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¹ Graduando em Design de Moda. Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected] ² Mestre em Turismo em Hotelaria E-mail: [email protected]
COLEÇÃO VESTUÁRIO CASUAL INFANTIL FEMININO PARA PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA VISUAL O tato como estética
CASUAL CLOTHING COLLECTION FOR WOMEN INFANT WITH VISUAL DISABILITIES
The touch as the aesthetic
Bruna Bonelli Roussenq Neves¹
Olinda Teresinha Schaufert²
Resumo
A coleção de vestuário para meninas de oito a doze anos portadoras de deficiência visual, “Moda para Sentir”, foi criada a partir da exploração do tato como estética por meio de aplicações, técnicas de estampas diferenciadas e em alto relevo e reaproveitamento de materiais. “Moda para Sentir” foi inspirada nas tendências de verão 2010 e nos personagens da Turma da Mônica enfocando Dorinha, criação do desenhista brasileiro Maurício de Souza. As peças foram desenvolvidas para o dia-a-dia das crianças e tem como preocupação facilitar o ato de vestir e conseqüentemente o bem estar das mesmas.
Palavras Chave: moda; deficiência visual, tato.
Abstract
The clothing collection for 8-to-12-year-old visual disabilities girls called “Fashion to Feel”, was made based on the touch as the aesthetic by applications, different stamping techniques, high relief prints and also material´s reuse. “Fashion to Feel” was inspired by the summer 2010 trend and by Monica´s Gang´s characters, focusing Dorinha, created by Brazilian cartoonist Mauricio de Souza. The outfits were developed for child’s daily life and its goal is help their way of dressing up and consequently the kids’ well-being.
Keywords: fashion; visual disabilities; touch.
1. INTRODUÇÃO
1.1 Orientações Gerais
A coleção “Moda para Sentir” foi desenvolvida para o trabalho de graduação
de curso e envolve o design inclusivo como proposta ao introduzir meninas de oito a
doze anos, portadoras de deficiência visual total ou com baixa visão, como público
alvo no mercado da moda.
A escolha desse público ocorreu, pois durante todo o curso de Design de
Moda da UNIVALI, pesquisamos públicos ainda não explorados e nichos de
mercado existentes. Como designer, o desenvolvimento da coleção de vestuário
infantil verão 2010 teve como objetivo levar a este público não apenas a estética
visual da moda. Mas uma forma de atingir essas meninas através do tato, sem abrir
mão do bom gosto.
Além da escolha deste público, a coleção foi criada a partir da preocupação
de reutilização de materiais, proveniente de uma indústria do ramo de moda da
região. Desta forma é possível evitar desperdícios de matéria prima e agregar valor
as peças por meio de aplicações bordadas, patchwork e técnicas de estampas
diferenciadas.
No próximo capítulo deste artigo será abordado a metodologia de projeto e de
pesquisa presentes no desenvolvimento da coleção, explicando cada etapa de
acordo com as necessidades surgidas.
2. METODOLOGIA
A metodologia de projeto aplicada para o desenvolvimento da coleção “Moda
para Sentir” foi criada através da união e da modificação de duas metodologias
existentes. Sendo elas a metodologia de projeto de Munari (1991) que enfatiza o
projeto de design e a proposta de Keller (2004) que sugere uma metodologia voltada
para o desenvolvimento do produto de moda.
Munari (1991) afirma que o método de projeto, para o designer, não é
absoluto nem definitivo; pode ser modificado caso ele encontre outros valores
objetivos que melhorem o processo. E isso tem a ver com a criatividade do
projetista, que, ao aplicar o método pode descobrir algo que o melhore.
O fluxograma abaixo descreve as etapas da metodologia empregada durante
todo o processo, que se estende desde o início projeto até a confecção e a
introdução das peças no mercado de moda.
Fluxograma Metodologia de projeto adotada Fonte: acervo pessoal
2.1 Etapas da metodologia de projeto
De acordo com o fluxograma, a primeira etapa do projeto foi definida como
problema, que diante da metodologia de Keller (2004) se adapta ao planejamento da
coleção de vestuário casual feminino para meninas de oito a doze anos de idade,
portadoras de deficiência visual por meio de reaproveitamento de materiais e
estampas. Desta forma é também possível verificar que a metodologia de pesquisa
adotada sugere a pesquisa aplicada, pois soluciona um determinado problema
específico.
A etapa seguinte foi a etapa de definição do problema, na qual se definiu o
objetivo geral do projeto que foi justamente a criação desta coleção. E de acordo
com o problema encontrado, a pesquisa foi enquadrada na pesquisa qualitativa.
Com a definição do problema foram definidos o público alvo e a escolha do
segmento. No caso da coleção “Moda para Sentir”, foi necessário conhecer o público
alvo, suas preferências e os meios de comunicação utilizados por ele. Para que
estas meninas pudessem se vestir com facilidade, se fez necessário encontrar os
aviamentos e modelagens mais indicadas para a confecção das peças observando a
tendência escolhida, verão 2010. E para que o reaproveitamento de tecidos
permitisse que o tato fosse explorado como estética, foi preciso encontrar formas de
aplicações e estampas que pudessem estimular este sentido nas meninas.
A marca da coleção apresentada pela personagem de Mauricio de Soouza
segue abaixo com a figura 01.
Figura 01 Marca da coleção “Moda para Sentir” Fonte: acervo pessoal
Para que isto acontecesse, foram adotados os procedimentos técnicos da
pesquisa bibliográfica, que é a pesquisa realizada através de material impresso ou
através de mídia digital segura, na qual se baseou toda fundamentação teórica do
trabalho. E da pesquisa de levantamento, ou seja, de campo. Diante da qual foi
necessário freqüentar instituições que auxiliassem o desenvolvimento dessas
crianças com deficiência visual e questionar gostos e preferências do público. Desta
forma definiram-se as duas etapas seguintes do fluxograma 01, com a escolha do
tema do projeto, a definição do briefing da coleção e a coleta de dados a partir das
pesquisas de campo, bibliográficas e de tema.
Depois de estas escolhas terem sido feitas, a seleção dos materiais se fez
de acordo com as tendências e com produtos de possíveis concorrentes já
existentes no mercado, escolhidos diante do segmento casual, tendo em vista que o
público feminino infantil portador de deficiência visual ainda não foi explorado com
exclusividade.
A etapa subseqüente foi a de criação, na qual Keller (2004) sugere a
aplicação de técnicas e ferramentas. Tais quais como o release, os painéis
semânticos, as cartelas de cores, tecidos e aviamentos e a geração das alternativas
ou croquis.
Diante do desenvolvimento deste material de criação, a experimentação de
técnicas de estamparias, aplicações e de preferências de tecidos foi possível a partir
da confecção dos protótipos e da apresentação dos mesmos às meninas
pertencentes ao público alvo, já contatado previamente.
Após a aprovação dos mesmos, o modelo final ou a peça piloto com as
devidas adequações foram detalhados no desenho técnico. O memorial descritivo da
coleção pode ser escrito, abordando as funções estéticas e formais, as funções de
uso, as funções operacionais e as funções de marketing.
De acordo com as funções de uso, a coleção tem como segmento o
vestuário casual, ou seja, a roupa para o dia-a-dia. São roupas leves e com elastano
em sua composição na maior parte dos modelos, para que a criança tenha
mobilidade suficiente pra exercer as suas tarefas diárias e nas ocasiões mais
diversas.
As funções operacionais integram a ergonomia, que se encontra presente na
necessidade destas crianças se vestirem com facilidade. Ou seja, modelagens mais
amplas, golas e decotes mais abertos, sobreposições de peças unificadas em uma
única peça, presença de apliques e estampas em alto relevo apenas na parte frontal
dos modelos e etiqueta indicando a parte das costas com o nome da coleção e o
tamanho em Braille. As funções informacionais por sua vez se encontram numa
etiqueta menor costurada no interior das peças com os símbolos de lavagem,
secagem e demais instruções de uso do produto com seus significados descritos um
a um.
Dentro das funções estéticas e formais, como já mencionado anteriormente,
as peças contam com apliques e estampas em alto relevo feitas através das
técnicas de gel, flocado, plastisol e puff. Possuem formas principalmente orgânicas e
simplificadas para agradar ao toque das crianças.
A principal forma de silhueta presente na coleção é o trapézio e quanto ao
comprimento de saias e vestidos, é menor para remeter aos anos sessenta e ao
surgimento das minissaias.
Levando em consideração as Leis da Gestalt como funções estéticas na
coleção “Moda para Sentir”, a continuidade se destaca das demais. Segundo Filho
(2000, p.33) continuidade é a impressão visual de como as partes se sucedem
através da organização perceptiva da forma de modo coerente, sem quebras ou
interrupções na sua trajetória ou na sua fluidez visual. A lei se encontra
principalmente em estampas, como o poá e as listras. E no formato utilizado para os
patchworks que mantém um tamanho padrão pra todas as peças.
De acordo com as funções de marketing do produto, a coleção desenvolvida
abrange apenas o mercado nacional, em especial a região Sul. Será vendida em
lojas de departamento situadas em shoppings e não possui pedido mínimo de
compra. As peças tem preço acessível e serão vendidas separadamente, podendo
ser utilizada de acordo com o gosto do público alvo.
O Tag, em formato A3, acompanha todas peças. E explica sobre a temática
da coleção “Moda para Sentir”, apresentada pela personagem Dorinha de Mauricio
de Souza. Este tag tem formato maior proposital devido a baixa visão e possui o
Braille para as crianças com deficiência visual lerem. Um adesivo foi desenvolvido e
colado na parte da frente das peças para alertar a não passar com ferro as
estampas ou apliques.
Abaixo a figura 02 demonstra o tag desenvolvido para a coleção em
perspectiva.
Figura 02 Tag da coleção “Moda para Sentir” Fonte: acervo pessoal
A embalagem criada para transportar o produto após a venda é uma sacola
feita em tnt, com alças de patchwork e o logo da coleção “Moda pra Sentir” na parte
externa. Um aplique em forma de flor acompanha a embalagem, que pode servir
como chaveiro para as crianças.
Além disso, uma produção de fotos da coleção foi feita através da tendência
vintage do verão 2010, que resultou em um catálogo. Distribuído para as lojas de
departamento, nas quais os produtos serão vendidos. Em um comercial que possui
áudio para as crianças com deficiência visual ouvirem sobre a coleção, vinculado
através de sites e da televisão. E em outdoors e mídia impressa (revistas voltadas a
crianças de 8 a 12 anos e jornais).
No capítulo seguinte se encontra um breve estudo do comportamento e
aprendizado das crianças, público alvo da coleção.
3. MODA, INFÂNCIA E DESIGN
3.1 Psicologia infantil
Para desenvolver esta coleção foi necessário conhecer melhor o
comportamento, as emoções, entre outros fatores psicológicos das crianças. Afinal,
a criança ainda é objeto de muitos estudos e de indagações devido a pouca
experiência vivida pela mesma. O processo de aprendizagem e a maneira com que
as mesmas crianças se tornam indivíduos pensantes geram uma presente série de
teorias.
Para que se faça um melhor entendimento do mundo comportamental infantil,
este assunto foi dividido em duas partes.
3.1.1 A criança e a educação
A educação da criança se dá entre outros fatores principalmente por meio
dos adultos e do meio social em que ela está inserida.
Segundo Wallon (1999, p. 150):
“A educação foi definida como a influência exercida pelo grupo dos adultos sobre as crianças para torná-las aptas à vida social numa sociedade determinada. Assim, dois termos estariam presentes: um que representa a forma social e o outro, a matéria individual, servindo a pedagogia de ligação entre eles e tendo como tarefa descobrir os meios mais adequados para adaptar os indivíduos à sociedade.”
Wallon afirma ainda que um dos maiores erros cometidos com a educação
das crianças foi o de a própria sociedade em si cobrar atitudes e obrigações que não
cabiam as crianças, mas sim aos adultos. Da mesma forma que o vestuário antes
não se distinguia em nada, as tarefas também eram semelhantes as dos indivíduos
da sociedade adultos. Ainda bem que os anos se passaram e que hoje as crianças
não apenas podem como tem o direito de serem crianças, de estudarem e de
brincarem.
Permitindo que assim, a imaginação possa fluir e ser desfrutada no mundo
delas conforme estudado com mais clareza no assunto que segue.
3.1.2 A criança e a imaginação
A criança vive num mundo lúdico e por ter menos experiências, desenha o
mundo de tal forma que somente a sua imaginação compreende. E em se tratando
da imaginação e de seu desenvolvimento na infância, existem várias teorias
diferentes.
Segundo Vigotski (1998, p. 112), “a imaginação criativa [...] não se funde com
a memória.” Contradizendo assim, uma série de psicólogos, sociólogos entre outros
estudiosos, basta que se saiba que eles existiram e que suas teses foram de certa
forma descartadas ao decorrer dos anos e das novas comprovações que seguiram.
Posteriormente, foi possível constatar que a observação do desenvolvimento
da imaginação evidenciou a dependência entre essa função e o desenvolvimento da
linguagem. Foi Bleuler (apud Vigotski, 1998) através de sua escola e pesquisas que
mostrou porque a linguagem constitui um forte impulso para a imaginação.
A linguagem libera a criança das impressões imediatas sobre o objeto, oferece-lhe a possibilidade de representar para si mesma algum objeto que não tenha visto e pensar nele. Com a ajuda da linguagem, a criança obtém a possibilidade de se libertar do poder das impressões imediatas, extrapolando seus limites. (Bleuler apud Vigotski, 1998, p. 123)
Além da linguagem em si, os demais momentos mais cruciais no
desenvolvimento da criança, também auxiliam no desenvolvimento da imaginação.
No próximo capítulo, serão sanadas as dúvidas em relação a cognição e ao
processo do desenvolvimento cognitivo nas crianças.
3.1.3 Desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo nada mais é do que o processo de
aprendizagem que sofremos ao decorrer dos primeiros anos de nossas vidas. Neste
capítulo será abordado de uma maneira geral cada estágio de desenvolvimento da
criança, ainda sem levar em consideração a deficiência visual.
A criança, ainda mais do que o adulto, defronta-se diariamente com a transformação. A medida que cresce e que seu mundo expande-se além da casa para a escola e a comunidade, a criança sempre encontra novas experiências e novas desafios diante de sua inocência intelectual. (ELKIND, 1972, p. 15)
Quando crianças existe um anseio muito grande por novas descobertas. Essa
capacidade de adquirir novos conhecimentos, diante de um mundo ainda não
explorado, é conhecida por cognição.
Atualmente, a principal teoria sobre a natureza e o desenvolvimento da
cognição é a do grande psicólogo suíço Jean Piaget. (FLAVELL; MILLER; MILLER;
1999, p. 10)
A teoria de estágios de Piaget identificou quatro períodos principais de desenvolvimento cognitivo [...] Esses quatro períodos são o Período Sensório-Motor, que se inicia no nascimento e dura até um ano e meio a dois anos; o Período Pré-Operatório, de um ano e meio a dois a seis ou sete anos; o Período Operatório Concreto, de seis a sete anos até onze ou doze; e o Período Operatório Formal, da adolescência à idade adulta. (AULT, 1978, p. 28)
As quatro etapas dessa teoria e suas respectivas idades correspondentes
seguem em um quadro (quadro 01) que representa o desenvolvimento cognitivo.
QUADRO PERÍODOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITVO
Período Faixas Etárias Aproximadas
Sensório-Motor Nascimento a 1 ½ a 2 anos
Pré-Operatório 1 ½ a 6-7 anos
Operatório Concreto 6-7 anos a 11-12 anos
Operatório Formal 11-12 anos até a idade adulta
Quadro 01 Etapas desenvolvimento cognitivo de Piaget
Fonte: AULT, 1999, p. 28
O primeiro período do desenvolvimento de acordo com Ault (1999 p. 28 apud
Piaget), chama-se sensório-motor porque a criança resolve problemas usando seus
sistemas sensoriais e atividade motora.
De acordo com o segundo estágio apresentado Ault (1978, p. 45) afirma que
a característica mais distinta da criança pré-operatória é o desenvolvimento do
“funcionamento simbólico”. Que corresponde a capacidade de fazer uma coisa
representar algo diferente e que não está presente. A criança neste período também
começa a distinguir os tamanhos, cores e quantidades de objetos que lhe são
dados, mas se confundem ao decorrer das brincadeiras, pois não estão
concentradas da maneira adequada para solucionar problemas.
Em contraste com a criança pré-operatória, a criança do período operatório
concreto pode resolver uma variedade de tarefas, afirma Ault (1978, p. 56).
Flavell, Miller e Miller (1999, p. 112) afirmam que:
As crianças adquirem operações – sistemas de ações mentais internas que fundamentam o pensamento lógico. Estas operações organizadas e reversíveis permitem às crianças superarem as limitações do pensamento pré-operatório. As operações podem ser aplicadas a objetos concretos – presentes ou representados mentalmente.
Dando continuidade a Flavell, Miller e Miller (1999, p. 112) quando um
indivíduo atinge o período operatório formal, que compreende desde os onze ou
doze aos quinze anos ou até atingir a idade adulta, significa afirmar que:
As operações mentais podem ser aplicadas ao possível e ao hipotético, bem como ao real, ao futuro bem como ao presente e a afirmações puramente verbais ou lógicas. Os adolescentes adquirem o pensamento científico, com seu raciocínio hipotético-dedutivo, e o raciocínio lógico, com seu raciocínio interproposital. Eles podem entender conceitos altamente abstratos.
Este grupo já não se enquadra adequadamente ao trabalho a ser
desenvolvido, mas a sua explicação é necessária para ilustrar os estudos de Piaget
e sua teoria desenvolvida da cognição.
Abaixo a deficiência visual e as principais causas de deficiência visual na
infância serão abordadas brevemente.
3.2 Deficiência visual
Este capítulo aborda a deficiência visual e as causas mais comuns do
desencadeamento da mesma em crianças. Afinal, o foco deste trabalho é promover
o bem estar destas crianças incluindo-as como público alvo na coleção de moda que
será desenvolvida, com o apelo do tato como estética.
“Supõe-se, geralmente, que a cegueira representa mera ausência ou
imperfeição de um único sentido. Ao contrário, a cegueira muda e reorganiza
inteiramente toda a vida mental do indivíduo.” (CUTSFORTH, 1951, p. 13)
De acordo com o assunto da deficiência visual na infância segue:
A falta da vista, através da qual o ser humano absorve a maioria das impressões sensoriais, cria obstáculos e inibições. A privação deste sentido e suas conseqüências fazem com que outros caminhos sejam trilhados para integrar a criança cega na comunidade e na adaptação à vivência ambiental. (HEIMERS, 1970, p. 13)
Segundo Heimers (1970), a inexistência ou a ausência parcial da visão obriga
estes indivíduos a explorar o mundo através de outros sentidos. Como ocorre com a
comunicação dessas meninas ou de qualquer outro deficiente visual que apesar de
utilizar o mesmo meio de comunicação, ou seja, a língua Portuguesa, utilizam
também o alfabeto adotado para leitura e escrita conhecido como o método Braille.
Costa (1991, p. 6-10) explica que:
O sistema baseia-se na formação de seis pontos dispostos em duas colunas de três pontos. Os seis pontos formam a chamada “cela Braille”. [...] As diferentes disposições desses seis pontos permitem a formação de sessenta e três combinações diferentes com as quais se representam as letras do alfabeto, os sinais de pontuação, os números, os sinais matemáticos, as notas musicais, os símbolos químicos [...]
A figura 03 conseqüente mostra o alfabeto do método Braille, criado por Louis
Braille, em 1817. Nascido na pequena cidade de Coupvray, perto de Paris na
França, ficou cego ao perfurar o olho por volta dos três anos de idade com uma
ferramenta de trabalho do seu pai. E apesar de seus pais ainda tentarem vários
tratamentos, a infecção atingiu o outro olho, destruindo as suas córneas.
Figura 03 Alfabeto do sistema Braille. Fonte: http://www.google.com.br/images
Apesar do que muitos acreditam o método Braille não foi a primeira escrita
desenvolvida para cegos. Louis o inventou por volta dos quinze anos, após tomar
conhecimento de um sistema de escrever com traços e pontos que se podia usar no
escuro através do tato que ele chamava de “escrita noturna”, criado por Charles
Barbier de La Serre, capitão de artilharia do exército de Louis XIII. Após
modificações, Louis desenvolveu um método semelhante ao que se usa hoje, um
sistema simples em que usava seis buracos dentro de um pequeno espaço, com os
quais ele desenvolveu sessenta e três algarismos. (SOCIEDADE CULTURAL
AMIGOS DO CENTRO BRAILLE DE BLUMENAU, 2009)
E em relação às operações matemáticas, o ábaco ou sorobã (provem do
japonês, significa “padrão de numeração” ou “padrão de contagem”) foi adaptado e
introduzido no Brasil, para o uso dos cegos, desde 1949. (COSTA, 1991, p. 11) Mas
este segundo método não foi utilizado nesta coleção.
Quanto as causas conhecidas para o desenvolvimento da deficiência visual,
em crianças brasileiras, segundo estudo realizado recentemente por Brito e
Veitzman (2000, p. 4) são:
[...] 10,5 % das doenças são de transmissão hereditária e 16,8% de etiologia infecciosa. Em 44,4% dos casos, o mecanismo patogênico da doença foi desconhecido, como por exemplo, o glaucoma congênito, a catarata congênita sem história familiar e com sorologias negativas. A retinopatia da prematuridade está entre as primeiras causas de cegueira infantil, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. [...] Neste estudo, as causas mais freqüentes foram o glaucoma congênito, a retinopatia da prematuridade, a rubéola, a catarata congênita e a toxoplasmose congênita. Estes dados são diferentes dos da Organização Mundial de Saude, que identifica como causas importantes de cegueira no Brasil a hipovitaminose A, a oncocercose,o sarampo e o tracoma. [...]
De acordo com o estudo, 59% das doenças oculares são preveníveis ou
tratáveis com o atual desenvolvimento científico. O que garante que se
diagnosticado a tempo, o indivíduo não perderá ou sofrerá traumas na visão.
Como o foco deste trabalho não é o da saúde e sim da moda e do design, não
serão abordadas as doenças uma a uma, estes dados seguem apenas como
informações adicionais, tendo em vista que cada doença age de maneira diferente.
3.2.1 Instituições brasileiras para deficientes visuais
No Brasil, existem três grandes e renomadas instituições situadas em São
Paulo e no Rio de Janeiro. São estas instituições que costumam oferecer cursos e
atualizações necessárias além de distribuírem os livros em Braille para os demais
centros existentes por todo o país. São elas: o Instituto Benjamin Constant, a
Fundação Dorina Nowill e o Laramara.
O Instituto Benjamin Constant foi criado pelo Imperador D.Pedro II através do
Decreto Imperial n.º 1.428, de 12 de setembro de 1854, tendo sido inaugurado,
solenemente, no dia 17 de setembro do mesmo ano, na presença do Imperador, da
Imperatriz e de todo o Ministério, com o nome de Imperial Instituto dos Meninos
Cegos. Em 1891 (após a primeira reforma devido a demanda), o instituto recebeu o
nome que tem hoje: Instituto Benjamin Constant (IBC), em homenagem ao seu
terceiro diretor. O instituto está situado no Rio de Janeiro e foi a primeira instituição
de educação especial da América Latina. (INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT,
2009)
A Fundação Dorina Nowill foi criada em 1946, pela própria Dorina Novill,
juntamente com mais voluntários. Na época da fundação se chamava Fundação
para o Livro do Cego no Brasil e posteriormente recebeu o nome de sua fundadora.
Dorina Nowill ficou cega aos dezessete anos por causa de uma patologia ocular, o
que não a impediu de estudar. Foi a primeira aluna cega a se matricular numa
escola comum, em São Paulo, e estudou com pessoas com visão normal. Devido a
falta de acesso à cultura, à informação por causa da falta de livros para pessoas
cegas, fundou juntamente com mais voluntários em 1946, a Fundação para o Livro
do Cego no Brasil. Que posteriormente passou a se chamar Fundação Dorina Nowill
para Cegos, como é chamada até hoje. A instituição hoje conta com a maior
imprensa Braille do país. (FUNDAÇÃO DORINA NOWILL PARA CEGOS, 2009)
A Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual Laramara, ou o
Instituto Laramara, como também é conhecido, é uma entidade sem fins lucrativos
que visa apoiar a inclusão educacional e social da pessoa com deficiência visual:
cegos, baixa-visão ou múltipla deficiência. Está localizado em São Paulo, foi fundada
pelo casal Mara e Victor Siaulys, em 7 de setembro de 1991 e já recebeu cerca de
8000 usuários que se beneficiaram em algum programa da instituição. As ações da
instituição incluem avaliação oftalmológica especializada, avaliação das
necessidades educacionais especiais referentes à deficiência visual e atendimento
específico de crianças e jovens vindos de todo o Brasil. (LARAMARA, 2009)
Segundo o autor Heimers (1970, p. 27), “o melhor serviço que se pode prestar
a uma criança com deficiência visual é educá-la para a independência.” A existência
de instituições devidamente qualificadas para prestar o serviço de auxílio à inclusão
da criança na sociedade é de grande importância. Afinal é necessário que desde
bebê seja estimulado de forma correta o crescimento desta criança. Através de
estímulos, incentivos a pratica de esportes e através de escolhas. É necessário que
a criança se sinta segura pra fazer as suas próprias escolhas para que
posteriormente ela possa ser um indivíduo independente.
Abaixo segue um breve histórico da moda para crianças e da sua evolução, já
que o foco desta coleção é o vestuário infantil.
3.3 História do vestuário infantil
Desde que a roupa foi inventada, por assim dizer, ela serve não apenas para
proteger quem as usa, mas também para distinguir as classes sociais, a região em
que vivia o indivíduo, o país a que pertencia ou até mesmo as fases do
desenvolvimento de uma pessoa. Lurie (1997, p. 51), afirma que:
Quando um garoto se tornava maior de idade na antiga Roma, abandonava a toga curta e adotava a túnica varonil. Na América, há cerca de cinqüenta anos, o menino trocava as calças curtas pelas compridas, em um ritual de significado equivalente. No modelo francês de vestuário [...] cada fase do desenvolvimento de uma pessoa era mostrada pelo tipo de roupa que ela usava: na infância vestia-se de um jeito; na maturidade, de outro; e na velhice, de outro. Essas diferenças eram sempre muito distintas, justamente, para marcar as etapas da vida. (FEGHALI e DWYER, 2001, p. 46)
Essa afirmação se refere ao reinado de Luis XIV, entre 1643 e 1715, na
França.
Apesar disso, houve tempos em que as crianças eram vestidas de acordo
com os trajes da época sem alterar em nada seu modo de vestir para o de um
adulto. Durante a Idade Média, os meninos e meninas até os seis anos
aproximadamente não se distinguiam muito entre eles. Ambos costumavam usar
vestidos ou batas compridas e somente depois dessa idade é que passavam a se
vestir conforme os adultos da época.
Retratos da Idade Média e Renascença mostram crianças pequenas vestidas com todas as inconveniências da moda adulta: golas franzidas, anquinhas, calções bufantes, mangas ornamentadas, saias compridas e pesadas, sapatos de salto alto e chapéus carregados de penas e flores. (LURIE, 1997 p. 51)
Em 1760, o filósofo, pedagogo e sociólogo Jean-Jacques Rousseau divulgou
idéias revolucionárias com o auxílio de médicos, educadores e filósofos que
influenciaram diretamente a forma de vestir das crianças.
As crianças maiores ganharam trajes um pouco mais apropriados para si deixando a criança mais leve pra prática de atividades ligadas a idade como brincadeiras e exercícios físicos. Foi o início de uma preocupação com o sentido de usabilidade com o produto do vestuário infantil. (GONÇALVEZ; BEIRÃO FILHO, 2008)
Por volta do final do século XVIII, as roupas das crianças sofreram influências
de escolas que treinavam rapazes para a marinha. Lurie (1997, p. 55) afirma sobre
estas vestimentas “que logo foi vista em crianças de todas as idades e dos dois
sexos (a versão para meninas, evidentemente, substituía a calça – comprida ou
curta – pela saia).”
As décadas de 10 e de 20 foram principalmente marcadas pelo encurtamento das saias e pela queda do espartilho. Era época de guerra, os homens estavam em campo de batalha o que forçou as mulheres a ocuparem cargos no mercado de trabalho que exigiam maior mobilidade e conforto. (BRAGA, 2007, p. 72-73)
A figura 04 se refere ao período das décadas 10 e 20, conforme citação do
autor Braga (2007) e mostra vestimentas mais soltas e com o quadril marcado.
Nessa mesma época Tambini (1999) alega que estes anos alteram
profundamente o modo de viver das crianças, assegurando a liberdade e o conforto
nas modelagens. O estilo perdurou até a II Guerra Mundial, que devido ao
racionamento de tecidos, as famílias passaram a confeccionar suas próprias roupas
e de sobreviver com o que lhes era possível.
Segundo Braga (2007):
Na década seguinte por sua vez, com o final da II Guerra, os trajes infantis ganharam mais praticidade. Dando grande importância a durabilidade e conforto das peças. Vestidos que não amassavam em florais eram sensações da época. (apud NASCIMENTO, p. 26)
Figura 04 Traje infantil de 1920
Fonte: MODATECA UDESC
Na década de 50 a moda infantil sofreu grandes alterações com o surgimento
dos baby-booms, que eram crianças que nasceram no período pós guerra. Foi nesta
época também que o tênis e a calça jeans se afirmaram no mundo da moda.
Com a tendência futurista que a década de sessenta sofreu, vestidos e saias
encurtaram ainda mais e ganharam cores e materiais na vestimenta das crianças.
A figura 05 mostra em evidência a saia acima do joelho.
Figura 05 Vestuário infantil de 1960, encurtamento das saias Fonte: http://www.google.com.br/images
A década que segue segundo Tambini (1999), teve como principal influência
na moda infantil o patchwork.
Roupas emendadas e com desenhos que simbolizavam a natureza e a liberdade, faziam parte das composições mais inusitadas da época. Essas mudanças foram conseqüência do movimento hippie, afirma Braga (2007, apud NASCIMENTO, p. 28).
A década de oitenta por sua vez, se firmou como a era dos contrastes. [...]
Uma fusão de formas e texturas que fez com que esta década fosse atribuída como
a década das tribos de moda. (BRAGA, 2007) Nessa época foi incluído o preto ao
vestuário infantil e através da televisão, o estilo americano se inseriu a moda.
Os anos 90 ficaram marcados como a década dos desenvolvimentos
tecnológicos. (FEGHALI; DWYER, 2001, p. 55) A valorização das marcas como
formadores de opiniões, status e estilo foram definitivos para uma época onde a
moda não teve silhuetas, cores e temas definido pela primeira vez em anos.
(TAMBINI 1999, apud NASCIMENTO, 2008, p. 28)
Atualmente a moda não segue mais padrões impostos pela sociedade, cada
indivíduo veste o que gosta e no vestuário infantil não é diferente. As crianças desde
cedo já formam opiniões e tem certa liberdade em escolher as suas próprias roupas.
É importante ressaltar ainda que a moda do século XXI além de utilizar-se dos
tecidos tecnológicos, como acontece desde a década de 90, adéqua-se ainda a uma
forte onda de preocupação ambiental. As marcas se unem a causas que favorecem
a preservação do meio ambiente e lançam no mercado produtos que não agridem
ou que consigam melhorar a qualidade de vida desta e das próximas gerações. A
busca pela exteriorização da identidade é cada vez mais presente e aceita pela
sociedade em que vivemos. São tendências comportamentais que já estão
presentes em nossas vidas e que ao que tudo indica, estarão cada vez mais.
3.4 Moda e design inclusivo
Para falar de moda ou design inclusivo, é necessário que se faça entender
qual o sentido da palavra inclusão em uma sociedade. De acordo com Mittler (2003,
p. 34-36), a inclusão em uma determinada escola, como ele mesmo citou em seu
exemplo, seria:
A inclusão implica em uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula. [...] O processo de trabalhar para a educação inclusiva ainda pode ser visto como uma expressão de luta para atingir os
direitos humanos universais.
O autor fala da diferença que existe em integração e inclusão, dito que
inclusão seria a maneira mais correta de se tratar os portadores de necessidades
especiais. Tendo em vista que a inclusão seria preparar a sociedade para receber
adequadamente um individuo, sem que ele tenha que se moldar a uma sociedade
que de certa forma, não foi criada a partir das necessidades dele.
Atualmente, um concurso realizado apenas em São Paulo tem sido bastante
elogiado e vinculado pelas mídias do país, chamado Concurso Moda Inclusiva, as
informações abaixo foram coletadas no site da Secretaria dos direitos das pessoas
com deficiência sobre este evento de moda:
[...] o concurso Moda Inclusiva convida os estudantes da área a apresentarem propostas de vestuário adaptado que atendam às necessidades e demandas das pessoas com deficiência. O objetivo é promover a discussão no meio sobre a necessidade de se pensar e fazer moda que respeite a diversidade. [..] O vestuário para pessoas com deficiência tem potencial para se tornar um novo e expressivo segmento no mercado de moda. O Brasil tem hoje 24,6 milhões de pessoas com deficiência.
O vestuário no Brasil deu um novo passo para a inclusão e aos poucos tem
se adequado aos seus usuários, não permitindo mais que seja preciso muito tempo
para se vestir, que seja necessário utilizar peças desconfortáveis ou ainda, que não
sejam atrativas a pessoa que as usa. Nota-se que a preocupação com o bem estar
interior tem crescido razoavelmente e que, portanto foi seguida esta mesma linha
para a criação desta coleção infantil para meninas deficientes visuais.
Assim como a preocupação em cuidar do próximo, existe a preocupação em
cuidar do meio ambiente, já mencionada previamente neste artigo. No capítulo
consecutivo serão abordadas as maneiras de reaproveitamento de materiais
presentes na coleção.
3.5 Reaproveitamento de materiais
Diante da preocupação de preservação do meio ambiente, surge a
necessidade de atribuir à moda saídas e métodos que não prejudiquem tanto o
planeta. Entre outras formas de fazer com que isso aconteça, Schulte e Lopez
(2007, p. 2) afirmam que:
“Sensibilizar o consumidor para considerar o impacto ambiental dos produtos que consome, parece ser a forma mais rápida de pressionar a indústria, seja de Moda ou de outros produtos, para diminuírem o prejuízo que causam a natureza.”
Schulte e Lopez (2007, p. 5) alegam ainda que:
“Iniciativas no campo da moda, como da [...] comunidade da Rocinha, associados de uma cooperativa comunitária desenvolvem produtos de Moda a partir de materiais reciclados e sobras de tecidos, doados por empresas de confecção, utilizando técnicas artesanais como fuxico, patchwork, bordado, crochê, tricô e outros.”
Na coleção “Moda pra sentir” o reaproveitamento de materiais tornou-se
possível através de uma doação de malhas estampadas pela empresa situada em
Blumenau, Estamparia Badenfurt Ltda. As malhas foram utilizadas nas aplicações
das peças, com formas simplificadas e em alto relevo para que as meninas
pudessem senti-las. E em patchworks presentes em pequenos detalhes de mangas,
golas ou nas próprias aplicações. Por este motivo, abaixo será abordado um pouco
da história da empresa Estamparia Badenfurt.
3.6 Estamparia Badenfurt
A empresa Estamparia Badenfurt Ltda foi a empresa que se propôs a doar os
retalhos de tecidos e malhas estampados para o reaproveitamento na coleção.
Situada desde sua fundação, em Blumenau, no Vale do Itajaí, em Santa
Catarina. A Estamparia Badenfurt conta com estamparia localizada e frontal feita
apenas através do processo mecânico, ou seja, produz tudo manualmente. Tem
mais de 23 anos de mercado e entre parceiros e clientes conta com marcas
conhecidas a nível nacional e internacional.
Na figura 06 abaixo o logo da empresa que providenciou as doações a
coleção.
Figura 06 Logo Estamparia Badenfurt Ltda Fonte: acervo pessoal
A Estamparia Badenfurt possui o Selo Verde de Qualidade Internacional
Levi´s CO. que a credencia no mercado mundial como ecologicamente correta, tanto
em nível de natureza, como em nível de respeito humanitário para com seu quadro
funcional.
O sistema de reaproveitamento hídrico é altamente fácil, econômico e
saudável. A empresa capta água das chuvas através de calhas de coletas,
estocamos em caixa de fibra de vidro e bombeamos através de bombas de piscinas
com filtros de areia e tratamento com flocantes e anti-bactericidas. Esse processo é
acompanhado e instruído por nossa Engenheira Química, que também acompanha
o processo de tratamento de efluentes.
Quanto ao tratamento de efluentes, hoje é uma das treze empresas de
Blumenau, associadas ao Instituto Genes, AMPE, FURB e ao Ministério do Meio
Ambiente em parceria com o SEBRAE, a participar de um projeto de uma Usina
Pirólica para tratamento e reaproveitamento de todos os dejetos de suas atividades
industriais.
Abaixo seguem breves descrições das técnicas diferenciadas de estampas
em alto relevo utilizadas na coleção. As quais permitem entendimento através do
tato para as meninas com deficiência visual.
3.7 Silk-screen, tintas e efeitos
Silk-screen, serigrafia ou estamparia como também é conhecido, é o processo
mais popular de estamparia localizada. É feito pela pressão do rodo em uma tela
perfurada de nylon, seda ou poliéster (revelada pela impressão de um filme fotolito
que posteriormente é esticada em um bastidor de madeira, alumínio ou aço). Na
qual a tinta é aplicada e transferida para o tecido pelos furos da tela.
A estamparia localizada, por sua vez, é o processo de estamparia de
pequenas partes localizadas em peças de roupa. Ela pode ser feita de forma
mecânica (por pessoas) ou automática (por máquinas). (FERRAZ, 2009)
A figura 07 demonstra o processo manual de silk-screen.
Figura 07 Processo manual de silk-screen Fonte: Acervo pessoal
Dentre os diversos tipos de serigrafia, na coleção “Moda pra sentir” foi
necessário selecionar as técnicas que pudessem ser sentidas pelas meninas através
do tato. Sendo elas: o puff, o plastisol, o flocado, base relevo e o mix.
O puff tem a característica de ficar em relevo após ser submetida à alta
temperatura, no caso da serigrafia a peça passa por uma estufa industrial,
proporcionando grande feito visual. Mas tem pouca definição nos cantos da
estampa.
O flocado é um processo em que se aplica a cola cuja localização da peça é
feita através da tela. Posteriormente a peça é levada a uma máquina especial onde
são aplicados pequenos flocos de fibras curtas de rayon sobre a cola, resultando
num efeito de estampa que parece um veludo colado. Possui um leve relevo.
(FERRAZ, 2009)
As tintas plastisol ou gel são tintas reagentes ao calor, onde seu brilho é
semelhante ao do plástico e ao aplicar calor a tinta é possível obter volumes na
estampa. É conhecido pelo seu efeito emborrachado. Pode variar em muito ou
pouco relevo, mas por ser uma tinta mais espessa possui naturalmente uma leve
elevação. Tem alta definição nas estampas. (GÊNESIS, 2009)
A figura 08 demonstra a técnica de silk-creen plastisol.
Figura 08 Plastisol Fonte: Gênesis
O mix por sua vez, diferente das demais tintas utilizadas na coleção, não
possui relevo. É a tinta mais comum no processo de silk-screen, e se parece com
uma tinta pra tecido comprada em papelarias, mas é mais diluída em água. Seu
toque pode variar entre zero e levemente áspero, variando conforme a qualidade.
(FERRAZ, 2009)
Nos próximos assuntos deste capítulo a estética e o tato serão abordados
para que se faça entender qual a importância de ambos no desenvolvimento desta
coleção.
3.8 Estética
Recentemente a estética deixou de ser associada a reflexões filosóficas, a
críticas literárias ou a história da arte e passou a ser considerada uma ciência
independente com método próprio.
Segundo Bayer (1978), a estética só apareceu no século XVIII, sob a pena de
Baungarten e, ainda assim, nessa altura significava apenas teoria da sensibilidade,
de acordo com a etimologia da palavra grega: aisthesis. Que significa algo como
percepção sensorial, segundo Löbach (2001, p.156).
Posteriormente ainda Bayer (1978, p. 441-444), afirma que:
[...] a estética durante o século XX ganha desenvolvimento e uma grande extensão em todos os países; por toda a parte se multiplicam as obras e as revistas de estética. Assim como as teorias sobre esse assunto se diferem muito. A estética, que prossegue o estudo do belo, verifica hoje a importância metafísica e procurará cada vez mais realizar esta necessidade de concreto.
O autor afirma ainda que a estética tenderá cada vez mais a descrever o que
se passa no espírito do artista ao criar, e a estudar o objeto de arte não em si, mas
visto através dos sujeitos em que se retrata.
Löbach (2001, p.156) por sua vez, ao detalhar o processo do design
industrial define estética de uma maneira mais ampla:
Ciência das aparências perceptíveis pelos sentidos (por exemplo a estética do objeto), de sua percepção pelos homens (percepção estética) e sua importância para os homens como parte de um sistema sociocultural (estética de valor). [...]
Diferente da arte em si, que não é projetada para um público específico, o
designer ao projetar um determinado produto precisa ter conhecimento de fatores
importantes no campo da estética para que seu produto seja aceito pelo público alvo
escolhido e se possível, pelo maior número de pessoas possíveis.
No assunto seguinte será abordado o conceito do tato e a sua importância na
coleção “Moda para Sentir”.
3.9 Tato
O tato é um dos cinco sentidos existentes no ser humano. Sendo eles: o tato,
o olfato, a visão, o paladar e a audição. É principalmente através do tato que os
deficientes visuais sentem e se orientam no mundo em que vivem e é por este
motivo que o tato foi o sentido escolhido para o desenvolvimento desta coleção de
vestuário. Utilizar o tato como estética ao proporcionar às usuárias sentirem os
detalhes de cada peça de maneira única.
Segundo o site Descritores em Ciências da Saúde (2009), o tato se manifesta
como a sensação ou percepção através da qual o contato com os objetos, animados
ou inanimados, evidencia certas qualidades ou características.
Mencionando o tato, Sá (2005, p.178) alega que:
Passo ao “tato”. Tocar, “sentir na pele” o quente e o frio. “Tato” é fonte abundante de aprendizado para crianças curiosas que experienciam o mundo (também) por meio do que é possível, nele, tocar. [...] O “tato” nos desafia a fechar os olhos e, ao tatear um objeto desconhecido, imaginá-lo. Ou seja, projetar algo que, em sua totalidade, corresponda aos pontos contatados; dê sentido às sensações táteis que se está tendo.
Abaixo serão descritos os meios utilizados para que a estética da coleção
“Moda para Sentir” pudesse ser explorada e compreendida por meio do tato.
3.9.1 O tato como estética
A proposta de tato como estética se fez diante da ausência total ou da baixa
visão do público alvo desta coleção. A estética em si é julgada e detalhada por
diversos autores como um julgamento do que é belo, sendo feito principalmente por
meio da visão. Para que a estética pudesse ser explorada por meio do tato de uma
maneira agradável foi necessário compreender melhor os gostos destas crianças.
Ao estudar sobre deficientes visuais e de ter presenciado as crianças nas
instituições visitadas, foi possível constatar que os objetos utilizados para
estimulação visual em sua maioria têm formas simples e cantos arredondados.
Formas orgânicas são mais agradáveis ao toque do que pontas e cantos. E as
superfícies são facilmente distinguidas por elas. Preferindo os toques macios aos
ásperos.
Desta forma, foi possível compreender de que modo o tato deveria ser
explorado. E que a utilização do Braille em estampas, assim como formas
simplificadas de aplicações e bordados seriam de extrema importância para que elas
pudessem não apenas compreender a coleção em si, como se sentirem bem e belas
ao usarem as peças criadas especialmente para elas.
No capítulo que segue os resultados provenientes da pesquisa de campo nas
instituições serão divulgados.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DA PESQUISA
A pesquisa de campo foi realizada através de visitas, telefonemas e
entrevistas com profissionais e alunos de centros especializados em dar apoio e a
incluir as crianças com deficiência visual na sociedade. As visitas as instituições se
limitaram apenas ao estado de Santa Catarina. Sendo as instituições a FCEE
(Fundação Catarinense de Educação Especial) situada em Florianópolis, a ADVIR
(Associação de deficientes visuais de Itajaí e região) e a ACEVAP (Associação do
Centro de Estimulação Visual e Apoio Pedagógico de Blumenau). Dentro das quais,
foram freqüentadas com mais freqüência a ADVIR e a ACEVAP devido ao público
alvo da coleção.
Ambas as instituições contam com profissionais de diversas áreas para
acompanhamento das crianças sendo eles psicólogos, pedagogos em Braille,
pedagogos que trabalham com a estimulação sensorial e visual, fisioterapeutas,
oftalmologistas entre outros mais. A ACEVAP de Blumenau além de atendimento a
deficientes visuais, conta ainda com a prestação de serviços a deficientes físicos. Já
a ADVIR em Itajaí, possui atendimento apenas a deficientes visuais, foco deste
trabalho, e tem como diferencial a disciplina de informática. Que acontece graças a
um software brasileiro criado especialmente para pessoas cegas ou com baixa
visão, chamado Dos Vox.
As crianças entrevistadas responderam a entrevistas semi-estruturadas para
fins de conhecimento. Elas estudam em colégios públicos em sua maioria, ouvem
músicas com freqüência e o estilo preferido é o pop, gostam de ler, de estar em
contato com a natureza e com animais, se interessam por outras línguas e já estão
aprendendo o inglês na escola, praticam esportes e entre os preferidos, destaca-se
o vôlei. E uma das coisas que elas mais gostam de fazer é usar o computador e
acessar a internet no seu tempo livre.
Dentro da área da moda, demonstraram ter bastante interesse. Apesar das
entrevistadas confirmarem que as suas mães normalmente compram as suas
roupas, tem preferências bem marcantes na hora de se vestir e estão sempre
perguntando a crianças da mesma idade sobre as novidades das estações.
Preferem peças mais amplas, gostam de usar acessórios mesmo para o dia-a-dia,
os calçados que preferem são os abertos, gostam de estampas nas peças que usam
e se preocupam em casar as cores de calçados ou acessórios com os tops e calças.
Quanto aos aviamentos, as entrevistadas alegaram que tem menos afinidade com
peças com botões ou zíper, mas que usam mesmo assim em calças jeans, por
exemplo. E a estação que elas preferem se vestir é o verão por preferirem saias e
shorts às calças.
As entrevistadas apoiaram a utilização do Braille nas peças e disseram que
seria interessante a criação de um produto especialmente para elas. E ao tocarem
amostras de estampas com relevo, as crianças alegaram que mais agradaram foram
o puff, o gel e o flocado.
Na figura 09, seguem os seis looks escolhidos para o desenvolvimento desta
coleção com as nove peças desenvolvidas para a coleção de verão 2010 “Moda
para Sentir”.
Figura 09 Croquis confeccionados da coleção Fonte: elaborado pela autora
Os seis looks participaram da produção de fotos que resultou no catálogo e
no making off, para divulgação da coleção. A figura 10 baixo, é uma das dez fotos
selecionadas para este catálogo.
Figura 10 Foto catálogo coleção Fonte: acervo pessoal
As fotos do catálogo transmitem este bem estar das crianças nas atividades
do dia-a-dia, por ter como segmento o casual.
Diante disso, é necessário ressaltar que o desenvolvimento desta coleção
ocorreu devido a pesquisa bibliográfica aprofundada e principalmente da coleta de
dados proveniente da pesquisa de campo. Desta forma, o desenvolvimento da
coleção “Moda para Sentir” Verão 2010 se fez fiel ao gosto do seu público alvo e foi
possível criar moda através da estética tátil.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho não seria possível não fossem as instituições e seus respectivos
profissionais permitirem que eu pudesse estar em contato com o público escolhido
para o desenvolvimento da coleção “Moda para sentir”.
Afinal se tratava de algo novo e desconhecido não apenas no mercado da
moda, mas fugia do conhecimento pessoal também. Saber mais sobre deficientes
visuais, sobre o método Braille e sobre o universo infantil, permitir que o objetivo
principal desta coleção pudesse ser alcançado de modo que não faltasse bom gosto
e que a estética fosse realmente explorada através do tato, por vezes pareceu um
desafio muito maior do que poderia ser esperado. No entanto, a cada etapa da
coleção o desafio se tornava mais estimulante e mais próximo de ser finalizado.
A aceitação e o interesse do público alvo na realização desta coleção
apenas confirmaram ainda mais a idéia inicial e proporcionaram que as
necessidades surgidas ao decorrer de entrevistas e experimentações pudessem ser
solucionadas de uma maneira mais eficaz. O tema escolhido, Turma da Mônica e a
personagem Dorinha, que também é deficiente visual, proporcionou uma ligação
direta das tendências vintage e das preferências destas crianças. Além de
proporcionar que a cartela de cores mais viva utilizada nesta coleção pudesse atingir
as crianças com baixa visão também.
As estratégias de marketing utilizadas focam não apenas no público, mas
tem como interesse principal incluir o mundo dos deficientes visuais no dia-a-dia de
crianças e de adultos videntes também.
As modelagens mais amplas, a ausência de aviamentos nas peças criadas,
a etiqueta em Braille, a preocupação no conforto e na mobilidade do público por
meio de tecidos em malha com elastano, as aplicações e estampas em alto relevo e
em Braille, além da utilização de patchworks como forma de reaproveitamento de
materiais também surtiram o efeito desejado. E deixaram a coleção “Moda para
sentir” com um ar inovador, sem perder o foco no público alvo.
Desta forma é possível constatar que a realização da coleção de vestuário
casual infantil com foco no público feminino de 8 a 12 anos portador de deficiência
visual foi um sucesso e que todo esforço feito para que esta coleção deixasse de ser
um sonho e se tornasse realidade, valeu a pena.
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