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Artigos sobre a economia brasileira
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2
Sumrio
A poltica econmica do governo Dilma: a volta do experimentalismo
Mrio Mesquita ...................................................................................................... 3
Desacelerao recente da economia
Fernando de Holanda barbosa Filho e Samuel Pessoa ................................................ 15
Aprimorando a poltica econmica
Daniel Luiz Gleizer ............................................................................................... 31
Demografia, reformas e bonana externa
Affonso Pastore e Maria Cristina Pinotti .................................................................... 40
Robustez fiscal e qualidade do gasto como ferramentas para o
crescimento
Joaquim Vieira Ferreira Levy .................................................................................. 50
Propostas para melhorar a qualidade do sistema tributrio
Bernard Appy ...................................................................................................... 65
Medidas para elevar a contribuio do trabalho ao crescimento
econmico e melhorar a competitividade
Aurlio Bicalho e Ilan Goldfajn ................................................................................ 68
Governana das polticas pblicas
Marcos de Barros Lisboa ....................................................................................... 77
Transformando a vida dos mais pobres
Naercio Menezes Filho ......................................................................................... 89
Poltica urbana: contribuio para Sob a Luz do Sol Uma Agenda
Para o Brasil
Philip Yang ......................................................................................................... 99
3
A poltica econmica do governo Dilma: a volta do experimentalismo
Mrio Mesquita
1. A poltica macroeconmica sob Dilma Rousseff
A poltica macroeconmica do governo Rousseff, ainda que jamais tenha formalmente
abandonado o trip macroeconmico bsico estabelecido em 1999, apresentou desvios em
relao ao mesmo ao longo do tempo no que se refere tanto aos objetivos de curto prazo
quanto aos instrumentos.1
A poltica econmica sob Dilma acabou sendo uma resultante de foras, com diveras agncias
atuando com diagnsticos distintos, e prioridades variadas, que em determinado momento
foram ganhando ou perdendo terreno no embate das ideias. Este diagnstico vale para
qualquer governo, mas tornou-se mais relevante na gesto Rousseff, cujas polticas tenderam
a ser mais cambiantes do que costumava ser o caso sob seus dois predecessores imediatos.
Nos ltimos anos pareceu prevalecer, assim como no segundo mandato do ex-Presidente Lula,
uma heterogeneidade de vises sobre o funcionamento da economia e o escopo e
possibilidades da poltica econmica. E, assim como no governo anterior, pode-se afirmar que
uma viso mais convencional e circunspecta sobre a poltica econmica se concentrou no
Banco Central (BC), ao passo que o Ministrio da Fazenda (MF) e outras partes do setor
pblico, como o BNDES, adotaram uma viso mais heterodoxa.
Mas a inovao sob Rousseff foi uma tendncia ao hiper-ativismo, em parte resultante do
contexto global, em parte de um certo estilo gerencial. Com isso, aspectos da poltica
macroeconmica foram sendo alterados com alta frequncia, como exemplificam as sucessivas
mudanas nas regras para fluxos de capitais estrangeiros, bem como no regime tributrio
aplicado a certos setores, sem que as autoridades tenham exibido muita preocupao sobre os
efeitos que tais mudanas poderiam ter sobre o grau de incerteza e o ambiente de negcios
prevalecente na economia.
Alm dessa tendncia ao ativismo excessivo, uma linha dominante da poltica econmica sob
Rousseff foi um certo ceticismo em relao ao mercado e a preferncia pela interveno
estatal, cujo exemplo maior, no mbito da macroeconomia, foi provavelmente o tratamento
dado taxa de cmbio.
A primeira fase do governo, de janeiro a julho de 2011, foi de continuidade, com mudanas
limitadas em relao s polticas praticadas em anos anteriores. Tais mudanas concentraram-
se na rea de poltica monetria e cambial, e foram parciais. O BC, visando promover a
convergncia da inflao (que terminara 2010 em 5,9%) para a meta, retomou em janeiro de
2011 o processo de aperto monetrio que havia interrompido em meados do ano anterior,
quando das primeiras manifestaes da crise europeia, com uma elevao da taxa bsica de
juros (Selic) para 11,25% aa.
Ao mesmo tempo, a autoridade monetria, na ata da reunio do comit de poltica monetria
(Copom) de janeiro, indicava que seu cenrio central tambm contempla moderao na
expanso do crdito, para a qual contribuem as aes macro-prudenciais recentemente
adotadas (...) em parte, tais alteraes regulatrias devem se manifestar como elemento de
1 Esse trabalho voltado para as polticas fiscal, monetria e cambial. Polticas setoriais sero objeto de outros captulos.
4
conteno da demanda agregada por intermdio do canal de crdito.2 O texto refere-se ao
conjunto de medidas prudenciais anunciadas no incio de dezembro de 2010, que visava conter
a expanso do crdito, para mitigar riscos sistmicos, mas cujos efeitos macroeconmicos
contracionistas ainda seriam sentidos. Ao longo do primeiro semestre de 2011 novas medidas
restritivas foram adotadas: aumento da alquota do imposto sobre operaes financeiras (IOF)
sobre o crdito ao consumidor e regras mais rgidas para o parcelamento de faturas de cartes
de crdito.
Na poltica cambial, alm de continuar a aquisio de reservas externas, o governo introduziu
um IOF nas operaes de vendas de derivativos cambiais, com vistas a frear a apreciao da
moeda note-se que medidas tributrias visando disciplinar a entrada de capitais,
notadamente no mercado de renda fixa, j haviam sido adotadas na segunda metade de 2010.
A poltica fiscal foi ajustada, e, depois de ter sido francamente pr-cclica em 2010, ano de
eleies gerais, voltou a uma postura contracionista a julgar pelo impulso demanda
agregada, o programa fiscal de 2011 foi o mais austero desde 2003.3
Tabela 1: Poltica fiscal 2001-2014
Fonte: Banco Central do Brasil; Brasil Plural
A partir de agosto de 2011, teve incio aquilo que alguns comentaristas econmicos e polticos
descreveriam como a virada do governo Dilma, com uma abrupta reverso de curso da
poltica monetria, que passou a ser relaxada, com o amparo inicial de uma poltica fiscal ainda
restritiva.4 A inflexo da poltica monetria foi uma das decises mais controversas tomadas
pelo Copom desde sua criao, tanto pelo carter indito (a primeira mudana de direo entre
duas reunies consecutivas), quanto pelas condies iniciais (inflao corrente e esperada
bem distantes do centro da meta).
Note-se, tambm, a importncia atribuda pelas autoridades ao movimento, o que acabou
alimentando a aparncia de que a taxa de juros poderia ter se transformado em objetivo, e no
mero instrumento de poltica econmica.5 Nesse ambiente, em que a reduo das taxas de
juros passa a ser vista, por parte do pblico, como um objetivo em si, no surpreende que
2 Notas da reunio do Copom de janeiro de 2011, pargrafo 26.
3 O supervit estrutural ajustado para receitas extraordinrias e o ciclo, o impulso fiscal a diferena entre o
supervit estrutural de um ano e o anterior.
4 A Selic havia sido elevada em 1,75p.p. para 12,5%a.a., e na reunio de agosto do mesmo ano, o ciclo foi
interrompido com a taxa sendo reduzida em 0.5p.p..
5 Considere-se, por exemplo, trecho do discurso presidencial de sete de setembro de 2012: mbro de 2012:
fundamentos da nossa polscurso presidencial de sete de setembro de 2012: mbro de 2012:dana estrutural que tem,
como sustentao, uma taxa de juros baixa, o cmbio competitivo e a reduo da carga tributria. Estamos
conseguindo, por exemplo, uma marcha indita de reduo constante e vigorosa nos juros, que fez a Selic baixar para
cerca de 2% ao ano, em termos reais. E fez a taxa de juros de longo prazo cair para menos de 1% ao ano, tambm em
termos reais.
5
tenha aumentado o tradicional questionamento da misso da autoridade monetria, que resulta
de um contexto institucional inadequado - falta de autonomia legal do BC.
A inflexo de poltica implementada pelo Copom na reunio de agosto de 2011 foi baseada na
viso de que a lenta e frgil recuperao das economias maduras teria impacto contracionista
importante sobre a economia brasileira, o que iria por si s aumentar o hiato de produto e,
assim, contribuir para promover a convergncia da inflao para a meta. Especificamente,
segundo o comunicado da reunio: Reavaliando o cenrio internacional, o Copom considera
que houve substancial deteriorao, consubstanciada, por exemplo, em redues
generalizadas e de grande magnitude nas projees de crescimento para os principais blocos
econmicos (...) O Comit entende que a complexidade que cerca o ambiente internacional
contribuir para intensificar e acelerar o processo em curso de moderao da atividade
domstica, que j se manifesta, por exemplo, no recuo das projees para o crescimento da
economia brasileira (...) Nesse contexto, o Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os
efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, um ajuste moderado no nvel da taxa
bsica consistente com o cenrio de convergncia da inflao para a meta em 2012.6
O resultado almejado acabou no se materializando. A inflao de fato iniciou uma trajetria de
queda a partir de setembro de 2011 (quando havia atingido um mximo local de 7,31%), graas
ao aperto monetrio implementado anteriormente, bem como apreciao do real ocorrida at
meados de 2011, atingindo um piso de 4,92% em junho de 2012, mas voltou a subir,
terminando o ano em 5,84%, sem jamais atingir 4,5%.
Vale notar que o resultado do experimento de 2011 contrasta com o do ciclo de flexibilizao
de 2009, este sim consistente com a convergncia da inflao para a meta. Considerando-se
as condies iniciais, essa diferena de resultados no surpreendente. Para comear, havia
bem menos ociosidade na economia em 2011: a taxa de desemprego com ajuste sazonal
encontrava-se em 6,0% em agosto de 2011, ante 8,5% em janeiro de 2009, ao passo em que a
taxa de utilizao da capacidade, tambm ajustada para fatores sazonais, atingia 83,6%, ante
78,4% em 2009. Por sua vez, as expectativas de inflao 12 meses frente encontravam-se
em 4.7% em janeiro de 2009 e 5,5% em 2011. Com essas condies iniciais, o ciclo que teve
incio em agosto de 2011 s poderia ter sido consistente com a desinflao continuada da
economia caso, os outros fatores permanecendo constantes, o choque externo fosse mais
intenso do que se seguiu quebra da Lehman Brothers, e no apenas uma frao do mesmo,
como parecia acreditar o BC.
Talvez como resultado da frustrao com o processo de desinflao, a partir de 2012 o
governo passou a recorrer mais intensamente a intervenes diretas no sistema de preos
como instrumento auxiliar de controle da inflao ver seo 3.2. Como tais intervenes
foram (e so) vistas pelos agentes econmicos e analistas como insustentveis no tempo, e
estimulavam ao invs de conter o excesso de demanda, o efeito restringiu-se ao curto prazo,
tendo como contrapartida a piora das expectativas a mdio e longo prazo.
Mesmo assim, a necessidade de se ajustar a Selic, revertendo o ciclo anterior, foi se tornando
mais clara ao longo do segundo semestre de 2012. O prprio Banco Central comeou a alertar
para tal situao no comunicado da reunio de janeiro de 2013, reforou a sinalizao na
reunio seguinte e finalmente comeou a elevar a Selic a partir de abril, em processo ainda no
concludo.
6 Comunicado da reunio do Copom de 31 de agosto de 2011.
6
Uma forma natural de se avaliar o resultado da poltica monetria, sob o regime de metas, a
capacidade de ancorar as expectativas de inflao. Sob esse critrio, fica claro um
enfraquecimento da ancoragem das expectativas a partir de 2011.7
Tabela 2: Expectativas de inflao e meta (ano calendrio)
Fonte: Banco Central do Brasil; Brasil Plural; * O gap a diferena entre inflao e meta.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que, a partir da correo de rumo encetada desde abril de
2013, a poltica monetria vem retornando s prticas mais usuais do regime de metas para a
inflao, com melhorias na comunicao e ganhos de credibilidade para o BC, a poltica fiscal
tornou-se mais expansiva (Tabela 1) e a poltica cambial, mais intervencionista.
De fato, aps um perodo (entre meados de 2011 e igual perodo de 2013) de intervenes
moderadas no mercado cambial e apesar do compromisso retrico com o regime de cmbio
flutuante o BC anunciou em agosto de 2013 um programa contnuo de oferta de hedge
cambial, por meio de intervenes dirias. O programa foi anunciado sob o efeito da tenso
detonada nos mercados pela perspectiva de reduo dos estmulos monetrios nos EUA (o
chamado tapering), e veio a ser estendido at (pelo menos) o final de junho de 2014.
Grfico 1: Interveno cambial e BRL
Fonte: Banco Central do Brasil; Bloomberg; Brasil Plural
Tanto a natureza (swaps em vez de swaps reversos, o que equivale a venda de dlares a
termo) quanto a frequncia da interveno sofreram alteraes no perodo mais recente, em
contraste com o perodo em que a nfase da atuao do BC era no aumento de seus ativos
externos. A posio comprada em moeda estrangeira do setor pblico, constituda at 2013,
7 Tabela 2. Note-se que considerando expectativas mdias, em vez daquelas para o final de perodo, resultados muito semelhantes tabela so obtidos.
7
segue sendo expressiva, algo como $257 bi, mas no ilimitada, e caiu um pouco em relao
ao mximo de $265 bi, atingido em 2012.
Aps o incio da crise financeira global, um grande nmero de pases utilizou polticas
monetrias e fiscais frouxas, em reao ao choque recessivo, e o Brasil no foi exceo. Em
relao poltica fiscal, o resultado primrio como proporo do PIB caiu de uma mdia 3,4%,
de 2002 a 2008, para 2,4% nos anos posteriores crise; e projees consensuais indicam uma
deteriorao adicional em 2014 - de fato, nos ltimos doze meses findos em maro de 2014, o
supervit primrio foi de apenas 1,7%. Desta forma, o dficit nominal como proporo do PIB,
que chegou a alcanar 1,4% em outubro de 2008, reverteu sua trajetria declinante e fechou
2013 em 3,3%. Uma estimativa do supervit estrutural, que ajusta o resultado fiscal ao ciclo
econmico, confirma, com uma pausa em 2011, a trajetria expansionista das finanas
pblicas no perodo posterior crise.
Grfico 2: Resultado primrio e nominal (% do PIB)
Fonte: Banco Central do Brasil; Brasil Plural
A perspectiva de rebaixamento da classificao de risco da dvida soberana por agncias de
rating, com impacto potencial sobre a taxa de cmbio, levou o governo a anunciar um
programa de contingenciamento oramentrio ambicioso para 2014, sinalizando um supervit
primrio de 1,9% do PIB no ano. Entretanto, at o momento, persistem dvidas quanto
implementao, alimentadas, entre outros fatores, pela incerteza sobre o impacto dos
subsdios ao consumo de energia, bem como com os resultados fiscais decepcionantes
observados desde o incio do ano.
O fato que nos ltimos anos o gasto pblico primrio entrou em trajetria de forte expanso,
saltando de 16% do PIB em 2008 para 19% em 2013. Note-se que, mesmo considerando os
subsdios do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), os investimentos do governo federal
ficaram praticamente estagnados nos ltimos trs anos, representando 1,3% do PIB. Para
agravar o problema dos gastos crescentes, o crescimento fraco e o ambicioso programa de
desoneraes tm minado a capacidade de arrecadao do governo. As desoneraes
totalizaram quase R$ 80 bi em 2013 e devem ultrapassar R$ 90 bi em 2014. Sendo assim, para
alcanar metas j reduzidas de supervit primrio, o governo optou por recorrer a receitas
atpicas, alm de operaes contbeis.
8
2. Interpretaes
2.1 Populismo macroeconmico atualizado?
As polticas econmicas do governo Dilma tm elementos consistentes com episdios clssicos
do populismo macroeconmico latino-americano (PML), mas h aspectos particulares
tambm.8
No paradigma PML, o experimento geralmente ocorre depois de um perodo de crescimento
fraco, mas no qual reservas e margens de manobra fiscais e externas foram criadas - no
governo Dilma, apenas o segundo grupo de caractersticas foi observado, visto que o governo
assumiu aps a forte acelerao de 2009-10, e o perodo de crescimento robusto do segundo
mandato do presidente Lula. Experimentos de populismo decorrem historicamente de uma
profunda e generalizada rejeio do modelo econmico anterior - isto tambm no se
observava no incio do governo Dilma, exceto pela tradicional posio dos lobbies industriais
contra as taxas de juros e de cmbio vigentes sob o regime de metas para a inflao.
Uma similaridade a aparente crena de que manter a demanda agregada suficientemente
aquecida condio necessria para despertar os espritos animais e, assim, incentivar o
investimento. A viso de que a demanda criaria a prpria oferta expressa de forma clara em
texto sobre o governo Lula, mas que se aplica de forma mais clara ao governo Dilma: somente
com a acelerao do crescimento, a economia poderia iniciar um crculo virtuoso no qual o
aumento da demanda agregada geraria aumento nos lucros e na produtividade, o que por sua
vez, produziria um aumento no investimento e, dessa forma, criaria a capacidade produtiva
necessria para sustentar a expanso.9
A prescrio clssica de poltica no PML tradicionalmente inclua a combinao "reativao
com redistribuio", e envolvia lanar mo de reservas externas (e protecionismo) para conter
os efeitos do excesso de demanda domstica sobre a taxa de cmbio nesse tema, a situao
mais ambgua. O governo tem usado poltica de salrio mnimo e controles de preos para
redistribuir renda, mas inicialmente tentou depreciar o real para favorecer o setor industrial
(mais recentemente, contudo, o governo adotou uma poltica de interveno cambial tpica do
PML tradicional, visto que contribui para evitar depreciao da moeda). De fato, o governo
Dilma, por sua presena constante no mercado cambial (como visto acima), demonstrou ter,
em comum com o PML, resistncias ideia de que a taxa de cmbio deve ser determinada
pelo mercado.
O PML historicamente tem seguido um ciclo clssico. H um perodo de sucesso inicial,
caracterizado pela acelerao do crescimento, por meio da ocupao da capacidade ociosa
existente na economia, com presses inflacionrias moderadas; seguido de deteriorao, com
aumento da presso inflacionria e sobre o balano de pagamentos; e colapso, geralmente via
desvalorizao cambial. O governo Dilma no chegou a ter propriamente uma fase de sucesso
do ponto de vista da acelerao do crescimento, com sucessivas rodadas de estmulo fiscal
encontrando restries de oferta que teimaram em no se relaxar, mas at o momento
conseguiu evitar consequncias mais severas do ponto de vista do setor externo.
2.2 Um teste da hiptese de equilbrios mltiplos?
Desde o mximo em 1999, quando chegou a 45% aa, a taxa Selic entrou em uma trajetria
geral de queda, e atingiu o patamar mnimo de 7,25% no terceiro trimestre de 2012. A despeito
da tendncia geral de queda, ocorreram ciclos de alta dos juros como quando da crise de
confiana deflagrada pela iminncia da eleio do ex-Presidente Lula em 2003, em 2004-2005,
2008, 2010-2011 e no momento atual.
8 Dornbusch e Edwards (1991) apresentam o tratamento clssico do tema.
9 Barbosa e Souza (2010).
9
Essa trajetria de logo prazo de reduo dos juros levou muitos a acreditar que o Brasil estaria
gradualmente se deslocando para um novo bom equilbrio em que seria possvel conviver
com juros menores sem que a inflao sasse do controle, e tinha inspirao, ao menos parcial,
em Blanchard (2004).
Blanchard (2004) props um modelo de equilbrio duplo para a economia brasileira em que,
quando na vizinhana do equilbrio bom, o aumento da taxa de juros real faz a dvida pblica
nacional mais atraente, e leva a uma apreciao do cmbio, favorecendo, atravs de
mecanismos clssicos, a queda da inflao. Se, no entanto, com o aumento da taxa de juros
real, tambm aumenta a probabilidade de default da dvida pblica, o efeito pode ser o de
tornar esta dvida menos atraente, e levar a uma depreciao real do cmbio, com efeitos
deletrios para o controle da inflao. Pastore (2014) testa esse modelo, sem encontrar apoio
emprico para o mesmo. Mas naturalmente, como salientado por Lara Resende (2011), a
possibilidade de que a prpria poltica de juros altos provoque a necessidade de juros altos, em
um movimento de retroalimentao, teve tradicionalmente grande apelo ideolgico esquerda.
Ao se aplicar o modelo de Blanchard ao contexto recente, deixou-se de lado uma importante
consequncia em termos de recomendao de poltica. No contexto de Blanchard (2004), o
sistema de metas para a inflao pode ter efeitos perversos quando a economia se encontra
perto do equilbrio ruim, pois um aumento na taxa de juros real em resposta a um episdio de
aumento da inflao leva a uma depreciao cambial, que leva a um novo aumento da inflao.
Neste caso, a poltica fiscal, no a poltica monetria, seria o instrumento adequado para lidar
com a inflao.
No possvel provar quando a economia se localiza em torno do equilbrio ruim e,
certamente, a soluo para sair do equilbrio perverso para o saudvel no passa pela reduo
forada da taxa de juros. Alm de, tecnicamente, a regio em volta do equilbrio ruim ser
instvel, a reduo forada dos juros nessa situao levaria a uma alta na inflao incompatvel
com o sistema de metas. Sendo assim, a nica forma de se reduzir os juros sem que esse
movimento comprometa o controle da inflao reduzir a percepo de risco da dvida pblica,
que passa pela difcil tarefa de empreender paralelamente um ajuste fiscal.
Ocorre que a tese de equilbrios mltiplos no chegou a ser propriamente testada durante o
governo Dilma, o que ocorreu de fato foi que a queda da taxa de juros (2011-2012) conviveu
com a deteriorao das contas pblicas (na tica dos decrescentes supervits primrios e
crescentes dficits nominais), contribuindo para a situao desconfortvel em termos de
presses inflacionrias em que nos encontramos hoje.
Isso sugere que a interpretao do prprio conceito de equilbrios mltiplos adotada pelo
governo pode ter sido distinta da desenvolvida por Blanchard (2004). De fato, aparentemente a
crena dominante era que a economia estava em um equilbrio ruim com taxa de juros alta e
real apreciado por razes institucionais e ou de histerese, e que a migrao para um novo
equilbrio, com taxa de juros mais baixa, cmbio depreciado e taxa de inflao na meta,
ocorreria em funo de maior vontade poltica, desde que a nova configurao fosse mantida
por tempo suficiente, para que os agentes se acostumassem com os novos preos relativos - a
fraqueza da economia mundial e a contribuio desinflacionria do setor externo eram vistos
como fatores que comprariam tempo para essa transio.
10
3. Tpicos especiais
3.1 Controles de preos
Durante o governo Dilma, piorou o trade-off entre inflao e desemprego: temos testemunhado
crescimento abaixo do que acreditvamos ser o potencial para a economia brasileira
convivendo com elevadas taxas de inflao.
Grfico 3: PIB x inflao
Fonte: IBGE
A meta para inflao no Brasil, de 4,5% ao ano com banda de tolerncia de 2 pontos
percentuais para baixo ou para cima, elevada em comparao com outras economias na
regio que tambm adotam o sistema de metas. Por exemplo, no Chile, Mxico e Colmbia, a
meta de 3% com tolerncia de 1 ponto percentual. Ainda assim, o Brasil tem encontrado
dificuldade para fazer com que a inflao se localize prximo da meta. De fato, 2013 foi o
quarto ano seguido em que a inflao se encontrou acima da meta. Nesses quatro anos (2010-
2013), a inflao anual mdia se encontrou em 6,0%. As bandas em volta da meta da inflao
servem para que choques possam ser acomodados. O fato de a inflao se posicionar
sistematicamente acima da meta sinaliza que o governo poderia estar trabalhando com uma
meta informal superior oficial estudos economtricos sobre a funo de reao do banco
central apontam para uma meta implcita ligeiramente inferior a 6,5%.10
Com a meta de facto superior oficial, sobra pouca margem para que choques altistas no
levem ao rompimento do limite superior da banda de tolerncia. Para impedir que tais choques
levassem ao rompimento do limite superior da banda de tolerncia da meta de inflao, e
ajudar a consolidar o novo ambiente de taxas de juros menores, ao longo de 2013 o governo
lanou mo de uma srie de medidas para conter o avano dos preos tais medidas se
dividem em 2 grupos, com sobreposies: desoneraes tarifrias e controle artificial de preos
sobre os quais o poder pblico tem ingerncia (preos administrados).
No primeiro grupo, tivemos a reduo de IPI e PIS/Cofins de alimentos da cesta bsica e de
higiene, a no recomposio completa do IPI de automveis, linha branca e mveis, reduo
de PIS/Cofins de passagens de nibus, a desonerao da folha de pagamento para setores
intensivos em mo de obra, e a reduo de encargos setoriais na conta de eletricidade as
dificuldades atuais do setor de energia, bem como a persistncia dos patamares historicamente
10 Pastore (2014)
11
muito baixos de desemprego, sugerem que estas ltimas iniciativas podem ter ocasionado
sinais de preos relativos contraproducentes.
No segundo grupo, tivemos o cancelamento do aumento das tarifas de transporte pblico (e
reduo para nveis pr-2013, em alguns casos), a elevao do subsdio s tarifas de
eletricidade para que a elevao nos preos de energia no fossem repassados aos
consumidores, e a manuteno dos preos dos combustveis abaixo do nvel internacional.
- estimamos que, somadas, essas medidas podaram cerca de 1,7 ponto percentual do IPCA
acumulado em 12 meses, o que levaria a inflao quase 8%.
Tabela 3: Inflao reprimida
Fonte: Brasil Plural
A experincia brasileira e internacional ensina que represamento de preos pode ter efeitos de
curto prazo, mas tem custos significativos a mdio prazo. No caso brasileiro, essas polticas
tm afetado fortemente as finanas da Petrobras, criado uma espcie de peso problem para a
formao de expectativas de inflao, dificultando a convergncia para a meta, alm de
apresentar custos fiscais para as diferentes esferas de governo o subsdio ao consumo de
energia eltrica, por exemplo, custou R$9,8 bilhes em 2013 e deve custar pelo menos R$21
bilhes esse ano, ou seja, cerca de 84% do gasto programado com o programa Bolsa Famlia.
J em relao ao controle de preos da gasolina para os consumidores, o governo deixou de
arrecadar R$ 11,5 bilhes da Cide em 2013. Alm disso, o subsdio ao consumo de gasolina
afetou o desempenho da companhia de forma importante, custando ao governo algo como
R$2,8 bi em dividendos no arrecadados (0,08% do PIB), bem como R$ 13 bi de receitas de
imposto de renda e contribuio social sobre o lucro lquido, levando a um total de R$ 27,4 bi,
ou 0,6% do PIB. Somados aos gastos com o controle de preo da energia e os R$ 6,8 bi de
desonerao da cesta bsica, teramos um total de R$ 44 bi (0,9% do PIB), mais da metade do
esforo fiscal no ano.
3.2 Transparncia da poltica fiscal e bancos pblicos
Alm da forte inflexo da poltica fiscal convencional, observou-se nos ltimos anos uma
importante expanso da poltica parafiscal, por meio do crdito dos bancos pblicos. Em 2007,
os bancos pblicos eram responsveis por 34% do crdito no pas; este percentual foi
crescendo at superar o market share dos bancos privados no ano passado. Tal expanso s
foi possvel graas a forte capitalizao realizada nos ltimos os emprstimos para bancos
pblicos aumentaram de 0,4% do PIB em 2007 para 9,7% do PIB no final de 2013. O BNDES
responde pela maior parte desses emprstimos (88%), totalizando R$ 413 bi.
12
Grfico 4: Participao dos bancos pblicos e privados no total de emprstimos
Fonte: Banco Central do Brasil; Brasil Plural
Alm do impacto dessas polticas sobre a demanda agregada, e consequentemente na
inflao, destacamos o impacto na dvida bruta, revertendo sua trajetria de declnio e
fechando 2013 em um patamar superior ao observado em 2006. Esta mudana na trajetria se
torna mais relevante ao considerarmos que a dvida pblica bruta j era elevada tendo sido
inclusive um dos fatores recentes mencionados pela agncia Standard & Poor's para rebaixar a
classificao de risco para a fronteira de grau de investimento (BBB-).
Grfico 5: Dvida bruta do Governo Geral (% do PIB)
Fonte: FMI; Brasil Plural.
Alm dos problemas citados cima, a mais sria consequncia das polticas adotadas no ps-
crise foi a eroso da credibilidade institucional. Desde 2009, so permitidos abatimentos na
meta de supervit primrio para investimentos do Programa de Acelerao do Crescimento; em
2013 e 2014, as desoneraes tributrias tambm foram deduzidas da meta oficial. Alm disso,
o governo aprovou uma medida que desobriga a Unio de compensar a frustrao dos
governos regionais. Sendo assim, criou-se uma meta de supervit primrio de difcil
interpretao e pouco restritiva. Em 2013, por exemplo, a meta inicial, de acordo com a PLDO,
era de 3,1% do PIB e o resultado final foi de apenas 1,9%. Para 2014 a meta de 1,9% do
PIB, mas o consenso entre os economistas consultados pelo BC encontra-se em 1,5%.
A perda de transparncia complementada por medidas nada ortodoxas para elevar as
receitas primrias. Ao mesmo tempo em que ocorreram capitalizaes dos bancos pblicos,
tambm observamos um aumento considervel das receitas primrias com dividendos, de uma
mdia de 0,1% do PIB, entre 2001 a 2007, para 0,3% nos anos seguintes.
13
Manobras contbeis, isto , operaes financeiras entre entes pblicos com objetivo aparente
de gerar receitas primrias, vm sendo feitas desde 2009, quando a Unio vendeu ao BNDES
o direito que o governo tinha de receber dividendos da Eletrobrs e, desta forma, pde
aumentar a receita primria em R$ 3,5 bi. Outra manobra contbil utilizando bancos pblicos foi
feita em 2010 na capitalizao da Petrobrs, quando o Tesouro e o BNDES participaram do
aumento de capital da estatal, que teve de pagar R$ 74,8 bi (valor da venda de 5 bilhes de
barris de petrleo a Petrobrs). Como o Tesouro utilizou apenas R$ 42,9 bi para participar do
aumento de capital, os R$ 31,9 bi restantes foram contabilizados como receita extraordinria,
contribuindo para o resultado primrio do ano. J em 2012, uma triangulao envolvendo o
Fundo Soberano, o BNDES e a Caixa Econmica Federal renderam R$ 15,8 bi aos cofres
pblicos. A principal operao, no valor de R$ 8,8 bi, envolveu a compra de aes da Petrobrs
que estavam no Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilizao (onde estavam aplicados os
recursos do Fundo Soberano) pelo BNDES, paga com ttulos pblicos que foram monetizados
pelo Tesouro.BNDES e Caixa tambm anteciparam dividendos Unio no valor de R$ 7,0 bi.
Em 2013, o governo aprovou uma medida provisria que permitiria o mesmo tipo de operao
em relao a recebveis da usina de Itaipu o montante seria utilizado para subsidiar a
reduo na energia eltrica. Com a repercusso negativa no mercado, a operao foi
cancelada e o governo decidiu bancar a Conta de Desenvolvimento Energtico com despesas
primrias.
Tambm no menu das operaes contbeis, devemos citar a postergao de despesas atravs
da conta restos a pagar. De 2013 para 2014, os restos a pagar alcanaram um montante
recorde de R$ 218 bi. A suspeita foi corroborada com os dados de janeiro de 2014, que
mostraram uma acelerao forte tanto nas transferncias para Estados e Municpios como nas
despesas totais. Em suma, alm da deteriorao observada nas polticas fiscal e parafiscal, as
medidas acima contriburam para a perda de credibilidade nos resultados e metas divulgados.
4. Bibliografia e referncias
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crescimento e distribuio de renda," in: E. Sader e M.A. Garcia (orgs.) Brasil: entre o Passado e o Futuro.
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Discusso 324, FGV/EPGE Escola Brasileira de Economia e Finanas.
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Psgraduao em Economia [Brazilian Association of Graduate Programs in Economics].
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Dornbush & Edwards (NBER WP, 1991)
Sobre equilbrios mltiplos e a taxa de cmbio real desvalorizada:
14
http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20413.pdf
Modelo terico com equilbrios mltiplos e mostrando que a convergncia path-dependent:
http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/acumulacao_de_capital_equilibrios_multiplos.pdf
Review da escola ps-keynesiana:
http://joseluisoreiro.com.br/site/link/77a9e640cee1a8e9af7693ef5ec7d7166a1a3282.pdf
Resumo das propostas ps-keynesianas:
http://cemacro.fgv.br/sites/cemacro.fgv.br/files/Jos%20Luis%20Oreiro.pdf
Crtica ortodoxa:
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/rec/REC%201/REC_1.2_01_A_miseria_da_critica_heter
odoxa_primeira_parte_sobre_as_criticas.pdf
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Pastore, A.C., Pinotti, M. C. E Gazzando, M. , A crise internacional e a mudana na poltica econmica.
Em fase de publicao. (2-14) Mudanas no Regime de Poltica Econmica.. .
15
Desacelerao recente da economia
Fernando de Holanda Barbosa Filho e Samuel Pessoa
A economia brasileira uma economia de baixo crescimento. Tem sido assim desde os anos
80. Por alguns anos durante o governo Lula pareceu que a sociedade tinha encontrado o
caminho para um crescimento mais robusto. A forte desacelerao da economia no ltimo
trinio sugere que voltamos ao ritmo de crescimento baixo na casa de 2% ao ano que tem nos
mantido na armadilha da renda mdia desde a dcada de 80.
Para o quadrinio de Dilma, a se confirmar a projeo do mercado de crescimento na casa de
1,1% em 2014, o crescimento mdio anualizado ser de 1,84%, significativamente abaixo de
2%!
Este artigo tem dois objetivos. Primeiro caracterizar pala tica da oferta a natureza do processo
de crescimento da economia brasileira desde 1982 e a natureza da desacelerao recente da
economia. Segundo, discutir em que medida a desacelerao da economia pode ser atribuda
alterao do regime de poltica econmica que houve a partir de 2009 e de forma mais
intensa a partir de 2011.
Para tal argumenta-se que o padro das polticas pbicas adotadas nos ltimos anos
resultante de duas foras independentes. A primeira, estrutural, o padro de escolha social
da populao. O equilbrio poltico em nossa sociedade requer crescimento contnuo do gasto
pblico a taxas superiores taxa de crescimento do produto. O aumento do gasto ocorre em
transferncias pblicas a indivduos nas diversas rubricas do gasto social e dos seguros sociais
em geral. Em certa medida o processo de escolha social em parte responsvel pelo equilbrio
de baixo crescimento.
A segunda fora determinante do padro de poltica pblica adotado nos ltimos anos a forte
alterao que houve nas polticas macroeconmicas e microeconmicas. Parte da
desacelerao recente pode ser atribuda alterao do regime de poltica econmica adotado
a partir de 2009. A alterao no ocorreu em funo de haver na sociedade forte apoio por este
curso de poltica econmica. As polticas foram adotadas por que os policy makers do
momento acreditam que estas so as polticas mais adequadas para acelerar o crescimento.
Podem, portanto, serem revertidas.
O trabalho est organizado em trs sees alm desta rpida introduo. Na prxima seo
apresentam-se os fatos estilizados com relao ao crescimento da economia brasileira desde
1982 at 2013. A terceira seo elabora a alterao que houve no regime de poltica
econmica a partir de 2009 enquanto que a quarta seo apresenta o argumento que associa a
economia poltica com o baixo crescimento. Segue a concluso.
Natureza do crescimento desde 1982
Exerccios de decomposio do crescimento. A tabela 1 apresenta a decomposio de
crescimento da economia brasileira desde 1982. Escolhemos esta data pois o primeiro ano
em que temos dados mensais de mercado de trabalho. A partir de 1982 temos os dados
mensais de pesquisa mensal do emprego (PME) e desde 1976 os dados anuais da pesquisa
nacional por amostra em domiclios (PNAD).
A partir do cruzamento da PME com a PNAD possvel construir uma srie mensal de horas
trabalhadas para a economia brasileira. A PNAD apresenta uma fotografia anual para o
mercado de trabalho referente ao ms de setembro em todo o territrio nacional. A PME
reporta dados mensais para as principais regies metropolitanas do pas. Como ambas as
16
pesquisas so conduzidas para o ms de setembro e dado que possvel restringir a PNAD s
regies metropolitanas da PME possvel, com algumas hipteses, construir uma srie mensal
de horas trabalhadas no Brasil. Utiliza-se a PME para obter-se o comportamento cclico intra-
anual do emprego do trabalho e a PNAD para obter as variaes interanuais a partir dos meses
de setembro de dois anos consecutivos.11
Tabela 1: Decomposio de crescimento do produto. Na linha em negrito a contribuio percentual de cada componente para o crescimento
De posse da srie de horas trabalhadas e do estoque de capital, construdo a partir da
acumulao dos investimentos passados, possvel calcular a evoluo da produtividade total
dos fatores (PTF). Consideramos que a participao do capital na renda de 45% e o capital
em uso dado pelo produto do estoque de capital pelo nvel de utilizao da capacidade
instalada (NUCI) da FGV.
A tabela 1 apresenta a decomposio de crescimento para a economia brasileira desde 1982
para quatro subperodos. O primeiro compreende a redemocratizao at o plano real, o
segundo o governo FHC, o terceiro o governo Lula e formalmente o trinio de Dilma. Com a
exceo da octaetride de Lula em que o crescimento beirou 4% ao ano, nos outros trs
subperodos o crescimento foi abaixo de 2,5% ao ano.
O perodo de crescimento mais acelerado foi um perodo de crescimento mais acelerado da
produtividade. No h grandes diferenas na contribuio da taxa de crescimento do capital em
uso para explicar as diferenas de crescimento e parte significativa da desacelerao no trinio
de Dilma em comparao octaetride de Lula, 34,2%, deve-se ao baixo crescimento das
horas trabalhadas.
11 Para o ano de 2013 ainda no temos disponvel a PNAD. Consideramos que a taxa de crescimento da PO em 2013 foi de 1,2% em relao a 2012, mesma taxa de crescimento de 2012 ante 2011. Os dados da PNAD contnua sugerem que esta suposio est correta. As taxas de crescimento internanuais de 2013 foram 1,6%, 1,1%, 1,2% e 1,7% respectivamente para os 1, 2, 3 e 4 trimestres,
PIB PTF HorasCapital em
uso
1982-1994 2,5 -0,1 1,0 1,6
-4,9 41,5 63,4
1995-2002 2,3 0,2 1,0 1,0
10,2 45,1 44,7
2003-2010 3,9 1,6 1,0 1,4
39,9 25,3 34,8
2011-2013 1,9 0,0 0,3 1,6
0,6 16,3 83,1
D(Dilma-Lula) -2,0 -1,6 -0,7 0,2
78,2 34,0 -12,2
17
Tabela 2: Decomposio da taxa de crescimento da produtividade total dos fatores (PTF)
A taxa de crescimento da PTF nos oito anos de FHC e no trinio de Dilma cresceu em ritmo
muito fraco de 0,2% ao ano para FHC e 0% ao ano para Dilma. No entanto h uma diferena
entre os dois subperodos. Nos oito anos de FHC tanto a produtividade do trabalho quanto a
produtividade do capital tiveram desempenho medocre. Nos trs anos de Dilma a
produtividade do trabalho cresceu 1,4% ao ano, contribuindo com 0,8 ponto percentual para o
crescimento da PTF, enquanto que a produtividade do capital despencou taxa de -1,6% ao
ano, contribuindo com -0,7 ponto percentual para o crescimento da PTF. Ver a decomposio
de crescimento da PTF na tabela 2.
Tabela 3: Decomposio da taxa de crescimento do produto pela tica do fator trabalho
As tabelas 3 e 4 completam os exerccios de decomposio do crescimento. Na tabela 3 o
crescimento do produto decompostos nos seus componentes ligados ao fator de produo
trabalho, produtividade do trabalho, populao ocupada (PO) e jornada semanal mdia da PO.
Na tabela 4 o crescimento do produto decomposto nos seus componentes ligados ao fator de
produo capital.
Como vimos a acelerao de crescimento do perodo FHC para o perodo Lula foi um
fenmeno de produtividade. Mais acentuado na produtividade do trabalho, cuja taxa de
crescimento elevou-se de 0,4% ao ano para 2,1% do que na produtividade do capital, cuja taxa
de crescimento elevou-se de 0% ao ano para 0,9%.
No entanto, a desacelerao recente foi um fenmeno de queda da taxa de crescimento da
produtividade do capital, que se reduziu de 0,9% ao ano para -1,6%. A queda da taxa de
crescimento da produtividade do trabalho foi menor, de 2,1% ao ano para 1,4%.
PTFProdutividade
do Trabalho
Produtividade
do Capital
1982-1994 -0,1 0,3 -0,5
-274 374
1995-2002 0,2 0,2 0,0
97 3
2003-2010 1,6 1,2 0,4
74 26
2011-2013 0,0 0,8 -0,7
6721 -6621
D(Dilma-Lula) -1,6 -0,4 -1,1
26,9 73,1
PIBProdutividade
do TrabalhoPO Jornada
1982-1994 2,5 0,6 2,4 -0,6
24,5 99,8 -24,2
1995-2002 2,3 0,4 1,9 -0,1
17,9 85,1 -3,0
2003-2010 3,9 2,1 2,1 -0,3
54,1 53,9 -8,0
2011-2013 1,9 1,4 1,0 -0,4
70,4 49,4 -19,8
D(Dilma-Lula) -2,0 -0,8 -1,2 -0,1
38,2 58,3 3,5
18
Tabela 4: Decomposio da taxa de crescimento do produto pela tica do fator capital fsico
Finalmente a queda recente da taxa de crescimento das horas trabalhadas foi fruto de queda
da taxa de crescimento da PO e da jornada. Ou seja, o trinio Dilma assistiu a uma queda
profunda da produtividade do capital e da taxa de crescimento do emprego do fator de
produo trabalho. Sendo que a reduo da taxa de crescimento do emprego do fator de
produo trabalho ocorreu em ambas as margens, a extensiva e a intensiva. A tabela 5 detalha
a evoluo do emprego do fator trabalho e sua decomposio ao longo dos diversos perodos
entre margem extensiva, a taxa de crescimento da populao ocupada, e intensiva, a taxa de
crescimento do jornada de trabalho. Pouco mais de 94% da fortssima queda de 1,2 pontos
percentuais na taxa de crescimento das horas trabalhadas que houve entre a octaetride de
Lula e o trinio de Dilma deveu-se menor velocidade de crescimento da populao ocupada.
Tabela 5: Decomposio da taxa de crescimento das horas trabalhadas
A tabela 6 documenta que nos anos FHC e Lula houve relativa desacelerao da taxa de
crescimento do estoque de capital, que cresceu a taxas pouco menores de 2,5% ao ano,
enquanto que no trinio de Dilma a taxa de crescimento do estoque de capital foi de 3,8% ao
ano a maior nos quatro subperodos. Em que pese as conhecidas carncias de capital fsico o
estoque de capital no foi o gargalo que explica a piora de desempenho da economia
brasileira. Com vimos o problema esteve com a produtividade do capital. Uma possvel
conjectura que o enorme intervencionismo do setor pblico que se iniciou de forma mais
pesada em 2009 tenha reduzido muito a produtividade incremental do capital em funo,
provavelmente de m alocao do recurso.
PIBProdutividade
do CapitalCapital Utilizao
1982-1994 2,5 -1,0 3,0 0,5
-40,8 120,8 20,0
1995-2002 2,3 0,0 2,4 -0,1
0,7 105,8 -6,5
2003-2010 3,9 0,9 2,3 0,8
22,6 57,5 19,9
2011-2013 1,9 -1,6 3,8 -0,2
-84,8 194,9 -10,1
D(Dilma-Lula) -2,0 -2,5 1,5 -1,0
127 -76 49
Horas PO Jornada
1982-1994 1,9 2,4 -0,6
132 -32
1995-2002 1,9 1,9 -0,1
104 -4
2003-2010 1,8 2,1 -0,3
117 -17
2011-2013 0,6 1,0 -0,4
167 -67
D(Dilma-Lula) -1,2 -1,2 -0,1
94,3 5,7
19
Tabela 6: Decomposio da taxa de crescimento do capital em uso
Exerccio de decomposio da populao ocupada. Como vimos a piora do desempenho
do trinio Dilma em comparao octaetride Lulista deve-se queda da produtividade do
capital e queda da taxa de crescimento da produtividade do trabalho e da taxa de
crescimento da populao ocupada (PO).
Tabela 7: Decomposio da taxa de crescimento da populao ocupada (PO)
A tabela 7 apresenta a decomposio da taxa de crescimento da PO nos seus componentes:
taxa de crescimento da populao total (POP); taxa de crescimento da taxa de participao
que dada pela razo entre a populao em idade ativa (PIA) e POP; taxa de crescimento da
taxa da atividade, que dada pela razo entre a populao economicamente ativa (PEA) e a
PIA; e a taxa de crescimento da taxa de emprego, dada pela razo entre a PO e a PEA.
Ao longo dos diversos subperodos h continua queda da taxa de crescimento populacional em
funo da dinmica demogrfica. Se nos anos 80 o crescimento era prximo de 2% ao ano no
perodo recente o crescimento demogrfico foi de 0,8% ao ano.
Alm do crescimento populacional outro fator demogrfico importante o crescimento da taxa
de participao dada pela razo entre a PIA e a POP. Em todo o perodo em tela houve
colheita do bnus demogrfico de sorte que a taxa de crescimento da PIA tem sido superior
taxa de crescimento da POP. Comparando os oito anos de Lula com o trinio de Dilma pode-se
afirmar que a demogrfica explica -6,3 pontos percentuais (p.p.) da queda de crescimento da
PO de 1,4 p.p.. Ou seja, Dilma colheu bnus demogrfico um pouco maior do que Lula. Resta
compreender o 1,2 p.p. restantes.
As duas ltimas colunas da tabela descrevem os termos da taxa de crescimento da PO que
dependem mais diretamente da operao do mercado de trabalho. Houve brutal queda da taxa
de atividade. Somente esta queda descreve 1,6 p.p. dos 1,4 p.p. da queda da PO entre os dois
perodos. No est claro ainda os motivos da queda to acentuada na atividade da populao
Capital em
usoCapital Utilizao
1982-1994 3,5 3,0 0,5
86 14
1995-2002 2,3 2,4 -0,1
107 -7
2003-2010 3,1 2,3 0,8
74 26
2011-2013 3,6 3,8 -0,2
105 -5
D(Dilma-Lula) 0,5 1,5 -1,0
281 -181
PO POP PIA/POP PEA/PIA PO/PEA
1982-1994 2,4 1,9 0,5 0,4 -0,3
78,4 19,9 15,3 -13,6
1995-2002 1,9 1,5 0,7 0,2 -0,4
77,2 36,6 8,3 -22,1
2003-2010 2,1 1,1 0,4 0,4 0,2
53,9 19,0 17,8 9,2
2011-2013 1,0 0,8 0,5 -1,2 0,9
84,9 49,8 -125,0 90,3
D(Dilma-Lula) -1,2 -0,3 0,1 -1,6 0,7
28,4 -6,3 135,5 -57,6
20
em idade ativa. Sabe-se que dois fatores devem motivar a reduo da atividade. Na ponta
jovem da PIA, o aumento na escolarizao dos jovens e jovens adultos principalmente em
funo do programa Prouni e pela acelerada expanso do Fies, retardando o ingresso deste
grupo etrio no mercado de trabalho. O envelhecimento natural da populao deve explicar
parte da reduo da taxa de atividade. Se este for o caso j estamos vivendo o momento
descendente do bnus demogrfico. Ou seja, se pela segunda coluna ainda colhemos o bnus
pois a PIA ainda cresce a velocidade maiores do que a POP, pela terceira coluna j estaramos
observando uma queda de atividade devido a um envelhecimento da PIA. Questo para
pesquisa posterior.
Finalmente, como destacado na ltima coluna da tabela 7, houve no ltimo trinio ainda
pequena queda da taxa de desemprego, de sorte que a elevao da taxa de crescimento da
taxa de emprego contribuiu para que a taxa de crescimento da PO fosse maior no ltimo
trinio.
Desacelerao recente. Anlise comparativa. Como vimos a forte piora de desempenho da
economia brasileira foi fruto da queda da produtividade total dos fatores, mais acentuada na
produtividade do capital, e da queda do emprego do trabalho, mais acentuada na margem
extensiva do que na margem intensiva.
Nesta subseo procuramos olhar a perda de desempenho da economia no trinio da Dilma
sob tica comparada. Consideramos as economias da Amrica Latina e Caribe, segundo a
classificao do FMI, que tenham mais de 1 milho de habitantes.
As pessoas que defendem o regime de poltica econmica adotado a partir de 2009 alegam
que a desacelerao do crescimento da economia brasileira deve-se essencialmente crise
internacional. A perspectiva comparada permite que olhemos a experincia brasileira luz da
experincia de economias com as quais compartilhamos uma histria comum.
A tabela 8 apresenta a taxa de crescimento do produto real das economias com mais de 1
milho de habitantes da AL e Caribe para os mesmos subperodos considerados nas
decomposies de crescimento. Adicionalmente nas primeiras duas linhas da tabela
reportamos respectivamente a taxa de crescimento da economia mundial e a taxa de
crescimento do grupo Amrica Latina e Caribe.
Nota-se imediatamente que a desacelerao da economia mundial , em que pese a
profundidade da crise, bem menor do que se pensa: 0,54 pontos percentuais ou 54 pontos. O
mesmo pode ser dito para a regio formada pelos pases da Amrica Latina e Caribe que
apresentou entre os ltimos dois subperodos desacelerao de 66 pontos. A desacelerao
brasileira foi de 201 pontos, 135 pontos superiores desacelerao da regio. Dois demais 20
pases com mais de 1 milhes de habitantes alm do Brasil somente Argentina e Trinidade e
Tobago apresentaram desacelerao superior brasileira.
21
Tabela 8: Crescimento mdio do produto real das economias da Amrica Latina e Caribe (com
exceo das economias com menos de 1 milho de habitantes). A quinta coluna apresenta a diferenas (em pontos de percentagem x100) das taxas de crescimento entre os dois ltimos subperodos para um mesmo pas. A sexta coluna apresenta a diferena das diferenas para cada economia com base na desacelerao mdia do grupo formado pelos pases da Amrica Latina e Caribe, segunda linha da tabela.
Fonte: FMI, atualizao de abril de 2014
importante frisar que a desacelerao da economia latino americana de 66 pontos inclui a
forte desacelerao brasileira. Se considerssemos a regio excluindo a economia brasileira,
que, evidentemente tem um peso muito importante na regio, a piora de desempenho do
continente seria bem menos intensa.
Finalmente a ltima linha da tabela 8 sugere que o crescimento da economia brasileira no
trinio de Dilma de 144 pontos abaixo do crescimento da regio bem pior do que o observado
nos demais subperodos, quanto nunca crescemos na mdia menos do que 10 pontos abaixo
da regio. No obstante, com relao ao crescimento mundial nosso desempenho no trinio de
Dilma foi comparvel aos demais subperodos com exceo dos anos de Lula. Desde os anos
80 crescemos aproximadamente 1 p.p. aqum do crescimento mundial. Nos anos Lula
crescemos aproximadamente o mesmo e no trinio de Dilma retornamos norma de pouco
mais de 1 p.p. aqum do crescimento mundial. interessante que desde 2002 a Amrica
Latina acompanha o crescimento do mundo com exceo do Brasil que perdeu o passo no
ltimo trinio.
A desacelerao foi externa? Grau de abertura. difcil atribuir a forte desacelerao da
economia brasileira no trinio Dilma desacelerao da economia mundial pois, como vimos, a
desacelerao da economia mundial foi muito menor do que a desacelerao da economia
brasileira. Adicionalmente, os pases da AL tambm apresentaram desacelerao bem menor
DIF DIF-DIF
1982-1994 1995-2002 2003-2010 2011-2014 D(Dilma-Lula)
% % % % pontos pontos
Economia mundial 3,4 3,4 3,9 3,4 -54
Amrica Latina 2,5 2,2 4,1 3,5 -66
Argentina 2,4 -0,8 7,6 5,0 -262 -196 X
Bolvia 1,7 3,3 4,3 5,7 143 209
Brasil 2,5 2,3 4,0 2,0 -201 -135
Chile 5,9 4,6 4,4 5,1 73 139
Colmbia 4,0 1,7 4,6 5,0 46 112
Costa Rica 4,9 4,1 5,0 4,4 -57 9
Repblica Dominicana 3,2 5,9 5,7 4,2 -152 -86
Equador 2,6 2,0 4,1 5,7 158 224
El Salvador 3,2 3,2 1,8 1,9 6 73
Guatemala 2,2 3,6 3,4 3,6 17 83
Haiti -1,7 2,6 0,3 4,2 394 460
Honduras 3,1 3,2 4,4 3,4 -93 -27
Jamaica 2,6 0,4 0,5 0,5 -7 59
Mxico 2,2 2,3 2,3 3,0 68 134
Nicargua -1,1 4,3 3,3 4,9 163 229
Panam 2,1 4,0 7,6 9,9 229 295
Paraguai 3,1 1,0 4,4 5,2 77 143
Peru 0,3 3,3 6,5 6,1 -40 26
Trinidade e Tobago -2,4 6,8 5,6 0,1 -548 -482 X
Uruguai 3,1 -0,3 5,3 4,9 -44 22
Venezuela 1,4 0,2 4,7 3,6 -112 -46
DIF c/ mundo (pontos) -91 -111 9 -137
DIF c/ AL (pontos) -5 12 -9 -144
*X se a perda de desempenho relativamente mdia da amrica latina foi maior do que a brasileira.
Taxas mdias de crescimento para o perodo Tamanho
relativo da
desacelera-
o*
22
do que a nossa. Ser que h alguma caracterstica especfica de nossa economia que
justifique impacto muito mais intenso da desacelerao mundial sobre o Brasil do que sobre os
demais pases da AL?
Tabela 9: Grau de abertura das economias latino americanas. Primeira coluna: soma da exportao
com importao como proporo do PIB. Segunda coluna: resduo de uma regresso do grau de abertura dada pela coluna anterior em diversas variveis que explicam-no. Terceira coluna: indicador de Edmar Bacha: diferena entre o ranque da participao do pas no comrcio internacional e sua participao no PIB mundial. Dados referentes a 2011.
Fonte: Banco Mundial
A tabela 9 apresenta diversas medidas de grau de abertura das economias latino americanas.
Na primeira coluna encontra-se a medida padro de grau de abertura dada pela corrente total
de comrcio em valor como proporo do produto. Somos de longe a economia mais fechada
da regio. A corrente de comrcio brasileira da ordem de 25% do PIB. O segundo pas mais
fechado, Colmbia, exporta e importa 39% do PIB.
No entanto possvel argumentar que somos fechados em funo de caractersticas de nossa
economia. Economias muito grande PIB total, populao e rea elevada elevadas devem
estar associado a menores nveis de comrcio. Por exemplo, se considerarmos a Europa como
um pas certamente ser mais fechada do que cada pas isoladamente. Para enderear esta
observao na segunda coluna reportamos o resduo da regresso do grau de abertura da
primeira coluna em funo das caractersticas geogrficas e econmicas associadas a maior
ou menores nveis de comrcio. Alm do PIB total, da popouo e da rea, empregou-se uma
dummy para os pases que no apresentam sada para o mar. Por esta medida somente
Repblica Dominicana e El Salvador so mais fechados do que a economia brasileira.
A terceira coluna apresenta o indicador sugerido por Edmar Bacha: diferena entre o ranque da
participao do pas no comrcio internacional e o ranque de sua participao no PIB mundial.
Por este critrio somente a Colmbia na Amrica Latina e Caribe, mais fechada do que o
Brasil.
Por qualquer critrio a economia brasileira bem mais fechada do que a media da regio e,
portanto, no deveria ter sentido tanto a desacelerao da economia mundial. Todos estes
fatos sugerem que a forte desacelerao deve ter tido motivao majoritariamente domstica.
(X+M)/Y (X+M)/Y com controles Indicador de Bacha
Argentina ARG 0,41 -0,41 -14
Bolvia BOL 0,83 0,02 19
Brasil BRA 0,25 -0,52 -14
Chile CHL 0,72 -0,12 1
Colmbia COL 0,39 -0,36 -20
Costa Rica CRI 0,79 -0,41 16
Repblica Dominicana DOM 0,60 -0,58 3
Equador ECU 0,66 -0,23 0
El Salvador SLV 0,75 -0,63 7
Guatemala GTM 0,65 -0,31 4
Haiti HTI 0,69 -0,38 21
Honduras HND 1,16 0,24 24
Jamaica JAM 0,85 - -
Mxico MEX 0,64 0,02 -3
Nicargua NIC 0,98 0,10 23
Panam PAN 1,41 0,28 23
Paraguai PRY 0,97 0,14 23
Peru PER 0,53 -0,27 -8
Trinidade e Tobago TTO 0,92 - -
Uruguai URY 0,55 -0,44 4
Venezuela VEN 0,50 -0,30 -8
23
A desacelerao foi externa? Perda de termos de troca. Outro argumento comum que os
termos de troca de Dilma teriam sido inferiores aos observados no perodo Lula. A crise
internacional teria impacto importante reduzindo nossos termos de troca e, portanto,
comprometendo nossa capacidade de importar.
Figura 1: Evoluo dos termos de troca. Fonte: FUNCEX
A figura 1 apresenta a evoluo dos termos de troca (TT) para o Brasil desde janeiro de 1995
at maro de 2014. Em que pese a queda recente os valores dos termos de troca ainda se
encontram maiores do que os observados desde 1995.
Concluso. A piora de desempenho entre os oitos anos de Lula e o trinio de Dilma deveu-se
queda da taxa de crescimento da produtividade total dos fatores, bem maior na produtividade
do capital do que do trabalho, e na queda da taxa de crescimento das horas trabalhadas, bem
maior na margem extensiva do que intensiva.
A reduo do crescimento de nossa economia foi pouco mais de trs vezes a reduo do
crescimento da economia mundial e pouco menos de trs vezes da reduo do crescimento
das economias da Amrica latina e Caribe (que inclui o Brasil). Ou seja, nossa piora de
desempenho um fenmeno localizado em nossa economia. Na regio somente Argentina,
Repblica Dominicana e Trindade e Tobago apresentaram quedas de desempenho mais
acentuadas.
A comparao da dinmica da economia Brasileira com Amrica Latina (AL) e a economia
mundial sugere que o Brasil acompanhou a AL at 2010 e esta cresceu aqum da economia
mundial em aproximadamente 1 p.p. at 2002. De 2002 para c a AL passou a crescer
aproximadamente mesma taxa de crescimento da economia mundial fato que tambm
ocorreu com a economia brasileira no perodo Lula. A forte desacelerao da economia
brasileira no perodo recente no foi acompanhada pela regio.
Por outro lado, o fato de sermos uma das economias mais fechadas da regio e de os termos
de troca apresentar valores mais elevados do que os observados nos governos anteriores,
sugere que a causa da desacelerao mais interna do que externa.
Dado que este foi um perodo no qual a taxa de crescimento dos salrios reais esteve sempre
positiva e em nveis elevados e acima da taxa de crescimento da produtividade, a reduo da
24
gerao de renda deve ter ocorrido nos lucros. A queda dos lucros deve explicar, por outro
lado, a reduo na taxa de poupana e, portanto, a piora do dficit externo. Todas estas
questes sero mais bem compreendidas quando no final de 2014 ou incio de 2015 tivermos a
divulgao das novas contas nacionais anuais com a abertura da gerao de renda pelos
setores institucionais. De qualquer forma a interpretao de queda da gerao de lucros
compatvel com a fortssima queda que obtivemos da produtividade do capital.
Em seguida a descrio da desacelerao recente da economia podemos analisar as principais
caractersticas do padro de poltica econmica nas ltimas dcadas. Na prxima seo
apresentamos a natureza da alterao que houve no regime de poltica econmica a partir de
2009. Apesar de no ser possvel termos uma prova cabal pensamos que parte da piora do
desempenho de nossa economia no trinio de Dilma pode ser atribuda a esta alterao no
regime de poltica econmica.
Natureza da alterao no regime de poltica econmica em 2009
O ano de 2009 marca forte inflexo na poltica econmica do governo Lula. Aps o perodo
Palocci, de forte continuidade com a poltica econmica do governo anterior, o ministro Guido
Mantega enxergou na sada da crise de setembro de 2008 a oportunidade de implantar um
novo regime de poltica econmica.
A alterao do regime de poltica econmica tinha em grande medida motivao ideolgica. A
virada na poltica econmica deveu-se distinta viso de mundo dos atores que formulavam a
poltica econmica. A mudana de basto no ministrio da Fazenda em final de maro de 2006
marca a mudana em diversos diagnsticos sobre a forma de funcionamento da economia. A
mudana ocorreu tanto no que se refere aos fundamentos e determinantes do crescimento de
longo prazo quanto aos determinantes dos processos cclicos e principalmente natureza do
processo inflacionrio em nossa economia.
No perodo FHC havia o entendimento que a funo do Estado na economia criar a
infraestrutura jurdica e institucional que permita aos diversos mercados funcionarem e a
economia se desenvolver. A natureza especfica do processo de desenvolvimento no
atribuio do Estado. Ela ser resultado natural do processo.
No papel do Estado estabelecer quais setores devem ser priorizados e quais no devem.
Muito menos papel do Estado interferir no processo de formao dos preos da economia
que devem ser determinados pelo mercado.
papel do Estado defender o interesse do consumidor em inmeras esferas principalmente
regulando os servios de utilidade pblica que em geral organizam-se na forma de monoplios
naturais ou grande oligoplios. Neste caso, o Estado tem que criar condies para que o setor
privado invista e simultaneamente no aufira lucros exorbitantes.
Finalmente papel do Estado prover os seguros bsicos. No Brasil, em funo da escolha que
a sociedade fez em 1988, papel do Estado construir e gerir uma extensa rede de proteo
social, que abarca a oferta universal e integral de sade, a universalizao da educao bsica
(fundamental e secundria), previdncia, e diversos seguros contra riscos naturais em
economias de mercado. O seguro desemprego, o programa bolsa famlia, que um seguro
extrema pobreza, auxlio doena e aposentadoria por invalidez, o abono salarial e os benefcios
da lei orgnica da assistncia social (LOAS), entre outros.
A lista do pargrafo acima documenta de forma cristalina que a alterao do regime de poltica
econmica que houve em 2009 restringiu-se interface do Estado com a atividade econmica.
Com relao rea social h grande continuidade. As diferenas que h devem-se ao
processo natural de construo dos seguros e ao amadurecimento da sociedade e do Estado
impossvel implantar o programa bolsa famlia sem a construo de um cadastro abrangente
25
e, principalmente, melhoria da situao oramentria do Estado, consequencia do longo
processo de construo institucional e ajuste macroeconmico que houve a partir dos anos 90.
Ou seja, a virada na poltica econmica em 2009 no se refere poltica social. Nesta, como
argumentamos acima, houve continuidade. O grupo que passou a liderar a formulao da
poltica econmica e regulatria a partir de 2009, no qual Dilma Roussef exercia papel de
liderana, entende que o processo de desenvolvimento econmico tem que ser liderado e
direcionado pelo Estado. Em funo deste entendimento as seguintes alteraes na poltica
econmica foram implantadas:
1. Alterao no regime de cmbio flutuante para fortemente administrado. Por algum
tempo vigorou e vigora regime de cmbio fixo;
2. Maior tolerncia com inflao;
3. Adoo recorrente de artifcios para atingir a meta de supervit primrio reduzindo a
transparncia da poltica fiscal, alm de fortssima reduo do primrio;
4. Controle de preos para tentar conter a inflao. Isso visvel, por exemplo, nos
combustveis e na poltica de desonerao tributria, alm das tarifas de eletricidade;
5. Adotar teorias heterodoxas com relao ao processo de formao dos juros reais na
economia brasileira (equilbrio mltiplo e/ou que o impacto do juro sobre a atividade
depende da variao deste e no do nvel) e, em funo deste entendimento, baixar
na marra a taxa bsica de juros;
6. Expanso do papel do BNDES na intermediao do investimento com forte
discricionariedade com relao aos favorecidos;
7. Tendncia a fechar a economia ao comrcio internacional;
8. Direcionamento da poltica de desonerao tributria a alguns setores ou bens, em vez
de estend-la de forma equitativa a todos os setores produtivos;
9. Aumento do papel do Estado e da Petrobrs no setor de petrleo;
10. Uso dos bancos pblicos de forma muito arriscada com vistas a baixar na marra o
spread bancrio;
11. Dificuldade ideolgica no emprego do setor privado na oferta de servios de utilidade
pblica e infraestrutura em geral;
12. Adoo indiscriminada da poltica de contedo nacional e de estmulo produo local
sem a preocupao com o custo de oportunidade dos recursos sociais. Em certa
medida, trata-se de reedio da lei do similar nacional cujo um dos resultados mais visveis a criao de forte capacidade ociosa na indstria automobilstica.
Evidentemente, alm da ideologia grupos da sociedade pressionaram para que este pacote, ou
itens dele, fossem adotados. A economia poltica tambm justifica a alterao de rumo. No
entanto, entendemos que o principal motor na virada da poltica econmica em 2009 foi a
particular interpretao que este grupo tem do processo de desenvolvimento econmico.
Para ilustrar o leitor, til exemplificar com o caso coreano. A Coria em 1960 apresentava
renda inferior brasileira. Hoje apresenta uma renda per capita trs vezes a nossa. Distintas
vises de mundo produziro distintas narrativas sobre os fatores determinantes do sucesso
coreano. A interpretao liberal, no sentido europeu do termo, enfatizar a qualidade do
sistema educacional, os estmulos para as elevadas taxas de poupana, uma poltica de forte
estmulo exportao, alm da Coria sempre ter tido uma poltica macroeconmica
26
responsvel. Segundo esta leitura o crescimento elevado conseqncia natural destas
caractersticas.
Os formuladores atuais da poltica econmica tm um entendimento diverso. Para eles o
crescimento coreano foi produzido pela forte interveno direta do Estado na economia. O
processo de represso financeira, que direciona a poupana para alguns setores escolhidos
como os mais dinmicos, o controle direto da importao, a promoo de grandes
consolidaes empresariais lideradas pelo governo, que redundou nos grandes grupos
econmicos conhecidos por Chaebols, que esto na base do milagre econmico coreano.
Para eles, a melhora educacional, a estabilidade macroeconmica e a elevada taxa de
poupana foram resultados do processo. Para a viso liberal, a poltica industrial e de induo
foi acessria e em alguns casos pode ter sido deletria.
Do ponto de vista de uma anlise institucional do processo de desenvolvimento econmico
pensamos que o pacote de poltica econmica elencado nos 12 itens acima certamente reduz a
eficincia da economia. Esta afirmao, parece-nos, clarssima com relao ao desmonte do
trip macroeconmico.
O trip macroeconmico um sistema que introduz previsibilidade na economia. Como a
experincia recente tem mostrado praticamente impossvel previso em macroeconomia. Se
impossvel sabermos qual ser o cmbio, os juros ou o crescimento importante sabermos
ao menos as regras de formao de estas variveis. isto que o trip macroeconmico
introduzido em 1999 nos fornece. Trata-se de um conjunto de regras que permite a construo
de cenrios futuros. impossvel saber qual cenrio ir se materializar. Mas possvel saber a
regra de interao entre as diversas variveis. A destruio do trip macroeconmico tirou a
capacidade dos agentes em construir cenrios futuros para a economia.
No entanto, como a primeira seo mostrou, houve aparentemente forte queda da renda do
capital no trinio da Dilma. O mais interessante que apesar da queda da renda do capital a
taxa de investimento no se reduziu. O confronto do fato estilizado na primeira seo de forte
queda da produtividade do capital com a lista do pacote de poltica econmica compatvel
com a leitura de queda da eficincia alocativa do capital. Por outro lado, a queda da eficincia
alocativa do capital e a queda da rentabilidade do capital sem que a taxa de investimento
apresente queda substantiva, consistente com a poltica deliberada de subsidiar
pesadamente o investimento.
Ou seja, seria de se esperar que um pacote de poltica com o objetivo de direcionar
pesadamente o investimento para alguns setores e de intervir pesadamente no processo de
formao de preos em associao com forte sustentao do investimento por meio de
pesados subsdios teria como consequncia a queda da produtividade do capital sem queda da
taxa de investimento.
Resta entendermos melhor os motivos da taxa de crescimento da produtividade do trabalho ter
apresentado reduo menor do que a reduo da taxa de crescimento da produtividade do
capital. As elevadas taxas de crescimento dos salrios reais sempre alm da produtividade do
trabalho sugerem que este foi um perodo de forte retrao da taxa de crescimento da oferta de
trabalho. A retrao da taxa de crescimento da oferta de trabalho impediu que a perda de
eficincia da economia em funo do pacote de poltica econmica adotado em 2009
redundasse em queda da produtividade do trabalho. Adicionalmente, em funo de diversas
medidas tomadas nos ltimos anos, entre elas vale mencionar a melhora de funcionamento do
crdito e a criao do instituto do micro-emprendedor individual (MEI), houve na ltima dcada
forte formalizao do mercado de trabalho, o que em geral contribui para elevar a eficincia
produtiva.
Como acreditamos que o pacote de poltica econmica adotado em 2009 no foi fruto de uma
forte constituency da sociedade pensamos que ele ser questionado no processo eleitoral de
27
2014. H claros sinais de esgotamento. A inflao elevou-se e o crescimento reduziu-se. No
mais possvel continuar a reduzir os juros na marra, no d para continuar a controlar o preo
da gasolina e a tarifa de energia eltrica, h sinais iniciais de que o processo de forar os
bancos pblicos a baixarem na marra os spreads bancrios tem gerado aumento de
inadimplncia, no possvel aceitar nveis mais elevados de inflao, no possvel reduzir o
supervit primrio ainda mais, no possvel piorar ainda mais o dficit de transaes
correntes, a enorme expanso da dvida bruta no permite a continuidade da expanso do
balano do BNDES, etc. Para qualquer direo que se olhe um limite foi ou est muito prximo
de ser atingido.
O mesmo, aparentemente no ocorrer ainda em 2014 com o contrato social mais amplo
vigente desde a redemocratizao. A prxima seo elabora este tema.
Contrato social da redemocratizao
Entendemos que vigora na sociedade brasileiro desde a promulgao da constituio em 1988
um contrato social que requer a continua elevao do gasto pblico com proporo do PIB. Isto
, o contrato social demanda que a receita tributria cresa alm do crescimento do produto.
A tabela 10 construda pelo economista do Ipea de Braslia, Mansueto Almeida Jr., fornece um
filme vvido da evoluo de nosso contrato social desde 1999. A coluna da direita documenta
que desde 1999 at 2013 o gasto no financeiro da Unio elevou-se em 4,5 pontos percentuais
do PIB. Esta elevao ocorreu em um momento que o PIB real cresceu 54%. A penltima linha
da tabela apresenta a variao em pontos percentuais (p.p.) do PIB de cada rubrica e a ltima
linha apresenta o peso de cada rubrica na variao total de 4,5 p.p. do PIB no perodo
considerado de 15 anos.
H duas caractersticas principais nestes nmeros. Primeiro, 80% da elevao do gasto
resultado da elevao das rubricas INSS e custeio de gastos sociais. O custeio de gastos
sociais refere-se aos gastos do Tesouro com os seguintes programas: seguro desemprego,
benefcios da leio orgnica da assistncia social (LOAS) e renda mensal vitalcia (RMV), abono
salarial e o programa bolsa famlia. Segundo, os gastos com as atividades meio do setor
pblico, pessoal e custeio administrativo, esto controlados apresentando no perodo elevao
inferior elevao do PIB. O custeio de sade e educao, que apresentou algum crescimento
no perodo, refere-se a uma srie de programas da Unio no auxlio aos Estados e Municpios
na oferta de servios de educao e sade. mais bem caracterizado como gasto em
atividade fim e no meio.
28
Tabela 10: Evoluo do gasto pblico no financeiro da Unio excluindo transferncia para Estados e Municpios (% do PIB).
Fonte: Mansueto Almeida Jr. A partir dos dados primrios da Secretaria do Tesouro Nacional.
A moral da histria que a maior fora que pressionou a elevao do gasto da Unio nos
ltimos quinze anos foram os critrios de elegibilidade aposentadoria, aos benefcios de risco
tais como penso por morte, e por invalidez, seguro desemprego e auxlio doena, e
programas de transferncia de renda como os benefcios da LOAS, RMV, abono salarial, e o
programa bolsa famlia. Desempenha papel central na elevao do gasto com todos estes
programas, alm dos critrios de elegibilidade, a poltica de valorizao do salrio mnimo, que
indexa a maior parte dos benefcios.
Mesmo programas que no so diretamente indexados ao salrio mnimo, como o caso do
programa bolsa famlia, ficam a ele atrelados. muito difcil justificar a elevao do benefcio
bsico da aposentadoria e no elevar o benefcio s famlias com crianas, principalmente visto
que a taxa de pobreza entre as crianas muito maior do que a taxa de pobreza na populao
idosa.
A partir de um ponto de vista de longo prazo aparente o esgotamento de nosso contrato. Ao
longo dos 12 anos que compreende o segundo mandato de FHC e a octaetride de Lula o
gasto no conceito da tabela 8 aumentou 3 p.p. do PIB. Muito provavelmente a presidente Dilma
entregar ao final de seu mandato o gasto em 19,5% do PIB, crescimento de 2 p.p. do PIB
tomando como base o ltimo ano de Lula, 2010.
Em grande medida a maior velocidade do crescimento do gasto em pontos percentuais do PIB
ao longo do governo Dilma deveu-se reduo do crescimento econmico da economia. Ou
seja, manter os termos do contrato social em um contexto de crescimento baixo requerer
novas rodadas de elevao da carga tributria.
Evidentemente sempre possvel recontratar o contrato social. O congresso nacional liderado
pelo executivo pode alterar os critrios de elegibilidade aos diversos programas bem como
alterar a poltica de valorizao do salrio mnimo. E certamente haver ajustamentos nesse
sentido. Mas parte do ajustamento ser por meio de elevao da carga tributria. Para que
PESSOAL INSS SUBSDIOSCUSTEIO
ADMINISTRATIVO
CUSTEIO SAUDE
E EDUC.
CUSTEIO GASTOS
SOCIAIS
INVEST. sem
MCMVTOTAL
1999 4,5 5,5 0,2 1,4 1,8 0,6 0,5 14,5
2000 4,6 5,6 0,3 1,3 1,8 0,6 0,7 14,7
2001 4,8 5,8 0,4 0,7 1,8 0,9 1,2 15,6
2002 4,8 6,0 0,2 1,1 1,8 1,0 1,0 15,7
2003 4,5 6,3 0,4 0,9 1,7 1,0 0,4 15,1
2004 4,3 6,5 0,3 1,0 1,7 1,2 0,6 15,6
2005 4,3 6,8 0,5 1,1 1,8 1,3 0,6 16,4
2006 4,5 7,0 0,4 1,1 1,7 1,6 0,7 17,0
2007 4,4 7,0 0,4 1,2 1,8 1,6 0,8 17,1
2008 4,3 6,6 0,2 1,0 1,8 1,6 0,9 16,4
2009 4,7 6,9 0,2 1,1 1,9 1,9 1,0 17,7
2010 4,4 6,8 0,3 1,1 2,0 1,8 1,1 17,4
2011 4,3 6,8 0,4 0,9 2,0 1,9 1,1 17,5
2012 4,2 7,2 0,6 0,9 2,2 2,1 1,1 18,3
2013 4,2 7,4 0,9 1,0 2,2 2,3 1,0 19,0
1999-2013 -0,26 1,93 0,61 -0,44 0,49 1,68 0,52 4,53
-5,7 42,7 13,6 -9,8 10,7 37,0 11,4 100,0
29
houvesse uma reviso mais profunda do contrato social seria necessrio que o processo
eleitoral tratasse deste tema de forma aberta e objetiva. No nos parece que este ser o caso.
No entanto h uma ressalva importante s afirmaes dos ltimos dois pargrafos. H uma
rubrica que tem crescido muito no atual governo que no parece estar associado ao contrato
social da redemocratizao. A rubrica subsdios cresceu entre 2010 e 2013 0,6 p.p..
O crescimento da rubrica subsdio deveu-se s compensaes da conta do desenvolvimento
energtico (CDE), s compensaes previdncia em funo dos custos da desonerao da
folha de salrios e aos subsdios do programa minha casa minha vida (MCMV), que responde
por aproximadamente metade do crescimento dos subsdios.
O programa MCMV uma nova etapa no processo de evoluo do contrato social. De
programas de redistribuio direta de renda e de programas tpicos de seguro social, caminha-
se para programas de subsdio direto aquisio de moradias e, mais recentemente, de bens
de consumo durveis, tais como o programa minha casa melhor. No nos est claro em que
medida esta expanso do contrato social, que adiciona s obrigaes do Estado a oferta de
subsdios diretos aquisio destes bens, consensual ou no na sociedade. Questo para
ser verificada ao longo do processo eleitoral. No entanto, a outra metade do aumento dos
subsdios deve essencialmente a custos associados com o ensaio nacional desenvolvimentista
vigente desde 2009. Estes subsdios iro aumentar muito nos prximos anos pois no est
computado na tabela os subsdios referentes ao programa de sustentao do investimento
(PSI) cujos pagamentos do Tesouro ao BNDES foram adiado por dois anos.
Ou seja, se verdade que h grande espao para melhora fiscal simplesmente revertendo as
aes referentes ao ensaio nacional desenvolvimentista (ver a longa lista de medidas na
segunda seo), o desequilbrio estrutural do contrato social est e estar conosco pelos
prximos anos.
Nossa impresso que a sociedade no est madura ainda para discutir com profundidade
ajustes no contrato social. por este motivo que cremos que a sada ser por novas rodadas
de elevao da carga tributria. A campanha eleitoral ser centrada nas medidas do ensaio
nacional desenvolvimentista. Elas sero em parte revertidas com a reeleio de Dilma e
fortemente revertidas se houver transio poltica.
Dado que caminhamos para elevao de carga tributria quais sero as bases tributrias
empregadas? Creio que h quatro bases tributrias que podem ser exploradas. Imposto sobre
herana, imposto sobre exportao de bens primrios, reedio da CPMF e tentar novamente
elevar a carga tributria sobre a PJ uniprofissional. Em 2004 o ministro Palocci editou a MP 232
que acabou no prosperando no Congresso Nacional.
Nossa anlise no otimista com relao s perspectivas de crescimento nos prximos anos.
Se por um lado a reverso das medidas referentes ao ensaio nacional desenvolvimentista
aumentaro a eficincia da economia, novas rodadas de crescimento da carga tributria em
uma economia emergente lder de carga tributria elevada reduzir o estmulo acumulao
de capital em geral. Reformas mais profundas do contrato social requerero um desejo muito
forte por parte da sociedade em acelerar o crescimento. Este no tem sido o caso nas ltimas
dcadas. A agenda da sociedade tem sido a equidade e no o crescimento.
possvel que ao longo do tempo se forme uma constituency mais favorvel ao crescimento.
Penso que os filhos da nova classe C tero este perfil. No entanto me parece que esta escolha
ficar para 2018 e no para 2014.
30
Concluso
O artigo argumenta que a forte elevao da carga tributria e do gasto pblico que houve nos
ltimos anos deve-se a um contrato social que prioriza a queda da desigualdade em vez do
crescimento econmico. A maior evidncia emprica que a elevao do gasto pblico uma
constante no perodo em seguida estabilizao da economia e, adicionalmente, que o gasto
pblico elevou-se nas rubricas que envolvem transferncia de recursos a indivduos. Ou seja,
construmos em seguida redemocratizao um estado transferidor de recursos entre
indivduos.
Introduziu-se a partir de 2009 uma nova agenda que, segundo nosso entender, no tem
suporte na sociedade, mas foi adotada em funo da particular leitura do processo de
desenvolvimento econmico do grupo de pessoas prximas formulao da poltica
econmica. Esta agenda aumentou muito o papel do Estado na regulao da natureza do
processo de desenvolvimento econmico.
Neste trabalho defendemos o ponto de vista de que a forte piora no desempenho da economia
brasileira no trinio da Dilma deve-se aos impactos da piora no marco institucional sobre a taxa
de crescimento da produtividade total dos fatores. Com documentamos na primeira parte do
trabalho a queda da taxa de crescimento do produto deveu-se, em grande medida, queda da
taxa de crescimento da PTF.
Se esta interpretao estiver correta h espao para melhora do desempenho da economia se
houver reverso das medidas elencadas na segunda seo do trabalho.
31
Aprimorando a poltica econmica
Daniel Luiz Gleizer
1. Introduo
O objetivo de qualquer poltica econmica a melhoria das condies de vida da populao,
atravs da gerao de taxas de crescimento da renda e do emprego elevadas e sustentadas.
A teoria econmica ensina e a experincia acumulada evidencia que a mola bsica do
crescimento econmico o aumento da produtividade. Esta, por sua vez, depende do
investimento em capital fsico, da inovao tecnolgica, das condies de concorrncia na
economia, da educao, das condies de sade da populao, etc. Consequentemente, para
que uma poltica possa influenciar o crescimento de uma economia de forma sustentada, deve
alterar os determinantes da produtividade.
Sabemos, tambm, que baixas taxas de inflao geram um ambiente mais propcio ao
crescimento da produtividade, dado que expandem o grau de previsibilidade de que dispe os
agentes econmicos e, como consequncia, ampliam seu horizonte de planejamento e
investimento. Ademais, a estabilidade preserva o poder de compra dos salrios e dos demais
rendimentos, contribuindo para a preservao do bem estar. Assim, apesar de no ser uma
condio suficiente para garantir o crescimento rpido e sustentado, a estabilidade
macroeconmica , certamente, uma condio necessria.
A experincia brasileira emblemtica dos danos causados pela sua ausncia. O processo
inflacionrio, debelado em 1994, depois anos de desordem, teve implicaes negativas
profundas e abrangentes. A economia no podia prosperar em um ambiente caracterizado por
total incapacidade preditiva. Empresas e indivduos perderam a habilidade de planejar suas
vidas privadas. O investimento social de mdio e longo prazo extinguiu-se, assim como a
credibilidade das polticas pblicas.
Devemos, portanto, entender a estabilidade macroeconmica - inflao baixa e estvel e
finanas pblicas disciplinadas - como um objetivo instrumental, isto , como uma condio
necessria para se atingir um fim. Assim, a estabilizao de preos no apenas compatvel,
mas imprescindvel para que se alcance o crescimento sustentado. a partir dessa tica que a
qualidade e a adequao da poltica macroeconmica devem ser avaliadas.
Entretanto, as autoridades econmicas se defrontam com grandes desafios para assegur-la.
Nas economias contemporneas, repletas de incertezas, a confiana joga um papel
fundamental na determinao do com