentes principais não serão considerados elementos correlacionados (>0,6).

Este procedimento teve o objetivo de otimizar a relação amostras/variáveis aumentando o

68

número de graus de liberdade. Como pode ser observado na Tabela 8, o lantânio é o que

apresenta maior correlação com outros elementos.

De acordo com o raciocínio desenvolvido, as variáveis: "Al", "Ba", "Cl", "Dy", "La",

"Mn", "Rb", "Ta", "Ti", "U", "V" e"Yb" serão consideradas para a análise estatística

multivariada. A Figura 26 apresenta o espalhamento destas variáveis.

Figura 26. Espalhamento de variáveis

Ao se aplicar a ACP, encontrou-se que seis componentes explicam 83% da dispersão

dos dados. As cargas (influência na variabilidade da componente) das diferentes variáveis

estão apresentadas na Tabela 8.

69

Tabela 8. Cargas das componentes principais (CP)

Elemento CP1 CP2 CP3 CP4 CP5 CP6

Al 0,053 0,328 -0,233 -0,074 0,402 0,455

Ba -0,252 -0,221 0,233 -0,203 -0,019 -0,368

Cl -0,201 0,156 0,395 0,789 -0,031 0,078

Dy -0,053 -0,204 -0,515 -0,007 -0,561 0,172

La -0,577 0,102 0,13 -0,249 -0,273 0,368

Mn 0,244 -0,149 0,324 -0,073 -0,101 -0,033

Rb -0,212 -0,59 -0,028 -0,088 0,53 -0,049

Ta 0,126 0,369 0,22 -0,348 -0,177 -0,363

Ti 0,365 0,226 0,089 -0,133 0,062 0,029

U -0,211 0,365 -0,463 0,122 0,267 -0,423

V 0,387 -0,141 0,104 -0,052 0,102 0,352

Yb 0,331 -0,241 -0,256 0,316 -0,199 -0,218

A primeira componente explica 49% da discrepância total e os elementos mais

significativos são La e V, provavelmente relacionados à fonte de argila. A segunda

componente explica 10% e os elementos mais significativos são Rb e Ta. O Rb

provavelmente relaciona-se ao antiplástico que, segundo a literatura [Sabino, 2002], era

proveniente dos vegetais existentes no local, pois esse elemento normalmente ocorre em

plantas. O Ta está relacionado ao solo local.

Os demais componentes explicam menos que 10% da discrepância total. Os scores

estão apresentados na Tabela 9.

70

Tabela 9. Scores relacionados às amostras

AmostraSítio

ArqueológicoTipo de Vasilha C1 C2 C3 C4 C5 C6

1 Bacia -0,939 -0,22 0,573 1,19 -0,129 -1,189

2 0,629 -2,079 -0,631 2,005 -0,064 -0,344

3 -0,493 -1,417 0,754 -0,174 -0,611 1,355

4 -0,92 0,182 0,787 0,667 -0,581 -0,385

5 -0,932 0,661 0,874 -1,251 -0,024 -0,041

6 -0,819 -0,419 1,335 -0,725 0,257 0,21

7 0,884 -1,437 0,723 -0,746 1,197 -0,569

8 0,751 -1,323 0,452 -0,476 0,252 0,267

9 -1,255 -0,207 1,003 0,215 -0,562 0,244

10 0,208 -0,174 0,601 -0,869 -0,155 1,063

11 1,193 4,033 2,129 -4,86 -2,947 2,358

12 1,952 2,128 2,94 -3,678 -2,614 2,213

13 -0,506 -1,003 1,659 -2,227 0,682 0,603

14 0,248 -0,217 0,626 -1,088 -0,25 0,203

15 -0,152 -0,311 0,9 -0,067 0,482 -0,375

16 1,594 1,248 1,18 0,71 0,594 0,146

17 0,267 -0,172 0,382 -0,637 0,303 0,683

18 -1,351 -0,223 1,772 -0,02 0,902 -0,577

19 -1,632 -0,669 1,993 -0,198 1,239 -0,874

20 1,288 -1,423 0,455 0,19 0,265 0,037

21 -0,786 1,546 0,716 0,471 -0,704 -0,277

22 -0,894 3,524 0,524 0,809 0,411 -1,017

23 0,51 -0,151 0,154 0,864 -0,42 -0,567

24 0,612 -1,658 0,648 2,137 0,468 -1,26

25 2,723 -3,84 0,274 4,411 1,232 -1,784

26 -2,43 0,055 2,088 1,679 -0,936 -0,58

27 2,042 0,345 -1,475 -0,055 0,649 -0,814

28 0,912 0,165 -1,398 0,129 -0,659 -0,233

29 -0,387 1,784 -0,292 -1,044 0,101 -0,514

30 1,224 0,062 -1,417 -0,352 -0,128 -0,12

31 -1,963 0,918 -2,501 1,093 1,964 0,865

32 0,948 1,211 -0,506 -0,981 -0,727 0,68

33 1,239 6,149 1,215 -1,906 -2,33 -0,667

34 1,78 -1,739 0,642 0,173 -1,19 1,433

35 0,632 0,316 -1,326 0,59 0,883 -0,11

36 -0,246 0,445 1,293 0,578 1,279 -0,797

37 -0,476 2,015 -0,415 0,485 -1,258 -0,936

38 -0,6 0,883 -1,422 0,334 0,448 0,662

39 -1,158 0,186 -1,481 1,534 -0,303 0,398

40 -3,224 2,126 -1,331 1,171 0,305 0,996

Hiuton

Globular

Bota Fora

Tigela Pintada

Bacia

Caaguabá

Tigela pintada

Cambuchi

71

Tabela 9. Scores relacionados às amostras - Continuação

AmostraSítio

ArqueológicoTipo de Vasilha C1 C2 C3 C4 C5 C6

41

1.332 0.3 -0.814 -0.832 0.054 -1.167

42 0.457 -0.701 -0.043 1.079 -1.91 0.554

43 1.584 -1.402 -1.568 -0.046 0.503 -0.656

44 5.598 0.36 2.626 -0.216 -3.309 1.771

45 0.525 2.829 -1.081 -3.106 0.145 -1.035

46 -7.649 -2.12 -3.992 3.964 6.186 -0.134

47 -0.629 2.878 -0.07 -1.753 -0.078 -0.283

48 -0.005 2.679 -0.303 -0.898 -0.356 -0.442

49 1.688 -1.318 -0.667 -0.31 0.03 0.176

50 3.973 1.755 -0.165 -2.318 -3.98 2.159

51 3.831 -1.677 1.071 -1.704 -5.225 -0.672

52 4.596 0.46 1.745 -3.159 -4.532 -0.533

53 3.376 0.765 1.533 -2.458 -3.405 0.092

54 1.614 -0.9 0.115 -0.815 -1.011 -2.292

55 5.912 -2.798 -0.103 -2.934 -4.022 -0.177

56 3.005 1.689 1.189 -1.97 -4.001 -0.553

57 4.91 -0.928 0.954 -3.119 -4.285 0.782

58 4.29 -1.245 3.265 -4.197 -5.293 0.939

59 5.438 -0.594 0.288 -1.151 -5.69 -0.487

60 3.883 -1.436 2.994 -2.984 -4.599 0.477

61 4.439 -1.474 1.105 -2.106 -3.171 -0.512

62 0.52 5.127 1.764 1.057 -7.165 -0.344

63 1.436 -3.175 0.811 1.758 -0.501 -3.312

64 3.918 0.589 1.16 -3.364 -3.567 -0.669

65 -1.028 -5.898 -2.382 2.64 3.152 -3.924

66 1.723 -0.269 -0.903 -0.068 -0.068 0.694

Cambuchi

Globular

Caaguabá

Bota Fora

Tigela pintada

O teste Kolmogorov-Smirnov aplicado às CP1 e CP2, Tabela 9, para n igual a 66

amostras, indica que elas seguem a distribuição normal, tendo sido obtidos os valores de

Kolmogorov-Smirnov Z e de Asymp, Sig, (2-tailed) de 0,880 e de 0,421 para CP1 e de 0,731

e de 0,659 para CP2.

Ao se aplicar o teste ANOVA para verificar as diferenças ou similaridades entre os

grupos em relação a estas variáveis, CPs, obtém-se a probabilidade das médias serem

similares e esta probabilidade é dada através do valor de p. Assim, em relação a CP1, o teste

indicou que os sítios arqueológicos são diferentes, pois p=0,009 (p<0,05) ou existe 0,9% de

probabilidade dos sítios serem similares. Para confirmar este resultado, o teste ANOVA foi

aplicado ao alumínio (distribuição normal), um dos principais elementos da argila. O

resultado obtido indicou que também há diferença entre os sítios, pois a probabilidade de

serem iguais é de 0% (p=0,000). Estes resultados confirmam o que foi apresentado

anteriormente nas Figuras 22a e 22b.

Aplicando teste ANOVA a CP2, foi encontrado p=0,617. Isso significa que em

72

relação a CP2, há 61,7% de probabilidade dos sítios serem iguais. Nesta componente o

elemento de maior influência é o Rb, relacionado ao antiplástico, proveniente de vegetais do

local, justificando a similaridade entre os sítios.

Considerando-se apenas Hiuton, os tipos de vasilhas não são identificados nem por

CP1 nem por CP2, apresentando as probabilidades de 41,7% e 44,0%, respectivamente, de

serem similares. Isso foi observado na Figura 22b, quando se concluiu que as vasilhas do sítio

do Hiuton, independentemente do formato, foram confeccionadas com argila da mesma fonte.

Já em Bota Fora, a CP1 (p=0,013, 1,3%) e a CP2 (p=0,045, 4,5%) distinguem o tipo

de vasilha com a matéria prima usada. Isso significa que há a probabilidade de 1,3% e de

4,5% de os tipos de utensílios terem sido confeccionados com a matéria prima proveniente da

mesma fonte de argila, ou seja, a matéria prima, de acordo com o tipo de vasilha não é a

mesma.

6.2 TECNOLOGIA DE COZIMENTO DAS CERÂMICAS

6.2.1 Difração de Raios X

A análise de difração de raios X (DRX) foi utilizada com o objetivo de identificar a

temperatura na qual o material cerâmico fora submetido, uma vez que a composição

mineralógica é alterada pelo efeito da temperatura no momento em que a cerâmica é queimada

para ser transformada em um artefato.

A DRX é um método de identificação das fases cristalinas (compostos mineralógicos)

existentes em um material. Desde que se conheça a composição aproximada do mesmo, torna-

se possível observar compostos mineralógicos presentes em um material cerâmico. Deste

modo, a temperatura de queima da cerâmica pode ser determinada pela presença de certos

minerais, observando as diversas transições de fases cristalográficas assumidas por estes

minerais em função da temperatura. Logo, a presença de alguns compostos pode ser um

indicativo de que a cerâmica não foi queimada a uma temperatura igual, ou superior, à

temperatura de transformação daquele composto [Rice, 1987].

Normalmente os compostos estudados são quartzo, feldspato, mica, caulinita e traços

de outros minerais. Por exemplo, a caulinita, muito comum em argilas, inicia sua

desidroxilação a 500 oC e é completada a 650

oC [Palanivel, 2011], nessas condições forma-se

a metacaulinita, que é amorfa, porém com alguma estrutura cristalina residual [Frost, 1996;

Okada et al, 1998; Murad, 1991].

73

Todas as amostras foram analisadas por DRX e apresentaram resultados

qualitativamente similares. Como ilustração são apresentados nas Figuras 27 e 28 os

difratogramas de amostras de caco de cerâmica de Tigela Pintada de cada um dos sítios

arqueológicos investigados.

Figura 27. Difratograma de raios X da amostra 2 (“Tigela Pintada”) sítio Hiuton)

74

Figura 28. Difratograma de raios X da amostra 41 (“Tigela Pintada”), sítio Bota Fora

Analisando qualitativamente os difratogramas dos fragmentos de cerâmicas é possível

verificar que a mineralogia da pasta de argila dessas cerâmicas arqueológicas são similares

para todos os formatos estudados. Foi encontrado basicamente quartzo, com ausência de

outros minerais. No entanto, essa ausência não pode ser considerada um indicativo de que a

pasta cerâmica foi queimada a temperaturas superiores a esses supostos minerais que

poderiam estar presentes, pois a pasta cerâmica poderia não possuir estes minerais antes da

queima. Para certificar esse fato, seria preciso analisar a argila da região de manufatura

realizando um comparativo, o que, infelizmente não é possível. Como foi relatado

anteriormente, a região já está urbanizada, não sendo possível localizar as fontes de argila

utilizadas pelos indígenas.

Com esses resultados não há dados suficientes para inferir sobre o tipo de atmosfera

(oxidante ou redutora) em que a cerâmica foi submetida, porém é possível dizer que a

temperatura de queima foi inferior a temperatura de deformação do quartzo, uma vez que em

todas as amostras foi identificada a presença de quartzo.

75

6.2.2 Espectroscopia Mössbauer

Estudos como a determinação da temperatura de queima de cerâmica é de interesse

para auxiliar na elucidação da maneira, pela qual, os índios fabricavam seus utensílios

[Feathers et al, 1998]. A Espectroscopia Mössbauer também foi usada com o objetivo de

ajudar no entendimento de aspectos das tecnologias ancestrais na fabricação de cerâmicas,

como por exemplo, se a queima foi por meio de fogueiras (tecnologia indígena) ou se a

queima foi feita usando fornos (tecnologia européia).

Um total de 8 amostras foram analisadas, sendo uma de cada formato estudado para

cada sítio: 2 (“Tigela Pintada”- sítio Hiuton); 12 (“Cambuchi”- sítio Hiuton); 23 (“Globular”-

sítio Hiuton); 28 (“Bacia”- sítio Bota Fora); 36 (“Caaguabá”- sítio Bota Fora); 41 (“Tigela

Pintada”- sítio Bota Fora); 46 (“Cambuchi”- sítio Bota Fora); 64 “Globular”- Bota Fora). Os

espectros obtidos são apresentados na Figura 29.

Figura 29. Espectros Mössbauer a temperatura ambiente de utensílios indígenas

(parte 1)

-12 -9 -6 -3 0 3 6 9 12

0.98

1.00

3% 1% 81% 5% 10%

10% 5% 73% 6% 6%

GL28

Velocity (mm/s)

0.98

1.00

GL23

Re

lative

tra

nsm

issio

n

0.96

0.98

1.00

7% 5% 67% 6% 15%

GL12

0.98

1.00

8% 5% 63% 9% 15%

Fe3O

4 Fe

3O

4 Fe

3+ Fe

2+ Fe

2O

3

GL02

76

Figura 29. Espectros Mössbauer à temperatura ambiente de utensílios indígenas

(parte 2)

Por meio da análise dos resultados obtidos é possível verificar que em todas as

amostras analisadas a proporção de Fe3+

é maior que a de Fe2+

. A porcentagem de Fe3+

nas

amostras analisadas variou de 63% a 87%, enquanto que a de Fe2+

variou de 4% a 15%. De

acordo com o modelo proposto pelos resultados obtidos, provavelmente, para fabricar esses

utensílios, foi utilizada uma forma mais oxidante, ou seja, maior contato com o “oxigênio” no

momento da queima, pois o elemento “ferro” foi encontrado em maior proporção com número

de oxidação igual a +3 (espécie mais oxidada.). A maior interação com o oxigênio pode ter

acontecido devido à queima em fogueiras, a céu aberto, “tecnologia indígena”.

O texto a seguir foi retirado do livro de Manoel Pereira de Godoy. Nele, o

historiador registra que era costume dos índios tupi-guaranis produzirem seus materiais

cerâmicos em fogueiras a céu aberto.

-12 -9 -6 -3 0 3 6 9 120.96

0.98

1.00

7% 4% 68% 15% 6%

GL64

Velocity (mm/s)

0.98

1.00

6% 1% 77% 10% 6%

GL46

Re

lative

tra

nsm

issio

n

0.98

1.00

6% 1% 75% 13% 5%

2% 1% 87% 4% 6%

GL41

0.98

1.00

Fe3O

4 Fe

3O

4 Fe

3+ Fe

2+ Fe

2O

3

GL36

77

“Para obter um belo vaso, forte e resistente, o segredo principal estava no

preparo do barro, quase sempre acrescido de certos pós (cinzas) que

tornavam a massa mais plástica, leve, e ainda lhe conferiam resistência.

Escamas de peixes, cinza, carvão moído, vasos velhos e quebrados

(reduzidos a pequenos fragmentos) eram incorporados à argila na

confecção dos vasos. Preparado o barro, o oleiro ou oleira indígena

dividia-o em pequenos bolos, que eram amassados de novo e durante essa

fase o oleiro aproveitava para retirar corpos estranhos aos mesmos, como

pedaços de pauzinhos, pedregulhos, pelotas de barro endurecido, etc.

Ainda, durante essa operação poderia acrescentar mais material plástico

(argila, água, areia fina, etc.), visando a melhor confecção do vaso.

Aqueles que deveriam durar mais tempo tinham paredes mais grossas, até

com dois centímetros de espessura. O vaso era confeccionado e seco á

sombra, onde ganhava resistência, para ser queimado ao lado de grandes

fogueiras a céu aberto, sendo girados periodicamente, para receberem o

calor direto do fogo. Finalizando o oleiro colocava brasas e lenha em

pedaço dentro dos vasos para a queima interna que dava a resistência final

necessária. Testes atuais mostraram que os vasos indígenas eram

queimados a temperaturas em redor de 550º C. Prontos eram pintados,

geralmente nas cores vermelha que traduzia alegria e vitória; preto que

significava o medo, o luto e a dor, e o branco, a singeleza da sua alma

selvagem.” [Godoy, 1974]

78

7. CONCLUSÕES

Fragmentos de cerâmicas são considerados pelos arqueólogos materiais de alto valor

arqueológico, uma vez que cada partícula constitui-se de assinaturas químicas que pode

fornecer informações de acontecimentos do início da história da humanidade.

Para este trabalho foram analisadas amostras de cacos de cerâmicas provenientes do

“Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas pela

Instalação da Segunda Linha do Mineroduto Samarco”. Essa região do Espírito Santo

corresponde a Área de Influência Direta do empreendimento. Esta área já vem sendo

substancialmente impactada há décadas, com a instalação e operação da 1ª Linha do

Mineroduto Samarco. Desse modo, quase todas as evidências encontradas são relativas a

depósitos arqueológicos já destruídos, dos quais restaram pouquíssimas informações. De

acordo com estudos do grupo de especialistas em arqueologia que forneceu as amostras para

análise, as coleções cerâmicas encontradas apresentam grandes semelhanças quanto às

formas, entretanto era necessária uma pesquisa mais detalhada para proporcionar uma melhor

interpretação das hipóteses já feitas por eles.

Este trabalho foi o primeiro no Brasil em que foram aplicadas, em conjunto, as três

técnicas analíticas: ativação neutrônica, difração de raios X e Espectroscopia Mössbauer.

Além de ser o primeiro no país em que os resultados das concentrações elementares dos

cacos, obtidos pela ativação neutrônica, foram interpretados pelas análises estatísticas usando

o programa R, que valoriza métodos robustos. A difratometria de raios X foi usada para

estudo da composição mineralógica e as análises de Espectroscopia Mössbauer auxiliaram no

entendimento da temperatura de queima desse material.

A similaridade da pasta de argila entre os formatos dos utensílios indígenas foi

verificada pela análise de difração de raios X. O quartzo foi o principal mineral encontrado,

com ausência de outros minerais. Entretanto, a ausência de outros minerais não pode ser

considerada uma indicação de que a pasta cerâmica foi queimada a temperaturas superiores a

esses supostos minerais que poderiam estar presentes, uma vez que a pasta cerâmica poderia

não possuir estes minerais antes da queima. Para certificar esse fato, seria preciso analisar a

fonte de argila e realizar uma comparação. Devido a região estar urbanizada, as fontes de

argila não foram localizadas e consequentemente não foi possível coletar amostras da matéria

prima para a comparação. Com os resultados dessa técnica, foi possível inferir que a

temperatura de queima foi inferior a temperatura de deformação do quartzo, já que em todas

as amostras foi identificada a presença de quartzo.

79

Através da análise dos resultados obtidos pela Espectroscopia Mössbauer, verificou-se

que em todas as amostras analisadas a proporção de Fe3+

(63% - 87%) é maior que a de Fe2+

(4% - 15%). Provavelmente, para o cozimento dos utensílios, foi utilizado um método em que

havia bastante contato com o “oxigênio” no momento da queima, pois o elemento “ferro” foi

encontrado em maior proporção com número de oxidação igual a +3 (espécie mais oxidada.).

A maior interação com o oxigênio pode ter acontecido devido à queima em fogueiras, a céu

aberto, “tecnologia indígena”. Então, pelo menos, para esta amostragem analisada, pode-se

dizer que os indígenas não tiveram influência da técnica européia (cozimento por meio de

fornos).

Pela avaliação estatística realizada, pode-se observar que as matérias primas dos

fragmentos de cerâmica são diferentes nos dois sítios arqueológicos, no entanto os produtores

do Hiuton usavam argila da mesma fonte, enquanto que os de Bota Fora usavam de diferentes

fontes.

É importante ressaltar que as conclusões deste trabalho referem-se à amostragem

estudada. Para se ter um resultado conclusivo em relação aos sítios do Espírito Santo sugere-

se a análise de um número maior de amostras, desses sítios, de outros sítios arqueológicos da

região e um comparativo com a composição elementar da fonte de manufatura dos utensílios.

Tendo em vista que esse tipo de material cerâmico possui importância na composição

dos fatos sobre a vida na Terra, seria interessante a possibilidade em usar uma forma de

análise na qual as amostras não fossem reduzidas a pó. Existem estudiosos que já tem pensado

em uma maneira de fazer suas determinações com fragmentos inteiros, preservando assim o

material como um todo. Uma sugestão para futuros estudos seria tentar contribuir na

viabilização desses procedimentos para que amostras arqueológicas sejam mantidas intactas,

porém com resultados confiáveis de sua constituição química.

Espera-se, assim, contribuir com os arqueólogos em seus questionamentos sobre o

passado. É relevante compreender um pouco a respeito da cultura Tupiguarani, bem como a

de outras sociedades, pois, certamente, esse conhecimento pode agregar positivamente em

nossos valores atuais, principalmente em relação a forma com que aqueles povos se

respeitavam.

80

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TODOROV, V.; FILZMOSER, P. An Object-Oriented Framework for Robust Multivariate Analysis,

Journal of Statistical Software, v. 32, Issue 3, 2009.

TOYOTA, R. G. Caracterização química da cerâmica Marajoara. 2009. Dissertação de mestrado.

São Paulo, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN, Universidade de São Paulo, 2009.

TOYOTA, R. G.; MUNITA, C. S.; NEVES, E. G.; DEMARTINI, C. C. Estudo Preliminar do Efeito

do Tempero da Cerâmica Marajoara. Canindé, v. 11, p. 55-64, 2008.

87

ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1

, das amostras dos fragmentos de cerâmicas

analisados por Ativação Neutrônica.

ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1

, das amostras dos fragmentos de cerâmicas

analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)

89

ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1

, das amostras dos fragmentos de cerâmicas

analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)

90

ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1

, das amostras dos fragmentos de cerâmicas

analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)

91

ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1

, das amostras dos fragmentos de cerâmicas

analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)

92

ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1

, das amostras dos fragmentos de cerâmicas

analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)

93

ANEXO II - Correlações robustas entre as variáveis

94

ANEXO III – A cultura tupiguarani

As mulheres ocupavam-se com o trabalho agrícola (desde o plantio e semeadura até a

conservação e a colheita) e as atividades de coleta (de frutas silvestres, de mariscos etc.)

colaboravam nas pescarias indo buscar o peixe flechado pelos homens, transportavam

produtos das caçadas, aprisionavam as formigas voadoras, fabricavam farinha, preparavam as

raízes e o milho para a produção do cauim (bebida fermentada que acompanhava festas e

rituais), incumbindo-se da salivação do milho, fabricavam azeite de coco, fiavam algodão,

cuidavam dos animais domésticos, realizavam todos os serviços relacionados com a

manutenção da casa. Os homens ocupavam-se com a derrubada e a recuperação da terra para

a horticultura, entregando-as prontas para o plantio das mulheres, praticavam a caça e a pesca,

fabricavam canoas e claro que a proteção das mulheres, crianças e velhos faziam parte das

atividades masculinas, bem como a realização de expedições de guerreiros e o sacrifício de

inimigos ou de animais como a onça constituíram-se tarefas estritamente masculinas

[Holanda, 1960].

Em 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil se espantaram com alguns

hábitos das tribos tupis como, por exemplo, a antropofagia: ritual milenar de alguns índios

americanos que se consistia em uma cerimônia que misturava bravura, ódio e até respeito pelo

inimigo. Nas guerras rotineiras entre as tribos, a vitória de uma delas lhe garantia o direito de

devorar um dos guerreiros da tribo inimiga. O prisioneiro era levado para a aldeia e obrigado

a desfilar diante das pessoas enquanto todos o ameaçavam, prometendo-lhe a morte. A

execução poderia demorar quase um ano para acontecer. Enquanto isso, o prisioneiro era

muito bem tratado, alimentado e poderia até receber uma esposa. Quando se aproximava o dia

de sua morte, as tribos vizinhas eram convidadas para a grande festa. Chegado o dia, o

prisioneiro e o escolhido para ser o executor eram enfeitados com cores fortes e brilhantes,

depois de imobilizado, o prisioneiro tinha a cabeça arrebentada com a Ibirapema (espécie de

clava pesada usada na execução de cativos por índios guerreiros). O corpo era limpo, cozido

em grandes panelas e saboreado pelos parentes. Os estudiosos desse assunto ressaltavam que

o ritual da antropofagia é repleto de simbologias dentre elas:

• momento para se vingar das comunidades indígenas rivais.

• oportunidade para satisfazer e louvar aos deuses indígenas.

• significava o fortalecimento do espírito guerreiro quando este ingeria carne humana.

• estabelecer alianças com outras tribos.

95

Uma das coisas que mais intrigou os europeus quando atingiram a costa brasileira,

foram às sangrentas guerras entre as diversas tribos indígenas que muitas vezes pertenciam à

mesma etnia. Muitos conquistadores chegaram a se perguntar, por que aqueles povos viviam

em constante estado de guerra se não tinham propriedades, nem reinos ou senhores para

defender? Muitas possibilidades foram levantadas ao longo do tempo na tentativa de explicar

o espírito guerreiro dos nativos. Alguns cronistas da época através de seus relatos associam a

guerra ao espírito de vingança dos nativos, tentando integrar os mortos ao mundo dos vivos.

Por exemplo narra o cronista da época Andre Trevet “Todas suas guerras não se devem senão

a um absurdo e gratuito sentimento de vingança”. (Bogliolo, 1997).

Outra hipótese que busca explicar o espírito guerreiro dos nativos era a busca de novos

territórios, devido o esgotamento do território antigo, o que poderia acarretar choques entre as

tribos na disputa por terras férteis. Por exemplo, isto pode ter acontecido antes da chegada dos

conquistadores quando os Tupis expulsaram os Tapuios do litoral e estes anteriormente

expulsaram os povos sambaquis.

Porem deve-se compreender que a guerra para os tupis não tinha como finalidade a

escravidão e muito menos a aniquilação de seus contrários, pois isso iria contra a essência

guerreira e igualitária da sociedade tupi-guarani.

Como afirma o historiador Luiz Koshiba ”A guerra indígena não poderia

redundar na completa aniquilação do inimigo, pois como guerreiros, os índios

só poderiam existir uns contra os outros”. (Koshiba, 1993)

Portanto quando partiam para a guerra os tupis, previamente faziam reverencias a seus

antepassados guerreiros e saiam em busca não de riquezas ou escravos, mas dos maiores

números de prisioneiros possíveis.

Sabe-se que os tupis, o principal grupo que habitava o litoral da América portuguesa,

deslocavam-se continuamente no sentido leste–oeste, em busca de uma região que

acreditavam ser a morada de seus ancestrais e ao mesmo tempo, um lugar de abundância,

juventude e imortalidade, “a terra sem mal”. Profetas indígenas percorriam as aldeias

apresentando-se como reencarnação de antepassados heróicos e procurando convencer seus

habitantes a abandonar o trabalho e a dançar. As peregrinações em busca desta verdadeira

“Terra Prometida” provocavam um comportamento nômade ou semi-sedentário entre os tupis.

Em razão disso a sedentarização completa era incompreensível para suas bases

culturais, pois significava o afastamento em relação ao sentido essencial da vida, ou seja, a

96

busca da “TERRA SEM MAL”. A prática de refundação de aldeias seja em busca da “terra

sem mal”, seja provocada pela escassez de caça ou pelo esgotamento do solo, constituía

elemento indissociável da vida tupi.

A maior parte das organizações tribais da parcela da América conquistada pelos

Portugueses era composta por coletores – caçadores nômades ou por comunidades semi-

sedentárias que praticavam a pesca, a caça e no caso destas últimas a agricultura com técnicas

rudimentares. Uma vez esgotada a fertilidade do solo, pelas queimadas realizadas antes do

plantio devido às sucessivas colheitas, os campos eram abandonados e as tribos saiam em

busca de novas terras, onde estabeleciam novas aldeias.

As aldeias que podia abrigar de 500 acerca de 3 mil índios eram compostas por

malocas que ficavam em torno de uma espécie de pátio central. Inimizades ou alianças

definiam as relações entre as diversas aldeias e operações de guerra. No entanto, não era

estabelecida nenhuma autoridade central que se impusesse a todas, nem a delimitação clara de

fronteiras entre suas áreas. O prestígio de alguns chefes podia circunstancialmente,

transformar-se em liderança política em caso de expedições guerreiras, mas não em uma

organização duradoura. A estrutura da chefia era tão difusa quanto às das unidades sociais.

Cada maloca dentro de uma aldeia tinha um indivíduo principal, que era alguém que

conseguiria reunir em torno de si uma grande parentela. Todo chefe além de sogro era um

grande matador e líder de um grupo guerreiro.

Várias malocas aliadas formavam uma aldeia, assim como várias aldeias formavam

um “cacicado”. Ser filho de chefe não era senão um ponto de partida para se reivindicar essa

condição – não era, porém, nem condição necessária, nem suficiente. Era preciso ser o mais

valente, o que mais proezas fez na guerra, o que mais massacrou inimigos, o que possuísse

maior família, o maior número de mulheres (poligamia) e maior número de cativos. Não havia

uma regra mecânica de sucessão à chefia, pois a estrutura do poder dependia do evento, da

circunstância dos caprichos do acontecimento. Assim o acesso a chefia e seu exercício

dependiam em primeiro lugar do processo de constituição das unidades domésticas das

estratégias matrimoniais e das virtudes pessoais do indivíduo, do que de uma autoridade

emanada de um “lugar da chefia”.

Era preciso ser capaz de articular uma parentela forte, ser temido e respeitado como

guerreiro e ser como os Xamâs (grande orador, líder que se comunicava com os encantados e

entidades ancestrais através de cânticos e danças.). A poligamia e a virilocalidade (prática que

se consistia quando a esposa ia morar com os parentes do “marido”.) não eram privilégios de

um chefe, mas, essas, normalmente, estavam presentes entre as características de um chefe:

97

ter muitas mulheres.

As sociedades tupis estavam concentradas em sua maioria no litoral e organizavam-se

em cacicados caracterizados por uma complexa hierarquia social sob a tutela de um chefe. Os

cacicados mantinham-se e formavam-se pela lógica da guerra. Uma aldeia tupi típica

organizava-se em torno de quatro ou oito malocas dispostas em círculos. Cada uma dessas

malocas agrupava várias famílias que dormiam em redes.

O interior das malocas foi descrito por Hans Staden “não tinha divisões no interior,

nem um quarto a cada ocupante, porém, marido e mulher, possuíam de um lado um

espaço de doze pés ao comprido. O espaço correspondente do outro e ocupado por

outro ocupante fazia com que assim ficassem repletas as cabanas. Cada ocupante

possuía seu fogo próprio. O chefe da cabana recebia seu lugar no centro”. (Staden,

1930)

98

ANEXO IV - Trabalhos apresentados em congressos

FARIA, G. L. O.; M. Â. B. C. MENEZES; L. RIBEIRO; JÁCOME, C. P.; JACIMOVIC, R.

Provenance study of Brazilain Tupiguarani Tradition Pottery applying the k0-standardization

method. In: 5th International k0-Users Workshop, 13-17 de setembro, 2009, Belo Horizonte.

Book of Abstracts, 2009.

Trabalho completo:

FARIA, G. L. O.; M. Â. B. C. MENEZES; L. RIBEIRO ; JÁCOME, C. P. . Neutron

activation analysis and provenance study of Tupiguarani Tradition pottery. In: International

Nuclear Atlantic Conference, INAC2009; X National Meeting on Nuclear Applications, IX

ENAN, 27 de setembro a 2 de outubro, 2009, Rio de Janeiro. Innovations in Nuclear

Technology for a Sustainable Future. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Energia

Nuclear, ABEN, 2009.