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Não se pode penetrar no universo artístico sem antes uma “iniciação”, pois alguns conceitos são chave para a compreensão do objeto estético. Você sabe o que é a Estética? Você sabe o que é Arte? Você sabe como percebemos o mundo? Pois bem, vamos estudar então os conceitos básicos que possibilitarão que você, estudante, possa entender os diversos textos literários. Nós possuímos áreas de domínio do conhecimento, a saber: O Senso comum O senso comum é visto como a compreensão de todas as coisas por meio do saber social, ou seja, é o saber que se adquire através de experiências vividas ou ouvidas do cotidiano. Engloba costumes, hábitos, tradições, normas, éticas e tudo aquilo que se necessita para viver bem. No senso comum não é necessário que haja um parecer científico para que se comprove o que é dito, é um saber informal que se origina de opiniões de um determinado indivíduo ou grupo que é avaliado conforme o efeito que produz nas pessoas. É um saber imediato, subjetivo, heterogêneo e acrítico, pois se conforma com o que é dito para se realizar, utiliza várias idéias e não busca conhecimento científico para ser comprovado. De maneira espontânea e sem querer as pessoas utilizam o senso comum a quase todo o momento: Ex: Quando se está com o intestino preguiçoso e a vizinha diz que ameixa e mamão é bom para ajudar o intestino, o que é que se faz? Corre para casa e se empanturra de ameixa e mamão. Isso é senso comum, a utilização de um método criado a partir de uma experiência natural. A Ciência Talvez a maneira mais sucinta de caracterizar o conhecimento científico é descrever como ele estuda e não o que ele estuda. A ciência poderia em principio estudar qualquer coisa: A estrutura do átomo, a origem do universo, a existência do mundo espiritual, o processo pelo qual aprendemos uma língua, etc. Em tese todas as “ciências” , as naturais ou sociais, deveriam usar o mesmo método, embora possam lançar mão de técnicas diferentes. Um método pode ser definido como uma série de regras para tentar resolver um problema. No caso do método científico, estas regras são bem gerais. Há um método para testar criticamente e selecionar as melhores hipóteses e é nesse sentido que podemos questionar se há um método científico. A ciência não é uma coleção de fatos e teorias definitivamente estabelecidas, mas um conhecimento racional porque crítico-, conjectural, provisório ,sempre capaz de ser questionado e corrigido. A ciência não é uma representação completa e perfeita de fenômenos diretamente observáveis , mas uma reconstrução idealizada e parcial da realidade, que explica o visível pelo invisível. O cientista não realiza uma observação pura e imparcial dos fatos, mas uma observação guiada por hipóteses e teorias. O cientista não descobre nem verifica hipóteses por procedimentos indutivos, mas inventa conjecturas ousadas, surgida de sua imaginação, que serão testadas o mais severamente possível, através de tentativas de refutação que façam uso de experimentos controlados. Desse modo, ele busca teoria cada vez mais amplas, precisas, profundas, de maior grau de corroboração, com maior poder preditivo e, talvez, mais próximas da verdade. Finalmente, a visão de ciências exposta neste trabalho pode e deve ser criticada. Novos critérios para avaliar hipóteses e teorias científicas devem (e estão sendo ) proposto. A Religião A religião é feita tanto de crenças e rituais quanto de práticas. A teologia acadêmica (especialmente no Ocidente e em relação ao cristianismo) tende a se concentrar na crença. Todavia, é importante observar que em algumas sociedades não há uma palavra correta para religião. Não se trata de um compartimento separado da vida – é um modo de compreender e viver a própria vida. Mesmo assim, é possível distinguir vários aspectos diferentes em quase todas as religiões. Uma classificação amplamente aceita identifica como cinco aspectos: A fé é a parte interna da religião (fundamento); o que as pessoas acreditam, seus sentimentos de temor, quizilas ou ehô (africano) e reverência, prece individual, etc... O culto/rituais é tudo que está envolvido na devoção – construções, feitura de òrìs às (religião africana), imagens, altares, rituais, sacralização de animais (em várias religiões). A comunidade é o aspecto social da religião – os devotos em seu templo/igreja ou no ilé africano (casa de religião africana) O credo envolve todas as crenças e idéias mantidas pela religião como um todo, incluindo escrituras e idéias sobre Deus, anjos, o céu, o inferno e a salvação. O código envolve a suas crenças religiosas e inclui-se éticas, tabus e idéias sobre o pecado, o que é certo e o que é errado ritualisticamente, porque, entre o fundamento e rituais têm que haver lógica, e a santidade. A Filosofia Em “Convite à Filosofia”, Marilena Chauí nos dá uma didática e eficiente lição sobre o que vem a ser esta forma de conhecer o mundo: “Imaginemos, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de "que horas são?" ou "que dia é hoje?", perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer "está sonhando" ou "ficou maluca", quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A 1

Conceitos Básicos - Literatura

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Não se pode penetrar no universo artístico sem antes uma “iniciação”, pois alguns conceitos são chave para a compreensão do objeto estético. Você sabe o que é a Estética? Você sabe o que é Arte? Você sabe como percebemos o mundo? Pois bem, vamos estudar então os conceitos básicos que possibilitarão que você, estudante, possa entender os diversos textos literários.

Nós possuímos áreas de domínio do conhecimento, a saber:

O Senso comumO senso comum é visto como a compreensão de todas as

coisas por meio do saber social, ou seja, é o saber que se adquire através de experiências vividas ou ouvidas do cotidiano. Engloba costumes, hábitos, tradições, normas, éticas e tudo aquilo que se necessita para viver bem. No senso comum não é necessário que haja um parecer científico para que se comprove o que é dito, é um saber informal que se origina de opiniões de um determinado indivíduo ou grupo que é avaliado conforme o efeito que produz nas pessoas. É um saber imediato, subjetivo, heterogêneo e acrítico, pois se conforma com o que é dito para se realizar, utiliza várias idéias e não busca conhecimento científico para ser comprovado. De maneira espontânea e sem querer as pessoas utilizam o senso comum a quase todo o momento: Ex: Quando se está com o intestino preguiçoso e a vizinha diz que ameixa e mamão é bom para ajudar o intestino, o que é que se faz? Corre para casa e se empanturra de ameixa e mamão. Isso é senso comum, a utilização de um método criado a partir de uma experiência natural.

A CiênciaTalvez a maneira mais sucinta de caracterizar o

conhecimento científico é descrever como ele estuda e não o que ele estuda. A ciência poderia em principio estudar qualquer coisa: A estrutura do átomo, a origem do universo, a existência do mundo espiritual, o processo pelo qual aprendemos uma língua, etc. Em tese todas as “ciências” , as naturais ou sociais, deveriam usar o mesmo método, embora possam lançar mão de técnicas diferentes. Um método pode ser definido como uma série de regras para tentar resolver um problema. No caso do método científico, estas regras são bem gerais. Há um método para testar criticamente e selecionar as melhores hipóteses e é nesse sentido que podemos questionar se há um método científico. A ciência não é uma coleção de fatos e teorias definitivamente estabelecidas, mas um conhecimento racional – porque crítico-, conjectural, provisório ,sempre capaz de ser questionado e corrigido. A ciência não é uma representação completa e perfeita de fenômenos diretamente observáveis , mas uma reconstrução idealizada e parcial da realidade, que explica o visível pelo invisível. O cientista não realiza uma observação pura e imparcial dos fatos, mas uma observação guiada por hipóteses e teorias. O cientista não descobre nem verifica hipóteses por procedimentos indutivos, mas inventa conjecturas ousadas, surgida de sua imaginação, que serão testadas o mais severamente possível, através de tentativas de refutação que façam uso de experimentos controlados. Desse modo, ele busca teoria cada vez mais amplas, precisas, profundas, de maior grau de corroboração, com maior poder preditivo e, talvez, mais próximas da verdade. Finalmente, a visão de ciências exposta neste trabalho pode e deve ser criticada. Novos critérios para avaliar hipóteses e teorias científicas devem (e estão sendo ) proposto.

A ReligiãoA religião é feita tanto de crenças e rituais quanto de

práticas. A teologia acadêmica (especialmente no Ocidente e em relação ao cristianismo) tende a se concentrar na crença. Todavia, é importante observar que em algumas sociedades não há uma palavra correta para religião. Não se trata de um compartimento separado da vida – é um modo de compreender e viver a própria vida. Mesmo assim, é possível distinguir vários aspectos diferentes

em quase todas as religiões. Uma classificação amplamente aceita identifica como cinco aspectos:

A fé é a parte interna da religião (fundamento); o que as pessoas acreditam, seus sentimentos de temor, quizilas ou ehô (africano) e reverência, prece individual, etc...

O culto/rituais  é tudo que está envolvido na devoção – construções, feitura de òrìsàs (religião africana), imagens, altares, rituais, sacralização de animais (em várias religiões).

A comunidade é o aspecto social da religião – os devotos em seu templo/igreja ou no ilé africano (casa de religião africana)

O credo envolve todas as crenças e idéias mantidas pela religião como um todo, incluindo escrituras e idéias sobre Deus, anjos, o céu, o inferno e a salvação. 

O código  envolve a suas crenças religiosas e inclui-se éticas, tabus e idéias sobre o pecado, o que é certo e o que é errado ritualisticamente, porque, entre o fundamento e rituais  têm que haver lógica, e a santidade.

A FilosofiaEm “Convite à Filosofia”, Marilena Chauí nos dá uma

didática e eficiente lição sobre o que vem a ser esta forma de conhecer o mundo:

“Imaginemos, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de "que horas são?" ou "que dia é hoje?", perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer "está sonhando" ou "ficou maluca", quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão? Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afirmações por outras: "Onde há fumaça, há fogo", ou "não saia na chuva para não ficar resfriado", por: O que é causa? O que é efeito?; "seja objetivo ", ou "eles são muito subjetivos", por: O que é a objetividade? O que é a subjetividade?; "Esta casa é mais bonita do que a outra", por: O que é "mais"? O que é "menos"? O que é o belo? Em vez de gritar "mentiroso!", questionasse: O que é a verdade? O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe verdade e por quê? Quando existe ilusão e por quê? Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que é o amor? O que é o desejo? O que são os sentimentos? Se, em lugar de discorrer tranqüilamente sobre "maior" e "menor" ou "claro" e "escuro", resolvesse investigar: O que é a quantidade? O que é a qualidade? E se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui as mesmas idéias, os mesmos gostos, as mesmas preferências e os mesmos valores, preferisse analisar: O que é um valor? O que é um valor moral? O que é um valor artístico? O que é a moral? O que é a vontade? O que é a liberdade? Alguém que tomasse essa decisão, estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica. Assim, uma primeira resposta à pergunta "O que é Filosofia?" poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.”

A ArteEm seu livro, intitulado “O que é Arte”, Jorge Coli faz uma

excelente explanação sobre o conceito de arte:“Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui

instrumentos específicos. Um deles, essencial, é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade. Esse discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito, o conservador de museu. São eles que conferem o estatuto de arte a um objeto. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a um objeto. Num museu, numa galeria, sei de antemão que encontrarei obras de arte; num cinema "de arte", filmes que escapam à "banalidade" dos circuitos normais; numa sala de concerto, música "erudita", etc. Esses locais garantem-me assim o rótulo "arte" às coisas que apresentam, enobrecendo-as.

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(...) o importante é termos em mente que o estatuto da arte não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica, do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos sobre os quais ela recai. A crítica, portanto, tem o poder não só de atribuir o estatuto de arte a um objeto, mas de o classificar numa ordem de excelências, segundo critérios próprios. Existe mesmo uma noção em nossa cultura, que designa a posição máxima de uma obra de arte nessa ordem: o conceito de obra-prima. Desse modo, o "em si" da obra de arte, ao qual nos referimos, não é uma imanência, é uma projeção. Somos nós que enunciamos o "em si" da arte, aquilo que nos objetos é, para nós, arte. Mário de Andrade disse uma vez que a arte não é um elemento vital, mas um elemento da vida. Não nos é imediatamente necessária como a comida, as roupas, o transporte e descobrimos nela a constante do supérfluo, do inútil. Uma lâmina num cabo é uma faca, mas é preciso que o cabo seja esculpido, que a lâmina seja gravada, para que a faca, objeto de um trabalho supérfluo, exprima o amor e a atenção que o homem consagrou a ela. Se a arte é associada a um objeto útil, ela é, nele, o supérfluo. Podemos dizer também que a arte, em certos casos, torna-se a insígnia de uma "superioridade" que um grupo determinado confere a si mesmo. Interessar se pela arte significa ser mais "culto", ter espírito "mais elevado", ser diferente, melhor que o comum dos mortais. A arte propõe uma viagem de rumo imprevisto - da qual não sabemos as conseqüências. Porém, empreendendo-a, o que conta não é a chegada, é a evasão. Buscamos a arte pelo prazer que ela nos causa. Uma sinfonia, um quadro, um romance são refúgios, pois instauram um universo para o qual nos podemos bandear, fugindo das asperezas de nossa vida "real", procurando as delícias das emoções "não reais". No fundo, são os mesmos motivos que nos fazem assistir a um jogo de futebol. A diferença é o corolário que enunciamos acima: as emoções artísticas são ricas e fecundas, o prazer e a evasão só são "alienações" num primeiro momento: transformando nossa sensibilidade, elas transformam também nossa relação com o mundo. “

Como podemos perceber, há várias formas de se fazer arte, dentre elas a música, a pintura, a escultura, e, evidentemente, a literatura. Sim, a Literatura é um tipo de arte, que tem por objeto a palavra, seja ela oral ou escrita (embora o ensino de Literatura nas escolas brasileiras possui uma tradição de majoritariamente ensinar a literatura escrita). Antes de adentrarmos, propriamente, na Literatura, precisamos entender o que vem a ser a Estética.

A Estética é considerada, ainda hoje, um saber filosófico sobre o Belo ou sobre a Arte. Tradicionalmente, sempre foi entendida como a Filosofia do Belo ou da Arte. O Belo é uma propriedade característica de um dado objeto, no caso da arte, um objeto artístico. Vários pensadores entendiam que o Belo pode estar tanto na Arte quanto na Natureza. Como bem nos ensina Ariano Suassuna, em seu livro “Iniciação à Estética”, “é a partir do idealismo germânico que o Belo da Arte começa a ser considerado superior ao belo da Natureza”, pois, para Hegel, a Beleza Artística possui mais dignidade que a própria Beleza da Natureza, porque esta é nascida uma vez, aquela é como que nascida duas vezes do Espírito. Mais adiante, Kant transforma o conceito do Belo em uma categoria, e, por essa razão, a Estética deve ser tratada como uma ciência. Assim, estético seria algum efeito que transmita certa beleza, e a Estética seria a ciência que estudaria este fenômeno.

E qual o espaço do Feio ou do Cômico, ou do Risível? Até para o filósofo Aristóteles, o estético contemplaria todas as categorias, pois entende-se que Belo é a forma artística que guarda harmonia, senso de medida, fruição serena e tranqüila.

Sobre isso, Bruyne afirma: “A arte não produz unicamente o belo, mas também o feio, o horrível, o monstruoso (...)”.

Considerando o Belo apenas uma categoria do estético, Kainz resume:“A palavra belo exprime, em primeiro lugar, aquilo que nos produz um máximo de satisfação plena e tranqüila do gosto estético (...) Entretanto, quando definimos a estética como a ciência do belo, nao há dúvida de que tomamos, e temos necessariamente que tomar, como base desta definição, uma acepção distinta e mais ampla deste conceito... Daí dizer-se que o objeto sobre o qual recaem as investigações da estética não é belo, no sentido usual, estrito e próprio da palavra, mas sim tudo que influi estéticamente em nós, incluindo-se aí até certas ásperas categorias que lidam já com o feio... (...)”.

Quanto as questões de terminologia, como disse Jacques Maritain, adota-se a que se deseja. Porém, é bem verdade que seria injusto definir estética pelo belo, excluindo o feio já que muitos artistas quiseram manifestar justamente isso. Sendo assim, definiremos aqui a Estética como a FILOSOFIA DA BELEZA e essa beleza inclui o amargo, o feio e o harmônico, o belo.

Platão, sobre a beleza, afirmava que “a beleza de um objeto depende da maior ou menos comunicação que ele tem com uma beleza superior”. Já Aristóteles dizia que “a beleza do objeto depende da ordem ou harmonia que exista entre suas partes”. A nenhum destes grandes pensadores ocorreu que a beleza pode não ser uma propriedade do objeto, mas do sujeito, como disse Kant. Assim, segundo ele, existe a inteligência, a vontade e o juízo de gosto (domina a sensação de prazer ou desprazer). A partir disso, podemos dizer que a grande contribuição de Kant na estética, foi mostrar que a beleza não é puramente intelectual nem puramente sensível. Sobre isso, Lalo afirmou “(...) é nossa maneira de pensá-los que faz a beleza dos objetos ou das pessoas, assim como também sua feiúra. Porque em si eles não são belos nem feios: são o que são, e qualquer outra qualificação lhes é extrínseca e vem-lhes exclusivamente de nós”.

Hoje a palavra Estética está muito associada à beleza física, pois vivemos em uma sociedade do espetáculo, em que a imagem, a aparência, supera, por vezes, a própria essência dos objetos. É sempre bom lembrar que “a Beleza está nos olhos de quem vê”. Sei que é um clichê, mas a verdade é que possuímos muitos olhares, e, cada um, tem seu modo de perceber o mundo.

Vejamos o que nos ensina Marilena Chauí, em seu livro “Convite à Filosofia”, em capítulo intitulado “A Percepção”:

Chegamos, finalmente, ao que, conceitualmente, interessa-nos mais: o conceito de Literatura. Sabemos que é um tipo de arte e que seu objeto, ou seja, sua matéria-prima, é o uso da palavra, não o uso casual, ou espontâneo, mas um uso especial, em que a palavra ganha um sentindo novo, metafórico, conotativa, cifrado, codificado, a ser desvendado por quem lê.

Primeira questão que se pronuncia clara é a de que a Literatura é um tipo de linguagem simbólica, e como, diria Platão, em seu livro Fedro, a linguagem é ume espécie de “pharmakon”, possui pois três sentidos: remédio, veneno e cosmético. Podemos conhecer, comunicar-se, encantar-se e, também, enganar-se. Então, a força da linguagem é assustadora (mitos, crenças, religiões, palavras-tabu, discursos, preces, depoimentos, poemas, romances, enfim).

Como linguagem simbólica, a Literatura é essencialmente figurativa, poética, e, sobretudo, metafórica. “A literatura é uma arte, a arte da palavra, isto é, um produto da imaginação criadora, cujo meio específico é a palavra, e cuja finalidade é despertar no leitor ou no ouvinte o prazer” (Afrânio Coutinho). Faz sonhar, provoca reflexões, diverte, constrói a identidade de um povo, e, evidentemente, denuncia a realidade. Literatura é ficção, é criação, imaginação. O escritor recria livremente a realidade, dando origem a uma realidade ficcional.

Assim, surge um conceito novo, para a nossa discussão: o conceito de “mímesis”:

Do gr. mímesis, “imitação” (imitatio, em latim), designa a ação ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou representação

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“A ARTE É A MAIS BELA DAS MENTIRAS.”

(Claude Debussy)

“O conhecimento sensível também é chamado de conhecimento empírico ou experiência sensível e suas formas principais são a sensação e a percepção. A tradição filosófica, até o século XX, distinguia sensação de percepção pelo grau de complexidade. A sensação é o que nos dá as qualidades exteriores e interiores, isto é, as qualidades dos objetos e os efeitos internos dessas qualidades sobre nós. Na sensação vemos, tocamos, sentimos, ouvimos qualidades puras e diretas: cores, odores, sabores, texturas. Sentimos o quente e o frio, o doce e o amargo, o liso e o rugoso, o vermelho e o ve rde, etc. Sentir é algo ambíguo, pois o sensível é, ao mesmo tempo, a qualidade que está no objeto e o sentimento interno que nosso corpo possui das qualidades sentidas. Por isso, a tradição costuma dizer que a sensação é uma reação corporal imediata a um estímulo ou excitação externa, sem que seja possível distinguir, no ato da sensação, o estímulo exterior e o sentimento interior. Essa distinção só poderia ser feita num laboratório, com análise de nossa anatomia, fisiologia e sistema nervoso. Quando examinamos a sensação, notamos que ninguém diz que sente o quente, vê o azul e engole o amargo. Pelo contrário, dizemos que a água está quente, que o céu é azul e que o alimento está amargo. Isto é, sentimos as qualidades como integrantes de seres mais amplos e complexos do que a sensação isolada de cada qualidade. Por isso, se diz que, na realidade, só temos sensações sob a forma de percepções, isto é, de sínteses de sensações.”

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da natureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de toda a arte. Heródoto foi o primeiro a utilizar o conceito e Aristófanes, em Tesmofórias (411), já o aplica. O fenômeno não é um exclusivo do processo artístico, pois toda atividade humana inclui procedimentos miméticos como a dança, a aprendizagem de línguas, os rituais religiosos, a prática desportiva, o domínio das novas tecnologias, etc. Por esta razão, Aristóteles defendia que era a mimesis que nos distinguia dos animais.

Os conceitos de mímesis e poeisis são nucleares na filosofia de Platão, na poética de Aristóteles e no pensamento teórico posterior sobre estética, referindo-se à criação da obra de arte e à forma como reproduz objetos pré-existentes. O primeiro termo aplica-se a artes tão autônomas e ao mesmo tempo tão próximas entre si como a poesia, a música e a dança, onde o artista se destaca pela forma como consegue imitar a realidade. Não se parte da ideia de uma construção imitativa passiva, como acontece na diegesis platônica, mas de uma visão do mundo necessariamente dinâmica. A mímesis pode indiciar a imitação do movimento dos animais ou o seu som, a imitação retórica de uma personagem conhecida, a imitação do simbolismo de um ícone ou a imitação de um ato musical. Estes exemplos podemos colhê-los facilmente na literatura grega clássica. As posições iniciais de Platão, na República, para quem a imitação é sobretudo produção de imagens e resultado de pura inspiração e entusiasmo do artista perante a natureza das coisas aparentemente reais (o que se vê em particular na comédia e na tragédia), e de Aristóteles, na Poética, para quem o poeta é um imitador do real por excelência, mas seu intérprete, função que compete ao cientista, foram largamente discutidas até hoje. Em particular, a questão da poesia ainda permanece em aberto: seguimos com Platão se aceitarmos que a imitação fica ao nível da lexis, ou seguimos com Aristóteles, se aceitarmos que todo o mundo representado ou logos está em causa e que não resta ao artista outra coisa que não seja descrever o mundo das coisas possíveis de acontecer, coisas a que chamamos verossimilhanças e não propriamente representações diretas do real? Os tratadistas latinos, como Horácio, vão defender o princípio aristotélico, reclamando que a pintura como a poesia (ut pictura poesis), por exemplo, são artes de imitação.

Também é interessante entender o conceito de verossimilhança.

Qualidade que faz a arte parecer verdadeira, apesar de todas as coisas impossíveis que ela possa dizer. A arte não é verdadeira, não é verídica, ela é verossímil, é semelhante à verdade. A arte desperta a ilusão - tem como referencial a impressão da verdade. De acordo com Salvatore D’Onofrio, em seu livro “Teoria do Texto”,

A obra de arte, por não ser relacionada diretamente com um referente do mundo exterior, não é verdadeira, mas possui a equivalência da verdade, a verossimilhança, que é a característica, que é característica indicadora do poder ser do poder acontecer. Distinguimos uma verossimilhança interna à própria obra, conferida pela conformidade com seus postulados hipotéticos e pela coerência de seus elementos estruturais: a motivação e a causalidade das seqüências narrativas, a equivalência dos atributos e das ações das personagens, a isotopia, a homorritmia, o paralelismo, etc.; e uma verossimilhança externa, que confere ao imaginário a caução formal do real pelo respeito às regras do bom senso e da opinião comum. Se faltar a verossimilhança interna, dizemos que a obra é incoerente ou aloucada, aproximando-se do não-sentido; se faltar a verossimilhança externa, entramos no domínio do gênero fantástico, definido por Todorov como uma hesitação entre o estranho e o maravilhoso, entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. Mais importante é a verossimilhança interna, a coerência estrutural da obra, porque, quanto à verossimilhança externa, a fuga para o fantástico, para o mundo da imaginação, é comum à literatura. Transformar um homem em animal (O asno de ouro, de Apuleio) uo em inseto (A metamorfose, de Kafka) e conferir a esses seres não-humanos inteligência e sentimentos fazem parte do heterocosmo poético, cujas leis podem ser homólogas, no máximo, mas nunca idênticas às do mundo real. A literatura de ficção supera a antítese do ser e do não ser, do real e do imaginário: a

personagem artística é, porque foi criada por seu autor, e, ao mesmo tempo, não é, porque nunca existiu no plano histórico.

Outra forte característica de um texto literário é a polissemia ou plurissignificação, que consiste na qualidade que tem a linguagem simbólica, de, a um só tempo, dizer e esconder, ou seja, é um signo aberto a inúmeras interpretação

A polissemia (capacidade de engendrar significados diversos), por exemplo, constitui-se como qualidade no texto literário, possibilitando que diferentes leitores identifiquem-se com o mesmo texto e produzam sentidos distintos, como também ao mesmo leitor realizar diferentes interpretações da mesma obra. Entretanto, como conceber que uma notícia, texto não literário, dê a possibilidade de múltiplos sentidos ao leitor? O texto literário, dessa forma, constitui-se por uma exploração da linguagem diversa da que é realizada no cotidiano. O leitor é desestabilizado e obrigado a usar sua criatividade para abandonar a forma de articulação da linguagem cotidiana, que geralmente prima pela objetividade e pelo sentido único, fechado - lembre-se a comparação anteriormente feita entre a obra literária e a notícia -, e criar significados novos (Mello apud Saraiva, Mügge, 2006, p. 31).

A conotação remete para as ideias e as associações que se acrescentam ao sentido original de uma palavra ou expressão, para as completar ou precisar a sua correcta aplicação num dado contexto. Por outras palavras, tudo aquilo que podemos atribuir a uma palavra para além do seu sentido imediato e dentro de uma certa lógica discursiva entra no domínio da conotação. Uma mesma expressão pode aplicar-se a coisas iguais e produzir diferentes associações, ou seja, diferentes conotações: "constante" pode aplicar-se a diferentes pessoais ou estados, diremos então que o seu primeiro sentido é o de "contínuo", "continuado", mas conforme a aplicação do conceito variar em função da natureza da coisa a que se aplica e do contexto em que se aplica, assim podemos dizer que essa coisa "constante" significa "tenaz", "uníssono", "leal", "inabalável", "estóico", "durável", "assíduo", "certo", "fixo", etc. Estes sentidos para além da primeira associação sinonímica constituem conotações. O uso corrente destas associações tende a generalizar-se de tal forma que muitas vezes falamos em conotação para qualquer variação ou diferenciação de sentido em relação ao sentido que esperávamos para um dado termo ou expressão.

Uma dica interessante: D, de dicionário, sentido direto, real da palavra; C, de criatividade ou contexto, por isso Conotação.

Há uma magnífica forma de você entender o conceito de uma metáfora: o filme “O carteiro e o poeta”, de 1994, que conta um pouco da história do extraordinário poeta Pablo Neruda. Há um trecho que merece ser apresentado aqui:

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Poeta - “Metáfora é quando fala uma coisa, mas compara com outra. Por exemplo, o céu chora, o que quer dizer que está chovendo”.Carteiro – “E por que tem um nome tão complicado?”.Poeta – “O homem não tem direito sobre a simplicidade e a complexidade das coisas”.Quando o carteiro pediu para que ele explicasse melhor, o poeta acrescenta:“Quando tentamos explicar, a poesia se torna banal. Melhor do que qualquer explicação é a experiência das emoções que a poesia revela para uma alma disposta a compreendê-la”.Mais tarde, o carteiro pergunta: “Como me torno um poeta?”.O poeta – “Vá caminhando ao longo da baía e observe tudo”.Carteiro – “E vou aprender a criar metáforas?”.Poeta – “Certamente”.

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Ou seja, a metáfora é uma transferência de significado, ou, para ficar bem simplificado, é o uso criativo da palavra, fazendo com que ela adquira novos significados. Aristóteles diz: "A metáfora consiste em dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa: transferência que pode realizar-se do gênero para a espécie, da espécie para o gênero, de uma espécie para outra ou com base numa analogia" (Poética., 21, 1457 b 7). Sendo assim, a semelhança entre um objeto se dá de forma real ou imaginária: dentes do pente; pé da mesa; o fumo da glória; serra, que no latim clássico era só a ferramenta do carpinteiro, passou no latim vulgar, no português, no espanhol e no catalão a indicar cadeia de montanhas, dada a semelhança das cristas com os dentes da ferramenta. Há expressões que, a princípio, iniciaram-se como metáfora e que, pelo uso, tornam-se cotidianas. É importante entender que, no caso da Literatura, não há gratuidade nem inconsciência quanto à criação de metáforas. O escritor tem consciência sobre os aspectos da linguagem e, no íntimo, brinca com as palavras. Por isso, uma das características da metáfora é o “estranhamento”; outra, é o deslocamento do significado. Ou seja, há uma impertinência, algo incomum, que fugiu à normalidade, que nos surpreendeu. Constatada a impertinência, o receptor da mensagem vai aplicar à situação um algoritmo metafórico. Se a aplicação for plausível teremos a metáfora, caso contrário, um lapso, uma impropriedade ou outro fenômeno. O algoritmo da metáfora comporta até quatro elementos:

comparado. comparante. atributo explícito. atributo implícito. Assim como na comparação, o objetivo da metáfora é dar

expressividade a uma atribuição. A metáfora é uma comparação elíptica em que sempre está ausente o atributo comum. Em muitos casos também faltam as balizas de comparação: 'como', 'tal qual', etc. A metáfora agrega significação ao discurso relativamente ao enunciado próprio que vem da sua decifração. Esse agregado de significação é que torna a metáfora um recurso espetacular de expressão, insubstituível, em muitos casos,  por outros recursos.

A metáfora, juntamente com um conjunto de figuras de linguagem, insere-se em uma categoria denominada Tropos (= girar), em que há uma mudança de significado. Funcionam assim, como figuras de linguagem, a sinédoque, a metonímia, a ironia, a alegoria, o oximoro, a hipérbole.

Conceito tradicional e essencial para a compreensão do processo de significação da linguagem humana, a metáfora pode ser definida como uma transferência de significado que tem como base uma analogia: dois conceitos são relacionados por apresentarem, na concepção do falante, algum ponto em comum. A partir daí, amplia-se o campo de abrangência do vocábulo, instaurando-se a polissemia, essencial para que se realize qualquer processo de mudança, que exige variação e continuidade. Em termos cognitivos, os procedimentos analógicos apóiam-se em conceitos mais concretos e mais próximos à experiência do indivíduo. Dessa maneira, ele pode estender sua compreensão para níveis mais complexos e abstratos de apreensão e conhecimento da realidade. Esse procedimento é altamente produtivo na ampliação e renovação do vocabulário de uma língua.

É possível reconhecer que, em praticamente, todas as figuras de linguagem, por excelência, existe um raciocínio metafórico, pois partem de criações humanas no universo da linguagem. Cabe a cada um, em grau maior ou menor, buscar suas metáforas, seja na literatura, seja na vida.

Mais uma vez, citarei um poeta paraibano para nos ilustrar um pouco o sentido da metáfora poética:

Outro exemplo muito bom é dado pelo compositor Gilberto Gil, na canção “Metáfora”:

ÍCARO

Quem fere o pássaro fere           o vôo fere a si mesmo (in)tenso Ícaro

o vôo é o alicerce do pássaro (não o contrário)

o vôo - imagina-se é mais leve que o ar.

André Ricardo Aguiar

Uma lata existe para conter algo Mas quando o poeta diz: "lata" Pode estar querendo dizer o incontível

Uma meta existe para ser um alvo Mas quando o poeta diz: "meta" Pode estar querendo dizer o inatingível

Por isso, não se meta a exigir do poeta Que determine o conteúdo em sua lataNa lata do poeta tudonada cabe Pois ao poeta cabe fazer Com que na lata venha caber O incabível

Deixe a meta do poeta, não discuta Deixe a sua meta fora da disputa Meta dentro e fora, lata absoluta Deixe-a simplesmente metáfora

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Qualquer processo de comunicação se compõe basicamente dos seguintes elementos:

A multiplicidade de funções da linguagem verbal possibilita a cada homem participar da sociedade, integrando-se em um processo cultural mais amplo. Partindo do pressuposto de que a língua representa uma cultura e tem, portanto, um valor de representação, inúmeros lingüistas desenvolveram hipóteses teóricas na tentativa de descrever um conjunto mais amplo de funções.

Karl Bühler, lingüista e psicólogo alemão, sistematizou as funções da linguagem tomando, como ponto de partida, a representação - característica, por excelência, da língua - e reconhecendo duas outras funções, a manifestação psíquica e o apelo. Jakobson, por sua vez, manteve as três funções apontadas anteriormente, mas atribuiu-lhes novos nomes: referencial, emotiva e conativa, respectivamente. Além disto, introduziu três novas funções: fática, metalingüística e poética. Distinguiu, portanto, seis funções ao todo, relacionando cada uma delas a um dos componentes do processo comunicativo. Desta forma, em cada ato de fala, dependendo de sua finalidade, destaca-se um dos elementos da comunicação, e, por conseguinte, uma das funções da linguagem.

Para transmitir mensagens, o fundamental é que haja uma fonte e um destino, distintos no tempo e no espaço. A fonte é geradora da mensagem e o destino é o fim para o qual a mensagem se dirige. Nesse caminho de passagem, o que possibilita à mensagem caminhar é o canal. Na verdade o que transita pelo canal são sinais físicos, concretos, codificados. Codificar significa obedecer a determinadas convenções preestabelecidas pela fonte e pelo destino, que conhecem o que foi estabelecido a respeito daqueles sinais. Quer dizer: código é a organização dos elementos que compõem um conjunto, com regras de permissão e de proibição que determinam o modo da ocorrência da combinação desses sinais físicos. Isto é, só há mensagem se houver codificação. Em síntese: a fonte codifica sinais, constrói mensagens sobre certo objeto , e as envia a um destinatário, usando um suporte físico, que é o canal.Acrescente-se aos anteriores, o contexto histórico, pois a linguagem é, por natureza social, dinâmica, e, sendo assim, há modificações em todos os elementos da comunicação, quando submetidos a processos históricos.

Quadro das funções da linguagem

Elementos da comunicação Função da LinguagemContexto (referente) ReferencialRemetente EmotivaMensagem PoéticaDestinatário ConativaCanal FáticaCódigo Metalingüística

É preciso esclarecer que as seis funções não se excluem - dificilmente temos, em uma mensagem, apenas uma dessas funções. Entretanto, é engano pensar que todas estejam presentes simultaneamente. O que pode ocorrer é o domínio de uma das funções; assim, temos mensagens predominantemente referenciais, predominantemente expressivas, etc.

Atualmente, a tendência é considerar duas grandes funções da linguagem: a cognitiva ou referencial e a pragmática ou interacional. Ingedore Koch, em “Linguagem e Interação”, ao procurar descrever e explicar as estratégias lingüísticas utilizadas pelo ser humano para interagir socialmente, discute as diferentes concepções de linguagem:

As figuras de linguagem classificam-se em:a) Figuras de palavrab) Figuras de pensamentoc) Figuras de construção ou de sintaxed) Figuras sonoras ou de harmonia

OBSERVAÇÃO:Em concursos públicos, são raras as questões sobre figuras de linguagem. Já em vestibulares a ocorrência é grande.Figuras de palavraAs figuras de palavra consistem no emprego de uma palavra num sentido não convencional, ou seja, num sentido conotativo.São figuras de palavra a comparação, a metáfora, a catacrese, a metonímia, a antonomásia e d sinestesia.

COMPARAÇÃOOcorre comparação quando se estabelece aproximação entre dois elementos que se identificam, ligados por nexos comparativos explícitos - como, tal qual, assim como, que nem, feito, etc. - e por alguns verbos - parecer, assemelharse, etc.”E há poetas que são artistasE trabalham nos seus versosComo um carpinteiro nas tábuas!” (Alberto Caeiro)”E flutuou no ar como se fosse um príncipe.E se acabou no chão feito um pacote bêbado.” (Chico Buarque de Holanda)

METÁFORAEssa figura de palavra ocorre quando um termo substitui outro a partir de uma relação de semelhança entre os elementos que esses

"A linguagem humana tem sido concebida, no curso da História, de maneiras bastante diversas, que podem ser sintetizadas em três principais: a) como representação ("espelho") do mundo e do pensamento;b) como instrumento ('ferramenta") de comunicação;c) como forma ("lugar") de ação ou interação.

A mais antiga destas concepções é, sem dúvida, a primeira, embora continue tendo seus defensores na atualidade. Segundo ela, o homem representa para si o mundo através da linguagem e, assim sendo, a função da língua é representar (= refletir) seu pensamento e seu conhecimento de mundo.

A segunda concepção considera a língua como um código através do qual um emissor comunica a um receptor determinadas mensagens. A principal função da linguagem é, neste caso, a transmissão de informações.

A terceira concepção, finalmente, é aquela que encara a linguagem como atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos, levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes. Trata-se, como diz Geraldi (1991), de um jogo que se joga na sociedade, na interlocução, e é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo."

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termos designam. A metáfora também pode ser entendida como uma comparação abreviada, em que o nexo comparativo não está expresso, mas subentendido:”Sua boca é um cadeadoE meu corpo é uma fogueira.” (Chico Buarque de Holanda)”O tempo é uma cadeira ao so!, e nada mais.” (Carlos Drummond de Andrade) ”Meu cartão de crédito é uma navalha.” (Cazuza)

CATACRESEÉ uma espécie de metáfora em que se emprega uma palavra no sentido figurado por hábito ou esquecimento de sua etimologia:”Usei a casa da lua As asas do vento Os braços do mar O pé da montanhaCriei uma criaturaUm bicho, uma coisaUm não-sei-que-láComposição estranha.” (Ronaldo Tapajós e Renato Rocha)”Ninguém coca as costas da cadeira.Ninguém chupa a manga da camisa.O piano jamais abana a cauda.Tem asa, porém não voa, a xícara.” (José Paulo Paes)

METONÍMIAÉ o emprego de um nome por outro em virtude de haver entre eles algum relacionamento.A metonímia ocorre quando se emprega:a) a causa pelo efeito.Vivo do meu trabalho, (do produto do trabalho = alimento)b) o efeito pela causa:Aquele poeta bebeu a morte. (= veneno)c) o instrumento pelo usuário:Os microfones corriam no gramado. (= repórteres)d) o autor pela obra:Leio Drummond, o nosso poeta. (= a obra de Carlos Drummond de Andrade)e) o continente pelo conteúdo:”Bebeu uma xícara de café requentado.” (= o conteúdo de uma xícara)(Ézio Pinto Monteiro)f) o símbolo pelo simbolizado:A coroa foi disputada pelos irmãos. (= poder)g) o concreto pelo abstrato:”E mães, a agonizar de fome e de cansaço, Levam com o coração mais do que com os braços Os filhos pequeninos.” (= sentimento)(Vicente de Carvalho)h) o abstrato pelo concreto:Um dia a virtude vencerá. (= os virtuosos)i) o lugar de produção pelo produto:”Corria o champanhe, gargalhava-se, a pândega ia avante.”(= vinho espumante da região de Champagne, França)(Maria Archer)j) o inventor pelo invento:Gutenberg possibilitou a difusão do conhecimento. (= a invenção de Gutenberg - imprensa)l) a parte pelo todo:Falta-me um teto hospitaleiro. (= casa)m) o todo pela parte:”Ele morava na Rua do Senador Eusébio.”(= numa casa da Rua do Senador Eusébio)(Artur Azevedo)n) o material pelo objeto:”Deram agora seis horas Nos bronzesDa enorme catedral.” (= sinos)(Antônio Boto)o) o singular pelo plural.”No Brasil, convencionou-se que o carioca e o baiano são carnavalizadores. (= todos os cariocas; todos os baianos)(Afonso de Sant’Ana)p) o nome próprio pelo comum (o indivíduo pela espécie):Na calada da noite, revelou-se um judas. (= traidor)q) a marca pelo produto:”Põe meia dúzia de Brahma pra gelar, muda a roupa de cama, eu tô voltando.” (= cerveja) (Maurício Tapajós / Paulo C. Pinheiro)

OBSERVAÇÃO: Nos casos m, n, o, p e q encontramos sinédoque, um tipo especial de substituição. Modernamente, a metonímia compreende a sinédoque.

ANTONOMÁSIAÉ a figura que consiste em designar uma pessoa por uma característica, feito ou fato que a tornou notória:O Príncipe dos Poetas notabilizou-se também por suas atividades cívicas.(= Olavo Bilac)O Boca do Inferno satirizou costumes e princípios. (= Gregório de Matos Guerra)Outros exemplos:O Poeta dos Escravos (= Castro Alves)Lampião (= Virgulino Ferreira) O Corso (= Napoleão Bonaparte)

SINESTESIAConsiste no cruzamento de palavras que transmitem sensações diferentes. Tais sensações podem ser físicas ou psicológicas:Um doce abraço indicava que o pai o desculpara, (sensações gustativa e tátil, respectivamente)As derrotas do Corinthians deixam um gostinho de prazer nos adversários, (sensações gustativa e psicológica, respectivamente)Figuras de pensamentoAs figuras de pensamento são recursos que se relacionam à semântica, ou seja, ao significado das palavras. Classificam-se em: antítese, eufemismo, gradação, hipérbole, prosopopéia, paradoxo, perífrase, apóstrofe e ironia.

ANTÍTESEÉ o emprego de palavras ou expressões de significados opostos:”No sonho em que se perdeu,Banhou-se toda em luar...Queria subir ao céu,Queria descer ao mar...” (Alphonsus de Guimaraens)”Não sou alegre nem sou triste:sou poeta.” (Cecília Meireles)

EUFEMISMOÉ o recurso utilizado para atenuar um pensamento desagradável ou chocante:”Era incapaz de apropriar-se do alheio.” (= roubar)• (José Américo)O infeliz pôs termo à vida tragicamente. (= suicidou-se)

Obs.: Lítotes consiste em afirmar o positivo pelo negativo, ou seja, nega-se o contrário do que se deseja afirmar (negação do oposto ou contrário). Quando dizemos, por exemplo, que “Paulo não está no seu juízo perfeito”, nossa intenção é, na verdade, dizer que “Paulo está louco”. Essa atenuação do pensamento serve à ênfase dissimulada, o que aproxima o Lítotes do eufemismo e da ironia. Daí considerar-se esta figura de linguagem sinônima aproximada de Eufemismo e antônimo de Hipérbole (exagero).

GRADAÇÃOÉ a seqüência de palavras que intensificam uma mesma idéia:”Porque gado a gente marca, Tange, ferra, engorda e mata,Mas com gente é diferente.” (Geraldo Vandré)”E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!” (Olavo Bilac)

HIPERBOLEÉ o recurso de expressão pelo qual se engrandece ou diminui de forma exagerada uma afirmação:”Ai mamãe, minha mãe, o travesseiroeu ensopei de lágrimas ardentes.” (Carlos Drummond de Andrade)”Rios te correrão dos olhos, se chorares.” (Olavo Bilac)

PROSOPOPÉIAConsiste em emprestar ação, voz ou sentimento humanos a seres inanimados, irracionais ou imaginários:”Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume.” (Machado de Assis)

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”Dorme, ruazinha, é tudo escuro.” (Mário Qumtana)

PARADOXOConsiste no emprego de palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas, no contexto, reforçam a expressão.”... e estirado no leito... ri, num doloroso riso, deste mundo burlesco e sórdido.”(Eça de Queirós)”... se me afigurava ser um pedaço de cera, que se derretia, com horrenda delícia, num forno rubro e rugidor!”(Eça de Queirós)

Obs.: Oximoro é o recurso estilístico que representa um «paradoxo intelectual», revelador da atitude do sujeito poético/de enunciação perante determinada realidade. Por sua vez, o paradoxo, apesar de ser uma das características do oxímoro, é um termo mais abrangente, que se aplica a todas as situações em que o insólito e o ilógico se destaquem.

QUIASMO (de Grego, Khiasmós = disposto em cruz)Que por seu turno, deriva da letra grega [X] qui. O quiasmo é

uma espécie de antítese; também conhecido como antimetábole. Consiste no cruzamento de grupos sintáticos paralelos (dois ou quatro vocábulos), de forma que o grupo de vocábulos do primeiro se repete no segundo em ordem inversa (AB x BA):

Melhor é merecê-los [a] sem os ter [b]Que possuí-los [b] sem os merecer. [a] (Os Lusíadas, c IX, 93)

Com dois elementos:Desfeito em cinzas, Em lágrimas desfeito.

O quiasmo também pode ser encontrado na prosa: “De certos homens, dizia Sócrates, que não comiam para viver, mas só viviam para comer.“ (Pe. Antônio Vieira) “Risos que se umedeciam de lágrimas e lágrimas que se esmaltavam de risos.” (Antônio Patrício)

PERÍFRASEÉ uma expressão que designa um ser através de alguma de suas características ou atributos, ou de um fato que o tornou conhecido:Visitaremos a cidade maravilhosa. (= Rio de Janeiro)O ouro negro jorrou em vários pontos do continente de Colombo.(= petróleo, América)

APÓSTROFEÉ a interpelação enfática de pessoas ou seres personificados:”Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?” (Castro Alves)”Desce do espaço imenso, ó águia do oceano.” (Castro Alves) ”- Ó vida futura! nós te criaremos.” (Carlos Drummond de Andrade)

IRONIAÉ o recurso lingüístico que consiste em afirmar o contrário do que se pensa, geralmente num tom depreciativo e sarcástico:Vejam os magníficos feitos desses honestíssimos políticos: dilapidaram os bens do país e fomentaram a corrupção.”Moça linda, bem tratada,três séculos de família,burra como uma porta:um amor.” (Mário de Andrade)Figuras de construção ou de sintaxeAs figuras de construção ou de sintaxe são os desvios que se evidenciam na construção normal do período. Ocorrem na concordância, na ordem e na construção dos termos da oração.São as seguintes: elipse, zeugma, pleonasmo, assíndeto, polissíndeto, anacoluto, hipérbato, hipálage, anáfora e silepse.

ELIPSEOcorre quando se omitem termos facilmente identificáveis pelo contexto:”Estava à toa na vida O meu amor me chamou Pra ver a banda passarCantando coisas de amor.” (= Eu estava à toa na vida) (Chico Buarque de Holanda)

”Tão bom se ela estivesse viva me ver assim.” (= Tão bom se ela estivesse viva para me ver assim.) (Antônio Olavo Pereira)”A tarde talvez fosse azul, Não houvesse tantos desejos.” (= Se não houvesse tantos desejos)(Carlos Drummond de Andrade)

ZEUGMAOcorre quando se omitem termos já expressos no texto:”O meu pai era paulistaMeu avô, pernambucano (= Meu avô era pernambucano O meu bisavô, mineiro O meu bisavô era mineiro Meu tataravô, baiano.” Meu tataravô era baiano.)(Chico Buarque de Holanda)”Vieira vivia para fora, para a cidade, para a corte, para o mundo;Bernardes para a cela, para si, para o seu coração.” ( = Bernardes vivia para a cela, para si, para o seu coração.)(Antônio Feliciano de Castilho)

PLEONASMOÉ a repetição de uma idéia ou de uma função sintática. A sua finalidade é enfatizar a mensagem.Repetição de idéiasRepetição de função sintáticaChoramos um choro sentido.VTD ODEle sempre viveu uma vida simples e calma.VTD ODA ti nada te devo.OI OD OI VTDI pleonásticoEste erro, jamais o cometerei novamente.OD OD VTDpleonásticoOutros exemplos:”Todos nus e da cor da treva escura.” (Camões)”A esse, Deus lhe dará uma vida de novo.” (Jorge de Lima)”O ato do vizinho é muito mais importante do que lhe parece a ele.”(Carlos Drummond de Andrade)

OBSERVAÇÃO: O pleonasmo, quando perde seu caráter enfático, é chamado vicioso. Esse tipo de pleonasmo será estudado no capítulo sobre vícios de linguagem.

ASSÍNDETOÉ a supressão de um conectivo entre elementos coordenados:”Todo coberto de medo, juro, minto, afirmo, assino.” (Cecília Meireles)”Agachou-se, atiçou o fogo, apanhou uma brasa com a colher, acendeu ocachimbo, pôs-se a chupar o canudo do taquari cheio de sarro.”(Gradliano Ramos)”Luciana subia à janela da cozinha, sondava os arredores, bradava com desespero...”(Graciliano Ramos)

POLISSÍNDETOConsiste na repetição intencional de um conectivo coordenativo (geralmente a conjunção e):”... e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre...” (Clarice Lispector)”E o olhar estaria ansioso esperandoe a cabeça ao sabor da mágoa balançandoe o coração fugindo e o coração voltandoe os minutos passando e os minutos passando...” (Vinícius de Moraes)”E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco.” (Carlos Drummond de Andrade)

ANACOLUTOÉ a expressão que deixa um termo inicial sintaticamente desligado do restante do período. O tipo mais comum é aquele em que um elemento parece que vai ser o sujeito da oração, mas acaba ficando sem função sintática.

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”Essas empregadas de hoje, não se pode confiar nelas.” (Alcântara Machado)”Tua mãe, não há idade nem desgraça que lhe amolgue a índole rancorosa.”(Camilo Castelo Branco)”Aquela mina de ouro, ela não ia deixar que outras espertas botassem as mãos.”(Camilo Castelo Branco)

HIPÉRBATOÉ o deslocamento dos termos da oração ou das orações no penado:”Bendito o que, na Terra, fez o fogo, e o teto.” (= Bendito o que fez o fogo e o teto na Terra.)(Olavo Bilac) ”É estade teu querido pai a mesma barba a mesma boca e testa.”(= É esta a mesma barba, a mesma boca e testa de teu querido pai.) (Tomás Antônio Gonzaga)

HIPÁLAGEOcorre quando se atribui a uma palavra uma característica que pertence a outra da mesma frase:”Em cada olho um grito castanho de ódio.” (Dalton Trevisan) (= Em cada olho castanho um grito de ódio.)”Houve um ruído domingueiro de saias engomadas.” (Eça de Queirós) (= Houve um ruído de saias domingueiras engomadas.)

ANÁFORAÉ a repetição da mesma palavra ou expressão no início de várias orações, períodos ou versos:” Tudo é silêncio, tudo calma, tudomudez.” (Olavo Bilac)” Vi uma estrela tão alta,Vi uma estrela tão fria!Vi uma estrela luzindoNa minha vida vazia.” (Manuel Bandeira)

SILEPSEOcorre quando a concordância se faz com a idéia subentendida, e não com os termos expressos.A silepse pode ser:a) de gênero:Moro na velha Santos. t palavra expressa: masculinaOutros exemplos:”Quando a gente é novo, gosta de fazer bonito.” (Guimarães Rosa)”Admitindo a idéia de que eu fosse capaz de semelhante vilania,S. M. foi cruelmente injusto para comigo.”(Alexandre Herculano)

b) de número:idéia plural: pessoas”Corria gente de todos os lados, e gritavam.” (Mário Barreto) Outros exemplos:”Muita gente anda no mundo sem saber pra quê: vivem porquevêem os outros viverem.”(J. Simões Lopes Neto)”Um grupo mais numeroso descia da ladeira e parava a alguns passos.Falavam alto, comentando ainda as peripécias do leilão.”(Afrânio Peixoto)

c) de pessoa:Os brasileiros somos bastante otimistas.Outros exemplos: ’ ”Na noite seguinte estávamos reunidas algumas pessoas.”(Machado de Assis)”Quanto à pátria da Origem, todos os homens somos do Céu.” (Pe. Manuel Bernardes)

Figuras sonoras ou de harmoniaAs figuras sonoras ou de harmonia constituem na utilização de efeitos da linguagem para reproduzir os sons produzidos pelos seres. São elas a aliteração, a assonância, a paronomasia e a onomatopéia.

ALITERAÇÃOOcorre quando fonemas consonantais se repetem ordenadamente na frase: ”Será que ela mexe o chocalho Ou é o chocalho que mexe com ela.” (Chico Buarque de Holanda)O vento vazava zunindo pelos vãos das velhas venezianas.

ASSONÂNCIAConsiste na seqüência ordenada de fonemas vocálicos ao longo da frase:”Quando a manhã madrugavacalmaaltaclaraClara morria de amor.” (Caetano Veloso)”Sou Ana, da cama da cana, fulana, bacanaSou Ana de Amsterdã.” (Chico Buarque de Holanda)

PARONOMASIAOcorre quando se aproximam palavras de sons parecidos, porém de significados diferentes:”Quem vê um frutoNão vê um furto.” (Mário Quintana)”Oxalá estejam limpasas roupas brancas da sextaas roupas brancas da cesta.” (Paulo Lemmski)

ONOMATOPÉIAA onomatopéia consiste no emprego de uma palavra ou conjunto de palavras que sugerem o ruído natural dos seres:”Chocalhos tilintariam pelos arredores.” (Graciliano Ramos)” - Porque o tic-tic, o toc-toc, ou o puc-puc da máquina me picota a cuca.”(Mário Quíntana)

VÍCIOS DE LINGUAGEMVícios de linguagem são desvios das normas gramaticais do idioma, ou seja, o desrespeito às regras da língua-padrão em virtude de desconhecimento ou má assimilação dessas regras por parte de quem fala ou escreve.Os vícios de linguagem classificam-se em: barbarismo, solecismo, ambigüidade ou anfibologia, cacofonia, pleonasmo vicioso, eco, colisão e hiato.

BarbarismoÉ o emprego de palavras ou expressões estranhas ao idioma. Existem os seguintes tipos de barbarismo:a) cacografia - é a má grafia ou flexão de uma palavra:pobrema (em vez de problema) ?magérrimo (em vez de macérrimo)excessão (em vez de exceção)mendingo (em vez de mendigo)mortandela (em vez de mortadela)interviram (em vez de intervieram)uma dó (em vez de um dó)b) silabada - é o deslocamento do acento prosódico de uma palavra:púdico (em vez de pudico)filântropo (em vez de filantropo)catéter (em vez de cateter)ibero (em vez de ibero) rubrica (em vez de rubrica)latex (em vez de látex) ínterim (em vez de ínterinj)

c) estrangeirismo - é o emprego de palavras pertencentes a línguas estrangeiras. De acordo com a origem, recebem o nome de galicismo ou francesismo, anglicismo, italianismo, germanismo, etc. A rigor, o estrangeirismo ocorre quando se grafa uma palavra como na língua de origem:carnet (em vez de carne ou talão de compras)pedigree (em vez de linhagem, raça)shampoo (em vez de xampu)comer (em vez de escanteio)démodé (em vez de fora de moda)rentrée (em vez de retorno, volta, reapresentação)week-end (em vez de fim de semana)

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site (em vez de sítio)

SolecismoÉ qualquer erro cometido contra as regras da sintaxe. Os desacertos de concordância, regência e colocação são denominados solecismos.0 solecismo, portanto, consiste nos desvios da sintaxe:a) de concordância:Ainda falta cinco minutos para as oito horas, (em vez de: faltam)b) de regência:Devemos obedecer os mais velhos, (em vez de: aos mais velhos)c) de colocação:Darei-te todo o meu apoio, (em vez de: Dar-te-ei)Ambigüidade ou anfibologiaÉ o sentido ambíguo resultante da má construção da frase:O guarda conduzia o garoto para sua casa. (casa de quem?) O pai discutia com o filho sobre sua educação, (educação de quem?)

CacofoniaOcorre quando sílabas de palavras diferentes se encontram, resultando em uma terceira palavra de sentido ridículo ou, às vezes, indecoroso:Da beca dela só sai asneiras.Na vez passada nós ganhamos o jogo.Pleonasmo viciosoÉ o uso de palavras ou expressões redundantes e desnecessárias:A bola saiu para fora do campo.Fabiano é o principal protagonista de Vidas Secas.I OBSERVAÇÃOQuando se emprega com valor enfático, o pleonasmo deixa de ser vicioso: ”Ri tua face um riso acerbo e doente.” (Cruz e Sousa)EcoÉ o efeito sonoro desagradável produzido por uma seqüência de palavras com a mesma terminação:João teve a sensação de que a sua atuação foi uma decepção.Também naquele armazém ninguém conhecia o Araquém!ColisãoÉ o efeito sonoro desagradável produzido pela repetição de fonemas consonantais idênticos ou semelhantes:A rica rainha reinava radiante e sorridente.Talvez fosse necessário que você permitisse que a Clarisse mentisse para você.HiatoÉ a seqüência de palavras com fonemas vocálicos que produzem um efeito sonoro desagradável:Receba a Aurora agora, por favor.Todos sabiam que eh a agradava a toa.

Para entendermos o que vem a ser um texto, é necessário antes compreendermos o que é Língua, Sujeito e Sentido. A concepção de Sujeito da linguagem varia de acordo com a concepção de Língua:[1] A língua é um instrumento que se encontra à disposição dos indivíduos → SUJEITO CONSCIENTE (interpretar é descobrir a intenção do falante)[2] A língua é um discurso anterior que fala através dele (mundo ideológico) → ASSUJEITAMENTO (quem fala é um sujeito social)[3] A língua como um lugar de interação → SUJEITO PSICOSSOCIAL (o caráter ativo dos sujeitos na produção mesma do social e da interação e defendendo a posição de que os sujeitos (re)produzem o social na medida em que participam ativamente da definição da situação na qual se acham engajados, e que são atores na atualização das imagens e das representações sem as quais a comunicação não poderia existir.

Assim, Língua torna-se uma atividade interativa altamente complexa de produção dos sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes e sua reconstrução no interior do evento comunicativo.

Sujeito é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro. Eu sou na medida em que interajo com o outro. É o outro quem dá a medida

do que sou. A identidade se constrói nessa relação dinâmica com a alteridade.

Por fim, texto passa a significar:

O sentido de um texto é, portanto, construído na interação texto-sujeitos e não algo que preexista a essa interação. Texto é um evento comunicativo no qual convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais (caráter dialogal), designando toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma escultura, um poema etc.), e, em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso dos diálogos) e o evento de sua enunciação (Fávero e Koch, 1983, p. 25).

A expressão tipo textual é usada para designar uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas).

Basicamente, há os seguintes tipos textuais:Descrição: consiste em descrever as características que compõem

um determinado objeto, ambiente, paisagem ou pessoa, lembrando que, esta última pode ser descrita/caracterizada, pelo seu lado físico, psicológico ou por suas ações.

É difícil separar descrição de narração, pois o que é narrado se desenvolve em um espaço que possui uma funcionalidade e que, por sua vez, envolve personagens devidamente caracterizadas. A descrição do espaço e das personagens nele envolvidas constituem uma forma narrativa. Dizemos isto, porque é comum, que características opostas das personagens revelem o conflito de uma narrativa, bem como, a descrição do espaço pode revelar traços psicológicos das personagens.

Narração: consiste em contarmos um ou mais fatos, reais ou imaginários, que ocorreram em determinado tempo e lugar, envolvendo certas personagens. O processo narrativo é dinâmico, pois está sujeito a transformações, expressas em equilíbrios e desequilíbrios.

Os elementos básicos são: enredo, narrador, personagens, tempo, espaço e conflito.

Dissertação: consiste na exposição de nossas idéias, nossas opiniões, nossos pontos de vista, seguidos de argumentos que os comprovem.

Para se escrever um texto dissertativo é necessário ter conhecimento sobre o assunto e assim, tomar uma posição crítica com relação a ele. Para a formação de nossa opinião, precisamos nos munir de dados, informações, idéias e, também, opiniões de pessoas relacionadas diretamente com assunto.

Texto injuntivo é o tipo de texto que leva o leitor a mais que uma simples informação. Instrui o leitor! Não é o texto que argumenta, que narra, que debate, mas que leva o leitor a determinada orientação transformadora. O texto injuntivo-instrucional pode ter o poder de transformar o comportamento do leitor.

Para que se fique claro: o tipo textual é um comportamento característico de cada texto em caso concreto (gênero). Ou seja, para se narrar um fato, recorre-se ao uso de verbos, geralmente, no pretérito perfeito. Para se descrever uma cena, utiliza-se de verbos não-nocionais, bem como o uso de substantivos e adjetivos, enfim, são marcas contidas em cada realização textual. Um boletim de ocorrência é um gênero textual, que apresenta tanto a tipologia narrativa, como a tipologia

o lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos. Desta forma, há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como plano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação. (Fávero e Koch)

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descritiva. Um romance é um gênero textual, que usa predominantemente do tipo narrativo, mas pode trazer elementos descritivos e até mesmo argumentativos (Romance Tese).

A expressão gênero textual é usada como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam característica sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição características.

O conhecimento ocidental sobre os gêneros literários tem sua origem no pensamento filosófico grego, em especial Platão e Aristóteles. No livro A República, parte 3, Platão (reproduzindo o pensamento de Sócrates) nos ensina que há três tipos de obras poéticas: “inteiramente imitação”, que seria a Tragédia e a Comédia (Dramática); “um simples relato”, isso encontraríamos nos ditirambos (seria um antepassado na Lírica, embora com algumas distinções); “o terceiro tipo une ambas as coisas” (Épica ou Epopéia), em que há manifestações do próprio poeta, seja quando o poeta constrói suas personagens. Aristóteles, em A Arte Poética, até certo ponto traz a mesma idéia de seu mestre. Para Aristóteles, há várias maneiras literárias de imitar (mímesis) a natureza, em especial, a Dramática, a Lírica e a Epopeia.

Por mais que muitos teóricos critiquem (com certa razão), a teoria dos três gêneros, como arquiformas literárias, ainda se mantém inabalada. Ao se estudar as formas literárias, principalmente, os gêneros literários, é comum que partamos de uma compreensão normativa destes fenômenos. Assim, desconsidera-se a relação dialética existente no fenômeno estético, entre a a forma de expressão e o conteúdo formalizado. Passa-se a entender os gêneros como institutos absolutos dotados de regramento próprio. Anatol Rosenfeld nos alerta para a artificialidade dessa visão:

O citado crítico nos ensina ainda que, no estudo dos gêneros literários, é possível apresentar um duplo significado: Substantivo, associado mais à estrutura dos gêneros (A Lírica, A Épica e A Dramática); Adjetivo, associado a traços estilísticos contidos em qualquer texto que, em grau maior ou menor, podem aparecer em qualquer gênero. Ou seja, um poema pertence ao gênero Lírico, mas é possível encontrar um poema-épico ou um poema narrativo, ou até mesmo um poema dramático (como em Morte e Vida Severina), ou um romance poético (em Iracema). O significado substantivo, de certa forma, “fecha” a noção de gênero; ao passo que o significado adjetivo dá uma amplitude maior ao gênero literário, inclusive para a aceitação desses traços em um ambiente extra-linguístico.

Num poema lírico, uma voz central (eu-lírico) exprime um estado de alma e o traduz em palavras. Trata-se essencialmente da expressão de emoções e disposições psíquicas, muitas vezes também de concepções, reflexões e visões enquanto intensamente vividas e experimentadas. Em virtude do cunho emotivo-reflexivo, é comum encontrarmos como característica deste gênero certa brevidade (a poesia é mais curta que a prosa).

I) CONCEITO DE POESIA:

“É a qualidade particular de tudo o que toca o espírito, provocando emoção e prazer estético” (MAIA: 2004).

II) CARACTERÍSTICAS

a) O poema é uma expressão verbal rítmica → a magia dos sons;b) Harmonia das palavras;c) Versificação;d) Musicalização;e) Sentimentalismo;f) Imaginação;g) Rimas;h) Liberdade criadora;i) Sonoridadej) Forma (fixa ou livre)

CARACTERÍRTICAS COMUNS À PROSA E À POESIA

a) Correção → conhecer a língua;b) Concisão → o máximo de expressividade com o mínimo dispêndio verbal;c) Clareza → ser compreendido sem dificuldades;d) Precisão;e) Naturalidade;f) Nobreza de linguagem;g) Originalidade→ criação poética;h) Harmonia.

III) NOÇÕES DE VERSIFICAÇÃO

1) O QUE É O VERSO:

“É a unidade rítmica do poema” (MANUEL BANDEIRA)

2) CONTAGEM DAS SÍLABAS DO VERSO

ESCANSÃO → é a contagem dos sons dos versos.

REGRAS:

1) Contam-se os versos somente até a última sílaba tônica;“As armas e os barões assinalados”

2) Quando a última sílaba terminar em vogal átona e a primeira sílaba da palavra seguinte começar por vogal átona, ocorrerá a ELISÃO → junção das vogais.“Amo-te, ó cruz no vértice firmadaDe esplêndidas igrejas” (Herculano)

3) NÚMERO DE SÍLABAS

a) MONOSSÍABOS: uma única sílaba

Renato Travassos e seu menor soneto do mundo

“ÓVem!TemDó...”

BemJó,

QuemSóDorSeFazPorTi...

Vês!”

b) DISSÍLABOS: versos de duas sílabas

Estabelece um esquema a que a realidade literária multiforme, na sua grande variedade histórica, nem sempre corresponde. Tampouco deve ela ser entendida como um sistema de normas a que os autores teriam de ajustar a sua atividade a fim de produzirem obras líricas puras, obras épicas puras ou obras dramáticas puras. A pureza em matéria de literatura não é necessariamente um valor positivo. Ademais, não existe pureza de gêneros em sentido absoluto (2004, p.16).

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“Tu, ontem,na dançaque cansa

voavas,com as faces

em rosasformosas,

de vivocarmim...”

(Cassimiro de Abreu)

c) TRISSÍLABOS: versos de três sílabas

“Vem a aurorapressurosa,cor de rosa,que se corade carmim;a seus raiosas estrelas

que eram belastem desmaios

já por fim” (Gonçalves Dias)

d) TETRASSÍLABOS: versos de quatro sílabas

“O inverno brasaforçando as portas...

Oh! Que revoadaDe folhas mortasO vento espalha

Por sobre o chão” (Alphonsus de Guimaraens)

e) REDONDILHA MENOR: versos de cinco sílabas

“Meu canto de morte,guerreiros, ouvi:

sou filho das selvas,nas selvas cresci;

guerreiros, descendoda tribo tipi.”

(Gonçalves Dias)

f) HEXASSÍLABO: versos de seis sílabas

“E o Cavaleiro passaante a sombria portada lúgubre Desgraça”

(Alphonsus de Guimaraens)

g) REDONDILHA MAIOR: versos de sete sílabas

“Não sei se é preciso guerra,mas sei quanto a guerra custa.Não sei se a bondade é justa,

Mas sei que a justiça erra”(Otacílio Batista)

h) OCTOSSÍLABO: versos com oito sílabas

“No ar sossegado, um sino canta...Um sino canta no ar sombrio”

(Olavo Bilac)

i) ENEASSÍLABO: versos de nove sílabas

“Ó guerreiros da taba sagrada.Ó guerreiros da tribo tupi!

Falam deuses nos cantos do piaga!Ó guerreiros, meus cantos ouvi”

(Gonçalves Dias)

j) DECASSÍLABOS: versos de dez sílabas

“Sete anos de pastor Jacob serviaLabão, pai de Raquel, serrana e bela;Mas não servia ao pai, servia a ela,Que a ela só por prêmio pretendia.”

(LUIS DE CAMÕES)

k) HENDECASSÍBALOS: versos de onze sílabas

“Acerva-se a lenha da vasta fogueira,entesa-se a corda da embira ligeira,adorna-se a maça com penas gentis”

(Gonçalves Dias)

l) ALEXANDRINOS: versos de 12 sílabas

“Choro não ter colhido o beijo que perdeste...”(Menotti del Picchia)

m) VERSOS LIVRES: sem nenhum esquema métrico ou silábico

4) RITMO: sucessão alternada de sons tônicos e átonos, repetidos com intervalos regulares.

a) Binários: duas partes iguais

“Belo belo / minha belaTenho tudo / que não quero”

(Manuel Bandeira)

b) Ternário: três partes iguais

“Era pequena /, era elegante /, era discreta”(Carlos Drummond de Andrade)

c) Cumulativo: superior a quatro partes iguais

“Ruge /, brame /, urde intrigas /, atraiçoa”(Raimundo Correia)

d) Crescente: mais longo

“Aqui / ondina louca / vogavas sobre os maresAli / silvo ligeiro / na murta ias dormir”

(Castro Alves)

5) RIMA: é a identidade ou semelhança de sons no final ou no interior dos versos.

5.1) Externas:

a) Emparelhadas (Paralelas ou Geminadas): AABB

“Pode em redor de ti, tudo se aniquilar:- Tu renascerá cantando ao teu olhar,

tudo, mares e céus, árvores e montanhas,porque a vida perpétua arde em tuas entranhas”

(Olavo Bilac)

b) Interpoladas (oposta): ABBA

“Eu me lembro! Eu me lembro! – Era pequenoE brincava na praia; o mar bramiaE, erguendo o dorso altivo sacudia

A branca espuma para o céu sereno”(Cassimiro de Abreu)

c) Alternadas (Cruzadas): ABAB

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d) Misturadas (Deslocadas): não seguem esquematização

e) Continuadas: repetem-se ao longo do poema

5.2) Internas:

a) Aliterantes: fonemas consonantais idênticos ou semelhantes.

b) Encadeadas: final de um verso e início do verso seguinte.

c) Coroadas: dentro do mesmo verso

d) Leoninas: rimas de mesma métrica

5.3) Verso Branco: não há rima.

6) ESTROFE: é um agrupamento de linhas (versos), que formam uma unidade rítmica e psicológica.

a) Monóstico: um verso;

b) Dístico: dois versos;

c) Terceto: três versos;

d) Quadra: quatro versos populares;

e) Quarteto: quatro versos eruditos (sonetos);

f) Quintilha: cinco versos;

g) Sextilha: seis versos.

h) Setilha: sete versos;

i) Oitava: oito versos;

j) Nona: nove versos;

k) Décima: dez versos;

l) Irregulares: mais de dez versos.

OBS: REFRÃO: verso que se repete a intervalos regulares

7) O POEMA CONCRETO

7.1) CARACTERÍSTICAS

a) Ruptura com a sintaxe tradicional e a disposição das palavras;b) Abolição do verso linear e a ampliação das possibilidades de leitura;c) A associação da comunicação verbal e visual.

O gênero narrativo decorre do gênero Épico, embora este originariamente ter sua forma em versos, aquele, com a evolução do gênero, aproxima-se mais do romance, que não pode ser entendido aqui como uma “história de amor”, como muitos leigos acreditam. Romance é simplesmente uma narrativa que, inclusive, com as questões atuais, pode não narrar nada e se voltar para as questões existenciais, como bem o fez Clarice Lispector.

Narração: uma progressão marcada por peripécias ou incidentes e, geralmente, portadora de uma moral. Ou seja, algo aconteceu a alguém, em um certo tempo, em um certo lugar, e isso gerou conseqüências.

ELEMENTOS DA NARRATIVA: 1) Narrador;2) Personagens;3) Ações;4) Tempo;5) Espaço.

O ENREDO1) Linear – a história apresenta começo, meio e fim; a seqüência dos fatos é clara, direta, com continuidade lógica e cronológica, com o desenrolar passo a passo dos acontecimentos;2) Não-Linear – acontecem saltos na seqüência das ações, quebrando-se a seqüência lógica e cronológica

PARTES DA HISTÓRIA1) APRESENTAÇÃO: primeiros dados sobre o mundo narrativo;2) COMPLICAÇÃO: incidente que subverte a ordem estabelecida, instaurando o conflito;3) CLÍMAX: momento de maior tensão da história;4) DESFEECHO ou DESENLACE: solução do conflito.

FOCO NARRATIVO (PONTO DE VISTA): perspectiva adotada pelo narrador para contar a história. Pode ser:

a) Externo - narrativa objetiva, feita por um observador “de fora”, que não conhece nem o pensamento, nem o passado das personagens. Ele exprime uma visão incompleta.b) Interno – uma das personagens possui uma visão dos acontecimentos. Exprime uma visão parcial, subjetiva.c) Onisciente – os fatos são apresentados por um narrador que conhece todos os fatos e pensamentos das personagens. Exprime uma visão global.

PERSONAGENS:

1) Quanto à função:a) PROTAGONISTA – personagem central;b) ANTAGONISTA – opositor do protagonista;c) SECUNDÁRIOS – de pouca importância, também chamados de coadjuvantes;d) NARRADOR – quem conta a história.

2) Quanto à caracterização:a) INDIVÍDUO – possuidor de características marcantes, individualizantes;b) CARICATURA – possuidor de traços exagerados de sua personalidade;c) TÍPICA – representante de um grupo social, nacional, regional, profissional, etc.

3) Quanto à evolução:a) PLANAS ou ESTACIONÁRIAS – inalteráveis na narrativa;b) ESFÉRICAS ou EVOLUTIVAS - são definidas no decorrer da narrativa, evoluindo e, algumas vezes, surpreendendo o leitor.

4) Quanto à apresentação feita pelo Narrador:a) IMPLÍCITA ou INDIRETA – a personagem se revela pela dedução do leitor;b) EXPLÍCITA ou DIRETA – a personagem é revelada diretamente, por meio de descrições e comentários feitos ou pelo narrador, ou pelas personagens.

O TEMPO1) Tempo cronológico;2) Tempo psicológico;3) Flashback – apresentação de fatos anteriores à seqüência narrativa;4) Flashforward – apresentação de fatos posteriores à seqüência narrativa;5) Elipses – saltos temporais, tornando a narrativa mais ágil.6) Cena – acelera o ritmo narrativo, pois coincide tempo dos acontecimentos e tempo do discurso;7) Sumário – o narrador resume diversos acontecimentos em um tempo de discurso sensivelmente mais curto.

O ESPAÇO1) Físico;2) Psicológico – espaço de nosso universo subjetivo.

EXEMPLOS DE NARRATIVAS:

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O CONTONarrativa curta;- Número reduzido de personagens;- Uma só unidade de ação;- Um só conflito;- Uma só ação;- Espaço limitado (rua, casa quarto de dormir, sala);- Intensa carga dramática em um único local;- Narrativa do essencial, evitando pormenores;- O passado e o futuro possuem significado menor ou nulo;- O conto é objetivo, atual;- Costuma ser narrado na terceira pessoa;- Linguagem objetiva;- Presença fundamental do diálogo;- Trama linear, objetiva;- Transmite uma única impressão ao leitor;

A CRÔNICA- Semelhante ao Conto;- Exprime estado emotivo do cronista (crônica lírica);- Apresenta reflexão a partir de um fato (crônica filosófica);- Dá-nos uma visão irônica dos fatos (crônica humorística);- Trata de aspectos particulares das notícias ou de fatos (crônica esportiva, policial, política)

A NOVELAPluralidade dramática – uma série de células encadeadas, com relativa autonomia;- Maior número de personagens;- Carga dramática crescente, com início, meio e fim;- Preferência pelo diálogo entre personagens;- Narrativa centrada em um só acontecimento e suas repercussões;- Tempo cronológico;- Ausência de unidade espacial;- Narrada geralmente em terceira pessoa;- Linguagem límpida, objetiva;- Número amplo de personagens;- É sempre um escritor (analítico ou onisciente) que nos conta a história;- Liberdade de tempo e espaço;- Presença da narrativa, do diálogo e da descrição;- Sucessividade dramática

O ROMANCENarrativa longa;- Enredo complexo;- Presença de um núcleo dramático central;- Presença de núcleos dramáticos secundários;- Teia de conflitos;- Personagens analisados mais profundamente.- É uma visão macrocósmica do universo;- Pluralidade dramática – simultaneidade dramática (os fatos se interligam ao mesmo tempo e, às vezes, no mesmo lugar);- Pluralidade geográfica;- O tempo pode ser cronológico ou psicológico;- Número ilimitado de personagens;- Linguagem natural

Neste gênero, diz-se que o narrador está ausente ou confundido com suas personagens. O tempo do drama é o presente e a palavra de ordem é ação, ou seja, tudo acontece diante de uma plateia. Hoje, há inúmeras formas de se fazer teatro, inclusive, sem texto, e até, sem ação, mas isso é uma outra questão. Como origem deste gênero, teríamos a Tragédia e a Comédia. Para Aristóteles, tragédia é

É, então, uma imitação (uma mimesis), que, diferentemente da mimesis narrativa, é a representação de uma ação (drama significa, em grego, ação), mediante atores. Representar uma ação é, pois, realizar a dramática.

A Comédia seria o oposto: a representação de ações pouco nobres, ou seja, “ria dos defeitos alheios”. Vale a pena assistir ao filme “O nome da Rosa” (1986), em que há uma interessantíssima discussão sobre o sentido do riso.

O Drama seria uma evolução da Tragédia, desde a noção de drama burguês como a ideia de drama moderno.Características do Texto Dramático

É constituído por: Texto principal composto pelas falas dos actores que é

ouvido pelos espectadores; Texto secundário (ou didascálio) que se destina ao

leitor, ao encenador da peça ou aos atores.É composto:

o pela listagem inicial das personagens;o pela indicação do nome das personagens no

início de cada fala;o pelas informações sobre a estrutura externa da

peça (divisão em atos, cenas ou quadros);o pelas indicações sobre o cenário e guarda roupa

das personagens;o pelas indicações sobre a movimentação das

personagens em palco, as atitudes que devem tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz com que devem proferir as palavras;

Ação – é marcada pela actuação das personagens que nos dão conta de acontecimentos vividos.Estrutura externa – o teatro tradicional e clássico pressupunha divisões em actos, correspondentes à mutação de cenários, e em cenas e quadros, equivalentes à mudança de personagens em cena.

O teatro moderno, narrativo ou épico, põe completamente de parte as normas tradicionais da estrutura externa.

Estrutura interna: Exposição – apresentação das personagens e dos

antecedentes da acção. Conflito – conjunto de peripécias que fazem a acção

progredir. Desenlace – desfecho da acção dramática.Classificação das Personagens:

* Quanto à sua concepção: Planas ou personagens-tipo – sem densidade

psicológica uma vez que não alteram o seu comportamento ao longo da acção. Representam um grupo social, profissional ou psicológico);

Modeladas ou Redondas – com densidade psicológica, que evoluem ao longo da acção e, por isso mesmo, podem surpreender o espectador pelas suas atitudes.

* Quanto ao relevo ou papel na obra: protagonista ou personagem principal Individuais personagens secundárias ou figurantes Colectivas

Tipos de caracterização: Direta – a partir dos elementos presentes nas didascálias,

da descrição de aspectos físicos e psicológicos, das

A imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções (ARISTÓTELES, 1966, p.74).

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palavras de outras personagens, das palavras da personagem a propósito de si própria.

Indireta – a partir dos comportamentos, atitudes e gestos que levam o espectador a tirar as suas próprias conclusões sobre as características das personagens.

Espaço – o espaço cénico é caracterizado nas didascálias onde surgem indicações sobre pormenores do cenário, efeitos de luz e som. Coexistem normalmente dois tipos de espaço: Espaço representado – constituído pelos cenários onde

se desenrola a acção e que equivalem ao espaço físico que se pretende recriar em palco.

Espaço aludido – corresponde às referências a outros espaços que não o representado.

Tempo: Tempo da representação – duração do conflito em

palco; Tempo da acção ou da história – o(s) ano(s) ou a época

em que se desenrola o conflito dramático; Tempo da escrita ou da produção da obra – altura em

que o autor concebeu a peça.

Discurso dramático ou teatral: Monólogo – uma personagem, falando consigo mesma,

expõe perante o público os seus pensamentos e/ou sentimentos;

Diálogo – falas entre duas ou mais personagens; Apartes – comentários de uma personagem que não são

ouvidos pelo seu interlocutor.Além deste tipo de discurso, o tecto dramático pressupõe o

recurso à linguagem gestual, à sonoplastia e à luminotécnica.

Intenção do autor - pode ser: Moralizadora; Lúdica ou de evasão; Crítica em relação à sociedade do seu tempo; Didática.

Formas do género dramático: Tragédia Comédia Drama Teatro Épico.

Outras características: Ausência de narrador. Predomínio do discurso na segunda pessoa (tu/vós).

De acordo com o pensamento de Peter Szondi, em seu livro Teoria do drama moderno, o drama é um fenômeno cultural historicamente bem definido. Embora decorrente dela, o drama se desintegra da tragédia grega, não podendo ser com ela confundido. E mais, a tragédia não configura a compreensão de drama porque este pressupõe o individualismo burguês, ao passo que aquela ainda mantinha relações com uma coletividade. Para este autor, a forma do drama surge durante o Renascimento, na Inglaterra elisabetana, assim como na França do século XVII. Vejamos:

Desse modo, o ponto de partida terminológico é constituído somente pelo conceito de drama. Como conceito histórico, ele representa um fenômeno da história literária, isto é, o drama, tal como se desenvolveu na Inglaterra elisabetana e sobretudo na França do século XVII, sobrevivendo no classicismo alemão. Ao colocar em evidência o que ‘precipitou’ na forma dramática como enunciado sobre a existência humana, ele faz de um fenômeno da história literária um documento da história da humanidade” (SZONDI, 2001, p.26).

O autor exclui desse conceito a tragédia grega, as peças religiosas da Idade Média e os dramas históricos de Shakespeare. Deste modo e seguindo este pensamento, só é entendido como drama a produção [dramática] posterior ao pensamento medieval,

pois é quando se dá, historicamente, a transformação do mundo feudal para o surgimento de um mundo capitalista – na Era Moderna. Isso também representou no âmbito da forma dramática, a eliminação do coro e dos traços líricos e épicos, e a supervalorização do diálogo, pois germinava-se o surgimento do individualismo, como aponta Diógenes Maciel, em diálogo com os escritos de Szondi:

O drama da época moderna surgiu no Renascimento, quando o homem, recém-saído do mundo medieval, aparecia apenas como membro de uma comunidade que se relacionava consigo “por sua decisão de agir”. O meio lingüístico desse universo dramático era o diálogo, único componente do texto, após a supressão do prólogo, do coro e do epílogo, que eram elementos constitutivos da tragédia antiga [...] Com o isolamento do indivíduo e a irrupção do individualismo, essa forma dramática entra em crise e o diálogo converte-se em reflexões monológicas (MACIEL, 2004(a), p.113-114).

O drama, assim, corresponde historicamente aos ideais de uma nova classe social: a burguesia. Representava, por meio do diálogo, seus anseios, seus ambientes e suas tensões. Atentando para a relação dialética entre a forma e o conteúdo, conforme mencionamos antes, podemos compreender que, em cada época distinta, quando se dá o esforço da realização de uma expressão artística a favor da representação de determinados conteúdos sociais, trava-se um embate entre esses dois elementos: tendo-se uma forma geral, já amplamente estabelecida, encontra-se o seu correspondente em um conteúdo pertinente a essa forma – se tudo se dá, segundo alguns pensam, de maneira adequada, a forma reflete o conteúdo e este encontra-se refletido naquela; ocorre que - e esta é a importância de uma compreensão das formas literárias como fenômenos históricos – quando se tem o surgimento de um conteúdo novo, tende-se a utilizá-lo na forma antiga precedente, e, desta forma, nem o conteúdo encontra-se correspondido na forma, nem a forma torna-se mais capaz de refletir o conteúdo: dá-se o problema. A contradição entre o enunciado da forma e do conteúdo, é que Szondi chamará de crise. E como já mencionamos, o conteúdo “novo” faz precipitar uma “nova” forma. Assim, as dificuldades estilísticas de cada época correspondem a tentativas de solucionar esse impasse, não podendo mais os gêneros serem entendidos dissociados dos fenômenos históricos, pois cada época constrói sua própria poética. Peter Szondi, assim, formula o que segue:

Visto que a forma de uma obra de arte expressa sempre algo de inquestionável, o claro entendimento desse enunciado formal geralmente só é obtido em uma época para a qual o que era antes inquestionável se tornou questionável, para a qual o evidente se tornou problema. Dessa maneira, o drama é aqui conceitualizado no termos de sua impossibilidade atual, e esse conceito de drama é já compreendido como o momento de um questionamento sobre a possibilidade do drama moderno (SZONDI, 2001, p.27).

Exemplifiquemos este fenômeno com o caso da tragédia grega: a sua forma era “inquestionável” – presença de um coro, de um chefe-do-coro, de personagens e figurantes, expressa no meio lingüístico que se tornará base para a forma geral – o diálogo. Claro que houve tentativas de se retornar esta forma geral no decorrer da história, a exemplo do Classicismo e da ópera neoclássica. No entanto, esta forma passa a incorporar a representação de indivíduos em confronto; este novo conteúdo torna-se um problema para a forma antiga, e, assim, relativiza-se o que outrora era inquestionável.

No caso do drama, não é diferente. Com a ascensão de uma nova classe social (a burguesia), a partir do século XVIII, tornou-se necessário representar no palco este estrato social, pois não havia mais proximidade entre palco e público, uma vez que as tragédias traziam à cena uma nobreza aristocrática, e, para tal, utilizava-se de um afastamento temporal e espacial. Era necessária uma formalização estética no palco que valorizasse o cotidiano e suas contradições sociais, ao passo que as tragédias cuidavam de questões de Estado. Foi por esta razão que houve uma mudança

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do macrocosmo para o microcosmo, e o drama passa a ser o instrumento que veicula essa nova percepção:

Na prática, o drama, como aliás indica o qualificativo a ele aplicado (“burguês”), se concentra na célula familiar burguesa. Este é claramente o microcosmo mais familiar para os autores e para o público. O drama deve representar o(s) infortúnio(s) que ameaça(m) fraturar essa célula (ROUBINE, 2003, p.67).

As personagens do drama passam a ser representações da realidade do autor e do público. O homem não mais é visto como um ser isolado, sendo compreendido como parte integrante do meio em que vive, assumindo um papel ativo nesta realidade concreta. Como produto artístico de uma ideologia burguesa, o drama representa o indivíduo em relação com outros: no plano da intersubjetividade. Ocorre que, quando se intensificam as contradições inerentes ao próprio pensamento burguês, as relações entre os indivíduos tornam-se tão particulares, tão privadas, ao ponto de converter-se o indivíduo em seu próprio problema. Surge o individualismo. E o elemento formal do diálogo vai modificar-se também: sai da esfera da intersubjetividade para a intrasubjetividade, como já dissemos.

Para Szondi, o drama, historicamente apreendido, é o drama burguês. Pois, neste gênero, os três elementos formais encontravam-se absolutos: o fato; o presente; e o intersubjetivo. Quando estes elementos começam a ser relativizados, sobretudo no final do séc. XIX, dá-se a crise do drama, nascendo, desta crise, o conceito e entendimento do drama moderno.

Alerta-nos, sobre esta discussão, Iná Camargo Costa, em seu livro Sinta o drama, marcando a diferença substancial entre o pensamento de Szondi e o de Lukács. O entendimento do drama moderno em ambos é distinto:

Para Lukács [...] drama moderno, corresponde ao que chamaríamos mais adequadamente “drama burguês” e ele mesmo o faz, partindo da obra de Shakespeare. A partir de Ibsen, Lukács já identifica procedimentos que põem em crise a forma do drama burguês, abrindo caminho para o drama moderno. Ele demonstra que o indivíduo é o pressuposto do drama burguês, enquanto que o drama em crise pressupõe o individualismo [...] Peter Szondi exclui de seu conceito de drama moderno aquilo que Lukács chama de drama burguês. Em sua análise, drama moderno corresponde à dramaturgia que se produziu de Ibsen aos nossos dias (1998, p.14-15).

O que é comum em ambos os teóricos é a percepção das profundas modificações que ocorreram no drama, a partir de Ibsen. A crise do drama instaura-se exatamente a partir dessa constatação. Dessa forma, o drama moderno expressa, precisamente, essa crise. À compreensão do surgimento de um individualismo associa-se a ascensão do romance, ocasionando, pois, a romancização dos gêneros literários, como nos ensina Bakhtin. Com o advento do romance, sobretudo influenciado pelo advento da era industrial associada à ascensão da burguesia, todos os demais gêneros passaram a sofrer influências suas. Assim,

Os autores passam, então, a incorporar procedimentos do romance, portanto, narrativos, que irão marcar a transição de um estilo dramático “puro” para um outro, em que qualquer elemento temático ou conteúdo se consolida nessa forma, não mais fechada ou absoluta (MACIEL, 2004(a), p.114).

As formas tornam-se, mais livres: aquilo que era homogenicamente fechado, pluralizou-se, pois

O romance [...] se acomoda mal com os outros gêneros. [...] O romance parodia os outros gêneros (justamente como gêneros), revela o convencionalismo das suas formas e da linguagem, elimina alguns gêneros, e integra outros à sua construção particular, reinterpretando-os e dando-lhes um outro tom”. (BAKHTIN, 1998, p.399).

Na evolução dos gêneros, o romance tornou-se a forma artística mais capaz de transmitir o “plurilingüismo” da Era

Moderna, pois o indivíduo passa não mais a se identificar com o mundo, mas problematiza sua própria existência. É por esta razão que

o romance tornou-se o principal personagem do drama da evolução literária na era moderna precisamente porque, melhor que todos, é ele que expressa as tendências evolutivas do novo mundo, ele é, por isso, o único gênero nascido naquele mundo e em tudo semelhante a ele. O romance antecipou muito, e ainda antecipa, a futura evolução de toda literatura (BAKHTIN, 1998, p.400)

Surgem, assim, as contradições existentes entre a forma e o conteúdo e em que proporções estas contradições podem ser superadas e assimiladas. Relativizados os seus elementos mais significativos (fato, presente e intersubjetivo), a forma dramática entra em contradição com o seu conteúdo. As soluções encontradas pelos dramaturgos deram-se pela incorporação de outros elementos não-dramáticos ao dramático, modificando-se assim, aquela forma geral do drama.Com isso, as formas passam a ser relativizadas para poderem dar conta da nova substância. Mais uma vez a dialética da forma e do conteúdo: não encontrando na forma antiga um correspondente formal para refletir o “novo” conteúdo, usa-se do artifício de outros traços estilísticos, pertencentes inclusive a outros gêneros, para poder expressar, em forma, esse novo conteúdo, enquanto não há a irrupção de “novas” formas. É esta relação que nos permite “problematizar historicamente uma forma poética” (SZONDI, 2001, p.26). E nos permite ir além: dá-nos a possibilidade de percebermos como foram resolvidas tais contradições. Vejamos o posicionamento de Peter Szondi:

As contradições entre a forma dramática e os problemas do presente não devem ser expostas in abstracto, mas apreendidas no interior da obra como contradições técnicas, isto é, como “dificuldades”. Seria natural querer determinar, com base em um sistema de gêneros poéticos, as mudanças na dramaturgia moderna que derivam das problematizações da forma dramática. Mas é preciso renunciar à poética sistemática, isto é, normativa, não certamente para escapar a uma avaliação forçosamente negativa das tendências épicas, mas porque a concepção histórica e dialética de forma e conteúdo retira os fundamentos da poética sistemática enquanto tal (SZONDI, 2001, p.26).

Sendo, pois, o drama moderno produto da crise do drama burguês, questiona-se sua possibilidade ou impossibilidade de realização. Torna-se possível o drama se for possível o seu meio verbal: o diálogo, posto que é este que instaura a dialética do drama, na qual as relações entre os indivíduos tornam-se linguagem (Cf. SZONDI, 2001, p.34). Contudo, esta crise encontrou dois caminhos rumo à superação: salvar o drama, utilizando-se sobretudo do naturalismo, além das peças de conversação, peças de um ato só, o confinamento e o existencialismo; ou solucionar o drama, principalmente com a utilização do teatro épico, além do expressionismo¸ a revista política, a montagem, o jogo da impossibilidade do drama, o monólogo interior, o eu-épico como diretor de cena, o jogo do tempo, a reminiscência (Cf. SZONDI, 2001, p.101-181).

Salvar significaria não permitir o surgimento de uma nova forma, consubstanciando-se em uma visão formalista e conservadora. Solucionar por sua vez era exatamente o inverso: era permitir que o novo conteúdo se precipitasse em forma, no caso, em uma forma épica, como o fez Brecht, surgindo bem posterior ao início desta crise em Ibsen.

A “crise” do drama, então, está associada à problemática do meio verbal: se o diálogo torna-se impossível, converte-se em monólogo; e quando se torna insuficiente, é necessário a utilização precisamente do épico. E foi nesta direção que o drama moderno, admitindo sua possibilidade, seguiu.

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Lembre-se, caro vestibulando, de que, com o nosso caminhar, você vai adentrando cada vez mais no mundo complexo da Literatura. Pelo que vimos, você já possui instrumentos capazes de fazê-lo mínimo ser reflexivo, reconhecendo fenômenos artísticos, tais como mímesis, verossimilhança, metáfora, gêneros literários, enfim. Agora, a gente adentra no universo da Literatura Brasileira, propriamente dita. E, para isso, é necessária uma reflexão penosa, mas necessária, sobre a seguinte frase:

Na música, não faltam exemplos:

E no âmbito da Literatura Brasileira, aí é que, de fato, a discussão e os exemplos são perenes e sólidos, uma vez que toda literatura de um povo transmite, direta ou indiretamente, a concepção de mundo deste povo. No caso brasileiro, não é diferente. O que nos torna diferentes é a apoderação de certos bens culturais pelas classes dominantes, excluindo, por exemplo, as expressões populares como o cordel, o coco, o maracatu, o repente, e até expressões urbanas como o hip hop. Refletir sobre quem somos é entendermos por que somos o que somos. O que houve conosco, desde a nossa origem até os dias de hoje?

Veja que fantástico poema compôs Affonso Romano de Sant’Anna, intitulado “Que país é esse?”:

Meu país(Livardo Alves, Orlando Tejo e Gilvan Chaves)

Um país que crianças eliminaQue não ouve o clamor dos esquecidosOnde nunca os humildes são ouvidosE uma elite sem deus é quem dominaQue permite um estupro em cada esquinaE a certeza da dúvida infelizOnde quem tem razão baixa a cervizE massacram - se o negro e a mulherPode ser o país de quem quiserMas não é, com certeza, o meu país

Um país onde as leis são descartáveisPor ausência de códigos corretosCom quarenta milhões de analfabetosE maior multidão de miseráveisUm país onde os homens confiáveisNão têm voz, não têm vez, nem diretrizMas corruptos têm voz e vez e bisE o respaldo de estímulo incomumPode ser o país de qualquer umMas não é com certeza o meu país

Um país que perdeu a identidadeSepultou o idioma portuguêsAprendeu a falar pornofonêsAderindo à global vulgaridadeUm país que não tem capacidadeDe saber o que pensa e o que dizQue não pode esconder a cicatrizDe um povo de bem que vive malPode ser o país do carnavalMas não é com certeza o meu país

Um país que seus índios discriminaE as ciências e as artes não respeitaUm país que ainda morre de maleitaPor atraso geral da medicinaUm país onde escola não ensinaE hospital não dispõe de raio xOnde a gente dos morros é felizSe tem água de chuva e luz do solPode ser o país do futebolMas não é com certeza o meu país[...]Um país que é doente e não se curaQuer ficar sempre no terceiro mundoQue do poço fatal chegou ao fundoSem saber emergir da noite escuraUm país que engoliu a composturaAtendendo a políticos sutisQue dividem o brasil em mil brasisPra melhor assaltar de ponta a pontaPode ser o país do faz-de-contaMas não é com certeza o meu país

Que país é esse?(Renato Russo, Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos)

Nas favelas, no senadoSujeira pra todo ladoNinguém respeita a constituiçãoMas todos acreditam no futuro da naçãoQue país é esse?Que país é esse?Que país é esse?No Amazonas, no Araguaia iá, iá,Na Baixada FluminenseMato Grosso, nas Gerais e noNordeste tudo em pazNa morte eu descanso, mas oSangue anda soltoManchando os papéis, documentos fiéisAo descanso do patrãoQue país é esse?Que país é esse?Que país é esse?Que país é esse?Terceiro mundo, se forPiada no exteriorMas o Brasil vai ficar ricoVamos faturar um milhãoQuando vendermos todas as almasDos nossos índios num leilãoQue país é esse?

Uma coisa é um paísoutra um ajuntamento. Uma coisa é um país,outra um regimento.

Uma coisa é um país,outra o confinamento.

(...)Há 500 anos caçamos índios e operários,

há 500 anos   queimamos hereges e árvores,há 500 anos  estupramos livros e mulheres,há 500 anos  sugamos negras e aluguéis.

Há 500 anos dizemos:que o futuro a Deus pertence,que Deus nasceu na Bahia,que São Jorge é guerreiro,

que ninguém sabe do amanhã,que conosco ninguém pode,que quem não pode sacode.

Há 500 anos somos pretos de alma branca,não somos nada violentos,

quem espera sempre alcançaE quem não chora não mama

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Essa busca de uma identidade nacional é que fez da Literatura Brasileira um complexo novelo, repleto de fios que, ora se enlaçam, ora se partem, ao sabor dos acontecimentos históricos. Refletir sobre isso é compromisso moral nosso, enquanto cidadão brasileiro. Aqui já está um forte argumento para você se declinar ao estudo de Literatura Brasileira, pois está é um patrimônio cultural nosso.

Vejamos o que nos ensina Marilena Chauí, no texto intitulado “O mito fundador e sociedade autoritária” (2000):

Parece transparente a visão de que o Brasil ainda é um país em construção, social, cultural, religiosa, econômica e politicamente. Logo, a nossa literatura acompanhará todas estas questões, envolvendo aspectos externos (sobretudo, europeus) e aspectos internos (nossa construção enquanto nação).

Por isso, é fundamental entender o conceito de sistema literário, que passa a ser o conjunto de elementos articulados de maneira tal que fazem surgir, permanecer e atualizar o fenômeno literário. Nas palavras de Antonio Candido (In: Literatura e Sociedade):

De maneira simples, para haver sistema literário, é mister que haja: Autor Obra Tema Leitor (inclui-se a crítica) Meio de circulação

E todos estes elementos devem se articular na busca da identidade nacional, como nos mostra Machado de Assis, no ensaio “Instinto de Nacionalidade” (1873):

“[...] sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes dominantes são além das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um conjunto de produtos literários, mais ou menos conscientes de seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns aos outros.”

A América não estava aqui à espera de Colombo, assim como o Brasil não estava aqui à espera de Cabral. Não são "descobertas" ou, como se dizia no século XVI, "achamentos". São invenções históricas e construções culturais. Sem dúvida, uma terra ainda não vista nem visitada estava aqui. Mas Brasil (como também América) é uma criação dos conquistadores europeus. O Brasil foi instituído como colônia de Portugal e inventado como "terra abençoada por Deus", à qual, se dermos crédito a Pero Vaz de Caminha, "Nosso Senhor não nos trouxe sem causa", palavras que ecoarão nas de Afonso Celso, quando quatro séculos depois escrever: "Se Deus aquinhoou o Brasil de modo especialmente magnânimo, é porque lhe reserva alevantados destinos". É essa construção que estamos designando como mito fundador.

No período da conquista e colonização da América e do Brasil surgem os principais elementos para a construção de um mito fundador. O primeiro constituinte é, para usarmos a clássica expressão de Sérgio Buarque de Holanda, a "visão do paraíso" e o que chamaremos aqui de elaboração mítica do símbolo "Oriente". O segundo é oferecido, de um lado, pela história teológica providencial, elaborada pela ortodoxia teológica cristã, e, de outro, pela história profética herética cristã, ou seja, o milenarismo de Joaquim de Fiori. O terceiro é proveniente da elaboração jurídico-teocêntrica da figura do governante como rei pela graça de Deus, a partir da teoria medieval do direito natural objetivo e do direito natural subjetivo e de sua interpretação pelos teólogos e juristas de Coimbra para os fundamentos das monarquias absolutas ibéricas.

Esses três componentes aparecem, nos séculos XVI e XVII, sob a forma das três operações divinas que, no mito fundador, respondem pelo Brasil: a obra de Deus, isto é, a Natureza, a palavra de Deus, isto é, a história, e a vontade de Deus, isto é, o Estado.

Em suma, o mito fundador é construído sob a perspectiva do que o filósofo judeu-holandês Baruch Espinosa designa com o conceito de poder teológico-político.

O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. Um notável crítico da França, analisando há tempos um escritor escocês, Masson, com muito acerto dizia que do mesmo modo que se podia ser bretão sem falar sempre de tojo, assim Masson era bem escocês, sem dizer palavra do cardo, e explicava o dito acrescentando que havia nele um scotticismo interior, diverso e melhor do que se fora apenas superficial. Estes e outros pontos cumpria à crítica estabelecê-los, se tivéssemos uma crítica doutrinária, ampla, elevada, correspondente ao que ela é em outros países. Não a temos. Há e tem havido escritos que tal nome merecem, mas raros, a espaços, sem a influência quotidiana e profunda que deveram exercer.

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Concordo que, para muitos, a sequência de datas parece exaustiva, mas o intuito aqui não é o de memorização, mas de contribuição para a construção de um raciocínio sobre a nossa sociedade brasileira, e, claro, a ideia de periodização da Literatura Brasileira.

Só se pode falar em Literatura Brasileira, enquanto sistema literário, com a consolidação deste mesmo sistema. E, como o Brasil ainda se constrói, pode-se falar de um início de literatura, mais voltada para as ideologias europeias, mas, somente a partir do século XIX, é que, de fato, teremos o sistema literário formado.

Assim, podemos destacar três momentos que nos orientam na compreensão do todo literário: o período de colonização (1500 a 1822); o período de configuração (1822); e, por fim, o período de amadurecimento e experimentação (1922). Considere-se também que houve momentos de transição: o Parnasianismo, Simbolismo e Pré-Modernismo, nos quais o velho e o novo se misturaram em busca de solução.

É certo que sempre houve literatura aqui no Brasil, ainda que, na forma oral, nas tradições indígenas. Mas falar em uma Literatura Brasileira, conforme os ensinamentos de Machado de Assis, torna-se um pouco mais complexo. Sendo assim, o período colonial, sobretudo o Quinhentismo, vai nos trazer uma visão do colonizador (externa). O Barroco e o Arcadismo apresentam experiências isoladas (ilhas), sem uma noção de consciência estética comum, embora com grandes poetas, como Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa, e o magistral exemplo do orador Padre Antônio Vieira. Mas, como articulação orgânica, a idéia de grupo surge com o grupo mineiro (Arcadismo), e se consolida com os Românticos, sobretudo, na fase nacionalista, pensamento este que retornará no século XX, com o Advento da Semana de Arte Moderna, em 1922.

Como nos ensina Antonio Candido, em “Iniciação à Literatura Brasileira:

Em virtude das questões de ordem histórica, podemos dividir didaticamente a Literatura Brasileira em três etapas:(1) a era das manifestações literárias, que vai do século XVI ao meio do século XVIII; (2) a era de configuração do sistema literário, do meio do século XVIII à segunda metade do século XIX; (3) a era do sistema literário consolidado, da segunda metade do século XIX aos nossos dias.Na primeira etapa, o Barroco literário é a linha de maior interesse. Na segunda, assistimos (1) à transformação do Barroco; (2) às

tentativas de renovação arcádica e neo-clássica; (3) à grande fratura do Romantismo e seus prolongamentos. A terceira abrange (1) as tendências finisseculares; (2) outra grande ruptura, que foi o Modernismo dos anos de 1920; (3) e as tendências posteriores.

Fica assim esquematizado:

Era Colonial:o 1500 – Quinhentismoo 1601 – Barrocoo 1758 – Arcadismo

Transição (1808 – 1836)

No Brasil, houve um transplante de um idioma e de uma literatura já existentes; Houve um processo brutal de imposição de uma civilização ocidentalizada e eurocêntrica; Assim, a Literatura não “nasceu” aqui: veio pronta de fora para se transformar à medida que se formava uma sociedade nova; Sendo assim, 3 etapas se definem:

a) Manifestações literárias; b) Configuração do sistema literária; c) O sistema literário consolidado

Qual a diferença entre Literatura no Brasil e Literatura do Brasil?

“Por isso, o conceito de "começo" é nela bastante relativo, e diferente do mesmo fato nas literaturas matrizes. A literatura portuguesa, a francesa ou a italiana foram se constituindo lentamente, ao mesmo tempo que se formavam os respectivos idiomas. Língua, sociedade e literatura parecem nesses casos configurar um processo contínuo, afinando-se mutuamente e alcançando aos poucos a maturidade. Não é o caso das literaturas ocidentais do Novo Mundo.

Com efeito, no momento da descoberta e durante o processo de conquista e colonização, houve o transplante de línguas e literaturas já maduras para um meio físico diferente, povoado por povos de outras raças, caracterizados por modelos culturais completamente diferentes, incompatíveis com as formas de expressão do colonizador. No caso do Brasil, os povos autóctones eram primitivos vivendo em culturas rudimen-tares. Havia, portanto, afastamento máximo entre a cultura do conquistador e a do conquistado, que por isso sofreu um processo brutal de imposição. Este, além de genocida, foi destruidor de formas culturais superiores no caso do México, da América Central e das grandes civilizações andinas.

A sociedade colonial brasileira não foi, portanto (como teria preferido que fosse certa imaginação romântica nacionalista), um prolongamento das culturas locais, mais ou menos destruídas. Foi transposição das leis, dos costumes, do equipamento espiritual das metrópoles. A partir dessa diferença de ritmos de vida e de modalidades culturais formouse a sociedade brasileira, que viveu desde cedo a difícil situação de contacto entre formas primitivas e formas avançadas, vida rude e vida requintada. Assim, a literatura não "nasceu" aqui: veio pronta de fora para transformar-se à medida que se formava uma sociedade nova.”

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Page 19: Conceitos Básicos - Literatura

É preciso imaginar o que era o Brasil no século XVI, para ter uma idéia do que poderia significar a literatura transplantada de Portugal. Uma vasta extensão de terras quase totalmente desconhecidas, cujas fronteiras com os domínios espanhóis eram indefinidas, habitada por indígenas que pareciam ao conquistador seres de uma espécie diferente, talvez não inteiramente humanos. Uma natureza selvática e exuberante, cheia de animais e vegetais insólitos, formando um espaço que ao mesmo tempo aterrorizava e deslumbrava o europeu. Quanto ao deslumbramento, nada mais eloqüente do que um dos documentos iniciais sobre a nova terra, publicado em 1504 e atribuído a um dos seus primeiros e mais capazes conhecedores, Amerigo Vespucci, onde se lê; “se no mundo existe algum paraíso terrestre, com certeza não deve estar longe desses lugares”.

Antonio Candido

Era Nacional I:

o 1836 – Romantismoo 1881 – Realismo/ Naturalismoo 1882 – Parnasianismoo 1893 – Simbolismo

Transição (1902 – 1922) Era Nacional II:

o 1922 – Modernismo (1ª Fase)o 1930 – Modernismo (2ª Fase)o 1945 – Modernismo (3ª Fase)

Contemporaneidade:o Produção do pós-Guerra:

Geração de 45 Concretismo Neo-Concretismo Poema-Práxis Poema Processo Tropicalismo Teatro Brasileiro Moderno Poesia Marginal

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Nada melhor do que começar a reflexão sobre as origens de nossa Literatura do que a citação de duas incríveis letras de nossa música:

UM ÍNDIO(Caetano Veloso)

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhanteDe uma estrela que virá numa velocidade estonteanteE pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instanteDepois de exterminada a última nação indígenaE o espírito dos pássaros das fontes de água límpidaMais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologiasVirá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu viApaixonadamente como Peri, virá que eu viTranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu viO axé do afoxé, filhos de Ghandi, viráUm índio preservado em pleno corpo físicoEm todo sólido, todo gás e todo líquidoEm átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiroEm sombra, em luz, em som magníficoNum ponto equidistante entre o Atlântico e o PacíficoDo objeto, sim, resplandecente descerá o índioE as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizerAssim, de um modo explícitoE aquilo que nesse momento se revelará aos povosSurpreenderá a todos, não por ser exóticoMas pelo fato de poder ter sempre estado ocultoQuando terá sido o óbvio

ÍNDIOS(Renato Russo)

Quem me deraAo menos uma vezTer de volta todo o ouroQue entreguei a quemConseguiu me convencerQue era prova de amizadeSe alguém levasse emboraAté o que eu não tinha(...)Quem me deraAo menos uma vezQue o mais simples fosse vistoComo o mais importanteMas nos deram espelhosE vimos um mundo doente. (...)Quem me deraAo menos uma vezComo a mais bela triboDos mais belos índiosNão ser atacadoPor ser inocente.(...)Nos deram espelhosE vimos um mundo doenteTentei chorar e não consegui.

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