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Como os Alunos Compreendem o Ensino de Matemática Erica da Silva Moreira Ferreira A pesquisa em questão está em desenvolvimento, na Faculdade de Educação, UNICAMP, sob a orientação da Profa Dra Anna Regina Lanner de Moura e tem como sujeitos alunos de 2as, 3as e 4as séries — hoje nomeadas de 3ºs, 4ºs e 5os anos do Ensino Fundamental I. Esses alunos viveram estes anos escolares no período de 2005 a 2007. O trabalho desenvolvido nessas turmas teve por princípio que os alunos precisavam compreender aquilo que realizavam. Para se alcançar este objetivo, não bastava ter a intenção, era necessário fazer por onde os conceitos fossem significativos, onde o saber pensar ganha uma importância maior do que o saber fazer. Desde o início do trabalho de alfabetização matemática com os alunos, enfatizei o uso do ábaco como instrumento, que auxilia na externalização dos modos de pensar matematicamente falando. Há certos comportamentos que são observáveis, como as respostas a certos exercícios objetivos; porém, há comportamentos que não são observáveis, pois se referem a ações mentais, raciocínio. Para esses comportamentos, é necessário “provocar” sua externalização, para assim, acompanhá-los. A proposta de trabalho era que todos os envolvidos pudessem, no decorrer dos anos, durante as aulas de matemática, descobrirem-se parte efetiva desse conhecimento e “autorizados” a caminhar com seus próprios pés, encontrarem seu próprio ritmo, criarem seu próprio movimento de estudo. Algumas atividades propostas em aula — além daquelas que constavam do material didático utilizado pela escola — foram escolhidas de modo a organizar e a compreender a natureza do pensamento matemático. Eram atividades que tinham por intenção “disparar um conceito”, ou seja, aquelas que consideram a atividade na sua ação formadora, a que chamaremos de atividade orientadora de ensino. Nas palavras de Moura 1 , “chamamos de atividade orientadora de ensino aquela que se estrutura de modo a permitir que sujeitos interajam mediados por um conteúdo negociando significados, com o objetivo de solucionar coletivamente uma situação- problema”. E ainda, os conteúdos são encarados em seu aspecto social onde assumem seu 1 MOURA, Manoel Oriosvaldo de, “A atividade de ensino como ação formadora”, In: Castro, A. D. e Carvalho, A. M. P (org.). Ensinar a ensinar: Didática para a Escola Fundamental e Média . São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2001. (P. 143-162)

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Como os Alunos Compreendem o Ensino de Matemática

Erica da Silva Moreira Ferreira

A pesquisa em questão está em desenvolvimento, na Faculdade de Educação,

UNICAMP, sob a orientação da Profa Dra Anna Regina Lanner de Moura e tem como

sujeitos alunos de 2as, 3as e 4as séries — hoje nomeadas de 3ºs, 4ºs e 5os anos do Ensino

Fundamental I. Esses alunos viveram estes anos escolares no período de 2005 a 2007.

O trabalho desenvolvido nessas turmas teve por princípio que os alunos precisavam

compreender aquilo que realizavam. Para se alcançar este objetivo, não bastava ter a

intenção, era necessário fazer por onde os conceitos fossem significativos, onde o saber

pensar ganha uma importância maior do que o saber fazer.

Desde o início do trabalho de alfabetização matemática com os alunos, enfatizei o

uso do ábaco como instrumento, que auxilia na externalização dos modos de pensar

matematicamente falando. Há certos comportamentos que são observáveis, como as

respostas a certos exercícios objetivos; porém, há comportamentos que não são

observáveis, pois se referem a ações mentais, raciocínio. Para esses comportamentos, é

necessário “provocar” sua externalização, para assim, acompanhá-los.

A proposta de trabalho era que todos os envolvidos pudessem, no decorrer dos

anos, durante as aulas de matemática, descobrirem-se parte efetiva desse conhecimento e

“autorizados” a caminhar com seus próprios pés, encontrarem seu próprio ritmo, criarem

seu próprio movimento de estudo. Algumas atividades propostas em aula — além daquelas

que constavam do material didático utilizado pela escola — foram escolhidas de modo a

organizar e a compreender a natureza do pensamento matemático. Eram atividades que

tinham por intenção “disparar um conceito”, ou seja, aquelas que consideram a atividade

na sua ação formadora, a que chamaremos de atividade orientadora de ensino.

Nas palavras de Moura1, “chamamos de atividade orientadora de ensino aquela que

se estrutura de modo a permitir que sujeitos interajam mediados por um conteúdo

negociando significados, com o objetivo de solucionar coletivamente uma situação-

problema”. E ainda, os conteúdos são encarados em seu aspecto social onde assumem seu

1 MOURA, Manoel Oriosvaldo de, “A atividade de ensino como ação formadora”, In: Castro, A. D. e Carvalho, A. M. P (org.). Ensinar a ensinar: Didática para a Escola Fundamental e Média. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2001. (P. 143-162)

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papel na história da humanidade ao resolver problemas (Caraça, 2002; Ifrah, 1994; Moura,

2001).

Utilizamos como dinâmica de aula àquela a que nomeamos de relacional, onde

consideramos três momentos:

- individual, que tem como objetivo permitir, a elaboração de juízos (Caraça, 1998),

a partir da hipótese pessoal de cada um dos participantes,

- pequenos grupos, onde se confronta os juízos individuais, discute-se as hipóteses e

sintetiza-se em uma única resposta toda a discussão feita até então e,

- coletivo, onde se debate as idéias elaboradas pelos pequenos grupos e a classe

como um todo, juntamente com o condutor das discussões organiza a resposta do

problema em questão. Ainda que a resposta seja discutida com a classe toda, ela é

sempre relativa, pode ser sempre reelaborada.

Ao longo de três anos em que trabalhei com esses alunos, muitos foram os

materiais que poderiam servir-me como material de análise. Há aqueles que destaco a

partir dos cadernos, que demonstram o primeiro momento, individual; há os cartazes, ou

mesmo no caderno, que demonstram os acordos feitos em pequenos grupos; e há as

conclusões do grupo classe, que também constam nos cadernos. Porém, como meu

objetivo é analisar os modos como os alunos compreenderam os conteúdos matemáticos

escolares que ensinamos, enfatizaremos a palavra deles através de entrevistas coletivas,

narrativas2/memórias de formação além desse material escolar coletado ao longo dos anos,

ou seja, cadernos, fotos, trabalhos em grupo, avaliações. Deste modo, buscamos reforçar a

importância de assumir que o conhecimento tenha por princípio o fato de ser

compartilhado, e os objetivos que permeiam cada escolha, converjam para proporcionar

que a aprendizagem torne-se objeto da ação humana.

Desenvolveremos nossa análise destacando aquelas falas/produções que possam

denotar a re-significação dos conceitos matemáticos e o quanto essa aprendizagem passou

a fazer parte de uma outra visão do ensino de matemática

A guisa de exemplo do modo como é desenvolvido a dinâmica em sala de aula,

apresentaremos a seguir um trabalho realizado em torno da aprendizagem do conceito de

multiplicação.

2 Utilizamos o conceito de narrativa a partir do entendimento feito de Walter Benjamin, como citado por autores como Rosa, 2007.

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O trabalho com as quatro operações tem seu início desde que começamos a

trabalhar o conceito de número. Número é um conceito que extrapola sua representação

simbólica. Ser número supõe a idéia de quantidade. Somente as quantidades podem ser

combinadas no que chamamos de as quatro operações fundamentais da aritmética.

Podemos dizer que fazer uma operação é contar a própria história dos movimentos

quantitativos. E esta história é fruto de uma resposta a uma necessidade que instaura uma

determinada ação.

As idéias de juntar e retirar quantidades estão na base desse conhecimento como

decorrência do controle da variação das quantidades. Como operações chamadas de 1o grau

(adição e subtração) representem o modo natural de organizar as quantidades. Digo

“natural”, pois, “naturalmente” nos reunimos e nos distanciamos de pessoas, por exemplo.

Não há criação humana nesse movimento. O que há é a observação humana de

movimentos regulares e que podemos nomear por símbolos.

Já as operações chamadas de 2o grau, isto é, a multiplicação e a divisão, são

estratégias de contagem das quantidades que permitem maior rapidez e precisão. São uma

extensão das operações anteriores, sabendo-se que a multiplicação tem por idéia

fundamental a adição sucessiva de parcelas iguais e a divisão, por sua vez, aparece como a

subtração sucessiva de parcelas iguais.

Os primeiros povos a conversarem, numericamente, registravam os movimentos

quantitativos, utilizando apenas palavras. Assim:

para descrever o movimento de três ovelhas entrando em um cercado

que já continha sete ovelhas, escrevia-se: sete Mais três

para descrever o movimento de duas ovelhas saindo de um cercado

que continha nove ovelhas, escrevia-se: sete Menos dois.

para se descrever o movimento de organizar as quantidades,

utilizava-se o numeral-visual abaixo:

Escrevia-se: quatro por três ou quatro vezes três.

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E, para escrever o movimento de repartir trinta e dois em quatro

colunas/linhas escrevia-se: trinta e dois divididos por quatro.

A palavra mais é aquela que, matematicamente, indica o movimento quantitativo de

acréscimo; já a palavra menos é aquela que, matematicamente, indica o movimento

quantitativo de decréscimo; a palavra vezes é usada para indicar a organização do

numeral—visual em linhas e colunas harmônicas; e por fim a palavra dividir indica a

organização de um número em certo número de colunas/linhas.

Em sala de aula, começamos o trabalho com a multiplicação quando os alunos já

compreenderam com exatidão as idéias da adição, e o seu caminho da volta, a subtração.

A proposta inicial é sempre gerar a necessidade de se criar estratégias de resolução

aos problemas propostos, com base nos conhecimentos já adquiridos. Ou seja, inicia-se o

trabalho de multiplicação propondo que se resolvam os problemas, pela estratégia de

adicionar repetidas vezes a mesma quantidade.

Exemplo: Como registrar no ábaco dezessete vezes o vinte e quatro?

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Essa é uma estratégia válida e usada pelos alunos em quase todos os momentos.

Mesmo quando memorizam a tabuada, utilizam como recurso inicial a somatória das

parcelas iguais. Nada mais natural que utilizem essa mesma estratégia para quantidades

maiores.

Mas, e quando as quantidades chegam na casa das dezenas no multiplicador? Não é

impossível utilizar a mesma estratégia das adições sucessivas, mas, como eles mesmos

perceberam, é cansativo, demorado e carece de precisão.

O que propus em aula? Que os alunos criassem estratégias para se resolver uma

conta simples, usando outros recursos, além da adição sucessiva, mas que ainda não

fosse o algoritmo.

Para meu grande prazer, as idéias apresentadas foram variadas, criativas e pessoais.

Isso tem um valor incalculável!

Nossas crianças fugiram do padrão estabelecido em livros e construíram um modo

próprio de resolver a questão.

Veja abaixo algumas das estratégias criadas.

Para resolver 16 x 42:

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Nesta situação, verificamos que a aluna se preocupou em realizar a operação

decompondo as quantidades. Ela, primeiro, realizou 6 x 42, que seria um valor de fácil

resolução por adição sucessiva. Posteriormente realizou 10 x 42. Neste caso, verifique que

a aluna “coloca” dez vezes a quantidade no ábaco, realiza as trocas necessárias e somente

depois, em aula, verifica que o resultado é o próprio 42 deslocados em uma haste, isto é,

com um zero na unidade. Por último, ela soma os dois resultados obtidos anteriormente.

A escolha desta aluna, por decompor as quantidades, alia-se ao fato de que, o

conhecimento que ela possui, acerca da multiplicação, ainda está sustentada pela adição

sucessiva. O que ela planeja para a sua ação, é buscar um modo de encontrar o resultado,

por meio dos conhecimentos que possui. Para tanto, decompõe o valor em quantidades que

possam ser realizadas no ábaco. Uma observação mais cuidadosa de nossa parte nos

permite perceber que, o que ela está realizando nada mais é do que o modo como faríamos

no algoritmo, sem os reagrupamentos.

Nesta situação, a estratégia escolhida

pelo aluno também usa, como recurso, a

decomposição, mas sem o auxilio do ábaco. Ele

planeja seus cálculos de modo a chegar ao

resultado.

Primeiro ele realiza 5 x 24 e obtém 120.

Este 120 ele multiplica outras 3 vezes, ou seja

(24 x 5) x 3. Chega ao valor 360. Ele já

calculou até agora 15 vezes o 24; falta somente

duas vezes o 24, que ele resolve em seguida.

Somando os dois resultados, 360 e 48, obtém o

resultado final da conta, isto é, 408.

Esta estratégia possui traços bastante pessoais aliados a um planejamento prévio,

que permite ao aluno não se perder no raciocínio.

Não é exatamente tradicional o modo como o aluno resolveu a conta, mas, com

certeza, ele compreendeu perfeitamente o seu próprio raciocínio, planejado, executado e

avaliado posteriormente em sala de aula.

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Como podemos perceber, não são invenções, no sentido próprio da palavra — algo

nunca antes criado — mas é a expressão, em linguagem matemática, de um modo de

pensar a multiplicação, que partiu da criatividade e entendimento próprio de cada aluno.

Quais as idéias que podemos tirar desses modos de fazer que serão utilizados

depois?

Das idéias apresentadas precisamos destacar que calcular um número 10 vezes (ou

seus múltiplos) significa “deslocar uma haste no ábaco” — palavras deles. Ou seja, fazer

10 vezes o 24, significa:

1 X 24 10 x 24

“— Precisamos chegar ao algoritmo?

— Sim, precisamos. (Esse é o padrão esperado para alunos de 3ª série. )

— Então vamos chegar a ele.

— Como?”

Foi o que perguntei a eles.

“— Como resolver, então, uma multiplicação cujo multiplicador é uma dezena, sem

o auxílio direto do ábaco, sem ser no algoritmo, mas, encontrando uso/auxílio da

tabuada?”.

As respostas apresentadas traduziram os movimentos antes demonstrados no ábaco.

Verifiquem alguns exemplos de como os alunos resolveram a questão.

2 4 2 4 0

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Novamente vemos aqui

um planejamento bastante

pessoal para se alcançar o

resultado.

Primeiro o aluno analisa

as quantidades e percebe a

possibilidade de dividir o 15 em

três partes. Então, ele multiplica

o 5 x 54, obtendo 270, deixando

registradas as quantidades

obtidas pelo cálculo que se

encontra mais abaixo onde ele

demonstra o uso da tabuada.

Depois, ele triplica esse

resultado para obter 15 x 54, ou seja, (5 x 54) x 3, obtendo o resultado final de 810.

Este aluno usou o recurso da multiplicação por 10 e seus múltiplos.

A sua ação visou decompor as quantidades de modo a utilizar esse recurso. Então,

realizou primeiro o 10 x 50, que resulta em 500, ou seja, o 50 deslocado em uma haste.

Para a segunda conta, 5 x 50, utilizou a tabuada para confirmar que 5 x 5 = 25, e

novamente deslocou em uma haste o resultado. Usou do mesmo recurso para resolver o 10

x 4 e, por fim, calculou 5 x 4, verificando o resultado na tabuada. Somou todos os

resultados obtidos para chegar ao produto de 54 por 15.

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Quando o aluno resolveu por adição sucessiva, ele buscou auxílio na tabuada para

“ir direto ao resultado”. Então ao realizar 54 x 15, organizado de um modo mais objetivo,

ficaria assim:

54 (50 + 4) onde 5 x 4 = 20 (esse resultado ele verifica na tabuada)

x15 5 x 50 = 250

20 10 x 4 = 40 e

250 10 x 50 = 500

40

+500

810

Esse método costuma ser chamado de Método Longo por demonstrar, passo a

passo, cada resultado de cada cálculo realizado. Essa etapa, mais descritiva dos modos de

pensar matematicamente os cálculos é importante, pois registra cuidadosamente o que se

passa pela mente do aluno. Para ele, é um modo de desenhar seu pensamento e poder

demonstrá-lo.

O que ocorre com freqüência, e nem sempre o aluno percebe ao utilizar o

método curto (entenda-se o algoritmo como todos nós conhecemos), é que quando

multiplicamos, dezena por dezena, teremos como resultado, no mínimo, uma centena,

nunca outra dezena e, muito menos, uma unidade. Ou seja, quando o aluno realiza 73 x 28

o correto seria:

73 (70 + 3) onde 8 x 3 = 24

x 28 (20 +8) 8 x 70 = 560

24 20 x 3 = 60

560 20 x 70 = 1400

60

+ 1400

2044

(esses resultados derivam das “descobertas” anteriores, isto é, de “deslocar” a haste)

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Porém, o que por vezes ocorre é que o aluno desconsidera o fato de que aquele 2 na

verdade é 20 e responde ao cálculo com o seguinte resultado: 2 x 3 = 6 — ao invés de 60

— e 2 x 7 = 14 , ou 2 x 70 = 140, — ao invés de 1400. Esse “esquecimento” é na verdade

um indicador de que o aluno está se prendendo ao símbolo numérico “2”, e

desconsiderando a quantidade que esse símbolo representa/simboliza, ou seja, vinte.

Há outras idéias que envolvem o conceito de multiplicação e que são usados como

estratégias de resolução.

Os alunos, com o auxílio do livro texto, e a partir da análise das atividades

realizadas em aula, descobrem que a idéia de combinação, descrita nas atividades do livro

do tipo: “Tantos sabores de sorvete e tantas coberturas. Quantas combinações de sorvete

com cobertura é possível fazer?” na realidade, descreve o movimento que deve ser

realizado para resolver os exercícios propostos. Ou seja, combinar 73 com 28 significa

fazer:

20

70

3

8 que nada mais é do que realizar as

combinações dos sorvetes e suas coberturas.

Outra idéia a ser considerada se refere à Propriedade Comutativa. Essa propriedade

é comum às operações de adição e multiplicação, até porque a multiplicação é também

uma adição. Seu uso auxilia na escolha que o aluno pode ter, para realizar uma

determinada conta, pela maneira mais “fácil”. Se o aluno tem, por exemplo, que resolver

24

x 89 ele pode optar:

por realizar 24 x 89, que o permitiria utilizar estratégias como a descrita

anteriormente, 6 x 89 = A e depois quadruplicar esse resultado;

ou simplesmente optar por essa conta para não ter que utilizar a tabuada do

9, que normalmente é “temida” pelos alunos.

Sejam quais forem os planos de ação escolhidos pelos alunos, o que priorizamos é

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que o aluno possa, com os conhecimentos adquiridos anteriormente, fazer uso do espaço

criativo das estratégias pessoais.

Há um consenso, ou um acordo mundial, de como se resolve uma multiplicação,

mas isso não significa que, em sala de aula não possamos permitir aos nossos alunos

criarem suas próprias estratégias de ação. Desta forma incentivamos a aprendizagem da

criatividade e desenvolvemos a autonomia nas ações em busca de conhecimento. Afinal de

contas, a escola é um momento importante na vida do aluno, o que ele aprender aqui será

seu pelo resto da vida. E, esse conhecimento, talvez não exatamente o conteúdo, mas sim o

modo de pensar o conteúdo — será utilizada em outros espaços e momento de sua vida.

O presente trabalho aborda um pouco da pesquisa que estou desenvolvendo no

programa de Pós-Graduação, em nível de Doutorado. O mesmo prazer que vejo surgir nos

alunos quando eles começam a compreender os conceitos matemáticos, se surpreendendo

ao constatar que podem e devem partilhar dos conhecimentos historicamente construídos, é

o prazer que sinto ao trabalhar com eles. Enquanto eles se satisfazem com suas descobertas

eu, por outro lado, aprecio o fato de poder elaborar esta pesquisa.

A continuidade desta pesquisa, ainda em período inicial, pretende demonstrar que é

possível trabalhar os conceitos matemáticos de modo significativo, sem temor, sentindo-se

parte daquilo que normalmente parece distante e inatingível.

Na nossa perspectiva, buscamos romper com a visão de atividade que sugere ser

apenas um modo de fazer com que alunos aprendam um determinado conteúdo escolar.

Procuramos salientar a importância de se ter como pressuposto que no ato de ensinar se

estabelece uma troca de significados entre aqueles que dele participam. O professor

compartilha significados com seus alunos — e vice-versa — e constrói uma determinada

maneira de ser e fazer o mundo ao seu redor.

O que assumimos, então, em nosso trabalho foi (e é) uma visão de aprendizagem

numa perspectiva materialista dialética, procurando superar a compreensão empírica sobre

a natureza do conhecimento, ainda presente nos sistemas tradicionais de ensino. Visto

desta maneira, devemos compreender o quanto os conteúdos escolares que ensinamos, os

métodos que escolhemos para que esse conhecimento seja compartilhado, e os objetivos

que permeiam cada escolha, convergem para proporcionar que a aprendizagem torne-se

objeto da ação humana.

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