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GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Professor Associado do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1 CONSULTA Honra-me o eminente advogado Doutor Alexandre Pacheco Martins, formulando consulta, com pedido de parecer, sobre acordão proferido no julgamento do Habeas Corpus registrado sob o nº 1410141- 30.2016.8.12.0000, que tramita perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Mato Grosso, no qual figura como paciente Luiz Eduardo Auricchio Bottura, visando o trancamento de ação penal registrada sob o n. 0800168-68.2015.8.12.0022, da Vara Única da Comarca de Anaurilândia. A consulta veio acompanhada de mais de uma dezena de documentos. 1 O questionamento diz respeito, basicamente, à possiblidade de se reconhecer a nulidade parcial de uma denúncia, em que são imputados vários crimes. Assim, relatado o assunto, o consulente formula os quesitos abaixo arrolados. 1 Foram enviadas cópias eletrônicas dos seguintes documentos: (1) Petição inicial do Habeas Corpus Habeas Corpus nº 1410141-30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (2) Acórdão do Habeas Corpus nº 1410141-30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (3) Embargos de Declaração do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, contra Acórdão do Habeas Corpus nº 1410141-30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul; (4) Embargos de Declaração de Eduardo Bottura, contra Acórdão do Habeas Corpus nº 1410141- 30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (5) Acórdão do Habeas Corpus nº 1410471-27.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (6) Embargos de Declaração de Eduardo Bottura, contra Acórdão do Habeas Corpus nº 1410471-27.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (7) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 75.180/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (8) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 75.287/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (9) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 76.033/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (10) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 76.060/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (11) acordão dos embargos de declaração no Recurso em Habeas Corpus nº 76.060/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (12) acórdão da Reclamação nº 32.616/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (13) denúncia no processo nº 0800168-68.2015.8.12.0022, da comarca de Anaurilândia,

CONSULTA · 2017. 2. 4. · GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ 4 alguém.6 A infração penal é um fato jurídico, isto é, um fato conforme um modelo ou tipo penal. Logo, o conteúdo

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  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal

    pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

    Professor Associado do Departamento de Direito Processual

    da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

    1

    CONSULTA

    Honra-me o eminente advogado Doutor Alexandre Pacheco

    Martins, formulando consulta , com pedido de parecer, sobre acordão

    proferido no julgamento do Habeas Corpus registrado sob o nº 1410141-

    30.2016.8.12.0000, que tramita perante o Egrégio Tribunal de Justiça do

    Mato Grosso, no qual figura como paciente Luiz Eduardo Auricchio

    Bottura, visando o trancamento de ação penal registrada sob o n.

    0800168-68.2015.8.12.0022, da Vara Única da Comarca de Anaurilândia.

    A consulta veio acompanhada de mais de uma dezena de

    documentos.1

    O questionamento diz respeito, basicamente, à possiblidade

    de se reconhecer a nulidade parcial de uma denúncia, em que são

    imputados vários crimes.

    Assim, relatado o assunto, o consulente formula os quesitos

    abaixo arrolados.

    1 Foram enviadas cópias eletrônicas dos seguintes documentos: (1) Petição inicial do Habeas Corpus

    nº Habeas Corpus nº 1410141-30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (2)

    Acórdão do Habeas Corpus nº 1410141-30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do

    SUL; (3) Embargos de Declaração do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, contra Acórdão do

    Habeas Corpus nº 1410141-30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul; (4)

    Embargos de Declaração de Eduardo Bottura, contra Acórdão do Habeas Corpus nº 1410141-

    30.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (5) Acórdão do Habeas Corpus nº

    1410471-27.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (6) Embargos de

    Declaração de Eduardo Bottura, contra Acórdão do Habeas Corpus nº 1410471-27.2016.8.12.0000, do

    Tribunal de Justiça do Mato Grosso do SUL; (7) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 75.180/MS,

    do Superior Tribunal de Justiça; (8) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 75.287/MS, do Superior

    Tribunal de Justiça; (9) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 76.033/MS, do Superior Tribunal de

    Justiça; (10) acórdão do Recurso em Habeas Corpus nº 76.060/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (11)

    acordão dos embargos de declaração no Recurso em Habeas Corpus nº 76.060/MS, do Superior Tribunal

    de Justiça; (12) acórdão da Reclamação nº 32.616/MS, do Superior Tribunal de Justiça; (13) denúncia no

    processo nº 0800168-68.2015.8.12.0022, da comarca de Anaurilândia,

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

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    QUESITOS

    1. O que é o objeto do processo penal?

    2. O processo penal pode ter objeto composto?

    3. No caso de cumulação de objetos do processo, tal objeto será

    divisível?

    4. No caso de cúmulo objetivo, cada capítulo da acusação poderá receber

    um tratamento autônomo dos demais?

    5. O crime do art. 288 do Código Penal apresenta relação de

    subordinação ou de acessoriedade com algum outro delito?

    6. No caso concreto, o provimento do Recurso em Habeas Corpus

    nº 65.747/MS e Recurso em Habeas Corpus nº 70.596/MS, pelo Superior

    Tribunal de justiça, implicou a nulidade total da denúncia ofertada no

    processo nº 0800168-68.2015.8.12.0022, que tramita na Vara Única de

    Anaurilândia?

    7. Do ponto de vista da teoria da nulidade processuais, é correto o

    reconhecimento de uma nulidade parcial da denúncia?

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    3

    PARECER

    1. A pretensão processual como objeto do processo

    A definição da possibilidade de anulação parcial da de uma

    denúncia exige que se fixem duas premissas: (1) o que é o objeto do

    processo penal; (2) o objeto do processo penal pode ser divisível . O

    presente item responderá a primeira questão.

    O objeto do processo penal é a pretensão processual. Por sua

    vez, o conceito de pretensão processual, como objeto do processo penal,

    leva ao conceito de imputação penal.

    Imputar significa atribuir um fato penalmente relevante a

    alguém.2 No processo penal, a imputação é o ato processual por meio do

    qual se formula a pretensão processual. É a formulação da pretensão

    penal.3

    A imputação é a afirmação do fato que se atribui ao sujeito,

    a afirmação de um tipo penal e a afirmação da conformidade do fato com

    o tipo penal. 4 Como sintetiza Frederico Marques, “na imputação, há os

    seguintes elementos: a) descrição de fatos; b) qualificação jurídico -penal

    desses fatos; c) a atribuição dos fatos descritos a alguém”. 5 Seu

    conteúdo, pois, só pode ser a atribuição do fato concreto que se enquadra

    em um tipo penal. O objeto da imputação é o fato que foi atribuído a

    2  Nesse sentido: Luigi Sansò, La correlazione fra imputazione contestata e sentenza. Milano: Giuffrè,

    1953, p. 93; Giovanni Leone, Trattato di diritto processuale penale. Napoli: Jovene, 1961, v. 2, p. 255. 3  Francesco Carnelutti, Cenni sull‟imputazione penale. Rivista di Diritto Processuale, 1948, p. 207. 4 Nesse sentido: Francesco Carnelutti, Lecciones sobre el proceso penal. Trad. de Santiago Sentís

    Melendo. Buenos Aires: Bosch, 1950 v. 4, p. 9; Sansò, La correlazione..., p. 263, nota 13. 5 José Frederico Marques,Elementos de direito processual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1965. v

    v. 2, p. 237.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    4

    alguém .6

    A infração penal é um fato jurídico, isto é, um fato conforme

    um modelo ou tipo penal. Logo, o conteúdo da imputação é a afirmação

    de que uma pessoa (o imputado) praticou um fato previsto em uma norma

    como infração penal .7

    Em estudo sobre o tema, já nos posicionamos no sen tido de

    que, sendo a pretensão processual objeto do processo, “e sendo a

    imputação o meio pelo qual se formula tal pretensão, o objeto do

    processo penal não pode ser a imputação, que é o veículo da pretensão. 8

    Por isso, o objeto do processo penal não é a i mputação, mas sim

    aquilo que foi imputado , isto é, o objeto dessa imputação .

    2. Do objeto do processo simples e do objeto do processo composto

    Sendo o objeto do processo penal a pretensão processual,

    cujo conteúdo se identifica com o conteúdo da imput ação, isto é, o fato

    concreto penalmente relevante, que se atribui ao acusado, coloca -se a

    segunda questão: o objeto do processo penal é incindível ou poderá ser

    dividido.

    Evidente que há um núcleo mínimo para constituir objeto de

    um processo penal. É preciso que se impute, ao menos, um crime, em

    todos os seus aspectos concretos, atribuindo -o a um acusado. Ou seja, o

    conteúdo mínimo de uma imputação penal é a atribuição de um único

    crime, a apenas um acusado. Por exemplo, seria o caso de imputação de

    um crime de roubo, ao acusado A .

    Para julgar a imputação o juiz resolve questões de fato e de

    direito. Tais questões não são aptas a caracterizar capítulos autônomos

    6  Assim, Sansò (La correlazione..., p. 93), para quem “a imputação é a atribuição de um fato a um

    sujeito. „Conteúdo‟ da imputação é, por isso, a atribuição do fato; objeto da imputação é o fato atribuído”.

    Franco Cordero (Considerazioni sul principio d‟identità del fatto. Rivista Italiana di Diritto e Procedura

    Penale, 1938, p. 910): “o fato constitui o objeto do processo”. 7.  Nesse sentido: Carnelutti, Lecciones..., v. 4, p. 9; Sansò, La correlazione..., p. 305; Giuseppe Sabatini,

    Principii costituzionali del processo penal. Napoli: Jovene, 1976, p. 60. 8  Gustavo Henrique Badaró, Correlação entre acusação e sentença. 3 ed. São Paulo: RT, 2013, p. 76.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    5

    da denúncia e, consequentemente, no futuro, da sentença. 9Embora a

    solução das questões de mérito influencie na formação lógica da sentença

    e concorram para determinar seu conteúdo, consideradas isoladamente

    não possuem relevo autônomo; pelo contrário, visam à preparação de um

    ato final sobre o objeto do processo. 10

    Por outro lado, é possível que o objeto do processo penal se

    apresente composto . Isto é, formado por mais de uma imputação, que

    por si só seria apta a caracterizar o conteúdo isolado de um processo

    penal. Há variáveis possibilidade de objetos do processo cumulados: (i)

    cúmulo objetivo, (ii) cúmulo subjetivo; (i ii) cúmulo objetivo -subjetivo.

    No caso do cúmulo objetivo, há a imputação de mais de um

    crime. A imputação conjunta, em um único pro cesso penal, normalmente

    decorre da aplicação de regras de conexão ou de con tinência. Por

    exemplo, imputa-se ao acusado A,o crime de roubo e o de resistência.

    Já no cúmulo subjetivo há a atribuição de um mesmo crime,

    há mais de um acusado. Isso poder ocorrer em crime de concurso

    necessário de pessoas como, por exemplo, na associ ação criminosa, ou

    em delito de concurso eventual de pessoas, com no caso em que A e B ,

    em concurso de agentes, praticam um roubo. 11No processo com

    cumulação subjetiva haverá a formação de um litisconsórcio passivo.

    Por fim, é possível que haja um cúmulo objetivo-subjetivo,

    em que há mais de um crime, imputado a mais de um acusado. Nesse

    caso, é possível que ambos crimes sejam atribuídos a mais de um sujeito,

    em concurso de agentes. Por exemplo, imputa -se a A e a B aprática tanto

    do roubo, quanto da resistência. Mas também é possível que haja cúmulo

    objetivo-subjetivo, atribuindo-se um deli to a um acusado, e outro crime,

    9 Nesse sentido é o pensamento de Carnelutti, para quem os capítulos de sentença identificam-se não

    com algo que possa ser objeto autônomo de uma demanda, mas com as questões. Para o autor (Sulla

    “reformatio in peius”, p. 184), “dei capi della sentenza, debbono esserci dei capi nella lite. (...) Il vero è

    che il capo non è una parte o frazione dell‟interesse o del bene in lite; ma una delle questioni” (destaques

    do autor). E, em outro estudo (Capo di sentenza. Rivista di Diritto Procesuale, 1933. p. 122), explica que

    essa definição não era absolutamente exata, sendo que, na verdade, “il capo non è la questione, ma la

    soluzione della questione”. Correta, no entanto, a crítica de Tullio Segrè(Cassazione parziale e limiti del

    giudizio di rinvio. Rivista di Diritto Processuale, 1935, p. 13): “le questioni intorno ai presupposti di fatto

    o di diritto della pretesa non sono parti ma causa della lite; e loro soluzioni non sono capi ma motivi della

    decisione” (destaques do autor). 10 Nesse sentido, Enrico Tullio Liebman. “Parte” o “capo” di sentenza, p. 54. 11

    Em qualquer dos dois casos, o fundamento da unidade processual será a continência por cumulação

    subjetiva (CPP, art. 77, inc. I).

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    6

    a um segundo acusado. Por exemplo: atribui -se a A prática de corrupção

    ativa e a B a prática de corrupção passiva, em situação de bila teralidade

    da corrupção.

    Havendo imputação por mais de um deli to, a denúncia terá

    seu objeto composto por mais de um crime. Cada crime, em si, podendo

    ser, em tese, objeto de uma denúncia autônoma, será um capítulo

    específico da acusação. No caso de cumulação objetiva, apenas

    formalmente a denúncia e a sentença serão unitárias em razão de regras

    de conexão e continência. Substancialmente, porém, serão tantas

    acusações quantos foram os crimes .E tantos capítulos da sentença,

    quantas forem as acusações.

    3. Capítulos da denúncia e capítulos da sentença

    Havendo cúmulo objetivo, por ser o objeto do processo

    composto, isso repercutirá no conteúdo da sentença.

    Se há uma regra de correlação entre acusação e sentença, é

    evidente que, no caso em que a acusação apresenta a imputação de mais

    de um crime, também a sentença terá que julgar mais de um delito. O

    mesmo se diga no caso de cúmulo subjetivo. A sentença julgará tantos

    réus quantos forem os acusados na denúncia ou queixa.

    Sendo a denúncia um projeto de sentença.12

    Se o projeto e

    composto, o resultado final também o será.

    Nesse caso, evidente que a sentença será decomponível em

    tantos capítulos quantos foram os capítulos da acusação. A divisibilidade

    do julgamento será um reflexo que o cúmulo de pretensões produz na

    12 Pablo Meza Figueroa, De la ultra petita en el proceso penal chileno. Santiago: Juridica de Chile,

    1969, p. 32. Em relação ao processo civil, Hans Sperl (Il processo civile nel sistema del diritto. Trad.

    Giovanni Cristofolini. Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda. Padova: Cedam,

    1927. p. 819) afirma que “la petizione è il progettodi sentenza (Unteilsantrag) di una parte” (destaques

    nossos).

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    7

    sentença.13 Cada decisão sobre uma das pretensões será um capítulo da

    sentença, no caso de cumulação de pretensões.

    O tema é tratado no processo civil, de forma mais complexa,

    até mesmo em razão da possibil idade não só de cumulação simples de

    pedidos, mas também de formulação de pedidos alternativos e

    sucessivos. Como explica Chiovenda, haverá tantos capítulos de sentença

    quantos forem os capítulos da demanda. 14

    De qualquer forma, no processo penal, cada vez que se

    imputa mais de um deli to ao acusado, na verdade, se está diante de

    várias imputações, ou melhor, de tantas imputações quantos são os

    delitos atribuídos.

    Na doutrina nacional , embora com conceito até mais amplo,

    por abranger todas as questões, julgadas, suscitadas ou discutidas no

    processo, Frederico Marques também entende que “cada um dos pedidos

    cumulados em simultaneus processos, denominam-se „capítulos de

    sentença‟”.15

    No processo penal, talposição é defendida por Carnelutti:

    “toda imputación t iene por objeto un hecho; si

    13 Segundo Guiseppe Chiovenda (Principii di diritto processuale civile. Nápoles: Jovene, 1965, § 91, p.

    1.128), “si ha cumulo obbiettivo quando l‟attore propone contro il convenuto più domande ciascuna delle

    quali possa immaginarsi come oggetto separato di un rapporto processuale”. Na doutrina nacional, para

    Araken de Assis (Cumulação de ações, 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 231), “o traço comum das ações

    cumuladas consiste na aptidão de cada ação de se incluir como objeto de uma relação processual

    independente. O autor as formula no mesmo processo por razões de economia”. 14 Para Chiovenda (Principii..., § 91, p. 1.136), “I capi di sentenza corrispondono ai capi di domana

    dell‟art. 73: quindi non si dirà che una sentenza ha più capi solo perchè ha più parti in senso logico, o sai

    perchè risolve più questioni” (destaques do autor). Essa posição também é aceita por Liebman (“Parte” o

    “capo” di sentenza. Rivista di Diritto Processuale, 1964. p. 53), para quem “risulta confermata l‟opinione

    che fa corrispondere i capi di sentenza ai capi di domanda” (destaques do autor). Semelhante é a posição

    de Piero Calamandrei(Appunti sulla “reformatio in peius”, Rivista di Diritto Processuale, 1929. p. 300),

    que define capo di sentenza como “l‟accertamento di una singola volontà di legge, cioè un atto

    giurisdizionale completo e tale da poter costituire da solo, anche separato dagli altri capi, il contenuto di

    una sentenza”.No mesmo sentido, na doutrina nacional, Marcelo José Magalhães Bonício (Capítulos da

    sentença e efeitos dos recursos. São Paulo: RCS Ed., 2006, p. 39) afirma que: “quando há um cúmulo de

    pedidos numa única demanda, fica fácil entenderemos que, cada uma das decisões acerca desse pedido,

    que poderiam ter sido formulados em demandas distintas, constituem um capítulo autônomo de sentença”. 15

    José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1987, v. 3, p.

    45. No mesmo sentido: Cândido Rangel Dinamarco, Capítulos de sentença, 4ed. São Paulo: Malheiros,

    2009, p. 77; Paulo Henrique dos Santos Lucon, Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo:

    RT, 2000, p. 382.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    8

    varios hechos se imputan como delitos, las

    imputaciones son varias, no una sola; tantas las

    imputaciones como los hechos

    imputados” .16(destaquei).

    Ainda no mesmo sentido é o posicionamento de Foschini:

    “capi della decisione , invece, sono quelli

    elementi logici della decisione che riguardano non

    una qualsiasi questione, ma solo quelle tra di esse

    che avrebbe potuto costituire, in linea astratta,

    anche autonoma materia di processo”.17

    (destaquei).

    Consequência disso é que a sentença não poderá ter menor

    número de capítulos que o número de imputações, sob pena de ser uma

    decisão citra petita .

    Por outro lado, cada capítulo, em regra, poderá ter decisão

    autônoma: assim, é possível que todos recebam decisão em seu mérito,

    sendo absolutória em relação a um, e condenatória quanto ao outro.

    Também poderá haver julgamento de mérito em relação a um, mas

    extinção sem resolução do mérito, quanto ao outro.

    4. Pedidos dependentes e seus efeitos sobre os capítulos da sente nça

    Entre os diversos pedidos formulados no processo e,

    consequentemente, entre os capítulos da sentença, pode existir, ou não,

    um nexo de dependência ou subordinação.

    Não há no ordenamento jurídico brasileiro, no Código de

    Processo Penal, nem no novel Código de Processo Civil, uma disciplina

    específica para os capítulos de sentença dependentes.

    16 Lecciones sobre el processo penal. Trad. de Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: Bosch, 1950, v.

    I, n. 78, p. 193. 17

    Gaetano Foschini, Sistema del diritto processuale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1965, v. I p. 214-

    215.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    9

    No direito estrangeiro, o tema é tratado pelo art . 336 do

    Codice di Procedura Civile italiano, sob a rubrica “Effetti della riforma

    o della cassazione”:

    “La riforma o la cassazione parziale ha effetto

    anche sulle parti della sentenza dipendenti dalla

    parte riformata o cassata.

    La riforma o la cassazione estende i suoi effetti

    ai provvedimenti e agli atti dipendenti dalla sentenza

    riformata o cassata” .18

    (destaquei).

    Ao fenômeno disciplinado noprimo comma , a doutrina

    denomina “efeito expansivo interno”, enquanto que a regra do secondo

    comma tem por objeto o “efeito expansivo externo ” .19

    Todavia, mesmo sem previsão equivalente, tem sido admitida

    a mesma disciplina no processo penal brasileiro.

    Como já tivemos a oportunidade de escrever, quanto ao

    sistema devolutivo dos recursos penais, “os capítulos acessórios ficam

    abrangidos pelo capítulo principal, mesmo que o recorrente não impugne

    o acessório” .20

    Nem poderia ser diferente, pois se há uma relação lógica

    entre duas partes da sentença, que não podem ser tratadas isoladamente,

    o recurso que devolva o conhecimento de uma delas, necessariamente

    devolve a outra parte logicamente dependente, ao conhecimento do

    tribunal.21

    5. Reflexos práticos da regra da independência dos capítulos

    18

    No ab-rogado Codice di Procedura Civile, o art. 543 estabelecia que: “(…) se la sentenza sia cassata

    in uno dei capi, restano fermi gli altri, salvo che siano dipendenti dal capo in cui la sentenza fu cassata”. 19

    Nesse sentido: Crisanto Mandrioli, Diritto Processuale Civile. 13 ed. Torino: G. Giappichelli, 2000,v.

    II, p. 402; Enrico Tulio Liebman, Manuale di Diritto Processual Civile, 3 ed. Milano: Giuffrè, 1976, v.

    III, p. 40. 20

    Gustavo Henrique Badaró, Manual de Recursos Penais. São Paulo; RT, 2016, p. 168. 21

    Nesse sentido: Ary de Azevedo Franco, Código de Processo Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,

    1956, v. 2, p. 312. Na doutrina estrangeira: Vincenzo Manzini, Trattato di diritto processuale penale

    italiano. 6. ed. Torino: UTET, 1972. v. 4, n. 470, p. 618; Ottorrino Vannini, Manuale di Diritto

    Processuale Penale Italiano. 5 ed. Milano: Giuffrè, 1965, p. 426-427; Mario Pisani, Il divieto della

    “reformatio in pejus” nel processo penale italiano. Milano: Giuffrè, 1967, p 33.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    10

    No sistema recursal é que se projetam, com mais clareza, as

    diferenças entre sentenças com capítulos independentes, de um lado, e

    com capítulos subordinados ou dependentes, de outro.

    Por exemplo, no caso de uma sentença com capítulos

    dependentes, a apelação contra apenas o capítulo principal, investe o juiz

    do poder de conhecer os capítulos subordinados ou dependentes. 22 De se

    observar que, esse “efeito devolutivo externo”, como explica Bonsignori,

    não é pleno, mas limitado, podendo examinar e alterar o capítulo

    dependente e que não foi objeto de recurso, na exata medida do

    necessário para tornar possível o julgamento do capítulo do qual

    depende.23

    Assim, o denominado “efeito devolutivo externo”, como

    projeção da vinculação entre os capítulos da sentença, deve ser tratado

    como exceção, como explica Segrè , em clássico estudo sobre o tema:

    “solo in quei casi eccezionali, in cui un capo di

    sentenza trovi in un altro capo la propria base logica,

    l‟ingiustizia di questo implica logicamente

    l‟ingiustizia di quello, e appunto por questa ragione

    il giudice d‟appello conosce in questi casi anche del

    capo di cui non è stata esplicitamente affermata

    l‟ingiustizia”24

    O posicionamento é igualmente aplicável ao processo penal,

    como se verifica da seguinte passagem de Frederico Marques :

    “Quando os capítulos da sentença dependerem

    22

    Nesse sentido, no processo civil: Chiovenda, Princípii …, p. 989. Na doutrina nacional: Frederico

    Marques, Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1963, v. IV p. 163.

    Bonício, Capítulos da sentença …, p. 46. 23

    Angelo Bonsignori (L‟effetto devolutivo nell‟ambito di capi connessi, Rivista trimestrale di Diritto e

    Procedura Civile, 1976, p. 960): “L‟estensione del potere del giudice di esaminarlo non è assoluta e in

    funzione del contenuto del capo pregiudiziale, ma strettamente limitata a rendere possibile il giudizio sul

    capo pregiudicato” 24

    Segrè, Cassazione parziale …, p. 22.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    11

    uns dos outros, a apelação, posto que adstrita ao

    principal, investe o Tribunal do recurso do poder de

    conhecer do subordinado ou acessório”. 25

    Na doutrina penal italiana, Leone explica, com base no que

    se denomina “effetto estensivo della sentenza”, referindo -se a sentença

    do tribunal no julgamento no recurso :

    “L‟effetto estensivo della sentenza, consiste

    nella decisione con la quale il giudice, pronunciando

    sull‟impugnazione di una parte, dispone la riforma o

    l‟annullamento della sentenza anche in confronto di

    un‟altra parte (il cui interesse si trovi in uno dei

    rapporti sopra indicati con quello dell‟impugnante),

    che non solo non ha proposta l‟impugnazione ma non

    ha neanche chiesto, avvalendosi dell‟effetto

    estensivo dell‟impugnazione, la riforma o

    l‟annullamento nel suo interesse”.26

    Em suma, somente no caso em que haja uma relação de

    dependência lógica ou estrita subordinação, entre um capítulo e outro, é

    que o recurso e, consequentemente, a reforma do primeiro, implicará,

    necessária e logicamente, a alteração do segundo, para manter a

    coerência do julgado.

    Com vistas a análise do caso concreto, é importante assentar

    duas premissas, a primeira exposta no item 4, supra , e a outra que consta

    do presente item: (i) no caso de cúmulo objetivo, em que a denúncia

    contiver a imputação de mais de um crime, em regra, cada capítulo será

    considerado autonomamente, como se fosse uma denúncia separada ; (ii)

    excepcionalmente, mesmo no caso de cúmulo objetivo, se os capítulos

    forem dependentes entre si, por relação de prejudiciali dade ou

    subordinação, o resultado do capítulo principal, implicará logicamente

    mudança do capítulo subordinado ou subordinado.

    25

    José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1965, v.

    IV, p. 234. 26

    Giovanni Leone, Lienamenti di Diritto Processuale Penale. 2 ed. Napoli: Jovene, 1951, p. 340

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    12

    Assim, tendo em consideração o caso concreto a ser

    analisado infra , nos itens 7 a 9, somente se se concluir que os capítulos

    da denúncia que foram modificados pelos provimentos dos Recursos em

    Habeas Corpus , quais sejam, o relativo ao crime de corrupção, em que a

    denúncia considerada inepta, e o referente a falsidade ideológica, em que

    houve reconhecimento da atipicidade da condu ta, são principais ou

    subordinantes, em relação aos demais capítulos, e que estes

    necessariamente serão atingidos pelo efeito extensivo dos acórdãos do

    Superior Tribunal de Justiça.

    6. Do crime de quadrilha ou bando e sua relação com os crimes

    fins de tal associação

    Na ação penal que se pretende o trancamento integral

    imputava-se a Eduardo Bottura a prática de cinco cri mes, entre os quais

    o de quadrilha ou bando.

    Considerando que o crime do art. 288 do Código Pen al

    tem entre os seus elementos a finalidade de cometer crimes, é

    necessário verificar se há relação de prejudicialidade ou

    acessoriedade entre os crimes de corrupção ativa e de falsid ade

    ideológica, de um lado, e odelito do art. 288, de outro.

    Poder-se-ia imaginar a existência de uma relação de

    acessoriedade, embora limitada, entre a quadrilha, de um lado, e os

    crimes que os integrantes de tal associação criminal pretendem cometer,

    de outro. Isso porque, o tipo penal do crime de quadrilha ou bando

    poderia ser considerado acessório em relação aos crimes que são o

    propósito de tal sociedade delinquencial .

    Todavia, bem analisada a questão, verifica -se que sequer há

    essa relação de acessoriedade. Isso porque, não é elemento do crime do

    art. 288 do Código Penal a existência ou a prática de outro crime .

    Tal relação existe, por exemplo, no crime de receptação, no

    favorecimento real, no favorecimento pessoal, ou na lavagem de

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    13

    dinheiro, por exemplo. A receptação tem como um de seus elementos

    “coisa que é produto de crime” (CP, a rt . 180, caput). No favorecimento

    pessoal, presta-se auxílio a “autor de crime” (CP, art. 348, caput) e no

    favorecimento real, presta-se auxílio “destinado a tornar seguro o

    proveito do crime” (CP, art . 349, caput). Na lavagem de dinheiro, oculta -

    se ou dissimula-se característ icas de “bens, direitos ou valores

    provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (Lei nº

    9.613/1998). Em todos esses casos, para que ocorra um dos crimes

    acessórios acima exemplificados, é necessário a existência de um outr o

    crime, que já deverá ter sido praticado.

    Não é esta, contudo, a situação do antigo crime de quadrilha

    ou bando, atualmente denominado associação criminosa. O tipo penal do

    art . 288 do Código Penal não pressupõe a existência de um outro crime ,

    mas apenas a intenção de vir a praticar crimes !

    Aliás, há um consenso de que sequer é necessária a prática

    de qualquer crime para que exista a quadrilha, sendo perfeitamente

    possível a existência e a condenação por quadrilha, ainda que nenhum

    crime tenha sido praticado pelos seus membros . Basta que,

    efetivamente, exista a associação com essa finalidade, mesmo que sem a

    efetiva realização de tal escopo ilícito.Explica Hungria:

    “como se vê do art. 288, para que exista o crime

    de quadrilha ou bando é suficiente o me ro fato de se

    associarem mais de três pessoas (no mínimo quatro)

    para o fim de cometer crimes, sem necessidade,

    sequer, do começo de execução de qualquer deles ,

    isto é, independentemente da atuação do mais ou

    menos extenso plano criminoso que os associados se

    hajam proposto”. 27

    E o posicionamento continua atual , com se verifica em Luiz

    Regis Prado: “Não é necessário que a associação tenha cometido algum

    crime para que o delito se concretize. A simples união já é o

    27

    Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. IX, p. 177.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    14

    suficiente”. 28

    A jurisprudência também é tranquila nesse sentido, conforme

    se vê no seguinte aresto do Supremo Tribunal Federal:

    “O delito de formação de quadrilha ou bando é

    formal e se consuma no momento em que se

    concretiza a convergência de vontades,

    independentemente da realização ulterior do fim

    visado. Ordem denegada”. 29

    Enquanto que nos crimes que há relação de acessoriedade há

    necessidade de efetiva existênc ia e prática do crime principal; na

    quadrilha estes são meramente um intento ou seu fadário. Lá, exige -se

    um crime em ato; aqui, crimes em potência!

    Evidente que, uma denúncia pelo deli to de quadrilha ou

    bando, porque este tem como elemento intenção específica de praticar

    crimes, deverá narrar, concreta e especificamente, da existência de

    societas scelleris – isto é a reunião estável e permanente de mais de três

    pessoas, bem como o propósito de cometer crimes, indicando quais

    seriam estes delitos que constituem a meta optata da organização de

    malfeitores.

    Isso não significa, contudo, que será exigido uma im putação

    completa dos crimes almejados pela quadrilha.Desde que, na denúncia

    em que se imputa o delito do art . 288 do Código Penal, esteja descrito de

    forma individualizada, de molde a permitir a at ividade probatória para

    verificação de sua ocorrência ou não, do especial fim de agir, com os

    delitos almejados pela associação criminal, a denúncia será apta quanto

    ao crime de quadrilha ou bando.

    28

    Tratado de Direito Penal.São Paulo: RT, 2014, v. 6, p. 247. No mesmo sentido Cezar Roberto

    Bitencourt, Tratado de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2011, p. 380. 29

    STF, HC 84.223/RS, 1.ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 03.08.2004, v.u. No mesmo sentido posiciona-

    se, também, o Superior Tribunal de Justiça: “O delito de quadrilha, formal e de perigo, envolve a

    associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes. De acordo com a doutrina e a

    jurisprudência, não é necessário que tais infrações penais idealizadas venham a se concretizar para que se

    aperfeiçoe a tipificação” (HC 135.715/MS, 6.ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.

    03.02.2011, v.u.). Cite-se, ainda. STJ, REsp 654.951/DF, 5.ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 04.11.2004,

    v.u.; STJ, REsp 103.578/RJ, 6.ª Turma, rel. Min. Vicente Leal, j. 18.10.1999, v.u.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    15

    Evidente que, se no mesmo processo, também se atribuir, em

    cúmulo objetivo, a prática dos crimes já efetivamente pra ticados pela

    quadrilha, para que a peça acusatória seja apta, com relação a esses

    delitos – p. ex.: roubo de carga – , é necessário que haja uma narrativa

    completa e pormenorizada, com o fato crimin oso e todas suas

    circunstâncias. Ou seja, no exemplo citado , seria necessário descrever,

    com se deu a subtração, qual a coisa alheia móvel, em que circunstância

    de tempo, lugar e modo de execução, quem a praticou, etc. ..

    Destaque-se que, em relação ao crime de falsidade

    ideológica, poderia haver, concretamente, u ma relação contingente de

    acessoriedade. Isso se a denúncia por quadrilha narrasse que tal grupo de

    malfeitores almejava a prática de crimes de falsidade ideológicas – e

    somente tais crimes – , consistentes exatamente no que se reconheceu ser

    uma conduta at ípica. Nesse caso, não seria possível subsistir a quadrilha.

    Mas essa não é a situação do caso em análise, como se verá na sequência.

    7. Do caso concreto: análise dos objetos do processo nº 0800168-

    68.2015.8.12.0022

    Estabelecidas as premissas acima, cabe verificar,

    concretamente, qual ou quais são os objetos do processo registrado sob o

    nº 0800168-68.2015.8.12.0022, que tramita perante o Juízo de Direito da

    Vara Única da Comarca de Anaurilândia, da Justiça do Estado d o Mato

    Grosso do Sul. Aos acusados, imputou-se os seguintes crimes: falsidade

    ideológica, corrupção ativa, corrupção passiva, associação criminosa,

    violação de sigilo funcional, quebra ilegal de sigilo telefônico.

    Segundo a denúncia, no ano de 2007, Marg arida Elizabeth

    Weiler se associou a Eduardo Garcia d a Silveira Neto, Juvenal

    Laurentino Martins e Luiz Eduardo Auricchio Bottura, criando um

    esquema de favorecimento de decisões judiciais que visavam ao

    enriquecimento dos mesmos, e à obtenção informa ções sigilosas dos

    desafetos de Luiz Eduardo Auricchio Bottura .

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    16

    Além dos delitos acima mencionados, Luiz Eduardo

    Auricchio Bottura e Eduardo Garcia da Silveira Neto também foram

    denunciados por corrupção ativa , e Margarida Elizabeth Weiler ,

    juntamente com Juvenal Laurentino Martins, por corrupção passiva. Mais

    especificamente, segundo a denúncia, Luiz Eduardo Auricchio Bottura e

    Eduardo Garcia da Silveira Neto ofereceram vantagem indevida para

    Margarida Elizabeth Weiler e Juvenal Laurentino Mart ins, para que

    estes, em razão detal vantagem, praticassem ato de ofício, infringindo

    dever funcional.

    Aos quatro acusados supramencionados também foram

    imputados o delito do art. 10 da Lei nº 9.296/1996 (crimes de

    interceptação de comunicações de informática e tele mática) , bem como

    de formação de quadrilha (CP, art. 288, caput).

    Por fim, imputou-se a Margarida Elizabeth Weiler, Eduardo

    Garcia da Silveira Neto , Luiz Eduardo Auricchio Bottura e Eduardo

    Garcia da Silveira Neto o crime do art . 10 da Lei Complementar

    nº 105/2001.

    Insurgindo-se contra tal denúncia, foram interpostos vários

    Habeas Corpus em favor de Luiz Eduardo Auricchio Bottura , perante o

    Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que denegou as ordens.

    Contra referidas denegações, foram interpostosRecursos Ordinários em

    Habeas Corpus , perante o Superior Tribunal de Justiça, sendo que , dois

    deles, foram providos, como será exposto, na sequência, nos itens 6 e 7

    infra .

    Em suma, por meio de Recursos Ordinários em Habeas

    Corpus , providos pelo Superior Tribunal de Justiça, em favor do

    PacienteEduardo Bottura, foi determinado por aquele Tribunal o

    trancamento, da ação penal que tramita na Vara Única da Comarca de

    Anaurilândia, tanto em relação ao delito de corrupção – por inépcia – ,

    quanto do crime de falsidade ideológica que, na espécie, foi considerado

    atípico.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    17

    8. Da decisão proferida no julgamento do RHC n 65.747/MS, pelo STJ

    O Recurso em Habeas Corpus nº 65.747/MS foi interposto

    contra acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que no

    Habeas Corpus registrado sob o nº 1407948-76.2015.8.12.0000,

    interposto em favor de Luiz Eduardo Auricchio Bottura, denegou a

    ordem.

    Postulava-se denúncia seria inepta quanto ao delito de

    corrupção ativa, ao argumento de que o órgão ministerial não teria

    descrito quando, como e qual teria sido a vantagem indevida

    supostamente por ele oferecida

    No Superior Tribunal de Justiça, a 5.ª Turma, acompanhando

    o voto do Relator Jorge Mussi, deu provimento ao recurso, para

    reconhecer a inépcia da denúncia, quanto ao crime de corrupção ativa.

    Consta do v. Acórdão que:

    “verifica-se que o Ministério Público deixou de

    indicar em que consistiria a vantagem indevida

    oferecida ou prometida pelo recorrente ao delegado

    de polícia e à juíza de direito, consignando apenas

    que os aludidos funcionários públicos a teriam

    aceitado e praticado atos de ofício infringindo dever

    funcional, em desrespeito à legislação vigente, de

    forma arbitrária, desproporcional, e causando

    prejuízo a terceiros (.. . ) Em momento algum, o titular

    da ação penal elucidou qual teria sido o benefício

    ilícito oferecido pelo recorrente aos funcionários

    públicos, tampouco o momento em que tal proposta

    teria sido feita, omissões que impedem o exercício da

    ampla defesa e do contraditório”.

    Além disso, é do v. aresto que, com o reconhecimento da

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    18

    inépcia da denúncia , restara prejudicada a alegação de falta de justa

    causa.

    O recurso foi provido, nos seguintes termos:

    “Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso

    para declarar a inépcia da denúncia ofertada contra o

    recorrente no que se refere ao delito de corrupção

    ativa, estendendo-se os efeitos da decisão ao corréu

    Eduardo Garcia da Silveira Neto”

    Esclareça-se que, com o reconhecimento da inépcia da

    denúncia, restou prejudicada a alegação de falta de justa causa.

    Em suma, com o provimento do Recurso em Habeas Corpus

    nº 65.747/MS, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a inépcia

    parcial da denúncia que deu início ao processo nº 0800168-

    68.2015.8.12.0022, que tramita perante o Juízo de dir eito da Comarca de

    Anaurilândia, apenas em relação ao crime de corrupção ativa.

    9. Da decisão proferida no julgamento do RHC nº 70.596/MS, pelo

    STJ

    O Recurso em Habeas Corpus nº 70.596/MS foi interposto

    contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do

    Sul, registrado sob o nº 1410879-52.2015.8.12.0000/50000, que denegou

    ordem de Habeas Corpus em favor de Luiz Eduardo Auricchio Bottura .

    Postulava-se o trancamento da ação penal, quanto ao crime

    de falsidade ideológica ou, alternativamente, a anulação da ação penal.

    O Superior Tribunal de Justiça, por sua 5.ª Turma, deu

    provimento ao recurso, nos termos do voto do relator, Ministro Jorge

    Mussi , para reconhecer a atipicidade do fato imputado na denúncia, a

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    19

    título de falsidade ideológica .

    Consta do v. Acórdão que:

    “Na hipótese, a atipicidade da conduta

    imputada ao recorrente é manifesta , pois já se

    sedimentou na doutrina e na jurisprudência o

    entendimento de que a petição apresentada em Juízo

    não caracteriza documento para fins penais, uma vez

    que não é capaz de produzir prova por si mesma,

    dependendo de outras verificações para que sua

    fidelidade seja atestada”. (destaquei)

    Estabelecida tal premissa, o recurso foi provido, nos

    seguintes termos:

    “Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso

    para determinar o trancamento da ação penal

    instaurada contra o recorrente no que se refere ao

    delito de falsidade ideológica , estendendo-se os

    efeitos da decisão ao corréu Eduardo Garcia da

    Silveira Neto” .

    Em suma, com o provimento do Recurso em Habeas Corpus

    nº 70.596/MS, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a atipicidade

    do fato imputado na denúncia, a título de falsidade ideológica , no

    processo nº 0800168-68.2015.8.12.0022, que tramita perante o J uízo de

    direito da Comarca de Anaurilândia.

    10. Ainda o caso concreto: o julgamento do Habeas Corpus perante o

    Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul

    Diante do teor dos acórdãos mencionados nos itens 8 e

    9supra , requereu-se, perante o Juiz de primeiro grau da comarca de

    Anaurilândia, no processo nº 0800168-68.2015.8.12.0022, que fosse

    reconhecida a nulidade da denúncia, para que assim fosse dado integral

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    20

    cumprimento aos referidos acórdãos.

    Com isso interpôs-se em seu favor novo Habeas Corpus ,

    perante o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, registrado sob o nº

    HC nº 1410141-30.2016.8.12.0000, e que foi distribuído para a 2ª

    Câmara Criminal, sob a relatoria do Desembargador Carlos Contar.

    Pleiteou-seo deferimento da ordem para trancar a ação penal

    (integralmente) ou, subsidiariamente, anular a ação, desde o seu

    recebimento , “por inépcia material e formal da coativa, que perdeu sua

    lógica depois que o Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem e

    reconheceu a inépcia no tocante ao crime de corrupção ativa”.

    No julgamento do Habeas Corpus , o Tribunal de Justiça, por

    maioria de votos, concedeu a ordem, para anular integralmente a

    denúncia, determinando que o Ministério Público oferecesse nova

    denúncia:

    “A declaração de inépcia da denúncia quanto

    aos crimes de corrupção ativa e falsidade

    ideológica e a menção aos mesmos em outros pontos

    daquela torna imperioso a necessidade de

    oferecimento de nova denúncia , excluindo-se tais

    imputações, sob pena de se macular o convencimento

    do julgador. Habeas Corpus que se concede

    parcialmente, para declarar a nulidade da denúncia

    ofertada na ação penal, determinando o

    oferecimento de nova peça acusatória , com

    exclusão dos crimes de corrupção ativa e falsidade

    ideológica”.

    Contra tal aresto foi interposto embargos de declaração,

    tanto pelo Ministério Público quanto pelo próprio Paciente.

    Os declaratórios ainda não foram julgados.

    Não é possível concordar com os fundamentos do acórdão

    acima transcrito. Não há que se cogitar de nulidade integral da denúncia.

    Como já visto, trata-se de denúncia em que há cúmulo objetivo -

    subjetivo, sendo imputados 5 crimes, a 5 diferentes réus.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    21

    Além disso, entre os delitos imputados, não há relação de

    prejudicialidade ou subordinação entre os crimes pelos quais se

    determinou o trancamento da ação penal, quais sejam, corrupção ativa

    (por inépcia da denúncia) e falsidade ideológica (por atipicidade dos

    fatos), e os demais crimes do art. 288 do Código Penal, do art . 10, da Lei

    Complementar nº 105/2001 e do art. 10 da Lei nº 9.296/1996.

    Há, ainda, mais a ser considerado.

    Afirmar que a decisão do juiz a quo descumpriu julgados do

    Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao Recurso em Habeas

    Corpus nº 65.747/MS e ao Recurso em Habeas Corpus nº 70.596/MS é

    querer ser mais realista do que o réu!Referidos acórdãos deixaram claro

    que se tratava de trancamento parcial da ação penal, do ponto de vista

    objetivo, atingindo, respectiva e somente, os crimes de corrupção ativa e

    de falsidade ideológica.

    Não é tudo, com relação ao crime do art. 10 da Lei

    Complementar nº 105/2001 , questionou-se a inépcia da denúncia,

    pretendendo anulá-la por tal motivo, em Habeas Corpus perante o

    Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que denegou a ordem. Contra

    tal negativa, foi interposto Recurso em Habeas Corpus para o Superior

    Tribunal de Justiça, registrado sob o nº 76.033/MS, ao qual se negou

    provimento , por votação unânime, em 10 de novembro de 2016.

    O mesmo ocorreu com relação ao crime do crime do art. 10

    da Lei nº 9.296/1996 :questionou-se a inépcia da denúncia , viaHabeas

    Corpus , que foi denegado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do

    Sul. Interposto Recurso em Habeas Corpus, que recebeu o nº 75.287/MS,

    o Superior Tribunal de Justiça, novamente por votação unânime,

    negou-lhe provimento , aos 22 de setembro de 2016.

    Mais do que isso. No v. aresto, constou, expressamente:

    “Finalmente, o fato de esta colenda Quinta

    Turma haver reconhecido a inépcia da peça

    vestibular no tocante ao crime de corrupção ativa

    não impede que a persecução criminal prossiga

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    22

    quanto aos demais delitos assestados ao recorrente.

    É que no referido julgamento se afirmou apenas

    que o órgão ministerial não teria indicado em que

    consistiria a vantagem indevida oferecida ou

    prometida pelo réu aos agentes públicos, bem como o

    benefício il ícito que lhes teria sido ofertado antes ou

    depois dos atos de ofício que pretendia que

    praticassem em violação aos seus deveres funcionais,

    ou mesmo se o cometimento de tais atos decorreu

    efetivamente da proposta realizada, defeitos que, à

    toda evidência, não interferem nas demais

    acusações contra ele assacadas , inclusive porque é

    possível o oferecimento de nova exordial sem as

    aludidas máculas”.

    Ora, o tema que se pretende discutir no Habeas Corpus

    nº 14101141-30.2016.8.12.0000 – sob o fundamento de que o magistrado

    de piso estaria a descumprir decisão do Superior Tribunal de Justiça – já

    foi analisado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça , que reconheceu,

    expressamente, que o trancamento da ação penal, quanto à corrupção

    ativa, não prejudica o andamento da ação penal pelos demais crimes!

    Se contra tal decisão pretende se insurgir o Impetrante do

    Habeas Corpus , deveria fazê-lo por meio de Recurso Extraordinário para

    o Supremo Tribunal Federal. Mas não, por meio de Habeas Corpus

    perante o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que não pode ser

    órgão revisor e modificador de decisão do Superior Tribunal de Justiça!

    Registre-se, por último, que ainda sob o fundamento de

    que estariam sendo descumpridos os acórdãos do Recurs o em Habeas

    Corpus nº 65.747 e do Recurso em Habeas Corpus nº 70.596/MS, foi

    interposta Reclamação Constitucional registrada sob o nº 32.616/MS,

    que foi julgada improcedente , no dia 26 de outubro de 2016, pelo

    Superior Tribunal de Justiça, por entender que não houve qualquer

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    23

    descumprimento de seus julgados! Eis a ementa do aresto:

    “1. Em sessão de julgamento realizada em 7.4.2016, a

    Quinta Turma deste Sodalício, à unanimidade de

    votos, deu provimento ao recurso ordinário

    constitucional para declarar a inépcia da denúncia

    ofertada contra o recorrente no que se refere ao

    delito de corrupção ativa, tendo estendido os efeitos

    da decisão ao corréu em idêntica situação.

    2. No julgamento do RHC 70.596/MS, a colenda

    Quinta Turma, na sessão do dia 1.9.2016, determinou

    o trancamento da ação penal instaurada contra o

    requerente pelo crime de falsidade ideológica,

    estendendo-se os efeitos da decisão ao corréu

    Eduardo Garcia Silveira Neto

    3. O Juiz de Direito da Vara Única da comarca de

    Anaurilândia atendeu os comandos contidos nos

    julgados proferidos por este Sodalício,

    notadamente o referente ao RHC 65.747/MS,

    anotando a inépcia da denúncia quanto ao delito

    de corrupção ativa, e trancando a ação penal no

    que diz respeito à falsidade ideológica, não

    havendo que se falar, assim, na inaptidão de toda a

    incoativa, como sustentado na reclamação.

    4. Ao julgar o RHC 75.287/MS, também interposto

    pelo requerente, a Quinta Turma manteve o processo

    contra ele deflagrado pelo crime do artigo 10 da Lei

    9.296/1996, ocasião em que reg istrou que o

    reconhecimento da „ inépcia da peça vestibular no

    tocante ao crime de corrupção ativa não impede que a

    persecução criminal prossiga quanto aos demais

    delitos assestados ao recorrente‟, uma vez que „ no

    referido julgamento se afirmou apenas que o órgão

    ministerial não teria indicado em que consistiria a

    vantagem indevida oferecida ou prometida pelo réu

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    24

    aos agentes públicos, bem como o benefício ilícito

    que lhes teria sido ofertado antes ou depois dos atos

    de ofício que pretendia que praticassem em violação

    aos seus deveres funcionais, ou mesmo se o

    cometimento de tais atos decorreu efetivamente da

    proposta realizada, defeitos que, à toda evidência,

    não interferem nas demais acusações contra ele

    assacadas , inclusive porque é possível o

    oferecimento de nova exordial sem as aludidas

    máculas‟ , o que reforça a improcedência das

    alegações contidas na presente ação.

    4. Reclamação julgada improcedente” .30

    (destaquei).

    A decisão do Superior Tribunal de Justiça é absolutamente

    correta, sob todos os aspectos. Havendo cumulação objetiva, reconhecer

    que há nulidade da denúncia em relação a dois dos crimes, não impede o

    prosseguimento da ação penal em relação aos demais, que são capítulos

    autônomos da peça acusatória.

    Além disso, assim agindo, do ponto de vista da t eoria das

    nulidades, cumpre-se regra lógica de conservação dos atos

    independentes, que não são afetados pela regra da causalidade, como se

    verá no item 11, infra.

    Em suma, mesmo havendo a inépcia da denúncia pelo crime

    de corrupção ativa, e o trancamento da ação, pelo delito de falsidade

    ideológica, os demais capítulos acusatórios são autônomos e não

    guardam relação de dependência, pelo que deve a mesma denúncia ser

    considerada válida em relação a eles, mantendo-se a tramitação do

    processo quanto aos crimes de corrupção passiva, quadrilha ou bando ,

    bem como o crime do art. 10 da Lei nº 9.296/1996 e do art . 10 da Lei

    Complementar nº 105/2001.

    30

    STJ, Rcl nº 32.616/MS, 3.ª Seção, rel. Min. Jorge Mussi, j. 26.10.2016, v.u.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    25

    11. Da regra da conservação dos atos processuais, no sistema das

    nulidades

    A tipicidade dos atos processuais e de suas formas é uma

    garantia para as partes e para a correta prestação jurisdicional. As partes

    ficariam profundamente inseguras se, ao praticarem um ato processual,

    não soubessem se este seria eficaz ou ineficaz, ficando a produção ou

    não dos efeitos ao mero capricho do juiz. Por outro lado, haven do um

    modelo a ser seguido, as partes saberão que, se o seguirem,

    inevitavelmente, o ato será eficaz, produzindo seus efeitos normais. O

    que se deve impedir é o “fetichismo formalista” que prejudique a própria

    substância dos atos. 31

    Ao se praticar um ato processual, este pode estar conforme

    as exigências legais, ou não ter cumprido a forma estabelecida em lei .

    Em outras palavras, o ato poderá ser típico ou atípico .

    A tipicidade é um conceito absoluto. O ato típico é aquele

    que em sua prática obedece a todos os requisitos do modelo previsto em

    lei. Já a atipicidade pode variar em sua intensidade. Há graus de

    atipicidade que poderão ser menores (pequena desconformidade como o

    modelo legal) ou maiores (grande diferença para o tipo legal) . De acordo

    com o grau maior ou menor de desconformidade entre o ato praticado e o

    modelo previsto na lei, poderão variar as consequências da inobservância

    da forma legal.

    A atipicidade do ato processual pode ser irrelevante,

    caracterizando-se como mera irregularidade que não impede que o ato

    produza seus efeitos processuais (por exemplo, denúncia oferecida fora

    do prazo legal). O ato irregular é ato atípico, porém eficaz, isto é, ato

    defeituoso, mas que não sofreu a sanção de ineficácia. Por outro lado, a

    atipicidade pode ser tão intensa que o ato seja considerado juridicamente

    inexistente (por exemplo, sentença proferida por juiz aposentado). Entre

    a inexistência e a mera irregularidade, existem as nulidades que,

    31 A expressão é de Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro:

    Forense, 1962, v. 3, p. 398.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    26

    conforme a natureza do dispositivo violado, podem ser absolutas ou

    relativas.

    O que distingue a nulidade absoluta da nulidade relativa é

    a finalidade para a qual foi instituída a forma violada. A violação de uma

    forma que atenda a um interesse público gera uma nulidade absoluta,

    enquanto o desrespeito a uma forma instituída no interesse das partes

    causa uma nulidade relativa.

    Uma das regras gerais que rege o sistema das nulidade s é a

    regra da causalidade, segundo a qual, decretada a nulidade de um ato

    processual, ela acarretará a nulidade “(...) dos atos que dele diretamente

    dependam ou sejam consequência”(CPP, art. 573, § 1.º). 32

    Ou seja, se o juiz reconhece a nulidade de um ato causador

    ou subordinante de outro ato, o ato consequente ou subordinado posterior

    também será nulo. Tal efeito extensivo da nulidade nada mais é do que

    uma consequência de o procedimento ser uma sequência encadeada de

    atos, um sucedendo o outro, que normalmente lhe da causa, até o ato

    final de julgamento.

    Por isso, o juiz, ao pronunciar a nulidade de um ato no

    processo, deverá declarar também os atos a os quais ela se estendem

    (CPP, art. 573, § 2.º).

    A regra da causalidade ou da consequencialidade é

    complementada pela regra da conservação dos atos processuais ,

    segundo a qual a nulidade de um ato não prejudica outros atos que sejam

    independentes . É o que estabelece o art. 281, primeira parte, do Código

    de Processo Civil, numa intepretação contrario sensu :

    “Ar t . 281. Anulado o ato, cons ideram-se de nenhum

    efe ito todos os subsequentes que dele dependam,

    32

    Trata-se, aliás, de regra tradicionalíssima do direito processual brasileiro. Disposição similar já era

    encontrada no artigo 674 do Decreto nº 737, de 25.11.1850, que reza: “As referidas nulidades podem ser

    alegadas em qualquer tempo e instância; anulam o processo desde o termo em que se elas deram, quanto

    aos atos relativos dependentes e consequentes; não podem ser supridas pelo Juiz, mas somente ratificadas

    pelas partes”. Entre os Códigos estaduais, por exemplo, o art. 477 do Código de Processo Civil e

    Comercial do Rio Grande do Sul, estabelecia: “„(...) anulam o processo desde o termo em que se deram,

    quanto aos atos relativos, dependentes e consequentes (...)”. Cite-se, ainda, o art. 278, caput, do ab -

    rogado Código de Processo Civil de 1939, que dispunha : “A nulidade de qualquer ato não prejudicará

    senão os posteriores, que dele dependam ou sejam consequência”.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    27

    todavia, a nulidade de uma parte do ato não

    prejudicará as outras que dela sejam

    independentes .”33

    (destaquei)

    Comentando dispositivo substancialmente igual do código

    ab-rogado, Tornaghi explica que:

    “como se vê são duas regras iguais; apenas uma

    está formulada pelo lado anverso e a outra pelo

    reverso: a primeira fala na invalidez dos atos

    dependentes; na segunda, da validez das partes

    independentes de cada ato . A segunda metade do

    dispositivo longe de ser contrária à primeira, como

    faz crer a conjunção adversativa usada (todavia) é

    uma confirmação dela, em outro campo” .34

    (destaquei)

    Regra semelhantes são encontradas em diversos

    ordenamentos jurídicos. Por exemplo, o Codice di Procedura Civile

    italiano prevê que:

    “Ar t . 159. Estens ione del la nul l i tà . La nul l i tà d i un

    at to non importa quel la degl i a tt i precedent i , nè d i quel l i

    success iv i che ne sono indipendent i . La null ità di una

    parte dell ’atto non colpisce le alt re part i che ne sono

    indipendenti ” . (destaquei)

    Comentando tal dispositivo, ensinou-nos Liebman que o juiz

    deve esforçar-se por isolar os elementos do procedimento afetados pelo

    vício e conter a expansão deste, com se faz com os focos de uma

    epidemia (princípio da conservação dos atos processuais)”. 35

    Regra equivalente existe no Código de Processo Civil

    português, de 2015, que prevê, em seu art. 195.2, nas “regras gerais

    sobre as nulidades dos atos processuais”, que:

    33

    O art. 248 do ab-rogado Código de Processo Civil de 1973 dispunha que: “art. 248 do CPC: “Anulado

    o ato , reputam-se de nenhum efeito todos os subsequentes , que dele dependam ; todavia, a nulidade de

    uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes”. 34

    Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975, v. II, p.

    239. 35

    Enrico Tulio Liebman, Manuale di diritto processuale civile. 2 ed. Milano: Giuffrè, v. II, 1957, n.

    118, p. 217.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    28

    “195.2 - Quando um ato tenha de ser anulado,

    anulam-se também os termos subsequentes que dele

    dependam absolutamente; a nulidade de uma parte

    do ato não prejudica as outras partes que dela

    sejam independentes .”36

    (destaquei)

    Também na Argentina, no art. 174 do Código Procesal Civil

    y Comercial de la Nación, sobre os efeitos das nulidades , prevê:

    “La nulidad de un acto non importará la de los

    anter iores n i la de los sucesivos que sean

    independientes de d icho acto.

    La nulidad de una parte del acto no afectará a

    las demás partes que sean independientes

    aquélla ” .(destaquei) .

    A regra da conservação dos atos processuais , prevista na

    segunda parte do art. 281 do Código de Processo Civil brasileiro tem

    plena aplicação, por analogia, no processo penal, como permite o art . 3º

    do Código de Processo Penal. Aliás, referido dispositivo nada mais faz

    do que consagrar a máxima utile per inutiler non viciatur .37Trata-se,

    como denominou Redenti, um “princípio de lógica elementar”. 38

    Entre nós, sobre o tema, assim se manifesta Dinamarco:

    “Ainda que a lei nada dissesse a respeito, só a

    consciência da teoria dos capítulos da sentença seria

    suficiente para tornar indispensável distinguir

    capítulos e capítulos e examinar o estado de

    higidez ou de invalidade de cada um, deixando

    íntegros os que forem em si mesmo perfeitos e não

    36

    Regra semelhante, na disciplina das “Regras gerais sobre a nulidade dos actos”, era prevista no art.

    201.2 do Código de Processo Civil português, de 1961: Art. 201.2 Quando um acto tenha de ser anulado,

    anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. A nulidade de uma parte

    do ato naõ prejudica as outras partes que dela sejam independentes”. 37

    Essa regra recebeu idêntica formulação de Ulpiano (1, 5 D. 45, 1): neque vitiatur utilis per hanc

    inutilem. 38

    Enrico Redenti, Diritto Processuale civile, 4 ed. Milano: Giuffrè, 1997, v. 2, p. 396. Na doutrina

    nacional Bonício (Capítulos da sentença …, p. 57) assim se manifesta sobre o tema: “surge uma questão

    interessante: será que, caso não existisse uma norma legal, condicionando o „efeito expansivo‟ das

    nulidades à existência de um nexo de dependência, ainda assim tal efeito existiria? A resposta só pode ser

    afirmativa, porque se trata de um efeito natural do sistema”.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    29

    estejam contaminados pelo vício do outro”. 39

    A mesma lógica se aplica em relação a todos os atos

    processuais que possam ser divididos em par tes autônomas. No caso de

    ato complexo, isto é, aquele formado por mais de uma unidade

    elementar, a nulidade de uma das unidades autônomas não prejudica as

    demais, exatamente porque são independentes. 40

    Os atos complexos, como explica Moniz de Aragão, “são

    formados por diversos atos simples, unitários, residindo a sua nota

    caracterizadora no fato de que todos, em particular, conservam a própria

    singularidade. Tratar -se-ia de um feixe de atos simples, tendo cada qual

    sus próprios efeitos, cuja soma origina o ato complexo”.41

    Partindo de tal

    premissa, ao analisar os efeitos das nulidades, afirma:

    “Nos atos complexos, porém, a anulação pode -se

    dar no todo ou em parte. (.. .) Ou com relação a todo

    o processo ou com relação a algum de seus atos

    salva-se o que for úti l, se e enquanto possível”. 42

    Ora, havendo independência, entre uma parte e outra do a to

    complexo não há porque admitir o contágio de vício circunscrito a uma

    das partes do ato, mantendo-se a “eficácia da parte independente do

    ato”.43

    Como já t ivemos oportunidade de analisar, com fundamento

    no art. 281 do Código de Processo Civil , a regra da conservação dos atos

    processuais implica que, “nos atos complexos a nulidade de uma das

    partes do ato não prejudica a de outras partes que dela sejam

    independentes”.44Ou seja, preserva-se a eficácia da parte independente

    39

    Dinamarco, Capítulos de sentença..., p. 84. 40

    O que é decorrência da própria natureza do ato, pois como explica Carnelutti (Instituciones del

    Proceso Civil. Trad. Santiago Sentis Melendo,Buenos Aires: EJEA, 1959, v. I, n. 295, p. 434): “los actos

    jurídicos son simples o complejos según que no se puedan descomponer o bien que se puedan

    descomponer en varios actos jurídicos, es decir envarios actos, cada un de los cuales tenga un efecto

    jurídico”. (destaquei) 41

    Egas D. Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974,

    v. II, p. 307-308. 42

    Moniz de Aragão, Comentários ..., v. II, p. 308-309. 43

    Tornaghi, Comentárijos …, v. II, p. 239. 44

    Gustavo Henrique Badaró, Processo Penal. 4 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 797.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    30

    do ato complexo, que na verdade é apenas formalmente um único ato,

    mas que substancialmente se desdobra em duas ou mais partes,

    independentes uma das outras.

    A preservação da parte independente do ato nulo é uma

    decorrência do próprio princípio geral de economia processual, segundo

    o qual o processo deve atingir o seu objetivo, com o menor emprego de

    atividade das partes e do juiz, que, como adverte Pellingra, é um

    princípio de política legislativa “e serve di guida all‟interprete”. 45

    Da mesma forma que numa sentença que contenha capítulo s,

    é possível reconhecer a nulidade apenas do capítulo viciado, preservando

    os que estão saudáveis, no caso de uma denúncia que apresente objetos

    cumulados, com imputação de mais de um crime, a nulidade de uma

    imputação não implicará a nulidade outros capítulos que sejam aptos e ,

    em relação aos quais , estejam presentes as condições da ação e a justa

    causa.

    Evidente que, no caso de uma denúncia objetivamente

    complexa, com mais de um capítulo acusatório e cumulação de delitos

    imputados, a nulidade de uma das imputações – ou mesmo a

    absolvição sumária em relação a uma dela – não implica a

    invalidação de toda a denúncia .

    Sendo seu conteúdo complexo e, portanto, divisível , as

    partes maculadas podem ser extirpadas sem comprometer o todo. Não se

    trata de um caso em que o vício mata o doente, mas de situação em que

    basta a amputação da parte comprometida, sendo possível salva a vida do

    paciente.

    Com a propriedade técnica de sempre, observa Dinamarco:

    “Os tribunais brasileiros relutam enormemente a

    pronunciar a nulidade apenas parcial de uma sentença

    (ou seja, de algum ou alguns de seus capítulos),

    deixando íntegro o mais, ainda quando a causa da

    invalidade atinja somente um ou alguns de seus

    45

    Benedeto Pellingra, Le nullità nel processo penale. Teoria generale. Milano: Giuffrè, 1957, p. 166.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    31

    capítulos e não todos. Esses posicionamentos radicais

    bem poderiam ser evitados quando se t ivesse maior

    consciência da teoria dos capítulos da sentença, a

    qual concorre para a perfeita distinção entre o

    viciado e o não-viciado, em aplicação da máxima

    utile per inuti le non vitiatur . 46

    No processo penal, contudo, tem sido aceita, tranquilamente,

    a possiblidade de reconhecimento de inépcia somente em re lação a um

    dos crimes imputados, como se verifica do seguinte julgado:

    “Processual penal. Recurso Ordinário em Habeas

    Corpus. Associaçãocriminosa, desobediência, furto,

    esbulho possessório, modificação,danificação ou

    destruição de ninho, abrigo ou criadouro

    natural,comercialização de motosserra ou uti lização

    em florestas e nasdemais formas de vegetação, sem

    licença ou registro da autoridadecompetente e posse

    irregular de arma de fogo de uso

    permitido.Trancamento da ação penal em virtude de

    ausência de justa causa.Impossibilidade. Inépcia da

    denúncia quanto ao crime de furto.Recurso

    parcialmente provido. (. . . ) Por outro lado, assiste

    razão à defesa tão somente quanto aodelito de furto,

    uma vez que, segundo se verifica da peçaacusatória,

    este teria sido o único crime em que não foi descrita

    aconduta típica, não restando claro que bem teria

    sido furtado pelosora recorrentes e em quais

    circunstâncias.Recurso ordinário parcialmente

    provido para anular, por inépcia, a denúncia

    oferecida em desfavor dos recorrentes, tão somente

    emrelação ao delito inserto no art. 155, caput, do

    CP”.47 (destaquei)

    46

    Capítulos de sentença..., p. 84, 47

    STJ, RHC 68.277/PA, 5ª Turma, rel. Min. FEliz Fischer, j. 20.10.2016, v.u.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    32

    E, em caso de cúmulo objetivo-subjetivo, já se reconheceu a

    nulidade parcial da denúncia, somente por um crime, em relação a um

    dos acusados:

    Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Crimes

    contra a ordem tributária(art . 3º, II, da Lei n.

    8.137/1990). Pedido de trancamento da açãopenal .

    Inépciadadenúncia.Vários fatos delituosos.

    Ausência dedescrição da vantagem indevida

    supostamente recebida em relação a umdos

    delitos .Demonstração dosindíciosmínimosdeautoriae

    materialidade relativamente aos demais.

    (.. .)Recursoordinárioparcialmenteprovidoparareconhe

    cer,relativamenteaorecorrenteA. C. M. de P., a

    nulidade parcial da peça acusatória, no tocante ao

    ‘fato delituoso n. 2’” .48 (destaquei)

    Em suma, do ponto de vista da teoria da nulidade

    processuais, é correto o reconhecimento de nulidade parcial da denúncia,

    no caso em que ela seja um ato complexo, em que há cumulação de mais

    de um objeto processual, isto é, a imputação de mais de um crime,

    devendo cada capítulo acusató rio ser tratado como uma parte autônoma.

    Assim, a nulidade de uma parte não implicará a nulidade dos

    demais capítulos autônomos e independentes, que deverão ser

    preservados, nos termos da parte final do art . 281 do Código de Processo

    Civil, aplicável por analogia ao processo penal (Código de Processo

    Penal, art. 3º).

    48

    STJ, RHC 70061/RJ, 6ª Turma, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiros, j. 20.09.2016, v.u.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    33

    RESPOSTA AOS QUESITOS

    1. O que é o objeto do processo penal?

    R.: Oobjeto do processo penal é o objeto da imputação , isto é, o fato da

    natureza em todos os seus aspectos concretos, penalmente relevante, que

    se imputa ao acusado.

    2. O processo penal pode ter objeto composto?

    R.: A resposta é positiva. É possível que o objeto do processo penal seja

    composto nos casos de processo cumulados: (i) cúmulo objetivo, com a

    imputação de mais de um crime; (ii) cúmulo subjetivo, com a imputação

    de um crime a mais de um acusado; (iii) cúmulo objetivo -subjetivo, com

    a imputação de mais de um crime a mais de um acusado.

    3. No caso de cumulação de objetos do processo, tal objeto será

    divisível?

    R.: A resposta é positiva. Em regra, cada vez que se imputa mais de um

    delito ao acusado, na verdade, se está diante de várias imputações, ou

    melhor, de tantas imputações quantos são os delitos atribuído.

    4 . No caso de cúmulo objetivo, cada capítulo da acusa ção poderá

    receber um tratamento autônomo dos demais ?

    R. A resposta é positiva, embora haja exceções. Em regra, cada capítulo

    da denúncia, isto é, cada crime imputado, poderá ser objeto de uma

    decisão autônoma em relação aos demais. Excepcionalmente, contu do,

    mesmo no caso de cumulo objetivo, se os capítulos forem dependentes

    entre si, por relação de prejudicialidade , subordinação ou acessoriedade,

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    34

    o resultado do capítulo principal, implicará logicamente o resultado

    capítulo prejudicial , subordinado ou acessório.

    5. O crime do art. 288 do Código Penal apresenta relação de

    subordinação ou de acessoriedade com algum outro delito ?

    R. A resposta é negativa. Não há relação de prejudicialidade,

    subordinação ou acessoriedade entre o crime o art. 288 do Código Pena l

    e os crimes que são objeto ou fina especifico da quadrilha. O tipo penal

    do art . 288 do Código Penal não pressupõe a existência de um outro

    crime, - o que implicaria a relação de acessoriedade – mas apenas a

    intenção de vir a praticar crimes! Não exige um crime já praticado, mas a

    intenção de futuramente cometer delitos, que nem precisam ocorrer, para

    que exista a quadrilha.

    6. No caso concreto, o provimento do Recurso em Habeas Corpus

    nº 65.747/MS e Recurso em Habeas Corpus nº 70.596/MS, pelo Superior

    Tribunal de justiça, implicou a nulidade total da denúncia ofertada no

    processo nº 0800168-68.2015.8.12.0022, que tramita na Vara Única de

    Anaurilândia?

    R.: A resposta é negativa. Do ponto de vista objetivo, o referido

    processo tem objeto composto. Há impu tação dos crimes de corrupção

    ativa (CP, art. 317), corrupção passiva (CP, art . 333), quadrilha ou bando

    (CP, art . 288), falsidade ideológica (CP, art. 299), crime do art. 10 da

    Lei nº 9.296/1996 e crime do art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001.

    O fato de o Superior Tribunal de Justiça ter considerado que a denúncia

    é inepta em relação ao crime de corrupção ativa (RHC nº 65.747/MS) e

    que os fatos narrados são atípicos, em face do crime de falsidade

    ideológica (RHC nº 70.596), repercutem exclusivamente sob re tais

    capítulos da acusação, não influenciando os demais, que deles são

    autônomos e sem relação de subordinação, dependência ou

    acessoriedade.

  • GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY BADARÓ

    35

    7. Do ponto de vista da teoria da nulidade processuais, é correto o

    reconhecimento de uma nulidade parcial da denúncia?

    R. Sim. No caso de a denúncia constituir um ato complexo, em que há

    cumulação de mais de um objeto processual, isto é, a imputação de mais

    de um crime, cada capítulo deve ser tratado como uma parte autônoma.

    Assim, a nulidade de uma parte não implicará a n ulidade dos demais

    capítulos autônomos e independentes, que deverão ser preservados, nos

    termos da parte final do art. 281 do Código de Processo Civil , aplicável

    por analogia ao processo penal (CPP, art . 3º).

    É o meu parecer.

    São Paulo, 6 de dezembro de 2016.

    Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró Professor Associado de Direito Processual Penal da

    Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo