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CONFLITO BRASIL-ARGENTINA: A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DO "CASO DE SANTO T OMÉLETÍCIA DA SILVA DE CASTRO

CONFLITO BRASIL-ARGENTINA: A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DO "CASO DE SANTO TOMÉ”

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CONFLITO BRASIL-ARGENTINA: A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DO "CASO DE SANTO TOMÉ” UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃOAUTORA: LETÍCIA DA SILVA DE CASTRO MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DO CURSO DE JORNALISMO Orientador: Antonio Fausto Neto São Leopoldo, 4 de junho de 2004.O trabalho analisa a construção jornalística do “caso de Santo Tomé” tomando como referência a cobertura dos jornais “A Federação” e “Correio do Povo”, no período de setembro de 1933 a janeiro de 1934. A análise reflete a importância das teorias jornalísticas, especialmente a construtivista, procurando mostrar o desdobramento de realidades resultantes dos modos de dizer a realidade por parte do discurso jornalístico.(...)O acontecimento coberto é o “caso de Santo Tomé”: em 16 de outubro de 1933, em SãoBorja, sul do Brasil, vizinha à cidade de Santo Tomé, na Argentina, por motivos inicialmenteobscuros, ocorrem de três mortes, sendo duas das vítimas sobrinhos de Getúlio Vargas e de suaesposa.

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CONFLITO BRASIL-ARGENTINA:

A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DO "CASO DE SANTO TOMÉ”

LETÍCIA DA SILVA DE CASTRO

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

CONFLITO BRASIL-ARGENTINA: A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DO “CASO DE SANTO TOMÉ”

AUTORA: LETÍCIA DA SILVA DE CASTRO

MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DO CURSO DE JORNALISMO

Orientador: Antonio Fausto Neto

São Leopoldo, 4 de junho de 2004.

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RESUMO

O trabalho analisa a construção jornalística do “caso de Santo Tomé” tomando como referência a cobertura dos jornais “A Federação” e “Correio do Povo”, no período de setembro de 1933 a janeiro de 1934.

A análise reflete a importância das teorias jornalísticas, especialmente a construtivista, procurando mostrar o desdobramento de realidades resultantes dos modos de dizer a realidade por parte do discurso jornalístico.

Palavras-chave: teorias do jornalismo, memória, construção de realidade.

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Dedico este trabalho à minha família,

fonte inesgotável de minha força, inspiração e

aprendizado. Às mulheres de minha família,

pelo exemplo a seguir.

Aos meus amigos, família escolhida,

meu orgulho e alegria.

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AGRADECIMENTOS

Aos colegas da Asscot e do Grac, pelo

carinho, oportunidade e colaboração.

Ao professor César Menna Barreto Gomes

(in memoriam), por me apresentar o

método científico.

Aos professores Antonio Fausto Neto, Jairo

Ferreira e Luciano Klöckner, pela confiança e

incentivo, oportunos e decisivos como estímulo

ao meu desenvolvimento

acadêmico e profissional.

Aos representantes da cultura são-borjense

que me inspiraram e influenciaram, alguns para

este trabalho, outros para toda a vida, como

Fernando O. M. O’Donnell, Apparício Silva

Rillo (in memoriam) e Moarci Sempé (in

memoriam) e suas famílias.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................11

1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA .......................................................................17

2 QUADRO TEÓRICO...................................................................................................19

3 CONTEXTO GERAL ..................................................................................................28 3.1 São Borja (Brasil) e Santo Tomé (Argentina) ............................................................. 28 3.2 O caso de Santo Tomé............................................................................................... 32

4 CONTEXTO JORNALÍSTICO....................................................................................40 4.1 Um jornal político-partidário......................................................................................... 44 4.2 Jornalismo empresarial, moderno e informativo ........................................................ 45

5 LEITURA DAS LEITURAS: O QUE APREENDE-SE DAS COBERTURAS ......47 5.1 Corpus jornalístico ...................................................................................................... 48 5.1.1 “A Federação”: órgão oficial do Partido Republicano ............................................................ 49 5.1.2 “Correio do Povo”: Caldas Júnior e sua visão da imparcialidade............................................. 50 5.2 A cobertura do caso.................................................................................................... 51 5.2.1 O caso em “A Federação”: minimizar ou espetacularizar?.................................................... 52 5.2.2 O caso no “Correio do Povo”: para além do incidente........................................................... 54 5.2.3 Desconstruindo o caso ..................................................................................................... 54

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 152

ANEXO 1 – CÓPIAS DE “A FEDERAÇÃO”.................................................................... 156

ANEXO 2 – CÓPIAS DE “CORREIO DO POVO”........................................................... 171

ANEXO 3 – CÓPIAS DE “O ESTADO DE SÃO PAULO” ............................................. 200

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa de São Borja....................................................................................................29

Figura 2 - Mapa Faixa de Fronteira.............................................................................................30

Figura 3 - Mapa de Santo Tomé .................................................................................................31

Figura 4 - Prédio de A Federação (1922), na rua dos Andradas com Caldas Júnior, onde hoje

funciona o Museu Hipólito José da Costa..........................................................................157

Figura 5 - A Federação - 16/10/1933 A...................................................................................158

Figura 6 - A Federação - 16/10/1933 B ...................................................................................158

Figura 7 - A Federação - 18/10/1933 A...................................................................................159

Figura 8 - A Federação - 18/10/1933 B ...................................................................................159

Figura 9 - A Federação - 19/10/1933.......................................................................................160

Figura 10 - A Federação - 23/10/1933.....................................................................................161

Figura 11 - A Federação - 29/12/1933.....................................................................................162

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Figura 12 - A Federação - 1º/01/1934......................................................................................163

Figura 13 - A Federação - 1º/01/1934......................................................................................163

Figura 14 - A Federação - 02/01/1934.....................................................................................164

Figura 15 - A Federação - 02/01/1934.....................................................................................165

Figura 16 - A Federação - 03/01/1934.....................................................................................166

Figura 17 - A Federação - 03/01/1934.....................................................................................166

Figura 18 - A Federação - 12/01/1934.....................................................................................167

Figura 19 - A Federação - 13/01/1934.....................................................................................168

Figura 20 - A Federação - 20/01/1934.....................................................................................169

Figura 21 - A Federação - 27/01/1934.....................................................................................169

Figura 22 - A Federação - 27/01/1934.....................................................................................170

Figura 23 - Prédio do Correio do Povo (1915), à época na rua dos Andradas, 138/140, mais tarde

transferido para o prédio atual...........................................................................................172

Figura 24 - Correio do Povo - 17/10/1933 ...............................................................................173

Figura 25 - Correio do Povo - 18/10/1933 A ...........................................................................174

Figura 26 - Correio do Povo - 18/10/1933 - B.........................................................................175

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Figura 27 - Correio do Povo - 19/10/1933 ...............................................................................176

Figura 28 - Correio do Povo - 26/10/1933 ...............................................................................177

Figura 29 - Correio do Povo - 1º/11/1933................................................................................178

Figura 30- Correio do Povo - 16/11/1933 ................................................................................179

Figura 31 - Correio do Povo - 04/01/1934 ...............................................................................180

Figura 32 - Correio do Povo - 23/12/1933 ...............................................................................181

Figura 33 - Correio do Povo - 27/12/1933 ...............................................................................182

Figura 34 - Correio do Povo - 28/12/1933 ...............................................................................182

Figura 35 - Correio do Povo - 28/12/1933 ...............................................................................183

Figura 36 - Correio do Povo - 30/12/1933 ...............................................................................184

Figura 37 - Correio do Povo - 04/01/1934 ...............................................................................185

Figura 38 - Correio do Povo - 07/01/1934 ...............................................................................186

Figura 39 - Correio do Povo - 09/01/1934 ...............................................................................187

Figura 40 - Correio do Povo - 10/01/1934 ...............................................................................188

Figura 41 - Correio do Povo - 12/01/1934 ...............................................................................188

Figura 42 - Correio do Povo - 14/01/1934 ...............................................................................189

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Figura 43 - Correio do Povo - 18/01/1934 ...............................................................................190

Figura 44 - Correio do Povo - 18/01/1934 ...............................................................................191

Figura 45 - Correio do Povo - 19/01/1934 ...............................................................................191

Figura 46 - Correio do Povo - 19/01/1934 ...............................................................................192

Figura 47 - Correio do Povo - 20/01/1934 ...............................................................................192

Figura 48 - Correio do Povo - 21/01/1934 ...............................................................................193

Figura 49 - Correio do Povo - 23/01/1934 ...............................................................................193

Figura 50 - Correio do Povo - 23/01/1934 ...............................................................................194

Figura 51 - Correio do Povo - 24/01/1934 ...............................................................................195

Figura 52 - Correio do Povo - 26/01/1934 ...............................................................................196

Figura 53 - 26/01/1934 ............................................................................................................197

Figura 54 - Correio do Povo - 28/01/1934 ...............................................................................198

Figura 55 - Correio do Povo - 30/01/1934 ...............................................................................199

Figura 56 - O Estado de São Paulo - 28/4/1991 - A................................................................201

Figura 57 - O Estado de São Paulo - 28/4/1991 - A................................................................201

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INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é um exercício sobre a construção de um acontecimento através

da análise de versões desenvolvidas na cobertura jornalística de um mesmo fato, por dois

importantes jornais do Rio Grande do Sul de 1933: “A Federação” e o “Correio do Povo” em

edições publicadas em 1933 e 1934.

O acontecimento coberto é o “caso de Santo Tomé”: em 16 de outubro de 1933, em São

Borja, sul do Brasil, vizinha à cidade de Santo Tomé, na Argentina, por motivos inicialmente

obscuros, ocorrem de três mortes, sendo duas das vítimas sobrinhos de Getúlio Vargas e de sua

esposa. Este acontecimento tem uma continuação em 29 de dezembro, em virtude de uma vingança

praticada por parentes e amigos das vítimas.

O período de cobertura está compreendido entre setembro daquele ano – devido a uma das

fontes citar que o ocorrido teria sido naquele mês – e janeiro de 1934, dando um prazo de mês de

cobertura jornalística e coincidindo com a última menção que dá a cobertura por encerrada.

A compreensão da prática e dos conceitos do jornalismo, que surgiram e vêm evoluindo

desde o século XVIII, dentro do processo de modernização mundial, torna-se vital para o

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desenvolvimento deste trabalho. O jornalismo no Brasil sempre esteve muito ligado à política, já

surgindo sob a ressonância do Estado, através de uma imprensa oficial criada em 1808.

As primeiras manifestações jornalísticas do Rio Grande do Sul são vinculadas,

inevitavelmente, àquelas que surgiram no resto do país, com um jornalismo político e partidário. O

propulsor era o mesmo: a insatisfação política ante o regime monárquico. A insatisfação se

disseminou quando os encargos das províncias aumentaram, a Constituição do Império não bastava,

significando que as lutas da Independência constituíam apenas o primeiro passo para a conquista da

liberdade, que seguiu a trilha do republicanismo.

Fazendo este resgate, com esta pesquisa, pretendo agregar valores que são, em primeiro

lugar, decorrentes de motivações de ordem acadêmica: eles irão contribuir para minha formação

profissional através do estudo da cobertura jornalística como ela era naquele tempo e, portanto, do

conhecimento jornalístico, e também do exercício da capacidade de análise, em especial quanto aos

“dogmas” da realidade e da imparcialidade no universo jornalístico e quanto à construção de

realidade.

Embora a motivação acadêmica confunda-se bastante com o pessoal, dada sua importância,

ressalto o conhecimento e aprofundamento de minhas próprias origens: além de brasileira e gaúcha,

descendo de são-borjenses envolvidos com personagens do presente trabalho. Meu avô materno

pertenceu, embora anos mais tarde, à guarda pessoal de Getúlio Dornelles Vargas, e minha família

paterna descende da família Dornelles, ou seja, existe um parentesco, embora distante. O fato de

que em 2004 completam-se 50 anos da morte de Getúlio Vargas, e 70 anos do fato em si, vem a

ser mais um fator de estímulo.

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Socialmente, o conhecimento dos mecanismos da linguagem, especialmente na comunicação,

como agente principal no reconhecimento de construções de realidade, contribui para um maior

poder de análise e crítica, além de criar uma permanente consciência de minha responsabilidade

quando redigir minhas próprias matérias.

A importância do resgate histórico das versões disponíveis fará, sempre, com que o exemplo

sirva para a atualidade ser repensada e constantemente refletida, considerando, portanto, o

jornalismo como modo de conhecimento, conforme Eduardo Meditsch:

Considerar o jornalismo como modo de conhecimento implica também aumentar a exigência sobre a formação profissional dos jornalistas que deixam de ser meros comunicadores para se transformarem em produtores e reprodutores de conhecimento. (MEDITSCH, 2002, p. 9-22.)

A abordagem de Meditsch vem ao encontro do objetivo de enriquecimento do jornalismo e

de seus profissionais através de trabalhos como esta monografia, que teve, como metodologia,

primeiramente, a pesquisa exploratória, documental e bibliográfica, todas em andamento conjunto.

As técnicas empregadas visavam recuperar as versões jornalísticas e histórico-literárias

sobre o acontecimento, para posterior investigação e recuperação das informações, como forma de

contextualizar para depois analisar.

As entrevistas foram feitas em forma de testemunho e não-estruturada, ou seja, com

perguntas iniciais, introduzindo o tema, porém deixando o entrevistado livre para lembrar-se dos

fatos com a maior espontaneidade possível.

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O principal acervo consultado foi o Museu de Comunicação Hipólito José da Costa (Porto

Alegre), por ter sido o único museu a contemplar os jornais estudados de forma mais abrangente,

visto que os demais apresentavam lacunas em seus acervos.

Inicialmente esta pesquisa pretendia incluir os jornais “O Uruguay” e “O Missioneiro”,

ambos de São Borja. No entanto, os principais museus da cidade, a citar, Museu de Estância,

Museu Getúlio Vargas e Museu Municipal e Missioneiro, não dispõem do material necessário.

Também foram consultadas fontes em outras cidades do Rio Grande do Sul, como Rio Grande, por

sua notória biblioteca, que, infelizmente, só dispõe de acervos completos da própria cidade. O

Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul possui edições dos referidos jornais, porém

não do período estudado, e, de qualquer forma, encontram-se indisponíveis para consulta.

Devido à significativa parte dos acervos histórico-documentais do Rio Grande do Sul e do

Brasil encontrarem-se nas mãos de particulares, e das circunstâncias políticas da época dificultarem

a guarda de jornais que explicitassem situações constrangedoras ou politicamente desfavoráveis a

pessoas influentes, a recuperação dos jornais da região tornou-se um desafio a ser buscado em uma

outra etapa, talvez um mestrado.

A partir de então, foi traçada uma nova estratégia, concentrando os esforços no sentido de

analisar apenas dois dos principais jornais do estado. “A Federação” foi escolhida por ser um dos

mais importantes jornais político-partidários da época, e o “Correio do Povo” por representar o

novo jornalismo que surgia desde o final do século XIX até o início do século XX, já com o objetivo

da imparcialidade e apartidarismo, tendo, portanto, linhas editoriais opostas.

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Para cumprir o papel de contextualizador, impossibilitado de ser exercido pelos jornais da

região, foram necessárias entrevistas, realizadas com pessoas que viviam na cidade na época ou

‘’herdaram’’ a lembrança do assunto, e com pesquisadores, como Fernando O. M. O’Donnell,

natural de São Borja, membro do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul e co-autor

de livros junto àquele que registrou em livro o caso aqui estudado, o já falecido escritor Apparício

Silva Rillo, além de sua esposa, Suzy Rillo, bem como Sérgio Sempé, filho do historiador (já

falecido) Moarci Sempé.

Toda esta problemática está distribuída neste trabalho em seis capítulos, além desta

introdução, das referências bibliográficas e anexos. Os capítulos entitulam-se Apresentação do

problema, Quadro teórico, Contexto Geral, Contexto jornalístico, Leitura das leituras: o que

apreende-se das coberturas e Considerações finais.

Na Apresentação do problema faço a descrição do problema da pesquisa, situando o

leitor para o raciocínio voltado para as teorias construtivistas e da ação pessoal em oposição à

teoria do espelho e a idéia do jornalismo como produtor de conhecimento e sua importância como

memória.

Com Quadro teórico abordo as teorias especificadas na problematização, com seus

autores, seguidos de minhas próprias reflexões. Em Contexto geral apresento as cidades de São

Borja (Brasil) e Santo Tomé (Argentina) para que entenda o trabalho a partir da história e do

contexto destes dois municípios separados pelo Rio Uruguai. Esta contextualização é vital para o

entendimento do chamado “caso de Santo Tomé”.

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Para entender o jornalismo como modo de conhecimento, é preciso estudá-lo em suas

matrizes históricas, o que foi feito no capítulo Contexto jornalístico, onde, além de incluir uma

introdução sobre o jornalismo brasileiro e gaúcho, relato a história e a importância dos jornais “A

Federação” e “Correio do Povo”.

Finalmente, no capítulo Leitura das leituras: o que apreende-se das coberturas, explica-

se o procedimento metodológico e realiza-se a análise propriamente dita do “caso” nos dois jornais

que considero os mais importantes da imprensa gaúcha da época, visto que possuíam abrangência

estadual e linhas bastante diferenciadas, possibilitando uma análise mais rica, a partir não apenas da

cobertura isoladamente, mas de todo o contexto histórico e jornalístico no qual estavam inseridos.

Estas análises, realizadas de forma cronológica e por proximidade de data, são finalizadas ainda

neste capítulo, onde descrevo e desconstruo as estruturas jornalísticas junto ao Corpus.

Nas Considerações finais, procuro me re-encontrar com minhas propostas teóricas,

apontando as impressões sobre esta leitura.

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1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O chamado “O caso de Santo Tomé”, como ficou conhecido, consistiu em um incidente1

com vítimas ocorrido em 16 de outubro de 1933, em São Borja, Brasil, fronteira com a cidade de

Santo Tomé, na Argentina. Dele resultaram três mortes, sendo uma de um sobrinho de Getúlio

Vargas, e outra de um sobrinho de sua esposa, além do condutor da lancha que levara a comitiva de

São Borja a Santo Tomé, atravessando o rio Uruguai, naquela noite.

O problema desta pesquisa, portanto, é o papel dos jornais na cobertura do “caso de Santo

Tomé”, bem como o destaque para as construções das versões.

Examinar-se-á até que ponto estas construções deturpam as suas causas, através do estudo

das principais versões sobre o fato, de relatos e conhecimento do contexto e prática jornalística da

época, analisando, assim, a ação jornalística para contar o caso, suas características e mecanismos

agentes da construção da notícia, fatores externos, tais como a política e a economia.

1 Incidente como episódio, atrito, fato secundário (incidente diplomático).

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O incidente foi tratado como um caso policial pelo jornal “A Federação”, e com esta

ênfase, dado por encerrado ainda em outubro, retomando o assunto de dezembro para tratar

somente dos focos revolucionários argentinos.

Já o jornal “Correio do Povo”, embora inicie com esta mesma compreensão, insiste no

caso, buscando uma entrevista com Dario Crespo, a autoridade policial responsável pelo caso, o

que acaba revelando detalhes que permitem compreender que as vítimas não estavam tão

desamparadas quanto pareciam estar na versão de “A Federação”, incluindo a participação de

Benjamim Vargas, o “Bejo”, irmão de Getúlio Vargas.

Existe ainda a possibilidade levantada nos depoimentos colhidos por Apparício Silva Rillo, a

qual indica que uma baderna generalizada ocorrida em 29 de dezembro, decorrente de focos

revolucionários argentinos, teria também, pelo menos no caso de Santo Tomé, contado com

pessoas de São Borja, comandados por Bejo Vargas e com a participação do então Tenente

Gregório Fortunato, com o intuito de vingar as mortes de outubro.

Os filhos de Getúlio Vargas descreveram de formas diferentes o ocorrido. Alzira Vargas

banaliza-o, embora até mesmo seu irmão Lutero o reconheça. No entanto, Lutero nega a intenção

de uma vingança que acarretaria no segundo incidente, de 29 de dezembro do mesmo ano.

O objeto do trabalho, portanto, consiste em – a partir da cobertura jornalística destes

veículos, centradas principalmente na explicitação ou omissão dos dados – analisar as formas de

construção da realidade da perspectiva das teorias do jornalismo, e examinar as possibilidades

utilizadas consciente ou inconscientemente, isto é, voluntariamente ou não.

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2 QUADRO TEÓRICO

As teorias2 nas quais me apóio são a construtivista e da ação pessoal. Antes de comentá-las,

transcrevo sucintamente a definição destas teorias:

Na perspectiva construcionista, as notícias são vistas como uma construção resultante de um processo de interacções pessoais, sociais (sistema social, meio organizacional, gestão organizacional, estrutura de propriedade capitalista dos meios jornalísticos, mercado, etc.), culturais (sistema cultural, cultura profissional transorganizacional e, por vezes, transnacional, cultura organizacional, etc.), ideológicas e outras. Nesta perspectiva não determinística, os jornalistas são vistos como agentes possuidores de um certo grau de autonomia na acção, especialmente face aos poderes político e económico, tendo, particularmente, um papel relevante em torno dos processos de construção negociada de sentido para os dados fornecidos por determinadas fontes, fontes estas mais ou menos interessadas na difusão com significação direccionada desses mesmos dados [ . . . ] a perspectiva construcionista não nega que as notícias, frequentemente, sustentam as interpretações que as fontes com poder, particularmente as oficiais, dão aos acontecimentos e às idéias que caem no domínio público, até porque as relações entre jornalistas e essas fontes de informação são problemáticas, sendo frequentemente orientadas por interesses e amizades. [ . . . ] analisa profundamente as rotinas de fornecimento e produção de

2 TRAQUINA, Nelson. O que é jornalismo. Lisboa: Quimera, 2002a. p.107

O autor reúne as principais teorias do jornalismo, como teoria do espelho, teoria da ação pessoal, agenda setting, entre outras, tornando-se uma espécie de antologia do tema em língua portuguesa.

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informação jornalística enquanto importantes elementos configuradores das notícias com que diariamente somos confrontados. (SOUZA, 2000, p. 19)

É quase intuitivo dizer-se que as capacidades pessoais, as iniciativas pessoais, a figura do jornalista-autor (original, criador...) são, entre outros, factores pessoais que enformam as noticias. [ . . . ] Desde que White (1950) lançou os estudos com base na útil metáfora do gatekeeping (selecção de informação em “portões” controlados por “porteiros”, havendo informação que passa e outra que fica retida) que se estuda o papel do jornalista, enquanto pessoa individual, na conformação da notícia. De facto, no seu estudo pioneiro, o autor concluía que a selecção das notícias era um processo altamente subjectivo, fortemente influenciado pelas experiências, valores e expectativas do gatekeeper mais do que por constrangimentos organizacionais. (SOUZA, 2000, p. 42)

Estas teorias indicam o jornalismo como uma ciência propriamente humana, e, por isso,

sujeita às múltiplas dimensões e interferências nos acontecimentos, incluindo o contexto cultural e

prático nas coberturas jornalísticas da época, que influem, portanto, não apenas no momento de

transmissão da notícia, que ocorre por construção, e não por mera e pura reprodução, mas também

no próprio jornalismo. Trabalho estas teorias como opostas à teoria espelho, que crê em um

jornalismo purista, inocente, verdadeiro e incontestável, conforme transcrevo a seguir:

A teoria do espelho - Toda a profissão é sobrecarregada de imagens, mas talvez não seja tão rodeada de mitos como a do jornalismo. De fato, o poder mítico tem envolvido a profissão de jornalismo de tal maneira que, muitas vezes [ . . . ] o seu produto é apresentado como sendo uma transmissão não expurgada da realidade, um espelho. A primeira teoria oferecida para explicar por que as notícias são como são é a teoria oferecida pela própria ideologia dominante no campo jornalístico [ . . . ] a teoria mais antiga e responde que as notícias são como são porque a realidade assim as determina. Central à teoria é a noção-chave de que o jornalista é um comunicador desinteressado, isto é, um agente que não tem interesses específicos a defender e que o desviam da sua missão de informar, procurar a verdade, contar o que aconteceu, doa a quem doer. (TRAQUINA, 2002a, p. 65-8)

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A intenção é demonstrar, conforme Lippman e Robert Park em Steinberg3 (1970) que o

jornalismo, através das notícias, é um agente modelador da cultura e do conhecimento.

Foi Park quem primeiro chamou a atenção para o fato dos jornalistas selecionarem os

acontecimentos sobre os quais escreviam notícias e as notícias em si, e, ao fazê-lo, reforçava as

idéias de Lippman sobre os efeitos dos meios de comunicação, que indicavam que as notícias

podem indicar a realidade, representar a realidade, mas não são a realidade, nem o seu espelho.

Estas teorias permitirão a análise proposta neste trabalho para indicar como um fato pode

ser construído, mesmo na omissão, ao indicar tendências e classificar eventos conforme o olhar – ou

enquadramento4 – do jornalista, que inevitavelmente, em sua narrativa, acrescenta ou omite o seu

julgamento, com todas as suas próprias opiniões incluídas, conscientemente ou não, pois, conforme

Mouillaud, os grandes acontecimentos da mídia “são aqueles que permitem não somente ver, mas

não ver”.

A teoria do espelho admite o reflexo da realidade, em analogia com o processo da câmera

fotográfica. No entanto, mesmo uma máquina fotográfica não reproduz, com perfeição, o que está à

sua volta, já é necessário fazer um enquadramento para capturar aquele momento. Desta forma, as

3 STEINBERG, Charles S. (org.). Meios de comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 149-198.

Nesta obra estão reunidos os textos de Walter Lippman (Estereótipos e A natureza da notícia) e Robert Park (A notícia como forma de conhecimento), aqui utilizados como embasamento teórico para o jornalismo como forma de conhecimento.

4 Dietram A. Scheufele. “Framing as a Theory of Media Effects”. Journal of Communication. Winter 1999. p. 103-122

Esta teoria acrescenta que o público também faz o seu enquadramento, havendo um duplo enquadramento, tanto na emissão, por parte do jornalista, como na recepção.

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teorias construtivistas opõem-se a esta perspectiva de espelho, pois ela parte justamente do

princípio da decisão tomada, do enquadramento feito pelo jornalista, ou seja, do momento em que

ele toma uma decisão e parte dela para narrar a fato.

Um dos pressupostos do jornalismo, segundo Meditsch (2002, p. 11), é de que ele não

revela mal, nem menos, mas diferente. É preciso desenvolver uma hipótese de reprodução do

conhecimento, mais complexa que a simples transmissão, como a de Nilson Lage, para quem o

jornalismo é uma forma de conhecimento em escala industrial. (LAGE, 1992, p. 14-5). Outro

reforço à teoria do enquadramento é o estudo do discurso que diz que todo enunciado que se refere

à realidade, ao refletí-la, de certa maneira também a refrata de certa maneira (BAKTHIN, 1992).

Podem existir muitos enunciados verdadeiros. Nenhum é capaz de esgotar a realidade

inteira. A sociologia e a antropologia mostram que não só o relato dos sábios, mas também o

quotidiano das pessoas comuns é importante, e que o método científico não é o único modo de

conhecer, nem o mais importante. Há necessidade de uma razão mais refinada que dê conta das

complexidades do mundo.

Toda a informação, portanto, é suscetível, em sua construção e em sua recepção, de

receber diferentes conotações em função da cultura, meio, e experiências, tanto de quem emite essa

informação quanto de quem a recebe. Quando transmitimos esta informação a terceiros, essa cadeia

vai agregando, a cada pessoa pela qual passa, novos valores, novos significados. Após tantas

interferências, uma nova realidade é construída, intencionalmente ou não. É preciso, para avaliar,

desconstruir os acontecimentos em questão (MOUILLAUD, 2002, p. 25; 37).

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A missão do jornalista é filtrar as diversas informações que recebe para construir uma

matéria, uma notícia. É ele quem irá destacar da realidade uma superfície (MOUILLAUD, 2002,

37). Se aconteceu um crime de assassinato, não bastará dizer que alguém morreu, é seu trabalho

buscar as informações sobre como ocorreu, quando, e, preferencialmente, se possível, quem foi o

causador do homicídio e qual o motivo. Durante este processo, será inevitável fazer escolhas e até

mesmo alguns juízos de valor, baseados em seus próprios valores, para situar o leitor, pois a

experiência não é reprodutível, só o acontecimento é móvel, através do enquadramento feito.

Mouillaud diferencia, ainda, o status de “fato” e “acontecimento”:

O “fato” e o “acontecimento” não tem o mesmo status. O “fato” é o paradigma universal que permite descrever os acontecimentos, uma regra da descrição dos mesmos (a codificação de toda experiência, seja qual for a natureza e a origem). O acontecimento (quando falamos de acontecimento “orientado”), designa uma exigência da representação. (MOUILLAUD, 2002, p. 67)

É no momento da representação que retornamos ao conceito de enquadramento, pois é

exatamente neste ponto, segundo Thomas Patterson5, que reside o poder do jornalismo. É quando o

jornalista faz escolhas, selecionando aspectos de uma realidade perceptível e tornando-os mais

salientes num texto comunicativo.

Estas escolhas, conforme Antônio Fausto Neto, são “construções e operações [ . . . ]

portanto, ‘etapas’ deste complexo trabalho que o sujeito faz movido por e no interior do campo da

5 Thomas Patterson. Serão os media noticiosos actores políticos eficazes? In: Revista de COMUNICAÇÃO e Linguagens

27: 79-96.

O autor, neste artigo, fala da dificuldade em fazer com que a sociedade compreenda os problemas sociais através do jornalismo, que tem suas limitações.

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linguagem, no sentido de estruturar mensagens ou discursos sociais” (NETO, 1991, p. 31),

inevitáveis a partir do momento de transcrever as impressões obtidas sobre o fato.

O furo jornalístico é, portanto, um mito, pois mesmo que fosse possível estar no local exato

do acontecimento, ou chegar primeiro, cada um dos presentes poderá dar diferentes opiniões sobre

o que viu, como diz Nilson Lage:

Haverá dados para apresentar Napoleão a) como militar mesquinho, meio ridículo (era baixo e gordo), maquiavélico (chamado do Egito pela burguesia francesa, destruiu ou cooptou um a um de seus inimigos), maníaco (o cacoete de pôr a mão entre os botões do casaco), sensual (sua paixão devota pela martiniquenha Josefina), um traidor (levado ao poder pela república, proclamou-se imperador, o que levou Beethoven a dedicar-lhe a marcha fúnebre inserida numa sinfonia), incapaz de reconhecer os próprios limites (a desastrada invasão da Rússia); ou b) como líder nacional (amado por seu povo, a ele a França deve sua consciência de grandeza), gênio militar (derrotou, um por um, os melhores generais da época), talento geopolítico (foi dos primeiros a traçar um projeto de comunidade européia), democrata (desprezou a oficialidade aristocrática e criou um exército popular em que os homens ascendiam por seus méritos a postos elevados da hierarquia) e instrumento da liquidação do ancien regime na Europa (nem a Santa Aliança conseguiu restaurar o prestígio das cortes no Continente). (LAGE, 1998, p.92-93.)

Além das impressões pessoais e suas suscetibilidades, há o emprego da linguagem como

forma de construir realidades. É possível inserir no discurso unidades de sentido, que podemos

analisar por aproximação semântica, conforme exemplifica Pedrinho Guareschi em sua análise do

discurso anti-MST de Rogério Mendelski em seus programas na Rádio Gaúcha, em Porto Alegre

(GUARESCHI, 2000, 380 p.).

A expressão da realidade, como explica Christa Berger (1998. 223 p.), era tida como

possível de ser fiel graças à linguagem, e todo obstáculo tido como resultado da censura política.

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Hoje, porém, existe uma complexibilização desta relação de causa/efeito (acontecimento/linguagem),

através da semiótica (e da lingüística).

O próprio nome do jornal é um exemplo de operador simbólico, um olho aberto sobre o

mundo. O jornal não está solto, mas sim envolvido em um dispositivo (MOUILLAUD, 2000, p. 26-

29).

A rotina do trabalho jornalístico de captura de notícias já demonstra uma imposição de

estrutura sobre o tempo, visto que costuma fazer uma “lista de acontecimentos previstos”, que,

conforme Nelson Traquina (2002a), fazem parte do biorritmo da empresa, e que, por vezes, sofre

os efeitos dos lapsos temporais deste biorritmo. Os acontecimentos que possuem valor de notícia

nem sempre irão acontecer onde estão previstos que aconteçam. Apesar disso, é possível “agendar”

um tema, ou seja, fazer com que ele torne-se notícia, mesmo que através de movimentos sutis, como

a inclusão do tema geral na pauta, dia após dia, ao invés de tocar diretamente em um ocorrido. No

entanto, quando houver a intenção de recuperar esta pauta, ela já estará bem situada e digerida pelo

leitor.

O termo “agendamento”, surgido em 1972, embora a idéia principal tenha sido lançada 50

anos antes, significa dizer que os media eram a principal ligação entre os acontecimentos no mundo

e as imagens mentais acerca desses acontecimentos. Segundo seus teóricos, a imprensa faz bem

mais que fornecer, transmitir opinião, pois, mesmo que não consiga definir a opinião de alguém

sobre determinado assunto, ela irá fazer com que, no mínimo, essa pessoa pense sobre esse assunto.

Por este motivo os próprios jornalistas chamam de “estória” e não de “acontecimento”.

(TRAQUINA, 2002b, p. 47-8)

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Significa dizer que o jornalismo existe para consumo de uma forma semiótica, cheia de

formas, imagens, sentidos, pensamentos, tudo em torno de um acontecimento que será desenvolvido

através da pauta, o que caracteriza a notícia como signo ou código de linguagem. Considerando

ainda, conforme Henn (2002) e Meditsch (1992), que o jornalismo parte de uma pauta e não de

uma hipótese, e que a pauta permite um corte abstrato, trata-se novamente da idéia de

enquadramento e, portanto, de poder do jornalista.

Este poder também reside no fato de que o jornalista, ao selecionar notícias e dar-lhes

existência pública, confere-lhes importância e relevância social, não apenas presente, mas futura,

pois terá captado a memória da região onde está inserido.

Portanto, ao refletir sobre o papel do jornalista, é preciso lembrar que muitas vezes é ele

quem consegue retratar fatos que não ficaram registrados nos livros de história, como o aqui

estudado. Daí a importância do esclarecimento e da consciência pública sobre as rotinas do

jornalismo e o conhecimento que ele ajuda a agregar, para que ele seja entendido com todas as suas

peculiaridades sendo levadas em conta.

É preciso que o público leitor compreenda que a produção da notícia6 é um processo que se

inicia junto com o acontecimento. Porém esse acontecimento só terá sentido com a interferência de

um sujeito – o jornalista – que o constrói socialmente, aplicando os seus conhecimentos ao

enquadramento utilizado para noticiá-lo. O grande problema, é que, em geral, características como a

6 ALSINA, Miquel Rodrigo. La construcción de la noticia. Paidós Comunicación. 4.ed. ALSINA, Miquel Rodrigo. La

construcción de la noticia. 4. ed. Barcelona: Paidós Comunicación. 1989. p. 81-98.

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relação dos jornalistas com as pessoas envolvidas no acontecimento; o enquadramento ou seleção

dos enunciados; e a escolha da linguagem a ser utilizada pelo jornalista, são construções lingüísticas

recheadas de julgamentos e opiniões.

Tanto assim é, que entre 1933 e 2004, passados mais de setenta anos, é possível identificar

diversas construções nos relatos dos jornais estudados, sob os aspectos jornalísticos, acadêmicos e

culturais.

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3 CONTEXTO GERAL

3.1 São Borja (Brasil) e Santo Tomé (Argentina)

O município de São Borja tem hoje uma população de 65.292 habitantes, fica a 594 Km de

Porto Alegre, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, e é o mais antigo do Sete Povos das

Missões, com fundação em 1682.

A região, por muitos anos, foi alvo de disputa entre espanhóis e portugueses, e São Borja foi

fundada quando o padre Francisco Garcia vinha fundar a redução de Santo Tomé, e acabou

estabelecendo-se um pouco antes, na outra margem do rio Uruguai.

São Borja não chegou a sofrer com as Guerras Guaraníticas, ocorridas de 1754 a 1756

entre índios e portugueses (sendo os últimos os vencedores).

No entanto, a área era propícia para a criação de gado e para charque, o que acabou

acarretando outros conflitos, visando a incorporação da região das Missões ao território português,

o que acabou acontecendo em 1801. Novos conflitos e invasões continuaram ocorrendo em 1816 e

1828, com a tentativa de inverter a situação, o que não ocorreu.

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Em 11 de março de 1833, São Borja é desmembrada do município de Rio Pardo e recebe

autorização para realizar eleições, que aconteceram em 28 de outubro daquele ano. O primeiro

presidente da Câmara de Vereadores – João José da Fontoura Palmeiro – foi empossado em 04 de

abril de 1834 e a instalação municipal aconteceu dia 21 do mês seguinte. Mais tarde, em 1835, viu-

se envolvida na Revolução Farroupilha, mas não sofreu tanto quanto nas guerras passadas, quando

teve várias vezes seu progresso interrompido. Durante a guerra do Brasil com o Paraguai, Solano

Lopez travou muitas batalhas em São Borja e nas vizinhas Itaqui e Uruguaiana. A partir da Figura 1

– Mapa de São Borja, é possível visualizar a localização da cidade gaúcha:

Figura 1 – Mapa de São Borja

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A família Vargas sempre esteve envolvida em brigas na região de São Borja e também em

Santo Tomé, cidade argentina com a qual faz fronteira – conforme pode ser observado pela Figura

2 – Mapa Faixa de Fronteira, fato público e notório para os habitantes locais.

Porém, em apenas dois dias, a não apenas mais ilustre família da cidade, mas também a que

possuía como membro principal o chefe do Governo Provisório do Brasil da década de 30, Getúlio

Dornelles Vargas, envolveu-se em um desagradável incidente diplomático, noticiado de diferentes

formas se comparadas às versões jornalísticas, históricas e familiares, expressadas também em

livros, que aqui aparecerão apenas para preencher as lacunas deixadas pelas mãos de quem tinha

interesse em tirar de circulação as versões dos fatos.

Figura 2 - Mapa Faixa de Fronteira

O palco do incidente foi a cidade de Santo Tomé, fundada oficialmente em 1863 (27 de

agosto). Sua história se confunde com a de São Borja, como já referido. Os jesuítas foram expulsos

em 1768, iniciando um período de decadência até ser totalmente arrasada, em 1817, com a invasão

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portuguesa. Desta época até o século XX, no entanto, a Argentina cresceu, e a região de São

Borja, ao contrário, continuou com as mesmas características agropecuárias.

Na época do “caso”, nos anos 1930, Santo Tomé era mais desenvolvida comercialmente

que São Borja, fazendo com que muitos habitantes da cidade brasileira fossem consumir naquela

cidade, em acesso que, na época, era feito de balsa. Desde aquele tempo a população já solicitava

uma ponte, que acabou sendo construída 60 anos mais tarde, e concluída em 1998. Santo Tomé é

hoje uma cidade rica em terras para agricultura, mas estagnada em seu desenvolvimento econômico

e cultural, e segundo o censo de 1991, tem uma população de 17.283 habitantes. Sua posição

geográfica pode ser vista abaixo na Figura 3 – Mapa de Santo Tomé, que situa a cidade da

província de Corrientes, na Argentina:

Figura 3 - Mapa de Santo Tomé

A situação no Rio Grande do Sul era tensa, em função da sua posição em relação à

Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, devido à Guerra do Chaco, que estava sendo mediada pelo

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Brasil. Além disso, havia focos revolucionários na região em decorrência da política argentina e

brasileira.

Tendo em vista a importância econômica e política da família Vargas e do episódio em si,

torna-se válida a análise das informações que chegavam à imprensa, verificando se houve uma

transposição ao medo do uso do poder sobre quem dissesse a verdade, ou se, por vontade própria

e ideologia, ou ainda, por ignorância, foram ocultados ou distorcidos os fatos.

Em uma primeira investigação junto a pessoas da minha família, foi obtida a informação de

terem sido solicitados todos os exemplares de jornal da cidade, desta época, por um dos irmãos de

Getúlio Vargas, Viriato Vargas. Os exemplares haviam sido guardados por mera curiosidade, por

vários anos, por uma habitante de São Borja, que veio a ser minha bisavó paterna. A finalidade da

solicitação, atendida como política de boa vizinhança, foi única e exclusivamente dar fim aos

mesmos, queimando-os. Mais tarde, em entrevista realizada com o pesquisador Fernando O. M.

O’Donnell, de São Borja, soube que este procedimento foi repetido com várias outras famílias são-

borjenses, inclusive a dele.

3.2 O caso de Santo Tomé

O fato nuclear deste trabalho é o chamado “O caso de Santo Tomé”, que recebeu versões

de várias ordens. Uma reportagem de 1991 no jornal “O Estado de São Paulo”, dá conta

equivocadamente de que houve um primeiro incidente em setembro de 1933 (17), mas, na

realidade, aconteceu em 16 outubro de 1933. A segunda parte seria uma oportuna e oferecida

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vingança, que culminaria em um saque seguido de baderna generalizada em Santo Tomé, em

dezembro (29 ou 30) do mesmo ano.

As divergências ocorrem em função do motivo do incidente de outubro, que fazem toda a

diferença: teria sido uma inocente ida ao cinema, uma execução de prisão, motivos esportivos, ou

recreativos? Há ainda a relação entre este evento e o saque em Santo Tomé, em dezembro de

1933, com participação de habitantes de São Borja, inclusive comandados de Benjamim Vargas,

diretamente envolvido no primeiro conflito, somada à existência de focos revolucionários na

Argentina. Estes elementos estão presentes na cobertura jornalística da época como um problema

unilateral, puramente argentino, sem relação com a família Vargas nem com qualquer tipo de

vingança que vinculasse a participação de brasileiros no conflito. A versão que detonou este

processo de pesquisa, no entanto, é apresentado por Apparício Silva Rillo:

Nas últimas horas da noite de 29 de dezembro de 1933, partindo da costa brasileira do rio Uruguai, em São Borja, um contingente de cerca de 150 homens, em dois grupos principais, invadia a cidade de Santo Tomé, na província argentina de Corrientes. [ . . . ] A crônica dos municípios fronteiros à Argentina atribui a responsabilidade quase única dessa invasão ao 14º Corpo Provisório, sediado em São Borja sob o comando do Ten. Cel. Benjamim Vargas (Beijo), irmão do então presidente provisório da República, Getúlio Dornelles Vargas. (RILLO, 1987, p. 72.)

Já Lutero Vargas, em seu livro "A revolução inacabada" (1988), reconhece a minimização

do fato por parte de sua irmã em seu livro "Getúlio Vargas, meu Pai", mas tenta descaracterizar a

invasão devido a algumas informações efetivamente desencontradas, como a troca de datas e de

onde exatamente teriam acontecido os saques e tiroteios.

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Também cita algumas versões a mais sobre o ocorrido, inclusive que teria sido não uma

invasão, mas um episódio sangrento decorrente de questões de contrabando entre gente de São

Borja e Santo Tomé.

Em sua versão, um revoltoso coronel argentino teria apenas entrado em contato com "alguns

são-borjenses, entre os quais alguns soldados do 14º CA e dois segundo-tenentes" (VARGAS,

1988, p.67-68.). Logo, não haveria relação entre as mortes de seus familiares, mas também não

explica o motivo deste contato.

Os jornais pesquisados, “Correio do Povo” e “A Federação”, mostram também pequenas

divergências em suas versões, a citar apenas o acontecido menos polêmico, de 16 de outubro: em

um primeiro momento, ambos fixam o problema em um erro da marinha argentina, focalizam a morte

dos jovens, porém o jornal “Correio do Povo” trata o assunto mais a fundo, entrevista o

encarregado pela investigação na época, publica seu depoimento e mostra certa desconfiança em

relação a tão pueril visita ser recebida tão violentamente.

Ao contrário, o jornal “A Federação” dá o assunto logo por encerrado, limitando-se a dar a

notícia básica e reduzindo a apenas mais uma ocorrência policial. Esta versão trata de minimizar os

fatos, que seriam decorrentes apenas de um julgamento errôneo da marinha argentina, ou seja, um

caso policial quase corriqueiro, dadas as proporções internacionais, que nada teriam a ver com a

invasão de dezembro de 1933.

Cabe ressaltar que a época não favorável a conflitos diplomáticos: Bolívia e Paraguai

estavam envolvidos na Guerra do Chaco, Argentina e Brasil procuravam instalar a paz, inclusive

assinando tratados de cooperação, em visita, exatamente em outubro, incluindo durante a data do

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incidente inicial, do presidente argentino, General Justo, ao Brasil. A imprensa cobriu diariamente

cada passo do presidente visitante, e durante a cobertura do incidente várias vezes pareceu

minimizar a ocorrência para não dar margem a novos conflitos, agora entre brasileiros e argentinos.

Mas, após a presumida revanche de dezembro, minimizar ficou muito difícil.

Segundo o Apparício Silva Rillo, a invasão foi idéia de lideranças civis e militares do Partido

Radical da Argentina, que teriam convidado Benjamim Vargas e seus comandados a participar da

empreitada. O convite fôra prontamente aceito, em decorrência da inconformidade de Benjamim

Vargas com a morte de seus sobrinhos pela marinha argentina em 16 de outubro do mesmo ano, em

situação nebulosa mesmo após os pronunciamentos oficiais, conforme o próprio Rillo registra:

Benjamim Vargas [ . . . ] não absorvera a morte de dois jovens sobrinhos seus, metralhados pela marinha argentina no porto de Santo Tomé, em 16 de outubro daquele ano de 1933. Beijo comandava a 'delegação' que, em lancha especial, equipada com metralhadora, se dirigiu a Santo Tomé, na noite daquele dia para, segundo versão oficial do episódio, assistir à inauguração de um cinema falado. (RILLO, 1987, p. 74.)

O mesmo autor também acrescenta que o irmão de Getúlio Vargas teria tentado se conter

na participação da invasão, não enviando todo o 14º Corpo e orientando para que não fossem

fardados e dizendo a seus homens que não se responsabilizaria pelo que ocorresse, mas após seu

envolvimento com o primeiro incidente, estas atitudes não garantiram sua isenção. Além disso, se foi

negado fardamento, não foram negadas as armas e munição oficial aos invasores. Entre eles,

tenentes e sargentos, incluindo o Tenente Gregório Fortunato, já desde esta época fiel à família

Vargas. Silva Rillo também cita os "ônus deixados pela invasão”, no plano material e político,

materializados em "pesadas indenizações" e "constrangedoras reparações diplomáticas" (RILLO,

1987, p. 77).

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O jornal “O Estado de São Paulo” concorda com a versão de Silva Rillo. Em matéria

especial sobre Getúlio Vargas, publicada em 28 de abril de 1991, cita um "episódio especialmente

grave": um saque na Argentina, decorrente de uma vingança em função das mortes ocorridas em

setembro de 1933 (na verdade, em outubro). Segundo o jornal, "[ . . . ] Bejo contratou um grupo de

capangas e contrabandistas, voltou ao lado argentino e, durante duas horas, saqueou o comércio de

Santo Tomé". (CAVALCANTI, 28 abr. 1991, p. 20.)

A conseqüência deste incidente diplomático teria sido não apenas "penosas explicações

diplomáticas", mas uma indenização milionária, "não se sabe porque cargas d'água”, pelo

Departamento Nacional do Café.

Na mesma entrevista com Fernando O. M. O’Donnell recebi de suas mãos o livro de Sérgio

Venturini sobre outro caudilho da região de Santo Tomé e São Borja, conhecido como Don Lucas,

que também relata os fatos sob o ponto de vista fronteiriço, e coincide com as versões de Rillo e

Cavalcanti. Don Lucas era argentino de ascendência brasileira, e contestava, juntamente com os

radicais argentinos, a eleição do presidente Augustin Justo. Segundo eles, Justo teria chegado ao

poder por meio de fraude nas eleições. Diz Venturini, baseado na documentação fornecida pela

família Torres:

Nos dias que antecederam o ataque a Santo Tomé, as viagens se tornaram freqüentes, num intenso trabalho de Don Lucas na arregimentação de homens e na provisão de armas e munições para os revoltosos. [ . . . ] No ataque a Santo Tomé, Don Lucas teve a ajuda ocasional de soldados do 14 Corpo Auxiliar da Brigada Militar de São Borja. O 14 era comandado pelo tenente coronel Benjamim Vargas, irmão do presidente da república na época. Benjamim Vargas, conhecido pelo apelido de Beijo, tinha contas a acertar com a Guarda da Marinha castelhana por causa de um acidente trágico, quando foram mortos dois sobrinhos de Beijo e de Getúlio, os jovens Ari Vargas e Odon Sarmento Mota.

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As mortes dos sobrinhos dos Vargas ocorreu quando da tentativa de seqüestro de Juvelino de Oliveira Saldanha, jornalista originário de São Luiz Gonzaga que, no exercício de sua profissão, se desentendeu com a família Vargas; cruza a fronteira e vai trabalhar em jornais de Santo Tomé, Província de Corrientes, de onde passa a acusar os Vargas de contrabandistas e de mandarem degolar os adversários políticos. Para seqüestrar o jornalista infame aos Vargas, Beijo manda na frente Gregório Fortunato e outros oficiais do 14 preparar o ato. Beijo, ao chegar na aduana acompanhado dos sobrinhos, se desentende com a guarda Marinha; foi detido e reagiu a bala. Começou o tiroteio que acaba na morte dos dois sobrinhos. Beijo se salva fugindo rapidamente rumo a São Borja. Desde a morte dos sobrinhos, Beijo fica desejoso de vingança, mas o fato de ser irmão do Presidente Getúlio Vargas dificulta a empreitada pelas conseqüências diplomáticas que poderia advir da invasão de um país estrangeiro. A oportunidade de vingança surge ao se unir na empreitada dos radicais argentinos, colaborando com Don Lucas, que em oportunidades anteriores teria conseguido armas para o 14, na Revolução de 32 e teria se comprometido a conseguir mais armas se houvesse necessidade de mais uma revolução para sustentar o Presidente Vargas. Beijo não participou do ataque a Santo Tomé, apenas liberou soldados que queriam pelear com os castelhanos, em traje civil. A invasão a Santo Tomé ocorreu na noite de 29 de dezembro de 1933. (VENTURINI, 1994. p. 19-20)

Este relato coincide com a afirmação da autoridade policial da época, Dario Crespo,

relatada no “Correio do Povo” de 26 de outubro de 1933, que está transcrita na íntegra no capítulo

da análise.

Outra curiosidade diz respeito ao relato de Sérgio Sempé, filho do historiador Moarci

Sempé, que relatou que seu pai possuía toda a documentação sobre os acontecimentos de Santo

Tomé, doados pelo sobrinho de Getúlio Vargas, Serafim Vargas. No entanto, após a morte do pai,

em 1997, Sérgio não mais localizou esse material, o que atribui ao fato de Moarci ser maçom.

Segundo Sérgio, Serafim Vargas teria solicitado a seu pai que só revelasse o conteúdo desse

material após ser cumprida uma determinada instrução, talvez uma data ou a morte de alguém, o que

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ainda não teria ocorrido à época. Para que essa instrução fosse cumprida, Moarci teria doado esse

material a outro maçom, que se encarregaria de honrar a promessa.

Em consulta à rede mundial de computadores – Internet – para pesquisar o livro “La

frontera em armas” indicado por Fernando O’Donnell, de autoria do argentino Miguel Villalba, por

conter mais alguns aspectos da visão argentina do ocorrido, encontrei o trabalho do pesquisador

Marcelo Alvarez para o “Cuarto Congreso Chileno de Antropología”, realizado entre 19 e 23 de

novembro de 2001 no Campus Juan Gómez Millas de la Universidad de Chile, publicado pelo

“Instituto Nacional de Antropología e Pensamiento Latinoamericano” de Buenos Aires,

Argentina. Seu trabalho, que entre as fontes bibliográficas utilizou-se do livro de Villalba, cita o fato

aqui estudado, conforme segue:

El estúdio de las fronteras supone el análisis de las contradicciones, diferencias y conflictos de poder y dominación de nivel local articulados con politicas y controversias de nivel nacional, regional y global. Este trabajo, ubicado en las ciudades de Santo Tomé y São Borja, localidades separadas por el rio Uruguay en la frontera argentino-brasileña [ . . . ] explora los sentidos que distintos actores sociales e institucionales le otorgan a esta frontera y a los procesos de integración regional iniciados con el lanzamiento del Mercosur, su contestación y crisis. El contrabando, la invasión de 1933, la inauguracíon del puente entre ambas ciudades. (ALVAREZ, Marcelo. 2001.)

Assim, este é mais um registro do fato pelo lado argentino, sua repercussão e impressões lá

eternizadas, como invasão, não como incidente, não como ocorrência, não como qualquer outra

coisa, mas como invasão, e cita os depoimentos de Don Lucas no livro de Villalba:

Esto se ve en los relatos que recuerdan la Revolución Radical de 1933 y la actuación del Comando del Litoral: radicales personalistas radicados en San Borja que cruzan la frontera y toman Santo Tomé apoyados en un gran número de mercenarios brasileños que vestían el

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uniforme del Regimiento 14º de Provisorios de San Borja, individualizables por los sombreros de ala ancha e indumentaria marrón, a los que se les habría prometido una paga de cien pesos por cabeza. Estos “macacos” (como se los nombra en los relatos) serán los autores de los pillajes en casas comerciales y particulares. Cuando la revuelta fracase, volverán a cruzar el río acompañados de los cabecillas argentinos, algunos de los cuales regresarán con la amnistía de 1936. Una leyenda local asume que las desgracias de la ciudade concluirán cuando se encuentre y coloque en posición normal una imagen de la virgen que los brasileños enterraron cabeza abajo en la plaza principal durante esta última invasíon. [ . . . ]. Lucas Torres era argentino, sus padres brasileños y él – a su vez-, contrajo nupcias con una muchacha brasileña. Participará [ . . . ] en los entreveros del sur brasileño de 1919, 1923, la última revolución a caballo – y en 1924, acción ésta en que derrotada su facción, regresa a Misiones (Argentina), acompañado de cientos brasileños que se afincarán en esa provincia argentina... para volver en 1930 con Getúlio Vargas al poder...” (M.A. Villalba, La frontera en armas. Paraná, 1996, p. 253. In: ALVAREZ, Marcelo. 2001)

Desta forma, o pesquisador argentino confirma o conhecimento também na Argentina da

participação do 14º Corpo Auxiliar da Brigada Militar de São Borja, comandado por Benjamim

Vargas, na invasão, como co-participantes da revolução elaborada pelos radicais argentinos,

causando baderna no local.

Tendo tomado conhecimento do contexto local da época, é necessário também ser

apresentado o contexto jornalístico, visto que o tempo decorrido também influi na maneira como

faremos a leitura dos jornais hoje, e é o que será feito no próximo capítulo.

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4 CONTEXTO JORNALÍSTICO

Passados mais de setenta anos, é preciso contextualizar os dois jornais analisados, para

melhor compreensão das análises que serão desenvolvidas no capítulo a seguir. Sem esta

introdução, um leitor desavisado poderia tomar como ponto de partida o jornal “Correio do Povo”

como o é hoje, e não como efetivamente era na década de 1930, e não terá ciência das suas

origens, que contribuem para o seu comportamento jornalístico.

Da mesma forma, sendo extinto o jornal “A Federação” e também as suas características, é

preciso apresentá-lo. Assim, o objetivo deste capítulo é, após ter situado o leitor no tempo, situá-lo

também no espaço jornalístico.

O jornalismo gaúcho iniciou dentro do processo que culminaria na Revolução Farroupilha

(primeiro jornal: 1827 – “O Diário de Porto Alegre”), podendo-se dizer que foi um bastidor

intelectual da revolução, conforme descreve Abeillard Barreto:

Quando em 1827 apareceu o primeiro jornal no Rio Grande do Sul, a legislação brasileira sobre a liberdade de imprensa ainda engatinhava e era, mesmo, muito contraditória, por visar menos a ela que a censura ditada em contrapartida. [ . . . ] Quando aparecem os primeiros jornais em Porto Alegre, não poderia a imprensa local deixar de amparar-se num ou noutro partido, quase sempre com compromissos panfletários, facilitados, aliás, pela intolerância política que se abateria sobre o Rio

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Grande do Sul, antecedendo à revolução farroupilha e, logo em seguida, alimentando-se nos desacertos das duas facções que se degladiavam. (BARRETO, 1986, p. 7)

Especialmente no interior, o desenvolvimento do jornalismo foi freado pela atividade no

campo político e pela falta de sustentabilidade econômica para gerenciar empresas, o que acarretou

na ocupação do espaço por jornais da capital, que souberam cumprir o papel de regionalizar tanto

as informações e equipes de reportagem com a distribuição.

A Associação Rio-Grandense de Imprensa, fundada em 1920, foi reconstruída em 1936.

Nesta época, iniciava a tendência para matérias noticiosas, e já não mais para artigos políticos.

O grupo de Francisco Antonio Vieira Caldas Junior já existia, desde 1895, e representava o

ideal da modernização e da tecnologia naquele momento. O “Correio do Povo” era um jornal

consolidado, ao lado do jornal “A Federação”, lançada em 1884, que se tornou um órgão dos

republicanos gaúchos (Partido Republicano Liberal), e destacou-se como principal folha político-

partidária da história do Rio Grande do Sul. O primeiro diretor foi Venâncio Aires. No entanto, em

1937 o recém-proclamado Estado Novo extinguiu o jornal através de ato oficial, além de fechar

vários outros jornais.

O jornal era uma importante forma de divulgação das idéias e da hegemonia partidária em

época de comunicações mais difíceis. O “Estado do Rio Grande do Sul”, também fechado na

mesma ocasião, representava o Partido Libertador, que sucedeu ao Partido Federalista, e foi o

último jornal político-partidário a ser lançado (1929). Jandira Silva relata que a imprensa esteve

intimamente ligada à evolução do Rio Grande do Sul:

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A história da imprensa gaúcha não deixa de ser, entretanto, a história da evolução política e também social do Rio Grande do Sul. Após a acirrada luta entre legalistas e farroupilhas polemizada através de jornais, tornam-se esses órgãos representativos dos diversos partidos políticos da província: o conservador, que teve o jornal O CONSERVADOR como seu órgão máximo; o liberal histórico, que resultou da união entre 'radicais' e 'progressistas', tendo a REFORMA como órgão oficial; e o republicano, cujas idéias se propagaram através do jornal A FEDERAÇÃO. (SILVA, 1986, p. 124)

A história registra ainda que na década de 30 houve um declínio da imprensa político-

partidária, em função das mudanças que estavam ocorrendo na sociedade e na economia. No Rio

Grande do Sul houve até mesmo um processo de conciliação entre a classe dominante, o que

acarretou no crescimento das folhas noticiosas, como o “Jornal do Commercio”.

Ou seja, o jornalismo gaúcho conheceu a fase do jornalismo político-partidário e a atual, já

nela contida os conceitos de jornalismo informativo, indústria cultural, imparcialidade.

Esta primeira fase é a responsável pelo comprometimento das informações, tendo em vista o

envolvimento emocional com os fatos, bem como pela conjuntura estadual:

No Rio Grande do Sul, consideram-se, na fase inicial, os jornais do período farroupilha, abrangendo os que antecederam o movimento revolucionário. A partir daí, a delimitação dos períodos se volta para os grandes marcos de nossa imprensa; o surgimento de A REFORMA e A FEDERAÇÃO correspondem à nossa fase de consolidação que, portanto, inicia bem antes da adotada por Bahia. A REFORMA é de 1869 e A FEDERAÇÃO é de 1884. Com a fundação do CORREIO DO POVO, se inicia a fase moderna do jornalismo no Rio Grande do Sul, consolidada em moldes capitalistas. (SILVA, 1986, p. 15)

A dificuldade em angariar informações para trabalhos históricos e arquivísticos quanto aos

jornais faz deste trabalho um esforço no sentido de resgatar a memória histórica e cultural, pelos

motivos que também constatou Silva.

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Um estudo comparativo de nossos jornais se faz necessário, mas qualquer tentativa se esvai, ante a imprecisão de dados e a localização, não só do primeiro número, como também dos números ainda existentes. Por isto, Historiar a imprensa, no Rio Grande, é, em certo sentido, um “quebra-cabeça”. (SILVA, 1986, p. 289)

A cidade de São Borja não é diferente, ao contrário, é talvez o mais vivo exemplo deste

“quebra-cabeça”, pois tem como característica um desapego por sua história no sentido de

preservar a sua documentação. Um dos maiores exemplos disto é o fato da igreja construída pelos

jesuítas ter sido destruída e levantada outra no mesmo local, sem os mínimos cuidados em preservar

ou recuperar a história, simplesmente derrubando e colocando outra em cima.

Os acervos históricos da cidade não possuem os exemplares dos jornais locais da época, e

todos os pesquisadores que tem tentado trabalhar com a história de São Borja encontram a mesma

dificuldade. A vizinha cidade de Santo Tomé também partilha do mesmo problema. Segundo a viúva

de Rillo, Suzy Rillo, ambos estiveram na Argentina procurando material sobre o caso, e retornaram

sem sucesso. Fernando O’Donnell relatou que em várias ocasiões em que o assunto foi levantado,

não apenas nada foi encontrado na cidade como ao tentar fontes secundárias, de pessoas que

haviam deixado São Borja, surgiram pessoas colocando barreiras à continuidade da pesquisa. “Até

mesmo um são-borjense que hoje trabalha no Itamaraty se apresentou tentando convencer-nos a

deixar o assunto de lado”, relatou. Como já foi relatado no item “O caso de Santo Tomé”, há

também o problema da fidelidade maçônica do pesquisador Moacir Sempé, que teria recebido

material diretamente da família Vargas, mas com instruções para não divulgá-las a não ser quando

fosse o momento certo, o que não sabemos quando será.

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4.1 Um jornal político-partidário

O jornalismo da época, até o Estado Novo, pode muito ser bem resumido pelo lançamento

do jornal “A Federação”, em 1º de janeiro de 1884. Seu papel foi significativo na articulação do

movimento republicano da então Província, assumindo sua característica de órgão de combate e

propaganda.

A empresa foi constituída mediante subscrição feita pelos membros do partido e a direção

do jornal terminou confiada a Júlio de Castilhos, que, embora fosse considerado por muitos um

orador medíocre, era especialista no manejo da pena, e criou novas concepções jornalísticas,

principalmente o conceito prático de que a imprensa não precisa limitar-se a registrar os

acontecimentos políticos. Na República Velha, tornou porta-voz oficial do Partido Republicano Rio-

Grandense – PRR:

Não era um jornal como os outros, feito todas as tardes no tumulto da improvisação. Era a página cotidiana de um alcorão partidário, elaborada com cuidados religiosos liturgicamente, de caso pensado.[ . . .]” (Fontoura, 1958, p. 26, In: RUDIGER, 2003, p. 44)

Na década de 1930, passou a órgão oficial do Partido Republicano Liberal. Cabe lembrar

que tratava-se de uma folha vespertina. Em 1937, o Estado Novo, recém proclamado, extinguiu o

jornal através de ato oficial, juntamente com outros jornais partidários.

Sua decadência está ligada a vários pressupostos: estrutura econômica, nova divisão social

do trabalho, complexificação social e a consolidação de camadas médias. Depois da Primeira

Guerra Mundial, o material de imprensa, especialmente tinta e papel, encareceram muito. O público

se diversificava e exigia mais. (RÜDIGER, 2003, p. 43-54)

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Além de Júlio de Castilhos, entre os grandes nomes que passaram pelo jornal estão

Venâncio Aires – à época da fundação –, Ramiro Barcellos, Ernesto Alves, Álvaro Baptista, Arthur

Pinto da Rocha, Ildefonso Pinto, Lindolfo Collor, Décio Coimbra, Othelo Rosa, João Carlos

Machado, Cyrino Prunes (durante o período estudado), Pedro Vergara, Vieira Pires, Celestino

Prunes e, finalmente, Moysés Vellinho.

4.2 Jornalismo empresarial, moderno e informativo

A grande novidade era o jornalismo informativo e a visão empresarial. O “Correio do

Povo” conquistou rapidamente a hegemonia no mercado de jornais, que o diferia dos demais por ter

Caldas Júnior descoberto que o caráter político do jornalismo não precisava ser explícito:

Como seu título indica, será uma folha essencialmente popular, pugnando pelas boas causas e proporcionando aos seus leitores informações detalhadas sobre tudo quanto há diariamente ocorrendo no desenvolvimento do nosso meio social e nos domínios da alta administração pública do Estado e do País. Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma única facção. (Correio do Povo de 1º/10/1895)

O jornal, criado pelo filho de uma das vítimas da revolução de 1893, apenas dois anos

depois, em 1º de outubro de 1895, ao invés de nascer truculento e parcial, pela lembrança de um

familiar morto pela degola e castrado, foi idealizado e implantado de uma maneira totalmente

inovadora. Era um jornalismo diferente, que iniciava a fase que perdura até hoje: de modernidade,

com o objetivo de ser o mais imparcial possível, e com visão empresarial. Estas novidades

conferiram uma aura de credibilidade ao jornal, que se propunha a servir não a um partido, mas ao

leitor.

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Sem deixar de ser político, o jornal matutino de Caldas Júnior passou por grave crise interna

quando apoiou a chapa Getúlio Vargas e de João Pessoa, em 1929. Em função das atividades no

campo político, e da falta de sustentação econômica, o novo jornalismo foi contido no interior. O

jornalismo da capital preenchia os espaços e conquistava a população. Em 1937, com o Estado

Novo, Getúlio Vargas proíbe os partidos políticos e seus órgãos de divulgação, fechando diversos

jornais e fortalecendo o “Correio do Povo” e o “Diário de Notícias”. (RÜDIGER, 2003, 77-89),

que possuíam outro tipo de direcionamento.

O “Correio do Povo” é, portanto, um jornal historicamente marcante na história do Rio

Grande do Sul, sob diversos aspectos.

O primeiro deles é o aspecto político, que diferia completamente dos jornais até então

conhecidos pelos gaúchos e que viria a tornar-se a grande tendência e futuro dos jornais. Some-se a

esta característica as decorrentes mudanças culturais, onde já não é a política o tema dominante das

informações que o público lê.

Concorre com o aspecto político em importância o aspecto econômico, já que o jornal

possuía grande preocupação com a publicidade e a ela destinava grande espaço, tanto em anúncios

de página inteira como classificados.

Tudo isto contribui para uma incrível diferença de visão jornalística, que persiste até os dias

de hoje, mas inimaginável no fim do século XIX e início do século XX, e visto ainda com

desconfiança até que os jornais partidários foram extintos em 1937.

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5 LEITURA DAS LEITURAS: O QUE APREENDE-SE DAS

COBERTURAS

O objetivo deste capítulo é proceder a análise propriamente dita do material jornalístico,

através das informações, para examinar a existência das diferentes versões diversas do mesmo

acontecimento. A partir desta releitura será traçado um quadro, para efeitos de levantamento, das

versões encontradas em dois jornais da época, ambos do Estado do Rio Grande do Sul, os jornais

“A Federação” (set/1933 a jan/1934) e “Correio do Povo” (set/1933 a jan/1934).

A coleta do jornal “O Estado de São Paulo” (28 abr. 1991)7, realizada através de

fotocópia, teve como objetivo embasar em meio jornal as afirmações feitas neste trabalho pela

autora, que nem sempre ficam claras no material, mas que os levantamentos em fontes históricas e

literárias vem a confirmar.

7 Assim como dos livros de Apparício Silva Rillo (1987) e de Lutero Vargas (1988).

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As menções ao fato apresentadas nos jornais “Correio do Povo” e “A Federação”, em

decorrência da exigência do acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa de não

liberar o material para ser fotocopiado, foram copiadas com máquina digital e transcritas, com a

grafia da época e também do jornal, visto que o português difere nas duas publicações.

Estes dois jornais foram escolhidos por terem coberto o caso, terem sido preservados em

acervos e por sua abrangência, além de características opostas entre um e outro que tornam mais

instigante a análise, devido aos seus também opostos pontos de vista.

5.1 Corpus jornalístico

A escolha dos jornais “A Federação” e “Correio do Povo” entre os jornais da época,

como referido logo acima, foi baseada em diversos motivos, sendo o primeiro deles o fato de terem

realizado a cobertura do caso. A seguir, foi considerado o seu caráter regional, e a abrangência no

Rio Grande do Sul, principalmente em vista do esvaziamento sofrido nos jornais das cidades

envolvidas, que acabaram recolhidos e tendo seu acesso restrito. No caso da cobertura estudada,

por exemplo, onde não foram encontrados exemplares destes jornais, cujas lacunas foram

completadas por fontes de outros tipos, como livros e entrevistas.

Outra razão pelos quais foram escolhidos “A Federação” e “Correio do Povo” foi a grande

diferença existente entre sua política editorial, bastante clara quando analisamos o contexto

jornalístico.

Por fim, cabe esclarecer que embora tudo tenha acontecido em zona fronteiriça, escolhi

basear as indicações de construção a partir do ponto de vista do Brasil e seu contexto, priorizando,

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portanto, os jornai-s brasileiros, que apenas citam a repercussão no país vizinho, obviamente já

contendo seu próprio filtro.

5.1.1 “A Federação”: órgão oficial do Partido Republicano

A clara vocação política do jornal e sua ligação com o Partido Republicano são os fatores

que tornam “A Federação” interessante para este estudo, já que marca a existência do jornalismo

parcial, do editor, claramente opinativo.

Seus fundadores e jornalistas eram não apenas divulgadores das idéias republicanas, mas

políticos atuantes da época, como Júlio de Castilhos, por exemplo. Essa postura teve pontos altos,

como os textos jornalísticos que produziu durante a Revolução de 1893, com abuso de expressões

e adjetivos para construir a imagem dos castilhistas, pica-paus ou republicanos.

Sua posição política era evidente já logo abaixo de seu título, aqui transcrito conforme a sua

forma original: “DIÁRIO OFICIAL DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL”, e mais abaixo: “ÓRGÃO DO PARTIDO REPUBLICANO LIBERAL”. Assim mesmo, em

caixa alta, e centralizado.

No dia 1º de janeiro, data de seu aniversário, e em especial naquele ano de 1934, quando

completava 50 anos, trouxe em sua capa Venâncio Aires e Júlio de Castilhos, em ilustração que

deixava visíveis apenas duas das oito colunas de texto normais, subvertendo a agenda social em

benefício da sua própria agenda institucional.

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É importante lembrar que aqueles que o liam tinham esta consciência, e que haviam outros

jornais que faziam-lhe oposição. No entanto, ao invés de procurar um jornal com idéias políticas

contrárias, foi estudado um jornal com visão totalmente diferente. No lugar do jornalismo emocional,

com interesses claros e objetivos, surge uma nova forma, antagônica, de fazer jornalismo. Um

modelo que vem até os dias de hoje.

5.1.2 “Correio do Povo”: Caldas Júnior e sua visão da imparcialidade

Propondo-se a ser imparcial, mas sem deixar de ter jogo de cintura político, Caldas Júnior

fundou em 1895 não apenas um novo jornal, mas um novo paradigma, ainda não visto no Rio

Grande do Sul.

Ao contrário de “A Federação”, o “Correio do Povo” não possuía, logo após o nome,

nenhuma ligação partidária, mas apenas sua intenção, contida na palavra “povo”, de estar ao lado

do interesse público e popular.

Caldas Júnior tinha o intuito de manter o jornal imparcial, informativo, sem os vícios

opinativos dos concorrentes. Além disso, tinha uma visão comercial e empresarial bem definida, com

muitos anúncios, e sendo até mesmo bastante criticado por isto.

O que importa para este trabalho é justamente a sua formal desvinculação partidária, que o

torna atraente para a análise proposta, embora o maior opositor de “A Federação” fosse o jornal

“A Reforma”, também partidário e órgão oficial, porém, dos chamados maragatos, por permitir

demonstrar as construções e subjetividades contidas no estudo de uma cobertura jornalística

partindo dos diferentes aspectos possíveis.

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5.2 A cobertura do caso

Cabe lembrar que “caso” é uma terminologia8 bastante recorrente já na imprensa da época,

que utiliza a palavra como referência sempre que vai retornar a um assunto que já foi notícia

anteriormente. Além de “caso”, usa-se “ecos” ou a cidade onde ocorreu o fato, ou outra próxima,

geralmente maior, ou capital, como referência. Ao ganhar destaque e uma demanda de cobertura,

novas informações recebem esta marca. Serve como uma cartola, fazendo, portanto, que o leitor

percebesse que a notícia daquele dia tratava-se de uma continuação, já que as editorias eram

separadas precariamente e a diagramação era confusa, com vários “joelhos”. Muitas vezes a matéria

continuava em outra página e em muitos casos não havia como identificar isto sem ler o jornal todo.

Esta é uma indicação de padrões de imprensa que já nos idos de 1930 se faziam presentes

no jornalismo, como forma de clarear e identificar as matérias para melhor acompanhamento do

público leitor. Os jornais tinham correspondentes no interior, fixos, que mandavam as informações

por telegrama. Talvez por isso costumavam publicar na íntegra telegramas e muitas vezes não

comentavam. Também caracteriza um estilo testemunhal, semelhante à linguagem de uma ata, mas

8 No jornalismo, caso é uma forma de tratar o acontecimento com princípio, meio e fim, apropriado à narração. Para Nilson

Lage (2001), caso está para fait-divers, como matéria jornalística que não se situa em campo de conhecimento preestabelecido. Sem classificação, mas válido por uma relação interior entre seus termos. Seu estudo mostra uma peculiaridade enquanto informação, dependendo, para sua compreensão, de situação (política, econômica ou artística). Lage explica que a informação é um acontecimento histórico, parte de uma narrativa, e que eventos políticos, econômicos ou artísticos se interligam e cada novo evento altera o quadro de situação, fazendo prever desdobramentos, já o fait-divers não depende de nada exterior. O que o torna interessante são contradições de vários tipos: fato e causa ou instrumento; notações que se juntam na mesma frase; violação de uma norma social e ignorância da causa ou agente – que, neste caso segundo ressalva, costuma ter êxito passageiro, salvo se atingem a notabilidade histórica decorrente de uma representação de tendências que estavam ocultas, se tornando casos. Entretanto, devo dizer também que entendo a definição de caso como o modo através do qual a produção jornalística singulariza a definição de um acontecimento cuja referência, assim especificada, serve para identificar como uma determinada informação passa a ser tratada na organização e na temporalidade das edições de um jornal.

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com expressões que demonstram a emotividade de como o repórter e a comunidade ao redor

receberam o fato. Acabava perdendo a objetividade, sendo prolixos, mas tentavam, com isso,

demonstrar que foram o mais imparciais possíveis, colocando os termos exatos das fontes.

Quanto às fontes, era muito comum recorrer a outras localidades. Ao buscar outras fontes,

às vezes voltavam demais no tempo, pois traziam noticias de capitais, como Rio de Janeiro e Buenos

Aires.

O número de páginas é variável. Em feriados como Natal e Ano Novo, os jornais não

circulavam, exceto a “A Federação”, que fazia aniversário em 1º de janeiro e por isso tinha edição

especial. Nos domingos, esta publicação também não circulava.

Durante a cobertura da invasão propriamente dita, não diz quem foi, mas admite que houve

brasileiros envolvidos, que houve investigação, mas foi secreta, reportando somente ao governo

federal, e que São Borja foi investigada. Havia uma grande preocupação em não criar incidente

diplomático. O jornalismo normalmente “toca fogo”, atiça. Em “A Federação”, por ser governo, é

possível verificar que procura resumir, tirar a importância, “apagar o incêndio”.

5.2.1 O caso em “A Federação”: minimizar ou espetacularizar?

Os jornais freqüentemente são acusados de espetacularizar os fatos ao noticiá-los, o que

não acontece, na cobertura jornalística do caso em “A Federação”. No primeiro dia, ao noticiar o

ocorrido, coloca toda a carga de emoção e inconformidade com as mortes, mas já no segundo dia

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procura minimizar para não provocar desconforto diplomático, por mais que ainda chocasse tudo o

que havia acontecido.

Como explicar, portanto, que algo tão chocante e marcante na sociedade local da época

fosse minimizado, senão por motivos políticos, quando coloca-se, após dizer que “perdura forte a

impressão” que, “entretanto”, nada pode “afetar as relações de amizade” entre os dois países? Além

disso, logo no terceiro dia dá o assunto por encerrado, dizendo que não ficou o “menor equívoco”

quanto ao que aconteceu e que ficou “reduzido” a um caso eminentemente policial, reconhecendo a

redução, portanto. É o que observaremos na cobertura dos acontecimentos realizada pelo jornal, e

também por este motivo, a decomposição dos fatos, que será feita cronologicamente jornal a jornal,

ficará, em vários e extensos períodos, sem registrar nenhuma notícia de “A Federação”.

Nos últimos dias do ano de 1933, há mais um agravante: o jornal anuncia que não haverá

circulação nos dias 30 e 31 para preparar a sua edição comemorativa de 50º aniversário,

simplesmente mudando a sua agenda passando a divulgar o que lhe é de interesse e subvertendo a

agenda pública, beneficiando a sua agenda própria, privada, como se este fosse o fato que pudesse

ocorrer de mais interessante, mesmo sendo uma folha vespertina e tendo tido tempo de tomar

conhecimento de tudo o que estava ocorrendo.

A primeira menção aos fatos de 29 de dezembro tem um tom de conhecimento público do

ocorrido, embora não tenha sido através dele que o público tomou conhecimento.

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5.2.2 O caso no “Correio do Povo”: para além do incidente

Bastante diferente de “A Federação”, o jornal não se contentou com os primeiros fatos

apurados nem se deixou influenciar pelo sentimentalismo, embora ele fosse latente.

A investigação continuou, culminando na entrevista do oficial encarregado de apurar os

fatos, publicada em detalhes, o que será perceptível na análise cronológica realizada diária e

simultaneamente nos dois jornais, quando somente o “Correio do Povo” terá feito registros em

diversos períodos.

O mesmo pode-se dizer da cobertura dos acontecimentos de 29 de dezembro. Apesar das

festas de fim de ano, o jornal publicou a repercussão do dia seguinte.

No entanto, ambos os jornais não conseguiram fazer a relação entre os fatos de outubro e

dezembro, tal a eficiência da família Vargas em não deixar a notícia vazar.

Vale lembrar, mais uma vez, a eficiência do jornal em continuar a apuração também no caso

de dezembro, ao tentar obter informações do oficial designado para investigar os acontecimentos, e

registrar que o oficial foi “primeiramente em São Borja”, e logo para as demais cidades, embora elas

apareçam mais na cobertura, e depois afirmar que a prestação de contas seria dada “somente ao

governo federal” e que por este motivo o jornal não pôde levar estas informações à sociedade. Esse

insucesso do jornal é relatado de maneira sarcástica, e a matéria é encerrada com reticências.

5.2.3 Desconstruindo o caso

Para conferir o processo de construção, é preciso desconstruir, conforme recomendação de

Mouillaud no capítulo teórico antes comentado. Assim, abaixo a transcrição dos textos, e

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reproduzindo a grafia da época e do jornal, pois há diferenças entre os dois, será realizada a análise,

por proximidade de dia, as matérias dos dois jornais, “A Federação” e “Correio do Povo”. Abaixo

de cada dia, segue o comentário analítico, primeiro por jornal, depois global, e ao final do capítulo,

uma nova conclusão com o apanhado geral da cobertura, retomando as análises feitas dia a dia e

relacionando-as na sua totalidade.

O número de dias de cobertura jornalística difere de um jornal para outro, fazendo com que,

em determinados períodos, somente seja possível comentar e analisar a cobertura do “Correio do

Povo”, visto que há espaços em que “A Federação” não cobriu os acontecimentos.

A Tabela 1 - Cobertura, logo abaixo, ilustra o número de dias em que o caso foi coberto a

cada um dos meses analisados:

PUBLICAÇÃO PERÍODO DIAS

SET 1933 0

OUT 1933 4

NOV 1933 0

DEZ 1933 0

“A Federação”

JAN 1934 5

SET 1933 0

OUT 1933 4

NOV 1933 2

DEZ 1933 4

“Correio do Povo”

JAN 1934 17

Tabela 1 – Cobertura

Em setembro, como já foi dito, nenhum dos jornais registra os acontecimentos, pois eles tem

início real em 16 de outubro de 1933, quando o primeiro incidente detona a cobertura jornalística.

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5.2.3.1 Importância nas páginas

A cobertura inicia com matérias e notas na primeira página, perdendo a importância à

medida que o tempo vai passando e o assunto vai “esfriando” ou é propositalmente minimizado,

como acaba acontecendo em “A Federação”, o que fica claro a partir desta análise.

Para melhor visualizar esta descrição, foi elaborado o seguinte quadro, de acordo com o

mês e a importância das páginas a cada período, lembrando que a última página é um espaço nobre,

já que é também bastante visível e que muitas vezes possui chamada na capa. Na época, costumava

ser uma continuação da capa.

O mesmo ocorre com as páginas 7 e 2 (onde recaem, normalmente, “telegramas” e

“noticiário”, não necessariamente nesta ordem, e eventualmente as “diversas”) no “Correio do

Povo”, por ser de onde provêm as notícias principalmente do interior do Rio Grande do Sul,

ficando, em geral, a primeira página para acontecimentos nacionais, internacionais, ou de grande

destaque.

Na Tabela 2 – Importância, a quantidade de registros em cada mês é descrita quanto ao

número da página – ou das páginas, no caso de mais de uma matéria na mesma edição –, seguindo a

lógica da Tabela 1.

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PUBLICAÇÃO PERÍODO PÁGINAS

SET 1933 -

OUT 1933 1, 1, 1, obit

NOV 1933 -

DEZ 1933 -

“A Federação”

JAN 1934 8, 1 e 8, 8, 2, 3 e 6

SET 1933 -

OUT 1933 16, 1 e 14, 16, 5

NOV 1933 7, 2

DEZ 1933 2, 8, 2, 14

“Correio do Povo”

JAN 1934 4, 1, 8, 1, 8, 2, 10, 2, 14, 1, 28, 1 e 7,

7, 7, 14, 7, 10

Tabela 2 – Importância

O número habitual, no total, de páginas de “A Federação” costumava ser de 8, e de 16, no

caso do “Correio do Povo”.

Esta não era uma regra, pois eventualmente aumentavam, especialmente nos fins de semana,

no caso do “Correio do Povo”, que acrescentava anúncios diversos, principalmente de cinema, que

tomavam páginas inteiras.

No entanto, edições especiais podiam fazer com que os jornais passassem a ter mais de 50

páginas, como no caso da edição comemorativa de “A Federação”, quando o jornal chegou a 80

páginas.

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5.2.3.2 Decompondo as estruturas

Para realizar a análise dos títulos e textos, a metodologia utilizada é a de transcrever, por

proximidade de dia, as matérias dos dois jornais, “A Federação” e “Correio do Povo”, com um

comentário sobre como foi a cobertura daquele dia/período.

Como introdução ao dia a ser analisado, proponho um título, que ao final do dia, justifico.

Após todos os dias terem sido analisados, procedo as análises dos conteúdos.

1º dia – Uma tragédia, uma ocorrência ou um incidente

A FEDERAÇÃO, POA, 16/10/1933

Primeira página, Topo

Chamada da capa, em negrito: RIO, 16 (A. B.) – Ao general Agustin P. Justo, presidente da nação Argentina e ao dr. Getulio Vargas, chefe do governo provisorio, foi comunicado, em telegrama conjunto, que a Câmara dos Senadores da Provincia de Buenos Aires, na sua sessão de 11 do corrente, resolveu pôr-se de pé, em homenagem aos Estados Unidos do Brasil, reafirmando, dessa maneira, os sentimentos de amizade que animam a Republica Argentina, saudando os povos irmãos na pessoa de seus dois dignos presidentes.

Assinam essa mensagem os srs. Raul Dias e Walter Elena, respetivamente, presidente e secretario da Camara de Senadores da Provincia de Buenos Aires

Primeira página, 2 colunas

Manchete, em negrito e caixa alta: UMA DOLOROSA OCORRENCIA ENLUTOU, ONTEM, A SOCIEDADE SAMBORGENSE

Subtítulo 1, em negrito: Marinheiros argentinos matam a tiros dois jovens brasileiros que, em uma lancha aportavam á cidade de Santo Tomé

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Subtítulo 2, em negrito e caixa alta: NÃO SE SABE A QUE ATRIBUIR TÃO ESTRANHA E VIOLENTA ATITUDE

S. BORJA, 15 – Hoje quando aportavam á cidade Argentina de Santo Tomé, em uma lancha, diversas pessoas da nossa melhor sociedade foram recebidas a bala pela força de marinha que monta guarda ao porto da visinha localidade.

Os marinheiros argentinos, por motivo que ninguém até agora sabe atribuir, descarregaram suas armas contra a embarcação brasileira, resultando de ter sido morto o juiz distrital Ary Mesquita Vargas, filho do dr. Protazio Vargas.

Os passageiros da lancha, entre os quais figurava o tenente-coronel Benjamim Vargas, iam a Santo Tomé para tratar de assuntos esportivos.

A dolorosa ocorrência produziu profunda impressão no espirito publico.

S. BORJA, 16 – Faleceu o joven Odon Sarmanho Mota, vitima do tiroteio dos marinheiros argentinos.

S. BORJA, 16 – Ontem, quando desembarcavam no porto de Santo Tomé, Republica Argentina, onde iam tratar de assuntos desportivos, o coronel Benjamin Vargas, dr. Pery Balbao, Dinarte Dornelles, Ari Vargas, Sadi Mota e Odon Mota, foram insolitamente recebidos a bala pela marinha da referida cidade, resultando a morte de Ari Vargas, juiz distrital deste municipio e filho do dr. Protasio Vargas, de Odon Mota e do condutor da lancha.

Esse fato ecoou dolorosamente nesta cidade, dada a estima em que eram tidos os jovens Ari e Odon.

Não se sabe a que atribuir a violenta atitude da marinha da cidade visinha.

BUENOS AIRES, 16 (A. B.) – Comunicam de Santo Tomé, na fronteira do Brasil, que ontem, naquela localidade, a policia maritima, mal informada sobre o desembarque de pessoas procedentes de S.

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Borja, fez fogo contra uma embarcação que procurava atracar na fronteira Argentina.

Em consequencia, foram mortos o acadêmico de Direito riograndense Ary Mesquita Vargas, juiz distrital de São Borja, e Odon SartmanhO Motta, que se dirigiam para Santo Tomé, juntamente com vários amigos em missão esportiva.

O academica Ary Vargas é sobrinho do sr. Getulio Vargas, e o sr. Odon Sarmanho Motta é sobrinho da sra. Darcy Sarmanho Vargas.

O fato teve profunda repercussão nesta capital, tendo o governo tomado as necessarias providencias para esclarecer o acontecimento.

Uma das características que irá se repetir na maioria das matérias é a fonte da agência de

notícias, hoje nem sempre divulgada, entre parênteses, após a cidade de origem da informação,

como aqui, em RIO, 16 (A. B.) e BUENOS AIRES, 16 (A. B.). Em “A Federação”,

primeiramente, pode-se notar a descrição da modalidade de divulgação quando a chamada fala em

telegrama conjunto, e inicia a característica de descrever a cena totalmente ao referir pôr-se de

pé.

A matéria principal de “A Federação” inicia com um apelo emocional ao afirmar que uma

ocorrência dolorosa – e chame-se a atenção para o termo ocorrência – enlutou, ou seja,

promoveu o luto e a comoção, a sociedade da cidade de São Borja, e inicia um julgamento ao

afirmar que não se sabe a que atribuir tão estranha e violenta atitude . Tudo isto em meio à

visita oficial do presidente argentino ao Brasil, citada em matéria de capa com grande destaque.

No entanto, embora não se saiba a que atribuir, isto por ainda não haver informações

suficientes, já afirma que os rapazes foram tratar de assuntos esportivos.

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Ao mencionar a sociedade e os parentescos das vítimas, colocando os dois jovens como

principais, embora não fossem os únicos mortos, o jornal denuncia uma celebrização dos

envolvidos, que são parentes do chefe do governo provisório, Getúlio Vargas. Esta intenção é clara

ao mencionar que pessoas da sua melhor sociedade foram recebidas à bala. O motorista da

lancha, por exemplo, é colocado em segundo plano.

Reafirma com intensidade o julgamento da violenta atitude ao utilizar o termo insolitamente

e dolorosamente, ao adverbializar a narrativa.

O jornal também destaca a importância de uma fonte indeterminada ao dizer que

comunicam de Santo Tomé , sem dizer quem comunica, dando destaque para o anônimo. Outra

característica que irá se repetir nos jornais da época, tanto em “A Federação” como no “Correio

do Povo”, é o registro de diversas entradas, como se várias pessoas narrassem o mesmo

acontecimento, e todas fossem publicadas, sem a preocupação do jornal em unificar estas versões,

vindas de correspondentes, via telegrama, das cidades próximas ou onde aconteceu efetivamente o

fato noticiado.

Uma destas cidades é exatamente Buenos Aires, por ser a capital do país vizinho, que

aparecerá constantemente na cobertura de ambos os jornais, e que demonstra claramente a

preocupação com a repercussão diplomática dos acontecimentos, como nesta primeira matéria, ao

referir que o fato teve profunda repercussão nesta capital e que o governo tomou as

necessárias providências para esclarecê-lo.

CORREIO DO POVO, POA, 17/10/1933

p. 16 (última), 3 colunas centrais das 9 totais, 2 fotos

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Manchete, em negrito: Uma occorrencia tragica e inesperada enche de consternação a cidade de São Borja

Subtítulo 1: Na noite de domingo ultimo, quando se dirigiam a cidade argentina de S. Thomé, afim de assistir ao cinema, diversas pessoas são alvejadas por um destacamento da marinha daquelle paiz

Subtítulo 2: Attingidos pelas successivas descargas, vieram a fallecer os jovens, Ary Mesquita Vargas e Odon Sarmanho Motta, sobrinhos do chefo do Governo Provisorio

SÃO BORJA, 16 – Na noite de hontem esta cidade foi abalada por um facto doloroso que impressionou fundamente a população.

Alguns jovens, juntamente com diversas pessoas de representação daqui, tendo seguido para a visinha cidade argentina de Santo Thomé, com o fim de assistir uma funcção cinematográfica, foram recebidos a bala pelo destacamento da marinha argentina da guarda naquelle porto. Foram mortos os jovens Ary Mesquita Vargas, juiz distrital desta cidade e Odon Sarmanho Motta, funccionário do Archivo Publico.

PORMENORES DO FATO

SÃO BORJA, 16 – A cidade está sob a forte impressão dos trágicos acontecimentos occorridos hontem á noite.

Confórme communicamos, diversas pessoas desta cidade, seguiram, cerca das 20 horas de hontem, para Santo Thomé, cidade argentina, fronteira a São Borja, na outra margem do rio Uruguay, com o fim de assistir, ali, a exibição de um film sonóro num cinema que fôra inaugurado sabbado ultimo. Para isso haviam solicitado previamente ás autoridades maritimas argentinas permissão para entrar e sahir naquelle porto á noite, o que lhes foi concedido. Entretanto, os excursionistas, em número de doze, ao desembarcarem da gazolina que os conduzira até ali, foram recebidos com successivas descargas de armas de guerra, disparadas pelo destacamento da marinha argentina de guarda ao porto.

Morreram, em consequencia, o joven academico de direito Ary Mesquita de Vargas, filho do dr. Protasio Vargas e sobrinho do chefe do governo provisorio e o joven Odon Sarmanho Motta, filho do sr. Priandro Motta e sobrinho da exma. sra. d. Darcy Sarmanho Vargas.

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A lancha que os conduziu, ao atracar no local, incendiou-se completamente devido ter explodido o motor, perecendo carbonizado o seu proprietario, sr. Jorge Rosenberg. As demais pessoas salvaram-se milagrosamente, jogando-se á agua.

O joven Ary foi em seguida recolhido por seus companheiros que o trouxeram para esta cidade. O corpo de Odon sómente esta tarde foi mandado buscar, pois com a confusão de regresso só em viagem foi notada a sua falta.

Ambos os jovens são filhos de tradicionais familias daqui e o seu tragico desapparecimento causou intensa magua.

A COMMUNICAÇÃO OFFICIAL

Sobre o occorrido, o general Flores da Cunha, interventor federal, neste Estado, recebeu do sr. Cleto Azambuja, prefeito daquelle municipio, o seguinte phonograma:

“Gal. Flores da Cunha, interventor federal – Palegre – Urgente. – De São Borja, 16-10-933 (10 horas).

Communico v. excia. hontem um grupo de pessoas de destaque social, com prévia licença autoridades argentinas de Santo Thomé, concedida intermedio nosso consul, foram áquella cidade á noite afim assistirem uma funcção cinema sonóro.

Chegados áquelle porto pelas vinte horas, foram recebidos pela guarda do porto com successivas descargas de “Mauser”, resultando a morte do academico Ary Mesquita Vargas, juiz districtal, nesta cidade, Odon Sarmanho Motta, funccionario do Archivo Publico, e Jorge Rosembeck, proprietario da lancha. Nada justifica tão innominavel attentado que causou profunda revolta seio população este municipio. Saudações. – Cleto Azambuja, prefeito.”

A REPERCUSSÃO EM BUENOS AIRES

BUENOS AIRES, 16 (A.B.) – Communicam de Santho Thomé, na fronteira do Brasil, que hontem, naquella localidade, a polícia maritima, mal informada sobre o desembarque de pessoas

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procedentes de S. Borja fez fogo contra uma embarcação que procurava atracar na fronteira argentina. Em sequencia, foram mortos o academico de Direito Ary Mesquita Vargas, juiz districtal de S. Borja, e Odon Sarmanho Motta, que se dirigiam para Santo Thomé, juntamente com varios amigos em missão sportiva. O academico Ary Vargas é sobrinho do sr. Getulio Vargas, e o sr. Odon Sarmanho Motta é sobrinho da sra. Darcy Sarmanho Vargas.

O facto teve profunda repercussão nesta capital, tendo o governo tomado as necessarias providencias para esclarecer o acontecimento.

N. da R. – Os tragicos acontecimentos occorridos domingo ultimo em São Borja tiveram forte e dolorosa repercussão nesta capital, onde os dois jovens, ora desapparecidos em circumstancias tão inesperadas, mantinham um largo circulo de amizades.

O joven Ary Mesquita de Vargas era natural de Porto Alegre, tendo nascido a 27 de setembro de 1910 e cursava o terceiro anno da Faculdade de Direito.

Era muito conhecido e estimado nos meios academicos, sendo a sua morte recebida com profunda magua.

Seu progenitor, o dr. Protasio Dornelles Vargas, que se encontrava no Rio de Janeiro, chegou, hontem, a esta capital pelo vapor “Itaimbé”, tendo, aqui, conhecimento da triste occorrencia.

Era o joven extincto, sobrinho do sr. Getulio Vargas, chefe do governo provisorio e occupava actualmente o cargo de juiz districtal em São Borja.

O joven Odon Sarmanho Motta era terceiro official do Archivo Publico desta capital e se encontrava na cidade de São Borja em visita á sua família.

Ao tempo da revolução de São Paulo seguiu com o 14º Corpo Auxiliar, de São Borja, tendo sido ferido no Combate do Eleutherio.

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O “Correio do Povo” também inicia a cobertura com a idéia de tragédia, ao falar em

ocorrência trágica e inesperada e dar um motivo para a ida da comitiva a Santo Tomé: assistir

ao cinema.

A celebrização também acontece aqui, pois não são pessoas comuns, ao chamar de jovens

e sobrinhos do chefe do Governo Provisório os mortos, omitindo neste momento que havia mais

uma vítima, o condutor da lancha. Acrescenta, a seguir, a afirmação de que tratavam-se de pessoas

de representação daqui, como se, caso não o fossem, tivessem menos importância.

A forte impressão sob a qual está a cidade, está, portanto, diretamente relacionada a

terem sido mortos os jovens . Em pormenores do fato, o jornal procura explicar o que aconteceu,

justificando que havia sido solicitado previamente às autoridades marítimas argentinas a

permissão para entrar e sair do porto à noite, e que haviam recebido esta permissão. No entanto, o

jornal acrescenta que a comitiva foi recebida com sucessivas descargas de armas de guerra. Ao

encerrar o detalhamento afirmando que os jovens eram filhos de tradicionais famílias daqui e que

seu desaparecimento havia sido trágico, revela a mágoa da população local, e parte para a

comunicação oficial do ocorrido.

Nesta comunicação, assinada pelo prefeito de São Borja àquela época, Cleto Azambuja,

através de fonograma, a qual aparentemente o jornal publica na íntegra, o próprio prefeito também

se refere ao grupo como um grupo de pessoas de destaque social, com prévia licença e que

teriam ido a Santo Tomé para assistirem uma função cinema sonoro. Relata ainda que foram

recebidos com descargas que resultaram nas mortes e acrescenta que nada justifica tão

inominável atentado que causou profunda revolta na população.

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Ao referir-se à repercussão em Buenos Aires, reproduz exatamente a frase utilizada em “A

Federação”: “O facto teve profunda repercussão nesta capital, tendo o governo tomado as

necessarias providencias para esclarecer o acontecimento.”

O que difere principalmente nesta primeira edição, é a inclusão, por parte do “Correio do

Povo”, de uma nota da redação do jornal, que reforça o largo círculo de amizades do qual fazia

parte o grupo, e faz novas referências às famílias dos envolvidos e do cargo que ocupavam na

sociedade.

No final da nota, acrescenta, sobre a vítima Odon Motta: Ao tempo da revolução de São

Paulo seguiu com o 14º Corpo Auxiliar, de São Borja, o mesmo regimento suspeito de

participar da invasão de dezembro.

Embora seja importante lembrar que “A Federação” tinha menos páginas que o “Correio

do Povo”, um acontecimento com este vulto, envolvendo pessoas tão consideradas pela sociedade,

como ambos os jornais fizeram questão de alardear, inclusive com participação política e militar,

torna estranho o comportamento de “A Federação” no segundo dia de cobertura.

O título “Uma tragédia, uma ocorrência ou um incidente” reforça a idéia da quantidade de

denominações que o acontecimento recebeu.

2º dia – Do mínimo ao máximo

A FEDERAÇÃO, 18/10/1933

Primeira página, Topo

Chamada da capa, em negrito e caixa alta: RIO, 18 (A. B.) – PERDURA FORTE A IMPRESSÃO CAUSADA PELOS ACONTECIMENTOS DE

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S. BORJA. OS JORNAIS ACENTUAM, ENTRETANTO, QUE OS MESMOS NÃO PODEM AFETAR AS RELAÇÕES DE AMIZADE ENTRE A ARGENTINA E O BRASIL

Primeira página, Centro

Chamada, em negrito: A Argentina explicará, por seu embaixador no Rio, as causas do incidente de S. Tomé

BUENOS AIRES, 19 (União) – O governo argentino fornecerá informações sobre o incidente de São Tomé ao governo brasileiro. O presidente interino, sr. Julio Rosa determinou que o embaixador argentino no Rio apresente ao governo brasileiro as causas do incidente.

O jornal “A Federação”, ao dizer que perdura forte a impressão causada pelos

acontecimentos de São Borja, contradiz-se ao afirmar que os jornais – sem dizer quais –

acentuam que esses acontecimentos não podem afetar as relações de amizade entre

Argentina e Brasil, diminuindo a importância de um acontecimento que em linhas acima dizia que a

impressão havia sido marcante, mesmo na capital federal, à época, o Rio de Janeiro. Logo abaixo,

uma chamada diz que a Argentina explicará as causas do incidente por meio de seu embaixador.

CORREIO DO POVO, 18/10/1933.

Primeira página, 6ª e 7ª colunas, do centro para a direita

Nota

COMO REPERCUTIU, NO RIO, A OCCORRENCIA DE SÃO BORJA

RIO, 17 (C.P.) – Causou enorme sorpreza e grande pezar, principalmente nas rodas rio-grandenses a noticia dahi, sobre a tristissima occorrencia com excursionistas brasileiros ao atravessarem o Rio Uruguay, na fronteira da Argentina, em São Borja, na qual morreram dois sobrinhos do sr. Getulio Vargas.

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Não ha, por emquanto, detalhes esclarecedores para a imprensa mas a convicção geral é que foi tudo resultado dum lamentavel equivoco.

p. 14 (última), 3 colunas de 9, lateral, do centro para a direita

Manchete, em negrito: Os tragicos acontecimentos de São Borja

Subtítulo 1: Com o acompanhamento de quasi toda a população samborjense, effectuou-se o sepultamento das victimas da triste occorrencia

Subtítulo 2: O embaixador argentino no Rio de Janeiro conferenciou a respeito do facto, com o chefe do Governo Provisorio

SÃO BORJA, 17 – Com o comparecimento da quasi totalidade da população local, realizou-se hontem, os enterros dos inditosos jovens Odon Sarmanho Motta e o academico Ary Mesquita Vargas.

Unidos os respectivos cortejos funebres na igreja matriz local, onde receberam, os corpos, a encommendação, formou-se, ali, um cortejo e foram conduzidos a mão até o semiterio.

O primeiro foi inhumado no jazigo da familia Sarmanho Motta e o segundo no da família Vargas.

No cemiterio apresentou despedidas a Ary em nome dos funccionarios da Justiça e da população, o dr. Dionysio Lima Odon, o dr. Abadé Ayube, promotor público.

Varios foram os carros que conduziram corôas e flôres.

Effectuou-se, tambem na fesma hora, no cemiterio do Passo, o enterramento do proprietario da lancha, Jorge Rosenberg, com numeroso acompanhamento da população dali.

A população está ainda sob a impressão do doloroso e inesperado acontecimento.

O EMBAIXADOR ARGENTINO COM O SR. GETULIO VARGAS

RIO, 17 (C.P.) – O sr. Ramon Carcano, embaixador argentino, conferenciou longamente com o sr. Getulio Vargas, agora á tarde.

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Foram objeto dessa conferencia os acontecimentos verificados na fronteira.

RIO, 17 (A.B.) – Os acontecimentos de Santo Thomé foram conhecidos por aqui com a leitura dos vespertinos, produzindo profundo pezar.

O embaixador Ramon Carcano conferenciou longamente com o sr. Getulio Vargas a proposito, tendo recebido instrucções especiais do Presidente Justo para apresentar condolencias ao sr. Getulio Vargas e bem assim as escusas do governo argento.

BUENOS AIRES, 17 (A.B.) – O embaixador José Bonifacio compareceu, esta tarde, ao Ministerio do Exterior, onde conferenciou com o actual encarregado da pasta, dr. Leopoldo Mello, sobre os lamentaveis acontecimentos de São Tomé, determinando immediatas providencias para esclarecer o facto e punir severamente os culpados.

Os circulos argentinos accentuam tratar-se de um caso pessoal, de rivalidades locaes entre brasileiros, não podendo, por isso, o lamentavel acontecimento incluir nas relações amistosas entre o Brasil e a Argentina, agora de si mais intimos e cordiaes por motivo da viagem do presidente Justo e da assinatura dos tratados que a celebrisaram.

O capitão do porto de Santo Thomé recebeu ordens severas para abrir inquerito a respeito esperando-se que a cada momento tenha os esclarecimentos positivos sobre os successos de domingo, naquela cidade argentina.

O assunto do dia era que o presidente argentino estava se retirando do Brasil, não se sabe

até que ponto motivado por tão constrangedores motivos, mas o fato é que este era um

inconveniente a apartar.

O jornal continua com a repercussão da ocorrência no Rio de Janeiro, capital do país,

informando que lá ouve grande surpresa e pezar, principalmente nas rodas de gaúchos, do que

cataloga como tristíssima ocorrência, em uma adjetivação clara. Apezar disto, acrescenta que

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não há, por enquanto, detalhes esclarecedores para a imprensa, mas que há uma convicção

geral, que não se sabe de quem é, de que tudo foi um lamentável equívoco.

Na segunda matéria, na última página (p. 14), o jornal narra a comoção pública ao afirmar

que quase toda a população/quase totalidade participou do sepultamento e do cortejo fúnebre

das duas principais vítimas.

O terceiro, o proprietário da lancha, fica em segundo plano, e é inclusive sepultado em um

cemitério mais simples, com numeroso acompanhamento da população dali, o que, para situar o

leitor, refere-se ao bairro Passo, até hoje o mais humilde da cidade.

Após informar que os jovens foram enterrados nos jazigos de suas famílias, que vários

carros conduziram coroas e flores, deve-se lembrar que o fato gerou uma conferência do

embaixador argentino com o chefe do Governo Provisório, onde, deve-se ressaltar, conferenciar,

assim como palestrar, tem um caráter significativo igual ao de conversar, e não de um evento

próprio, como poderia-se pensar hoje, ao ler-se este mesmo termo. No entanto, é um movimento

do embaixador com o presidente, em caráter diplomático. Esse encontro tem nova ênfase quando,

do Rio de Janeiro, o correspondente informa que o embaixador conferenciou longamente com o

presidente, por ter recebido instruções especiais do presidente argentino para apresentar

condolências e escusas do governo argentino.

Apesar disto, de Buenos Aires, as informações são menos amigáveis. O embaixador

brasileiro conferenciou com o ministro argentino sobre os lamentáveis (novamente) acontecimentos

de São Tomé, determinando imediatas providências e punir severamente os culpados. Mas o

repórter denuncia que círculos argentinos acentuam tratar-se de um caso pessoal, de

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rivalidades, e por este motivo, aí, sim, não poderia ser tratado como algo que abalasse as

relações amistosas entre os governos, segundo ele próprio, agora mais íntimos e cordiais

devido à viagem do presidente argentino. Ou seja, há uma oposição entre o que pensam “os círculos

argentinos”, que não são devidamente nominados, e a versão oficial, de simples engano, equívoco,

até então não contestado.

Diz-se “até então” porque neste momento o jornal informa que as autoridades argentinas

receberam severas ordens para abrir inquérito a respeito e esperando encontrar

esclarecimentos sobre tudo o que de fato ocorrera.

As versões, portanto, indicam que, embora não houvesse esclarecimentos suficientes para

fazer qualquer julgamento, havia uma pressa em acalmar a opinião pública quanto aos motivos pelos

quais um ato violento como aquele ocorrera. Como pode-se afirmar os motivos e minimizar os

acontecimentos, se logo após se reconhece que não há informações suficientes, necessitando de um

inquérito?

Por fim, “Do mínimo ao máximo” salienta estas diferenças na cobertura de “A Federação” e

do “Correio do Povo”, onde o primeiro ressalta a necessidade de não afetar as relações entre

Brasil e Argentina, e o segundo, embora reconheça que não haviam detalhes esclarecedores

suficientes, justamente por considerar uma tragédia que afetou a sociedade, procura mais

informações.

3º dia – Afirmando o inafirmável

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A FEDERAÇÃO, 19/10/1933

Primeira página, Topo

Chamada da capa, em negrito, caixa alta: BUENOS AIRES, 19 (UNIÃO) – ASSEGURA-SE QUE O TRISTE E DESAGRADAVEL EPISODIO DE SÃO TOMÉ FICARÁ REDUZIDO A UM CASO EMINENTEMENTE POLICIAL, POIS O MESMO FICOU ESCLARECIDO EM TERMOS SATISFATORIOS AO GOVERNO BRASILEIRO, NÃO FICANDO O MENOR EQUIVOCO CAPAZ DE SUSCITAR DUVIDAS E RECEIOS QUE POSSAM MELINDRAR OS SENTIMENTOS EXISTENTES ENTRE A ARGENTINA E O BRASIL

Como a própria matéria admite, o episódio, não mais um acontecimento, nem uma

ocorrência, mas algo que parece que terá uma continuação, ficou reduzido, pelo menos de acordo

com “A Federação”, a um caso eminentemente policial. E, embora, quanto aos motivos tenha

sempre sido repetido que não se sabia o motivo, de repente fica esclarecido em termos

satisfatórios, talvez tenha ficado ao governo brasileiro, mas não à sociedade. O jornal faz

questão de afirmar que não fica o menor equívoco que possa suscitar dúvidas e receios e que

possam melindrar os sentimentos entre os países, procurando descaracterizar qualquer

possibilidade de transtorno e desconforto diplomático, passando a ser “apenas” um caso.

CORREIO DO POVO, 19/10/1933

p. 16 (última), 3 colunas, no topo e no centro

Manchete, em negrito: Os acontecimentos do porto de S. Thomé

Subtítulo 1: PARA ABRIR INQUÉRITO, SEGUIU, HONTEM, PARA S. BORJA O DR. DARIO CRESPO, CHEFE DE POLÍCIA DESTE ESTADO

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Subtítulo 2: O GOVERNO ARGENTINO TAMBÉM ESTÁ TOMANDO IDENTICAS PROVIDENCIAS

Pela gravidade e repercussão que tiveram os acontecimentos do porto de São Thomé, onde, domingo ultimo, tombaram alvejados a bala, pelos marinheiros da aduana argentina, ali destacados, os srs. Ary Mesquita Vargas e Odon Sarmanho Motta, sobrinhos do sr. Getulio Vargas, chefe do governo provisorio, as autoridades tanto do nosso paiz como da Argentina, estão tomando providencias para esclarecer devidamente a causa de tão lamentavel occorrencia.

Para isso, o interventor federal designou o dr. Dario Crespo, chefe de policia deste estado, para presidir ao inquerito já aberto na cidade de S. Borja, onde residiam aquelles infortunados moços.

Afim de auxiliarem o dr. Dario Crespo na sua acção, que hontem seguiu no nocturno para aquella cidade, acompanham-no o dr. Oscar Daudt, 1º delegado auxiliar e alguns funcionários da Chefatura.

AS PROVIDENCIAS DO GOVERNO ARGENTINO

BUENOS AYRES, 18 (A.B.) – O Ministro do Interior annunciou que será publicado ainda hoje um communicado official sobre o incidente de São Thomé.

Ao mesmo tempo, o vice-presidente, Julio Rocca, que acha actualmente no exercicio da presidencia da Republica, manifestou ao embaixador do Brasil o profundo pesar da Argentina pelo incidente.

BUENOS AYRES, 18 (A.B.) – Os jornais continuam a tratar do caso de São Thomé, informando que ao Ministro do Exterior foram dadas severas ordens para apurar o acontecimento.

Uma pessoa da embaixada brasileira declarou á imprensa que o incidente não affectará as boas relações entre o Brasil e a Argentina, cuja sinceridade ficou accentuada na recente viagem do general Justo.

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Diferentemente do jornal “A Federação”, o “Correio do Povo” abre a matéria informando

que, da mesma forma com que afirma que as autoridades argentinas abririam inquérito policial,

também o governo brasileiro tomou a mesma providência, baseado na agora acentuada gravidade

e repercussão que tiveram os acontecimentos. Fica claro que apesar de todas as tentativas de

acalmar a opinião pública, a morte destas pessoas celebrizadas teve uma repercussão

suficientemente grande para demandar a abertura de um inquérito, embora fosse politicamente mais

interessante deixar o assunto morrer sozinho. Tanto assim é que o jornal afirma que os governos

estão tomando providências para esclarecer devidamente as suas causas. A importância é

renovada ao afirmar que o designado foi o chefe de política do estado, que seguiu naquele mesmo

dia para a cidade.

Em uma segunda parte, dá nova ênfase às providências argentinas, informando de Buenos

Aires que o ministro do Exterior publicaria naquela data um comunicado oficial sobre o incidente,

e reafirma que foram dadas severas ordens para apurar o acontecimento. Apesar de dar todas

estas satisfações ao leitor, de que estão sendo tomadas providências com seriedade sobre o

ocorrido, relata que uma fonte do governo – uma pessoa da embaixada brasileira – havia

declarado que o incidente não afetaria as boas relações entre os países, acentuada com a visita

do presidente argentino.

Com este encerramento, as duas versões informam que as relações não deverão ser

afetadas, mas o “Correio do Povo” acrescenta a informação do inquérito brasileiro, ao passo que

“A Federação” faz papel de juiz, “Afirmando o inafirmável”, ao dizer que não restava o menor

equívoco.

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Desta forma, o jornal dá o caso por encerrado, só retomando em seu obituário, quando

noticia a missa de sétimo dia das vítimas, e, talvez inconscientemente, apesar de ter afirmado que

não havia transtorno diplomático, a população não havia esquecido nem diminuído a mágoa.

4º dia – Aumentam as diferenças

A FEDERAÇÃO, 23/10/1933

Obituário, no topo

Negrito, caixa alta: NECROLOGIA

Negrito: Ary Mesquita Vargas

Perdura no espirito publico a grande magua causada pelo tragico fim que tiveram, na cidade de São Tomé três cidadãos brasileiros, sendo dois sobrinhos do exmo. sr. dr. Getulio Vargas, chefe do Governo Provisorio da Republica.

Um destes, como se sabe, era o acadêmico Ary Mesquita Vargas, filho do nosso ilustre amigo dr. Protasio Vargas, e que, nesta capital, pertencera a oficialidade do 6.º Batalhão de Reserva da Brigada Militar.

Esta unidade, reverenciando a memória do seu ex-oficial, que ali deixou a mais grata lembrança e fortes amizades em razão de sua conduta exemplar, mandou celebrar ontem, na igreja do Menino Deus missa por sua alma.

A ese ato de religião que teve inicio ás 8 horas, compareceu grande numero de pessoas, notando-se a presença do general Flores da Cunha, interventor federal do Estado e seu assistente militar, major Guasque de mesquita, coronel Canabarro Cunha, comandante geral da Brigada Militar e seus ajudantes de ordens; dr. Spartaco Vargas, representante do dr. Protasio Vargas, toda a oficialidade e praças do 6.º B.R., cavalheiros e muitas familias.

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- Com a mesma intenção, o tenente-coronel Alfredo Frederico de Mesquita e sua exma. familia mandaram celebrar ontem, ás 7 horas, missa na igreja de Nossa Senhora da Conceição.

O templo, como aconteceu na outra cerimonia, estava repleto de pessoas.

Embora o jornal tenha tentado diminuir a importância dos fatos em sua edição de 19 de

outubro, a grande mágoa que perdura no espírito público denuncia que existia mais sentimentos

por trás do processo do que o jornal procurava demonstrar.

Novamente, o redator fala em tragédia e na origem das vítimas, do quanto eram ilustres e

ainda o são suas famílias, refletida também nas presenças à missa de sétimo dia, a citar, o general

Flores da Cunha, interventor federal do Estado, entre outras autoridades presentes.

CORREIO DO POVO, 26/10/1933

p. 5, nas 3 primeiras colunas da esquerda para a direita, sendo 1 na altura toda do jornal e 2 cobrindo quase a primeira metade

Manchete, em negrito: Os acontecimentos do porto de S. Thomé

Subtítulo 1: Entrevistado pelo correspondente do “Correio do Povo” em Uruguayana, o dr. Dario Crespo fala sobre a missão que o levou a São Borja

Subtítulo 2: Um resumo do que ficou apurado no inquerito procedido pelo chefe de polícia

URUGUAYANA, 24 (Do nosso correspondente) – Desde hontem á noite, acha-se aqui o dr. Dario Crespo, chefe de polícia do Estado, procedente de São Borja, aonde fôra abrir inquerito sobre o conflicto ocorrido no dia 15 do corrente entre brasileiros e autoridades argentinas no porto de Santo Alome.

Tendo o facto sido noticiado pela imprensa brasileira e argentina e despertado a curiosidade da opinião pública, existe como é natural,

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anciedade em se conhecer o resultado do inquerito que a mais alta autoridade policial do Estado ali foi proceder.

Fomos hoje, á presença do dr. Dario Crespo, em nome do “Correio do Povo”, pedir-lhe informações sobre a sua missão.

Recebendo nos attenciosamente, fez um resumo do que apurou para esclarecer a verdade do facto.

Começou dizendo que a lamentavel tragedia tinha sido commentada pelos jornais de diversas maneiras, sendo que alguns procuraram cercar o acontecimento de circumstancias mais graves. Por isso fôra a São Borja, animado pelo desejo de esclarecer perfeitamente a origem e as razões do conflicto, onde perderam vida elementos destacados da sociedade sãoborjense.

De início, antes de abordar os pormentores, disse s.s. que estava firmemente convencido de que havia esclarecido, em todas as suas minúncias, a dolorosa tragedia, que assim nos resumiu e que procuramos transmitir ao “Correio do Povo” com a maior fidelidade:

“O coronel Benjamim Vargas, que é commandante do Corpo Provisório de São Borja, Odon Motta, Ary Vargas, o dr. Dinarte Dornelles e Pery Balbe, combinaram ir, domingo, 15 do corrente, assistir uma funcção de cinema falado em Santo Thomé e não a inauguração do cinema, pois este já havia sido inaugurado.

Antes, porém, pediram ao sr. Lucio Schiavo, consul do Brasil em Santo Thomé que obtivesse a licença necessaria pois deveriam chegar á noite e sahir depois da funcção, o que foi concedido pelas autoridades argentinas. Chegando á Santo Thomé ás primeiras horas da noite, encontraram a lancha conduzida por Juan Josenberg e um ajudante, junto a uma das balsas ali existentes. Nessa occasião as autoridades do Porto focaram um projector sobre a lancha. O primeiro que saltou, em terra, foi o joven Odon Motta, seguindo-se o coronel Benjamim Vargas, que estava fardado, emquanto Ary e Dinarte se preparavam para fazer o mesmo. Odon Motta, foi, em seguida, abordado por um marinheiro que quiz revistal-o, perguntando se trazia armas. Odon respondeu que tinham licença para vir á cidade e o coronel Benjamim que vinha mais atraz, approximando-se, declarou que iriam a sub-Prefeutura dizendo quem eram e que ali se entenderiam. O marinheiro insistiou em desarmá-los,

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levando a mão á cintura. Nesta altura o coronel Benjamim Vargas alvejou-o no rosto, cahindo o marinheiro, por terra.

Immediatamente apos este incidente, os brasileiros recebem uma descarga das autoridades argentinas as quaes matam Odon Motta, Ary Vargas e o lancheiro Rosemberg.

Por receber a primeira carga, Benjamim recolhe-se á lancha, lembrando-se, então, que possuia um fuzil metralhadora. Carrega-o apressadamente disparando contra as autoridades do Porto.

Nesta altura, o chefe de polícia, abrindo um parenthesis, diz-nos que mais adeante explicaria a razão da existencia do fuzil metralhadora na lancha. Em seguida a lancha se fez ao Largo. Dos cinco passageiros e mais o lancheiro e seu ajudante, ficou morto, no porto de Santo Thomé, Odon Motta, e, na lancha, também mortos, o joven Ary Vargas e o lancheiro Rosenberg.

A lancha foi conduzida pelo ajudante do lancheiro, sendo a travessia muito arriscada, porque a embarcação e o motor haviam sido attingidos pelas balas.

Após a chegada no porto brasileiro, antes ainda que fosse retirado o cadaver do lancheiro, verificou-se uma explosão na lancha, ficando completamente carbonizado o cadaver de Rosenberg.

O chefe de policia doz-nos que os jornaes commentaram que haviam sido feita uma intimação para a entrega, pelas autoridades argentinas, do cadaver de Odon Motta e que procurára syndicar bem este assumpto, ouvindo o proprio intermediario, sr. Jorge Teran, argentino e filho de Santo Thomé, residente em São Borja e pessôa muito relacionada nas duas cidades. Este declarou em seu interrogatorio que na noite do facto fôra procurado em sua residencia por pessoas da sociedade sãoborjense, que lhe pediram fosse a Santo Thomé trazer o cadaver de Odon Motta que havia ficado no porto dessa cidade, em virtude de um conflicto ali verificado.

Que em companhia de seu filho dirigiu-se para a lancha, saltando no porto de Formigueiro, distante uma legua da cidade de Santo Thomé e dali foi em seu automóvel.

Entendeu-se com as autoridades argentinas, explicando a finalidade de sua presença. Estas demonstraram relutancia em entregar o

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cadaver, pedindo instrucções, entretanto, pelo telephone, ao governador da provincia, que mandou entregar o corpo do jovem sãoborjense, visto já ter sido feita a necropsia.

Terminando o histórico em linhas geraes sobre o acontecimento, o chefe de polícia passa a nos explicar a razão da existência do fuzil metralhadora.

Disse que o coronel Benjamim Vargas, como era seu habito e de todos conhecido, costumava constantemente percorrer a costa brasileira em lancha, levando um fuzil metralhadora para o serviço de policiamento que o executava por pedido directo das autoridades de Santo Thomé que receavam uma reunião de emigrados argentinos nas costas brasileiras e também por ordem delle chefe de polícia, confórme telegrama transmittido ao sub-chefe desta região, e em virtude de oedidos por intermédio das respectivas embaixadas e telegrammas do Ministário do Exterior. O chefe de polícia disse que esta parte era muito importante e que elle a ressaltaria em seu relatorio, porque era de grande significação. Depois de tudo isto, pergunta, o chefe de polícia, seria um mal-entendido?

E elle mesmo responde:

- É tudo obra do individuo Jovelino Oliveira Saldanha, criminoso neste Estado, foragido de São Luiz, brasileiro naturalisado argentino. E – ignoro com que documentos conseguiu – que é mentor dum jornal, “El Pueblo”, que atacava desabridamente as autoridades brasileiras. Este individuo que é um aventureiro – outro qualificativo não pode ter – vinha escrevendo violentos artigos contra as nossas autoridades e dizia-se ameaçado e phantasiava um ataque armado pelas autoridades de São Borja, contra o seu jornal. Entretanto, a imprensa autorizada de Santo Thomé censurava acremente a attitude de “El Pueblo” dizendo que este jornal não era a expressão da opinião pública.

Disse-nos o chefe de polícia, por último, que a sociedade sãoborjense ainda está sob a pressão dolorosa da tragedia que a feriu profundamente, mas não existe esse ambiente de revolta e animosidade de que se falava.

Disse que em ambas as cidades, o facto teve repercussão como é natural, pelas pessoas nelle envolvidas e pelas circumstancias de que se revestiu.

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O dr. Dario Crespo e sua comitiva, assistiram, domingo, uma homenagem no cemiterio, levada por uma missão de acadêmicos dos estudantes mortos: Odon Motta e Ary Vargas, discursando o joven Messias.

O chefe de polícia permanecerá aqui durante tres dias, afim de fazer uma syndicancia sobre a aggressão de que foram victimas praças do Oitavo Regimento, há dias.

O “Correio do Povo” inova, e mesmo com o silêncio decretado por “A Federação”,

continua a cobertura, entrevistando o já citado chefe de polícia do Estado, Dario Crespo. Este faz

revelações que o público de “A Federação”, se não tiver procurado outras fontes, jamais teve

acesso.

O jornal utiliza-se de seu correspondente em Uruguaiana, para conversar com a

autoridade policial, e sobre os acontecimentos do porto de Santo Tomé.

Segundo a matéria jornalística, narrada em tom de ata, o que fica claro em observações

como recebendo-nos atenciosamente, ao referir-se à maneira com que o policial recebeu o

repórter, o entrevistado admitia a existência de diversas versões, embora só uma tenha chegado

oficialmente ao grande público, e assim teria permanecido não fosse esta entrevista.

Na transcrição do relato do chefe de polícia, o leitor toma conhecimento de que os jornais

comentaram a tragédia de diversas maneiras, sendo que alguns procuraram cercar o

acontecimento de circunstâncias mais graves. O leitor que havia acompanhado até aqui não poderia

ter esta noção sem esta entrevista, pois ele mesmo, autoridade pessoal, fôra a São Borja animado

pelo desejo de esclarecer perfeitamente a origem e as razões do conflito, o que, ao contrário

do que afirmara “A Federação”, não estava devidamente explicado.

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As marcas de segurança no relato de Dario Crespo, no sentido de dar convicção, aparecem

em vários momentos, como quando afirma estar firmemente convencido de que havia

esclarecido, em todas as suas minúncias, a dolorosa tragédia. O jornal faz a sua indicação de

tentativa de máxima imparcialidade e de busca de credibilidade ao afirmar que abrirá mão se sua

objetividade, mas transcreverá com a maior fidelidade o depoimento.

Na narrativa de Dario Crespo, aparecem detalhes que antes não haviam sido noticiados,

como a existência de armas na embarcação das vítimas, e que elas não apareciam na licença

concedida pelas autoridades argentinas. Aparece também a figura de Benjamim Vargas não mais

como mero coadjuvante, mas participante e comandante do Corpo Provisório de São Borja,

juntamente com outras pessoas da cidade. Este, segundo o depoimento, estava fardado, e havia

sido o segundo a saltar da lancha.

Um dos jovens foi abordado por um marinheiro que quis revistá-lo, perguntando se

trazia armas, e teve como resposta apenas que tinham licença para vir à cidade , não

respondendo se levavam armas ou não. Toda a confusão teria sido causada porque o marinheiro

insistiu em desarmar os visitantes, o que parece um procedimento normal em uma fronteira. Esta

insistência, no entanto, teria sido motivo para Benjamim Vargas alvejar o marinheiro no rosto.

Somente após estes acontecimentos é que os brasileiros receberam uma descarga das

autoridades argentinas, que culminaram nas mortes tão choradas pelos são-borjenses.

Para aumentar a confusão, o mesmo Benjamim Vargas lembra-se, segundo Dario Crespo,

de um fuzil metralhadora, e faz uso dele. A narrativa é interrompida para o mesmo Crespo,

abrindo um parêntese, dizer que mais adiante explicaria o motivo do mesmo na lancha.

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Muitas das afirmações de Dario Crespo dizem respeito ao que jornais teriam comentado,

embora estes comentários não tenham aparecido nestes dois jornais antes, suscitando a curiosidade

de quem pesquisa o tema. Ao terminar a cronologia da recuperação do corpo de uma das vítimas,

que também teria suscitado boatos, volta a explicar a razão da existência do fuzil metralhadora.

Segundo ele, era um hábito de todos conhecido Benjamim Vargas percorrer a costa em uma

lancha com a arma para serviço de policiamento e fazê-lo por pedido direto das autoridades de

Santo Tomé, que receavam que argentinos emigrantes reunissem-se na fronteira, e também por

ordem dele, chefe de polícia, que diz que esta parte era muito importante e que ele a

ressaltaria em seu relatório.

O próprio Dario Crespo questiona e já responde se tudo poderia ter sido um mal

entendido, e acusa, ao dizer que é tudo obra do indivíduo Jovelino Saldanha, aquele mesmo

que Lucas Torres menciona em suas memórias, publicadas por Sérgio Venturini.

A versão do chefe de polícia dá conta de que este era um criminoso, foragido, que

tornara-se mentor de um jornal e que de lá atacava desabridamente as autoridades brasileiras,

sem mencionar que estas autoridades eram a família Vargas. Segundo Crespo, o indivíduo era um

aventureiro que vinha escrevendo violentos artigos contra as autoridades e que fantasiava um

ataque armado pelas autoridades de São Borja contra o seu jornal. Afinal, que autoridades eram

aquelas, não é dito. O que é dito é que o jornal deste indivíduo não era a expressão da opinião

pública e que quem dizia isto era a imprensa autorizada de Santo Tomé, sem explicar quem era

esta imprensa autorizada, se do governo, ou se não.

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O encerramento é feito com a constatação de que a sociedade ainda estava sob o efeito da

dolorosa tragédia, que a feriu profundamente, mas mesmo assim não havia o ambiente de

revolta ou animosidade de que se falava. Mas quem falava? Uma repercussão da qual não se

tinha notícia é referida, e logo considerada natural principalmente pelas circunstâncias.

Portanto, “Aumentam as diferenças”, já que “A Federação” apenas cita o ocorrido em seu

obituário, onde admite a mágoa existente, e o “Correio do Povo” não apenas continua cobrindo o

assunto como consegue uma entrevista com a autoridade policial que cuidava do caso.

É a partir daqui que tem início o “silêncio” de “A Federação”, que já havia decretado o fim

da cobertura em 19 de outubro e apenas referido a missão no dia 23. Este jornal só voltará à cena

com o que chamará de rebelião argentina, em janeiro de 1934, e sem jamais procurar conexão

entre os fatos.

Portanto, até o dia 02 de janeiro, somente foi possível a análise dos textos do “Correio do

Povo”.

5º dia – Comentários da entrevista: uma retratação?

01/11/1933

p. 7 (telegramas), nota em 1 coluna

Em negrito e caixa alta: URUGUAYANA

Em negrito: Foot-ball – Chuva – Feira Pecuaria Internacional – Os acontecimentos do porto de São Thomé

URUGUAYANA, 30 [ . . . ] - Foi muito commentada, aqui, a entrevista concedida pelo chefe de policia ao “Correio do Povo”, historiando o facto occorrido no porto de São Thomé, no qual

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perderam a vida elementos da sociedade de São Borja. Essa reportagem esclareceu perfeitamente o espirito publico, que estava interessado em conhecer as circumstancias reaes do grave acontecimento.

Nas declarações do dr. Dario Crespo, chefe de policia, contidas naquella entrevista, merece rectificação a parte em que diz haver o coronel Benjamin Vargas alvejado primeiro o marinheiro, quando de facto, o commandante do Corpo Provisório de São Borja só fez uso do revólver depois de ter sido alvejado por aquelle.

Os esclarecimentos não tardam, embora apareçam discretamente. O jornal reconhece que

houve uma grande repercussão ao afirmar que foi muito comentada a entrevista do fato no qual

perderam a vida elementos da sociedade , não mais acontecimentos, não mais vítimas, não mais

assassinados, mas elementos que perderam a vida.

A tendência a julgamentos continua ao noticiar que a reportagem esclareceu

perfeitamente o espírito público, que estava interessado em conhecer as circunstâncias do que

reconhece com um grave acontecimento, reconhecimento este que não parece ter sido levado em

conta pelo jornal “A Federação”, que nem uma linha sequer dedicou, nem com o estímulo da

reportagem do “Correio do Povo”, a explicar, como órgão oficial que era.

A importância nas páginas cai, pois antes aparecia como matéria principal e agora passa a

ser um dos assuntos do interior, na editoria de telegramas, entre outros assuntos diversos.

Mesmo assim, o jornal faz uma retificação no que diz respeito a um polêmico trecho da

entrevista, o que justifica o título “Comentários da entrevista: uma retratação”, passando a afirmar

que na parte em que diz haver Benjamim Vargas alvejado primeiro o marinheiro, o comandante

do Corpo Provisório de São Borja somente atirou depois de ter sido alvejado. No entanto, não

esclarece se quem errou foi o relatante ou o relator, o chefe de polícia ou o repórter.

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6º dia – Mais oficiais investigam

16/11/1933

p. 2 (telegramas), 2 colunas pequenas na base da página

Em negrito: Ainda os acontecimentos de São Thomé

BUENOS AIRES, 15 (CP) – Regressou a Buenos Aires o capital Osvaldo Repetto. É a segunda viagem que faz o referido official, afim de proceder ás investigações acerca do incidente de San Thomé, de que resultou a morte dos brasileiros Ary Vargas e mais dois companheiros, pertencentes a famílias de grande destaque na sociedade brasileira, visto dois delles serem sobrinhos do sr. Petulio Vargas e exma. esposa. Sua morte, como é do dominio publico, causou enorme repercussão em toda a Argentina.

O capital Repetto, que tinha por principal objectivo averiguar o proposito que levava o grupo brasileiro a ir até a localidade fronteiriça de San Thomé, ouviu diversos elementos brasileiros que estariam envolvidos no caso. Hontem, o capital Repetto, juntamente com um representante do Ministerio das Relações Exteriores da Argentina e outro da embaixada do Brasil, realisou uma reunião num dos salões do ministerio da Marinha, que durou cerca de duas horas e a respeito do qual nada transpirou.

O “Correio do Povo” continua informando sobre a repercussão em Buenos Aires, e refere-

se ao caso como ainda os acontecimentos de São Tomé . Nesta matéria, relata que o oficial

argentino que procede investigações já está em sua segunda viagem. Segundo o jornal, o

incidente envolvendo duas pessoas pertencentes a famílias de grande destaque na sociedade

brasileira, teve enorme repercussão naquele país. Mesmo assim, o oficial omitiu os resultados da

imprensa, o que o jornal traduz quando diz que em reunião fechada entre autoridades dos dois

países, ninguém nada transpirou. Esta indicação do dia revela que “Mais oficiais investigam”,

apesar do fato ter sido considerado simples por “A Federação”.

7º dia – Prenúncios de uma revolução

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23/12/1933

p.2, coluna ao centro

Em negrito: A situação política na Argentina

Em negrito e caixa alta: ACHAM-SE DETIDOS NO QUARTEL DO 8.º R.C.I., EM URUGUAYANA, DIVERSOS REVOLUCIONARIOS ARGENTINOS, PRESOS NA COSTA BRASILEIRA

URUGUAYANA, 22 – Estão recolhidos ao quartel do Oitavo Regimento de Cavallaria daqui, diversos civis, argentinos que foram presos na costa brasileira, com armas, de accordo com ordens superiores. Aquelle regimento está fazendo rigoroso patrulhamento na costa brasileira, afim de evitar a incursão de revolucionarios no paiz visinho.

Essa guarnição tem estado de promptidão devido a necessidade dessas providencias.

Continua circulando o boato de revolução na Argentina.

A partir daqui, outro problema fronteiriço entra em foco, e embora inicialmente não pareça

ter nada a ver com o primeiro, algumas marcas demonstrarão as conexões que as outras versões

evidenciaram, demarcando o “Prenúncio de uma revolução”.

Neste momento, a situação é política e diz respeito à Argentina, embora, em destaque,

conste que os revolucionários estão presos em Uruguaiana. Presos na costa brasileira, os civis

portavam armas e as ordens partiram de superiores, não explicitando quem. O regimento que

efetuou a prisão faz um rigoroso patrulhamento, e estado em prontidão, embora hajam apenas

boatos de revolução na Argentina.

8º dia – Entrevista com detidos: revolucionários ou celebridades?

27/12/1933

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p. 8, coluna ao centro

Em negrito: Alguns momentos de palestra com os revolucionarios argentinos detidos no quartel do 8.º Regimento, em Uruguayana

Em negrito e caixa alta: PALAVRAS DO CORONEL POMAR, ELOGIOSAS AOS OFFICIAES COMMISSIONADOS – FOI CRITICADA A AUTORISAÇÃO DADA AO CONSUL ARGENTINO DE INTERROGAR E IDENTIFICAR OS REVOLUCIONARIOS PRESOS – UMA PHOTOGRAFIA QUE FICOU NA IMAGINAÇÃO DO REPORTER...

URUGUAYANA, 26 – Estivemos, hontem, novamente no quartel do 8.º Regimento de Cavallaria, chegamos ali ás 11 horas, quando estava sendo servida a refeição aos revolucionarios argentinos, na sala do rancho das praças.

Os hospedes forçados do 8.º Regimento mostram-se satisfeitos pelo tratamento que lhes é dispensado pela officialidade daquella unidade.

Visitamos o tenente-coronel Gregorio Pomar, que se achava recolhido ao seu quarto, acompanhado de seu secretario, o dr. Gastão Bermavel e de dois outros cavalheiros. Receberam-nos amavelmente e, desde logo, elogiaram a maneira cavalheiresca com que estão sendo tratados.

O tenente-coronel Pomar teceu elogios aos officiaes commissionados, dizendo que não os distinguira dos officiaes de curso e que só soubera que tinham essa classificação depois de ter sido informado da razão do distinctivo que usam. Disse que os commissionados têm perfeita compreensão militar e demonstram conhecimento e educação. Achou muito razoável o critério do Exercito brasileiro, fazendo promoções de sargentos a officiaes, adeantando que no Exercito argentino, em absoluto, os inferiores não obtem tal promoção. Declarou-se francamente solidario com a organização do quadro de officiaes commissionados no exercito, dizendo que vae se interessar vivamente, quando voltar á sua pátria, pela creação desse officialado, na Argentina, porque, fazendo selecção nas promoções, o exército só terá vantagens.

O tenente-coronel Pomar e seu secretario, não esconderam a sua contrariedade pelo facto do consul da Argentina nesta cidade, sr. Julio Avila, estar fazendo, dentro do quartel do Oitavo Regimento, a

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identificação e interrogação dos revolucionarios presos. Acham extranhavel essa autorisação dada ao consul da Argentina, porque, disseram, estando sob guarda e responsabilidade das autoridades brasileiras, só por estas deviam ser interrogados, e accrescentam, textualmente: “Entendemos que essa atitude do consul da Argentina, affecta a soberania nacional brasileira”.

Disse-nos, ainda o tenente-coronel Pomar, que varios revolucionarios se recusaram, como é natural a prestar esclarecimentos ao consul, cuja autoridade, declarou, elles não conhecem. Informou-nos que um revolucionario interrogado pelo consul, se desejava regressar á argentina, respondera: “Prefiro ser recolhido a um calabouço a sujeitar-me ao governo actual do meu paiz”.

Acham-se no quartel cento e cincoenta revolucionarios argentinos. Entre estes estão criadores, estudantes, commerciantes e outras pessoas da republica visinha.

Procuramos, com insistencia, photographar o tenente-coronel Pomar, porém este, amavelmente se recusou, de forma alguma accedeu ao nosso pedido. Despedimo-nos pesarosos, porque desejavamos extampar o clichê do prestigioso militar que, como declarára, era em seu posto, o mais moço official do exercito argentino.

Sabemos que o tenente-coronel Pomar, seu secretario e outros presos de maior responsabilidade seguirão quinta-feira ou outro dia desta semana para esta capital, acompanhados de uma escolta, commandada pelo capitão Thomé Xavier de Britto.

Mais uma vez o “Correio do Povo” usa do expediente de entrevistar para esclarecer os

acontecimentos. Desta vez, são os revolucionários argentinos detidos em Uruguaiana.

Novamente entra em cena o modelo testemunhal, semelhante a uma ata, com o intuito de conferir

fidedignidade ao relato. Mas algumas contrariedades aparecem. Primeiro, já na chamada, contradiz-

se ao dizer que um dos presos tem palavras elogiosas aos oficiais, no entanto, foi criticada a

autorização dada ao cônsul argentino para interrogá-los e a foto que deveria ter sido tirada não foi

permitida, ficando na imaginação do repórter.

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Os elogios aparecem ao mencionar o tratamento dispensado aos hóspedes forçados,

não prisioneiros, que mostram-se satisfeitos e são tratados de maneira cavalheiresca. Os oficiais

lhes parecem ter perfeita compreensão militar e demonstram conhecimento e educação, um

modelo a recomendar na Argentina.

O preso mais ilustre, coronel Pomar, no entanto, não esconde sua contrariedade com o

interrogatório permitido ao cônsul argentino.

A foto que não foi tirada, foi negada amavelmente pelo militar, que de forma alguma

cedeu ao pedido do fotógrafo e do repórter.

Toda esta cordialidade faz o leitor pensar nos entrevistados de maneira curiosa, o que

procurei transmitir com o título “Entrevista com detidos: revolucionários ou celebridades?”. Afinal,

apesar de serem revolucionários, o tratamento que receberam foi de celebridades.

9º dia – Quem noticia... noticia alguma coisa

28/12/1933

p. 2, chamada

Negrito: Noticia-se que foram presas na fronteira do Brasil cerca de 140 pessoas envolvidas na conspiração descoberta pelo governo da Argentina

p. 8, 1 coluna ao centro

Negrito: A descoberta, na Argentina, de uma conspiração revolucionaria

Negrito e caixa alta: NOTICIA-SE QUE FORAM PRESAS, NA FRONTEIRA DO BRASIL, CERCA DE 140 PESSOAS, ENVOLVIDAS NA CONSPIRAÇÃO

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BUENOS AIRES, 27 (União) – Está plenamente confirmado que a polícia descobriu, nestes ultimos dias, a existencia de uma conspiração que pretendia provocar o levante de varias unidades do exercito. Foram feitas varias detenções, mas as linhas geraes do movimento são guardadas, por enquanto, no mais rigoroso sigilo.

BUENOS AIRES, 27 (C.P.) – Telegramma do Rio de Janeiro diz que o numero de revolucionarios argentinos presos na fronteira do Brasil, em companhia do ex-tenente-coronel argentino Pomar, ascende a 139.

Ao afirmar noticia-se o jornal não afirma quem noticia, e novamente afirma sem informar a

fonte, deixando-a desconhecida. Afinal, “Quem noticia... noticia alguma coisa”, dizendo quem

noticia.

Esta idéia de indefinição continua na chamada e na matéria completa. Mas na matéria,

embora dê este sujeito indeterminado, diz que está plenamente confirmado que a polícia

descobriu a existência de uma conspiração revolucionária. Em um momento é algo indefinido, em

outro, está plenamente confirmado. De qualquer forma, relata que todas as informações estão sob o

mais rigoroso sigilo e apenas relata que os revolucionários são argentinos, embora as prisões

tenham ocorrido no Brasil.

Por enquanto, não há nenhum indício da participação de brasileiros.

10º dia – Onde está “A Federação”?

30/12/1933

p. 14, chamada

Em negrito e caixa alta: REBENTOU, HONTEM, UM NOVO MOVIMENTO REVOLUCIONARIO NA REPUBLICA ARGENTINA

p. 7, 3 colunas na base

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Em negrito: Estalou um movimento revolucionario na Argentina

Em negrito: Em nota official o governo da Republica visinha assegura ter dominado a situação, reinando tranquillidade no paiz

Texto: Foram tomadas energicas providencias para garantia da ordem publica

URUGUAYANA, 29 – Estalou, á meia-noite, um movimento revolucionario na Argentina. Antes dessa hora, numerosos emigrados revolucionarios começaram a se movimentar para diversas zonas do municipio, passando o rio Uruguay.

Nas proximidades de Libres, costa argentina, houve um forte tiroteio, havendo mortos e feridos de ambos os lados. Sabe-se que a cidade de San Tomé está em poder dos revolucionarios.

O 11.º Regimento de Cavallaria, aquartellado em Libres, em sua maioria, está ao lado da revolução.

As forças revolucionarias projectam tomar Monte Caceros, centro principal.

O prestigioso político argentino, dr. Abalos, que ha dias se encontrava aqui, occulto, seguiu, acompanhado do cirurgião, dr. Julio Amezaga, tambem argentino, para a zona de concentração revolucionaria, na Argentina.

Consta que Libres cahirá ainda hoje em poder dos revolucionarios.

Nesta cidade se acompanha com vivo interesse a situação do paiz vizinho.

BUENOS AIRES, 29 (A. B.) – A cidade amanheceu agitada pelos boatos de que a ordem havia sido alterada em diversas localidades da Republica. Parece tratar-se de um movimento coordenado. Nesta capital a policia effectuou 60 prisões, estando as forças federaes de promptidão. Em Rosário, annuncia que 60 civis atacaram o quartel da policia, sendo repellidos. Reina inquietação.

BUENOS AIRES, 20 (A. B.) – A secretaria da presidência da Republica forneceu á imprensa a seguinte nota:

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“Durante a noite de hontem e pela madrugada de hoje, em diversas localidades da provincia de Santa Fé e outras regiões do paiz, produziram-se tentativas para alteração da ordem pública, as quaes, até o movimento de ser dada publicidade deste communicado, haviam sido suffocadas totalmente, e sem maior esforço. Em todo o paiz reina absoluta tranquillidade, havendo-se adoptado severas medidas para evitar qualquer alteração da ordem publica”.

Rebentou, como diz o “Correio do Povo”, um novo movimento revolucionário, e “A

Federação” não se pronuncia.

Logo, surge a pergunta: “Onde está ‘A Federação’?” Está preparando sua edição especial

de aniversário.

O “Correio do Povo” fala primeiro somente na Argentina e possui somente a posição oficial

daquele país, que informa, ou melhor, assegura, ter dominado a situação, portanto, reinando a

tranqüilidade .

O governo afirma terem sido tomadas enérgicas providências para contornar os

numerosos revolucionários que começaram a se movimentar e passando o rio Uruguai, agora

com informações de Uruguaiana, que também informa que houve um forte tiroteio, havendo

mortos e feridos de ambos os lados.

Informa ainda que Santo Tomé está em poder dos revolucionários e, em contradição,

de Buenos Aires as informações são de que a cidade amanheceu agitada pelos boatos de que a

ordem havia sido alterada. Um mesmo jornal e várias versões. No entanto, como todas estas

versões estão na mesma edição e subseqüentes, o leitor tem a chance de avaliar todas as

informações e tirar suas conclusões.

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É aqui que, passadas as comemorações dos seus 50 anos, que “A Federação” retorna,

considerando os fatos de domínio público, quando utiliza o artigo definido em a rebelião

argentina.

5º dia de “A Federação” e 11º de “Correio do Povo”

A volta dos que não foram

A FEDERAÇÃO, 02/01/1934

Última página – p.8, Quadro ocupando 3 colunas, Ilustração

Manchete, em negrito: A Rebelião Argentina

Felizmente serenou o tumulto que vinha agitando a Republica Argentina e pondo em perigo a paz do continente americano. As ultimas informações oficiais chegadas são confortadoras. A nota oficial informa ter desaparecido todo o motivo de temor e que em todo o territorio da Republica reina absoluta tranquilidade. O governo mostra-se satisfeito pela forma rapida com que se havia conseguido o restabelecimento da ordem e lamenta os sucessos dos dias de intranquilidade e de temor, em que a população Argentina assistiu, apreensiva, aos atentados contra o governo, que tudo fez para impedir maiores perdas e consequencias graves.

Pelo brilhante e energico manifesto do presidente Justo podemos avaliar a significação da intentona frustrada. Si não fôra a elevada compreensão patriotica do presidente Justo no momento e a serenidade verdadeiramente estoica de suas atitudes, não deixando, entretanto, de serem energicas, e decisivas, a situação da Republica Argentina teria se agravado por certo, pelos planos diabolicos, traçados, para uma acção coletiva, pelos rebeldes.

Sobre a gravidade da rebelião, assim se expressa o presidente da Republica Argentina em seu manifesto: “A ocupação de edificios nacionais, especialmente os do Correios e Telegrafos, é a usurpação de funções privativas do Estado, atribuidas pelas leis a funcionarios federais; as tentativas de assalto armazens, o ataque a Prefeitura,

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delegacias, guardas e forças armadas de policia, as invasões do territorio extrangeiro, por bandos, para realizar depredações; o assassinato de emboscada de tripulantes de embarcações a serviço das autoridades legitimas; os esforços constantes e reiterados de destruição do Exercito e da Armada em suas bases permanentes, pela tentativa de suborno de cabos e sargentos, que, mais conscientes do que seus instigadores que se negam a quebrar a disciplina dessas instituições – demonstram a finalidade cabal da natureza do motim abortado”.

Em seguida o presidente Justo aponta os responsaveis pelo levante criminoso e afirma que todos eles foram, justamente, “os mesmos que sob o peso da culpa fugiram do governo”.

Não foi, portanto uma revolução, como tantas que surgiram na parte extrema do territorio americano, impelidas por um ideal definido e, altamente, digno e patriotico, mas uma reação criminosa por parte dos despeitados e ambiciosos de um regimen de ordem, de paz e de trabalho.

Terminado o valioso documento da historia argentina assim se expressa o presidente Justo: “A’ sua atitude respondeu-se, com a declaração irada da abstenção e com a revolta imediata.

Em face de tão insolita conduta, o governo adotou as medidas que cabiam e, na defeza das instituições e da ordem social, fará uso dos poderes que o povo lhe conferiu para preserva-lo das arremetidas de seus inimigos declarados e ocultos”.

Nada mais, portanto, existe na Republica Argentina. Os membros radicais, presos em Santa Fé, onde se achavam reunidos em convenção partidaria, continuam detidos a bordo do navio “General Artigas” que os levou para Buenos Aires.

A secretaria do presidente da Republica forneceu um comunicado a imprensa, dizendo que foi ontem restabelecida a ordem em todo o pais, pois os revolucionarios que ocupavam S. Thomé, á aproximação de uma força legal que ia para dar-lhes combate, fugiram, internando-se no Brasil.

Pelas notas oficiais e o vibrante manifesto do presidente Justo, podem estar tranquilos os paises sul-americanos.

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Primeira página, Nota

Em negrito: O governo argentino dominou a revolta

BUENOS AIRES, 2 – Fracassou completamente o movimento revolucionario no país, estando restabelecida a ordem.

Iniciando com felizmente a sua matéria, “A Federação” parte do princípio de que todos já

estão a par dos acontecimentos na Argentina ao nominá-lo pelo artigo definido, mas não foi através

deste jornal que o público teria tomado conhecimento.

Passa por serenou o tumulto que, no passado, vinha agitando – embora não diga desde

quando e não tenha referido nada anteriormente – a República Argentina.

Mas a descrição vai de tumulto a um fato que vinha expondo em perigo a paz do

continente americano, e que agora são confortadoras, tendo desaparecido o motivo de temor

que existia. Seja lá o que for que existisse, o leitor fiel de “A Federação” desconhecia.

A estas alturas, o governo já estava satisfeito com a forma rápida com que havia

conseguido o restabelecimento da ordem que, portanto, esteve alterada, admitindo, em dias de

intranqüilidade e de temor, em que a população argentina assistiu apreeensiva aos

atentados contra o governo, que tudo fez para impedir maiores perdas e conseqüências

graves. Quando “A Federação” relata os fatos, eles já serenaram e, portanto, não há porque

preocupar-se. Quando havia motivo de apreensão, calou. Mesmo assim, fala da gravidade da

rebelião e destaca o brilhante e enérgico manifesto do governo argentino. Depois, contradiz-se

ao dizer que não foi uma revolução, e que nada mais existe.

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Ao final, antes de uma segunda nota oficial que informa que fracassou completamente o

movimento revolucionário, relata que foi comunicado à imprensa que os revolucionários que

ocupavam Santo Tomé haviam fugido, internando-se no lado brasileiro.

Com essa definição do que não havia definido, “A Federação” admite um acontecimento

presente, porém do qual esteve ausente e não registrou jornalisticamente.

CORREIO DO POVO, 04/01/1934

p. 4 (diversas), nota em 1 coluna à esq.

Em negrito: A revolução na Argentina

Telegramma de Uruguayana informou, hontem, que fracassou o movimento revolucionario na Republica Argentina.

De accirdo com as instrucções recebidas do Governo Provisório, o commando da 3ª Regime Militar prendeu revolucionarios que transpuseram a nossa fronteira.

Até hontem tinham sido presos 16 delles, sendo que dois se encontram nesta capital. Os demais se acham em viagem para aqui.

p. 8 (telegramas)

1 coluna à dir.

Chamada, em negrito e caixa alta: URUGUAYANA

Chamada interna, em negrito: O movimento revolucionario na Argentina

URUGUAYANA, 2 – Continua vigorando o estado de sitio na Argentina.

Hontem chegou o trem, normalmente de Buenos Aires, prosseguindo para o Paraguay.

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Encontramos pregados nas ruas de Libres o seguinte boletim: “Disposição numero 1: Tenho conhecimento por denuncias concretas que muitos habitantes de Libres e seus arredores têm em seu poder armamentos e outros objectos militares, que ficaram abandonados aqui pelos revoltosos, depois dos últimos successos que são do domínio publico.

Usando as faculdades que me foram conferidas, determino que as pessoas que possuam armamento ou qualquer objecto dos mencionados os entregue immediatamente no quartel do 11º Regimento de Cavallaria.

O prazo para a entrega vence-se no dia 2, ao meio-dia. Passado este se applicará a lei com o seu maximo rigor. contra aquelles que não cumpram (a) major Rudrigo, chefe da guarnição.”

Entre o armamento recolhido pelas forças legaes acha-se uma metralhadora pesada.

Mais comunicados tranqüilizadores vindos, aos poucos, dos demais correspondentes do

“Correio do Povo” na região de Uruguaiana, na página 4, ao afirmar que fracassou o movimento

revolucionário e, portanto, contrariar-se na página 8 ao chamar novamente de revolução.

Também relata que, apesar de toda a normalidade , vigora o estado de sítio na Argentina, e que

as armas que estão sendo encontradas estão sendo recolhidas, com uso da lei com o seu máximo

rigor.

O jornal “A Federação”, sem explicações, retoma um assunto que não poderia ser

retomado, já que não havia sido referido anteriormente. Portanto, foi uma “Volta dos que não

foram”, ou, no caso, a cobertura do dia que não foi coberto.

6º dia de “A Federação” e 12º de “Correio do Povo”

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Afinal, levante ou revolução?

A FEDERAÇÃO, 03/01/1934

Primeira página

Chamada, em negrito e caixa alta: RIO. 3 (A. B.) – O EMBAIXADOR DA ARGENTINA, AQUI ACREDITADO, EM PALESTRA COM UM REDATOR DO “O GLOBO” DECLAROU TER SIDO EXTINTO O LEVANTE VERIFICADO NA FRONTEIRA DA ARGENTINA COM O BRASIL, O QUAL EM NADA AFETOU AS RELAÇÕES ENTRE OS DOIS PAÍSES, NEM OS ANTERIORES TRATADOS. ACENTUOU AS DIFICULDADES PARA IMPEDIR QUE OS REVOLUCIONARIOS SE JUNTEM NAS EXTENSAS FRONTEIRAS, E TERMINOU POR ASSEVERAR QUE REINA CALMA EM TODO O PAIS

Última página, 2 notas em 1 coluna

Em negrito: A situação argentina

MONTEVIDEU, 3 (União) – Segundo noticias de Buenos Aires a situação da Argentina é de calma em quasi todo o país, tendo se refugiado em diversas legações especialmente da França varias personalidades das correntes de oposição ao governo.

Em negrito: Comunicação oficial argentina sobre a rebelião

BUENOS AIRES, 3 (União) – O presidente da Argentina, general Justo, publicou o seguinte comunicado:

“Os elementos que se apoderaram de São Tomé eram chefiados pelo major Aguirre.

Duzentos homens vestindo uniforme militar, fugiram para o Brasil, mas antes de fugir praticaram toda sorte de desordens, desmandos e saques.

Tentaram eles sem resultado apoderar-se dos depositos do Banco da Nação. As forças legais tiveram seis mortos e oito feridos e os

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revoltosos dois mortos e varios feridos, que levaram consigo, quando se retiraram para o noroeste do país.

Reina a tranquilidade absoluta.

Em chamada de capa, “A Federação” passa a noticiar o que havia deixado de fora e tenta

recuperar o tempo perdido. Do Rio de Janeiro, informa que o embaixador argentino esteve em

palestra, ou seja, conversando, com um redator do jornal “O Globo”, onde declarou ter sido

extinto o levante – e não a revolução – ocorrido na fronteira da Argentina com o Brasil, o qual,

da mesma forma como o caso de Santo Tomé, nada afetou as relações entre os dois países,

nem os anteriores tratados. A preocupação diplomática e comercial impera. O discurso continua

lacônico ao afirmar que há dificuldades para que impedir que os revolucionários se juntem nas

fronteiras, mas sem dizer se de ambos os lados ou de um só lado, e completa antagonicamente

afirmando que reina calma no país.

Em matéria na última página, desta vez de Montevidéu, admite que há problemas políticos

ainda existentes, ao mencionar a oposição ao governo.

A comunicação oficial transcrita ressalta que elementos se apoderaram realmente de São

Tomé e fugiram para o Brasil, vestindo uniforme militar e que antes praticaram toda sorte

de desordens, desmandos e saques. Depois, afirma que novamente reina a tranqüilidade, embora

os revoltosos tenham se retirado para o noroeste do país, sem explicar de qual país.

CORREIO DO POVO, 06/01/1934

p. 1, 1 coluna no fim da página

Chamada, em negrito: A revolução na Argentina

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Chamada interna, em negrito: INQUÉRITO MILITAR NESTE ESTADO

RIO, 5 (C.P.) – O chefe do Governo Provisório dirigiu, hontem, ao commandante da 3ª Região Militar, o seguinte telegramma:

“Do Palacio do Catette, em 04 de janeiro de 1934 – Urgentíssimo – General Franco Ferreira – Commandante 3ª Região – Porto Alegre.

Recommendo-vos designar uma alta autoridade militar para proceder rigoroso inquerito sobre occorrencias da nossa fronteira com a Republica Agentina passadas a partir de dezembro ultimo. Esse inquerito deverá esclarecer a procedencia dos homens e armamentos aprisionados, as reuniões de facto ávidas na fronteira e seus locaes, os motivos que impediram a vigilancia das autoridades e a actuação desses a maneira por que foram executadas as instrucções do Governo Federal. A autoridade designada deverá iniciar immediatamente aos seus trabalhos. Saudações. (a.) Getúlio Vargas”.

Finalmente há um pronunciamento do governo brasileiro, que o “Correio do Povo”

transcreve, e chamando ainda de revolução os acontecimentos de dezembro.

Segundo a nota transcrita, caracterizada como urgente, há uma clara indicação de

obrigação de instauração de um inquérito, apesar do termo recomendo-lhe, pois termina com a

frase de que a autoridade designada deverá iniciar imediatamente os trabalhos.

É interessante verificar que o jornal não comenta o telegrama, apenas o publica,

considerando-o auto-explicativo.

“Afinal, levante ou revolução?” é a pergunta que paira no ar para o leitor que comparar as

duas versões.

A primeira, rebaixa os transtornos a um mero levante, e a segunda continua trantando como

revolução.

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7º dia de “A Federação” e 13º de “Correio do Povo”

Confabulando, mas não muito

A FEDERAÇÃO, 13/01/1934

p. 8, 2 colunas esq.

Chamada, em negrito e caixa alta: NOTICIAS DE BUENOS AIRES INFORMAM QUE EX-OFICIAIS ARGENTINOS CONFABULAM NA FRONTEIRA DO BRASIL

BUENOS AIRES, 12 (A. B.) – Segundo informações particulares, que estão sendo comentadas em diversos circulos, as autoridades brasileiras de Uruguaiana estão em severa vigilancia, por motivo de se haverem reunido naquela cidade fronteiriça, numerosos ex-oficiais do Exercito Argentino, os quais se mantém constantemente em palestras reservadas, com pessoas que daqui vão.

Segundo as mesmas versões, as autoridades brasileiras procuram inteirar-se do assunto das aludidas palestras, tendo surpreendido, em flagrante, um grupo de vinte pessoas, as quais foram conduzidas á delegacia de policia, afim de prestarem declarações.

Embora não tenham vindo informações oficiais das ditas autoridades, consta que nesse grupo, encontrava-se o ex-tenente-coronel Bosch, que foi conduzido para a cidade de Pelotas, sendo, assim, afastado da fronteira, onde sua ação poderia inspirar receios.

Acrescentam as informações que nestes ultimos dias haviam sido vistos na fronteira brasileiros os srs. dr. Abalos e o ex-tenente-coronel Pomar, que se afastaram ao notar que as autoridades do país vizinho os estavam vigiando.

Por outro lado afirma-se que o sr. José Guilherme Berlotto foi obrigado a se refugiar na cidade uruguaia de Melo.

Não obstante não haver vindo nenhuma noticia oficial, segundo afirmamos, talvez por não se haver dado grande importante ao fáto, afirma-se que foram adotadas providencias energicas, sendo reforçada a vigilancia da fronteira.

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São, repetimos, simples medidas de previsão, motivadas pela noticia de haverem sido vistos na fronteira os srs. Pomar, Abalos e outras pessoas cuja presença inspirou suspeitas.

Noticias que recebemos do Rio de Janeiro dizem que certas medidas de vigilancia para impedir a reprodução de acontecimentos como o de São Tomé.

Mais uma vez notícias não se sabe de quem, a não ser que partem de Buenos Aires,

indicam que há problemas, em forma de trama, ao afirmar que argentinos confabulam na fronteira

com o Brasil, não caracterizando com um problema ainda brasileiro, mas próximo. As informações

particulares que estão sendo comentadas em diversos círculos não dão chance a saber quem

informa e quem comenta, e mantém o tom de mistério ao informar que há palestras reservadas

com pessoas que daqui vão, isto é, do Brasil. Estas mesmas fontes dizem que as autoridades

brasileiras procuram inteirar-se do assunto, mas ainda não possuem esse domínio, portanto.

Tudo isto, embora não tenham vindo informações oficiais, conforme admite o jornal,

que continua omitindo qualquer que seja a sua fonte, ao assumir que afirma-se, embora não diga

quem afirma. A matéria continua com marcas de opinião onde há uma presunção: não obstante

não haver vindo nenhuma nota oficial – e reconhece – segundo afirmamos, talvez por não se

haver dado grande importância ao fato, afirma-se – novamente, quem? – que foram adotadas

providências enérgicas na fronteira. A seguir, o redator utiliza um recurso radiofônico de

persuasão e ênfase ao dizer que repetimos são simples medidas de previsão de algo que inspirou

suspeitas. O encerramento é dúbio ao falar da reprodução de acontecimentos como o de Santo

Tomé , pois não explica qual deles.

CORREIO DO POVO, 07/01/1934

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p. 8

Chamada, em negrito e caixa alta: URUGUAYANA

Chamada interna, em negrito: O movimento revolucionario na Argentina – Ponte Uruguayana-Libres

URUGUAYANA, 4 (Retardado) – Pouco a pouco, Libres vae entrando em sua vida normal, desapparecendo o ambiente creado com a revolução.

Hoje começaram a regressar a Buenos Aires os aviões em numero de quatorze, que estavam na cidade visinha. Sabe-se aqui que o governo provisorio em telegramma enviado ao comando da Região elogia francamente a acção desenvolvida pelo oitavo regimento, desta cidade, no sentido da detenção dos revolucionários argentinos conseguindo prender o coronel Pomar, chofe do movimento, a cuja prisão, segundo a opinião geral dos revolucionarios, deve-se em grande parte o fracasso da sedicção. Nesse despacho o Governo Provisorio declara o resultado efficiente do serviço da guarnição federal.

Embora a notícia seja anunciada como um envio retardado pelo enviado, ainda do dia 04

de janeiro e publicado em 07, novamente em marcas como pouco a pouco e vai entrando em sua

vida normal indicam que o clima não foi restabelecido com a rapidez anunciada de início. O mesmo

vale para desaparecendo o ambiente criado com a revolução, que apesar das fontes oficiais

tentarem descaracterizar, o jornal continua utilizando como denominação.

O governo faz-se presente em sabe-se aqui – mais uma vez geral, sem fonte – que o

governo provisório em telegrama ao comando da região elogia francamente – nova

adverbialização – a ação de detenção dos revolucionários conseguindo prender o chefe do

movimento e que, segundo a opinião geral dos revolucionários, foi uma da causas do fracasso da

ação.

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Mais uma vez “A Federação” cala e apesar de toda a relevância dos acontecimentos no

país vizinho, que tem registros de repercussão no Brasil, não acompanha o ritmo de informações

quase diárias que o “Correio do Povo” continua a ter, retornando somente em 20 de janeiro.

“Confabulando, mas não muito”, reflete a idéia de que, apesar da conotação de trama

transmitida na matéria, apressam-se em dizer no mesmo texto que são simples medidas, o que

reforçam com o uso da ênfase em repetimos.

14º dia – Um anúncio bastante adiantado

CORREIO DO POVO

09/01/1934

Primeira página, título e nota à direita

Chamada, em negrito: Diversas informações

Chamada interna, em negrito: Annuncia-se que o sr. Getulio Vargas irá em breve retribuir a visita do presidente da Argentina

Título da nota, em negrito e caixa alta: VAE A BUENOS AIRES O SR. GETULIO VARGAS

RIO, 8 (C.P.) – O encouraçado “São Paulo” está se aprestando para importante commissão no estrangeiro.

A “A Noite” adianta que essa commissão é levar o sr. Getulio Vargas a Buenos Aires, retribuir a visita do general Justo.

O “S. Paulo será comboiado pelos cruzadores “Bahia” e “Rio Grande do Sul”, não se sabendo ainda a data da partida, talvez julho.

Page 105: CONFLITO BRASIL-ARGENTINA: A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DO "CASO DE SANTO TOMÉ”

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Em primeira página, por informação do governo federal – a notícia é do correspondente do

Rio de Janeiro –, o presidente faz saber que irá à Argentina em breve, mas não para participar de

investigações sobre os problemas políticos argentinos, e sim para retribuir a visita do presidente

daquele país, segundo o que outro jornal, A Noite, apurou. O título mais visível, no entanto, não

destaca o motivo, sim a ida a Buenos Aires por parte de Getúlio Vargas. A viagem também não é

programada para tão em breve assim, pois o próprio jornal admite que não se sabe ainda a data

de partida que pode ocorrer, talvez, em julho, seis meses após aquela data, ou seja, “Um anúncio

bastante adiantado”.

15º dia – Mais um inquérito

10/01/1934

p. 8, título e nota em 1 coluna

Chamada, em negrito: Noticias de Uruguayana

Chamada interna, em negrito: Inquerito sobre a detenção de revolucionarios argentinos e appreensão de armamento e munições – Os prejuizos causados pela secca – Incendio de uma grande estensão de campo – O momento político

URUGUAYANA, 9

Em negrito: Inquerito sobre a detenção de revolucionarios argentinos e appreensão de armamento e munições

Chegou, hontem, em carro especial ligado ao trem de tabella, o general Toledo Bordini, que veiu abrir inquerito sobre os acontecimentos anteriores á revolução argentina e referentes á prisão de revolucionarios e apprehensão de armamentos e munições. Daqui, o general Bordini seguirá para São Borja, com a mesma missão.

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S. s., que foi recebido, na estação, pela officialidade da guarnição local, já iniciou o inquerito e ficou installado no proprio carro.

Entre diversos títulos, entra nova notícia sobre “Mais um inquérito” a ser aberto do lado

brasileiro sobre a detenção de revolucionários e apreensão de armamento, com pouca ênfase.

Desta vez o oficial é o general Toledo Bordini, que segundo o jornal, vem abrir inquérito

também sobre os acontecimentos anteriores à revolução argentina e segue de Uruguaiana para

São Borja. Quais acontecimentos anteriores foram estes, se há algo relacionado com os fatos de

outubro, ou se refere-se a outros fatos não explorados pelo jornal, não é explicado.

16º dia – Ainda a viagem

12/01/1934

p. 2 (telegramas), nota em 1 coluna – centro-esq.

Chamada, em negrito: Argentina

Chamada interna, em negrito: A proxima viagem do sr. Getulio Vargas á Argentina

BUENOS AIRES, 11 (União) – Informa-se que acompanharão o sr. Getulio Vargas, na sua viagem á Argentina, os ministros das Relações Exteriores, da Marinha e da Guerra.

A notícia da viagem do presidente chega a Buenos Aires e o “Correio do Povo” apenas a

cita, sem comentários – em telegrama que relata sem fazer nenhuma observação a respeito –, quais

os demais integrantes da comitiva da futura viagem de Getúlio Vargas: os ministros das Relações

Exteriores, da Marinha e da Guerra.

Embora o motivo da presença do ministro das Relações Exteriores pareça óbvio, nenhuma

consideração é feita sobre a necessidade da presença de um ministro da Marinha e outro da Guerra.

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“Ainda a viagem”, porque apesar de não haver uma data definida e da mais provável data ainda

estar longe, ela retorna à pauta.

17º dia – Comentários de outros jornais

14/01/1934

p. 10 (telegramas), 1 coluna – direita

Chamada, em negrito: Diversas informações

Chamada interna, em negrito e caixa alta: O INTERNAMENTO DE REVOLUCIONARIOS ARGENTINOS

RIO 13 (C.P.) – A proposito do internamento de revolucionarios argentinos a que o governo brasileiro está obrigado por força de um tratatado “A Nação” concita os poderes publicos a não transformarem essa detenção em penalidades, com as transferencias dos detidos para regioes contrarias ás sua expressa contade, tanto mais que elles já manifestaram desejo de ter o Rio de Janeiro como menagem.

A “A Nação” termina esperando que hoje mesmo vozes mais prestigiosas da revolução levantem junto ao governo provisorio este apello dictado pelo sentimento mais profundo de carinho, de solidariedade e de respeito.

RIO 13 (C.P.) – O “Jornal do Brasil” commenta, discordando, o acto das autoridades brasileiras, não permittindo que os exilados argentinos fixem residencia no Rio, obrigando-os a residir em Bello Horizonte.

Acha essa medida exaggerada, pois elles não são prisioneiros de guerra. Admitte prohibir, apenas, que os exilados pretendessem residir nas fronteiras.

O “Jornal do Brasil” considera ainda, que tal regimen depõe contra nossos precedentes nas relações internacionaes e conclue appellando para o sr. Getulio Vargas, porque nesse caso, ha uma tradição universal, respeitada na America do Sul como principio sagrado, não devendo permitir que se apague o fulgor dessa gloria legitima.

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O jornal cita, a propósito, como fonte, o discurso de “outros jornais”, da capital federal,

que dão recomendações sobre o que deve ou não ser feito, mas não se pronuncia sobre a sua

própria opinião a respeito.

É A Nação que concita e termina esperando e o Jornal do Brasil que comenta,

discordando, mas o “Correio do Povo” apenas relata os fatos como expectador.

18º dia – Enfim, o exílio

18/01/1934

p. 2 (telegramas), 1 coluna – esquerda

Chamada, em negrito: E’cos do ultimo movimento revolucionario na Argentina

Chamada interna, em negrito e caixa alta: A BORDO DO NAVIO DE GUERRA “CHACO” SEGUIRAM PARA O EXILIO OS REVOLUCIONARIOS IMPLICADOS NO ULTIMO MOVIMENTO

Em negrito: Entre os exilados figura o ex-presidente Marcello Alvear

BUENOS AIRES, 17 (A. B.) – Foram exilados o ex-presidente da Republica, o sr. Marcello Alvear e vinte e um correligionarios seus, implicados no movimento revolucionario ha pouco irrompido e dominado.

BUENOS AIRES, 17 (A. B.) – Pelo navio de guerra argentino “Chaco”, seguiram para o exílio os revolucionarios argentinos implicados nos ultimos successos.

BUENOS AIRES, 17 (União) – O governo argentino determinou que os revolucionarios implicados no ultimo movimento subversivo, e que se encontram na Ilha de Martim Garcia, á disposição das autoridades, sejam 22 conduzidos á Europa, 44 ao sul do paiz, 6 ao Peru e 66 aguardem na Ilha de Martim Garcia o destino que lhes será dado.

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p. 8, 1 nota coluna direita

Chamada interna, em negrito e caixa alta: A INTERNAÇÃO DE POLÍTICOS ARGENTINOS

RIO, 17 (C.P.) – A proposito da internação de revolucionarios argentinos, o “Diario Carioca”, após censurar o facto do nosso governo, disse que prescinde da informação de que tal medida tenha obedecido as disposições de um tratado de reciprocidade tambem rigorosamente cumprido na Argentina contra os revolucionarios brasileiros.

Extranha é que se tenha com desrespeito á indole do nosso povo, apposto a assignatura do Brasil num documento que se arrasta á pratica de actos em contradicção flagrante com as normas bemfazejas e humanas de nossa tradicional politica internacional.

Retomado pela característica ecos, o assunto do movimento revolucionário retorna para

dar ciência que seguiram para o exílio os implicados no último movimento.

“Enfim, o exílio” trata da solicitação de exílio, finalmente alcançada por parte dos argentinos.

Somente com fontes de agência, primeiro de Buenos Aires, e, na segunda matéria, do Rio

de Janeiro, informa o jornal que os exilados, entre eles o ex-presidente argentino, Marcello

Alvear, deverão aguardar o destino que lhes será dado.

Apesar de citar outras fontes, o jornal posiciona-se ao comentar a censura do jornal

carioca ao governo, dizendo que estranha o desrespeito à índole do nosso povo, tomando para

si a defesa, do que denomina como atos em contradição flagrante da política tradicional

brasileira.

19º dia – Mais revolucionários

19/01/1934

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p. 14 (última), 4 colunas – centro, 2 fotos (1 dos revolucionários e 1 da sua bandeira)

Manchete, em negrito e caixa alta: CHEGADA DE REVOLUCIONARIOS ARGENTINOS

Subtítulo 1, em negrito: Acompanhados de um official da guarnição de Uruguayana, chegaram, hontem, pelo nocturno, mais cinco revolucionarios que participaram do movimento de Libres

Subtítulo 2: Depois de conduzidos ao Quartel do 7º B. C., foram elles apresentados ao commandante da Região, que os mandou hospedar no Hotel Magestic

Subtítulo 3: Aqui, os revolucionarios argentinos estão aguardando ordens do Rio, solicitadas hontem mesmo pelo general Franco Ferreira

De Uruguayana, onde se encontravam aguardando destino das autoridades brasileiras, chegaram, hontem, a esta capital, pelo nocturno, diversos revolucionarios argentinos que tomaram parte no levante de Libres occorrido nos ultimos dias de dezembro recém-findo,

Vieram elles accompanhados por um official do Exercito, da guarnição de Uruguayana, com instrucções para aqui serem apresentados ao general Franco Ferreira, commandante da Região.

Esses revolucionarios argentinos, que foram hospedados no Magestic Hotel, são os tenentes Fausto A. Zusoli e José Luiz Pavon, o cartographo Valentim Mario Mieto, o dr. José Otero Caballero e o estudante Otero Serrano.

Adeptos do Partido Radical da Argentina, todos elles combatiam, apaixonadamente, sem medir sacrifícios, o governo do general Justo, desde o seu estabelecimento, contra o qual luctaram pelas armas diversas vezes.

Ultimamente, sendo mais uma vez derrotados com os seus companheiros de ideal, passaram para Uruguayana, com a circumstancia agora de se terem de submeter ás nossas autoridades,

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em virtude de um convenio assignado entre o Brasil e a Argentina, por occasião da visita do presidente Justo ao Rio.

Dahi, o motivo que os trouxe a Porto Alegre sob a guarda de um official de nosso Exercito.

Em negrito e caixa alta: A APRESENTAÇÃO DOS REVOLUCIONARIOS ARGENTINOS

Logo depois de desembarcarem na estação da Viação Ferrea, os revolucionarios argentinos foram conduzidos ao 7º B.C. e apresentados ao respectivo commandante, coronel Napoleão de Lima Costa, que, ás 14 horas, mandou leval-os á presença do general Franco Ferreira, commandante da Região.

Essa alta autoridade militar recebeu com toda a benevolencia os revolucionarios argentinos e com elles palestrou durante alguns minutos, fazendo-os depois jurar, sob palavra, que aqui ficariam hospedados no Hotel Magestic, até segunda ordem.

Firmado esse compromisso, o general Franco Ferreira telegraphou ao Rio, solicitando instrucções sobre o destino que devia dar áquelles elementos.

Em negrito e caixa alta: EM PALESTRA COM OS RECÉM-CHEGADOS

A’ noite, um dos nossos representantes se avistou com os revolucionarios argentinos no Hotel Magestic, mantendo com elles alguns momentos de palestra.

Reunidos, num ambiente todo fraternal, encontramos os tenentes Fausto Zusoli, rapaz de vinte e poucos annos, muito desembaraçado no trato e acolhedor.

Revelada a nossa qualidade de representante deste jornal aquelle official argentino poz-se á nossa disposição com os seus companheiros, a quem fomos apresentados, passando a discorrer sobre a situação política de sua pátria.

De inicio, fez-nos um relato do que ocorre na Argentina, desde a dictadura do extincto general Uriburu’, elogiando as qualidades do tambem extincto presidente Irigoyen, cuja deposição attribue menos

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ao povo argentino do que a um golpe feliz de um grupo de militares que tomou o poder.

Descrevendo tambem esses acontecimentos políticos da Republica visinha, o cartographo Valentim Mieto refere, secundado pelo tenente José Pavon, que o general Justo como talvez se pense no Brasil não era um aliado do Uriburu’ Ao contrario, era o militar indicado e articulador do movimento preparado em 1931 para derrubar o dictador. Prevenido, porém, da trama, Uriburu’ usou de um golpe de habilidade conquistando o general Justo, sob promessa de lhe transmitir o poder. Acceitando essa proposta, o actual presidente da Argentina forneceu ao governo dictatorial todos os planos dos companheiros que com elle consgiravam, fracassando, em consequencia disso, a rebelião contra Uriburu’.

Prosseguindo, os revolucionarios argentinos historiam as fraudes da eleição do general Justo para presidente constitucional da Republica e os vexames que então foram infrigidos aos partidarios do Partido Radical.

Depois, fizeram referencia aos processos do governo do general Justo, julgando-o responsável pelo derramamento de sangue que periodicamente se verifica na Argentina, com as successivas rebeliões do povo.

Em negrito e caixa alta: OUTRAS REVOLUÇÕES SE FARÃO

Interrogados a respeito do animo do povo argentino, após o fracasso do movimento de dezembro, disseram-nos os revolucionarios que, segundo estão bem informados, os seus patricios não desanimaram e levarão até vencerem, os seus propositos.

Isto, fazendo tantas revoluções quantas forem necessarias para derrubar o governo do general Justo, que tem antypathias fundas em todas as classes. O operariado, por exemplo, disse-nos o tenente Zusoli, vive na Argentina como verdadeiro escravo do capitalismo e do governo. Não pôde fazer manifestações nem reclamar o mínimo direito. Qualquer elemento proletario que se arrisque a tal ponto é deportado, se a sua nacionalidade é estrangeira, ou internado em inhospitas regiões, se é nacional. Dessa forma, comprimidos e sem a

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menor garantia, vivem os operarios argentinos passivamente submetidos a todas as vontades do governo.

Em negrito e caixa alta: O FRACASSO DO ULTIMO LEVANTE NA ARGENTINA

Com essas impressões de que o presidente Justo é repudiado por todos, natural era que indagassemos dos revolucionarios argentinos porque fracassou o recente movimento.

Satisfazendo-nos a curiosidade, os tenentes Zusoli e Pavon responderam-nos que, até agora, não têm elementos para explicar esse fracasso, visto a rebelião ter sido preparada com as maiores probabilidades de victoria, pois a propria marinha de guerra, sem contar o exercito, se comprometeu a auxiliar o movimento.

Apezar disso, no dia convencionado falharam muitas reservas, pois em Libres 143 revolucionarios chegaram a lutar desesperadamente com mais de 800 homens, na sua grande maioria civis, armados pela guarnição dali que, com surpreza de todos, se conservou fiel ao governo.

Em negrito e caixa alta: A BENEVOLENCIA DAC AUTORIDADES BRASILEIRAS

Antes de nos retirarmos, os revolucionarios argentinos fizeram referencias elogiosas ao tratamento que lhes foi dispensado em Uruguayana, assim como em todos os pontos do Brasil, aos seus companheiros, mostrando-se satisfeitos com esse acolhimento.

Mostraram-se tambem desvanecidos com as attenções do official que os conduziu até aqui e do general Franco Ferreira, tratando-os com a maior solicitude e consideração.

Os revolucionarios argentinos que visitamos, accentuaram-nos a sua admiração pelo coronel Pomar, apresentando-nos a um filho menor desse official superior do exercito argentino, que está hospedado no Magestic com sua progenitora e, no momento, nos rodeava.

p. 14 (última), 6 colunas

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Manchete, em negrito: O dramatico protesto de um exilado argentino

Subtítulo 1, em negrito: O jornalista Baron Bizza interrompeu hontem, em Juiz de Fora, a gréve da fome, por haver o Governo Provisorio permitido ao mesmo deixar o territorio nacional

Subtítulo 2: Em entrevista a “O Jornal”, aquelle refugiado politico historia e explica a sua atitude – Declarações do embaixador argentino a respeito da situação dos exilados

RIO, 18 (C.P.) – “Jornal” publica hoje a seguinte reportagem em torno do sr. Baron Bizza, que iniciará em Juiz de Fóra, a greve da fome:

“Desde que aqui chegaram, ha de haver meia duzia de dias, os exilados argentinos começaram logo a centralizar a attenção e a curiosidade do povo de Juiz de Fóra.

Tendo a imprensa local divulgado a sua chegada a esta cidade, que o governo lhes designara para residencia obrigatoria, formou-se em torno delles um geral ambiente de sympathia e solidariedade.

Os dois exilados politicos, que eram os srs. major Juan Arriban Gonzalez e Raul Baron Bizza, se hospedaram no Palece Hotel.

O sr. Gonzales não era nome estranho ao Brasil, porquanto fôra o chefe da embaixada hyppica que o seu paiz enviara ao Rio em setembro de 1922, por occasião das festas commemorativas do centenario da nossa Independencia.

Quanto ao sr. Baron Bizza, que tambem tivera em Juiz de Fóra por “menage", era um jornalista, que os confrades desta cidade acolhiam com a mais viva cordialidade.

E os dois hospedes da cidade permaneciam no Hotel, cercados da defferencia e sympathia do povo de Juiz de Fóra, sem que ninguem pudesse suspeitar da situação de constrangimento em que elles se achavam.

Em negrito e caixa alta: A GREVE DA FOME

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Hontem, porém, inesperadamente, a cidade foi abalada por uma noticia emocionante: o nosso confrade sr. Raul Baron Bizza, não concordando com as providencias adoptadas em relação á sua pessoa pelo nosso governo, resolvera iniciar a greve da fome.

Era o meio de que dispunha para protestar contra a coação de que estava sendo victima, e desde hontem começou a recusar systematicamente todos os alimentos.

O caso assumira assim aspecto grave e dramatico emocionando intensamente a população da cidade.

Em negrito e caixa alta: UM MEMORIAL ENVIADO AO GOVERNO

Um confrade argentino, que aqui já residia, curtindo tambem as amarguras do exílio, o sr. Emilio E. de Ibarra, promptificou-se immediatamente a approximar-nos do sr. Bizza, para que elle nos desse os necessarios esclarecimentos.

Forneceu-nos elle apenas, após muita insistência nossa, cópia do seguinte documento que foi enviado ao sr. etulio Vargas, chefe do governo provisorio do Brasil, documento que explica toda a razão de sua attitude:

“Juiz de Fóra, 14 de janeiro de 1934.

Raul Baron Bizza, cidadão argentino, internado em territorio brasileiro, a pedido do governo argentino, expõe:

1º - Que não corresponde tal medida, por haver provado ás autoridades não haver participado nos successos que pudessem haver determinado a dita internação;

2º - Que desde o dia 2 do corrente mez solicita em vão:

1º, a liberdade; 2º, que se lhe fixe a residencia no Rio de Janeiro; 3º, que se lhe permita abandonar o paiz ou em ultimo dos casos, ser entregue ás autoridades argentinas;

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3º - Que não tendo sido escutado, resolveu, desde o dia 13 de janeiro, fazer a greve da fome, como unico recurso para obter qualquer dos pedidos que formula”.

Esse documento, no seu laconismo, traz uma grave revelação: está em jogo o nunca desmentido sentimento de hospitalidade brasileira.

O caso despertou sensação nesta cidade, onde é o assumpto do dia.

Em negrito e caixa alta: O SR. BARON BIZZA FAZ IMPORTANTES DECLARAÇÕES A “O JORNAL”

Hontem, á noite, após longos tenazes esforços, conseguimos entrevistar, pelo telephone, o nosso confrade da imprensa argentina, sr. Raul Baron Bizza, que nos fez as seguintes declarações:

- Tendo o governo brasileiro designado para minha residencia obrigatoria, uma cidade no interior do paiz, considerei essa medida illegal e violenta, em face das leis internacionaes que regulam a materia.

Collocado neste ponto de vista, formulei aos poderes publicos do Brasil varias reclamações, solicitando a revogação desta ordem. O meu desejo não era propriamente abandonar este bello e hospitaleiro paiz, em cujo convivio me sinto bem, mas apenas ser transferido para o Rio ou para São Paulo, pois, como jornalista, só nessas grandes cidades poderia ganhar os meios de prover a minha subsistencia.

Caso o governo não pudesse permittir a minha permanenca no Rio ou em São Paulo, que me deixasse partir para o estrangeiro ou mesmo que me entregasse ás autoridades do meu paiz. Eu preferia ver-me preso na Argentina a permanecer numa cidade do interior do Brasil, onde não me seria possível ganhar honestamente a minha vida dentro das possibilidades das minhas aptidões profiscionaes.

Tenho, porém, clamado em vão durante cerca de 20 dias, contra a coação que soffria, resolvi, ha 5 dias, iniciar, em signal de protesto, a greve da fome.

Deante da minha resoluta attitude de protesto, o governo brasileiro, ao que fui hoje informado, deliberou permittir que eu abandonasse o paiz, indo residir no estrangeiro.

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Devo assim seguir para o Rio, no trem de amanhã, e ahi então, tomarei o meu novo destino, de accordo com as determinações das autoridades brasileiras.

Devo declarar mais uma vez, comtudo, que prefiro ficar no Brasil, cuja hospitalidade me é grata, desde que me permitam a residir no Rio ou em São Paulo a partir para o estrangeiro.

Caso isso, porém, não seja possivel, como parece, desejo abandonar immediatamente o paiz.

A medida do governo, que me foi hoje communicada, não attinge os meus companheiros de exílio, que permanecerão em Juiz de Fóra.

E eis tudo o que eu posso declarar, neste attribulado momento da minha vida, aos prezados confrades de “O Jornal”.

Em negrito e caixa alta: UMA ENTREVISTA DO DELEADO REGIONAL DE JUIZ DE FO’RA A “O JORNAL”

Procurando esclarecer o caso, conseguimos falar, á tarde, pelo telephone, com o sr. João Luiz Alves Valladão, delegado regional em Juiz de Fóra.

Aquella autoridades policial de Minas, attendendo-nos com solicitude, declarou-nos o seguinte:

- Soube realmente que os exilados argentinos não estão satisfeitos nesta cidade, pleiteando a sua transferencia para outra localidade ou para o estrangeiro. Comtudo a respeito da greve da fome que um delles iniciou ha dias só sei o que os jornaes daqui tem noticiado.

A imprensa de Juiz de Fóra, com effeito, ha dias, vem tratando do caso, tendo informado que o sr. Baron Bizza estava recusando alimentos, como signal de protesto contra a medida do governo que lhes designou residencia obrigatoria o Estado de Minas. Não tive, porém, nenhuma informação official a respeito. Hoje em todo caso, me constou que o governo resolvera permittir a partida dos exilados argentinos para o estrangeiro, de accordo aliás, com o desejo por elles manifestado. É tudo quanto sei.

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Se depois obtiver informações mais seguras, terei prazer em transmittil-as a “O Jornal”. Por emquanto, porém, nada me foi communicado officialmente.

Em negrito e caixa alta: DECLARAÇÕES DO EMBAIXADOR DA ARGENTINA, SR. RAMON CARCANO

A’ noite procurámos ouvir o sr. Ramon Carcano, a respeito do caso. Recebeu-nos o embaixador argentino em sua residencia declarando-nos o seguinte:

- Eu tambem fui jornalista, disse-nos, e muito me apraz o contacto com os representantes da imprensa, tanto mais quando se trata de assumpto de interesse publico, que a opinião tem o direito de tomra conhecimento.

Solicitamos, então, ao sr. embaixador que nos informasse sobre a situação dos exilados argentinos no território brasileiro e elle nos responde:

- Infelizmente, não tenho muito o que lhe declarar nesse caso. Não seria de bom estylo de minha parte offerecer noticias sobre assumpto que é da alçada do Ministerio das Relações Exteriores.

Ser-me-á permittido, sem embargo, maniefstar-lhe que, obedecendo as instrucções do meu governo, pedimos a internação fora das fronteiras do Rio Grande de cinco cidadães argentinos, aos quaes se attribue participação no movimento subversivo que se produz nas costas do Uruguay.

O consentimento para a internação, o processo, a forma, a residencia, o logar, etc., são todos actos que dizem respeito ao governo do Brasil e a sua soberania e quem, [ . . . ] os princípios, deve permanecer de maneira a evitar que exilados possam praticar actos contrarios á tranquilidade do paiz vizinho.

Mesmo sendo um acontecimento que não deve ser motivo de preocupação, “Mais

revolucionários argentinos” chegam a Uruguaiana para serem hospedados, onde aguardarão

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ordens da capital federal brasileira. Primeiro há um número de cinco pessoas. Depois, são

diversos, sem definição, e após, são nominados um a um, conferindo com os cinco revolucionários

anunciados no início.

Os presos são procurados com freqüência e interesse por parte da imprensa local, que vai

até a prisão para coletar informações sobre o seu descontentamento, e registra uma greve de

fome realizada em protesto aos procedimentos adotados com relação a eles. São feitas entrevistas

com presos, que fazem críticas ao governo, ao mesmo tempo em que parecem defendê-lo, para

conseguir o que desejam, apelando à soberania brasileira.

Após dias sem referenciar os acontecimentos do país vizinho, “A Federação” retorna ao

assunto com a mesma marca de retomada em ecos do movimento subversivo – e não

revolucionário – na Argentina.

8º dia de “A Federação” e 20º de “Correio do Povo”

O tímido retorno de um jornal e o maciço interesse de outro

A FEDERAÇÃO, 20/01/1934

p. 8, 1 nota

Chamada, em negrito e caixa alta: E’COS DO MOVIMENTO SUBVERSIVO DE DEZEMBRO NA ARGENTINA

BUENOS AIRES, 19 – O procurador federal sr. Gonzalez deu andamento ao processo entregue a justiça federal e relativo ao movimento subversivo de 29 de dezembro ultimo.

Na sua pronuncia, o procurador solicita a prisão preventiva de cento e noventa e quatro acuzados e a libertações provisória de dezenove outros.

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Os antes revolucionários agora são membros de um movimento subversivo que tem sua

prisão preventiva solicitada por serem acusados de participar do movimento de 29 de dezembro.

As informações são de Buenos Aires, mas não de agência.

CORREIO DO POVO, 20/01/1934

Primeira página, 3 colunas – centro

Manchete, em negrito: O governo brasileiro e os exilados argentinos

Subtítulo 1, em negrito: Informações officiaes do Ministerio do Exterior

Subtítulo 2: Em Juiz de Fóra o Barão de Biza reiniciou a greve da fome

RIO, 19 (C.P.) - O ministerio do Exterior distribuiu a imprensa a seguinte nota:

“Em face da tentativa revolucionaria recentemente levada a effeito contra o Governo da Republica Argentina, o Governo brasileiro vem tomando providencias das quaes se vê que temos pautado nossa conducta não só pelos deveres de boa visinhança e política de tradicional amisade que nos une e desejamos manter com aquelle paiz, senão tambem por compromissos resultantes de tratados internacionaes em que somos parte, e pelos princípios do Direito das Gentes.

Assim, estabelecemos, desde logo, na fronteira, um serviço de vigilancia contra os elementos sediciosos que pretendessem formar, em nossos territorios, bases de operações contra o referido Governo.

Das difficuldades de uma tal vigilancia se poderá afferir tendo em conta a extensão da linha de fronteira, em que ella se tem de exercer. Demos instrucções ás nossas autoridades para deter os grupos que encontrassere e desarmal-os, enviando para esta capital os seus componentes, afim de serem aqui remettidos para o Estado de Minas Geraes, onde ficariam internados em completa liberdade, e com recursos que lhes assegurassem perfeito conforto.

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O governo argentino procedeu analogamente em relação a alguns emmigrados politicos brasileiros aos quaes internou, a nosso pedido, dando-lhes por menagem, á sua escolha, as cidades de Salto, Tucuman e Santiago del Estero. Fel-o o referido governo não obstante não sermos signatários do Tratado de Montevidéu de 23 de janeiro de 1889, que impõe ao Estado que dá asylo “o dever de impedir que os asylados realizem, no seu territorio, actos que ponham em risco a paz publica da nação contra a qual tenham commetido o delicto”. - e levando em conta as mesmas ponderosas razões que inspiram o nosso procedimento a respeito dos cidadãos argentinos refugiados em nosso territorio.

Assim procedendo, os dous paizes mostram-se fiéis a princípios que vem norteando a sua politica, no tocante ao assumpto desde muitos annos, por isso que já em tratado de 2 de janeiro de 1859, o Governo Imperial, o governo argentino e o governo uruguayo se obrigaram a “não permitir que no seu territorio se organizassem e auxiliassem revoluções e conjurações contra qualquer das outras (Partes contratantes) e seus governos, adoptando para esse fim meios efficazes, sobretudo para collocar os que se asylaram em seu territorio (sem comtudo faltar aos deveres que lhes impõe a humanidade) em uma posição inteiramente innoffensiva, desarmando-os, se estiverem armados, e entregando as armas, os cavallos e quaesquer objectos proprios para a guerra, aos outros governos.”

Recentemente, na Conferencia Pan-Americana de Havana, o Brasil e a Republica Argentina subscreveram, juntamente com muitos outros paizes, uma Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados em caso de luctas civis, promulgada por nós por Decreto de 22 de outubro de 1929, na qual se traçaram normas para evitar que no territorio de um se busque perturbar a paz e a tranquilidade de outro dos Estados signatarios. No mesmo sentido e dentro da cooperação que os Estados se devem, o Brasil celebrou, além dessa Convenção multilateral, outras bilateraes, com o Uruguay e com a Venezuela, esta já em vigor nos dois paizes contractantes.

O governo brasileiro, para mantel-os na “posição inteiramente inoffensiva” a que alludem os antigos tratados, internou em Minas Geraes varios cidadãos argentinos encontrados em cidades fronteiriças, e cujo governo nos solicitou a medida do internamento allegando razões que não nos fôra licito sequer pôr em duvida.

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Essas razões nos levaram a localizar os referidos refugiados não nesta capital, onde maiores facilidades se lhes poderiam deparar para exercitar contra o governo argentino as actividades de que este os accusa, mas em um Estado mediterraneo, no qual lhes pudessemos offerecer, com a salubridade de clima, todas as commodidades que desfructariam aqui, e se tornasse mais efficiente a vigilancia que nos cumpre sobre elles exercer.

O governo brasileiro assegura a esses cidadãos argentinos inteira liberdade, inclusive a de partir para o estrangeiro, onde, ainda mais distantes de seu paiz, suas actividades se possam tornar menor suspeitas e seu governo; dá-lhes todos os recursos de que careçam para sua decente subsistencia, mas não poderia admittir que, a sombra dessa liberdade aqui praticassem actos contra a tranquilidade do outro Estado, convertendo-se destarte a nossa hospitalidade em cumplicidade do Brasil com actividades contra o governo de um paiz amigo.

Em negrito e caixa alta: O BARÃO DE BIZA REINICIARA’ A GREVE DA FOME

JUIZ DE FORA, 18 (C. P.) – O barão de Biza, um dos emigrados politicos argentinos ora asylados nesta cidade reiniciará amanhã a gréve da fome, em consequencia de lhe ter sido novamente denegada permissão para deixar a cidade.

O titular referido obtivera do governo federal por intermedio do general Deschamps Cavalcanti, permissão para partir com destino ao Rio de Janeiro quando o desejasse, afim de embarcar para a Europa. Deante disso, levantou a gréve de fome que iniciára ha dias. Como, porém, o seu estado de prostração fosse grande, o medico militar aconselhou-o a não viajar hontem, devendo fazel-o hoje, em companhia do coronel Fontoura. Hontem, ás 22 horas, entrentanto, o zarão de Biza foi notificado pelo general Deschamps que, de ordem do governo federal, elle deveria permanecer, em Juiz de Fóra até que as autoridades providenciassem sobre a acquisição do passaporte necessario e da passagem para a Europa.

Deante disso, em signal de protesto o barão de Biza decidiu reiniciar a gréve da fome. O referido titular tinha solicitado permissão para embarcar com destino ao Chile, devendo seguir no próximo dia 25 do corrente via Punta Arenas.

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Entrevistado, declarou elle que proseguirá na parede até obter permissão para embarcar para onde entender.

Sabe-se que o commandante da região pediu ao commandante geral do Exercito que reconsidere a determinação anterior.

Em negrito e caixa alta: UM PEDIDO DE HABEAS-CORPUS

RIO, 19 (A. B.) – O sr. Silveira Martins impetrou uma ordem de habeas-corpus ao Supremo Tribunal Federal, em favor do exilado argentino Barão Biza.

Da capital federal o jornal informa novamente, através da transcrição de uma nota oficial, o

andamento dos acontecimentos sobre os exilados argentinos. A nota refere-se a uma tentativa

revolucionária a qual o Brasil, pautado não só pelos deveres de boa vizinhança e política de

tradicional amizade , toma medidas na fronteira, e passa a explicar as razões diplomáticas pelas

quais ambos os países estão adotando providências para que a paz continue, e, ao mesmo tempo,

justifica o motivo dos exilados não terem sido baseados na capital federal, critério que vinha sendo

alvo de críticas dos presos e que desencadeia nova greve de fome .

De uma agência recebe e a notícia e informa que o prisioneiro grevista está sendo defendido

e que já teve um pedido de habeas corpus impetrado. O destaque é bastante grande, três colunas

na primeira página. Ou seja, existe o “tímido retorno de um jornal e o maciço interesse de outro”,

em contraposição.

9º dia de “A Federação” (e último) e 21º de “Correio do Povo”

Chegadas e partidas; o que diz a capital?

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A FEDERAÇÃO, 27/01/1934

p. 3, 1 nota na base

Chamada, em negrito: Chegou ao Rio, o tenente-coronel Benjamin Vargas

RIO, 27 (A. B.) – Pelo avião da Panair, chegou o sr. Benjamin Vargas.

p. 6

1 coluna ao centro

Chamada, em negrito, caixa alta: SÃO BORJA

Chamada interna, negrito: Hospital dos Pobres – Colégio Elementar Getulio Vargas – Gal. Toledo Bordini – Lançamento da pedra fundamental do edifício da estação local – Homenagem a um novo medico

SÃO BORJA, 22, via postal [ . . . ] - Chegou a esta cidade, em carro especial da Viação Ferrea o ilustre militar general João Carlos Toledo Bordini, comandante da 5ª Divisão de Cavalaria, sediada em Bagé.

A viagem do general Bordini, prende-se aos recentes acontecimentos revolucionarios decorridos na Argentina, vindo êle proceder a inquerito aqui, depois de te-lo feito em Uruguaiana, por determinação do Chefe do Governo Provisorio.

O caráter de celebrização e atorização retorna ao dar destaque à chegada do irmão do

presidente à capital federal, o que é informado via agência.

O motivo desta chegada, no entanto, não é informado.

Na segunda matéria, sem destaque, e entre outras notícias de naturezas diversas, informa

que em carro especial chegou o ilustre militar Bordini, cuja viagem prende-se aos recentes

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acontecimentos revolucionários na Argentina, chegando a São Borja, vindo de Uruguaiana, por

determinação do Chefe do Governo Provisório. As conclusões destas investigações não são

divulgadas neste momento.

CORREIO DO POVO, 21/01/1934

p. 28, 2 colunas – centrais e na base

Manchete, em negrito: O caso dos exilados argentinos

Subtítulo 1, em negrito: O Instituto dos Advogados, do Rio, defende o direito de asylo dos emigrados politicos que se encontram no Brasil

Subtítulo 2: Como a imprensa carioca recebeu a nota distribuida a respeito pelo ministerio do Exterior

Em negrito e caixa alta: O DIREITO DE ASYLO

RIO, 20 (C.P.) – A mesa do Instituto dos Advogados deliberou manifestar solidariedade á defeza do sagrado direito de asylo aos immigrados politicos que se encontram no Brasil, lamentando profundamente o que se passa, e que, por qualquer forma desmerede nossas honrossissimas tradições de hospitalidade, pois o governo está constrangendo a liberdade de expatriados, isentos de qualquer pena ou culpa.

Em negrito e caixa alta: REINCIDENCIA EXCESSIVA CONCESSÃO EXAGGERADA

RIO, 20 (C.P.) – O “Jornal do Brasil” tambem se occupa da nota do Itamaraty a proposito do internamento de exilados argentinos.

Diz que o facto de havermos pedido providencia semelhante á Argentina, só poderia significar, de nossa parte, uma reincidencia numa praxe excessiva e, da parte da Argentina, numa concessão tambem exaggerada.

Accentua que num paiz como o nosso, dar por menagem todo o territorio, exceptuado os Estados fronteiriços, seria cumprir tudo que os deveres de boa visinhança podiam reclamar. Faz mais alguns

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commentarios e conclue: “Se a Argentina faz o mesmo, tanto peor para ella e para nós, pois todos os paizes deviam-se esforçar para que seus exilados políticos encontrassem o maior amparo possivel nos territorios a quem fossem arrastados pelo infortunio. A protecção nacional não se deve reservar aos que commungam com o credo partidario de um determinado governo mas deveria ser sempre – como esses céus maravilhosos que se enchem de estrellas – para todas as criaturas, sem lhes indagar suas doutrinas políticas.

Em negrito e caixa alta: UMA NOTA DO “JORNAL DO COMMERCIO”

RIO, 20 (C.P.) – O “Jornal do Commercio”, a proposito dos exilados argentinos, diz que a nota do governo a respeito de nossa attitude em face dos recentes successos na Argentina collocou a questão nos devidos termos e patenteou a correcção de nossas autoridades no seu firme proposito de praticar com aquelle paiz uma politica de boa visinhança, que o governo provisorio vem cultivando.

Esse matutino faz varias considerações de ordem juridica e internacional concluindo que o procedimento do governo, além de ajustar-se perfeitamente aos dispositivos desses actos internacionaes, justifica-se pelas razões expostas, merecendo, por isso, todos os louvores.

Agora a situação dos exilados também já é um caso, visto que continua recorrente. O

Instituto dos Advogados do Rio de Janeiro entra na discussão, e os presos agora são asilados e

emigrados políticos que se encontram no Brasil. As adjetivações e adverbializações sem critério

continuam, em expressões como lamentando profundamente o que se passa e honrosíssimas

tradições de hospitalidade .

Além disso, narra a opinião dos advogados sem comentar seu mérito ao afirmar que o

governo está constrangendo os expatriados que seriam isentos de qualquer pena ou culpa.

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Prossegue com a repercussão das ações do governo em outros jornais da capital federal,

pela sua importância jornalística, política e geográfica. O Jornal do Brasil, por exemplo, se ocupa

da nota do governo e produz julgamento ao afirmar que só poderia significar, mas não se

posiciona, apenas cita a opinião daquele jornal. O mesmo ocorre com a nota reproduzida do Jornal

do Comércio, que conclui que o procedimento do governo além de ajustar-se perfeitamente

também justifica-se e merece todos os louvores. Embora as posições fossem contrárias, o

“Correio do Povo” não faz o seu julgamento.

Enquanto “A Federação” apenas dá uma nota da presença do irmão de Getúlio Vargas à

capital federal, neste dia nomeado como “Chegadas e partidas; o que diz a capital?”, as notícias do

Rio de Janeiro, como mostra a repercussão dos jornais daquela localidade, ainda eram referentes

aos argentinos.

22º dia – Os exilados continuam em destaque

Porto Alegre, 23 de janeiro de 1934.

Primeira página, 1 coluna – do centro para a base

Manchete, em negrito: O caso dos exilados argentinos

Subtítulo 1, em negrito e caixa alta: O GOVERNO PROVISÓRIO RESOLVEU CONCEDER-LHES LIBERDADE

RIO, 22 (C. P.) – O governo resolveu conceder liberdade aos exilados argentinos que se achavam internados em Minas Geraes.

Os srs. Baron Bizza e o major Archibald Gonzáles, internados em Juiz de Fóra, chegaram aqui, hontem á noite, acompanhados pelo engenheiro da E. F. C. B. Osório de Almeida e varios officiaes do Exercito brasileiro.

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Ficou, assim, prejudicado o “habeas corpus” que os srs. Silveira Martins e Nestor Massena haviam impetrado em favor dos exilados e que seri julgado hoje, no Supremo Tribunal.

p. 7 (noticiário), bloco no espaço de 2 colunas no topo à direita

Manchete, em negrito: Ecos dos successos revolucionarios na Argentina

Subtítulo 1, em negrito: De sua viagem á fronteira, voltou o general Toledo Bordini

Subtítulo 2: Declarou que sua missão fora secreta, por isso nenhuma declaração fazia à imprensa

Dias atraz, o governo federal, em telegramma, solicitou ao comando da 3ª Região Militar que destacasse uma alta patente do Exercito desta guarnição, para pessoalmente fazer um inquerito em torno dos recentes successos revolucionarios da Argentina.

Essa medida fora tomada em consequencia de queixas do governo da visinha republica levadas ao nosso governo de que os revolucionarios se tinham reunido, antes disso, em nosso territorio, passando depois com outros elementos nossos para a Argentina.

Dessa missão ficou encarregado o general Toledo Bordini, commandante da 2ª D. V. que, acompanhado do tenente Saldanha Menezes, seguiu, logo, a percorrer os municípios que fazem fronteira com aquella Republica.

Visitou primeiramente São Borja, depois São Luiz, Itaquy, Uruguayana, indo até a foz do rio Quarahy.

Ouviu autoridades e outras pessoas afim de se inteirar de tudo o que se passara em nossas localidades fronteiras com a Argentina.

Terminada a sua missão o general Bordini transportou-se para esta capital, aqui chegando hontem, sendo que hontem mesmo se apresentou ao quartel-general da 3ª Região Militar, tendo tido uma conferencia com o general Franco Ferreira.

De tudo deu conhecimento do que notára e ouvira. E, abordado pela nossa reportagem, o general Bordini, disse nada poder dizer a

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respeito. A sua missão, fora secreta, pois somente ao governo federal daria conhecimento do que apurára. Por isso, tivemos logo de fazer meia-volta, volver...

Novamente o caso dos “exilados continua em destaque”. Na primeira página, inicia com a

chamada de que o governo provisório resolveu conceder-lhes a liberdade. Já no noticiário, na

página 7, os ecos dos sucessos – aqui e sempre que citado deve ser entendido como

acontecimentos – revolucionários voltam à pauta, com a chegada do general Bordini, que estava

realizando investigação sobre o assunto. Segundo o jornal, o general declarou que a sua viagem

tratava-se de missão secreta, e que, justifica, por isso, nenhuma declaração fazia à imprensa.

E assim continuou não fazendo grandes declarações, pois, após informar por onde passou, sendo

importante ressaltar que visitou primeiramente a cidade de São Borja, depois São Luiz – cidade

que só havia aparecido quando Dario Crespo citou o jornalista Saldanha –, Itaqui, Uruguaiana e

arredores.

O jornal conclui dizendo que o general deu conhecimento de tudo que notara e ouvira

em suas investigações, mas que, abordado pela reportagem do “Correio do Povo”, disse nada

poder dizer a respeito e que somente ao governo federal daria conhecimento do que

apurara. Portanto, o próprio jornal reconhece, com sarcasmo, teve que fazer meia-volta, volver,

e encerra com reticências, deixando o leitor concluir aquilo que quiser.

23º dia – Liberdade aos exilados

24/01/1934

p. 7, 1 coluna canto direito

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Em negrito: A situação dos exilados argentinos

Em negrito: Foi julgado, hontem, no Supremo Tribunal Federal “habeas corpus” impetrado em favor desses politicos

Os exilados foram postos em liberdade

RIO, 23 (C.P.) – Em sessão de hontem, o Supremo Tribunal Federal julgou o habeas corpus impetrado pelos advogados Nestor Massena e Silveira Martins, em favor dos exilados argentinos Baron de Biza e o jornalista Artibau Gonzalez, que se achavam internados em Minas Geraes, contra a sua vontade.

Foi relator do feito o ministro Carvalho Mourão.

Usando da palavra o sr. José Julio da Silveira Martins, um dos patronos dos exilados argentinos, defendeu com brilho o pedido, em face da legislação brasileira e das nossas tradições politicas jamais desmentidas.

Refere-se oa tempo do Imperio, quando o direito de asylo já fora defendido pelo seu pae, Gaspar da Silveira Martins.

O orador declara que o Brasil não podia deixar de conceder ampla liberdade e completas garantias aos exilados argentinos, deixal-os livres, de quaesquer constrangimentos, se não quizesse romper com o seu passado.

Allude ainda o sr. Silveira Martins á situação dos revolucionarios brasileiros do encouraçado “São Paulo”, que na Argentina encontraram asylo e integral liberdade, bem como os de 930, que ainda lá se encontram, nas mesmas condições.

Esgotado o prazo de que o sr. Silveira Martins podia dispôr para fazer uso da palavra, passou o relator, ministro Carvalho Mourão, a proferir o seu voto.

S. ex. tomava conhecimento do pedido para julgal-o prejudicado, de vez que os parentes já tinham sido postos em liberdade, e esta era a unica razão de ser do pedido.

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O Supremo Tribunal approvou unanimemente o voto do ministro relator.

Em negrito e caixa alta: APÓS O JULGAMENTO – UMA PALESTRA COM OS EXILADOS

Logo após o julgamento, no Palace Hotel, onde se encontram hospedados aquelles politicos, mantivemos com elles ligeira palestra.

Queriamos colher as suas impressões, e começamos por felicital-o pela solução do caso.

O sr. Baron de Biza, visivelmente satisfeito, assim nos respondeu:

– O triumpho não foi meu, mas sim dos meus companheiros de imprensa brasileira, dos brasileiros, do Brasil e de todos os homens livres e dignos do mundo.

Estou perfeitamente convencido de que os homens guiados pelo ideal não precisam falar, nem se conhecerem para um completo entendimento. E’ meu amigo, temos a obrigação de legar aos nossos filhos mais liberdade do que recebemos e nunca menos.

Referiu-se, depois, ás condições apresentadas ao governo brasileiro para viver como exilado politico deante das primeiras ordens expedidas para sua estadia obrigatoria em Juiz de Fóra.

Essas condições foram as seguintes: liberdade de transito; ter o Rio por menagem; abandonar o paiz podendo ir para a Europa ou finalmente ser entregue ás autoridades argentinas.

Deante, porém, da intrasigencia das nossas autoridades, segundo foram informados, lançaram mão do recurso de “habeas corpus” hoje julgado prejudicado em virtude de lhes ter sido concedida liberdade pelo Governo Provisorio.

Assim ficarei no Rio nesta America do Sul da qual sinto tanto orgulho em ser filho.

Estavamos satisfeitos, e em seguida nos retiramos, visto que chegavam diversas outras pessoas para felicitarem aquelles exilados argentinos.

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Em negrito e caixa alta: O COMMANDANTE DA REGIÃO PÕE EM LIBERDADE OS EXILADOS POLITICOS

JUI DE FORA, 22 (C. P.) – O general Deschamps, commandante da 4ª Região Militar communicou ao Baron Biza ao major Artibau Gonzalez que podiam partir para o Rio de Janeiro, ás 2.40 horas de trem sem nenhuma explicação.

O jornalista argentino decide consultar, pelo telephone, seu advogado defensor sr. Silveira Martins e o sr. Nestor resolveu embarcar, hoje, depois de receber, tambem a opinião de seu medico assistente.

A reprodução do depoimento como intenção de colher as impressões isenta o jornal das

adjetivações dos presos, mas a afirmação de que felicitou os envolvidos pela solução do caso e de

que saíram satisfeitos denuncia um sentimento de felicidade com aquela situação, e de emissão de

julgamento e opinião. No entanto, a “Liberdade aos exilados” não está mais na primeira página, ao

contrário das últimas notícias sobre o assunto, demonstrando o início do fim da cobertura.

24º dia – Finalmente, o embarque

25/01/1934

p. 7 (noticiário), 2 colunas no canto direito

Manchete, em negrito: Embarque de revolucionarios argentinos

Subtítulo 1, em negrito: No “Itahyté”, seguem hoje para o Rio os revolucionarios que aqui se encontravam, sob as vistas do commandante da 3ª Região

Subtítulo 2: Da capital da Republica, serão elles remettidos a Minas Geraes, onde ficarão internados

De acordo com as instrucções recebidas, o general Franco Ferreira, commandante da 3ª Região Militar, fará embarcar, hoje, a bordo do “Itahyté”, acompanhados de um official, cinco revolucionarios argentinos, que tomaram parte no levante de Libres e aqui chegaram, ha dias, de Uruguayana, ficando hospedados no Magestic Hotel.

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Esses revolucionarios sobre os quaes já publicamos detalhada reportagem, logo depois de se apresentarem ás autoridades militares desta capital, são o dr. Juan Otero Cebellero, o estudante Juan Otero Serrano e os tenentes Valentim Mario Mieto, Fausto A. Tussoli e José Luiz Pavon.

Seguem elles acompanhados da família do coronel Pomar, chefe revolucionario argentino, que já se encontra internado em Bello Horizonte, para onde tambem se destinam.

Todos esses exilados vieram trazer-nos, hontem, pessoalmente, as suas despedidas e pedir tornassemos publico seus agradecimentos a este jornal e ao commandanteda 3ª Região, pelas provas de consideração que mereceram.

Alem dos argentinos que tiveram ordem de embarcar hoje, ficam no quartel do 7º B.C., aguardando destino, os sub-officiaes Porter Carios, Nibeiro Victor, Rolon José Manuel e os soldados Oviedo Hercilio, Mena Juan Felix, Almiron José, Carvalho Luciano, Zaulet Pedro Aristobulo, Zaulet Bernardo, Gonzales Serviano, Andrada Benicio, Palacio Innocencio, Palacios Clodomiro, Rios Arnaldo, e Martinez Arturo.

A família do coronel Pomar, composta de sua esposa e um filho menor, já aqui se encontrava, desde fins de dezembro, quando foi remetido para Uruguayana para esta capital, aquelle official superior do Exercito argentino e um dos chefes do fracassado movimento, que se verificou, nos ultimos dias de dezembro, na fronteira daquelle paiz com o nosso.

O dr. Juan Otero Serrano Cabellero era advogado na capital argentina e desde a deposição do extincto presidente Irigoyen, como todos os seus companheiros, vem lutando ao lado do Partido Radical, do qual é ardoroso adepto.

Hontem, os cinco revolucionarios argentinos que seguem hoje para o Rio, estiveram no Quartel General, despedindo-se do general Franco Ferreira.

A menção continua sendo a revolucionários argentinos, que agora embarcam para Minas

Gerais, e que manifestam ao jornal pessoalmente suas despedidas e pedidos de que tornasse

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público seus agradecimentos a este jornal pelas provas de consideração que mereceram, na

detalhada reportagem que o jornal havia feito. Desta vez, são nominados, além dos já citados

cinco principais prisioneiros, outros suboficiais.

O clima de despedida é de festa e comemoração, com despedidas e manifestações de

apreço.

“Finalmente, o embarque” reforça a satisfação do jornal na solução do caso dos

revolucionários.

25º dia – O Itamaraty se pronuncia

26/01/1934

p. 14 (última), 3 colunas no canto esquerdo, no topo

Manchete: E’cos dos ultimos acontecimentos na Argentina

Subtítulo 1, em negrito: Uma nota do Itamaraty a proposito dos cidadãos argentinos internados pelo governo brasileiro

RIO, 25 (C.P.) – O Ministerio das Relações Exteriores enviou aos jornaes a seguinte nota:

“O Ministerio das Relações Exteriores, em nota ha dias fornecida á imprensa, deixou esclarecidas as razões da attitude do governo brasileiro, em face do movimento revolucionario ultimamente levado a effeito contra o governo da Republica Argentina, em cidades da fronteira com o Brasil. Seu objectivo foi rectificar informações publicadas sobre o assumpto, aquil e alhures.

Julga conveniente, deante de novas publicações apparecidas na imprensa desta capital sobre a situação dos cidadãos argentinos internados pelo governo brasileiro, ministrar á opinião publica mais os seguintes esclarecimentos a respeito:

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O governo argentino apontou ao nosso, como implicados nos acontecimentos revolucionarios, recentemente occorridos na fronteira da Republica Argentina com o Rio Grande do Sul, os mencionados cidadãos argentinos, que foram encontrados em cidades brasileiras bem vizinhas das que serviram de Theatro áquelles successos.

A versão que nos deu aquelle governo de taes factos – coincidente, aliás, com a que publicou a imprensa, em todo o mundo – nol-os descreve como um puro assalto á mão armada, levando a effeito com actos da mais inqualificavel violencia, que se caracterizaram pelo assassinato de numerosas pessoas, pelo saque da cidade, e pelo roubo, sob ameaças, de bancos e de caixas de repartições publicas.

O governo brasileiro não poderia, nem póde, evidentemente, entrar na apreciação da natureza de taes successos, ante os quaes tinha o dever de guardar, como guardou, a mais estrita neutralidade.

Mas os motivos que serviram de base ao pedido de internamento dos já referidos cidadãos argentinos e as graves accusações contra os mesmos formuladas por seu governo, eram de molde a impor-nos, para logo, a seu respeito, a adopão de medidas de caracter preventivo, afim de que, desvirtuadas não fossem, pelo abuso de nossa hospitalidade, as finalidades do direito de asylo invocado por aquelles emigrados politicos, ao entrarem no nosso territorio.

E tanto mais urgente se nos impunha esse dever quanto é certo que algumas pessoas a quem se tratou de applicar taes medidas, ao verificarem aquelles successos, já se encontravam em nosso paiz, na região em que se produziram os factos nos quaes seu governo as declara implicadas.

Releva notar que, além disso, occorria a circumstancia de que um desses estrangeiros, desde muito antes, a pedido de seu governo, fôra internado no Estado do Rio Grande do Sul, tendo-se-lhe dado por menagem a cidade de Porto Alegre, e era accusado pelo governo argentino de haver praticado varios abusos, que importam na quebra de suas obrigações para com o paiz que o acolheu.

Ante a extrema gravidade da situação, o governo brasileiro, sem faltar aos seus deveres de hospitalidade, deliberou conceder aos referidos emigrados argentinos os benefícios do asylo, sob a

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modalidade do seu confinamento em determinados pontos do territorio nacional.

Os que obtém asylo em um Estado collocam-se, “ipso facto”, fóra do alcance da acção repressiva do Estado de que procedem, no que respeita aos delictos políticos, que porventura ali tenham praticado.

A esse direito, porém, corresponde a obrigação, para os asylados, de se absterem, no Estado que os acolhe, sob a protecção de suas leis, de qualquer actividade de que se possa haver por damnosa aos interesses do Estado de onde emigraram.

A Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados em caso de luctas civis, celebrada na Conferencia Panamericana de Havana, por todos os paizes da America e promulgada no Brasil, por decreto de 22 de dezembro de 1929, impõe ás partes contractantes o dever de “empregar os meios ao seu alcance para evitar que os habitantes de seu territorio, nacionaes ou estrangeiros, tomem parte, reunam elementos, passem a fronteira ou embarquem no seu territorio para iniciar ou fomentar uma guerra civil”.

Para observancia de um compromisso internacional como esse, o Estado que asyla emigrados politicos podera sobre elles exercer vigilancia, que será tanto mais affectiva quanto maiores forem as suspeitas que sobre os mesmos recaírem. O exercício dessa vigilancia, desnecessario em muitos casos, dependerá sempre das condições em que se houver effectuado o asylo.

Na forma de exercer essa vigilancia é o governo que dá asylo o unico juiz, não procedendo as reclamações de particulares a tal respeito.

O Estado póde, assim, quando o exigerem as circumstancias, confinar os asylados em determinados pontos de seu territorio.

Invocando os benefícios desse instituto, o estrangeiro terá de submetter-se ás restrições eventualmente impostas pelo Estado que lhes concede, ditadas pelo superior objectivo de evitar que á sombra daquelle direito se busque prejudicar o de uma nação amiga, perturbando-lhe a paz publica.

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A recusa, por parte dos asylados, de submetter ás restrições que o Estado, na sua acção fiscalizadora, julgar necessario impor-lhes, poderá leval-o a usar, em relação áquelles, do direito de os fazer abandonar o paiz.

O asylo não foi instituído para assegurar aos asylados, no territorio de um Estado, um reducto invulneravel, de onde pudessem prejudicar os interesses de outro, sem que a este se concedessem meios de promover a sua punição.

Despojado de seus caracteres fundamentaes, esse instituto se tornaria incompativel com a harmonia das relações entre os povos.

Nas condições actuaes das relações entre os Estados, em que se impõem, cada vez mais, como imperativo dos tempos que correm, a solidariedade de uns com os outros e uma estreita collaboração delles entre si, não se comprehenderia que um Estado permanecesse indifferente ás actividades que se exercessem em seu territorio, com o fim de causar damno a outro, e, sobretudo de lhe perturbar a paz interna.

Foi attendendo a todas estas considerações, que o governo brasileiro, no uso de suas attribuições que lhe são privativas, fez vir ao Estado do Rio Grande do Sul para esta capital a cidadãos argentinos que haviam procurado asylo em nosso territorio.

Daqui os fez seguir para o Estado de Minas Geraes, onde lhes foram dadas por menagem as cidades de Bello Horizonte e Juiz de Fóra.

Esta é a formula juridica, mediante a qual se conciliam, ao caso, os nossos deveres de hospitalidade com os que resultam da doutrina que informa nossos tratados internacionaes a respeito, e com os de boa vizinhança.

O governo concederá facilidades para deixarem o territorio nacional aos asylados que lhe solicitarem, para o que terão licença de vir a esta capital, aqui embarcando com o destino que lhes approuver.

O governo brasileiro, sem risco de faltar aos seus deveres internacioanaes, não poderia dispensar a pessoas contra quem se

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formularam tão graves accusações, o mesmo tratamento que sempre temc oncedido a outros exilados politicos como os que antes de agora, se têm abrigado á sombra da nossa bandeira. Não poderia confundir as condições que se tem dado asylo a estes com as que determinaram o confinamento daquelles, assim como se não pode confundir a situação de politicos brasileiros que, na Republica Argentina, gozam dos benefícios do asylo, com a dos cidadãos que o governo dessa nação amiga, a nosso pedido, resolveu internar em Salta, Tucuman e Santiago del Estero.

O Ministerio das Relações Exteriores comprehende e aprecia devidamente a nobreza de sentimentos e a elevação de que, no trato dessa delicada questão internacional, a imprensa do paiz, mais uma vez deu provas, em sua missão altamente civilizadora de esclarecer a governados e governantes.

Pia de seu patriotismo para esperar que, deante das presentes informações, ella reconhecerá que a chancellaria brasileira não deslustrou, antes soube honrar, em sua acção no caso, tradição que lhe é tão cara qual a da hospitalidade com que sempre damos asylo a immigrados politicos, – como não deslustrou e tambem soube honrar tradição outra, egualmente preciosa e cara, – e na qual reside a sua finalidade mesma – qual seja a de preservar e defender a harmonia das relações do paiz com os demais povos.”

Mesmo sendo notas de governo, é o “Correio do Povo” e não “A Federação” quem as

publica. “O Itamaraty se pronuncia” somente após o embarque, em tom de justificativa, de

cientificar e embasar jurídica e diplomaticamente as ações governamentais, esclarecendo possíveis

mal entendidos que teriam sido culpa da imprensa, como está explicitado em julga conveniente,

diante de novas publicações parecidas na imprensa desta capital [ . . . ] ministrar à opinião

pública os seguinte esclarecimentos a respeito [ . . . ], procedendo, então, o esclarecimento

referido.

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26º dia – Exceção entre as exceções

28/01/1934

p. 7, 2 colunas centrais

Em negrito: Foram postos em liberdade os revolucionarios argentinos detidos em Uruguayana, com excepção do cel. Pomar e de seu secretario

Os exilados ficaram alojados nos pavilhões da Sociedade Agrícola e Pastoril, tendo, fazendeiros e outras pessoas, lhes offerecido generos para seu sustento

URUGUAYANA, 27 – Hontem, ás 22 horas, foram postos em liberdade todos os revolucionarios argentinos recolhidos ao 8.º Regimento, com excepção apenas do tenente coronel Gregorio Pomar e de seu secretario, jornalista e advogado dr. Gastão Bernardes.

Estes deverão seguir, amanhã ou depois, para o Rio, via Porto Alegre, e serão acompanhados do capitão José Thomé Xavier Britto.

Hoje estivemos no quartel palestrando com o tenente coronel Luiz Gaudie, commandante do 8.º.

Esse official nos declarou que havia posto em liberdade os presos referidos em virtude de uma ordem vinda do proprio palacio do governo e que esses exilados não poderão continuar agrupados.

Entretanto tiveram de alojar-se, todos nos pavilhões da Sociedade Agrícola e Pastoril, emquanto não tiverem destino, pois irão, aos poucos, separando-se, seguindo para as estancias ou outros lugares.

Adiantou o commandante do 8.º que, de accordo com as instrucções recebidas, entregou os revolveres que pertenciam aos mesmos, ficando appreendidas as armas de guerra, grande quantidade de munição e algumas peças de metralhadoras.

O commandante do regimento e os officiaes tem permanecido no quartel, trabalhando activamente no desempenho de sua missão, tomando providencias para nada faltar aos revolucionarios argentinos.

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O tenente coronel Pomar e o dr. Gastão Bernardes, que visitamos no quartel, estavam rodeados de amigos que os foram visitar, tendo, desde que se acham detidos recebido, durante o dia, innumeras visitas.

O coronel argentino sr. Julio Ávila, ao ter conhecimento da ordem de serem postos em liberdade os revolucionarios, escreveu ao commandante Luis Gaudie, pedindo que não puzesse em liberdade os detidos, afim de esperar que viessem a Uruguayana os officiaes argentinos que desejavam interrogar e entender-se com os revolucionarios.

Como era natura, o commandante do 8.º não attendeu o pedido do consul, informando a este que só poderia attendel-o se recebesse ordem das autoridades superiores do Exercito brasileiro, não sendo portanto possível reter, depois das ordens recebidas, aquelles revolucionarios argentinos.

Fazendeiros e outras pessoas offereceram vaccas e generos hoje, aos exilados que se recolheram á Sociedade Agrícola, onde ficarão reunidos durante alguns dias, até tomarem destino, separadamente.

O jornal informa que, ao contrário do que poderia ter sido entendido antes, com a notícia de

libertação, alguns presos – revolucionários argentinos – continuariam detidos, embora apenas

alguns. Uma “exceção entre as exceções”. Estes, no entanto, estariam recebendo inúmeras visitas,

transmitindo um clima de cordialidade mesmo entre presos.

27º dia – O tratamento dos presos

30/01/1934

p. 10, 1 coluna canto direito

Em negrito e caixa alta: ARGENTINA

Em negrito: O tratamento que está sendo dispensado aos presos políticos

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BUENOS AIRES, 22 (A. B.) – Informações procedentes de Santa Fé

dizem que o governo está preoccupado com o tratamento que é dado

aos presos políticos. Para tal fim, o governo de Santa Fé pediu ao

governo federal a admissão de cem presos políticos no 11.º Regimento

de Infantaria.

Da Argentina, por agência, há uma informação de preocupação com o tratamento aos

presos políticos.

No entanto, o jornal não diz de que ordem eram estas preocupações, já que as notícias que

chegavam eram de que estavam sendo bem tratados. Simplesmente transmite a notícia, sem

explicações maiores, e com essa notícia sobre o “tratamento dos presos”, encerra a cobertura.

5.2.3.3 Recompondo segundo minhas impressões

Ambos os jornais procuram, estrategicamente, fugir de explicitar a sua opinião oficial sobre

o assunto, transferindo-a para as várias versões construídas, seja por seus correspondentes,

agências ou notas oficiais de governo, sem fazer um fechamento que esclareça ao público qual a sua

posição.

Apesar disso, em diversos momentos, através do uso de advérbios e adjetivos, fazem

julgamentos e conferem qualidades às pessoas e situações, sem a preocupação de explicá-las.

Existe superficialidade no “Correio do Povo” ao publicar matérias sobre o assunto. Muitas

delas são apenas reproduções, sem levantamento próprio.

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Em alguns momentos, no entanto, como durante os silêncios de “A Federação”, o jornal

opta por assumir um final para a cobertura, que não é retomada mesmo com todas as informações

que o “Correio do Povo” levanta, sem qualquer comentário. Aqui, a omissão cumpre o seu papel.

O que há de mais específico em cada um dos jornais estudados começa justamente pela

escolha em omitir ou não os fatos, dar seguimento à cobertura ou não. Conforme verificado, o jornal

“A Federação”, na mesma época em que o “Correio do Povo” publicou a entrevista com a

autoridade policial que cuidava do caso, limitou-se a registrar mais uma notícia sobre as mortes

apenas no obituário.

Mas esta não é a única questão. “A Federação”, diário oficial do governo, como o próprio

jornal se denomina, subvertia a ordem da agenda pública em favor da agenda privada, como foi

possível verificar na cobertura do segundo acontecimento interligado, do dia 29 de dezembro,

quando o fato principal não foi noticiado por estar sendo preparada uma edição especial de

aniversário do jornal.

Apesar de no início o “Correio do Povo” também ter igualmente lamentado as mortes e

demonstrado o choque causado na sociedade são-borjense, o limite não foi a comoção, nem houve

constrangimento em continuar a cobertura, mesmo que dela resultasse um desconforto diplomático.

A notícia – e o público a ser informado – estava em primeiro lugar.

O “Correio do Povo” despontava como um jornal informativo, que não se prendia a

constrangimentos partidários, que pretendia dar informações detalhadas, e, como o primeiro

exemplar anunciava, não restringia o alvo a “determinados indivíduos de uma única facção”, mas

procurava ser popular e abrangente.

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A clareza em sua linha político-partidária poderia eximir “A Federação” de maiores

constrangimentos por não ter continuado a dar a notícia, devido a um caráter cívico, já que todos

tinham condições de compreender que, por ser um órgão do governo, teria também a missão de

acalmar a sociedade.

No entanto, aceitando essa hipótese, está comprometido o jornalismo e o dever de informar

a verdade ao público, já defendido no início do século por Rui Barbosa.

Esses “buracos” na cobertura de “A Federação” propiciam, quem sabe, um buraco também

no raciocínio do leitor, para que este vá gradativamente perdendo o interesse pelo assunto apontado

pelo noticiário, tomando para si o poder de escolha do que deve ser do interesse da sociedade e o

que não deve ser.

Diferentemente de “O Correio do Povo”, que publicava várias versões sem um fechamento,

ao afirmar que não ficou o “menor equívoco”, “A Federação” propõe-se concluir pelo leitor o que

se apreende do acontecimento.

Um ponto negativo da convergência entre os jornais é que ambos não conseguiram

relacionar os fatos de outubro e dezembro. O que não se sabe é se esta falta de relação foi

proposital ou efeito da eficiência da família Vargas em não deixar que esta relação chegasse aos

jornais. Esse espaço só pôde ser preenchido com a recuperação de versões literárias e

testemunhais.

Juízos de opinião, incógnitas e omissões alternam-se nas construções e desarticulações que

as coberturas operam. A quantidade de informações sem uma “costura” final, possivelmente deixam

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144

o leitor sem saber em qual versão acreditar, pois todas podem ser válidas. Não deixar que uma

opinião se configure também é uma forma de produzir sentido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na época em que iniciei o anteprojeto desta pesquisa, várias possibilidades se

apresentavam, espalhadas nas diferentes versões encontradas, nos campos literário, jornalístico e

testemunhal.

Ao evoluir para um trabalho de conclusão, aceitei o desafio de que, para concluir alguma

coisa, precisaria estudar as versões a partir de teorias que ajudassem a sustentar minhas afirmações,

que encontrei e dissertei a respeito no capítulo teórico desta obra.

A importância das teorias, aqui, é fundamental. De nada valeria fazer suposições, a esta

altura do curso, sem relacioná-la com a leitura destas teorias e posterior análise do material, para

ajudar a tratar do ponto-chave deste trabalho, a partir do ponto de vista do estudo da comunicação:

a construção da realidade no jornalismo, intencional ou não.

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As diferentes versões analisadas indicam uma clara diferença por conta da cultura do

narrador, do envolvimento ou distanciamento e do interesse pessoal deste, de adjetivações,

suposições, omissões e outras indicações de como o fato se desenvolveu, na tentativa de melhor

noticiá-lo ou desmerecê-lo, conforme o caso.

Na cobertura do caso, tanto no jornal “A Federação” como no “Correio do Povo”, é

possível notar que várias mãos o escrevem, aumentando a diversificação de enquadramentos e

visões, e na maioria das vezes sequer são reunidas pelo jornal para fins de dar uma só versão.

Outra marca constante é a de emissão de opinião e julgamento por parte do repórter/jornal,

que em várias oportunidades podem ser constatadas em ambos os jornais. Os textos são recheados

de envolvimento emocional do jornalista, visível no uso de expressões que demonstram o sentimento

do repórter ou da população, embora também segundo a ótica deste repórter.

A testemunhalidade, que passa pelo registro das emoções e características dos profissionais

ao narrar os fatos, é uma constante no jornalismo da época. Os jornalistas descreviam como eram

recebidos, por quem, a que horas, e as impressões, salvo quando retransmitiam telegramas, também

na íntegra. Neste caso, a intenção era não distorcer as informações transmitidas, sob a pena de

perder na concisão e no tratamento jornalístico. Além disso, havia um caráter de discurso e de

literatura. Os textos de Rui Barbosa como jornalista, político e jurista, do início do século, são

exemplos desse estilo de fazer jornalismo. O espaço dedicado às coberturas também era

privilegiado, já que a diagramação não era rígida.

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No entanto, a omissão é a mais clara marca de construção evidente na cobertura jornalística

de “A Federação”, que protagoniza períodos de “silêncio” absoluto com relação aos temas que

estão sendo abordados por outros jornais, diminuindo a importância e tirando do seu leitor a

possibilidade de informar-se sobre o assunto, fazendo crer que estava encerrado e que nada mais

havia a dizer a respeito do assunto, promovendo um desagendamento.

Cabe lembrar que os jornais transmitiam as repercussões de outros jornais, o que também

acontece no “Correio do Povo”. Mesmo assim, sabendo que os demais jornais estavam tratando

do caso, e reconhecendo em seus enunciados que o tema era de domínio público, o jornal optou

por não cobrir os assuntos por algum tempo, sem dar explicações.

A afirmação de Mouillaud no capítulo teórico, quando alerta sobre os grandes

acontecimentos da mídia serem inclusive aqueles que não nos permitem ver, são confirmados. No

entanto, esta constatação só é possível quando outra fonte registra o acontecimento, para que a

omissão possa ser constatada, como é o caso. A própria inexistência dos jornais da região em

arquivos atuais são, também, mais uma confirmação das forças da omissão e do silêncio.

É claro que, como Lippman chamou a atenção, não é possível aos repórteres estar em todos

os lugares ao mesmo tempo, mesmo que o fizessem constantemente. Mas fatos já conhecidos – e

admitidamente pelo jornal, como era o caso – não podem ser catalogados como um acontecimento

que não foi passível de cobertura, e sim que não foi selecionado, ou agendado, para ser coberto,

pois já havia ciência do que estava ocorrendo e que continuava a ser noticiado pela concorrência.

Os jornais realizaram uma seleção dos acontecimentos que iriam cobrir e dos que não iriam,

fosse qual fosse a sua repercussão.

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Portanto, esta cobertura comprova que um fato pode, sim, ser construído, mesmo na

omissão. Há também, ao analisar as impressões pessoais e suas suscetibilidades, como comprovar o

uso da linguagem como construtora de realidades, através das adjetivações e de todas as inferências

adverbiais e outras marcas lingüísticas colocadas nos textos dos repórteres.

O nome do jornal como operador simbólico também se confirma, ao analisarmos os nomes

dos dois jornais estudados. “A Federação” coloca logo abaixo de seu nome a sua condição de

jornal partidário e diário oficial do governo.

Já o “Correio do Povo” se denomina popular e não alardeia nenhum tipo de preferência

política ou partidária.

Por esses motivos, não é possível continuar considerando ser válida uma teoria como a do

espelho, que não considera as características humanas, políticas, subjetivas, dos jornalistas e dos

envolvidos no processo noticioso, que, afinal, também são seres humanos com suas próprias

suscetibilidades. As teorias construtivista e da ação pessoal, portanto, são as que se provam mais

procedentes, pois consideram que os repórteres não podem ser clarividentes e mesmo que o

fossem, para poder tomar conhecimento de tudo o que acontece, ainda podem, por motivos dos

mais diversos, optar por não dar notícia de tudo a que tiverem acesso.

Há, ainda, as questões práticas, de rotina jornalística, número de páginas, além do contexto

político, econômico e social que influirão sobre as pessoas envolvidas. Os jornalistas passam a fazer,

como diz Lippman, “o papel do árbitro num jogo de basebol sem marcação”, e assim será sempre

que estiverem em jogo notícias sobre estados de espírito, descrições de personalidade, motivos,

intenções, opinião pública e política de governos estrangeiros.

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Esta consciência é o que fará com que, ao lermos um enunciado e uma matéria, tenhamos a

compreensão do sistema que está nela envolvido, que não pode, porque simplesmente não

consegue, ser puro, por mais que o jornalista tente.

O estudo aqui proposto, através da análise do caso de Santo Tomé, defronta-se com todas

estas questões, pois envolve política, opinião, motivos ocultos, autoridades, celebridades da época e

cultura regional. Os sentimentos, ao noticiar mortes de pessoas celebrizadas, passam a ocupar

grande destaque.

Se o leitor não puder ter a consciência de que é necessário fazer a separação entre o que o

jornalista pensa, o que ele está tentando reproduzir e uma ainda possível diferença, terá que

acreditar no que lhe informaram, condenado a uma só versão. Daí a importância de consultar mais

de uma fonte.

O leitor que acompanhava somente o jornal “A Federação” ficou desprovido de uma série

de notícias sobre um mesmo assunto ao longo de até um mês, mesmo sendo as notícias,

sabidamente, normalmente continuadas, salvo quando o assunto não é mais do interesse público.

Já o leitor do “Correio do Povo” viu-o posicionar-se em favor de pessoas que ora eram

revolucionários, ora presos, ora hóspedes políticos, quando parabenizou e relatou este ato em suas

páginas.

Ou seja, quando os jornais chegaram às mãos de seus leitores, uma série de seleções ou

sobreposições confusas foram operadas. Os jornais da época tinham duas posturas antagônicas: ora

cobriam um assunto à exaustão, publicando as versões recebidas dos seus repórteres, ora nada

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publicavam, o que certamente não pode ter acontecido por conta de um desinteresse coletivo e

generalizado, principalmente tendo em vista o envolvimento do público com os temas, o que é

reproduzido nas matérias, quando citada a mágoa e a impressão causada na sociedade, e a

repercussão em outras cidades, como Rio de Janeiro e Buenos Aires.

Mesmo não sendo editoriais, as notícias carregam fortes características opinativas, presentes

em vários dias de cobertura. E é sob a égide destas opiniões que o público leitor busca o

conhecimento, que embora seja diferente, é uma espécie de conhecimento.

Cabe aqui lembrar a mensagem de Robert Park, quando afirma que a notícia não é história,

e seus fatos não são fatos históricos, pois não os situa nem os relaciona com a realidade.

Não há tempo hábil para isto e, muitas vezes, também não há interesse. O repórter reproduz

o fato isolado, e este isolamento pode ser utilizado de várias formas, inclusive para não fazer

conexões incômodas, como o que ocorre nos dois momentos das coberturas jornalísticas aqui

estudadas.

A notícia, ao contrário da história, portanto, cuida do presente, mas hoje, no futuro daquele

passado de 1933 e 1934, ela ainda está constituindo um conhecimento válido, por: permitir o

registro de um fato, mesmo que não aprofundado, para as gerações futuras; usufruir de toda a gama

de possibilidades jornalísticas, tanto na forma prática quanto lingüística; continuar existindo como

fonte de pesquisa, apesar do ditado de que “não há nada mais velho que um jornal de ontem”.

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Mesmo que a qualidade do conhecimento agregado seja efêmera, ela não é descartável.

Está ligada a características próprias do jornalismo, de imediatismo e de aparecer em momentos de

crise, em que todos querem receber notícias para ficar mais tranqüilos.

No entanto, as notícias “sobrevivem” tempos diferentes, sujeitas a todas as condições e

julgamentos de seus noticiadores, os repórteres. Algumas, apesar do tempo passado, ficam para a

história explicar melhor aquilo que no presente não foi entendido, justamente pela falta de

conhecimento do público para captar aqueles contextos – o histórico, o jornalístico, e portanto, o

presente no qual está inserido.

Repensando as notícias por mim analisadas, constato também que este noticiário dos jornais

indicam, já pela mídia da época, prenúncios de rivalidade.

Constroem a noção do outro, enquanto a fronteira, o outro lado da fronteira, um outro

país, a Argentina, etc. Constato ainda que no fio da definição de causas que explicariam este caso,

parece que todos os agentes responsáveis estariam “do lado de lá”.

Até que ponto já em 1933 estes tipos de registros nos mostram as primeiras ocorrências

destas disputas entre Brasil e Argentina, que se manifestando em vários aspectos, tem, na

construção das notícias sobre estas relações, referencias fundantes sobre este assunto.

Concluindo, posso dizer que o exercício deste trabalho contribuiu significativamente para

minha formação como jornalista, por comprovar que o jornalismo é uma forma de conhecimento,

embora diferente ao tipo de conhecimento gerado pela história e que é muito importante que a

sociedade tenha condições intelectuais de analisar o que consome midiaticamente.

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O jornalista tem um poder muito grande nas mãos, ao editar, enquadrar, construir

realidades.

Finalmente, é possível verificar, após todas estas análises, que as versões dos jornais

remetem não só ao caso específico levantado, mas a diversos casos que são desdobrados e que

dispersam o leitor menos avisado, constituindo, assim, vários casos midiáticos: mortes trágicas; uma

revolução do povo argentino; a honra de revolucionários; o tratamento de presos; relações

diplomáticas.

O que resta do caso? Restam as versões, incluindo esta, ou seja: a vontade de

pesquisadores em continuar buscando as pistas deixadas por colegas nas entrelinhas de seus

trabalhos, mesmo que tenham sofrido retaliações e tenham tido o seu trabalho queimado e retirado

do arquivo da história, como no caso dos jornais locais de São Borja. Mas a sua força, assim como

no caso da omissão de “A Federação” faz-se presente, pelos olhos de outros jornalistas, e assim,

sucessivamente. A curiosidade é o primeiro e mais importante legado que os jornalistas transmitem e

continuam a desenvolver, seja na cobertura diária ou em pesquisas como esta.

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Universidade de Chile: http://rehue.csociales.uchile.cl/antropologia/congreso/s0404.html 19/5/2004, 01:54pm

• Entrevistas

Fernando O. M. O’Donnell – fevereiro a maio de 2004

Sérgio Sempé – fevereiro e março de 2004

Suzy Rillo – março de 2004

• Normas técnicas

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

______. NBR 6024: numeração progressiva das seções de um documento. Rio de Janeiro, 1989.

______. NBR 10250: informação e documentação: citações em documentos: apresentação. Rio de Janeiro, 2002.

______. NBR 14724: informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro, 2002.

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ANEXO 1 – CÓPIAS DE “A FEDERAÇÃO”

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Figura 4 - Prédio de A Federação (1922), na rua dos Andradas com Caldas Júnior, onde hoje

funciona o Museu Hipólito José da Costa

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Figura 5 - A Federação - 16/10/1933 A

Figura 6 - A Federação - 16/10/1933 B

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Figura 7 - A Federação - 18/10/1933 A

Figura 8 - A Federação - 18/10/1933 B

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Figura 9 - A Federação - 19/10/1933

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Figura 10 - A Federação - 23/10/1933

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Figura 11 - A Federação - 29/12/1933

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Figura 12 - A Federação - 1º/01/1934

Figura 13 - A Federação - 1º/01/1934

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Figura 14 - A Federação - 02/01/1934

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Figura 15 - A Federação - 02/01/1934

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Figura 16 - A Federação - 03/01/1934

Figura 17 - A Federação - 03/01/1934

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Figura 18 - A Federação - 12/01/1934

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Figura 19 - A Federação - 13/01/1934

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Figura 20 - A Federação - 20/01/1934

Figura 21 - A Federação - 27/01/1934

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Figura 22 - A Federação - 27/01/1934

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ANEXO 2 – CÓPIAS DE “CORREIO DO POVO”

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Figura 23 - Prédio do Correio do Povo (1915), à época na rua dos Andradas, 138/140, mais tarde

transferido para o prédio atual

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Figura 24 - Correio do Povo - 17/10/1933

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Figura 25 - Correio do Povo - 18/10/1933 A

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Figura 26 - Correio do Povo - 18/10/1933 - B

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Figura 27 - Correio do Povo - 19/10/1933

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Figura 28 - Correio do Povo - 26/10/1933

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Figura 29 - Correio do Povo - 1º/11/1933

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Figura 30- Correio do Povo - 16/11/1933

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Figura 31 - Correio do Povo - 04/01/1934

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Figura 32 - Correio do Povo - 23/12/1933

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Figura 33 - Correio do Povo - 27/12/1933

Figura 34 - Correio do Povo - 28/12/1933

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Figura 35 - Correio do Povo - 28/12/1933

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Figura 36 - Correio do Povo - 30/12/1933

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Figura 37 - Correio do Povo - 04/01/1934

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Figura 38 - Correio do Povo - 07/01/1934

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Figura 39 - Correio do Povo - 09/01/1934

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Figura 40 - Correio do Povo - 10/01/1934

Figura 41 - Correio do Povo - 12/01/1934

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Figura 42 - Correio do Povo - 14/01/1934

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Figura 43 - Correio do Povo - 18/01/1934

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Figura 44 - Correio do Povo - 18/01/1934

Figura 45 - Correio do Povo - 19/01/1934

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Figura 46 - Correio do Povo - 19/01/1934

Figura 47 - Correio do Povo - 20/01/1934

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Figura 48 - Correio do Povo - 21/01/1934

Figura 49 - Correio do Povo - 23/01/1934

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Figura 50 - Correio do Povo - 23/01/1934

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Figura 51 - Correio do Povo - 24/01/1934

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Figura 52 - Correio do Povo - 26/01/1934

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Figura 53 - 26/01/1934

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Figura 54 - Correio do Povo - 28/01/1934

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Figura 55 - Correio do Povo - 30/01/1934

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ANEXO 3 – CÓPIAS DE “O ESTADO DE SÃO PAULO”

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Figura 56 - O Estado de São Paulo - 28/4/1991 - A

Figura 57 - O Estado de São Paulo - 28/4/1991 - A