Considerações sobre o marxismo ocidental. Perry Anderson

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    C O N S I D E R A G O E SS O B R E 0 M A R X I S M O

    O C I D E N T A LP erry A nd erso n

    critica e sociedade 10AFRONTAMENTO

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    PREFACIO

    Sao necessarias algumas palavras para explicar a natu-reza deste pequeno texto e a oportunidade que lhe deu origem.Escrito nos principios de 1974, destinava-se a servir de intro-ducao a uma colectanea de escritos de diferentes autores sobreteoricos recentes do marxismo europeu. Acidentalmente, acasa editora que me tinha encarregado dessa antologia dei-xou de existir urn mes mais tarde. 0 cancelamento do projectoprivou 0 texto do seu proposito original. Estas circunstanciasexplicam algumas das anomalias do presente estudo, emboraas nao desculpem necessariamente. Com efeito, 0 ensaio aquipublicado debruca-se sobre as coordenadas gerais do mar-xismo ocidental como tradicao intelectual comum; nao con-tern uma analise especifica ou uma avaliacao comparativa dequalquer dos sistemas teoricos que aquele engloba, pois issocaberia aosestudos a queeste ensaio serviria de preambulo,os quais constituiriam urn conjunto de exposicoes criticas decada uma das escolas ou de cada urn dos teoricos destatradicao - de Lukacs a Gramsci, de Sartre a Althusser,de Marcuse a Della Volpe. 0 presente texto, centrado sobreas estruturas formais do marxismo que se desenvolveu noOcidente ap6s a Revolucao de Outubro, abstem-se de J U I -zos precisos sobre os merit os ou as qualidades relativas dosseus principais representantes, Com efeito, e 6bvio que elesse nao equivaliam nem se identificavam entre si. Urn balancehist6rico da unidade do marxismo ocidental nao exclui anecessidade de uma estimativa discriminatoria da diversidade

    Titulo: Considera

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    das suas realizacoes. Debate-las sera aqui impossivel mas essen-cial e proveitoso para a Esquerda 'Para la do momento particular em que foi elaborado,outras preocupacoes menos circunstanciais, que hoje permitema sua publicacao, motivaram este texto, que reflecte algunsproblemas com que me defrontei ao longo do meu trabalhode varies anos numa revista socialista, a New Left Review.Urn ensaioescrito para esta revista nos ultirnos anos da decadade sessenta bus~ava delimitar e analisar urn aspecto particularda cultura nacional da Inglaterra desde a Primeira GuerraMundial (1). Urn dos seus temas principais versava 0 facto defaltar a cultura inglesa, significativamente, toda e qualquertradicao do marxismo ocidental da nossa epoca - lacunacujos efeitos negativos sao inequivocos, Neste periodo, muitodo trabalho da New Left Review foi consagrado a tentativaconsciente de comecar, em algum sentido, a suprir esta insu-fici~ncia congenita, publicando e discutindo, amiude pela pri-meira vez na Gra-Bretanha, 0 trabalho dos te6ricos maisdestacados da Alemanha, Franca e Italia, Este programa,conduzido metodicamente, chegou ao seu termo nos primeirosanos da decada de setenta e, como e 16gico, tornava-se neces-sario fazer urn balance final do legado que a revista procuraratornar acessivel, de uma forma organizada. Foi dentro destaperspectiva que originariamente se desenvolveram os temasaqui considerados. 0 ensaio que se segue, sobre a tradicaoeuropeia continental, e assim, em parte, prolongamento doestudo anterior de urn modelo insular na Inglaterra, resul-tando de uma crescente consciencia de que a heranca que a!nglaterra deixou escapar, com prejuizo para si mesma, estavaigualmente ausente de alguns dos traces classicos do materia-lismo hist6rico. Disto resultou, implicitamente, que tivessemosatingido uma maior equidade de julgamento na apreciacao dasvariantes nacionais e do destino internacional do marxismonesta epoca.

    Como resumo que era das principais preocupacoes darevista, 0 texto foi discutido e criticado por colegas da New1 Components of the National Culture, New Left Review, 50,

    Iulho-Agosto de 1968. Actualmente, certos elementos inclufdos nestetexto deveriarn ser revistos.

    Left Review, a partir de urn grande leque de pontos de vista,pouco depois de ter sido abandonada a antologia para aqual ele tinha sido escrito. Ao rever 0 texto para publicacaotentei ter em conta essas reflexoes e essas criticas. Emendei-otambem onde me pareceu que urn ou outro melhoramentopontual poderia tomar mais clara a sua linha de raciocinioe introduzi referencias para desenvolvimentos posteriores 2.o documento que aqui se apresenta foi modificado tantoquanta 0 permitia a sua forma intrinseca. Desde a sua com-posicao inicial, contudo, alguns dos seus temas parecem-meagora levantar problemas que nao admitem solucao imediatano interior do texto. Estas duvidas nao sao resolvidas por qual-quer reelaboracao do presente ensaio e foram, por isso, reme-tidas para urn posfacio que levanta mais questoes nao resolvi-das para qualquer investigacao do futuro do materialismohist6rico.

    2 As notas entre parsnteses rectos referem-se a texto ou aacontecimentos posteriores a redaccao deste ensaio.

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    1. A TRADI~AO CLASSICA

    LENINE

    A historia do marxismo, desde que nasceu h8 . pouco maisde cern anos esta ainda por escrever. 0 seu desenvolvimento,ainda que r;lativamente curto no tempo, tern sido, nao obs-tante, complexo e extenso. As caus~ e as ~ormas das suasmetamorfoses e transferencias sucessrvas contmuam em largamedida por explorar. 0 tema a que nos restringiremos nasconsideracoes aqui apresentadas sera 0 marxismo ocidental,expressao que jli de si indica urn espaco e urn tem~ impre-cisos. Por conseguinte, procuraremos neste curto ensaio situarhistoricamente determinado corpo de trabalho teorico, e suge-rir as coordenadas estruturais que definem a sua unidade - ou,por outras palavras, que 0 constituem como uma tradicaointelectual comum, a despeito das suas divergencies e oposi--roes intemas. Para 0 fazer, teremos que comecar por ~eferir--nos a evolucao do marxismo que precedeu 0 aparecimentodos teoricos em questao, pois so este procedimento nos per-mitira avaliar 0 que ha de especificamente novo no modeloque representam. Urn registo adequado de todo 0 primeiromemorial do materialismo historico exigiria, como e evidente,urn tratamento muito mais extenso do que aquele que aqui epossivel, Contudo, mesmo urn esboco retrospectivo sumarioajudara a cIarificar as modificacoes subsequentes.

    Os dois fundadores do materialismo historico, Man eEngels, nasceram na decada que se seguiu as guerras napoleo-nicas. Marx (1818-1883) era filho de urn advogado de Trier,

    Uma teoria revolucionaria correcta so assume formaacabada em liga9iio estreita com a actividade prdtica de ummooimento uerdadeiramente de massas e uerdadeiramentereuoluciondrio,

    A turba e aqueles cuias patxoes igualam a da turba,peco que nao leiam 0 meu livro; niio, preferiria ate que 0ignorassem completamente em vez de 0 interpretarem malsegundo a sua tiontade.

    SPINOZA

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    Engels (1820-1895) de urn industrial de Barmen: ambos eramde origem renana e provinham de prosperas familias das maisdesenvolvidas e ocidentalizadas regioes da Alemanha.Nao sera necessario recapitularmos aqui com grande por-menor 0 que foram as suas vidas e obras, pois que estas estaogravadas na memoria de toda a gente. E bern conhecido como,sentindo-se atraido pelas primeiras sublevacoes proletarias aposa revolucao industrial, Marx, entre os vinte e os trinta anos,ajustou contas com 0 legado filosofico de Hegel e de Feuer-bach e com a teoria politica de Proudhon, ao mesmo tempoque Engels descobria a realidade da condicao da classe operariaem Inglaterra e denunciava as doutrinas economic as que alegitimavam; como ambos escreveram 0 Manifesto Comunistanas vesperas do grande levantamento europeu de 1848, e comocombateram pela causa do socialismo revolucionario na ala daextrema-esquerda das revoltas intemacionais desse ano; comoforam perseguidos pela contra-revolucao vitoriosa e se viramexilados em Inglaterra quando estavam na casa dos trintaanos; como Marx realizou 0 balance historico da RevolucaoFrancesa a que 0 II Imperio pusera termo, enquanto Engelstirava as conclusoes do fracasso da Revolucao AleBl.a, contem-poranea daquela; como, sozinho em Londres, na penuria extre-ma, Marx tomou em maos a monumental tarefa de traear 0quadro global do modo de producao capitalista, auxiliadoapenas pela solidariedade intelectual e material de Engels,en tao em Manchester; como, ap6s quinze anos de trabalho,foi publicado 0 primeiro volume de 0 Capital, pouco antesde Marx fazer cinquenta anos; como, por volta do fim domesmo perfodo, este ultimo participou na fundacao daI Intemacional, e passou a consagrar 0 mais intenso dosesforeos it orientacao do seu trabalho pratico como movimentosocialista organizado; como celebrou a Comuna de Paris, eeducou 0 partido operario alemao, que acabara de se reunifi-car, estabelecendo os principios de urn futuro Estado prole-tario; como, nos ultimos anos da sua vida e apes a sua morte,Engels produziu as primeiras exposicoes sistematicas do mate-rialismo historico, que fizeram dele uma forca politica popularna Europa, e como, na casa dos setenta anos, foi 0 mentor docrescimento da II Intemacional, com a qual 0 materialismo

    historico se tornou a doutrina oficial da maior parte dos par-tides operarios do Continente.A enorme contribuicao destas vidas entrecruzadas naocabe no nosso proposito, aqui. Para 0 que nos propomos, bas-tara salientar certas caracteristicas s oc ia i s do trabalho teoricode Marx e de Engels que possam servir como ponto de com-paracao para os desenvolvimentos teoricos posteriores. Marx eEngels foram pioneiros isolados na sua geracao; nao se podedizer que algum seu conternporaneo, de qualquer nacionali-dade, tenha compreendido ou partilhado completamente asconcepcoes que tinham atingido na sua maturidade. Ao mesmotempo, a sua obra foi produto de urn longo empreendimentocomurn, de uma colaboracao intelectual sem paralelo proximona historia do pensamento ate hoje. Os dois homens, juntos,atraves do exiIio, do empobrecimento e da fadiga, nunca per-deramo contacto com as lutas mais importantes do proleta-riado do seu tempo, apesar de, durante mais de dez anos, naoterem tido praticamente qualquer ligacao organic a com 0proletariado. As proprias provacoes por que passaram nos anosposteriores a 1850 foram a melhor prova da profundidade daligacao historica entre 0 pensamento de Marx e de Engelse a evolucao da classe operaria - esse tempo em que ambosforam aparentemente forcados a remeter-se a uma existenciaprivada aproveitou-o Marx para, com 0 apoio material cons-tante de Engels, preparar 0 Capital, tendo vindo a terminarurn periodo de que a sua natural cooptacao para a I Inter-cional, logo transformada em direccao pratica, seria 0 termo.Por outro lado, e por essa mesma prova, a extraordinaria uni-dade entre a teoria e a pratica que, contra todas as adversi-dades, Marx e Engels conseguiram estabelecer nas suas vidasnunca foi uma identidade ininterrupta ou imediata. A iinicainsurreicao revolucionaria em que participaram pessoalmentefoi predominantemente, pelo seu caracter de massas, umainsurreicao de artesaos e camponeses; 0 reduzido proletariadoalemao desempenhou apenas urn pequeno papel nos aconteci-mentos de 18481. A mais avancada insurreicao social que teste-

    1 Ver Theodore Hamerow, Restoration, Revolution, Reaction,Princeton 1958, pp. 137-156, que constitui a melhor analise hist6ricada composicao social da Revolucao Alemii de 1848.

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    munharam de longe - a Comuna de Paris - foi tambem prin-cipalmente uma sublevacao de artesaos, A sua derrota obrigouit dissolucao da I Internacional, e forcou Marx e Engels aremeterem-se de novo a uma actividade politica meramenteinformal. 0 surgimento de verdadeiros partidos da classe ope-raria ocorreu apos a morte de Marx. Por conseguinte, a rela-;ao entre a teoria de Marx e a pratica proletaria foi sempreirregular e indirecta: so muito raramente houve coincidenciadirecta entre ambas. A complexidade da articulacao objectivaentre classe e ciencia neste periodo (que ainda hoje estaquase por estudar) reflectiu-se, por seu lado, na natureza e nodestino dos proprios escritos de Marx. Certos limites da obrade Marx e de Engels radicam nos proprios limites do movi-mento operario, como pode ver-se, por urn lado, no acolhi-mento que os seus textos tiveram, e por outro no objectivo quese propunham. A influencia te6rica de Marx, no sentido estrito,foi sempre relativamente restrita durante a sua vida. A grandemassa dos seus escritos - pelo menos tres quartos-s- estavampor publicar a data da sua morte e 0 que tinha sido publicadoestava disperso ao acaso por urn certo mimero de pafses e delinguas, nao sendo acessivel, no seu todo, em nenhum deles 2.Haveria de decorrer ainda mais de meio seculo ate que as suasmais importantes obras fossem do deminio publico, e a histo-ria do seu aparecimento postumo iria ter grande importancianas vicissitudes posteriores do marxismo, 0 rol das obras deMarx publicadas ainda em vida do autor e urn indice das difi-culdades da difusao do seu pensamento junto da classe a quese destinavam. Contudo, reciprocamente, a inexperiencia doproletariado da epoca -- ainda a meio caminho entre a oficinae a fabrica, que carecia, muitas vezes, ate de organizacaosindical, e que nao tinha qualquer esperanca de vir a tomar 0poder em parte alguma da Europa - circunscreve os limitesexteriores da propria obra de Marx. Fundamentalmente, Marx

    deixou atras de si uma teoria econ6mica coerente e desenvol-vida do modo de producao capitalista, comecada em 0 Capital,mas nao uma equivalente teoria politica das estruturas doEstado burgues, nem da estrategia e da tactica da luta socia-lista revolucionaria por urn partido da classe operaria quederrubasse esse Estado. Quando muito, limitou-se a transmi-tir algumas antecipacoes enigmatic as nos anos quarenta ealguns laconicos principios trinta anos mais tarde (editadurado proletariado), conjuntamente com a sua famosa analiseconjuntural do II Imperio. A este respeito, a obra de Marxnao poderia ultrapassar 0 ritmo historico real das massas, nadescoberta dos seus proprios instrumentos e das modalidadesda sua propria emancipacao. Ao mesmo tempo, e isto cons-titui uma lacuna mais evidente para os seus contemporaneos,Marx nunca fomeceu qualquer estudo exaustivo do materia-lismo hist6rico como tal. Essa tarefa, tomou-a Engels em maosno fim da decada de setenta e na decada de oitenta, com 0Anti-Diihring e as suas sequelas, dando resposta ao cresci-mento das novas organizacoes operarias no continente, Comefeito, 0 paradoxo final da relacao historica entre a obra deMarx e Engels e as lutas reais do proletariado reside naforma caracteristica do seu internacionalismo: apos 1848,nenhum dos dois se ligou a urn partido politico nacional. Esta-belecidos na Inglaterra, onde permaneceram afastados da vidacultural e politica local, decidiram ambos, conscientemente,nao voltar it Alemanha nos anos sessenta, embora 0 pudessemter feito. Abstendo-se de qualquer papel directo na construcaodas organizacoes nacionais da classe operaria nos pafses indus-trialmente mais importantes, aconselharam e orientaram mili-tantes e dirigentes de toda a Europa e da America do Norte.A sua correspondencia estendeu-se incansavelmente de Mos-covo a Chicago, e de Napoles a Oslo. A pr6pria tacanhez ea imaturidade do movimento da classe operaria da epocapermitiu-Ihes levar a cabo, por urn certo preco, urn intema-cionalismo mais puro do que aquele que seria possivel na faseseguinte do seu desenvolvimento.2 Entre as obras de Marx nao publicadas durante a sua vidaencontram-se: Critica da Filosoiia do Direito de Hegel (1843), Manus-critos Economico-Pilosolicos (1844), Teses sabre Feuerbach (1845).A Ideologia Alemii (1846), Grundrisse (1857-8), Teorias sabre a Mais--Valia (1862-3), os volumes II e III de 0 Capital, Critica do Program ade Gotha (1873), Notas sobre Wagner (1880). o grupo de teoricos da geracao que sucedeu a Marx e aEngels era ainda bastante restrito, Compreendia homens

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    que, na sua maioria, chegaram ao materialismo historico numaaltura tardia do seu desenvolvimento pessoal. As quatro maisimportantes figuras deste periodo foram: Labriola (nascidoem 1843), Mehring (nascido em 1846), Kautsky (nascido em1854) e Plekhanov (nascido em 1856) 3. Todos eles provinhamdas mais atrasadas regioes da Europa de Leste e do SuI.Mehring era filho de urn junker da Pomerania, Plekhanov deurn proprietario de terras de Tambov, Labriola era tambemfiilho de urn proprietario de terras da Campania, Kautsky deurn pintor da Boemia, Plekhanov converteu-se ao marxismoquando do seu exilio na Suica, nos anos oitenta, apos umadecada de actividade clandestina narodnik; Labriola era urnfilosofo hegeliano comprovado de Roma, que se passou paraocampo marxista em 1890; Mehring teve uma longa carreiracomo democrata-liberal e como publicista na prussia, antesde se ligar ao Partido Social-Democrata Alemao em 1891;so Kautsky nao tinha passado pre-marxista, pois entrou nomovimento opera rio como jornalista socialista, pouco depoisde ter feito vinte anos. Nenhum destes intelectuais haveriade desempenhar urn papel eestral na direccao dos partidosnacionais dos seus respectivos pafses, mas todos se inseriramde muito perto na vida politica e ideologica desses partidos,tendo ocupado neles cargos oficiais, cornexcepcao de Labriolaque se alheou da fundacao do Partido Socialista Italiano 4.Plekhanov, depois de ajudar a fundar 0 Grupo para a Eman-cipa~ao do Trabalho, fez parte do primeiro quadroeditorialdo Iskra, e foi membro do comite central do Partido OperaticSocial-Democrata Russo, cargo para que foi eleito no seuII Congresso, Kautsky foi chefe de redaccao do Die Neue Zeit,

    que se tornou 0 principal orgao teorico do SPD, e redigiu 0programa oficial do partido no Congresso de Erfurt. Mehringfoi destacado colaborador do Die Neue Zeit, e Labriola doseu equivalente frances, 0 jomal Le Devenir Social. Todos osquatro se corresponderam pessoalmente com Engels, que exer-ceu neles uma influencia construtiva. De facto, a principalorientacao dos seus trabalhos pode ser vista como uma con-tinuacao da fase final de Engels. Por outras palavras, cadaqual it sua maneira, todos se preocuparam em sistematizar 0materialismo historico como uma teoria global do homeme da natureza, capaz de substituir as disciplinas burguesasrivais e de fornecer ao movimento operario uma visao coerentee clara do mundo, que pudesse ser facilmente apreendida pelosseus militantes. Tal como tinha acontecido com Engels, estatarefa obrigou-os a urn duplo empreendimento: produzir expo-sicoes gerais do marxismo como concepcao da hist6ria, e esten-de-le a dominios que nao tinham sido abordados directamentepor Marx. A semelhanca dos titulos de algumas das suas prin-cipais obras indica a sua preocupacao comum: Sobre 0Mate-rialismo Historico (Mehring), Ensaios sobre a ConcepciioMaterialista da Historic (Labriola), 0 Desenvolvimento daConcepciio Monista da Historia (Plekhanov), A ConcepciioMaterialista da Historia (Kautsky 5) . Entretanto, Mehring ePlekhanov escreveram ensaios sobre a literatura e a arte(A Lenda de Lessing e Arte e Vida Social), enquanto Kautskyse voltava para urn estudo da religiao (As Origem do Cristia-nismo)- tudo temas que 0 velho Engels tinha abordado deforma sucinta 6. 0 sentido geral destes trabalhos era mais 0de complementar a heranca de Marx do que 0 de a desen-volver. Pertenceu ainda a esta geracao a iniciativa da edicaocritica dos manuscritos de Marx e do estudo biografico da suavida, com a intencao de os recuperar e de os expor globalmenteao movimento socialista peJa primeira vez. Engels tinha publi-

    :\ Bernstein 0850-1932), personalidade menor no plano intelec-tual, pertenceu a mesma geracao, Morris (1834-96), mais velho quequalquer elemento deste grupo, teve uma importancia muito maior,mas, injustamente, nunca teve grande influencia mesmo no seu propriopais, e foi sempre urn desconhecido fora dele.

    4 Labriola tinha incitado activarnente Turati a criar em Italiaurn partido socialista, segundo 0 modelo alemao, mas decidiu, noultimo momento, niio participar no Congresso de fundacao do P.S.I..em Genova em 1892, devido a s suas reservas quanto a clareza ideo-16gica do partido,

    5 0 ensaio de Mehring foi publicado em 1893, 0 de Plekhanovem 1895, 0 de Labriola em 1896. 0 tratado de Kautsky, muito maisexaustivo, foi publicado mais tarde, em 1927.6 Estes textos foram escritos respectivamente em 1893 (Meh-ring), 1908 (Kautsky) e 1912-13 (Plekhanov).

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    cado os volumes II e III de 0 Capital; Kautsky editou aseguir as Teorias da Mais-Valia; subsequentemente, Mehringcolaborou na publicacao da Correspondencia de Marx e Engelse, no fim da sua vida, realizou a mais importante biografiade Marx 7. A sistematizacao e a recapitulacao de uma herancaainda muito jovem e recente foram os objectivos predominan-tes destes sucessores.Entretanto, contudo, modificava-se todo 0 clima interna-cional do mundo capitalista. Nos ultimos anos do seculo deza-nove deu-se urn crescimento economico impetuoso nos paisesindustriais mais importantes, os monopolies fixaram-se nasmetropoles e a expansao imperialist a acelerou-se no estrangeiro,abrindo uma era plena de tensoes e de impetuosas inovacoestecnologicas, elevando as taxas de lucro, aumentando a acumu-laryao do capital e fazendo crescer a rivalidade entre as gran-des potencies. Estas condicoes objectivas eram comparativa-mente muito diferentes das da fase relativamente tranquilade desenvolvimento capitalista durante a longa recessao de1874 a 1894, depois da derrota da Comuna e antes da eclosaodos primeiros conflitos inter-imperialist as na Guerra Anglo--Boer e na Guerra Hispano-Americana (em breve seguidas pelaGuerra Russo-JaponesaLOs herdeiros de Marx e de Engelstinham sido formados nuffi\periodo de calma relativa. A gera-ryao seguinte de marxistas surgiria num ambiente muito maisagitado, quando 0 capitalismo europeu comecava a deslizarapressadamente para a tempestade da I Guerra Mundial.Os teoricos desta geracao eram muito mais numerosos do queos seus predecessores; e confirmaram ainda mais acentuada-mente uma modificacao que ja tinha comecado a ser visivelno periodo precedente a transferencia de todo 0 eixo geograficoda cultura marxista para a Europa Central e Oriental. As figu-ras dominantes da nova geracao provem, sem excepcao, deregioes a leste de Bedim. Lenine era filho de urn funcionariopublico de Astrakhan, Rosa Luxemburgo filha de urn comer-ciante de madeiras da Galicia, Trotsky de urn fazendeiro daUcrania, Hilferding de urn funcionario de seguros, e Bauer de

    7 0 Iivro II de 0 Capital apareceu em 1885, e 0 Iivro III em1896; Teorias sobre a Mais-Valia, de 1905 a 1910; Correspondenciaem 1913; Karl Marx, de Mehring, em 1918.

    urn fabricante de texteis da Austria. Todos eles publicaramimportantes trabalhos antes da I Guerra Mundial. Bukharine,filho de urn professor de Moscovo, e Preobrazhensky, cujo paiera sacerdote em Orel, en tram em cena posteriormente aguerra, mas podem ser considerados como produtos tardios damesma formacao, A designacao das datas e a localizacao dodesenvolvimento da teoria marxista ate esta altura podem sertabeladas como se segue:Marx 1818-1883 Treveris (Renania)Engels 1820-1895 Barmen (Vestfalia)Labriola 1843-1904 Cassino (Campania)Mehring 1846-1919 Schlawe (Pomerania)Kautsky 1854-1938 Praga (Boemia)Plekhanov 1856-1918 Tambov (Russia central)Lenine 1870-1923 Simbirsk (Volga)Rosa Luxemburgo 1871-1919 Zamosc (Galicia)Hilferding 1877-1941 VienaTrotsky 1879-1940 Kherson (Ucrania)Bauer 1881-1938 VienaPreobrazhensky 1886-1937 Orel (Russia central)Bukharine 1888-1938 Moscovo

    Quase toda a nova gerayao de teoricos iria desempenharfuncoes dirigentes na conducao dos seus respectivos partidosnacionais - urn papel muito mais relevante e activo do que 0dos seus predecessores, Lenine, como se sabe, foi 0 criador doPartido Bolchevique na Russia. Rosa Luxemburgo foi 0cere-bro dirigente do Partido Social-Democrata na Polonia e, pos-teriormente, 0 mais destacado fundador do Partido ComunistaAlernao (KPD). Trotsky foi figura central das disputas entrefraccoes da social-democracia russa, e Bukharine urn impor-tante brace direito de Lenine, antes da I Guerra Mundial.Bauer encabecou 0 secretariadodo grupo parlamentar doPartido Social-Democrata Austriaco, enquanto Hilferding sehavia tornado um deputado proeminente do Partido Social-1 6 2 17

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    -Democrata Alemao no Reichstag. Trace comum a todo estegrupo foi a extra ordinaria precocidade do seu desenvolvimento:qualquer uma das figuras anteriormente citadas jii tinha escritoum trabalho teorico basico antes dos seus trinta anos.Que novas orientacoes representavam os seus escritos?Em consequencia da aceleracao de todo 0 ritmo historico apartir do virar do seculo, os seus trabalhos orientaram-sefundamentalmente em duas novas direccoes. Em primeirolugar, as manifestas transformacoes do modo de producao

    capitalista que tinham gerado 0 monopolismo e 0 imperia-lismo exigiam uma explicacao e uma analise economica bemfundamentadas. Alem disso, a obra de Marx estava agora,pela primeira vez, a ser submetida a critica profissional doseconomistas universitarios 8. 0 Capital jii nao podia ficar comoestava: tinha de ser desenvolvido. Realmente, a primeira grandetentativa nesse sentido foi empreendida por Kautsky no seu livroA Questao Agrdria, em 1899 - poderosa analise conceptualdas transformacoes agricolas operadas na Europa e na Ame-rica, que mostrou ser ele agora 0 membro da geracao maisvelha que se mostrava mais sensivel as necessidades da situacaopresente, e que firmou a sua autoridade entre os marxistasmais jovens 9. Ainda no mesmo ano, mas mais tarde, Leninepublicou 0 Desenvolvimento do Capitalismo na Russia - urnestudo macico de eeenomia rural, cuja inspiracao formalestava muito proxima da de A Questao Agrdria, mas cujoobjectivo era em certos aspectos mais ousado e original. Comefeito, este trabalho era a primeira aplicacao seria da teoria

    geral do modo de producao capitalista exposta em 0 Capitala uma formacao social concreta em que se combinavam umaserie de modos de producao numa totalidade hist6rica arti-culada. A investigacao de Lenine sobre 0 mundo rural doczarismo representava, por isso, um avanco qualitativo parao materialismo historico no seu conjunto; Lenine tinha vintee nove anos quando terminou esta obra. Seis anos mais tarde,Hilferding, que conquistara os seus galoes em 1904 pela res-posta eficaz que deu a critica marginalista de Marx feita porBohm-Bawerk, terminou 0 seu trabalho de pioneiro sobre 0Capital Financeiro com a idade de vinte e oito anos. 0 tra-balho de Hilferding, publicado em 1910, era mais do que umaaplicacao sectorial ou nacional de 0 Capital, como asque Lenine e Kautsky tinham levado a cabo: apresentava umaactualizacao daquela obra, tendo em conta as modificacoesglobais do modo de producao capitalista como tal, na novaepoca dos trusts e das batalhas alfandegarias e comerciais.Centrando a sua analise na crescente predominancia dos ban-cos, na dinamica acelerada da monopolizacao, e na crescenteutilizacao da maquina do Estado para a expansao agressivado capital, Hilferding sublinhou 0 crescer da tensao e da anar-quia a nivel internacional, fen6meno simultaneo com a aper-tada organizacao e centralizacao de cada capitalismo nacional.Entretanto, em 1907 (depois de acabado 0 Capital Financeiro,mas antes da sua publicacao), Bauer, com vinte e seis anos,publicava um trabalho igualmente volumoso sobre A Questiiodas Nacionalidades e a Social-Democracia. Nesta obra, come-cou a trabalhar um problema teorico e politico crucial, abor-dado de forma insuficiente por Marx e que surgia agora comum relevo maior do que nunca para 0 movimento socialista:neste terrene praticamente novo, ele desenvolveu uma ambi-ciosa sintese para explicar a origem e a composicao das nacoes,rematando-a com uma analise sobre 0 surto de anexionismopor parte dos pafses imperialist as que na altura se expandiampara fora da Europa. 0 proprio imperialismo torna-se deseguida objeeto de um importante ttratamento teorico emA Acumulaciio do Capital de Rosa Luxemburgo, publicadoem 1913, no dealbar da I Guerra Mundial. 0 realce que RosaLuxernburgo dava ao papel indispensavel para a realizacao da

    8 A primeira critica neo-classica seria de Marx foi feita porBohm-Bawerk em Zum Abschluss des Marxschen Systems (1896).Bohm-Bawerk foi por trss vezes ministro das financas do Imperio Aus-triaco e catedratico de Economia Polftica na Universidade de Vienade 1904 a 1914.

    9 Os debates sobre os problemas agrarios no seio do SPDforam lancados, em grande medida, pelo estudo de Max Weber sobreas condicoes de trabalho dos camponeses da Alemanha oriental, publi-cado pelo Verein fur Sozialpolitik (liberal), em 1892. Ver a excelenteintroducao de Giuliano Procacci a recente reedicao, em italiano, daobra de Kautsky: La Questione Agraria, Millio, 1971, pp. L-LlI, LVIII.18 19

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    mais-valia das regioes niio capitalistas anexadas pelo capita-lismo e por conseguinte a necessidade estrutural da expansiiomilit~r imperialista das potencias metropolitanas nos Balciis,na Asia e na Africa, assinalou 0 seu trabalho - apesar doserros de analise que continha - como 0mais radical e originalesforco de repensar e desenvolver 0 sistema conceptual d.eo Capital a uma escala mundial, a luz desta nova epoca. Taisescritos foram prontamente criticados em Die Neue Zeit porBauer, que a seguir a 1904 tambem tinha trabalhado no pro-blema dos esquemas de Marx sobre a reproducao alargada docapital. Finalmente, ja depois da propria eclosiio da Guerra,Bukharine apresenta a sua visiio da evolucao do capitalismointernacional em Imperialismo e Economia Mundial, escritoem 19151 , ao passo que, no ana seguinte, Lenine publicava 0seu pequeno e famoso estudo 0 Imperialismo -. EstddioSupremo do Capitalismo; ambas estas. obras forneciam umresumo descritivo das conclusoes economicas comuns dos deba-tes precedentes, e organizavam-nas, pela primeira vez, numaanalise politica coerente do belicismo imperialistae da. explo-racao colonial, deduzida do principio geral do desenvolvimentodesigual do modo de producao capitalista.Nos primeiros quinze anos do seculo vinte assis,tiu~seassim a um grande florescimento do pensamen to economicomarxista na Alemanha.ina Austria e na R~ssria. Todos os gran-des te6ricos dessa altura tinham como coisa assente que erade importancia vital decifra~ as leis fundam.entais do. c~p~ta-lismo neste seu novo -estadio de desenvolvimento historico,Contudo ao mesmo tempo, assistiu-se pela primeira veza uma emergencia fulgurante de uma teoria politica marxista.Enquanto os estudos econ6micos do periodo podiam erguer-sedirectamente sobre os imponentes alicerces de 0 Capital, nemMarx nem Engels tinham fornecido um corpo comparavel deconceitos para a estrategia e a pratica politicas da revolucaoproletaria, pois a situacao objectiva em que se encontravamimpediu-os de 0 fazer, como vimos. 0 rapido crescimento dos

    partidos operarios na Europa central e a irrupcao tempestuosadas rebelioes populares contra os antigosregimes na Europaoriental criavam agora condicoes para um novo tipo de teoria,que se baseasse directamente nas lutas de massa do proletariadoe estivesse naturalmente incorporada nas organizacoes partida-rias. A Revolucao Russa de 1905, que foi seguida e analisadade perto em toda a Alemanha e em toda a Austria, deu origema primeira analise politica estrategica de tipo cientifico nahist6ria do marxismo: Balance e Perspectivas, de Trotsky.Baseado num admiravel e perspicaz conhecimento da estru-tura do sistema de Estado do imperialismo mundial, estepequeno trabalho expoe com uma precisiio brilhante 0 caractere 0 curso futuros da revolucao socialista na Russia. Trotskyescreveu este livro com a idade de vinte e sete anos, niio 0fazendo seguir de qualquer outra contribuicao importanteantes da I Guerra Mundial, dado 0 seu isolamento do PartidoBolchevique depois de 1907. A construcao sistematica de umateoria politica marxista da luta de classes, ao nivel organizativoe tactico, foi obra de Lenine. A envergadura do que conseguiuneste plano transformou irreversivelmente toda a arquitecturado materialismo hist6rico. Antes de Lenine, 0 myel politicopropriamente dito estava praticamente por explorar na teoriamarxista. No espaco de vinte anos, ele criou os conceitos eos metodos necessaries para a conducao de uma vitoriosa lutaproletaria pelo poder na Russia, dirigida por um partido opera-rio experiente e devotado. As formas especificas de combinara propaganda com a agitacao, de conduzir greves e manifesta-~oes, de forcar alianeas de classe, de cimentar a organiza~opartidaria, de dirigir a luta pela autodeterminacao nacional,de analisar a conjuntura nacional e intemacional, de situartipos de desvios, de utilizar a ac~iio parlamentar, de prepararo levantamento insurreccional- todas estas inovacoes, quemuitas vezes se encara como simples medidas praticas, tam-bern representavam de facto avances intelectuais decisivos numterreno ate a data virgem. Que Eazert , Um Passo em Erente,Dois Passos Atrds, As Duas Tacticas da Social-Democracia,Os Ensinamentos do Levamamento de Moscovo, 0 ProgramaAgrdrio da Social-Democracia Russa, 0 Direito das NOfOesa0 Mais tarde, em 1924, tambem Bukharine publicou a suapropria critica completa de Rosa Luxemburgo.

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    Auto-Determinaciio - todos estes e um cento de outros estu-dose ensaios pontuais inauguraram, antes da I GuerraMundial, uma ciencia marxista da politica capaz de, no futuro,Iidar com um vasto leque de problemas que anteriormentetinham ficado fora do alcance de toda e qualquer jurisdicaote6rica rigorosa, A forca do trabalho de Lenine nestes anosfoi-lhe transmitida, sem duvida, pela imensa energia revolu-cionaria das massas russas no crepusculo do czarismo. So a suaelementar pratica espontanea, que eada vez mais impelia aoderrube do absolutismo russo, tornou possivel a enorme expan-sao da teoria marxista levada a cabo por Lenine.Foram tambem estas condicoes materiais reais de umadescoberta intelectual que determinaram, como nao podia dei-xar de ser, os seus limites objectivos. Nao cabe aqui discutir aslimitacoes e as lacunas da obra de Lenine: bastara dizer quetanto umas como outras estavam fundamentalmente relacio-nadas com 0 atraso particular da formacao social russa e doEstado que a governava, e que isolava 0 Imperio Czarista doresto da Europa do ante-Guerra. Lenine, que se eneontravaIigado a um movimento nacional da classe operaria muito maisprofundamente do que Marx alguma vez tinha estado, nao sepreoeupou com a forma necessariamente diferente da luta emqualquer outra parte do continente, 0 que tornaria 0 caminhopara a revolucao qualitativamente mais diffcil do que na pr6priaRussia. Assim, na Alemanha, industrialmente muito mais avan-cada, a existencia do sufragio universal para a populacao mas-culina e as liberdades civicas tinham suscitado uma estruturade Estado substancialmente diferente da autocracia dos Roma-nov, e portanto um campo de batalha politico que nunea seassemelhou de perto ao da Russia. Naquele pais a classe opera-ria organizada tinha uma tempera notavelmente menos revo-lucionaria, ao passe que, simultaneamente, a sua cultura setinha desenvolvido consideravelmente mais em conjugacao coma estrutura institucional de toda a sociedade. E sugestivo queRosa Luxemburgo, 0 unico pensador marxista na AlemanhaImperial que produziu um corpo original de teoria politica,tenha reflectido esta contradicao na sua propria obra - apesarde esta ter side influenciada pela sua experiencia do movimento

    polaeo clandestino da altura, mais radical. Os escritos polioticos de Rosa Luxemburgo nunea atingiram a coerencia nema profundidade dos de Lenine, ou 0 poder de previsao dos deTrotsky. 0 terreno do movimento alemao nao permitia umcrescimento comparavel, Mas as apaixonadas intervencoes deRosa Luxemburgo no SPD contra a sua crescente tendenciapara 0 reformismo (tendencia de cuja dimensao Lenine, noexilio, nao conseguiu aperceber-se) continham, contudo elemen-tos de uma critica da democracia capitalista, de uma defesa daespontaneidade proletaria e uma concepcao da liberdade socia-lista que eram mais avancadas do que tudo 0 que Lenine sabiasobre tais questoes, aplicadas ao ambiente mais complexo queRosa Luxemburgo conheceu. Reforma Social ou Revoluciioi ,a vigorosa obra polemica com que respondeu ao evolucionismode Bernstein, com a idade de vinte e oito anos, lancou-a noseu proprio caminho: teorizacoes sueessivas da greve geral comoarquetipo de arma ofensiva para a auto-emancipacao da c1asseoperaria terminaram, em 1909-1910, no determinante debatecom Kautsky, no qual as linhas de separacao fundamentaisda politica futura da classe operaria ficaram finalmenteassentes.

    Com efeito, a I Guerra Mundial iria dividir as alas dateoria marxista na Europa duma forma tao radical que pro-vocaria uma cisao do proprio movimento operario. Todo 0desenvolvimento do marxismo nas ultimas decadas antes daGuerra tinha realizado uma unidade entre teoria e praticamuito mais estreita do que a do periodo precedente, devidoa ascensao dos partidos socialistas organizados dessa epoca,No entanto, a integracao dos principais teoricos marxistas napratica dos seus partidos nacionais nao os regionaIizou nemos segregou entre si. Pelo contrario, 0 debate e a polemica inter-nacionais eram como que uma segunda natureza para eles:se nenhum atingiu 0 universalismo fantastico de Marx ou deEngels, tal foi consequencia necessaria do seu mais concretoenraizamento na situacao e na vida particulares dos seus pai-ses - mediatizado, no caso dos russos e dos polacos, por longosperiodos de exflio no estrangeiro, a fazer lembrar 0 que se

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    tinha passado com os fundadores do materialismo historico 11.Nas novas condicoes da epoca, constitufram, ainda assim, urnmeio re1ativamente homogeneo de discussao e de comunica-yao, no qual os maiores escritores dos grupos mais importantesda II Internacional nos pafses da Europa central e oriental, ondeo marxismo estava agora concentrado como uma teoria viva,conheciam em primeira ou segunda mao as obras uns dos outros,um meio em que a critica nao conhecia fronteiras. Assim,quando a Guerra rebentou, em 1914, a cisao dai resultantenfio se operou entre os diferentes grupos nacionais de te6ricosmarxistas que dominavam a cena polftica antes da Guerra,antes os atravessou a todos. Na geracao mais velha, Kautskye Plekhanov optaram de uma maneira clamorosa pelo social--chauvinismo e pelo apoio as suas respectivas patrias imperia-listas em oposicao mutua; Mehring, por seu lado, recusoufirmemente qualquer comprometimento com. a capitulacao doSPD na Alemanha. Entre a geracao mais nova, Lenine, Tro-tsky, Rosa Luxemburgo e Bukharine empenharam-se numaresistencia total Ii Guerra e denunciaram a traiyao das orga-nizacoes social-democratas que tinham alinhado atras dasclasses opressoras no holocausto capitalista que ja ha muitofora previsto, Hilferding, que inicialmente tinha afirmado noReichstag, a sua oposicao a Guerra, em breve se deixaria alistarno exercito austriaco; Bauer alistou-se prontamente nas tropasque combatiam contra a Russia na frente oriental, onde foirapidamente capturado. A-unidade e a realidade da II Inter-nacional, tao caras a Engels, ficaram destruidas numa semana,As consequencias do mes de Agosto de 1914 no conti-nente sao bern conhecidas. Na Russia, urn levantamento demassas esfomeadas e cansadas da guerra derrubou 0 czarismoem Fevereiro de 1917, em Petrogado. Em oito meses, 0PartidoBolchevique, sob a direccao de Lenine, estava pronto para

    tomar 0 poder e, em Outubro, Trotsky assumia a direccaomilitar da revolucao socialista que tinha previsto doze anosantes. A rapida vitoria de 1917 cedo se seguiu 0 bloqueioimperialista, a intervencao e a Guerra Civil de 1918-21.A forma epica como a Revolucao Russa se desenrolou nes-ses anos teve 0 seu compasso te6rico nos escritos de Lenine,para quem 0 pensamento e a accao politica se fundiam agoranuma unidade sem precedentes e sem paralelo no passado.Desde as Teses de Abril ate a 0 Esquerdismo, Doenca Iniantildo Comunismo, passando por 0 Estado e a Revolufiio e Mar-xismo e Insurreiciio, as obras que Lenine escreveu duranteaqueles anos estabeleceram novas normas no materialismo his-torico - a analise concreta da situayao concreta, que diziaser a alma viva do marxismo, adquiriu nelas tal forea dina.mica que 0 termo leninismo como tal apareceu em uso poucodepois , Obviamente, neste periodo her6ico da revolucao pro-letaria na Russia 0 rapido desenvolvimento da teoria marxistanao se circunscrevia de maneira alguma ao trabalho de Lenine.Trotsky .escreveu textos fundamentais sobre a arte da guerra(Como se Armou a Revolucao) e sobre 0 destino da literatura(Literatura e Revoluciio). Bukharine tentou resumir 0 mate-rialismo historico como sociologia sistematica num tratadoamplamente discutido (Teoria do Materialismo Historico) 12.Pouco depois, Preobrazhensky, corn quem aquele colaborarano popular manual bolchevique 0 ABC do Comunismo, come-yOU apublicar 0 mais original e radical estudo econ6micosobre as tarefas do Estado Sovietico na transicao para 0socia-lismo - campo que ate ai t inha sido deixado naturalmentevirgem pela teoria marxista; as primeiras partes de A NovaEeonomia apareceram em 1924. Ao mesmo tempo, deslo-cava-se para a Russia 0 centro de gravidade intemacional dosestudiosos da historia que se tinham dedicado Ii descobertae Iiedicao dos escritos de Marx ainda por publicar, Riazanov,que ja antes da I Guerra Mundial se tinha notabilizado pelassuas investigacoes sobre os trabalhos de Marx, encarregou-seentao da primeira edicao critica completa das obras de Marx

    11 Poder-se-a dar uma ideia da forma como se processou aemigracao russa enumerando os paises em que Lenine, Trotskv eBukharine viveram ou por onde viajaram antes de 1917: Alemanha,Inglaterra, Franca, Belgica, Sufca e Austria (Lenine e Trotsky); JUliae .Polonia (Lenine); Romenia, servia, Bulgaria e Espanha (Trotsky];Estados Unidos (Trotsky e Bukharine); Dinamarca, Noruega e Suecia(Bukharine), 12 0 manual de sociologia de Bukharine foi publicado em1921; 0 estudo de Trotsky sobre a literatura em 1924.24 2 5

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    e de Engels, cujos manuscritos foram na sua maioria transfe-ridos para Moscovo e depositados no Instituto Marx-Engels,de que Riazanov se tornou director 13. E claro que todos esteshomens tiveram posicoes proeminentes na luta pratica pelotriunfo da revolucao na Russia e na construcao do nascenteEstado Sovietico, Durante a Guerra Civil, Lenine foi presidentedo Conselho dos Comissarios do Povo, Trotsky foi Comissariocia Guerra, Bukharine chefe de redaccao do jornal do Partido,Preobrazhensky era quem encabecava efectivamente 0 secre-tariado do Partido, Riazanov organizou os sindicatos. A pleiadedesta geracao que estava nos seus verdes anos quando a GuerraCivil teve a sua conclusao satisfat6ria, parecia assegurar 0futuro da cultura marxista na nova fortaleza operaria que aURSS representava.No resto da Europa, contudo, a grande vaga revolucio-naria que eclodiu em 1918, no fim da Guerra, e que durouate 1920, foi derrotada. 0 capital mostrou-se decididamentemais forte em todos os paises, a excepcao da Russia. 0 blo-queio contra-revolucionario internacional ao Estado Sovieticode 1918 a 1921, nao 0 conseguiu derrubar, embora a Guerr~Civil tenha infligido grandes prejufzos a classe operaria russa.Mas conseguiu isolar fortemente a Revolucao Russa do restoda Europa durante os tres anos que durou a crise social maisaguda por que passou a ordem imperialista em todo 0 conti-nente, 0 que permitiu pOr em cheque os levantamentos prole-tar~os. fora das fronteiras-tla Uniao Sovietica. A primeira e~als importante ameaca para os Estados capitalistas mais bernimplantados no continente foi a serie de revoltas de massas naAlemanha, em 1918-19. Rosa Luxemburgo, que observava daprisao a evolucao da Revolucao Russa, percebeu rnais clara-mente do que qualquer dos dirigentes bolcheviques da epocaos perigos da ditadura instalada durante a Guerra Civil, embora

    muitas vezes tambern revelasse as limitacoes da sua pr6priacompreensao de certos problemas cuja importancia era menosevidente nas zonas altamente industrializadas da Europa (ques-tao nacional, campesinato) 14. Liberta da prisao com a queda doII Reich, imediatamente Rosa Luxemburgo se lancou a tarefade organizar a esquerda revolucionaria na A1emanha; urn rnesdepois, como figura mais destacada do KPD,escrevia 0 pro-grama e fazia 0 relatorio politico no Congresso de fundacaodo Partido. Duas semanas mais tarde foi assassinada, quandouma revolta semi-espontanea e confusa que estalou entre amultidao faminta em Berlim foi esmagada pelos Freikorps ",as ordens de urn governo social-democrata. A repressao dainsurreicao de Janeiro em Berlim cedo foi seguida pela recon-quista militar de Munique pela Reichswehr, depois de os gru-pos socialistas e comunistas locais ali terem criado uma efe-mera Republica Sovietica Bavara, em Abril. A RevolucaoAlema, nascida dos conselhos de operarios e de soldados deNovembro de 1918, estava decisivamente derrotada em 1920.Entretanto, no Imperio Austro-Hungaro, os acontecimen-tos tinham seguido urn rumo semelhante, No mais atrasadoEstado rural da Hungria, as exigencies da Entente conduzirama abdicacao voluntaria do governo burgues, constituido aseguir ao Armisticio, e a rapida criacao de uma republicasovietica sob direccao conjunta de social-democratas e comu-nistas; seis meses mais tarde, destacamentos militares romenossuprimiram a Comuna Hungarae restauraram urn regimebranco. Na Austria, 0 peso objectirvo da classe operaria eramuito maior do que na Hungria (tal como tinha sucedido naPrussia em comparacao com a Baviera), mas 0 Partido Social--Democrata, que tinha urn ascendente incontestado sobre 0proletariado local, optou contra uma revolucao socialista, pre-ferindo entrar para urn governo burgues de coligalj:ao e des-mantelar, gradualmente, os conselhos de operarios e de solda-dos a partir de cima, com 0 pretexto de evitar uma intervencao3 David Riazanov (cujo verdadeiro nome era Golden'dakh)

    nasceu em 1870. 0 conflito entre Martov e Lenine, mais tarde pro-Iongado sobre a questao dos estatutos da organiza~a6 do partido, tevena SUa origem 0 pedido de admissa formulado por Riazanov aoII Congresso do P.O.S.D.R. Apos a revolucao de 1905, Riazanov tinhapublicado numerosos art igos no Die Neue Zeit e tinha trabalhadona edicao da correspondgncia de Marx e Engels.

    14 0 seu ensaio A Revolu{:iio Russa, escrito em 1918, foi publi-cado pela primeira vez por Paul Levi em 1922.* Corpos Francos, brigadas armadas de voluntaries e merce-narios ao service do governo social-democrata, (N. T.).26 2 7

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    da Entente. Em 1920, abandonava 0 govemo, mas a restabili-zacao capitalista estava ja garantida. Bauer, que cedo se tomoua figura dominante no OSPD, serviu como ministro dos estran-geiros da Republica em 1919, e em 1924 escreveu a maisimportante defesa teorica do passado do Partido depois daGuerra num volume que muito a desproposito intitulava:A Revoluciio Austriaca. Entretanto, 0 seu antigo colega, HiI-ferding, viria a ser, por duas vezes, ministro das financas daRepublica de Weimar. A unidade da teoria e da pratica, carac-teristica desta geracao, mantinha-se mesmo nas fi leiras refor-mistas do austro-marxismo 15.Mais a sul, a ultima das grandesinsurreicoes proletarias do trienio do pos-Guerra ocorreu emItalia. A patria natal de Labriola tivera sempre urn partidosocialista muito mais pequeno mas mais militante do que osda Alemanha ou do Imperio Austro-Hungaro: resistiu aosocial-chauvinismo e ostentou durante a Guerra urn maxima-lismo verbal. Contudo, a greve geral e a vaga tumultuosa deocupacoes de fabricas que se apodereu de Turim em 1920 veiotambem encontrar 0 Partido totalmente impreparado paraassumir uma estrategia revolucionaria agressiva; e, na ausenciade qualquer direccao poli tica clara, as medidas adoptadas con-traessas ocorrencias pelo governo liberal e pelos patroes aca-baram por paralisar 0 movimento. A mare de insurreicaopopular refluiu, deixando que os esquadroes armados dacontra-revolucao preparassem 0 advento do fascismo na Ital ia ,Os recuos decisivos na Alemanha, Austria, Hungria eItalia - regioes que, jun~ente com a Russia, constituirama zona classica de influencia do marxismo no periodo anteriora Guerra - ocorreram antes que a Revolucao Bolcheviqueestivesse por seu turno suficientemente liberta da interveacaoimperialists para ser capaz de exercer uma influencia organi-zativa ou te6rica directa sobre a evolucao da luta de classesnestes paises. A III Internacional foi formalmente fundada em1919, quando Moscovo era ainda uma cidade cercada pelos

    exercitos brancos: a sua cria~ao real data do seu II Congresso,em Julho de 1920. Mas era ja muito tarde para obter qualquerimpacto nas lutas decisivas da conjunt~ra do pos-guerra.A incursao do Exercito Vermelho na Polonia, que, p?r m?me!l-tos parecia trazer consigo a promessa de uma possivel hgac;:a~m;terial com as forces revolucionarias na Europa central, ! 0 1repelida no mesmo mes; e, em poucas se~anas, as ocupac;:o~em Turim tinham acabado, enquanto Lenine apeleva por ~e~e-grafo ao PSI para desenvolver uma accao nacional em Itaha.E evidente que estas derrotas nao se deviam, sobretudo, aerros ou falhas subjectivas: oserros e falhas eram urn sinalda forca objectivamente superior do capitali~m? na Europacentral e oriental, onde 0 seu ascendente histonco so~re aclasse operaria tinha sobrevivido a ~uerra ..A III. Inte~n~cl0nalso se implantou solidamente nos parses continentals m~ls impor-tantes, fora da URSS, depois destas batalhas tere.m sido trava-das e perdidas. Logo que, por fim, 0 bloqueio ao EstadoSovietico foi rompido, obviamente, 0 enorme contraste entreo descalabro dos aparelhos social-democrata~ ~ a derrota doslevantamentos espontaneos na Europa m~ndl0nal e, c.entral,por urn lado, e 0 exito do Part ido Bo.1chevlque na .RuSSIa, poroutro, asseguraram a formacao rel~t1vamente rapida de ~m~Internacional revolucionaria centrahzada, baseada ~os pnnc!-pios delineados por Lenine e Trotsky. Em 1921, Lenine co~posa sua mensagem teorica fundamental aos novos partidoscomunistas que nessa data ja tinham sido ~un~ados em pra-ticamente todos os paises do mundo capitalista avancado:o E sq ue rd is mo , D o en ca lniantll d o C _ om un ism .o ._Nes~a ,01;>ra,sintetizou, para os socialistas estrat, lg~lfos, as h~oe~ hl~toncasda experiencia bo1chevique na RUSSIa, e pela ,p~lmelra yeziniciou a abordagem dos problemas ,d~ estra~eg'1a m~rxlstanos meios mais avancados que 0 Imperio Czarista, meios emque 0 parlamentarismo burgues er~, de Ionge, ~uito mais fortee 0 reformismo da c1asse operaria muito mais profundo doque ele tinha julgado antes da I Guerra Mundial. Tambem atraducao sistematica dos escritos de. Le?ine revelava agora aosmilitantes de toda a Europa, pela pnmeira vez, a sua obra com~sistema teorico organizado, 0 que para milhares de~es consti-tuiu como que uma sub ita revelacao politica. Pareciam agora

    15 Dois outros conheeidos economistas, um ex-marxista e 0outro critico do marxismo, ocuparam, nesta epoca, lugares governa-mentais na Europa central e oriental. Na Ucrania, Tugan-Baranovskyfoi ministro das financas da Rada contra-revolucionaria de 1917-18;Schumpeter ocupou 0mesmo posto no governo austrfaco em 1919.28 29

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    reunidas as condicoes para uma difusao e fertiHza~ao intema-cionais da teoria marxista, a uma escala totalmente nova, e 0Comintem parecia ser a garantia da sua ligacao real com aslutas quotidianas das massas.Mas, na realidade, estas perspectivas em breve eram des-truidas, Os golpes selvagens infligidos pelo imperialismo sobrea propria Revolucao Russa dizimaram a classe operaria russaapesar das vit6rias militares sobre as forcas brancas na GuerraCivil. Depois de 1920, nao se poderia esperar um auxilio ime-diato por parte dos paises mais desenvolvidos da Europa.A URSS estava condenada ao isolamento, a sua industriaarruinada, 0 seu proletariado enfraquecido, a sua agriculturade~astada, o. seu campesinato descontente. A restauracao capi-tahsta efectivara-se na Europa central enquanto a Russiarevolucionaria se encontrava isolada dela. Ainda mal 0 cercotinha sido quebrado e 0 contacto com 0 resto do continenterestabelecido e ja 0 Estado Sovietico, entravado pelo atrasorusso, sem apoio do exterior, comecava a ser ameacado porIorcas internas. A progressiva usurpacao do poder pelo apare-lho do Partido, a apertada subjugacao da c1asse trabalhadorao clima crescente de social-chauvinismo, so tardiamente s~tornaram evidentes ao proprio Lenine, depois de adoecer mor-talmente em 1922. Podem encarar-se os seus nltimos escritos- desde 0 seu artigo sobre a Rabkrin * ao Testamento 16_como uma tentativa teori~ desesperada para encontrar asform~s que permitissem um renascimento da pratica politic agenuma de massas, capaz de destruir 0 burocratismo do novoEstado Sovietico e restaurar a unidade e democracia perdidasde Outubro. Em principios de 1924, Lenine morre. Tres anosdepois, a vitoria de Estaline no interior do PCUS marcava 0destino do socialismo e do marxismo, na URSS, nas decadasseguintes. 0 aparelho politico de Estaline suprimiu activamentea pratica revolucionaria das massas na pr6pria Russia, e desen-corajou-a ou sabotou-a de forma crescente nos outros paises.

    Um regime policial de uma ferocidade cada vez mais intensaassegurava a consolidacao de um estrato burocratico privile-giado acima da classe operaria, Nestas condicoes, a unidaderevolucionaria da teoria e da pratica que tinha tornado pos-sivel 0 bolchevismo classico estava inelutavelmente destruida,Na base, os movimentos de base foram tolhidos e a sua auto-nomia e espontaneidade extintas pela casta burocratica queconfiscara 0 poder no pais; nas cupulas, 0 partido foi gradual-mente purgado dos ultimos companheiros de Lenine. Todo 0trabalho teorico serio cessou na Uniao Sovietica apos a colec-tivizacao, Trotsky Ioi forcado aoexilio em 192ge assassinadoem 1940; Riazanov fOOprivado das suas funcoes e morreunum campo de trabalho em 1939; Bukharine foi silenciado em1929 e morto em 1938; Preobrazhensky caiu por volta de 1930,falecendo na prisao em 1938. 0 marxismo foi em grandemedida reduzido a uma simples recordacao na Russia quandoa dominacao de Estaline atingiu 0 apogeu. 0 pais mais avan-cado do mundo no desenvolvimento do materialismo hist6rico,que tinha excedido toda a Europa pela variedade e pelo vigordos seus teoricos, convertera-se no espaco de uma decadanum paul estagnado e semi-analfabeto, s6 se destacando pelopeso da sua censura e pelo caracter grosseiro da sua pro-paganda.Entretanto, enquanto 0 estalinismo caia como urncapuz sobre a cultura sovietica, nos outros paises a fisiono-mia do capitalismo europeu tornava-se cada ve z mais violentae convulsiva. A c1asse operaria tinha por todo 0 lado sofridoderrotas durante a crise revolucionaria do pas-Guerra, mascontinuava a constituir uma ameaca poderosa para as bur-guesias de toda a Europa central e meridional. A criacao daIII Internacional e 0 crescimento de partidos comunistas dis-ciplinados que brandiam 0 estandarte do leninismo, inspira-yam medo a todas as classes dirigentes dos anteriores epicen-tros revolucionarios de 1918-20. Para mais, a recuperacao eco-nomic a do imperialismo, que tinha sido bem sucedida egarantira a restabilizacao politica preconizada pelo Tratadode Versalhes, veio a mostrar-se de curta duracao, Em 1929,abateu-se sobre 0 continente a maior bancarrota da hist6riado capitalismo, que espalhou 0 desemprego e intensificou a

    * Inspeccao Operaria e Camponesa - instituicao de fiscali-zacao econ6mica. (N. T.) .16 Lenine, Collected Works, vol. 33, pp. 481-502; vol, 36,

    pp. 593-7.30 31

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    luta de classes. A contra-revolucao social mobilizava agora nassuas formas mais brutais e violentas, abolindo a democraciaparlamentar pais ap6s pais, com 0 intuito de eliminar toda aorganizacao aut6noma da classe operaria, As ditaduras terro-ristas do fascismo foram as solucoes hist6ricas do capital paraos perigos que 0 operariado representava nesta regiao: desti-navam-se a suprimir todo 0 vestigio de resistencia e indepen-dencia proletarias, numa conjuntura intemacional de crescentesantagonismos inter-imperialistas. A Italia foi 0 primeiro paisa experimentar toda a forca da repressao fascista: em 1926MUS50Iini t inha acabado com toda a oposi~ao legal no pais:o nazismo tomou 0 poder na Alemanha em 1933, depois doComintem ter imposto uma via suicida ao KPD: 0 movi-mento operario alemao foi reduzido a nada. Um ana maistarde, na Austria, 0 fascismo clerical laneou um assalto armadoque destruiu as fortalezas operarias constitufdas pelo Partidoe pelos sindicatos. Na Hungria, uma ditadura branca ja hamuito se instalara. A suI, em Espanha, um golpe militar foi 0ponto de partida para tres anos de guerra civil que terminaramcom 0 triunfo do fascismo espanhol, apoiado pelo vizinho por-tugues e pelos seus aliados na Italia e na Alemanha. A decadaterminou com a ocupacao e 0 controle nazis da Checoslovaquiae com a queda da Franca.

    Na Republica de Weimar criou-se urn Instituto de Investiga-c;ao Social, independente, patrocinado por urn rico comer-ciante de cereais, com 0 objectivo de promover estudos mar-xistas Dum quadro de investigacao quase academico (0 Institutoestava oficialmente ligado it Universidade de Frankfurt) 17.o seu primeiro director foi 0 historiador de direito Carl Grun-berg, que tinha sido catedratico da Universidade de Viena antesda I Guerra Mundial. Nascido na Transilvania, Grunberg eraurn membro tfpico da velha geracao da escola marxista doleste europeu; fundou e dirigiu 0 primeiro grande jomal dahistoria do movimento operario na Europa, 0 Archiv fur dieGeschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegung, quetransferiu na altura para Frankfurt. Este destacado represen-tante do marxismo austrfaco passou a estabelecer a ponte coma geracao mais nova de intelectuais socialistas na Alemanha.Durante os anos vinte, 0 Instituto de Investigacao Social aque presidia incluiu nos seus grupos de trabalho tanto comu-nistas como social-democratas, e manteve uma ligacao regularcom 0 Instituto Marx-Engels de Moscovo, enviando materialde arquivo a Riazanov para a sua primeira edi~ao das obrasde Marx e Engels. Com efeito, 0 primeiro volume das Marx--Engels Gesamtausgabe (MEGA) foi publicado em Frankfurt,em 1927, sob os auspicios conjuntos das duas instituicoes.Durante 0 mesmo periodo, 0 Instituto subvencionou tam-bern a unica grande producao te6rica da economia marxist ado periodo entre as duas guerras, a obra de Henryk Grossman- outro emigrante oriundo das fronteiras orientais do con-tinente. Nascido em 1881 em Crac6via, filho de urn proprie-tario de minas da Galicia, Grossman era da idade de Bauere sete anos mais velho que Bukharine - por outras palavras,pertencia it geracao excepcional que ascendera ao primeiroplano antes de 1924. Grossman, contudo, evolufra mais len-tamente: comecara por ser discipulo de Bohm-Bawerk emViena, ligando-se depois ao Partido Comunista Polaco e leccio-nando economia na Universidade de Varsovia. Em 1925, arepressao politic a levou-o da Polonia para a Alemanha, e

    17 Relativamente a s origens .l1oInstitute de Investigacao Socialde Frankfurt. consultar a exposicao precisa e completa de Martin Jayem The Dialectical Imagination, Londres 1973. pp. 4-12 S5.

    Nesta epoca catastr6(ica, qual foi 0 destino da teoriamarxista na zona centro-europeia que desempenhara urn papeltao importante no desenvolvimento do materialismo hist6rico,antes da I Guerra Mundial? Como vimos, malo pensamentopolitico de Lenine se difundira fora da Russia, logo se viuesterilizado peto processo de estalinizacao da III Interna-cional, que progressivamente subordinou as linhas politicas dospartidos que a integravam aos objectivos da politica externa daURSS. Como e natural, os partidos social-democratas ou cen-tristas fora do Comintern tambern nao ofereciam urn campo paraa aplicacao ou extensao do leninismo. Assim, no ambito dasorganizacoes de massa da classe operaria desta zona, no periodoentre as duas guerras, a substancia da teoria marxista circuns-creveu-se it analise economica, numa orientacao que descen-dia em linha recta dos gran des debates do ante-guerra.32 3 33

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    'em 1926-27 deu uma serie de conferencias no Instituto deFrankfurt, mais tarde coligadas num espesso volume intitu-lado A Lei da Acumulaciio e 0Colapso do Sistema Capita-USia 18. Publicado no proprio ano da Grande Depressao de 1929,o trabalho de Grossman resumia os debates classicos doperiodo anterior a Guerra sobre as leis da evolucao do modode producao capitalista no seculo XX, e avancava a tentativamais sistematica e ambiciosa jamais ousada para deduzir 0seu colapso objectivo a partir da logica dos esquemas de Marxsobre a reproducao. As suas teses centrais, que pareciam taooportunas, foram prontamente protestadas pelo mais jovemeconomista Fritz Sternberg, urn social-democrata de esquerda.A obra de Sternberg Der lmperialismus (0 Imperialismo)(1926), que era em grande parte uma reafirmacao da pers-pectiva de Rosa Luxemburgo alargada a uma analise inova-dora das funcoes e flutuacoes do exercito industrial dereserva, ja tinha sido criticada por Grossman. Ambas asposicoes foram por sua vez criticadas por outro marxista deorigem polaca, Natalie Moszkowska, num pequeno livrosobre as teorias modernas da crise, escrito depois da tomadado poder pelo nazismo na Alemanha 19. No ana seguinte, Bauerpublicou 0 seu ultimo trabalho teorico, intirulado, profetica-mente, Entre Duas Guerras Mundiaisi , quando do seu exfliona Checoslovaquia 20. Este testamento politico e economico domais dotado expoente da escola marxista austriaca, era 0remate final de todauma vida de experiencias sobre os esque-mas da reproducao do capital segundo Marx, para construira mais sofisticada teoria do subconsumo como origem dascrises do capitalismo ate entao apresentada, e reconhecia asua desilusao final com 0 reformismo gradualista que tinhapraticado durante tanto tempo como dirigente partidario,apelando para uma reunificacao entre 0 movimento social-

    -democrata e 0 movimento comunista na luta contra 0fascismo.Bauer morreu em Paris em 1938, pouco depois de tersido obrigado a abandonar Bratislava pela assinatura dopacto de Munique. Passados poucos meses, eclodia a II GuerraMundial e a avassaladora ocupacao da Europa pelo nazismoencerrava uma epoca do maxismo no continente. Em 1941,Hilferding pereceu a s maos da Gestapo, em Paris. A partirde entao, 0 post-scriptum da tradicao que eles tinham encar-nado so poderia ser escrito nas periferias dos campos debatalha. Em 1943, na Suica, Moszkowska publicou 0 seuultimo e mais radical trabalho, Sobre a Dindmica do Capi-talismo Tardio 21. Entretanto, nos Estados Unidos, 0 jovem eco-nomista americano Paul Sweezy retomava e resumia, numtrabalho de exemplar clareza, A Teoria do DesenvolvimentoCapitalista 22, a historia dos debates marxistas sobre as leis dodesenvolvimento do capitalismo, desde Tugan-Baranovsky aGrossman, aderindo ele proprio a ultima tese de Bauer sobreo problema do subconsumo. Contudo, 0 livro de Sweezy,escrito na altura do New Deal, renunciava implicitamentea afirmar que as crises de desproporcionalidade e subconsumofossem inultrapassaveis no modo de producao capitalista, eaceitava que as intervencoes anti-ciclicas do Estado, preconi-zadas por Keynes, poderiam ter uma certa eficacia e assegurara estabilidade interna do imperialismo. Pela primeira vez seatribuia a desintegracao final do capitalismo a uma determi-nante puramente exterior: as realizacoes economicas superioresda Uniao Sovietica e dos paises que se esperava seguissem 0seu caminho no fim da Guerra, cujo efeito de persuasaopodia eventualmente tornar possivel uma transicao pacificapara 0 socialismo nos proprios Estados Unidos 23. Com esta con-cepcao, A Teoria do Desenvolvimento Capitalista marcou 0fim de uma epoca intelectual.

    18 Die Akkumulations- und Zusammenbruchsgesetz des kapi-talistischen Systems, Leipzig 1929; reeditado em Frankfurt em 1971.19 Zur Kritik moderner Krisentheorien, Praga 1935. Mosz-kowska nasceu em Varsovia em 1886. e emigrou em 1908 para aSufca, onde viveu em Zurique ate a data da sua morte em 1968.20 Zwischen Zwei Weltkriegen? Bratislava 1936.

    21 Zur Dynamic des Spatkapital ismus , Zurique 1943.22 Sweezy tinha trinta e dois anos quando ele foi publicado,

    em 1942.23 The Theory of Capitalist Development, Nova Iorque 1968

    (reedicao), pp. 348-62.34 35

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    2. 0 ADVENTO DO MARXISMO OCIDENT AL

    A seu tempo, a mare da II Guerra Mundial chega aoVolga e reflui. As vit6rias do Exercito Vermelho sobre aWehrmacht em 1942-3 garantiram a libertacao da Europa dadominacao nazi. Em 1945, 0 fascismo tinha side derrotado emtoda a parte, excepto na regiao iberica. A URSS, cujo presti-gio e poder se tinham reforcado enormemente no plano inter-nac.onal, era senhora dos destinos da Europa oriental, aexcepcao das regioes rnais meridionais dos Balcas, Em breveregimes comunistas se estabeleciam na prussia, na Checoslova-quia, na Pol6nia, na Hungria, na Bulgaria, na Romenia, naJugoslavia e na Albania; as classes capitalistas locais foramexpropriadas e instaurou-se 0 modelo sovietico de industriaIi-zacao, Agora, urn campo socialista integrado cobria metadedo continente. A outra metade foi salva para 0 capitalismopelos exercitos americano e Ingles. Contudo, na Franca e naItalia, 0 papel dirigente que tiveram na Resistencia fez dospartidos comunistas destes paises, pela primeira vez, organi-zacoes maioritarias da classe operaria, Em contrapartida, naAlemanha Odden tal, como nao houvera uma experiencia deresistencia comparavel aquela e 0 pais se encontrava dividido,foi possiveleliminar, com exito, no proletariado a tradicaocomunista do periodo anterior a Guerra e restaurar 0 Estadoburgues, sob a proteccao da ocupacao anglo-americana.Os vinte anos que se seguiram exibiram urn modelo econ6micoe politico diametralmente oposto ao do periodo entre as duasguerras. Em nenhum dos principais paises da Europa ocidental

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    se assis~iu .ao regresso ~e, d~taduras ~ilit.ares ou policiais e,pela pnmeira vez na historia do capitalismo, a democraciaparlamentar, baseada num sufragio universal integral tomou-seesta,:,el e normal ~m !odo 0 mundo industrial avancado; nemse vieram a repetir, tao-pouco, as depressoes eatastroficas dosanos .vinte e trinta - pelo contrario, 0 capitalismo mundialexpenm:ent~u. urn longo boom de dinamismo sem precedentese a mais rapida e pr6spera fase de expansao da sua hist6ria.~ntretanto, ~ ap6s a morte de Estaline, os regimes burocra-tlCOSrepressivos que tutelavam 0 proletariado na Uniao Sovie-tica e na Europa oriental atravessaram crises e reajustamentosuns atras dos outros, mas nao sofreram qualquer alteracaofundamental na sua estrutura. Abandonou-se 0 terror comoarma sistematica do Estado, mas a coaccao armada continuoua dominar as revoltas populares nesta zona. Com pontos departida relativamente baixos, 0 crescimento econ6mico foirapido, mas nao representou uma ameaca politica it estabili-dade do bloco capitalista.

    Foi neste universo modificado que a teoria revolucionariacompletou a mutacao que produziu aquilo a que hoje podemoschamar, retrospectivamente, marxismo ocidental, Com efeito,o conjunto da obra dos auto res de que nos passaremos aocupar constitui uma configuracao intelectual inteiramentenova no desenvolvimento do materialismo hist6rico. Nas suasmaos, 0 marxismo tornou-se, em certos aspectos fund amen-tais, urn tipo de teoria muito diferente de tudo 0 que a tinhaprecedido. Em particularr-os temas e os problemas caracteris-ticos de todo 0 conjunto de te6ricos que tinham adquiridomaturidade politica antes da I Guerra Mundial sofreramuma radical mudanca de eixo, determinada tanto pela geracaocomo pela sua localizacao geografica,A hist6ria deste deslocamento foi longa e complexa, e a

    sua gestacao iniciou-se ja no periodo entre as duas guerras,coexistindo com 0 declinio da tradicao antecedente. A maneiramais clara de abordar este problema sera talvez comecar porurn quadro cronol6gico e de distribuicao geografica dos teo-ricos agora sob discussao:

    Lukacs 1885-1971 BudapesteKorsch 1886-1961 Todstedt (Sax6nia ocidental)Gramsci 1891-1937 Ales (Sardenha)Benjamin 18921940 BedimHorkheimer 1895-1973 Estugarda (Suabia)Della Volpe 1897-1968 Imola (Romagna)Marcuse 1898-1979 BerlimLefebvre 1901 Hagetmau (Gasconha)Adorno 1903-1969 FrankfurtSartre 1905-1980 ParisGoldmann 1913-1970 BucaresteAlthusser 1918 Birmandreis (Argelia)Colletti 1924 Roma

    As origens sociais destes pensadores nao diferiam dasdos seus predecessores 1. Geograficamente, contudo, este grupomanifesta urn contraste radical com 0 dos intelectuais marxis-tas que se notabilizaram depois de Engels. Como vimos, quasetodos os te6ricos importantes das duas geracoes que se suce-deram it dos fundadores do materialismo hist6rico provinhamda Europa oriental e centro-oriental; nos imperios germanicos,inclusivamente foram Viena e Praga, mais do que Berlim,que fomeceram os principais pensadores da II Intemacional.Em contrapartida, do fim da I Guerra Mundial em diante, aposicao inverteu-se. A . excepcao de Lukacs e do seu discipuloGoldmann, todas as figuras fundamentais da tradicao acimaindicada eram de origem mais ocidentaI. 0 pr6prio Lukacs1 Lukacs era filho de urn banqueiro, Benjamin de urn nego-

    ciante de obras de arte, Adorno de urn comerciante de vinhos, Hor-kheimer de urn industrial textil, Della Volpe de urn proprietario deterras, Sartre de urn oficial da Marinha, Korsch e Althusser de direc-tores de bancos, Collett i de urn bancario, Lefebvre de urn empregadode escrit6rio, Goldmann de urn advogado. Somente Gramsci foi edu-cado em condicoes de verdadeira pobreza. 0 seu avo tinha sidocoronel na polfcia mas a carreira de seu pai como pequeno funcio-nario foi arruinada quando da sua prisao por corrupcao. Desde ai,a familia passaria a viver em condicoes econ6micas multo dificeis.

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    formou-se em Heidelberg e, do ponto de vista cultural fois~mpre mais alemao do que hiingaro, ao passo que Gold~annvrveu toda a sua vida adulta em Franca e na Suica, Dos doisalemaes. que nasceramem. Berlim, Benjamin adoptou notoriae conscientemente uma orientacao cultural francesa, ao passoque Marcuse recebeu a sua formacao fundamentalmente emFrcib~rg, na Suabia 2. Podem estabelecer-se dois grupos deger~rro,es dent!o ,desta tradicao 3. 0 primeiro grupo de intelec-tU~ls.e const~!Ul~Opelos que se formaram politicamente napropnaexpenencia da I Grande Guerra, ou na da RevolucaoRussa, que ocorreu antes de a Guerra ter acabado, Cronolo-gicamente, Lukacs era tres anos mais velho do que Bukharinee_Korsch ~ois, anos mais velho, Mas 0 que os separava cia gera:c;.aoanterior a Guerra era 0 facto de terem chegado ao socia-!~smorevo.]ucionar'o mu.to mais tarde; enquanto Bukharine eraja urn activo e experimentado braco-direito de Lenine mesmoantes de 1914,eles comecaram a radicalizar-se por efeito daGra~de Guerra e das. revoltas de massa que se the seguiram,surgindo como marxistas depois de 1918. Gramsci em con-trapartida, jit era militante do PSI no dealbar daT GuerraMundial, mas era ainda joveme imaturo, e a sua inexperisncialevou-o a cometer graves erros quando aquela rebentou (nessaaltura est eve a pontos de defender a intervencao italiana no

    holocausto, num momento em que 0 seu partido 0 denunciavavigorosamentc). Marcuse foi mobilizado para 0 exercito ale-mao antes dos vinte e urn anos, aderindo, por urn breve perio-do, ao USPD, em 1917-18; Benjamin fugiu ao service militarmas foi radicalizado pela Guerra. Em contrapartida, 0 segundolote das geracoes que entroncam na tradicao do marxismoocidental era constituida por homens que atingiram a maturi-dade bastante depois da I Guerra Mundial e que foram forma-dos politicamente pelo avanco do fascismo e pela II GuerraMundial. Destes, a primeiro a descobrir 0 materialismo historicofoi Lefebvre (Iigura sob muitos aspectos fora do comum nestegrupo), que aderiu ao Partido Comunista Frances em 1928.Adorno, mais novo uma decada que Marcuse ou Benjamin,parece ter-se virado para 0marxismo s6 depois da tomada dopoder pelos nazis,em 1933. Sartre e Althusser, embora dedades bastante diferentes, parecem ter-se radicalizado, ao mes-mo tempo, pelo impacto da Guerra Civilespanhola, pelo des-calabro frances de 1940 e pela prisao na Alemanha. Amboscompletaram a sua evolucao politica depois de 1945, duranteos primeiros anos da guerra fria; Althusser aderiu ao PCPem 1948, enquanto Sartre, por seu turno, se juntou ao movi-mento comunista internacional em 1950. Goldmann foi atraidopela obra de Lukacs antes e durante a IIGuerra Mundial,encontrando-o na Suica depois da Guerra, em 1946. DellaVolpe constitui uma excepcao cronologica que, nao obstante,confirma 0 modelo politico da geracao: embora no que dizrespeito ao grupo de idades seja membro da primeira geracao,em nada foi tocado pela I Guerra Mundial, estando mais tardecomprometido com 0 fascismo italiano, e so tardiamente semoveu em direccao ao marxismo, em 1944-45, no fim daII Guerra Mundial, jit perto dos cinquenta anos. Finalmente,descortinamos urn unico caso que possa delimitar uma terceirageracao: Colletti, que era demasiado novo para ser marcadoprofundamente pela II Guerra MundiaI, e se tomou discipulode Della Volpe no periodo posterior a Guerra, aderindo aoPClem 1950.Veremos que, sobretudo desde 0 principio dos anos vinteem diante, 0 marxismo europeu se encontrou cada vez rnaisna Alemanha, na Franca e na Italia - tres pafses em que,

    . 2 A Alemanha do sudoeste parece ter desempenhado urnrmportante papel como zona cultural distinta nesta tradicao. Ai nas-ceram Adorno e Horkheimer e af fizeram os seus estudos Lukacs eMarc~se. ~p6~ .a epoca .do II Rc~ch, Heidelberg e Freiburg manti verarnrelacfies fl losoficas muitov-essreitas, Relat ivamente a francofilia deBenjamin,. ja .ele mesmo dizia em 1927: Na Alemanha, sinto queestou mu.ro isolado nos meus esforcos e interesses em relacao aspessoas da minha geracao, ao passe que em Franca existem certasforc:!s ( ... ) em que vejo a trabalhar aquilo que me interessa ramhem(Illuminations, Londres 1970, p. 22).:! E 6bvio que quaiquer classificacao dos teoricos marxistas

    por geracoes deve basear-se em intervalos de, aproximadamente, vinteanos: 0 problema e saber onde colocar as rupturas historicas relevantes1 1a continuidade biol6gica de urna vida, em qualquer epoca, Nao eeste 0 lugar adequado para examinar tal questao; contudo, neste caso,as Iinhas de divisao estao sufic'entemente tracadas at raves dos suces-sivos levantamentos polfticos da epoca,40 41

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    tanto antes como depois da II Guerra Mundial, a existenciade um partido comunista que chamava a si a confianca dosprincipais sectores da classe operaria se combinava com umaintelligentsia numerosa e radical. A ausencia de tanto umacomo outra destas condicoes bloqueou 0 surgimento de umacultura marxista desenvolvida fora desses paises. Na Gra-Bre-tanha, uma larga radicalizacao atravessou os intelectuais noperiodo entre as duas guerras, mas a massa da c1asse operariamanteve-se firmemente fiel ao reformismo social-democrata,Em Espanha, 0 proletariado mostrou possuir urn temperamentomais revolucionario do que 0 de qualquer outra classe operariano continente nos an os trinta, mas neste pais havia poucosintelectuais no movimento operario, Neste periodo, nenhumdestes dois paises produziu qualquer teoria marxista impor-tante como tal 4.

    As datas historicas e a distribuicao geografica do mar-xismo ocidental fornecem 0 quadro formal preliminar quepermite situa-lo no contexto da evolucao do pensamentosocialista no seu conjunto. Continuam por identificar os tracesespecificos importantes que 0 definem e demarcam como tra-dirrao integrada. A primeira e mais fundamental das suascaracteristicas foi 0 divorcio estrutural entre este marxismoe a pratica politica. A unidade organica entre a teoria e apratica operada pela geracao de marxistas anterior a I GuerraMundial, que desempenharam uma funcao politico-intelectualinseparavel dos seus partidos respectivos da Europa central eoriental, ver-se-ia cada vez mais afectada na metade do seculoque decorreu de 1919 a 1968, na Europa ocidental. A rupturanao foi imediata nem espontanea, no novo contexto historicoe geografico do marxismo ap6s a I Guerra Mundial. Foi-seantes operando lenta e progresivamente por pressoes historicasmassivas, que so levaram a cabo a ruptura final entre a teoriae a pratica durante os anos trinta. Contudo, no periodo quese seguiu a II Guerra Mundial a distancia entre elas era taogrande que parecia quase inerente a propria tradicao. Comefeito, os primeiros tres te6ricos importantes da geracao pos--1920- Lukacs, Korsch e Gramsci, os verdadeiros progenito-res de todo 0 modelo do marxismo ocidental - foram todosinicialmente importantes dirigentes politicos nos seus respecti-vos partidos. Todos eles tomaram tambem parte activa nasinsurreicoes revolucionarias de massa desse tempo e foram seusorganizadores directos; realmente s6 neste contexto politico sepode compreender 0 surgimento das suas teorias.trabalho marxista digno de nota no movimento operario espanholdo seculo XX. Urn facto da mesma ordem podera tambem contribuirpara explicar 0 curiosa malogro do marxismo como inspirador de urncorpo teoricc original em Inglaterra, com a sua tradicao local do empi-rismo (que se acentuou com notavel incidencia ap6s 1900), enquanto,por outro lado, produzia urn corpo notavel de historiografia, A impor-tancia de urn elemento fiJos6fico no seio da sfntese social complexanecessaria para a cria~ao de urn marxismo vivo em qualquer formacaonacional foi, e claro, sublinhada por Engels. Este factor devera sertornado em consideracao na critica do predomfnio da filosofia nomarxismo ocidental em outros paises da Europa, que analisaremosseguidamente; 0 que nao significa, contudo, que essa crftica deva serreieitada em bloco.

    4 0 caso da Espanha continua porem a ser urn importanteenigma hist6rico. Porque razao nao produziu a Espanha urn Labriolaou urn Gramsci - apesar da extra o rdinaria combatividade do seuproletariado e do seu campesinato, superior ados da Italia, e daheranca cultural que provinha do seculo XIX, que, embora menosconsideravel do que a italiana, esta longe de poder ser consideradainsignificante? Impoe-se toda uma serie de investigacoes neste sentido.A sua solucao poderia dar origem a uma mais ampla analise dascondicoes que determinaram a origem e 0 desenvolvimento do mate-riaJismo historico como teoria. Cingir-nos-emos aqui a dizer, relativa-mente ao problema das respectivas herancas culturais, que enquantoCroce estudava e difundia a obra de Marx em Italia durante a decadade 90, 0seu mais proximo parceiro intelectual em Espanha, Unamuno,convertia-se tambem ao marxismo. Realmente, Unamuno, ao contrariode Croce, participara activamente na organizacao do Partido SocialistaEspanhol em 1894-97. Contudo, enquanto a Iigacao de Croce aomaterialismo historico iria ter profirndas consequencias no desenvol-vimento do marxismo em Italia, a actividade de Unamuno nao deixouquaisquer vestfgios em Espanha, 0 enciclopedismo do italiano, taodiverso do ensaismo do espanhol, foi seguramente uma das causas dadiversidade dos seus legados teoricos, Unamuno foi urn pensador demuito menor envergadura. Num plano mais geral, as suas limitacfieseram sintomaticas da ausencia, muito mais marcada em Espanha, dequalquer importante tradi~ao do pensamento filos6fico sistematico- algo que sempre faltou a cultura espanhola, desde os tempos daRenascenca ate ao Iluminismo, apesar de todo 0 virtuosismo da sualiteratura, da sua pintura ou da sua miisica. Foi talvez a ausenciadeste elemento catalizador que impediu 0 aparecimento de qualquer42 43

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    Lukacs foi Cornissario do Povo para a Educacao naRepublica Sovietica Hungara em 1919, e combateu no seucxcrcito revolucionario, na Frente do Tisza, contra 0 ataquecia Entente aquela regiao, Exilado na Austria durante osanos 20, foi mernbro dirigente do Partido Comunista Hungaroe, depois de uma decada de lutas fraccionais no seio da orga-nizacao, tornou-se, por um breve periodo, secretario-geral doPartido em 1928. Kersch foi Ministro da Justica comunista dogoverno da Turingia em 1923, e encarregado dos preparativospara-militares da regiao para a insurreicao organizada peloKPD para esse ano, na Alemanha central, que foi desbaratadapela Reichswehr. Tornou-se entao destacado deputado peloPartido ao Reichstag, director do seu jornal teorico e urn dosdirigentes da sua fraccao de esquerda em 1925. Como e obvio,Gramsci desempenhou urn papel de longe rna is importante doque qualquer urn deles na luta de massas da epoca imediataao pos-guerra, Organizador e teorico central dos conselhos defabrica de Turim e director de L'Ordine Nuovo, em 1919-20,foi um dos fundadores do PCI no ano seguinte, e tomou-sepouco a pouco 0 principal dirigente do part ido em 1924, dataem que este conduzia uma luta defensiva dificil contra a con-solidacao do fascismo em Italia. 0 destino de cada urn destestres homens simbolizou as forcas que haveriam de provocaruma profunda cisiio entre a teoria rnarxista e toda e qualquerpratica de c1asse nos anos subsequentes, Korsch foi expulsodo KPDem 1926 por negar que 0 capitalismo se tivesse esta-bil izado, por exigir que fosse dada uma renovada importanciaa agitacao nos conselhos operarios, e por criticar a politicsexterna sovietica por acornodacao ao capitalismo mundial.Tentouentiio, durante dois anos, manter urn grupo politicoindependente, e mesmo depois da sua dissolucao manteve-seactivo nos circulos intelectuais marxistas e proletarios ate1933, quando a vit6ria do nazismo 0 levou da Alemanhaempurrando-o para 0 exi~ para 0 isolamento na Escandina-via e nos Estados Unidos 5. Lukacs, par outro lado, delineouas teses oficiais para 0 Partido Comunista Hungaro em 1928,

    s Sobre a traject6ria seguida por Korsch, ve- Hedda Kersch,Memories of Karl Kersch, New Left Review, n.O 76 , Novembro--Dezernbro 1972, pp. 42-44.

    que, implicitamente, rejeitavam as perspec.tivas catastr6ficasrecem adoptadas no VI Congresso do Commtern - a famosalinha do Terceiro Periodo, que atacava violentamente asorganizacoes operarias reformistas como social-fascistas, enegava, de uma maneira nihilista, qualque:. distincao ~~t~eregimes democnitico-burgueses e ditaduras mllttares e policiaiscomo instrumentos da dominacao capitalista 6 0 facto deLukacs ter tentado esbocar uma tipologia distintiva dos siste-mas politicos capitalistas na nova conjuntura, e 0 facto deter posto a tonica na necessidade de palayras:de-ordem demo-craticas transit6rias na luta contra a urania de Horty naHungria, foi violentamente denunciado pelo seeretariado doComintern, que 0 ameacou de expulsao sumaria do Partido.Para evitar a expulsao, ele publicou uma retratacao (sernmodificar as suas ideias pessoais); mas pagou por isso urnpreco: 0 de uma remincia permanente a s r~ponsabi1idadesorganizativas quer no Partido quer na Internacional, De 1929em diante Lukacs deixou de ser urn militante politico, limi-tando-se ; critica literaria e it filosofia no seu trabalho inte-lectual. Depois de urn breve periodo em Berlim, a tomada dopoder pelos nazis forcou-o tambem ao exilio, como ,Kors~h,mas no campo oposto, na URSS, onde permaneceu ate ao fimda II Guerra Mundial.o destino de Grarnsci foi mais sombrio. Preso por ordemde Mussolini em Roma, em 1926, quando 0 fascismo italianoconsumou a sua ditadura sobre o pais, passou nove anos terri-veis na prisao, em condicoes que acabaram por ocasionar asua morte em 1937. Como, devido a reclusao, se encontravaimpedido de participar na vida c1andestina do PCI, viu-se aoabrigo de confrontcis directos com as consequencias da estali-nizacao do Comintern. Mesmo assim, 0 seu ultimo acto poli-tico antes de ter sido preso consistiu em esc rever urn asperoprotesto a Togliatti, entao em Moscovo, contra a supressao,por parte deste, da carta do Partido Italiano ao Comite Centraldo PCUS em que se defendia uma maior tolerancia nas suas

    6 Ver as passagens fundamentais das chamadas Teses deBlum (segundo 0 pseud6nimo adoptado por Lukacs durante a clan-destinidade) em Georg Lukacs, Political Writings 1919-1929, LondresNLB 1972, pp. 240-51.

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  • 5/14/2018 Consideraes sobre o marxismo ocidental. Perry Anderson

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    disputas interna~, .nas v~speras da expulsao da Oposicao deEsquerda na .~uss!a; .mars tarde, tambem se opes categorica-mente da pnsao a lmha do Terceiro Periodo iniciada em1930, defendendo posicoes nao muito diferentes das que Lukacsadoptara e;m !928, posicoes que sublinhavam a importanciad~ reivindicacoes democraticas transit6rias nos regimes fas-cistas, e a necessidade vital de conquistar 0 concurso do cam-pesinato para derrubar. esses regimes 7. Nessa altura, 0 climano s~lO da III Inte.r~aclonal era tal que 0 seu irmao, a quemconfiou as suas opinioes para este as transmitir as instanciassuperiores. do Pa~tido, fora da Italia, nada disse para evitara Gramsc~ 0 1?engo da expulsao. As duas grandes tragediasque ,d~ tao dif'erentes maneiras submergiram 0 movimentooperano europ~u. no periodo entre as duas guerras - 0 fas-cismo .e 0 estalinismo - conjugaram-se assim para dispersar edestruir os portadores potenciais de uma teoria marxista autoc-tone l!njda it pratica de massas do proletariado do Ocidente.A ,s.ohdaoe a morte de Gramsci em Italia, 0 isolamento e 0exilio de Korsch e de Lukacs nos Estados Unidos e na URSSmarcaram 0 fim da faseem que 0 marxismo ocidental s~mantinha ~inda ligado as massas. Dai em diante, passaria afalar uma linguagem com urn codigo muito proprio, distancian-do-se cada vez mars da classe cujo destino procurou servir oua que buscou Iigar-se.

    teorica seria, No discurso de Iundacao, 0 seu director lancouuma advertencia especifica contra os perigos que corria 0Instituto de se tornar numaescola de mandarins, e aos seusquadros pertenciam membros activos de partidos proletariosda Republica de Weimar, especialmente do KPD 8. A revistgdo Instituto publicou trabalhos de Korsch e de Lukacs, ladoa lado com ensaios de Grossman e de Riazanov. Ele constituiuassim 0 ponto de confluencia das correntes ocidental eoriental existentes no seio do marxismo durante os anosvinte. Por conseguinte, a sua trajectoria teria uma importanciafundamental para a evolucao da teoria marxista no seu con-junto, na Europa no periodo entre as duas Guerras. Em 1929,Grunberg, 0 historiador marxista austriaco que a dirigiradesde a sua fundacao, retirou-se. Em 1930, Horkheimer tor-nou-se 0 novo director do Instituto, urn ana depois de Lukacster sido silenciado, no ana em que Gramsci foi censurado,para a sua propria seguranca, mesmo na prisiio. Horkheimerera filosof'o, enquanto Grunberg tinha sido historiador; na suaprimeira comunicacao, pos a tonica numa importante reorien-tacao do trabalho do Instituto, que deixaria de preocupar-secom 0 materialismo historico como ciencia, passando aorientar-se para 0 desenvolvimento da filosofia social, com-plementada por investigacoes empiricas. Em 1932, 0 Institutodeixou de publicar a revista Arquivos para a Historic do Socia-lismo e do Movimento Operdrio; a sua nova revista intitulava-seinocentemente Revista de Investigaciio Social. No breve periodoque antecedeu a contra-revolt a fascista de 1933, Horkheimercongregou no Instituto urn grupo diversificado e talentoso dejovens intelectuais, dos quais os mais importantes iriam serMarcuse e Adorno