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Gilvan Leite de Araujo; Matthias Grenzer (orgs.)
Os
Direitos Humanos
luz da
Doutrina Social da Igreja
Coleo Interseo
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
IV SIMPSIO INTERNACIONAL do PEPG em TEOLOGIA da PUCSP
XLIII CONGRESSO BRASILEIRO de TEOLOGIA MORAL
So Paulo, 19 a 21 de setembro de 2018
Os Direitos Humanos luz da Doutrina Social da Igreja
ANAIS
Organizadores:
Gilvan Leite de Araujo
Matthias Grenzer
UNISAL / PUCSP
So Paulo
2018
Organizadores:
Prof. Dr. Gilvan Leite de Araujo (PUCSP)
Prof. Dr. Matthias Grenzer (PUCSP)
Colaboradores(as):
Andr Anas (Mestrando no PEPG em Teologia da PUCSP)
Anderson Frezzato (Mestrando no PEPG em Teologia da PUCSP)
Fabiola Weber (Mestranda no PEPG em Teologia da PUCSP)
Jos Roberto do Nascimento (Mestrando no PEPG em Teologia da PUCSP)
Luciano Jos Dias (Mestrando no PEPG em Teologia da PUCSP)
Pamela Karina dos Santos (Mestranda no PEPG em Teologia da PUCSP)
Petterson Brey (Mestrando no PEPG em Teologia da PUCSP)
Renato Marinoni dos Santos (Mestrando no PEPG em Teologia da PUCSP)
Local do evento: UNISAL (Campus Sta. Teresinha), 19 a 21 de setembro de 2018
So Paulo, Brasil
Os textos publicados so de responsabilidade de cada autor.
Projeto Grfico, Capa e Diagramao:
PEPG em Teologia da PUCSP
Coleo Interseo (v. 1)
ISBN: 978-85-60453-46-7
Diante da globalizao da indiferena, a alternativa humana.
(Papa Francisco)
Sumrio
Apresentao ------------------------------------------------------------------------------------- 7
Eixo Temtico: Aspectos Jurdicos e Direitos Humanos
LIBERDADE RELIGIOSA: LIGAO ENTRE O ARTIGO 18 DA DECLARAO
UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E O DECRETO DIGNTATIS
HUMANAE
Huanderson Silva Leite -------------------------------------------------------------------------- 9
A RELIGIO COMO BEM HUMANO BSICO: UMA ANLISE DO PAPEL DA
IGREJA NA PROTEO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS MINORIAS
Marcela Bittencurt Brey ------------------------------------------------------------------------ 15
A INFLUNCIA DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA NA CONSTRUO DOS
DIREITOS TRABALHISTAS E O PRINCPIO DA VEDAO AO RETROCESSO
SOCIAL: UMA ANLISE HISTRICA, PRINCIPIOLGICA E CRTICA DO
DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
Mariana Camargo Cas ------------------------------------------------------------------------ 22
Eixo Temtico: Direitos Humanos e desafios pastorais
IGREJA EM SADA: UM CONTRIBUTO AOS DIREITOS HUMANOS LUZ DE
JOS COMBLIN
Anderson Frezzato ------------------------------------------------------------------------------- 30
DIREITOS HUMANOS: LINGUAGEM COMUM ENTRE IGREJA E SOCIEDADE
PS-MODERNA
Edevaldo Rocha ---------------------------------------------------------------------------------- 38
ACONSELHAMENTO PR-NUPCIAL: UMA PROPOSTA PASTORAL SOBRE O
PONTO DE VISTA DA TICA (CRIST) COM BASE NOS DIREITOS HUMANOS
Samuel Sanches ---------------------------------------------------------------------------------- 46
Eixo Temtico: Direitos Humanos, Filosofia, Literatura e Culturas
PESSOA HUMANA NA DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS E LUZ DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
Adriana Barbosa Guimares / Luciana Soares Bandeira --------------------------------- 54
CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DILOGO ENTRE
ESPIRITUALIDADE, PRXIS E POESIA
Andr Anas -------------------------------------------------------------------------------------- 61
Eixo Temtico: Direitos Humanos, minorias e superao da violncia
APARECIDA, CORRUPO E O DIREITO DOS POBRES
Anderson Adevaldo dos Santos ---------------------------------------------------------------- 69
DIGNIDADE HUMANA E OS DESAFIOS ATUAIS DA CATEQUESE JUNTO
PESSOA COM DEFICINCIA MENTAL
Ismnio Dias Libarino Jnior ------------------------------------------------------------------ 76
VATICANO II, EDUCAO INTEGRAL E A SUPERAO DA VIOLNCIA
Marcel Alves Martins --------------------------------------------------------------------------- 83
CHAMADOS E INTERPELADOS JUSTIA E AO AMOR: UMA TEOLOGIA DA
VOCAO E SUAS IMPLICAES TICAS
Messias de Moraes Ferreira ------------------------------------------------------------------- 91
Eixo Temtico: Direitos Humanos, Sagradas Escrituras e Magistrio
QUE O DIREITO CORRA COMO A GUA E A JUSTIA COMO UM RIO
CAUDALOSO (Am 5,24)
Chaybom Anttone Rufino --------------------------------------------------------------------- 100
PORVERTURA, SOU EU UM JUDEU? (Jo 18,35b): RESQUCIO DE UMA
DISTINO DISCRIMINATRIA DE PILATOS
Francisca Antonia de Farias Grenzer ------------------------------------------------------ 107
OS DIREITOS HUMANOS RESIDNCIA EM QUALQUER PAS E
PROTEO DA FAMLIA POR PARTE DA SOCIEDADE E DO ESTADO EM
DILOGO COM A NARRATIVA EXODAL (Ex 18,1-7)
Francisca Cirlena Suzuki --------------------------------------------------------------------- 113
DEFICINCIAS FSICAS: UMA VISO RELIGIOSA CRIST DA INCLUSO
Jos Eduardo Rodrigues / Ney Souza ------------------------------------------------------- 120
DIANTE DA GLOBALIZAO DA INDIFERENA, OS CES FIZERAM A
DIFERENA: UMA ABORDAGEM PRAGMTICO-LINGUSTICA DE Lc 16,19-
25
Jos Roberto do Nascimento ----------------------------------------------------------------- 127
ISAAS 58 E A JUSTIA SOCIAL: UMA BREVE LEITURA
Julio Cesar Ribeiro ---------------------------------------------------------------------------- 134
DIREITOS HUMANOS LUZ DE Ex 3,7-9
Luciano Jos Dias ----------------------------------------------------------------------------- 139
OS DIREITOS HUMANOS NA MISSO DE UMA IGREJA EM DILOGO
Lucy Terezinha Mariotti ---------------------------------------------------------------------- 145
O DIREITO HUMANO ALIMENTAO EM DILOGO COM O EVANGELHO
Matthias Grenzer / Patrick Shija / Robert Damanza -------------------------------------- 152
COLOCAREIS VESTIMENTAS SOBRE VOSSOS FILHOS E VOSSAS FILHAS!
(Ex 3,22b): O DIREITO HUMANO AO VESTURIO EM DILOGO COM A
NARRATIVA EXODAL
Patricia Carneiro de Paula ------------------------------------------------------------------- 159
DIREITOS E DEVERES DE UM REINO DE SACERDOTES EM FACE AO
DIREITO HUMANO BSICO ISNTRUO: ABSTRAES DO DISCURSO DO
SENHOR NO MONTE SINAI (Ex 19,3-7)
Petterson Brey ---------------------------------------------------------------------------------- 166
CALIBRANDO OS DIREITOS HUMANOS NO MAGISTRIO DA IGREJA
Renato Arnellas Coelho ----------------------------------------------------------------------- 174
Eixo Temtico: Moral, tica e Direitos Humanos
DIREITOS HUMANOS E LIBERDADE RELIGIOSA LUZ DA DECLARAO
DIGNITATIS HUMANAE
Alex de Sousa ----------------------------------------------------------------------------------- 182
A PRTICA PASTORAL COMO PROMOTORA DOS DIREITOS HUMANOS: A
PRXIS DO EVANGELHO QUE PERPASSA PELO DIREITO VIDA
Pamela Santos ---------------------------------------------------------------------------------- 189
JESUS: UM REFUGIADO?
Renato Marinoni ------------------------------------------------------------------------------- 195
DOAO DE SI COMO CATEGORIA ENTERPRETATIVA DA EXPERINCIA
MORAL
Solange Aparecida Novaes ------------------------------------------------------------------- 201
7
Apresentao
De 19 a 21 de setembro de 2018, em So Paulo, no Campus Sta. Teresinha, o
Centro Universitrio Salesiano de So Paulo (UNISAL) e a Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo (PUC-SP) realizaram o III Congresso Internacional de Doutrina
Social da Igreja, com o tema Os Direitos Humanos luz da Doutrina Social da Igreja e
sob o lema: Diante da globalizao da indiferena, a alternativa humana (Papa
Francisco). Dada a importncia do tema, uniram-se a este Congresso o IV Simpsio Internacional do Programa de Estudos Ps-Graduados em Teologia da PUC-SP e o
XLIII Congresso Brasileiro de Teologia Moral.
O presente e-book rene os Textos Integrais de vinte e oito Comunicaes
Cientficas apresentadas no Congresso. Todas as pesquisas se dedicam ao dilogo entre a
Teologia e os Direitos Humanos, com especial ateno Doutrina Social da Igreja
Catlica. Os Eixos Temticos foram organizados da seguinte forma:
Aspectos Jurdicos e Direitos Humanos;
Direitos Humanos e desafios pastorais;
Direitos Humanos, Filosofia, Literatura e Culturas;
Direitos Humanos, minorias e superao da violncia;
Direitos Humanos, Sagradas Escrituras e Magistrio;
Moral, tica e Direitos Humanos.
O livro inicia a Coleo Interseo. Cultiva-se, pois, a esperana de que a f
crist, estudada criticamente na Teologia, possa entrar, sempre de novo, num dilogo
proveitoso com os demais saberes, a fim de favorecer as pessoas e as sociedades na busca
de sobrevivncias mais dignas e felizes.
Desejamos uma leitura agradvel!
Os organizadores e os(as) colaboradores(as)
8
Aspectos Jurdicos
e
Direitos Humanos
9
Liberdade religiosa: ligao entre o Artigo 18 da Declarao Universal dos Direitos
Humanos e o Decreto Dignitatis Humanae
Eixo temtico: Aspectos Jurdicos e direitos humanos
Huanderson Silva Leite1
Introduo
Lacoste (LACOSTE, 2004, p. 1030), em seu Dicionrio Crtico de Teologia, ao
discorrer sobre o verbete da liberdade religiosa afirma que: A liberdade religiosa um
aspecto da poltica e deve ser distinguida da ideia de liberdade que se encontra no NT. Tal
como as outras liberdades ela compreende os direitos e as prerrogativas do cidado numa
comunidade poltica organizada e a garantia que o Estado respeitar esses direitos.
Segundo Teixeira (TEIXEIRA, 2013, p. 151), a partir do Decreto Dignitatis
Humanae, a dignidade humana vem reconhecida como precpuo fundamental da liberdade
religiosa. Em lugar de uma liberdade em benefcio da instituio, tpica do sculo XIX,
ocorre agora uma reinvindicao em benefcio do sujeito individual, do direito das
pessoas. Com a declarao sobre a liberdade religiosa, o Vaticano II afasta-se dos
antemas de Pio IX e abre um caminho novo na abordagem da dignidade humana,
constituindo tambm base essencial para um olhar mais compreensivo e positivo sobre as
outras tradies religiosas. a partir de ento que a Igreja Catlica inaugura oficialmente
um discurso de acolhida dos direitos humanos.
Tudo isto aparece ainda mais claramente quando se considera que a
suprema norma da vida humana a prpria lei divina, objetiva e
universal, com a qual Deus, no desgnio da sua sabedoria e amor, ordena,
dirige e governa o universo inteiro e os caminhos da comunidade
humana. Desta sua lei, Deus torna o homem participante, de modo que
este, segundo a suave disposio da divina providncia, possa conhecer
cada vez mais a verdade imutvel (3). Por isso, cada um tem o dever e
consequentemente o direito de procurar a verdade em matria religiosa,
de modo a formar, prudentemente, usando de meios apropriados, juzos
de conscincia retos e verdadeiros. (Dignitatis Humanae 3)
1 Graduado em Teologia pela Faculdade de So Bento So Paulo e Mestrando em Teologia pelo Programa
de Estudos Ps-Graduados em Teologia da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
10
O Papa Joo XXIII (JOO XXIII, 1963, p. 70) reconhece na Declarao Universal
dos Direitos Humanos um ato de altssima relevncia, uma vez que o prembulo desta
declarao proclama como ideal a ser demandado por todos os povos e por todas as
Naes, o efetivo reconhecimento e salvaguarda daqueles direitos e das respectivas
liberdades.
A Declarao Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi aprovada em 1948 na
Assembleia Geral da Organizao das Naes Unidas (ONU), como forma de reao
contra as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, quando Hitler
comandou o genocdio de milhes de judeus e outras minorias nos campos de
concentrao. Este no deixa de ser tambm um dos fatores que influencia o Conclio
Vaticano II. O Artigo 18 da declarao universal dos direitos humanos declara que:
Todo o homem tem direito liberdade de pensamento, conscincia e
religio; este direito inclui a liberdade de mudar de religio ou crena e a
liberdade de manifestar essa religio ou crena, pelo ensino, pela prtica,
pelo culto e pela observncia, isolada ou coletivamente, em pblico ou
em particular.
O j mencionado papa Joo XXIII (JOO XXIII, 1963, p. 11), em relao a
liberdade religiosa, afirma: Pertence igualmente aos direitos da pessoa a liberdade de
prestar culto a Deus de acordo com os retos ditames da prpria conscincia, e de professar
a religio, privada e publicamente. Reforando ento essa relao entre a DUDH e o
Decreto Dignitatis Humanae, o presente decreto ainda afirma que: , pois, manifesto que
os homens de hoje desejam poder professar livremente a religio, em particular e em
pblico; mais ainda, a liberdade religiosa declarada direito civil na maior parte das
Constituies, e solenemente reconhecida em documentos internacionais (DH 15).
Contexto catlico pr-conciliar
Para (LIBNIO, 2005, p. 167), at o sculo XIX, a Igreja no defendeu a liberdade
religiosa como um dever inalienvel de cada pessoa, mas continuou firme na doutrina
tradicional de que a liberdade de conscincia era um delrio.
11
O Papa Gregrio XVI, na encclica Mirari, afirma o seguinte: Dessa fonte lodosa
do indiferentismo promana aquela sentena absurda e errnea, digo melhor disparate, que
afirma e defende a liberdade de conscincia (10).
Na mesma encclica ele vai ainda mais longe dizendo:
Devemos tratar tambm neste lugar da liberdade de imprensa, nunca
condenada suficientemente, se por ela se entende o direito de trazer-se
baila toda espcie de escritos, liberdade que por muitos desejada e
promovida. Horroriza-Nos, Venerveis Irmos, o considerar que
doutrinas monstruosas, digo melhor, que um sem-nmero de erros nos
assediam, disseminando-se por todas as partes, em inumerveis livros,
folhetos e artigos que, se insignificantes pela sua extenso, no o so
certamente pela malcia que encerram, e de todos eles provm a
maldio que com profundo pesar vemos espalhar-se por toda a terra.
(Mirari Vos 11)
Pio IX, na Quanta cura, tambm mostra o quo avesso a essa questo era o
magistrio catlico:
E, contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres,
no duvidam em afirmar que "a melhor forma de governo aquela em
que no se reconhea ao poder civil a obrigao de castigar, mediante
determinadas penas, os violadores da religio catlica, seno quando a
paz pblica o exija". E com esta ideia do governo social, absolutamente
falsa, no hesitam em consagrar aquela opinio errnea, em extremo
perniciosa Igreja catlica e sade das almas, chamada por Gregrio
XVI, Nosso Predecessor, de feliz memria., loucura, isto , que "a
liberdade de conscincias e de cultos um direito prprio de cada
homem, que todo Estado bem constitudo deve proclamar e garantir
como lei fundamental, e que os cidados tm direito plena liberdade de
manifestar suas ideias com a mxima publicidade - seja de palavra, seja
por escrito, seja de outro modo qualquer -, sem que autoridade civil nem
eclesistica alguma possam reprimir em nenhuma forma". (Quanta Cura
3)
Segundo Teixeira (TEIXEIRA, 2013, p. 150), a declarao Dignitatis Humanae
contribuiu de forma decisiva para a mudana de atitude dos catlicos com respeito s
outras tradies religiosas, uma vez que em razo da conscincia de sua centralidade, a
Igreja catlica teve sempre muita dificuldade em reconhecer o mundo da alteridade. Com
esta declarao, o Conclio procurou superar a viso tradicional do magistrio eclesistico
que, at Leo XIII, havia condenado as liberdades modernas.
Para Libnio (LIBNIO, 2005, p. 168), o Conclio inverteu a reflexo. No partiu
do abstrato, mas da pessoa concreta, de seus direitos inalienveis a liberdade de
conscincia, expresso pblica de sua f, individual e comunitariamente, desde que no
seja um atentado a valores fundamentais do convvio humano. Rompeu assim com a
12
tradio constantiniana pelos dois lados. De um lado, libertou o Estado da obrigao de
zelar e velar pela religio catlica, j que reconheceu que o Estado no competente em
questo de f, nem se exigiu dele uma profisso de f. De outro lado, a Igreja no
reivindicou para si nenhum privilgio. Orientou a reflexo na linha do fundamento do
direito constitucional inviolvel a liberdade religiosa desde a perspectiva da dignidade da
pessoa humana que se autodetermina na f de maneira livre e no pode crer de maneira
coagida de fora.
Os bastidores da promulgao do Decreto Dignitatis Humanae
Edelcio Otaviani (ALMEIDA, MANZINI e MAANEIRO, 2013), aps visitar os
escritos de Dom Boaventura Kloppenburg, perito na comisso teolgica, relata os
bastidores sobre as discusses relacionadas ao tema da liberdade religiosa no CVII. No
Conclio Vaticano II o tema da liberdade religiosa foi inserido, primeiramente, num rol de
oito propostas enviadas Comisso Central que foram reunidas pela Comisso
Preparatria num primeiro texto denominado De Tolerantia.
Para Mattei (MATTEI, 2013, p. 327-328), esse tema apareceu tambm em dois
pargrafos do esquema preparatrio Constituio Dogmtica sobre a Igreja e versavam
sobre a relao entre a Igreja e o Estado e a tolerncia. O Secretariado para a Unidade dos
Cristos havia preparado um esquema com o ttulo De Libertate religiosa, com 19
pargrafos repartidos por uma introduo e trs captulos, porm, quando os padres
conciliares comearam a discutir o texto da Constituio sobre a Igreja, o tema sob a
liberdade religiosa no mais apareceu no documento. Ele s voltou tona por ocasio da
apresentao do V captulo do esquema sobre o Ecumenismo, na sesso de 19 de
novembro de 1963.
Nesta ocasio, Dom Emilio De Smedt, bispo de Bruges, ao ler a Relao oficial do
Secretariado, para a Unio dos Cristos, apresentou as razes que possibilitaram ao tema
sobre a liberdade religiosa receber o nihil obstat da Comisso Teolgica do Conclio para
ser discutida.
Dom De Smedt apresentou as quatro principais razes que do ao tema da
liberdade religiosa um merecido destaque.
13
1 - A razo de verdade. A Igreja deve ensinar e defender o direito liberdade, porque se
trata de uma verdade cuja guarda lhe foi confiada por Cristo.
2 - Razo de defesa: uma vez que a Igreja no pode permanecer no silncio quando quase
metade da humanidade privada da liberdade religiosa pelo materialismo ateu de diversos
gneros.
3 - Razo de convivncia pacfica: uma vez que, em todas as naes, pessoas que aderem
as religies diversas so chamadas a conviverem entre si e com aqueles que carecem de
religio.
4 - Razo ecumnica: muitos no catlicos nutrem averso Igreja ou pelo menos
incriminam-na de certo maquiavelismo, porque lhes parece que exigimos o livre exerccio
da religio quando em determinada nao catlicos so em menor nmero.
Consideraes finais
Para Comblin (COMBLIN, 1998, p. 15), na histria do ocidente, no segundo
milnio, quase todas as heresias ou cismas procederam de exigncias de liberdade. A
todos a hierarquia respondia com a excomunho e a condenao como heresia. Por isso,
grande parte da tradio de liberdade crist encontra-se nas Igrejas separadas. A questo
da liberdade est no centro do ecumenismo com as Igrejas separadas no Ocidente.
O decreto Dignitatis Humanae alm de um avano, mostra uma converso na
concepo catlica a respeito da liberdade religiosa. fato que o documento procurou
atender e conciliar o desejo de alas conservadoras que no abriam mo da antiga viso
com a viso mais moderna proposta pelos padres conciliares.
Apesar de 58 Estados terem ratificado a Declarao, muitos ainda reprimem o
direito religioso de seus moradores com penalidades duras, como a pena de morte. Em
muitos casos, as pessoas que abandonam a f adotada pelo pas so presas, torturadas e
podem perder tudo o que possuem.
O discurso no pode ser apenas o de tolerncia, mas o de respeito a dignidade da
pessoa humana com seus direitos, bem como deve se haver tambm o respeito entre todas
14
as religies e formas de religiosidade e o consequente fim do discurso proselitista. Temos
ainda muito a avanar neste sentido.
Referncias
GREGRIO XVI. Mirari vos. 1832.
PIO IX. Encclica Quanta Cura. [S.l.]: [s.n.], 1864.
JOO XXIII. Carta Encclica Pacem in Terris. 1963.
DECRETO DIGNATIS HUMANAE SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA. In: ______
Compndio do Vaticano II Constituies Decretos Declaraes. Petrpolis: Vozes,
2000.
ALMEIDA, J. C.; MANZINI, R.; MAANEIRO, M. In: ______ As janelas do Vaticano
II - A Igreja em dilogo com o mundo. Aparecida: Santurio, 2013.
COMBLIN, J. In: ______ Vocao para a liberdade. So Paulo: Paulus, 1998.
DENZINGER, H.; HUNERMANN, P. Compndio dos smbolos: definies e declaraes
de f e moral. Traduo de Jos Marino e Johan Konings. So Paulo: Paulinas, 2007.
LACOSTE, J.-Y. Dicionrio Crtico de Teologia. So Paulo: Loyola, 2004.
LIBNIO, J. B. Conclio Vaticano II Em busca de uma primeira compreenso. So Paulo:
Loyola, 2005.
MATTEI, R. D. O Conclio Vaticano II Uma histria nunca escrita. So Paulo: Ambientes
& Costumes, 2013.
TEIXEIRA, F. Utopias do Vaticano II. So Paulo: Paulinas, Unio Marista do Brasil
(UMBRASIL), 2013.
15
A religio como bem humano bsico: uma anlise do papel da igreja na
proteo dos direitos fundamentais das minorias
Eixo temtico: Aspectos Jurdicos e direitos humanos.
Marcela Bittencourt Brey1
Introduo
Inicialmente, antes de se abordar a religio, qual sua influncia na sociedade e
como ela passou a ser considerada como um direito do indivduo vlido trazer algumas
consideraes, ainda que brevemente, do seu esboo histrico, e sua importncia no
cenrio contemporneo. O presente artigo tratar a religio a partir da tica ocidental e
mais especificamente aps a vida e ministrio de Jesus Cristo. Tendo como ponto de
partida, o fim do sculo III e incio do sculo IV, dado o cenrio poltico da poca e as
implicaes profundas para a igreja e a histria, no que concerne relao entre indivduo,
religio e liberdade religiosa.
As tenses polticas eram o pano de fundo nas relaes entre Igreja e o Estado. Os
eventos ocorridos desde a subida ao trono imperial por Constantino, j eram questionados
por outros imperadores, dado que o Imprio Romano era sucedido por 4 imperadores,
devido as ordens de Diocleciano a partir do ano 285. Assim, em virtude do falecimento de
Constncio, o exrcito elegeu Constantino, seu filho, para suced-lo, sendo este ato
considerado uma afronta ao sistema estabelecido por Diocleciano, dando margem
questionamentos pelos outros imperadores (BRAY, 2017, p. 121-123).
Desta feita, Constantino vivia um perodo turbulento no que diz respeito
legitimidade da titularidade da coroa imperial, e ainda teve que lutar contra Magncio (ano
de 312), filho de Maximiano que reivindicava o trono do pai. Tal fato culminou na
conhecida Batalha da Ponte Mlvia, em Roma. Os relatos trazem tona que Constantino
por ser mais supersticioso que religioso, teve uma viso com o smbolo cristo com as
palavras Sob este smbolo vencers. Assim determinou que o smbolo de Cristo fosse
1Marcela Bittencourt Brey, Advogada, Graduada em Direito pela Universidade So Judas Tadeu-SP, Ps-
Graduada em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura-SP, Ps-Graduada em Direito do Trabalho
pela Faculdade de Direito Damsio de Jesus, Membro das Comisses de Direitos Humanos e da OAB Vai
Escola, Secretria da Comisso de Coaching Jurdico da OAB-SP subseo Ipiranga.
16
estampado nas bandeiras e escudos de guerra, ganhando a batalha contra Magncio.
(OLSON, 2001, p. 143-145).
A partir de ento, pelas mos de Constantino, filho de Constncio, que o imprio
reencontrou a paz e a unidade (PIERRARD, 1982, p. 41-44), e desde o incio do seu
reinado manifestou simpatia em relao ao cristianismo, culminando diretamente no
chamado edito de Milo no ano 313. Este Edito realizado por Constantino e Licnio,
autorizava total liberdade de cultos, bem como a reparao dos prejuzos sofridos pelos
cristos que durante sculos haviam sido perseguidos.
Entretanto, as implicaes polticas do Edito de Milo permaneceram somente at
o reinado de Teodsio (anos 379-395), quando num edito assinado em Tessalnica (ano
380), visando exterminar as dissenses arianas, determinou que o catolicismo ortodoxo se
tornasse a religio oficial de todo o Imprio Romano, ou seja, cessou a liberdade religiosa
proclamada por Constantino e prevaleceu o princpio cuis rgio eius religio. Sob essa
tica, o homem no tinha liberdade de escolher sua religio, sendo, portanto, obrigado a
seguir a religio determinada pelo monarca.
Tendo o cristianismo ortodoxo sido erigido ao status de religio oficial do reino,
iniciou, contudo, a perseguio dos rivais, isto , aqueles que no estavam dispostos a
aderir ao catolicismo. A histria segue o seu curso, e a partir do sculo XI, denota-se
claramente disputas pelo poder, tanto na igreja bem como na sociedade civil. A Europa era
feudal, e nesse regime, era inevitvel a predominncia de um dos suseranos sobre os
outros, o que fomentou ainda mais, a concorrncia de quem seria o Rei. Na Inglaterra,
especialmente no sculo XII, o enfraquecimento do poder do monarca foi sensivelmente
sentido pelo Rei Joo Sem-Terra, o qual, pressionado aps a revolta armada dos bares
feudais, assinou a Magna Carta em 1215, cuja primeira clusula j tratava da liberdade
eclesistica (COMPARATO, 2017, p. 85,86).
nesse contexto poltico da Europa, que nasce So Toms de Aquino (1225-1273)
filho de um aristocrata. Em Paris, conheceu as obras de Aristteles (1245-1248), e por
meio de seu professor, o Telogo Alberto Magno, influenciou no somente a Teologia,
mas a Filosofia no sculo XIII. Toms de Aquino se tornou o maior brao da filosofia
escolstica, procurando criar um sistema de pensamento coerente e abrangente, firmado
numa lgica rigorosa.
Entretanto, a partir do sculo XIII de Toms, at a Era da Razo no sculo XVII, a
sociedade ocidental europeia passava por diversas mudanas no campo da Religio, da
17
teoria poltica, das cincias e na economia. Ressalte-se que a Filosofia buscava
independncia da Teologia, e a Reforma de Lutero (sculo XVI), rompia com as tradies
e dogmas da Igreja Catlica dominante, o que exerceu influncia preponderante no
movimento filosfico europeu. Ganhou ascenso o racionalismo de Ren Descartes, o
empirismo de John Locke e David Hume, transitando para o contratualismo de Jean-
Jacques Rousseau, at o racionalismo e criticismo de Kant (sculo XVIII), de inegvel
mister para a filosofia moderna e contempornea.
Na Reforma Protestante, as guerras tinham conotao religiosa, que resultavam,
no raras vezes, em perseguies a determinados grupos ou minorias. Tal intolerncia
inspirou os escritos de John Locke e de Voltaire, sendo que, especialmente a Carta acerca
da Tolerncia de Locke, contribuiu para o liberalismo e posterior laicidade estatal.
A religio como bem humano bsico por John Finnis
A partir da laicidade estatal, consagrou-se a religio como um direito da pessoa, e,
assim, desde ento, cada indivduo livre para escolher e exerc-la da forma como melhor
lhe convir. Entretanto, mesmo aps tantos sculos de discusso filosfica, guerras e
atrocidades acometidas contra a vida humana, principalmente os horrores da 2 Guerra
Mundial, a humanidade na contemporaneidade ainda testemunha atos intolerantes.
Infelizmente, tem sido cada vez mais frequentes as notcias sobre minorias, que
em virtude de perseguies ideolgicas ou religiosas migram para outros pases em
busca de salvar seu maior bem: a vida. Essa situao de refgio tem sido um dos maiores
entraves e inconvenientes para a comunidade internacional na atualidade, culminando
numa verdadeira tenso entre religio, liberdade religiosa e direitos humanos. Portanto,
saber qual o papel que o sistema de proteo de direitos humanos desempenha nessa
tenso, crucial para efetivar a proteo da vida humana.
justamente nesse aspecto que a proposta de estudo da Teoria da Lei Natural e
Direitos Naturais de John Finnis encontra proeminncia. O autor que possui formao na
teoria analtica do Direito compreendeu que ao longo dos sculos houve uma falsa
impresso acerca do que se considera a Teoria do Direito Natural, muitas vezes
relacionada com a metafsica ou sem eficcia dada a ausncia de coero. Para os
positivistas corrente da filosofia do direito que reduz o direito ao que est posto
somente vlido para o Direito, algo que por este positivado, recebendo o atributo de
coero.
18
John Finnis, entretanto, faz uma releitura do pensamento tomista e da Lei Natural,
partindo da razoabilidade prtica, onde a razo desempenha papel essencial. A noo de
bem humano, pode ser encontrada a partir de indagaes de que toda pessoa pautada na
sua racionalidade capaz de inquirir a si mesmo: quais so os aspectos bsicos de meu
bem-estar? (FINNIS, 2006, p. 91).
Sob a tica da tradio do pensamento aristotlico, So Toms de Aquino,
sustentava a integrao do Direito Natural e a lei positiva como fruto da instituio
humana, pois, no seu entendimento, no havia uma oposio entre elas. Mas, como o
pensamento filosfico europeu buscava independncia da cincia teolgica, a era moderna
cuidou de fazer crticas ao conceito de natureza pautada na racionalidade, e assim, o
Direito Natural foi desprezado, sendo cada vez mais distorcido.
Em virtude das mais variadas e tumultuadas convivncias que a sociedade
contempornea tem experimentado, a anlise da teoria da Lei Natural ganha importncia
diante da violao desse direito humano (intolerncia religiosa) e vai ao encontro com a
filosofia esposada pela Doutrina Social da Igreja e pelos documentos internacionais que
compem o sistema de proteo dos Direitos Humanos.
Note-se, que a referida convivncia tem se tornado cada vez mais rdua. H
diferentes grupos religiosos dividindo o mesmo espao geogrfico, e a religio muitas
vezes tem sido considerada o eixo de conflito, uma vez que cada grupo tem sua concepo
e prtica diferente. Diante disso, como a Igreja pode auxiliar a pessoa oprimida, vtima de
intolerncia religiosa? Ou ainda, como auxiliar o estrangeiro que busca refgio? A Igreja
seria uma coadjuvante junto ao Estado, para assegurar a efetividade das normas internas e
dos documentos internacionais, aos quais o Brasil signatrio?
oportuno salientar, que o objeto de ateno do presente artigo, so os grupos
minoritrios, que em razo da falta de harmonia imposta, talvez pela sociedade
multicultural, e diferentes concepes a respeito da vida, da identidade, ideologias e etc.,
se veem em situao de vulnerabilidade. Atualmente, no cerne desse debate, se faz
necessrio reconhecer a religio como bem humano bsico, posto que assume destaque,
pois a partir da concepo que cada indivduo possui sobre o tema, que podem surgir
19
as dissidncias, e por via de consequncia, nascem os perigos a violao do direito vida,
liberdade e segurana.
Ressalte-se, que tais direitos podem ser compreendidos como universais, bsicos e
essenciais, recebendo a conotao por John Finnis de direitos naturais e nesse sentido
quase tudo neste livro diz respeito a direitos humanos (direitos humanos sendo uma
expresso contempornea que se refere aos direitos naturais: uso esses termos como
sinnimos) (FINNIS, 2006, p. 195).
Consideraes Finais
O atual cenrio reflete uma crise do final do sculo passado e incio deste.
Caminha-se para a transio de mentalidade no ramo da cincia do Direito, que era
estritamente positivista, rumo a uma compreenso mais tica da problemtica jurdica. Os
eventos ps 2 Guerra Mundial (1945) culminaram na necessidade de se consagrar de
modo universal, o respeito pelo ser humano. Portanto, a pessoa humana passa a ser
considerada o ncleo central do pensamento ps-guerra.
Nesse contexto, nasce a Declarao Universal dos Direitos do Homem (1948),
aprovada pela Resoluo n 217(III) da Assembleia Geral das Naes Unidas em 10 de
dezembro de 1948, e, dentro da problemtica abordada no presente estudo, prev em seu
Artigo 18, que o ser humano tem direito a manifestar ou no, bem como, mudar de
religio. Contudo, os movimentos migratrios tm sido responsveis pelas frequentes
notcias de seres humanos que morrem ou se submetem s pssimas condies de vida,
sendo uma das causas, as perseguies religiosas.
No ordenamento jurdico brasileiro vigente, um dos fundamentos do Estado
Democrtico de Direito expresso na Constituio Federal de 1.988, a dignidade da
pessoa humana (art. 1, inciso III) considerada a base dos direitos e garantias fundamentais
do cidado e orientador estatal. Como reflexo, o indivduo tem o direito fundamental e
inviolvel liberdade de crena e ao seu exerccio (art. 5, incisos VI e VIII).
No que concerne igreja, luz do art. 44, IV e seu 1 previsto no Cdigo Civil
Brasileiro, esta conceituada como pessoa jurdica de direito privado, vedado ao Estado
intervir no seu funcionamento. conhecida tambm como entidade de terceiro setor.
Desempenha papel social e fundamental na sociedade onde est inserida. Vive o desafio
20
de recuperar a prevalncia dos direitos humanos como valor paradigmtico e referencial
na tica democrtica, sob as perspectivas de outras questes como gnero, raa e etnia.
Especialmente, no que concerne religio e sua prtica, deve buscar do Estado a
efetividade e garantia do indivduo que sofre violao do pleno exerccio dos direitos
civis, polticos, sociais, econmicos e culturais, assegurados no ordenamento jurdico
vigente e nos documentos internacionais aos quais o Brasil faz parte, como por exemplo,
a Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948 (art.18), o Pacto Internacional
dos Direitos Civis de 1966 (art.27), a Declarao sobre a Eliminao de Todas as Formas
de Intolerncia e Discriminao Fundadas na Religio ou nas Convices de 1981, bem
como, a Declarao de Princpios sobre a Tolerncia aprovada pela Conferncia Geral da
Unesco em 1995.
Conclui-se, portanto, que ao longo do desenvolvimento histrico, diante de
cenrios onde vimos conflitos polticos e sociais, a religio ganhou ascenso exercendo
ora o papel de protagonista ou de antagonista. Na atualidade, a tenso tem sido
apresentada pela convivncia entre grupos plurais numa sociedade cada vez mais
multicultural, fator agravado pela globalizao econmica, aumentando as desigualdades
sociais, deixando marcas de pobreza absoluta e de excluso social.
Tais fatores exigem uma abordagem mais prxima da Igreja, para que seja a
mediadora no dilogo entre os atores envolvidos em caso de violao de direitos humanos.
Da a coerncia da aplicao da teoria da Lei Natural de John Finnis com a Doutrina
Social da Igreja, como instrumento de resgate da prpria noo de respeito da pessoa.
Reconhecer a religio como um bem humano bsico, possa ser agora e no futuro, o nico
elo em comum da humanidade, uma linguagem universal entre todas as sociedades
multiculturais da ps-modernidade.
Referncias Bibliogrficas
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BRAY, Gerald Lewis, Igreja: um relato teolgico e histrico. So Paulo: Shedd
Publicaes, 2017.
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Paulo: Saraiva, 2017.
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21
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Inglaterra. In: A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos- 11. ed. So Paulo:
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_______________________. Os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966. In:
A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos- 11.ed. So Paulo: Saraiva, 2017.
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em sua 28 reunio, Paris, 1995. Disponvel em
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131524porb.pdf Acessado em 09
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Fundadas na Religio ou nas Convices, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em
1981. Res. 36/55. Disponvel em http://www2.camara.leg.br/atividade-
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dos direitos humanos. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1247-1258.
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22
A influncia da Doutrina Social da Igreja na construo dos Direitos
Trabalhistas e o princpio da vedao ao retrocesso social: uma Anlise
Histrica, Principiolgica e Crtica do Direito do Trabalho no Brasil
Eixo Temtico: Aspectos Jurdicos e Direitos Humanos.
Mariana Camargo Cas1
Introduo
Aos 15 de maio de 1891, ms dedicado pelos catlicos a Nossa Senhora, nascia
por obra do Papa Leo XIII um novo tempo na Igreja e no mundo. Rerum Novarum
(das coisas novas) a encclica que inaugura o que vem a ser a Doutrina Social da
Igreja, fruto de inmeras reflexes acerca da questo social. E como uma me que
aconselha seus filhos a seguirem determinado caminho que eles obstam em seguir, o
Magistrio da Igreja critica tanto o capitalismo, quanto o incipiente socialismo, no
obstante opta pelo capitalismo invocando o direito natural propriedade, sob o
argumento de que o homem anterior ao Estado. Hoje, mais de 127 anos aps a
promulgao da Rerum Novarum, ainda se discute a questo social, sendo que ano aps
ano o cenrio econmico-social modifica-se.
Nesse sentido, a sociedade brasileira vive em um contexto de crise moral, social,
poltica e econmica, considerando-se que autoridades polticas discutem questes
diversas, dentre elas a questo do desemprego e a problemtica da previdncia social.
Diante de tal cenrio, j ocorreu o que chamamos de reforma trabalhista com o advento
da Lei 13.467/2017. Por isso, o presente trabalho visa estudar o cenrio de crise da
poca da Revoluo Industrial, comparando-o com o cenrio brasileiro de crise
econmico-social sob a luz da Doutrina Social da Igreja, tendo como bssola a Rerum
Novarum, promulgada pelo Papa Leo XIII em 1891, o que influenciou sobremaneira
na criao das legislaes posteriores, bem como teve influncia no prprio mbito do
Direito Internacional. E mesmo tendo sido um documento direcionado queles apelos
sociais, notadamente em ateno a um chamado governamental, referido documento
tem carter universal e principiolgico, o que o atualiza a cada dia e o torna bem
1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitrio Salesiano de So Paulo U.E. DE LORENA.
23
prximo da realidade brasileira ps reforma trabalhista.
Deste modo, observar-se- aquilo que foi proferido pelos Pontfices desde a
Rerum Novarum at dos dias atuais a fim de elucidar aquilo que pode ser a soluo para
um conflito denominado luta de classes, sendo a proposta do Papa Leo XIII contrria a
esta trazida pelo marxismo, no sentido de unir as classes at que haja uma amizade
fraterna e verdadeira colaborao. Afinal de contas, nas palavras do Pontfice, no h
capital sem trabalho, nem trabalho sem capital.
Desenvolvimento
Quando se trata do vocbulo trabalho, devem ser consideradas inmeras variveis
que mudam o cenrio por completo. Assim, podemos analisar o trabalho do ponto de
vista do cristianismo como uma misso dada por Deus que dignifica o homem
(PONTIFCIO CONSELHO JUSTIA E PAZ, 2011, p. 160), na viso histrica da
escravido ou da servido, em que a relao jurdica existente entre o sujeito que labora
e o seu patro era de sujeio, entretanto o objeto do presente estudo o trabalho
assalariado, sendo que a relao jurdica que se estabelece entre patro e operrio a de
subordinao (DELGADO, 2015, p. 90).
Imperioso observar que o contexto histrico ao qual est inserido este estudo o
ps Revoluo Industrial, cenrio que contemplava o pice dos direitos de 1 dimenso
na viso de Norberto Bobbio e da doutrina jurdica moderna. Nesse sentido, imperava o
pacta sunt servanda nas relaes de trabalho, o que significa dizer que patro e operrio
negociavam livremente as condies laborais (BARROS, 2012, p. 54). Este princpio
revelava um claro desequilbrio nas relaes, em que uma parte era a dona do capital e
dos meios de produo e a outra mero oferecedor da sua fora de trabalho.
Naturalmente, as consequncias comearam a aparecer e aqueles que conheciam a
pobreza, passaram a contemplar a misria (COMPARATO, 2013, p. 65).
Dento deste cenrio, surgem discusses em diversos setores acerca daquilo que
mais tarde seria denominado questo social. Assim, a Rerum Novarum o documento
oficial que consubstancia o posicionamento da Igreja Catlica diante disso. Esta
encclica inaugura o que vem a ser a Doutrina Social da Igreja (DSI), um conjunto de
documentos que contempla o pensamento da Igreja sobre questes que envolvem a
24
dignidade da pessoa humana e questes a ela correlatas (PONTIFCIO CONSELHO
JUSTIA E PAZ, 2011, p. 162).
O cenrio de crise econmica, poltica e social que assolava o mundo precisava
ser discutido e, pode-se dizer, foi cedendo espao para o que atualmente se denomina
Direito Internacional do Trabalho. Nesta senda, a maioria da doutrina brasileira apoia-se
na teoria de Granizo e Rotvoss de que esta cincia jurdica passou por uma evoluo
histrica que foi dividida em quatro fases, quais sejam formao (1802 1848) com o
Peels Act, na Inglaterra; intensificao (1848 1890) com o advento do Manifesto
Comunista de Karl Marx e da Revoluo de 1848 ocorrida na Frana; consolidao
(1890 1919) na ocasio da Conferncia de Berlim e da Rerum Novarum; autonomia
(1919 final do sc. XX) que tem como marco a criao da Organizao Internacional
do Trabalho (OIT) e da Constituio Mexicana e de Weimar (DELGADO, 2015, p. 99).
Diante disso, observa-se que o objeto do nosso estudo est localizado exatamente
na terceira fase da evoluo histrica do Direito Internacional do Trabalho, sendo que
na ocasio da Conferncia de Berlim, o Papa Leo XIII foi convocado a se posicionar
em nome da Igreja e o fez por meio da promulgao da Rerum Novarum (SSSEKIND,
2000, p. 91).
No que tange ao cenrio brasileiro, encontramos a influncia da Rerum Novarum
na criao da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), considerando-se que foi
dividida em quatro procedimentos distintos, sejam eles a sistematizao das normas de
proteo individual do trabalho, inspiradas nas convenes da OIT e na Rerum
Novarum; a compilao da legislao da vspera, inspirada em normas
constitucionais vigentes; a atualizao e complementao de disposies superadas ou
incompletas; e a elaborao de novas normas (BIAVASCHI, 2007, P. 118 apud
GUNTHER, 2011, p. 26).
Curiosamente, houve influncia tanto no mbito internacional, quanto no interno,
o que pode ser atribudo ao carter principiolgico (ou universal) da DSI que contempla
o denominado direito natural propriedade privada que complementado pela funo
social da propriedade (RERUM NOVARUM, 1891). Nesse sentido, depreende-se dos
documentos papais que havia uma bipolarizao mundial entre o liberalismo econmico
e o socialismo de Marx, e a Igreja Catlica por meio da DSI optou claramente pelo
liberalismo econmico, entretanto com inmeras ressalvas. A opo por este modelo d-
25
se pela premissa de que o homem anterior ao estado e, assim, tem o direito natural a
propriedade privada, todavia deixou aos economicamente favorecidos a incumbncia de
dar assistncia aos pobres por fora do princpio da solidariedade (CENTESIMUS
ANNUS, 2002). Cumpre-nos demonstrar que a DSI no se limitou aos problemas que
ensejaram a promulgao de cada encclica, mas traz em seu bojo princpios universais
e atemporais.
Atualmente, o cenrio brasileiro est bem prximo daquilo que fora exposto,
sendo notria a crise econmica, poltica e social que assola o pas. Aps o
impeachment da presidente Dilma Rousseff, quando do governo do presidente Michel
Temer, foi concludo que o melhor para solucionar a crise seria uma Reforma
Trabalhista, o que se concretizou por meio da Lei 13.347/2017. Esta lei alterou
significativamente mais de cem artigos da CLT, tanto na esfera do direito material,
quando processual.
Nesse diapaso, foram acaloradamente discutidas as alteraes e a expresso que
chamava a ateno da mdia era o incipiente retrocesso social, sendo este uma situao
em que direitos conquistados ao longo da histria so perdidos, aniquilados ou
relativizados. Cumpre-nos fazer uma digresso para informar que os direitos trabalhistas
localizam-se na 2 dimenso dos direitos humanos fundamentais, momento posterior
conquista das liberdades individuais e da no interferncia estatal. In casu, observa-se o
movimento de interferncia estatal a fim de equilibrar as relaes de trabalho. E, por
lgica, se os direitos trabalhistas so internacionalmente considerados direitos humanos
fundamentais, so pelos princpios deste regidos. Deste modo, o princpio da Vedao
ao Retrocesso Social rege os direitos humanos fundamentais e enuncia que direitos
trabalhistas j adquiridos, bem com os seus princpios norteadores vinculam o poder
legislativo e no podem retroceder (REIS, 2010, p. 111).
Resta evidente que um dos principais pontos discutidos sobre a Lei 13.347/2017,
foi o chamado Princpio do Negociado sobre o Legislado previsto no art. 611-A da CLT
(BRASIL, 1943) que remete ao anteriormente exposto pacta sunt servanda, o mesmo
princpio que culminou nas pssimas condies de trabalho, pauperizao do
proletariado e na necessidade da interveno do Estado das relaes laborais.
Consideraes Finais
26
Finalmente, compreende-se que o quadro do ps Revoluo Industrial e o atual
so semelhantes e, naturalmente, interessante pensar que solues encontradas para as
crises anteriores podem ser adotadas para atenuar o que se vive hodiernamente. De
plano, esclarecemos que no Brasil o poder judicirio tem liberdade para interpretar as
normas e no fica adstrito quilo que entender inconstitucional ou claramente uma
afronta s normas internacionais (BRASIL, 1942), por fora do princpio do livre
convencimento motivado (BRASIL, 1988), bem como so livres os acadmicos e
doutrinadores do direito para opinar sobre as mudanas concernentes ao Direito do
Trabalho.
Ademais, a proposta da DSI para solucionar os conflitos provenientes da luta de
classes atual e eficaz. A ideia central da Rerum Novarum a de que no h capital
sem trabalho, nem trabalho sem capital (RERUM NOVARUM, 1891), assim uma classe
deve estar harmonicamente ligada a outra. O patro respeitando a dignidade humana de
seus empregados, seu direito a salrio e condies dignas de trabalho, entendendo que o
trabalho no uma mercadoria; o empregado, por outro lado, no causando danos ao
seu patro e cumprindo fielmente as obrigaes contratuais.
Assim, temos a DSI em consonncia com o Direito, mirando um mesmo ponto
de vista principiolgico, buscando a verdade sobre a questo social desde a primeira
Revoluo Industrial. A proposta de So Joo Paulo II vai justamente ao encontro dos
anseios dos acadmicos, juristas e doutrinadores, do Direito do Trabalho: buscar a
verdade, estudando. Deste modo, podemos com convico unir a Igreja ao Direito,
afinal de contas a f e a razo so consideradas duas asas pelas quais o esprito humano
se eleva para a contemplao da verdade, nas palavras do mesmo papa (FIDES ET
RATIO, 1998).
Alm disso, pode-se de longe notar que h diversas outras temticas a serem
abordadas a partir da presente pesquisa, como, por exemplo, o trabalho do menor e da
mulher, diante dos inmeros conflitos estudados pela cincia jurdica e pela mater
Igreja, o que demonstra a vasta contribuio da pioneira Rerum Novarum para o
incipiente e atual Direito do Trabalho.
Referncias Bibliogrficas
27
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SSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3 ed. So Paulo: LTr,
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http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_re
29
Direitos Humanos
e
desafios pastorais
30
Igreja em sada: um contributo aos Direitos Humanos luz de Jos Comblin
Eixo temtico: Direitos Humanos e desafios pastorais
Anderson Frezzato1
Introduo
No so poucas as vezes que encontramos, quer escrito nos Documentos do
Magistrio da Igreja, quer em pronunciamentos, sobretudo do Papa Francisco, o apelo a
uma Igreja em sada. Isso significa que cada vez mais a Igreja toma conscincia do seu
papel no mundo e da sua participao nas realidades que envolvem os povos, sobretudo
aqueles com grandes sofrimentos. So tantas as atividades pastorais em que a Igreja pode
empenhar-se no encontro com o outro que explorado, passa fome, e refugiado. Nesse
sentido, o Papa Pio XII, no dia 21 de abril de 1957, na Carta Encclica Fidei Donum,
lanava o convite para a Igreja se fazer mais atuante nas realidades de sofrimento dos
povos africanos e latinos americanos. O apelo do Papa Pio XII no s mostra um interesse
da Igreja em seu crescimento e expanso, mas na atuao da Igreja como presena de
Jesus que cuida e trata dos feridos da histria. Assim diz o Pontfice, consciente do modo
como vivem os povos latino-americanos to solapados nos seus direitos humanos, que
era preciso de voltar para as imensas plagas da Amrica do Sul, esmagadas por muitas
dificuldades que j sabemos (FD n 3). Justamente como grmen, encontramos, aqui, o
sentido de uma Igreja que se abre e se preocupa com os direitos humanos dos latino-
americanos.
Certamente inspirados pelos apelos da Igreja, ainda antes da publicao da Fidei
Donum, os bispos belgas fundaram o COPAL - Colgio Pr-Amrica Latina. Esse Colgio
se constitua de uma instncia de preparao dos futuros missionrios para Amrica Latina
e enviava missionrios acompanhando-os humanamente, economicamente e
pastoralmente, nos lugares por onde prestavam os mais diversos trabalhos pastorais. Os
sacerdotes eram convidados a assumir a ndole missionria respondendo aos apelos papais
ou atendendo a uma vocao pessoal, como foi o caso do Pe. Jos Comblin. Aps o
trmino do doutorado, em Lovaina, manifestou reiteradamente sua vontade de partir em
misso, tendo escrito duas vezes ao Cardeal van Roey. Finalmente, aps a segunda
1 Mestrando em Teologia pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, do Programa de Estudos de Ps-Graduados em Teologia na Linha de Pesquisa de Sistematizao da F Crist. Membro integrante do
Grupo de Pesquisa Jos Comblin (CNPQ).
31
tentativa, seu pedido foi aceito e o destino de Pe. Jos Comblin foi definido: o Brasil. O
ponto inicial da misso era a Arquidiocese de Campinas e depois outras regies do Brasil,
sobretudo, o Nordeste.
Assim, aps essa exposio, que se configura a proposta de nossa comunicao:
apresentar a importncia de Jos Comblin como missionrio de uma Igreja em sada frente
s realidades de sofrimentos pelas quais passavam os brasileiros em sua poca e que
gritam tambm no tempo de hoje, como a pobreza, falta de liberdade, corrupo, etc. Indo
ao encontro dos pobres e de seus direitos, Pe. Jos Comblin refletiu sobre os desafios
pastorais da Igreja presente no mundo, luz dos direitos humanos, impulsionado pela
atitude preferencial de Jesus diante daqueles que mais sofrem e tm sede de justia.
Uma Igreja em sada se depara inevitavelmente com o direito de todos
A ndole missionria da Igreja, tratada pela Constituio Dogmtica Lumen
Gentium em seu n. 17 e mais amplamente desenvolvida no Decreto Ad Gentes, ambos
documentos do Conclio Vaticano II, encontra na expresso Igreja em sada (Cf. EG n
20), do Papa Francisco, sua indicao mais simples e precisa do desejo da Igreja de ir ao
encontro de todos os povos e em especial dos mais distantes da f catlica e que, luz da
atitude preferencial dos pobres, assume a misso de ir ao encontro tambm daqueles que
sofrem o estigma da pobreza, da segregao racial, esto desempregados, doentes, e
aqueles que de alguma forma se sentem prejudicados no seus direitos humanos.
A Igreja, para ser missionria, precisa de missionrios e missionrias. Dessa forma,
que vamos entender a vida ministerial do Pe. Jos Comblin. Missionrio de uma Igreja
em sada, procurou realizar seu mpeto missionrio levando a presena de Jesus a todas as
pessoas que se encontrava. Esse mpeto missionrio de Jos Comblin nasce, mesmo que
em grmen, das provocaes feitas pelo Papa Pio XII, na sua Carta Encclica Fidei
Domun, quando faz notar a necessidade de toda a Igreja em promover uma atitude
missionria sria na Amrica Latina e na frica. Em suas palavras, Pio XII, exorta os
bispos a enviarem missionrios a estas terras. O missionrio deveria levar e ser a presena
de Cristo e por consequncia da Igreja, perante aqueles que mais sofrem e se esto sendo
lesados dos seus direitos mais fundamentais, como a sade, educao, liberdade e justia.
Assim, afirma o Papa que a Igreja, que defendeu o nascimento e desenvolvimento de
32
tantas naes, no pode deixar de olhar com mxima ateno por aqueles povos to
necessitados (Cf. FD n. 6).
Foi justamente nesse tempo de pontificado de Pio XII que Jos Comblin comea a
analisar a realidade da Igreja e a mudana da sociedade. Em 1950, terminando seu
doutoramento, Comblin quer ofertar para a Igreja todo o conhecimento adquirido em
Louvaina e pede ao Cardeal van Roey, arcebispo de Malinas, a possibilidade de trabalhar
numa Parquia. Foi nomeado vigrio da Parquia Sagrado Corao, em Bruxelas. Nesse
trabalho paroquial, Comblin percebeu a grande distncia que havia entre a religio
tradicional e a sociedade. O mundo fora da sacristia estava evoluindo. Tudo estava em
movimento: a poltica, a economia, a sociedade, os costumes. A proposta da vida crist
estava j distante dos assuntos cotidianos da populao (Cf. MGGLER, 2013, p. 30).
Quando Comblin ouve uma conferncia do Cardeal van Roey que expunha as
assertivas da Fidei Donum, ele comea a questionar-se se no poderia oferecer mais de si
para a Igreja e para o prximo, assumindo uma vocao missionria que pudesse estar em
contato com os sofrimentos das pessoas e ajudar, como trabalhador do Reino, a superar as
condies de mazelas das pessoas. A primeira ideia foi ir para o Congo, mas depois, pela
providncia de Deus e atendendo ao pedido do ento bispo de Campinas, Dom Paulo de
Tarso Campos, Comblin se coloca disposio para vir para o Brasil. Mas antes disso,
frequentar um curso preparatrio para missionrios que os bispos belgas fundaram em
1955, COPAL Colgio Pr-Amrica Latina, em Lovaina. Tal colgio oferecia uma
bsica preparao sobre o idioma, cultura local, alm de acompanhar o missionrio em
suas futuras necessidades (Cf. MGGLER, 2013, p. 47).
O COPAL a concretizao de um projeto dos bispos belgas que queriam, j de
1895, abrir, junto a abadia beneditina de Keizersberg, um seminrio de formao para
futuros padres missionrios para a Amrica Latina. O projeto no prosperou at 1953,
quando a partir dessa data, a ideia retomada e desenvolvida principalmente pelo Cardeal
van Roey, que instala o novo colgio em 1955 num antigo convento neogtico na
Tervuurse Straat, na cidade de Louvaina. O Colgio tambm abriu a possibilidade de
abrigar no s seminaristas belgas, mas tambm os latino-americanos (STOLS, 2014, p.
176)
Segundo o que testemunha o Cardeal van Roey, a primeira pessoa que falou com
ele, na cidade de Roma, em 1952, sobre a situao preocupante da evangelizao na
Amrica Latina, vista a escassez de padres, foi o Cardela Pizzardo, Prefeito da Sagrada
Congregao dos Seminrios e Universidades Catlicas. Naquela ocasio, disse o Cardeal
33
Pizzaro que a Santa S se preocupava com a situao trgica e muito perigosa da Igreja
nos pases da Amrica Latina, em razo, de um lado, pela penria extrema do clero e, de
outro lado, pela forte propaganda protestante (Cf. van ROEY, 1953).
Em resposta a preocupao do Cardeal Pizzardo, van Roey expe aos bispos
belgas, reunidos em Assembleia Anual, na Arquidiocese de Malines, em 27 de julho de
1952, a necessidade da fundao de um colgio ou seminrio para preparar padres para a
Amrica Latina. A primeira opo, como j fora dito acima, foi por fundar um seminrio,
no entanto, se concretizou a formao do colgio. Isso se deu pelo fato de que mesmo na
Blgica tendo um nmero significativo de vocaes sacerdotais, as dioceses e os institutos
religiosos preferiam seus prprios seminrios para a formao do clero. Nesse sentido, o
COPAL nunca teve muita procura como seminrio, mas prevaleceu como um colgio que
oferecia por alguns meses um curso de formao para padres j formados, freiras,
voluntrios. Com a Fidei Donum, os bispos belgas colocaram disposio da Santa S e
da Amrica Latina os padres do colgio. De 1955 a 1983, partiram para o Brasil 115
padres, dos quais 67 belgas. Um deles Pe. Jos Comblin (STOLS, 2014, 176).
Comblin ter a oportunidade de conhecer a realidade da Igreja Brasileira, e o mais
significativo, o modo como vive o povo brasileiro, em especial no Nordeste. Depois de
ficar pouco tempo em Campinas, e um tempo no Chile, Comblin ir para o nordeste
brasileiro e conhecer e admirar pelo resto de sua vida o bispo Dom Helder Cmara. Ser
l, no Nordeste brasileiro, que Comblin se sentir livre para apresentar o Conclio
Vaticano II e ajudar as comunidades crists a passar por uma converso: voltar-se para a
pessoa humana dentro do contexto em que vivia, responder aos anseios de vida e de
liberdade, de crescimento e realizao, de justia e fraternidade (MGGLER, 2013, p.
91)
O labor teolgico de Comblin contribuir para que as prerrogativas dos direitos de
todo ser humano, expressas na Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, seja
incorporado a teologia e que a teologia se tornasse, por teoria e prtica, uma defensora e
promotora dos direitos dos homens e mulheres. Claro, que Comblin tomar a Declarao
dos Direitos Universais dentro da perspectiva latino-americana: que as pessoas tenham
direitos, parece ser uma ideia aceita por todos; que os cidados tenham direitos iguais, j
uma perspectiva no aceita por todos (MIRANDA, 2014, p. 04). Comblin desenvolver,
na sua teologia, esta ideia que todos temos direitos, mas direitos iguais. Ideia to cara para
os povos latinos americanos: a igualdade de direitos.
34
No livro Cristos rumo ao Sculo XXI, Comblin reconhece haver no nascimento da
Declarao do Direitos Universais um contexto que privilegia a classe de poder, ou seja, a
burguesia. Quem tem mais poder financeiro tem condies de conquistar para si e para os
seus, os direitos assegurados. Ento, afirma que as elites invocam os direitos humanos
para lutar contra o Estado que queria cobrar impostos; para exigir a liberdade do mercado
[...]. Em nome dos direitos humanos impem aos pases mais fracos abertura das
fronteiras, mas lutam para fechar as fronteiras do prprio pas (COMBLIN, 1996, p.
289). No entanto, Comblin, no rechaar os ideais dos direitos humanos como fizeram os
telogos latino-americanos Jos Miguel Bonino e Hugo Assmann, por entenderem que, na
Declarao Universal dos Diretos Humanos, estava escondida uma poltica
intervencionista dos Estados Unidos nos pases do terceiro mundo (Cf. SIGMUND, 1990,
p. 52-78). O missionrio belga desenvolver seu pensamento teolgico dentro da
perspectiva libertadora, sem, contudo, desprezar a Declarao (ESTVEZ, 2012, p. 4).
Dessa forma, Comblin v a teologia da libertao como a voz de defesa dos
direitos humanos. Esse o grande contributo de Jos Comblin. Ele no rejeita a
Declarao Universal dos Direitos Humanos, mas a l dentro da perspectiva da teologia da
libertao que defender, a partir do Evangelho, o direito dos povos. Para ele, na Amrica
Latina, em especial no Brasil, s se pode falar em direitos humanos quando existem
instituies poderosas ou profticas reconhecidas que levantem a voz para defend-los
(COMBLIN, 1996, p. 289). Indubitavelmente, uma destas instituies deve ser a Igreja
Catlica.
Para Comblin, especialmente motivado pelo contexto da ao dos regimes
militares na Amrica Latina, afirmava ser necessrio tornar a Declarao dos Direitos
Humanos mais condizente com as realidades com que viviam os povos latinos-
americanos, especialmente o Brasil que, de 1964 a 1985, passou pela ditadura militar (Cf.
ESTVEZ, 2012, p. 4). Ele propunha que a Igreja no Brasil deveria elaborar uma
declarao pblica de apoio aos direitos humanos. Nessa declarao pblica deveria ficar
claro a postura pastoral libertadora da Igreja e sua preocupao com a vida de todos. Era
necessria uma tica de solidariedade, at mais profunda que a tica dos Direitos
Humanos. No pensamento de Comblin, a Igreja precisaria ser essa voz tica que no nega
a Declarao dos Direitos Humanos, mas a atualiza. Diz:
Na Amrica Latina os Direitos Humanos foram invocados como base de
contestao dos regimes militares. No tiveram muita eficcia. At hoje os
Direitos Humanos so invocados nas lutas pelos direitos dos pobres. A
35
sociedade burguesa, porm, tinham o poder econmico e no fizeram nada, j os
pobres no tem poder nenhum para apoiar seus direitos. A burguesia
dificilmente far concesso para os pobres em nome dos Direitos Humanos. Os
direitos dos pobres precisam de uma tica mais profunda do que a tica dos
Direitos Humanos (COMBLIN, 1996, p. 289).
Dentre os telogos John Sobrino, Leonardo Boff, Clodovis Boff e Ignacio
Ellacura, o que mais se destacou pela sua convergncia com os Direitos Humanos foi Jos
Comblin. Por mais que a ideia de direitos humanos, na viso dos telogos acima, se
afinasse com um direito de uma classe econmica privilegiada e incentivadora do
individualismo liberal, Jos Comblin foi alm dos colegas. Ele certamente no contradisse
os citados nesse assunto do trabalho teolgico, mas quis que os direitos humanos fossem
melhor refletidos pela teologia da libertao. Para o nosso telogo, a teologia da libertao
e seu discurso pelo pobre, enriqueceria a promoo dos direitos humanos no Brasil, uma
vez que, o discurso de direitos estaria dirigido a uma prtica libertadora reivindicativa de
justia social para todos (ESTVEZ, 2012, p. 4).
Desse modo, a noo de que a Igreja, no Brasil, no deveria desprezar a
Declarao Universal dos Direitos Humanos, mas usar de seus temas to importantes de
uma tica social de igualdade para todos, acaba influenciando os movimentos sociais com
direo catlica, principalmente aqueles que surgem dentro das Comunidades Eclesiais de
Base. A luta pelos direitos de todos, sobretudo para que tenham vida (Cf. Jo 10,10) no
salvaguardada apenas pelo Evangelho, mas tambm pela Declarao Universal
(ESTVEZ, 2012, p. 5).
Consideraes Finais
Segundo Ottaviani, Jos Comblin tinha um trao muito particular de sua
personalidade. Ele era capaz de ler muito bem os sinais dos tempos, as transformaes
pelas quais a sociedade moderna passava e a importncia de uma reflexo eclesial sria
que respondesse com eficcia aos novos desafios da ao evangelizadora. Foi nessa
perspectiva que Comblin chega ao Brasil: ao invs de reagir contra o grande inimigo da
Igreja, o comunismo, declarado pelo papa Pio XII, ele queria fazer uma experincia nova
de viver o Evangelho com os pobres numa Igreja, como afirma o Papa Francisco, em sada
e promotora da cultura do encontro (Cf. OTTAVIANI, 2015, p.194).
36
Em terras brasileiras, o padre belga encontrou a possibilidade de desenvolver sua
misso e teologia. Falando com Pe. Carl Laga, belga e seu companheiro, Comblin disse
que a Igreja no Brasil pode fazer bem diferente daquilo que fez a Igreja no continente
europeu. Na Europa, a Igreja no se deu conta das transformaes da sociedade e no
refletiu sobre seu modo de agir e ser, permanecendo estagnada Aqui, a Igreja tem,
segundo ele, condies de responder aos novos desafios da evangelizao, assumindo cada
vez mais o Evangelho e fazendo da mensagem de Jesus, uma voz de esperana para os
mais sofredores. (LAGA, 2016, p.179)
Um significativo instrumento para o incio da concretizao da vontade de ser
missionrio na Amrica Latina, foi ento o Colgio pro-Amrica Latina. No entramos em
questo no mrito da formao que ele recebeu neste Colgio, mas afirmamos que o Copal
se tornou naquela poca um importante centro de formao missionria para a Igreja e
pode ser caracterizado, com o olhar de hoje, como uma ao verdadeira e sria atitude da
Igreja de sair de si mesma para encontrar-se com o outro e suas realidades de sofrimento.
Comblin, no desenvolvimento de sua teologia pode afirmar a importncia da
Declarao dos Direitos Humanos para a prpria teologia e para a Igreja. A Igreja, atenta
as dificuldades dos povos, sobretudo no contexto brasileiro, deveria ser uma voz forte de
defesa dos direitos de todos e direitos iguais. Ele sabe que os ideais da Declarao
Universal no podem ser usados por uma classe burguesa, oriunda do poder econmico,
que defende seus prprios interesses, mas deve ser pautada por uma tica social, onde a
defesa coletiva do direito universal prevalea diante de interesses mesquinhos e
segregadores. Oferece, enfim, um contributo implantao da Declarao dos Direitos
Humanos, fazendo que os temas ali presentes sejam tratados nos movimentos sociais e nas
pastorais da Igreja que procuram ir ao encontro do prximo e levam em conta suas
realidades de sofrimento causadas pela injustia social.
Referncias Bibliogrficas
ESTVEZ, Adriana. Por uma conceitualizao sociopoltica dos direitos humanos a
partir da experincia latino-americana. In: Revista on line Lua Nova: cultura e poltica.
[ISSN 0102-6445]. Vol 86, 2012. Disponvel em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
64452012000200008. Acesos em 22 de agosto de 2018.
CONBLIN, Jos. Cristos rumo ao Sculo XXI. Nova caminhada de libertao. So
Paulo: Paulus, 1996.
37
LAGA, Carl. Joseph Comblin (1923-2011). In. Brasil e Blgica. Cinco sculos de
Conexes e Interaes. So Paulo: Editora Narrativa, 2014.
MIRANDA, Maria Manuela dos Santos. A Igreja e Direitos Humanos. In. Revista de
Professores de Filosofia. APF. Disponvel em http://apfilosofia.org/wp-
content/uploads/2017/06Igrejaedirietoshumanos-normalizado.pdf. Acesso em 10 de agosto
de 2018.
MGGLER, Monica Maria. Padre Jos Comblin: uma vida guiada pelo Esprito. So
Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012.
OTTAVIANI, Edelcio. Jos Comblin: um telogo contemporneo e parresiasta. In.
Revistas Estudos de Religio [ISSN 2176-1078]. Vol. 29, n 1. Jan-jun, 2015, pp. 179-
203. Disponvel em: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v29n1p179-203. Acesso em
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PIO XII, Papa. Fidei Donum. Carta Encclica de 21 de Abril 1957. In AAS 49 (1957)
225-248. Disponvel em: https://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/../hf_p-
xii_enc_21041957_fidei-donum.html.
STOLS, Eddy. Presenas belgas no catolicismo do Brasil contemporneo (1945-2010).
In. Brasil e Blgica. Cinco sculos de Conexes e Interaes. So Paulo: Editora
Narrativa, 2014.
38
Direitos humanos: linguagem comum entre igreja e sociedade ps-
moderna
Eixo temtico: Direitos Humanos e desafios pastorais.
Edevaldo Rocha1
Introduo
No caminho da misso evangelizadora da igreja, o compromisso da aplicabilidade
dos Direitos Humanos faz parte da dimenso prtica da Doutrina Social da Igreja que opta
preferencialmente pelos pobres. Este recurso de busca pela dignidade humana tambm
opo concreta e imediata no mbito secular da sociedade contempornea. Estas duas
esferas sociais, igreja e sociedade secular, devem superar seus antagonismos e unir-se
naquilo que tem em comum, ou seja, na busca do bem-estar e realizao humana.
Portanto, a voz pblica da Igreja deve ser capaz de promover o dilogo a partir de uma
linguagem comum em que os dois lados se entendam e participem concretamente no bom
funcionamento de toda a sociedade.
O primeiro passo ir ao encontro daqueles que no meio secular esto dispostos ao
dilogo, devido o objetivo ser o bem comum, e que o desejo de libertao humana
almejado pela sociedade secular para os cristos a materialidade da revelao. Dentro
desta realidade temos uma linguagem consensual, que perpassa tambm pela compreenso
de lei natural sem cair em legalismo religioso imvel, mas apoiado na dinmica
antropolgica como princpio dos direitos da dignidade humana. Estes fundamentos
despontam em nossos tempos como meio de aproximao e superao de divergncias
entre Igreja e sociedade porque se direcionam uma meta nica que a eficaz
concretizao dos Direitos Humanos.
1 Edevaldo Rocha, graduado em Teologia pela PUC-SP, mestrando em Teologia pela mesma faculdade,
membro Grupo de Pesquisa em Literatura, Religio e Teologia LERTE (Lder: prof. Dr. Antonio
Manzatto).
39
1 - O dilogo social, itinerrio no cumprimento dos Direitos Humanos
O entendimento dos Direitos Humanos apenas como normas jurdicas impe
limites a sua base humanstica, desvinculando-o da prtica e reduzindo ao simples
discurso que pode ser direcionado em favor de um sistema alimentado por uma poltica de
mercado que dita uma realidade de explorao, marginalizao e injustia.
No possvel descartar no contexto atual de ps-modernidade, comits,
organizaes no mbito profano, colocando-se como verdadeiros contribuintes na
dedicao da luta pela justia a partir da exigncia do cumprimento e aplicao dos
Direitos Humanos na sua totalidade. A negao dos avanos destas instituies seculares
no que tange a responsabilidade e a aplicabilidade dos Direitos Humanos seria um erro,
devido a estrutura desta sociedade ps-moderna comportar uma realidade plural e
multicultural.
O secularismo presente nestas instituies no deve ser visto apenas como perigo
as tradies religiosas, todavia, visualizar o secularismo de modo genrico sem um
discernimento, produz um discurso ilusrio e incompleto. O caminho a ser seguindo
quanto ao entendimento do secularismo perpassa na distino que pode ser traduzido em
duas verses, sendo a primeira um secularismo que exclui a religiosidade do mbito do
bem-estar da pessoa humana, que devido a experincia histrica anterior a religio vista
como um perigo e por isso deve ser descartada da esfera pblica-poltica. Em
contrapartida a outra verso do secularismo que est pautada na governabilidade
democrtica, que a partir dos princpios igualitrios de liberdade reconhece na autoridade
das religies o direito de acesso igual a toda esfera pblica-social fazendo deste espao o
local de uma convivncia em prol do bem comum (BARRETO, LITLE, p.237).
Tratando-se de instituies no religiosas no empenho da promoo humana, cujo
Direitos Humanos so um mecanismo para a defesa de novas situaes que ameaam a
integridade humana, segundo a Doutrina Social da Igreja Catlica faz parte do esforo
comum da sociedade a prtica do Direitos Humanos porque seria vo proclamar os
direitos, se no fosse evidenciado todos os esforos a fim de que seja devidamente
assegurado o seu respeito por parte de todos, em toda a parte e em relao a quem quer
que seja (DSI n. 153), mas no deve-se fechar os olhos situao conflitiva entre a
sociedade secular e a religio, sendo a primeira em rejeitar que a instncia religiosa exera
o seu servio na vida social e poltica. Libanio apresenta esta situao como um ponto
40
paradoxal, pois de um lado existe o discurso da tolerncia religiosa, um dos pilares da
defesa dos Direitos Humanos, mas que ao mesmo tempo h uma desqualificao da
religio (LIBANIO, 2014, p.144).
Neste contexto conflitivo devido a prpria estrutura da sociedade ps-moderna
conter uma pluralidade o Papa Francisco entende que a soluo um processo de
trabalho lento e rduo que exige querer integrar-se e aprender a faz-lo at se desenvolver
uma cultura do encontro numa harmonia pluriforme (EG 220). Este processo implica
num dilogo com o Estado, com a sociedade e com os crentes de outras denominaes
crists, esta prtica caracterizada como dilogo social ser capaz de cumprir um servio de
pleno desenvolvimento humano a partir do estabelecimento dos seus direitos (EG 238).
2 - Direitos Humanos como materialidade da Revelao Divina
Na via da promoo humana a Igreja na funo que lhe cabe, de ser sacramento da
salvao, sinal visvel do chamado humanidade de participar no projeto salvfico de
Deus, e nisso constitui sua misso evangelizadora, ocorre o estreitamento dos laos entre
evangelizao e promoo humana, laos de ordem antropolgica, dado que o homem h
ser evangelizado no um ser abstrato, mas um ser condicionado pelo conjunto de
problemas sociais e econmicos; laos de ordem teolgica, porque no se pode nunca
dissociar o plano da criao do plano da redeno, um e outro a abrangerem as situaes
bem concretas da injustia que deve ser combatida e da justia a ser restaurada (CDSI
66).
Este conceito de promoo humana da Igreja faz perdurar uma resistncia da esfera
secular da sociedade, primeiramente pela prpria condio histrica que ainda no foi
superada devido que na cristandade a igreja ter sido uma instituio controladora e os
movimentos na busca de direitos terem surgido no desejo de independncia do poder
eclesistico e tambm pelo fato da igreja bancar a sua fundamentao no dado da f, ou
seja, sua fundamentao teolgica a partir dos dados da revelao, esta concepo ainda
suscita no meio profano crticas devido seu referencial ser pautado na racionalidade.
Para atender ao apelo do Papa Francisco uma aproximao dialogal da Igreja a
sociedade pluralizada em vista de um vida digna para todo ser humano, tendo como
instrumento o cdigo dos Direitos Humanos, este elo deve ser favorecido por meio
daquilo que comum, primeiro porque a igreja reconhece que mesmo nos no crentes a
41
graa atua ocultamente (GS 22), e a outra condio, devido a sua visibilidade a de um
testemunho de uma f viva, adulta e educada [...], que deve manifestar a sua fecundidade,
penetrando a vida dos fiis, mesmo a profana, levando-os justia e ao amor, sobretudo os
mais necessitados (GS 21), ou seja, a caridade sinal de unidade.
Em se tratando da efetivao dos Direitos Humanos na realidade macro da
sociedade em que reside uma situao plural e multicultural, Schillebeeckx coloca um fato
comum para toda sociedade, religiosa ou descrente, a experincia do bem e do mal, que
ele denomina como experincias humanas de contraste esta percepo diferente do
dualismo grego que embora todo bem uma realidade visvel, no deixa de contrastar
com a realidade do mal, e tudo aquilo que provm do mal, seja a injustia, a explorao e
escravido gera um elemento positivo que a indignao humana, sendo essa experincia
de indignao um fator fundamental para o florescimento da tica (SCHILLEBEECKX,
1994, p. 22). O veto profundo do homem ao mal envolve, portanto, certo sim ou um
sim em aberto [...] esta experincia mutuamente se encontram em crentes e agnsticos.
tambm a base alvissareira para a solidariedade universal e para o empenho comum em
prol de um mundo melhor (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 23).
A sociedade contempornea que carrega consigo pluralidade de ideologias e
variedades de conceitos e convices, situao na qual a Igreja est inserida, e por estar no
mundo sem ser do mundo, traz como proposta missionria um agir dialgico, que mesmo
diante de uma sociedade que em partes se mantm critica a religio, h outros setores
desta mesma sociedade que se dispe ao dilogo, e a grande tenso perpassa pela
linguagem que na maioria das vezes est restrita aos fiis. Dentro do processo dialgico, a
sociedade secular busca entender qual a linguagem concreta que a igreja tem no
cumprimento dos Direitos Humanos, e o retorno que a igreja pode dar fundamentar que
a promoo dos Direitos Humanos a materialidade da revelao divina. Segundo
Schillebeeckx esta revelao que acontece primeiro na histria profana e o sentido
religioso absorvido posteriormente por meio dos crentes que interpretam a revelao
como libertao humana, portanto, a linguagem religiosa com sua espiritualidade recebe
do evento profano de libertao a materialidade, assim aconteceu no xodo na histria de
Israel, assim como no acontecimento Jesus de Nazar, com o seu agir libertador do
homem. (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 23-25)
Homens crentes contemplam na histria da libertao humana o rosto de Deus.
Incrdulos no o fazem, com efeito, mas, no nvel da libertao humana (no nvel do
material da revelao de Deus), podem falar, sejam crentes ou no crentes, uma linguagem
42
comum sobre este processo. possvel haver acordo a, assim como tambm cooperao.
(SCHILLEBEECKX, 1994, p. 24).
Esse agir libertador de Deus num determinado tempo e local na histria a partir do
horizonte da experincia social humana, mesmo sem o sentido religioso, ou seja, fora da
revelao judaico-crist, marcado pela presena salvfica de Deus. Libanio usa o mesmo
conceito de Karl Rahner e denomina de revelao atemtica, isto , o desgnio de Deus
universal, todos so afetados por ele. Deus no excluiu ningum de seu projeto salvfico.
Portanto ningum est fora do mundo a revelao (LIBANIO, 2014, p. 161).
Sendo Deus libertador de todos os homens, existe uma urgncia e prioridade por
aqueles que mais sofrem, os explorados, os excludos, os mais pobres, a partir dessa
posio partidria de Deus pelos pobres, a Igreja entende que os Direitos Humanos o um
meio de trazer a tona um rosto que foi apartado da condio de dignidade, condio de
imagem de Deus, portanto o pobre a opo o destinatrio da missionariedade da Igreja
e ponto de convergncia com a sociedade secular.
3 - Lei natural ancoragem dos direitos naturais na aplicao dos Direitos Humanos
Ainda neste contexto de dilogo entre Igreja e sociedade para fins de
comprometimento e aplicabilidade dos Direitos Humanos, Pe. Antnio Moser prope a
lei e os direitos naturais como referenciais e modelo de dilogo, mesmo que este
pressuposto ressoe estranho e de forma negativa sociedade contempornea.
A primeira fundamentao de Moser com relao a lei e os direitos naturais deriva
da historicidade da compreenso deste dado, do qual ultrapassa o contexto religioso
cristo, de modo que tanto a filosofia como outras religies desde a antiguidade partilham
da mesma concepo da tradio crist, de que faz parte da natureza humana descobrir em
si a lei natural. Partindo da revelao judaico-crist a fundamentao de lei natural, Moser
cita a voz proftica que desde o perodo pr-pascal - incluso o profetismo ps-pascal -
sempre ressoou no desejo de preservao da dignidade humana, valor originado da Imago
Dei, esta ao humana contedo essencial no meio proftico e portanto no precisa de
uma lei escrita, pois uma lei que brota do corao, mesmo a sociedade moderna
norteada pela razo negando a relao divina com a lei natural, h o entendimento de que
intrnseco ao ser humano o desejo do bem comum que no deixa de ser lei natural
(MOSER, 2014, p. 80-81).
43
O desdobramento da reao negativa da sociedade contempornea perante a
religio tem legitimidade no evento histrico da cristandade em que a arbitrariedade
eclesistica ressoando at meados do sculo XX - protagonizou a imobilidade da lei
natural com a prerrogativa de ser a nica voz da sociedade capaz de interpret-la. Diante
desta posio da Igreja que o movimento de liberdade e emancipao ganhou volume e
atingiu o pice na formalizao da Declarao dos direitos do homem e do cidado na
Revoluo Francesa.
Moser menciona esse fato histrico da cristandade como o motivo do imobilismo
da lei natural, fruto de um classicismo proveniente de uma hermenutica filosfica com
nfase no neologismo, mas existe outro eixo que tem origem na concepo antropolgica
de que o sujeito um ser em crescimento. pontuado uma compreenso dinmica da
natureza humana, existe uma progresso ao vir a ser (MOSER, 2014, p. 84), portanto, a
interpretao da lei natural do ponto de vista ontolgico imvel faz jus, mas como
princpio fundamental do indivduo ser criado a imagem de Deus e por isso constituinte
de dignidade e de capacidade de fazer o bem. Esse princpio da lei natural fundamento
slido para a formao das regras morais que no pode ser imvel. Este movimento
dialtico entre lei natural como princpio das demais segmentaes do direito se faz
necessrio por levar em considerao as circunstncias culturais, histricas, econmicas,
polticas e religiosas que so aspectos dinmicos derivado da realidade antropolgica
(MOSER, 2014, p. 85).
Essa fundamentao da lei natural como ancoragem dos direitos naturais sempre
volveis e dinmicos crucial no dilogo entre religio e sociedade na aplicabilidade dos
Direitos Humanos: lei natural e direito natural no apenas convidam a uma busca
incessante da identidade de todos os seres, de toda a natureza, e, sobretudo da natureza
humana, mas tambm convidam para o dilogo aberto e profundo que no fecha
fronteiras, mas estabelece pontes que possibilitam a convivncia de todos com todos e de
todos com tudo. Ou seja, tanto em termos polticos, de convvio pacfico, quanto em
termos de enriquecimento mtuo, lei natural e dire