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Comissão Nacional de Energia Nuclear
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DA TECNOLOGIA NUCLEAR
Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia das Radiações,
Minerais e Materiais
CONTRIBUIÇÃO DE TÉCNICAS ANALÍTICAS NUCLEARES NO
RESGATE DA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA: ANÁLISE DE
CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS DA
TRADIÇÃO TUPIGUARANI
Linha de Pesquisa: Aplicações das radiações em estudos ambientais
Gleikam Lopes de Oliveira Faria
Área de concentração: Ciência e Tecnologia das Radiações - CTRA
Orientadora: Dra Maria Ângela de B. C. Menezes
Co-orientadora: Dra Cláudia de Vilhena Schayer Sabino
Belo Horizonte, 2011
2
Agradecimentos
À Deus, por tudo...
Ao meu marido, pelo incentivo, companheirismo e apoio.
Aos meus pais e minha irmã, pelo amor e pela torcida!
À minha orientadora, Maria Ângela Menezes, por toda ajuda, compreensão e carinho
de sempre. Dizer muito obrigada é pouco demais diante da grandiosidade de ser
humano que reflete em você...
À minha co-orientadora, Cláudia Sabino, pela imprescindível ajuda, pela gentileza e
simpatia.
Às arqueólogas Loredana Ribeiro e Camila Jácome, por fornecer as amostras, pela
atenção e principalmente pelas informações.
Ao Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/CNEN) pela
oportunidade.
Ao serviço de Reator e Técnicas Analíticas do CDTN e toda sua equipe pelas diversas
análises.
Ao Sr. Zilmar Lima Lula, técnico do laboratório de Difração de Raios X do CDTN
e a geóloga Nadja Cruz Ferraz, pela receptividade e pelas dicas.
Ao pessoal do Laboratório de Espectroscopia Mössbauer, em especial ao Dr. José
Domingos Ardisson, pelos conselhos, atenção e gentileza.
3
À Técnica Maria Aparecida da Silva “Cida”, pela ajuda, paciência, amizade e
pela agradável companhia.
Ao Dovenir, por todo o cuidado no preparo das amostras.
A todo corpo docente da pós-graduação, pelos ensinamentos e dedicação.
Aos colegas da turma de 2009, foi uma convivência espetacular e deixarão ótimas
recordações...
Ao pessoal da Secretaria da pós-graduação, especialmente à Cerisa e á Roseli, pela
competência e simpatia.
À Virgínia e à Nívia, pelo auxílio na biblioteca.
Aos novos amigos da Escola Marista Champagnat de Contagem, pela agradável
convivência de cada dia.
Aos meus alunos do passado, do presente e aos próximos que espero ter, por
despertarem em mim o constante desejo de aperfeiçoamento.
As amizades que foram feitas nesta etapa da minha vida, que ouviram minhas
preocupações e anseios, pela escuta e companheirismo...
6
RESUMO
No “Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas
pela Instalação da Segunda Linha do Mineroduto Samarco”, foram resgatados fragmentos de
cerâmicas dos sítios arqueológicos de maior valor histórico, Bota-Fora e Hiuton. Esses sítios
estão localizados no Espírito Santo, onde se estabeleceram Missões Jesuíticas no século XVI
em tribos indígenas da tradição Tupiguarani. Por ser um material resistente ao tempo, às
variações climáticas e normalmente conter elementos traço, a cerâmica é um testemunho
arqueológico importante em arqueometria. Portanto, nesta pesquisa, os elementos Al, As, Ba,
Br, Ce, Cl, Co, Cr, Cs, Dy, Eu, Fe, Ga, Hf, I, K, La, Mn, Na, Nd, Rb, Sc, Sm, Ta, Tb, Th, Ti,
U, V, Yb, Zn, Zr foram determinados nos fragmentos pela técnica de ativação neutrônica,
utilizando o reator nuclear de pesquisa TRIGA MARK I IPR-R1 do CDTN/CNEN. Este
trabalho foi o primeiro no Brasil em que os valores de concentração elementar foram
interpretados por meio de análises estatísticas aplicando o programa R que valoriza métodos
robustos, associados às interpretações dos arqueólogos. Os resultados sugerem que as
cerâmicas dos dois sítios arqueológicos foram confeccionadas por matéria-prima de fonte de
argila diferentes, e que os utensílios do sítio Bota-Fora foram confeccionados com matérias
primas provenientes de fontes distintas. Também foram realizadas análises de difratometria de
raios X para o estudo da composição mineralógica, além das análises de espectroscopia
Mössbauer, ambas com o objetivo de auxiliar no entendimento de qual tecnologia de queima
foi usada nas cerâmicas. Em relação à temperatura de queima alcançada, pela análise de
difração de raios X não foi possível fazer inferências. Entretanto, os resultados obtidos pela
técnica de espectroscopia Mössbauer indicam que a queima desses utensílios, deve ter
acontecido em fogueiras, a céu aberto, não havendo influência do colonizador português que
já utilizava fornos. Estas conclusões poderão auxiliar em trabalhos posteriores para um
melhor entendimento da cultura da tradição Tupiguarani, auxiliando na reconstrução da Pré-
história brasileira.
Palavras-chave: Análise por Ativação Neutrônica, Arqueologia, Cerâmica, Tupiguarani
7
ABSTRACT
During the “Program for Prospection and Excavation of the Archaeological Heritage from
Areas Affected by the Installation of the Second Line of Pipeline Samarco”, several sherds
were excavated from archaeological sites with more historical value, Bota-Fora and Hiuton.
These sites are located in the Brazilian State of Espírito Santo, where the Jesuitical Missions
were built during the XVI century. Ceramic is a very resistant material to time and also TO
the natural conditions in the surrounding areas, and IT IS CONSIDERED an important
vestige in archaeometry due to its elemental composition Therefore, in this research the
concentration of Al, As, Ba, Br, Ce, Cl, Co, Cr, Cs, Dy, Eu, Fe, Ga, Hf, I, K, La, Mn, Na, Nd,
Rb, Sc, Sm, Ta, Tb, Th, Ti, U, V, Yb, Zn, Zr were determined in the pottery fragments by
neutron activation technique, using the TRIGA MARK I IPR-R1 nuclear reactor located at
CDTN/CNEN. This study is the first one developed in Brazil, in which the elemental
concentration values were interpreted by statistical analysis applying R package software that
promotes robust methods, supported by archaeological interpretations. The results pointed out
that the pottery from the sites were made by clay from different resources and the earthenware
from Bota-Fora site was made by clay of different compositions pointing out different
provenances. The X ray powder diffraction analyses were carried out in order to determine the
mineral composition and Mössbauer spectroscopy was applied to provide information on both
degree of firing and atmosphere in order to reconstruct the Indian firing strategies temperature
used on pottery. Related to burning temperature, the information from the X ray powder
diffraction technique found was not relevant; however, the results from Mössbauer technique
pointed out that the firing should be happen in bonfire, the traditional Indian burning process,
without Portuguese settler influence, the use of ovens. These conclusions may support future
studies contributing for a better understanding of the Tupiguarani tradition, helping in the
reconstruction of the Brazilian prehistory.
Keywords: Neutron Activaton Analysis, Archaeology, Pottery, Tupiguarani
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Vasilha da Coleção do Museu Municipal de Conceição dos Ouros, MG vista em
duas posições com projeções semelhantes a forma das vasilhas abertas do Tipo 1.................31
Figura 2.Vasilhas associadas à fermentação da mandioca........................................................32
Figura 3. Projeção de forma de vasilha fechada Tipo 1 (cambuchi), sítio Bota-Fora...............33
Figura 4. Representação dos fenômenos envolvidos na ativação de um núcleo
atômico......................................................................................................................................35
Figura 5. Reator Nuclear TRIGA MARK I IPR-R1.................................................................36
Figura 6. Espectro Mössbauer típico do ferro metálico, obtido à temperatura
ambiente....................................................................................................................................43
Figura 7. Sítios arqueológicos escavados no Espírito Santo.....................................................47
Figuras 8 e 9. Fotos ilustrativas de como foram feitas as escavações para a retirada das
amostras. (Ilustrações retiradas do 4º Relatório de Atividades do “Programa de Prospecção e
Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação da 2ª Linha do
Mineroduto Samarco”, Portaria IPHAN No 51, 23/02/2006, Belo Horizonte,
2008).........................................................................................................................................48
Figura 10. Retirada das impurezas depositadas nos fragmentos ao longo dos anos por meio de
uma broca de tungstênio...........................................................................................................49
Figuras 11 e 12. Fotos ilustrativas da etapa de acondicionamento das amostras para
análise........................................................................................................................................49
Figura 13a. Detetor HpGe com 15% de eficiência nominal.....................................................50
Figura 13b. Espectro gama da amostra de referência ..............................................................51
Figura 14. Foto mostrando acima um frasco de polietileno com uma amostra. À esquerda,
placa de alumínio do difratômetro e ao lado placa de vidro de 2x3 cm....................................52
Figura 15. Demonstrando como cada amostra é pressionada sob a placa de alumínio para ficar
distribuída uniformemente e apresentar uma superfície mais “fina”possível...........................52
Figura 16. Amostras preparadas para serem analisadas............................................................52
Figura 17. Amostras acondicionadas dentro do difratômetro de raios X..................................53
Figura 18. Difratômetro de raios X utilizado para as análises..................................................53
Figura 19. Esquema de um arranjo experimental típico na espectroscopia Mössbauer............54
9
Figura 20. Histogramas do Fe e do Ta......................................................................................62
Figura 21. Histograma lognormal do Mn e Zr..........................................................................64
Figura 22a. Distribuição Ce x La: proveniência de matéria prima dos cacos de cerâmica.......64
Figura 22b. Distribuição Ce x La: fontes de matéria prima usadas de acordo com o tipo de
vasilha.......................................................................................................................................65
Figura 23. Distância entre Mahalanobis e a distância robusta..................................................66
Figura 24. Espalhamento univariado de variáveis....................................................................67
Figura 25. Espalhamento univariado da univariável CE...........................................................67
Figura 26. Espalhamento de variáveis......................................................................................68
Figura 27. Difratograma de raios X da amostra 2 (“Tigela Pintada”) sítio
Hiuton........................................................................................................................................73
Figura 28. Difratograma de raios X da amostra 41 (“Tigela Pintada”) sítio Bota
Fora...........................................................................................................................................74
Figura 29. Espectros Mössbauer à temperatura ambiente de utensílios indígenas
- (parte 1)...................................................................................................................................75
- (parte 2)...................................................................................................................................76
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Resumo dos principais parâmetros relacionados à análise de espectros Mössbauer
contendo diagramas relacionando níveis nucleares, interações hiperfinas e os espectros
Mössbauer correspondentes......................................................................................................42
Tabela 2a. Concentração elementar, em mg kg-1
, dos materiais de referência analisados.......55
Tabela 2b. Tendência Relativa eTeste u-score para o material de referência IAEA/SOIL7....57
Tabela 3. Relação de tipos de vasilhas por sítio arqueológico..................................................59
Tabela 4. Análise descritiva dos dados.....................................................................................61
Tabela 5. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado aos dados, n=66............................................62
Tabela 6. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado à distribuição lognormal dos dados, n=66....63
Tabela 7. Elementos para os quais as amostras são “outliers”..................................................66
Tabela 8. Cargas das componentes principais (CP)..................................................................69
Tabela 9. Scores relacionados às amostras...............................................................................70
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................13
2. OBJETIVOS.......................................................................................................................18
3. JUSTIFICATIVA...............................................................................................................19
4. REVISÃO DE LITERATURA..........................................................................................21
4.1 A CULTURA TUPIGUARANI..............................................................................21
4.1.1 Os Índios .................................................................................................21
4.1.2. A Cerâmica ............................................................................................22
4.2 AS CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS E OS ESTUDOS DE PROVENIÊNCIA
DE SUAS MATÉRIAS-PRIMAS................................................................................24
4.3 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS NO ESPÍRITO SANTO: CERÂMICA
TUPIGUARANI...........................................................................................................29
4.4 ANÁLISE DOS FRAGMENTOS CERÂMICOS..................................................33
4.4.1 Determinação da Composição Elementar...............................................34
4.4.1.1 Análise por Ativavação Neutrônica ..............................................34
4.5 DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA....................................37
4.5.1 Difração de Raios X.................................................................................38
4.5.2 Espectroscopia Mössbauer .................................................................41
4.6 MÉTODOS DE ESTATÍSTICA MULTIVARIADA.............................................43
5. PARTE EXPERIMENTAL...............................................................................................46
5.1 REGIÃO DE ESTUDO..........................................................................................46
5.2. COLETA DAS AMOSTRAS DE FRAGMENTOS DE CERÂMICAS...............48
5.3 PREPARO DAS AMOSTRAS PARA AS ANÁLISES.........................................48
5.4 DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO QUÍMICA ELEMENTAR...................49
5.5 DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA DAS CERÂMICAS...51
5.5.1 Aplicação da Técnica de Difração de Raios X........................................51
5.5.2 Aplicação da Técnica de Espectroscopia Mössbauer..........................54
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................................55
6.1 ESTATÍSTICA MULTIVARIADA.......................................................................55
6.2 TECNOLOGIA DE COZIMENTO DAS CERÂMICAS.......................................72
6.2.1 Difração de Raios X................................................................................ 72
6.2.2 Espectroscopia Mössbauer ................................................................ 75
12
7. CONCLUSÕES...................................................................................................................78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 80
ANEXO I – Concentração elementar, em mg kg-1
, das amostras dos fragmentos de
cerâmicas analisados por Ativação Neutrônica....................................................................87
ANEXO II – Correlações robustas entre as variáveis ........................................................93
ANEXO III - A cultura tupiguarani .....................................................................................94
ANEXO IV - Trabalhos apresentados em congressos.........................................................98
13
1. INTRODUÇÃO
O conhecimento é buscado por todos. Talvez porque a necessidade de esclarecer um
conceito do que é a realidade, de certa forma, conforta o ser humano em seu íntimo. A
curiosidade do homem estende-se muito além do que simplesmente conhecer os objetos a sua
volta, todas as pessoas possuem um imenso desejo de conhecerem a si mesmas. Para
Aristóteles [Costa, 2006], “todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer”. Somos
movidos pela curiosidade e através dela desenvolvemos o nosso conhecimento pelo puro
prazer de conhecer... Segundo Tales de Mileto [Watanabe, 1991], “conhecer a si mesmo é a
mais difícil de todas as coisas.” Para que o homem conheça a si próprio, contudo, talvez seja
interessante procurar entender primeiro o seu passado.
A busca pelo autoconhecimento levou o homem a procurar técnicas científicas para
encontrar a identidade no tempo e no espaço de vestígios que possam contribuir para esse
entendimento. Estes vestígios podem ser encarados como “pistas”, por exemplo, sinais
gravados ou pintados nas pedras, pedaços de conchas, ossos de animais, esqueletos humanos,
utensílios de cerâmicas, etc. A vantagem é que essas “pistas” podem elucidar o passado
remoto do homem e revelar uma parte de sua história.
A arqueologia é a área de estudo responsável por investigar os povos atuais ou
primitivos por meio da cultura material, ou seja, dos objetos e vestígios materiais deixados
pelas sociedades. A arqueologia tem por objetivo a reconstituição da história das culturas
humanas a partir de teorias, métodos e técnicas específicas, baseada nos artefatos
arqueológicos e nas características locais [Laet, 1976; Schuchardt, 1972]. Muitas das
informações conhecidas hoje foram desvendadas através de pesquisas arqueológicas. Essas
pesquisas, por sua vez, deram origem aos estudos arqueométricos [Quiñones, 2003], que
consistem em combinar as diversas técnicas científicas com a finalidade de colaborar na
identificação e legitimação de vestígios arqueológicos. A arqueometria aplica métodos físicos
e químicos em suas análises, cujos resultados fornecem suporte para as hipóteses levantadas
pelos arqueólogos e, assim, ajudam na interpretação da história dos povos estudados.
Os estudos arqueométricos surgiram em 1786 com o pesquisador George Pearson,
porém, a evolução das técnicas e métodos utilizados teve considerável avanço somente no
século XIX. Em 1840, Göbel declarou que a química poderia estar a serviço da arqueologia e
da pré-história. Foram analisados vários objetos metálicos encontrados em escavações nas
províncias bálticas da Rússia e por meio de comparação de suas composições químicas com a
de outros objetos da pré-história européia, concluiu-se que os objetos analisados tinham
14
origem romana. Nesse estudo, Göbel analisou um número considerável de amostras. Portanto,
Göbel pode ser considerado um dos pioneiros na caracterização química de materiais
arqueológicos [Harbottle, 1982].
Um pouco depois, em 1850, o austríaco Jan Erazim Wocel [Harbottle, 1990] sugeriu que
estudos da composição química de materiais arqueológicos poderiam ser usados para verificar
a proveniência desse material, de modo a fornecer informações sobre sua manufatura e uso.
Por volta de 1864, foi publicado um dos primeiros trabalhos sobre análises mineralógicas em
materiais arqueológicos, realizado pelo mineralogista francês Augustin Alexis Damour, que
se interessou pelo estudo da origem do material lítico encontrado em monumentos célticos
[Leute, 1987]. Damour teve a idéia de que os arqueólogos deveriam recorrer ao auxílio de
geólogos, químicos, zoólogos e paleontólogos para melhorar as interpretações dos dados
coletados em estudos arqueológicos. “A mineralogia e a química podem elucidar as
características e composição de artefatos arqueológicos” [Damour, 1865].
Após a segunda metade do século XIX diversos trabalhos sobre química e física
começaram a se despontar até que no final deste mesmo século a físico-química tornou-se
uma especialidade independente. Um dos primeiros estudos importantes com abordagem
físico-química foi a descoberta dos raios X, em 1895 pelo cientista Wilhelm Konrad Roentgen
que no mesmo ano tentou fazer a primeira radiografia de uma pintura [Gilardoni, 1977].
Já no século XX as abordagens passaram a ser interdisciplinares, envolvendo
historiadores, arqueólogos, físicos, químicos, etc. Surgiram, então, traduções de manuais
artísticos antigos, como por exemplo, a tradução para a língua inglesa do histórico I l libro
dell’Arte, com o nome de The craftsman’s handbook (Manual do Artífice), contendo a
descrição de materiais e métodos empregados na produção artística, escrito no século XV por
Cennino d’Andrea Cennini, na Itália [Cennini, 1988; Rosado, 2008], e traduzido por D. V.
Thompson, no ano de 1932. Já em 1934, Irene Curie, filha de Marie e Pierre, com seu marido,
Frederic Joliot, descobriram a radioatividade artificial. Em 1936, Hevesy e Levi descobriram
que amostras contendo certos elementos de terras raras ficavam altamente radioativas quando
expostas a uma fonte de nêutrons: essa descoberta deu origem à análise por ativação
neutrônica [Hevesy & Levi, 1936]. Essa técnica, junto com outras técnicas analíticas, como a
análise através de raios X, a microscopia eletrônica, a espectroscopia de massa, após a
Segunda Guerra Mundial, se tornaria de grande importância para a análise de materiais
arqueológicos [Munita et al, 2005]. Na década de 1940, os métodos de datação também
trouxeram importantes contribuições para os estudos arqueométricos.
Nos anos 50 e 60, com a Guerra Fria, foi possível conhecer um pouco mais sobre os
15
poderes e efeitos da radioatividade por meio dos testes de bombas nucleares e o uso de
películas infravermelhas, detectores com maior sensibilidade, exatidão e precisão [Leute,
1987]. Nessa mesma época surgiram os primeiros estudos de datação por
Termoluminescência e em 1962, estas pesquisas foram utilizadas pela primeira vez para
datação de cerâmica. Em 1954, J. Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica, propôs que a
análise por ativação com nêutrons [Hevesy & Levi, 1936] poderia ser útil para realizar a
análise química de cerâmicas arqueológicas do Mediterrâneo com a finalidade de determinar
sua procedência [Pollard, 2008].
Em 1956, John Stone e L. C. Thomas [Pollard et al, 2007] usaram a espectroscopia de
emissão óptica para determinar alguns elementos traço presentes em faianças e faianças
vítreas manufaturadas no Egito e em alguns lugares da Europa, caracterizando quartzo, areia e
álcali utilizado na sua manufatura. Foi verificado que as peças eram provenientes da
Inglaterra, do Egito ou do leste Mediterrâneo. A partir desses estudos, esta inovação
tecnológica difundiu-se do oriente para o ocidente.
No ano de 1975, o desenvolvimento de equipamentos que apresentassem maior
sensibilidade, precisão e exatidão e o uso de dados processados em computador, foram de
grande destaque, pois estes fatores são indispensáveis nas comprovações científicas. Durante
o século XX e nos dias atuais, já no século XXI, o uso de exames científicos como
ferramentas analíticas para o estudo de artefatos arqueológicos intensificaram-se ainda mais.
As metodologias interdisciplinares envolvendo ciências exatas e humanas já não “andam mais
separadas”. Essa abordagem vem contribuindo para os estudos nas áreas da arqueometria e
história da arte técnica [Ainsworth, 2005]. Como resultado desta interdisciplinaridade,
atualmente, é intenso o uso de técnicas de caracterização físico-química em estudos de
vestígios arqueológicos [Felicíssimo et al, 2004].
Os fragmentos cerâmicos são importantes na arqueologia uma vez que são duráveis,
sendo resistentes às variações climáticas, constituindo-se assim os objetos mais encontrados e
estudados [Munita et al, 2004a]. As cerâmicas têm como principal componente a argila que,
do ponto de vista geológico, é formada a partir de rochas sedimentares, alumínio silicatos de
composição indefinida. O Al2O3 e o SiO2 se encontram presentes em quantidade maiores que
10% e as impurezas menores, tais como óxidos de Na, Mg, K, Ca, Ti e Fe, são encontradas
em concentrações que variam de 0,1 a 5%. Entretanto, são os elementos traço (menores que
0,1%) cuja presença na argila é “acidental”, os que normalmente proporcionam a melhor
informação para estudos arqueométricos. Esta característica torna estatisticamente
improvável, que a concentração de vários elementos traço na argila de uma determinada
16
localidade coincida quantitativamente com a de argila de outras localidades [Glascock, 1992;
Latini et al, 2001]. Portanto, as propriedades microscópicas da cerâmica, tal como as
composições química e mineralógica, são capazes de fornecer informações seguras a respeito
das comunidades antigas e este é um dos principais motivos pelos quais pesquisadores vêm
fazendo uso de técnicas eficazes para caracterizar cerâmicas [Toyota et al, 2008; Scarlett et al,
2007; Cooper et al, 2008].
Esse estudo em testemunhos cerâmicos é denominado de assinatura química, que é
definida como o perfil químico de um grupo específico. Diversos trabalhos foram publicados
na Arqueologia Brasileira sobre assinatura química de cerâmicas arqueológicas [Rogge, 2004]
A pré-história dos últimos dois milênios no Brasil tem sido caracterizada pela co-
existência de várias culturas em cada região. No final do princípio da pré-história (datando de
1000 anos antes a depois de Cristo), os índios da Tradição Tupiguarani [Peixoto, 1998],
viveram na planície da costa brasileira, no estado do Espírito Santo, em uma região de baixa
altitude em colinas e em áreas baixas perto de cursos de água e perto do oceano. Quando os
colonos portugueses chegaram a esta região, no século XVI, vários Missionários Jesuítas já
haviam se estabelecido ao longo da costa. “Missões Jesuíticas” [Domingues, 2006] eram
antigas aldeias organizadas por padres jesuítas e o objetivo destas aldeias, além de civilizar e
cristianizar os índios, era manter um grupo social com os benefícios de uma organização
européia cristã, sem quaisquer maus hábitos e violência. Apesar de viverem na Missão e
serem catequizados, os índios continuaram produzindo artesanato tradicional, como a
cerâmica decorada. No entanto, eles introduziram elementos europeus tais como objetos com
metais incrustados, produzindo novas formas e padrões europeus em sua cerâmica.
Os sítios arqueológicos nesta região [Ribeiro et al, 2008] estão próximos uns dos
outros (menos que 10 km) e os vestígios predominantes presentes são vários fragmentos de
cerâmica, sendo que há ocorrência de cerâmica de decoração pintada. Durante expedições de
pesquisa a esse sítio arqueológico, muitos cacos foram encontrados e catalogados para serem
estudados posteriormente. Foram levantadas diversas hipóteses pelos arqueologistas sobre as
atividades relacionadas às cerâmicas. Uma delas é como os índios exploravam os recursos de
argila, porque havia diversas fontes de matéria-prima para as cerâmicas na região. Essa
informação a respeito da matéria-prima torna-se relevante para definir se vários artífices na
mesma tribo usavam a mesma fonte ou se as fontes foram compartilhadas por diferentes
tribos. Estabelecer as similaridades entre as concentrações dos elementos dos fragmentos e as
argilas usadas para produzir as cerâmicas, pode ajudar no entendimento do relacionamento
dos índios com o meio ambiente.
17
Outra hipótese é sobre as técnicas aplicadas na produção da cerâmica. A ocorrência
ou não de minerais como o quartzo e caulim podem informar sobre as temperaturas
alcançadas para queimar a cerâmica e inferir se o processo de queima ocorreu ao ar livre –
processo indígena - ou em ambiente fechado, como dentro de um forno – processo europeu.
Nesta pesquisa foram analisadas amostras cerâmicas encontradas em sítios próximos
ao litoral do Espírito Santo. As amostras de fragmentos em estudo fazem parte do “Programa
de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação de
Segunda Linha do Mineroduto Samarco”, e constam do 4º Relatório de Atividades, Portaria
IPHAN Nº 51, 23/02/2006 [Ribeiro et al, 2008]. A coordenação geral, consolidação e edição
do relatório foram de responsabilidade da arqueóloga Loredana Ribeiro.
Segundo o Relatório, foram identificados cinquenta e seis locais com testemunhos
materiais indicativos do patrimônio cultural entre os municípios de Mariana (Minas Gerais) e
Anchieta (Espírito Santo) que corresponde a Área de Influência Direta do empreendimento,
sendo que esta área já vem sendo substancialmente impactada há décadas, com a instalação e
operação da 1ª Linha de Mineroduto Samarco. Desse modo, quase todas as evidências
encontradas na faixa de servidão são relativas a depósitos arqueológicos já destruídos, dos
quais restaram pouquíssimas informações. Entretanto, há áreas com fragmentos mais intactos
e com elevado valor pré-históricos. Estima-se que cerca de doze mil fragmentos cerâmicos
componham a coleção deste projeto com diversificada forma. Para a análise, foram escolhidos
os 66 fragmentos mais representativos dos sítios de maior interesse histórico.
18
2. OBJETIVOS
O objetivo principal desta pesquisa é contribuir para a caracterização da cultura da
Tradição Tupiguarani no Espírito Santo, analisando material cerâmico arqueológico com
auxílio da quimiometria.
Sob outro ponto de vista, é uma oportunidade de estudar o sistema sociocultural das
populações indígenas, numa tentativa de reconstituir sua história e, assim, contribuir para o
conhecimento da cultura sob dois aspectos sociais: a relação dos grupos com o seu cotidiano,
item i, e dos grupos com o colonizador item ii. Desta forma, os objetivos específicos são:
i) verificar se os fragmentos de cerâmica encontrados nos dois sítios arqueológicos
eram:
- provenientes da mesma fonte de matéria-prima;
- provenientes da mesma região;
- e do mesmo tipo de utensílio na forma e na sua possível utilização (para
cozimento, armazenar água, etc.) e
ii) caracterizar os processos tecnológicos que foram estabelecidos dentro das missões,
destacando a introdução de fornos – usados pelos europeus no processo de queima –
substituindo ou sendo usados simultaneamente com o tradicional processo de queima
indígena, ao ar livre.
19
3. JUSTIFICATIVA
A importância em se analisar amostras de cerâmicas arqueológicas brasileiras, além de
contribuir para os estudos sobre a cultura Guarani, reside no fato de que no Brasil, a pré-
história dos últimos dois milênios tem sido caracterizada pela co-existência de várias culturas
em cada região. A chamada Tradição Tupiguarani corresponde [Latini et al, 2001; Ribeiro,
2007], aos vestígios arqueológicos deixados por populações indígenas instaladas em toda a
costa atlântica do Brasil e áreas adjacentes (inclusive áreas do atual território de Minas
Gerais) desde cerca de 2.000 anos atrás até a invasão européia. O registro arqueológico
principal deixado por estes povos consiste em uma cerâmica pintada e com decoração
plástica. Uma equipe de Minas Gerais, coordenada por André Prous [Prous, 2004, 2008]
(Setor de Arqueologia da UFMG) vem estudando, desde 2001, sítios arqueológicos
Tupiguarani em duas regiões de Minas Gerais: no sul de Minas (município de Conceição dos
Ouros, divisa com São Paulo) e no leste de Minas (Vale do Rio Doce, divisa com Espírito
Santo). As sínteses regionais (editadas por André Prous, da UFMG, e Tânia Andrade Lima,
do Museu Nacional) das ocupações Tupiguarani em todo o Brasil, já estão sendo publicadas.
Elas caracterizam uma fase na arqueologia brasileira de retomada do interesse por estas
ocupações arqueológicas, sistematização de resultados e intercâmbio de informações entre
pesquisadores de diferentes regiões.
O estudo da cultura através de vestígios de materiais usando evidências arqueológicas é
uma das possibilidades para se conhecer o dia-a-dia das civilizações pré-históricas. Os
vestígios de materiais encontrados em um sítio arqueológico são as provas que os
arqueologistas possuem para reconstruir os diferentes estilos da vida antiga. Os vestígios de
materiais podem ser muito diversificados, mas a cerâmica apresenta valor arqueológico
elevado, porque o material é muito resistente ao tempo e ao ambiente natural circundante. A
identificação e classificação de cerâmicas [Latini et al, 2001; Sabino et al, 2002; International
Atomic Energy Agency, 2003; Ribeiro, 2007; Vinagre et al, 2005], através de uma análise
química multielementar aplicada com um tratamento estatístico de dados, podem ser usadas
para determinar as cerâmicas, a matéria-prima (argila) original e as técnicas de produção. É
importante conhecer a composição química [Latini et al, 2001; Sabino et al, 2002;
International Atomic Energy Agency, 2003; Ribeiro, 2007] das cerâmicas, pois reflete a
composição original da fonte da argila, como uma “impressão digital”. Produtos de diferentes
procedências podem ser distinguidos através de sua composição química, apesar de terem
estilos e aparência similares.
20
As informações provenientes deste estudo poderão ajudar a caracterizar [Jácome, 2006;
International Atomic Energy Agency, 2003; Sabino et al, 2002] os processos tecnológicos que
se instauraram no contexto das Missões Jesuíticas, eventualmente confirmando a introdução
de fornos (queima européia) em substituição ou em concomitância com a queima em
fogueiras (queima tradicional indígena).
Considerando as diferenças e similaridades dos materiais, assim como possíveis
influências do colonizador português, o passado poderá ser elucidado.
21
4. REVISÃO DE LITERATURA
Para contribuir para a caracterização da cultura da Tradição Tupiguarani no Espírito
Santo, analisando fragmentos de cerâmica encontrados em dois sítios arqueológicos, serão
estudadas as correlações entre as características das cerâmicas (forma dos vasilhames e
composição química) e os sítios arqueológicos onde foram encontradas. Assim, neste
capítulo, será discorrida sobre a cultura Tupiguarani, a relação do indígena com a cerâmica,
com a matéria prima, técnicas de análise dessa matéria prima e métodos estatísticos usados na
análise dos resultados.
4.1 A CULTURA TUPIGUARANI
4.1.1 Os Índios
A cultura dos povos indígenas falantes das línguas tupi e guarani é conhecida
principalmente pelos relatos de cronistas da época do Descobrimento e dos primeiros tempos
da colonização do Brasil. “O conhecimento dos grupos Tupiguarani que habitavam a costa
brasileira nos dois primeiros séculos da conquista depende de um material razoavelmente
extenso, mas sobre tudo variado em sua origem”. Uma parte desse material trata-se de
crônicas de viajantes e correspondências entre religiosos cujos autores escreveram de posições
bastante distintas: há jesuítas Ibéricos como Anchieta e Nóbrega, franceses como Abville e
Évreuux, o Huguenote Lery, o colono português (e escravizador de índios) Soares de Souza, o
artilheiro Alemão e prisioneiro dos tupinambás Hans Stadem, “o amigo de camarões” Pedro
de Magalhães Gandavo, entre outros. Se suas origens e posições são diversas não menos
dissimilares são suas experiências na terra com os povos que habitavam o Brasil: o tipo de
envolvimento que tiveram com os índios, quanto tempo aqui permaneceram, para que vieram,
o que almejavam, a que serviram. A respeito de tudo isso, há uma razoável homogeneidade de
informações, que pode de alguma forma permitir certo grau de segurança na reconstrução da
história dessas sociedades [Fausto, 1992].
Quando os europeus chegaram ao que viria a ser o Brasil, encontraram primeiramente
no litoral uma população ameríndia (nativa do continente americano, ou seja, indígena)
bastante homogênea em termos culturais e lingüísticos, distribuídas desordenadamente ao
longo de toda a costa. A respeito dessa homogeneidade dividiram-se dois grandes blocos: ao
sul o Guarani e ao norte o Tupi. Todavia, logo os europeus perceberam que havia diferenças
22
marcantes entre a grande quantidade de indígenas que habitavam o litoral.
As outras populações indígenas não-tupis que também habitavam o litoral no momento
da chegada dos “conquistadores” eram chamadas Tapuias que diferentes dos tupis não
conheciam a atividade agrícola e nem praticavam a antropofagia (cerimônia coletiva que tinha
como centro o inimigo, que deveria ser executado. Esse ritual era o momento ápice da vida
tupi.). De acordo com pesquisadores da área, o litoral brasileiro anteriormente era dominado
pelos chamados povos sambaquis, que foram expulsos pelos Tapuias e estes posteriormente
pelos Tupis. Assim, quando os “conquistadores” chegaram ao litoral, deparou-se com uma
grande quantidade de nativos que falavam o tupi, que foi a primeira língua assimilada pelos
“conquistadores”, tornando-se posteriormente a língua geral que foi imposta a outros índios
não-tupis servindo como uma arma poderosa no processo colonizador dos Europeus.
Segundo os registros deixados por missionários e viajantes europeus dos séculos XVI e
XVII [Fausto, 1992] os tupis praticavam sistematicamente a agricultura e a cerâmica, embora
nem todos os grupos Tupiguaranis fossem agricultores e ceramistas. O desenvolvimento da
agricultura como principal atividade produtiva, além das atividades de caça e pesca e as
diminuições da mobilidade espacial, afetaram as populações tupis de maneira diversa e em
épocas diferentes de acordo com cada região. Em muitos casos, as populações agrícolas
também eram fabricantes de cerâmica. A necessidade de cozinhar e armazenar alimentos
levou-as a confeccionar os primeiros utensílios cerâmicos: potes, vasos, panela, tigelas, etc.
As tarefas cotidianas eram divididas de acordo com a faixa etária e com o sexo dos
indivíduos. As mulheres eram responsáveis por cuidar da casa, pela coleta de frutos e raízes e
pela agricultura, e os homens dedicavam-se à caça, à pesca, à guerra e a derrubada das matas
para plantio. Homens e mulheres confeccionavam seus próprios pertences pessoais, tais como
ornamentos de penas, cestas, arcos, flecha, canoas, suas moradias e demais produtos
[Holanda, 1995].
4.1.2 A Cerâmica
Com o surgimento da arqueologia, vestígios desses povos ancestrais foram encontrados
como vasilhas e fragmentos de cerâmica, muitas vezes pintados com motivos variados. Esse
material cerâmico é denominado por arqueólogos como “Tradição Tupiguarani”. De acordo
com pesquisadores [Holanda, 1995], esses materiais parecem expressar os valores coletivos
desses primeiros habitantes do litoral brasileiro.
Quando Pedro Álvares Cabral desembarcou no Brasil, a maior parte do litoral, do
23
nordeste até o rio da Prata, entre o Uruguai e a Argentina, era ocupada por populações
indígenas que falavam línguas tupi (desde a área onde se situa hoje o estado de São Paulo até
o atual Maranhão) e guarani (do atual Paraná até o norte da Argentina). Essas línguas eram
aparentadas (como o são entre si o espanhol e o português) e as culturas dos seus falantes
bastante parecidas. Os primeiros cronistas – particularmente os protagonistas das lutas entre
franceses e portugueses pelo controle da baía de Guanabara forneceram preciosas informações
sobre essas numerosas tribos. Mencionaram, entre outras coisas, que as mulheres produziam e
decoravam os potes de barro. Essas tribos foram logo dizimadas pelas doenças trazidas pelos
europeus e pelas guerras coloniais, e no século XVII tinham desaparecido quase que por
completo do litoral central e Nordestino. No final do século XIX, os amadores de
antiguidades brasileiras e os organizadores dos primeiros grandes museus, como Ladislau de
Souza Mello Netto (1828-1894), já tinham identificado como de origem tupi os potes pintados
encontrados no litoral de Rio de Janeiro [Prous, 2005].
Tupiguarani em uma só palavra trata-se de um conceito arqueológico que não
corresponde obrigatoriamente aos povos falantes das línguas tupi-guarani (com hífen),
embora se supusesse que os autores das peças fossem, ao menos em parte, ancestrais desses
povos [Prous, 2005].
Os índios da cultura Tupiguarani expressavam-se por meio de suas cerâmicas. As
pinturas aplicadas às vasilhas eram uma forma de expressar seus sentimentos e fazer suas
manifestações. Sabe-se, de acordo com relatos de historiadores, que o orgulho das mulheres
daquela sociedade era preparar a cerâmica e sua decoração. Nessas tarefas não apenas se
realizavam como produtoras, porém ao pintar vasilhas para rituais, elas participavam e
contribuíam para sua sociedade. Alguns arqueólogos afirmam que, de acordo com relatos dos
próprios jesuítas, a cerâmica certamente era manufaturada por mulheres.
Formas distintas da cerâmica Tupiguarani chamaram a atenção dos arqueólogos quanto
à presença de peças em miniatura e pequenos pratos com divisão interna. Essas miniaturas e
os pratos divididos ao meio permitiram pensar em relações sociais envolvidas no processo de
construção e uso da cerâmica, através da aprendizagem e sociabilidade. As peças em
miniatura foram associadas com a seguinte possibilidade interpretativa: as miniaturas
poderiam estar relacionadas às crianças ou aprendizes [Ribeiro, 2008]. Quando as miniaturas
são relacionadas com crianças, além do uso prático compartilhado pelos adultos, as peças têm
um caráter lúdico. Seria uma espécie de brinquedo, segundo Janet E. Baxter (2005). Esses
objetos seriam importantes para aquele povo, uma vez que sendo feitos para uso das crianças,
ou mesmo pelas próprias, reforçariam mensagens que os adultos queriam transmitir a elas
24
como a definição de idade, gênero e de comportamentos e tarefas. A ocorrência de pratos
divididos ao meio na cerâmica Tupiguarani pode ser produto de um ritual específico que
envolvesse homens que necessitavam da produção de parentesco, ou seja, homens não
consanguíneos, por exemplo, cunhados, que precisavam produzir laços de parentesco mais
estreitos. Existia um ritual em que esses pratos eram usados para que dois indivíduos
“comessem juntos” no mesmo prato e assim, a partir daquele momento, passariam a fazer
parte da mesma família.
Esses vestígios desse material cerâmico podem ser considerados como uma “pista” para
tentar reconstituir e entender a respeito da vida cotidiana e das crenças desses povos
ancestrais. Acredita-se que os índios tinham consciência da importância da sua tarefa: ao criar
e pintar seus potes, dentro de suas normas, os valores coletivos que distinguiam as tribos entre
si eram expressos. Por isso é tão precioso entender um pouco a respeito dessa sociedade, uma
vez que, certamente, seja possível aproveitar todo esse conhecimento nos dias atuais,
principalmente os valores e o respeito que aqueles povos tinham entre si em suas
comunidades.
4.2 AS CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS E OS ESTUDOS DE PROVENIÊNCIA
DE SUAS MATÉRIAS PRIMAS
Pode-se dizer que a maioria dos seres humanos, ao longo dos tempos, possui curiosidade
em entender um pouco sobre seus antepassados. Uma marca que o homem deixou pelos
lugares onde esteve foi um dos recursos naturais mais adaptáveis às suas necessidades: a
argila ou, usando um termo mais popular, o barro. Os comportamentos, os significados
econômico-sócio-culturais, os critérios e os processos que assentam na sua transformação em
material cerâmico tem sido alvo de muitos estudos e, fruto das valiosas relações
interdisciplinares e dos significativos avanços científicos, tecnológicos e instrumentais.
Na opinião de muitos estudiosos na área de Arqueologia, como a cerâmica foi um
material tão utilizado pelo homem ao longo da História, é possível que o estudo em vestígios
de cerâmicas possa determinar como era sua produção, os mecanismos de distribuição, a troca
ou até mesmo a comercialização desses materiais. Sabe-se que a partir do entendimento da
proveniência desses materiais pode-se descobrir um pouco a respeito do comportamento
humano. A caracterização química e mineralógica das pastas cerâmicas possibilita o
fornecimento de dados úteis para esse tipo de investigação.
Certamente, a porosidade, o tamanho, a distribuição e forma dos grãos influenciam na
25
textura das pastas cerâmicas. A variabilidade dessa textura será limitada pela qualidade da
peça, pela exigência do ceramista e, ainda, pelas características de certos materiais usados
como têmperas.
O termo “têmpera” tem sido considerado como talvez o mais impreciso que se tem
usado nas descrições arqueológicas e tecnológicas de cerâmica. Refere-se à ação de adicionar
um ou alguns materiais para modificar as propriedades do barro [Rice, 1987]. Para alguns
arqueólogos, o termo “têmpera” é quase sempre usado como sinônimo de
“desengordurante”[Cabral, 1999]. Isso significa que, nesse caso, se a têmpera foi adicionada
ao barro, ela irá alterar apenas e especificamente a sua plasticidade, tornando mais “magra”
uma argila bastante plástica, ou seja, uma argila “gorda”.
Existem várias substâncias que ao serem adicionadas aos barros alteraram suas
características e comportamentos, como por exemplo, aumentar ou reduzir a plasticidade
proporcionando melhor maleabilidade, modificação do processo de secagem, abaixamento do
ponto de vitrificação no momento do cozimento, etc. Essas substâncias podem ser plásticas
como barros residuais com características de menor plasticidade e que podem “temperar”,
“desengordurar” os barros muito plásticos, como também podem ser não-plásticas. As
hipóteses abaixo ilustram a proveniência das “têmperas”:
i) origem mineral como o sal ou como rochas e minerais de distintas naturezas e
texturas;
ii) origem orgânica animal, como esterco, e vegetais, como palhas, ervas ou outras
fibras;
iii) origem bio-mineral, como ossos e conchas ou, ainda;
iv) origem antropológica, como cerâmica moída, normalmente produção defeituosa, ou
chamote (mistura de alumina e sílica, aquecida a alta temperatura, e que e adicionada, depois
de arrefecida, à massa de argila cerâmica que irá ser submetida à ação do calor para constituir
material refratário).
Considera-se também que o próprio barro pode conter naturalmente substâncias não-
plásticas de diferentes origens, inclusões, que o ceramista não retira durante o preparo da
pasta. Verifica-se que estas substâncias não foram adicionadas, tratando-se então de um barro
não “temperado” ou não “desengordurado”, mas, possivelmente estas inclusões modificam as
propriedades do barro.
Há dificuldades no estudo da origem das cerâmicas que não se deve deixar de
considerar:
- necessidade de confrontar os fragmentos encontrados pelos arqueólogos com
26
as fontes de matérias-primas, ou seja, os “barreiros”;
- a complicada tarefa da amostragem de todas as fontes de matérias-primas
possíveis, assegurando que cada uma é homogênea e distinguindo cada uma delas;
- o pensamento de que as fontes, ou seja, “barreiros” atuais podem não ser as
mesmas dos tempos pré-históricos (embora alguns estudiosos do assunto terem
constatado exemplos de considerável estado de conservação.);
- a possibilidade que podem ter ocorrido sedimentações ao longo do tempo, de
maneira que as características dos níveis atualmente explorados poderão não ser as
mesmas que as dos níveis pré-históricos;
- durante o processo de preparação das pastas, as argilas são esmagadas,
peneiradas e lavadas, o que pode fazer remover alguns dos seus componentes;
- as argilas podem não ser puras, uma vez que os ceramistas podem vir a
misturar argilas de diferentes características e de duas ou mais origens. Esta prática,
sendo muito comum, é fator de complexidade;
- além de misturar outras argilas, os ceramistas podem adicionar outros materiais
não-plásticos, o que altera o nível de elementos originais e introduz novos. Nestes
casos, então, a distinção entre uns e outros poderá ser muito difícil, ou até impossível;
- no decorrer do processo de cozedura podem haver componentes voláteis que
certamente se perdem. No entanto, os grãos de areia, silicatados são pouco afetados
pela temperatura necessária para produzir uma cerâmica, servindo como esqueleto de
suporte para a cerâmica durante esta fase. Este tipo de substância normalmente
mantém a sua identidade e podem ser observados e identificados mineralogicamente.
Por isso, é possível que elas sejam usadas para identificar a fonte geológica daquela
fração da cerâmica, enquanto os minerais argilosos não [Homem, 2006].
- Mesmo que as amostras argilosas percam sua identidade mineralógica e não
possam ser identificadas por essa via, ainda assim, existe a possibilidade de analisá-
las quimicamente. De acordo com a literatura, um dos tipos de análise que permite
consideráveis resultados em termos de concentrações elementares é a análise por
ativação neutrônica [Homem, 2006].
Considerando todas as dificuldades citadas, acredita-se que as alterações ocorridas
durante o período de enterramento podem ser muito significativas e comprometer correlações.
Os resultados das análises podem ser muito difíceis de interpretar se as correlações entre as
amostras não forem significativas estatisticamente.
Pressupõe-se que dois barreiros relativamente próximos são suficientemente distintos
27
quanto à sua composição química e mineralógica. O problema é que, a uma distância de
50/100 km, se o enquadrante geológico da paisagem for o mesmo, não há motivos para
mineralogicamente haver diferenças [Coroado, 2004]. As análises químicas são, então, de
grande utilidade, pois, nem sempre, pode-se afirmar que “argilas provenientes de barreiros
diferentes apresentam diferenças de composição química que, em geral, excedem
significativamente as diferenças de composição química existentes dentro de cada barreiro”
[Cabral, 1999]. Isso pode ser verificado não apenas pelas razões já apontadas e que se referem
às alterações, pelo acréscimo ou subtração de substâncias, às argilas para a obtenção de
diversos efeitos, mas o simples fato de enterrar o material pode alterar drasticamente a
composição química das pastas em resultado de reações de: dissolução, deposição ou troca
iônica. Mesmo assim, a Química permite que, através da análise elementar, seja possível
identificar grupos, porque existem elementos que quimicamente não mudam, como, por
exemplo, os Lantanídeos ou Terras Raras. Estes podem constituir a “impressão digital” de tais
grupos, qualquer que seja a escala da entidade geográfica ao qual eles representem.
De acordo com historiadores [Holanda, 1965], para a maioria dos ceramistas dos tempos
antigos, as fontes de barro cumpriam o “princípio do menor esforço e da maior comodidade”
possíveis, assim, eram usadas aquelas de acesso mais fácil. Os solos formados e concentrados
no topo, próximo a superfície, eram as principais escolhas, a não ser que se fizessem
necessárias grandes quantidades para uma maior produção. Nestes casos, enquanto os solos
tendem a possuir cerca de um metro de espessura, as rochas ricas em argila, sujeitas a
meteorização (ação ou efeito dos agentes climáticos sobre os materiais), podiam fornecer uma
maior quantidade de barro macio. As argilas que ocorrem na natureza raramente existem
como depósitos puros, sendo possível encontrar também minerais quer do material que lhe
deu origem, quer das rochas e sedimentos com que se encontraram durante o transporte [Rice,
1987]. Sabe-se que as argilas primárias ou residuais carregam fragmentos da sua rocha-mãe e,
dependendo do grau de meteorização, podem consistir na combinação de vários minerais
argilosos. As argilas sedimentares ou secundárias podem conter uma mistura de minerais de
diversas proveniências, por exemplo, sais e materiais orgânicos, como resultado dos processos
de deposição. Normalmente são mais finas e mais plásticas.
Os rios, os ventos e as águas das chuvas são os maiores agentes de transporte de
materiais argilosos. Sendo que, estes podem separar os componentes da meteorização de
acordo com o tamanho do grão. Os materiais adicionados aos barros tanto podem ser de uma
fonte que lhe é próxima como de outra muito distante, dependendo do tipo de recursos, dos
objetivos do ceramista ou do tipo de comunidade em que o mesmo estivesse inserido:
28
sedentária ou nômade. De acordo com estudos em arqueologia, sabe-se que os nômades
aproveitavam os recursos dos meios por onde se deslocavam e trabalhavam o barro, que
poderia transportar materiais eventualmente bastante distintos. Por isso, é uma tarefa difícil
distinguir componentes naturais daquilo que foi adicionado aos barros [Shepard, 1985]:
i) há materiais que não ocorrem naturalmente em barros, como, por exemplo,
fragmentos cerâmicos, fragmentos de várias rochas ígneas. A formação das rochas ígneas vêm
do resultado da consolidação devida ao resfriamento do magma derretido ou parcialmente
derretido. Elas podem ser formadas com ou sem a cristalização, ou abaixo da superfície como
rochas intrusivas (plutônicas) ou próximo à superfície, sendo rochas vulcânicas, sedimentares
e metamórficas (formadas por transformações físicas e/ou químicas sofridas por outras
rochas, quando submetidas ao calor e à pressão do interior da Terra, num processo
denominado metamorfismo), areias grosseiras e pedra-pomes (rocha vulcânica de muito baixa
densidade, formada quando gases e lava formam um colóide que por arrefecimento solidifica
sob a forma de uma rocha esponjosa);
ii) às vezes o tamanho do grão e a sua relativa abundância indicam se são ou não
materiais adicionados. Por exemplo, o quartzo em partículas finíssimas pode ocorrer em
alguns barros, mas em areia grosseira e desgastada pela água não advém, em processos
naturais, misturada com eles. Outro exemplo seria a deposição do pó vulcânico num lago
onde os barros pudessem ser depositados incorporando-se neles, porém as cinzas não
ocorressem nem na quantidade nem nas dimensões com que normalmente se encontram nas
pastas;
iii) a forma e a dimensão podem dar informações sobre o tipo de mineral presente [Rye,
1981]. As diferenças que são mais evidentes são entre quartzo e feldspatos, que tendem a ser
irregulares e arredondados na forma, enquanto as micas são, normalmente, em folhas
delgadas, alongadas. São alongadas porque a forma do cristal é uma estrutura foliácea,
semelhante à dos minerais argilosos. Um corte transversal origina, quase sempre, uma forma
fina e linear. Grãos com arestas arredondadas teriam sido sujeitos a erosão natural e ao
transporte, enquanto grãos com arestas com angulosidade pronunciada resultariam de
esmagamento, o que pode indiciar a sua adição. Entretanto, esta distinção nem sempre é
sustentável, [Rice, 1987] uma vez que partículas angulosas podem estar presentes em barros
primários ou em barros sedimentares depositados próximo do material que lhe deu origem.
A quantidade de inclusões poderia ter sido feita de acordo com a finalidade que os
objetos estivessem destinados a cumprir. Por exemplo, objetos de cozinha, onde se supõe a
sujeição ao calor. Durante o preparo das pastas, é necessário amassar e dar forma ao barro, o
29
que resulta numa orientação das partículas. Concentrando-se nos minerais argilosos: quando
as partículas argilosas se alinham paralelamente, elas resistirão à transmissão da temperatura
através desta estrutura, originando um isolante térmico, pois a transmissão do calor é cerca de
seis vezes maior ao longo da estrutura foliácea do que através dela [Velde & Druc, 1999]. A
fim de ultrapassar esse efeito, os ceramistas introduziam substâncias que não apenas eram
não-plásticas como possuíam diferentes propriedades térmicas. A maioria desses não-
plásticos é silicatada, especialmente o quartzo. Embora também tenham sido encontrados
minerais que têm formas que não são dirigidas por uma causa cristalográfica. Assim, a
transmissão do calor em tais minerais não é orientada pelo trabalho do ceramista. Esses
minerais podem transmitir calor em todas as direções e tendem a igualar o fluxo de
temperatura no objeto concedendo-lhe uma melhor capacidade de aquecimento ou, pelo
menos, maior homogeneidade. Então, a quantidade de não-plásticos adicionados excede as
necessidades de controle apenas da plasticidade para também promover o aumento da
condutividade térmica, tornando-se um material de “boa qualidade” para a finalidade ao qual
se destinava.
4.3 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS NO ESPÍRITO SANTO: CERÂMICA
TUPIGUARANI
No período da pré-história brasileira (cerca de 1000 anos antes de Cristo), várias etnias
indígenas, inclusive Tupiguarani [Lattini, 2001; Ribeiro, 2007], viveram na planície da costa
brasileira, no estado do Espírito Santo, em uma região de baixa altitude em colinas e em áreas
baixas perto de cursos de água e perto do oceano. Quando os colonos portugueses chegaram a
esta região, no século XVI, vários missionários jesuítas já haviam se estabelecido ao longo da
costa. “Missões Jesuíticas” eram antigas aldeias organizadas por padres jesuítas e o objetivo
destas aldeias, além de civilizar e cristianizar os índios, era manter um grupo social com os
benefícios de uma organização européia cristã, sem quaisquer maus hábitos e violência.
Apesar de viverem na Missão e serem catequizados, os índios continuaram produzindo
artesanato tradicional, como a cerâmica decorada, manipulando materiais e técnicas européias
juntamente com seus processos tecnológicos tradicionais (fabricação de artefatos de cerâmica,
pedra, madeira, osso e concha). O resultado dessa introdução de elementos exóticos em
comunidades criadas artificialmente é a presença, nos depósitos arqueológicos, de
instrumentos indígenas associados a artefatos europeus (como louças, objetos em metal, etc.).
Assim, foram introduzidos elementos europeus tais como objetos com metais incrustados,
30
produzindo novas formas e padrões europeus em sua cerâmica.
Os sítios arqueológicos nesta região estão próximos uns dos outros (menos que
10 km). Durante expedições de pesquisa a esses sítios arqueológicos, muitos fragmentos
foram encontrados e catalogados para serem estudados posteriormente. Foram levantadas
diversas hipóteses pelos arqueologistas sobre as atividades relacionadas às cerâmicas. Uma
delas é conhecer como os índios exploravam os recursos de argila, porque havia diversas
fontes de matéria-prima para as cerâmicas na região. Esta informação a respeito da matéria-
prima é relevante, para definir se vários artífices na mesma tribo usavam a mesma fonte ou se
as fontes foram compartilhadas por diferentes tribos. Estabelecer as similaridades entre as
concentrações dos elementos dos fragmentos e as argilas usadas para produzir as cerâmicas,
ajudará no entendimento do relacionamento dos índios com o meio ambiente. Outra hipótese
é sobre as técnicas aplicadas na produção da cerâmica. A ocorrência ou não de minerais como
o quartzo podem informar sobre as temperaturas alcançadas para queimar a cerâmica. Esta
informação determinará se o processo de queima ocorreu ao ar livre – processo indígena - ou
em ambiente fechado, como dentro de um forno – processo europeu.
Coleções de cerâmicas pré-históricas formadas a partir de intervenções arqueológicas
nos sítios da planície litorânea sul-capixaba compartilham características típicas do que foi
definido para a cerâmica Tupiguarani, tanto em forma, quanto em pasta e decoração [Ribeiro,
et al, 2008]. Não se pode deixar de considerar que as peças foram submetidas a muitos efeitos
de agentes naturais e antrópicos de ocupação do espaço no decorrer da história colonial até os
dias atuais.
Algumas hipóteses a respeito das possibilidades de uso de algumas formas de vasilhas
foram [Ribeiro, et al, 2008]:
- Vasilhas Abertas - Tipo 1. As vasilhas com forma de bacias apresentam depósitos
carbônicos intensos em fragmentos de bojo inferior e manchas de redução esparsas e mais
claras nas partes mais próximas da borda. A face externa apresenta manchas de oxidação e
redução. A partir destes sinais, acredita-se que estas vasilhas possam ter sido usadas para
cozimento de mingau (ou outros alimentos pastosos), para refervura da pasta para produção
do cauim e para fermentação de líquidos a base de mandioca. Mariana Neumann (2008) ao
analisar coleções de vários sítios guarani do Rio Grande do Sul encontrou depósito carbônico
concentrado no fundo de vasilhas do tipo yapepó rebí agûa (panelas com fundo arredondado).
Esse tipo de vestígios, como apontou James Skibo (1992), é decorrente do cozimento de
alimentos pastosos, onde a água evapora provocando a concentração da pasta no fundo da
panela. De acordo com Mariana Neumamm (2008) acredita-se que a função dessas vasilhas
31
fosse o cozimento de mingau, comida típica dos Guaranis atuais e referenciada pelos cronistas
(Anchieta 1964; Staden 1968). Apesar das yapepó rebí agûa e das bacias do Tipo 1
apresentarem formas distintas, a concentração de depósito carbônico no fundo de ambas e o
fato de terem sido produzidas por grupos que compartilhavam uma dieta a base de mandioca,
sugere uma mesma função para as panelas guarani de fundo arredondado e para as bacias
tupinambá capixabas. Outro possível uso culinário para as vasilhas do Tipo 1 seria a etapa de
refervura da pasta produzida pela mastigação da mandioca na produção do cauim. Para Noelli
e Brochado (1998) isso seria feito nas vasilhas ñaetá, de boca muito aberta, o que permitiria
que o conteúdo fosse mexido na preparação. Somente após essa fervura é que o líquido
produzido seria posto para “descansar” em uma vasilha tipo cambuchi, onde se dava o
processo de fermentação. Como o conteúdo é mexido dentro das ñaetá, a ação provocaria
estrias e ranhuras nas paredes e o depósito carbônico seria mais aderido no fundo do que no
bojo interno.
Figura 1. Vasilha da Coleção do Museu Municipal de Conceição dos Ouros, MG vista em duas
posições com projeções semelhantes a forma das vasilhas abertas do Tipo 1
- Abertas Tipo 2 e Tipo 3. A maior parte das tigelas com pintura na face interna
(apresenta somente marcas de produção na face externa (manchas de oxidação e redução) e de
gestos de elaboração dos desenhos da face interna. Em geral, as tigelas pintadas maiores são
associadas tanto ao armazenamento de alimentos já cozidos quanto à exposição de partes de
corpos humanos em rituais de canibalismo, no caso dos Tupinambás. Já as tigelas menores
com pintura são associadas ao consumo de alimentos sólidos ou líquidos individuais [Prous,
2005].
32
Figura 2.Vasilhas associadas à fermentação da mandioca
- Fechadas Tipo 1. As vasilhas fechadas do Tipo 1 seriam aquelas que em forma e
decoração são parecidas com as dos cambuchi, muito comuns no Rio Grande do Sul. No
vocabulário guarani levantado por resultados das análises arqueológicas, vasilhas desse tipo
estão relacionadas ao armazenamento de água e bebida alcoólica, assim como para a produção
do viño. É relativamente comum encontrar em sítios Tupiguarani cambuchis utilizados como
urna funerária. Mariana Neumann (2008:134) identifica três tipos de uso para os cambuchis,
analisando as marcas de uso e a ausência delas: cozimento de ingredientes de cauim, cujas
marcas são oxidação, carbonização e fuligem; produção do cauim, cujas marcas seriam
superfície interna das peças descamada pelos gases envolvidos no processo de fermentação e
armazenagem de água, que não deixaria marcas. Michael Schiffer e James Skibo (1987)
salientam o efeito corrosivo da água na superfície cerâmica que ocasiona perda de material.
Vladmir Dantas e Tânia Andrade Lima (2006) notaram em cerâmicas do Sítio Justino no
Xingó, manchas contínuas no corpo do pote que foram interpretadas como marcas da linha
d’água em potes de armazenamento de água. Portanto, é possível que os cambuchis de
armazenagem de água sejam identificados não pela ausência de marcas, mas, pela mancha
causada pela corrosão que a água produz na cerâmica.
33
Figura 3. Projeção de forma de vasilha fechada Tipo 1 (cambuchi), sítio Bota-Fora
4.4 ANÁLISE DOS FRAGMENTOS CERÂMICOS
As cerâmicas são os materiais mais encontrados nos sítios arqueológicos desde o
período Neolítico, segundo a literatura [Ribeiro, 2008]. Desta forma, se constituem em uma
das mais importantes ferramentas de estudo, pois permitem, por meio da determinação da
composição química, estudo da cronologia e das técnicas de manufatura empregadas, que
informações importantes dos povos antigos sejam obtidas. Com os dados da composição
química elementar é possível se determinar a proveniência das cerâmicas, estabelecendo os
locais de coleta de argila para a sua produção [Lahli et al, 2009].
Em arqueologia, a análise do material cerâmico encontrado em um sítio arqueológico
tem início com a catalogação do material, estudo descritivo e o seu desenvolvimento, análise
da argila e da fabricação da cerâmica. A partir da caracterização da cerâmica é que são
realizados os estudos de procedência da matéria prima. Além disso, há, também, exames
visuais, petrológicos e de composição.
34
4.4.1 Determinação da Composição Elementar
A composição química do material cerâmico pode ser determinada por diversas
técnicas analíticas [Latini et al, 2001], entretanto, neste estudo, a técnica aplicada foi a de
Ativação Neutrônica, método k0. Essa técnica, por ser multielementar, não precisar de destruir
a amostra para o preparo químico prévio à análise, utilizar pequena quantidade de material
com precisão e exatidão, está disponível no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia
Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN), onde foi desenvolvida a
parte experimental deste trabalho.
4.4.1.1 Análise por Ativação Neutrônica
A classificação das amostras analisadas pode ser facilitada quando suas composições
químicas são estatisticamente distinguíveis de acordo com seus perfis químicos. No estudo
composicional da cerâmica, supõe-se que as características da pasta são determinadas pelas
características químicas das argilas e temperos utilizados. Como o comportamento químico
das rochas que deram origem aos materiais utilizados para fabricação da cerâmica é um
reflexo dos processos geológicos, as presenças dos elementos são dependentes destes
processos.
Para a determinação da composição química elementar dos fragmentos de cerâmicas
arqueológicas, entre as várias técnicas analíticas disponíveis, existe a análise por Ativação
Neutrônica [Vinagre et al, 2005; Menezes et al, 2003, 2006; Sabino et al, 2002], que é técnica
multielementar com elevada sensibilidade, precisão e exatidão. Além disso, em se tratando de
amostras arqueológicas, a técnica é especialmente indicada uma vez que para a análise exige
uma massa pequena, cerca de 200mg. "Atualmente a ativação neutrônica tem
sido referenciada como a técnica indicada para análise de fragmentos cerâmicos.” [Ronald
and Blackman, 2002]. Como no CDTN a técnica é disponível, ela foi usada nesta pesquisa.
A análise por ativação teve seu início quando em 1936, Hevesy e Levi verificaram que
certos elementos tornavam-se radioativos após a sua exposição a uma fonte de nêutrons
[Hevesy & Levi, 1936; Friedlander et al, 1981]. A partir dessa observação, perceberam as
potencialidades das reações nucleares para identificação, qualitativa e quantitativa de
elementos químicos, por meio da medida da radioatividade induzida por uma fonte de
nêutrons ou partículas carregadas.
A Ativação Neutrônica é reconhecida como uma técnica analítica para determinação da
35
composição química elementar e se baseia na irradiação de uma amostra com nêutrons e
subsequente medida da radioatividade induzida. A sequência de eventos que ocorrem durante
as reações envolvidas nessa análise é denominada captura radioativa de nêutrons. A reação
nuclear que ocorre é do tipo (n, ) na qual um nêutron interage com o núcleo alvo por meio de
uma colisão inelástica ou captura, havendo formação de um núcleo composto em um estado
excitado. O núcleo composto é levado para um estado energético mais estável, quase que
instantaneamente, devido à emissão de um ou mais raios gama, denominados raios gama
prontos. Na maioria dos casos, esta nova configuração resulta em um nuclídeo radioativo com
emissão de raios gama característico, com taxa de decaimento governada pela meia vida (t1/2).
Dependendo da espécie radioativa em particular, a meia vida é de frações de segundos ou
anos [IAEA-TECDOC-564, 1990, Friedlander et al, 1981]. A probabilidade de ocorrência
dessa reação nuclear depende de características do nuclídeo alvo como a secção de choque a
determinada energia de nêutrons e a sua abundância isotópica. A Figura 4 ilustra a seqüência
das reações.
Figura 4. Representação dos fenômenos envolvidos na ativação de um núcleo atômico
[Glascock, 2009]
A forma mais efetiva de se medir a atividade induzida é por espectrometria gama. Com
a energia e a intensidade das radiações emitidas pelos radionuclídeos produzidos e as áreas
sob os picos dos raios gama, não só os elementos são identificados como têm as suas
concentrações determinadas.
Para se realizar uma análise por Ativação Neutrônica, é necessária uma fonte de
nêutrons para induzir a atividade e a forma mais efetiva de irradiação é utilizando um reator
nuclear. Neste trabalho, foi utilizado o reator nuclear de pesquisa TRIGA MARK I IPR-R1
(Figura 2), localizado no CDTN/CNEN [CDTN/CNEN, 2001], que operando a 100kW,
apresenta na Mesa Giratória, um fluxo de nêutrons térmicos médio de 6,35 1011
nêutrons cm-2
s-1
. A Figura 5 ilustra o reator TRIGA MARK I IPR-RI em operação. A cor azul é devido ao
36
efeito Cherenkov [Blackburn, 1993].
Figura 5. Reator nuclear TRIGA MARK I IPR-R1
Para a medida da atividade induzida na amostra, o sistema de espectrometria gama,
Figura 13a, consiste de um detector de radiação gama do tipo germânio hiper puro (HPGe),
pré-amplificador, amplificador, fonte de alta tensão, placa de multicanal, sistema de aquisição
de dados composto de microcomputador e programas específicos. É necessária uma
blindagem de chumbo, usada para proteger a amostra da radiação do ambiente, ou seja, do
“background”.
Nos métodos convencionais de Ativação Neutrônica, amostras e padrões dos elementos
a serem analisados são ativados simultaneamente, sendo as concentrações dos elementos de
interesse determinadas por meio da comparação das respectivas atividades, caracterizando-se
como métodos relativos. Neste estudo foi aplicado o método k0, [De Corte, 1987; Menezes et
al, 2003, 2006], no qual as concentrações elementares são calculadas utilizando-se constantes
nucleares como o k0, já determinado para cada radionuclídeo e disponíveis na literatura [De
Corte, 2003], parâmetros do reator, sistema de detecção absolutamente calibrado e equações
específicas. Algumas vantagens do método k0 em relação ao método convencional são o
menor custo; determinação de todos os elementos passíveis de ativação que forem detectados
na amostra, e, principalmente, a não necessidade de padrões dos elementos de interesse.
No método k0, a equação fundamental do método, [De Corte, 1987] é aplicada para se
calcular a massa do elemento presente na amostra:
pppaaapn
aaapppanp
aHDCSFCk
HDCSFCmm
,0
,
Equação 1
37
onde pppa
aaap
PM
PMk
,0,
,0,
0
Equação 2
Considerando os índices a, referindo-se a amostra, e p ao padrão, tem-se na Equação 1
que: m é a massa do elemento analisado, Cn é a área líquida sob o pico gama do radionuclídeo
de interesse, é a eficiência do detector para o gama considerado, F é [f + Q0( )], onde f é a
razão entre os fluxos de nêutrons térmico e o epitérmico definido a partir de uma determinada
energia e Q0( ) é a razão entre o I0( ), integral de ressonância, e o , secção de choque a
nêutrons térmicos; S é o fator de saturação de irradiação em função do tempo de irradiação, C
é o fator de correção de decaimento do radionuclídeo durante a contagem; D é o fator de
correção de decaimento do radionuclídeo entre o final de irradiação e o início da contagem; H
é o tempo morto do detector durante a contagem. Na Equação 2 onde k0 é definido, tem-se M,
que é a massa atômica do elemento, é a abundância isotópica do elemento, P é a
abundância absoluta medido, 0 é secção de choque a nêutrons térmicos. Os valores de k0
estão disponíveis na literatura [De Corte, 2003].
Como todo método analítico, a técnica apresenta vantagens e desvantagens. As
principais desvantagens da análise estão relacionadas à impossibilidade de identificar a forma
química dos elementos, a necessidade de fonte de irradiação como reator nuclear – caso se
deseje aplicar a técnica em toda a sua potencialidade – ao custo de irradiação e tempo de
análise, especialmente quando o interesse é se determinar elementos cujos radionuclídeos são
de meias vidas longas. Por outro lado, quando aplicada de forma instrumental, dispensa
tratamento químico preliminar e possibilita a reutilização da amostra após um período de
decaimento. Além disso, analisa pequenas quantidades de material, da ordem de alguns
miligramas. É técnica multielementar, sendo aplicada a todo tipo de matriz, determinando
concentrações na faixa de parte por trilhão a percentagem. É técnica versátil, sensível, precisa
e exata.
4.5 DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA
As técnicas de manufatura das cerâmicas dos povos antigos, quando estudadas,
possibilitam entender o processo tecnológico de produção [Marghussian et al., 2009;
Polvorinos Del Rio & Castaing, 2010], sendo a temperatura de queima e a análise da
composição dos minerais da cerâmica essenciais para a compreensão deste processo. Assim, a
38
composição mineralógica é alterada pelo efeito da temperatura no momento em que a
cerâmica é queimada para ser transformada em um artefato.
A determinação da temperatura de queima de peças cerâmicas encontradas em sítios
arqueológicos é de interesse na elucidação do modo pelo qual povos antigos fabricavam seus
utensílios.
4.5.1 Difração de Raios X (DRX)
Röntgen denominou de raios X um tipo de radiação que havia descoberto, pois na época
não tinha meios de determinar se esta radiação era constituída de partículas, como os elétrons
nos raios catódicos, ou ondas, como no caso da luz (ondas eletromagnéticas). Não era possível
mostrar que eram partículas, pois os raios X não eram desviados quando passavam por um
campo elétrico ou campo magnético. Portanto, se os raios X fossem constituídos de partículas,
estas deveriam ser neutras (sem carga elétrica). Até o início do século XX não foi possível
mostrar que os raios X eram ondas, uma vez que não se observava difração quando estes
passavam pelas fendas ou grades de difração disponíveis na época. Julgava-se então que, se os
raios X fossem ondas, o comprimento de onda deles deveriam ser muito curtos, da ordem de
apenas alguns ângstrons, ou seja, da ordem de grandeza do diâmetro atômico. Para essas
dimensões não era possível construir grades de difração como as utilizadas para observar a
difração da luz.
Em 1912 Max von Laue propôs que um sólido cristalino poderia ser uma rede de
difração adequada para os raios X. Os cristais apresentam uma disposição regular de átomos
cujo espaçamento entre os planos de átomos seria de poucos ângstrons. Laue colocou um
pequeno monocristal em frente a um feixe de raios X e pode observar sobre um filme
colocado a frente um conjunto de pontos característicos o máximo de difração da radiação
pelo cristal, demonstrando o caráter ondulatório dos raios X, portanto, seria uma radiação
eletromagnética de comprimento ultra-curto. Max von Laue ganhou o Prêmio Nobel de Física
de 1914 por esta descoberta.
Os raios X são ondas eletromagnéticas em que o comprimento de onda se situa entre
0,01 e 100 Å, e são gerados quando um ânodo, ou alvo, é bombardeado por elétrons oriundos
de um cátodo e acelerados por altas tensões. Assim como as demais radiações, os raios X
podem ser polarizados, refratados, refletidos e, o que é mais interessante, neste caso, podem
ser difratados.
39
A técnica de Difração de raios X (DRX) é uma análise mineralógica, que determina os
minerais aditivos (inclusões), argilominerais e produtos de transformação presentes na pasta
cerâmica. Essa análise é realizada por difratometria de raios X [Albers et al, 2002].
À medida que os elétrons do cátodo são emitidos em direção a um material, os elétrons
do próprio material são removidos de onde estavam pela colisão com os elétrons que estão
sendo bombardeados. Durante esta perturbação, elétrons que estavam fracamente associados
ao núcleo de um átomo do material têm certa probabilidade de ocupar estados mais estáveis, o
que significa dissipar parte de sua energia cinética e vibracional na forma de radiação (fótons)
e outras energias quânticas (fônons, bósons, etc.).
A XRD consiste na detecção da emissão de raios X da superfície da amostra mediante a
incidência de um feixe também de raios X, chamado de feixe primário. Esse feixe é difratado
pelo material, o que significa que foi desviado do seu caminho original sem que seu
comprimento de onda seja alterado pela interação com os elétrons do material. O que acontece
é que, entrando em ressonância com a componente do campo elétrico da radiação
eletromagnética, que são os raios X, o elétron se torna um gerador de ondas de mesma
freqüência e, consequentemente, mesmo comprimento de onda do feixe primário. Assim,
considera-se que o feixe é difratado pelo material [Sullasi, 2005].
Dos equipamentos usados nas análises difratométricas, a câmara de Debye-Scherrer é
uma das mais utilizadas, permitindo a análise na sua forma cristalina ou em pó, para materiais
cristalinos ou policristalinos. A análise de materiais cristalinos é usada na caracterização de
sua estrutura cristalina, enquanto o método do pó permite a identificação do material e as
fases presentes. Essa técnica é a mais indicada na determinação das fases cristalinas presentes
em materiais cerâmicos dentre as várias análises de caracterização de materiais. Isto ocorre
porque na maior parte dos sólidos (cristais), os átomos se ordenam em planos cristalinos
separados entre si por distâncias da mesma ordem de grandeza dos comprimentos de onda dos
raios X. Ao incidir um feixe de raios X em um cristal, o mesmo interage com os átomos
presentes, originando o fenômeno de difração. A difração de raios X ocorre segundo a Lei de
Bragg, a qual estabelece a relação entre o ângulo de difração e a distância entre os planos que
a originaram (característicos para cada fase cristalina):
n = 2d sen θ
onde n é número inteiro, é o comprimento de onda dos raios X incidentes, d é a distância
interplanar e θ é o ângulo de difração.
40
Dentre as vantagens da técnica de difração de raios X para a caracterização de fases,
destacam-se a simplicidade e rapidez do método, a confiabilidade dos resultados obtidos (pois
o perfil de difração obtido é característico para cada fase cristalina), a possibilidade de análise
de materiais compostos por uma mistura de fases e uma análise quantitativa destas fases. Ao
se caracterizar argilominerais, a utilização da técnica de difração de raios X é indicada, pois
reporta como os elementos químicos presentes no material, estão ligados.
Os materiais de cerâmica têm como principal matéria-prima a argila que, por sua vez, é
um conjunto de minerais formados por compostos principalmente de silicatos de alumínio
hidratados, que possuem a propriedade de formarem com a água uma pasta plástica suscetível
de conservar a forma moldada, secar e endurecer sob a ação de calor. Além da argila, usam-se
outras matérias primas como o caulim, o quartzo, etc., que durante a operação de queima
sofrem transformações físico-químicas.
Pela ocorrência ou não de minerais como o quartzo e o caulim é possível inferir sobre as
temperaturas alcançadas para queimar a cerâmica. Baseando-se nesta informação pode-se
determinar se o processo de queima [Cardoso et al, 2005] ocorreu ao ar livre – processo
indígena - ou em ambiente fechado, como dentro de um forno – processo europeu.
41
4.5.2 Espectroscopia Mössbauer
O efeito Mössbauer foi descoberto por Rudolf L. Mössbauer em 1957 no decorrer do
seu trabalho de doutoramento. A absorção ressonante para radiação emitida por transições
nucleares já era investigada há algum tempo, mas os primeiros resultados experimentais
satisfatórios só foram obtidos por Mössbauer. Além do experimento, ele apresentou o modelo
teórico adequado que explicava os resultados e apontava para as possíveis razões dos
insucessos anteriores. Mössbauer recebeu o Prêmio Nobel em Física em 1961 pelo seu
trabalho, dada a imediata repercussão e enormes possibilidades de utilização da técnica
[Gutlinch et al, 1978]. O efeito consiste na emissão e absorção de raios gama sem perda de
energia por recuo e sem alargamento térmico. Com o passar dos anos a espectroscopia
Mössbauer tornou-se um método alternativo de pesquisa nos mais diversos campos da ciência,
desde a pesquisa fundamental em física, química, biologia, geologia metalurgia até o estudo
de cerâmicas de valor arqueológico. Devido à grande resolução desta técnica, é possível
determinar o tipo de geometria dos sítios ocupados, o estado de valência dos átomos, as
propriedades magnéticas, as fases presentes, etc.
Através da análise dos resultados obtidos a partir dos espectros Mössbauer pode-se
então obter os seguintes parâmetros Mössbauer hiperfinos, como mostrado na Tabela 1: a)
Fator-f e o Deslocamento Doppler de 2a ordem parâmetros relacionados com a dinâmica de
vibração do reticulado cristalino; b) desvio isomérico ( ), que é proporcional a densidade de
elétrons no núcleo, fornece informações do estado de oxidação ou valência dos átomos que
compõem a amostra, configuração eletrônica e eletronegatividade dos ligantes; c)
desdobramento quadrupolar ( Eq), está relacionado com desvio da simetria esférica da
distribuição de carga nuclear e suas interações com o gradiente de campo elétrico local. São
responsáveis pelo desdobramento do estado de energia nuclear em diferentes níveis, gerando
múltiplas linhas no espectro observado; d) campo hiperfino (BHF), parâmetro relacionado com
as interações hiperfinas entre o momento magnético nuclear e o campo magnético gerado
pelos elétrons que compõem o átomo e e) área espectral, parâmetro relacionado com a
população dos átomos de ferro nos sítios e/ou fases dos materiais.
42
Tabela 1. Resumo dos principais parâmetros relacionados à análise de espectros Mössbauer
contendo diagramas relacionando níveis nucleares, interações hiperfinas e os espectros Mössbauer
correspondentes.
Parâmetros Hiperfinos Diagrama de Níveis de Energia
Nucleares
Espectro Típico
Largura de linha
Desvio isomérico ( )
Deslocamento dos
níveis de energia do núcleo;
Proporcional à
densidade de elétrons s no
núcleo
Desdobramento
quadrupolar ( Eq)
Desdobramento dos
níveis de energia nucleares;
Proporcional ao
desvio de simetria esférica da
distribuição da carga nuclear;
Campo magnético
hiperfino (BHF)
Desdobramento de
níveis de energia nucleares;
Proporcional ao
momento magnético dos
átomos de ferro;
Propriedades
magnéticas.
e
f
E0 E0
E0
e
f
E0
Es E0 Es
I=1/2
I=3/2 3/2
1/2
1/2 Eq
E0
I=1/2
I=3/2 - 3/2
+ 3/2
- 1/2
1 2
3
4
5 6
E0
+ 1/2
+ 1/2
- 1/2
43
Conforme foi descrito acima, os parâmetros hiperfinos, podem ser utilizados para
identificar e quantificar os diferentes estados de oxidação do Fe dos sítios/fases presentes no
composto, detectar óxidos de ferro com diferentes estruturas e tamanhos de partículas, etc.
Como exemplo, pode-se citar o espectro Mössbauer a temperatura ambiente para o ferro
metálico ordenado magneticamente, na ausência de campo magnético externo aplicado. O
espectro apresenta com um padrão de seis linhas (sexteto), como mostra a Figura 6.
Figura 6. Espectro Mössbauer típico do ferro metálico, obtido à temperatura ambiente.
Neste trabalho, a espectroscopia Mössbauer foi utilizada para identificar e quantificar as
fases de ferro presentes e razões entre Fe (II) e Fe (III) nas amostras, com o intuito de auxiliar
na interpretação dos resultados obtidos no estudo mineralógico feito pela difração de raios-X.
Para este trabalho, a razão entre Fe (II) e Fe (III) é de importância, pois permite verificar o
processo de queima utilizado pelos povos antigos como, por exemplo, se a cerâmica foi feita
usando fogueiras a céu aberto ou enterradas e até mesmo com a utilização de fornos [Wagner
et al, 1999].
4.6 MÉTODOS DE ESTATÍSTICA MULTIVARIADA
A Quimiometria compreende um conjunto de métodos estatísticos aplicados em
química, entre eles, a análise multivariada. Os métodos multivariados são modelos estatísticos
que consideram muitas variáveis ao mesmo tempo. Desta forma é possível se obter diversas
informações simultaneamente [Georgescu et al, 1998; Leitão et al, 2000; Sena et al, 2000;
Shoop et al, 1998].
-12 -9 -6 -3 0 3 6 9 120,88
0,90
0,92
0,94
0,96
0,98
1,00
Parametros hiperfinos
& = 0.0 mm/s
Deq = 0.0 mm/s
BHF
= 33 Tesla
Area espectral= 100%
Pontos experimentais Sexteto Fe0
Tra
nsm
issã
o r
ela
tiva
Velocidade (mm/s)
44
Há diversos métodos de análise multivariada [Sena et al, 2008; Johnson; Wichern, 1992,
Glascock et al, 2004], entretanto, o mais comum é a Análise de Componentes Principais, ACP
(“Principal Component Analysis”), técnica adequada para explorar, interpretar e reduzir os
dados, gerar hipóteses a partir de dados coletados e testar hipóteses. O objetivo principal da
técnica é reduzir os dados sem haver perda de informação. Assim, esta redução simplifica a
interpretação dos dados experimentais, permitindo que relevantes informações sejam
extraídas. Na ACP, um conjunto de dados consistindo de n informações sobre x variáveis é
substituído por n observações sobre k combinações lineares das variáveis, sendo k<x. Em
geral, os dados são dispostos em forma de uma tabela em que m, linhas, são as amostras e n,
colunas, são as variáveis – no caso, elementos determinados, etc. A tabela, então, passa a ser
analisada como uma matriz [Georgescu et al, 1994].
Quando a ACP é aplicada à tabela, ou matriz, há redução dos dados, ou vetores, por
alteração da direção e magnitude dos vetores em um novo espaço de fatores n-dimensionais.
Uma nova representação baseada em k componentes principais é obtida contendo tanta
informação quanto a representação original. Para isto, as novas variáveis - componentes
principais, CPs - que passam a ser analisadas, são aquelas de maior variância, ou seja, aquelas
que sejam capazes de explicar uma parte significativa da variância total contida nos dados: o
primeiro componente principal, CP1, é a combinação linear de todas as variáveis orientadas
na direção de máxima variação dos dados. A segunda representa a direção da máxima
variação restante, com a restrição que tem que ser perpendicular à primeira componente
principal. As CPs subsequentes descrevem progressiva e decrescentemente as variações
remanescentes dos dados. Assim, ACP é um método onde os autovalores são arranjados em
ordem de importância. Cada componente é caracterizado por escores e fatores. Os escores
projetam os objetos em um componente principal e os fatores refletem a contribuição de cada
variável em um componente particular.
Outro método aplicado é a Análise de Correlação, através do qual se verifica se há
interdependência entre duas variáveis através de uma equação linear [Rodushkin et al, 2000].
Nessa análise, os coeficientes de correlação obtidos apresentam valores que variam entre +1 e
–1. Um coeficiente de correlação de valor 0 (zero) indica que nenhuma das duas variáveis em
estudo apresentam comportamento entre si previsto por uma equação linear. Um coeficiente
+1 significa que uma variável se comporta em função da outra através de uma função
perfeitamente linear e na mesma direção; o valor negativo indica um comportamento
semelhante, mas na direção oposta.
Outro método aplicado para verificar se há diferenças ou similaridades entre os grupos
45
estudados, por exemplo analisando as variâncias de dois grupos, é ANOVA (“Analysis of
Variance - Model”) [Draper et al,1998, Armienta et al, 1997;]. Este método só pode ser
aplicado quando os dados a serem analisados apresentam distribuição normal.
Assim, neste estudo, a técnica de Análise Multivariada Robusta, foi aplicada através
da Análise por Componentes Principais – ACP e Análise das Correlações [Reimann, 2008)].
O software R foi utilizado juntamente com o StatDA package para a análise multivariada.
Após o cálculo das componentes principais foi observado que as duas primeiras componentes
seguiam a distribuição normal, então foi utilizada a análise de variância através do método de
análise estatística ANOVA [Armienta et al, 1997; Norman et al, 1998].
46
5. PARTE EXPERIMENTAL
Nesta pesquisa foram analisadas amostras de fragmentos de cerâmicas coletadas em
sítios arqueológicos durante o “Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio
Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação de Segunda Linha do Mineroduto
Samarco”, e constam do 4º Relatório de Atividades, Portaria IPHAN Nº 51, 23/02/2006
[Ribeiro, 2008]. A Coordenação geral, a consolidação e a edição do relatório foram de
responsabilidade da arqueóloga Loredana Ribeiro. Segundo o Relatório, foram identificados
cinquenta e seis locais com testemunhos materiais indicativos do patrimônio cultural entre os
municípios de Mariana (Minas Gerais) e Anchieta (Espírito Santo). Essa região corresponde a
Área de Influência Direta do empreendimento, sendo que essa área já vem sendo
substancialmente impactada há décadas, com a instalação e operação da 1ª Linha de
Mineroduto Samarco. Desse modo, quase todas as evidências encontradas na faixa de
servidão são relativas a depósitos arqueológicos já destruídos, dos quais restaram
pouquíssimas informações. Entretanto, há áreas com fragmentos mais intactos e com elevados
valores pré-históricos [Ribeiro, 2007]. Estima-se que cerca de doze mil fragmentos cerâmicos
componham a coleção deste projeto com diversificada forma. De acordo com estudos do
grupo de especialistas em arqueologia que forneceu as amostras para análise [Ribeiro, 2007],
as coleções cerâmicas encontradas apresentam grandes semelhanças quanto às formas,
entretanto faz-se necessário um estudo mais detalhado para proporcionar uma melhor
interpretação das hipóteses já feitas por eles.
Todos os procedimentos laboratoriais da Parte Experimental foram desenvolvidos nas
dependências do CDTN. Para esta pesquisa, foram aplicadas as seguintes técnicas analíticas:
Ativação Neutrônica, Difração de raios X e Espectroscopia Mössbauer.
5.1 REGIÃO DE ESTUDO
Foram encontrados fragmentos de amostras cerâmicas provenientes de sítios
arqueológicos do Espírito Santo, onde se estabeleceram Missões Jesuíticas no século XVI.
Várias etnias indígenas, inclusive Tupiguarani, foram reunidas nestas missões religiosas ao
longo dos primeiros séculos de colonização, manipulando materiais e técnicas européias
juntamente com seus processos tecnológicos tradicionais.
Para este trabalho, foram estudados os fragmentos encontrados nos sítios arqueológicos
de maior interesse histórico, segundo o grupo de arqueologia: o Bota Fora e o Hiuton. Eles
47
estão localizados a uma distância máxima de 5 km do mar, próximos entre si e também foram
escolhidos para estudo, por terem apresentado uma quantidade maior de fragmentos de
material cerâmico. Entretanto, não foi possível a coleta de argila porque a região está
totalmente urbanizada. Não é possível localizar as fontes de matéria prima das cerâmicas. A
Figura 7 mostra os diversos sítios arqueológicos no Espírito Santo.
Figura 7. Sítios arqueológicos escavados no Espírito Santo [Ribeiro, 2008].
5.2. COLETA DAS AMOSTRAS DE FRAGMENTOS DE CERÂMICAS
O material sob estudo foi coletado pelos arqueólogos [Ribeiro et al, 2008] e agrupadas
por similaridades de estilo e características arqueológicas de cada amostra. As figuras 8 e 9
mostram como foram feitas as escavações para a retirada das amostras. Após a coleta, os
fragmentos foram lavados com água corrente para retirar o material do solo que estava
agregado e foram secados ao ar livre. Depois foram identificados e acondicionados em
embalagens plásticas.
48
Figura 8
Figura 9
Figuras 8 e 9. Fotos ilustrativas de como foram feitas as escavações para a retirada das amostras.
(Ilustrações retiradas do 4o Relatório de Atividades do “Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio
Arqueológico das Áreas Atingidas pela Instalação da 2ª Linha
do Mineroduto Samarco”, Portaria IPHAN No 51, 23/02/2006, Belo Horizonte, 2008.
5.3 PREPARO DAS AMOSTRAS PARA AS ANÁLISES
O preparo das amostras consistiu basicamente em retirada de alíquotas de pó de cada
fragmento, em quantidade suficiente para que fossem analisadas pelas três técnicas. Não foi
necessário lavar os cacos, uma vez que já haviam passado por esse processo ao serem
coletados em campo.
Para se retirar a alíquota de cada amostra de fragmento, foi utilizada uma furadeira com
brocas de tungstênio. A superfície de cada fragmento de cerâmica foi limpa com a broca com
o objetivo de retirar impurezas depositadas ao longo dos anos, conforme a Figura 10
demonstra. Em seguida, a amostragem foi realizada fazendo-se diversas perfurações com a
broca no sentido transversal. O pó foi coletado em papel sobre placa de Petri e, então,
acondicionado em frascos de plástico devidamente identificados como mostram as Figuras 11
e 12. A umidade foi determinada, a 110 o
C por 24 horas, tendo sido encontrados valores
desprezíveis (1%).
49
Figura 10. Retirada das impurezas depositadas nos fragmentos ao longo dos anos por meio de uma broca
de tungstênio.
Figura 11 Figura 12
Figuras 11 e 12. Fotos ilustrativas da etapa de acondicionamento das amostras para análise
5.4 DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO QUÍMICA ELEMENTAR
Todas as amostras – total de 66 - foram pesadas (em torno de 200mg) em duplicata e
acondicionadas em tubos de polietileno próprios para a irradiação. Acompanhadas por
monitores de ouro – liga Al-Au, 0,1% (Institute for Reference Materials and Measurements.
Certified reference material IRMM-530R. Certificate of analysis, Gold mass fraction in Al-
(0.1%)Au Alloy. Geel, Belgium: 2002.)- e por padrão de referência certificado
[INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, 1984.], as amostras foram irradiadas no
reator TRIGA MARK I IPR-R1, a 100 kW, de acordo com dois esquemas:
- para a determinação de elementos – Al, Mn, Mg, V, Ti, etc. - cujos radionuclídeos são de
meias vidas curtas (<3 horas), as amostras foram irradiadas uma a uma por 5 minutos no CI-
40, sendo f (razão entre o fluxo de nêutrons térmicos e o epitérmicos) e , (mede o
afastamento do fluxo de nêutrons epitérmicos da Equação de Boltzman). Após tempo de
espera de cerca de 2 minutos, foi levantado o espectro gama por tempo suficiente para se
50
alcançar uma boa estatística de contagem;
- para os radionuclídeos de meias-vidas médias e longas, o tempo de irradiação foi de 8 horas
no canal de irradiação CI-7, no qual os parâmetros f e são 22,32 e -0,0022 [Menezes et al,
2006]. O tempo de decaimento foi de 2 dias a 1 semana, para a determinação de elementos
cujos radionuclídeos são de meias-vidas médias (entre 12 e 72 horas) como o Na, K, As e Br;
foi de 20 dias, para a determinação de radionuclídeos de meias-vidas longas, como o Cr, Hg,
Sb, Sc, Zn, etc. O controle de qualidade das análises foi realizado através da análise do
material de referência, o IAEA/SOIL 7, para verificar a exatidão do método. Para a precisão, a
cada 5 amostras, uma foi analisada em triplicata.
A espectrometria gama foi executada em detetor HPGe com 15% de eficiência nominal,
Figura 13a, utilizando o programa Genie PC, CANBERRA. A deconvolução dos espectros
gama, Figura 13b, foi realizada através do programa Hyperlab PC [Simonits et al, 2003;
HyperlabPC, 2005] e o cálculo de concentração foi executado através do programa Kayzero
for Windows específico para o método k0 [KAYWIN, 2008] .
Figura 13a. Detetor HPGe com 15% de eficiência nominal
51
Figura 13b. Espectro gama da amostra de referência
As análises foram executadas no Laboratório de Ativação Neutrônica, Serviço de
Reator e Técnicas Analíticas do CDTN/CNEN, com o auxílio da Técnica Maria Aparecida da
Silva.
5.5. DETERMINAÇÃO DA TEMPERATURA DE QUEIMA DAS CERÂMICAS
5.5.1 Aplicação da Técnica de Difração de Raios X
Para a análise de difração de raios X foram separadas alíquotas de aproximadamente
1,5g do pó obtidos dos fragmentos cerâmicos. Cada alíquota foi colocada entre a placa de
alumínio do difratômetro que possui um diâmetro em torno de 2 cm e uma placa de vidro de
2x3 cm, pressionando-se a amostra, de maneira que se obtivesse uma distribuição uniforme
com uma superfície mais delgada possível.
52
Figura 14. Foto mostrando acima um frasco de polietileno com uma amostra. À esquerda, placa de
alumínio do difratômetro e ao lado placa de vidro de 2x3 cm
Figura 15. Demonstrando como cada amostra é pressionada sob a placa de alumínio para ficar distribuída
uniformemente e apresentar uma superfície mais “fina” possível.
Figura 16. Amostras preparadas para serem analisadas
53
Figura 17. Amostras acondicionadas dentro do difratômetro de raios X.
Para as medidas foi utilizado um difratômetro de raios X, marca Rigaku, modelo e
sistema D\MAX ULTIMA automático, com goniômetro θ-θ, varredura 2θ/θ e tubo de raios X
com anodo de cobre e foco normal. Software aplicativo da Materials Data Inc. Jade 9, para
análise qualitativa, quantitativa e medidas cristalográficas de fases cristalinas. Uso integrado
com o arquivo PDF-2 (Database) em CD-ROM da ICDD. Os difratogramas foram analisados
por meio de programas computacionais.
Figura 18. Difratômetro de raios X utilizado para as análises.
As análises foram realizadas com a colaboração do Sr. Zilmar Lima Lula, técnico do
Laboratório de difração de raios X e da geóloga Nadja Cruz Ferraz.
54
5.5.2 Aplicação da Técnica de Espectroscopia Mössbauer
Para a análise por espectroscopia Mössbauer [Paduani et al, 2009; Murad, 1991] foram
necessários, aproximadamente, 100 mg de cada amostra dos materiais cerâmicos. Os
espectros foram obtidos através de um espectrômetro Mössbauer convencional (aceleração
constante, fonte de 57
Co em matriz de Rh mantido a temperatura ambiente em geometria de
transmissão (Figura. 19). As medidas foram feitas sem aplicação de campo magnético
externo, à temperatura ambiente. Os espectros foram ajustados usando um programa numérico
desenvolvido pelo R. A. Brand, conhecido como "NORMOS".
Figura 19. Esquema de um arranjo experimental típico na espectroscopia Mössbauer
Estas análises foram realizadas pelo Dr. José Domingos Ardisson, do laboratório de
Espectrometria de Mössbauer do CDTN.
55
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 ESTATÍSTICA MULTIVARIADA
Por meio da ativação neutrônica foi possível quantificar os seguintes elementos
químicos nos fragmentos de cerâmicas analisados: Al, As, Ba, Br, Ce, Cl, Co, Cr, Cs, Dy, Eu,
Fe, Ga, Hf, I, K, La, Mn, Na, Nd, Rb, Sc, Sm, Ta, Tb, Th, Ti, U, V, Yb, Zn, Zr. É importante
destacar que as amostras foram analisadas sem envolvimento de qualquer tratamento químico
preliminar, o que seria necessário caso fosse aplicada outra técnica analítica como, por
exemplo, espectrofotometria de absorção atômica.
A Tabela 2a mostra os resultados obtidos experimentalmente para o material de
referência, IAEA/Soil-7 [International Atomic Energy Agency, 1984] e os valores
certificados.
Tabela 2a. Concentração elementar, em mg kg-1
, dos materiais de referência analisados
Valores
Experimentais
Valores Certificados
Al 50500 2000 (47000 3500)
As 13 1 13,4 0,85
Ba 169 21 (159 32)
Br 6,5 0,3 (7 3)
Ce 56 2 61 6,5
Cl < 100 NR
Co 9,1 0,3 8,9 0,85
Cr 72 3 60 12,5
Cs 5,4 0,2 5,4 0,75
Dy < 8 3,9 1,05
Eu 1,1 0,1 1 0,2
Fe 26680 938 (25700 500)
Ga 9 2 (10 2)
Hf 5,5 0,2 5,1 0,35
I < 20 NR
K 10370 421 (12100 700)
La 28 1 28 1
Mn 650 42 631 60
Na 2026 121 (2400 100)
Nd 33 2 30 6
Rb 51 3 51 4,5
Sc 9,1 0,3 8,3 1,05
Sm 4,9 0,2 5,1 0,35
Ta 0,69 0,04 0,8 0,2
Tb 0,65 0,03 0,6 0,2
Th 8,1 0,3 8,2 1,05
Ti <5000 (3000 600)
U 2,4 0,1 2,6 0,55
V < 90 66 7
Yb 2,4 0,1 2,4 0,35
Zn 105 8 104 6
Zr < 190 180 10,5
Elemento
IAEA / Soil-7
NR, Não Reportados; ( ), Não-Certificados
56
Para avaliar a exatidão da análise, foram aplicados a Incerteza Expandida e o Teste u-
score [Brookes et al, 1979; Shakhashiro et al, 2006] considerando os valores certificados do
material de referência IAEA/SOIL7. A Incerteza Expandida foi expressa por meio da
Tendência Relativa (Relative Bias) em %. O objetivo foi verificar se os valores experimentais
obtidos para o material de referência eram consistentes dentro do intervalo de confiança
expandido de 95%. Em relação ao Teste u-score, a avaliação incluiu as incertezas das
medidas e a incerteza do valor certificado. Neste estudo, as seguintes equações foram usadas
nos cálculos:
Incerteza Expandida Experimental (uexp)
22
exp métodoÁREAuuncu
onde uAREA é a incerteza da área líquida do pico gama e umétodo é a incerteza total do método k0
estabelecido no CDTN como 3,5%.
Tendência Relativa (TR):
%100ocertificad
ocertificadLab
Valor
ValorValorTR onde Lab, é o valor experimental.
Teste u-score:
22
Labocertificad
ocertificadLab
score
uu
ValorValoru
onde exp2 uuLab .
Para comparar os resultados obtidos experimentalmente com os valores certificados, o
critério u < 1,96 (P=95% ou ± 2σ) foi aplicado, que é equivalente a 95% do intervalo de
confiança do valor certificado. Isso significa que o resultado passa pelo teste, se u< 1,96.
Observa-se na Tabela 2b que todos os resultados de concentração atenderam ao critério
do Teste u-score. Portanto, os resultados experimentais estão de acordo com os valores
certificados, comprovando a confiabilidade do método k0 utilizado.
57
Tabela 2b. Tendência Relativa eTeste u-score para o material de referência IAEA/SOIL7
Valor
Certificado
v ± u u-score
(mg kg-1
)
As 13,4 ± 0,85 -3
Ce 61 ± 6,5 -8,2
Co 8,9 ± 0,85 2,2
Cr 60 ± 12,5 20
Cs 5,4 ± 0,75 0
Eu 1,0 ± 0,2 10
Hf 5,1 ± 0,35 7,8
La 28 ± 1 0
Mn 631 ± 60 3
Nd 30 ± 6 10
Rb 51 ± 4,5 0
Sb 1,7 ± 0,2 -6,5
Sc 8,3 ± 1,05 9,6
Sm 5,1 ± 0,35 -3,9
Ta 0,8 ± 0,2 -13,8
Tb 0,6 ± 0,2 8,3
Th 8,2 ± 1,05 -1,2
U 2,6 ± 0,55 -7,7
Yb 2,4 ± 0,35 0
Zn 104 ± 6 1
v, valor; u, incerteza*; RB, Tendência Relativa, n=1
ElementoTR, %
0,3
0,73
0,22
0,94
0
0,46
1,01
0
0,26
0,48
0
0,49
0,74
0,49
0,54
0,25
0,09
0,36
0
0,1
No Anexo I estão os resultados encontrados para os fragmentos de amostras de cerâmica
analisados. A presença dos elementos de terras raras, como Ce, Dy, Eu, Yb, Nd, Sm e Zr, está
compatível com o local em que foram encontrados, pois o Espírito Santo é conhecido como
uma região onde naturalmente há elevada ocorrência desses elementos [Loureiro, 1994].
A quimiometria compreende um conjunto de métodos estatísticos aplicados em
química, entre eles, a análise multivariada. Os métodos multivariados são modelos estatísticos
que consideram muitas variáveis ao mesmo tempo. Desta forma é possível se obter diversas
informações simultaneamente [Georgescu et al, 1998; Leitão et al, 2000; Sena et al, 2000].
Há diversos métodos de análise multivariada, entretanto, o mais comum é a Análise de
Componentes Principais, ACP (“Principal Component Analysis”), técnica adequada para
explorar, interpretar e reduzir os dados, gerar hipóteses a partir de dados coletados e testar
hipóteses. O objetivo principal da técnica é reduzir os dados sem haver perda de informação.
Assim, esta redução simplifica a interpretação dos dados experimentais, permitindo que
58
relevantes informações sejam extraídas. Na ACP, um conjunto de dados consistindo de n
informações sobre x variáveis é substituído por n observações sobre k combinações lineares
das variáveis, sendo k<x. Em geral, os dados são dispostos em forma de uma tabela em que m,
linhas, são as amostras e n, colunas, são as variáveis – no caso, elementos determinados, etc.
A tabela, então, passa a ser analisada como uma matriz [Georgescu et al, 1994].
Quando a ACP é aplicada à tabela, ou matriz, há redução dos dados, ou vetores, por
alteração da direção e magnitude dos vetores em um novo espaço de fatores n-dimensionais.
Uma nova representação baseada em k componentes principais é obtida contendo tanta
informação quanto a representação original. Para isto, as novas variáveis - componentes
principais, CPs - que passam a ser analisadas, são aquelas de maior variância, ou seja, aquelas
que sejam capazes de explicar uma parte significativa da variância total contida nos dados: o
primeiro componente principal, CP1, é a combinação linear de todas as variáveis orientadas
na direção de máxima variação dos dados. A segunda representa a direção da máxima
variação restante, com a restrição que tem que ser perpendicular à primeira componente
principal. As CPs subsequentes descrevem progressiva e decrescentemente as variações
remanescentes dos dados. Assim, ACP é um método onde os autovalores são arranjados em
ordem de importância. Cada componente é caracterizado por escores e fatores. Os escores
projetam os objetos em um componente principal e os fatores refletem a contribuição de cada
variável em um componente particular.
Outro método aplicado é a Análise de Correlação, através do qual se verifica se há
interdependência entre duas variáveis através de uma equação linear [Rodushkin et al, 2000].
Nessa análise, os coeficientes de correlação obtidos apresentam valores que variam entre +1 e
–1. Um coeficiente de correlação de valor 0 (zero) indica que nenhuma das duas variáveis em
estudo apresentam comportamento entre si previsto por uma equação linear. Um coeficiente
+1 significa que uma variável se comporta em função da outra através de uma função
perfeitamente linear e na mesma direção; o valor negativo indica um comportamento
semelhante, mas na direção oposta.
Outro método aplicado para verificar se há diferenças ou similaridades entre os grupos
estudados, por exemplo, analisando as variâncias de dois grupos, é ANOVA (“Analysis of
Variance - Model”) [Draper et al, 1998, Armienta et al, 1997; Draper et al, 1998; Nowak et al,
1998]. Este método só pode ser aplicado quando os dados a serem analisados apresentam
distribuição normal.
Assim, neste estudo, a técnica de Análise Multivariada Robusta, foi aplicada através
da Análise por Componentes Principais – ACP e Análise das Correlações [Reimann et al,
59
2008]. O software R foi utilizado juntamente com o StatDA package para a análise
multivariada. Após o cálculo das componentes principais foi observado que as duas primeiras
componentes seguiam a distribuição normal, então foi utilizada a análise de variância através
do método de análise estatística ANOVA [Armienta et al, 1997; Norman et al, 1998].
Nesta pesquisa foi aplicada a chamada “estatística robusta”, que pode ser definida como
uma estatística independente da distribuição dos dados e presença de “outliers”. Esta
estatística não requer proposições preliminares sobre os dados, como, por exemplo, de
normalidade [Huber, 1981].
Para ANOVA foi estabelecido que:
- p, a probabilidade da hipótese H0 seria aceita, se o valor limite de 0,05, isto é, 5%,
- a hipótese é H0 : A = B , ou seja, deseja-se saber se a média de um grupo A é igual a
média do grupo B, ou se o grupo A é igual ao grupo B, ao se aplicar os testes de variância,
- o valor de p < 0,05, significa que se rejeita a hipótese formulada, isto é, A B,
concluindo-se que os grupos são diferentes. Em outras palavras, quanto menor o valor de p,
menor a probabilidade de se aceitar a hipótese H0. Assim, p = 0,000 indica diferença
significativa entre as médias, probabilidade igual a zero de as médias – ou grupos - serem
iguais,
- p 0,05 significa 5%, ou mais, de probabilidade de as médias serem iguais.
Assim, os objetivos deste estudo visavam verificar se havia diferenças ou semelhanças
entre os grupos, no caso os sítios arqueológicos (Bota Fora e Hiuton); os tipos de vasilhas
utilizadas (globulares, tigela pintada, etc.); se a matéria prima dos fragmentos de argila era
proveniente da mesma fonte, etc., rejeitando-se ou aceitando-se a hipótese H0.
Segundo os arqueólogos, os fragmentos analisados correspondiam a diversos tipos de
vasilhas. A Tabela 3 apresenta esses tipos e quantas vasilhas de cada tipo correspondiam aos
fragmentos analisados.
Tabela 3. Relação de tipos de vasilhas por sítio arqueológico
Bota Fora Hiuton
bacia 6 1
caaguabá 6 -
cambuchi 9 10
globular 11 7
tigela pintada 7 9
Tipo de Vasilha:
Quantidade de tipos em cada sítio
arqueológico:
60
Com os resultados da composição elementar dos cacos das cerâmicas provenientes dos
dois sítios arqueológicos, que foram obtidos pela análise por ativação neutrônica. Foi
executada, inicialmente, a análise descritiva, que foi obtida aplicando-se o software R. Os
valores encontrados estão apresentados na Tabela 4. Para cada elemento, Min é o menor valor
de concentração determinado em todas as amostras, Max é o valor da maior concentração,
Média é a média aritmética dos valores de concentração, Mediana é a medida de localização
do centro da distribuição dos dados de concentração, DP é o desvio padrão, MAD é o desvio
absoluto da mediana, que é uma medida de dispersão absoluta, sendo um estimador mais
robusto que o desvio padrão, CV é o Coeficiente de Variação e CVR, Coeficiente de Variação
Robusto. Como pode ser observado, em alguns elementos como Cr, Hf, K, La, Na e Sc há
diferença significativa entre a média e a mediana (>3). Também pode ser observada
discrepância (>3) entre o MAD e o desvio padrão (DP) para os elementos Ce, Cl, Co, Cr, Fe,
Hf, K, Mn, Na, Sc e Zn. Ambos os fatos sugerem um afastamento da normal.
61
Tabela 4. Análise descritiva dos dados
Min Max Mediana Média DP MAD CV CVR
(mg kg-1
) (mg kg-1
) (mg kg-1
) (mg kg-1
) (mg kg-1
) (mg kg-1
) % %
Al 12800 261000 113000 117700 46280 54110 39,33 47,89
As 0,22 119,2 7,679 14,4 21,65 9,644 150,3 125,6
Ba 56,35 4227 301 384 517,1 75,69 134,7 25,15
Br 1,16 44,77 12,32 16,08 11,69 11,26 72,73 91,38
Ce 76,02 13320 234,1 1951 3393 166,3 173,9 71,04
Cl 85 13100 394 565,7 1577 133,4 278,8 33,87
Co 3,261 125,7 10,33 29,03 34,65 5,346 119,3 51,75
Cr 9,605 5392 52,22 685,4 1362 56,87 198,7 108,9
Cs 0,6548 11,2 2,442 3,265 2,516 1,364 77,06 55,87
Dy 2,9 29 9,52 9,683 4,38 2,936 45,24 30,84
Eu 0,4863 42,76 2,561 5,011 6,281 1,509 125,3 58,93
Fe 17830 1068000 54570 256900 366500 20010 142,7 36,66
Ga 0,346 382,6 28,04 51,49 58,23 9,318 113,1 33,24
Hf 0,29 223,1 15,62 50,5 68,17 7,569 135 48,46
I 0,9 32,4 10,5 10,51 5,862 4,522 55,77 43,07
K 241,8 533900 10700 54770 97190 4549 177,5 42,49
La 2,91 4804 91,28 648,1 1159 56,66 178,8 62,08
Mn 45,5 1090 253,5 306,4 185,7 117,1 60,6 46,2
Na 4,5 273600 3940 31680 55940 2667 176,6 67,69
Nd 4,15 2433 100,7 422,9 634,4 59,42 150 59
Rb 9,3 169,2 59,97 67,07 34,61 26,68 51,61 44,49
Sc 4,537 1258 19,89 234,7 393,4 6,486 167,6 32,61
Sm 5,105 89,66 15,64 22,49 17,13 8,206 76,19 52,47
Ta 0,321 5,629 2,485 2,641 1,235 1,25 46,77 50,3
Tb 0,588 7,917 1,647 2,082 1,369 0,7836 65,73 47,56
Th 3,273 424,3 23,29 50,06 71,99 25,56 143,8 109,8
Ti 2390 25900 12200 12520 4706 4515 37,59 37
U 0,19 15,89 1,516 2,64 2,705 1,161 102,5 76,57
V 66,3 283 140,5 148,2 50,06 47,44 33,79 33,77
Yb 0,151 156,4 2,647 7,23 25,32 1,638 350,2 61,88
Zn 28,45 1855 109,7 381,3 521,7 39,53 136,8 36,03
Zr 79,6 4682 683,6 1218 1286 317,1 105,6 46,39
Elemento
O teste Kolmogorov-Smirnov [Corder et al, 2009] foi aplicado nas 66 amostras
visando verificar quais elementos apresentavam distribuição normal. Os resultados na Tabela
5 mostram que apenas Al, I, Mn, Rb, Ta, Ti e V (valores em negrito) seguem a distribuição
normal. Como exemplos das distribuições, estão apresentados na Figura 20 os histogramas do
Fe (não normal) e do Ta (normal).
62
Tabela 5. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado aos dados, n=66
Kolmogorov-
Smirnov Z
Asymp, Sig,
(2-tailed)
Absoluta Positiva Negativa
Al 0,11 0,11 -0,085 0,898 0,396
As 0,256 0,246 -0,256 2,082 0
Ba 0,358 0,358 -0,263 2,906 0
Br 0,17 0,17 -0,124 1,378 0,045
Ce 0,416 0,416 -0,29 3,383 0
Cl 0,448 0,448 -0,38 3,643 0
Co 0,336 0,336 -0,229 2,733 0
Cr 0,41 0,41 -0,31 3,331 0
Cs 0,237 0,237 -0,152 1,926 0,001
Dy 0,194 0,194 -0,102 1,573 0,014
Eu 0,282 0,282 -0,238 2,29 0
Fe 0,407 0,407 -0,257 3,304 0
Ga 0,356 0,356 -0,206 2,889 0
Hf 0,413 0,413 -0,231 3,359 0
I 0,105 0,105 -0,052 0,853 0,461
K 0,424 0,424 -0,287 3,441 0
La 0,409 0,409 -0,289 3,321 0
Mn 0,161 0,161 -0,13 1,31 0,064
Na 0,371 0,371 -0,286 3,014 0
Nd 0,373 0,373 -0,255 3,031 0
Rb 0,138 0,138 -0,063 1,12 0,163
Sc 0,451 0,451 -0,279 3,667 0
Sm 0,194 0,194 -0,155 1,579 0,014
Ta 0,062 0,062 -0,052 0,503 0,962
Tb 0,191 0,191 -0,137 1,553 0,016
Th 0,258 0,219 -0,258 2,095 0
Ti 0,098 0,098 -0,04 0,794 0,554
U 0,209 0,209 -0,183 1,702 0,006
V 0,104 0,104 -0,091 0,841 0,479
Yb 0,451 0,451 -0,39 3,666 0
Zn 0,413 0,413 -0,249 3,354 0
Zr 0,363 0,363 -0,188 2,949 0
ElementoDiferenças
Figura 20. Histogramas do Fe e do Ta
63
O teste Kolmogorov-Smirnov também foi aplicado para verificar se os elementos
seguem a distribuição lognormal. Na Tabela 6, observa-se que diversos elementos (Al, As, Br,
Cs, Dy, Eu, I, Mn, Rb, Sm, Ta, Tb, Th, Ti, U, V, Yb) seguem a distribuição lognormal. Como
exemplo, as distribuições do Mn (lognormal) e do Zr (não lognormal) estão apresentadas na
Figura 21. Os elementos Ba, Ce, Cl, Co,Cr, Fe, Ga, Hf, K, La, Na, Nd, Sc, Zn e Zr (em itálico
na Tabela 3) não seguem a distribuição normal (Tabela 2) nem a lognormal.
Tabela 6. Teste Kolmogorov-Smirnov aplicado à distribuição lognormal dos dados, n=66
Kolmogorov-
Smirnov Z
Asymp, Sig, (2-
tailed)
Absoluta Positiva Negativa
Al 0,097 0,086 -0,097 0,784 0,57
As 0,143 0,089 -0,143 1,163 0,134
Ba 0,177 0,177 -0,172 1,44 0,032
Br 0,116 0,081 -0,116 0,942 0,337
Ce 0,262 0,262 -0,149 2,13 0
Cl 0,178 0,178 -0,118 1,446 0,031
Co 0,217 0,217 -0,153 1,767 0,004
Cr 0,183 0,183 -0,121 1,486 0,024
Cs 0,107 0,107 -0,065 0,867 0,439
Dy 0,113 0,113 -0,076 0,921 0,365
Eu 0,152 0,152 -0,09 1,237 0,094
Fe 0,306 0,306 -0,184 2,483 0
Ga 0,224 0,224 -0,216 1,82 0,003
Hf 0,25 0,25 -0,169 2,035 0,001
I 0,147 0,094 -0,147 1,19 0,117
K 0,294 0,294 -0,144 2,392 0
La 0,224 0,224 -0,112 1,818 0,003
Mn 0,08 0,08 -0,067 0,646 0,798
Na 0,236 0,236 -0,139 1,921 0,001
Nd 0,208 0,208 -0,147 1,688 0,007
Rb 0,113 0,046 -0,113 0,916 0,371
Sc 0,356 0,356 -0,188 2,889 0
Sm 0,1 0,1 -0,055 0,814 0,521
Ta 0,126 0,068 -0,126 1,022 0,247
Tb 0,084 0,084 -0,052 0,684 0,738
Th 0,118 0,118 -0,052 0,962 0,313
Ti 0,083 0,049 -0,083 0,675 0,752
U 0,071 0,068 -0,071 0,58 0,89
V 0,081 0,081 -0,074 0,654 0,786
Yb 0,153 0,153 -0,147 1,239 0,093
Zn 0,299 0,299 -0,17 2,425 0
Zr 0,19 0,19 -0,101 1,544 0,017
ElementoDiferenças
64
Figura 21. Histograma lognormal do Mn e Zr
Após serem verificados quais os elementos que seguiam a distribuição normal ou
lognormal, foi verificado se havia correlações entre as variáveis [Reimann et al, 2008]. As
correlações robustas com valores acima de 0,6 estão apresentadas no Anexo II. Observa-se
que os elementos Al, Ba, Cl, Dy, I, Mn, Rb, Sm, Ta, Tb, Ti, U, V, Yb e Zr não são
correlacionados entre si, enquanto que os demais elementos sim.
Um exemplo de distribuição de dados correlacionados (La e Ce; 1,00 no anexo II), que
são elementos característicos do solo da região, está apresentado nas Figuras 22a e 22b. Pode
ser observado que no caso, os dois sítios não se sobrepõem e que vasilhas globulares de
Hiuton e de Bota Fora também não se sobrepõem.
.
Figura 22a
65
Figura 22b
Figura 22. Distribuição Ce x La: a) proveniência de matéria prima dos cacos de cerâmica; b) fontes de
matéria prima usadas de acordo com o tipo de vasilha
Para verificar a presença de “outlier” – valor que está numericamente distante dos
outros dados [Rousseeuw et al, 1996], foi comparada a distância entre Mahalanobis [Oliveira et
al, 2006] e a distância robusta. Os resultados estão apresentados na Figura 23. Pode ser
observado que algumas amostras, como 22, 33, 35, 45 e 57 se comportam como “outliers”.
66
Figura 23. Distância entre Mahalanobis e a distância robusta
A detecção de “outlier” pelo método ARIMA (Autoregressive Integrated Moving
Average) [Percival et al, 1993] e utilizando o SPSS (Statistical Package for the Social
Sciences)[http://www-01.ibm.com/software/analytics/spss/products/statistics] indica que as
amostras comportam-se como “outliers” em relação aos elementos apresentados na Tabela 7.
Tabela 7. Elementos para os quais as amostras são “outliers”
Amostra:
22 Ba Ce Cs Dy Hf K La Nd Rb Sm Ta Tb V Zr
33 Al Ce Ga K Nd Rb Sm Tb Ti U V Yb
35 Ba Cs Ga Nd Sc Tb
45 Ba Co Dy Hf Rb
57 Ba Cr Cs Eu Hf Rb
Elementos:
O resultado do estudo univariado visando identificar “outliers” pelo método de
espalhamento está apresentado na Figura 24. Observando os gráficos, principalmente do Ce,
Hf e Nd, observa-se que o espalhamento entre os sítios arqueológicos é significativo, o que
também pode ser visualizado na Figura 25.
67
Figura 24. Espalhamento univariado de variáveis
Figura 25. Espalhamento univariado da variável Ce
Das amostras analisadas, verificou-se que 7,5% delas apresentaram resultados
“outliers”, que normalmente são desconsiderados. Entretanto, tendo em vista que a população
amostrada foi de 66 fragmentos e que foram determinados 32 elementos ou variáveis, não se
descartou os “outliers”, principalmente porque se aplicou métodos robustos, pouco sensíveis a
“outliers”. Pelo mesmo motivo, conforme sugerido por Reimann, 2009, página 216, para a
análise por componentes principais não serão considerados elementos correlacionados (>0,6).
Este procedimento teve o objetivo de otimizar a relação amostras/variáveis aumentando o
68
número de graus de liberdade. Como pode ser observado na Tabela 8, o lantânio é o que
apresenta maior correlação com outros elementos.
De acordo com o raciocínio desenvolvido, as variáveis: "Al", "Ba", "Cl", "Dy", "La",
"Mn", "Rb", "Ta", "Ti", "U", "V" e"Yb" serão consideradas para a análise estatística
multivariada. A Figura 26 apresenta o espalhamento destas variáveis.
Figura 26. Espalhamento de variáveis
Ao se aplicar a ACP, encontrou-se que seis componentes explicam 83% da dispersão
dos dados. As cargas (influência na variabilidade da componente) das diferentes variáveis
estão apresentadas na Tabela 8.
69
Tabela 8. Cargas das componentes principais (CP)
Elemento CP1 CP2 CP3 CP4 CP5 CP6
Al 0,053 0,328 -0,233 -0,074 0,402 0,455
Ba -0,252 -0,221 0,233 -0,203 -0,019 -0,368
Cl -0,201 0,156 0,395 0,789 -0,031 0,078
Dy -0,053 -0,204 -0,515 -0,007 -0,561 0,172
La -0,577 0,102 0,13 -0,249 -0,273 0,368
Mn 0,244 -0,149 0,324 -0,073 -0,101 -0,033
Rb -0,212 -0,59 -0,028 -0,088 0,53 -0,049
Ta 0,126 0,369 0,22 -0,348 -0,177 -0,363
Ti 0,365 0,226 0,089 -0,133 0,062 0,029
U -0,211 0,365 -0,463 0,122 0,267 -0,423
V 0,387 -0,141 0,104 -0,052 0,102 0,352
Yb 0,331 -0,241 -0,256 0,316 -0,199 -0,218
A primeira componente explica 49% da discrepância total e os elementos mais
significativos são La e V, provavelmente relacionados à fonte de argila. A segunda
componente explica 10% e os elementos mais significativos são Rb e Ta. O Rb
provavelmente relaciona-se ao antiplástico que, segundo a literatura [Sabino, 2002], era
proveniente dos vegetais existentes no local, pois esse elemento normalmente ocorre em
plantas. O Ta está relacionado ao solo local.
Os demais componentes explicam menos que 10% da discrepância total. Os scores
estão apresentados na Tabela 9.
70
Tabela 9. Scores relacionados às amostras
AmostraSítio
ArqueológicoTipo de Vasilha C1 C2 C3 C4 C5 C6
1 Bacia -0,939 -0,22 0,573 1,19 -0,129 -1,189
2 0,629 -2,079 -0,631 2,005 -0,064 -0,344
3 -0,493 -1,417 0,754 -0,174 -0,611 1,355
4 -0,92 0,182 0,787 0,667 -0,581 -0,385
5 -0,932 0,661 0,874 -1,251 -0,024 -0,041
6 -0,819 -0,419 1,335 -0,725 0,257 0,21
7 0,884 -1,437 0,723 -0,746 1,197 -0,569
8 0,751 -1,323 0,452 -0,476 0,252 0,267
9 -1,255 -0,207 1,003 0,215 -0,562 0,244
10 0,208 -0,174 0,601 -0,869 -0,155 1,063
11 1,193 4,033 2,129 -4,86 -2,947 2,358
12 1,952 2,128 2,94 -3,678 -2,614 2,213
13 -0,506 -1,003 1,659 -2,227 0,682 0,603
14 0,248 -0,217 0,626 -1,088 -0,25 0,203
15 -0,152 -0,311 0,9 -0,067 0,482 -0,375
16 1,594 1,248 1,18 0,71 0,594 0,146
17 0,267 -0,172 0,382 -0,637 0,303 0,683
18 -1,351 -0,223 1,772 -0,02 0,902 -0,577
19 -1,632 -0,669 1,993 -0,198 1,239 -0,874
20 1,288 -1,423 0,455 0,19 0,265 0,037
21 -0,786 1,546 0,716 0,471 -0,704 -0,277
22 -0,894 3,524 0,524 0,809 0,411 -1,017
23 0,51 -0,151 0,154 0,864 -0,42 -0,567
24 0,612 -1,658 0,648 2,137 0,468 -1,26
25 2,723 -3,84 0,274 4,411 1,232 -1,784
26 -2,43 0,055 2,088 1,679 -0,936 -0,58
27 2,042 0,345 -1,475 -0,055 0,649 -0,814
28 0,912 0,165 -1,398 0,129 -0,659 -0,233
29 -0,387 1,784 -0,292 -1,044 0,101 -0,514
30 1,224 0,062 -1,417 -0,352 -0,128 -0,12
31 -1,963 0,918 -2,501 1,093 1,964 0,865
32 0,948 1,211 -0,506 -0,981 -0,727 0,68
33 1,239 6,149 1,215 -1,906 -2,33 -0,667
34 1,78 -1,739 0,642 0,173 -1,19 1,433
35 0,632 0,316 -1,326 0,59 0,883 -0,11
36 -0,246 0,445 1,293 0,578 1,279 -0,797
37 -0,476 2,015 -0,415 0,485 -1,258 -0,936
38 -0,6 0,883 -1,422 0,334 0,448 0,662
39 -1,158 0,186 -1,481 1,534 -0,303 0,398
40 -3,224 2,126 -1,331 1,171 0,305 0,996
Hiuton
Globular
Bota Fora
Tigela Pintada
Bacia
Caaguabá
Tigela pintada
Cambuchi
71
Tabela 9. Scores relacionados às amostras - Continuação
AmostraSítio
ArqueológicoTipo de Vasilha C1 C2 C3 C4 C5 C6
41
1.332 0.3 -0.814 -0.832 0.054 -1.167
42 0.457 -0.701 -0.043 1.079 -1.91 0.554
43 1.584 -1.402 -1.568 -0.046 0.503 -0.656
44 5.598 0.36 2.626 -0.216 -3.309 1.771
45 0.525 2.829 -1.081 -3.106 0.145 -1.035
46 -7.649 -2.12 -3.992 3.964 6.186 -0.134
47 -0.629 2.878 -0.07 -1.753 -0.078 -0.283
48 -0.005 2.679 -0.303 -0.898 -0.356 -0.442
49 1.688 -1.318 -0.667 -0.31 0.03 0.176
50 3.973 1.755 -0.165 -2.318 -3.98 2.159
51 3.831 -1.677 1.071 -1.704 -5.225 -0.672
52 4.596 0.46 1.745 -3.159 -4.532 -0.533
53 3.376 0.765 1.533 -2.458 -3.405 0.092
54 1.614 -0.9 0.115 -0.815 -1.011 -2.292
55 5.912 -2.798 -0.103 -2.934 -4.022 -0.177
56 3.005 1.689 1.189 -1.97 -4.001 -0.553
57 4.91 -0.928 0.954 -3.119 -4.285 0.782
58 4.29 -1.245 3.265 -4.197 -5.293 0.939
59 5.438 -0.594 0.288 -1.151 -5.69 -0.487
60 3.883 -1.436 2.994 -2.984 -4.599 0.477
61 4.439 -1.474 1.105 -2.106 -3.171 -0.512
62 0.52 5.127 1.764 1.057 -7.165 -0.344
63 1.436 -3.175 0.811 1.758 -0.501 -3.312
64 3.918 0.589 1.16 -3.364 -3.567 -0.669
65 -1.028 -5.898 -2.382 2.64 3.152 -3.924
66 1.723 -0.269 -0.903 -0.068 -0.068 0.694
Cambuchi
Globular
Caaguabá
Bota Fora
Tigela pintada
O teste Kolmogorov-Smirnov aplicado às CP1 e CP2, Tabela 9, para n igual a 66
amostras, indica que elas seguem a distribuição normal, tendo sido obtidos os valores de
Kolmogorov-Smirnov Z e de Asymp, Sig, (2-tailed) de 0,880 e de 0,421 para CP1 e de 0,731
e de 0,659 para CP2.
Ao se aplicar o teste ANOVA para verificar as diferenças ou similaridades entre os
grupos em relação a estas variáveis, CPs, obtém-se a probabilidade das médias serem
similares e esta probabilidade é dada através do valor de p. Assim, em relação a CP1, o teste
indicou que os sítios arqueológicos são diferentes, pois p=0,009 (p<0,05) ou existe 0,9% de
probabilidade dos sítios serem similares. Para confirmar este resultado, o teste ANOVA foi
aplicado ao alumínio (distribuição normal), um dos principais elementos da argila. O
resultado obtido indicou que também há diferença entre os sítios, pois a probabilidade de
serem iguais é de 0% (p=0,000). Estes resultados confirmam o que foi apresentado
anteriormente nas Figuras 22a e 22b.
Aplicando teste ANOVA a CP2, foi encontrado p=0,617. Isso significa que em
72
relação a CP2, há 61,7% de probabilidade dos sítios serem iguais. Nesta componente o
elemento de maior influência é o Rb, relacionado ao antiplástico, proveniente de vegetais do
local, justificando a similaridade entre os sítios.
Considerando-se apenas Hiuton, os tipos de vasilhas não são identificados nem por
CP1 nem por CP2, apresentando as probabilidades de 41,7% e 44,0%, respectivamente, de
serem similares. Isso foi observado na Figura 22b, quando se concluiu que as vasilhas do sítio
do Hiuton, independentemente do formato, foram confeccionadas com argila da mesma fonte.
Já em Bota Fora, a CP1 (p=0,013, 1,3%) e a CP2 (p=0,045, 4,5%) distinguem o tipo
de vasilha com a matéria prima usada. Isso significa que há a probabilidade de 1,3% e de
4,5% de os tipos de utensílios terem sido confeccionados com a matéria prima proveniente da
mesma fonte de argila, ou seja, a matéria prima, de acordo com o tipo de vasilha não é a
mesma.
6.2 TECNOLOGIA DE COZIMENTO DAS CERÂMICAS
6.2.1 Difração de Raios X
A análise de difração de raios X (DRX) foi utilizada com o objetivo de identificar a
temperatura na qual o material cerâmico fora submetido, uma vez que a composição
mineralógica é alterada pelo efeito da temperatura no momento em que a cerâmica é queimada
para ser transformada em um artefato.
A DRX é um método de identificação das fases cristalinas (compostos mineralógicos)
existentes em um material. Desde que se conheça a composição aproximada do mesmo, torna-
se possível observar compostos mineralógicos presentes em um material cerâmico. Deste
modo, a temperatura de queima da cerâmica pode ser determinada pela presença de certos
minerais, observando as diversas transições de fases cristalográficas assumidas por estes
minerais em função da temperatura. Logo, a presença de alguns compostos pode ser um
indicativo de que a cerâmica não foi queimada a uma temperatura igual, ou superior, à
temperatura de transformação daquele composto [Rice, 1987].
Normalmente os compostos estudados são quartzo, feldspato, mica, caulinita e traços
de outros minerais. Por exemplo, a caulinita, muito comum em argilas, inicia sua
desidroxilação a 500 oC e é completada a 650
oC [Palanivel, 2011], nessas condições forma-se
a metacaulinita, que é amorfa, porém com alguma estrutura cristalina residual [Frost, 1996;
Okada et al, 1998; Murad, 1991].
73
Todas as amostras foram analisadas por DRX e apresentaram resultados
qualitativamente similares. Como ilustração são apresentados nas Figuras 27 e 28 os
difratogramas de amostras de caco de cerâmica de Tigela Pintada de cada um dos sítios
arqueológicos investigados.
Figura 27. Difratograma de raios X da amostra 2 (“Tigela Pintada”) sítio Hiuton)
74
Figura 28. Difratograma de raios X da amostra 41 (“Tigela Pintada”), sítio Bota Fora
Analisando qualitativamente os difratogramas dos fragmentos de cerâmicas é possível
verificar que a mineralogia da pasta de argila dessas cerâmicas arqueológicas são similares
para todos os formatos estudados. Foi encontrado basicamente quartzo, com ausência de
outros minerais. No entanto, essa ausência não pode ser considerada um indicativo de que a
pasta cerâmica foi queimada a temperaturas superiores a esses supostos minerais que
poderiam estar presentes, pois a pasta cerâmica poderia não possuir estes minerais antes da
queima. Para certificar esse fato, seria preciso analisar a argila da região de manufatura
realizando um comparativo, o que, infelizmente não é possível. Como foi relatado
anteriormente, a região já está urbanizada, não sendo possível localizar as fontes de argila
utilizadas pelos indígenas.
Com esses resultados não há dados suficientes para inferir sobre o tipo de atmosfera
(oxidante ou redutora) em que a cerâmica foi submetida, porém é possível dizer que a
temperatura de queima foi inferior a temperatura de deformação do quartzo, uma vez que em
todas as amostras foi identificada a presença de quartzo.
75
6.2.2 Espectroscopia Mössbauer
Estudos como a determinação da temperatura de queima de cerâmica é de interesse
para auxiliar na elucidação da maneira, pela qual, os índios fabricavam seus utensílios
[Feathers et al, 1998]. A Espectroscopia Mössbauer também foi usada com o objetivo de
ajudar no entendimento de aspectos das tecnologias ancestrais na fabricação de cerâmicas,
como por exemplo, se a queima foi por meio de fogueiras (tecnologia indígena) ou se a
queima foi feita usando fornos (tecnologia européia).
Um total de 8 amostras foram analisadas, sendo uma de cada formato estudado para
cada sítio: 2 (“Tigela Pintada”- sítio Hiuton); 12 (“Cambuchi”- sítio Hiuton); 23 (“Globular”-
sítio Hiuton); 28 (“Bacia”- sítio Bota Fora); 36 (“Caaguabá”- sítio Bota Fora); 41 (“Tigela
Pintada”- sítio Bota Fora); 46 (“Cambuchi”- sítio Bota Fora); 64 “Globular”- Bota Fora). Os
espectros obtidos são apresentados na Figura 29.
Figura 29. Espectros Mössbauer a temperatura ambiente de utensílios indígenas
(parte 1)
-12 -9 -6 -3 0 3 6 9 12
0.98
1.00
3% 1% 81% 5% 10%
10% 5% 73% 6% 6%
GL28
Velocity (mm/s)
0.98
1.00
GL23
Re
lative
tra
nsm
issio
n
0.96
0.98
1.00
7% 5% 67% 6% 15%
GL12
0.98
1.00
8% 5% 63% 9% 15%
Fe3O
4 Fe
3O
4 Fe
3+ Fe
2+ Fe
2O
3
GL02
76
Figura 29. Espectros Mössbauer à temperatura ambiente de utensílios indígenas
(parte 2)
Por meio da análise dos resultados obtidos é possível verificar que em todas as
amostras analisadas a proporção de Fe3+
é maior que a de Fe2+
. A porcentagem de Fe3+
nas
amostras analisadas variou de 63% a 87%, enquanto que a de Fe2+
variou de 4% a 15%. De
acordo com o modelo proposto pelos resultados obtidos, provavelmente, para fabricar esses
utensílios, foi utilizada uma forma mais oxidante, ou seja, maior contato com o “oxigênio” no
momento da queima, pois o elemento “ferro” foi encontrado em maior proporção com número
de oxidação igual a +3 (espécie mais oxidada.). A maior interação com o oxigênio pode ter
acontecido devido à queima em fogueiras, a céu aberto, “tecnologia indígena”.
O texto a seguir foi retirado do livro de Manoel Pereira de Godoy. Nele, o
historiador registra que era costume dos índios tupi-guaranis produzirem seus materiais
cerâmicos em fogueiras a céu aberto.
-12 -9 -6 -3 0 3 6 9 120.96
0.98
1.00
7% 4% 68% 15% 6%
GL64
Velocity (mm/s)
0.98
1.00
6% 1% 77% 10% 6%
GL46
Re
lative
tra
nsm
issio
n
0.98
1.00
6% 1% 75% 13% 5%
2% 1% 87% 4% 6%
GL41
0.98
1.00
Fe3O
4 Fe
3O
4 Fe
3+ Fe
2+ Fe
2O
3
GL36
77
“Para obter um belo vaso, forte e resistente, o segredo principal estava no
preparo do barro, quase sempre acrescido de certos pós (cinzas) que
tornavam a massa mais plástica, leve, e ainda lhe conferiam resistência.
Escamas de peixes, cinza, carvão moído, vasos velhos e quebrados
(reduzidos a pequenos fragmentos) eram incorporados à argila na
confecção dos vasos. Preparado o barro, o oleiro ou oleira indígena
dividia-o em pequenos bolos, que eram amassados de novo e durante essa
fase o oleiro aproveitava para retirar corpos estranhos aos mesmos, como
pedaços de pauzinhos, pedregulhos, pelotas de barro endurecido, etc.
Ainda, durante essa operação poderia acrescentar mais material plástico
(argila, água, areia fina, etc.), visando a melhor confecção do vaso.
Aqueles que deveriam durar mais tempo tinham paredes mais grossas, até
com dois centímetros de espessura. O vaso era confeccionado e seco á
sombra, onde ganhava resistência, para ser queimado ao lado de grandes
fogueiras a céu aberto, sendo girados periodicamente, para receberem o
calor direto do fogo. Finalizando o oleiro colocava brasas e lenha em
pedaço dentro dos vasos para a queima interna que dava a resistência final
necessária. Testes atuais mostraram que os vasos indígenas eram
queimados a temperaturas em redor de 550º C. Prontos eram pintados,
geralmente nas cores vermelha que traduzia alegria e vitória; preto que
significava o medo, o luto e a dor, e o branco, a singeleza da sua alma
selvagem.” [Godoy, 1974]
78
7. CONCLUSÕES
Fragmentos de cerâmicas são considerados pelos arqueólogos materiais de alto valor
arqueológico, uma vez que cada partícula constitui-se de assinaturas químicas que pode
fornecer informações de acontecimentos do início da história da humanidade.
Para este trabalho foram analisadas amostras de cacos de cerâmicas provenientes do
“Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico das Áreas Atingidas pela
Instalação da Segunda Linha do Mineroduto Samarco”. Essa região do Espírito Santo
corresponde a Área de Influência Direta do empreendimento. Esta área já vem sendo
substancialmente impactada há décadas, com a instalação e operação da 1ª Linha do
Mineroduto Samarco. Desse modo, quase todas as evidências encontradas são relativas a
depósitos arqueológicos já destruídos, dos quais restaram pouquíssimas informações. De
acordo com estudos do grupo de especialistas em arqueologia que forneceu as amostras para
análise, as coleções cerâmicas encontradas apresentam grandes semelhanças quanto às
formas, entretanto era necessária uma pesquisa mais detalhada para proporcionar uma melhor
interpretação das hipóteses já feitas por eles.
Este trabalho foi o primeiro no Brasil em que foram aplicadas, em conjunto, as três
técnicas analíticas: ativação neutrônica, difração de raios X e Espectroscopia Mössbauer.
Além de ser o primeiro no país em que os resultados das concentrações elementares dos
cacos, obtidos pela ativação neutrônica, foram interpretados pelas análises estatísticas usando
o programa R, que valoriza métodos robustos. A difratometria de raios X foi usada para
estudo da composição mineralógica e as análises de Espectroscopia Mössbauer auxiliaram no
entendimento da temperatura de queima desse material.
A similaridade da pasta de argila entre os formatos dos utensílios indígenas foi
verificada pela análise de difração de raios X. O quartzo foi o principal mineral encontrado,
com ausência de outros minerais. Entretanto, a ausência de outros minerais não pode ser
considerada uma indicação de que a pasta cerâmica foi queimada a temperaturas superiores a
esses supostos minerais que poderiam estar presentes, uma vez que a pasta cerâmica poderia
não possuir estes minerais antes da queima. Para certificar esse fato, seria preciso analisar a
fonte de argila e realizar uma comparação. Devido a região estar urbanizada, as fontes de
argila não foram localizadas e consequentemente não foi possível coletar amostras da matéria
prima para a comparação. Com os resultados dessa técnica, foi possível inferir que a
temperatura de queima foi inferior a temperatura de deformação do quartzo, já que em todas
as amostras foi identificada a presença de quartzo.
79
Através da análise dos resultados obtidos pela Espectroscopia Mössbauer, verificou-se
que em todas as amostras analisadas a proporção de Fe3+
(63% - 87%) é maior que a de Fe2+
(4% - 15%). Provavelmente, para o cozimento dos utensílios, foi utilizado um método em que
havia bastante contato com o “oxigênio” no momento da queima, pois o elemento “ferro” foi
encontrado em maior proporção com número de oxidação igual a +3 (espécie mais oxidada.).
A maior interação com o oxigênio pode ter acontecido devido à queima em fogueiras, a céu
aberto, “tecnologia indígena”. Então, pelo menos, para esta amostragem analisada, pode-se
dizer que os indígenas não tiveram influência da técnica européia (cozimento por meio de
fornos).
Pela avaliação estatística realizada, pode-se observar que as matérias primas dos
fragmentos de cerâmica são diferentes nos dois sítios arqueológicos, no entanto os produtores
do Hiuton usavam argila da mesma fonte, enquanto que os de Bota Fora usavam de diferentes
fontes.
É importante ressaltar que as conclusões deste trabalho referem-se à amostragem
estudada. Para se ter um resultado conclusivo em relação aos sítios do Espírito Santo sugere-
se a análise de um número maior de amostras, desses sítios, de outros sítios arqueológicos da
região e um comparativo com a composição elementar da fonte de manufatura dos utensílios.
Tendo em vista que esse tipo de material cerâmico possui importância na composição
dos fatos sobre a vida na Terra, seria interessante a possibilidade em usar uma forma de
análise na qual as amostras não fossem reduzidas a pó. Existem estudiosos que já tem pensado
em uma maneira de fazer suas determinações com fragmentos inteiros, preservando assim o
material como um todo. Uma sugestão para futuros estudos seria tentar contribuir na
viabilização desses procedimentos para que amostras arqueológicas sejam mantidas intactas,
porém com resultados confiáveis de sua constituição química.
Espera-se, assim, contribuir com os arqueólogos em seus questionamentos sobre o
passado. É relevante compreender um pouco a respeito da cultura Tupiguarani, bem como a
de outras sociedades, pois, certamente, esse conhecimento pode agregar positivamente em
nossos valores atuais, principalmente em relação a forma com que aqueles povos se
respeitavam.
80
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87
ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1
, das amostras dos fragmentos de cerâmicas
analisados por Ativação Neutrônica.
ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1
, das amostras dos fragmentos de cerâmicas
analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)
89
ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1
, das amostras dos fragmentos de cerâmicas
analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)
90
ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1
, das amostras dos fragmentos de cerâmicas
analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)
91
ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1
, das amostras dos fragmentos de cerâmicas
analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)
92
ANEXO I. Concentração elementar, em mg kg-1
, das amostras dos fragmentos de cerâmicas
analisados por Ativação Neutrônica. (Continuação)
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ANEXO III – A cultura tupiguarani
As mulheres ocupavam-se com o trabalho agrícola (desde o plantio e semeadura até a
conservação e a colheita) e as atividades de coleta (de frutas silvestres, de mariscos etc.)
colaboravam nas pescarias indo buscar o peixe flechado pelos homens, transportavam
produtos das caçadas, aprisionavam as formigas voadoras, fabricavam farinha, preparavam as
raízes e o milho para a produção do cauim (bebida fermentada que acompanhava festas e
rituais), incumbindo-se da salivação do milho, fabricavam azeite de coco, fiavam algodão,
cuidavam dos animais domésticos, realizavam todos os serviços relacionados com a
manutenção da casa. Os homens ocupavam-se com a derrubada e a recuperação da terra para
a horticultura, entregando-as prontas para o plantio das mulheres, praticavam a caça e a pesca,
fabricavam canoas e claro que a proteção das mulheres, crianças e velhos faziam parte das
atividades masculinas, bem como a realização de expedições de guerreiros e o sacrifício de
inimigos ou de animais como a onça constituíram-se tarefas estritamente masculinas
[Holanda, 1960].
Em 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil se espantaram com alguns
hábitos das tribos tupis como, por exemplo, a antropofagia: ritual milenar de alguns índios
americanos que se consistia em uma cerimônia que misturava bravura, ódio e até respeito pelo
inimigo. Nas guerras rotineiras entre as tribos, a vitória de uma delas lhe garantia o direito de
devorar um dos guerreiros da tribo inimiga. O prisioneiro era levado para a aldeia e obrigado
a desfilar diante das pessoas enquanto todos o ameaçavam, prometendo-lhe a morte. A
execução poderia demorar quase um ano para acontecer. Enquanto isso, o prisioneiro era
muito bem tratado, alimentado e poderia até receber uma esposa. Quando se aproximava o dia
de sua morte, as tribos vizinhas eram convidadas para a grande festa. Chegado o dia, o
prisioneiro e o escolhido para ser o executor eram enfeitados com cores fortes e brilhantes,
depois de imobilizado, o prisioneiro tinha a cabeça arrebentada com a Ibirapema (espécie de
clava pesada usada na execução de cativos por índios guerreiros). O corpo era limpo, cozido
em grandes panelas e saboreado pelos parentes. Os estudiosos desse assunto ressaltavam que
o ritual da antropofagia é repleto de simbologias dentre elas:
• momento para se vingar das comunidades indígenas rivais.
• oportunidade para satisfazer e louvar aos deuses indígenas.
• significava o fortalecimento do espírito guerreiro quando este ingeria carne humana.
• estabelecer alianças com outras tribos.
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Uma das coisas que mais intrigou os europeus quando atingiram a costa brasileira,
foram às sangrentas guerras entre as diversas tribos indígenas que muitas vezes pertenciam à
mesma etnia. Muitos conquistadores chegaram a se perguntar, por que aqueles povos viviam
em constante estado de guerra se não tinham propriedades, nem reinos ou senhores para
defender? Muitas possibilidades foram levantadas ao longo do tempo na tentativa de explicar
o espírito guerreiro dos nativos. Alguns cronistas da época através de seus relatos associam a
guerra ao espírito de vingança dos nativos, tentando integrar os mortos ao mundo dos vivos.
Por exemplo narra o cronista da época Andre Trevet “Todas suas guerras não se devem senão
a um absurdo e gratuito sentimento de vingança”. (Bogliolo, 1997).
Outra hipótese que busca explicar o espírito guerreiro dos nativos era a busca de novos
territórios, devido o esgotamento do território antigo, o que poderia acarretar choques entre as
tribos na disputa por terras férteis. Por exemplo, isto pode ter acontecido antes da chegada dos
conquistadores quando os Tupis expulsaram os Tapuios do litoral e estes anteriormente
expulsaram os povos sambaquis.
Porem deve-se compreender que a guerra para os tupis não tinha como finalidade a
escravidão e muito menos a aniquilação de seus contrários, pois isso iria contra a essência
guerreira e igualitária da sociedade tupi-guarani.
Como afirma o historiador Luiz Koshiba ”A guerra indígena não poderia
redundar na completa aniquilação do inimigo, pois como guerreiros, os índios
só poderiam existir uns contra os outros”. (Koshiba, 1993)
Portanto quando partiam para a guerra os tupis, previamente faziam reverencias a seus
antepassados guerreiros e saiam em busca não de riquezas ou escravos, mas dos maiores
números de prisioneiros possíveis.
Sabe-se que os tupis, o principal grupo que habitava o litoral da América portuguesa,
deslocavam-se continuamente no sentido leste–oeste, em busca de uma região que
acreditavam ser a morada de seus ancestrais e ao mesmo tempo, um lugar de abundância,
juventude e imortalidade, “a terra sem mal”. Profetas indígenas percorriam as aldeias
apresentando-se como reencarnação de antepassados heróicos e procurando convencer seus
habitantes a abandonar o trabalho e a dançar. As peregrinações em busca desta verdadeira
“Terra Prometida” provocavam um comportamento nômade ou semi-sedentário entre os tupis.
Em razão disso a sedentarização completa era incompreensível para suas bases
culturais, pois significava o afastamento em relação ao sentido essencial da vida, ou seja, a
96
busca da “TERRA SEM MAL”. A prática de refundação de aldeias seja em busca da “terra
sem mal”, seja provocada pela escassez de caça ou pelo esgotamento do solo, constituía
elemento indissociável da vida tupi.
A maior parte das organizações tribais da parcela da América conquistada pelos
Portugueses era composta por coletores – caçadores nômades ou por comunidades semi-
sedentárias que praticavam a pesca, a caça e no caso destas últimas a agricultura com técnicas
rudimentares. Uma vez esgotada a fertilidade do solo, pelas queimadas realizadas antes do
plantio devido às sucessivas colheitas, os campos eram abandonados e as tribos saiam em
busca de novas terras, onde estabeleciam novas aldeias.
As aldeias que podia abrigar de 500 acerca de 3 mil índios eram compostas por
malocas que ficavam em torno de uma espécie de pátio central. Inimizades ou alianças
definiam as relações entre as diversas aldeias e operações de guerra. No entanto, não era
estabelecida nenhuma autoridade central que se impusesse a todas, nem a delimitação clara de
fronteiras entre suas áreas. O prestígio de alguns chefes podia circunstancialmente,
transformar-se em liderança política em caso de expedições guerreiras, mas não em uma
organização duradoura. A estrutura da chefia era tão difusa quanto às das unidades sociais.
Cada maloca dentro de uma aldeia tinha um indivíduo principal, que era alguém que
conseguiria reunir em torno de si uma grande parentela. Todo chefe além de sogro era um
grande matador e líder de um grupo guerreiro.
Várias malocas aliadas formavam uma aldeia, assim como várias aldeias formavam
um “cacicado”. Ser filho de chefe não era senão um ponto de partida para se reivindicar essa
condição – não era, porém, nem condição necessária, nem suficiente. Era preciso ser o mais
valente, o que mais proezas fez na guerra, o que mais massacrou inimigos, o que possuísse
maior família, o maior número de mulheres (poligamia) e maior número de cativos. Não havia
uma regra mecânica de sucessão à chefia, pois a estrutura do poder dependia do evento, da
circunstância dos caprichos do acontecimento. Assim o acesso a chefia e seu exercício
dependiam em primeiro lugar do processo de constituição das unidades domésticas das
estratégias matrimoniais e das virtudes pessoais do indivíduo, do que de uma autoridade
emanada de um “lugar da chefia”.
Era preciso ser capaz de articular uma parentela forte, ser temido e respeitado como
guerreiro e ser como os Xamâs (grande orador, líder que se comunicava com os encantados e
entidades ancestrais através de cânticos e danças.). A poligamia e a virilocalidade (prática que
se consistia quando a esposa ia morar com os parentes do “marido”.) não eram privilégios de
um chefe, mas, essas, normalmente, estavam presentes entre as características de um chefe:
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ter muitas mulheres.
As sociedades tupis estavam concentradas em sua maioria no litoral e organizavam-se
em cacicados caracterizados por uma complexa hierarquia social sob a tutela de um chefe. Os
cacicados mantinham-se e formavam-se pela lógica da guerra. Uma aldeia tupi típica
organizava-se em torno de quatro ou oito malocas dispostas em círculos. Cada uma dessas
malocas agrupava várias famílias que dormiam em redes.
O interior das malocas foi descrito por Hans Staden “não tinha divisões no interior,
nem um quarto a cada ocupante, porém, marido e mulher, possuíam de um lado um
espaço de doze pés ao comprido. O espaço correspondente do outro e ocupado por
outro ocupante fazia com que assim ficassem repletas as cabanas. Cada ocupante
possuía seu fogo próprio. O chefe da cabana recebia seu lugar no centro”. (Staden,
1930)
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ANEXO IV - Trabalhos apresentados em congressos
FARIA, G. L. O.; M. Â. B. C. MENEZES; L. RIBEIRO; JÁCOME, C. P.; JACIMOVIC, R.
Provenance study of Brazilain Tupiguarani Tradition Pottery applying the k0-standardization
method. In: 5th International k0-Users Workshop, 13-17 de setembro, 2009, Belo Horizonte.
Book of Abstracts, 2009.
Trabalho completo:
FARIA, G. L. O.; M. Â. B. C. MENEZES; L. RIBEIRO ; JÁCOME, C. P. . Neutron
activation analysis and provenance study of Tupiguarani Tradition pottery. In: International
Nuclear Atlantic Conference, INAC2009; X National Meeting on Nuclear Applications, IX
ENAN, 27 de setembro a 2 de outubro, 2009, Rio de Janeiro. Innovations in Nuclear
Technology for a Sustainable Future. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Energia
Nuclear, ABEN, 2009.