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Conceitos de Jornalismo

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Conceitos de jornalismo

1. A investigação jornalística como parte da investigação da comunicação de massa

1.1 Jornalismo: definição e áreas

O jornalismo é tratado como uma profissão de comunicação. No entanto, pode ser entendido como comunicadores as pessoas que produzem conteúdo dos meios de comunicação dentro de uma organização e que podem influenciar esse conteúdo. Esses graus de influência dependem de fatores como a posição dentro da organização, o status dessa organização e as rotinas produtivas dentro dela. “Por isso o jornalismo é considerado a profissão principal ou suplementar das pessoas que reúnem, detectam, avaliam e difundem as notícias; ou que comentam os fatos do momento”. Essa definição separa o jornalismo do entretenimento. “Para Donsbach, o jornalista é quem está envolvido na formulação do conteúdo do produto da comunicação de massa, seja na reunião, na avaliação, na apuração, no processamento ou na divulgação de notícias, nos comentários ou no entretenimento.” O autor apresenta a questão do trabalho integral na Alemanha que passou a ser critério para a concessão de credenciais de imprensa e a direitos legais. Na maioria dos países, entende-se jornalista como trabalhador em tempo integral ou parcial dos meios de comunicação que participa da reunião, do processamento, da revisão e do comentário das notícias e/ou entretenimento.

Tanto a visão do público quanto a função exercida de fato pelo jornalista varia de acordo com a organização que ele trabalha, a função que ele ocupa dentro da organização e o tipo de atividade exercida (desde relações públicas de uma grande empresa, correspondente internacional ou redator-chefe de um jornal).

“Um repórter alemão, no entanto, é muito mais independente e precisa ser criativo, ter iniciativa, fazer investigações flexivelmente, escrever e apresentar a matéria. Frequentemente, há uma espécie de fuga de cérebros jornalísticos entre os meios de comunicação, porque neles a maioria dos postos mais bem remunerados implicam tarefas de administração e controle. O trabalho jornalístico “genuíno”, de investigação, de redação e de edição, praticamente já não existe na atualidade. Não raro os jornalistas, graças ao seu bom desempenho, são promovidos a postos onde já não podem utilizar suas habilidades jornalísticas.”

Tal como no Brasil (observação minha) qualquer um pode ser chamado jornalista na Alemanha, uma vez que não lhe é exigido qualquer conhecimento específico da área, muito menos uma qualificação específica.

“Uma das grandes ilusões de muitos principiantes é a ideia de que os jornalistas sejam livres e independentes. Com frequência os meios de comunicação são vistos como sistemas sócio-técnicos que tem intercâmbio contínuo e dinâmico com o ambiente, em que sócio-técnico se refere à dependência mútua dos aspectos técnicos e sociais. Os meios de comunicação individuais não podem ser analisados fora de seus ambientes particulares.”

É importante ressaltar que no ambiente em que se inserem os meios de comunicação há componentes não-organizados (leitores, espectadores, ouvintes) e componentes

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organizados (partidos, igreja, sindicatos, concorrência, anunciantes, Estado, fornecedores etc.). Esses últimos não só compõem o ambiente como exercem influência sobre os meios, muito mais poderosos que os não-organizados.

1.2 Desenvolvimento da investigação jornalística

A investigação da comunicação de massa surge nos EUA com finalidade militar, comercial e de propaganda. Partindo desse pressuposto, não se perguntava como as ideias eram formuladas, mas quais os efeitos que elas surtiam no público. Por ser trabalho encomendado, “impediu, durante muito tempo, que se fizessem perguntas sobre a possível criação de uma consciência errônea ou a manipulação da sociedade com a ajuda dos meios de comunicação”.

O estudo de Lasswell influenciou profundamente a estruturação da investigação nesse sentido com a fórmula: quem diz o quê, pra quê, como e com qual efeito. Posteriormente, foi incluído o por quê nessa fórmula.

O trabalho de Lippmann, em Opinião Pública, afirma que “‘qualquer jornal, ao chegar aos seus leitores, é o produto final de uma série de procedimentos de opção para os quais não existem normas, mas certamente convenções’. Segundo Lippmann, a rotina padronizada, as ideias que os jornalistas compartilham sobre o valor da notícia (determinado por fatores como a clareza do evento, a surpresa, o conflito, o impacto pessoal, a proximidade geográfica) cumprem uma função que alivia porque, sem padronização, sem estereótipos, sem o juízo rotineiro, sem a negligência algo insensível em relação aos pontos mais delicados, o jornalista logo morreria por excesso de excitação.”

Kunczik ressalta que, na Alemanha, o interesse pelo jornalismo se iniciou antes da primeira guerra mundial. Desde o primeiro congresso de sociologia da sociedade alemã, Weber propôs o estudo do impacto do jornalismo na sociedade moderna e o uso da análise de conteúdo para compreender o uso das fontes, as origens sociais, a profissão do jornalista, entre outras questões internas do jornalismo. Além disso, Weber aponta a condição única da imprensa como comércio capitalista de propriedade privada, com duas classes de clientes: leitores e anunciantes.

Weber formulou três perguntas para compreender os impactos da necessidade de capital pela imprensa: 1. Quais são as consequências do esforço para obter lucros derivados da forma de organização da empresa privada? 2. A necessidade crescente de capital conduz à monopolização? E isso por sua vez, 3. Produz consórcio de jornais?

Kunczik aponta também que conceitos como gate-keeper já existiam na investigação jornalística alemã. Porém, eram aplicada a biografias das personalidades importantes para o campo e somente nos anos mais recentes foi introduzida nas pesquisas sócio científicas da ciência da comunicação de massa.

“Segundo Prott (1984), as áreas de enfoque da investigação jornalística americana incluem: 1. Descrição individualista do gate-keeper; 2. Estudos sobre as características pessoais dos jornalistas; 3. O jornalismo como profissão; 4. O comportamento dos jornalistas no caso de haver inconsistências entre suas próprias opiniões e as exigências

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externas; 5. Influência dos sistemas do ambiente profissional sobre os jornalistas. [...] Comparativamente, houve pouca investigação sobre a imprensa sensacionalista e o setor do entretenimento, como o rádio e a televisão”. Prott afirma que a maior atenção da investigação jornalística está voltada para a ‘imprensa diária de qualidade’.

1.3. Breve história do jornalismo.

Kunczik aponta que os predecessores dos jornais atuais eram os viajantes bardos que reportavam e comentavam os acontecimentos nos dias de feira, tal como mensageiros e escrivãos públicos. No século XVI, situa a primeira coleção e distribuição profissional e comercial de notícias para o público através dos scrittori d’avvisi em Veneza. Kunczik afirma também que os jornais manuscritos não foram abolidos após a chegada da imprensa móvel, porque driblavam melhor a censura e ofereciam informações exclusivas, rápidas e confidenciais.

Ele aponta como características dos jornais modernos: 1. Publicidade. 2. Atualidade (informação que se relaciona com o presente e o influencia). 3. Universalidade (não exclui nenhum tema). 4. Periodicidade (distribuição regular).

Os primeiros jornais a aparecerem na Alemanha datam de 1609: Aviso (Wolfenbüttel) e Relation (Estrasburgo). Pouco depois surgem na Holanda (1618), França (1620), Inglaterra (1620) e Itália (1636). O primeiro diário foi o Einkommende Zeitung, ,de Leipzig (1650). “Estima-se que as tiragens dos jornais do século XVII era de 100 a 200 exemplares, ainda que o Frankfurter Journal já tivesse uma circulação de 1500 exemplares em 1680.

Ele afirma que à medida que progredia a divisão do trabalho e os mercados cresciam tornou-se necessário anunciar os produtos publicamente, o que tornou a publicidade cada vez mais importante para a imprensa, especialmente em Paris e Londres em meados do século XVII.

No século XIX, o jornalismo chegou a ser uma profissão em tempo integral, onde se podia sobrevive economicamente na Europa e nos EUA. Nesse contexto, Engelsing afirma que os jornalista tendiam a se verem como eruditos (pela educação, autovalorização e exigências). Até os anos de 1880, utilizavam-se na Alemanha os termos redator jornalístico e doutor com o mesmo sentido.

A história da imprensa é acompanhada pela censura. Até o século XVIII, o contexto de publicações eram seguidas pelas intervenções papais, isso porque após Gutenberg, eram publicados folhetos anticlericais e materiais críticos, o que intensificou as medidas de censura por parte da Igreja.

A legitimidade da censura dos jornais eram justificadas pelos teóricos do Estado absolutista por razões de Estado. Segundo Hobbes, por exemplo, o Estado deve garantir não a liberdade, mas a segurança das pessoas.

Na Alemanha, a censura proibiu a divulgação de notícias políticas nacionais ou uma grande restrição à sua circulação. O rei da Prússia, em 1784, Frederico II faz saber:

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“Não é permitido que um particular divulgue opiniões críticas, nem que faça saber ou divulgue através de material impresso as notícias que recebe referente às ações, procedimentos, leis, castigos e editais de monarca e das cortes, seus funcionários governamentais, corpos colegiados e tribunais. Um particular é incapaz de formar tal opinião porque não tem o pleno conhecimento das circunstâncias e dos motivos.”

Ao mesmo tempo que surgiam os teóricos defensores da censura, sobressaiam também aqueles centrados na liberdade de imprensa. John Milton assinalou que a Igreja era responsável pela censura e que uma vez ela existindo era impossível encontrar a verdade nos debates políticos e para encontrá-la era necessário considerar a opinião dos outros (e uma possível razão) para se encontrar o bem comum.

Tem-se como marcos históricos importantes para a liberdade de imprensa a não renovação da chamada Lei de autorização, na Inglaterra em 1695. As declarações americana (1776) e francesa (1789) dos direitos humanos e o acréscimo em 1791 como primeira emenda à constituição americana.

“A maneira de prevenir essas interposições irregulares das pessoas é dar-lhes a informação completa referente a seus assuntos, através dos canais dos jornais públicos, e procurar fazer que esses jornais cheguem a toda a massa das pessoas. Como a base do nosso governo é a opinião pública, o primeiro objetivo é a conservação desse direito; e se eu pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não vacilaria um instante em preferir o último.” Thomas Jefferson (sobre a rebelião de Shay)

Na Alemanha, a lei de imprensa do Reich, de 1874, levantou formalmente a restrição estatal da imprensa. Somente com a república de Weimar (1919-1933) é que a liberdade de expressar opiniões se converteu numa das normas básicas. Os social-nacionalistas padronizaram os meios de comunicação e reprimiram a liberdade de opinião. Em 1949, a liberdade é permitida outra vez. No entanto, Kunczik afirma que a liberdade de imprensa na Alemanha nunca foi ilimitada.

Desenvolvido pelo Centro para Liberdade de Informação, da Escola de Jornalismo da Universidade de Missouri, o Índice de Independência da Imprensa e Habilidade de Crítica é um padrão para medir a liberdade de imprensa em alguns países independentes. São eles:

1. controles legais sobre a imprensa, sem incluir leis contra a difamação e a obscenidade

2. controles extralegais (ameaça, violência, confisco...)

3. leis contra difamação

4. auto-regulamentação organizada (conselhos de imprensa, tribunais de honra)

5. exposição do pessoal editorial e de notícias para autorização, credenciamento e arquivo governamental

6. favoritismo na divulgação de notícias governamentais

7. caso os meios de comunicação permitam que os serviços de agências de notícias internacionais possam ser utilizados

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8. controle governamental das agências nacionais de notícias

9. meios de comunicação impressos sujeitos a autorização governamental

10. controle governamental da circulação e divulgação, sem incluir serviços de correios

11. grau de crítica, pela imprensa, aos governos locais e regionais dentro do país

12. grau de crítica, pela imprensa, ao governo e aos oficiais nacionais dentro do país

13. propriedade governamental ou do ‘partido do governo’ dos meios de comunicação

14. proibição de publicação dos partidos políticos da oposição

15. propriedade das unidades de radiodifusão e imprensa por redes e cadeias (concentração de propriedade)

16. controle governamental do papel periódico

17. controle governamental do câmbio e/ou compra de equipamento

18. subvenções e/ou subornos do governo para a imprensa e jornalistas

19. empréstimos governamentais aos meios de comunicação

20. dependência dos meios de comunicação de publicidade governamental

21. taxa tributária para a imprensa (mais alta ou baixa) comparada com a de outros negócios

22. pressões de sindicatos (para influenciar a política editorial, para suspender publicações)

23. número de meios de comunicação impressa que são marginais (economicamente inseguros)

A opinião de Lenin sobre a liberdade de imprensa é compartilhada também por autores não marxistas, em que entende-se que a liberdade na verdade é usufruída por poucos, uma vez que nem todos detém de condições econômicas para publicar as opiniões contrárias. Entretanto, Kunczik faz a ressalva que todos as batalhas ao longo dos anos se constituíam em prol da liberdade de expressão do homem comum a falar o que pensa e não uma liberdade de imprensa para os jornalistas.

2. O jornalismo como profissão

2.1 Emprego - ocupação – profissão

Embora não se possa excluir fatores como cor da pele ou sexo para eliminar o prestígio vocacional, identifica-se que a ocupação consiste como fator determinante para a posição social de uma pessoa na sociedade moderna, relacionada não somente à educação prévia obtida quanto o salário.

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Kunczik desenvolve a teoria sociológica sobre a diferenciação entre ocupação e profissão. “As ocupações diferem dos empregos, na medida em que são consideradas não apenas como meio de ganhar dinheiro mas também como uma atividade que molda a personalidade durante toda a vida. Usa-se o termo profissão quando: 1. A ocupação requer um conhecimento altamente especializado, adquirido por uma formação ocupacional prolongada, com base teórica; 2. A introdução à ocupação é controlada, e as pessoas que a exercem se comprometem a cumprir certos regulamentos profissionais; e, 3. Há uma formação de grêmio formal que representa os interesses da comunidade ocupacional, a mesma que considera como uma de suas tarefas principais o encarecimento da importância dessa ocupação em particular”

2.2 O estado das pesquisas sobre a profissionalização

Sobre o processo de profissionalização, Kepplinger e Vohl (1979) afirmaram que “os membros de uma profissão 1. Utilizavam habilidades especializadas que 2. Têm uma base teórica, 3. Adquirida mediante uma formação sistemática. 4. A destreza é comprovada mediante um exame especial e, portanto, 5. É este que regula o ingresso na profissão. 6. Possuem uma organização profissional, 7. Comprometem-se a cumprir um código de ética profissional, 8. Têm grande responsabilidade pessoal e, portanto, 9. São relativamente autônomos, quer dizer, livres do controle não-profissional. As atividades dos membros da profissão 10. Satisfazem aos valores sociais geralmente conhecidos.”

Nesse sentido, Kepplinger afirma que o jornalismo compartilha algumas dessas características como modelos de comportamento que os associam, valores, idioma comum, controle das atividades ocupacionais de seus membros, delineamento muito claro entre os membros e seu ambiente social, além da seleção e socialização gremial dos novos membros da ocupação.

A partir da discussão de Haug (1973) sobre o processo de desprofissionalização, Friedson vai discutir sobre a dependência dos profissionais em relação a outros especialistas e a ideia do ‘suposto altruísmo’. Ele reafirma também que a ideia de que as profissões devem ficar predominantemente livres do controle hierárquico deve ser abandonada. “Era falso dizer que os colegas são essencialmente iguais em habilidade, competência e poder e que compartilham basicamente os mesmos interesses”.

“A pergunta relativa a ser ou não ser o jornalismo uma profissão não só é acadêmica como também diz respeito à autoimagem dos próprios jornalistas. Mas, ainda que se conclua, depois de se aplicarem os critérios formais, que o jornalismo não é uma profissão, continuaria sendo indiscutível que, devido ao grande impacto dos meios de comunicação, os jornalistas têm uma responsabilidade profissional para com o público a que estão servindo.”

2.3 O jornalismo é uma profissão?

Segundo Kunzik, o termo profissional tem três sentidos na autoimagem dos jornalistas: o posto de aficionado; a qualificação por meio da capacitação especial; e um código de conduta que dá prioridade aos interesses da recepção. Citando Breed (1955), ele afirma

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que existem dois tipos de normas jornalísticas profissionais: as técnicas (rapidez nas notícias, habilidades pra redação e edição, etc.) e éticas (obrigação com a recepção, valores como imparcialidade, cuidado, justiça etc.).

A discussão apresentada nesse ponto diz respeito aos esforços para melhorar a capacitação dos jornalistas. Se por um lado, proporcionaria maior autonomia, aumento da profissionalização e maior resistência a interesses pessoais, por outro, reduziria a amplitude de opinião e estreitaria perspectivas, uma vez que pelo contato com colegas, os jornalistas nivelam seus sistemas de valores.

“Repito que não se pode definir claramente o jornalismo como profissão, porque não existe, por exemplo, uma definição clara da clientela (o público) e há jornalistas (por exemplo, de entretenimento) que só se interessam especificamente por sua ambição pessoal e consideram e tratam o público como crédulos simplistas.”

O autor utiliza o exemplo da Alemanha para explicitar as poucas exigências estabelecidas pelo governo alemão para os profissionais do jornalismo, como ausência de regulamentação específica ou necessidade de qualificação. A situação alemã, a grosso modo, se assemelha à do Brasil quanto a imprensa. Os fatos relatados pelo autor e a utilização da imprensa como propaganda do governo nacional-socialista se assemelham à utilização da imprensa como propaganda do governo ditatorial no Brasil na segunda metade do sec. XX.

“Nem sempre a profissionalização – no sentido de formação melhorada e padronizada – e a homogeneização das opiniões com ela relacionadas são desejáveis, especialmente se o sistema político está baseado na multiplicidade de opiniões.”

Ao que parece, o autor defende a ideia da não-profissionalização do jornalismo, uma vez que defende que o profissionalismo gera unicidade de opiniões, o que não é desejável para uma democracia. Segundo Kepllinger, o jornalismo nos estados autoritários são mais profissionais e regulam-se apenas a capacitação e o acesso profissional, onde deseja-se uma homogeneidade de opiniões dos jornalistas.

2.4 Ética da responsabilidade x ética dos valores absolutos dos jornalistas