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EDITORA
Conceição Bernardino
.........................
Dedico este livro à minha querida mãe, que fez de mim a mulher que sou hoje. A uma menina muito especial que mora no meu coração, minha sobrinha Cátia. Aos meus queridos amigos e familiares.A um escritor de grande prestigio que sempre esteve a meu lado David Santos. Agradeço profundamente à minha melhor amiga Isabel Pereira pela coragem e determinação que sempre depositou em mim.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Amor e Ódio
Odeio-te!Como te poderei odiarSe te amo tanto?!Odeio-te,Tu és o sol que se oculta nas nuvens da indiferençaE que provoca todo este dilúvio de sentimentosQue me fatiga e enlouquece
Odeio-te!Tu eras o sonho que se deitava comigo,Eras luz da esperançaQue entrava pelas janelas abertas da minha almaTodas as manhãs.
Odeio-te!Eras o sonho estéril e malditoAs marés encrespadas, o naufrágio,Do meu pobre barquito.Odeio-te!De tanto te amar...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Crianças sem Rosto
Quantas crianças no mundo esperamPelo pão da esperança,Estendendo as mãosÀ desbasta miséria, esperandoApenas dela a sua sobrevivência.Quantas são aquelas, queMorrem sem conheceremOs horizontes ofuscantes da vida?Tristes daqueles que nascemDo ventre da desgraça queTanta pobreza lhes é oferecida.Que liberdade é a nossa?Que deixa a morte escreverNa miséria os nomes dos pobres.
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Alma Poética Conceição Bernardino
A Flor do Sonho
Quando o luar beijar a terra adormecidaE as guitarras do vento gemeram baixinhoTu virásComo sempreNa forma de um lírioBranco como a neveEnfeitar o meu sonho
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Alma Poética Conceição Bernardino
O teu Olhar Mãe
Esse olhar teu,Não sei que tem...Faz-me lembrarAquele olharDa Santa mãeQue está no céu
Tão meigo e triste,Faz-me cismar...Só lá no céuEncontro eu,Algo que existeNo teu olhar!
Olhar que encanta,Que cura a dorOh meu amor,És uma Santa!
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Alma Poética Conceição Bernardino
Rugas Famintas
As rugas silenciamO rosto,Naquele banco de jardimJogam-se cartas,Fumam-se mortalhasRecordam-se dias vividosDe uma mocidade já perdida.Sol sobre sol,A enxada era uma companhiaTalvez a melhor amigaSemeando o trigoEm troca de uma malga de sopaE um pedaço de pãoRugas que silenciam,A solidão a pobrezaDaqueles que,A humanidade abandonaQuando já não servemA nossa nação...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Primoroso
Se eu pudesse,Pintar o mundo com as tuas cores preferidasLimpar essa cor negra que te envolve,O olhar...Faria com que todos reparassemQue ainda lá mora,Aquela menina,Que brincava na escola...A que chegava a casaSempre com um sorriso enorme,Só para não nos ver chorar...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Perdição
Hoje não apetece dizer nada,E do nada fecho-me em tudo
Um tudo de não falar nada,Um tudo tão cheio de nadaJá nada me faz sentir
Já tudo invejo em redorJá não consigo dar nadaDe tudo que não tenho
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Alma Poética Conceição Bernardino
Quem...
Já não julgo quem me julga, quem me difama, Ou me censura.Quem já não foi censurado?Quem já não foi humilhado?Quem já não foi torturado ou até mesmo violado?Será que alguém me consegue responder...E quem me vai insultando!Eu carrego as palavras...Num livro multifacetado de sincera postura.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Erudição Imperfeita
Passos que já ninguém escuta!Passos vazios recalcamO silêncio das pegadas,Que já não me acompanham mais.Sinto o fardo da tua mão,Entre os meus ombros caídos.A minha boca cala-se,Sufoca os gemidos!Já não consigo olhar para trásPerdi o meu pensamento.Vou, deambulando por aíComo quem anda perdida,Como quem perdeu a vida,Vou caminhando...Até que alguém me digaO que fazemos por aqui...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Meretriz
Soltas novamente,Os teus cabelos nas suas mãos,Sussurram-te palavras de prazer maldito,Fingis que ouves,Balanças-te no seu corpoEm sorrisos cálidos!Tentas enganar o teu corpoA tua indigência fala mais alto...Deixas-te cair mais uma vezNaquela cama nojenta,Feita de lençóis suadosViciados de orgasmos.A rotina já te cansaOs teus dias são o purgatório!Devaneias a miséria!Já sentes o frio...Quando ao fim te dão uns trocados.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Esperança Muda
Às vezes apetece-me gritar!Nem sei bem porquê,Pelo elementar prazer de ser mulher,Pela pulcritude de sentir e viver,Por sentir a levezaDe um corpo confortávelDeitado sobre rosas perfumadasNum sítio qualquer,Onde alguém me quiser...Às vezes apetece-me fingir!Que sou a mais perfeita,Um cisne bem estruturadoCheio de vaidade, marcante,Bailando despido de ambiguidadeIgnorando um mundo pedanteÀs vezes apetece-me!Ter tudo ao mesmo tempoUm sopro do imaginário,Uma boneca de trapos colorido,Um sorriso desenhado,Nesse teu ser dolorido...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Ajudem-me!
A semear a alegria, em campos abertosPor este mundo fora.A dar sorrisos aos molhos,Aos famintos que devoram a esperança.A exaltar o amor,Aos despidos da confiança.Ajudem-me...Por favor,Apagar essa dor que gagueja,Em lábios sedentos de vingança.Ajudem-me,Simplesmente a ajudar!
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Alma Poética Conceição Bernardino
Nas minhas Mãos...
Deslizo no teu corpo...As minhas mãos trémulas.Percorro as linhasDe uma escultura prefeita,E no suor da tua pelePerco o medo de sentir.Um momento únicoDe cada segundo que passa!Nos meus dedosLevo a inocência,De um amor banidoQue se oculta, Na textura do prazerO estado natural do inconsciente.Deslizo no teu corpo...As minhas mãos pertencentesDas sensações deslumbrantes,Que a minha boca calaNum beijo único.Dois corpos despidosQue se enaltecem de formosuraNas minhas mãos...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Além de Mim
Choro, porque o meu olhar me obrigaA chorar a despedida, de quem já não choraPor quem já cambaleou e o desespero mendigaAs carícias que me roubaram, outrora
Choro, já nem sei bem o porquê, o motivoÀs lágrimas suplico uma réplica de gratidãoSó para me encontrar, mais uma vez contigoAqui ou em qualquer lugar, na imensidão
Já me caí do olhar azul o meu pranto,Uma vergonha insana de loucuraO desejo, desta forma de te querer tanto
Caí no meu rosto uma abusiva alacridadePor uns segundos parei, recordei, guardeiA mais bela história de toda a perpetuidade
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Alma Poética Conceição Bernardino
Acróstico de Amor
Beijo os teus lábios sublimes
Encarnados, selvagens como frutos silvestres
Renasço de novo no teu corpo suado
Navego em perpétuo pudor enamorado
Amando, destemidamente esse teu ser pervertido
Rasgas-me a roupa, desejas-me tua
Degenero-te como se fosse pura
Invejo-te, porque nunca fui de mais ninguém
Nasci da perdição sem preconceito
Oh meu amor cada vez te desejo mais em profundo pecado!
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Alma Poética Conceição Bernardino
Aprazimento
Quero partilhar contigo,Este corpo que um dia sucumbirá sem piedadeSobre as réstias de um jardim qualquer.Quero ter a certeza,Que voltarás a ser meu a qualquer momentoPara além de tudo que é vida, firmamentoQue nunca serás de mais ninguém.Quero-me deitar,Nos teus braços todas as noitesSer tua amante a tua melhor amiga,A tua rameira.Não importa!O que eu quero,É ser simplesmente tua...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Acróstico da minha Progenitora
Mãe, mulher entre as mulheresAbençoada sejas minha mãe!Robusto rosto, abençoadaInédita de coração robustoNascida de sabedoria inéditaAlvor da terra nascida.
Mãe, a mais perfeita Autónoma de sua mãeNatural, amiga, autónomaUniversal, empreendedora, naturalEspecial num mundo universalLeal, admirável, especialAmo-te minha mãe...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Insanidade Perfeita
Sinto-me cansadaJá me faltam as palavras!As que saboreio entre dissaboresDa minha própria loucuraJá não sinto o meu corpoAs vogais consomem-noAdormece em brandas consoantesFicam tantas frases por dizerAquelas,Que já não consigo escrever,Falta-me a forçaA caneta começa a tremerSoluça.O meu olhar constróiO que meu pensamento rejeitaEsta sou, euA doce mulherA insana, poeta...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Confissão Vedada
Luz,Tu que seduzes a escuridão Em qualquer madrugadaProvoca-me!Desafia os meus desejosCarnais e divinosIncendeia o meu amorDespe de mim esta negruraQue me amarraO sedento erotismoEu quero ser tuaDe qualquer forma de qualquer jeitoLuz!O ventre já debela a sede de te sentirNão me deixes aqui...Não partas sem mimEu quero sentir a todo o momentoQue a ti pertenço Luz,Que me cegaste por amorGuia-me!Nos braços de quem tanto me querNunca o poderei revelarMas também nunca o irei esconder
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Alma Poética Conceição Bernardino
Prioridade Solene
Não me peçam!Para fechar os olhos,Para silenciar,O que escrevo, o que sinto.Não me obriguem!A calar,Esta voz eloquenteQue denuncia a dor,De um corpo que não sabe falarDe um corpo que não se pode mexer.Deixem-me gritar!Foi este o estiloQue encontrei,Entre vegetar e viver...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Vago Prematuro
Encanecida de belezas breves,Pedi ao tempo que se calasseQue fosse embora...que me deixasse,Um vago prematuro de rugas leves.
Afagos, recordei em lacunas débeis,Se outrora tivera quem me amasse!O corpo angélico não deixou...que voltasse,Aqueles momentos belos, férteis.
Choro a mocidade que não volta mais,Porque não espero de jamais voltarAgora que já não te servo...vais.
Queria ficar eternamente contigo! Mas tu foste passando despercebido,Traíste-me sem piedade… bandido.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Outono
Já começam a cair as primeiras folhas,Sobre o meu corpo envolventeVestem a minha nudez, ardenteDe mil cores, o vento faz as escolhas.
Já sinto o orvalho com que me molhas A minha alma absorvente,Sento-me no teu colo reluzenteAconchegada, valiosamente nas tuas malhas!
Que eu vou tecendo em harmoniaAs vestes de um licor suave,Que eu bebo para brindar a alegria
De te voltar a ver, espirituosa De áurea... prata dourada,Sempre tão elegante, tão formosa!
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Alma Poética Conceição Bernardino
Desafortunada
O fogo arde imaturo... eu sei!Quanta lágrima, minha demência,Quis calar na tua ausênciaAs promessas que te furtei.
A cegueira traiu-me...quebreiAo julgar-te já indulgência,Da minha doce inocênciaDe um amor que enganei.
Perdoa-me se me entregueiA um inconstante delírio,Já te pertencia, arrisquei
Agora vagueio por aíNa quietude da inexistência,Procuro-te, mas nada sei te ti!
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Alma Poética Conceição Bernardino
Delírio
Tinha urgência em ser mulherUma vontade animalesca Que possuía o meu corpoNum fogo de prazer.O cio do venenoQue todos queriam ter.Já não sentia a diferençaSer deste, ou daqueleApenas queria ser mulherA mais amada...A mais impura...Aquela que se entregava ao amorSem nada receberEu era aquela,A que ansiava, ser apenasA tua mulher!
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Alma Poética Conceição Bernardino
Diferenças sem Esperança
Se a humanidade esquecesse as diferençasAs raças se juntassem,O mar era só um e o céu seria de todosDeus, seriamos nós,
Um só gesto, uma só vozUma lágrima esquecida,Em cada rosto sofrido, angustiadoUm retracto penduradoNa parede do passado
O mundo seria de todosA verdade só, umaUma rosa perfumadaEm cada janela aberta.
Como é bom sonhar, Com um mundo realQue vive apertado,Dentro do meu peitoHá espera de ser libertado
Nós fazemos a diferença,Quando deixamos de ver,Somente com o olharSe soubermos escutar,Sem nada dizer, Palavras para quê?
A humanidade seria bem melhorSe ouvisse melhor,Aquilo que não consegue ver.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Úrano e Plutão
Foste feito para mim Meu doce veneno!Transformaste as ruínasDa minha triste vidaNum belo casteloEsse teu veneno De sabor a melQue morde mas não mataEnche-me de luzCobre-me de prata.
O mar abriu-seNas dunas de um desertoE tu a minha sedeDe viver cada momentoDeste-me esse doce venenoEspelhado num escorpiãoSempre tão forte Eu entreguei-te o meu amorNo reflexo da tua fragilidadeCruzaram-se as sombrasEntregaram-se os corpos Dentro dum aquário de paixãoEu, Úrano e tu, PlutãoNum imenso céu só nosso
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Alma Poética Conceição Bernardino
Guerra dos Sentidos
O mundo traiu-me Numa destemida encruzilhadaAs torres surgiram lá do céu Fiquei presa entre pedras aos montesEntre a sujidade e a lamaNesta incógnita Chamada raça humana
O mundo tornou-seNum jogo de xadrezMexem-se os peõesO cavalo defende a rainha Xeque-mateVencida a altivezA vergonha defende-seEsconde-se na pequenezDos indefesos
O mundo castigou-mePrendeu-me à TerraNesta imensa guerraDos sentidosJá não sei o que sentirQuando já nada faz sentidoAinda sou uma vencedoraNo meio de uma raça já vencida
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Alma Poética Conceição Bernardino
Moldura sem Corpo
Sou prisioneira Nas grades de um corpoAlgemado às vontadesDe uma vida que não é minha
Fechada numa molduraPresa a um espelhoMarcada por númerosCondenada à argúcia
Sou prisioneiraDe um relógio de pontoDe um calendário De páginas envelhecidasAs horas de rotinaSepultada nas obrigaçõesNos deveres cívicos
Sou prisioneira de mimDentro da liberdadeDa minha almaDa minha menteOnde não existe passadoFuturo nem presenteApenas liberdadeDe ser eu mesma
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Alma Poética Conceição Bernardino
Deslumbramento
Chove torrencialmente Eu caminho numa praia desertaDescalça abraçando a chuvaDanço ao som do marEntrego-me aos céusAs estrelasEmbalam-me na belezaQue deslumbramentoQuanta luz aqueceO meu corpo frio de alegriaA chuva cobre-meVai matando a minha Sede de viverCaio na exaustão Da liberdadeComo estas pequenas coisasMe enchem de paixãoA simplicidade da chuvaDe uma noite inesquecívelCobrem a minha vidaCom tanta energiaSustentam os meus sonhosMais reais
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Alma Poética Conceição Bernardino
Sonho Cristalino
Quando fecho os olhosSinto o silêncio da tua alma no meu corpoE a brisa fresca da noite gela-me os sentidosPerco a noção da vida, esqueço-me de viver.A madrugada leva-me longe,Longe do mundo e da saudade,Dos gritos frios da monotonia.Quanta calma, quanta pazAbraça o meu cansaçoE despe de mim as roupas da nostalgiaLá longe não sei aonde, aonde tudo é cristalinoComo as águas que nascem no horizonte.Os desejos são eternos e as vontades mendigamSão como a luz de quem não vê e os olhosQue tudo invejamQuando fecho os olhos, não durmo, viajoPara lá da eternidade...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Espelho de Palidez
És o auge da minha timidezA sombra do meu pecado,Raiz da minha sementeFruto áspero e amargo.
O eu do meu ser caladoA rigidez do meu corpo erguido,A calúnia do meu erro cometido.Célula do meu sangue envenenado.
És ser do destino falsificadoIlusão, de todo meu passadoBrilho no meu cabelo molhadoPedra que no meu sapato entrouQue me atormentas no caminho.
Sorriso no rosto meu desenhadoEspelho de palidezSuado de imaginação,Gasto e tão usado.
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Alma Poética Conceição Bernardino
A Estrada da tua Luz
Hoje meu paiTe trago no sonhoNo pensamento e no brilho do meu amorNa estrada infinita da minha alma
Hoje meu paiAs saudades batem-me à portaVejo-te chegarAs portas do céuRenascem do teu olhar
Quando essa porta fechaBrilho teu, no meu destinoAmor sagrado e divinoNos ergue de mãos dadasNas dimensões do nosso caminho
Não há paredesNem fronteirasQue nos façam separarApenas luz da luz sagradaQue nos une em amar
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Alma Poética Conceição Bernardino
Inexplicável Voz
Quero ver e sentirA rigidez,Desse teu sonhoNavegar pelas ruasDespidas e sósOuvir o grito da tua voz.
Quero, quero admirarA força da tua sombraNo silêncio julgadoDa muda mentira.
Quero ser,Um pouco do teu brilho no arA razão do teu velho caminharSer uma pedraDo teu alicerce nascido.
Quero sentir,Sentir o meu fruto floridoNos galhos da tua solidãoQuero de, ti vidaSer julgada e ouvidaPela abstracta razãoDe viver.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Caminho Descalço
Fui eu que caminhei descalçaPor entre espinhosE roseiraisFui eu que caminheiPor ruelas e pinheiraisSem nunca me magoarMas tanto sangrar.
Fui eu que caminhei descalça,Sobre vidros e punhaisEntre guerras,Lágrimas fatais
Sou eu, a lutaQue ao mundo chegou descalçaEntre o frio e a fomeSou eu,A descalçaQue vivo entreAs almas imortais
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Alma Poética Conceição Bernardino
Meu Irmão
Meu irmãoNa leveza do teu serFeliz o dia que gritasteNa liberdade de nascer
Transformas-teO sonho estérilNa flor da realidadeNo florir do teu amor
Meu irmãoFoste tu essa luzVinda do céuQue iluminouO ventre da solidão
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Alma Poética Conceição Bernardino
Licor Amargo
Desenhei a morteNum jardim,De rosas,Perfumei-aNum penumbrosoLicor amargo,De espinhos suculentosQue me sufocavam,Na sede de viver.
Desenhei-a,Despida e sombria,Tépida,Aspa e dorida.A morteQue todos fogem.A morte findaO corpoSe faz em pó.Morte, vida,De quem nunca viveu.
Ao nascer tememosO tristeEspelho da morteNas ruínasDe um sentimentoEm folhas secas de sorte.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Fatiga
Cansei,O meu cansaço na saudade,Nas folhas secas do chão.Cansei, a esperançaNa triste pedraNo túmulo da desilusão.
Cansei!No meu cansaço as PrimaverasDe uma melancólica infância.No nevoeiro da fantasia,Chorei numa criança,Um desprezo de alegria.
Cansei,No meu cansaço a liberdadeDe um sonho adormecido,Nas grades da independênciaDe um falso rumo prometido.
Cansei,No meu cansaço, cansei!Essa tristonha menina,Com rosto sofrido de mulher.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Noite Oculta
Esta noite, meu amor
Em que o luar nos oculta,
Tu virás te deitar
No meu sonho
Enfeitado de luz
Que te espera no mistério
No auge do reino do prazer
Tu serás o meu império
Eu, uma escrava,
Servindo os desejos
Do teu cálido ser.
Enfeitando-te de jóias
De tesouros e fantasias
Dando-te a luz, um sol
Um novo dia.
Esta noite, meu amor
Em que as vertigens
Gritaram lá do alto,
Eu subo ao céu
Leve como um pardalinho
Procurando o teu corpo de Primavera.
Para me espreguiçar
Na tua doce manhã,
Perfumada de juventude.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Esta noite, meu amorTu virás...Como sempreNo brilho de uma estrelaLá longe, do universo,Tu virásAdormecer em minha almaPara iluminar o meu sonho.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Sentido Calado
Sinto,Sinto que nada mais sinto euPara além,Da leveza do tempoDesse tempo que se escoaEntre as minhas palmas das mãos,Entre as pedras caladas da rua,As noites escuras,Onde o mistério se oculta, nosOlhos belos da lua.Sinto, sintoQue nada mais eu sintoDiante destes gritos ávidos,A loucura separa-nosNo reino dos sentidos.Que me importa ouvir asSinfonias melódicas de um bastoAmor platónico,Se fizeram surdos os meus ouvidos.Sinto,Fiz-me sentir também,Mas todos me fizeram sentir porémUm mero serDo nada de ninguém...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Revelação
Tu estás aliNa voz triste do marNo colear das ondasNa brancura luminosa da espumaTu estás aliOnde tudo é azul e severoNo esplendor do falecer da tardeTu estás aliGritante e belaEntre o céu e o mar
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Alma Poética Conceição Bernardino
Mundos Opostos
Vivo em mundos diferentesMundos que se repelemMundos que não se enquadram.Que se afastem as palavrasDe quem apenas usa a falaQue se afastem os olharesOs quais tudo olham e nada sentemFaz-se silêncio!E tudo em meu redor choraPorque nestas palavras moraA alma de um corpo falecido.Quanta indiferença Existe do outro lado da rua.Tanta gente passaNinguém reparaQue a Terra está a ficar nua.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Danúbio
Quanta raiva, quanta misériaTudo isto me enfurece Tudo em mim desvaneceEntre as ruínas da mágoaDeixei fugir o meu serQue fui eu fazer?Se não espelhar o meu amor no teuLevaste o que eu tinha de mais beloAquela menina cheia de alvores.Que dançava entre as nascentesE as marés!Que fui eu fazer?Se não naufragar a teus pés
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Alma Poética Conceição Bernardino
Puberdade
Aqui jaz uma meninaQue adormeceu pela madrugada foraSem dizer adeusQue seguiu a luzA que os olhos não alcançamEntregando o seu amor a DeusAqui jaz quem jamais se esqueceráDaqueles que ama
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Alma Poética Conceição Bernardino
Obsessão
Voltem o rosto!Olhem para o horizonteNascem rebentos aos molhosSafiras incandesceramA puberdade é cristalinaE os amores inocentes
Voltem o rosto!Olhem os campos verdesSem fim.Olhem nos meus olhos,Quanta saudade mora em mim...
52
Alma Poética Conceição Bernardino
Desespero
Eu queria ter os DeusesE a Terra...As palavras soltas na boca,O riso preso no rosto.Queria ser a mais belaA desejada, aquela que passaSem ter que fugir...A sedutora das luasNovas do céu, a que,Caminha nua cobertaPor um véu...Eu queria ter os olhosVerdes do mar para,Poder chorar lágrimasDe espuma branca Na despedida...Eu queria ser a noivaDe um sol perdido,Para me deitar na alvorada.Eu queria ter asas e voarPara poder fugir com aMadrugada...
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Alma Poética Conceição Bernardino
O Império da Pobreza
Rezem às almasDaqueles que criaram o impérioDos que descobriram a liberdadeO rumo da pouca sorteOs que navegaram os oceanosE encontraram a morte.Rezem ó vozes da pátriaE encontrem os caminhosDaqueles que naufragaramSem destino, em busca da glóriaDos que saíram do caísEm pequenas caravelas,Dos que partiram para láDos céus.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Dormente Eco
Há em mim um espaço fundo de serAlgo que não existe, algo irrealAlgo escondido no oculto no anormalQue me espera quando eu não partoQue me seduz, quando eu não queroHá algo em mim que eu escutoQuando melancólica estouNão sei o que ouço, não sei paraOnde saio para onde vouHá algo em mim que se manifestaQuando calma sou, talvez porque nãoEstou ausente, talvez porque nuncaCá estive presente.
55
Alma Poética Conceição Bernardino
Fúria
O silêncio do teu corpoCala na minha alma a sensatezDe um prazer adormecidoSolta ao meu olhar,Uma nostálgica liberdadeDe viverDando mais e maisSentido há razão inefávelDe te entregar todo o meu ser
56
Alma Poética Conceição Bernardino
Lúcida Vontade
A brisa do marAdormeceu em minhas pálpebras O meu olhar tornou-se longínquo, perdidoQuerendo calar a saudadeQue se atravessava diante de mimAo sentir-te tão perto mas distante,Distante do meu desejoQue ali se fazia prisioneiro,Esperando pela tua liberdadeCalou-se-me a vozGelavam-se-me os sentidosA branca espuma do marLevava-me ao teu encontroDeslumbrou-se o meu olharAo ver-teOlhei-te, senti-te,Amor,Foi então que te encontreiNas lágrimas amadasQue me corriam pelo rosto
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Alma Poética Conceição Bernardino
Pedras Adormecidas
Pedras só pedras se levantamPor esse mundo fora,Por esses jardins em que o silêncio ocultaA indefinida palavra,Que voz nenhuma tão alto alcança A dimensão da obscuridade permaneceEm sigilo profundoQue ser algum se não o rei do mundoComanda as portas largas apodrecidas Que tantas vezes se abrem.E cá ao olhar tantas pedras adormecidasPerguntas se fazem sôfregas de curiosidadeBem lá às profundezas dos céus.De um corpo sólido erguidoLarga-se, se não só em poeira esquecidoDe quem a alma se soltaDe quem a alma partePedras e só pedras se levantamSempre que alguém tem fomeSempre que alguém tem medoSempre que se ouve um gritoSempre que a morte chama...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Silêncio Profanado
Silêncio que o mundo ignoraA mudez de uma delinquênciaMal definida, amargaDe se beber azeda para se ingerir
Quando se calam os olhosA boca se fechaDesdita a palavraQue nunca se falaSilêncio
Esta palavra maldita, Que corrói as feridasDe um corpo mal cicatrizadoCalam-se os ouvidosJá não consigo ouvir mais nadaO silêncio levou-me tudoEm troca do nada
Quem entenderá isto?Sem saber que as palavrasPor vezes não dizem nadaQuanto falo eu,E agora, Alguém me ouviu?Alguém me entendeu?
O silêncio já não me deixaFalar, tanto que eu faleiMas ninguém percebeuQue ouvir,Vale mais que uma única palavra
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Alma Poética Conceição Bernardino
Receita Conceituada
Junte 300 gramas de sinceridade, com engenho q.b.Adicione meia dúzia de sinónimos e vá mexendo lentamenteAté formar uma massa consistente de palavreadoEspalhe uma arroba de folhas recicladas sob um tabuleiroE deixe cozer em lume brando por vinte minutosDepois salpique com eufemismos e metáforasEnfeite Use a imaginaçãoCom uma crónica, poema, piada ou indignaçãoObterá um pouco de escritaSe a confecção lhe correr mal não desespereVá lá, não desistaVolte ao início e repita
60
Alma Poética Conceição Bernardino
Recolher Obrigatório!
Já não consigo ouvir aquelas malditas sirenesQue sangram nos meus ouvidos o ruído da morteA correria daqueles gritos que dizimam os meus sentidos,Os horrores das mãos carregadas de granadasAs rajadas dos morteiros amaldiçoadosQue disparam a toda a hora a nociva matançaDe uma pronunciada guerra.Malditas, malditas!Sejam as atrocidades que se cometemPor falsas razões e verdadesDe povos que se distinguem apenasPor meras fronteiras e crençasNa diferença das igualdadesO Líbano disputa o sangue que Israel amordaçaNo maldito ódioQue fomenta a desgraça.Ouçam de uma vez por todas!Os gritos que desvanecem em ogivasQuantos daqueles padecemEm prol das nossas guerrasMata-se sem medidaComo se fosse uma praga, uma pesteDe insectos que desbastam campos de trigo.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Amar-te-ei...
Corre-me nas veias,Confesso!Esta forma subtilEste desejoEsta vontade.Contesto!Essa necessidadeQue a minha nudez, anseia Na sombra do teu rosto.Arremesso!Os gemidos de prazerQue calo em mim,Através do teu beijo.O beijo que adulteraQue me engana...Menosprezo!Qualquer tormentoVem! Procura, Esta impudica Que te chama...
62
Alma Poética Conceição Bernardino
Indolência
O sentimento é o reversoAo que se dissertaEm palavras estéreis, ocasJulga-las por demaisSenti-las jamaisNão passam,De uma dor loucaQue a imposturaVai saciandoDevorando de qualquer formaA alma de quem sente
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Alma Poética Conceição Bernardino
Um Grito de Ódio
Humilhaste o meu corpo despidoEstropiaste o meu ventre Roubaste-me a inocênciaImpiedoso violadorQue te escondes na fraca doença Usaste-me como se eu fosse um trapoDespedaçando aos poucosO meu sonho de criançaAgora olhas-me nos olhosComo quem olha um jogueteJá não sou o teu preferidoAmadureci repleta de nojoAmparada pela vingançaJá não sou maisAquela menina indefesaQue te condenouEm liberdade condicionalAgora passei a ser No teu dia-a-diaO teu pesadeloA tua sombraO teu rótuloSujo de pedofilia
Este poema é dedicado a todas as crianças, que foram vítimas de pedofilia germes.
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Alma Poética Conceição Bernardino
Inocência
Carreguei-a nos braços!Tremula, desfalecida,Apertei-a contra mimMas ela não resistiu...Morreu,Partiu.Prematura, descalça,A fome levou-aAinda menina,Ainda criança...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Reflexos
Se pensas que consegues ver, entãoApaga a luz...Os olhos perdem-se na escuridão,Porque a verdadeira luz está naNossa mente,Procura-a...
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Alma Poética Conceição Bernardino
Mulher
Quando me olho ao espelhoVejo o meu corpo de mulher,Tão frágil e subtilDispo-me da belezaCobro-me de inocência,Quero voltar a nascerQuero sentir de novo a fecundaçãoIgnorar o preconceito,Voltar a ser um pouco de vidaNo teu ventre de mulherGanhar a mesma formaDelicada, ternurentaDo teu seio que me amamentaNa forma mais sedentaO meu corpo é o teu corpoAquele que quis terOrgulhosamente Nasci mulher!
Índice
Amor e ÓdioCrianças sem RostoA Flor do SonhoO teu Olhar MãeRugas FamintasPrimorosoPerdiçãoQuem…Erudição ImperfeitaMeretrizEsperança MudaAjudem-me!Nas minhas Mãos…Além de MimAcrósticos de AmorAprazimentoAcróstico da minha ProgenitoraInsanidade PerfeitaConfissão VedadaPrioridade SoleneVago PrematuroOutonoDesafortunadaDelírioDiferenças sem EsperançaÚrano e PlutãoGuerra dos SentidosMoldura sem CorpoDeslumbramento
789
1011121314151617181920212223242526272829303132333435
Sonho Cristalino
Espelho da Palidez
A Estrada da tua Luz
Inexplicável Voz
Caminho Descalço
Meu Irmão
Licor Amargo
Fatiga
Noite Oculta
Sentido Calado
Revelação
Mundos Opostos
Danúbio
Puberdade
Obsessão
Desespero
O Império da Pobreza
Dormente Eco
Fúria
Lúcida Vontade
Pedras Adormecidas
Silêncio Profanado
Receita Conceituada
Recolher Obrigatório!
Amar-te-ei…
Indolência
Um Grito de Ódio
Inocência
Reflexos
Mulher
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Alma Poética
Conceição Bernardino
Ex-Ricardo dePinho Teixeira
Paulo Cruz
Cromotema
978-
Março de 2007
989-617-
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1ª Edição:
www.corposeditora.com
Colecção Segundas Salivas
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