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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
STELLA HARUMI OKUMURA
CONCESSÕES RODOVIÁRIAS EM SÃO PAULO NA
DÉCADA DE 1990: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES
ENTRE ESTADO, CAPITAL E INFRAESTRUTURA
CAMPINAS
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
STELLA HARUMI OKUMURA
CONCESSÕES RODOVIÁRIAS EM SÃO PAULO NA
DÉCADA DE 1990: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES
ENTRE ESTADO, CAPITAL E INFRAESTRUTURA
Prof. Dr. Fábio Antonio de Campos – orientador
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, área de concentração História Econômica. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA STELLA HARUMI OKUMURA E ORIENTADA PELO PROF. DR. FÁBIO ANTONIO DE CAMPOS
CAMPINAS
2018
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
STELLA HARUMI OKUMURA
CONCESSÕES RODOVIÁRIAS EM SÃO PAULO NA
DÉCADA DE 1990: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES
ENTRE ESTADO, CAPITAL E INFRAESTRUTURA
Defendida em 19/02/2018
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Fábio Antonio de Campos- Presidente IE - Unicamp
Prof. Dr. Cássio Antunes de Oliveira FCT – UNESP (Presidente Prudente)
Prof. Dr. Carlos Alberto Cordovano Vieira IE- Unicamp
Ata de Defesa, assinada pelos membros da
Comissão Examinadora, consta no processo
de vida acadêmica do aluno.
Agradecimentos
Desde que ingressei no mestrado, alguns amigos e colegas mais experientes me
advertiram que este é um caminho solitário. Talvez por conta do objeto de pesquisa, muitas
vezes pensei a respeito da estrada irregular e até íngreme que trilhamos e das encruzilhadas com
que nos deparamos na vida acadêmica. Apesar de ter experimentado a necessária solidão em
diversas ocasiões, encontrei vários companheiros e companheiras de caminhada que tornaram
minha jornada mais suave.
Em primeiro lugar, agradeço àqueles que desbravaram os sertões agrestes da Academia,
abrindo trilhas com sua dedicação ao ensino e à pesquisa. Em especial, ao meu orientador,
professor Fábio Antonio de Campos, que me guiou pelos caminhos não-lineares da pesquisa.
Também agradeço aos professores Cássio Antunes de Oliveira e Carlos Alberto Cordovano
Vieira por aceitarem participar da banca de defesa, e aos professores Carlos Henrique Lopes
Rodrigues e Cláudio Schuller Maciel por aceitarem a suplência.
Também sou grata pelos conselhos e sugestões dos professores Plínio de Arruda
Sampaio Jr. e Mariana Barreto Fix na banca de qualificação. Além desses, o professor Plínio
nos presenteou com outros conselhos de vida durante suas aulas, como o de escolher em que
trincheiras lutar. Em meio às angústias do mundo e da pesquisa, essa recomendação se mostrou
extremamente valiosa.
Agradeço também ao professor Maurício Chalfin Coutinho, que me orientou durante a
monografia de graduação, pelo apoio e as boas conversas na biblioteca do Instituto de
Economia, mesmo que eu tenha escolhido um caminho de pesquisa diferente na pós-graduação.
Como frequentadora assídua da biblioteca do Instituto de Economia da Unicamp,
agradeço ao seu pessoal pela gentileza e dedicação. Estendo minha gratidão às trabalhadoras
terceirizadas que possibilitam que tenhamos um ambiente de estudo e pesquisa adequado.
Gostaria de agradecer também ao pessoal da secretaria de pós-graduação por me auxiliar em
minhas dúvidas frequentes, especialmente na fase final.
Aos meus companheiros do Grupo de Estudos Florestan Fernandes (GEFF), expresso
minha gratidão por me apoiarem desde a fase de elaboração do projeto de mestrado e
contribuírem com minha formação intelectual: Artur M. Cardoso, Melissa Oliveira, Daniel M.
Cardoso, Maurício Espósito, Gustavo Zullo, Tatiana Henriques, Sarah Franciscangelis,
Henrique Braga, Jean Peres, Leandro RP, Theo Martins, Marcelo Gherini e Alisson Carvalho.
Em especial, sou imensamente grata ao Artur pelos sábios conselhos e pela valiosa ajuda na
parte metodológica.
Às amigas do Grupo de Estudos Mulheres e Ditadura (MUDI), agradeço pelo
companheirismo que nasceu do estudo de um tema tão doloroso em nossa história, mas que não
deve ser esquecido: Flávia F. da Silva, Lilian da Rosa, Delaíde Passos, Elizabeth Pellegrini e
Elisa Brasil.
Aos amigos e amigas que encontrei nestes anos de Unicamp, dentro e fora das salas de
aula, meu imenso carinho pelo apoio nos momentos mais difíceis desta trajetória: Laryssa
Abdala, Regiane Matsumoto, Giovanna de Lucca, Marília Thomaz, Renata Alves, Luciana
Baglioni, Giovana Pereira, Pier F. de Maria, Marcelo Durante, Carlos Iramina, André Ribeiro
e Larissa Barboza.
Ao meu namorado Bruno Resende Rodrigues, faltam palavras para expressar minha
gratidão por seu amor e paciência quando mais precisei deles.
Ao meu pai, Shigeru Okumura, e à minha avó materna, Alzira A. Rosa, agradeço pelo
amor com que me criaram e por me apoiarem nas escolhas de vida um tanto inusitadas.
Por fim, agradeço à CAPES por fornecer as condições materiais para a realização desta
pesquisa.
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Antonio Machado
Proverbios y cantares (XXIX)
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo estudar as concessões rodoviárias da primeira etapa
do Programa de Concessões Rodoviárias do Estado de São Paulo, iniciadas na década de 1990.
Procuramos verificar se elas exemplificam uma mudança na anatomia da articulação entre o Estado
e o setor privado (nacional e internacional), por meio da abertura de uma nova frente de acumulação.
A hipótese adotada é que as concessões representam uma mudança na estratégia de promoção
dos negócios privados com apoio estatal, com a apropriação direta dos benefícios trazidos pela
malha rodoviária. Para entender a diferença entre as duas formas de articulação e sua expressão no
setor rodoviário, procuramos contextualizar historicamente a política de transportes no Brasil,
destacando seus condicionantes internos e externos. Por sua vez, a análise dos indicadores das
concessionárias pretende colocar em evidência seu caráter de grande negócio.
Palavras-chave: concessões rodoviárias; Estado; infraestrutura; capital; negócio
ABSTRACT
This dissertation aims to study the concessions of the first stage of São Paulo State’s Road
Concession Program, which began in the 1990s. We wish to confirm if they exemplify a change
in the articulation’s anatomy between the State and the private sector (national and
international), through the opening of a new front of accumulation. Our hypothesis is that those
concessions represent a change in the strategy used to promote business with State support,
with the direct appropriation of the benefits brought by the roads. To understand the difference
between the two forms of the articulation and its expression in the road sector, we intended to
historically contextualize the transportation policy in Brazil, highlighting its internal and
external conditionings. On its turn, the analysis of the concession enterprises’ indicators could
help us to stress their big business character.
Keywords: road concessions; infrastructure; State; capital; business
Lista de Tabelas
Tabela 1. Setor Externo (1940 - 1948) .................................................................................... 40
Tabela 2.Setor externo (1950-1953) ......................................................................................... 41
Tabela 3. Distribuição dos investimentos por setores no Plano de Metas ................................ 45
Tabela 4. Investimentos em moeda estrangeira ........................................................................ 46
Tabela 5. Projetos aprovados pelo GEIA ................................................................................. 49
Tabela 6. Índices de Nacionalização ........................................................................................ 50
Tabela 7. Investimentos realizados ........................................................................................... 51
Tabela 8- Malhas ferroviárias concedidas ................................................................................ 85
Tabela 9 - Concessões de rodovias federais - primeira fase ..................................................... 93
Tabela 10- Concessionárias da Primeira Fase do Programa de Concessões Rodoviárias do
Estado de São Paulo ............................................................................................................... 100
Tabela 11 - Etapas do Programa de Concessões Rodoviárias em São Paulo ......................... 104
Tabela 12 - Atividades da CCR .............................................................................................. 110
Tabela 13 - Atividades do grupo Arteris ................................................................................ 111
Tabela 14-Margem bruta para diversos setores (%) ............................................................... 132
Tabela 15- Margem líquida para diversos setores (%) ........................................................... 134
Tabela 16 - Participação de debêntures e promissórias na dívida bruta (%) .......................... 136
Tabela 17- ROE para vários setores (%) ................................................................................ 144
Lista de Gráficos
GRÁFICO 1- Tráfego total por empresa em milhares de veículos equivalentes ................... 126
GRÁFICO 2- Evolução do tráfego médio das concessionárias da primeira Etapa (2010-2016) –
em milhares de veículos equivalentes .................................................................................... 126
GRÁFICO 3- Receita operacional líquida – em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo
IPCA. ...................................................................................................................................... 127
GRÁFICO 4 - Evolução da receita operacional líquida (média) - – em R$ mil de 31/12/2016,
deflacionados pelo IPCA. ....................................................................................................... 127
GRÁFICO 5 - Composição das receitas brutas, total acumulado (2010-2016) - em % ......... 128
GRÁFICO 6 - Receita de pedágio por empresa - em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo
IPCA ....................................................................................................................................... 129
GRÁFICO 7 - Evolução da receita de pedágio (média) - em R$ mil de 31/12/2016,
deflacionados pelo IPCA ........................................................................................................ 130
GRÁFICO 8- EBITDA- em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA ..................... 131
GRÁFICO 9-Margem bruta (%)............................................................................................. 131
GRÁFICO 10-Margem EBIT ou operacional (%) ................................................................. 133
GRÁFICO 11-Margem líquida (%) ........................................................................................ 134
GRÁFICO 12- Dívida bruta por empresa - em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
................................................................................................................................................ 136
GRÁFICO 13- Evolução da dívida bruta (média das empresas) – em R$ Mil de 31/12/2016,
deflacionados pelo IPCA ........................................................................................................ 137
GRÁFICO 14- Dívida líquida por empresa - em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo
IPCA ....................................................................................................................................... 138
GRÁFICO 15-Evolução da dívida líquida (média) – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados
pelo IPCA ............................................................................................................................... 138
GRÁFICO 16 - Razão entre dívida bruta e ativo total (%) .................................................... 139
GRÁFICO 17 - Razão entre dívida bruta e patrimônio líquido (%) ...................................... 139
GRÁFICO 18 - Estrutura de capital - razão entre dívida bruta e a soma de dívida e patrimônio
líquido (%) .............................................................................................................................. 140
GRÁFICO 19 - Razão entre EBIT e dívida bruta (%) ........................................................... 140
GRÁFICO 20- Participação da dívida de curto prazo na dívida total (%) ............................. 141
GRÁFICO 21 - Evolução da participação da dívida de curto prazo - mediana (%) .............. 141
GRÁFICO 22- ROA por empresa (%) ................................................................................... 142
GRÁFICO 23 - Evolução do ROA – mediana (%) ................................................................ 143
GRÁFICO 24 - ROE por empresa (%) ................................................................................... 143
GRÁFICO 25- Evolução do ROE – mediana (%) .................................................................. 144
GRÁFICO 26- Tráfego total (em milhares de veículos equivalentes) ................................... 147
GRÁFICO 27-Receita operacional líquida – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo
IPCA ....................................................................................................................................... 147
GRÁFICO 28-Receita de pedágio – em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA ... 148
GRÁFICO 29- Participação da receita de pedágio na receita bruta (%) ................................ 148
GRÁFICO 30 - Composição das receitas da CCR (2010-2016) ............................................ 149
GRÁFICO 31-Composição das receitas da Arteris (2010-2016) ........................................... 149
GRÁFICO 32 – EBITDA – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA ............... 150
GRÁFICO 33 - EBITDA Ajustado – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA . 150
GRÁFICO 34 - Lucro líquido (em milhares de Reais) .......................................................... 151
GRÁFICO 35 - Margem bruta (%)......................................................................................... 151
GRÁFICO 36 - Margem operacional (%) .............................................................................. 152
GRÁFICO 37 - Margem líquida (%) ...................................................................................... 152
GRÁFICO 38 - Dívida Bruta – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA. ......... 153
GRÁFICO 39 - Relação entre dívida bruta e ativo total (%) ................................................. 154
GRÁFICO 40 - Relação entre Dívida Bruta e Patrimônio Líquido (%) ................................ 154
GRÁFICO 41 - Participação da dívida de curto prazo na dívida total (%) ............................ 155
GRÁFICO 42 - ROA (%) ....................................................................................................... 156
GRÁFICO 43 - ROE (%) ....................................................................................................... 156
GRÁFICO 44 - Investimentos totais – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA.
................................................................................................................................................ 157
Lista de Figuras
Figura 1 - Localização das rodovias federais concedidas - primeira fase ................................ 94
Figura 2 - Mapa das concessões rodoviárias em São Paulo - 3 etapas ................................... 104
Figura 3- Composição acionária atual da CCR ...................................................................... 109
Lista de Abreviaturas
ABCR Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias
ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres
ARTESP Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado
de São Paulo
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNDESPAR BNDES Participações S.A
CACEX Carteira de Comércio Exterior
CCR Companhia de Concessões Rodoviárias S.A.
CDI Comissão de Desenvolvimento Industrial
CEIMA Comissão Executiva da Indústria de Material Automobilístico
CEXIM Carteira de Exportação e Importação
CIA Central Intelligence Agency
CMN Conselho Monetário Nacional
COC Custo de Oportunidade do Capital
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DER Departamento de Estradas de Rodagem
DERSA Desenvolvimento Rodoviário S.A.
DES Debt Equity Swap
DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
DRME Depósitos Registrados em Moeda Estrangeira
EBIT Earnings before interest and taxes
EBITDA Earnings before interest, taxes, depreciation and amortization
ETN Empresas Transnacionais
FINEX Fundo de Financiamento às Exportações
FMI Fundo Monetário Internacional
FNM Fábrica Nacional de Motores
FRN Fundo Rodoviário Nacional
GEIA Grupo Executivo da Indústria Automobilística
IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBGE Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística
ICMS Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços
IDE Investimento Direto Externo
IFRS International Financial Reporting Standards
IGP-M Índice Geral de Preços – Mercado
IEJ Imposto de Equalização de Juros
IPCA Índice de Preços ao Consumidor Amplo
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
IPVA Impostos sobre Propriedade de Veículos Automotores
ISTR Imposto sobre os Serviços de Transportes Rodoviário Intermunicipal e
Interestadual de Passageiros e Cargas
IUCL Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes
JK Juscelino Kubitschek
LAJIDA Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização
OHL Obrascón Huarte Laín S.A.
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
ORTN Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PAEG Programa de Ação Econômica do Governo
PIB Produto Interno Bruto
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PND Plano Nacional de Desestatização
PPP Parcerias Público-Privadas
PROÁLCOOL Programa Nacional do Álcool
PVC Promessas de Venda de Câmbio
RFFSA Rede Ferroviária Federal S.A.
ROA Return on Asset
ROE Return on Equity
SEST Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais
SPE Setor Produtivo Estatal
TAM Termos Aditivos e Modificativos
TIR Taxa Interna de Retorno
STP Sistema de Tecnologia de Pagamentos S.A
SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito
TRU Taxa Rodoviária Única
USAID United States Agency for International Development
Sumário
Introdução ............................................................................................................................... 19
Capítulo 1 - Capitalismo dependente e transporte rodoviário na economia brasileira
(1956-1982) .............................................................................................................................. 24
1.1. Introdução .................................................................................................................. 24
1.2. Capitalismo dependente e os fundamentos da relação entre o Estado e a burguesia
brasileira ............................................................................................................................... 25
1.3. “Governar é construir estradas”: política de transportes e o ideal de modernização . 33
1.4. Capital internacional e instalação da indústria automobilística no Brasil ................. 39
1.4.1. Diagnósticos sobre o setor de transportes no Brasil e planos para a fabricação
de automóveis: 1940- 1956 .............................................................................................. 42
1.4.2 O governo Juscelino Kubitschek: Plano de Metas e a atuação do GEIA .......... 44
1.5. Tomada do poder pelo complexo multinacional e a expansão rodoviária na década de
1960 ...................................................................................................................................52
1.6. Transportes na década de 1970: choques do petróleo, II PND e a reavaliação da
política de incentivo às rodovias .......................................................................................... 58
1.7. Conclusões ................................................................................................................. 60
Capítulo 2 – O setor de transportes durante a transformação no padrão mundial de
acumulação (1982-1992) ......................................................................................................... 61
2.1 Introdução .................................................................................................................. 61
2.2 Transformações na economia mundial a partir da década de 1970: a
transnacionalização como mundialização do capital ............................................................ 61
2.3 Empresas transnacionais, formação nacional e dependência externa ........................ 69
2.4 O ajuste da economia brasileira nos anos 1980 e 1990: da socialização do ônus da
dívida externa à privatização do patrimônio público............................................................ 75
2.5 Conclusões ................................................................................................................. 85
Capítulo 3 – As concessões rodoviárias no estado de São Paulo: primeira etapa (1997-
2008) ......................................................................................................................................... 87
3.1 Introdução .................................................................................................................. 87
3.2 Ascensão e queda do “rodoviarismo” ........................................................................ 87
3.3 Concessões rodoviárias no Brasil .............................................................................. 91
3.4 Concessões rodoviárias em São Paulo: a primeira fase (1997-2016) ........................ 98
3.4.1 Aspectos gerais e principais acionistas .............................................................. 99
3.4.2 O negócio .......................................................................................................... 104
3.4.3 Centralização e diversificação: a atuação de conglomerados e grupos no
segmento de concessionárias de rodovias ...................................................................... 108
3.5 Conclusões ............................................................................................................... 113
Considerações finais ............................................................................................................. 115
Referências bibliográficas .................................................................................................... 117
Apêndices ............................................................................................................................... 124
Apêndice A: indicadores das concessionárias da primeira fase do Programa de Concessões
Rodoviárias do Estado de São Paulo ...................................................................................... 125
Tráfego e receitas ............................................................................................................... 125
Lucratividade ...................................................................................................................... 130
Endividamento .................................................................................................................... 135
Rentabilidade ...................................................................................................................... 142
Apêndice B: comparação de indicadores dos conglomerados CCR e Arteris ........................ 146
Lucratividade ...................................................................................................................... 149
Endividamento .................................................................................................................... 153
Rentabilidade ...................................................................................................................... 155
Investimentos ...................................................................................................................... 156
19
Introdução
Nos anos recentes, houve um aumento no interesse pelos projetos na área de
infraestrutura de transportes no Brasil, especialmente após o lançamento do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007. A despeito dessa tentativa de promover o
crescimento por meio do investimento público no setor, conferiu-se maior destaque para os
projetos que envolvem o setor privado, na forma de concessões ou de parcerias-público-
privadas1. Com o aprofundamento da crise econômica no país a partir de 2014, o investimento
privado na infraestrutura passou a ser considerado a via para a retomada do crescimento, sendo
anunciada uma nova onda de privatizações e concessões. Desse modo, o setor público deixou
de ocupar um papel central na condução dos investimentos, limitando-se a regular e promover
os programas privatizantes.
Ao mesmo tempo, boa parte da literatura existente sobre concessões de rodovias insiste
em apresenta-las como a única alternativa viável para ampliar e manter a infraestrutura de
transportes, cabendo aos especialistas e ao governo a formulação de normas para a regulação
do setor. Embora os críticos desse arranjo apontem a insuficiência do investimento privado,
seus apelos ao crescimento dos investimentos públicos são abafados pelas constrições a que
estes encontram-se sujeitos atualmente. Logo, este trabalho tem como uma de suas intenções
contribuir para ampliar os termos do debate, conferindo perspectiva histórica ao problema das
concessões rodoviárias.
Feitas essas observações iniciais, o objetivo desta dissertação é estudar a primeira fase
do programa de concessões rodoviárias do estado de São Paulo, iniciada na década de 1990, a
fim de entender como uma nova frente de acumulação foi aberta pelo próprio Estado. A partir
disso, deseja-se responder à seguinte questão: de que maneira as concessões rodoviárias
representam uma mudança na anatomia2 da articulação entre o Estado e o capital nacional e
internacional? Nossa hipótese é que as concessões representam uma mudança na estratégia de
1 As parcerias-público-privadas foram instituídas em 2004 pela Lei federal nº 11.079, ou seja, são reguladas por
uma lei diferente daquela aplicada às concessões em geral. A dita lei estabeleceu dois tipos de PPP: a concessão
patrocinada (há pagamento do parceiro público, complementando a cobrança de tarifa dos usuários do serviço); e
a concessão administrativa (contrato de prestação de serviços entre um ente privado e um ente público). No
primeiro caso, trata-se de uma maneira de conceder serviços menos atrativos para o setor privado, através da
garantia de retorno pelo ente público. 2 Nesta dissertação, emprega-se o uso do termo anatomia para enfatizar a diferença nas formas concretas em que
se dá a relação entre Estado e capital, sem que o essencial dessa relação se modifique. Em outras palavras, o Estado
segue garantindo condições propícias à acumulação de capital, mas a partir das privatizações e concessões isso
ocorre de maneira explícita, criando uma atividade lucrativa para a burguesia brasileira e internacional.
20
promoção dos negócios privados com apoio estatal, na qual a infraestrutura rodoviária passou
a ser apropriada diretamente pelas empresas, ainda que por tempo determinado em contrato.
Nesta dissertação, procurou-se destacar a proteção com que contam as concessionárias,
estabelecida na legislação criada para regular a atividade e nos contratos a que estão sujeitas.
Além das garantias contratuais, o fato de se tratar de um serviço não-comercializável, isto é,
não sujeito à concorrência de importações, confere um amparo adicional para as empresas desse
setor, o que não impediu a participação de companhias estrangeiras como investidoras e
controladoras. Por último, a experiência na construção e manutenção de rodovias para o setor
público colocou as empresas nacionais de construção e engenharia em posição vantajosa nos
leilões, embora não tivessem experiência na administração direta da malha rodoviária.
Esta leitura não convencional da questão das concessões rodoviárias se apoia na
premissa de que a atuação do Estado na garantia da acumulação capitalista ocupa uma posição
de destaque no Brasil. Para entender como isso ocorre, é preciso considerar os condicionantes
próprios de uma economia dependente e subdesenvolvida; por essa razão, utilizamos as
contribuições de três autores que discutiram a problemática da “formação nacional”: Caio Prado
Jr., Celso Furtado e Florestan Fernandes. A partir da leitura de obras selecionadas desses
autores, procura-se explicar a necessidade de vinculação do empresariado local com o capital
internacional de forma dependente, sendo o Estado o mediador desta articulação. Analisando o
setor de transportes sob essa ótica, é possível colocar em evidência os interesses que as
concessões promovem, o que não é o enfoque de estudos predominantemente setoriais.
A compreensão dos motivos e das circunstâncias em que foram implantadas as
concessões rodoviárias exige uma retrospectiva histórica que contemple o arranjo vigente entre
1945 e 1980. Nesse período, o Estado se incumbia da construção e manutenção da malha
rodoviária, ao passo que o setor privado aproveitava indiretamente os benefícios do
investimento público na infraestrutura. A atuação estatal visava promover o desenvolvimento
por meio do planejamento e da coordenação dos investimentos, especialmente nas indústrias
básicas e na infraestrutura econômica (energia, transportes e comunicações). Assim, o
investimento público em transportes era um apoio indireto à acumulação privada, a qual se dava
em outras áreas, como a nascente indústria pesada.
Outro ponto importante é a investigação das origens do processo que reduziu o raio de
manobra do Estado brasileiro e sua capacidade de investimento a partir dos anos 1980, com
impacto significativo para o setor de transportes. Ainda que a crise da dívida e a crise do Estado
nacional-desenvolvimentista estejam intimamente relacionadas, ambas decorreram de
problemas estruturais da economia brasileira, em especial o papel ocupado pelas empresas
21
transnacionais (ETN) no processo de industrialização. A grande influência dessas empresas e
seu poder econômico contribuíram para aumentar a vulnerabilidade de uma economia
dependente e subdesenvolvida aos eventos externos, já que as decisões mais importantes eram
tomadas pelas matrizes daquelas empresas, com vistas ao mercado mundial.
As transformações no sistema capitalista mundial a partir da década de 1970 alteraram
radicalmente as condições nas quais o Brasil e outros países periféricos teriam que lidar com o
capital internacional. Inaugurou-se uma etapa em que a mobilidade do capital é máxima, e
mínima é sua disposição a aceitar as diretrizes dos Estados nacionais. Se nos países centrais
houve perda de controle sobre os fluxos de capitais, na periferia essa instabilidade foi agravada
pela debilidade relativa dos centros internos de decisão, dado que se trata de países em que não
foi completada a formação de um sistema econômico nacional.
As privatizações de empresas estatais e as concessões de serviços públicos são
expressões da pressão do capital internacional pela abertura de novas áreas de acumulação; por
sua vez, para a burguesia brasileira é uma forma adicional de proteção em um contexto marcado
por abertura comercial súbita e câmbio valorizado, reduzindo drasticamente a proteção de
mercado com que contava nas décadas anteriores. Contudo, tanto a abertura quanto as
privatizações resultaram da subordinação da economia aos desígnios da mundialização, o que
teve entusiástico apoio de boa parte do setor privado brasileiro. Assim, caberia ao Estado
promover uma nova frente de negócios, desta vez com a apropriação direta de ativos estatais.
As análises dos especialistas sobre as concessões rodoviárias no Brasil foram utilizadas
a fim de caracterizar as concessões, sem entrar no mérito da eficiência microeconômica do
investimento privado versus o investimento público. Aliás, neste trabalho procuramos nos
distanciar desse enfoque, não por considera-lo irrelevante, mas por ser insuficiente para
responder aos nossos questionamentos. Dessa maneira, embora tenhamos utilizado como fontes
secundárias relatórios e artigos de autores e instituições que são entusiastas da concessão de
rodovias, não compartilhamos de seu ponto de vista.
Como fontes primárias, utilizamos os editais e os contratos dos doze lotes licitados no
final da década de 1990 pelo Governo do Estado de São Paulo, os quais estavam disponíveis na
página eletrônica da ARTESP (Agência Reguladora dos Transportes Públicos Delegados do
Estado de São Paulo), que é responsável pela fiscalização das concessões estaduais de
transporte. Esse material permitiu extrair informações quanto ao tipo de rodovias em processo
de licitação e às exigências feitas pelo Poder Concedente, bem como identificar os primeiros
acionistas dos consórcios que criaram as concessionárias.
22
A análise de alguns indicadores econômico-financeiros teve o intuito de verificar se, de
fato, trata-se de uma atividade com lucratividade e rentabilidade elevadas e outras
características vantajosas. Para a obtenção desses indicadores, consultaram-se os relatórios
anuais das concessionárias Autoban, Autovias, Centrovias, Colinas, Ecovias, Intervias,
Renovias, SPVias, TEBE, Triângulo do Sol, ViaNorte e ViaOeste, e os dados do software
Economatica ®. Além dos demonstrativos contábeis, os relatórios da administração e as notas
explicativas dos relatórios anuais forneceram contribuíram para esclarecer as particularidades
das concessões rodoviárias, tanto em termos financeiros quanto à sua regulação.
Esta dissertação encontra-se estruturada em três capítulos, além desta introdução e das
considerações finais. O primeiro capítulo descreverá qual era o arranjo existente no período de
expansão do modal rodoviário, sendo esse crescimento fruto de uma estratégia que privilegiou
as rodovias em detrimento de outras modalidades de transporte. Também veremos que esse
arranjo estava inserido em uma anatomia específica da articulação entre Estado e empresariado,
na qual o investimento público na indústria de base e na infraestrutura servia de apoio às
atividades desempenhadas pelo setor privado. Por meio dessa retrospectiva histórica e teórica,
buscaremos entender por que o Estado brasileiro se encarregou da infraestrutura de transportes
e de que maneira isso colaborou para as formas de acumulação vigentes no período
caracterizado pela industrialização por substituição de importações
Já o segundo capítulo abordará a perda de ímpeto do modal rodoviário a partir da década
de 1980, mostrando como os problemas no setor de transporte estavam inseridos no contexto
mais amplo da crise da dívida externa e do setor público. Quanto aos condicionantes externos,
enfatizaremos o avanço da transnacionalização e as transformações ocorridas no sistema
capitalista mundial na década de 1970. Logo, ilustraremos como a desarticulação do
investimento público no modal rodoviário acompanhou a crise do Estado nacional-
desenvolvimentista3.
Por fim, o terceiro capítulo versará sobre a primeira fase do Programa de Concessões
Rodoviárias do Estado de São Paulo, iniciado na segunda metade da década de 1990. A
finalidade do estudo em questão será colocar em evidência a mudança na anatomia da
articulação do Estado com o setor privado, exemplificada pela abertura de uma nova atividade
para viabilizar a acumulação privada. Embora esse suporte estatal tenha sido uma característica
3 Não é nosso intuito retomar aqui o debate acerca do termo “nacional-desenvolvimentismo”. Para o que nos
interessa, cabe destacar que o problema nos transportes está relacionado a uma crise mais abrangente, que
transcende a questão das fontes de financiamento e diz respeito à forma como se deu a industrialização no Brasil,
com participação do capital internacional nos setores mais avançados da indústria.
23
marcante do capitalismo dependente e subdesenvolvido há pelo menos meio século,
defendemos que houve uma transformação significativa na anatomia daquela articulação.
Portanto, tentaremos destacar os aspectos que tornam as concessões rodoviárias – em particular,
nas rodovias mais importantes do estado de São Paulo – um negócio tão atraente e cobiçado.
24
Capítulo 1 - Capitalismo dependente e transporte rodoviário na economia
brasileira (1956-1982)
1.1. Introdução
Antes de nos voltarmos para o objeto de estudo desta dissertação – as concessões
rodoviárias promovidas no Estado de São Paulo a partir da década de 1990 – é necessário
compreender como a política de transportes se relacionava com os determinantes mais gerais
da economia brasileira durante a fase de industrialização por substituição de importações. Mais
especificamente, veremos como se deu o predomínio do modal rodoviário, o que decorreu da
escolha deliberada do Estado brasileiro de investir na expansão e pavimentação de rodovias,
em detrimento de outras modalidades de transporte. Esse movimento nos auxiliará na tarefa de
analisar a mudança ocorrida na articulação entre Estado e o empresariado, a qual predominou
até os anos 1980, e de que maneira influenciou a trajetória do setor de transportes.
Em nossa análise, destacaremos os condicionantes próprios de uma economia
dependente e subdesenvolvida, como a brasileira, que ocupa posição periférica no âmbito do
sistema capitalista mundial. Esse é o ponto de partida para compreender a articulação
estabelecida entre o Estado, a burguesia brasileira e o capital internacional, de maneira a
viabilizar o projeto de industrialização por substituição de importações. Ao investir na
construção da infraestrutura, o Estado oferecia as bases necessárias aos investimentos
industriais e, consequentemente, impulsionava a acumulação privada. No caso da política de
transportes, a expansão das rodovias não apenas dava suporte à indústria automobilística que
estava sendo introduzida no país, mas também contribuía para a formação do mercado interno.
Tais considerações a respeito do caráter dependente e subdesenvolvido de nossa
economia serão detalhadas na seção seguinte. Já a seção 3 tratará da política de transportes,
destacando o crescimento do setor rodoviário desde os anos 1920, com mais vigor no pós-
Segunda Guerra Mundial. O Plano de Metas, por sua vez, será abordado na seção 4, com ênfase
na implantação da indústria automobilística. Já a seção 5 diz respeito à ascensão dos interesses
das transnacionais e de seus associados locais dentro do aparelho de Estado a partir de 1964,
sendo complementado pela seção 6, que mostra o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND) como uma resposta à crise que se seguiu ao choque do petróleo de 1973.
25
1.2. Capitalismo dependente e os fundamentos da relação entre o Estado e a
burguesia brasileira
O ponto de partida para abordar a mudança na articulação entre Estado, a burguesia
brasileira e o capital internacional, exemplificada pelo caso das concessões rodoviárias, é a
análise dos fundamentos dessa articulação, levando em consideração o caráter dependente e
subdesenvolvido de nossa economia. Nossa hipótese inicial é que, apesar de ter mudado a forma
como essa relação se apresenta ao longo da história, o essencial permaneceu: a
imprescindibilidade do Estado como garantidor da acumulação privada, compensando a
instabilidade e a incerteza características do capitalismo periférico. Este argumento se apoia na
contribuição de três autores que se voltaram para a problemática da formação nacional, ou seja,
da transição de uma economia de origem colonial para uma economia nacional centrada no
mercado interno: Celso Furtado, Caio Prado Jr e Florestan Fernandes.
Celso Furtado relacionava o problema do subdesenvolvimento à maneira como se davam
a utilização do excedente e a difusão do progresso técnico na periferia do sistema capitalista.
No centro, a diversificação da demanda ocorre de forma mais homogênea, sendo que a
introdução de novos produtos é acompanhada pela difusão de produtos já existentes e de
processos produtivos mais eficientes. Isso ocorre porque a expansão industrial é acompanhada
pela pressão para a elevação da taxa básica de salário, elevando a massa de salários e a
capacidade de consumo dos trabalhadores (FURTADO, 1981, 1983). Ao passo que, na
periferia, a introdução de padrões de consumo próprios de economias avançadas pressiona para
o uso do excedente na diversificação do consumo de uma minoria, visto que há uma forte
dissimetria entre o sistema produtivo – ou seja, a capacidade de acumulação – e a sociedade,
com suas pressões para diversificar a demanda (FURTADO, 1981).
Inicialmente, a pressão por novos bens de consumo foi atendida por importações, porém
com a crise da divisão internacional do trabalho isso se tornou inviável. A solução adotada em
alguns países foi a industrialização por substituição de importações, mediada pela
modernização dos padrões de consumo. De maneira geral, a industrialização periférica
caracterizava-se pela primazia da tecnologia de produto e pela subutilização da capacidade
produtiva, dada a estreiteza de mercado - o que freava os ganhos de produtividade. Desse modo,
tal industrialização era “como um edifício que se constrói de cima para baixo” (FURTADO,
1981, p. 127), no sentido de que privilegiou a constituição de setores de bens finais,
negligenciando a construção de um setor de bens intermediários e de capital, isto é, o setor que
amplifica e possibilita a acumulação continuou – total ou em grande parte – situado no exterior.
26
Quando Furtado caracteriza os principais bens produzidos como “supérfluos”,
“conspícuos” ou “suntuosos”, refere-se aos bens de consumo duráveis e, em especial, aos carros
de passeio. O automóvel era desejado pelas classes alta e média e a internalização de sua
produção foi uma das principais peças de propaganda do Plano de Metas, justamente por
transmitir o ideal de modernidade de uma sociedade capitalista avançada. O Estado sancionou
a opção por esse tipo de produção industrial não somente com incentivos diversos para as
corporações estrangeiras do ramo automobilístico e para suas sócias nacionais no ramo de
autopeças, mas também por meio da expansão da malha rodoviária, constituindo uma garantia
adicional para atrair aquelas empresas. Essa expansão era parte de um conjunto mais amplo de
investimentos públicos em infraestrutura e setores básicos, voltados a socializar os custos de
produção envolvidos na nova etapa da industrialização.
Portanto, a escolha do tipo de indústria a ser atraída para o Brasil e, consequentemente,
da tecnologia importada, foi influenciada pela modernização dos padrões de consumo, isto é,
um “processo de adoção de padrões de consumo sofisticados (privados e públicos) sem o
correspondente processo de acumulação de capital e progresso nos métodos produtivos”
(FURTADO, 1983, p. 81). Esse processo tem raízes culturais, considerando que a elite
aculturada procura imitar o padrão de consumo de países cuja renda per capita é muito superior
à brasileira, não levando em conta as particularidades de uma economia periférica, nem as
necessidades da população como um todo.
A tecnologia importada do centro se mostrava inadequada por ser incompatível com a
situação dos fatores de produção em uma economia subdesenvolvida: trabalho abundante e
capital escasso. Ela não gerava escassez relativa de trabalho e, portanto, não poderia absorver
o excedente de mão-de-obra marginalizada do mercado de trabalho. Essa superabundância de
mão-de-obra impedia a progressiva transferência de aumentos de produtividade física do
trabalho para os salários, produzindo bloqueios à expansão da capacidade de consumo da
sociedade (FURTADO, 1983).
A escolha da tecnologia estava, na realidade, sob o controle das ETN, as quais tiveram
maior destaque a partir do final da Segunda Guerra Mundial. A participação dessas grandes
corporações no esforço de substituição de importações na periferia buscava a consolidação ou
ocupação de posição em seus mercados, geralmente precedida pelas importações, e
posteriormente se vislumbrava a possibilidade de reabertura daquelas economias, com a
diversificação de sua pauta de exportações. Essas empresas dominavam os setores de demanda
mais dinâmica, nos quais a modernização era mais presente, como é o caso da indústria
automobilística. Entretanto, elas não controlavam a totalidade das atividades industriais na
27
periferia, nem o desejavam, em virtude dos riscos envolvidos. Consequentemente, o setor
estatal se ampliou e ganhou solidez, assumindo a tarefa de prover bens de capital e infraestrutura
para aquelas empresas e, desse modo, socializando boa parte dos custos de produção e dos
riscos. Nesse sentido, as principais tarefas do Estado na periferia eram a criação de indústrias
de base e a criação de instituições financeiras especializadas – condição indispensável para a
indústria de equipamentos. Enquanto isso, as empresas de capital privado locais davam
flexibilidade ao sistema industrial, em razão da descentralização de decisões, de seu papel como
“laboratório de ensaio” e dos salários mais baixos (FURTADO, 1981).
A entrada de investimentos diretos estrangeiros também significou a concentração de
propriedade em favor de um pequeno grupo social e de empresas estrangeiras. Dado que o
marco das grandes empresas internacionais era o sistema capitalista em seu conjunto, tornava-
se difícil estruturar a indústria em bases predominantemente nacionais, o que conduziria ao
aprofundamento da estrutura de dominação centro-periferia (FURTADO, 1981, 1983).
Logo, o processo de industrialização não foi capaz de romper com o
subdesenvolvimento e a dependência externa, o que tem suas origens nas motivações que
orientaram o tipo de produção a ser internalizada. Embora tal escolha atendesse aos interesses
de uma minoria da sociedade, o Estado a sancionou de várias maneiras e assim contribuiu para
os desequilíbrios futuros que dela decorreriam. Por exemplo, reforçou a tendência para a
predominância do elemento rodoviário na matriz de transportes brasileira, o que começaria a
ser questionado a partir da década de 1970. Todavia, a consequência mais preocupante seria a
perda de controle do sistema econômico nacional sobre as atividades das ETN aqui instaladas.
Ainda que isso tenha ficado mais evidente a partir dos anos 1990, no contexto da globalização,
seus determinantes mais profundos podem ser encontrados na internacionalização do mercado
interno realizada na segunda metade da década de 1950.
O papel ocupado pelas grandes empresas internacionais no processo de industrialização
também foi criticado por Caio Prado Jr. Ele considerava que até a Segunda Guerra Mundial o
processo de industrialização tinha sido uma solução positiva para a crise produzida pelo colapso
da divisão internacional do trabalho em 1929. Entretanto, depois disso o controle da indústria
pelas empresas estrangeiras teria mudado o sentido do processo, visto que as decisões das
corporações influenciaram seu sentido, ritmo e intensidade (SAMPAIO JR, 1999a). Desse
modo, o autor via a incompatibilidade entre os interesses do capital internacional e a
continuidade do processo de formação nacional, dado que o primeiro sufocava o crescimento
de uma indústria em bases nacionais.
28
Outro problema era o agravamento da instabilidade de uma economia que historicamente
dependeu da inserção externa por meio da exportação de bens primários. O investimento direto
externo tinha como contrapartida a remessa de lucros para as matrizes, o que gerava a
necessidade de possuir moeda estrangeira para remunerar esse capital. Como o setor industrial
estava voltado para o mercado interno, as divisas requeridas teriam que vir das exportações de
produtos primários, reforçando a herança colonial. Para Prado Jr.(1970), a tentativa de superar
os constrangimentos nas contas externas por meio da entrada de investimentos externos poderia
ser tida como uma forma de reforçar a herança colonial que marcou a história brasileira4.
A onda de investimentos dos chamados “trustes” na periferia era uma resposta ao
aumento da concorrência internacional e à pressão pela busca de novos mercados. Essas
grandes empresas se expandiram com a emergência do capitalismo monopolista em fins do
século, formadas a partir de um intenso processo de concentração e centralização de capitais
em escala internacional. As transformações econômicas foram acompanhadas por intenso
progresso tecnológico – a Segunda Revolução Industrial – elevando os requisitos tecnológicos
e de capital necessários para fazer parte do reduzido círculo de países industrializados. A
“trustificação” agravou os desequilíbrios do sistema, exigindo que o excesso de produção fosse
canalizado para outras finalidades, como o gasto militar e a expansão do capitalismo para outras
áreas (PRADO JR, 1957). Assim, o capitalismo monopolista contribuiu para ampliar as
disparidades entre países já industrializados e países exportadores de produtos primários, ao
elevar os requisitos de capitais e tecnologia para constituir um sistema industrial.
Sobre esse ponto, é importante frisar que o imperialismo também atuava no controle da
inserção externa dos países latino-americanos, principalmente nas atividades de suporte às
exportações. Durante o período de predominância da economia cafeeira, as atividades do capital
internacional no Brasil concentraram-se nos serviços públicos, como as estradas de ferro,
serviços e melhoramentos urbanos, portos e fornecimento de energia elétrica (PRADO JR,
1970, p. 273). Essa infraestrutura econômica destinava-se a dar apoio ao setor cafeeiro e
proporcionar a conexão com o setor externo, ao invés de viabilizar a integração do território
nacional. Sendo assim, o sistema de transportes da segunda metade do século XIX adaptou-se
4 De modo geral, a herança colonial consiste na persistência do “sentido da colonização”, isto é, a organização da
sociedade e da produção com o objetivo de atender a interesses externos (PRADO JR, 2011). Mesmo após a
independência das ex-colônias ibéricas no início do século XIX, os países resultantes mantiveram sua dependência
em relação às exportações de produtos primários agrícolas e minerais, priorizando a inserção externa – de maneira
especializada e subordinada. Em contrapartida, a Inglaterra e outros países que a seguiram na corrida industrial
consolidaram sua posição de exportadores de bens manufaturados e, posteriormente, de capital e tecnologia
(PRADO JR, 1970).
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às necessidades dos interesses do capital internacional e dos exportadores cafeeiros, unindo a
modernidade das ferrovias com o caráter colonial da economia brasileira.
Com a eclosão da crise de 1929, o Brasil e outros países da periferia do sistema capitalista
ficaram isolados do mercado internacional, uma vez que o colapso no preço e no volume de
suas exportações agravou os desequilíbrios nas contas externas, levando a uma forte
desvalorização cambial. Entretanto, o isolamento atuou como estímulo à produção industrial
interna, ocupando o local anteriormente preenchido pelas importações (PRADO JR, 1970).
Durante a Segunda Guerra Mundial, o processo de transformação em curso se acentuou,
em razão da impossibilidade de importar bens dos países beligerantes. Porém, a situação
comercial favorável se reverteu após o fim do conflito por causa do súbito aumento das
importações. Além da demanda reprimida por bens de consumo, as empresas também
precisaram repor as máquinas gastas no período de acentuada produção interna. Ademais,
houve uma política deliberada de liberalização e valorização da moeda nacional, promovida
pelo governo Dutra, e que permitiu a queima das reservas e levou à crise cambial. Em
consequência, o grande superávit acumulado transformou-se em um déficit considerável. A
saída encontrada foi submeter as importações a um controle rigoroso, por meio da Lei nº 262,
de 1948, a qual estabeleceu licença prévia para as importações (PRADO JR, 1970) .
No início dos anos 1950, passou-se a estimular o afluxo de capital estrangeiro para
resolver os déficits externos, sendo outra manifestação da dependência em relação a decisões
tomadas fora do âmbito da economia nacional. Não se deve ignorar que, para as empresas
monopolistas, a inversão no exterior era um instrumento de controle e domínio econômicos,
sendo a manifestação do imperialismo em plena “era de ouro” do capitalismo. Como
mencionado anteriormente, a atração de investimentos estrangeiros tinha como contrapartida a
remuneração das corporações em moeda estrangeira, agravando os desequilíbrios externos. Por
sua vez, a instabilidade das contas externas acarretava a desvalorização externa da moeda
brasileira, o que tinha efeitos inflacionários (PRADO JR, 1957, 1970).
A fim de obter divisas para importar as máquinas e permitir a remessa de lucros ao
exterior, continuava-se a depender das exportações de produtos primários. Ou seja, a
industrialização por substituição de importações não rompeu com a herança colonial, mas a
reforçou. Desse modo, as contas externas e o valor das exportações constituíam limites ao
processo de industrialização, em razão de seu efeito sobre as disponibilidades de divisas.
Também havia restrições do ponto de vista do mercado consumidor, pois o baixo padrão de
vida da população resultava em um mercado que não tinha as proporções requeridas por uma
grande e moderna indústria (PRADO JR, 1957, 1970).
30
Ainda que não negassem a importância da diversificação da economia, os dois autores
mencionados eram críticos das feições que assumiu o processo de industrialização por
substituição de importações, que passou ao controle do capital internacional. Furtado enfatizou
o aspecto do controle da produção e da tecnologia pelas ETN, impossibilitando o surgimento
de um autêntico sistema econômico nacional. A incompatibilidade entre o tipo de tecnologia
adotado e a realidade econômica do país reforçava o subdesenvolvimento e limitava as
possibilidades da industrialização, confinada a um mercado consumidor muito estreito.
Ademais, a necessidade de remunerar o capital internacional em moeda estrangeira
reforçava a herança primário-exportadora, visto que eram essas exportações que traziam as
divisas. A instabilidade estrutural das contas externas trazia limites ao próprio processo de
industrialização e agravava a dependência em relação a uma inserção externa subordinada.
Embora não negassem a importância da diversificação produtiva, os dois autores mostraram-se
céticos no que diz respeito à contribuição da industrialização para a formação de uma economia
propriamente nacional.
Por sua vez, a contribuição de Florestan Fernandes ao nosso trabalho deriva de sua
análise da relação entre a burguesia brasileira, grande empresa estrangeira e o Estado nacional
sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido. Isso nos auxiliará a compreender a
importância que o Estado assumiu para as atividades da burguesia brasileira, bem como para a
coordenação entre esta e a grande empresa estrangeira, o que é um dos elementos para analisar
a correlação de forças entre os três. A instabilidade crônica que caracteriza a economia
periférica é outro elemento de extrema importância presente nas obras de Fernandes, porque é
uma das razões que força a burguesia brasileira a buscar proteção tanto no Estado quanto na
associação com burguesias mais fortes, ao mesmo tempo em que nega qualquer possibilidade
de melhoria para as massas populares.
Partindo da especificidade da Revolução Burguesa na periferia (em particular, no
Brasil), o autor constatou a impossibilidade de conciliar as transformações capitalistas com a
Revolução democrática e nacional, porque isso colocaria em risco a própria sobrevivência da
burguesia brasileira. A emergência da fase monopolista do capitalismo após a Segunda Guerra
Mundial, a partir de pressões externas originadas do contexto da Guerra Fria, tornou a situação
extremamente crítica, forçando no sentido de manter a ordem a todo custo e isolar a política em
relação às forças populares5. Desse modo, a modernização restringiu-se ao âmbito empresarial
5 A passagem para o capitalismo monopolista na periferia corresponde ao que Florestan Fernandes denominou
“imperialismo total”. De acordo com Campos (2016: 13), o termo significa “a difusão de valores fordistas dos
países hegemônicos do capitalismo, em especial a economia estadunidense, subordinando as burguesias periféricas
31
e às condições imediatas ligadas à atividade econômica ou ao crescimento econômico
(FERNANDES, 2005, p. 242).
É inerente ao capitalismo dependente certa margem de insegurança crônica, o que faz
com que a racionalidade dos empresários tenha que se adaptar a essa realidade, convertendo o
imediatismo e a especulação imoderada em procedimentos essenciais para o êxito econômico.
Em outras palavras, o que seria considerado “irracional” ou “antieconômico” segundo os
parâmetros adotados no centro capitalista não seria apenas normal na periferia, mas também
imprescindível para a sobrevivência econômica de sua burguesia. Além do mais, existe um
divórcio entre as atividades econômicas e a “filosofia da livre empresa”, principalmente no que
diz respeito à tendência à depreciação do trabalho, à superestimação das mercadorias e ao
recurso à proteção governamental (FERNANDES, 2008).
A ameaça constante das inovações provenientes do centro capitalista requeria o emprego
de expedientes extracapitalistas de acumulação de capital, fugindo das “leis da concorrência”
quando estas ameaçam sua sobrevivência econômica. Trata-se de um capitalismo selvagem e
difícil, “cuja viabilidade se decide, com frequência, por meios políticos e no terreno
político”(FERNANDES, 2005, p. 341). Por essa razão, o desenvolvimento capitalista no Brasil
assumiu a forma de uma dupla articulação: internamente, articulam-se o setor arcaico e o
moderno; externamente, existe a dependência da exportação de produtos primários, cuja
demanda foge ao controle das economias periféricas(FERNANDES, 2005). Logo, o emprego
de formas anacrônicas de exploração é uma condição indispensável do capitalismo na periferia,
compensando sua instabilidade e permitindo a continuidade da inserção comercial externa.
A fim de se proteger dos choques externos de concorrência, a burguesia procurou se
vincular de forma subordinada ao capital internacional, já que estava fora de seu alcance
neutralizar as mudanças que se impunham de fora para dentro e o ritmo desigual de
desenvolvimento capitalista (FERNANDES, 2005, 2008). A crise de poder burguesa causada
pela transição do capitalismo competitivo (que emergiu no Brasil entre o final do século XIX e
a Primeira Guerra Mundial) para o capitalismo monopolista (cuja ampliação para a periferia
ocorreu a partir da Segunda Guerra Mundial) foi solucionada ao passar pela esfera do político,
por meio do controle direto sobre o Estado. A crescente intervenção estatal pode ser, portanto,
encarada como uma forma de fortalecer a iniciativa privada ao mesmo tempo em que serviria
de elo ao florescimento das grandes corporações privadas e do capitalismo monopolista no
Brasil, o que representaria um “capitalismo de Estado” (FERNANDES, 2005, p. 305).
em um heterogêneo espaço multinacional”. Tratava-se assim, de uma intensificação do imperialismo em relação à
fase clássica (antes da Primeira Guerra Mundial).
32
Em resposta à pressão vinda de fora, a burguesia brasileira – incapaz de deter esse
processo ou de se ajustar às novas condições de concorrência – recorreu ao Estado para
administrar a transformação capitalista em curso. O recurso ao poder estatal não se limitava a
proteger a burguesia das pressões externas, mas também das internas, que cresciam conforme
as desigualdades se ampliavam por força das mudanças em curso. Na luta por sua sobrevivência
e pela do capitalismo, a burguesia se utilizou de ações de classe extremamente reacionárias e
intolerantes, mostrando a essência autocrática de dominação burguesa e sua propensão a aceitar
formas abertas de ditadura de classe para se salvar (FERNANDES, 2005, p. 343).
Assim, a revolução burguesa no Brasil assumiu a forma de uma contrarrevolução
permanente, barrando todas as formas de contestação, sejam elas “dentro da ordem”, ou “fora
da ordem”, ou seja, chocando-se frontalmente contra o status quo. Depois de deixar de lado as
pressões indiretas para garantir seus interesses, a burguesia tomou o controle sobre a esfera
estatal, o que gerou, de um lado, um capitalismo dirigido pelo Estado e, de outro, um Estado
autoritário. A partir de 1964 o Estado brasileiro:
...adquire estruturas e funções capitalistas, avançando, através delas, pelo terreno do
despotismo político, não para servir aos interesses ‘gerais’ ou ‘reais’ da nação,
decorrentes da intensificação da revolução nacional. Porém, para satisfazer o
consenso burguês, do que se tornou instrumental, e para dar viabilidade histórica ao
desenvolvimentismo extremista, a verdadeira moléstia infantil do capitalismo
monopolista na periferia.(FERNANDES, 2005, p. 402)
Em outras palavras, os interesses particularistas de uma classe tomaram conta da esfera
estatal a fim de garantir seus privilégios e sua sobrevivência em meio às transformações trazidas
pelo capitalismo monopolista, viabilizando sua associação com o capital internacional, contra
o qual não tinha condições de concorrer equitativamente.
Em relação ao nosso objeto de estudo, a contribuição de Florestan Fernandes é um dos
pontos de partida para estruturar o argumento que a burguesia depende do Estado para a
abertura de novas frentes de negócio ou para manter condições mínimas de lucratividade nas
suas atividades correntes, mudando apenas a forma como isso se manifesta concretamente.
Assim como foi fundamental a presença do setor estatal na expansão da infraestrutura de
transportes em um dado momento histórico, socializando os custos do avanço da
industrialização, ela também serviu para transformar aquele patrimônio em mercadoria, na
forma de privatizações ou de concessões. Em um contexto de aumento exponencial da
concorrência externa (década de 1990), a burguesia brasileira se protegeu de um novo pico de
instabilidade por meio de sua ligação com o Estado, ainda que o negócio aberto pela
33
“desestatização” pudesse ser acessado pelo capital internacional, principalmente nas
privatizações brasileiras.
Em síntese, nossa investigação será orientada pelas seguistes questões: i) Celso Furtado:
os limites da industrialização comandada pela empresa transnacional e a persistência do
subdesenvolvimento; ii) Caio Prado Jr.: a manutenção do caráter neocolonial da economia
brasileira, apesar da industrialização; iii) Florestan Fernandes: a imprescindibilidade do Estado
para a viabilização dos negócios da burguesia brasileira e sua atuação como mediador entre esta
e o capital internacional, para atenuar a instabilidade crônica do capitalismo dependente.
1.3. “Governar é construir estradas”: política de transportes e o ideal de
modernização
O sistema de transportes brasileiro existente até a década de 1930 havia sido moldado
para atender às necessidades de uma economia primário-exportadora, realizando a conexão
entre as áreas produtoras e os portos. As ferrovias construídas a partir de meados do século XIX
permitiram a expansão da produção de café rumo ao chamado Oeste Paulista, vencendo o
obstáculo representado pelos altos custos de transporte – realizado por tropas de mulas – e
aumentando a capacidade de escoamento (SAES, 1981). Além do café, as ferrovias foram
responsáveis pelo transporte de outros importantes bens de exportação, como o açúcar no
Nordeste, o carvão em Santa Catarina, a erva-mate no Paraná e o couro e o charque no Rio
Grande do Sul, bem como auxiliaram na abertura e integração de áreas e regiões (PEREIRA,
2014). As ferrovias se destinavam principalmente à conexão de cada economia regional com a
navegação de longo curso, de modo que não havia um sistema ferroviário de alcance nacional
(BARAT, 2007).
Outro problema é que a sobrevivência econômica das ferrovias dependia do
aparecimento de mercadorias “novas” a serem transportadas ou do aumento do volume de carga
transportada; esses produtos, por sua vez, não necessariamente garantiam a lucratividade do
empreendimento, como aconteceu com a progressiva substituição do café pelo açúcar e outros
produtos menos “rentáveis” nas ferrovias paulistas (PEREIRA, 2014; SAES, 1981). Sendo
assim, o sistema ferroviário não promovia efetivamente a integração do país, o qual manteve a
configuração de um “arquipélago” de regiões isoladas entre si e diretamente ligadas ao
comércio exterior.
Quanto ao financiamento, os investimentos ferroviários foram viabilizados pelo capital
internacional, principalmente o inglês, por meio do controle direto das ferrovias (como a São
Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí), ou de empréstimos (por exemplo, na Companhia
34
Paulista e na Companhia Mojiana). Na década de 1870, surgiram condições muito favoráveis
ao acúmulo de capital no setor cafeeiro, o que permitiu o investimento em ferrovias nas regiões
cafeicultoras. O capital internacional não apareceu como acionista majoritário nas ferrovias
paulistas até a primeira década do século XX, atuando principalmente como emprestador
(SAES, 1981).
O sistema de ferrovias esteve sob administração privada nas formas de concessões e de
propriedade privada até a década de 1940, quando já estava fisicamente desgastado e
economicamente inviável. Para continuar a prestação de serviços, o Estado passou a controlar
as ferrovias deficitárias, contudo sem recursos suficientes para realizar os investimentos
necessários à sua recuperação (BARAT, 1978; SAES, 1981). Em 1930, 68% do sistema
ferroviário era controlado pelos governos federal e estaduais, passando a 94% na década de
1950 (PEREIRA, 2014).
O transporte marítimo também se encontrava em situação precária, situação agravada
pela dificuldade de importar durante a Segunda Guerra Mundial. O mau estado desses modais
de transporte foi usado como justificativa para ampliar a rede de estradas de rodagem, cujo
investimento inicial era mais baixo e poderia ser completada aos poucos. A ênfase nas rodovias
intensificou a desvantagem relativa das ferrovias e do transporte marítimo, já que os recursos
destinados à sua ampliação cresciam conforme aumentava o tráfego rodoviário (BARAT, 1978;
LATINI, 2007; SHAPIRO, 1994).
Concomitantemente à deterioração nos transportes ferroviário e marítimo, a crescente
influência cultural dos Estados Unidos na década de 1920 trouxe consigo a valorização do
automóvel como meio de transporte moderno. O almirante Lúcio Meira, que seria um dos
responsáveis pela implantação da indústria automobilística no Brasil nos anos 1950, ficou
impressionado pelo papel do automóvel tanto na transformação do sistema de vida, quanto nos
efeitos multiplicadores para a economia. De acordo com Latini (2007, p. 84–85): “Ficou claro
para o jovem oficial que a indústria automobilística era uma atividade industrial capaz de
promover, em seu desenvolvimento, numerosas outras atividades econômicas”. Além disso, a
rodovia, ou mais precisamente, o automóvel, passa a ser o símbolo da modernidade industrial
a partir dos anos 1920, enquanto as ferrovias perdiam seu glamour (SHAPIRO, 1994)6.
6 Schor (1999, p. 112) acredita que há uma “cultura do automóvel”, pelo fato de as “ relações derivadas do uso do
automóvel impregnarem, de determinada maneira, o jeito de ser do homem modernizado”. A autora defende que
o automóvel é um símbolo da modernização, a qual seria um processo de individualização e, ao mesmo tempo, de
homogeneização das práticas sociais.
35
O presidente Washington Luís foi um dos mais conhecidos entusiastas7 do automóvel e
do transporte rodoviário, e ficou conhecido por afirmar que “governar é abrir estradas”
(LAGONEGRO, 2008; LATINI, 2007). Enquanto prefeito do município de São Paulo (1914-
1919), adquiriu as primeiras máquinas modernas de construção de estradas usadas no Brasil.
Também foi autor da lei estadual (São Paulo) nº 1406 de 26/12/1913, que elegeu em seu artigo
1º a construção de rodovias como forma precípua de trabalho penitenciário em São Paulo. Na
presidência da República, Washington Luís radicalizou o discurso antiferroviário e tributou os
insumos automobilísticos de modo a tornar o setor imune a restrições orçamentárias e
flutuações da economia (LAGONEGRO, 2008).
Em 1927, foi criado o Fundo Especial para Construção e Conservação de Estradas de
Rodagem Federais, o qual se constituía de 20% ad valorem sobre os impostos de importação
de gasolina, veículos automotores, pneumáticos, câmaras de ar rodas, motocicletas e acessórios.
Tal Fundo seria administrado pela Comissão de Estradas de Viação e Obras Públicas,
responsável pela implantação das obras da estrada Rio-São Paulo e da Rio-Petrópolis. A
comissão seria extinta em 1931, enquanto o Fundo Especial passaria a ser incorporado ao
Orçamento da União (LAGONEGRO, 2008; PEREIRA, 2014).
Ao longo dos anos 1930, os planos ferroviários tornaram-se mais escassos, enquanto os
planos gerais privilegiavam o modal rodoviário e foram criados alguns dos primeiros planos
rodoviários (NATAL, 2003). Em 1934, foi criado o Plano de Viação Nacional por meio do
Decreto nº 24.297, ainda fortemente ancorado no modal ferroviário, devido à sua extensão e à
sua importância estratégica para o país (MACHADO, 2016). O Departamento Nacional de
Estradas de Rodagem (DNER)8, criado em 1937 pela Lei º 467, tinha como funções planejar,
construir e prover a manutenção das rodovias federais (BARAT, 2007). Suas características,
porém, divergiam do projeto original: não era uma autarquia, não possuía recursos próprios e
suas atividades eram desvinculadas dos sistemas rodoviários estadual e municipal (BREVE
HISTÓRICO ..., 2016). 9
Essas iniciativas mostram uma continuidade em relação à opção rodoviarista de
Washington Luís. Por exemplo, o Ministro de Viações e Obras Públicas José Américo de
Almeida, que encomendou o Plano Geral de Viação Nacional, defendia a expansão das
7 De acordo com Pereira (2014, p. 87–89), o pioneirismo do “rodoviarismo” no estado de São Paulo está associado
à cultura do “automobilismo”, esporte de elite que ganhou adeptos entre a elite paulista no início do século XX.
Ambos se encaixariam perfeitamente aos descendentes dos bandeirantes por seus valores de “liberdade individual,
de competição, de alargamento de fronteiras”. 8 O DNER foi substituído pelo Departamento de Infraestrutura de Transportes (DNIT) em 2001. 9 Breve Histórico do Rodoviarismo Federal no Brasil. Disponível em < http://www1.dnit.gov.br/historico/>
Acesso em 1 mar. 2016.
36
rodovias, em detrimento das ferrovias. Em termos de planejamento de âmbito nacional, a
retórica do Estado indicou uma opção pelo rodoviarismo-automobilismo, ao passo que as forças
econômicas e políticas articuladas em torno do Estado sinalizavam contrariamente à
revitalização das ferrovias (NATAL, 2003).
Em 1940 estabeleceu-se que caberia à União a competência exclusiva de tributar
combustíveis e lubrificantes líquidos, sendo criado o Imposto sobre Combustíveis Líquidos e
Lubrificantes por meio do Decreto Lei nº 2.615. Por sua vez, o Plano Rodoviário Nacional foi
apresentado em 1944, tratando-se do primeiro plano rodoviário de âmbito federal aprovado pelo
governo federal (LATINI, 2007; LIMA, 1957). O DNER foi reorganizado em 1944,
transformando-se em autarquia e tendo seu escopo de atribuições ampliado (BARAT, 2007).
Assim sendo, a preponderância da política rodoviária sobre a ferroviária se mostrou mais
acentuada na década de 1940, tanto no âmbito institucional (Planos e legislações), quanto no
das ações efetivas (expansão da malha rodoviária) (NATAL, 2003).
A crescente importância conferida ao transporte rodoviário estava inserida em um
contexto de escassez de divisas e retração do mercado internacional para as exportações
brasileiras, o que dificultava o acesso a bens importados. A industrialização por substituição de
importações tornou-se um “projeto nacional” capaz de aglutinar diversas forças políticas e
sociais, ainda que enfrentasse a resistência das oligarquias rurais que detinham o controle direto
da República até 1930. Também houve a consolidação de um mercado interno, levando ao
aumento considerável nos fluxos de mercadorias entre as distintas regiões do país (BARAT,
1978).
A conjunção dos fenômenos de urbanização e industrialização aceleradas fazia com que
a matriz de transportes herdada da fase primário-exportadora se mostrasse inadequada à nova
realidade. Entre as vantagens da modalidade rodoviária comumente apontadas, destacam-se a
maior rapidez, a ligação direta entre expedidor e consumidor, a maior segurança e a maior
flexibilidade (LATINI, 2007; LIMA, 1957). Outro fator de grande relevância era o menor
tempo de maturação dos investimentos rodoviários e seu menor custo para o Estado, já que era
possível ampliar as rodovias aos poucos e transferir boa parte dos custos aos usuários dos
transportes (SHAPIRO, 1994). Barat (1978) também mencionou sua maior economicidade para
cargas de manufaturados, que possuem características distintas das cargas brutas de produtos
primários. A despeito do custo do frete ser mais alto e com reajustes que acompanhavam de
perto a inflação, o transporte rodoviário ganhou espaço no transporte de cargas de grandes
tonelagens e em distâncias médias e longas, o que futuramente causaria grandes distorções.
37
Um elemento fundamental para compreender a expansão rodoviária no pós-guerra foi a
criação do Fundo Rodoviário Nacional (FRN) em 194510, destinado a “financiar a construção,
melhoramento e conservação de estradas de rodagem” (LATINI, 2007). Sua fonte de receita
era parcela do Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes (IUCL) (IPEA, 2010). O
imposto sobre combustíveis, em razão de sua vinculação com o financiamento do setor de
transportes, representava um subsídio implícito às rodovias, visto que se tratava da transferência
de recursos provenientes de outros setores da economia. Como parte crescente do transporte de
mercadorias era realizada por caminhões, a arrecadação do imposto único atingia consumidores
disseminados pelo sistema econômico por meio do custo do frete, sendo que muitos deles não
utilizavam diretamente as rodovias (BARAT, 1973, 1978).
A destinação de massivos recursos para o financiamento da malha rodoviária contribuiu
para a progressiva deterioração das estradas de ferro e da navegação, os quais não contavam
com tal vantagem. Gerou-se um “círculo virtuoso” em que a ampliação da frota de veículos
(comerciais e particulares) gerava as receitas que financiaram a expansão das estradas de
rodagem, o que permitia o crescimento dos veículos em circulação e, consequentemente, dos
recursos para os investimentos rodoviários (BARAT, 1973; SHAPIRO, 1994). Entretanto, esse
esquema era, ao mesmo tempo, “vicioso” para as outras modalidades de transporte, que perdiam
participação no transporte de cargas e passageiros (SHAPIRO, 1994).
Durante a Segunda Guerra Mundial, a dificuldade ou mesmo impossibilidade de
importar material de transporte colaborou para a piora do estado de conservação das ferrovias,
portos e navegação, estimulando sua substituição pelas rodovias.11 A recuperação das ferrovias
exigia elevado investimento público e demandava um período longo de maturação, em
comparação com o que seria requerido pelo investimento rodoviário (LATINI, 2007;
SHAPIRO, 1994).12 O mesmo poderia ser aplicado à navegação e aos portos, os quais não
acompanharam a revolução tecnológica no transporte marítimo, como a adoção dos contêineres.
Além disso, tanto as ferrovias quanto os portos dependiam de subvenções do governo federal,
ou seja, de aportes diretos do Tesouro para cobrir seus déficits operacionais (BARAT, 1973,
1978). Tal situação guardava estreita relação com a política de preços adotada nessas
10 O Decreto-Lei Nº 8.463 de 27/12/45 criou o Fundo Rodoviário Nacional (FRN) e reorganizou o Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) (PESSOA, 1993). 11 Ainda que a limitação imposta às importações também tenha afetado a frota nacional de veículos, neste caso a
saída foi positiva: estimulou a criação de um setor de autopeças de capital majoritariamente brasileiro, o qual teria
papel crucial na implantação da indústria automobilística na década seguinte, mesmo no papel de sócio menor. 12 Deve-se lembrar de que o financiamento externo estava escasso desde a Grande Depressão, tendo a Segunda
Guerra Mundial agravado o quadro. Quanto às fontes internas, o Estado não contava ainda com um moderno
sistema de financiamento, dependendo principalmente das emissões para financiar os déficits públicos.
38
modalidades, dado que suas taxas de serviços não acompanhavam o nível geral de preços e,
assim, as receitas ficavam defasadas em relação às despesas. A justificativa para a contenção
no reajuste das tarifas era evitar seu efeito inflacionário e, assim, minimizar o custo político de
um aumento nesses preços (BAER; KERSTENETZKY; SIMONSEN, 1962). Somente após o
golpe de 1964 essa política seria revertida, em prol do chamado “realismo tarifário”. 13
Outro problema mencionado pelos estudos sobre transportes era a falta de integração
entre os meios de transportes no Brasil, que começou a ser evidente com a expansão das
rodovias no pós-guerra. Ao invés de promover a complementariedade entre eles, incentivou-se
a competição (SHAPIRO, 1994), notadamente entre ferrovias e rodovias. Como apontou Lima
(1957, p. 62), “Por vezes mesmo as rodovias acompanham os traçados das ferrovias, servindo
desse modo aos mesmos centros”. A superposição de vias acentuou a substituição de ferrovias
por rodovias no transporte de cargas volumosas, as quais não lhe eram próprias, causando
elevações de custos que se propagaram pelo sistema econômico (BARAT, 1978).
Barat (1978) resumiu as razões que fundamentaram a ênfase excessiva no transporte
rodoviário, distinguindo entre fatores subjetivos e objetivos. No primeiro grupo, destacam-se
os seguintes fatores: 1) crença de que um bom governo seria aquele que promovesse uma
expansão acelerada da infraestrutura rodoviária; 2) crença que a infraestrutura rodoviária seria
condição necessária e suficiente para promover o desenvolvimento; 3) a sobrestimação do papel
do transporte rodoviário como fator de modernização; 4) a sobrestimação dos investimentos
rodoviários frente a outras oportunidades de utilização de recursos escassos (como saneamento
básico e saúde pública); 5) importância exagerada imputada à indústria automobilística como
fator de dinamismo econômico.
Entre os fatores objetivos, podemos mencionar: 1) a necessidade de consolidação de um
mercado nacional para matérias-primas, alimentos e produtos manufaturados; 2) vantagens
oferecidas pelo transporte rodoviário para atendimento do deslocamento dos acréscimos da
oferta interna; 3) a posição da indústria automobilística no contexto de nosso modelo de
desenvolvimento; 4) o desinteresse das antigas concessionárias em modernizar as ferroviais e
os portos; 5) o mecanismo de geração de recursos destinados aos investimentos rodoviários,
vinculados à expansão da frota de veículos.
13 Baer et al. (1962) já defendiam o realismo nas tarifas públicas antes mesmo de 1964, como fica evidente em seu
artigo. Para tais autores, a tentativa de minimizar os efeitos inflacionários no reajuste de tarifas de serviços públicos
era contraproducente porque as subvenções concedidas às ferrovias contribuíam para aumentar o déficit
orçamentário, coberto com emissão de moeda, e, consequentemente, tinham efeito inflacionário.
39
Pode-se perceber que a promoção da expansão da infraestrutura rodoviária estava
articulada com os objetivos de modernizar e industrializar o país, bem como consolidar o
mercado interno que vinha se expandindo aceleradamente desde a década de 1930. As ferrovias
e os portos que atendiam ao sistema exportador não estavam preparados para lidar com os novos
fluxos de mercadorias entre as diversas regiões do país, nem para expandir a fronteira agrícola
em direção ao oeste e ao norte, por não contarem com a devida flexibilidade e os recursos
necessários para chegar até as novas áreas.
O aumento da importância relativa das rodovias no transporte de cargas e de passageiros
não ocorreu somente por suas vantagens intrínsecas, mas por uma política deliberada de
incentivo a um meio de transporte considerado mais moderno e mais eficiente. Ainda que essa
substituição tenha sido verificada em outros países, como na Inglaterra e nos Estados Unidos,
ela não aconteceu com a mesma intensidade do que se viu no Brasil14, o qual vivia
concomitantemente um processo de urbanização acelerada a partir dos anos 1950. Desse modo,
é possível ver nisso os esforços de uma economia subdesenvolvida para alcançar o mundo
“desenvolvido”, causando distorções no longo prazo.
Posteriormente, a implantação da indústria automobilística no Brasil teve importância
decisiva na expansão rodoviária, reforçando o mecanismo de financiamento do setor descrito
anteriormente. Por isso, é necessário retomar o processo que culminou com a instalação da
mencionada indústria e sua estreita relação com a política de transportes.
1.4. Capital internacional e instalação da indústria automobilística no Brasil
Como visto na seção anterior, a deterioração da rede ferroviária e do transporte marítimo
se acentuou a partir da Segunda Guerra Mundial por causa da escassez de material importado e
de financiamento externo. O transporte rodoviário também foi afetado pela guerra, devido à
impossibilidade de importar peças e novos veículos. Isso estimulou a produção doméstica de
autopeças, em resposta à demanda dos próprios usuários (GATTÁS, 1981; LATINI, 2007).
O passo seguinte em nossa argumentação é mostrar como a fabricação de automóveis
pelas corporações automobilísticas internacionais no Brasil favoreceu a expansão das rodovias,
ao mesmo tempo em que foi estimulada por ela. O mecanismo de retroalimentação entre o
14 Enquanto isso, na União Soviética e nos países socialistas do Leste Europeu predominava o transporte
ferroviário, em regime de monopólio (Barat, 1978). Isso nos faz pensar em como a mentalidade de um país ou
sistema influencia as políticas públicas no caso do transporte: não é à toa que os Estados Unidos, o locus por
excelência do liberalismo e do individualismo, valorizam tanto o transporte individual e a “liberdade” das
autoestradas. Com a expansão do regime fordista no pós-guerra, também a “cultura” ou “ideologia” do automóvel
foi exportada para outros países, com consequências sociais e ambientais desastrosas.
40
subsetor rodoviário e a frota de veículos automotores baseava-se na vinculação das receitas do
imposto único sobre combustíveis e lubrificantes ao FRN, o que permitiu a expansão rodoviária
praticamente contínua até a década de 1970. Desse modo, é de suma importância compreender
como se deu a instalação da indústria automobilística a partir de meados da década de 1950 e
de que maneira ela afetou a política nacional de transportes.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil estava novamente aberto para as
importações, facilitadas pela política liberal do governo Dutra (1946-1950). A demanda
reprimida por produtos importados e a sobrevalorização interna do Cruzeiro deram impulso ao
crescimento de importações no pós-guerra; entre elas, destacaram-se os veículos e itens
automotivos, a fim de repor a frota desgastada (GATTÁS, 1981; SHAPIRO, 1994). As divisas
acumuladas foram gastas rapidamente, com o agravante de que os saldos comerciais em moedas
europeias estavam inconversíveis. Os déficits comerciais pressionaram o Balanço de
Pagamentos em 1947, dando origem a uma nova crise cambial. A resposta do governo foi criar
um esquema de licenciamento de importações, divididas em cinco categorias, por ordem de
prioridade (SHAPIRO, 1994).
Na TAB. 1, podemos ver que durante a Segunda Guerra Mundial, o país conseguiu obter
resultados em geral favoráveis na Balança Comercial e nas Transações Correntes, mas a
situação começou a se modificar após 1945. As reservas acumuladas em ouro, por exemplo,
deixaram de crescer em 1947, e em 1948 houve redução em seu valor. Nesses dois anos, o saldo
em Transações Correntes e o saldo global do Balanço de Pagamentos foram negativos, a
despeito do superávit comercial.
Tabela 1. Setor Externo (1940 - 1948)
1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948
Balança
comercial 51,4
145,2 232,4 245,7 269,9 332,6 391,0 130,0 278,0
Balança de
Serviços - 63,7 - 53,5 - 32,8 - 51,2 - 87,4 - 77,4 -178,0 -257,0 -273,0
Transações
correntes - 12,3 91,7 201,3 198,5 185,8 248,2 188,0 -151 -2
Saldo
Balanço de
Pagamentos
4,4 60,3 149,6 252,8 157,4 61,7 96,0 -182,0 -24,0
Ouro
monetário
(aumento
(-))
- 12,8 - 22,0 -51,3 -158,9 - 84,7 - 27,1 - 1,0 0 37
Fonte: ESTATÍSTICAS históricas... (1990)
41
Nos anos seguintes, as oscilações na política cambial e na disponibilidade de
importações ora favoreceram, ora ameaçaram a nascente indústria nacional15 de autopeças.
Apesar de que a fabricação dos primeiros componentes remontasse à década de 1920 (com
destaque para pneus e câmaras de ar), o setor havia florescido no ambiente protegido oferecido
pela guerra (MERICLE, 1984). Sua crise não foi tão grave como o imaginado, visto que as
peças importadas vinham de fornecedores pouco conhecidos, como o Leste Europeu, e não
condiziam com os veículos em circulação. O regime de licença prévia para importações, vigente
até 1950, também trouxe alívio para o setor (GATTÁS, 1981). A escassez de dólares no início
dos anos 1950 estimulou a importação de veículos provenientes de países da Europa Ocidental
– com destaque para o Reino Unido e a Alemanha – cuja produção começava a se recuperar e
competir com a dos Estados Unidos (SHAPIRO, 1997).
A eclosão da Guerra da Coreia em 1950 levantou o temor de um novo bloqueio às
importações por tempo indeterminado, fazendo o governo brasileiro relaxar o controle cambial
para permitir o estoque de produtos (GATTÁS, 1981; SHAPIRO, 1994). O aumento nas
importações automobilísticas foi uma das causas da crise cambial que se seguiu, colocando uma
difícil escolha entre atender à necessidade de renovar a frota nacional de veículos – os
caminhões, principalmente – e lidar com as pressões no Balanço de Pagamentos (LATINI,
2007). Na TAB. 2, notam-se grandes déficits comerciais nos anos de 1951 e 1952, contribuindo
para saldos negativos em Transações Correntes e no Balanço de Pagamentos.
Tabela 2.Setor externo (1950-1953)
1950 1951 1952 1953
Balança comercial 425,0 -532,0 - 286,0 424,0
Balança de Serviços - 283 -469 -336 -355
Transações correntes 140 -403 -624 55
Saldo Balanço de
Pagamentos
52 -291 -615 16
Ouro monetário
(aumento (-))
-1 -1 -1 -1
Fonte: ESTATÍSTICAS históricas... (1990)
Portanto, o crescimento nas importações de veículos automotores era motivo de grande
preocupação em decorrência de seus efeitos sobre a balança comercial, em um momento
delicado para as contas externas. Ainda que os planos para a produção interna de veículos
15 De acordo com Lima (1957), a indústria de autopeças se tratava de uma iniciativa inteiramente nacional, opinião
compartilhada por Gattás (1981).
42
tenham tido outras motivações, a pressão exercida pelas importações desses itens sobre o
Balanço de Pagamentos foi um incentivo não desprezível.
1.4.1. Diagnósticos sobre o setor de transportes no Brasil e planos para a fabricação de
automóveis: 1940- 1956
No decorrer da década de 1940, foram realizados diversos estudos a respeito dos
principais problemas do Brasil, destacando-se aqueles realizados por missões estrangeiras. Por
exemplo, a crítica da Missão Cooke (1942)16 ao sistema brasileiro de transportes deu origem ao
termo “pontos de estrangulamento” (LIMA, 1957). As recomendações dessas missões para os
setores básicos da economia apontavam que o setor de transportes era um dos principais
obstáculos ao desenvolvimento do país, contudo não havia sugestões de fabricação doméstica
de veículos. Em 1948, o governo Dutra lançou o Plano SALTE (Saúde, Alimentação,
Transportes e Energia), transformado em lei em 1950. A falta de recursos e a proximidade do
fim do mandato presidencial limitaram as ações desse plano, o qual iniciou a construção da
Rodovia Presidente Dutra (ligação Rio – São Paulo) e da Companhia Hidrelétrica de Paulo
Afonso, no Rio São Francisco (GATTÁS, 1981).
No segundo período de governo de Getúlio Vargas (1951-1954), decidiu-se executar o
Plano SALTE por etapas, em razão da escassez de recursos e de preocupações com as possíveis
consequências inflacionárias. Em 1951, foi criada a Comissão de Desenvolvimento Industrial
(CDI – 1951) com o objetivo de estudar um plano de desenvolvimento industrial para enfrentar
os principais problemas econômicos do país (GATTÁS, 1981). Apesar do seu efeito reduzido
sobre o crescimento industrial, a CDI deixou um importante legado por meio de seus estudos,
principalmente na área de transportes. A mais importante delas foi a Subcomissão de Jipes,
Tratores, Caminhões e Automóveis, criada em 1952 para “estudar medidas necessárias à
promoção da indústria automobilística e propor providências e estímulos à implantação desta”
(LATINI, 2007, p. 89).
A dita subcomissão constatou que a faixa de mercado para a indústria automobilística
não era desprezível, embora fosse insuficiente para alegar imprescindibilidade. Também
reforçou a importância do problema do transporte para o desenvolvimento do país. Por último,
chegou à conclusão de que o Brasil não cumpria os pré-requisitos necessários à implantação
desse tipo de indústria, em virtude da inexistência de mão-de-obra especializada, de técnicos
16 A Missão Cooke (1942) foi uma missão dos Estados Unidos cujo relatório apresentou as deficiências,
insuficiências e precariedades do sistema de transportes brasileiros.
43
ou das matérias-primas exigidas. Apesar dessa última constatação, o responsável pela
Subcomissão, Lúcio Meira, não desistiu da criação de uma indústria automobilística no Brasil,
contando com o apoio dos fabricantes brasileiros de autopeças. O Plano Nacional de Estímulo
à Produção de Automóveis e à Implantação Gradativa da Indústria Automobilística, de 1952,
representou a certidão de nascimento daquela indústria, ainda que a fabricação de veículos tenha
começado apenas alguns anos depois (LATINI, 2007).
O setor de peças obteve a proteção que demandava do governo brasileiro com o Aviso
288 da Carteira de Exportação e Importação (CEXIM), em 1952. A partir de então, permitiu-se
o licenciamento da importação de peças e acessórios para veículos, com exceção dos itens
constantes em uma lista com os artigos já produzidos pela indústria nacional (GATTÁS, 1981;
MERICLE, 1984). Por sua vez, o Aviso 311, de 1953, proibiu a importação de veículos a motor,
para fins comerciais, devidamente montados a partir de 01/07/1953 (LATINI, 2007;
MERICLE, 1984). Em 1954, foi criada a Comissão Executiva da Indústria de Material
Automobilístico (CEIMA), cujas atribuições eram as mesmas que viria a ter o Grupo Executivo
da Indústria Automobilística (GEIA) no governo Juscelino Kubitschek (PEREIRA, 2014).
Em resposta ao grande déficit em transações correntes em 1952, no ano seguinte houve
significativa mudança cambial (SHAPIRO, 1994). A Instrução 70 da SUMOC (1953) eliminou
o sistema de licença prévia e criou cinco categorias de importação por ordem decrescente de
prioridade, com taxas de câmbio diferentes da taxa oficial. Além disso, houve a criação do leilão
de câmbios, com a negociação de PVCs (Promessas de Venda de Câmbio) no mercado livre,
com um ágio de 8% para a União (CAMPOS, 2009)17, o que favorecia a importação de
equipamentos básicos (LESSA, 1981).
Outros elementos que favoreceram a futura implantação da indústria automobilística
foram criados durante o segundo governo Vargas, destacando-se a criação do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (1952), que visava apoiar a diversificação industrial, porém
no início esteve comprometido com o financiamento dos programas de infraestrutura; e a
criação da empresa estatal de petróleo, a Petrobras, em 1953. Ademais, houve a reestruturação
do Plano Nacional Rodoviário, o estabelecimento do Fundo Nacional de Eletrificação e
inversões públicas nos sistemas de transportes e energia (LESSA, 1981).
A despeito da institucionalidade criada para as rodovias e dos estudos para a
implantação da indústria automobilística, as ferrovias e o transporte marítimo não foram
negligenciados pelo governo Vargas. Em sua mensagem de 1953, o presidente mencionou sua
17 Também substituiu a CEXIM pela Carteira de Comércio Exterior (CACEX).
44
intenção de criar uma grande empresa estatal na área de transportes ferroviários e marítimos,
de forma a otimizar o investimento público e atrair o investimento privado para essas áreas.
Também buscava assegurar o desenvolvimento de indústrias de equipamentos de transportes,
bem como de cimentos, trilhos e outros materiais de construção em vias, e fontes de energia
(DRAIBE, 2004, p. 188–189).
1.4.2 O governo Juscelino Kubitschek: Plano de Metas e a atuação do GEIA
Durante a campanha presidencial de 1955 e ao longo do mandato, os discursos de
Juscelino Kubitschek privilegiavam a temática do desenvolvimento, o qual seria alcançado por
meio do processo de industrialização e permitiria melhorar o padrão de vida da população como
um todo. O raciocínio por trás do discurso desenvolvimentista era de que, ao se superar a
miséria e o atraso por meio do crescimento econômico, não haveria espaço para a “subversão”
da ordem. Ou seja, a atitude desenvolvimentista de Kubitschek era, ao mesmo tempo,
francamente transformadora e inovadora no campo econômico, incentivando novos
investimentos em setores modernos, e abertamente conservadora nas áreas política e social,
visto que a preservação da ordem era considerada imprescindível (CARDOSO, 1977).
A partir disso, é possível entender como o nacionalismo e o planejamento foram
utilizados de forma pragmática para alcançar os objetivos de prosperidade e manutenção do
status quo. De acordo com Cardoso (1977) Kubitschek defendia um nacionalismo de caráter
“racional” ou “técnico”, que atenderia aos interesses do projeto de desenvolvimento econômico,
e distinto de um nacionalismo “emocional” – ou seja, político – que não seria objetivo e se
chocaria com o desenvolvimento. Por isso, o presidente via a colaboração do capital estrangeiro
como uma “necessidade técnica”, essencial para a industrialização e a superação do atraso
(ALMEIDA, 2006). A entrada de investimentos complementaria a poupança nacional (pública
e privada), solucionando o crônico problema da escassez de capitais (CARDOSO, 1977). O
inimigo do “nacionalismo triunfante”18, portanto, não era o capital estrangeiro, mas a “ameaça
comunista”, a ser combatida pela eliminação da miséria.
No que tange ao planejamento, o governo Kubitschek o entendia como a “orientação da
economia pelo Estado, para alcançar certos objetivos prefixados que atendam à maioria da
população” (HOFFMAN, 1963, p. 18). Ao invés de representar uma afronta ao interesse
privado, tratava-se de um mecanismo utilizado para compensar as debilidades e insuficiências
do capital nacional no âmbito de uma economia subdesenvolvida. Desse modo, a intervenção
18 Almeida (2006) prefere caracterizar a ideologia predominante no período JK como “nacionalismo triunfante”,
em oposição ao termo “nacional-desenvolvimentismo”.
45
estatal suplementaria a iniciativa privada, incapaz de suportar o ônus das fases iniciais da
aceleração do processo de industrialização (CARDOSO, 1977; HOFFMAN, 1963).
O início do governo JK e a concepção do Plano de Metas se deram em meio a
divergências no interior da burocracia “técnica”, bem como entre as frações das classes
dominantes. Segundo Almeida (2006, p. 123): “Longe de resultar da régua e compasso de
‘burocratas iluministas’, o chamado Plano de Metas foi objeto de um complexo processo de
lutas”. Entretanto, conforme foi se definindo o perfil da política de desenvolvimento, os
empresários foram se aproximando do governo e revendo algumas de suas antigas posições.
Formou-se um amplo arco de forças embasando a política de desenvolvimento de Kubitschek,
incluindo o Partido Comunista, militares nacionalistas, empresários nativos e grandes
capitalistas estrangeiros (ALMEIDA, 2006).
De modo geral, o Plano de Metas pode ser caracterizado como um “ambicioso conjunto
de objetivos setoriais (...) que constitui a mais sólida decisão consciente em prol da
industrialização na história econômica do país” (LESSA, 1981, p. 27). Havia 30 metas, além
da meta especial (Operação Nordeste) e da meta síntese (construção de Brasília), agrupadas em
quatro categorias: a) transporte e energia; b) setores produtores intermediários; c) bens de
capital; e d) a construção da nova capital. Também houve a criação de um novo Conselho de
Desenvolvimento Industrial (CDI-56), responsável por coordenar as ações do Plano (GATTÁS,
1981; LESSA, 1981).
As prioridades eram a construção dos estágios superiores da pirâmide industrial e do
capital social básico de apoio a esta estrutura. Os investimentos estatais nos setores de energia
e transportes e em algumas atividades industriais básicas destinavam-se a fornecer a
infraestrutura básica imprescindível para a instalação das indústrias mais avançadas no Brasil
(LESSA, 1981). Os investimentos se concentraram nos setores de transportes, energia e
indústria de base – constituindo mais de 90% dos recursos, como podemos ver nas TAB. 3 e 4:
Tabela 3. Distribuição dos investimentos por setores no Plano de Metas
Cr$ bilhões %
Energia (elétrica, petróleo) 120,8 42,4
Transportes (ferroviário e rodoviário, construção,
aparelhamento e pavimentação)
94,9 33,3
Alimentação 9,5 3,4
Indústria de base 47,3 16,6
Educação 12,2 4,3
Total 284,7 100
Fonte: Gattás (1981, p. 328).
46
Tabela 4. Investimentos em moeda estrangeira
US$ milhões
Energia 862,2
Transportes 582,6
Alimentação 130,9
Indústria de base 742,8
Total 2318, 5
Fonte: Gattás (1981, p. 328).
De acordo com Lessa (1981), a transformação da estrutura de transportes, herdada da
fase primário-exportadora, era um dos principais objetivos a serem alcançados. Para tanto,
procurou-se reequipar o sistema ferroviário, ampliar e pavimentar as rodovias, melhorar os
portos e modernizar a frota comercial. A malha rodoviária cresceu vertiginosamente em
extensão e qualidade, principalmente as rodovias federais e estaduais. A meta inicial do Plano
era a construção de 10.000 km de novas rodovias federais, melhoramentos em 3.800 km e a
pavimentação de 3.000 km. As metas foram totalmente atingidas, com a construção de 12.169
km e a pavimentação de 7.215 km de rodovias federais.
Também houve preocupação com a construção e reaparelhamento das ferrovias,
acompanhada pela criação da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) em 1957, a qual alcançou sua
máxima extensão em 1960 (GATTÁS, 1981). Entretanto, por falta de financiamento, as metas
para esse subsetor não foram atingidas. Por sua vez, o transporte marítimo contava com planos
de ampliação da frota mercante e reaparelhamento e expansão dos portos. Houve êxito
praticamente integral na expansão da frota marítima (cabotagem e petroleiros, principalmente)
e parcial no reaparelhamento dos portos, mas isso não impediu o declínio da navegação
marítima (LESSA, 1981). Sendo assim, consolidou-se uma forte presença pública nas áreas de
planejamento, implantação e manutenção da infraestrutura de transportes, ao passo que ao setor
privado coube a operação dos transportes rodoviários de passageiros e de mercadorias e a
aviação civil, bem como a construção civil19 associada principalmente ao setor rodoviário
(PEREIRA, 2014).
Apesar de suas metas não terem sido atingidas, ao transporte ferroviário coube a maior
porcentagem dos recursos no período 1956-1960, no total de Cr$ 1510,9 milhões20,o que
equivalia a 38% do total dos investimentos em transportes, ao passo que o setor rodoviário
19 Segundo Pereira (2014: 92-94), da década de 1940 à de 1980, o setor rodoviário foi fundamental para o
crescimento do setor de construção civil, porém a crise do modelo de financiamento rodoviário e o surgimento de
novas oportunidades de negócio, nos anos 1970, diminuíram a importância das obras rodoviárias para as
empreiteiras. 20 Em valores de 1968.
47
recebeu Cr$ 1037 milhões21 (26%). Já ao setor marítimo foram destinados Cr$ 888,1 milhões22
(23%), aos portos, Cr$ 460 milhões23 (11%), e ao setor aéreo, Cr $ 95,4 milhões24 (2%)
(BARAT, 1978, p. 142–144).
Além da infraestrutura, a indústria automobilística foi uma das principais apostas do
Plano de Metas, uma vez que era vista como um meio de atrair tecnologia e capitais estrangeiros
para o país. A Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis já havia concluído
que o investimento estrangeiro por companhias transnacionais era imprescindível para a
empreitada da fabricação do veículo “nacional”, dada a fraqueza do setor privado brasileiro e a
inadequação das empresas estatais para atuar na manufatura complexa (SHAPIRO, 1994).
O Censo de 1950 havia constatado a existência de 529.577 veículos em operação (276.845
carros, 236.732 caminhões e 16.000 ônibus), e 126.000 km de estradas de rodagem, sendo
apenas 1.000 km pavimentados (GATTÁS, 1981). Para o ano de 1955, o Anuário Estatístico
do Brasil (1956) indicou a extensão da rede rodoviária nacional em 459. 714 km, sendo destas
22. 250 km federais, 54. 048 km estaduais, 383. 416 km municipais e 3.133 km pavimentados
(LIMA, 1957). Com o Plano de Metas, tais valores cresceram significativamente.
O plano da Subcomissão do governo Vargas foi adaptado para atender aos objetivos
econômicos e políticos do governo JK, bem como para se adaptar aos instrumentos de política
econômica disponíveis (SHAPIRO, 1994). Para Shapiro, o Plano de Metas teria seguindo
diretrizes apontadas pela Subcomissão, a saber: a) fechar o mercado às importações; b)
aumentar nível de componentes nacionais em troca de incentivos financeiros; c) uso de
incentivos indiretos, como constrangimentos políticos e econômicos; d) taxas de câmbio
diferenciadas (Instrução 70 da SUMOC).
Embora exista esse aspecto de continuidade entre os dois governos, a diferença
fundamental entre eles era a inexistência de bases de apoio no segundo governo Vargas para as
políticas que se desejava implementar e a existência dessas bases no governo Kubitschek, o que
foi determinado pela correlação de forças em cada um. Deve-se apontar que o processo de
industrialização foi acompanhado por um conflito pronunciado entre frações burguesas, opondo
os fabricantes de autopeças ao grupo de importadores e revendedores de veículos, não havendo
um consenso dentro da burguesia a respeito da produção de veículos e peças nacionais.
Ademais, Vargas e Meira fizeram uma primeira tentativa de atrair as grandes fabricantes
21 Idem 22 Idem 23 Idem 24 Idem
48
internacionais de veículos para produzirem no Brasil, indicando que nesse ponto não havia uma
ruptura entre as políticas de Vargas e JK (ALMEIDA, 2006).
O Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) foi instituído pelo Decreto nº
39 412, de 16/06/56, e foi a principal inovação institucional do Plano de Metas. Por estar ligado
diretamente ligado ao Executivo e, portanto, isolado das pressões políticas do Congresso
Nacional, permitiu maior grau de autonomia para os tomadores de decisão (LATINI, 2007).
Embora o prazo previsto de duração fosse de cinco anos, a fim de completar a implementação
da indústria ele durou até 1964, quando foi substituído pelo Grupo Executivo da Indústria
Mecânica – GEIMEC (GATTÁS, 1981; SHAPIRO, 1994).
O GEIA estabeleceu as diretrizes para nacionalizar o conteúdo dos veículos em cada
ramo principal da indústria e as condições de participação que impôs providenciaram incentivos
que reduziram o risco do empreendimento. Entre os incentivos concedidos às empresas, o mais
importante foi o acesso ao protegido mercado brasileiro (MERICLE, 1984). Outros estímulos,
de natureza fiscal e cambial, diminuíram o risco do investimento, que parecia considerável em
uma economia como a brasileira. Inicialmente, o governo preocupava-se com a fabricação de
veículos de maior interesse econômico, isto é, os caminhões, sem descartar a produção de
automóveis, que também tinham importância considerável nas importações (SHAPIRO, 1994).
Entretanto, apenas proteção do mercado interno não seria suficiente para conseguir
trazer ao Brasil as ETN do setor. Foi imprescindível a capacidade do Estado de colocar uma
ameaça crível e prover subsídios para diminuir o risco das empresas (SHAPIRO, 1994). Isto é,
as empresas montadoras foram pressionadas para fabricar seus veículos no país (LIMA, 1957),
principalmente pela proibição da importação de veículos montados e de um número
significativo de componentes. Apesar de a pressão governamental não ser a única motivação
para a entrada dessas companhias, foi um fator relevante para a aceleração desse processo.
Não menos importante foi a estratégia das ETN, as quais buscavam novos mercados em
resposta ao aumento da competição internacional. Depois de satisfazer a demanda no imediato
pós-guerra, as grandes fabricantes de automóveis passaram a enfrentar um novo padrão de
competição no começo da década de 1950. As corporações dos Estados Unidos instalaram
filiais na Europa Ocidental para aproveitar o crescimento do mercado europeu e contornar as
barreiras protecionistas, ao passo que as empresas europeias em recuperação passaram a
disputar o mercado americano. Satisfeitos os mercados domésticos, tanto as firmas europeias
quanto as americanas se empenharam em aumentar as exportações para outros mercados
(SHAPIRO, 1997).
49
Nos anos 1940, houve uma divisão entre dois grupos de companhias automobilísticas
nos Estados Unidos: i) as “Três Grandes”, compreendendo Ford, General Motors e Chrysler;
ii) as “Independentes Líderes”, formadas por Studebaker, Hudson, Nash, Packard e Willys
Overland. Ao passo que as “Três Grandes” não cogitavam produzir automóveis na América
Latina, as empresas mais fracas tinham fortes motivos para expandirem seus negócios ou
transferirem suas operações para a região. A Kaiser-Fazer, que havia comprado a Willys
Overland, abriu empresas montadoras na Argentina e no Brasil. Essas empresas pequenas logo
apresentaram projetos para carros de passeio ao GEIA, ao passo que as grandes preferiram
produzir veículos pesados (caminhões e ônibus); das grandes empresas, apenas a Volkswagen
se arriscou na produção de um automóvel – o Fusca (NEGRO, 1997).
Com o objetivo de promover a concorrência entre empresas, o GEIA aceitou projetos
de muitas firmas, supondo que nem todos teriam sucesso. De fato, desses 17 projetos, apenas
11 se concretizaram (MERICLE, 1984). A TAB. 5 lista as empresas envolvidas:
Tabela 5. Projetos aprovados pelo GEIA
Empresas Origem das patentes ou
desenhos dos veículos
Tipo de veículo fabricado
Fábrica Nacional de Motores
(Estado do Rio)
Itália Caminhão pesado, automóvel
Ford Motor do Brasil (São
Paulo – Capital)
Estados Unidos Caminhão leve, caminhão
médio (F350 e F600)
General Motors do Brasil (S.
Caetano do Sul – SP e S. José
dos Campos – SP)
Estados Unidos Caminhão leve, caminhão
médio
International Harvester (Santo
André – SP)
Estados Unidos Caminhão médio
Mercedes-Benz (S. Bernardo
do Campo – SP)
Alemanha Caminhão médio, caminhão
pesado, ônibus
Scania-Vabis do Brasil (São
Paulo – Capital)
Suécia Caminhão pesado
Simca do Brasil (S. Bernardo
do Campo – SP e Sta. Luzia -
MG)
França Automóvel
Toyota do Brasil (São Paulo -
Capital)
Japão Jipe
Vemag (São Paulo - Capital) Alemanha Automóvel, camioneta, jipe
Volkswagen do Brasil (S.
Bernardo do Campo – SP)
Alemanha Camioneta e automóvel
Willys Overland do Brasil (S.
Bernardo do Campo – SP e
Taubaté – SP)
Estados Unidos e França Jipe, camioneta, automóvel
“Aero-Willys” e “Dauphine-
Renault”
Fonte: Gattás (1981, p. 324).
50
Por sua vez, a Fábrica Nacional de Motores foi uma das empresas pioneiras da indústria
automobilística brasileira. A empresa estatal foi inaugurada em 1942 com o propósito de
fabricar motores para aviões, em plena Segunda Guerra Mundial. Com o fim da guerra em 1945,
foram feitas várias tentativas de adaptá-la ao uso civil, até que se tornou montadora dos
caminhões da empresa italiana Isotta-Fraschini, posteriormente adquirida pela italiana Alfa
Romeo (GATTÁS, 1981). Nos primeiros anos da fábrica, sua direção foi militar e voltada para
a autossuficiência, havendo um projeto de criar uma “Cidade dos Motores”. Ademais, a FNM
tinha como objetivo ser uma “escola” para formar uma força de trabalho disciplinada e treinada
para as atividades fabris, o futuro operário do país (RAMALHO, 1997). A despeito de sua
importância em termos econômicos e estratégicos, a empresa estatal não recebeu do GEIA a
mesma atenção dispensada às corporações estrangeiras, havendo mesmo intenção do grupo
executivo de propor sua privatização. Esta ocorreu apenas em 1968, quando a empresa italiana
Alfa Romeo passou a ser proprietária da FNM (SHAPIRO, 1997; TORRES, 1977).
As autoridades defendiam a horizontalidade da indústria automobilística, ou seja, as
montadoras produziriam somente os componentes principais e subcontratariam o restante do
setor nacional de autopeças. Os fabricantes de autopeças desejavam estabelecer uma relação
cooperativa com as grandes fabricantes de veículos, recebendo delas assistência técnica e
tecnológica, além dos contratos de longo prazo. Para atender aos vários fabricantes de veículos,
o setor de autopeças teria que produzir uma grande variedade de produtos diferentes, em
volumes menores, e utilizando diferentes estilos de produção (ADDIS, 1997). Não havia
medidas concretas para impedir a verticalização (SHAPIRO, 1994), a não ser o estabelecimento
de metas para o índice de nacionalização da produção, como podemos ver na TAB. 6:
Tabela 6. Índices de Nacionalização
Porcentagem (em peso) de peças fabricadas no país:
Prazos limites Caminhões Jipes Caminhões leves
31/12/56 35% 50% 40%
01/07/57 40% 60% 50%
01/07/58 65% 75% 65%
01/07/59 75% 85% 75%
01/07/60 90% 95% 90%
Fonte: Gattás (1981, p. 202).
Desse modo, a horizontalização era um dos objetivos perseguidos pelo GEIA a fim de
garantir espaço para os fabricantes nacionais de autopeças. Os índices de nacionalização foram
atingidos nas datas previstas, sendo que algumas empresas os haviam ultrapassado já no
segundo semestre de 1959 (GATTÁS, 1981). A proteção ao setor de autopeças era um exemplo
51
de como o Plano de Metas procurou conciliar os interesses das partes do “tripé” capital
internacional-Estado-capital nacional, de modo que a presença das ETN não fosse encarada
como ameaça pelos industriais brasileiros, porém como uma oportunidade de negócios.
Segundo Shapiro (1994, p. 55), as firmas locais não viam a entrada maciça de capital estrangeiro
como uma ameaça; ao invés disso, enxergavam a criação de novas oportunidades de
investimento.
No que tange aos investimentos realizados no período de atuação do GEIA, podemos
ver na TAB. 7 que tanto o setor de autopeças quanto os fabricantes de veículos tiveram acesso
a investimento direto e financiamentos obtidos no exterior, sendo que para os fabricantes, os
investimentos diretos foram mais expressivos, ao passo que para o setor de autopeças, o valor
dos financiamentos foi maior.
Tabela 7. Investimentos realizados
30/12/1960 (Em US$1 milhão)
Discriminação Fábricas de
autopeças
Fábricas de
veículos
Total
Existente antes do GEIA 117,1 90,5 207,6
Período GEIA (1957/60)
-Investimentos diretos 99,4 133,9 233,3
-Financiamentos obtidos no
exterior
43,9 35,3 79,2
-Financiamentos à vista, extra
licitação
8,2 - 8,2
-Investimentos diretos, através de
licitação, no leilão de divisas
2 - 2
270, 6 259,7 530,3
Em Cr$ milhões
Investimentos em terrenos,
construções e equipamentos
nacionais
8095 8511 16606
Fonte: Gattás (1981, p. 326)
Portanto, a questão dos transportes foi um dos pontos centrais do Plano de Metas, seja
por meio dos expressivos investimentos estatais em rodovias e outros modais de transporte, seja
pela promoção estatal da fabricação doméstica de veículos, na qual se engajaram o setor
nacional de autopeças e as empresas automobilísticas estrangeiras. Contudo, o capital e a
tecnologia que vieram com o novo setor não eram uma dádiva: o preço a pagar por eles seria a
acentuação da instabilidade crônica de nosso Balanço de Pagamentos e, consequentemente, o
reforço do esquema primário-exportador a fim de gerar as divisas necessárias à remuneração
do capital internacional (PRADO JR, 1957, 1970).
52
1.5. Tomada do poder pelo complexo multinacional e a expansão rodoviária na
década de 1960
O subsetor rodoviário continuou a ser priorizado pelo regime instaurado após o golpe
civil-militar de 1964, atendendo os interesses do complexo multinacional que tomou o poder,
entre eles, o da indústria automobilística. O incentivo ao consumo de bens duráveis como os
automóveis estimulou o crescimento da malha rodoviária, ao mesmo tempo em que gerava os
recursos necessários para isso. Em contraste, os demais subsetores de transporte receberam,
menos atenção e recursos públicos, contribuindo para sua defasagem. A política “rodoviarista”
seria mantida até o primeiro choque do petróleo, em 1973, o qual fez com que as políticas de
transportes fossem repensadas para fazer frente ao aumento do custo dos derivados de petróleo.
Primeiramente, devemos entender o contexto que precedeu o golpe de Estado em 1964
a fim de ver qual o interesse do capital internacional e de seus sócios locais em controlar
diretamente o aparelho estatal. No início da década de 1960, a desaceleração do crescimento do
produto e o recrudescimento da inflação caracterizaram uma nova fase no ciclo econômico
(CRUZ, 1980), contrastando com o período de implementação dos setores mais modernos da
indústria. Uma das explicações para a redução do crescimento era que se tratava de um
fenômeno cíclico, relacionado à conclusão do bloco de investimentos do Plano de Metas, o qual
ampliou a capacidade produtiva muito à frente da demanda. Além disso, a aceleração da
inflação e as políticas de estabilização destinadas a combatê-la teriam aprofundado a recessão.
Por último, outros fatores circunstanciais, como a seca de 1963, contribuíram para agravar a
situação (SERRA, 1982).
No setor externo houve queda dos preços do café e crescimento das remessas de juros e
lucros, agravados pela diminuição do IDE novo. O resultado dessas circunstâncias
desfavoráveis foi uma crise cambial acompanhada por fragilidade financeira interna. Ademais,
a reforma cambial promovida pelo Governo Quadros extinguiu o regime de câmbio múltiplo
(Instrução 204 da SUMOC), eliminando o ágio enquanto uma importante fonte de receitas para
o Estado. Por último, a crise externa também encarecia o custo da dívida externa em moeda
nacional, devido à desvalorização cambial (SERRA, 1982).
Enquanto a crise econômica se agravava, a tensão política e social tornava-se cada vez
mais forte. Assim como os trabalhadores se organizavam em sindicatos e movimentos sociais,
o bloco que se formou em torno das ETN organizou politicamente para conspirar contra o
governo Goulart. O peso dos interesses transnacionais na economia brasileira havia crescido
consideravelmente na segunda metade da década de 1950, todavia o crescimento de seu poderio
53
econômico não foi acompanhado pela capacidade política de influenciar o aparelho de Estado,
o que levou os intelectuais orgânicos do complexo multinacional a buscar outras alternativas.
Assim, o governo JK acabou esgotando as combinações de forças políticas que tinham sido
suas bases de sustento originais (DREIFUSS, 1981, 1986).
O chamado “complexo multinacional” originou-se da associação dos interesses externos
com os interesses internos, com a introdução de novos elementos de dominação por meio da
internalização de forças produtivas e da difusão do fordismo. Campos (2016, p. 20) aponta as
seguintes características do complexo multinacional:
i)- o complexo é, por um lado, resultado da dependência externa e do
subdesenvolvimento de longo prazo, em que o caráter mercantil, antissocial e
subordinado da burguesia brasileira, sedimenta tal relação; ii)- essa característica
perene de nossa formação interpõe-se, por outro lado, a um estágio peculiar de
dominação do capital internacional na industrialização pesada a partir de 1956; iii)-
tal dominação tem no “imperialismo total” seu polo externo, que se manifesta
internamente na junção de interesses estrangeiros ante as necessidades de
desenvolvimento capitalista da burguesia brasileira; iv)- o complexo responde de fora
para dentro, tanto pela necessidade de extração de mais valor, quanto da difusão de
uma promessa civilizatória antagônica ao socialismo, bem como pela segurança
política, que, no limite, pode se substanciar em segurança militar; v)- a associação
dependente em que se baseia o complexo, da mesma forma que viabiliza as
rentabilidades dos principais negócios que se articulam à industrialização pesada, e,
assim, sustentam a ampliação da base material do mercado interno, funde, de dentro
para fora, interesses comuns que se solidificam no domínio político do Estado
brasileiro, a serviço desse arco multinacional.
Com o intuito de proteger seus interesses, o complexo multinacional organizou-se
politicamente para influenciar a opinião pública. As ações da elite orgânica25 no período 1961-
1964 tinham como finalidade adentrar no aparelho de Estado a fim de garantir diretrizes
favoráveis ao bloco multinacional. Entre suas organizações, destacavam-se o Instituto de
Pesquisa Econômica e Social (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),
sendo este um grupo de ação política e ideológica, voltado para conquistar apoio da população
em geral e doutrinar as classes dominantes (DREIFUSS, 1981, 1986).
25 Dreifuss (1986) define as elites orgânicas como “agentes coletivos político-ideológicos especializados no
planejamento estratégico e na implementação da ação política de classe, através de cuja ação se exerce o poder de
classe.” (p. 24). Ou seja: não se trata apenas da classe dominante, mas de uma parcela politicamente ativa engajada
em ações que visam a garantir os interesses de classe. Em outra passagem, o autor destacou que é a estratégia de
luta de classes levada a cabo pelos dominadores contra os dominados.
54
Existia uma estreita conexão entre as elites orgânicas dos países de capitalismo
avançado e seus congêneres latino-americanos, iniciada em princípios dos anos 1950, mas
intensificada a partir da Revolução Cubana (1959).26. Além de material de propaganda e
diretrizes ideológicas, a ajuda internacional vinha na forma de substancial assistência privada
por parte dos Estados Unidos e de outros países para o complexo IPES/IBAD, bem como
recursos oriundos de empresas privadas e da CIA (Central Intelligence Agency). Entre os
principais colaboradores estrangeiros, com destaque para: Texaco, Shell, Esso Brasileira,
Standard Oil of New Jersey, Texas Oil Co., Gulf Oil, General Eletric, IBM, Coca Cola, US
Steel, Hanna Minning Co., General Motors, Willys Overland e IBEC (DREIFUSS, 1981).
Entre as ameaças vislumbradas pelo complexo multinacional, destacava-se a aprovação
em 1962 da Lei 4.131 (Lei de Remessa de Lucros), que tinha como finalidade impor controles
ao envio de lucros ao exterior pelas empresas estrangeiras instaladas no país. A Lei de Remessas
significava uma inflexão no marco institucional voltado para a regulação do capital
internacional. Em primeiro lugar, era a mais bem organizada legislação sobre a questão
elaborada até então. Em segundo, ela contrastava com a Instrução 113, a qual havia revogado
o complexo de essencialidade e seletividade, além de extinguir o desdobramento do sentido do
termo “de especial interesse nacional”, em 1955. Por último, a lei 4131 se distinguia da Lei de
Tarifas (1957), que ofereceu um excesso de proteção às empresas estrangeiras internalizadas;
do Decreto nº. 42.820 (1957), que regularizou a Instrução nº. 113 (1955); assim como da
Instrução nº. 204 (1961) que, ao unificar o câmbio, colocava o Estado nacional como avalista
do grave problema cambial (CAMPOS, 2016)27.
A tomada do Estado pela elite orgânica teve sucesso na implementação das diretrizes
favoráveis ao complexo multinacional e associado, reservando para os “tecnoempresários”28 os
postos-chave da administração estatal. As posições administrativas mais importantes do Estado
e os cargos nas diretorias de grandes empresas estavam nas mãos de um pequeno número de
26 Embora tenham recebido influência e ajuda do exterior, as elites orgânicas latino-americanas não eram meras
sucursais das organizações semelhantes nos países desenvolvidos, mas desempenharam o papel fundamental na
luta política e ideológica que os novos setores empresariais, militares, burocráticos e técnicos travavam no
continente (Dreifuss, 1986) 27O complexo multinacional também se sentiu ameaçado pelas estatizações de subsidiárias norte-americanas no
Rio Grande do Sul, pela política externa independente – que desafiava a negociação da dívida externa – e, de modo
geral, pelas sucessivas derrotas na democracia representativa, catalisando sua ação política e conspiratória
(Campos, 2016). 28 Dreifuss (1981, 1986) contesta a ideia comumente difundida de que a burocracia estatal do pós-1964 passou a
ser controlada por militares e técnicos. Embora o elemento técnico tenha ganhado destaque, em geral eram os
empresários (industriais e banqueiros) quem ocupavam os postos-chave no Estado, além de continuar a conduzir
seus negócios privados. Em outras palavras, o caráter aparentemente “neutro” da administração conduzida por
“técnicos competentes” não passaria de uma falácia ideológica – mas ainda com bastante apelo.
55
pessoas, mostrando uma grande concentração do poder político e econômico (DREIFUSS,
1986). A reformulação do Estado pelo complexo multinacional corresponde ao que Florestan
Fernandes denominou de “modelo autocrático burguês”, o qual garantia segurança ao
imperialismo, retomando os influxos de IDE (CAMPOS, 2016).
Elaborado pela equipe IPES/CONSULTEC, sob o comando de Roberto Campos, o
Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) aprofundou a recessão ao tentar conter a
inflação. Já as reformas administrativas, econômicas e políticas empreendidas entre 1964 e
1967 seguiram na direção de “modernizar” a administração e o sistema financeiro, garantindo
a acumulação capitalista sob modernas bases. Tais reformas apresentavam congruência com as
propostas elaboradas pelos grupos de Estudo e Doutrina do IPES. Além do PAEG, a
substituição da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) por um Banco Central e a
criação do Conselho Monetário Nacional foram outras propostas ipesianas, mostrando a
atuação política dos proprietários e diretores de instituições financeiras (DREIFUSS, 1981).
As reformas financeiras de 1964 e 1965, complementadas pela reforma tributária de
1967, eram fundamentais para solucionar o problema do financiamento do setor público e da
economia como um todo, bem como preparar para a retomada do crescimento. Entre as
mudanças, destacaram-se a mencionada criação do Banco Central e do CMN; a estruturação do
mercado de capitais (1965); e a correção monetária, trazida pelas Obrigações Reajustáveis do
Tesouro Nacional (ORTN). A criação de novos mecanismos de financiamento permitia o
enxugamento dos meios de pagamento, aliviando, dessa forma, as pressões inflacionárias
(TAVARES; ASSIS, 1985).
A polêmica Lei 4.131 teve seu sentido praticamente invertido com a modificação dos
artigos correspondes à regulação das remessas de lucros ao exterior. A lei modificada (Lei n°
4390), regulamentada pelo Decreto nº. 55.762, de 17 de fevereiro de 1965, criou a possibilidade
de intermediação direta de liquidez internacional pelas ETN instaladas no país, além de
conceder o mesmo direito aos bancos nacionais (CAMPOS, 2016). Por sua vez, a Resolução
63 do CMN permitia aos bancos emprestar internamente os recursos obtidos no exterior. O
resultado da crescente internacionalização do setor moderno da economia, atado ao crédito
bancário internacional, foi sua extroversão financeira, bem como um grande endividamento que
teria consequências desastrosas em um futuro não muito distante (TAVARES; ASSIS, 1985).
No próximo capítulo, veremos com mais detalhes os condicionantes e as consequências da
política de incentivo ao endividamento junto aos bancos internacionais.
A partir de 1968 a economia brasileira entrou em um novo ciclo expansivo, derivado do
crescimento do mercado para os bens de consumo duráveis. Também houve incentivos às
56
exportações de produtos industriais, para contornar a insuficiência da demanda interna em
determinados setores. Entre as principais medidas adotadas pelo Estado para promover a
expansão do consumo de bens duráveis, está o arrocho salarial, ou seja, os salários reais
decresceram, mesmo sem corte de salários nominais. Outras políticas relevantes foram a
promoção do crédito ao consumidor daqueles bens, a neutralização da inflação por meio da
correção monetária e o incentivo fiscal à aquisição de ações de empresas (FURTADO, 1986).
No que diz respeito ao nosso objeto, devemos assinalar que a recessão durante boa parte
da década de 1960 afetou os transportes de maneira geral, bem como a indústria automobilística.
As reformas introduzidas pela ditadura instaurada em 1964 provocaram uma recessão que durou
até 1967, adiando a retomada do crescimento dos setores que apoiaram a derrubada do governo
Goulart. A partir de 1968, a expansão da demanda das corporações do ramo automobilístico
reforçou a tendência para o transporte rodoviário, ao passo que foram impostas medidas
austeras ao sistema ferroviário (“racionalização”) e houve desestatização e desnacionalização
da frota marítima mercante (DREIFUSS, 1981).
Em relação aos transportes, o objetivo PAEG era sanear o setor, promovendo a
racionalização das operações de serviços e a melhor seleção de investimentos. Isso se voltava
para o objetivo maior desse programa, que era o combate à inflação. Nesse sentido, além da
redução de custos, buscou-se promover o reajuste nas tarifas dos segmentos considerados
deficitários, atuando assim também no lado das receitas. Já o Programa Estratégico de
Desenvolvimento (PED), previsto para o período 1968-1970, colocou o setor de transportes
como uma de suas prioridades e manteve a orientação do PAEG de adequar as tarifas aos custos
de cada modalidade (BARAT, 1978). Por serem modais cuja operação dependia de recursos
orçamentários, o transporte ferroviário e o transporte marítimo foram os principais alvos dessa
política de racionalização, o que os distanciava ainda mais da situação do transporte rodoviário.
A partir de 1966 a indústria automobilística retomou seu ritmo de expansão, apoiada,
em um primeiro momento, na criação de consórcios, os quais constituíram uma forma de
financiamento utilizada para vender os estoques de veículos existentes. O setor também passou
por um movimento de fusões, em resposta à pressão das novas condições do mercado nacional.
No segmento de automóveis, surgiram novos modelos em 1967 e 1968, evidenciando o
aumento do poder competitivo dos automóveis de porte médio. Houve, porém, declínio na
produção de caminhões e ônibus, em função de uma crise de natureza estrutural relacionada às
melhores condições das rodovias e aos aperfeiçoamentos dos caminhões, o que trouxe ganhos
de eficiência e produtividade (ALMEIDA, 1972). Desse modo, a pavimentação de rodovias
57
acabou colaborando para diminuir a necessidade de reposição de veículos comerciais, afetando
negativamente suas vendas.
Durante a década de 1960, a proporção dos investimentos em transportes no Brasil foi
bastante alta relativamente aos padrões internacionais. Entre 1965 e 1967, verificou-se uma
elevada participação do setor de transportes na formação bruta de capital, o que se explica tanto
pela redução do investimento em total devido à crise econômica, quanto pela reativação dos
investimentos rodoviários, bem como a relativa autonomia destes e da indústria automobilística
em face da mencionada crise (BARAT, 1978, p. 5–6). Apoiado nos empréstimos concedidos
por instituições públicas internacionais e no crédito de longo prazo dos fornecedores de
equipamentos hidrelétricos e rodoviários, o investimento público em infraestrutura (energia e
transportes) abriu caminho para a recuperação da economia (TAVARES; ASSIS, 1985).
A nova fase expansiva provocou um aumento no fluxo de mercadorias, gerando novos
recursos para investimento por meio do FRN por meio do correspondente aumento do consumo
de combustíveis. Entretanto, as receitas do fundo não cobriam todas as necessidades de
investimento do DNER, sendo que somente a partir de 1964 o FRN havia passado a financiar
efetivamente a expansão rodoviária. Em 1970, o FRN respondia somente por 28% dos recursos
do DNER; os recursos externos29 respondiam por 8%, os recursos próprios30 por 59% e as
verbas orçamentárias por 5% das receitas do Departamento (BARAT, 1978, p. 68). Para
complementar as receitas, em 1969 foi criada a Taxa Rodoviária Única (TRU) e, em 1976, foi
instituído o Imposto sobre os Serviços de Transportes Rodoviário Intermunicipal e Interestadual
de Passageiros e Cargas (ISTR) (IPEA, 2010) 31.
Portanto, é possível deduzir que o Estado era uma peça-chave para a viabilidade das
atividades da burguesia brasileira e do capital internacional. Por exemplo, o investimento
público na infraestrutura de transportes servia para dar suporte aos investimentos privados das
grandes companhias automobilísticas estrangeiras, bem como a seus sócios locais engajados na
indústria metalmecânica e em outros setores produtores de material de transporte. Para dar
continuidade a esse modelo de desenvolvimento capitalista, o complexo multinacional precisou
29 A partir da década de 1960, aumentou a importância dos recursos provenientes de convênios com agências
internacionais como o BIRD, BID, USAID, entre outras. 30 Antecipação de despesas, taxa rodoviária única e imposto sobre transporte de passageiros. 31 A TRU foi substituída em 1986 pelo Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cuja
arrecadação é atualmente destinada aos estados e municípios. Além de financiar as rodovias federais, parte desses
recursos também era destinada aos estados na execução de seus investimentos rodoviários (IPEA, 2010; PESSOA,
1993).
58
eliminar da cena política quaisquer alternativas que pudessem criar obstáculos à
“modernização” a qualquer custo. 32
1.6. Transportes na década de 1970: choques do petróleo, II PND e a reavaliação da
política de incentivo às rodovias
A partir da década de 1970, a expansão das rodovias e seu predomínio no transporte de
cargas e passageiros passaram a ser questionados, principalmente após o primeiro choque do
petróleo em 1973. O aumento de preço dos combustíveis estimulou medidas para substituí-lo
ou reduzir seu uso, como foi o caso do Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), lançado
em 1975. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) também contemplou a questão,
colocando em evidência que as sugestões para o setor de transportes deveriam levar em conta
a situação no setor energético.
Em 1970, a rede rodoviária tinha aproximadamente 180 mil quilômetros, enquanto a
frota de veículos atingira 3.127.000 unidades, resultado das políticas de estímulo à indústria
automobilística e ao subsetor rodoviário. Ao passo que o crescimento do PIB no período 1950-
1970 foi de aproximadamente 6,4% a.a, em média, a expansão do sistema de transportes, no
mesmo período, atingiu a média de 7,97% a.a. Também houve significativo crescimento do
tráfego de mercadorias por meio de rodovias (taxa de crescimento médio de 13,7%) e do
transporte de passageiros pela mesma modalidade (crescimento médio de 12,3% a.a.), sendo
que, em 1978, o transporte rodoviário respondia por mais de 96% do transporte total de
passageiros no Brasil (BARAT, 1978).
Os diagnósticos feitos no início da década de 1970 apontavam para a necessidade de
repensar a infraestrutura de transportes brasileira para corrigir as distorções decorrentes da
dependência das rodovias para o transporte de cargas em médias e longas distâncias, assim
como no transporte de passageiros nas grandes metrópoles. Barat (1973) apontou para a
necessidade de priorizar aspectos operacionais e administrativos do sistema de transportes ao
invés de se manter a tendência de crescimento extensivo da infraestrutura viária, a fim de
promover a eficiência e a coordenação entre as diferentes modalidades de transporte. A
urbanização acelerada nas duas décadas anteriores e o crescimento acentuado dos investimentos
32 Fernandes (2005) destacou que essa modernização se limitou aos aspectos diretamente econômicos, ao passo
que qualquer proposta de mudança social e política “fora da ordem” era vista como uma ameaça à sobrevivência
da burguesia. O caso dos transportes não foge à regra: o privilegiamento do transporte rodoviário, em geral, e do
automóvel, em particular, constitui um forte obstáculo a mudanças na forma de pensar a política de transportes, e
qualquer alternativa que se choque contra o modelo vigente é vista como “utópica”.
59
em rodovias contribuíram para que houvesse uma tomada de consciência em relação aos
problemas do sistema de transportes, antes mesmo da crise do petróleo.
O aumento abrupto nos preços do petróleo promovido em 1973 colocou em evidência
as fragilidades do sistema de transportes brasileiro, excessivamente dependente dos
combustíveis derivados de petróleo. Não somente os caminhões e automóveis dependiam da
gasolina e do óleo diesel, mas também boa parte dos trens era movida a diesel, enquanto a
participação da energia elétrica era desprezível (BARAT, 1978). Desse modo, o choque do
petróleo colocava um desafio para o transporte de cargas volumosas em longas distâncias e de
passageiros nas metrópoles e grandes aglomerações urbanas, tornando mais urgente a
necessidade de repensar a política de transportes. É importante frisar que não se pretendia a
substituição integral das rodovias por outras modalidades ou o crescimento extensivo destas,
mas promover a adequação ao que seria transportado.
A iniciativa mais conhecida para lidar com o aumento do preço do combustível foi o
PROÁLCOOL, lançado em novembro de 1975, o qual buscava estimular a produção de álcool
de cana-de-açúcar para usá-lo como combustível (MELLO, 1981). Por sua vez, a política de
energia foi um dos destaques do II PND, dado o contexto da crise do petróleo. De um lado,
buscou-se aumentar a produção interna de combustíveis; de outro, modificar a estrutura de
consumo desses combustíveis, incentivando ferrovias e hidrovias, bem como o transporte
coletivo (LESSA, 1998). Logo, os objetivos da política de transportes estavam condicionados
pela necessidade de controlar o consumo de petróleo, o que contribuía para acentuar a crítica
ao predomínio rodoviário e ao transporte individual nas cidades.
Além do aspecto mais direto do combustível, o choque de 1973 foi um marco para uma
época de crise internacional, juntamente ao colapso das regras do sistema de Bretton Woods. A
despeito de terem sido eventos importantes, eles não responderam sozinhos pela crise, como
veremos no próximo capítulo. Por sua vez, o II PND foi incapaz de cumprir seu propósito
justamente por ignorar a magnitude dessa crise e seus determinantes estruturais. A euforia em
torno de um projeto de “Brasil potência” impediu que se observassem as mudanças em curso,
especialmente quanto à estratégia das ETN. Enquanto isso, a dívida externa (pública e privada)
aumentava, até que o choque de juros de 1979 interrompeu a estratégia de crescimento com
base no crédito internacional farto e relativamente barato. No capítulo seguinte, veremos com
mais detalhe o II PND e sua incapacidade para lidar com uma crise nas estruturas do próprio
sistema capitalista, além da inadequação dos projetos estatais em relação à estratégia das
transnacionais a partir da década de 1970.
60
1.7. Conclusões
Este capítulo procurou mostrar como a alteração na matriz de transportes em favor das
rodovias relacionou-se com o processo de industrialização e consolidação do mercado interno
a partir da crise de 1929, sendo uma política deliberada do Estado. Embora a promoção da
rodovia e do automóvel enquanto símbolos de modernidade remonte aos anos 1920, a instalação
das ETN do setor automobilístico impulsionou a expansão da malha rodoviária, em detrimento
das outras modalidades de transportes, as quais passaram a ocupar um papel secundário nas
políticas públicas. Em especial, o mecanismo de financiamento para as rodovias contribuiu para
o desequilíbrio na matriz de transportes, uma vez que a expansão da malha rodoviária permitia
maior tráfego de veículos e, consequentemente, aumento nos gastos com combustíveis
derivados de petróleo, cuja tributação era a base do Fundo Rodoviário Nacional. Portanto, o
crescimento da produção e da circulação de veículos aumentava os recursos disponíveis para a
expansão da malha rodoviária, incentivando nova expansão da frota doméstica.
A continuidade da política rodoviarista, por sua vez, deve-se ao controle do aparelho
estatal pelos representantes do complexo multinacional a partir de 1964, os quais realizaram
diversas reformas destinadas a aprofundar a conexão da economia brasileira ao mercado
financeiro internacional, ampliando as margens de manobra do capital internacional atuante no
mercado interno. A retomada do crescimento a partir de 1968 não apenas foi favorável à
indústria automobilística, mas também trouxe mais recursos para o FRN com o aumento do
gasto de combustível para transportar mais mercadorias. Adicionalmente, criaram-se tributos
destinados ao financiamento do subsetor rodoviário.
Entretanto, tal círculo virtuoso começou a ser quebrado nos anos 1970: já no início da
década notava-se a distorção na matriz de transportes, com a participação desproporcional das
rodovias no transporte de cargas e passageiros. O choque de preços do petróleo em 1973
agravou a situação, ao mesmo tempo em que estimulou a adoção de medidas para reduzir o uso
de combustíveis derivados de petróleo. A política de transportes até então vigente passou a ser
questionada por sua dependência em relação ao petróleo e, consequentemente, pela pressão
gerada sobre a balança comercial. Nesse sentido, o II PND colocou em destaque a política de
energia e a promoção do transporte público e de modalidades não rodoviárias como propostas
de contornar os efeitos do choque do petróleo. Contudo, nem o II PND nem o Proálcool
conseguiram alterar a matriz de transportes, quanto menos lidar com uma crise de dimensões
mundiais.
61
Capítulo 2 – O setor de transportes durante a transformação no padrão
mundial de acumulação (1982-1992)
2.1 Introdução
Após caracterizar a época de auge da política “rodoviarista”, a próxima etapa é entender
o contexto em que ela se desarticulou, perdendo o ímpeto que a caracterizou nas décadas de
1950 e 1960. A deterioração da qualidade das rodovias teve relação com o fim do modelo de
financiamento com base na receita do imposto específico, mas também expressou a mudança
na dinâmica da economia brasileira após 1973. Essa transformação, por sua vez, foi
consequência do avanço da transnacionalização e às transformações ocorridas no sistema
capitalista mundial na década de 1970. Sendo assim, o objetivo deste capítulo é entender qual
foi o impacto que a “mundialização do capital” (CHESNAIS, 1995) provocou na economia
brasileira e, por meio dela, sobre o subsetor de transporte rodoviário.
A argumentação deste capítulo divide-se em três partes. Na primeira, será discutido
como o processo de transnacionalização engendrou a mundialização, conferindo maior
mobilidade ao capital frente aos Estados nacionais. A ampliação do alcance da esfera financeira
permitiu que esse objetivo se concretizasse, por meio da busca de ativos líquidos e rentáveis
em qualquer parte do mundo. Em segundo lugar, destacaremos o efeito do poderio das ETN
nos países da periferia capitalista, como o Brasil. A importância que tais empresas passaram a
ter dentro desses países tornou-os mais vulneráveis às decisões tomadas por suas matrizes, as
quais pensam a acumulação em escala mundial. Por último, veremos como se deu a submissão
da economia brasileira às pressões decorrentes dessas transformações, viabilizando a criação
de ativos interessantes para o capital internacional e para seus sócios locais.
2.2 Transformações na economia mundial a partir da década de 1970: a
transnacionalização como mundialização do capital
Para compreender como se deu a crise no setor rodoviário entre a década de 1980 e o
início da década de 1990, devemos partir das transformações que ocorreram no sistema
capitalista mundial a partir dos anos 1970 e que afetaram profundamente a economia brasileira.
Além dos efeitos da crise da dívida externa e dos programas implementados para promover a
renegociação com os credores internacionais, o impacto dessas mutações traduziu-se numa
mudança na forma de atuação das ETN. O vínculo que as unia aos países que abrigavam suas
filiais tornou-se mais tênue, conferindo mais poder para que reorganizassem a produção e os
investimentos de acordo com suas estratégias globais.
62
Entre os principais traços da mundialização, destacam-se a aceleração dos fluxos
financeiros internacionais e a nova onda de inovações tecnológicas. Elas, porém, não explicam
sozinhas a configuração atual da economia mundial. Sendo assim, tomamos como ponto de
partida o conceito de crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2011) para entender por que o
capital passou a buscar mobilidade e flexibilidade através de sua forma financeira,
desvinculando-se dos espaços econômicos nacionais.
A ideia de uma crise estrutural do capital é uma crítica às interpretações das crises que
se sucederam desde a década de 1970 como eventos cíclicos ou conjunturais, por exemplo,
como aquelas que atribuem ao choque do petróleo de 1973 a responsabilidade pela turbulência
econômica dos anos 1970. Para Mészáros (2011), os crescentes sintomas de crise seriam
evidências de que o sistema capitalista estaria se aproximando de limites estruturais do capital.
Logo, a chamada “financeirização” seria apenas um desses sintomas, não a origem dos
problemas. Nas palavras do autor: “Pois o domínio aventureiro do capital financeiro em geral
é muito mais a manifestação do que a causa de crises econômicas de raízes profundas, ainda
que, por sua vez, também contribua fortemente para seu subsequente
agravamento”(MÉSZÁROS, 2011, p. 37).
A resposta à crise consistiu na exigência do capital por máxima mobilidade e liquidez,
o que comprometeu sua vinculação orgânica com os espaços econômicos nacionais. Neste
ponto, devemos fazer menção ao conceito de “mundialização do capital” (CHESNAIS, 1995)
para nos referir à fase em que ocorre essa transformação. Ela pode ser vista tanto pelo ângulo
das finanças desregulamentadas, quanto pelas inovações tecnológicas, sendo dois aspectos que
estão ligados entre si a fim de promover a máxima liberdade de movimento ao capital. A
contrapartida da flexibilidade do capital é a intensificação da exploração do trabalho por meio
da terceirização e da subcontratação de empresas em países periféricos, diminuindo a
responsabilidade das grandes corporações em relação aos trabalhadores que empregam.
A mundialização pode ser considerada um prolongamento da fase anterior, identificada
com o regime fordista de acumulação e com a transnacionalização das empresas dos países
centrais. Os lucros não reinvestidos pelas ETN no período do pós-guerra foram a base para a
constituição de uma massa de capital-dinheiro que foi depositada nos mercados financeiros off-
shore33, sendo que tais posições foram reforçadas pelas modificações ocorridas a partir de 1975.
33 De acordo com Hobsbawm (1994), offshore é a “prática de registrar a sede legal da empresa num território fiscal
generoso, em geral minúsculo, que permitia aos empresários evitar os impostos e outras restrições existentes em
seu próprio país”. No caso de Londres, a principal finalidade era fugir às regulações sobre o sistema financeiro,
criadas principalmente após 1929.
63
As tendências de saturação dos mercados para os produtos industriais também foram
reafirmadas, levando a um estado endêmico de superprodução (CHESNAIS, 1995).
Embora o fenômeno da transnacionalização esteja ligado ao surgimento do capitalismo
monopolista em fins do século XIX, a expansão mais significativa das atividades transnacionais
se deu após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a transnacionalização irradiou-se a partir
dos Estados Unidos para as outras economias centrais. A integração entre seus mercados se deu
através da expansão internacional das empresas estadunidenses, levando o estilo de
desenvolvimento típico dos Estados Unidos, com ênfase na posse de bens duráveis por pessoas
privadas. A unificação econômica do centro capitalista ocorreu concomitantemente à adoção
de políticas keynesianas voltadas para o pleno emprego: a abertura ao comércio exterior
permitia conciliar o rápido crescimento e a reprodução da estrutura social existente, uma vez
que abriu novas possibilidades de economia de escala e intensificou a concorrência
(FURTADO, 1976, 1983).
A recuperação das economias europeias e japonesa no pós-guerra aumentou a
concorrência entre suas grandes empresas e as corporações estadunidenses, sendo que aquelas
passaram a concorrer no mercado dos Estados Unidos. Posteriormente, as ETN passaram a
investir nos países subdesenvolvidos, de maneira a reduzir custos e aumentar sua
competitividade diante dos concorrentes de outros países (FURTADO, 1974, 1983). Desse
modo, conforme a produção industrial saía dos países industrializados da Europa e da América
do Norte, uma nova divisão internacional do trabalho solapava a antiga, em um “processo
transnacional de manufatura” (HOBSBAWM, 1995, p. 275).
A relação entre a empresa transnacional originária dos Estados Unidos e a criação de
um mercado financeiro internacional que expandiu a liquidez em dólares fora desse país é o
ponto de partida para entender a nova fase. A primeira etapa da acumulação financeira
contemporânea teve início em meados da década de 1960, com o desenvolvimento do chamado
“mercado de eurodólares”, a partir da criação da praça off-shore da City, em Londres
(CHESNAIS, 2005). Por essa razão, a transnacionalização pode ser vista como ponto de partida
para a expansão das finanças internacionais:
A transnacionalização constitui, portanto, o germe de transformações
estruturais no sistema capitalista bem mais profundas do que puderam
parecer em uma primeira fase. O formidável desenvolvimento do
sistema financeiro internacional não se explica sem a percepção dessa
nova dinâmica do capitalismo (FURTADO, 1983, p. 111).
64
O chamado Euromercado permitiu que operações financeiras pudessem escapar à
regulação das autoridades monetárias, sendo bastante utilizado pelas empresas estadunidenses
que possuíam filiais na Europa e preferiam reter os lucros não investidos. Ele estava separado
do sistema financeiro nacional e suas transações eram feitas em moeda estrangeira,
principalmente o dólar. O programa de controle de capitais por parte dos Estados Unidos, com
a criação do Imposto de Equalização de Juros (IEJ) em 1963, acabou por impulsionar a
atividade dos bancos internacionais, precisamente o objeto da regulação (HELLEINER, 1994;
MOFFIT, 1984)34.
À medida em que aqueles bancos ampliavam seus negócios internacionais, aumentavam
os atritos com as autoridades monetárias nacionais. A especulação com moedas entre o fim dos
anos 1960 e o início dos anos 1970 teve grande importância nos eventos que levaram ao fim da
conversibilidade do dólar em ouro e ao fim do regime de taxas de câmbio fixo35. Outro
segmento que trouxe lucros expressivos aos bancos internacionalizados foi a captação de
depósitos junto aos países exportadores de petróleo, principalmente após a elevação dos preços
em 1973 (MOFFIT, 1985).
Para Chesnais (2005), a “reciclagem dos petrodólares” nos anos 1970 foi a segunda
etapa na acumulação financeira contemporânea, combinada com a abertura de linhas de crédito
para países do “Terceiro Mundo”, principalmente na América Latina. A oferta de crédito dos
bancos transnacionais cresceu significativamente a partir de então, e os países membros da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) substituíram os países
“industrializados” como fornecedores líquidos de capitais (SUNKEL; GRIFFITH -JONES,
1990).
Na década de 1980, a terceira etapa da acumulação financeira caracterizou-se pelos
fenômenos da crise da dívida, nos países do Terceiro Mundo; pelo crescimento da dívida
pública dos países centrais; e pela ascensão dos investidores institucionais (CHESNAIS, 2005).
A estratégia de crescimento dos países latino-americanos apoiada no endividamento externo foi
interrompida pela brusca elevação da taxa de juros do Federal Reserve em 1979, o que levou
as demais taxas de juros do sistema financeiro internacional a subir e, consequentemente, fez
34 O imposto tinha como objetivo penalizar as empresas estrangeiras que emprestavam em dólares no mercado de
Nova York (Moffit, 1985). 35 Foge ao escopo deste trabalho discutir o fim da institucionalidade de Bretton Woods, que já foi tema de vasta
bibliografia. Para nossos objetivos, o principal a reter dessa discussão é que os Estados nacionais passaram a sofrer
a “concorrência” dos grandes bancos internacionais no controle da moeda e não foram capazes de impor controles
efetivos sobre um sistema transnacionalizado.
65
crescer o serviço da dívida externa, em razão da cláusula de taxas flutuantes de juros (SUNKEL;
GRIFFITH -JONES, 1990).
As condições de refinanciamento tornaram-se mais severas, embora o fluxo de recursos
não tenha cessado por completo. Em 1979, o segundo choque de preços do petróleo aumentou
o valor das importações desse bem e pressionou o Balanço de Pagamento dos países
endividados que dependiam de sua importação. No Brasil, o fechamento das contas externas só
pôde ser realizado mediante a queima de reservas internacionais e a contratação de empréstimos
de curto prazo, em condições bastante adversas (CRUZ, 1984).
Os países endividados adotaram políticas para aumentar do superávit comercial para
obter os dólares necessários ao serviço da dívida externa, incentivando exportações e
penalizando as importações. Utilizaram ainda políticas fiscais e monetárias contracionistas para
diminuir as importações, levando a uma severa recessão. Em troca de recursos para financiar o
Balanço de Pagamento desses países, o Fundo Monetário Internacional impôs programas de
ajuste que penalizavam os gastos públicos em geral, principalmente o investimento público,
porque via nos déficits fiscais o grande causador do endividamento externo (SAMPAIO JR,
1988). Tais programas de ajuste contribuíram para a desindustrialização de muitos países
periféricos e para aumentar a dominação econômica e financeira destes pelos países capitalistas
centrais (CHESNAIS, 2005).
Por sua vez, a elevação da dívida pública dos países centrais teve grande relevância
para impulsionar o crescimento do “capital portador de juros”. De acordo com Chesnais (2005),
a constituição de um mercado de obrigações completamente aberto aos investidores
estrangeiros deu início a um processo de “titularização” dos compromissos da dívida pública.
A adoção de taxas de juros reais positivas, a partir de 1979, contribuiu para essa situação, sendo
que a segurança dos mercados de obrigações públicas faz deles uma “fuga para a qualidade”
(CHESNAIS, 2005, p. 41). Por sua vez, os investidores institucionais passaram a se destacar a
partir da década de 1980, beneficiando-se da liberalização e desregulamentação. Os fundos de
pensão e os fundos mútuos representam novas formas de centralização do capital, ocupando o
lugar dos bancos. Essas instituições administram grandes massas financeiras que perseguem
não só rentabilidade, como também mobilidade e flexibilidade (CHESNAIS, 1995; 2005).
A maior mobilidade dos fluxos financeiros foi acompanhada por reestruturações
técnicas e organizacionais das ETN, alterando profundamente sua relação com os espaços em
que atuam. As inovações na área de informática e microeletrônica aumentaram a produtividade
e os lucros das empresas, ao mesmo tempo em que permitiram um controle mais apurado das
suas atividades espalhadas pelo mundo. A flexibilização trabalhista sob a forma de terceirização
66
e subcontratação e a imposição de políticas econômicas homogêneas para todos os países foram
outras formas de garantir a mobilidade do capital entre diferentes territórios nacionais, tornando
mais débil seu vínculo com as economias nacionais que os recebem.
O destaque alcançado pela esfera financeira também mudou a maneira como as grandes
empresas se organizavam. Em primeiro lugar, parte considerável de seus ganhos provinha de
aplicações financeiras ou patrimoniais, isto é, não se originam de sua atividade operacional. Em
segundo lugar, a administração das empresas foi modificada para privilegiar o interesse dos
acionistas, tanto sob a forma de distribuição de dividendos quanto de estratégias que visassem
a elevar o valor de mercado das empresas, traduzindo-se na exigência de rentabilidade elevada.
Ademais, a desintermediação financeira permitiu que as empresas conseguissem recursos
diretamente junto aos mercados financeiros. Os grandes bancos comerciais perderam seu papel
no financiamento da produção e parte de seus depósitos, que foram canalizados para os fundos
de investimento (CHESNAIS, 1995, 2005).
A fim de obter a rentabilidade exigida pelos acionistas, aumentou-se a pressão sobre os
assalariados, ameaçados permanentemente pela “deslocalização” da produção para países de
salários mais baixos e pela constituição de vastas redes de subcontratação (CHESNAIS, 2005).
A liberdade de ação adquirida pelo capital industrial para investir e desinvestir, bem como a
liberalização do comércio, resultou na destruição líquida de empregos. Isso contribuiu para
aumentar a pressão no sentido de padronizar direitos trabalhistas em um patamar mais baixo,
para que assim as ETN não precisassem se deslocar muito de suas sedes para se aproveitar do
menor custo do trabalho (CHESNAIS, 1995). Logo, “As filiais no exterior e as redes de
subcontratação sustentam os lucros e os valores acionários” (CHESNAIS, 2005: 55).
As empresas industriais tornaram-se grupos financeiros com dominância industrial, cujo
sistema nervoso é uma sociedade holding36 que controla várias empresas. A chamada core
organization se concentra nas atividades principais da empresa – aquelas de maior valor
agregado – e subcontrata a produção de insumos. O princípio da “produção enxuta” (lean
production) foi empregado para reduzir o “excesso” de empregados, assim como o just-in-time
reduziu os estoques. Surgiram nessa época as chamadas “empresas-redes”, formadas por um
conjunto de empresas menores subcontratadas por grandes empresas como Benetton ou Nike,
além dos grandes varejistas. Essas mudanças foram possíveis por meio do emprego de novas
tecnologias, com destaque para a informática aplicada à produção industrial e a teleinformática
36 Holding é uma empresa maior que controla unidades menores (subsidiárias ou controladas) por meio da posse
majoritária de suas ações. O conglomerado resultante não necessariamente está inserido em apenas um ramo de
atividade, sendo frequente a diversificação.
67
(telematics), as quais foram usadas pelos grupos tanto para organizar seu processo de
internacionalização quanto para modificar fortemente suas relações com a classe operária, em
particular no setor industrial (CHESNAIS, 1995; 2005).
A intensificação da concentração e centralização do capital consolidou os oligopólios
mundiais, cujas empresas-líderes são majoritariamente procedentes da chamada Tríade –
Estados Unidos, Japão e Europa Ocidental. Acompanhando a feroz concorrência entre
empresas, os países passaram a disputar pelos investimentos externos, travando uma “guerra”
por meio do oferecimento de uma série de vantagens, como subvenções, vantagens tributárias
e afrouxamento da legislação trabalhista, além da mão de obra barata (CHESNAIS, 1995).
Enquanto isso, os Estados são pressionados para ajustar a organização da economia e da
sociedade às exigências do capital internacional, especialmente forte na periferia capitalista,
cujo processo de desenvolvimento encontra-se comprometido no contexto da nova ordem
internacional (SAMPAIO JR, 2017).
No âmbito macroeconômico, tornaram-se frequentes baixas taxas de crescimento
econômico e instabilidade, com crises financeiras recorrentes. O consumo das famílias foi
prejudicado pela redução da renda do trabalho e pela redistribuição da renda em favor dos
grupos rentistas. Já o gasto público foi afetado pela diminuição da base tributária, menor
tributação proporcionalmente sobre os rendimentos do capital e crescimento da dívida pública.
Os investimentos passaram a apresentar forte propensão às fusões e aquisições, além de
reestruturação e racionalização, bem como vêm mostrando seletividade muito forte quanto à
localização (CHESNAIS, 1995).
A extrema instabilidade do sistema financeiro às modificações na conjuntura é outra
característica marcante do período. A desintermediação e a liberalização financeira aumentaram
o risco para o sistema bancário, que passou a concorrer com as instituições financeiras não
bancárias. Na década de 1990, a periferia capitalista foi palco de severas crises originadas nos
mercados de câmbio e de títulos, como a crise mexicana de 1994 e as crises asiáticas de 1997-
1998. Em troca de financiamento para o Balanço de Pagamentos dos países atingidos pelas
crises financeiras, o FMI obrigou os respectivos governos a aprofundar a liberalização,
comprometendo-se com a austeridade fiscal e novas privatizações (CHESNAIS, 1995; 2005).
As disparidades entre centro e periferia se ampliaram na fase de mundialização, assim
como dentro de cada país. No conjunto da periferia, também há diferenças no que tange à
integração à economia mundial. O propagandeado sucesso das economias do Sudeste Asiático
não é uma realidade generalizada nos países subdesenvolvidos, nem a maneira de integração é
a mesma. De acordo com Camara e Salama (2005), a maioria dos “países em desenvolvimento”
68
foi excluída do processo de mundialização financeira. Além disso, eles defendem que a
experiência dos países latino-americanos mostrou que o ingresso de capitais estrangeiros
acentua a restrição externa e é portador de novos fatores de instabilidade.
Depois da “década perdida” dos 1980, marcada pelo problema da dívida e pelos
programas de ajuste, o financiamento externo voltou a estar disponível para os países
subdesenvolvidos na década de 1990, mas sob a forma de investimentos diretos e investimentos
em carteira. A despeito da predominância do investimento em carteira, o IDE teve um
crescimento expressivo na América Latina a partir de meados da década de 1990, concentrando-
se nos países de maior mercado ou nos mercados regionais (Nafta e Mercosul). Entre os setores
visados, destacam-se as telecomunicações, as finanças e os recursos minerais, no conjunto da
região, e na indústria manufatureira, nos “grandes países” (México e Brasil). O crescimento
experimentado após a abertura comercial e financeira é volátil em razão da elevada dependência
financeira, ao passo que as frequentes reviravoltas da conjuntura explicam a vulnerabilidade
desses países (CAMARA; SALAMA, 2005).
O IDE foi atraído para a região pelos projetos de integração regional em curso (Nafta e
Mercosul) e pelas privatizações em alguns países. No Brasil, esses investimentos
multiplicaram-se por dez em uma década (CAMARA; SALAMA, 2005). No caso das
privatizações dos serviços públicos, elas assumiram uma grande importância para os mercados
financeiros não apenas nos países periféricos, mas também nos países centrais. Trata-se de um
fluxo estável de rendimentos, com consumidores cativos e elevados investimentos realizados
pelo Estado a partir de recursos da coletividade, que assegurarão rendimentos sem a necessidade
de renovação por um longo período (CHESNAIS, 2005).
Nos países periféricos, os programas de privatizações foram incentivados pelo FMI na
década de 1980, sendo a recomendação reforçada no contexto das crises financeiras e cambiais
da segunda metade dos anos 1990. Harvey (2014) interpreta essa busca do capital financeiro
por lucros fáceis e estáveis como uma “acumulação por espoliação”, principal característica do
“Novo Imperialismo”37. Essa forma de acumulação remete à “acumulação primitiva” teorizada
por Marx e aos métodos violentos empregados pelo imperialismo, segundo a descrição de Rosa
Luxemburgo. Em outras palavras, a “corporativização e privatização de bens até agora públicos
(...), para não mencionar a onda de privatizações (...) que tem varrido o mundo, indicam uma
nova onda de ‘expropriação das terras comuns’” (HARVEY, 2014, p. 123). O caso das
37 Não entraremos no mérito do debate acerca da existência de um “novo imperialismo”. Para nossos objetivos,
basta destacar a conexão entre os processos de privatização e o domínio exercido pela esfera financeira,
especialmente em países como o Brasil.
69
privatizações é o mais expressivo desse tipo de acumulação: os ativos estatais são entregues ao
mercado, abrindo novos campos de atividade para o capital sobreacumulado.
Em suma, a fase da mundialização do capital representa a transformação nas formas de
acumulação em escala mundial, seja pela maneira com que as transnacionais passaram a
organizar a produção, seja pela própria mutação dessas empresas em grandes conglomerados
financeiros diversificados. Para o que nos interessa, cabe destacar que a financeirização
aumentou as pressões para a transformação do patrimônio e dos serviços públicos em ativos
negociáveis, inclusive nos países capitalistas centrais. Na periferia, a renegociação da dívida
externa constituiu uma fonte adicional de coação, reduzindo as possibilidades de resistência aos
ímpetos da mundialização. Na década de 1990, os fluxos financeiros voltaram à América Latina
em busca de liquidez e rendimento elevados, como os oferecidos pelas privatizações. A
tentativa dos governos da região de atrair esses capitais voláteis intensificou a instabilidade
externa, mostrando que, a despeito de o problema da dívida externa ter sido temporariamente
equacionado, a abundância de financiamento externo tinha seus efeitos colaterais.
2.3 Empresas transnacionais, formação nacional e dependência externa
Feita essa descrição dos efeitos da mundialização, é preciso indagar por que países como
o Brasil se mostraram tão vulneráveis às transformações na economia mundial, principalmente
quanto à atuação das transnacionais. Como já foi mencionado, a intensificação da
transnacionalização se deu após a Segunda Guerra Mundial, quando os conglomerados
estadunidenses abriram filiais na Europa ocidental. A partir de meados da década de 1950, a
intensificação da concorrência estimulou as transacionais de origem europeia a se instalar na
periferia capitalista. Na América Latina, o processo de industrialização por substituição de
importações desencadeado pelo colapso da divisão internacional do trabalho em 1929 havia
colocado o mercado interno como centro dinâmico das economias, ao menos das maiores, como
Brasil e México. A penetração das ETN no pós-guerra fez com que a industrialização na região
assumisse a forma de internacionalização da produção voltada para o mercado interno, com o
predomínio dessas empresas nos setores de maior crescimento dentro da indústria
manufatureira (FURTADO, 1975).
As corporações trouxeram consigo o capital e a tecnologia a ser empregada nas unidades
produtivas, absorvendo a mão-de-obra barata e o capital local, aumentando seu poder de
manobra. Consequentemente, os planos de produção e os mercados internos dos países
periféricos tiveram que se adaptar à ação global da empresa (FURTADO, 1974). O tipo de
setores em que as ETN estavam inseridas era outro problema. Para Furtado (1981) a
70
modernização dos padrões de consumo condicionou o processo de industrialização por
substituição de importações, a fim de que uma minoria da população pudesse imitar os padrões
de consumo das economias centrais, cujo patamar de renda médio é bem mais elevado.
Portanto, a escolha das transnacionais quanto a tecnologias e bens a serem produzidos ia de
encontro aos imperativos da modernização, reforçando a dependência externa em termos
financeiros e tecnológicos.
O domínio dos setores dinâmicos pelas grandes corporações estrangeiras colocava em
risco a constituição de um sistema econômico nacional e agravava os desequilíbrios internos
dos países subdesenvolvidos. Se nas economias centrais o crescente domínio das transnacionais
conflitava com os objetivos internos de política econômica, isso se manifestava de maneira mais
contundente em países como o Brasil, ainda em processo de formação econômica. Uma segunda
característica é a pressão sobre o Balanço de Pagamentos decorrente de transferências
financeiras para remunerar o investimento estrangeiro. Ademais, grande parte das atividades
industriais na periferia estava associada com fluxos de importações, máquinas e insumos, por
exemplo. Por último, a integração com o mercado internacional passou a se basear nas decisões
ao nível das grandes empresas, como parte de sua estratégia corporativa. Em outras palavras, o
marco de tais empresas tende a ser o sistema capitalista como um todo, não se limitando às
economias nacionais (FURTADO, 1974, 1975).
A entrada massiva do capital internacional ocorreu em um período no qual o capital
industrial local estava se formando, o que impediu que fosse constituída uma classe de
empresários com “nítido sentido nacional” (FURTADO, 1975, 1976), dada a desproporção de
forças entre as grandes corporações estrangeiras e uma burguesia industrial incipiente. Por sua
vez, o Estado ganhou destaque enquanto agente econômico nos países periféricos, assumindo
funções “tecnoburocráticas” maiores do que as existentes nos países centrais. Em razão disso,
o Estado controlado pelo núcleo tecnoburocrático se apresentou como interlocutor das ETN
(FURTADO, 1975; 1976). Reduzir o papel do Estado significaria enfraquecer a própria
economia nacional. Em outras palavras:
Debilitar o Estado como centro de decisões independente dos conglomerados
internacionais não significa, na América Latina, fortalecer a iniciativa privada;
significa, sim, renunciar à formação de um sistema econômico nacional, isto é, um
sistema de produção articulado em função dos interesses da coletividade nacional.
(FURTADO, 1975, p. 55).
Para esclarecer melhor esse ponto, é necessário recorrer à contribuição de Florestan
Fernandes quanto ao caráter da burguesia dependente e de sua relação com o Estado durante a
71
emergência do capitalismo monopolista no Brasil (FERNANDES, 2005). Segundo a leitura de
Sampaio Jr (1999), Florestan entendia que a burguesia brasileira se associou ao capital
internacional a fim de suportar a assimilação do capitalismo monopolista, ou seja, negociou os
termos da dependência para sobreviver à concorrência de burguesias mais robustas. Para isso,
ela teve que adaptar a economia e a sociedade às exigências da nova etapa, o que significava
acomodar os grupos “atrasados” às exigências dos “modernos”. O desenvolvimento capitalista
continuou a ser induzido de fora para dentro, sendo que o Estado era responsável por mediar as
relações entre a burguesia dependente e o capital internacional. A transformação do Estado em
autocrático, assegurando a dominação burguesa, era um requisito indispensável à sobrevivência
dessa burguesia, porque permitiu controlar o ritmo do desenvolvimento dependente
(SAMPAIO JR, 1999, p. 432).
O que desejamos enfatizar é que a absorção das mudanças originadas no capitalismo
central foi mediada pela ação do Estado, com a finalidade de preservar a burguesia dependente
que nele se apoiava. A tensão entre a associação com o capital internacional e a incapacidade
de acompanhar as transformações que ele trazia marcaria as posteriores tentativas de adaptação
da economia brasileira aos reveses da conjuntura externa a partir da década de 1970.
Como foi visto no capítulo anterior, a associação entre as filiais das empresas
multinacionais e da burguesia brasileira assumiu a forma do complexo multinacional, o qual
teve papel central no golpe civil-militar de 1964. Uma das maiores preocupações para o
complexo era a questão da regulação das remessas das empresas estrangeiras ao exterior,
promulgada pelo governo Goulart por meio da Lei 4.131, em 1962. Alterou-se o sentido dos
principais artigos da Lei de Remessas (modificada como Lei 4390), facilitando o movimento
do capital internacional. Além de flexibilizar os controles sobre as remessas, foram promovidas
reformas que permitiram a intermediação direta de crédito internacional pelas filias instaladas
no Brasil e pelos bancos nacionais (CAMPOS, 2016).
Outras medidas vieram promover esses interesses, como a Resolução 63 do Conselho
Monetário Nacional (CMN), a qual permitiu aos bancos emprestar internamente os recursos
obtidos no exterior. Ademais, o diferencial de juros internos e externos favoreceu a tomada de
empréstimos junto aos bancos internacionais (TAVARES; ASSIS, 1985). Por último, a regra
cambial adotada favorecia o endividamento externo, dado que as desvalorizações periódicas
(minidesvalorizações) acompanhavam a inflação interna, descontada a inflação externa
(BELLUZZO; ALMEIDA, 1992). A partir de então, tornou-se mais fácil enviar recursos ao
exterior, sob a forma de lucros, juros e royalties, bem como houve a conexão com o circuito
internacional de crédito. Para justificar a o endividamento externo durante o ciclo expansivo de
72
1968- 1973, dizia-se que havia a necessidade de “poupanças externas” ou que o setor externo
estava estrangulado. Entretanto, o aumento das exportações brasileiras e do saldo comercial
contradizia essa ideia, o que mostra o caráter predominantemente financeiro do endividamento
no período (CRUZ, 1984).
A desaceleração da economia mundial, agravada pelo primeiro choque do petróleo em
1973, marcou o fim do período conhecido como “milagre” no Brasil. As opções no momento
eram ajustar a economia ao novo contexto internacional ou manter as altas taxas de crescimento
econômico. O lançamento do II PND no final de 1974 representou a opção pela segunda
alternativa, a qual representou a “peculiar” resposta brasileira à crise internacional
(CARNEIRO, 2002). Conforme vimos na seção anterior, a crise não era simplesmente uma
consequência do problema do petróleo ou do fim da institucionalidade criada em Bretton
Woods, mas tinha causas estruturais, ligadas ao funcionamento do sistema capitalista mundial.
O enfrentamento do problema, portanto, não estava ao alcance de um único Estado, visto que
dizia respeito ao funcionamento do sistema capitalista mundial.
O II PND tinha como finalidade promover uma mudança no padrão de industrialização,
o que significava alterar as prioridades da indústria brasileira, do setor de bens de consumo
durável para o setor de bens de produção, principalmente insumos básicos e bens de capital
(LESSA, 1977, 1998). A fim de completar a substituição de importações, supunha-se que as
ETN colaborassem com as diretrizes estatais, financiando o setor de bens intermediários e
obtendo divisas por meio de exportações. Ao Estado caberia o papel de liderança e a
intermediação do capital internacional com seus parceiros locais, no formato de joint venture.
Por fim, o fortalecimento das empresas privadas nacionais era um dos objetivos do II PND,
especialmente no setor de bens de capital (CAMPOS, 2009).
A subestimação da gravidade da crise e a suposição de que as transnacionais
continuariam a proceder do mesmo modo que na época do Plano de Metas foram elementos
que tiveram papel decisivo no fracasso do II PND. Também pode-se interpretar o insucesso
como sintoma da crise estrutural da industrialização brasileira, sendo uma manifestação das
contradições do padrão de desenvolvimento capitalista em curso desde a década de 1930,
acentuado pelo Plano de Metas. Ao vincular o avanço da indústria pesada ao entrosamento com
o capital internacional, a industrialização brasileira carregava os elementos da contradição que
gestaria a crise (CAMPOS, 2009; ESPÓSITO, 2016).
Além de transformações na estratégia mundial das empresas, houve mudanças quanto
ao tipo de capital internacional que ingressava no Brasil. O investimento direto passou a ser
voltar para outros setores, especialmente a partir do primeiro choque do petróleo, quando se
73
elevaram os preços das matérias-primas. O novo IDE voltou-se para a exploração de recursos
naturais na periferia para exportá-los aos países centrais, a preços mais baixos. Como se tratava
de empreendimentos mais arriscados e de longa maturação, exigiu-se uma taxa de retorno
garantida pelo Estado. Ademais, as novas filiais exigiam acesso direto ao crédito junto ao
sistema financeiro internacional. Desse modo, embora o crescimento potencial do mercado
interno continuasse a ser decisivo para a entrada de IDE, não era mais o único determinante
(CAMPOS, 2009).
Nesse sentido, a meta do II PND de aumentar as exportações de matérias-primas como
celulose e alumínio estava em sintonia com a estratégia do novo IDE de se inserir na produção
de bens intermediários destinados ao mercado externo. A origem do IDE também sofreu
modificações, como o aumento da participação do IDE japonês nos setores de produtos
primários e insumos básicos (CAMPOS, 2009). A despeito dessa coincidência de interesses, o
Estado não conseguiu que o capital internacional se subordinasse a seu direcionamento, nem
contou com o apoio incondicional da burguesia brasileira, mesmo nas frações que seriam
beneficiadas pelos investimentos do II PND.
Já na década de 1980, as filiais das ETN adaptaram sua atuação ao contexto da crise
provocada pelo aumento abrupto do serviço da dívida e exclusão dos países endividados dos
fluxos de capitais internacionais. Além disso, essas empresas passaram por mudanças técnicas
e organizacionais, bem como modificaram suas estratégias diante do acirramento da
concorrência internacional. Entretanto, as filiais situadas na América Latina intensificaram as
exportações em reação à crise sem internalizar a reestruturação produtiva promovida nos países
centrais (CAMPOS, 2009).
O aumento das exportações das filiais não era apenas parte da política econômica
voltada para obter divisas destinadas ao pagamento dos juros da dívida externa, mas também
permitia às ETN contornar o desaquecimento do mercado interno. As grandes empresas
ajustaram-se de duas principais maneiras: a orientação para a exportação e o ajuste das margens
de lucro. Enquanto o setor público absorveu grande parte da dívida externa privada, os agentes
privados (empresas, bancos e famílias de alta renda) reduziram seu endividamento e passaram
a aplicar sua riqueza no mercado financeiro e na dívida pública. Logo, os exportadores e os
detentores de dívida pública aumentaram seu poder econômico (BELLUZZO; ALMEIDA,
1992). As filiais estrangeiras foram outras beneficiárias dos ganhos financeiros com os juros da
dívida pública, em detrimento do lucro operacional, e, devido ao contexto inflacionário,
aumentaram seu mark-up por meio de sucessivos reajustes de preços (CAMPOS, 2009).
74
Na década de 1990, houve a reintegração dos países “emergentes” nos mercados de
capitais, inicialmente sob a forma de investimento de carteira e, após a crise mexicana de 1994,
com a predominância do investimento direto (CARNEIRO, 2002). No entanto, por mais
expressivo que tenha sido a retomada do IDE para a periferia, seu ingresso foi menos intenso
do que nos países centrais e se deu de forma mais concentrada, sendo que 2/3 deles se
destinavam a apenas nove países – Argentina, Brasil, China, Hong Kong, Malásia, México,
Singapura, Tailândia e Taiwan. A América Latina perdeu espaço para os países asiáticos quanto
ao ingresso desse tipo de capital com mais de 50% em média dos ingressos nos anos 70,
enquanto em 1990 representava apenas 2,7% do total (CAMPOS, 2009, p. 31).
Além do mais, houve mudança quanto à destinação do IDE no âmbito da América
Latina. No Brasil, na Argentina e no México, houve diminuição da importância de
manufaturados e uma elevação em serviços, em consequência da financeirização, securitização
da dívida e expansão de instituições financeiras e de seguros. Outra tendência relevante é que
as filiais das empresas estrangeiras já instaladas na região diminuíram seus investimentos a
partir da década de 1980 para se proteger da crise, enquanto aumentavam as transferências
líquidas de recursos para o exterior. A reestruturação das empresas multinacionais no âmbito
das filiais latino-americanas por meio de racionalização e reorganização produtivas supunha
maior integração comercial e especialização entre as unidades da empresa, exigindo também a
liberalização do acesso aos mercados periféricos (CAMPOS, 2009).
A mundialização exacerbou as tendências que haviam sido gestadas pela crescente
predominância das ETN na economia brasileira, colocando em risco o processo de formação
nacional. Se no centro capitalista a grande empresa conseguiu escapar aos controles dos Estados
nacionais, na periferia tem sido ainda mais perverso o efeito da liberalização dos movimentos
de capitais, agravando a instabilidade estrutural a que essas economias estão sujeitas. Portanto,
na fase da mundialização estava em xeque a ideia de um sistema econômico nacional tanto no
centro quanto na periferia. Furtado sintetizou o problema da “construção interrompida” da
economia nacional no início dos anos 1990:
Em um país em formação, como o Brasil, a predominância da lógica das empresas
transnacionais na ordenação das atividades econômicas conduzirá quase
necessariamente a tensões inter-regionais, à exacerbação de rivalidades corporativas
e à formação de bolsões de miséria, tudo apontando para a inviabilização do país como
projeto nacional. (FURTADO, 1992, p. 35)
Em resumo, o impacto das mudanças quantitativas e qualitativas do investimento das
transnacionais no Brasil e em outros países latino-americanos explica-se pela importância que
75
essas corporações assumiram nos respectivos processos de industrialização. As decisões a
respeito do que seria produzido, da tecnologia a ser empregada e da forma de financiamento
dos investimentos estavam à mercê dos conglomerados estrangeiros, os quais passaram a se
concentrar em segmentos altamente rentáveis de sua atividade e a dispor de grande facilidade
de deslocar a produção de um país para outro. A aliança com sócios locais que não estavam
comprometidos com qualquer projeto nacional facilitou a submissão às novas diretrizes, visto
que esses parceiros tinham grande influência sobre a máquina estatal. Por fim, a mundialização
colocou em evidência que os interesses ligados às transnacionais são intrinsicamente
conflitantes com a construção de um sistema econômico voltado para atender a objetivos
internos da coletividade, ainda que em determinados períodos aparentem colaborar para um
mesmo fim.
2.4 O ajuste da economia brasileira nos anos 1980 e 1990: da socialização do ônus da
dívida externa à privatização do patrimônio público
Ao longo deste capítulo, vimos como o avanço da transnacionalização assumiu a forma
da mundialização do capital, comprometendo a vinculação entre o capital internacional e as
economias nacionais, especialmente na periferia do sistema capitalista. Cabe agora mostrar
como a economia brasileira se ajustou às mudanças na conjuntura internacional a partir da
década de 1970, submetendo-se às pressões do capital por maior mobilidade e liquidez. Nesse
processo, o Estado brasileiro continuou a atuar como um mediador das transformações em
curso, principalmente por meio da socialização dos prejuízos da dívida externa.
Destacaremos o papel do ajuste exportador e da estatização da dívida externa na década
de 1980 para exemplificar como o Estado providenciou o salvamento do setor privado, o qual,
livre das dívidas em dólar, aplicou seus recursos no mercado de dívida pública ou compensou
a queda da demanda interna direcionando a produção para exportação. Tal salvamento se deu
em detrimento das empresas estatais, endividadas para manter a absorção de crédito externo até
a interrupção do financiamento externo voluntário em 1982.
Os investimentos das empresas públicas foram severamente reduzidos, com prejuízo
para a qualidade dos bens e produtos fornecidos por elas. Esse problema afetou bastante o modal
rodoviário, o qual também perdeu suas fontes garantidas de recursos. O mau estado de
conservação e sinalização das rodovias federais e estaduais serviu de argumento para justificar
a necessidade de concedê-las ao setor privado, que se encarregaria de realizar os investimentos
em troca de uma remuneração compatível com os riscos e recursos envolvidos. Tal como as
privatizações das empresas estatais, a concessão das rodovias federais e estaduais nos anos 1990
76
significou a abertura de uma nova frente de negócios para o setor privado, com o aval do Estado,
em um momento em que a burguesia brasileira passava por mais uma onda de modernização
por meio das aberturas comercial e financeira.
É preciso considerar que as ações de “salvamento” feitas Estado brasileiro inseriam-se
no contexto de uma mudança no perfil de nossa dependência externa. Na “nova dependência”,
os centros internos de decisão perderam sua capacidade de controle sobre a economia em face
do poder cada vez maior das ETN, com consequências catastróficas para a periferia. Segundo
Furtado (1983), o entrosamento dos sistemas monetário e financeiro das economias periféricas
com o sistema financeiro internacional, herança das reformas promovidas pela ditadura nos
anos 1960, comprometeu a eficácia da política econômica, levando a uma paralisia dos centros
de decisão. Portanto, o endividamento externo desordenado seria uma consequência da perda
de comando sobre o sistema econômico (FURTADO, 1983, p. 128).
O enfraquecimento relativo do Estado brasileiro em sua capacidade de promover o
desenvolvimento capitalista relacionou-se, pois, com o avanço da transnacionalização.
Contudo, ele foi capaz de se mobilizar para socializar as perdas do endividamento externo,
mediante a estatização das dívidas privadas. A primeira fase da estatização da dívida externa
ocorreu ainda na década de 1970, com o aumento do passivo externo das autoridades monetárias
e de várias esferas do setor público. Além disso, foram criados os Depósitos Registrados em
Moeda Estrangeira (DRME), que permitiam às empresas endividadas no exterior a fuga ao risco
cambial, por meio de depósito do correspondente em cruzeiros junto ao Banco Central
(BIASOTO JR, 1989). Esse instrumento foi mobilizado após 1979 para proteger os devedores
privados da alta dos encargos com juros, de modo que o Estado absorveu o risco cambial e de
juros, e atuou como tomador de empréstimos junto aos bancos internacionais (CRUZ, 1995)38.
Ao evitar uma quebra generalizada de bancos e empresas privadas, o Estado tomou para
si a responsabilidade pela dívida externa. Como já foi mencionado, uma política recessiva foi
mobilizada para elevar o superávit comercial a fim de gerar as divisas destinadas ao pagamento
dos juros externos. Entretanto, era o setor privado quem exportava e sua remuneração em moeda
nacional levava a um aumento da dívida pública interna (BELLUZZO; ALMEIDA, 1992;
BIASOTO JR, 1989)39. Esse crescimento da dívida mobiliária deveu-se à impossibilidade de
38 Outra modalidade de proteção aos devedores em dólar foram os depósitos de projetos: os pagamentos dos
devedores internos eram depositados em contas no Banco Central, em nome dos bancos credores, assim como os
recursos novos colocados à disposição pelos bancos para refinanciar parte dos juros devidos. Esses depósitos
aguardavam a negociação entre um banco credor e um tomador interno de reempréstimo dos recursos, em um
processo conhecido como relending (CRUZ, 1995). 39 Biasoto Jr. (1989) apontou que várias estatais estavam entre os maiores exportadores e que diversas entidades
públicas pagavam suas dívidas em moeda estrangeira sem maiores dificuldades. Ao passo que a Petrobras e a
77
obter mais crédito externo e de aumentar a emissão monetária, em razão das pressões
inflacionárias. A evolução da inflação e a incerteza quanto à solvência do Estado fizeram com
que o mercado financeiro encurtasse os prazos, reforçando o problema estrutural do sistema
financeiro nacional, concentrado fortemente no curto prazo (BAER, 1993).
Enquanto o Estado se encontrava em uma crise fiscal e financeira e a população sentia
os efeitos do ajuste recessivo, o setor privado preservou seus lucros e seu patrimônio. No
período 1980 a 1983, as empresas não financeiras adotaram uma estratégia defensiva, reduzindo
seu endividamento e buscando liquidez. Apesar de o ajuste ter salvado a riqueza privada,
agravou a incerteza e limitou o crédito, deixando as empresas mais vulneráveis. Entre as
estratégias adotadas, a elevação do mark-up contribuiu para preservar as taxas de lucro, ao
mesmo tempo em que elevou o patamar da inflação (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002).
Outra forma de ajuste por parte das empresas foi a orientação da produção para
exportação, isto é, exportando os bens que não encontrariam demanda no mercado doméstico
em razão da política recessiva. A receita das exportações era um ganho privado e o setor público
ainda concedeu subsídios e financiamento especial (FINEX- Fundo de Financiamento às
Exportações) para os exportadores, agravando a situação fiscal (BELLUZZO; ALMEIDA,
2002). Concomitantemente, as filiais das ETN que já estavam instaladas no país passaram a
direcionar sua produção para exportação (CAMPOS; RODRIGUES, 2014), aumentando ainda
mais seu poder sobre o sistema econômico.
A dívida pública interna foi outra salvaguarda utilizada por empresas, bancos e famílias
de alta renda para preservar sua riqueza. Assim, os exportadores e rentistas detinham um poder
assimétrico, ao financiar os compromissos externos e internos do Estado brasileiro
(BELLUZZO; ALMEIDA, 1992). As empresas não financeiras elevaram suas receitas não
operacionais por meio de aplicações financeiras – na dívida pública, principalmente – e em
“investimentos”, ou seja, participação acionária em outras empresas. Os bancos, por sua vez,
aumentaram seus lucros por meio da arbitragem do dinheiro e da agilidade de aplicação dos
recursos. Além da obtenção de renda inflacionária, eles ganhavam com a aplicação em títulos
públicos, cujas taxas de juros e liquidez eram elevadas. As operações de crédito tornaram-se
menos importantes, levando a uma alteração da estrutura de ativos dos bancos. Outra estratégia
adotada foi a destinação de mais recursos para crédito ao setor público, que ofereciam menor
risco em comparação com as empresas privadas (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002).
Telebras não causavam maiores transtornos com suas dívidas, holdings como a Eletrobrás, a Sidebras e a Nuclebras
precisavam de recursos do Banco Central por não disporem de recursos próprios ou fontes de crédito.
78
A contrapartida do ajuste privado foi a deterioração das finanças públicas e a redução
da capacidade de atuação do Estado. O ajuste utilizado para possibilitar o serviço da dívida
externa provocou uma severa contração nos gastos públicos e, indiretamente, prejudicou o lado
da receita por causa da queda na atividade econômica. Uma das primeiras medidas tomadas
nesse sentido foi a criação da Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST),
em 1979, visando ao controle centralizado do dispêndio das estatais (TAVARES; ASSIS,
1985). Dotada de amplo poder, a SEST fez das empresas estatais um instrumento para promover
o ajuste macroeconômico de curto prazo no início dos anos 1980, antecipando as exigências do
FMI a partir de 1983 (RODRIGUES, 2017)40.
Depois da moratória do México em 1982, o acesso ao crédito externo foi interrompido
bruscamente. A renegociação das dívidas externas foi vinculada pelos bancos internacionais à
adesão aos programas de ajustamento monitorados pelo FMI, com o objetivo de forçar os países
envolvidos a se comprometer com a geração de recursos para o pagamento da dívida. Os
programas de ajustamento impostos pelo Fundo em troca de ajuda tinham o gasto público como
principal alvo, pois seria a causa do sobreendividamento externo. Isto derivava da crítica dessa
instituição ao modelo de substituição de importações implantado nos países da América Latina,
em que o Estado tinha papel de destaque. Os resultados desses programas foram recessão,
aceleração da inflação e deterioração das finanças públicas, sufocadas sob o peso das dívidas
externa e interna (BAER, 1993; SAMPAIO JR, 1988).
Os investimentos públicos – tanto das empresas estatais quanto da Administração
Pública Direta – foram especialmente penalizados, o que contribuiu para a deterioração da
qualidade dos serviços e bens públicos. Duas principais medidas de política econômica
afetaram o investimento público: i) Política de preços e tarifas dos bens e serviços produzidos
pelas estatais a serviço da política anti-inflacionária; ii) controle direto das importações
adquiridas pelas empresas estatais. Entre 1980 e 1983, as despesas agregadas das 20 maiores
holdings estatais com pessoal e encargos sofreram uma queda de mais de 10% em termos reais.
Verificou-se um corte real de quase 27% nos investimentos dos 20 maiores grupos estatais
nesse intervalo, concentrado principalmente no ano de 1983, no qual ocorreu queda real de 30%
em relação ao ano anterior. Tais cortes tiveram grave impacto sobre o conjunto da economia,
40 De acordo com Rodrigues (2017), o início dos ajustes neoliberais no Brasil pode ser identificado nesse período
em que as estatais foram submetidas aos objetivos do ajuste externo e, de maneira indireta, aos interesses
imperialistas. O ajuste visava a proteger o lucro do capital internacional e de seus sócios locais, à custa do setor
produtivo estatal.
79
dada a expressiva participação dos investimentos das estatais no total da formação bruta de
capital fixo (WERNECK, 1987).
A capacidade global de autofinanciamento das empresas estatais também diminuiu,
passando de 17% em 1980 para 10% em 1983. A queda na contribuição de fontes próprias foi
acompanhada por uma redução da participação do Tesouro, depois do aumento em 1981. A
exceção foram os grupos ligados ao setor de transportes (RFFSA, Portobras e Infraero), cuja
contribuição do Tesouro se mostrou importante. Nos demais grupos, verificou-se um aumento
das fontes creditícias vis-à-vis o capital próprio das empresas, indicando o endividamento a que
foram levadas. Enquanto isso, os encargos financeiros apresentaram crescimento real de mais
de 133% no mesmo período, sem que a receita operacional apresentasse crescimento
significativo (WERNECK, 1987).
A contenção do reajuste de preços e tarifas públicas, combinada à política de altas taxas
de juros internas, havia levado as empresas estatais a se endividar no exterior desde meados da
década de 1970. Elas também foram usadas como instrumentos de captação de recursos em
dólar, principalmente entre 1977 e o início dos anos 1980 (TAVARES; ASSIS, 1985). Desse
modo, o endividamento externo das estatais e das autarquias federais não foi um erro de política,
mas uma estratégia deliberada para ter acesso ao crédito junto ao sistema financeiro
internacional. O saldo do ajuste, no final dos anos 1980, foi a defasagem dos preços e tarifas
de bens e serviços ofertados pelo SPE, seu sobrendividamento e a redução da lucratividade até
mesmo nos grupos de maior porte, bem como a desatualização do parque produtivo das
empresas estatais (RODRIGUES, 2017; WERNECK, 1987).
Quanto ao setor de transportes, a redução dos investimentos colaborou para acelerar o
desgaste da infraestrutura. Entre 1978 e 1985 houve uma queda persistente nos investimentos
do DNER (de US$1,2 bilhão em 1978 para US$ 450 milhões em 1984). O período de 1986 a
1989 apresentou a recuperação do nível de investimentos ao mesmo patamar de 1978, enquanto
verificou-se a estabilização na faixa de US$ 450 a 600 milhões por ano no período de 1990 a
1995 (PEREIRA, 1998). Quanto às ferrovias, entre 1980 e 1990 os investimentos da RFFSA
reduziram-se significativamente, sendo que em 1989 o valor dos investimentos era equivalente
a 19% do valor de 1980. Entre 1990 e 1993, os investimentos atingiram um patamar de 40% do
registrado em 1989, voltando a cair em 1995 (MARQUES; ROBLES, 1998).
A situação da malha rodoviária do país mostrou-se crítica no início dos anos 1990,
resultado da ausência de recursos estáveis e confiáveis. Além da idade avançada do pavimento,
construído em grande parte nas décadas de 1960 e 1970, havia outros problemas nas rodovias
federais, como a degradação das sinalizações horizontal e vertical e ausência de informações
80
aos usuários. Quanto à malha estadual, verificou-se que os estados com pior desempenho eram
aqueles mais endividados junto ao governo federal. Ao passo que os estados das regiões menos
desenvolvidas apresentaram melhoria persistente na situação de sua malha no período 1989 a
1994, o estado de São Paulo teve o pior desempenho no mesmo período, com deterioração
visível de sua malha. Essa situação foi resultado da prioridade dada à construção e
pavimentação, em detrimento da conservação e manutenção, nos dois governos precedentes
(PEREIRA, 1998).
A queda dos investimentos no modal rodoviário também esteve relacionada à
desarticulação do esquema de financiamento das rodovias. A desvinculação de receitas
tributárias no âmbito da União a partir de 1974 significou uma redução na receita destinada ao
FRN, que, além disso, foi afetado pelo enfraquecimento da base de cálculo do imposto único
sobre combustíveis e lubrificantes, pela cobrança de tributos parafiscais no preço do petróleo
(cuja receita não ia para o FRN) e, posteriormente, pela transformação de impostos específicos
em impostos gerais (PEREIRA, 1998).
A vinculação de receitas de impostos a órgãos ou setores foi extinta em 1982, sendo
posteriormente proibida pela Constituição Federal de 1988, por recomendação de tributaristas
que recomendavam a adoção de impostos gerais (FIRMINO; WRIGHT, 2001; IPEA, 2010). A
reforma tributária estabelecida pela nova constituição descentralizou a cobrança de vários
tributos, que passaram para estados e municípios. Entretanto, as responsabilidades continuaram
concentradas na esfera federal, que se via desfalcada de receitas (FIRMINO; WRIGHT, 2001).
Por exemplo, o Imposto sobre Combustíveis e Lubrificantes (IUCL) foi substituído pelo
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que passou a englobar o antigo
Imposto sobre Serviços de Transportes (ISTR). Por sua vez, a Taxa Rodoviária Única deu lugar
ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) (IPEA, 2010).
A redução da qualidade nos bens e serviços ofertados pelas empresas estatais decorrente
da redução dos investimentos serviu de argumento para contestar a atuação do Estado enquanto
empresário, mas a preocupação com os serviços públicos não era a principal motivação
daqueles que desejavam privatizar aquelas empresas. Entre os fatores que deram força ao
projeto de privatização, estavam o peso da recessão ao longo dos anos 1980 e a consequente
obsolescência acelerada das plantas industriais e da infraestrutura física, relacionada ao
desmantelamento dos serviços públicos e da redução dos investimentos estatais (LIMA, 2003).
O discurso favorável às privatizações estava relacionado à disseminação do
neoliberalismo a partir do início da administração Reagan, por meio de agências internacionais,
do governo estadunidense e de fundações estrangeiras, os quais financiaram e organizaram
81
publicações e seminários na América Latina. Outro canal de transmissão dessa visão foram os
economistas e cientistas políticos formados em universidades dos Estados Unidos, como
Chicago, sendo que muitos deles passaram a ocupar posições importantes nos governos de seus
respectivos países. Tais ideias tiveram grande repercussão entre a burguesia brasileira,
especialmente por meio da imprensa (BATISTA, 1994).
A adesão das classes dominantes latino-americanas às propostas do chamado Consenso
de Washington41 possibilitou que se discutissem publicamente alternativas que
comprometeriam a capacidade nacional de decisão. Essa elite não somente concordou, mas
começou a defender a tese de falência do Estado: “passou-se simplesmente a admitir como
premissa que o Estado não estaria mais em condições de exercer um atributo essencial de
soberania, o de fazer política monetária e fiscal. ”(BATISTA, 1994, p. 9). Não se restringiu a
criticar a atuação do “Estado empresário”: questionou-se a capacidade de realizar funções que
convencionalmente lhe cabiam. Por último, considerava-se que o combate à inflação deveria
ser feito a todo custo, inclusive com renúncia à autonomia nacional (BATISTA, 1994).
Ademais, é necessário contextualizar os processos de privatização no Brasil e nos
demais países latino-americanos na fase da mundialização do capital para entender por que
suscitaram tanto interesse. As pressões crescentes por mobilidade e retorno rápido e elevado
caracterizam a estratégia do capital internacional nessa nova fase, não apenas os instáveis fluxos
de carteira, mas também o aparentemente sólido IDE. Enquanto isso, a América Latina passou
por quase uma década de escassez de financiamento externo e sofreu as consequências do ajuste
para pagar a dívida externa. Desse modo, o retorno dos fluxos de capitais externos para a região
no início da década de 1990 assumia a aparência de uma “solução” para o problema em questão,
porém que agravaria a vulnerabilidade externa dentro de pouco tempo.
De maneira geral42, cabe destacar que os processos de privatização na América Latina
envolveram a desregulamentação e a transferência dos ativos estatais predominantemente para
o capital estrangeiro. Em uma primeira fase, as vendas restringiram-se a pequenas empresas e
negócios domésticos. No final da década de 1980, definiu-se uma segunda etapa, marcada pelo
41 O termo Consenso de Washington faz referência a um encontro realizado nessa cidade em 1989, com o objetivo
de discutir as reformas já implantadas por países da América Latina. Para uma síntese das questões propostas, ver
Williamson (1992). 42 O Chile foi um caso à parte, ainda que tenha se aproximado dos demais países posteriormente. No início da
ditadura de Pinochet, procurou-se devolver ao setor privado as empresas nacionalizadas durante o governo Allende
(1970-1973), sem qualquer pagamento ao Estado e com ajuda creditícia aos empresários. Após a ruptura do
financiamento externo em 1982, o governo chileno salvou diversas empresas privadas, estatizando-as, mas as
vendeu nos anos seguintes. A nova fase das privatizações, a partir de 1985, teve determinantes principalmente
ideológicos: os Chicago Boys e os militares desejavam completar de vez a eliminação do Estado Intervencionista,
tarefa iniciada pela derrubada do governo Allende (PRADO, 1994: 62).
82
papel assumido pelas operações de troca direta de ativos – debt equity swaps (DES). Além
desses ativos, as grandes empresas estatais e o “núcleo duro” do SPE (serviços públicos e
insumos básicos) foram incluídos nos programas de privatização (PRADO, 1994).
As primeiras privatizações ocorreram no final dos anos 1980, ainda no governo Sarney,
por meio da venda de participações majoritárias em 14 empresas detidas pelo BNDESPAR,
subsidiária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tratava-se
de empresas que haviam passado para o controle do Estado depois de operações de salvamento,
não sendo originalmente estatais. Entretanto, as privatizações se tornaram um programa de
governo apenas a partir de Collor (1990-1992), com o lançamento do Programa Nacional de
Desestatização (PND) em 1990, inicialmente a cargo do BNDES (MOREIRA, 1994). O PND
prosseguiu durante o governo Itamar (1993-1994), sendo que entre 1991 e 1994 a maioria das
estatais industriais foi privatizada, incluindo todas as empresas estatais dos setores de siderurgia
e fertilizantes e a maioria do setor petroquímico (PINHEIRO; FUKUSAKU, 2000). Uma vez
privatizadas as estatais industriais, a perspectiva era de que o processo se estendesse para a
infraestrutura econômica e para os serviços públicos (MOREIRA, 1994).
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) aprofundou o projeto
liberalizante que havia sido iniciado em 1990. Um dos principais temas retomados foi a reforma
do Estado, tida como indispensável para a retomada do crescimento econômico e para a
estabilização monetária. A aceitação da reforma pela opinião pública deve ser creditada à
associação feita entre a reforma e a solução da crise fiscal do Estado, entre reforma e sucesso
do Plano Real e promessa de que o serviço público se tornaria mais eficiente (CARINHATO,
2008). Durante seu primeiro mandato (1995-1998), o processo de privatizações foi retomado
com intensidade, com a inclusão de empresas de mineração (como a Companhia Vale do Rio
Doce) e infraestrutura, a ampliação do processo aos estados e municípios e a mudança nas
relações entre os setores público e privado. Já a aprovação da Lei de Concessões (em 1995)
mudou as normas para a concessão de serviços públicos, enquanto as emendas constitucionais
aprovadas naquele ano acabaram com o monopólio público nas áreas de telecomunicações, de
distribuição de gás por dutos e petrolífera. Por último, foram abolidas as distinções no
tratamento dado às empresas de capital nacional e capital estrangeiro, o que ajudaria na
privatização dos setores de mineração e eletricidade (PINHEIRO; FUKUSAKU, 2000).
Para tornar as empresas estatais atraentes para os potenciais investidores, o governo
promoveu reajustes de preços e tarifas logo antes das privatizações, realizou maciços
investimentos (como na Telebrás) e arcou com os custos de indenizações e direitos trabalhistas
resultantes da demissão de funcionários daquelas empresas. Boa parte das dívidas das estatais
83
foram absorvidas pelo Tesouro Nacional e subtraídas dos lucros para o cálculo do Imposto de
Renda após a compra. Na maioria dos casos, a venda foi feita a prazo e com juros extremamente
baixos, sendo que o BNDES financiaria metade da entrada se houvesse empresas de capital
nacional entre os compradores. O pagamento poderia ser realizado por meio de “moedas
podres”, as quais poderiam ser adquiridas em condições bastante vantajosas junto ao próprio
BNDES (BIONDI, 1999).
O capital internacional também foi beneficiado pelo crédito do BNDES, por meio de
decreto presidencial que autorizava o financiamento na compra de estatais por empresas
estrangeiras. As empresas que adquiriram as estatais não eram mais obrigadas a comprar de
fornecedores nacionais, o que era um problema para a indústria local e contribuía para aumentar
as importações de equipamentos. A combinação de crescimento das importações e das remessas
para o exterior aumentava a saída de capitais, colocando em xeque a estratégia de atração de
moeda estrangeira para lidar com o problema nas contas externas. Em termos de tecnologia,
política tarifária e política setorial, o governo manifestou sua submissão ao capital
internacional, renunciando a um papel na gestão e formulação de estratégias em setores
importantes como o elétrico e o de telecomunicações (BIONDI, 1999).
A visão excessivamente focada no curto prazo era uma característica marcante dos
capitais atraídos pela possibilidade de realizar “grandes negócios” no Brasil. Mesmo nos países
centrais, a privatização de alguns setores esteve diretamente relacionada à criação de espaços
de valorização real menos instáveis para o capital financeiro. Nos países subdesenvolvidos, os
processos de privatização da infraestrutura estão relacionados a essa pressão pela valorização
do capital, bem como à internacionalização de empresas de construção e operação de projetos.
Todavia, a lógica de elevada rentabilidade no curto prazo, própria da fase da mundialização,
choca-se com as características dos setores de infraestrutura, cujos investimentos têm prazo de
maturação mais longo (MACIEL, 1995).
O processo de privatização dos anos 1990 contribuiu para acentuar a desnacionalização
da economia e induziu a uma financeirização exacerbada, visto que os fundos de investimento
foram os principais participantes e vencedores dos leilões. Também houve redução na formação
bruta de capital fixo e, consequentemente, desindustrialização (RODRIGUES, 2017). Desse
modo, o projeto modernizante em que as privatizações estavam inseridas não cumpriu as
promessas de elevação da taxa de investimento. Tampouco a aquisição dos ativos estatais pelo
capital internacional significou o fim dos problemas externos, já que traziam como
contrapartida o aumento de remessas ao exterior e das importações de insumos e bens de
capitais.
84
No caso dos transportes, a modalidade de transferência ao setor privado eram as
concessões, regulamentadas pela Lei 8.987, de 1995 (Lei das Concessões) (IPEA, 2010). De
acordo com o Art. 2º dessa lei, a concessão de serviço público se trata da “...delegação de sua
prestação (...) à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu
desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado” (BRASIL, 1995). Ou seja, o
serviço público em questão – as rodovias, por exemplo – é administrado pelo setor privado por
um período fixado em contrato, não se tratando de uma transferência de propriedade
propriamente dita43.
Em 1995, teve início a concessão de rodovias federais, com o leilão de cinco trechos.
Alguns estados seguiram o Governo Federal e lançaram seus programas de concessões
rodoviárias na década de 1990, como São Paulo e Paraná. Concentrando-se nas rodovias que
cortam os estados economicamente mais dinâmicos, as concessões mostraram-se um negócio
atraente para o capital privado nacional e internacional, em razão das garantias e dos lucros
potenciais. Por sua vez, a Lei 9.277/1996 autorizou a delegar aos estados a administração e a
exploração de trechos de rodovias federais, para em seguida serem concedidos (IPEA, 2010;
OLIVEIRA, 2013).
Quanto ao subsetor ferroviário, a RFFSA foi segmentada em malhas regionais e passou
a ser negociada em 1996, com a dissolução e extinção da empresa a partir de 1999. A Fepasa
foi incorporada pela RFFSA em 1998 para em seguida ser leiloada, enquanto as estradas
Vitória-Minas e Carajás foram vendidas junto com a CVRD, em 1997 (BARAT, 2007;
PINHEIRO, 2003). No ano de 1996, foram concedidas as Malhas Sudeste, Centro-Leste, Sul,
Oeste e Tereza Cristina, enquanto a Malha Nordeste foi deixada para o ano seguinte
(RODRIGUES, 2017). O período de concessão das malhas foi fixado em 30 anos, com
arrendamento por igual prazo dos ativos operacionais da RFFSA aos concessionários
(ÓRGÃOS ..., 2017)44 Na TAB. 8, podemos ver as malhas ferroviárias federais concedidas:
43 Sobre a diferença entre privatizações e concessões, é preciso fazer ressalvas quanto à questão da venda e
transferência de propriedade de ativos e serviços públicos ao setor privado. Segundo Prado (1998), a privatização
não se restringe à venda dos ativos estatais, mas envolve a mudança na organização da empresa de acordo com os
critérios do setor privado. Por sua vez, Oliveira (2011) considera as concessões uma forma de privatização, visto
que os longos prazos de contratos fazem com que o patrimônio público seja controlado por agentes privados por
vários anos. 44 Disponível em http://www.transportes.gov.br/orgaos-extintos.html
85
Tabela 8- Malhas ferroviárias concedidas
Malhas
regionais
Data do leilão Concessionárias Início da
Operação
Extensão (km)
Oeste 05/03/1996 Ferrovia
Novoeste S.A.
01/07/1996 1.621
Centro-
Leste
14/06/1996 Ferrovia Centro-
Atlântica S.A.
01/09/1996 7.080
Sudeste 20/09/1996 MRS Logística
S.A.
01/12/1996 1.674
Tereza
Cristina
26/11/1996 Ferrovia Tereza
Cristina S.A.
01/02/1997 164
Sul 13/12/1996 ALL-América
Latina Logística
do Brasil S.A.
01/03/1997 6.586
Nordeste 18/07/1997 Companhia
Ferroviária do
Nordeste
01/01/1998 4.238
Paulista 10/11/1998 Ferrovias
Bandeirantes
S.A.
01/01/1999 4.236
Total 25.599
Fonte: Ministério dos Transportes45
Portanto, o desmonte das empresas estatais, a deterioração na qualidade dos serviços
públicos e os processos de privatização decorreram da submissão do Estado brasileiro às
pressões do capital internacional e dos organismos multilaterais. A transformação das empresas
estatais e dos serviços públicos em mercadoria, concretizada pelas privatizações e concessões,
beneficiou não somente os fundos de investimento sediados nos países desenvolvidos, mas
também a burguesia local, que já na década de 1980 protegia seus ganhos por meio da
especulação com títulos e exportações. Sendo assim, o Estado abriu novas oportunidades de
negócios em condições bastante vantajosas, fortalecendo a acumulação de capital de maneira
explícita. No próximo capítulo, veremos como as concessões de rodovias em São Paulo se
mostraram um exemplo nítido dessa nova estratégia de acumulação.
Conclusões
Neste capítulo, argumentamos que as mudanças no setor de transporte fazem parte de um
contexto mais amplo de transformações no sistema capitalista mundial a partir da década de
1970, com importantes influências sobre a dinâmica da economia brasileira. Por isso, a crise do
financiamento das rodovias depois da proibição da vinculação tributária não foi a causa isolada
para a deterioração da malha rodoviária. As dificuldades pelas quais passou o setor de
transportes relacionaram-se diretamente com a crise do Estado desenvolvimentista e da
45 Disponível em: http://transportes.gov.br/conteudo/2843-outras-concessoes-ferroviarias.html
86
industrialização brasileira, o que, por sua vez, teve influência da mudança na forma com que o
capital internacional se insere nas economias nacionais.
Partimos do pressuposto que a fase de mundialização do capital é um desdobramento do
processo de transnacionalização, além de uma saída encontrada para lidar com a chamada “crise
estrutural do capital”. O destaque recebido pela esfera financeira significou aumentar a liquidez
e a mobilidade do capital, enfraquecendo o vínculo do capital internacional com as economias
nacionais. Mesmo o investimento dito “produtivo” (IDE) passou a assumir formas mais
líquidas, privilegiando o curto prazo e as fusões e aquisições, o que contribuiu para deprimir a
taxa de investimento em países como o Brasil. A reestruturação produtiva e organizacional
obtida por meio da introdução de novas tecnologias aumentou o poder das ETN, ao mesmo
tempo em que Estados e trabalhadores foram obrigados a se adaptar às regras da mundialização
a fim de manter a inserção nas redes globais de produção.
No caso brasileiro, o controle dos principais segmentos da indústria pelas transnacionais
contribuiu para limitar as possibilidades de autonomia da economia nacional. Mais do que isso,
colocou em xeque a própria formação de uma economia voltada para as necessidades do
mercado interno, dado que a atividade das filiais estrangeiras obedecia, em última instância, ao
ímpeto de valorização do capital em escala mundial. A intensificação da transnacionalização
diminuiu a capacidade dos Estados dos países centrais de controlar os fluxos de capitais e teve
efeitos ainda mais devastadores sobre os débeis centros internos de decisão da periferia.
As transformações mais amplas no âmbito mundial foram mediadas pelo Estado
brasileiro, o qual ratificou a submissão aos ditames do capital internacional. A burguesia
brasileira, por sua vez, foi salva do peso da dívida externa por meio da socialização do ajuste,
aumentando margens de lucro e ganhando com as exportações e a aplicação dos excedentes em
títulos públicos. Nos anos 1990, o patrimônio público foi colocado a leilão, com o
favorecimento dos investidores externos justificado pela promessa de geração de divisas.
Concomitantemente, viu-se uma nova onda de modernização por meio das aberturas comercial
e financeira, ampliando a vulnerabilidade externa e a debilidade da indústria brasileira.
Apesar de sua posição relativamente vantajosa, as rodovias sofreram o impacto dos
ajustes recessivos e da crise fiscal e financeira do Estado nos anos 1980. A deterioração da
qualidade da infraestrutura, acompanhada pela perda de fontes próprias de receitas, estimulou
o debate acerca do modelo futuro para o subsetor rodoviário. A opção pelas concessões
rodoviárias, mais do que lidar somente com a questão do financiamento, era uma nova forma
de promover a acumulação privada, desta vez por meio da apropriação direta da infraestrutura,
ainda que por tempo limitado por contrato.
87
Capítulo 3 – As concessões rodoviárias no estado de São Paulo: primeira
etapa (1997-2008)
3.1 Introdução
Nos capítulos anteriores, abordamos a expansão do transporte rodoviário e
contextualizamos sua crise na década de 1980 a fim de entender os precedentes das concessões
rodoviárias. Neste capítulo, trataremos de nosso objeto central: a primeira fase do Programa de
Concessões Rodoviárias do Estado de São Paulo, iniciada em 1997. A partir desse caso,
procuramos mostrar a mudança na anatomia da articulação do Estado com o capital brasileiro
e internacional, exemplificada pela abertura de uma nova frente de acumulação. Em outras
palavras, houve uma mudança na forma como aquela articulação se manifesta, o que é
consequência das transformações abordadas no capítulo 2.
Na seção seguinte, faremos uma reconstituição da argumentação dos dois capítulos
precedentes. Já a terceira seção abordará as concessões rodoviárias no Brasil, destacando suas
peculiaridades e problemas. Por sua vez, a quarta seção tratará das concessões rodoviárias em
São Paulo na década de 1990, elencando suas principais características e resumindo as
principais conclusões da análise dos indicadores econômico-financeiros das concessionárias
que administram as rodovias paulistas.
3.2 Ascensão e queda do “rodoviarismo”
Ao longo dos capítulos precedentes, descrevemos qual era a situação do transporte
rodoviário entre as décadas de 1940 e 1980, quando o Estado estava incumbido da expansão e
manutenção da malha rodoviária. Também vimos que a crise desse modelo na década de 1980
não decorreu apenas de fatores diretamente ligados ao setor de transportes, mas também se
relacionou ao contexto interno e externo. Assim, o objetivo desta reconstituição foi
compreender como era organizado o subsetor rodoviário no período em que mais se expandiu
e quais as diferenças desse modelo em relação ao atual, no qual há a presença de concessões
das rodovias de maior interesse para o setor privado.
Para responder à questão central desta dissertação – ou seja, de que maneira as
concessões rodoviárias em São Paulo ilustram uma mudança na anatomia da articulação entre
Estado e capital – foi preciso explicar qual o papel o Estado desempenha em uma economia
dependente e subdesenvolvida como a nossa. A partir disso, buscamos entender como ele
propiciou a acumulação de capital em diferentes momentos. Com essa finalidade, recorremos a
88
três autores que se dedicaram ao estudo da problemática da formação nacional: Caio Prado Jr.,
Celso Furtado e Florestan Fernandes.
Como vimos no primeiro capítulo, Caio Prado Jr. apontou que, a despeito da
industrialização, manteve-se o caráter neocolonial da economia brasileira. A dependência em
relação às exportações de alguns produtos primários era a contrapartida dos investimentos dos
chamados “trustes” estrangeiros. Uma vez que a remuneração do capital internacional sob a
forma de remessas de lucros e juros deveria ser feita em moeda conversível, esta precisava ser
obtida por meio das exportações, as quais continuavam concentradas em bens primários.
Celso Furtado também assinalou a limitação da industrialização no que tange à
superação do subdesenvolvimento, visto que o papel ocupado pela empresa transnacional
reforçava a dependência cultural, financeira e tecnológica. O tipo de indústria reproduzida nos
países periféricos não estava de acordo com as necessidades daquelas coletividades nem com
seus recursos, porque era definida pela estratégia mundial das transnacionais e se voltava para
a demanda das classes média e alta.
Por fim, a partir da contribuição de Florestan Fernandes pudemos depreender a
importância central do Estado para a sobrevivência da burguesia brasileira, ao atuar como
mediador entre ela e as burguesias mais robustas, oriundas dos países capitalistas centrais, e
filtrar as mudanças que vinham do exterior na fase do capitalismo monopolista. Desse modo, o
Estado procurou atenuar a instabilidade crônica que caracteriza o capitalismo dependente e
subdesenvolvido ao dar suporte para a acumulação de capital.
Quanto ao modal rodoviário, destacou-se sua relação com o processo de industrialização
e a constituição de um mercado interno, em especial no pós-guerra. Por terem sido construídas
para promover o escoamento das exportações, as ferrovias mostravam-se inadequadas para essa
finalidade e passaram a ocupar um papel secundário na política de transportes. Juntamente com
o transporte marítimo, as ferrovias viram sua importância decrescer e com ela os recursos
destinados à sua expansão. As rodovias, por sua vez, passaram a contar com os recursos do
FRN a partir de 1944, impulsionando seu crescimento nas décadas seguintes. Embora o Plano
de Metas tenha elaborado objetivos para todas as modalidades de transporte, foi visível o
destaque alcançado pelo modal rodoviário, o que se acentuou nos anos 1960 e 1970.
Em grande parte, o estímulo à expansão rodoviária estava relacionado ao impulso
proporcionado pela instalação da indústria automobilística no Brasil, a partir do Plano de Metas.
A escolha da indústria automobilística como uma das principais metas do plano tinha como
justificativa econômica a sua capacidade de dinamizar a demanda de outros setores, como o de
autopeças. No plano simbólico, tanto os automóveis quanto as rodovias representavam a
89
modernidade industrial e a liberdade do indivíduo, o que tinha relação direta com a
disseminação dos valores do “American Way of Life”. O Governo Kubitschek acolheu e
difundiu esses valores, tratando o desenvolvimento e a industrialização como elementos
fundamentais para assegurar a “estabilidade política” e a “segurança nacional”.
À luz da contribuição de Celso Furtado, mostrou-se que a promoção da indústria
automobilística e, indiretamente, das rodovias, apresentou um componente de dependência
cultural muito forte. A chamada modernização dos padrões de consumo fez com que a
industrialização brasileira privilegiasse os investimentos voltados para atender à demanda das
classes média e alta por bens de consumo duráveis, por exemplo, automóveis. O desejo de
reproduzir os padrões de consumo de países desenvolvidos chocou-se com as limitações
enfrentadas pela acumulação de capital em um país subdesenvolvido, resultando em uma
indústria cujo mercado era muito estreito para propiciar economias de escala.
A implantação da ditadura civil-militar em 1964 manteve e até mesmo aprofundou essas
distorções, particularmente no período entre 1967 e 1973, conhecido como “milagre brasileiro”.
A concentração de renda alavancou a nova fase de expansão do setor de bens duráveis de
consumo, cuja demanda estava concentrada nos grupos de renda mais elevada. A expansão das
rodovias se manteve nas décadas de 1960 e 1970, ao passo que os transportes ferroviário e
marítimo foram considerados a causa dos déficits orçamentários da União por causa dos
subsídios que recebiam. A despeito de algumas mudanças organizacionais, esses modais não
receberam a mesma atenção que as rodovias, nem o mesmo volume de recursos.
Em síntese, durante o arranjo vigente entre 1945 e 1980 o Estado estava incumbido da
construção e manutenção da infraestrutura de transportes, enquanto o setor privado se
concentrava na indústria de material de transporte e nos serviços de logística. No caso do modal
rodoviário, havia um fundo constituído especialmente para financiá-lo, além de contar com
outros recursos, como empréstimos internacionais. Quando esse esquema de financiamento foi
colocado em xeque e o modal passou a depender exclusivamente dos recursos orçamentários,
sua situação se deteriorou, embora fosse melhor do que a dos demais.
Todavia, a crise nesse modelo não decorreu simplesmente de um problema interno de
financiamento, mas foi uma consequência da crise do Estado nacional-desenvolvimentista. Por
sua vez, esta foi uma decorrência do processo de industrialização, o qual tornou a economia
brasileira mais suscetível às mudanças no exterior por meio da atuação das transnacionais.
Considerando a origem dessas crises, o problema da dívida externa estava relacionado aos
mecanismos que facilitaram o acesso ao sistema financeiro internacional e como este se
expandiu a partir dos anos 1960.
90
No capítulo 2, argumentou-se que as transformações pelas quais passou o sistema
capitalista mundial a partir da década de 1970 tiveram um impacto muito profundo na economia
brasileira, o que também afetou os transportes. A financeirização crescente e as mudanças na
organização interna das ETN são componentes do processo de mundialização do capital, que,
por sua vez, constituiu a resposta ao desafio colocado pela crise nas próprias estruturas do
sistema do capital. Apesar de não ter eliminado totalmente as contradições existentes, a
mundialização conferiu maior flexibilidade ao capital, enfraquecendo seu vínculo com as
economias onde se instala. Se esse processo tem sido problemático mesmo para os países
centrais, na periferia seus efeitos são ainda mais avassaladores. Trata-se de países que não
chegaram a completar a formação de um sistema econômico nacional e que, por essa razão,
encontram-se ainda mais vulneráveis aos revezes na conjuntura externa, o que tem sido
frequente nas últimas três décadas.
A capacidade de o Estado investir em infraestrutura foi também comprometida pelas
imposições feitas pelo capital internacional e órgãos multilaterais, no contexto de renegociação
da dívida externa. Logo, os programas de ajuste contribuíram para acelerar a deterioração da
qualidade dos bens e serviços públicos, cujos preços se encontravam defasados como parte da
política de controle da inflação. Tal deterioração serviu de base para as alegações de que o
Estado não era mais capaz de administrar e investir na infraestrutura e outros serviços públicos,
devendo a iniciativa privada se incumbir dessa tarefa. Esse discurso foi disseminado
principalmente pelo FMI e outras agências internacionais e encontrou grande apoio na
burguesia local, a qual já usava a dívida pública e as exportações como expedientes de
preservação de sua riqueza.
Na década de 1990, a aceleração do processo de privatização das empresas estatais e de
concessão de serviços públicos representou a abertura de uma nova frente de negócios, com
base no patrimônio público construído ao longo de várias décadas. Nesse novo contexto, a
acumulação privada deixou de ser garantida indiretamente, como era feito até então, passando
a se apresentar como apropriação direta de ativos estatais, em condições extremamente
vantajosas. Concomitantemente, eram crescentes as pressões do capital internacional para a
aplicação de fluxos de capitais em áreas rentáveis e cada vez mais líquidas, que também seriam
uma alternativa segura para a burguesia brasileira. Nas seções seguintes, veremos como as
concessões rodoviárias se organizaram para atender a essas exigências.
91
3.3 Concessões rodoviárias no Brasil
A experiência brasileira na concessão de rodovias é relativamente recente, iniciando-se
oficialmente em 1995. Embora tenham existido algumas tentativas pontuais no final dos anos
1980 e início dos anos 1990, é somente com a instituição da Lei n° 8.987 que elas aconteceram
de fato. De maneira geral, as concessões de rodovias no Brasil adotaram as regulamentações
próprias aos chamados “monopólios naturais”, bem como seguiram o exemplo de outros países.
Apesar disso, existem particularidades no modelo aplicado no Brasil, ou melhor, nos diferentes
modelos em curso no país, e disso decorrem algumas das principais críticas às concessões
rodoviárias.
Entre as experiências internacionais mais relevantes, estão a da Itália, França e Espanha,
países nos quais coexistem concessionárias estatais e privadas. A Itália presenciou o primeiro
caso de uma rodovia construída e financiada sob regime de concessão, com pagamento de
pedágio, em 1925. Outro destaque é que seu modelo de concessão, desde os anos 1950, se
baseia no conceito de rede rodoviária pedagiada, ao invés de trechos (isolados) sob pedágio
(LEE, 1996, p. 18).
Por sua vez, a concessão de rodovias na França foi instituída em 1955 com a finalidade
exclusiva de construir e operar túneis e autoestradas. Inicialmente, as concessionárias eram
sociedades controladas pelo Estado, mas em 1970 uma reforma permitiu a participação privada
nesse ramo. Atualmente, as concessionárias francesas são empresas de economia mista, com
forte participação do Estado francês. Na Espanha, a disseminação das concessões rodoviárias
ocorreu entre fins dos anos 1960 e início dos anos 1970. Também se trata de um sistema misto,
no qual o Estado atua como regulador e participa diretamente por meio de sociedades
concessionárias. Esse modelo é aplicado exclusivamente às autoestradas, as quais abrangem os
trechos de maior intensidade de tráfego e, portanto, de maior lucratividade (LEE, 1996).
Na América Latina, as experiências mais relevantes são as do México, Argentina e
Chile. No México, o programa de concessões rodoviárias foi lançado pelo governo federal em
1989, incluindo grandes extensões de rodovias. O critério de escolha dos vencedores foi o
menor prazo de exploração de concessão, sendo que os prazos poderiam ser renegociados se
houvesse erros nas projeções. O programa mexicano já foi considerado o maior do mundo na
construção de rodovias, atingindo 9900 km em 1994 e englobando mais de 30 concessões,
porém também foi um exemplo de fracasso. Enquanto os prazos seriam definidos pela oferta
vencedora, a tarifa seria estipulada em função das estimativas de fluxo de tráfego e dos custos
de manutenção, operação e construção. O resultado foram tarifas muito elevadas, que acabaram
92
por levar à fuga dos usuários por rotas alternativas, não pedagiadas (MÜLLER, 2010; PIRES;
GIAMBIAGI, 2000).
Na Argentina, o processo de concessão de rodovias à iniciativa privada iniciou-se entre
1989 e 1992, com a transferência de 9000 km de rodovias interurbanas que precisavam de
recuperação prévia, distribuídas por 12 concessionárias. O critério de escolha foi a maior
outorga e o prazo de concessão foi definido em 12 anos. Todavia, após grandes pressões dos
usuários contra os elevados preços das tarifas, o governo argentino reformulou seu modelo de
concessões rodoviárias (MÜLLER, 2010). Entre as mudanças, estavam a redução em 50% das
tarifas, compensada pela suspensão do pagamento da outorgada e pela garantia de um subsídio
anual para as concessionárias, proporcionalmente ao trafego de cada uma. Em 1992 também foi
lançada a segunda etapa de concessões rodoviárias, com o objetivo de construir três vias expressas
para o acesso à Grande Buenos Aires (PIRES; GIAMBIAGI, 2000).
Por sua vez, a legislação chilena sobre concessões de obras foi instituída em 1991 e
atualizada em 1993, com incentivos à geração de projetos pelo setor privado. Em 1998 passou-
se a utilizar um novo modelo, em que o prazo de concessão expiraria quando as receitas de
pedágio atingissem o valor proposto na licitação. O critério de escolha do vencedor foi o menor
valor presente para as receitas de pedágio, bem como garantias mínimas de tráfego (MÜLLER,
2010; PIRES; GIAMBIAGI, 2000)
No Brasil, a cobrança de pedágios dos usuários é uma prática anterior às concessões,
sendo adotada pelo próprio Estado em determinados trechos rodoviários. Em 1969, a DERSA
foi criada para administrar pedágios no estado de São Paulo, baseando-se no modelo das
concessionárias (estatais) francesas. Entre as rodovias pedagiadas, estavam aquelas que
compunham o Sistema Anhanguera-Bandeirantes e o Sistema Anchieta-Imigrantes. O governo
federal também implementou pedágios em algumas de suas rodovias, como nas BR-116
(Rodovia Presidente Dutra) e na BR-101 (Ponte Rio-Niterói), administrados pelo DNER. O fim
desses pedágios se deu com a criação do Selo-Pedágio em 1989, por meio do qual a cobrança
seria pela utilização da malha rodoviária federal em geral (LEE, 1996).
Com exceção de algumas iniciativas pontuais no século XIX e início do século XX46, a
concessão de rodovias no Brasil estabeleceu-se na década de 1990. Embora a concessão de
serviços públicos – na eletricidade e nas ferrovias – tenha sido bastante frequente até a década
1950, ela caiu em desuso a partir de então, sendo retomada pela Constituição de 1988, no Art.
175 (PEREIRA, 1998). Restabeleceu-se a possibilidade de empresas privadas prestarem serviço
46 Ver Lee (1996).
93
de utilidade pública, desde que passando por licitação. A Lei nº 8.987/1995 (“Lei das
Concessões”) disciplinou a questão, estabelecendo as regras básicas para os concessionários de
serviços públicos, especialmente a questão tarifária (IPEA, 2010).
A Lei de Concessões estabeleceu que as concessões de serviços públicos seriam feitas
mediante licitação, na modalidade de concorrência. No edital deveriam constar o objeto da
licitação, o critério de escolha do licitante vencedor, o prazo da concessão, o programa de
investimentos com o respectivo cronograma de obras, entre outros dados relevantes. A
conclusão do processo ocorreria com a assinatura do contrato entre a empresa vencedora e o
poder concedente, no qual todas as regras estariam claramente estabelecidas (BRASIL, 1995).
A concessão de rodovias estaduais também estava prevista e foi regulamentada pelo Art. 2º da
mesma lei. Complementarmente, a Lei 9.277/1996 autorizou a delegar aos estados a
administração e a exploração de trechos de rodovias federais, o que aconteceu nos Estados do
Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Foram
privatizados 9644 km das rodovias estaduais, dos quais 3897 km apenas no Estado de São Paulo
(CAMPOS NETO; SOARES, 2007).
O Programa de Concessão de Rodovias Federais teve início em 1995, com a
transferência da rodovia Rio–Petrópolis–Juiz de Fora para controle privado. Nessa ocasião,
foram concedidos cinco trechos de estradas no total de 858,6 km (IPEA, 2010), como podemos
ver na TAB. 9. Na FIG. 1., é possível ver que as primeiras concessões federais estavam
localizadas nos estados do Sudeste (Concer, Ponte, Novadutra e CRT) e Sul (Concepa), em
rodovias de elevado volume de tráfego, como a Rodovia Presidente Dutra, que liga as
metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro, e a Ponte Rio-Niterói.
Tabela 9 - Concessões de rodovias federais - primeira fase
Extensão (km) Prazo (anos) Concessionária Início
Rio-Juiz de Fora 179,7 25 Concer 31/10/1995
Ponte Rio-Niterói 13,2 20 Ponte 17/08/1996
Presidente Dutra 406,8 25 Nova Dutra 01/08/1996
Rio-Teresópolis-
Além Paraíba
144, 4 25 CRT 02/09/1996
Osório-Porto
Alegre- Acesso
Guaíba
112,3 20 Concepa 26/10/1997
Total 856,4
Fonte: Campos Neto e Soares (2007)
94
Figura 1 - Localização das rodovias federais concedidas - primeira fase
Fonte: Relatório Anual de Concessões de Rodovias Federais – ANTT (2002).
Uma das particularidades do modelo de concessão de rodovias adotado no Brasil é que
o prazo é preestabelecido no edital de licitação, sem justificativas técnicas ou econômicas. Os
critérios de escolha, por sua vez, são a menor tarifa, o maior valor de outorga ou uma
combinação dos dois. Enquanto o governo federal preferiu o critério de menor tarifa, em São
Paulo os vencedores dos leilões de concessão seriam aqueles que oferecessem maior valor de
outorga, isto é, um valor fixo que deveria ser pago ao Poder Concedente pelo direito de explorar
a malha rodoviária (CAMPOS NETO; SOARES, 2007).
A política tarifária é outro ponto crucial quando se discute as concessões rodoviárias em
geral. Antes de detalharmos as regras que regulam o valor da tarifa a ser cobrada e seu reajuste,
devemos partir da constatação de que as concessões rodoviárias são um “negócio comercial”,
porque elas só serão consideradas viáveis se os potenciais investidores avaliarem que o
empreendimento tiver rentabilidade econômico-financeira compatível com seus critérios (LEE,
1996, p. 55). Dessa maneira, a atratividade de um projeto de concessão dependerá de seu
potencial de gerar receitas em comparação ao volume de investimento requerido,
independentemente das necessidades sociais da região em que se encontra.
Segundo Lee (1996), existem casos de concessões com níveis mais altos de
rentabilidade, geralmente aqueles voltados apenas para a conservação e operação de rodovias
que já foram ampliadas e melhoradas pelo poder público. Ao mesmo tempo, há outras rodovias
que exigem elevados volumes de investimento em comparação com o baixo retorno esperado.
Esse contraste é visível no caso brasileiro: as primeiras rodovias concedidas foram as que
estavam em melhores condições, em função de sua localização nas áreas com maior densidade
95
populacional e econômica, enquanto as regiões que apresentavam as maiores carências na
infraestrutura rodoviária continuavam fora do interesse privado. Tal fenômeno se reproduz
mesmo nas áreas mais privilegiadas, como São Paulo, dado que as concessões visam as rodovias
que cortam as regiões mais economicamente dinâmicas do estado (OLIVEIRA, 2013).
A tensão entre o objetivo de fornecer um serviço público e a obrigação contratual de
remunerar adequadamente o investimento privado se traduz na tentativa de definir tarifas que
atendam, simultaneamente, aos dois propósitos. Nesse sentido, dois conceitos ganham
destaque: a modicidade da tarifa e o equilíbrio econômico-financeiro. O primeiro deles é
definido como “a justa correlação entre os encargos da concessionária e a retribuição dos
usuários da rodovia, expressa no valor inicial da Tarifa Básica de Pedágio”; o segundo significa
“o equilíbrio, em caráter permanente, entre os encargos da concessionária (..) e as receitas da
concessão, expresso no valor inicial da Tarifa Básica de Pedágio” (CAMPOS NETO; SOARES,
2007, p. 9)47. Em outras palavras, assume-se que o usuário dessas rodovias deva retribuir o
serviço das empresas responsáveis pela administração destas, mas sem ser excessivamente
penalizado por esse encargo.
O Capítulo IV da Lei de Concessões definiu a política tarifária a ser aplicada para a
concessões de serviços públicos em geral, estabelecendo que a tarifa deveria ser fixada pelo
preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas na lei,
no edital e no contrato. Os contratos, por sua vez, poderiam prover os mecanismos de revisão
das tarifas, de modo a preservar o equilíbrio econômico-financeiro (BRASIL, 1995). Isso ocorre
em casos em que as condições previstas para a execução do contrato de concessão são alteradas
e, para que as respectivas concessionárias não sejam prejudicadas, deve haver algum tipo de
compensação. Trata-se de uma salvaguarda das empresas contra as chamadas “cláusulas
exorbitantes”, as quais dão ao Poder Concedente (o Estado) poderes unilaterais (CAMPOS
NETO; SOARES, 2007). Veremos na seção seguinte que os contratos da primeira fase do
Programa de Concessões Rodoviárias do Estado de São Paulo estabeleceram diversas formas
de “recompor o equilíbrio econômico-financeiro” e que os Termos Aditivos e Modificativos
(TAM) justificaram as mudanças nos cronogramas de investimento com base nessa regra48.
47 A definição de modicidade trazida por Campos Neto e Soares (2007) é retirada dos contratos de concessões
federais, mas os próprios autores propõem uma nova definição, que leve em conta as receitas recebidas pelas
concessionárias. Eles julgam que, dessa maneira, os usuários possam compartilhar desses ganhos, hoje retidos
apenas pelas empresas, sem repasse no valor da tarifa. 48 Segundo Oliveira (2016), as concessões apresentam “contratos vivos”, isto é, que podem ter suas normas
modificadas a qualquer momento do período de vigência.
96
Na prática, o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos é implementado por meio
da fixação de uma Taxa Interna de Retorno (TIR)49, a qual indica a capacidade de um projeto
de investimento de gerar retorno para os potenciais investidores (CAMPOS NETO; SOARES,
2007). No caso da primeira fase das concessões federais, as TIR variaram entre 16, 48%
(rodovia Rio- Juiz de Fora) e 23,99% ( BR - 290, Osório – Porto Alegre – Acesso Guaíba) (PIRES;
GIAMBIAGI, 2000, p. 44). Quanto às concessões de rodovias estaduais, a média de 30 concessões
localizadas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, foi de 18,87%.
Por sua vez, as concessões federais de 2007 tiveram a TIR fixada em, no máximo, 8, 95% para os
sete trechos leiloados, um patamar bem menor que o observado nas concessões dos anos 1990
(MÜLLER, 2010, p. 56–57)50.
O valor mais elevado da TIR trouxe consigo tarifas de pedágios iniciais mais altas, as
quais de propagam ao longo do período de concessão, como aquelas realizadas na década de
1990. Essa diferença ocorre porque a TIR expressa o Custo de Oportunidade do Capital (COC),
definido como a maior rentabilidade que poderá ter o capital caso não seja investido naquele
projeto, sendo a taxa de juros vigente no país uma proxy da remuneração da melhor alternativa
de investimento. (IPEA, 2010). Como as primeiras concessões foram realizadas em um período
ainda instável, com a inflação apenas recentemente controlada e as taxas de juros elevadas, a
tarifa inicial dessas concessões refletia os riscos potenciais e a atratividade da aplicação na
Selic, sendo por isso maior do que nos lotes seguintes de concessões (CAMPOS NETO;
SOARES, 2007). As taxas de juros altas significavam que a aplicação em títulos públicos era
mais vantajosa para o setor privado, já acostumado ao rentismo do período de alta inflação, mas
também que o custo do crédito para financiar os investimentos também era mais alto.
As rodovias federais da primeira etapa do programa de concessões apresentam reajustes
automáticos e de incidência anual, sendo que a princípio se davam com base na evolução de
uma cesta de índice dos principais componentes de custos de obras rodoviárias. Uma vez que
se constatam persistentes ganhos reais nas tarifas de pedágio com o passar do tempo, em
comparação com IPCA, pode-se supor que os contratos de concessão beneficiaram as empresas
(CAMPOS NETO; MARLO; SOUZA, 2011). Apesar da adoção do IPCA como referência para
o ajuste, o não repasse de ganhos de produtividade das concessionárias para os usuários
continua garantindo uma remuneração adicional, segundo Campos Neto e Soares (2007).
49 Matematicamente, trata-se da taxa que iguala receitas e despesas trazidas a valor presente (CAMPOS NETO;
SOARES, 2007) 50 De acordo com Müller (2010), a TIR contratada é uma taxa aparente, servindo de referência para os leilões e
posteriormente como parâmetro para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Essa taxa aparente se
mantém durante todo o período de concessão, desde que as obras e melhorias estejam sendo realizadas conforme
o cronograma e as especificações acordadas.
97
Portanto, as tarifas relativamente menores das concessões mais recentes podem ser
atribuídas a três fatores: 1) a redução do COC; 2) a redução do risco político; 3) a inversão das
fases da licitação (IPEA, 2010). A queda das taxas de juros em relação ao patamar visto na
década de 1990 reduziu o custo de oportunidade do investimento em concessões, as quais
também se depararam com menor resistência depois de que já havia experiências em curso. Por
último, as propostas de preços passaram a ser examinadas antes da documentação exigida.
O que nos interessa reter da discussão sobre a política tarifária das concessões é de que
os instrumentos jurídicos envolvidos – a Lei de Concessões, os editais de licitação e os contratos
de concessão – consolidam a atividade em questão como um negócio protegido, com regras
especiais que visam a assegurar um limite mínimo de rentabilidade, de acordo com os critérios
das próprias concessionárias. Segundo essa ótica, a sociedade é vista como um conjunto de
usuários dos serviços oferecidos pelas empresas, com o aval do Estado, e deve colaborar para
que aquela remuneração seja alcançada. No caso da primeira fase do programa paulista de
concessões, o pagamento de um valor de outorga pelas concessionárias faz com que o Poder
Concedente se interesse pela continuidade da cobrança de pedágio, que gerará as receitas para
cumprir com esse encargo. Por essa razão, os contratos de concessão assinalam a cobrança de
pedágio como uma obrigação das concessionárias, além de ser um direito das mesmas.
Uma das críticas geralmente endereçadas ao modelo adotado no Brasil é que as rodovias
que mais precisariam de reparos e de manutenção geralmente serão excluídas, privilegiando-se
aquelas que oferecem uma melhor oportunidade de “negócios” às concessionárias (OLIVEIRA,
2013). Outro problema é que as concessões brasileiras não têm como objetivo a construção de
novas autopistas, realizando apenas a transferência daquelas existentes para o setor privado, ao
contrário da experiência de países como a Alemanha (IPEA, 2010, p. 25). Campos Neto e
Soares (2007), por sua vez, apontaram que o prazo da concessão é pré-definido sem
justificativas técnicas ou econômicas e propõem que ele seja tratado como uma variável com
características econômicas.
Ademais, o processo de concessões é muito concentrado no tempo, alternando o
lançamento de programas ambiciosos em curtos períodos com hiatos em que quase nada
acontece. Para agravar a situação, os estados aparentemente acompanham o calendário do
governo federal, lançando seus programas no mesmo ano e concorrendo com as concessões
federais (MARTINS; LOURENÇO; OLIVER, 2016)
98
Por último, pode-se apontar a persistência de gargalos nos transportes, resultado das
limitações do investimento público, mas também do investimento privado51. O principal
obstáculo para que o setor privado assuma a liderança no segmento de infraestrutura de
transportes é que o risco dos projetos supera o patamar de ganhos solicitado para realizar o
investimento. Isso decorre principalmente do custo de capital em relação ao prazo e ao tamanho
do investimento e da estrutura de receitas que cria (SAWAYA, 2007). Assim sendo, a lógica
característica do investimento privado – acentuada pela predominância do horizonte de curto
prazo típica dos mercados financeiros – limita a capacidade de investimento em infraestrutura,
já que os concessionários visam aquelas rodovias com maiores possibilidades de retorno frente
ao risco envolvido. Sawaya (2007, p. 117) resumiu a questão da insuficiência de um modelo
privado de investimento em infraestrutura de transporte:
Não fazem os investimentos porque, no âmbito individual privado, não é possível
construir um formato tal capaz de viabilizar a ação privada nessa área de infraestrutura
sem que o Estado assuma um papel central. A comprovação empírica desse fato está
na própria história. Com raras exceções, se o Estado não for totalmente responsável
pelos projetos, como o fez historicamente, deve participar de alguma forma para tornar
possível o investimento privado em infraestrutura.
Em suma, trata-se de admitir que o modelo adotado para o investimento na infraestrutura
rodoviária apresenta limitações e não foi capaz de cumprir as promessas de eliminar os
persistentes gargalos em transportes. Vê-se assim que, apesar de todas as dificuldades, o
investimento público na infraestrutura rodoviária continua a ser imprescindível, especialmente
nas regiões que não ofereçam atrativos suficientes para o setor privado.
3.4 Concessões rodoviárias em São Paulo: a primeira fase (1997-2016)
Ao escolher como objeto a Primeira Fase do Programa de Concessões Rodoviárias de
São Paulo, nossa intenção é mostrar como o Estado brasileiro transformou a infraestrutura de
transportes em uma atividade lucrativa e relativamente protegida, à disposição do capital
brasileiro e internacional. No estado de São Paulo, as rodovias em melhores condições físicas
e mais movimentadas, as quais cortam as áreas mais dinâmicas do estado, foram as primeiras a
serem transferidas para o controle de empresas privadas – em geral, formadas pela união de
empresas de engenharia e construção que já prestavam serviços para o poder público.
51 De acordo com Pego Filho et al. (1999), entre 1990 e 1998 foram alocados aproximadamente US$ 90,6 bilhões
na infraestrutura econômica, dos quais US$ 46,2 bilhões em energia, US$ 34,8 bilhões em telecomunicações e
US$ 9,6 bilhões em transportes. Dentro dos transportes, o setor rodoviário recebeu 59,3% do total de recursos.
99
Outras características fazem do caso paulista uma situação ímpar dentro do quadro mais
geral das concessões rodoviárias no Brasil. Por exemplo, a densidade rodoviária desse estado
se assemelha à de países e regiões desenvolvidas; em termos proporcionais, ele se aproxima da
Califórnia, o estado mais motorizado dos Estados Unidos (MARTINS; SOARES;
CAMMARATA, 2013). Ademais, trata-se do único sistema rodoviário no Brasil realmente
integrado, conectando-se com o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia,
contrastando com a dispersão verificada na malha rodoviária do restante do país (MARTINS;
LOURENÇO; OLIVER, 2016).
Como visto no Capítulo 1, a tradição “rodoviarista” em São Paulo iniciou-se na década
de 1920, sob a administração de Washington Luís, grande entusiasta dos automóveis e rodovias.
A construção de autoestradas o a aposta de vários governadores desde então, sendo que as
principais vias do estado (Bandeirantes, Anhanguera, Anchieta, Castello Branco) foram abertas
entre as décadas de 1950 e 1980 (MARTINS; SOARES; CAMMARATA, 2013). Também
houve uma grande preocupação com a duplicação das rodovias, ao passo que o governo federal
preferiu expandir as rodovias de pista simples, principalmente no período 1955-1974, no qual
foi construída metade das rodovias federais pavimentadas que existem atualmente (MARTINS;
LOURENÇO; OLIVER, 2016). Portanto, já existia uma preocupação com a quantidade e
qualidade das rodovias do estado, anterior à fase de concessões.
Apesar dessa vantagem relativa, a malha rodoviária do estado de São Paulo não passou
incólume pela crise no setor nos anos 1980 e início dos 1990. Como vimos no capítulo anterior,
o desempenho da malha estadual paulista foi o pior no período 1989-1994, enquanto os estados
de outras regiões apresentavam melhoria em suas rodovias. De acordo com Pereira (1998), isso
foi consequência da prioridade conferida à construção e pavimentação, em detrimento da
conservação e manutenção. Sendo assim, a deterioração na qualidade das rodovias paulistas
deu margem para que o governo estadual lançasse seu próprio programa de concessões, o qual
seria concretizado em 1997, depois do lançamento do programa federal.
3.4.1 Aspectos gerais e principais acionistas
A primeira fase do Programa de Concessões do Estado de São Paulo iniciou-se em 1997,
quando os primeiros lotes começaram a ser objeto de licitação. Esse programa surgiu no
contexto de outra iniciativa de privatização, a do Programa Estadual de Desestatização, criado
em julho de 1996. Entretanto, a agência reguladora responsável pela fiscalização das concessões
100
(ARTESP) foi criada somente em 200252, pela Lei Complementar nº 914 de 14/01/2002.
Temporariamente, a função de fiscalização das concessões coube à Comissão de
Monitoramento das Concessões e Permissões de Serviços Públicos, criada a partir do Decreto
43.011 do Governador do Estado de São Paulo, de 3 de abril de 1998 (ARTESP, 2011).
Antes disso, houve uma tentativa de promover as concessões rodoviárias por meio da
Lei Estadual nº 7 835, de 1992, anterior à lei federal. Essa lei foi resultado de discussões com
o Fórum Paulista de Desenvolvimento, o qual visava promover modalidades de parceria entre
o setor público e a iniciativa privada. As primeiras tentativas de licitação de lotes rodoviários,
em 1993, foram impugnadas, mas em 1995 o Governo do Estado de São Paulo lançou o
Programa Estadual de Participação da Iniciativa Privada, englobando a infraestrutura de
transportes (LEE, 1996). Desse modo, a implementação das concessões rodoviárias em São
Paulo foi resultado de disputas sobre a legitimidade da transferência do patrimônio público para
o setor privado. A cobrança de pedágios em si já era praticada pelos órgãos públicos
encarregados das rodovias estaduais (DER-SP e DERSA), não sendo o foco da controvérsia.
A primeira fase do programa englobou doze lotes de malha rodoviária, em diversas
regiões do estado de São Paulo. A maioria das concessões entrou em vigor em 1998, com prazo
previsto de duração de 20 anos. Na TAB. 10, podemos ver os lotes e suas respectivas
concessionárias vencedoras:
Tabela 10- Concessionárias da Primeira Fase do Programa de Concessões Rodoviárias do
Estado de São Paulo
Lote Concessionária Grupo Início Prazo Km
01 Autoban CCR Maio/1998 28 anos 316,752
03 TEBE - Março/1998 27 anos 155,982
05 Vianorte Arteris Março/ 1998 20 anos 236,700
06 Intervias Arteris Fevereiro/ 2000 27 anos 375,696
08 Centrovias Arteris Junho/1998 21 anos 218,160
09 Triângulo do Sol AB Concessões Junho/1998 23 anos 442,196
10 Autovias Arteris Setembro/1998 20 anos 316,500
11 Renovias CCR Abril/1998 24 anos 345,660
12 ViaOeste CCR Março/1998 24 anos 168,620
13 Colinas AB Concessões Março/2000 28 anos 306,896
20 SPVias CCR Fevereiro/2000 27 anos 515,684
22 Ecovias EcoRodovias Maio/1998 25 anos 176,790
Fonte: elaboração própria, a partir de ARTESP (2011).
Segundo a descrição dos lotes presente nos editais, parte das principais vias já tinha sido
duplicada, em especial nos trechos que atravessam importantes regiões do interior de São
52 O mesmo ocorreu na esfera federal: a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela
regulação das concessões de rodovias federais, foi criada apenas em 2001, enquanto as primeiras concessões
ocorreram em 1995. Temporariamente, o DNER foi responsável pelo lançamento das concessões.
101
Paulo. Ademais, algumas rodovias aparecem em diversos lotes, como é o caso da Rodovia
Anhanguera (SP-330), em razão de sua grande extensão. Isso acontece porque os lotes são
divididos de acordo com regiões do Estado, não com base em rodovias específicas.
Com relação às localidades atravessadas pelas rodovias concedidas, parte dos editais
enfatizam a presença de atividade industrial ou agropecuária nos lotes de malha rodoviária. Por
exemplo, o edital do lote 3, que corresponde à malha rodoviária na região de Bebedouro e
Barretos (entre outras cidades), menciona a importância da cana-de-açúcar e dos cítricos. Já o
edital do lote 13, o qual inclui a região de Rio Claro, Piracicaba e Campinas, aponta a
necessidade de duplicar a rodovias SP-127 para facilitar o escoamento da produção agrícola da
região Centro-Oeste, por meio da interligação com a hidrovia Tietê-Paraná. Além disso, há o
caso do lote 22 (Sistema Anchieta-Imigrantes), que liga o Planalto Paulista à Baixa Santista,
sendo caracterizado por grande volume de veículos aos finais de semana por se tratar de área
de veraneio. Já o edital do Lote 12 (Sistema Castello-Raposo) destaca a importância do trecho
da Rodovia Raposo Tavares (SP-270), que engloba as cidades de Cotia e Araçoiaba, com forte
atividade industrial, agroindustrial e agrícola e, consequentemente, elevado tráfego. Portanto,
as rodovias estaduais concedidas na década de 1990 atravessam regiões de expressiva atividade
econômica dentro de São Paulo, o que foi mencionado pelos respectivos editais para destacar a
atratividade desses lotes rodoviários.
As concessionárias foram escolhidas por meio de licitação, na modalidade de
concorrência internacional. O critério adotado foi o maior valor de outorga, enquanto a tarifa
básica de pedágio foi preestabelecida em contrato, de acordo com o tipo de rodovia (pista
simples ou dupla). Essa é uma das diferenças em relação ao modelo adotado nas concessões
federais, cujo critério de escolha é o menor valor de tarifa. O valor a ser pago ao Poder
Concedente dividiu-se em duas partes: a) 3% da receita bruta efetivamente obtida pela
concessionária no mês anterior ao do pagamento, excetuada a receita financeira, durante todo
o prazo da concessão; b) E um valor fixo a ser pago em 240 parcelas mensais durante todo o
período da concessão, sendo as oito primeiras (ou 12, no caso da Ecovias) correspondentes a
0,9% do valor estipulado e as restantes correspondendo a 0,4% do mesmo valor.
O prazo fixado pelo edital de cada lote foi de 240 meses (20 anos), podendo ser
prorrogado a fim de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Isso significa
que as concessionárias podem compensar o poder do Estado de alterar as condições contratuais
unilateralmente, seja por meio da extensão do prazo original ou da revisão extraordinária da
tarifa de pedágio, ou então uma combinação de ambos.
102
As tarifas cobradas variam em função do tipo de pista (dupla ou simples), da
quilometragem compreendida por cada praça, e pela categoria de veículo. Os reajustes visando
a preservar o valor aquisitivo das tarifas deveriam ser feitos com periodicidade anual, sem
prejuízo da possibilidade de redução desse prazo, e de acordo com uma fórmula que toma como
referência o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). Em 2012, o índice de preços de
referência passou a ser o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que já era usado pelas
concessões federais desde a primeira fase.
Além da manutenção e conservação dos trechos concedidos, as concessionárias
deveriam realizar as ampliações solicitadas pelo Poder Concedente; por exemplo, a duplicação
de alguns trechos e a construção de acessos a cidades atravessadas pelas rodovias. Também
caberia à concessionária realizar a execução dos serviços delegados, dar apoio aos serviços não
delegados e no tratamento aos serviços complementares. Os serviços delegados são aqueles de
competência específica da concessionária, compreendendo aqueles correspondentes a funções
operacionais, de conservação e de ampliação. Já os serviços não delegados são de competência
exclusiva do Poder Público, tais como o policiamento ostensivo de trânsito, preventivo e
repressivo. Por último, os serviços complementares são aqueles considerados convenientes,
mas não essenciais, para manter serviço adequado, podendo ser prestado por terceiros.
O edital de cada lote estabeleceu a estrutura tarifária da concessão, mostrando a
diferença entre o sistema existente e o futuro. Em todos os lotes, havia pelo menos uma praça
de pedágio e, na maioria dos casos, foram propostas novas praças, às vezes com desativação de
algumas de parte das antigas. Logo, a existência de pedágios em São Paulo era anterior ao início
das concessões ao setor privado53, ainda que seu número tenha aumentado consideravelmente
a partir de então. Quanto ao sentido de cobrança, predominava o sistema em que o pedágio é
cobrado apenas em um sentido da rodovia. A localização das novas praças de pedágios foi
estabelecida pelos editais, porém as concessionárias posteriormente conseguiram mudar
algumas delas, o que aparece nos TAM, publicados no Diário Oficial do Estado de São Paulo.
Através da leitura dos contratos de concessão, pôde-se observar que nos consórcios
vencedores houve predominância de empresas de engenharia e construção. Seus participantes
eram, em maioria, empresas brasileiras, havendo apenas uma estrangeira como participante de
um consórcio vencedor, a empresa argentina Benito Roggio e Hijos S.A., no lote 8
(administrado pela Centrovias). Posteriormente, algumas das concessionárias foram adquiridas
53 Lee (1996) aponta que o Estado de São Paulo se inspirou na experiência francesa para a criação da DERSA em
1969, responsável pela exploração das rodovias estaduais e pela cobrança de pedágio nas mesmas. O Governo
Federal também cobrava pedágios em algumas rodovias ou trechos, como é o caso da Ponte Rio Niterói.
103
total ou parcialmente por grupos estrangeiros, como o grupo espanhol OHL, que passou a atuar
no Brasil como Arteris a partir de 2012.
Os contratos também estabeleceram que a concessionária deveria assumir total
responsabilidade pelos riscos inerentes à exploração do sistema rodoviário, em especial os
riscos de redução de tráfego em relação às projeções consideradas na proposta. Além disso, a
concessionária assumiria o risco total das projeções das receitas acessórias. Quanto à extinção
da concessão, ela aconteceria nas seguintes situações: i) advento do termo contratual; ii)
encampação; iii) caducidade; iv) rescisão; v) falência ou extinção da concessionária. No caso
de não cumprimento das obrigações contratuais, as respectivas concessionárias estão sujeitas a
multas, de acordo com a gravidade da situação.
Um dos pontos centrais nos contratos é a questão da recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro, que, em linhas gerais, é um princípio que busca combinar a remuneração
do capital investido com a modicidade de preço associada aos serviços públicos. A
recomposição do equilíbrio poderia ocorrer nas seguintes condições: a) Modificação unilateral,
por parte do Contratante ou do Poder Concedente, das condições do contrato; b) ocorrência de
casos de força maior; c) ocorrência de eventos excepcionais, que produzam alterações nos
mercados financeiro e cambial; d) alterações legais de caráter específico.
Tal recomposição deveria ser feita de uma das formas seguintes (por acordo entre as
partes ou escolha do contratante): i) Prorrogação ou redução do prazo da concessão; ii) revisão
extraordinária da tarifa de pedágio, ou; iii) uma combinação das modalidades anteriores. Em
geral, essas alterações são uma resposta a uma mudança das condições vigentes por uma decisão
do poder público que afeta direta ou indiretamente as concessionárias.
Já os TAM são modificações feitas no contrato original com o objetivo de preservar o
equilíbrio econômico-financeiro; eles permitem, por exemplo, a alteração o cronograma dos
investimentos. Houve também a prorrogação do prazo de concessão para 10 de 12
concessionárias, aprovado em dezembro de 2006. Em 2015, essa decisão foi contestada pela
ARTESP e pelo Estado de São Paulo, pois o termo aditivo que determinou o reequilíbrio
econômico-financeiro baseou-se em projeções de receitas, não havendo correspondência com
a efetiva situação econômica 54.
Em 2008, foi lançada a Segunda Etapa do Programa de Concessões Rodoviárias em São
Paulo, sendo seguida em 2011 por uma terceira etapa, compreendendo os Trechos Leste e Sul
54 Ver mais em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,apos-decisao-judicial--governo-de-sao-paulo-estuda-
relicitar-exploracao-do-sistema-anhanguera-b,1757761
104
do Rodoanel55. Na TAB. 11, podemos comparar as características de cada fase e na FIG.2,
vemos o mapa com todas as concessões rodoviárias de São Paulo.
Tabela 11 - Etapas do Programa de Concessões Rodoviárias em São Paulo56
Etapas Início Prazo
(anos)
Extensão
(km)
Critérios
de
contratação
Reajuste
1 ª – 12
lotes
9 lotes em
1998 e 3
em 2000
20 3500 Maior valor
de outorga
IGP-M, em
transição
para o
IPCA
2ª - 6 lotes 1 lote em
2008 e 5
em 2009
30 1740 Menor tarifa
quilométrica
IPCA
3ª –
Rodoanel
Trechos
Leste e Sul
Previsão
para início
de 2011
35 104 Menor tarifa
quilométrica
IPCA
Fonte: adaptado de ARTESP (2011).
Figura 2 - Mapa das concessões rodoviárias em São Paulo - 3 etapas
Fonte: ARTESP (2011)
3.4.2 O negócio
Para verificar se as concessões rodoviárias podem ser vistas como um grande negócio
para o setor privado, analisamos alguns indicadores econômico-financeiros das concessionárias
55 Em março de 2011, a Concessionária SPMar S.A iniciou as operações nos trechos leste e sul do Rodoanel. Ver
mais em: http://www.abcr.org.br/Conteudo/Concessionaria/56/spmar.aspx 56 Em 2017, novos lotes foram colocados para leilão: a Rodovia dos Calçados e as rodovias do Centro-Oeste
paulista. Ver em: http://www.novasconcessoes.sp.gov.br/noticias/2017/02/disputa-por-rodovias-paulistas-marca-
novo-momento-nas-concessoes-rodoviarias.php
105
que pertencem à primeira etapa do programa paulista (1997-2008). Utilizamos apenas aqueles
indicadores que permitem compreender o funcionamento dessa atividade e como os ganhos das
empresas estão sujeitos a forças externas ao setor. Em outras palavras, não é objetivo desta
pesquisa elaborar uma análise financeira detalhada, como aquela utilizada pelos acionistas
(atuais e potenciais). Tampouco são necessárias ferramentas sofisticadas de estatística e de
econometria, visto que não se pretende chegar a um modelo geral de concessões de rodovias.
A despeito de as concessionárias analisadas terem iniciado seus contratos a partir da
segunda metade da década de 1990, o período selecionado para a análise de informações
financeiras foi de 2010 a 2016. Isso se justifica porque em 2010 passaram a vigorar as novas
normas contábeis no Brasil (segundo orientação das IFRS - International Financial Reporting
Standards). Para garantir maior uniformidade da análise e evitar comparações espúrias, não
incluímos dados anteriores a esse período, ainda que tenham sido divulgados por algumas das
concessionárias em questão. Como nem todas disponibilizaram seus relatórios mais antigos,
tampouco foi possível analisar os dados anteriores a 2010 separadamente.
O software Economatica ® e os relatórios anuais das concessionárias foram as fontes
primárias consultadas para a elaboração desta análise, a qual se encontra mais detalhada no
Apêndice A.57 As notas explicativas e os relatórios da administração serviram de auxílio na
interpretação das mudanças mais destacadas nos indicadores, uma vez que forneceram
informações adicionais sobre a atividade, como foi o caso da mudança de índice de referência
para o reajuste. Sendo assim, buscamos contextualizar os resultados obtidos com base nas
particularidades do negócio e da conjuntura.
No geral, três pontos se destacaram no exame dos indicadores: a) os efeitos do
agravamento da crise econômica no país, principalmente após 2014; b) o contraste entre
concessionárias “grandes” (Autoban e ViaOeste, por exemplo) e “pequenas” (TEBE e
Renovias); c) a vantagem do grupo de concessionárias estudadas em termos de lucratividade
(margem bruta e margem líquida) e rentabilidade (ROE), relativamente a outros setores da
indústria, comércio e serviços.
Quanto ao primeiro ponto, os indicadores de receita, lucratividade e rentabilidade
indicaram um decréscimo significativo nos anos de 2015 e 201658, o que foi justificado nos
relatórios das próprias concessionárias como um efeito da crise. A desaceleração da atividade
57 No Apêndice A, encontram-se os gráficos e tabelas que comparam o desempenho das 12 concessionárias da
primeira fase do programa paulista, no período 2010-2016. Neste capítulo, resumiremos as principais conclusões
dessa análise, de modo a verificar a validade das hipóteses do trabalho. 58 Para a margem líquida e o ROA, houve uma pequena recuperação em 2016, enquanto as margens bruta e
operacional e o ROE permaneceram praticamente estáveis.
106
econômica provocou uma queda no tráfego, especialmente de veículos comerciais, a qual foi
parcialmente compensada pelo reajuste de tarifa. Contudo, esse reajuste também enfrentou
problemas devido à mudança do IGP-M para o IPCA, ao não repasse do reajuste aos usuários
em 2013 e às regras adotadas para compensar as empresas por essa decisão. Em julho de 2013,
o Governo Estadual decidiu pelo não repasse do reajuste anual aos usuários em julho, o que
pode ser atribuído ao efeito dos protestos contra o aumento das tarifas de transporte coletivo na
capital paulista, em junho daquele ano. Estabeleceram-se então medidas compensatórias, a
exemplo da cobrança dos eixos suspensos dos caminhões. Apesar disso, nos anos seguintes as
concessionárias e o governo de São Paulo apresentaram diversas discordâncias quanto a essas
medidas e ao índice de reajuste a ser utilizado59.
Entretanto, deve-se considerar que a matriz de transportes concentrada nas rodovias e o
fato de não haver obrigatoriamente rotas alternativas aos trechos sob concessão (e, portanto,
com pedágios) constituem vantagens para as concessionárias brasileiras, cujo fluxo de veículos
não diminuiu tanto quanto em países em que o tráfego pudesse ser desviado para outros modais
ou rodovias não concedidas. Na Espanha, onde há rotas alternativas às rodovias pedagiadas,
houve significativa queda no tráfego em algumas rodovias a partir da crise de 2008
(OLIVEIRA, 2016).
O fato de as melhorias nas rodovias terem sido determinadas pelos editais e as
concessionárias estarem comprometidas contratualmente com sua realização faz com que os
investimentos sigam determinado cronograma, independentemente da situação da receita.
Logo, o descompasso entre a receita de pedágio e as necessidades de investimento no intangível
(ou seja, a malha rodoviária concedida) pode ter efeitos negativos sobre as margens de lucro.
No entanto, a existência dos TAM indica que as concessionárias podem obter um alargamento
do prazo para realizar os investimentos, caso cheguem a um acordo com o Poder Concedente.
Assim, embora a impossibilidade de dimensionar os investimentos de acordo com a previsão
das receitas possa ter um efeito negativo sobre o lucro, as empresas contam com meios para
atenuar o problema e até mesmo obter formas de compensação.
Em relação aos contrastes entre as concessionárias, os mais perceptíveis ocorreram nas
medidas de tráfego, receitas (pedágio e operacional líquida) e endividamento e, em menor grau,
nos indicadores de rentabilidade (ROA e ROE). Em parte, isso se deve ao tipo de indicador
59 As medidas compensatórias visam a restabelecer o chamado “equilíbrio econômico-financeiro” dos contratos,
ou seja, é um recurso de proteção das empresas em relação ao Poder Concedente (o Estado de São Paulo, no caso).
Vemos essa justificativa nas notas explicativas dos relatórios financeiros anuais, como no da Autoban (2013, 2014,
2015, 2016).
107
utilizado: no caso das receitas, do tráfego e da dívida total, utilizaram-se valores absolutos,
enquanto os indicadores de lucratividade (margens) são indicadores relativos. No que diz
respeito ao endividamento, percebeu-se que empresas maiores, como a Autoban, apresentaram
dívidas absolutas e relativas maiores do que concessionárias como a TEBE. Isso se explica pela
diferença no volume de investimentos a serem financiados, mas também ao tipo de dívida
contraída. Em geral, entre 2010 e 2016 a maioria das empresas passou a emitir debêntures60 e
reduzir a participação de empréstimos e financiamentos. A TEBE foi a única que não recorreu
a esse instrumento e manteve um baixo endividamento, o que pode indicar uma dificuldade de
acesso ao crédito ou menor volume de investimentos necessários, o que levaria a uma menor
necessidade de financiamento.
As diferenças também podem ser atribuídas às características próprias de cada lote
concedido. No caso da TEBE, a malha rodoviária se encontra em uma região com intensa
atividade agrícola (cítricos e cana-de-açúcar), mas que se situa ao norte do estado, distante da
capital e das maiores aglomerações urbanas. A Autoban, em contraste, administra duas grandes
rodovias que ligam a Grande São Paulo à região de Campinas e Jundiaí, marcada por expressiva
concentração industrial. A Ecovias também é um caso interessante, porque além de contar com
o fluxo de veículos de passeio para o litoral, é rota para o Porto de Santos, ou seja, há
significativa presença de caminhões.
Por último, a comparação do conjunto de doze concessionárias paulistas com outros
setores da indústria, comércio e serviços (conforme a classificação do Instituto Assaf) indicou
uma grande vantagem para essas empresas em termos de margem bruta, margem líquida e
retorno sobre patrimônio líquido. Ademais, foi possível ver que os efeitos da crise foram menos
pronunciados em comparação com aqueles setores; por exemplo, apesar de duas empresas
apresentarem prejuízo em algum ano, a mediana61 do conjunto não foi negativa. Por último,
nem mesmo o setor de Concessionárias de Transporte obteve um resultado tão favorável, ainda
que também se destacasse entre os demais.
Mesmo que as concessionárias paulistas tenham sido afetadas pela redução na atividade
econômica do país, seus efeitos foram atenuados por características peculiares ao setor e ao
conjunto em si. Outro ponto importante é que a transição do IGP-M para o IPCA como índice
de referência para o reajuste foi alvo de disputas entre concessionárias e o governo estadual,
60 Debênture é um título de dívida privado emitido por uma empresa não-financeira. 61 No caso de indicadores relativos (como as margens de lucro), optou-se por utilizar a mediana como medida de
posição central, ao invés da média. Isso evitaria distorções provocadas por valores extremos, o que é o caso do
grupo de concessionárias analisado.
108
sendo que em junho de 2015 estabeleceu-se que “a partir de 1º de julho de 2015, para fins de
reajuste da base tarifária quilométrica anual, será utilizado o índice de menor variação
percentual apurado entre o IGP-M e o IPCA”62, informação que consta dos relatórios da
Colinas, Triângulo do Sol e TEBE. Logo, essas empresas buscam as condições mais vantajosas
possíveis, alegando ter sido prejudicadas pelas ações do Poder Concedente. Ao mesmo tempo,
este compromete-se em garantir a remuneração dos investidores privados, embora por vezes
entre em disputa com eles sobre as condições em que isso ocorrerá.
Em síntese, a condição vantajosa frente a outros setores e a presença de regras para
garantir um retorno mínimo para o investimento são indicativos de que se trata de um negócio
bastante interessante para o setor privado. Apesar disso, como qualquer outro setor, as
concessionárias de rodovias não estão imunes aos efeitos de uma crise mais grave; a diferença
é que é pouco provável que elas venham a desaparecer, em razão das regras que foram criadas
para dar segurança aos interessados no negócio. No máximo, podem ocorrer mudanças
acionárias e a aquisição de uma concessionária por um grupo maior. Veremos adiante como
essas empresas deram origem a grandes conglomerados que estão se lançando em direção a
outros segmentos da infraestrutura.
3.4.3 Centralização e diversificação: a atuação de conglomerados e grupos no
segmento de concessionárias de rodovias
A presença de empresas controladoras de concessionárias é mais um aspecto marcante
observado durante a pesquisa. No caso da primeira etapa do programa paulista de concessões
rodoviárias, identificamos a participação de quatro grupos: CCR, Arteris, AB Concessões e
EcoRodovias. A CCR é controladora da Autoban, ViaOeste e SPVias, além de ter participação
na Renovias. Por sua vez, a Arteris (antiga OHL Brasil) controla a Autovias, Centrovias,
Intervias e ViaNorte, e a EcoRodovias é controladora da Ecovias. Os conglomerados e grupos63
podem controlar as concessionárias individuais em parte ou na totalidade, sendo possível que
mais de um conglomerado ou grupo seja acionista de uma concessionária, como é o caso da
Renovias, controlada pela CCR e pelo grupo Encalso.
A partir da disponibilidade de dados e da participação relativa no conjunto estudado,
optamos por comparar apenas a CCR e a Arteris, os dois maiores conglomerados. Apesar de
62 Ver Notas Explicativas às Demonstrações Financeiras Anuais da Rodovias das Colinas S.A. 63 De acordo com Oliveira (2016), a diferença entre grupos e conglomerados é que aqueles não são empresas de
capital aberto. Os casos mencionados no autor seriam a própria AB Concessões (que abriu seu capital em 2016)
e a Odebrecht TransPort.
109
estar presente em 2 das 12 concessionárias da primeira fase, a AB Concessões disponibilizou
somente os relatórios dos últimos três anos e seus demonstrativos não se encontram na base de
dados do software Economatica ®. A EcoRodovias é controladora da Ecovias, a qual
administra o sistema Anchieta-Imigrantes.
Antes de comparar os indicadores da CCR e da Arteris, é importante caracterizar
resumidamente sua atuação no ramo de concessões. Por meio da leitura de seus relatórios
anuais, destacam-se duas grandes orientações estratégicas: o aproveitamento das economias de
escala e de escopo nas atividades de manutenção e construção de rodovias; e a diversificação
de atividades, dentro da área de infraestrutura de transporte. Esta última característica é mais
relevante no caso da CCR, a qual está presente nos segmentos de aeroportos e mobilidade
urbana, além das rodovias. As duas controladoras também eram acionistas da Sistema de
Tecnologia de Pagamentos S.A. (STP), que fornecia serviços de pagamento eletrônico de
pedágios e estacionamentos, mas ambas venderam suas participações em agosto de 201664.
A CCR (Companhia de Concessões Rodoviárias S.A.) foi criada em 1998 com o
objetivo de concentrar os esforços em uma empresa única. Embora a concessão de rodovias
tenha sido a atividade original, atualmente ela busca oportunidades de investimento em
negócios correlatos na área de infraestrutura de transportes65. Em 2000, foi registrada como
empresa de capital aberto e ingressou na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e em 2002
foi a primeira empresa a ingressar no Novo Mercado da BM&F Bovespa.
Atualmente, a distribuição das ações da CCR é a seguinte (FIG.3):
Figura 3- Composição acionária atual da CCR
Fonte: CCR (2017)66
64 A STP foi comprada pela DBTrans Administração de Meios de Pagamento, que é garantida pela Fleetcor. Ver
mais em: < https://exame.abril.com.br/negocios/ccr-conclui-venda-da-stp-dona-do-sem-parar-para-a-dbtrans/> 65 Extraído do Relatório da Administração de 2010. 66 Disponível em:< http://ri.ccr.com.br/grupoccr/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=47149 >
Acesso em: novembro, 2017.
110
Como já foi apontado, a CCR tem a diversificação como uma das suas principais
estratégias. Em 2003, o grupo adquiriu participação na STP, empresa que realiza a cobrança
eletrônica de tarifas de pedágio e estacionamento. Em 2006, a CCR entrou no ramo de
mobilidade urbana por meio da ViaQuatro, consórcio que venceu a licitação da Linha 4 do
metrô de São Paulo. Já em 2009 ela adquiriu a Controlar, responsável pela inspeção veicular na
cidade de São Paulo. Entre 2011 e 2012, passou a atuar nos ramos aeroportuário (aeroportos de
Curaçao, Quito e San José) e hidroviário (barcas entre Niterói e o Rio de Janeiro). Em 2013,
venceu as concorrências para a concessão do aeroporto de Belo Horizonte, da BR-163, no Mato
Grosso do Sul, e do Metrô de Salvador. Portanto, hoje a CCR atua em três áreas do transporte:
rodovias, mobilidade urbana (metrô, VLT do Rio e barcas) e aeroportos67.
Na TAB. 12, podemos ver as principais empresas do Grupo CCR:
Tabela 12 - Atividades da CCR
Atividades Empresas
Concessões Rodoviárias CCR AutoBAn
CCR NovaDutra
ViaRio
CCR ViaLagos
CCR ViaOeste
CCR SPVias
CCR MSVias
CCR RodoNorte - 85,92% do capital social
Renovias - 40 % do capital social;
CCR RodoAnel (Oeste) - 95%
Mobilidade Urbana Metrô: ViaQuatro e CCR Metrô Bahia
Transporte Hidroviário: CCR Barcas
Outros: VLT Carioca
Aeroportos BH Airport (Belo Horizonte)
Curaçao Partners (Curaçao, Antilhas)
Aeris (San José, Costa Rica)
Quiport (Quito, Equador)
TAS (São Francisco, Los Angeles,
Chicago, Huntsville, Atlanta, Ohio, Newark,
Bradley)
Empresas prestadoras de serviço para o
grupo
Parques Serviços Ltda;
Actua Serviços Compartilhados SC Ltda;
Actua Assessoria S/C Ltda;
Engelog Centro de Engenharia S/C Ltda
Inspeção veicular Controlar S.A - 45% do capital social
Fonte: elaboração própria, a partir do Relatório Anual de 2016.
67 De acordo com o Relatório Anual de 2016.
111
Em comparação com a CCR, o Grupo Arteris apresenta-se menos diversificado,
voltando sua atenção para atividades relacionadas às concessões rodoviárias. De acordo com o
Relatório Anual de 2010, a estratégia de crescimento do grupo tem como objetivo participar de
novas concessões e de PPP (Parcerias Público-Privadas) na infraestrutura de transportes, bem
como a aquisição de concessionárias já existentes. Atualmente, o Grupo controla 9
concessionárias de rodovias (5 federais e 4 estaduais em São Paulo) – todas empresas de capital
aberto controladas totalmente pelo Grupo – e a empresa Latina Manutenção de Rodovias Ltda
(Latina Manutenção), a qual opera as atividades de fiscalização, gerenciamento de obras,
sinalização e manutenção das rodovias administradas pelo conglomerado. Em 2016, foi vendida
a participação da Arteris na STP, empresa de cobrança eletrônica de pedágio. Na TAB. 13,
podemos ver quais são as concessionárias controladas pela Arteris.
Tabela 13 - Atividades do grupo Arteris
Atividades Empresa
Concessões rodoviárias - federais Autopista Fernão Dias
Autopista Fluminense
Autopista Litoral Sul
Autopista Planalto Sul
Autopista Régis Bittencourt
Concessões rodoviárias – estaduais (SP) Autovias
Centrovias
Intervias
Vianorte
Manutenção e Sinalização Latina Manutenção
Fonte: elaboração própria, a partir do Relatório Anual de 2016.
A Arteris passou por várias mudanças de controle acionário e até mesmo de
denominação. Fundada em 1997 como OHL Brasil, ela era controlada pela sociedade espanhola
Construcciones Laín, S.A, posteriormente fusionada à sociedade espanhola Obrascón Huarte,
S.A., criando, em fevereiro de 1999, a Obrascón Huarte Laín S.A. A empresa formada disputou
algumas concessões na primeira fase do Programa de Concessões Rodoviárias do Estado de
São Paulo, através de participação de 30% na Latina. Em 2012, a OHL Brasil foi incorporada
pelas empresas Abertis e Brookfield68 e passou a se chamar Arteris. Em 2014, houve nova
68 A Abertis é uma empresa espanhola que atua nos segmentos de concessões rodoviárias, infraestrutura de
telecomunicações e aeroportos, ao passo que a Brookfield é controlada indiretamente pela Brookfield Asset
Management Inc., uma empresa que atua no Brasil desde 1899, principalmente nos segmentos imobiliário, energia
renovável, infraestrutura e private equity. O fato de um fundo de investimento ser um dos principais acionistas
numa empresa que controla concessões rodoviárias exemplifica o que descrevemos no Capítulo 2: a busca de
liquidez e rentabilidade por grandes volumes de capital, em contraste com o lento retorno e a necessidade de
grandes investimentos em obras de infraestrutura.
112
reorganização na estrutura societária e as ações da Brookfield passaram para a Aylesbury
Motorways Brazil Holdings SRL.
Atualmente, a Arteris é controlada pela Partícipes em Brasil SL, a qual tem como
controladoras a Abertis e a Aylesbury Motorways Brazil Holdings SRL. Em 2015, a Participes
fez uma proposta de Oferta Pública de Aquisição de Ações da Arteris S.A. para cancelar o
registro de companhia aberta como emissora de categoria “A” e sair do Novo Mercado.69 Em
outras palavras, as ações da Arteris deixaram de ser negociadas na Bovespa, ainda que continue
a ser considerada uma sociedade anônima.
Utilizando uma metodologia análoga àquela que empregamos no item anterior,
compararam-se os indicadores dessas duas empresas. De maneira geral, o desempenho da CCR
foi superior ao da Arteris em termos de tráfego, receitas e rentabilidade, porém a companhia
também apresentou endividamento proporcionalmente maior, medido pela razão entre dívida
bruta e ativo e pela razão entre dívida bruta e patrimônio líquido.70 Além disso, a CCR
apresentou uma recuperação mais pronunciada nas margens operacional e líquida, ROA e ROE,
depois de uma queda registrada desde 2013, em ambos conglomerados.
Apesar de as trajetórias das duas empresas serem bastante parecidas, a diferença de
patamar pode ser justificada tanto pela qualidade das concessões controladas quanto pela
ampliação das áreas de atuação da CCR. Outro ponto a ser destacado é que a Arteris é parte de
um conglomerado maior, com presença internacional, ao passo que a CCR em si é a
controladora do grupo. Além disso, a Arteris detém o controle de concessionárias federais mais
recentes, cuja TIR estabelecida foi mais baixa e, consequentemente, as tarifas de pedágio foram
comparativamente menores do que aquelas das concessões mais antigas. Por sua vez, a CCR
vem seguindo uma estratégia de diversificação em direção a outros segmentos da infraestrutura.
Isso dilui os riscos ligados a cada negócio, permitindo que a companhia compense perdas em
determinado setor com ganhos em outros.
Portanto, é possível concluir que as concessões não apenas constituem uma atividade
privilegiada, mas também serviram de ponto de partida para a constituição de grandes empresas
que se beneficiam dos ganhos de escala e de escopo advindos do controle de várias
concessionárias. No caso da CCR, a experiência e os recursos acumulados serviram para que
ela se expandisse para outros modais de transporte, como o metroviário e o aeroportuário.
69 Extraído do Relatório Anual da Arteris de 2016. 70 Para maiores detalhes, pode-se consultar o Apêndice B, onde se encontra uma análise mais aprofundada desses
indicadores.
113
3.5 Conclusões
Neste capítulo abordamos as concessões rodoviárias no Brasil, com ênfase na primeira
etapa do programa paulista de concessões, iniciada em 1997. A partir da análise desse caso,
procuramos verificar se a atividade em questão é relativamente vantajosa frente a outros setores
e de que maneira o retorno dos investidores privados é assegurado pelo próprio Estado. Além
disso, constatou-se a presença de grupos e conglomerados de concessionárias, os quais se
baseiam na concentração das atividades de manutenção e conservação e na diversificação de
ramos de atuação.
A experiência brasileira nessa atividade é relativamente recente, já que as primeiras
concessões de rodovias ocorreram apenas a partir de 1995, quando foi lançada a primeira etapa
do programa federal. Alguns estados criaram seus próprios programas de concessões
rodoviárias, entre os quais se destacou o de São Paulo. Não se tratava apenas de um estado
importante em termos econômicos e populacionais, mas também se caracterizava por forte
tradição na construção e duplicação de rodovias, bem como detinha experiência na cobrança de
pedágio por parte do poder público.
O caso paulista também ilustra o principal problema das concessões: o interesse privado
se restringe às rodovias e regiões com maior potencial de retorno, que normalmente já estavam
em uma situação relativamente boa, ainda que não ideal. As concessões lançadas nos anos 1990
englobaram os principais sistemas rodoviários do estado de São Paulo, como o Anhanguera-
Bandeirantes e o Anchieta-Imigrantes, enquanto nas etapas seguintes os lotes foram
comparativamente menos atraentes. Logo, as necessidades de investimento em infraestrutura
rodoviária dificilmente seriam atendidas exclusivamente pelo setor privado, dadas as exigências
de retorno rápido e elevada liquidez que caracterizam a fase de mundialização.
A análise dos indicadores econômico-financeiro das doze concessionárias da primeira
fase permitiu ver as diferenças dentro desse grupo e comparar a rentabilidade do conjunto com
a de outros setores. De fato, constatou-se a posição relativamente vantajosa dessas
concessionárias, o que decorre em grande parte das salvaguardas estabelecidas pelos modelos
vigentes no Brasil. Por exemplo, a adoção de índices de reajuste superiores à inflação oficial e
a possibilidade de alterar o prazo de concessão e as tarifas como forma de compensar possíveis
interferências do Estado. Sendo assim, existem maneiras de proteger seus ganhos, embora o
conjunto nem sempre consiga passar incólume aos efeitos da desaceleração econômica.
Por último, comparamos os indicadores de dois conglomerados com grande presença na
primeira fase de concessões em São Paulo: CCR e Arteris. Pudemos verificar que a primeira
114
não apenas concentrou a operação de várias concessionárias, mas também está caminhando
para a diversificação de suas atividades, diluindo os riscos característicos das concessões de
rodovias. Já a segunda é menos diversificada, mas se destaca por ser um exemplo da
participação do capital internacional na área de infraestrutura, sendo suas controladoras uma
empresa espanhola com experiência no ramo de concessões e um fundo de investimento
internacional. Desse modo, além das vantagens associadas às garantias dos contratos, os
grandes conglomerados se beneficiam da centralização de operação, da diversificação dentro
da área de infraestrutura e do acesso ao investimento estrangeiro.
115
Considerações finais
A mensagem que esta pesquisa procurou transmitir é a de que o presente arranjo no
transporte rodoviário não é uma consequência inevitável de seu crescimento, já que foi
condicionado por fatores que não se restringem ao âmbito setorial. Logo, a finalidade desta
dissertação foi apresentar as concessões rodoviárias como um grande negócio privado. Ao
colocar esse aspecto em destaque, buscamos demonstrar que elas não constituem uma solução
neutra ou indiferente para resolver os históricos “gargalos” nos transportes: sua função mais
importante foi promover um novo suporte para a acumulação privada, por meio do controle
direto das rodovias e da privatização de seus ganhos.
O período de maior expansão da malha rodoviária ocorreu durante o avanço do processo
de industrialização, principalmente após o lançamento do Plano de Metas (1956-1960). O
investimento público em infraestrutura rodoviária foi fundamental para a instalação da indústria
automobilística no país, o que beneficiou não apenas as montadoras internacionais, mas também
seus sócios locais, como o setor de autopeças. O estímulo recíproco entre crescimento da frota
de veículos e das rodovias foi estabelecido pela criação do FRN, cujos recursos vinham do
imposto sobre combustíveis e lubrificantes. Assim, o auge do “rodoviarismo” se caracterizou
pela administração estatal das rodovias como suporte indireto para o setor privado.
O caso dos transportes também ilustra o papel do Estado no processo de industrialização
e a crescente presença do capital internacional. A intensa entrada de investimentos externos a
partir da Segunda Guerra Mundial viabilizou a incorporação de novas tecnologias e produtos,
como os veículos automotivos, ao mesmo tempo em que aprofundava a dependência externa e
agravava a vulnerabilidade das contas externas do país. Ademais, a predominância do capital
internacional nos setores mais dinâmicos da indústria dificultou ou mesmo impossibilitou o
surgimento de uma classe industrial nativa que estivesse à altura dos concorrentes externos. Ao
invés disso, a burguesia nativa se aliou às burguesias mais robustas dos países centrais.
O Estado atuou como mediador dessa associação, calibrando o ritmo das mudanças
decorrentes da passagem à fase monopolista. Com isso, visava-se conferir alguma estabilidade
para o capitalismo dependente e garantir a sobrevivência da burguesia brasileira. Embora o
Estado continuasse a desempenhar um papel central na proteção à acumulação privada, a
maneira como essa articulação se expressa mudou ao longo do tempo, como o setor de
transportes ilustrou. Ao invés da ênfase em investimentos públicos para dar um apoio indireto
para outros setores econômicos, houve a transmutação da infraestrutura em mercadoria, com
grande vantagem para as empresas que obtivessem o privilégio de seu controle.
116
A crise que atingiu o setor de transportes a partir dos anos 1980 foi atribuída a problemas
de financiamento e à alegada incapacidade do Estado de administrar a infraestrutura. No
entanto, ela foi parte de um contexto mais amplo de transformações que afetaram a maneira
como o capital internacional se relaciona com as economias nacionais, enfraquecendo os
vínculos que existiam entre eles. A submissão aos desígnios da mundialização foi reforçada por
programas de ajuste patrocinados pelo FMI, os quais impuseram severas limitações aos gastos
públicos. Ao mesmo tempo, a busca do capital financeiro por oportunidades lucrativas e
líquidas de negócios aumentou a pressão para transformar o patrimônio estatal em ativos
cobiçados. Desse modo, podemos concluir que a crise da dívida comprometeu a conservação e
ampliação das rodovias e, ao mesmo tempo, abriu caminho para sua conversão em mercadoria.
Essa nova frente de acumulação teve suas principais características delineadas por meio
da análise do conjunto das rodovias mais lucrativas para o setor privado, localizadas no estado
de São Paulo. Assim, desejava-se mostrar que não eram as necessidades de investimento que
motivavam a concessão de algumas rodovias, mas seu potencial de gerar retorno financeiro. A
leitura dos editais, contratos de concessão e relatórios anuais das concessionárias possibilitou a
identificação do cerne do negócio: o retorno do investimento é assegurado contratualmente e
as empresas contam com mecanismos para se proteger de condições desfavoráveis, o que
confere mais estabilidade aos seus ganhos. Os indicadores econômico-financeiros, por sua vez,
mostraram as manifestações concretas das garantias e as diferenças de desempenho entre as
concessionárias estudadas, bem como a posição vantajosa do conjunto frente a outros setores.
Por último, verificamos que o negócio das concessões está assumindo novas dimensões, por
meio da criação de grandes conglomerados marcados pela centralização de atividades e
diversificação de ramos em que atua.
Apesar dos riscos apontados pelas concessionárias, trata-se de uma atividade
relativamente estável e segura, graças às garantias estabelecidas contratualmente e asseguradas
pelo Estado. Se levarmos em consideração a instabilidade a que estão sujeitos outros setores da
economia, fica ainda mais visível o caráter de “grande negócio” das concessões rodoviárias.
Esse zelo estatal com o “negócio” revela a essência do capitalismo no Brasil, dentro de uma
perspectiva de longa duração. Portanto, as concessões rodoviárias ilustram como a coletividade
passou a se sujeitar aos desígnios da acumulação privada, sob a aparência de preocupação com
a qualidade da infraestrutura.
117
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Outros documentos
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EDITAIS de concessão – primeira fase do Programa de Concessões Rodoviárias do Estado de
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concessao.html>
RELATÓRIOS ANUAIS da Arteris (2010; 2016). Disponível em: < http://ri.arteris.com.br/ptb/s-
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RELATÓRIOS ANUAIS da Autoban (2010; 2016). Disponível em: <
http://www.autoban.com.br/ri>
123
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http://ri.arteris.com.br/ptb/s-15-ptb.html>
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br/divulgacao-e-resultados/central-de-resultados/>
RELATÓRIOS ANUAIS da Centrovias (2010; 2016). Disponível em:
<http://ri.arteris.com.br/ptb/s-21-ptb.html >
RELATÓRIOS ANUAIS da Colinas (2010; 2016). Disponível em:<
http://ri.rodoviasdascolinas.com.br/rodoviasdascolinas/web/default_pt.asp?idioma=0&conta=28>
RELATÓRIOS ANUAIS da Ecovias (2010; 2016). Disponível em: <
http://ri.ecorodovias.com.br/ecorodovias/web/default_pt.asp?idioma=0&conta=28>
RELATÓRIOS ANUAIS da Intervias (2010; 2016). Disponível em: <
http://ri.arteris.com.br/ptb/s-24-ptb.html>
RELATÓRIOS ANUAIS da Renovias (2010; 2016). Disponível em: <
http://www.renovias.com.br/renovias/Portugues/download/index.php?acao=listar&cat=1>
RELATÓRIOS ANUAIS da SPVias (2010; 2016). Disponível em: <
http://www.spvias.com.br/ri>
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http://ri.arteris.com.br/ptb/s-18-ptb.html>
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http://www.viaoeste.com.br/ri>
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<http://www.tebe.com.br/demonstrativo-financeiro/>
RELATÓRIOS ANUAIS da Triângulo do Sol (2010; 2016). Disponível em:<
http://ri.triangulodosol.com.br/triangulodosol/web/default_pt.asp?idioma=0&conta=28 >
RELATÓRIO ANUAL de Concessões de Rodovias Federais. ANTT (2002). Disponível em:
<www.antt.gov.br >
TERMOS Aditivos e Modificativos – primeira fase do Programa de Concessões Rodoviárias
do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.artesp.sp.gov.br/transparencia-editais-e-
contratos-de-concessao.html
125
Apêndice A: indicadores das concessionárias da primeira fase do Programa
de Concessões Rodoviárias do Estado de São Paulo
Neste Apêndice, analisaremos alguns indicadores econômico-financeiros das
concessionárias da primeira etapa do programa paulista, a fim de identificar um padrão para o
conjunto e apontar as diferenças entre as empresas. No caso das margens bruta e líquida e do
ROE, também foi possível comparar o desempenho dessas concessionárias selecionadas com o
de outros setores da indústria, comércio e serviços.
Tráfego e receitas
Uma das variáveis-chave para analisar a atividade das concessionárias de rodovias é o
volume de tráfego, medido em milhares de veículos equivalentes71, visto que a principal fonte
de receita dessas empresas são os pedágios cobrados na passagem desses veículos. Neste
trabalho, partimos do pressuposto que as rodovias do estado de São Paulo concedidas nos anos
1990 mostravam-se vantajosas ao setor privado em razão de seu elevado fluxo de veículos,
dado que cortam áreas de elevada concentração populacional e de atividades econômicas.
No GRAF. 1, podemos ver que o tráfego registrado pela Autoban e da ViaOeste destoa
dos demais, ultrapassando os 100 milhões de veículos equivalentes a cada ano. A média para o
conjunto é mais modesta, encontrando-se na faixa entre 50 e 100 milhões de veículos
equivalentes por ano. A maior parte das empresas analisadas apresentou tráfego igual ou menor
do que 50 milhões de veículos equivalentes por ano. Essas diferenças podem ser explicadas
pelas características das regiões que cada lote engloba; no caso da Autoban, trata-se da via que
conecta a capital paulista com a região de Campinas e Jundiaí, onde há uma expressiva
concentração industrial e populacional. Ainda que se destaquem pela sua produção
agropecuária, as regiões em que se situam os demais lotes não são tão densamente povoadas
quanto aquela próxima à capital.
71 “Veículos equivalentes” é a unidade de medida utilizada pelas concessionárias para contabilizar o tráfego de
veículos, somando veículos de passeio e veículos comerciais (caminhões). Cada eixo dos veículos pesados
equivale a uma unidade de veículo leve.
126
GRÁFICO 1- Tráfego total por empresa em milhares de veículos equivalentes72
Fonte: Elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias
Para observar mais detalhadamente a evolução do tráfego no período 2010-2016,
podemos acompanhar o tráfego médio do conjunto por meio do GRAF. 2. É possível notar um
crescimento praticamente contínuo até 2014, com queda após esse ano. De acordo com os
relatórios da Administração de algumas concessionárias, esse resultado é justificado pela crise
econômica, dado que a queda no nível de atividade econômica nos anos recentes reduziu a
circulação de mercadorias e, consequentemente, o tráfego de veículos pesados.
GRÁFICO 2- Evolução do tráfego médio das concessionárias da primeira Etapa (2010-2016)73 –
em milhares de veículos equivalentes
Fonte: Elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias
72 Trata-se das concessionárias da primeira fase do programa paulista de concessões, excluídas as empresas
Renovias e TEBE, as quais não divulgaram dados relativos ao tráfego em suas rodovias.
-
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Autoban ViaOeste Intervias
Ecovias SPVias Autovias
ViaNorte Centrovias Triângulo do Sol
Colinas Média por empresa
-
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
100.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
127
A receita operacional líquida por empresa, apresentada no GRAF. 3, apresenta uma
configuração semelhante àquela do tráfego, com liderança da Autoban e da ViaOeste. Embora
não apresente um volume de tráfego tão grande como o dessas duas concessionárias, a Ecovias
também apresentou receita líquida superior à média em todos os anos do período. Ao
detalharmos a evolução da média, no GRAF. 4, é possível ver que ela se assemelha ao que foi
observado para o tráfego. A redução observada no tráfego e na receita líquida a partir de 2014
pode ser relacionada ao aprofundamento da crise econômica, por meio de seu impacto no
transporte de mercadorias. Contudo, o efeito da redução do tráfego sobre as receitas pôde ser
parcialmente compensado pelo reajuste anual da tarifa.
GRÁFICO 3- Receita operacional líquida – em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA.
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
GRÁFICO 4 - Evolução da receita operacional líquida (média) - – em R$ mil de 31/12/2016,
deflacionados pelo IPCA.
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
No GRAF. 5, confirma-se que a cobrança de pedágio constitui a principal fonte de
receita das concessionárias, acompanhada pelas receitas de construção e as receitas acessórias.
0
500000
1000000
1500000
2000000
2500000
3000000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Autoban ViaOeste Ecovias SPVias
Colinas Triângulo do Sol Intervias Renovias
Centrovias Autovias ViaNorte TEBE
Média
400.000
450.000
500.000
550.000
600.000
650.000
700.000
750.000
800.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
128
As variações observadas nessa composição dependem principalmente da flutuação da receita
de construção, a qual é um valor definido de acordo com as previsões de investimentos
estabelecidos contratualmente. Logo, dependem do cronograma de cada lote concedido. Por
sua vez, as receitas acessórias apresentam participação irrisória e correspondem a ganhos extras
que as concessionárias podem obter com a exploração da faixa de domínio.
GRÁFICO 5 - Composição das receitas brutas, total acumulado (2010-2016) - em %
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias
Em razão de sua importância, as receitas de pedágio merecem um olhar mais
aprofundado. No GRAF. 6, podemos observar que as mesmas empresas que se destacaram pela
receita líquida e pelo tráfego são também as que apresentaram receitas de pedágio acima da
média. Um ponto que deve ser salientado é que o valor das tarifas presentes foi influenciado
pelos valores definidos à época da assinatura dos respectivos contratos e, como o índice de
reajuste aplicado é o mesmo para o conjunto, as diferenças de valores estão relacionadas a
tarifas iniciais maiores cobradas em alguns lotes.
-
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
90,00
100,00
%Pedágio %Construção %Acessórias
129
GRÁFICO 6 - Receita de pedágio por empresa - em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo
IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias
A evolução da média das receitas de pedágio foi semelhante ao que se observou para o
tráfego e a receita líquida, porém sua queda começou mais cedo, já em 2014, como mostra o
GRAF. 7. Um dos fatores que contribuíram para esse resultado foi a indefinição quanto ao
índice de reajuste a ser aplicado. No final de 2012, foi aprovada a mudança do IGP-M para o
IPCA, porém sua aplicação não foi imediata. Além disso, em 2013 o Governo Estadual decidiu
pelo não repasse do reajuste anual aos usuários em julho, tendo em vista a repercussão dos
protestos contra o aumento das tarifas de transporte coletivo na capital paulista, em junho
daquele ano. Por essa razão, estabeleceram-se medidas compensatórias, como a cobrança dos
eixos suspensos dos caminhões. Apesar disso, nos anos seguintes as concessionárias e o
governo apresentaram diversas discordâncias no que diz respeito às medidas compensatórias e
à mudança do índice de reajuste74.
74 As medidas compensatórias visam a restabelecer o chamado “equilíbrio econômico-financeiro” dos contratos,
ou seja, é um recurso de proteção das empresas em relação ao Poder Concedente (o Estado de São Paulo, no caso).
Vemos essa justificativa nas notas explicativas dos relatórios financeiros anuais, como no da Autoban (2013, 2014,
2015, 2016).
-
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Autoban ViaOeste Ecovias SPVias
Colinas Triângulo do Sol Intervias Renovias
Autovias Centrovias ViaNorte TEBE
Média por empresa
130
GRÁFICO 7 - Evolução da receita de pedágio (média) - em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados
pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias
Lucratividade
Em linhas gerais, os indicadores de lucratividade relacionam o lucro (bruto, operacional
ou líquido) com a receita líquida, mostrando o quanto cada empresa conseguiu extrair de suas
atividades, depois de descontados os custos e as despesas. Para esta pesquisa, procuramos não
apenas ver as diferenças dentro do conjunto, mas também fazer uma comparação com outros
setores da indústria, comércio e serviços a fim de verificar nossas hipóteses.
O chamado LAJIDA ou EBITDA – lucro antes de juros, impostos, depreciação e
amortizações – é uma medida absoluta bastante utilizada para medir o lucro resultante da
atividade principal. Embora não seja um indicador contábil oficial, aparece com frequência nos
relatórios anuais de sociedades anônimas como parâmetro de lucro operacional. No caso das
concessionárias de rodovias, ainda existe o chamado EBITDA Ajustado, que leva em conta a
provisão de manutenção. No GRAF. 8 podemos ver que a Autoban, a Ecovias e a ViaOeste
também são líderes nesse quesito, sendo que a primeira se distancia bastante do conjunto.
400000
450000
500000
550000
600000
650000
700000
750000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
131
GRÁFICO 8- EBITDA- em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
A margem bruta, por sua vez, é a razão entre o lucro bruto sobre a receita operacional
líquida. A partir do GRAF. 9, é possível ver que a mediana desse indicador para as
concessionárias estudadas se situou entre 50 e 60% no período entre 2015 e 2016. Embora
tenha se destacado em vários anos, a posição da Autoban não destoa tanto das outras empresas
quanto à margem bruta.
GRÁFICO 9-Margem bruta (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do Economatica ®
Se compararmos o patamar atingido pela mediana das margens brutas das 12
concessionárias estudadas com a margem bruta observada em outros setores, presente na TAB.
14, podemos notar que ele é bastante elevado, sendo alcançado apenas pelo setor de mineração
em 2010 e 2011. Mesmo o setor de concessionária de transporte, que engloba outras
modalidades de transportes, não o alcança, apresentando margens um pouco acima daquela
observada para todos os setores.
0
500000
1000000
1500000
2000000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Autoban Ecovias ViaOeste Triângulo do Sol
Colinas Renovias Intervias SPVias
Centrovias Autovias ViaNorte TEBE
Média por empresa
-
20,00
40,00
60,00
80,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Ecovias Intervias Triângulo do Sol ViaOeste
Renovias Autovias Colinas Autoban
Centrovias SPVias ViaNorte TEBE
Mediana
132
Tabela 14-Margem bruta para diversos setores (%)
Setor 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Aço 25,90% 21,60% 14,20% 15,10% 14,00% 10,90% 8,90%
Água e esgoto 44,20% 42,80% 43,10% 42,80% 37,10% 34,30% 40,70%
Alimentos e Bebidas 28,00% 26,90% 26,40% 26,60% 27,00% 24,90% 22,30%
Auto peças 22,80% 21,80% 16,40% 18,70% 18,70% 17,90% 16,80%
Calçados 39,40% 36,30% 39,20% 38,80% 39,90% 42,70% 44,10%
Cimentos e
agregados
32,30% 37,10% 38,60% 38,80% 39,20% 39,40% 36,10%
Comércio em geral 31,80% 32,70% 46,50% 46,90% 46,00% 45,80% 49,10%
Concessionária de
transporte
42,20% 46,20% 35,70% 42,90% 38,00% 35,30% 33,40%
Construção civil 30,30% 30,70% 20,70% 25,10% 24,60% 22,80% 15,80%
Cultivos da natureza 22,00% 33,40% 11,70% 24,40% 25,50% 28,20% 32,30%
Distribuição de gás
natural
32,60% 27,60% 26,90% 27,30% 27,60% 28,20% 38,00%
Eletrodomésticos 24,80% 24,30% 22,10% 22,80% 21,60% 16,90% 17,20%
Eletrônicos 24,70% 21,50% 21,10% 20,70% 24,40% 18,20% 28,80%
Energia Elétrica 38,60% 39,20% 39,30% 35,80% 26,80% 23,70% 37,40%
Extração e
Distribuição de
Petróleo
36,00% 31,20% 25,20% 23,40% 23,70% 30,40% 31,60%
Ferrovia 36,00% 34,90% 28,30% 27,00% 14,00% 11,40% 8,40%
Hotelaria 35,80% 34,70% 38,70% 38,60% 63,80% 66,00% 66,10%
Indústrias de
Materiais Diversos
32,30% 31,30% 29,70% 31,10% 27,40% 27,10% 28,90%
Lazer, Cultura e
Entretenimento
39,80% 41,20% 39,30% 41,10% 53,70% 53,60% 50,70%
Máquinas 28,00% 27,40% 27,50% 30,00% 29,20% 26,40% 26,10%
Metais 17,90% 15,60% 29,60% 29,20% 27,50% 17,70% 16,90%
Mineração 59,40% 60,80% 44,50% 48,40% 33,10% 19,70% 35,40%
Papel e Celulose 30,30% 22,70% 26,70% 27,60% 29,20% 39,90% 32,30%
Perfumaria e
Cosméticos
37,40% 39,10% 41,20% 42,70% 41,90% 43,60% 45,30%
Química básica 11,30% 9,50% 10,00% 12,90% 12,90% 21,50% 8,50%
Química
diversificada
15,50% 17,60% 15,10% 17,70% 17,70% 12,90% 17,70%
Serviços de Saúde 29,80% 31,50% 29,90% 30,70% 42,10% 41,90% 50,80%
Serviços de
Telecomunicações
50,10% 43,60% 47,20% 47,60% 48,70% 48,30% 46,30%
Serviços de
Transportes
26,00% 21,90% 9,90% 17,00% 24,10% 17,60% 21,10%
Serviços Diversos 31,40% 30,20% 28,10% 28,20% 26,20% 21,90% 24,60%
Serviços
Educacionais
34,20% 34,40% 42,40% 49,90% 57,40% 56,80% 58,10%
Softwares, serviços
computacionais
49,20% 41,30% 38,60% 42,70% 45,30% 49,20% 56,70%
Varejo linhas
especiais
13,50% 10,60% 16,40% 14,50% 17,20% 22,30% 22,90%
Veículos terrestres e
aéreos
21,40% 23,20% 23,40% 22,20% 19,40% 18,40% 19,10%
Vestuário 28,10% 34,10% 34,50% 36,00% 37,80% 38,10% 40,90%
133
TODOS OS
SETORES
37,40% 33,20% 32,90% 33,30% 31,70% 29,80% 32,30%
Fonte: Instituto Assaf, 2017. Disponível em: <
http://www.institutoassaf.com.br/2012/painel.aspx>
Já a margem operacional ou margem EBIT leva em conta o lucro operacional, ou seja, o
lucro antes de juros e impostos. Como mostra o GRAF. 10, o patamar das margens operacionais
é um pouco menor do que o das margens brutas, sendo que a mediana varia entre 45 e 55%,
aproximadamente. Embora algumas empresas continuem se destacando, não é possível
perceber uma liderança tão destacada como no caso das receitas.
GRÁFICO 10-Margem EBIT ou operacional (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica®
Por último, a margem líquida corresponde à razão entre o lucro líquido e a receita
operacional. A diferença significativa entre o patamar da margem operacional média (entre 45
e 55%) e o da margem líquida média (cujo ponto máximo está pouco acima 30%) pode ser
explicado tanto pelos impostos cobrados sobre a atividade quanto pelas despesas financeiras.
Em razão dos elevados volumes destinados aos investimentos, é possível supor que a
necessidade de financiamento é elevada, o que leva a consideráveis despesas com juros. No
GRAF. 11, é possível ver que a mediana apresentou variações mais pronunciadas do que
aquelas observadas nos outros indicadores de lucratividade, e que duas concessionárias
apresentaram prejuízo – a SPVias em 2011, e a TEBE de 2015.
-
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Ecovias Intervias Triângulo do Sol Renovias
Autoban Autovias ViaOeste Centrovias
Colinas SPVias ViaNorte TEBE
Mediana
134
GRÁFICO 11-Margem líquida (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias.
Se comparamos a margem líquida mediana do conjunto de concessionárias paulistas da
primeira fase com a de outros setores (TAB. 15) vemos que ela se mantém à frente e foi menos
atingida pela crise do que a maioria dos setores. Isso parece confirmar nossa suposição acerca
do caráter privilegiado das concessionárias de rodovias, o que se aplica, de certo modo, ao setor
de concessionária de transportes. Além de patamares mais altos de margem bruta e margem
líquida, as variações são menos intensas do que, por exemplo, o setor de mineração (que
depende dos preços internacionais das commodities minerais), o que mostra uma relativa
estabilidade.
Tabela 15- Margem líquida para diversos setores (%)
Setor 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Aço 10,90% 10,20% 1,70% 3,50% 2,40% -10,3% -7,80%
Água e esgoto 16,70% 12,50% 16,20% 15,40% 9,20% 5,00% 17,90%
Alimentos e Bebidas 7,20% 7,90% 7,50% 7,20% 7,70% 7,10% 4,60%
Auto peças 11,80% 7,30% 1,60% 2,60% 2,80% 1,90% -2,00%
Calçados 12,50% 5,20% 5,90% 8,50% 9,50% 10,30% 14,20%
Cimentos e agregados 9,30% 8,20% 8,90% 8,60% 7,90% 3,40% -0,10%
Comércio em geral 3,20% 2,00% 9,40% 11,50% 11,50% 8,90% 12,60%
Concessionária de
transporte
16,80% 16,60% 14,30% 17,80% 14,90% 9,40% 13,40%
Construção civil 15,90% 12,00% -2,80% 8,60% 1,00% -10,9% -49,4%
Cultivos da natureza 2,00% 12,50% 3,00% 2,80% 0,10% 6,00% 5,80%
Distribuição de gás
natural
11,80% 7,20% 7,80% 9,30% 8,80% 9,10% 12,70%
Eletrodomésticos 12,20% 7,70% 12,30% 12,30% 10,30% 4,20% 3,40%
Eletrônicos 3,20% -1,70% 1,60% -9,80% 1,40% -5,30% -0,30%
Energia Elétrica 12,80% 13,10% 2,90% 2,90% 4,50% -0,20% 7,40%
(10,00)
-
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Intervias Ecovias Renovias Autoban
Autovias Triângulo do Sol Centrovias ViaOeste
Colinas TEBE SPVias ViaNorte
Mediana
135
Extração e Distribuição
de Petróleo
16,40% 13,00% 6,80% 0,20% -5,10% -11,4% -4,80%
Ferrovia 13,90% 11,40% 1,70% 3,80% -35,6% -20,0% -18,0%
Hotelaria -3,10% -3,50% -1,10% 6,50% 0,60% -16,5% -2,90%
Indústrias de Materiais
Diversos
9,70% 7,40% 9,80% 7,20% 2,30% -8,70% 4,20%
Lazer, Cultura e
Entretenimento
3,60% 4,30% 4,10% 2,00% 1,50% -8,60% 0,50%
Máquinas 10,00% 8,60% 7,60% 8,90% 9,00% 8,70% 8,80%
Metais 3,70% -1,10% 9,30% 8,70% 8,00% 1,80% 1,00%
Mineração 35,40% 42,00% 8,90% -2,80% -2,30% -53,7% 14,20%
Papel e Celulose 13,20% -3,10% -1,30% -3,30% 1,80% -7,40% 20,50%
Perfumaria e Cosméticos 6,80% 7,00% 6,60% 5,00% 0,80% -0,60% -2,10%
Química básica 3,70% 0,40% -1,70% 1,30% 1,20% 5,90% -
20,70%
Química diversificada 12,60% 0,60% -0,40% -2,90% -0,70% -9,60% 1,60%
Serviços de Saúde 5,20% 3,80% 1,20% 1,20% 7,00% 7,80% 15,10%
Serviços de
Telecomunicações
11,40% 6,40% 8,30% 7,90% 1,40% -1,40% -2,70%
Serviços de Transportes 5,60% -2,80% -8,20% -3,40% -5,60% -23,8% 5,40%
Serviços Diversos 11,50% 10,90% 9,90% 8,90% 7,50% -1,70% 5,90%
Serviços Educacionais 6,60% 4,80% 11,80% 17,70% 27,10% 24,80% 32,90%
Softwares, serviços
computacionais
6,20% 3,90% 7,30% 3,60% 5,30% -7,10% 2,50%
Varejo linhas especiais 4,00% -3,00% 1,00% 2,70% -0,70% 9,40% -1,70%
Veículos terrestres e
aéreos
6,60% 3,00% 3,50% 3,50% 2,10% -2,50% -1,00%
Vestuário 2,40% -6,00% 1,50% 3,80% 2,00% 0,90% 0,40%
TODOS OS SETORES 12,50% 10,70% 7,00% 5,90% 4,80% -1,00% 4,60%
Fonte: Instituto Assaf, 2017. Disponível em: <
http://www.institutoassaf.com.br/2012/painel.aspx>
Endividamento
De modo geral, os indicadores de endividamento analisados apontam para uma
proporcionalidade entre a dívida e o porte da concessionária, ou seja, aquelas concessionárias
com maiores volumes de receita são também as que apresentam a dívida bruta e a dívida
líquida em patamares maiores em relação às empresas que geram menos receita. Começando
pela dívida bruta, apresentada no GRAF. 12, é possível ver que a Autoban se destaca a partir
de 2011, distanciando-se da média do conjunto. Ela é seguida pela SPVias, ainda que esta não
tenha se destacado pelas receitas. Também é possível ver que as concessionárias menores,
como a TEBE e a Renovias apresentaram dívidas brutas muito menores do que as demais.
136
GRÁFICO 12- Dívida bruta por empresa - em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
Além da menor necessidade de recursos para investimento, outra possível explicação
para esse contraste encontra-se no tipo de dívida mais utilizada pelas concessionárias. De
acordo com a TAB. 16, é possível ver que a participação das debêntures e notas promissórias
na dívida bruta cresceu ao longo do período na maioria das empresas do conjunto. A TEBE foi
a única empresa que não registrou a emissão de debêntures, ao passo que a Renovias, mesmo
com a crescente participação desses instrumentos, continuou com uma dívida bruta menor,
como vimos no gráfico anterior. Por meio da leitura dos relatórios anuais das concessionárias,
percebeu-se que a emissão de debêntures se tornou mais importante ao longo do período, em
alguns casos substituindo os empréstimos bancários. Por último, é importante assinalar que essa
forma de endividamento também gera compromissos, sendo que as variações no passivo das
empresas são influenciadas pela flutuação dos pagamentos aos detentores desses títulos.
Tabela 16 - Participação de debêntures e promissórias na dívida bruta (%)
Empresa 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Autoban 67,03 84,33 86,77 91,57 95,57 97,55 93,60
ViaOeste 95,49 99,72 99,84 99,94 99,96 84,63 71,19
Autovias 99,06 99,64 99,96 99,97 99,78 99,77 99,80
Centrovias 96,80 97,45 98,12 98,58 99,81 99,81 99,85
Intervias 98,83 99,00 99,30 100,00 100,00 100,00 100,00
ViaNorte 98,26 99,10 99,99 100,00 99,64 99,62 99,62
Colinas 48,70 62,56 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Triângulo do Sol 0,00 0,00 100,00 100,00 100,00 100,00 91,75
Ecovias 99,57 99,68 99,92 100,00 100,00 100,00 100,00
SPVias 73,49 76,76 95,94 97,49 89,82 93,20 95,25
0
500000
1000000
1500000
2000000
2500000
3000000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
SPVias Autoban ViaOeste Intervias
Autovias Ecovias Centrovias ViaNorte
Colinas Triângulo do Sol Renovias TEBE
Média por empresa
137
Renovias 88,57 68,19 45,66 47,40 60,53 77,31 100,00
TEBE 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Mediana 92,03 90,89 99,57 99,96 99,80 99,69 99,71
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
No GRAF. 13, pode-se perceber que a mediana da dívida bruta do conjunto aumentou
até 2014, reduzindo-se até 2016. Como foi mencionado anteriormente, esse resultado pode ter
sido influenciado pelo vencimento das debêntures, porém não se deve descartar uma mudança
da estratégia das empresas em face dos efeitos da crise sobre as receitas e os lucros.
GRÁFICO 13- Evolução da dívida bruta (média das empresas) – em R$ Mil de 31/12/2016,
deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
Quanto à dívida líquida, ela é resultado da dívida bruta menos as disponibilidades em
caixa. O GRAF. 14 mostra um comportamento semelhante ao da dívida bruta, com contrastes
entre as maiores e as menores empresas. A média da dívida líquida para o conjunto, vista no
GRAF. 15, apresenta uma tendência também análoga ao que foi visto para a dívida bruta, ainda
que de maneira mais contínua, tanto na fase ascendente quanto na descendente.
400000
500000
600000
700000
800000
900000
1000000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
138
GRÁFICO 14- Dívida líquida por empresa - em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
GRÁFICO 15-Evolução da dívida líquida (média) – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo
IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
Para verificar se existe uma relação entre o volume de dívida e o tamanho da empresa,
é necessário olhar para as razões entre a dívida e o ativo e entre a dívida e o patrimônio líquido.
No GRAF. 16, vê-se que a razão entre dívida bruta e ativo total foi maior para empresas de
porte médio, como a Autovias e a Intervias. A ViaOeste ficou acima da mediana durante boa
parte do período, ao passo que a Autoban não teve tanto destaque, com exceção de 2016.
Também é possível ver uma tendência de aumento da mediana até 2014 e redução até 2016,
assim como nas medidas absolutas. Isso indica que não apenas a dívida se reduziu nesses dois
anos, mas a proporção dela em relação ao ativo também se tornou menor.
0
500000
1000000
1500000
2000000
2500000
3000000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
SPVias Autoban ViaOeste Ecovias
Intervias Autovias Colinas Centrovias
Renovias Triângulo do Sol ViaNorte TEBE
Média por empresa
300000
350000
400000
450000
500000
550000
600000
650000
700000
750000
800000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
139
GRÁFICO 16 - Razão entre dívida bruta e ativo total (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
A mediana da razão entre a dívida bruta e o patrimônio líquido para o grupo, mostrada
no GRAF. 17, também apresentou redução após 2014, confirmando a tendência para a redução
do endividamento. Embora para algumas empresas, como a Intervias e a Autoban, essa razão
tenha crescido substancialmente em 2015 e 2016, a maioria das concessionárias apresentou
redução nesse indicador.
GRÁFICO 17 - Razão entre dívida bruta e patrimônio líquido (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
A estrutura de capital dessas concessionárias pode ser apreendida por meio de uma
aproximação, que é a razão entre a dívida bruta e a soma desta com o patrimônio líquido. No
GRAF. 18, pode-se ver que a mediana do grupo apresenta uma tendência semelhante ao que
foi visto para os outros indicadores de endividamento. As concessionárias que mais se
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Autovias Intervias Centrovias ViaOeste
Triângulo do Sol Ecovias ViaNorte TEBE
Colinas Autoban SPVias Mediana
0,00
100,00
200,00
300,00
400,00
500,00
600,00
700,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Centrovias Autovias Intervias ViaNorte
Triângulo do Sol ViaOeste Autoban Ecovias
TEBE Colinas SPVias Renovias
Mediana
140
destacaram foram as de porte médio, como a Autovias. Por sua vez, a SPVias e a Renovias
apresentaram uma proporção bastante baixa de dívida.
GRÁFICO 18 - Estrutura de capital - razão entre dívida bruta e a soma de dívida e patrimônio
líquido (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias.
Por sua vez, a razão entre o lucro operacional (EBIT) e a dívida bruta representa a
capacidade potencial de o lucro gerado pela atividade principal da empresa de cobrir suas
dívidas. Nesse caso, uma razão maior pode ser resultado de uma dívida extremamente reduzida
ou de um EBIT pequeno. Isso explica o destaque da TEBE, uma concessionária pouco
endividada, como foi visto anteriormente (ver GRAF. 19). No caso da Ecovias, a queda abrupta
entre 2012 e 2013 pode ser atribuída ao aumento significativo de sua dívida bruta, que passou
de cerca de 300 milhões para 1,2 bilhão de Reais.
GRÁFICO 19 - Razão entre EBIT e dívida bruta (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias.
0,00
20,00
40,00
60,00
80,00
100,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Centrovias Autovias Intervias ViaNorte
Triângulo do Sol ViaOeste Autoban Ecovias
TEBE Colinas SPVias Renovias
Mediana
0,00
50,00
100,00
150,00
200,00
250,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Ecovias Autoban Triângulo do Sol Colinas
TEBE ViaOeste Centrovias Intervias
ViaNorte Autovias Renovias SPVias
Mediana
141
A qualidade da dívida pode ser analisada a partir da proporção da dívida de curto prazo
(registrada no Passivo Circulante) sobre a dívida bruta total, sendo que a concentração de
dívidas em um prazo mais curto tende a ser considerada problemática. No GRAF. 20, é possível
ver que entre 2010 e 2013, empresas como a Colinas e a Triângulo do Sol se destacaram no
conjunto, mas entre 2013 e 2016, outras concessionárias aumentaram significativamente a
participação da dívida de curto prazo, como a ViaNorte e a Autovias. O GRAF. 21 aponta que
a mediana do conjunto se reduziu abruptamente em 2013, mas depois disso voltou a crescer,
superando ligeiramente o patamar de 2010. Essa trajetória e as diferenças entre as empresas
podem ser explicadas não somente por uma questão de estratégia, mas pelo vencimento de
alguns contratos de empréstimo e a contratação de outros.
GRÁFICO 20- Participação da dívida de curto prazo na dívida total (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
GRÁFICO 21 - Evolução da participação da dívida de curto prazo - mediana (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias.
0,00
50,00
100,00
150,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Colinas Autoban Ecovias ViaOeste
Triângulo do Sol TEBE Centrovias ViaNorte
Autovias Intervias SPVias Renovias
Mediana
0,00
5,00
10,00
15,00
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25,00
30,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
142
Rentabilidade
Os indicadores de rentabilidade dizem respeito ao retorno do investimento realizado,
seja em relação ao ativo (ROA – return on asset), ou ao patrimônio líquido (ROE – return on
equity). Enquanto os indicadores de lucratividade comparam os diferentes tipos de lucro com
a receita, as medidas de rentabilidade comparam o lucro líquido gerado com o ativo ou o
patrimônio líquido, a fim de aferir qual foi o resultado trazido pelo investimento em termos
financeiros.
No caso das concessionárias avaliadas, o GRAF. 22 mostra que as empresas “maiores”
– isto é, aquelas que se destacam pelas receitas – não necessariamente apresentam maior
retorno sobre o ativo. Isso acontece justamente porque o denominador (o Ativo Total) é maior,
já que os contratos de concessão são contabilizados como um intangível e, consequentemente,
aqueles que mostram um maior potencial de gerar receitas são avaliados como mais valiosos.
Já o GRAF. 23 apresenta a evolução da mediana do ROA para o conjunto. É possível ver uma
ligeira recuperação em 2016, após a redução nos dois anos anteriores.
GRÁFICO 22- ROA por empresa (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias.
-10,00
0,00
10,00
20,00
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40,00
50,00
60,00
70,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Triângulo do Sol Ecovias Renovias
Autoban ViaOeste Colinas
Intervias Centrovias TEBE
Autovias ViaNorte SPVias
Mediana
143
GRÁFICO 23 - Evolução do ROA – mediana (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
Quanto ao ROE, o GRAF. 24 mostra que as empresas maiores como a Autoban e a
ViaOeste se destacam na maior parte do período analisado, acompanhadas por Centrovias e
Intervias em alguns anos. Nesse caso, o patrimônio líquido não necessariamente é muito grande
nas empresas de porte maior, visto que muitas delas recorrem ao capital de terceiros,
especialmente na forma de debêntures. O GRAF. 25 mostra uma queda pronunciada do ROE
mediano no ano de 2015, permanecendo estável em 2016. Trata-se de mais um exemplo dos
efeitos da crise sobre a atividade do conjunto, o que fica mais evidente se comparado com a
tendência crescente entre 2010 e 2013.
GRÁFICO 24 - ROE por empresa (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
4,00
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2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
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0,00
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140,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Triângulo do Sol Centrovias Autoban Ecovias
Intervias Renovias Autovias ViaOeste
Colinas TEBE ViaNorte SPVias
Mediana
144
GRÁFICO 25- Evolução do ROE – mediana (%)
Fonte: elaboração própria, a partir dos relatórios anuais das concessionárias e do
Economatica ®
A comparação do ROE das concessionárias analisadas com outros setores (ver TAB.
17) indica mais uma vez o caráter excepcional dessa atividade, desta vez de forma ainda mais
contrastante. Enquanto o valor do ROA para todos os setores variou entre 16,30% e -1,30 %, o
menor valor para o ROA mediano daquelas empresas foi de cerca de 40% (em 2010). Ainda
que a SPVias e a TEBE tenham apresentado prejuízo em um ano, este não chegou a -10%.
Também é possível ver que a redução no retorno de todos os setores começou já em 2011, com
recuperação em 2016. Nem mesmo o setor de concessionárias de transporte apresentou um
desempenho equivalente, ainda que esteja em situação melhor do que muitos outros.
Tabela 17- ROE para vários setores (%) Setor 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Aço 15,60% 14,70% 2,30% 4,40% 3,00% -13,30% -8,80%
Água e esgoto 14,90% 10,70% 14,10% 13,00% 7,30% 4,00% 15,40%
Alimentos e Bebidas 14,80% 17,00% 18,20% 16,10% 19,40% 20,10% 13,80%
Auto peças 32,80% 19,20% 5,00% 7,70% 6,90% 4,40% -4,30%
Calçados 22,70% 8,60% 10,80% 16,10% 16,60% 16,50% 21,40%
Cimentos e agregados 13,70% 18,50% 21,60% 24,70% 20,80% 8,70% -0,30%
Comércio em geral 12,90% 8,60% 12,30% 14,60% 15,20% 10,20% 13,10%
Concessionária de transporte 26,00% 24,30% 33,10% 36,60% 34,20% 20,00% 27,20%
Construção civil 17,30% 22,30% -2,60% 7,60% 0,80% -7,70% -26,10%
Cultivos da natureza 1,00% 7,10% 6,90% 1,70% 0,10% 5,30% 5,30%
Distribuição de gás natural 35,50% 20,50% 22,30% 25,60% 21,90% 21,40% 26,10%
Eletrodomésticos 34,90% 21,80% 37,30% 34,20% 29,70% 11,80% 10,10%
Eletrônicos 8,60% -4,30% 4,20% -23,9% 3,20% -10,60% -0,90%
Energia Elétrica 12,70% 13,40% 2,90% 2,70% 5,20% -0,30% 10,10%
Extração e Distribuição de
Petróleo
14,10% 9,50% 5,40% 0,20% -5,30% -13,00% -5,40%
Ferrovia 12,70% 9,80% 1,40% 3,10% -36,6% -30,00% -15,40%
Hotelaria -3,30% -3,80% -1,20% 6,90% 0,20%
*
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
50,00
55,00
60,00
65,00
70,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
145
Indústrias de Materiais
Diversos
11,20% 8,00% 11,20% 8,10% 2,60% -11,40% 4,90%
Lazer, Cultura e
Entretenimento
7,30% 8,80% 8,50% 4,10% 1,50% -17,20% 1,40%
Máquinas 14,00% 12,40% 11,50% 14,00% 14,80% 15,40% 14,90%
Metais 6,40% -2,10% 12,20% 12,10% 10,20% 3,10% 1,60%
Mineração 27,70% 27,90% 5,50% -1,80% -1,30% -31,90% 9,90%
Papel e Celulose 7,10% -1,70% -0,60% -1,80% 1,10% -6,70% 19,30%
Perfumaria e Cosméticos 33,40% 27,90% 29,90% 21,90% 3,70% -3,60% -12,70%
Química básica 17,30% 1,70% -5,90% 5,70% 6,80% 60,70% -6,60%
Química diversificada 24,20% 8,60% -6,10% -48,9% -14,2%
1361,80%
Serviços de Saúde 14,50% 7,90% 2,20% 2,30% 6,00% 8,20% 14,20%
Serviços de
Telecomunicações
17,70% 7,40% 9,70% 9,00% 1,50% -1,30% -2,20%
Serviços de Transportes 13,80% -7,80% -24,9% -10,9% -17,8% -119,4% 42,60%
Serviços Diversos 28,20% 25,90% 26,00% 24,20% 19,00% -5,70% 18,60%
Serviços Educacionais 6,00% 4,00% 8,90% 15,10% 13,90% 12,30% 15,00%
Softwares, serviços
computacionais
11,60% 10,40% 22,10% 7,30% 10,10% -13,00% 4,00%
Varejo linhas especiais 40,90% -33,0% 5,00% 16,70% -3,40% 25,10% -2,50%
Veículos terrestres e aéreos 25,90% 10,40% 13,70% 10,80% 5,60% -7,10% -2,70%
Vestuário 3,50% -8,20% 2,50% 5,90% 3,30% 1,70% 0,70%
TODOS OS SETORES 16,30% 13,00% 8,90% 7,00% 5,90% -1,30% 5,90%
Fonte: Instituto Assaf, 2017. Disponível em: <
http://www.institutoassaf.com.br/2012/painel.aspx>
146
Apêndice B: comparação de indicadores dos conglomerados CCR e Arteris
Neste apêndice, comparamos indicadores de duas controladoras de concessionárias de
rodovias que apresentam participação expressiva nos lotes da primeira fase do Programa de
Concessões Rodoviárias do Estado de São Paulo (1997-2008). A metodologia adotada é
semelhante àquela que utilizamos para comparar as concessionárias, e os dados foram obtidos
por meio dos relatórios anuais das empresas e do software Economatica ®. Por último, é preciso
levar em consideração que a Arteris é parte de conglomerados maiores, com atuação
internacional, ao passo que a CCR é o conglomerado principal, o que significa que suas
operações no exterior e em outros segmentos da infraestrutura de transportes são contabilizadas
em suas demonstrações financeiras75. A despeito dessa diferença, ainda é válido comparar os
resultados dos principais conglomerados que estão presentes nas primeiras concessões
rodoviárias de São Paulo.
Tráfego e receitas
A partir do GRAF. 26, podemos ver uma semelhança na evolução do tráfego total da
CCR e da Arteris, com crescimento do tráfego até 2014 seguido por ligeira redução. A diferença
entre elas pode ser explicada pelo fato de que a CCR controla concessionárias que atuam em
regiões de grande fluxo de veículos, como é o caso do Sistema Anhanguera-Bandeirantes (que
liga São Paulo à região de Campinas e Jundiaí) e da Rodovia Presidente Dutra (que faz a ligação
entre São Paulo e Rio de Janeiro). Já a Arteris detém quatro concessões no interior paulista
(Autovias, Centrovias, Intervias e Vianorte) e algumas das novas concessões de rodovias
federais (como a Rodovia Fernão Dias, que conecta Belo Horizonte e São Paulo).
75 De acordo com as notas explicativas às demonstrações financeiras de 2016, as operações da CCR no exterior
são ajustadas às práticas contábeis do Brasil e às internacionais e posteriormente convertidas para reais. Ademais,
segundo a Companhia, suas operações são majoritariamente no Brasil, com exceção das participações em
aeroportos e suas respectivas holdings.
.
147
GRÁFICO 26- Tráfego total (em milhares de veículos equivalentes)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados dos Relatórios Anuais
Quanto à evolução da receita operacional líquida, o GRAF. 27 mostra que as duas
empresas apresentam trajetórias diferentes: enquanto a receita da Arteris variou relativamente
pouco, a da CCR vem crescendo a um ritmo mais intenso. Esse fato pode ser atribuído à
aquisição de novos negócios pela CCR nos anos recentes, com aumento da diversificação de
suas atividades. Isso deixa a controladora menos suscetível aos elementos de risco das
concessões rodoviárias, como alterações promovidas pelo Poder Concedente, ainda que fatores
como a conjuntura econômica continuem a ter influência nos outros segmentos da empresa.
GRÁFICO 27-Receita operacional líquida – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
A receita de pedágio dos dois conglomerados apresentou uma trajetória parecida,
apresentando um movimento análogo ao do tráfego. O GRAF. 28 mostra que a diferença entre
elas se manteve e a evolução da receita de pedágio foi semelhante. Em razão disso, podemos
-
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016CCR Arteris
-
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
148
atribuir a divergência quanto à receita total como decorrência do comportamento dos outros
segmentos da CCR.
GRÁFICO 28-Receita de pedágio – em R$ mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir de dados dos Relatórios Anuais
A fim de verificar a importância da receita de pedágio para cada grupo, podemos
observar no GRAF. 29 que a participação da receita de pedágio na receita bruta não variou
muito para a Arteris, situando-se entre 60 e 70% do total. Já na CCR chegou a cerca de 90%,
em 2012, e a partir de então foi se reduzindo, até atingir cerca de 60% em 2016, sendo
ligeiramente menor do que o verificado para a Arteris no mesmo ano.
GRÁFICO 29- Participação da receita de pedágio na receita bruta (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados dos Relatórios Anuais
Nos GRAF. 30 e 31, é possível comparar a composição das receitas da CCR e da
Arteris quanto ao total acumulado entre 2010 e 2016. Podemos ver que embora as receitas de
pedágio sejam a principal fonte de receita da CCR, ela conta com receitas de várias atividades,
-
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
7.000.000
8.000.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
90,00%
100,00%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
149
com participação reduzida. No caso da Arteris, a participação das receitas de construção é
bastante expressiva, ainda que as receitas de pedágio gerem a maior parte da receita.
GRÁFICO 30 - Composição das receitas da CCR (2010-2016)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados dos Relatórios Anuais
GRÁFICO 31-Composição das receitas da Arteris (2010-2016)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados dos Relatórios Anuais
Lucratividade
A comparação entre os EBITDA da CCR e da Arteris, apresentados no GRAF. 32,
permite ver que além de uma diferença de patamar, também o ritmo de crescimento é distinto
para as duas. Após uma pequena queda em 2015, o EBITDA da CCR aumentou mais
intensamente, ultrapassando o nível alcançado em 2014. O EBITDA Ajustado, que leva em
conta a provisão de manutenção das rodovias, apresentou um comportamento análogo,
conforme apresentado no GRAF. 33.
73,76%
19,17%
1,22%
1,62%
0,22% 1,23% 2,04% 0,01% 0,26% 0,48%
Receita de pedágio
Receita de Construção
Receitas Acessórias
Receitas de Administração
Receitas Metroviárias
Receitas aquaviárias
Receitas aeroportuárias
Receitas de operação
62,64%
35,27%
2,09%
Receita de pedágio
Receita de Construção
Receitas Acessórias
150
GRÁFICO 32 – EBITDA – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir de dados dos Relatórios Anuais
GRÁFICO 33 - EBITDA Ajustado – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA
Fonte: elaboração própria, a partir de dados dos Relatórios Anuais
No que tange ao lucro líquido, as diferenças entre Arteris e CCR são ainda maiores, de
acordo com o GRAF. 34. O lucro líquido da Arteris permanece relativamente estável entre
2010 e 2014, com queda acentuada em 2015 e fraca recuperação em 2016, não atingindo o
patamar anterior. Já a CCR se recuperou melhor da forte queda do lucro líquido em 2015,
ultrapassando ligeiramente o patamar de 2014.
500.000
1.000.000
1.500.000
2.000.000
2.500.000
3.000.000
3.500.000
4.000.000
4.500.000
5.000.000
5.500.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
-
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
151
GRÁFICO 34 - Lucro líquido (em milhares de Reais76)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
Quanto à margem bruta, o GRAF. 35 mostra que depois de as trajetórias das duas
empresas divergirem entre 2010 e 2013, ambas empresas reduziram suas margens e a diferença
entre elas diminuiu. Assim, a CCR apresentou uma queda mais pronunciada de sua margem
bruta, ainda que continue à frente da Arteris.
GRÁFICO 35 - Margem bruta (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
A margem operacional ou margem EBIT, por sua vez, apresentou recuperação para as
duas empresas em 2016, depois da queda entre 2013 e 2015, como mostra o GRAF. 36. A
76 R$ mil de 31/12/2016, deflacionado pelo IPCA.
-
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
-
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
152
recuperação foi menor para a Arteris, ampliando a diferença entre as margens operacionais das
duas empresas.
GRÁFICO 36 - Margem operacional (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
Por último, essas trajetórias são repetidas pela margem líquida, vista no GRAF. 37. A
redução das margens e a convergência entre 2013 e 2015 foram sucedidas pela recuperação e
por novo aumento das discrepâncias entre as empresas.
GRÁFICO 37 - Margem líquida (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
Uma última observação relevante é que quase metade das concessionárias administradas
pela Arteris pertence à segunda fase do programa de concessões federais, cuja TIR máxima não
é tão elevada como nas concessões federais e estaduais da década de 1990. Além disso, o fato
de a operação dessas concessionárias ter começado há menos tempo significa que os
investimentos estão mais concentrados nessa fase, o que também têm impacto nas margens de
-
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
50,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
-
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
153
lucro. Embora a CCR também tenha conseguido algumas das concessões recentes, como a
operada pela MS Vias no estado de Mato Grosso do Sul, o peso destas é compensado por
concessões mais antigas e bastante lucrativas, como a da Autoban e da NovaDutra.
Endividamento
A comparação entre as dívidas brutas da CCR e da Arteris, apresentadas no GRAF. 38,
mostra que a primeira aumentou sua dívida bruta significativamente a partir de 2013, enquanto
a segunda aumentou um pouco sua dívida em 2014, para reduzi-la novamente em 2015 e 2016.
GRÁFICO 38 - Dívida Bruta – em R$ Mil de 31/12/2016, deflacionados pelo IPCA.
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
Nos GRAF. 39 e 40 vemos que a CCR vem apresentando a tendência de aumentar seu
endividamento, medido pelos indicadores de Dívida Bruta/ Ativo Total e Dívida
Bruta/Patrimônio Líquido, que permitem ver a relação entre a dívida bruta e o tamanho da
empresa. A Arteris apresentou um comportamento mais irregular e em 2016 reduziu bastante
seu endividamento em relação a 2015. Assim, além de ter uma dívida bruta maior em termos
absolutos, a CCR está relativamente mais endividada que a Arteris.
-
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
154
GRÁFICO 39 - Relação entre dívida bruta e ativo total (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
GRÁFICO 40 - Relação entre Dívida Bruta e Patrimônio Líquido (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
Quanto à participação da dívida de curto prazo na dívida total, o GRAF. 41 aponta que
a CCR apresentou uma tendência maior ao endividamento de curto prazo, com redução em
2016. A Arteris, por sua vez, reduziu bastante a participação da dívida de curto prazo entre 2010
e 2013, mas ela voltou a aumentar entre 2013 e 2015, com pequena queda em 2016. Mesmo
assim, continua abaixo do patamar da CCR, indicando uma qualidade maior no endividamento.
30,00
35,00
40,00
45,00
50,00
55,00
60,00
65,00
70,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
-
50,00
100,00
150,00
200,00
250,00
300,00
350,00
400,00
450,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
155
GRÁFICO 41 - Participação da dívida de curto prazo na dívida total (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
Rentabilidade
Os indicadores de rentabilidade, apresentados nos GRAF. 42 e 43, exibem trajetórias
semelhantes no período. Para a CCR, o ROA e o ROE são crescentes até 2013 e depois caem
até 2015, com recuperação em 2016. Já os indicadores da Arteris mostraram queda de 2011 até
2015, com pequeno aumento em 2016, ficando abaixo dos valores registrados para a CCR
depois de 2011. São trajetórias bastante parecidas com o que foi visto para as margens,
especialmente a margem líquida, o que indica ser uma mudança principalmente no volume de
lucros das respectivas companhias.
Uma possível explicação para a redução das margens e das medidas de rentabilidade é
o fato de que os investimentos das concessionárias obedecem a um cronograma estabelecido
pelo contrato de concessão, enquanto suas receitas estão sujeitas aos efeitos da conjuntura
econômica. Portanto, embora as receitas e os lucros não tenham se reduzido muito em termos
absolutos, os compromissos assumidos permanecem no mesmo patamar, não sendo reajustado
em função do desempenho das empresas.
-
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
50,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
156
GRÁFICO 42 - ROA (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
GRÁFICO 43 - ROE (%)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Economatica ®
Investimentos
O valor dos investimentos engloba tanto as somas gastas com conservação e
manutenção quanto os investimentos no imobilizado e intangível, ou seja, a ampliação da
capacidade das rodovias. No GRAF. 44, podemos ver que as duas empresas apresentam valores
semelhantes e em alguns anos a Arteris supera a CCR nesse quesito, mas em 2015 e 2016 a
diferença se acentua em favor desta última. Uma possível explicação para o maior volume de
investimentos da Arteris entre 2011 e 2014 é que a companhia havia sido vencedora de várias
licitações de concessões federais em 2008-2009, o que exigiu investimentos concentrados nos
anos iniciais de operação.
-
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris
-
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
CCR Arteris