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[REVISTA CONTEMPORÂNEA ] Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
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“Coisas da Quinta-Coluna”: teatro e política na capital paraense
durante a Segunda Guerra Mundial (1942 – 1943)
Tunai Rehm*
Desde a chegada de Getúlio Vargas ao poder, o governo brasileiro buscou
atenuar as liberdades propostas pelo federalismo e, em contrapartida, ampliar o poder
de uma centralização administrativa. Com a instauração do chamado Estado Novo, no
ano de 1937, o governo federal passou a por em prática uma verdadeira ditadura,
valorizando o Estado forte e controlador das ações da sociedade. Seu interesse estava
em ter o governo federal como o epicentro do controle nacional brasileiro. Fosse nas
esferas econômica, política, educacional ou cultural, todos deveriam ser norteados por
uma política pública que encontrava no seu chefe de Estado o representante maior do
interesse nacional.
Durante esse momento de imposição política, diversos órgãos foram criados,
inimigos reprimidos e a censura amplamente utilizada. E em 1942, desde o fim dos
laços diplomáticos do Brasil com os países do Eixo, a II grande guerra passa a ganhar
sentido objetivo, seja no discurso ou nas práticas desenvolvidas pelo próprio Estado
brasileiro. Dessa forma, as políticas públicas passam a ser pensadas e desenvolvidas
tendo como pano de fundo o grande conflito bélico mundial e, para isso, decisões
foram pensadas e articuladas com os ideais de valorização do elemento nacional e na
defesa do território.
No plano da política cultural, Getúlio Vargas visava criar no Brasil os
contornos da chamada cultura nacional. Seu interesse estava em construir um país que * Mestre em História pelo programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará.
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conhecesse a si mesmo, que conhecesse sua história. Sua ênfase partia da elaboração
de uma política cultural financiada e administrada pelo próprio Estado. Em alguns
casos, como o do cinema, por exemplo, a administração federal não deu conta do
financiamento, mas deteve seu controle com mecanismos estatais. Para compreender
tais ações, concordo com Lia Calabre quando analisa que a política cultural deva ser
pensada como “um conjunto de ações elaboradas e implementadas de maneira
articulada pelos poderes públicos, pelas instituições civis, pelas entidades privadas,
pelos grupos comunitários (...), visando satisfazer as necessidades culturais do
conjunto da população” (CALABRE, 2009, p.12).
Nessa medida, a prática cultural deixa de ser única e exclusivamente papel
estatal e abre espaço, inevitavelmente, a expressões autônomas através de iniciativas
particulares. É bem verdade que, neste momento, o Estado se fará presente na
regulação, fiscalização e no financiamento de diversos setores midiáticos e artísticos.
Dentro desta conformação, com este artigo pretendo enfatizar o teatro paraense como
um campo profícuo para estabelecer uma relação entre arte, política e guerra. O
teatro, com a conquista de espaço no cenário cultural paraense, contará com o apoio
da mídia e autoridades políticas, naquele momento.
Desta forma utilizo como objeto de análise a peça teatral “Coisas da Quinta-
Coluna”, de Divaldo Ribeiro. Afirmando que refletir sobre a peça não é somente
tomar conhecimento de sua realização, mas, sobretudo, conhecer os sujeitos que
participaram da encenação, seus produtores, apresentações e quais implicações sociais
geram a relevância do tema.
A produção parece não ter tido grande notoriedade pós-Segunda Guerra
Mundial, contudo, no contexto beligerante, além de passar um tempo relativamente
extenso em cartaz, alcançou grandes públicos e saudações nos jornais, por parte de
autoridades locais. A peça traz reforço a uma política de construção da imagem dos
chamados quintacolunistas, que, resumidamente, representavam espiões a serviço dos
seus países – inimigos do Brasil na guerra: Alemanha, Itália e Japão.
Para compreender os sentidos que ela ganha e suas implicações práticas, faço
uso do conceito de “Representação”, tal como elaborado por Roger Chartier. As
apresentações e o roteiro atuam na constituição de um imaginário - produzido em
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conjunto com as autoridades políticas, por meio de discursos e práticas - que se
efetiva na realidade e na construção do mundo social. Dessa forma, partindo do
campo simbólico do inimigo do Brasil naquele momento, determinadas ações serão
tomadas – seja por parte da população ou das autoridades políticas – de acordo com as
apropriações feitas do imaginário da época (CHARTIER, 1990, p. 20-21).
Nessa perspectiva, a peça teatral Coisas da Quinta – Coluna, enquanto um
produto do imaginário da época será o objeto de análise do presente artigo. Para
compreendê-la, os recursos midiáticos e o campo artístico foram propositalmente
utilizados, no intuito de compreender a representação da chamada Quinta-Coluna1,
durante a Segunda Guerra Mundial, no estado do Pará. Para isso, os jornais da capital
paraense foram fundamentais, afinal, oferecem informações preciosas acerca da
propaganda; de quem seriam os homenageados da noite; sobre os horários e a
programação do que ocorreria na ribalta dos teatros da capital.
Por meio da linha editorial lançada, os periódicos expõem sua posição
contribuindo para a formação de opiniões dos seus leitores. Para ampliar a discussão
do que era reproduzido na época, fiz uso do cruzamento de fontes, jornais que
circulavam na capital como A Vanguarda, Folha do Norte e Folha Vespertina com a
chamada literatura de Cordel, e com a poesia do paraense Lindolfo Mesquita,
conhecido como Zé Vicente.
Tais veículos de comunicação passaram a sofrer forte pressão quando, pouco
antes do início da Segunda Guerra Mundial, durante o Estado Novo, foi criado o
1 Quinta – Coluna foi um termo cunhado durante a Guerra Civil Espanhola. Esta fazia referência a um grupo formado por espiões instalados na capital que passariam informações acerca de estratégias, organização e ações do grupo governista. Durante a Segunda Guerra Mundial o termo será apropriado e utilizado pelos aliados para classificar os espiões que atuavam em favor dos países do Eixo. Em todo o Brasil, assim como nos jornais paraenses, serão veiculadas informações sobre possíveis agentes que estariam a serviço do eixo em território nacional. Alemães, italianos e japoneses foram amplamente hostilizados por meio da imprensa. Ver: ALMEIDA, Tunai Rehm Costa. Achsenmächte,Potenze dell'Asse, Sujikukoku na Amazônia: imagens, narrativas e representações da Quinta Coluna no Pará (1939-1945). Dissertação. Ufpa, 2015.
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Departamento de Imprensa e Propaganda. Este órgão centralizou ações e a
administração das chamadas políticas culturais do país. “Do oral ao escrito; do visual
ao sonoro; das grandes cerimônias públicas às restritas às hostes do interior do poder
(...), o intuito desse aparato de poder seria o de nada deixar escapar à coordenação e
ao controle do Estado”, aponta a historiadora Eliana Dutra (DUTRA, 2013, p.256). A
fim de que seus braços tivessem longo alcance, foi organizado em cinco divisões:
Divulgação, Radiodifusão, Cinema e Teatro, Turismo e Imprensa.
Para tornar eficiente o seu controle, cada estado possuía um departamento
local. No Pará, a filial foi criada em 1941. O cargo de diretor foi ocupado inicialmente
por Arnaldo Valente Lobo, que se retirou do cargo após ser nomeado desembargador
do estado, assumindo em seu lugar o poeta e jornalista Lindolfo Mesquita. Atrelado
ao Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) foi criado o Serviço de
Publicidade Propaganda, da prefeitura de Belém (SPP). Este órgão tinha a
incumbência de divulgar o que serviria de incentivo à opinião pública, rememorar
fatos históricos nacionais e, além disso, aconselhar a população no intuito de encaixá-
la em um estilo de vida ideal (COSTA, 2009, p.15).
Apesar de o DIP ter sido instituído somente em 1941, antes mesmo, já
existiam medidas governamentais que miravam o cerceamento da divulgação de
ideias. Exemplo disso ocorreu em 18 de Outubro de 1939. Uma portaria lançada pelo
governo passou a proibir a realização de reuniões em lugares fechados. Para que
ocorressem sem represálias ou proibição, era necessária uma licença prévia da Chefia
de Polícia, que ficava responsável por avaliar a conveniência ou não de sua
ocorrência. Era hábito, também, nesse momento publicar em jornais o convite para
festejos, reuniões, homenagens etc. Contudo, somente poderia ser propalado na
imprensa após a liberação da polícia (COSTA, 2009, p.28).
Esse controle e restrições deveriam ser consentidos para serem reproduzidos.
Era necessário construir a imagem do presidente para que ele fosse respeitado e seus
interesses e medidas obedecidos. Assim, a fim de promover restrições ao arbítrio da
população, o governo se utilizou do apelo emocional e provocou um “aquecimento de
sensibilidades”. Segundo Maria Helena Capelato, os meios de comunicação tem papel
fundamental nisto, mas os sinais emotivos podem também ser captados e
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intensificados através da literatura, teatro, pintura, arquitetura, ritos, festas,
comemorações, manifestações cívicas e esportivas. Todos os elementos citados
podem ser combinados de diversas maneiras provocando diferentes apropriações que,
por sua vez, obterão resultados diversos (CAPELATO, 1999, p. 168). Por meio desses
outros veículos, apoio minha análise do uso do teatro como meio político e cultural de
construção e reprodução da imagem do inimigo brasileiro, o Quinta-Colunista.
O Teatro em Tempos de Guerra
Durante a Era Vargas, a produção cultural brasileira seguiu múltiplos caminhos.
O Teatro não deixou de ser um palco explorado pelos artistas. Estes também
construíram, através de suas experiências, os sentidos de sua realidade vivenciada
naquele instante. Aqui meu interesse é utilizar a peça teatral Coisas da Quinta-
Coluna, do polivalente artista popular, Divaldo Ribeiro, conhecido depois como Zé
Gamela, para compreender de que maneira o teatro pode ser fonte da construção de
uma dada realidade. Mais do que isso, compreender de que forma uma peça teatral
contribui para reforçar e reproduzir a representação daqueles que ficaram conhecidos
como Quinta-Colunistas.
Aconteceu, foi no teatro Odeon. Era a demonstração de como agiam os
inimigos. Utilizava-se da sátira para tratar o assunto nada feliz da espionagem durante
a guerra. As luzes da ribalta foram acesas e a peça encenada. O Jornal Folha do Norte
anunciava: “Primeira peça anti-nazista a ser encenada hoje, às 20 horas”. A primeira
apresentação na capital fazia homenagem ao brigadeiro do ar, Fernando Savaget. Os
ingressos variavam de preço, aqueles que hoje corresponderiam a entradas “inteiras”
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custavam 5$000, enquanto isso, estudantes e militares pagavam o que hoje
corresponde à “meia-entrada”, 2$5002 (FOLHA DO NORTE, 1942, p.3).
No Brasil, o teatro se fortaleceu com a chegada de Vargas ao poder, pois há a
institucionalização da política cultural, pensada como uma responsabilidade do
Estado. Ao mesmo tempo em que fomenta a produção artística e contribui para a
valorização dos grupos artísticos, o governo também passa a interferir nas etapas de
produção, nas construções intelectuais e artísticas, no intuito de criar uma espécie de
cultura homogênea que representaria os valores nacionais (CAMARGO, 2011, p.2).
Isso implica dizer que Vargas intentava criar uma cultura nacional pelos mais
diferentes vieses, buscando unidade.
Mesmo antes de chegar ao poder, o nome do presidente já possuía
reconhecimento no meio da classe artística. Em 1924 foi lançado o Decreto nº 4.790,
que define os direitos autorais dos artistas no Brasil. Mas, o que se popularizou
mesmo e fez ecoar o nome de Vargas nos meios artísticos foi o decreto nº 5.492 de 16
de Julho de 1928, erroneamente conhecido como "Lei Getúlio Vargas". O dispositivo
ampliou os efeitos às composições musicais e peças de teatro quando executados,
representados ou transmitidos pela radiotelefonia (CAVALCANTE, 2012, p.101). O
decreto promove o “regulamento dos Serviços Teatrais, com normas específicas
tratando das empresas, dos contratos, dos artistas e dos auxiliares teatrais, das horas
de trabalho e da fiscalização do direito de autor” (CALABRE, 2009, p.34).
Apesar das leis criadas na década de 1920, o princípio do investimento público
no teatro do Brasil data de 14 de Setembro de 1936. A partir de então é criada a
Comissão de Teatro Nacional. Esta possuía como função a edificação e decoração dos
teatros, a preparação de atores, a história da literatura dramática brasileira e
portuguesa, tradução de peças estrangeiras, o teatro lírico e coreográfico, o teatro
infantil (CAMARGO, 2011, p.3). O órgão conjugou artistas e intelectuais de diversas
áreas e dessa forma acabou se materializando em grupo diversificado, tendo como
participantes: o teatrólogo e jornalista Benjamin Lima; o artista plástico Celso Kelly;
2 Como curiosidade, é interessante notar que nesse momento ainda se utilizava o padrão monetário dos Mil Réis. Contudo, em Novembro do mesmo ano de 1942, o padrão foi alterado para o Cruzeiro. A nova moeda brasileira substituía a divisão milesimal e simplificava suas notas com o corte de zeros. Online: http://www.bcb.gov.br/?CEDMOEBR. Acesso em 28 de Novembro de 2015.
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o músico Francisco Mignone; o escritor e jornalista, Múcio Leão; o teatrólogo
Oduvaldo Vianna; além deles, também figuraram neste heterogêneo grupo: Olavo de
Barros, ator, diretor teatral e membro da Casa dos Artistas e o intelectual, professor
acadêmico Sérgio Buarque de Hollanda (CAVALCANTE, 2012, p. 105).
O governo de Vargas criou uma política pública focada em intervenções
culturais. O presidente pretendia criar valores “genuinamente” brasileiros que
caracterizassem os valores da nação. Por isso, as peças produzidas no país por muitas
vezes enfocavam processos históricos ou grandes personalidades da história. Peças
com essas características apresentavam caráter educativo. Ângela Cavalcante, ao
retratar a experiência e vivência de Viriato Correa, afirma que peças como Tiradentes,
por exemplo, possuíam grande apelo pedagógico; por isso, eram estimuladas pelo
Serviço Nacional de Teatro indo ao encontro do interesse varguista com as obras
teatrais (CAVALCANTE, 2012, p.109).
Por mais que existisse uma tradição de grupos menores e amadores, o teatro na
década de 1930 começa a se tornar cada vez mais popular e, nessa toada, alguns
artistas tornam-se mais conhecidos. A fim de ampliar o mercado do entretenimento e
expandir o circuito teatral, o Estado passa a subvencionar excursões com peças da
capital para o interior do país, sem deixar de oferecer certo auxílio a grupos amadores.
No âmbito legislativo, a lei nº 378 de 13 de Janeiro de 1937, no artigo 49,
fixava a Comissão de Teatro Nacional como um órgão permanente ao qual competiria
estudar, em todos os aspectos, o problema do teatro nacional e propor ao governo
medidas cabíveis para sua conveniente solução (CALABRE, 2009, p. 35). Além de
Companhias de Comédia e de grupos amadores, a Comissão Nacional foi importante
para o subsídio a grandes espetáculos que não foram abertos à concorrência. Como
exemplo, O Guarani, de Carlos Gomes (CAMARGO, 2011, p.5). Ainda no ano de
1937, a Comissão sai de cena dando lugar ao Serviço Nacional de Teatro.
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Na Revista paraense Terra Imatura, de 1939, correspondente de Porto Alegre,
Jonas Carvalhosa, faz uma reportagem com um dos maiores dramaturgos da cena
teatral brasileira naquele momento, Procópio Ferreira. O artista é caracterizado como
“grande estudioso das coisas do teatro, de um observador sagaz e, sobretudo, de um
espírito acurado e brilhante”. Ao analisar a cena do país, pontua a existência de
grandes nomes, contudo com ressalvas. Cita o exemplo de Viriato Correa que,
segundo ele, produzia peças muito bem feitas tecnicamente “porém é um teatro
destinado unicamente a provocar o riso e não tem outra finalidade a não ser essa”.
Quando questionado sobre as peças produzidas pelo dramaturgo Joraci Camargo, a
opinião não permanece a mesma. O repórter relata a emoção nos olhos do
entrevistado, que descreve a atuação do outro como uma mudança no cenário das
peças de teatro brasileiras. Para Procópio, o diferencial de Joraci era “o seu teatro
diferente, um teatro que fazia rir, mas que, sobretudo, fazia pensar, um teatro humano
e social” (TERRA IMATURA, 1939, p.33).
O teatrólogo analisa a peça não somente como o efeito que ela é capaz de
gerar nas pessoas. Para além, é necessário ter uma profundidade na mensagem
repassada e no conteúdo representado no palco. Se a lógica de Procópio Ferreira for
estendida ao público, é possível compreender o sentido que fez a peça Coisas da
Quinta-Coluna, no Pará, ser um sucesso em termos de plateia e, mais do que isso, de
interesse de uso pelas autoridades políticas.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial e o Brasil se posicionando
favorável aos Aliados - rompendo os laços diplomáticos com os países do Eixo -
torna-se urgente e necessário para o Estado a valorização do patriotismo e dos
interesses nacionais. O meio cultural foi instrumento de grande importância para a
reprodução da representação de alemães, italianos e japoneses no Brasil: os
“inimigos” do país. Os Súditos do Eixo, como ficaram conhecidos, foram por muitas
vezes julgados como Quinta-Coluna, ou seja, espiões defensores dos ideais dos países
autoritários.
É nesse contexto que se circunscreve o objeto estudado neste artigo.
Percebendo o Teatro como meio importante para a reprodução de imagens
(estereótipos) da representação da Quinta-Coluna, atento para a peça Coisa da
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Quinta-Coluna. Antes de falar das apresentações e repercussão do período, interessa
apresentar o seu idealizador, Divaldo Ribeiro, principal responsável pela conquista
rápida de espaço no circuito teatral paraense e que conseguiu, com sucesso, diversas
apresentações no ano de 1942.
O Homem por trás da ribalta, Divaldo Ribeiro
Divaldo Ribeiro, o Zé Gamela, como ficou conhecido, nasceu em Vila
Wagner, situada na cidade de Lençóis, no estado da Bahia. Desde pequeno conviveu
com a labuta diária, aos treze anos já trabalhava no garimpo. Depois, seguindo os
passos do pai, acabou atuando também no cangaço e se tornando líder popular,
ganhando, inclusive em memórias, o papel de herói (SOUSA, 2014, Online).
Foi ator, circense, diretor de teatro, mas, ganhou notoriedade mesmo com a
sua produção na literatura de cordel. Do gabinete do vereador de Niterói, Jayme
Suzuki veio a Moção de Aplauso (In Memoriam) ao artista brasileiro. Em palavras
concisas, mas não por isso menos importantes, a história de Zé Gamela é perlustrada
identificando seus trabalhos, suas lutas e interesses. Nas palavras do político: Zé Gamela tem no seu currículo uma série de atividades: garimpeiro, cangaceiro, aprendiz de marinheiro, sargento, gerente de hotel, diretor de jornal, palhaço, ator, diretor de teatro, cordelista. Com Dety Ribeiro, sua esposa, mambembou pelo Brasil com vários circos, peças e paródias. Construiu mais de oito circos, escreveu centenas de cordéis, textos teatrais e paródias (NITERÓI, 2013)
No ano de 2003, após sua morte, em memória ao falecido poeta, o contista,
ensaísta e poeta Gonçalo Ferreira da Silva se utilizou de uma das especialidades do
homenageado, a literatura de cordel, para reunir em uma série de pequenos cordéis
uma homenagem contando vida e obra de Zé Gamela (SILVA, 2003, p.5). Carvalho
Branco deixa alguns traços que devem ser lembrados:
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Seus cordéis são verdadeiros Ensinamentos perfeitos Trabalhou com marinheiros; ao labor, homens, afeitos Teatro Experimental é cultura natural. Da vida tirou proveitos! (BRANCO, 2003, p.3)
Ao longo da vida, Divaldo Ribeiro ainda foi fundador, na década de 1950 do
Teatro do Trabalhador, no Rio de Janeiro. Um defensor da cultura popular advogou
ao longo da vida para que todos tivessem acesso aos meios culturais como, por
exemplo, o teatro. Ainda chegou a ser preso 13 vezes. Um caso emblemático ocorreu
em Niterói quando foi preso na Avenida Amaral Peixoto vestido de Cristo, e sua
esposa, Dety, de Nossa Senhora (NITEROI, 2013). Faleceu no dia 12 de Dezembro de
2002 aos 88 anos de idade, em Niterói, no Rio de Janeiro.
Em sua história fica marcada também a excursão por Belém no ano de 1942.
Chegando como um desconhecido, foi com a peça Coisas da Quinta-Coluna que fez
sucesso e em curto espaço de tempo, obteve o interesse de autoridades políticas, do
público, e marcou sua história no teatro paraense.
O Teatro e o inimigo: “Coisas da Quinta-Coluna”
O jovem artista Divaldo Ribeiro não obteve o mesmo reconhecimento artístico
que outros de sua época. Seu nome deve ser lembrado em sua polivalência artística e
multifacetada produção. Essencialmente, esteve em sua maturidade ligado à cultura
popular, seja através do teatro ou literatura de cordel. Minha preocupação aqui está
em explorar sua produção teatral e perceber como, naquele momento de guerra, a
peça nos permite compreender a representação criada e reproduzida acerca da Quinta-
Coluna que, supostamente, estaria atuando no Pará e como o poder público contribuiu
para a repercussão e popularização da peça.
Desde a criação do Teatro da Paz, no ano de 1878, construído em um período
de intensa valorização e gozo das benesses promovidas pela economia da borracha,
Belém havia se tornado um palco para grandes apresentações teatrais. Mesmo antes, é
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possível afirmar que a cidade já havia construído uma cultura teatral por mais que
nem sempre contasse com o apoio do Estado, ou então, por vezes, ele até o
atrapalhasse. O período de grande imponência econômica ganhou a alcunha de Belle
Époque e deu àquele momento contornos de um fausto sobre a capital do Pará. Várias
companhias internacionais aportaram em solo amazônico para se apresentar no
principal, porém não único teatro da capital. Foram tempos de influência francesa nos
hábitos e costumes, tecidos eram importados da Europa, um código de posturas regia
os modos com que a população deveria se portar e as próprias casas comerciais
faziam referência à Europa, como por exemplo a loja Paris N’América. Com a
decadência da principal produção da economia paraense, encontrou-se no teatro
regional um “substituto dos lazeres importados, certamente mais sofisticados e caros”
(SALLES, 1994, p.7).
Ainda assim, na capital paraense, Coisas da Quinta-Coluna tem primeira
encenação no dia 16 de Julho de 1942. Pelas circunstancias e o momento vivenciado
no país – fim da diplomacia com países autoritários, hostilidades aos chamados
súditos do eixo, torpedeamento de navios brasileiros e acirramento de ânimos – a peça
exercia um caráter apelativo sobre a população que lia as notícias convidativas nos
jornais. A novidade da peça começava a circular pela capital paraense e ainda que a
propaganda fosse escrita, tinha potencial para alcançar analfabetos e letrados. Afinal,
as conversas e comentários faziam circular a notícia pela capital.
Apesar de descrita nas páginas dos periódicos como de interesse geral, as
fontes pesquisadas demonstram que em A Vanguarda, notícias da peça foram
veiculadas em maior número e mais entusiasmadas, o que não ocorreu da mesma
forma na Folha do Norte ou Folha Vespertina. Ao que tudo indica A Vanguarda,
enquanto jornal defensor dos interesses do Estado, ou que, pelo menos em sua linha
editorial, propalava um discurso alinhado ao governista, noticiava de maneira
corriqueira o sucesso da peça, de sua evolução, da aceitação do público, daqueles que
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seriam homenageados – geralmente membros das forças armadas ou civis com
participação no governo. É bem verdade que a hipótese da imposição e/ou
interferência do Departamento de Imprensa e Propaganda deve ser levada em
consideração. Contudo, por mais que essa coerção tenha existido, ainda assim, nas
páginas da Folha do Norte, há uma diferença notória entre sua forma de divulgar a
peça e a forma de divulgação d’A Vanguarda.
Em O Beijo de Lamourette, o historiador Robert Darnton apresenta
determinada realidade vivenciada por ele em sua história como jornalista.
Apresentando o cenário da redação de um jornal, contribui de maneira decisiva para o
cuidado que se deve ter ao tomar os periódicos como fonte de pesquisa. Faz
compreender que em cada publicação existe uma complexa rede de interesses,
alianças políticas e acima do jornalista uma linha editorial que influencia no que será
lançado como notícia. Dessa forma, manchetes, colunas, opiniões e propagandas
publicadas nos jornais em Belém seguem cartilhas estabelecidas pela própria direção
e seus editores. As informações como são reveladas ao público são pensadas e
ordenadas de modo que a leitura que é feita parte da própria leitura que o corpo
editorial do periódico faz da realidade vivenciada. Assim, “converter os fatos em
matérias e publicar as matérias é uma questão do que pode caber em termos culturais
– convenções narrativas e tradições jornalísticas que funcionam como uma maneira de
dar uma forma ao amontoado confuso e ruidoso dos fatos do dia”. (DARNTON,
2010, p.14).
Tal perspectiva é possível ser constatada em A Vanguarda quando o periódico
noticia que o artista em sua peça “mostra claramente as misérias, as traições da Quinta
Coluna”. Logo, era importante “ajudar este jovem patrício que vive enfrentando as
dificuldades da vida teatral e que além de bom ator é um idealista inteligente que ama
(...) o Brasil e os sagrados princípios da Democracia” (A VANGUARDA, 1942, p.2).
A encenação vai aos poucos ganhando força e uma representação cada vez mais
significativa. Não à toa é classificada como uma “positiva demonstração de repulsa
aos princípios nazistas”. Além de ser um mecanismo de entretenimento, a peça
também tinha a função de representar o sentimento patriótico que deveria emanar da
população belenense. Portanto, ela surgia num momento oportuno de necessário
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incentivo aos valores nacionais. Por isso, esperava-se que o Teatro Odeon estivesse
“repleto do que há[via] de mais puro, de mais seleto em nosso meio: - Brasileiros,
verdadeiramente Brasileiros” (A VANGUARDA, 1942, p.4). Dessa forma, com a
encenação esperava-se além de enaltecer os valores patrióticos do público, alcançar a
população lhe apresentando o inimigo e mostrando suas estratégias de ação ou
armadilhas, ou seja, a encenação assumia caráter pedagógico, ensinando sobre a
Quinta-Coluna.
O espetáculo elaborado pelo casal Divaldo e Dety Ribeiro, apresentava na
ribalta personagens bem caricatos e estereotipados que buscavam deixar claro quem
eram os quinta-colunistas. A peça contava com um casal de espiões nazistas, um
integralista, um japonês, um inglês e filha e dois brasileiros que possuíam um discurso
patriótico de defesa da democracia e honra do país, como personagens participantes
da trama (A VANGUARDA, 1942, p.4). Perceba, os elementos os quais queria
evidenciar como inimigos e aliados foram bem distribuídos entre os personagens. Do
lado adversário estava o casal de nazistas representando a imagem repercutida dos
alemães; o japonês – cuja idoneidade moral e caráter foi alvo de desconfiança por
parte de alguns – e os que faziam representar a Quinta-Coluna entre os nacionais
brasileiros, os integralistas. Era necessário representar os aliados a partir da antítese
dos seus inimigos. Neste caso, o inglês – representante da liberal democracia e forte
opositor ao totalitarismo e, além deste, brasileiros que enfaticamente defendiam a
honra do país e a pátria.
Poeta Cordelista daquele período, Zé Vicente escreveu no ano seguinte o
poema O Brasil rompeu com eles, cordel que se utilizava de um vocabulário popular
para entoar e caracterizar os inimigos brasileiros. De maneira jocosa reforçava no
imaginário popular o que era constantemente publicado nas páginas dos jornais e já
caricaturado no espetáculo. Dessa forma, versa que: Quem torcer por alemão
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Só pode ser traidor, Se torcer por japonês Por nós nega o seu amor, Se pela Itália torcer Rebenta como um tumor (VICENTE, Zé. 1943, p.7).
É interessante notar que no mesmo ano da publicação deste livreto, o poeta,
que se chamava Lindolfo Mesquita, assume o cargo de Diretor do Departamento
Estadual de Imprensa e Propaganda do Pará. Se levarmos em conta que os nomes
alçados a participar do poder público são aqueles que se identificam com a política
vigente, logo, é fácil compreender as intenções do poeta popular. Ou seja, seus versos
entoados representam a ratificação da proposta de construção e reprodução da
imagem do inimigo por parte, também, do próprio governo.
E a peça continuava o seu circuito na capital. “Coisas da Quinta-Coluna”
continuava no mercado, e no jornal é divulgado o convite para o que significaria “um
grande acontecimento artístico na vida paraense” e, além disso, segundo o mesmo, o
espetáculo inevitavelmente agradaria ao público, pois, após os dois atos da trama,
haveria mais um “ato variado” que, segundo avaliação do periódico, era “muito bem
organizado” (A VANGUARDA, 1942, p.4).
No dia seguinte à primeira apresentação, congratulações aos artistas foram
anunciadas pelo que foi classificado como “extraordinário espetáculo”. Em avaliação
noticiada, a aceitação teria sido tão positiva que, em todas as cenas, pôde-se ver e
ouvir o apelo do público para que fossem repetidas. Inclusive, o prometido e noticiado
“ato variado” teria sido um verdadeiro sucesso (A VANGUARDA, 1942, p.2).
Nesta época, Belém da década de 1940, não era difícil tornar-se conhecido.
Com uma população de número restrito (em torno de 207 mil habitantes, na capital),
não era tarefa das mais árduas conseguir que seu nome fosse ventilado pela cidade.
Pelo menos é a percepção de Murilo Menezes, escritor e morador da cidade. Segundo
ele, o indivíduo “pode ser desconhecido para muita gente, mas se ele for honesto e de
ação produtiva, o seu nome constará no cadastro da sociedade”. Ele faz uma
comparação com as grandes capitais, como, por exemplo, o Rio de Janeiro. Conta que
numa capital como a carioca, “o cidadão é um grão de areia num deserto, um humilde
anônimo que se perde no formigueiro anônimo”. (MENEZES, 1954, p.17). Assim,
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ostentar uma imagem de grande popularidade seria mais fácil na capital paraense do
que em outros centros brasileiros, onde a população é maior tal como o número de
personalidades que buscam tornarem-se notórias.
Nessa perspectiva enquadra-se Divaldo Ribeiro. Sem tanto reconhecimento no
Centro-Sul do país - se comparado com outros artistas - em Belém, precisou apenas
de uma apresentação para tornar-se reconhecido e a peça ganhar maiores proporções.
Sem dúvida, seu nome começou a circular de forma cada vez mais intensa nas casas,
nas ruas, ou ainda nos estabelecimentos comerciais. Para uma pequena cidade nos
trópicos como a capital paraense, a peça contribuiu de maneira significativa para
disseminar a imagem do inimigo como também favorecer a imagem de artistas e
autoridades políticas que foram alvo de homenagens. Encenar numa cidade, de certa
maneira, isolada no país, onde as informações chegavam com dificuldades, assim
como, alimento e qualquer produto importado, contribuía de maneira significativa
para a construção do imaginário da população e à reprodução da representação da
Quinta-Coluna como um perigo iminente à cidade.
Com o sucesso e a repercussão, o espetáculo criou a necessidade de um palco
maior e mais espaços na plateia, para que mais pessoas pudessem acompanhar a
trama. Não demorou muito e a peça mudou de ares. Anteriormente encenada no
Odeon, teatro de menor porte, localizado na Praça Justo Chermont, passou a ser
apresentado no suntuoso teatro da cidade, o Teatro da Paz. Filho do período de grande
prosperidade econômica da região, o local é até os dias atuais a principal referência
em apresentações de grande porte na cidade de Belém.
Para esta apresentação não faltaram referências nos jornais. No dia 28 de
Julho, era publicado que Divaldo Ribeiro desejava apresentar a peça para a população
mostrando a forma misteriosa e traiçoeira como atuava a Quinta-Coluna no Brasil. A
apresentação ia acontecer no dia 01 de Agosto e, segundo a reportagem, ele teria dito
que procuraria Ernesto Pinto, que naquele momento ocupava o posto de delegado do
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trabalho, a fim de encenar a peça para operários sindicalizados no mesmo teatro (A
VANGUARDA, 1942, p.3). Desde o dia 30 daquele mês já era possível ver no
noticiário da capital os valores das entradas para o espetáculo. Os lugares mais
baratos eram o setor Paraíso no valor de 2$; as galerias 3$ e as cadeiras 5$. Em
compensação, os valores de camarotes representavam mais que o dobro dos outros.
Camarotes 2ª 20$; Os camarotes 1ª 30$ e as Frisas 35$ (AVANGUARDA, 1942, p.2).
Divaldo Ribeiro acreditava que a arte pertencia ao povo e deveria ser encenada para
ele. Buscava assim levar arte a todos, sem distinções sociais. Mostra disso foi em
1956 quando criou no Rio de Janeiro o Teatro do Trabalhador. Mesmo com
dificuldades, sobreviveu e conseguiu mantê-lo até sofrer com perseguições políticas e,
finalmente, fechar as portas (SOUSA, 2014).
De fato, é possível perceber a preocupação do autor em agregar diferentes
grupos da sociedade em seus espetáculos. Exemplo nítido é a apresentação que
ocorreu em 06 de Agosto. Promoveu uma apresentação para referências políticas do
estado, contudo, também foram oferecidos ingressos para os colégios. Além de os
jovens serem vistos, nos discursos da época, como importantes para a defesa do
território nacional, também deve se levar em conta que as escolas possuíam pessoas
de diferentes rendas e poder aquisitivo e que teriam condições de assistir a
apresentação (A VANGUARDA, 1942, p.3).
A peça representava uma homenagem feita ao comandante da 8ª região
militar, sediada em Belém, General Zenóbio da Costa e ao Almirante Gustavo
Goulart. Para o dia da apresentação eram esperadas autoridades políticas como o
então Interventor do Estado, José da Gama Malcher, o diretor de Educação e Cultura,
além do prefeito da capital, Abelardo Condurú. Considerada a primeira peça anti-
nazista que foi encenada na capital paraense, mais uma vez, o jornal convidava o
público anunciando que os ingressos já estavam se esgotando e ao mesmo tempo
alertando aos leitores que para “uma representação que marcará mais um
acontecimento na vida artística da capital paraense” e, portanto, enquanto patriotas,
não poderiam perder o espetáculo (A VANGUARDA, 1942, p.2).
O público no teatro deveria seguir determinadas normas e instruções. O
Regulamento Interno da Polícia Civil a encarregava da fiscalização do
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comportamento dos espectadores. Dentre as obrigações dos guardas, como eram
chamados, estava: “obrigar que os espectadores ocupem os lugares indicados pelos
números das entradas”, tal como, não consentir que o espectador peça a execução de
outra peça, música ou recitação qualquer que não faça parte do espetáculo. Cabia ao
público, portanto, seguir regras, como a proibição do chapéu dentro do teatro. (PARÁ,
1937, p.107 – 108).
Fazendo referência aos atores que fizeram parte da encenação como grupo de
apoio, estavam artistas que atuavam em Belém como Henrique Reis, Gene Bem,
Eloyde Walthon, Januário Carneiro, J. Amaral e também Alba Oliveira. Figurariam
como ponto:3 Paula Castro; ensaiador: Duarte Silva e a parte musical do espetáculo
teria o auxílio da orquestra dirigida pelo maestro Pinto de Almeida, apelidado de Tatá
(A VANGUARDA, 1942, p.3). Ao analisar as fontes, não fica clara a motivação do
uso de artistas da própria região. Provavelmente, o fato estaria atrelado ao aspecto
financeiro deixando a apresentação menos onerosa. Ainda assim, é possível conjeturar
que tenha sido uma exigência das autoridades que financiavam o espetáculo.
Passados três dias da última apresentação, mais uma vez a peça seria
encenada. Ocorreria às 15:00 horas e a promessa era a venda a preços populares.
Estes variavam entre o preço da Entrada de 2$ e para Estudantes, Militares e
Operários que pagavam 1$ (A VANGUARDA, 1942, p.4). Devido ao sucesso das
apresentações anteriores, esperava-se um grande público, casa cheia. O diferencial
nesse momento era a possível participação de pessoas com um menor poder
aquisitivo. No caso, tanto o interesse de Divaldo Ribeiro quanto de quem o financiou
era o de levar ao conhecimento de todos, independentemente das condições materiais,
a “simpática campanha contra o nazi-nipo-integralismo” (A VANGUARDA, p.3).
3 Pessoa que fica escondida durante a peça que lê em voz baixa o texto para os atores quando esquecem as falas.
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Partindo do que foi posto e do que as fontes pesquisadas nos permitem inferir,
havia um claro interesse político com a autorização para encenação, além do esforço
de divulgação para que a peça de fato fosse contracenada. Adalberto Paranhos
defende que “O teatro, seja autodenominado político, engajado, revolucionário ou até
apolítico, é sempre político, independentemente da consciência que seus autores e
protagonistas tenham disso” (PARANHOS, 2012, p.35). Isso nos possibilita empregar
o sentido de político em múltiplos aspectos. Coisas da Quinta-Coluna se apresenta
enquanto um teatro político, pois: defende um ponto de vista e faz da ribalta um meio
para externá-lo; e, além disso, também faz apologia e homenagens a autoridades
políticas ou militares relacionados, de alguma forma, ao meio da vida política da
capital. Esta situação pode ser percebida em contexto nacional. Fato é que o Estado é
nesse momento o principal financiador dos grupos teatrais, inclusive, muitos pedidos
de auxílio eram feitos às autoridades políticas como ao Presidente ou ao Ministro
Gustavo Capanema. Estes, por sua parte compareciam a festas, demonstrando-se
interessados, mandavam cartas parabenizando os artistas e participando ativamente no
processo de concessões. É importante perceber que alguns artistas possuíam certa
proximidade ao presidente, o que facilitava o processo dos subsídios. Figuras
conhecidas na época, como Procópio Ferreira, Jayme Costa e Luiz Iglézias são alguns
nomes que podem ser citados (CAMARGO, 2011, p. 9).
É necessário ressaltar, o teatro funcionava como um produto orientado pelos
interesses governamentais do Estado Novo. As autoridades políticas acabavam, no
fim, controlando a produção cultural através do Departamento de Imprensa e
Propaganda do governo federal e suas filiações estaduais. Assim, os artistas que
mantinham relações com parte do governo se beneficiavam da política vigente. No
Pará, Divaldo Ribeiro se utilizou da influência e relações com autoridades da política
regional para manter-se em cartaz nos teatros de Belém. Exemplo é a apresentação
prestada ao general Zenóbio da Costa, outra ainda mais simbólica, a programada para
servir de homenagem à Amaral Peixoto.
Divaldo Ribeiro entrou em contato através de um telégrafo com o Interventor
do Rio de Janeiro, Amaral Peixoto. Em mensagem, avisou que iria encenar uma peça
dedicando-a ao governante carioca. Como resposta, o secretário do governo do Rio de
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Janeiro, Heitor Gurgel, via rádio informou “o prazer de agradecer em nome do sr.
Interventor federal a representação da comédia em homenagem à ação s. excia. contra
a quinta coluna” (A VANGUARDA, 1942, p.3). A Vanguarda ratificaria a notícia
confirmando que haveria uma nova apresentação da peça, contudo, ainda não
confirmando a data. Acreditava-se apenas na possibilidade de o governador e prefeito
aceitarem novamente patrocinar a encenação devido aos “dotes cívicos e a posição
definida no momento” (A VANGUARDA, 1942, p.3).
O jornal Folha do Norte em 13 de Agosto de 1942 noticiou o que, na época,
poderia ser compreendido como uma afronta aos interesses nacionais e ao mesmo
tempo, uma demonstração da real existência dos inimigos eixistas em território
brasileiro. Reproduzindo artigo publicado pelo periódico carioca, A Noite, o jornal
noticia que Divaldo Ribeiro, autor da peça teria sofrido “sabotagens dos
quintacolunistas” que pretendiam boicotar a peça para que não fosse apresentada ao
público paraense. Segundo o que foi divulgado, o autor deveria tomar cuidado com
possíveis agressores defensores dos países do eixo, o que teria sido alertado pelo dono
da pensão em que estava hospedado. Apesar de a notícia apenas especular uma
suposta intenção, sem ação concreta, foi o suficiente para intitular a manchete “o
autor de ‘coisas da 5ª Coluna’ foi ameaçado de agressão” (FOLHA DO NORTE,
1942, p.6).
Com a popularidade e interesse da peça bem delineados, cabia à imprensa
fazer o seu papel e noticiar mais uma vez o espetáculo em Belém. No dia 03 de
Setembro já é o início da chamada para que o público se prepare. Local e data já
estavam definidos. A Apresentação iria ocorrer no Teatro da Paz no dia 14, com o
apoio do interventor do estado e do prefeito (A VANGUARDA, 1942, p.3). Não
ocorreu. Sem justificativas, a peça simplesmente passou a ser anunciada em outra
data. Dessa vez, iria ser encenada no dia 18 de Setembro, ainda no mesmo teatro (A
VANGUARDA, 1942, p.4). Acompanhando os rastros deixados pelas fontes, o jornal
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continuou divulgando datas. A encenação passou a ser marcada para o dia 22 de
Setembro e depois foi anunciado que “brevemente” seria apresentada ao público.
Neste último anúncio, uma novidade. A data foi remarcada e o interventor Amaral
Peixoto seria representado pelo prefeito de Belém (A VANGUARDA, 1942, p.4).
Infelizmente, devido à ausência de maiores informações nas fontes
pesquisadas, não foi possível compreender com precisão o porquê de o evento não ter
ocorrido. Contudo, é possível conjeturar que por problemas, desinteresse ou outros
compromissos o interventor carioca não pode ou não quis estar presente nos dias
marcados para a peça. Ao que parece, não fazendo sentido a encenação de Abelardo
Condurú no lugar do outro, a apresentação acabou por não ocorrer.
No fim, a trajetória de Divaldo Ribeiro no circuito de Teatro paraense foi
profícua. Rendeu-lhe fama, adjetivos lisonjeiros, e tornando-o figura respeitada pelas
autoridades públicas paraenses. É interessante perceber como, no momento da guerra,
uma peça de teatro consegue mobilizar de forma significativa a sociedade. Com a
caracterização dos personagens e o contexto em que se insere, é possível afirmar que
Coisas da Quinta-Coluna foi uma peça que se encaixou perfeitamente com os
interesses do governo, de suas intenções para a cultura nacional e, mais do que isso,
reproduziu no palco a representação de quem eram os inimigos do Brasil.
A peça apropriada como um instrumento político deixa uma semente plantada
na capital paraense. Os frutos começam a ser colhidos um ano após a iniciativa do
casal Ribeiro. Uma caravana passa pela capital tendo a frente o artista Raul Roulien, e
deixa suas marcas. Depois disso, o teatro começa a ganhar forma em Belém, não é a
toa que novas peças surgem, mesmo que sem a atenção e o brilho de Coisas da
Quinta-Coluna.
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O Legado se materializa: O Teatro de Guerra em Belém
O Pará tornou-se palco para o circuito de teatro nacional voltado para a guerra.
Passado um ano após Coisas da Quinta – Coluna, chegava ao estado uma caravana
dirigida pelo ator Raul Roulien, o chamado “Teatro de Guerra” que, patrocinado pelas
“mais altas autoridades civis e militares da República” prometia espetáculos teatrais e
radiofônicos a soldados e operários (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).
No momento da guerra o teatro ganha novos contornos necessários para
aproximar o momento beligerante à população e, ao mesmo tempo, também
demonstram o uso político dos financiadores das encenações para aflorar o sentimento
patriótico dos moradores da cidade de Belém. Voltada para as classes trabalhadoras, a
primeira apresentação, tinha como efeito agradar, nas palavras do Ministro
Marcondes Filho, aqueles “que se entregam ao árduo trabalho que este momento
exige”. Não aportava em Belém somente o espetáculo teatral, devido ao seu
envolvimento na produção de uma filmagem acerca das Forças Armadas Brasileiras,
faria, além das peças, filmagens na base aérea. Para contribuir e participar do filme,
foram selecionados alguns sujeitos locais por meio de seleção da imprensa paraense
(FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).
O patrocínio para trazer o artista à Belém do Pará foi oferecido por
autoridades políticas e nomes das forças armadas. O Interventor Amaral Peixoto, o
Ministro Eurico Gaspar Dutra, João Mendonça Lima, Marcondes Filho, Gustavo
Capanema, brigadeiro do Ar Guedes Muniz, coronel João Alberto, capitão A. Dutra
de Menezes, Guilherme Guinle, Euvaldo Lodi, J. Daudt de Oliveira e Gilberto
Andrade. Por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda que no Pará estava
sob a administração de Lindolfo Mesquita, favorecia por meio da imprensa a
publicidade de eventos como o espetáculo. Mais uma vez, o teatro passou a ser
utilizado como instrumento político.
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A propaganda impressa nas páginas de jornal trazia a imagem das autoridades
políticas como Interventor Federal, no Pará, Joaquim Magalhães Barata ou do
Presidente da República, Getúlio Vargas. O DIP cuidava para que a imagem do
governo fosse sempre lembrada, tal como, a propaganda acerca da comissão que
patrocinou o evento. Dessa vez, a promessa era a de participação do interventor
federal e do General Francisco de Paula Cidade, Comandante da 8ª região militar.
Fazia-se necessária a aproximação do gestor com a população, mais especificamente,
com os trabalhadores, tal como, com um agente do exército e o povo que defende
(FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).
A peça ocorreria no Teatro da Paz. A “Caravana Magalhães Barata”
homenagearia o Interventor federal. Subiu ao palco em 5 de Outubro de 1943.
Contaria com a participação do ator Raul Roulien, “o artista do Brasil”; Rosina Pagã,
“a estrela do encantamento”; Saddi Cabral “Grande nome no rádio brasileiro”;
Domingos Terra, “O Comico irresistível”; Conceição Andrade, “A garota de
‘Sarong’”; Carmem Azevedo, “A Impecável atriz”; Henrique Fernandes, “o aplaudido
Ator Gener”; e contava com a Direção Musical do Maestro José Lopes Filho. O
espetáculo se iniciaria com a apresentação acerca do “teatro de guerra”. Num segundo
momento, o “artista do Brasil” aparecia oferecendo a peça aos soldados e operários do
Brasil. Já num terceiro momento seria apresentada a peça “O Patinho de Ouro”,
caracterizada como “Engraçadíssima comédia para rir durante 2 horas” e uma
“magistral interpretação de Roulien”. E como momento final, um ato variado que
finalizaria a apresentação.
O Sucesso parece ter ocorrido rapidamente. Não precisou de muito tempo e os
jornais novamente voltaram a veicular notícia referente ao ator. Dessa vez, em grande
manchete, a propaganda fazia referência a dois conjuntos que juntos fariam uma
mesma apresentação. Patrocinado pelo empresário Felix Roqcue, a estreia ocorreria
dia 10 de Outubro de 1943, no teatro Coliseu, localizado no centro da capital
paraense, na Avenida Nazaré. A data marcava um dia especial, coincidia com o Círio
de Nazaré, festa religiosa que até os dias atuais atrai fiéis de várias partes do país para
a cidade de Belém. Provavelmente pensada para esse período, pois o grande número
de pessoas circulando pela capital paraense contribuiria para aumentar o público no
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teatro. Outro elemento da propaganda chama a atenção, uma página inteira nos alerta
para o espetáculo que, como uma de suas chamadas, se utiliza da expressão da guerra
Blitzkrieg: “Uma Blitzkrieg de alegria no Teatro Coliseu Sensacional! Sensacional!”.
Nada mais oportuno. O termo faz referência à estratégia de batalha alemã conhecida
como “guerra relâmpago” em que utilizava de todo o poderio bélico para de maneira
rápida não dar chances ao adversário. Nos primeiros momentos da guerra, essa
estratégia foi decisiva para sucessivas vitórias dos alemães sobre as nações inimigas.
No teatro, provavelmente, a metáfora faria referência aos atores que não teriam
piedade de seus espectadores e promoveriam risos na plateia, sem dar chances para
outro tipo de reação (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).
O elenco da peça contava com atores nacionais e que possuíam interessantes
epítetos. Rosina Pagã era conhecida como “a estrela máxima do rádio e cinema
brasileiros”; Saddi Cabral , “o grande ator do teatro nacional”; Conceição Andrade ,
“A encantadora Vedette”; Domingos Terras , “o imperador das gargalhadas”;
Carmem de Azevedo, “magnífica dama central”, Henrique Fernandes, “ator
genérico”; Dercy Gonçalves, “o demônio do riso”; Humberto Catalano, “irresistível
ator cômico”; Flora Matos, “o samba em pessoa que Belém Admira”; Duo Navarro,
“bailes do México”; Raquel Pucci, “a rainha do tango argentino”; Aida Bruno “eximia
atriz bailarina e cantora”. A direção artística da peça ficava a encargo de Saddi
Cabral, a direção cênica de De Chocolat e, para tornar o espetáculo ainda maior, a
participação de duas orquestras com a direção de Kalúa.
O chamado Teatro de Guerra de Roulien criou raízes em Belém. Não precisou
de muito tempo para que se formasse o “Teatro Estudantil de Guerra”. O empresário
da capital, Isaac Faria, foi o idealizador do projeto que reuniu um grupo de atores
paraenses. A encenação iria ocorrer e os ensaios começam a acontecer, a estreia foi
marcada para ocorrer no dia 26 de Novembro. Nome recorrente como benemérito do
grupo e grande patrocinador da trupe, Felix Roqcue, será associado ao grupo nos
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jornais. Dessa feita, ganha a alcunha de “patriota e amigo dos estudantes”. Com a data
da primeira apresentação se aproximando, os estudantes são convidados a conceder
uma entrevista na Sede da Folha do Norte, local onde também era produzido o jornal
Folha Vespertina (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.1).
O grupo formado por estudantes que integravam o espetáculo contava com
Isaac Faria, organizador e também diretor do conjunto; Delbanor Dias, ator e “galã”;
Alcy Araujo, “Announcieur”; Silézio Queiroz, pianista; Carlos Moura, diretor de
cena; Emilinha Gentil, atriz e “estrela da companhia”; Iêda Sampaio de Aquino,
cantora de samba e também de canções internacionais; Graziela Melo Dias, cantora de
Foxs; e contava ainda com as atrizes Orovida Franco, Mariza de Matos Costa e
Marilú Ramos.
As apresentações do grupo estavam agendadas. Sua estreia ia ocorrer na boate
do clube da Tuna – naquele momento conhecida como Grêmio Desportivo e
Recreativo Tuna Luso Comercial – no dia 26 de Novembro às oito horas da noite. O
público selecionado seria somente dos que faziam parte da lista de associados do
clube. Contudo, dois dias depois, mais um espetáculo já estava previsto para ocorrer
e, dessa vez, no mesmo salão, conjugando convidados e ingressos sendo vendidos
para o público em geral. O grupo ainda faria novas aparições em Bragança, retornaria
a Belém e partiria rumo a Manaus e outras cidades da região norte. Mais uma vez, foi
reiterado o apoio de uma autoridade militar, o Comandante da 8ª Região, o General
Paulo Cidade (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.1).
O jornal Folha Vespertina classificava no dia seguinte como “coroada de
êxito” a estreia do Teatro Estudantil de Guerra. Com poucos recursos, tendo em vista
a formação do grupo por estudantes, o jornal relata que houve uma grande comoção
sobre o público que não cansou de aplaudir os artistas amadores que se apresentaram.
A apresentação iniciou as 20 horas e 15 minutos e seus diversos números foram
descritos com destaque. Dentre eles, Emilinha Gentil considerada a grande estrela do
conjunto e que empolgou o público com a canção “aquarela do Brasil”. Importante é
destacar o papel de Almir Nobre que homenageou o grupo das “Folhas” (representam
os jornais Folha do Norte e Folha Vespertina) (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).
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E as apresentações foram ocorrendo. A Folha Vespertina continuou
publicando os dias das apresentações. Dentre eles, o propagandeado quarto
espetáculo. Dessa vez, não mais no clube da Tuna Luso, mas sim, no Clube do Remo.
A apresentação ocorreria no dia 16 de Dezembro novamente às 20h. Com um
programa dividido em duas partes, o primeiro possuía oito apresentações e o segundo,
com nove, era encerrado por meio da “apoteose”, quando todos os atores
participavam com o acompanhamento do pianista Silézio Queiroz ao fundo dando
linhas finais ao espetáculo enquanto as cortinas se fechavam (FOLHA
VESPERTINA, 1943, p.2).
Conclusão
Ao abrir as cortinas, a ribalta ecoou a voz de sujeitos, personagens e criou
relações entre o palco e o público. Este formado por pessoas de diferentes grupos da
sociedade, desde autoridades políticas notórias e militares de alta patente até humildes
trabalhadores. Tendo esta conjuntura, é possível perceber as relações estabelecidas
entre os sujeitos históricos e como, neste momento, as políticas culturais foram
promovidas pelo Estado e, por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda,
houve necessidade de afirmação dos valores defendidos pelo governo varguista; o que
desemboca em uma notável e importante relação entre a política e o teatro.
Nesses laços formados e fortalecidos encontra-se como pano de fundo o
cenário da Segunda Guerra Mundial, no mundo e, no Brasil, o Estado Novo. Tal
contexto tem de ser pensado como um momento singular em que foram construídas e
reproduzidas imagens e representações de aliados e inimigos. Seja por meio dos
periódicos, literatura de cordel ou ainda, do teatro, diversas foram as formas
encontradas para enfatizar o papel dos espiões e os mecanismos que haviam criado
para atuar no país.
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Ao fazer a investigação histórica, o que as fontes nos possibilitam perceber é
que, Coisas da Quinta-Coluna, não foi uma exceção à regra proposta naquele
momento. Circunscrito no período do Estado Novo e, mais do que isso, influenciado
pelos interesses do Brasil e sua entrada na guerra, seu ideólogo e produtor, Divaldo
Ribeiro, foi beneficiado pelos próprios interesses políticos do contexto. Ao perceber
as prerrogativas de que poderia usufruir quando estabelece laços com autoridades
locais, ele se utiliza do discurso e do apoio governamental para garantir a vida da peça
que construiu a sua história na capital paraense.
O teatro, dessa forma, atuou como meio eficaz da construção e reprodução
acerca da imagem e de uma suposta forma de atuação dos inimigos do Brasil, naquele
momento. Ao seguir o fio que conduz aos rastros de uma rede de relações
estabelecidas naquele contexto, é possível compreender o porquê da notoriedade e o
incentivo dado à peça de um autor desconhecido no meio paraense. Obviamente, não
se deve menosprezar a atuação e a competência do artista na produção do espetáculo,
contudo, é necessário perceber que o apoio e o interesse da classe política
contribuíram de maneira fundamental para o sucesso de crítica e de público.
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