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1 CONSTIPAÇÃO INTESTINAL 1. CLASSIFICAÇÃO A constipação intestinal é classificada em dois tipos. a) funcional ou primária, relacionada à anormalidade da função motora colorretal, não associada com alterações das outras vísceras do sistema digestório, nem a presença de sinais de alarme, como febre, perda de peso, anemia, enterorragias etc., portanto sem etiologia reconhecida. Nesses casos não se estabelece causa definida, anatômica, bioquímica ou doenças específicas neuro-musculares. Incide preferencialmente na população jovem, tem início mal demarcado, evolução insidiosa, lentamente progressiva, longa duração, não comprometendo o doente no seu estado geral e nutricional. Nesse grupo incluem-se as disfunções decorrentes de erros dietéticos, comportamentais e por uso de medicamentos com efeitos potencialmente constipantes (Quadro 1). b) orgânica ou secundária, em que o ritmo intestinal depende de mudanças estruturais do intestino grosso, anorretais ou perineais ou de seus elementos neuro-motores, como manifestação digestiva de doenças sistêmicas ou metabólicas. Habitualmente, aparece em indivíduos de maior idade, progride mais rapidamente na sua intensidade e acompanhada de outras queixas digestivas ou da doença básica que a originou (Quadro 1). Esses mecanismos fisiopatológicos diferentes, dos dois modelos de constipação, refletem-se em particularidades clínicas que conduzem a formas distintas na sua investigação, bem como na expectativa dos resultados da abordagem terapêutica, igualmente diferenciada. Cabe assim, na exploração dos dados clínicos e do exame físico, encontrar um posicionamento para distingui-los e decidir pela conduta melhor adequada em cada caso.

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CONSTIPAÇÃO INTESTINAL 1. CLASSIFICAÇÃO

A constipação intestinal é classificada em dois tipos. a) funcional ou primária, relacionada à anormalidade da função motora

colorretal, não associada com alterações das outras vísceras do sistema digestório, nem a presença de sinais de alarme, como febre, perda de peso, anemia, enterorragias etc., portanto sem etiologia reconhecida. Nesses casos não se estabelece causa definida, anatômica, bioquímica ou doenças específicas neuro-musculares. Incide preferencialmente na população jovem, tem início mal demarcado, evolução insidiosa, lentamente progressiva, longa duração, não comprometendo o doente no seu estado geral e nutricional. Nesse grupo incluem-se as disfunções decorrentes de erros dietéticos, comportamentais e por uso de medicamentos com efeitos potencialmente constipantes (Quadro 1).

b) orgânica ou secundária, em que o ritmo intestinal depende de mudanças estruturais do intestino grosso, anorretais ou perineais ou de seus elementos neuro-motores, como manifestação digestiva de doenças sistêmicas ou metabólicas. Habitualmente, aparece em indivíduos de maior idade, progride mais rapidamente na sua intensidade e acompanhada de outras queixas digestivas ou da doença básica que a originou (Quadro 1).

Esses mecanismos fisiopatológicos diferentes, dos dois modelos de constipação, refletem-se em particularidades clínicas que conduzem a formas distintas na sua investigação, bem como na expectativa dos resultados da abordagem terapêutica, igualmente diferenciada. Cabe assim, na exploração dos dados clínicos e do exame físico, encontrar um posicionamento para distingui-los e decidir pela conduta melhor adequada em cada caso.

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Quadro 1. Classificação e Mecanismos da Constipação Intestinal Constipação Intestinal Funcional/Primária

Inércia colônica constipação por trânsito lento Disfunção do assoalho pélvico anismo hipertonia do esfíncter interno síndrome da úlcera retal solitária intussussepção prolapso retal Erros dietéticos Erros comportamentais horário inconstante não atendimento ao reflexo postura desconcentração Medicamentos

Constipação Intestinal Orgânica/ Secundária

Obstruções intestinais, colônicas e

anorretais inflamatórias tumorais aderências intra-peritoneais Doenças anorretais fissuras estenoses inflamatórias ou

tumorais Doenças endócrinas/metabólicas diabete hipotiroidismo hipocalcemia hipocalemia porfiria uremia Doenças neuro-musculares AVC trauma medular esclerose múltipla Parkinson neuropatia autonômica Hirschsprung Chagas Pseudo obstrução intestinal

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2. MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL PRIMÁRIA

Na constipação intestinal primária são identificados três modelos de alteração da motilidade: por trânsito lento, também chamado de inércia colônica, aquela produzida por anormalidades do funcionamento do assoalho pélvico, provocando o que se conhece como obstrução de saída e a que compromete ambos os sítios, sem que essas estruturas exibam qualquer incorreção anatômica, sendo aceitas como idiopáticas.

2.1 Alteração por trânsito lento

Caracteriza-se por um tempo prolongado para o deslocamento das fezes do ceco até o reto, na ausência de lesões intraluminares ou dilatações de algum dos seus segmentos, favorecendo maior ação da flora bacteriana sobre os resíduos que irão fazer parte do material fecal e mais absorção de água e sais, reduzindo assim a freqüência das evacuações e o peso final das fezes. Nesses quadros sugere-se até uma subdivisão, baseada na constatação de qual trecho do cólon estaria com seu movimento lentificado105: do ceco até o sigmóide, decorrente da redução na quantidade e qualidade dos movimentos de massa, ou seja, das contrações de propagação de grande amplitude, com acúmulo das fezes, preferencialmente, no cólon direito e a que resultaria da incoordenação motora sigmoido-retal, estabelecendo uma barreira funcional para o trânsito nessas áreas e a estagnação do bolo fecal no cólon distal.

As bases fisiopatológicas para explicar a inércia colônica continuam mal esclarecidas. Pesquisas que analisaram a atividade propulsora das ondas de propagação, em portadores de trânsito lento, confirmaram que tanto as de grande, como também as de baixa amplitude apresentam-se em freqüência significantemente reduzida, quando comparados com indivíduos sadios. De outro lado, em estudo manométrico jejunal de 24 horas, Scott et al. (2003) demonstraram que um terço dos doentes comprometidos por inércia colônica generalizada, também tinha um complexo motor migratório noturno jejunal alterado, com ondas de propagação mais lentas e mais longas, fato não identificado com os de inércia apenas do cólon esquerdo, concluindo que pelo menos um dos subtipos de constipados por trânsito lento do cólon, associa também disfunção neuromuscular do jejuno.

Essas alterações das atividades elétrica e muscular do cólon não têm causa conhecida, admitindo-se que possam se relacionar com uma diminuição numérica das células intersticiais de Cajal23,71,121, estruturas que correspondem aos marca-passos responsáveis pelo estímulo para o exercício daquelas atividades53. As células de Cajal parecem ter, efetivamente, importante função na coordenação da motricidade do trato gastrointestinal, o que justificaria a constipação recorrente e outros problemas motores em alguns doentes após colectomia total, como tratamento cirúrgico do trânsito lento. Anormalidades

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dessas células foram descritas em outras doenças: estenose hipertrófica do piloro116, Hirschsprung117, pseudo-obstrução intestinal59 e colite ulcerativa92, algumas situações que cursam, de certa forma, com disfunção motora.

Deve-se atentar, nesses casos, sobre a possibilidade de alguns doentes apresentarem manifestações compatíveis com neuropatia autonômica.

Geralmente a disfunção motora compromete outras vísceras digestivas, observando-se retardo do esvaziamento gástrico, da movimentação entérica, hipocontratilidade vesicular e sinais de neuropatia autonômica do sistema simpático colinérgico, sugerindo um envolvimento mais amplo da motricidade digestiva e não só a refletida na constipação por trânsito lento2.

Outra hipótese em discussão sobre a fisiopatologia desse quadro está ligada à possível participação de hormônios e neuro-transmissoras gastro-entéricos. Já se demonstrara, há algum tempo, a redução do polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP) na muscular da mucosa de cólons operados por inércia, assim como um aumento da serotonina na sua musculatura circular. Recentemente confirmou-se maior número de células enterocromoafins e serotoninérgicas no cólon esquerdo de doentes com inércia colônica8. À medida que vão sendo conhecidos os vários receptores para a serotonina e seu efetivo papel na regulação da motilidade intestinal e a relação entre os sistemas nervoso central e entérico, espera-se que novos e mais consistentes esclarecimentos sobre a inércia do cólon sejam obtidos.

2.2. Alteração do assoalho pélvico

Na disfunção do assoalho pélvico, a dificuldade encontra-se localizada na passagem do conteúdo do reto para o exterior, por uma falha do relaxamento esfincteriano ou do músculo puborretal, durante a evacuação. Esta última condição é conhecida por várias denominações: evacuação obstruída, obstrução de saída, disquesia, anismo, dissinergia ou disfunção do assoalho pélvico68, cuja prevalência é estimada em torno de 7% d população33.

Sua fisiopatologia está mais bem estudada, ainda que permaneçam desconhecidos todos os possíveis mecanismos nela envolvidos. Fisiologicamente a evacuação do reto é um evento complexo com movimentos voluntários e reflexos. Dele participam várias estruturas, algumas agindo no sentido da contração de sua musculatura e outras no do relaxamento, através de movimentos absolutamente coordenados.

Em condições de repouso, reto e canal anal formam entre si uma angulação próxima de 90o. Durante o esforço, pela pressão, ocorre uma redução desse ângulo por elevação da junção anorretal alongando o canal anal. Em seguida, com o relaxamento do músculo puborretal, haverá a descida do assoalho pélvico com o ângulo tornando-se obtuso, quase retificando esses dois segmentos. O relaxamento concomitante e reflexo do esfíncter interno, acompanhado da manobra de Valsalva, permite que as fezes sejam dirigidas para o canal anal e eliminadas. Na evacuação obstruída a hipótese mais simplista refere-se ao incompleto relaxamento do músculo puborretal ou sua contração paradoxal como também esfincteriano, no momento que antecede a passagem do bolo fecal do reto para o canal anal e deste para o exterior11,88.

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Enquanto alguns consideram o anismo uma causa importante de constipaçãp intestinal41 há contestações, pois a contração paradoxal do puborretal é observada inclusive em indivíduos sadios87,99,101. Entretanto, o treinamento dessa musculatura como finalidade terapêutica da constipação, tem mostrado bons resultados, o que justificaria considerar sua contratura um fator causal da evacuação obstruída.

Hipertonia esfincteriana também está relacionada com constipação intestinal.

2.3. Constipação induzida por medicamentos A utilização rotineira de certos medicamentos poderá constituir-se na

única etiologia da constipação intestinal e nem sempre lembrada pelo doente durante a obtenção das informações, em razão de, em muitas vezes, não fazerem parte de prescrição médica. Como efeito secundário, a motricidade das vísceras do canal alimentar chega a ser prejudicada pela ação farmacológica de um grupo grande de drogas, infelizmente varias delas de livre acesso aos seus consumidores. Agindo diretamente sobre a musculatura dos diferentes segmentos ou através da sua inervação, muitos dos casos de constipação se iniciam ou pioram com o uso contínuo ou freqüente de algum medicamento, potencialmente constipante. Esse aspecto da disfunção da evacuação é especialmente importante investigar na população idosa, por se tratar de faixa etária na qual a utilização de múltiplos fármacos é mais comum, embora, obviamente, sua repercussão sobre o intestino independa de idade. Devem ser referidos os antiinflamatórios não hormonais, analgésicos-opiáceos, anti-colinérgicos, anti-histaminicos, anti-depressivos – os tricíclicos têm efeito anti-colinérgico – anti-parkinsonianos, anti-convulsivantes, bloqueadores de canais de cálcio, diuréticos, sais de ferro, bloqueadores de receptores de histamina, beta e alfabloqueadores, inibidores da monoamino oxidase, anti-psicóticos derivados da fenotiazina, anti-ácidos contendo alumínio e cálcio e suplementos a base de cálcio, para relacionar os de uso mais freqüente (Quadro 2).

Quadro 2 Medicamentos de efeito constipante

Antiinflamatórios não hormonais Analgésicos-opiáceos Anti-colinérgicos Anti-histaminicos Anti-depressivos Anti-parkinsonianos Bloqueadores de canais de cálcio Diuréticos Sais de ferro

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Bloqueadores de receptores de histamina Alfa e betabloqueadores Inibidores da monoamino oxidase Antipsicóticos (fenotiazínicos) Antiácidos (Mg, Ca)

O abuso de certos laxativos de ação irritante também é uma das

causas iatrogênicas da constipação intestinal. Sua eficácia inicial encobre um aumento progressivo da espasticidade do cólon, exigindo doses crescentes do medicamento, terminando no retorno da dificuldade de evacuar, na mesma severidade que originou sua utilização. Outra observação diz respeito aos laxantes compostos por produtos naturais, de elevado consumo leigo, na suposição de sua inocuidade. Alguns deles atuam igualmente por irritação, estimulando as terminações nervosas dos plexos intestinais, levando, por uso prolongado, à sua dessensibilização, por vezes de forma irreversível.

2.4. Alterações dietéticas e comportamentais Os especialistas consideram alguns hábitos dietéticos e

comportamentais inadequados como os maiores responsáveis pelo número significativo de constipados que afetam as populações do mundo ocidental, particularmente as dos grandes centros urbanos, observada em adultos, jovens e crianças, independente de sexo ou classe sócio-econômica.

O início do século XX marcou o aparecimento de novas tecnologias na industrialização e conservação de boa parte dos alimentos, permitindo que pudessem ser transportados a grandes distâncias dos seus locais de produção, beneficiando maior quantidade de pessoas. O custo desse progresso, indiscutivelmente favorável em muitos dos seus aspectos, repercutiu, particularmente, sobre a naturalidade dos produtos agrícolas, reduzindo o teor de suas fibras, ainda que eles se apresentem mais atraentes e de sabor mais agradável. Se, anteriormente, o homem incluía no seu cardápio uma quantidade de vegetais e leguminosas capaz de fornecer um bom resíduo para formação do bolo fecal, sua substituição por alimentos absorvíveis, pelo menos nos modelos da dieta ocidentalizada, teve o impacto de comprometer o volume das fezes e, por conseqüência, o estímulo para sua evacuação. Outro aspecto envolvendo essa falha se relaciona com o tempo cada vez mais escasso para os indivíduos se dedicarem a refeições regulares. Mesmo aqueles que têm cultura suficiente para conhecer a importância da dieta em relação a sua saúde trocam a oportunidade de uma alimentação balanceada, por lanches ou pratos rápidos ou dietéticos, na maioria isentos ou com pequena quantidade de fibras ou até deixam de se alimentar, por motivos de compromissos profissionais, durante longos intervalos de tempo, perdendo, nessa circunstância, a chance de desencadear o reflexo gastro-cólico. Da mesma forma, os jovens, por assumirem vários afazeres seguidos no seu dia de atividades, têm conduta

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semelhante, provavelmente antecipando, numa razoável parcela deles, o aparecimento de sua disfunção intestinal. Um pouco desse comportamento vem sendo corrigido nos últimos anos com a “descoberta” das comidas orientais, um novo hábito alimentar que vêm ganhando adeptos em número crescente e, cuja base vegetal deve contribuir para recuperar ou melhorar a função do esvaziamento colônico nestes indivíduos, até a pouco, dependente de dietas exclusivamente ocidentais.

Várias impropriedades, do ponto de vista comportamental, precisam ser analisadas para esclarecer e justificar o desenvolvimento e persistência da constipação intestinal.

Em condições normais, para a grande maioria das pessoas, a evacuação ocorre aproximadamente num mesmo horário, todos os dias, em geral após alguma refeição, condicionada pelo movimento de propulsão do cólon, a partir do estímulo do reflexo gastro-cólico. Para certos indivíduos ele é mais pronunciado depois de horas do jejum noturno, seguindo à primeira refeição do dia e será tanto maior quanto maior for a distensão gástrica produzida pelo volume ingerido. O condicionamento do horário da evacuação, entretanto, não necessita obrigatoriamente depender do momento da alimentação, podendo ser estabelecido de acordo com conveniências individuais.

Não é incomum, por outro lado, que a sensação retal da vontade de evacuar, o chamado reflexo da evacuação, seja despertado em locais ou horários inadequados e, como sua finalização depende, exclusivamente, da ação voluntária, nem sempre há condições para que seja completado com a eliminação do conteúdo retal. Com alguma freqüência, compromissos profissionais e sociais cada vez mais freqüentes, impedem que essa seqüência seja exercida na íntegra, reprimindo-se o reflexo, também voluntariamente, abortando sua etapa evacuatória, o que redireciona o bolo fecal de volta para o sigmóide, finalizando assim o desconforto retal da presença de fezes na sua luz. A expectativa é de que ele possa reaparecer posteriormente, em momento e local de maior comodidade, infelizmente algo inteiramente imprevisível e pouco provável. A repressão repetitiva do reflexo da evacuação é acompanhada da perda progressiva da sensibilidade retal à sua distensão pelo bolo fecal, chegando a desaparecer por completo, uma circunstância que distancia cada vez mais o doente da evacuação intestinal normal. Nos atendimentos de doentes constipados é relativamente comum a queixa da inexistência total da sensação da necessidade de evacuar. Uma história detalhada identificará que, antes presente, o reflexo foi ficando de aparecimento irregular, em intervalos cada vez maiores, graças à negação repetida das evacuações que lhe deveriam seguir. Este é um aspecto que deverá merecer especial atenção médica nas orientações gerais que serão recomendadas aos doentes para a correção dessa disfunção.

Outro fator que faz parte das incorreções que vão sendo adquiridas diz respeito à postura assumida durante o ato de evacuar. Comentários de alguns historiadores sugerem que o homem tenha iniciado sua trajetória como candidato para a constipação intestinal, no momento em que assumiu a posição ereta. Nessa mudança deve ter ocorrido uma redistribuição das vísceras abdominais, além de perder, provavelmente, muito da força que seria

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exercida pela musculatura da parede anterior do abdome. Pelo o que se observa, animais quadrúpedes não têm problemas para evacuar.

Com a nova postura do homem, outros músculos passaram a ter a responsabilidade de participar e exercer a pressão necessária sobre as estruturas ocas intra-cavitárias, para promover um correto esvaziamento do conteúdo intestinal. Essa pressão se faz no sentido céfalo-caudal, com a descida forçada do diafragma e antero-posterior com a contratura dos músculos retos anteriores do abdome, associados à manobra de Valsalva. Com o relaxamento reflexo dos músculos perineais e voluntário esfincteriano ocorre a passagem das fezes e o evento se completa com a eliminação do bolo fecal. Infere-se assim que a expansão diafragmática comprometida irá diminuir o movimento que lhe cabe produzir no ato da evacuação. É o que acontece nas paralisias desse músculo e nos casos de enfisema pulmonar. Muito provavelmente, este último, seja um fator a mais no conjunto de causas da constipação intestinal do idoso.

Toda essa dinâmica, complexa do ponto de vista neuro-motor, poderá ser prejudicada na dependência da postura física do indivíduo no momento da evacuação. A utilização das pernas como ponto de apoio no chão e a função que lhe cabe como alavanca na flexão do tronco sobre o abdome, permite que se obtenha o máximo do rendimento das forças musculares empenhadas na exoneração retal. O melhor exemplo figurativo desse exercício é a evacuação intestinal na posição de cócoras, utilizada nas antigas fossas sanitárias. A modernização dos assentos sanitários trouxe consigo beleza estética e comodidade, mas perdeu em funcionalidade, uma vez que, ao sentar-se recostado, reduz-se a eficácia daqueles grupos musculares envolvidos no esvaziamento colorretal. Uma condição que também merece considerar, quanto a erros posturais, refere-se ao momento em que a criança passa a ter controle voluntário dos seus esfíncteres, quando seus responsáveis, com justificada ansiedade, esperam que aprenda a utilizar o vaso sanitário. A desproporção entre o comprimento de suas pernas e o nível do chão para um apoio adequado dificulta o pleno exercício das forças necessárias que favoreceriam uma evacuação completa, um mau princípio para tentar ensinar a manter essa regularidade funcional.

Ainda nos aspectos comportamentais, um dos pontos negativos que contribuem para a constipação localiza-se na freqüente desconcentração observada durante o ato de evacuar. Muitos doentes aproveitam o momento para leitura, rever suas agendas de trabalho ou compromissos, fumar, enfim, psicologicamente distantes, comprometendo sua efetiva participação nos mecanismos voluntários da evacuação. Para muitos esta associação chega a criar condicionamentos com bom resultado, não devendo, portanto, ser desestimulada. Mas, nos casos em que se busca re-habituar o funcionamento intestinal regular, qualquer distração certamente irá interferir na sua correção.

Mesmo que aceita, a relação entre constipação intestinal e distúrbios emocionais continua sendo muito difícil de ser entendida. Do ponto de vista médico há argumentos para admitir que muitos indivíduos exteriorizam suas emoções por sintomas viscerais e, nesse sentido, não há como negar que o sistema digestório é, particularmente um terreno fértil para essas manifestações. Para certa classe de gastroenterologistas, o perfil psicológico

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do doente teria tanta importância no funcionamento intestinal quanto o componente de fibras da dieta, concluindo que indivíduos introspectivos produzem menos fezes e apresentam menor freqüência de evacuações que os extrovertidos64. Estudos controlados identificam que a morbidade psicológica está comumente associada com apresentações severas de constipação intestinal74,77.

Pela natureza dessa associação, somente uma sólida relação médico-paciente neste grupo em particular, poderá, com o tempo, permitir uma melhor compreensão da história de vida daquele indivíduo, abrindo a oportunidade da suspeita de outras justificativas para o sintoma intestinal, quando todas investigações mensuráveis não convencerem sobre a etiologia da constipação, quase invariavelmente, as de maior gravidade31. Abusos físicos, sexuais, perdas de parentes próximos, insatisfações pessoais, fobias, repulsa pelo ato de evacuar, podem ser pontos de apoio para uma terapêutica mais abrangente, com melhores chances de resultados favoráveis que os observados apenas pela prescrição de um medicamento. 3. MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DA CONSTIPAÇÂO INTESTINAL SECUNDÁRIA

Como referido na classificação, a constipação intestinal secundária tem

origem em diferentes etiologias reconhecidas, de natureza anatômica, metabólica ou endócrina, neurológica e muscular.

3.1. Alterações anatômicas

Decorrem de dificuldades do trânsito das fezes pelo cólon, com graus variáveis de oclusão mecânica, secundária a lesões intraluminares, congênitas ou adquiridas, como tumores, malignos ou benignos - lipoma, leiomioma, estenoses inflamatórias - diverticulites, por doença inflamatória intestinal - Crohn, retocolite ulcerativa inespecífica, tuberculose, colite actínica e sequela pós-isquemia, hérnias internas ou da parede abdominal, cirurgias pélvicas, ou aderências pós-operatórias na cavidade peritoneal. Na região anorretal, fissuras e hemorróidas, quando muito sintomáticas, provocando dor durante o ato da evacuação, úlcera solitária, estenose por doença inflamatória ou neoplásica, constituem impedimentos para a normalidade evacuatória. Em geral os doentes associam outros sintomas como distensão, vômitos, perda de peso, enterorragia e redução do calibre das fezes. Nos casos de doença hemorroidária e da presença de fissuras anais discute-se se devem ser interpretadas, em todos os casos, como causa ou efeito da constipação. Na mesma linha de raciocínio situam-se o prolapso retal, e as retoceles, a não ser as de grande volume68, enterocele e intussucepção, não mais consideradas causas, embora possam contribuir para aumentar a dificuldade de evacuar.

Como referido anteriormente, a musculatura perineal, correspondente ao assoalho pélvico, cumpre função fundamental na última etapa do

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mecanismo da evacuação e cuja eficácia estará condicionada à sua integridade anatômica e funcional. Lesões, como rupturas após parto ou intervenções cirúrgicas para tratamento de fístulas e abscessos perianais, chegam a modificar seu desempenho, por vezes a única justificativa para a constipação. Danos decorrentes da cicatrização de lesões inflamatórias da doença de Crohn ou sexualmente transmissíveis, que se localizem nessa área, poderão ser investigados por testes específicos para sua mensuração funcional e necessitar de abordagem terapêutica particularizada.

Alterações da parede anterior do abdome que interfiram com a mobilidade da sua musculatura, podem reduzir a manobra de pressão que lhe cabe executar, sujeita a ocorrer na obesidade abdominal, ascite, principalmente se acompanhadas de dor, hérnias por diástase, cicatrizes cirúrgicas de grande extensão, fibrose parietal decorrente de cirurgias redutoras e hérnias da região inguinal.

Segundo as estatísticas, apenas uma minoria de constipados, porém não menos importante, tem, nas alterações estruturais, a justificativa para a sua anormalidade do esvaziamento colorretal.

3.2. Alterações endócrinas

Algumas doenças endócrinas e metabólicas estão associadas com a redução da freqüência das evacuações. A neuropatia autonômica diabética provoca transtornos motores do tubo digestivo, sendo constipação a queixa mais referida. Sua fisiopatologia está ligada a modificações no padrão contrátil da musculatura lisa do cólon, por diminuição na freqüência das ondas lentas e, conseqüente aumento no tempo de trânsito colônico. Embora a relação com diabete seja significativa, os resultados de uma ampla investigação populacional sobre constipação, consideraram-na como de fraca associação17, fato confirmado em outro estudo sobre fatores de risco para essa disfunção intestinal109, entre os quais não ocupou uma posição de destaque.

Hipotiroidismo é outra endócrinopatia acompanhada, entre outros sinais e sintomas, de constipação intestinal. O mecanismo fisiopatológico que provocaria alterações da motilidade digestiva não é bem claro, embora tenha sido demonstrado que os tempos de trânsito intestinal e do cólon estão aumentados nessa doença. É um dos diagnósticos diferenciais a ser investigado nos casos que requerem grandes doses de laxativos.

Hiperparatiroidismo, porfiria, panhipopituitarismo, uremia, hipocalemia, hipomagnesemia, também podem evoluir com dificuldade para evacuar.

Embora não se trate de doença, a gravidez é uma situação com aspectos endócrinos que facilita a constipação em cerca de metade das mulheres e não se limita ao período do aumento uterino. Elevação dos níveis de progesterona é uma hipótese para explicar o erro do funcionamento intestinal. Ainda que tenha caráter transitório a constipação da gravidez reserva certa dificuldade na abordagem terapêutica, exigindo cuidados na prescrição de laxativos.

3.3. Alterações neuromusculares

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Uma evacuação normal está intimamente relacionada com o

funcionamento adequado do sistema nervoso central e entérico. Uma vez que depende de complexa e coordenada atuação de grupos musculares, sob estímulo de neurotransmissores, presume-se que mio e neuropatias sistêmicas tenham na constipação intestinal uma das suas complicações. Acidente vascular cerebral isquêmico, trauma medular, doença de Parkinson, trauma craniano e esclerose múltipla são, em conjunto com doença de Hirschsprung, Chagas, pseudo-obstrução intestinal e neuropatia autonômica não diabética, situações neurológicas centrais e periféricas que associam importante dificuldade de evacuação.

O megacólon congênito ou doença de Hirschsprung, ocasionada por aganglionose dos plexos submucoso e mientérico, na maioria dos casos restrita ao reto e sigmóide, pode estender-se ao hemicólon esquerdo, todo o intestino grosso e até comprometer também o delgado. A constipação intestinal é de aparecimento precoce, no período neonatal, cujo diagnóstico está mais afeito ao pediatra. Na neuropatia colônica adquirida da doença de Chagas a afecção que compromete o desempenho dos plexos é semelhante ao da forma congênita.

O dolicólon, que se manifesta como causa importante de constipação, tende a ser aceito mais como conseqüência, na evolução dessa disfunção, do que etiologia.

Entre as doenças musculares, citam-se distrofia miotônica, amiloidose, esclerodermia e dermatomiosite. Na esclerodermia, a fibrose que compromete a pele, estende-se para algumas vísceras, pulmões, coração, rins e trato gastrointestinal. As camadas musculares da parede intestinal são progressivamente substituídas por tecido conjuntivo, com perda da sua mobilidade. Na amiloidose, a substância amilóide, fibrogênica, é depositada diretamente nas células do cólon ou infiltrando o sistema nervoso autônomo entérico, danificando o estímulo neurogênico e a resposta motora. 4. ABORDAGEM CLÍNICA

4.1. História clínica É bastante provável que a maioria dos doentes ao consultar o

especialista a respeito de sua constipação já tenha se submetido a tentativas para corrigi-la, por intermédio de medicamentos de compra livre, ou prescritos por outros médicos e/ou medidas caseiras, sem atingir o resultado esperado. Como em qualquer atendimento, o diagnóstico inicia-se por uma detalhada história clínica, a partir da queixa principal. É absolutamente necessário que todas as características das evacuações e do bolo fecal sejam exaustivamente interrogadas, mesmo que não informadas espontaneamente.

Assim, busca-se conhecer o ritmo intestinal prévio ao início da constipação para fins de comparação, o que equivale identificar o tempo de

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existência da disfunção. Por exemplo, dificuldade de evacuação que acompanhe o doente desde a infância é suspeita de doença congênita. Como comentado anteriormente, constipação intestinal de caráter funcional, costuma ser de longa evolução e benigna, guardando, praticamente, as mesmas características, desde sua instalação, independente da duração. As de aparecimento recente são mais compatíveis com causas orgânicas.

É necessário tentar identificar que mudanças no estilo de vida do doente possam ter coincidido com a modificação do hábito intestinal, como trocas de horário ou tipo de trabalho ou da alimentação, eventos familiares marcantes, alterações do estado emocional, enfim, diferenças expressivas no seu dia a dia. Essa exploração continua com dados sobre dieta, numa avaliação do dia gástrico, com a intenção de calcular, ainda que grosseiramente, o teor de fibras contidas nas refeições habituais e sobre a ingestão de líquidos, para analisar a adequação desse aporte, sabidamente importante para, em associação com as fibras, definir a composição final das fezes.

Interroga-se sobre atividade física costumeira e a existência do reflexo da evacuação. Quando presente, insistir na referência sobre freqüência, sua relação com horário e qual o comportamento do doente para com ele, em termos de atendê-lo ou reprimi-lo, eventual ou repetitivamente.

Quanto ao ato da evacuação propriamente dito, é preciso pesquisar, além da freqüência, qual o grau de esforço necessário para realizá-la, que volume aproximado é eliminado, sensação de esvaziamento retal completo ou não, modificações do calibre das fezes e, se acompanham outros sintomas, como dor anal e/ou abdominal, distensão, flatulência, sintomas digestivos altos etc. São considerados sinais de alarme e devem ser rigorosamente investigados, febre, emagrecimento, sangue, muco e presença de restos alimentares íntegros eliminados com o bolo fecal. Esforço intenso, prolongado, mesmo para fezes não endurecidas, sugere a possibilidade de evacuação obstruída. Manobras de pressão externa sobre o períneo ou vagina ou digitais para remoção das fezes do canal anal têm a mesma conotação.

É fundamental identificar o consumo de medicamentos rotineiros, prescritos ou de uso espontâneo, incluindo laxativos e doses utilizadas.

Cabe ao interrogatório complementar obter informações sobre doenças prévias conhecidas que tenham alguma implicação com o ritmo intestinal e intervenções cirúrgicas envolvendo a cavidade abdominal e suas estruturas. Em relação à área digestiva é indispensável reconhecer a existência de outras queixas relativas a distúrbios funcionais ou orgânicos, do tipo dispepsias, refluxo gastro-esofágico, paresias gástrica e intestinal, doenças inflamatórias crônicas e suas complicações externas, como fístulas ou abscessos peri-anais e perineais, tumores, radioterapia pélvica ou abdominal, diverticulose colônica, prolapsos e sintomas de afecções orificiais, especialmente dor, massa tocável e sangramento.

Interrogar ainda sobre doenças pulmonares restritivas, distúrbios neurológicos pregressos ou atuais, alterações metabólicas, particularmente relacionadas à diabete ou sintomas e sinais que sugiram hipotiroidismo, hipercalcemia, mudanças do desempenho muscular geral e da função renal. No caso de mulheres é importante quantificar o número de gestações a termo e,

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as condições dos partos. Hérnias de qualquer localização, já observadas pelo doente, devem constar do inventário das informações.

4.2. Exame físico Os achados propedêuticos ficarão na dependência da etiologia da

constipação. No exame físico geral merecem atenção as condições do estado nutricional, medido pelo índice de massa corporal, a existência ou não de sinais de redução de tecido subcutâneo e de anemia e as características do trofismo da pele e anexos, assim como a presença de linfonodos periféricos anormais. Carências específicas, se presentes, podem ser reconhecidas, como glossites, sufusões hemorrágicas, tetanias e edemas discrásicos.

A avaliação pulmonar permitirá observar sua expansão, ventilação, ruídos adventícios e derrames cavitários. Do ponto de vista cardio-circulatório, além de poder-se interpretar toda dinâmica cardíaca, a medida da freqüência é um sinal de alerta para encaminhar a hipótese para distúrbios da função tiroideana. Medidas da pressão arterial nas posições supina e ortostática são recomendadas, pois hipotensão postural é um dos sinais sugestivos de neuropatia autonômica circulatória, um dado que pode ser extrapolado para o sistema nervoso entérico.

Na propedêutica abdominal, iniciada pela inspeção, poderão ser identificados sinais de aumento do seu volume, movimentos peristálticos e sua direção e cicatrizes cirúrgicas. A percussão permite a constatação da existência de líquido retido na cavidade e sua distribuição, de forma difusa ou localizada ou timpanismo patológico. A palpação superficial já consegue orientar para áreas suspeitas e a profunda irá localizar, se possível, o aumento de vísceras e, quando da presença de massas, definir suas características, de tamanho, formato, mobilidade, consistência e sensibilidade. Na presença de tumores acessíveis à palpação, sua localização e deformação à manobra da pressão digital são sinais indicativos para o diagnóstico presuntivo de fecaloma. Pulsatilidade própria ou transmitida por contigüidade e frêmitos são detalhes a mais da semiologia dessas formações. Finalmente, a ausculta pretende analisar a freqüência e timbre dos ruídos hidro-aéreos, caracterizando hipo ou hiperatividade motora ou que denotem esforço peristáltico, quando de tipo metálico. A ausculta exige paciência do examinador, por ser o único dado da propedêutica abdominal que reflete a mobilidade das estruturas responsáveis pelo deslocamento do conteúdo visceral. A presença de sopros terá seu significado envolvido no conjunto dos outros achados.

Na constipação do tipo funcional não se espera maiores anormalidades ao exame abdominal, quando muito certa sensibilidade à palpação, especialmente dos segmentos colônicos, sendo possível avaliar seu calibre, um sinal indireto do grau de sua espasticidade.

O exame proctológico é um procedimento indispensável do exame físico do doente constipado, pois contribuí com novas informações para o posicionamento clínico, particularmente naqueles casos cujo histórico sugira a hipótese de evacuação obstruída. É de fácil execução, acessível a todos os médicos.

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Na inspeção, com o paciente em decúbito lateral esquerdo e separação das nádegas, recomenda-se que ele execute um movimento simulando evacuação e posteriormente de contração, para o reconhecimento visual da elevação e descida da musculatura perineal, permitindo também observar, junto à borda anal, caso existam, prolapso da mucosa retal e a exteriorização de mamilos hemorroidários, fissuras e orifícios fistulosos.

O toque retal, em repouso, avalia o tonus esfincteriano e seu aumento durante o esforço da contração, estenoses e também o bolo fecal, se presente. Com toque bidigital, do tipo pinça, entre o indicador no canal anorretal e o polegar no períneo, comprime-se o músculo puborretal. A presença de dor é fortemente indicativa do seu espasmo, sugerindo a hipótese de anismo. Massas intraluminares, até determinada distância da borda anal são facilmente identificadas, incluindo sua caracterização de tamanho, consistência e superfície. Ainda durante o toque é interessante avaliar a integridade dos músculos da face retal anterior, na detecção da presença de retoceles, sua mais freqüente localização. Por último solicita-se ao doente realizar um esforço para expulsão do dedo do examinador, permitindo analisar, subjetivamente, a intensidade das forças propulsivas do reto e canal anal68.

Na complementação do exame físico, cabe ao clínico, de forma simples, ainda avaliar as condições neurológicas e do desempenho muscular, no sentido de eventuais falhas, não observadas pelo doente e que possam orientar para essa etiologia da constipação.

4.3. Conclusão da abordagem clínica Na grande maioria dos casos será possível, com a história e exame

físico completo, concluir pelo diagnóstico clínico da constipação intestinal em si e tentar classificar sua etiologia, através das informações a respeito da idade do início, hábitos alimentares e de vida, se induzida por medicamentos que reduzam a motricidade do cólon ou alguma das doenças, que evoluem com essa disfunção. Relembrar que muitos dos constipados, com simples correções higieno-dietéticas evoluem com normalização do seu ritmo intestinal, sem necessidade de qualquer investigação complementar. Parte deles, entretanto, se apresentará com sintomas mais severos compatíveis com inércia colônica, ou de evacuação obstruída, ou ambos e outros terão seu diagnóstico suspeito ou efetivamente apoiado no conhecimento prévio de obstruções mecânicas, ou ainda secundárias a doenças sistêmicas neuro-musculares ou metabólicas. Um contingente significativo de doentes com queixa de constipação têm, na verdade, sintomas, que no conjunto, são representativos da síndrome do intestino irritável da forma constipada, sendo necessário lembrar desse diagnóstico diferencial, pois requer orientações e condições terapêuticas particulares.

A tentativa clínica de classificar o modelo responsável pela constipação em cada doente traz benefícios na condução das etapas seguintes, tornando mais objetiva a decisão para a necessidade de exames de laboratório ou testes fisiológicos ou de imagem, alguns de custo razoável, nem sempre facilmente disponíveis, relativamente invasivos, incômodos e até de interpretação discutível. Em determinados casos, porém, por mais cuidadosa que tenha sido

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a abordagem clínica, mesmo em mãos experientes, não será possível estabelecer a causa etiológica da constipação, buscando-se o apoio dos exames auxiliares para complementar seu estudo.

4. INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR

Do ponto de vista econômico é necessário considerar duas etapas

distintas na condução clínica do doente constipado. Quando faz sua consulta médica tem, primariamente, a intenção de receber somente a prescrição ou a substituição de um medicamento laxativo, o que efetivamente acontece na maioria dos casos de constipação funcional, além dos aconselhamentos sobre dieta, horário, postura e, eventualmente, a permuta de drogas com potencial constipante. Sob esse aspecto, o custo, envolvendo exclusivamente o honorário profissional e a medicação, é relativamente pequeno.

Entretanto, os valores tornam-se significativos para os casos que requeiram investigação, em particular com procedimentos de imagem86. O diagnóstico diferencial com o câncer de cólon, especialmente nos doentes com constipação de início recente ou com sinais de alarme, poderá se fazer necessário125, além do que a literatura reconhece um risco aumentado, pelo menos o dobro, para os constipados desenvolverem tumores do intestino grosso, maior nas mulheres91, justamente o grupo no qual a disfunção é predominante.

Seria assim desejável que no atendimento desses doentes, o médico utilizasse seu senso crítico da melhor forma possível, para decidir o benefício de uma investigação na conduta de cada caso, especialmente ao indicar testes invasivos e de alto custo, mas, algumas vezes, absolutamente indispensáveis.

4.1. Abordagem laboratorial Requer alguns poucos procedimentos, como ponto de partida para

aqueles doentes que devem ter seu diagnóstico etiológico investigado. Avaliações sobre anemia e estado nutricional serão obtidas através do hemograma e da dosagem de proteínas séricas. Testes para análise de possíveis alterações endócrinas ou metabólicas, fazendo parte de doenças subjacentes ou insuspeitas, recomendam as dosagens sangüíneas de glicose, creatinina, potássio, cálcio e fósforo, do T4 e TSH, sempre correlacionados com os parâmetros clínicos. Outras investigações ficam reservadas para situações menos comuns ou sugeridas pelos resultados dessa primeira etapa laboratorial.

O exame das fezes somente se justifica se houver confirmação da presença de anemia e suspeita de perda sangüínea digestiva. como é possível ocorrer nas doenças inflamatórias ou neoplásicas do cólon. Ainda assim, um resultado negativo não exclui qualquer das hipóteses.

4.2. Abordagem radiológica/endoscópica

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Na fase geral da investigação, o RX simples de abdome, para uma

primeira análise da provável retenção de fezes, em relação à sua quantidade e distribuição, tem seu valor no reconhecimento inicial do grau e das características topográficas do armazenamento do bolo fecal. Quando o acúmulo for predominante proximal e não houver causas que expliquem esse erro de deslocamento, inércia do cólon passa a ser a maior suspeita etiológica. Caso esse fato ocorra preferencialmente no sigmóide e reto, os testes seguintes se orientarão para o diagnóstico de evacuação obstruída. A víscera inteiramente ocupada por fezes levará a hipótese para a associação entre as duas disfunções ou para doenças orgânicas.

O estudo do cólon por exames de imagem acaba sendo a seqüência natural na investigação da constipação intestinal. Enema opaco e/ou colonoscopia têm sua indicação decidida de acordo com a suspeita clínica. Se a finalidade é pesquisar mudanças anatômicas como dilatações e/ou alongamentos de segmentos colorretais, o procedimento radiológico deverá ser o preferido, pois essas anormalidades escapam da observação e do diagnóstico do endoscopista em muitas das vezes. É verdade que dificuldades de introdução do colonoscópio ou angulações que venham exigir manobras para seu prosseguimento indicam a possibilidade de se tratar de aumento na extensão da víscera, mas, exatamente por esse motivo, nem sempre o exame é completado. Dessa forma com mais facilidade e clareza o estudo retrógrado por contraste do intestino grosso, irá avaliar seu comprimento e calibre, definindo pela existência ou não de alongamento - dolico cólon e/ou dilatações - megarreto ou megacólon.

Além das alterações estruturais da forma e do tamanho, o enema opaco também pretende estudar lesões colorretais de qualquer natureza e dimensão, dependendo os resultados dessa investigação de sua qualidade técnica. O procedimento, quando realizado com duplo contraste e contando com a experiência do radiologista reúne condições para informar sobre lesões de pequeno porte – pólipos, divertículos e pseudodivertículos, áreas de espasmo, tumores, etc., ainda que não permita esclarecimentos sobre sua natureza. O método sofre algumas críticas, pelo argumento de que a infusão do contraste através da sonda retal, posicionada no reto médio ou alto, não raramente deixa de analisar alterações do canal anal e do reto distal. Para essa finalidade a retosigmoidoscopia é, sem dúvida, a melhor sugestão.

A colonoscopia tem menor indicação no estudo da constipação intestinal que o comentado para o exame radiológico dos cólons e deverá complementar a investigação para esclarecimento do mau funcionamento intestinal, exclusivamente, quando lesões detectadas previamente ao RX contrastado deixam dúvidas sobre sua natureza. Não há como negar a qualificação da endoscopia do cólon na avaliação das lesões intraluminares, precisando sua localização, características morfológicas e a oportunidade para coleta de material para análise anátomo-patológica, sem esquecer de suas possibilidades terapêuticas. No caso da constipação, apenas obstruções mecânicas necessitam de investigação mais profunda, não só pelo obstáculo que representam ao trânsito, como também pela alta probabilidade de tratar-se de neoplasia maligna. Assim, a decisão pela colonoscopia diagnóstica em

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doentes constipados requer indicação muito precisa e, certamente, não deve acrescentar informações, pelo menos para a maioria dos casos. É preciso também considerar que se trata de um procedimento não isento de risco e de custo relativamente alto.

Bipósias, quando da suspeita clínica de amiloidose, para a constatação do depósito de substância amilóide nas células da mucosa retal ou ainda para estudo quantitativo das suas terminações nervosas, no caso da hipótese de inércia colônica, são acessíveis por retoscopia ou retosigmoidoscopia.

4.3. Testes fisiológicos Os testes fisiológicos procuram medir a atividade motora do intestino

delgado, cólon e reto, assim como o desempenho neuromuscular das estruturas pelvi-perineais envolvidas no mecanismo final da eliminação das fezes pelo trajeto reto-anal. Sua indicação fica limitada às constipações severas na suspeita de inércia colônica ou de disfunção do assoalho pélvico. Infelizmente sua disponibilidade é restrita aos grandes centros, impedindo que uma parcela dos doentes tenha seu diagnóstico etiológico confirmado, gerando tentativas aleatórias de condutas terapêuticas.

Já de longa data os pesquisadores se preocuparam em propor métodos que permitissem medir os tempos de trânsito oro-cecal ou oro-anal, utilizando corantes, recuperando-os nas fezes (oro-anal) ou através da radiologia, calculando-os com base no período de progressão da coluna de contraste pelo intestino delgado (oro-cecal). Na ausência de condições técnicas para a realização dos testes mais refinados para essas avaliações, podem ser empregados, considerando-se seus resultados de razoável fidedignidade.

Mais recentemente foram introduzidos na semiologia complementar da constipação intestinal alguns procedimentos que conseguem quantificar determinados parâmetros relacionados à função motora dos diferentes segmentos do canal alimentar, aplicáveis em casos suspeitos de pseudo-obstrução do intestino delgado, inércia colônica e evacuação obstruída, facilitando a decisão da melhor proposta terapêutica e, uma vez instituída, avaliar as respostas ao tratamento e seu prognóstico, a longo prazo19.

Certos testes, mais simples, utilizam marcadores ou materiais contrastados, facilmente identificáveis por métodos de imagem rotineiros e podem, inclusive, definir o tempo de trânsito em cada trecho do tubo digestivo. Outros dependem de equipamentos e técnicas mais sofisticados, tanto para essas medidas, quanto para a que analisa a integridade funcional da musculatura e das terminações nervosas do reto, canal anal e períneo.

O teste ideal, para medida de qualquer dos tempos de trânsito, deveria empregar materiais, cujas propriedades, lhes permitissem, o melhor possível, transitar de forma a se comparar com os movimentos fisiológicos do conteúdo intestinal, utilizando marcadores que não sofressem mudanças físicas ou químicas durante seu deslocamento, servindo, portanto, para analisar a motricidade de todas as regiões percorridas. A escolha, assim, recairia sobre produtos não digeríveis, nem absorvíveis, que mantivessem seu tamanho e forma, independentemente das variações de pH ou químicas que ocorressem nos vários meios do trato gastro-intestinal.

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Um bom substrato a ser usado como marcador para o estudo do tempo de trânsito do intestino delgado deveria considerar que o mesmo não sofresse alterações com a acidez gástrica, nem com as enzimas pancreáticas ou intestinais. Já para a medida do trânsito colônico o teste mais adequado seria aquele em que os marcadores pudessem ser colocados ou liberados somente ao nível do ceco, evitando-se falsas interpretações decorrentes de sua dispersão durante o esvaziamento gástrico e/ou percurso pelo intestino delgado. Como complemento para a qualificação desses testes fisiológicos seria desejável que fossem de fácil execução, tivessem resultados reprodutíveis e baixo custo19

O teste ideal, na prática, não existe. Os procedimentos atuais para essas avaliações, ainda que de boa qualidade e sucessivos aperfeiçoamentos, têm ainda algumas restrições que, entretanto, não invalidam sua indicação, pelo menos na opinião da maioria dos grupos de especialistas.

4.4. Tempo de trânsito do intestino delgado O teste mais difundido para avaliação do tempo de trânsito entérico é

representado pela medida da concentração do hidrogênio em ar expirado, após ingestão de algum substrato, não digerido nem absorvido pelo estômago e intestino delgado e, de cuja degradação pela flora colônica, resulta a formação de produtos gasosos. O hidrogênio assim liberado, após absorção e veiculação sanguínea até os pulmões, é captado no ar expirado, em balões apropriados, tendo sua concentração quantificada com auxílio de um cromatógrafo de gases. As amostras de ar expirado são colhidas em tempos sucessivos, predeterminados, considerando-se o aumento brusco da medida do hidrogênio numa das amostras, como o momento da chegada do marcador ao cólon, inferindo-se seu tempo de trânsito oro-cecal. Essa prova utiliza a lactulose, em solução, como marcador, um açúcar para o qual não temos enzimas que o digiram nem mecanismos de absorve-lo e que acaba sendo degradado pela ação enzimática dos lactobacilos da flora normal no cólon proximal.

É um método sujeito a algumas críticas: trata-se de um substrato liquido, de trânsito presumivelmente mais rápido, exige antissepsia oral imediatamente antes da sua ingestão, pois poderá ocorrer a digestão do açúcar pela flora bucal, além de e, principalmente, na hipótese de haver alguma lentidão da motricidade do delgado; o sobrecrescimento bacteriano que tende a ocorrer nessa circunstância promoverá o pico do hidrogênio expirado antes da chegada do substrato ao cólon, falseando assim o cálculo do tempo de trânsito. Sua infusão direta, através de sondagem duodenal, evitaria somar o tempo de esvaziamento gástrico, mas se tornaria o teste desconfortável. Além domais requer equipamento especial – cromatógrafo de gases, não disponível nos laboratórios comerciais.

A cintolografia com marcadores radioativos é um teste que permite calcular, num só procedimento, os tempos de trânsito gástrico e intestinal. Refeições marcadas com 99Tecnecio, 131Iodo e 111Indium são utilizadas para avaliar o tempo de esvaziamento do estômago e seu deslocamento pelo intestino delgado. A necessidade de gamacamara para contagem do marcador, entretanto, restringe a aplicação do método aos grandes centros ou

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laboratórios universitários. Os referidos substratos não são modificados pela presença de bactérias, podem ser agregados a refeições de diferentes consistências, com alimentos digeríveis ou não. Tem como único cuidado sua utilização em mulheres em idade reprodutiva, recomendando-se prévio teste de gravidez.

A medida dos tempos de trânsito do estômago e do intestino delgado não faz parte dos protocolos habituais de investigação nos casos de constipação, ficando limitada a situações especiais, nos casos suspeitos de gastroparesia, pseudo-obstrução intestinal ou no estudo das alterações motoras do canal alimentar, como a observada na esclerodermia.

4.5. Tempo de trânsito colônico Quanto ao trânsito do cólon, o teste mais conhecido e empregado

utiliza marcadores radiopacos, constituídos de pequenos elementos sólidos de material inerte, de diferentes formatos, em número definido, 20 ou 25, contidos numa cápsula gelatinosa comum, do tipo das usadas para fins farmacêuticos. Após sua desintegração gástrica, liberam-se os marcadores, que farão todo o percurso intestinal e colônico, sendo eliminados no bolo fecal sem modificação. Radiografias simples do abdome seguirão seu deslocamento, havendo um tempo fisiológico estabelecido para a eliminação parcial ou total dos elementos radiopacos pelas fezes. Sua contagem e localização definirão, com razoável precisão, a lentidão da motricidade do cólon, inclusive permitindo a demarcação das regiões nas quais o trânsito se faz com dificuldade. A visualização dos marcadores é fácil, sugerindo-se, para melhor análise do seu posicionamento nos diferentes segmentos colônicos, traçar no próprio filme obtido o diagrama recomendado pelo método.

Na ausência de alterações motoras do cólon, 80% ou mais dos marcadores, identificados radiograficamente no 5o dia após sua ingestão66, devem ter sido evacuados ou, pelo menos atingido a região distal, ao nível do reto. Considera-se o doente como portador de inércia colônica quando um número superior a 20% dos marcadores permanece retido nos segmentos da víscera, transcorridas 120 horas da sua administração. Nos que apresentam disfunção do assoalho pélvico a retenção e localizará na região reto-anal. O método também se presta para identificar os casos de constipação imaginária, uma entidade clínica talvez não tão rara quanto possa a princípio parecer. Alguns grupos propõem a utilização de formas diferentes de marcadores radiopacos, igualmente encapsulados e oferecidos em dias consecutivos, com a finalidade de melhor estimar deficiências de trânsito localizadas.

O método dos marcadores radiopacos tem custo relativamente pequeno e exposição radiológica mínima, podendo fazer parte da investigação do diagnóstico diferencial da constipação intestinal em qualquer local, mesmo de recursos menores. Para tanto bastaria preencher uma cápsula, um pouco maior que as habituais, com os elementos radiopacos, que seriam obtidos, artesanalmente, pela secção de um cateter de intra-cath ou sonda de Dubhoff, cortado na forma de anéis, com a maior uniformidade possível. Durante os dias de execução do teste o doente pode permanecer utilizando dietas ricas em

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fibras, não se permitindo, obviamente, qualquer laxante ou drogas que possam interferir na motricidade do intestino e cólon.

A cintilografia também é utilizada para medida do trânsito colônico20. A grande distância que o marcador tem que percorrer até o ceco, quando administrado pela via oral, estimulou os pesquisadores a propor algumas manobras no sentido de facilitar uma leitura adequada do material radioativo pela gama-câmara. Sugeriu-se inicialmente infundí-lo diretamente no ceco, através de sondagem naso-cecal. Essa técnica permitiria, precisar o momento da entrada do marcador no intestino grosso e assim ter a medida do tempo exato do seu percurso colônico. O desconforto da sondagem e a duração da etapa inicial do procedimento desencorajaram sua indicação rotineira. Aventou-se a hipótese da sua realização pelo caminho inverso, ou seja, através de colonoscopia, como veículo para o transporte do marcador até o segmento proximal do cólon. Isto exigiria o mesmo preparo prévio habitualmente empregado para a limpeza do intestino, o que criaria uma situação antifisiológica.

Estas dificuldades foram superadas com a idealização de cápsulas com invólucro pH dependente, contendo no seu interior o preparado radioativo, 111In ou 99Tc, resistentes à passagem pelo estômago e delgado, que se dissolvem em meio alcalino, encontrado no íleo distal, não necessitando assim de qualquer preparo do cólon85. Adquiridas as imagens durante três dias, o método permite estudos segmentares, além da quantificação do material radioativo em amostras de fezes coletadas pelo doente durante o tempo da prova, um parâmetro numérico da sua evacuação. O marcador contendo 111Indium tem um custo relativamente alto e, o com 99Tec, vida média curta, o que tem levado alguns grupos a utilizarem soluções com 67Galio22.

4.6. Métodos de avaliação anorretal Estudar a evacuação retal é investigação importante nos doentes

portadores de constipação crônica, cuja etiologia não tenha sido diagnosticada nos distúrbios motores do intestino delgado e/ou cólon. A função evacuatória poderá ser abordada por métodos radiológicos ou cintilográficos.

4.7. Defecografia A vídeo-defecografia, associada ao enema opaco convencional,

completaria, o estudo anatômico do cólon com a avaliação funcional do segmento anorretal, ambos num só tempo, sem necessidade de equipamentos de imagem especiais68. Sua aplicabilidade clínica na identificação de disfunções do ato da evacuação deveria recomendá-la de rotina62. Habitualmente, a vídeo-defecografia é realizada com introdução retal de pasta à base de bário ou de fezes artificiais, produzidas com silicone e revestidas de bário, deformáveis, que se aproximam do formato e da consistência de fezes consistentes, estudando-se radioscopicamente, o trajeto, em repouso, contração voluntária, esforço para evacuar e tosse. Os aspectos mais relevantes dessa técnica seriam a constatação por imagem dinâmica da não angulação da transição reto-anal, dificultada pela não retificação do canal anal

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durante o esforço da evacuação, o comprometimento da descida do assoalho pélvico, o relacionado à contratura do músculo puborretal e a identificação de prolapsos, retoceles, enteroceles e intussucepção reto-anal. Estes dados merecem certo cuidado na interpretação, pois, anormalidades são descritas em até 50% de indivíduos assintomáticos123. Ainda que a defecografia possa auxiliar no diagnóstico da dinâmica da evacuação final, não deve ser indicada de rotina a não ser na suspeita de defecação obstruída48.

Recentemente, num estudo piloto, comparou-se a defecografia com ultra-som dinâmico transperineal, em casos de evacuação obstruída. O método, bem menos invasivo e incômodo, mostrou eficácia comparável, no estudo do ângulo e junção anorretal em repouso e na sua movimentação durante o esforço da evacuação12.

A defecografia por método cintilográfico utiliza fezes artificiais marcadas para o estudo funcional da evacuação. Com o auxílio do material radioativo é possível medir o volume exonerado, além de acompanhar-se a dinâmica do ato de evacuar. Entretanto, por ser um procedimento mais dirigido para detectar erros funcionais, sua pequena resolução dificulta o reconhecimento de eventuais alterações estruturais.

4.8. Outros métodos de imagem Embora, a radiologia convencional e a medicina nuclear venham

atendendo e respondendo a maioria das questões envolvendo o estudo das disfunções anorretais e perineais relacionadas com a evacuação obstruída, alguns métodos de imagem, mais recentemente introduzidos na pratica médica, têm estimulado os pesquisadores no desenvolvimento de novos procedimentos diagnósticos da constipação intestinal. Além do ultra-som transperineal já comentado, a ressonância nuclear magnética, com avaliação da região pélvica, se apresenta como uma modalidade alternativa simples, não ionizante, minimamente invasiva, para o estudo da anatomia e função do assoalho pélvico45,55.

Outros métodos, acessíveis a qualquer serviço de radiologia, também têm mostrado bons resultados na pesquisa de lesões anorretais, como instrumentos diagnósticos. A endossonografia anal, na comparação com a defecografia, confere vantagens em relação à comodidade do doente, permitindo estudo das estruturas pelvi-petineais em repouso e sob esforço10,115, repetidamente, sem os inconvenientes da exposição à radiação e da necessidade de nova carga de contraste, nos casos inconclusivos, para não citar sua retenção eventual, nesses doentes com dificuldade de expulsão do conteúdo baritado do canal anal. Além do mais seu custo é significativamente menor que a ressonância magnética.

4.9. Avaliação dinâmica neuromuscular anorretal As estruturas neuro musculares envolvidas na eliminação do conteúdo

anorretal podem ter sua função avaliada através de alguns testes, recomendados nos doentes com constipação secundária a alterações motoras dos segmentos distais do intestino grosso e/ou perineais. Mede-se

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complacência e sensibilidade do reto, tônus e motricidade esfincteriana e da musculatura perineal, através de procedimentos específicos para o diagnóstico diferencial da etiologia do quadro de evacuação obstruída, no sentido da sua confirmação e da decisão pela melhor conduta terapêutica, de acordo com o mecanismo identificado como responsável pela disfunção. Esses métodos também são utilizados para analisar resultados durante e após os tratamentos instituídos para correção desse tipo de constipação.

4.10. Manometria A manometria anorretal é o teste mais utilizado para avaliação da

função anorretal motora, cuja alteração pode ocorrer nos dois sentidos, da incontinência à constipação. Fornece informações sobre o desempenho esfincteriano, do reflexo autonômico e a sensibilidade retal. Um conjunto de balões preenchidos com ar ou liquido, ligados a transdutores e posicionados no reto, na altura do esfíncter interno e no do esfíncter externo ou cateteres contendo microtransdutores, registram as pressões de repouso e sob esforço. No repouso a pressão basal é mantida pela musculatura lisa do esfíncter anal interno Cada ciclo de atividade elétrica e mecânica está associado com a sua contração. A manometria anal mede as contrações esfincterianas, refletidas em padrões de ondas lentas, as mais freqüentes, intermediárias e ultralentas. A distensão do reto causa, em condições normais, com pequeno volume de insuflação, o relaxamento transitório do esfíncter interno, com elevação da pressão do esfíncter externo, evento conhecido como reflexo reto-anal inibitório. Esta inibição, quando ausente, sugere a presença de megarretos. Deve-se considerar que os padrões pressóricos do esfíncter anal interno diferem segundo o sexo, maior nos homens, e decaindo com o avançar da idade.

O esfíncter externo é formado por músculo estriado o que lhe confere condição para contração voluntária. Pressão de repouso elevada, com aumento ao esforço da evacuação, sugere obstrução de saída por espasmo dos músculos do assoalho pélvico.

Normalmente, o reto, na sua condição de reservatório, tem propriedades de relaxamento, mostrando-se receptivo a distensão que venha a ser submetido. Um dos parâmetros que melhor caracterizaria a dificuldade de saída do bolo fecal seria identificar que esse segmento, em doentes constipados, apresentasse uma menor sensibilidade à chegada das fezes, exigindo maiores volumes no seu preenchimento para que despertasse a vontade de evacuar. Essa hipossensibilidade justificaria a dificuldade em provocar o reflexo inibitório reto-anal, por provável alteração dos terminais nervosos que chegam a sua mucosa, um comportamento neurológico diferente do observado no megarretos, nos quais está completamente ausente, qualquer que seja o estímulo.

Sensibilidade, em geral, é muito difícil quantificar. Sua avaliação, ao nível do reto, pode ser obtida através das sensações referidas pelo doente, diante da distensão ocasionada por balões insufláveis, posicionados na sua luz. São analisados, os volumes de água ou ar injetados no balão e as pressões,

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necessários para despertar o primeiro sintoma de desconforto, os que ocasionam a sensação de preenchimento retal e o máximo volume tolerado. Pressões e volumes servem para o cálculo da sua complacência.

Baixas pressões de distensão não mostram diferenças sensoriais entre constipados, portadores de intestino irritável e controles, bem como no que se refere à complacência. Nas distensões com altas pressões, a percepção de urgência foi significantemente menor nos doentes com constipação, na comparação com os de intestino irritável e controles, o que demonstra o poder do teste em distinguir os diferentes subgrupos de constipados82.

Maiores volumes para iniciar os sintomas e o máximo volume tolerado caracterizam os constipados como um grupo distinto, ainda que em termos de complacência os resultados possam se superpor aos dos indivíduos controle43. Num estudo com barostato, em mulheres portadoras de evacuação obstruída, comprovou-se, na maioria delas, que sua percepção sensorial retal estava ausente ou diminuída50, o mesmo não ocorrendo com a complacência, normal nessas doentes49.

Diminuição da sensibilidade é encontrada em doenças do sistema nervoso central ou neuropatia periférica.

4.11. Expulsão do balão O teste conhecido como da expulsão do balão pretende analisar a

função motora e coordenação do reto. Indivíduos normais são capazes de expulsar um balão intra-retal contendo desde 50ml até 150ml de água. Doentes constipados com ou sem trânsito lento e os portadores de megarretos, não conseguem eliminá-lo, mesmo sob esforço, ainda que a pressão nesse segmento alcance valores semelhantes aos controles. Essa situação levanta as hipóteses de obstrução mecânica ou total falta de relaxamento esfincteriano. É um teste simples, incluído ao procedimento da manometria anorretal e pode quantificar a magnitude das forças acessórias necessárias para expulsão do balão. Não é considerado um teste decisivo para condutas terapêuticas, embora identifique os doentes com dissinergia pélvica83.

4.12. Eletromiografia A medida da atividade elétrica do assoalho pélvico pela eletromiografia

é mais um complemento de avaliação do seu funcionamento, válido também para análise do desempenho do esfíncter anal externo. Eletrodos identificam o movimento esfincteriano durante o ato de evacuar, podendo ser o método de escolha no estudo da evacuação obstruída. Mas a maior indicação da eletromiografia é na pesquisa da atividade funcional da musculatura do assoalho pélvico, durante sua contração voluntária, tosse e no ato da evacuação. Como é um procedimento que integra o estímulo neurológico e a resposta muscular, seus dados permitem o diagnóstico de danos de ambos os sistemas.

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Na síndrome do músculo puborretal, o traçado eletromiográfico confirma sua contratura ou não relaxamento, com o registro de maior número de potenciais de ação, na etapa do esforço para a evacuação do conteúdo reto-anal. Também o desempenho do pubococcígeo é estudado por esse método na evacuação obstruída46.

4.13. Conclusões sobre os testes fisiológicos

Segundo revisão da literatura, que serviu como base para a análise

sobre os testes anorretais, publicada pela Associação Americana de Gastroenterologia, no que seria sua indicação na avaliação da constipação intestinal, os autores não encontraram fundamentos para considerá-los absolutamente definidos, ainda que reconheçam que certos procedimentos sejam adequados para confirmação de algumas das disfunções34. Comentários nessa mesma linha de discussão são apresentados por outro grupo de pesquisadores, sobre a importância clínica dos testes anorretais, concluindo que, para certos exames instrumentados já existe consenso na validade da sua execução, mas, sugerindo restrições, em razão da ausência de uniformidade nos protocolos dos diferentes centros, de dados em larga escala de grupos controles e dificuldades na interpretação dos resultados7. Também não houve boa correlação entre sintomas e testes fisiológicos nos casos de obstrução de saída47.

5. TRATAMENTO CLÍNICO

Na maioria das vezes, medidas gerais, higieno-dietéticas e

comportamentais serão suficientes para a correção dessa disfunção. Antes de qualquer orientação cabe ao médico comentar com o doente, em terminologia simples, os mecanismos da evacuação intestinal e os fatores nela envolvidos. Essa atenção será sempre útil para sua compreensão sobre possíveis falhas que estejam ocorrendo e as medidas do seu acerto que permitam contar com sua colaboração. Também é fundamental explicar, sumariamente, a hipótese etiológica e as razões que o levarão a iniciar um programa terapêutico ou investigar, e qual a importância e a expectativa da contribuição dos recursos complementares no seu caso específico.

5.1. Dieta No levantamento da história clínica sobre hábitos alimentares é feito

um balanço aproximado da quantidade de fibras, assim como de líquidos ingeridos diariamente. Correções, se necessárias, deverão ser propostas, respeitando-se condições individuais de paladar, horários disponíveis para refeições, etc. Restrições pessoais em termos de alimentos poderão exigir suplementação através de preparados comerciais com propriedades semelhantes, ou seja, de aumento do volume fecal por retenção de água.

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Alguns especialistas recomendam sempre tentar uma terapia empírica com fibras, antes de qualquer investigação, desde que não sejam identificados quaisquer sinais de alarme18. A insistência para o consumo de líquidos é fundamental, no mínimo de 1,5l/dia5.

Reconhecidamente uma adequada ingestão de fibras é capital no tratamento da constipação. Seu insucesso pode estar relacionado a uma baixa prescrição por parte do médico ou por relutância do doente, em razão do desconforto do meteorismo que ocasionam, se introduzidas em grande quantidade, rapidamente. Estão presentes numa grande variedade de plantas e alimentos, vegetais, leguminosas, frutas, facilmente disponíveis e, em geral, de baixo custo. Não sofrem qualquer mudança no seu percurso pelo canal alimentar, pela inexistência de enzimas que as degradem. Conhecidas como solúveis, contêm pectina, gomas e mucilagens, estando representadas nos vegetais folhosos, repolho, vagens, brócolis, aveia, frutas com bagaço e grãos. As insolúveis, compostas por pectina, celulose e hemicelulose, são encontradas nos cereais integrais, trigo, principalmente no farelo e germe, grãos, hortaliças. O ideal é propor uma mistura que contenha 1/3 das chamadas fibras solúveis e 2/3 das insolúveis, ambos modelos que atuam na mesma finalidade de oferecer resíduos e água para a formação de um bolo fecal de bom volume. Pela dieta ou através de suplementação, a quantidade diária ideal de fibras encontra-se em torno de 30-35g104,119, acompanhadas da ingestão de 1,5 a 2 litros de líquidos, distribuídos pelo dia3 (Quadro 3).

Quadro 3. Fibras Dietéticas

Alimentos segundo seu teor em fibras em gramas (ordem decrescente) Hortaliças alho-poró cozido, acelga cozida, mostarda cozida, almeirão cozido, brócolis cozido, almeirão crú, pimentão picado cozido, repolho cozido, couve crua, escarola.

Fibras Tipo Fontes Principais

Solúveis

pectinas gomas

frutas, leguminosas,

aveia, cevada

Insolúveis

celulose hemicelulose

lignina mucilagens

trigo, grãos, hortaliças

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Féculas cará, mandioquinha, abóbora cozida, mandioca cozida, beterraba cozida. Leguminosas feijão carioca, lentilha, feijão preto, trigo para quibe, feijão roxinho, feijão fradinho, pinhão, feijão mulatinho, feijão branco, grão-de-bico, ervilha seca, pipoca. Cereais farelo de trigo cru, farinha de centeio crua, germe de trigo, milho de canjica, farinha de mandioca crua, pão francês, bolacha de água e sal, flocos de milho, flocos de arroz. Frutas goiaba, maçã com casca, uva-passa, morango, laranja, pêra, caqui, figo seco, banana, coco ralado, abacaxi. Oleaginosas semente de abóbora, amendoim salgado, amêndoa torrada.

Não é muito fácil mudar hábitos, porque tanto fibras quanto medicamentos podem não produzir os resultados na rapidez com que são esperados ou anteriormente obtidos com certos laxantes. Essas medidas, entretanto, merecem a oportunidade de sua aplicação e trazer um benefício definitivo para a disfunção, pois, em decorrência delas, uma parcela significativa dos doentes terá corrigido sua constipação.

5.2 Medidas comportamentais Como já comentado, os doentes com tendência para constipação vão perdendo progressivamente o reflexo da evacuação que, no início dos sintomas ainda se apresenta, porém sem mais respeitar uniformidade de horário, infelizmente ocorrendo em ambientes e momentos inconvenientes, obrigando o indivíduo a reprimi-lo. Nesses casos aconselha-se ao próprio doente identificar, de acordo com sua vontade e disponibilidade, qual é a hora que lhe pareça mais apropriada para disciplinar o aparecimento do reflexo, com a condição de poder cumpri-la todos os dias, sem a concorrência de outros compromissos previsíveis. Tempo e dedicação para o ato da evacuação são duas grandes colaborações do doente para o sucesso dessa reeducação. É preciso esclarecê-lo que, inicialmente, cabe a ele lembrar-se do horário escolhido para as tentativas de evacuar, pois o condicionamento do reflexo somente deverá se mostrar presente com eficácia após duas a três semanas de treinamento. Além dessa insistência há absoluta necessidade de toda atenção no momento da evacuação, não se recomendando qualquer tipo de distração, particularmente leituras, que desvie sua concentração e comprometa a plena participação física e psicológica requerida para quem reinicia um condicionamento. Reaparecimento do reflexo e seu cumprimento são um grande passo para a normalização do esvaziamento intestinal.

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Na mesma linha comportamental, a postura assumida para evacuar deverá ser sugerida pelo médico, na expectativa da sua consideração pelo doente. A evacuação é, entre outros fatores, resultante da atividade de um grande grupo de músculos, de cuja força se espera a correta movimentação e expulsão do conteúdo presente nos segmentos distais do tubo digestivo. Sabe-se que, na posição sentada, com o apoio dos membros inferiores no chão, funcionando como alavanca e a flexão do tronco sobre o abdome, portanto evitando a atitude recostada, ganha-se intensidade na atuação da musculatura abdominal e perineal, indispensáveis para um esvaziamento colorretal satisfatório. Essa forma deve ser também aconselhada para as crianças, no sentido de utilizarem vasos sanitários compatíveis com o comprimento de suas pernas ou com auxílio de algum apoio com o fim de poderem exercer, em toda plenitude, seu esforço evacuatório.

Outra recomendação refere-se à atividade física. Múltiplos compromissos assumidos pelos adultos, com pequena disponibilidade de horário para algum trabalho de condicionamento físico e a dificuldade natural, nesse aspecto, que acompanha os idosos, precisam ser discutidos, estimulando-se mudanças, de acordo com possibilidades individuais. Embora esse fator não convença alguns grupos de especialistas sobre seus reais benefícios na melhora da constipação, na prática se observa que o aumento da atividade física, talvez pelo exercício muscular da parede abdominal que ela provoca, é acompanhada de maior regularidade defecatória.

Finalmente, trocas ou suspensão, se possível, de medicamentos com interferência negativa sobre a motricidade entero-colônica devem ser abordadas com cuidado, mas fazem parte das propostas de estimular a solução da constipação, no conjunto geral da terapêutica clínica.

Falhas na resposta à dieta e medidas comportamentais poderão orientar a conduta no sentido da investigação etiológica, decidida individualmente, através de exames laboratoriais, estudo por imagem e testes específicos ou suas combinações ou da tentativa medicamentosa.

5.3. Medicamentos O tratamento da constipação é encarado, em geral, pelos doentes,

como um ato simples de prescrição de uma droga e só procuram um aconselhamento médico após uso espontâneo, prolongado e abusivo de laxativos. O mercado farmacêutico contribui para esse comportamento, disponibilizando um número considerável de produtos, naturais e sintéticos, que terminam por estimular seu emprego aleatório. Grandes quantidades desse tipo de medicamento, de acesso livre em todos os países, são consumidas anualmente, em todo o mundo, particularmente entre mulheres e idosos, a um custo considerável4. Entretanto, a escolha da medicação deverá estar relacionada à disfunção reconhecida como causa principal da constipação, podendo incluir substâncias com propriedade laxativa ou que atuem sobre a atividade neuromuscular do intestino. Seria desejável que qualquer que venha a ser o esquema escolhido, busque-se algo mais que apenas seu efeito final, mas admiti-lo como coadjuvante no tratamento global do problema, sempre com a intenção de usá-lo temporário ou intermitente.

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Laxativos são drogas que induzem a evacuação ou a modificações na consistência das fezes, sempre procurando facilitar sua eliminação e classificados com base nas suas propriedades químicas e mecanismos de ação. É restrita a literatura que demonstre diferenças significativas entre os vários grupos desses medicamentos. Num estudo comparativo, não foi possível identificar superioridade de uma classe sobre outra113.

O mercado farmacêutico brasileiro dispõe de laxantes formadores de massa ou aumentadores do volume do bolo fecal, os de ação osmótica, os amaciantes ou emolientes ou lubrificantes e os que agem por irritação, também conhecidos como estimulantes ou catárticos. Cada um desses grupos tem características farmcológicas distintas, alguns mais inócuos que outros, com indicações que precisam ser criteriosamente analisadas, sem o que, seu objetivo mais amplo não será alcançado. Certos produtos comerciais associam diferentes modelos de drogas, com finalidade de potencializar seus efeitos, mas a boa prática sugere que essa conduta não deva ser usada como regra. Sua classificação encontra-se anotada no Quadro 4.

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Quadro 4. Classificação dos laxantes

Agentes hidrofílicos (aumentadores de massa)

fibras dietéticas Psyllium (plantago) metil celulose policarbofila

Agentes osmóticos (minerais) sulfato, hidróxido (leite), citrato de Mg

sulfato, fosfato de Na

Agentes osmóticos (açúcares) lactulose, sorbitol, manitol polietileno glicol Glicerina

Agentes emolientes/lubrificantes docusatos óleo mineral Agentes estimulantes (difenilmetano) fenolftaleína

bysacodil Agentes estimulantes (antraquinona) cáscara sagrada

senne Agentes neuro-musculares (colinérgicos)

prostigmine

Agentes neuro-musculares (agonistas 5HT4)

cisaprida prucaloprida tegaserode

Agentes neuro-musculares (agonistas prostaglandinas)

misoprostol

Agonistas neuro-musculares (?) colchicina 5.3.1. Aumentadores de volume ou agentes hidrofílicos – São fibras alimentares ou medicinais que promovem o aumento do

peso, volume e fluidez das fezes e, durante sua passagem pelo cólon, estimulam o incremento da flora bacteriana, resultando num bolo fecal maior. Interagem com a água por capacidade em retê-la nas fezes, na dependência de sua habilidade em superar os mecanismos da sua absorção no intestino delgado e cólon e escapar do metabolismo bacteriano colônico. O aumento de volume do conteúdo luminar ocorre assim por maior quantidade de material sólido retido durante o trânsito intestinal e obrigatoriamente de água, o que favorece a motricidade desses segmentos, gerada por sua distensão que, associada ao peso das fezes, acelera sua expulsão16. Além do efeito motor a consistência do bolo fecal, mais hidratado, também é reduzida por esses agentes, tornando sua eliminação facilitada. Os laxantes que atuam como aumentadores de massa são os que procuram se aproximar o mais possível dos mecanismos fisiológicos da evacuação. Existem naturalmente no farelo de

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cereais, agar-agar, celulose e no Psyllium (Plantago ovata) e em produtos sintéticos a base de metilcelulose, carboxi metilcelulose e policarbofila.

A eficácia laxativa desses agentes depende da sua quantidade que permanece inalterada no intestino e assim exercer sua atividade hidrofílica e da produção de produtos fermentados que se formam pela ação da flora do cólon. Esse último evento é responsável pela produção de gases, um dos efeitos adversos relatados, como também de ácidos graxos de cadeia curta que, se não absorvidos na mesma velocidade de sua produção, contribuem para a retenção osmótica de água a esse nível. Dessa forma os resultados desse grupo de laxantes variam, na dependência das doses utilizadas, da capacidade de retenção da água da sua porção intacta, da quantidade decomposta pela ação bacteriana e da eficácia dos produtos fermentados, originados no cólon e que tendem a aumentar seu efeito laxante100.

Segundo Schiller (2001), como exemplo comparativo, o trigo tem uma capacidade de reter água cerca de 10 vezes menor que a pectina, na mesma quantidade/grama do produto. Entretanto, o trigo se mostra muito mais eficaz em aumentar o volume das fezes, presumivelmente pelo fato da pectina ser muito fermentada pelo cólon, limitando sua ação laxativa. O trigo integral é a fonte dietética natural mais estudada no que representa como contribuição para o aumento de volume fecal, que será proporcional a quantidade ingerida, algo em torno de 2,7 gramas para cada grama de fibra60. Assim uma oferta de 30g/dia do cereal na dieta deverá aumentar o peso das fezes em cerca de 80g, mas o inconveniente de meteorismo pode ocorrer.

O Psyllium é o único produto natural dos agentes hidrofílicos. É um polissacarídeo não digerido pelas enzimas humanas, na forma de pó com capacidade higroscópica, formando um composto gelificado no contato com a água. Sua prescrição inicial é de 10g/dia e, como atua lentamente, a dose poderá ser ajustada a cada semana, a não ser que se mostre maior que a necessidade, já na primeira prescrição. Recomenda-se utilizar com quantidade grande de água para garantir suficiente hidratação do pó e não antes das refeições, pois, retarda o esvaziamento gástrico, podendo prejudicar o apetite14. Imediatamente após a alimentação, por seqüestro dos sais bioliares, também interfere na absorção das gorduras e das vitaminas lipossolúveis presentes nos alimentos. Reações alérgicas são raramente descritas67 e o meteorismo, por ele desencadeado tende a ser menor que o produzido pelas fibras dietéticas em doses equivalentes.

Outros compostos usados como agentes formadores de massa incluem a metilcelulose, carboxi metil celulose e a policarbofila. Os dois primeiros são formulações derivadas da celulose, relativamente resistentes a fermentação bacteriana. Na dose de 4g/dia aumentam o peso e o volume das fezes52.

A policarbofila cálcica é um polímero do ácido acrílico. Não é metabolizada pela flora intestinal e a dose recomendada, de 4 a 6g /dia, deve ser administrada de forma dividida. Possui capacidade hidrofílica cerca de 3 a 4 vezes maior que o Psyllium, podendo reter algo como 70 vezes o seu peso em água. Enquanto as fibras naturais absorvem água independentemente do pH do meio em que se encontram e aumentam sua viscosidade ainda no estomago, ocasionando a sensação de empachamento epigástrico e retardo o esvaziamento gástrico, a policarbofila cálcica está condicionada a uma curva de

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poder higroscópico, dependente do pH. Em ambiente ácido, absorve apenas 10 vezes seu peso em água, enquanto que em pH básico atinge seu poder hidrofílico pleno, absorvendo 70 vezes seu peso em água. Isso lhe permite exercer seu maior poder absortivo apenas no intestino, onde o pH é básico, minimizando a sensação de estufamento. Por se tratar de um polímero sintético, essa molécula não é modificada pelas bactérias do cólon, sendo excretada intacta nas fezes, sem nenhuma biotransformação, não gerando, portanto, gases ou substâncias voláteis no intestino grosso, como ocorre com as fibras naturais. Somente se beneficiam dessa suplementação os doentes cuja constipação não seja devida a trânsito lento ou obstrução da saída119.

5.3.2. Osmóticos – Há um conjunto de drogas que, em razão de suas características

químicas, não serem absorvidas e exercerem importante efeito osmótico, retêm água na luz intestinal. A intensidade dessa retenção, que se reflete no efeito laxante, será proporcional à quantidade de moléculas ou íons presentes durante seu trânsito. Absorção dos íons, mudanças provocadas por outras drogas e metabolização pelas bactérias reduzem seu efeito. Na dependência da sua propriedade hipertônica tendem a deslocar água já incorporada de volta para a luz do intestino e manter em equilíbrio a osmolaridade entre o meio intracelular e o conteúdo luminar. Assim, são potencialmente desidratantes. Estão representados por algumas substâncias minerais, sulfatos, fosfatos e citratos de sódio e magnésio e hidróxido de magnésio e açucaradas, como lactulose, açúcares -álcool, sorbitol e manitol, glicerina e o polietileno glicol. Os doentes com insuficiência renal, utilizando produtos a base de magnésio, devem ser acompanhados com certa cautela, pois, sua absorção, em quantidade significativa, concorre para quadros de intoxicação.

O polietileno glicol já se encontra comercialmente veiculado entre nós, em doses menores das que são utilizadas no preparo do cólon para fins de colonoscopia ou cirurgia, permitindo, portanto, prescrevê-lo como laxativo rotineiro6. Por questões da sua osmolaridade e cionteúdo de eletrólitos, tem vantagem sobre os outros quanto ao risco de desidratação. Não é metabolizado, não modifica o pH nem a flora bacteriana do cólon. Num prazo longo, em indivíduos idosos, mostrou eficácia significativamente maior que a lactulose e não interferiu com parâmetros nutricionais ou de absorção, considerados relacionados com esse tipo de medicamento21. Igualmente, em crianças com constipação funcional crônica, apresentou ótimos resultados, sem efeitos adversos38,80. Atualmente, através de um consenso, concluiu-se ser o laxativo de escolha para a constipação em grávidas114, um grupo que tem limitações para indicação de medicamentos em geral. É a droga preferida para constipações refratárias27. Não se acompanha de diarréia ou incontinência32.

Os produtos com ação osmótica tendem a produzir gases, fato observado em menor intensidade com o macrogol (polietileno glicol)27.

5.3.3. Amaciantes – Os laxantes amaciantes ou emolientes atuam como surfactantes, com

a propriedade de facilitar a interface entre os componentes hidrofílicos e hidrofóbicos da massa fecal. Citam-se nesse modelo os óleos minerais e diocytl sulfosuccinato (ducosato) de sódio, cálcio e potássio. Os ducosatos provocam

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um aumento na secreção de sódio, cloro e água pela mucosa cecal, motivo que os recomenda para uso de curta duração. Os óleos minerais têm função lubrificante. Se aspirados para a via respiratória, o que não difícil em crianças e idosos, ocasionam pneumonias gordurosas de certa gravidade. Seu emprego prolongado pode contribuir para a má absorção de vitaminas lipossolúveis.

5.3.4. Estimulantes/irritantes/catárticos – Os chamados laxantes estimulantes são fartamente consumidos pelos

doentes tanto por prescrição médica, quanto e, principalmente, por auto-medicação. Compõem dois grandes grupos de drogas: derivados do difenilmetano e da antraquinona.

Os derivados do difenilmetano – fenolftaleína, bisacodyl e oxifenizatina, inibem a absorção de sódio e glicose, aumentando o teor de água do cólon e estimulando sua motilidade. A fenolftaleína é parcialmente absorvida, motivo de alguns efeitos indesejáveis, como eritema nodoso e multiforme, sinais da síndrome de Stevens-Johnson, perda protéica intestinal e hipocalemia. Sua ação laxativa ocorre com relativa rapidez, entre 6 a 10 horas. O bisacodyl tem uma absorção intestinal menor, mas é um irritante gástrico.

Os produtos contendo antraquinona - cáscara sagrada e senne, provocam maior secreção de água e eletrólitos pelo íleo distal e cólon, também estimulando as terminações nervosas, via plexo de Auerbach, gerando um aumento na motricidade do cólon. Problemas com essas estruturas podem ocorrer afetando sua sensibilidade, até de forma permanente, pelo uso prolongado desses laxantes. Estão associados com o aparecimento da melanosis coli, pigmentação benigna da mucosa colônica, facilmente identificável numa simples retoscopia e passível de reversão com a suspensão do medicamento, bem como com atrofia da musculatura lisa e do plexo mientérico. Há vários produtos comerciais compostos com derivados da antraquinona, puros ou associados com outras drogas laxativas. Originados de plantas têm como parceiros dessa classe, o óleo de rícino e o danthron. Tal caráter natural lhe confere certa credibilidade por parte dos usuários, que desconhecem seus efeitos secundários irreversíveis.

5.3.5. Pró-cinéticos – Drogas com ação sobre a atividade motora do tubo digestivo são,

teoricamente, medicamentos com indicação interessante na constipação intestinal. Os procinéticos, recomendados inicialmente para a correção da dismotilidade do esôfago e estômago, não se mostraram tão eficazes para a regularização dos movimentos intestinais. Ainda assim, a cisaprida, um benzodiazepínico que atua sobre receptores da serotoinina, em associação com laxativos de qualquer classe, pode trazer bons resultados, respeitando-se suas restrições, particularmente sobre o sistema cardio-cirulatório. Domperidona, bromoprida e metoclopramida também não convenceram como agentes procinéticos intestinais.

Agonistas do receptor 5HT4 da serotonina, como o Tegaserode e o Prucalopride encontram-se em fase de avaliação e podem vir a ocupar um lugar importante no arsenal terapêutico para a constipação não resolvida com as medidas gerais e drogas convencionais28,37. Na mesma linha encontra-se a

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neurotrofina -3, um fator de crescimento que participa no desenvolvimento do sistema nervoso entérico.

5.3.6. Outros medicamentos com ação laxativa – Drogas não classificadas como laxativas, a eritromicina13 e a

colchicina118, embora demonstradas como úteis no tratamento de formas refratárias de constipação crônica ainda não se situam entre os esquemas preferidos pelos especialistas, talvez por necessitarem de estudos com maior número de doentes e/ou por seus efeitos colaterais. A colchicina tem se mostrado eficaz em constipações refratárias, aumentando o número de evacuações, diminuição do tempo de trânsito, melhorando sintomas como dor abdominal e vômitos por mecanismos desconhecidos, talvez relacionados com o aumento da motricidade, secreção ou causando má absorção.

Misoprostol, um sintético da prostaglandina, utilizado primariamente para proteção gástrica nas doenças ácido-relacionadas, tem como um dos efeitos colaterais diarréia, podendo assim ser indicado em doentes com constipação severa90, embora com restrições de uso em mulheres em idade fértil e não ser comercializado livremente no Brasil.

5.3.7. Medicamentos tópicos – Devem ser sempre considerados com emergenciais, cuja aplicabilidade

de rotina será decidida em situações excepcionais, portanto para uma parcela mínima de constipados. Evita-los é a melhor conduta, embora em idosos, possa se constituir na única forma de estímulo para evacuação.

5.3.8. Toxina botulínica – A evacuação obstruída não responde facilmente a qualquer esquema

medicamentoso, daí a importância no seu diagnóstico diferencial entre as diversas causas da constipação intestinal. Algumas referências de literatura têm sugerido a utilização da toxina botulínica através de injeções periódicas da toxina botulínica no músculo puborretal103. Um estudo recente concluiu melhora clínica e dos testes fisiológicos relativos a essa disfunção na maioria dos doentes tratados15.

5.4. Biofeedback O procedimento mais difundido, para esses casos, diz respeito ao

treinamento da musculatura perineal, através da técnica do biofeedback. Embora demonstrando resultados positivos89, revisão recém publicada, coloca dúvidas sobre a eficácia do método, se analisados a longo prazo57. Porém é ainda a melhor proposta terapêutica no anismo. 6. TRATAMENTO CIRÚRGICO

Cirurgias para resolução da constipação grave, desde que afastadas as causas de evacuação obstruída, são de indicação excepcional, partindo-se de rigorosa seleção dos doentes. Inércias colônicas poderão necessitar de

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colectomias parciais ou totais, recomendando-se investigar se o defeito não faz parte de uma disfunção maior, envolvendo o intestino delgado e/ou o reto, pois, nessa circunstância o resultado cirúrgico terá sua eficácia comprometida. Anastomose íleorretal tem maior sucesso que a realizada com o sigmóide, oferecendo boa expectativa de resolução da constipação81. Ressecções segmentares70 ou colectomia com reconstrução íleorretal78 ou íleo-anal em bolsa63, nos casos associados com inércia retal, têm mostrado bons resultados com melhora na qualidade vida dos doentes, ainda que com algum grau de morbidade.

Numa revisão de 32 estudos65, constatou-se que, após a colectomia para tratamento de inércia colônica, em média,18% dos operados tiveram obstrução do intestino delgado, com uma média de reoperação de 14%. O número médio de evacuações diária foi de 2,9, com 14% dos casos apresentando diarréia, 9% constipação e 14% incontinência. Graças à má evolução funcional, até 28% tiveram sua cirurgia convertida em ileostomia definitiva.Os doentes que têm como maior queixa, dor abdominal e meteorismo, associados à constipação, parece terem menor probabilidade de se beneficiar com a colectomia. Aqueles apenas com inécia do cólon apresentam melhor adaptação à colectomia subtotal, recomendando-se, ainda assim, prévio estudo da motilidade dos outros segmentos do canal alimentar e avaliação psiquiátrica84.

Correções de defeitos anatômicos, como lesões intraluminares megacólons, prolapsos, enteroceles, intissussepções, etc, també merecem análises indivisualizadas sobre sua indicação de cirurgia.

O leitor encontrará no Quadro 5 o algoritmo sugerido para as diversas etapas do diagnóstico e tratamento da constipação intestinal.

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ALGORITMO DO DIAGNÓSTICO E DO TRATAMENTO (Quadro 5)

Quadro 5 Algoritmo: Diagnóstico e tratamento

CCoonnsstt iippaaççããoo iinntteesstt iinnaall ccrr ôônniiccaa

Funcional Orgânica

Metabólica Neurológica

Medicamentosa Obstáculos anatômicos

(intestinais ou extra-intestinais)

Tratar a causa

Dieta com fibras, líquidos vo, atividade física, adequar horário

melhora Sem melhora

manter

Trânsito normal Trânsito lento Disfunção de assoalho pélvico

Manter orientação Psicoterapia?

Procinéticos Cirurgia?

Biofeedback Cirurgia

Avaliação do tempo de Trânsito e disfunção do

Assoalho pélvico

Laxante formador de massa

Laxante osmótico ou emoliente

Laxante catártico Sem melhora