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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – UESC
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – DCB
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ZOOLOGIA
DÍDAC SANTOS FITA
COBRA É INSETO QUE OFENDE:
CLASSIFICAÇÃO ETNOBIOLÓGICA, QUESTÕES SANITÁRIAS E
CONSERVAÇÃO NA REGIÃO DA SERRA DA JIBÓIA,
ESTADO DA BAHIA, BRASIL
Ilhéus – BA 2008
Livros Grátis
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DÍDAC SANTOS FITA
COBRA É INSETO QUE OFENDE:
CLASSIFICAÇÃO ETNOBIOLÓGICA, QUESTÕES SANITÁRIAS E
CONSERVAÇÃO NA REGIÃO DA SERRA DA JIBÓIA,
ESTADO DA BAHIA, BRASIL
Dissertação apresentada, para obtenção do título de
mestre em Zoologia, à Universidade Estadual de
Santa Cruz.
Área de concentração: Zoologia Aplicada.
Orientador: Prof. Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto
Co-orientador: Prof. Dr. Alexandre Schiavetti
Ilhéus – BA
2008
III
S237 Santos–Fita, Dídac.
Cobra é inseto que ofende: classificação etnobiológica,
questões sanitárias e conservação na região Serra da Jibóia,
Estado da Bahia, Brasil / Dídac Santos Fita. Ilhéus, BA: UESC,
2008.
xvi, 115f. : il.
Orientador: Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto.
Co-orientador: Dr. Alexandre Schiavetti
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Santa
Cruz. Programa Regional de Pós-Graduação em Zoologia.
Inclui bibliografia e apêndice.
1.Zoologia. 2. Etnobiologia. 3. Animais venenosos. 4.
Conservação da natureza. 5. Ser humano – Influência sobre
a natureza. I. Título.
CDD 590
IV
V
Dedico este trabalho a toda
minha família.
VI
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, irmãos e demais membros de minha família (nem preciso dar
explicações do por quê...).
Ao meu estimado orientador Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto, pelo constante apoio
recebido, plena confiança depositada em mim, infinita paciência (com as
intermináveis idas e vindas do texto via e-mail para correção) e permanente
motivação.
Ao meu co-orientador Dr. Alexandre Schiavetti, pelas sugestões com o texto e por
ter-me obrigado a auto-impor prazos de entrega.
Aos professores Miríades Augusto da Silva, José da Silva Mourão e Paulo dos
Santos Terra, por formarem parte de minha banca de defesa de dissertação;
esperando deles boas críticas construtivas.
Aos professores Romari, Martin e Yvonnick, pela constante disposição e boa
vontade em ter feito da minha estadia na cidade de Ilhéus e no PPG-Zoologia da
UESC cada vez mais prazerosa.
A todos os amigos e colegas do PPG-Zoologia (os especiais já sabem; sobretudo à
Carlinha-Felicia, Nayara, Gabi, Dani, Cássia, Rebeca, Polli, Pepa, Pollyana, Elza,
Marco...).
À Andréia Moassab (pelo encontro e desencontro) e a (minha) querida família
Geraldine Moassab.
Aos meus irmãos Silvas Gaivotas Chiangs do Instituto Emerson Feliciano.
A todos os amigos de São Paulo, destacando o Douglas.
VII
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), pela bolsa de
AT2 concedida e pelo apoio de ajuda a Projeto de Pesquisa – Mestrado.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
bolsa de Mestrado concedida.
Ao professor Flávio Bezerra Barros, pelo seu interesse no meu trabalho, conselhos,
correções e motivação.
Ao professor Gil Marcelo Reuss Strenzel e ao Fábio Falcão, pela ajuda na
elaboração dos mapas.
Ao Marco Freitas e à Thais Silva, pelo fornecimento de várias das fotografias, assim
como pela ajuda na identificação e descrição de várias das espécies animais.
Aos professores Antônio Jorge Suzart Argôlo e Mirco Solé, pela ajuda na
identificação e descrição de várias das espécies animais. Ao professor Dr. Luiz
Alberto Mattos Silva, pela ajuda na identificação das espécies vegetais.
À Rebeca, Gabi, Dani, Polli, Nayara, Camilla Caló, Flávia, Rafa, e ao Djalma,
Cassiano e Fábio Falcão, assim como às professoras Miríades Augusto da Silva e
Geilsa Baptitsta e ao Dr. José Geraldo W. Marques, pelas ajudas, comentários e
criticas construtivas do presente texto.
E, sobretudo, aos moradores do povoado de Pedra Branca e comunidades
circunvizinhas, muito em especial à Dona Nalva (quem foi e será sempre uma
segunda mãe para mim).
A todos vocês e aos que não citei: Muito Obrigado!
VIII
Caminante, son tus huellas el camino y nada más;
caminante, no hay camino, se hace camino al andar.
Al andar se hace camino y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...
fragmento do poema “Caminante” (Antonio Machado)
“Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás”.
(Ernesto Che Guevara)
IX
Cobra é inseto que ofende: classificação etnobiológica, questões sanitárias e
conservação na região da Serra da Jibóia, Estado da Bahia, Brasil
RESUMO
A Etnozoologia, entendida como uma subárea da etnobiologia que transita entre
diversos campos do conhecimento, principalmente a biologia e a antropologia
cognitiva, possibilita uma aproximação acerca dos três domínios (cognição,
afetividade e comportamento) que compõem o fenômeno complexo da relação do
ser humano com os animais. A presente pesquisa registrou o modo como os
moradores da região da Serra da Jibóia, especialmente os que vivem no povoado de
Pedra Branca, município de Santa Terezinha-BA, percebem, identificam, classificam
e interagem com a fauna local, em especial com os animais culturalmente
categorizados como “insetos”. Foram investigados os danos diretos (=ofensas) reais
e/ou imaginários causados por estes animais à saúde humana e as implicações para
a conservação das etnoespécies envolvidas. O trabalho de campo ocorreu entre os
meses de setembro a novembro de 2006 e entre junho a julho de 2007, totalizando-
se 68 dias de convivência in loco. Os dados foram obtidos com ajuda de gravador
seguindo várias técnicas da pesquisa qualitativa para registro etnográfico, como são:
entrevistas abertas, semi-estruturadas e observação ad libitum dos comportamentos
(incluindo-se as expressões facial e corporal). Estas foram realizadas com 74
indivíduos, sendo 39 do gênero masculino e 35 do gênero feminino, cujas idades
variaram de 4 a 89 anos. A técnica de “bola de neve” permitiu contatar aqueles
moradores (n=34) que se mostraram mais conhecedores sobre as questões tratadas
na pesquisa. Os resultados revelam a existência de dois domínios semânticos
etnozoológicos principais: “animal” e “inseto”. Os indivíduos entrevistados
distinguem estes dois domínios não por meio de uma definição única e abrangente,
mas oferecendo exemplos de organismos que eles agrupam em cada etnotáxon. O
domínio “inseto” reúne diferentes animais não sistematicamente relacionados, tais
como: aranha, escorpião, sapo, lagartixa, sardão, cobra e morcego, além dos
representantes da Classe Insecta. Às vezes, alguns insetos, como abelhas e
borboletas, são citados como exemplos de “animais” devido à importância utilitária
ou estético-contemplativa. Em geral, devido às representações culturais, os “insetos”
X
são seres feios, nojentos, perigosos, nocivos e inúteis. Segundo o sistema de
classificação etnozoológico dos moradores do povoado de Pedra Branca, o domínio
“inseto” pode ser caracterizado como um complexo etnotaxonômico identificado e
descrito com base não apenas nos aspectos cognitivos (caracteres morfológicos e
biológicos), mas, sobretudo, nos aspectos utilitaristas (culturais). A ofensa é uma
das principais características usadas na formação do etnotaxón “inseto”, uma vez
que tem implicação na saúde da população local. Por essa razão, aranhas,
escorpiões, morcegos e, principalmente, cobras, muito freqüentemente são mortos,
enquanto que sapo, sardão e lagartixa são tratados com certa indiferença, com a
conseqüência de que quase não se observa uma vontade para eliminá-los. Para os
ofídios foram registradas crenças e práticas (simpatias) locais associadas à questão
da ofensa, algumas das quais incitam de forma clara e direta a eliminação desses
répteis. Os moradores de Pedra Branca utilizam vários remédios caseiros
preparados com matérias-primas de origem mineral, vegetal e animal, além de
simpatias e rezas, visando o tratamento e/ou prevenção das ofensas causadas pelos
“insetos”; especialmente pelas cobras e escorpiões. A disponibilidade e maior
facilidade em obter soro para tratamento de picada por animais peçonhentos
parecem ter levado ao desuso e à desvalorização das práticas médicas locais, que
outrora constituíam a única opção possível de cura. Estudos recentes na área da
biologia da conservação enfatizam que os fatores emocionais são essenciais em
qualquer ação conservacionista bem sucedida. Alterando-se o referencial afetivo-
emocional, a maneira como os objetos (neste caso, os “insetos”) são percebidos,
valorizados e tratados pelos indivíduos poderia ser transformada, gerando uma
convivência menos conflituosa com esses animais. Daí a importância de
compreender a formação do domínio semântico “inseto” e as representações
culturais associadas a este complexo etnotaxonómico.
Palavras-chave: Etnobiologia, Etnotaxonomia, Interação ser humano/animal,
Animais peçonhentos, Percepção da Natureza, Conservação.
XI
The snake is an insect that offends: ethnobiological classification, sanitary
issues and conservation in the region of Serra da Jibóia, Bahia State, Brazil
ABSTRACT
Ethnozoology is known as a sub-area of ethnobiology that moves through among
several science fields, mainly biology and cognitive anthropology. It makes possible
an approach on the three dominions (cognition, emotion and behavior) that comprise
the complex phenomenon of the relationship between human beings and the
animals. This study recorded how the inhabitants of Serra da Jibóia region,
especially those who dwell in the county of Pedra Branca, in the municipality of Santa
Terezinha-BA, perceive, identify, classify, and interact with the local fauna, with
emphasis on the animals culturally categorized as “insects”. The direct injuries
(“offenses”), both real and/or imaginary ones, which are caused by these animals to
human healthy, and the implications for conservation of the involved folk specifics
were recorded. Fieldwork was carried out from September to November 2006 and
from June to July 2007, with a total of 68 days of living in this community. Data were
obtained by using a digital recorder and following several ethnographical techniques
of the qualitative research, such as open-ended interviews and ad libitum observation
of the human behaviors (including the facial and corporal expressions). These
techniques were carried out with 74 individuals: 39 from masculine gender and 35
from feminine gender, whose ages ranged from 4 to 89 years old. The technique
called as “snow ball” has allowed to contact those inhabitants (n=34) who have
showed themselves as the most knowledgeable persons on the questions surveyed
in this study. Results show the existence of two main ethnozoological semantic
dominions: “animal” and “insect”. The interviewed distinguish these two dominions
not by means of a unique and comprising definition, but offering examples of
organisms that they group together in each of these ethnotaxa. The “insect”
dominium gathers different animals not systematically related to each other, such as
spider, scorpion, toad, lizard, snake, and but, as well as the representatives of the
Class Insect. Sometimes, some insects, as bees and butterflies, are cited as
examples of “animals” due to the utility or aesthetic-contemplative importance. In
general, “insects” are considered ugly, disgusting, dangerous, noxious, and useless
XII
beings due to cultural representations. According to the ethozoological classification
system of the Pedra Branca inhabitants, the “insect” dominion can be characterized
as an ethnotaxonomical complex that is identified and described based not only on
cognitive aspects (morphological and biological), but especially on the utilitarian
(cultural) aspects. Offense is one of the main characteristics used to make up the
“insect” ethnotaxon, since it has implication on locals’ health. In this regard, spiders,
scorpions, bats, and mainly snakes are frequently killed, while toads and lizards are
treated with some indifference, with the consequence that almost it is not observed a
will to kill them. For the snakes local beliefs and practices (charms) associated to the
question of offense were recorded. Some of them incite the elimination of these
reptiles in a clear and direct way. The dwellers of Pedra Branca have used several
homemade remedies which are based on mineral, vegetal and animal substances,
besides charms and pray aiming at the treatment and/or prevention of the offenses
caused by “insects”; especially snakes and scorpions. The availability and higher
ease to obtain the sorum for treatment against venomous animal stings seem to have
caused both the disuse and devaluation of local medical practices, which formerly
have constituted the only possible option of healing. Recent studies in the area of
conservation biology have emphasized that emotional factors are essential in any
successful conservationist action. By changing the affective-emotional reference the
way how the objects (“insects” in this case) are perceived, valued and treated by the
individuals could be transformed, and thus living together with these animals in a less
conflicting way. That is why the importance to understand the formation of the
semantic dominion “insect” and the cultural representations associated to this
ethnotaxonomical complex.
Key words: Ethnobiology, Ethnotaxonomy, Human/animal interaction, Venomous
animals, Nature perception, Conservation.
XIII
Serpiente es insecto que ofende: clasificación etnobiológica, cuestiones
sanitarias y conservación en la región de la Serra da Jibóia, Bahia, Brasil
RESUMEN
La Etnozoología, entendida como una subárea de la etnobiología que transita entre
diversos campos del conocimiento, principalmente la biología y la antropología
cognitiva, posibilita una aproximación acerca de los tres dominios (cognición,
afectividad y comportamiento) que componen el fenómeno complejo de la relación
del ser humano con los animales. La presente investigación registró el modo como
los habitantes de la región de la Serra da Jibóia, especialmente los que viven en el
poblado de Pedra Branca, municipio de Santa Terezinha-BA, perciben, identifican,
clasifican e interactúan con la fauna local, especialmente con los animales
culturalmente categorizados como “insectos”. Fueron investigados aquellos daños
directos (=ofensas) reales y/o imaginarios causados por estos animales a la salud
humana y las implicaciones para la conservación de las etnoespecies envueltas. El
trabajo de campo ocurrió entre los meses de septiembre a noviembre de 2006 y
entre junio a julio de 2007, contabilizándose 68 días de convivencia in loco. Los
dados fueron obtenidos con ayuda de grabadora siguiendo varias técnicas de la
investigación cualitativa para registro etnográfico, como son: entrevistas abiertas,
semiestructuradas y observación ad libitum de los comportamientos (incluyendo las
expresiones facial y corporal). Estas fueron realizadas con 74 individuos, siendo 39
del género masculino y 35 del género femenino, cuyas edades variaron de 4 a 89
años. La técnica de “bola de nieve” permitió contactar aquellos habitantes (n=34)
que se mostraron mas conocedores en relación a las cuestiones tratadas durante la
investigación. Los resultados revelan la existencia de dos dominios semánticos
etnozoológicos principales: “animal” y “insecto”. Los individuos entrevistados
distinguen estos dos dominios no mediante una definición única, sino ofreciendo
ejemplos de organismos que ellos agrupan en cada etnotáxon. El dominio “insecto”
reúne diferentes animales no sistemáticamente relacionados, tales como: araña,
escorpión, sapo, lagartija, “sardão”, serpiente y murciélago, además de los
representantes de la Clase Insecta. A veces, algunos insectos, como abejas y
mariposas, son citados como ejemplos de “animales” debido a la importancia
XIV
utilitaria o estético-contemplativa. En general, debido a las representaciones
culturales, los “insectos” son considerados seres feos, repugnantes, peligrosos,
nocivos e inútiles. Según el sistema de clasificación etnozoológico de los habitantes
del poblado de Pedra Branca, el dominio “insecto” puede ser caracterizado como a
un complejo etnotaxonómico identificado y descrito en base no únicamente en los
aspectos cognitivos (caracteres morfológicos y biológicos), sino también, sobretodo,
en los aspectos utilitaristas (culturales). La ofensa es una de las principales
características utilizadas en la formación del etnotaxón “insecto”, una vez que tiene
implicaciones en la salud de la población local. Por diversos motivos, arañas,
escorpiones, murciélagos y, principalmente, serpientes, frecuentemente son
muertos, en cuanto que sapo, “sardão” y lagartija son tratados con cierta
indiferencia, con la consecuencia que casi no se observa una voluntad en
eliminarlos. Para los ofidios se registraron creencias y prácticas (“simpatias”) locales
asociadas a la cuestión de la ofensa, algunas de las cuales incitan de forma clara y
directa a la eliminación de estos reptiles. Los habitantes de Pedra Branca utilizan
varios remedios caseros preparados con materias primarias de origen mineral,
vegetal y animal, además de “simpatias” y rezas, visando el tratamiento y/o
prevención de las ofensas causadas por los “insectos”; especialmente por las
serpientes y escorpiones. La disponibilidad y mayor facilidad en obtener suero para
tratamiento de picada por animales venenosos parece haber llevado al desuso y a la
desvalorización de las prácticas médicas locales, que en otros tiempos constituyeron
la única opción posible de cura. Estudios recientes en el área de la biología de la
conservación enfatizan que los factores emocionales son esenciales en cualquier
acción conservacionista bien sucedida. Modificándose el referencial afetivo-
emocional, la manera como los objetos (en este caso, los “insectos”) son percibidos,
valorizados y tratados por los individuos podría ser transformada, generando una
convivencia menos conflictiva con estos animales. De aquí la importancia de
comprender la formación del dominio semántico “insecto” y las representaciones
culturales asociadas a este complejo etnotaxonómico.
Palabras clave: Etnobiología, Etnotaxonomía, Interacción ser humano/animal,
Animales venenosos, Percepción de la Naturaleza, Conservación.
XV
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Localização da Serra da Jibóia: Região do Recôncavo Sul no
Estado da Bahia, Brasil.............................................................................20
Figura 2 Vista parcial da margem Oeste da Serra da Jibóia...................................21
Figura 3 Localização da comunidade de Pedra Branca (município de
Santa Terezinha) no sopé da Serra da Jibóia...........................................22
Figura 4 Vista parcial da praça do povoado de Pedra Branca, com a
Igreja de Nossa Senhora de Nazaré ao fundo.........................................23
Figura 5 Aspecto da sala de aula da escola do povoado de Pedra
Branca........................................................................................................24
Figura 6 Animais não-insetos citados durante as entrevistas com os
moradores de Pedra Branca, distribuídos segundo a inclusão
nos domínios etnozoológicos “inseto” ou “animal”...................................35
Figura 7 “Rosalgar”: objeto usado localmente para afastar as cobras...................73
Figura 8 Resultado típico do encontro entre os moradores da Serra da
Jibóia e as cobras.....................................................................................85
Figura 9 Efeito resultante da picada pela cobra cabo-branco (filhote de
Bothrops leucurus)...................................................................................89
XVI
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Etnoespécies locais de “insetos” envolvidas nas ofensas causadas
à saúde humana, com base na presente pesquisa..................................42
Tabela 2 Crenças relacionadas (direta ou indiretamente) à questão das ofensas
causadas pelas etnoespécies de cobra, segundo os depoimentos dos
moradores de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.............................60
Tabela 3 Etnoespécies vegetais citadas nas crenças relacionadas com as
cobras, segundo os moradores do povoado de Pedra Branca,
Santa Terezinha,Bahia..............................................................................67
Tabela 4 Simpatias relacionadas com ofensas causadas pelas etnoespécies
de cobra, segundo os depoimentos dos moradores de Pedra Branca,
Santa Terezinha, Bahia...........................................................................70
Tabela 5 Objetos que os moradores da região da Serra da Jibóia carregam
consigo para afastar as cobras.................................................................72
Tabela 6 Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados
visando prevenir ou tratar picada de cobra, segundo os moradores
do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha,Bahia............................75
Tabela 7 Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados
visando prevenir ou tratar ferroada de escorpião, segundo os
moradore do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia......... .80
XVII
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................1
1.1 Investigação Etnozoológica.................................................................................1
1.2 Delimitação e Enfoques do Assunto Tratado......................................................2
1.3 Justificativa da Presente Pesquisa......................................................................3
2 OBJETIVOS.............................................................................................................5
2.1 Objetivo Geral......................................................................................................5
2.2 Objetivos Específicos..........................................................................................5
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA....................................................................................6
3.1 Interação Ser humano/Animal.............................................................................6
3.2 A Perspectiva Etnozoológica...............................................................................7
3.3 Etnociência e a Ênfase nos Sistemas de Classificação......................................8
3.4 Etnoentomologia................................................................................................12
3.5 Percepções, Sentimentos e Atitudes com Relação aos Insetos.......................14
3.6 Construção Sociocultural do Domínio Etnozoológico “Inseto”..........................16
3.7 Danos Diretos Causados Pelos “Insetos”: Repercussões na Saúde
Humana e Implicações na Conservação da Biodiversidade.............................17
4 MATERIAL E MÉTODOS......................................................................................19
4.1 Área de Estudo.................................................................................................19
4.1.1 Características gerais: a Serra da Jibóia.....................................................19
4.1.2 O povoado de Pedra Branca.......................................................................21
4.2 Trabalho de Campo.........................................................................................25
4.2.1 Amostragem e obtenção de dados.............................................................25
4.2.2 Análise dos dados.......................................................................................28
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................................30
5.1 Os “Insetos” Segundo a Percepção dos Moradores de Pedra Branca.............30
5.1.1 Formação dos domínios semânticos “Animal” e “Inseto”...........................30
5.1.2 Domínio semântico “inseto”: definição e abrangência...............................33
5.1.3 A questão da ofensa: implicações na percepção, conhecimento e
reações afetivo-emocionais com os “insetos”............................................40
5.2 Crenças e Práticas Associadas às Ofensas Causadas pelos “Insetos”............54
5.2.1 Significado antigo atribuído ao termo ofensa.............................................54
XVIII
5.2.2 Crenças e estórias relacionadas com “insetos” ofensivos.........................58
5.2.3 Simpatias, remédios caseiros e rezas para prevenir e tratar ofensas.......68
5.2.3.1 Simpatias.............................................................................................69
5.2.3.2 Remédios caseiros..............................................................................75
5.2.3.3 Rezas..................................................................................................80
5.2.4 Situação atual: presença do soro e perda dos saberes e práticas
culturais locais..........................................................................................81
5.3 Atitudes Culturalmente Construídas sobre o Etnotáxon “Inseto”: Implica-
ções na Conservação e o Papel da Educação Ambiental................................83
5.3.1 Representação afetiva e conservação da biodiversidade local......... .......83
5.3.2 Educação ambiental como ferramenta de transformação afetivo-
emocional: repercussões na percepção e no comportamento.................86
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................91
REFERÊNCIAS..........................................................................................................95
APÊNDICES.............................................................................................................108
1
1 INTRODUÇÃO 1.1 Investigação Etnozoológica
A percepção1 que os seres humanos têm sobre os animais, assim como os
tipos de interação que desenvolvem com eles e as atitudes2 mostradas com
relação às diferentes espécies, sempre dependeu do conjunto de fatores ecológicos,
geográficos, históricos, econômicos, psicológicos (sobretudo os afetivo-emocionais),
epidemiológicos, filosóficos (incluindo a ética), sociais e culturais (incluindo aspectos
lingüísticos e religiosos) entre outros, próprios das circunstâncias temporal e
espacial de cada grupo social, como comunidade, e de cada componente, como
indivíduo (TURBAY, 2002).
Estas interações podem ser investigadas segundo diferentes disciplinas
acadêmicas, oriundas tanto das ciências biológicas (biologia, ecologia, etologia etc.)
quanto das ciências humanas e sociais (antropologia, psicologia, lingüística etc.). A
etnozoologia, entendida como uma área interdisciplinar que transita entre diversos
campos do conhecimento, principalmente a biologia e a antropologia cognitiva, em
um constante vaivém entre as ciências biológicas e as ciências humanas e sociais,
possibilita uma aproximação acerca dos três domínios (cognitivo, afetivo e
comportamental) que compõem o fenômeno complexo da relação do seres humanos
com os animais.
Em uma visão mais estrita, o principal objeto da abordagem etnozoológica é o
estudo (descritivo) dos sistemas de classificação zoológica encontrados nas
diversas culturas. Sob um contexto mais abrangente, porém, possibilita o
entendimento, por meio da análise da linguagem, não só de como se constrói e se
estrutura cada classificação etnozoológica, mas também das causas e
conseqüências da percepção, identificação, nomeação e categorização dos animais,
reais e/ou mitológicos, que povoam o universo próprio dos grupos étnicos de todo o
mundo. Em outras palavras, percepção, sentimento (reações afetivo-emocionais) e
uso determinam, em última instância, as atitudes (positivas ou negativas)
1Segundo o sentido dado por Harris (1979:491-523) e Posey (1997:1) apud Miller (2007), percepção se refere a uma descrição dos conhecimentos e crenças de um povo, relativos ao meio ambiente. 2Entendida como uma posição emocional ou intelectual em relação a um outro ser vivo, fato, etc., assim como do comportamento conseqüente em relação a este.
2
direcionadas aos animais. Trata-se, portanto, da relação entre o que é pensado
(cognição), o que é falado (palavra) e o que é feito (ação) (VIERTLER, 2002). A
etnotaxonomia pode ser um indicador desse processo cognitivo-lingüístico-
comportamental (COUTO, 2007).
1.2 Delimitação e Enfoques do Assunto Tratado
O presente trabalho se insere dentro do projeto de pesquisa intitulado
Interação do Ser Humano com os Insetos: Investigação Etnoentomológica na Região
da Serra da Jibóia, Estado da Bahia, Brasil, que, por sua vez, é uma extensão de um
estudo desenvolvido entre 2000-2003 na comunidade de Pedra Branca (município
de Santa Terezinha) e do qual resultou uma tese de doutorado defendida em agosto
de 2003 na Universidade Federal de São Carlos, São Paulo (COSTA NETO, 2003),
além de vários artigos científicos e de divulgação publicados em diferentes revistas
nacionais e internacionais. Este estudo, de caráter essencialmente descritivo,
permitiu registrar diversos aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais da
população local com a entomofauna, admitindo-se então que os insetos
desempenham um papel significativo na vida sociocultural dos moradores da região
da Serra da Jibóia, Bahia (COSTA NETO, 2003). No entanto, restaram muitos
aspectos a serem descritos e analisados com maior detalhe e esclarecimento, como,
por exemplo, a questão da construção sociocultural do domínio etnozoológico
“inseto”3, uma vez registrado por Costa Neto (2003) que os moradores da região
identificam e reúnem, na mesma etnocategoria, diferentes animais não
sistematicamente relacionados junto aos próprios insetos da classificação lineana.
Com a presente pesquisa, o autor quis indagar sobre o como e o porquê
desta construção do etnotáxon “inseto”. Para isso, escolheu-se direcionar o estudo
na compreensão do significado do termo “ofensa” e nas conseqüências dos danos
diretos (reais e/ou imaginários) causados pelos “insetos” no que se refere à saúde
humana, bem como as implicações culturalmente resultantes para a conservação
das etnoespécies envolvidas. Em outras palavras, o fio condutor central da presente
3Ao longo do texto, o termo inseto escrito entre aspas se refere ao domínio semântico etnozoológico “Inseto”, que inclui diferentes animais não sistematicamente relacionados, além dos insetos da classificação lineana.
3
pesquisa focaliza-se no modo como os moradores do povoado de Pedra Branca
percebem, classificam e interagem com os animais considerados “insetos”. Desta
questão, resultaram três temas de estudo, inter-relacionados, que foram
desenvolvidos ao longo do trabalho: a) percepções, sentimentos e atitudes da
população local com relação aos “insetos”; b) as ofensas ou danos diretos (reais
e/ou imaginários) causados por estes organismos à saúde humana; e c)
considerações sobre conservação da biodiversidade local.
1.3 Justificativa da Presente Pesquisa
Os sistemas de classificação etnozoológicos estão intimamente ligados à
maneira pela qual cada cultura, de um modo muito particular, pensa, sente e atua
com relação aos animais presentes em seu entorno. Diversos estudos demonstram
que em várias culturas humanas, os indivíduos identificam e reúnem, em uma
mesma etnocategoria, diferentes animais não sistematicamente relacionados (p.ex.,
lesmas, minhocas, escorpiões, aranhas, sapos, lagartos, serpentes, ratos, morcegos
etc.) junto aos Insecta propriamente ditos. Estes animais são percebidos,
identificados, classificados e nomeados como “insetos” principalmente devido à
representação afetiva e às atitudes culturalmente associadas ao termo “inseto”, que
geralmente é usado para se referir àquele organismo tido como um ser feio,
repugnante, nocivo, perigoso ou transmissor de doenças e que, consequentemente,
deve ser eliminado (COSTA NETO, 2000, 2002).
Para reverter a (predominante) visão negativa que os indivíduos têm sobre os
“insetos” e garantir a conservação desses animais, mediante uma prática de
educação ambiental centrada na perspectiva cultural, assim como melhorar a
qualidade de vida da população humana, no que se refere a fornecer uma saúde
pública de qualidade, tanto os tomadores de decisão quanto os pesquisadores e
educadores necessitam saber articular o conjunto de saberes da população local
junto aos acadêmicos para solucionar questões socioambientais (POSEY, 2001).
Acredita-se que a pesquisa etnobiológica (primeiro descritiva para depois ser
aplicada) possa contribuir a este respeito.
Espera-se que os resultados deste trabalho possam subsidiar estudos futuros
que venham a ser desenvolvidos tanto na região da Serra da Jibóia como em outras
4
localidades onde a realidade socioambiental seja semelhante, buscando guiar
discussões amplas sobre bem-estar físico e mental, saneamento básico, práticas de
medicina tradicional e valorização do saber popular, assim como conservação da
biodiversidade, por meio de programas educativos efetivos e contextualizados
(principalmente nas escolas públicas regionais).
5
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral:
Registrar os aspectos cognitivos (percepções e pensamentos), afetivos
(sentimentos) e comportamentais (atitudes) que estão envolvidos nas relações que
os moradores da região da Serra da Jibóia, especialmente os que vivem no povoado
de Pedra Branca, município de Santa Terezinha-BA, mantêm com os animais
localmente categorizados como “insetos”, com ênfase tanto nos danos diretos
(=ofensas) reais e/ou imaginários causados à saúde humana, quanto nas
implicações resultantes à conservação das etnoespécies envolvidas.
2.2 Objetivos Específicos:
a) Registrar a construção dos domínios semânticos etnozoológicos “animal” e
“inseto” pelos moradores do povoado de Pedra Branca e arredores;
b) Descrever o significado sociocultural do termo “ofensa”, relacionando-o com os
danos diretos (reais e/ou imaginários) causados à saúde humana pelos animais
considerados “insetos”;
c) Identificar taxonomicamente os “insetos” envolvidos nas ofensas causadas aos
moradores;
d) Relacionar os saberes e práticas populares locais em relação às estórias,
crenças, remédios caseiros, simpatias e rezas que visam prevenir ou tratar as
ofensas causadas pelos “insetos”.
e) Identificar quais os comportamentos (atitudes) da população local com as
etnoespécies de “insetos” que causam ofensas.
6
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
3.1 Interação Ser humano/Animal
O Homo sapiens construiu sua própria história evolutiva (biológica e cultural)
ao lado de outros seres vivos, em especial pelo convívio com uma diversidade de
espécies animais encontradas nos diferentes ecossistemas e regiões em que
habitou. Os animais sempre constituíram e continuam a constituir parte importante e
essencial da realidade e do cotidiano humanos (ULLOA, 2002). Um dos mais antigos
registros conhecidos do relacionamento com os animais se encontra na arte rupestre
pré-histórica (COMBES e GUITTON, 1999). Estes registros precedem até o próprio
ser humano, já que nossos ancestrais desde o Australopitecus já consumiam carne
(normalmente carcaças encontradas) e isso data de mais de três milhões de anos
atrás (UNGAR, 2004).
Os estudos sobre as interações ser humano/animal podem ser enfocados
segundo diversas abordagens teórico-metodológicas, valendo-se de uma
perspectiva inter e transdisciplinar4. Em toda sociedade humana, pode-se investigar:
a) o modo como os indivíduos percebem os animais e os sistemas tradicionais de
classificação zoológica (HUNN, 1977; POSEY, 1983; BERLIN, 1992; MARQUES,
2001; COSTA NETO, 2002); b) a importância e presença que determinada fauna
tem nos contos, mitos e crenças, ou seja, o papel que os animais reais ou
mitológicos desempenham na explicação da realidade (cosmovisão e modelos
conceituais de mundo) (DESCOLA, 1996, 1998; KARADIMAS, 1999; VIVEIROS DE
CASTRO, 2002); c) os aspectos ecológicos e culturais da utilização dos animais e
seus subprodutos (alimentício, medicinal, econômico, religioso, lúdico, artístico etc.)
(BEGOSSI, 1992, COSTA NETO, 1999b, 2002; PESSOA et al., 2002; SANTOS-
FITA et al., 2006); d) o processo de domesticação, verificando as bases
socioculturais e as conseqüências anatômico-fisiológicas, econômicas e ambientais
do manejo dos recursos faunísticos ao longo do tempo (HAUDRICOURT, 1977;
FRANÇOIS, 1988; DIGARD, 1992); e) o manejo, uso sustentável e conservação da
4Movimentando-se entre (inter) as diversas disciplinas, o pesquisador apodera-se das respectivas ‘ferramentas’ mais úteis e adequadas ao seu trabalho. Ao mesmo tempo, ele deve aprender a transitar (trans; transcender) entre esta interdisciplinaridade, para tomar ‘distância’ e ver tudo com maior perspectiva e ângulo de visão (compreensão) (MARQUES, 2002; CAMPOS, M., 2002).
7
biodiversidade, incluindo as técnicas de coleta e seu impacto sobre as diferentes
populações animais (BALÉE, 1985; BODMER, 1999; FLECK e HARDER, 2000;
REYES et al., 2001; MARTINS e SOUTO, 2006).
As relações seres humanos/animais são, ao mesmo tempo, causa e efeito de
como cada cultura constrói sua noção do que é e do que não é “animal”. Delimitam-
se as fronteiras entre domínios, estabelecendo os atributos e as relações com os
animais, e isto em função das circunstâncias próprias de cada cultura e em um
tempo, espaço e momento histórico particular (ULLOA, 2002).
3.2 A Perspectiva Etnozoológica
A etnozoologia faz parte de um campo de estudos mais abrangente, a
etnobiologia. Quando se discutem os fundamentos teórico-metodológicos da
etnobiologia, por extensão também são analisados aqueles relacionados com a
etnozoologia, sem esquecer da etnobotânica e de outras subáreas que constituem o
que se conhece(m) como etnociência(s). Na formação da palavra etnobiologia, o
prefixo etno denota que nos mesmos estudos sobre um determinado campo da
experiência humana se incluirá a perspectiva do grupo étnico sob análise,
registrando-se a classificação dos fenômenos naturais e sociais de um povo, isto é,
o manejo de outras formas lógicas de cognição, outros esquemas referenciais,
modelos alternativos de conhecimento e de adaptação bio-psico-cultural
(ARBOLEDA, 2003).
O termo etnobiologia foi cunhado por Castetter em 1935 e definido por ele
como o estudo da “utilização da fauna e flora pelos povos primitivos” (BERLIN, 1992,
p. 6). Desde então, vários autores propuseram definições diferentes para o que vem
a ser etnobiologia. Clément (1998, p. 162) considera-a como “o estudo das ciências
biológicas tal como são praticadas pelos vários povos estudados pela etnologia”.
Segundo Posey (1986, p. 15), a etnobiologia é “essencialmente o estudo do
conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito
da biologia. [...] É o estudo do papel da natureza no sistema de crenças e de
adaptação do homem a determinados ambientes”. Esta definição é de suma
importância e utilidade ao presente estudo, pois além de relacionar a etnobiologia
com a ecologia humana, enfatiza como ela serve de estudo sobre as categorias e
8
conceitos cognitivos utilizados por uma determinada população humana na sua
interação com qualquer elemento do ambiente (POSEY, 1986).
O termo etnozoologia, por sua vez, foi cunhado e definido por Mason (1899,
p. 50) como “a zoologia da região tal como narrada pelo selvagem”. Ao investigar as
técnicas de caça de alguns povos indígenas norte-americanos, Mason afirmou que
toda a fauna de uma dada região, direta ou indiretamente, entra na vida e
pensamento de um povo. Na literatura, porém, o termo só apareceu explicitamente
em 1914 no artigo intitulado Ethnozoology of the Tewa Indians, de Henderson e
Harrington. Parafraseando Campos, M. (1994), a etnozoologia pode ser entendida
como o estudo da ciência zoológica do “Outro”, construída a partir do referencial de
saberes da Academia. Ou, ainda, o estudo do quê os indivíduos sabem sobre os
animais que não é ensinado pela Ciência (ELLEN, 1996).
Convertida em objeto de estudo antropológico, a Zoologia agora passa a
oferecer um sistema de nomenclatura e de classificação dos animais de modo
distinto ao observado pela academia. Mais do que refletir uma ordem natural, a
etnozoologia evidencia a percepção, o estado dos conhecimentos e as formas de
sociabilização que a comunidade tem com a fauna de sua região (TURBAY, 2002).
3.3 Etnociência e a Ênfase nos Sistemas de Classificação
No final do século XIX começaram a surgir disciplinas ou campos de estudo
que traziam o prefixo etno diante de uma dada especialidade acadêmica. Tendo
uma origem explicitamente marcada pelo etnocentrismo ocidental, nas primeiras
pesquisas realizadas sobre etnobotânica e etnozoologia o interesse dos
antropólogos e etnólogos5 estava no modo como as sociedades rotuladas de
“primitivas” aproveitavam plantas e animais (aspectos meramente de ordem
econômica), prevalecendo listas com nomes comuns, seus equivalentes na
taxonomia acadêmica e os possíveis usos que lhes davam as culturas sob análise. A
este tipo de investigação, Conklin (1954, p. 10) dizia tratar-se “mais apropriadamente
de botânica (ou zoologia) com notas de etnologia”. Negava-se, de um modo geral,
qualquer indício mínimo de “conhecimento empírico” que fosse próprio dos grupos
5Para uma profunda revisão bibliográfica, aconselham-se as leituras de Brown, R. (1868), Palmer (1878), Mason (1899), Maldonado-Koerdell (1940), Baker (1941), Castetter (1944), entre outros.
9
indígenas. Desse modo, os pesquisadores estavam mais preocupados em registrar
os recursos que poderiam ser úteis para benefício de sua própria cultura do que
estudar os saberes milenares destas populações (CLÉMENT, 1998).
Os estudos etnobiológicos foram fortalecidos e ganharam maior amplitude
com o advento de um movimento antropológico de tendência cognitivista e sócio-
lingüística, surgido por volta de 1950, especialmente na Universidade de Yale
(Estados Unidos). Conhecida como Etnociência, Nova Etnografia ou Etnografia
Semântica6, esta escola não só aportou um novo paradigma teórico-metodológico
aos estudos da relação ser humano/natureza como, sobretudo, revolucionou o
registro etnográfico (COSTA NETO, 2002). O objetivo era entender como o mundo é
percebido, identificado e compreendido pelas diversas culturas humanas; e sendo
tudo isto um reflexo de como as sociedades ordenam e nomeiam os elementos do
seu ambiente em sistemas de classificação (TURBAY, 2002). Os pesquisadores,
então, começaram a considerar a botânica e a zoologia acadêmicas como
secundárias e passaram a dar maior ênfase à percepção nativa dos organismos
vivos. No início, este tipo de estudos realizava-se quase que exclusivamente com
povos indígenas; para posteriormente serem feitos também com os vários grupos
inseridos dentro da própria sociedade moderna ocidental, entre eles nas zonas
rurais com os camponeses (CARRARA, 1997 apud MOURÃO, 2000).
Por meio de análises etnossemânticas (provenientes da lingüística), os
pesquisadores começaram a realizar estudos centrados nos aspectos cognitivos,
buscando registrar o significado conferido por uma dada sociedade à diversidade de
organismos (reais e/ou mitológicos) presentes nos ecossistemas (HARRIS, 1976).
Os seguidores da nova etnografia justificavam a grande ênfase dada aos aspectos
semânticos e de classificação alegando que as decisões sobre os usos alimentícios,
tecnológicos, medicinais etc. das plantas e animais baseiam-se em critérios que
podem ser expressos em forma lingüística (TURBAY, 2002). Segundo Revel (1990),
cada idioma em particular possui uma visão única do mundo, uma vez que todas as
percepções (ver, ouvir, tocar, cheirar e saborear) são canalizadas pelos hábitos 6Para uma revisão bibliográfica mais extensa e detalhada sobre a origem e pressupostos teóricos da etnociência, recomenda-se a leitura tanto de seus representantes e fundadores (H.C. Conklin, F.C. Loundsbury, F.C. Wallace, V. Atkins, W.H. Goodenough, C.O. Frake, W.C. Sturtevant entre outros), como dos trabalhos de Berlin e Kay (1969) sobre classificação de cores, e os de Berlin et al. (1973) e Berlin (1976, 1992) sobre classificação etnobiológica. Aconselha-se também uma revisão do tema em Sturtevant (1974), Cardona (1985) e Clément (1998a), assim como da coletânea de artigos clássicos na revista Cognitive Anthropology feita por Tyler (1969 apud Campos, M., 2002).
10
lingüísticos que favorecem certas alternativas de interpretação. Os padrões de
expressão lingüística de uma dada cultura indicariam qualquer regularidade
classificatória: “Categorias são construções lingüísticas que capacitam uma cultura a
dar ordem a seu universo, organizar suas percepções coletivas e as relações dos
seres com os fenômenos” (GREENE, 1995, tradução nossa). Desse modo, passou-
se a considerar as diferentes culturas como sistemas de saberes ou de aptidões
mentais, tais como revelados pelas suas próprias estruturas lingüísticas. A grande
importância deste tipo de estudo está, precisamente, na afirmação de que toda
sociedade esforça-se por compreender o universo ao seu redor (COSTA NETO,
2002).
Considerando que a psique humana é classificadora por “natureza”, os
indivíduos sempre responderam à diversidade biológica, abiótica e sobrenatural do
ambiente agrupando os elementos pelas semelhanças e separando-os pelas
diferenças (BROWN e CHASE, 1981). Como Lévi-Strauss (1989) aponta, existe uma
necessidade intelectual inerente ao ser humano em demandar ordem ao universo,
pois só assim se consegue entender, referenciar, inserir-se e dominar o mundo. Esta
exigência de ordem (= ato de classificar) é, precisamente, a base de todo
pensamento humano, seja científico ou tradicional7. Trata-se de combater
(culturalmente) o caos, estruturando-o e dando-lhe um sentido coerente. Os seres
humanos processam e ordenam as informações percebidas por meio dos sentidos, e
isto implica:
[...] definir categorias de objetos ou de seres, formar conjuntos, estabelecer hierarquias, relações de exclusão, de inclusão e de compatibilidade ou incompatibilidade. O sistema de classificação que resulta ao final serve, por sua vez, de orientação no mundo e constitui uma espécie de filtro através do qual se percebe o real (TURBAY, 2002, p. 89, tradução nossa).
Com o avanço dos estudos em antropologia cognitiva, pôde-se compreender
que o conhecimento dos povos indígenas, tradicionais, camponeses etc. implica
7Considera-se que esta exigência de ordem não é um critério epistemológico suficiente como para julgar tipos de conhecimento, uma vez que ordem pode ser estabelecida e alcançada a partir de epistemologias muito distintas, não necessariamente, e unicamente, a partir da ocidental. Ambas, a ciência moderna e a “ciência do concreto” – denominação de Lévi-Strauss (1989) para o ‘conhecimento tradicional’ – devem ser colocadas como modos de conhecimento paralelos (e não como etapa uma da outra), embora diferentes e com eficiência prática distinta (BANDEIRA, 2001).
11
uma série de procedimentos e métodos de observação comparáveis aos da ciência
acadêmica (ocidental), além de que para eles o universo também é objeto de
pensamento, um meio para satisfazer tanto as necessidades intelectuais quanto
materiais (LÉVI-STRAUSS, 1989). Este autor também foi um dos primeiros
pesquisadores a afirmar que a separação entre espécies, que se observa nas
etnotaxonomias, embora nem sempre seja igual à que se faz na zoologia
acadêmica, também é resultado de procedimentos lógicos que muitas vezes,
inclusive, permitem aos cientistas identificar uma espécie de forma precisa. A
escolha por critérios de classificação denota certa subjetividade e imparcialidade por
parte de quem a constrói, não exercendo uma simples atividade racional, mas
expressando também sentimentos e emoções. Classificar ajuda a valorizar,
representar e simbolizar o mundo e com isso edifica-se um conhecimento do
universo que não é só material, mas também é simbólico, mágico-espiritual etc.
Segundo a literatura sobre sistemas de classificação etnobiológicos, é
conhecida a divergência histórica entre os seguidores de duas abordagens:
intelectualista, de ordem cognitiva, e a utilitarista, de ordem econômica. Na posição
intelectualista-cognitivista, identificam-se duas teorias, que consideram a cultura
essencialmente como um construto mental (CLIFTON, 1968 apud COSTA NETO,
2002). Ambas as teorias compartilham a visão segundo a qual os seres humanos
reconhecem uma estrutura e uma ordem hierárquica do mundo biológico. A primeira
delas associa-se com o estruturalismo francês de Lévi-Strauss (1989), defendendo a
idéia de que as espécies animais e vegetais são úteis e interessantes porque
primeiro são conhecidas. A segunda teoria desenvolveu-se nos Estados Unidos,
tendo Berlin (1976, 1992) como um de seus principais expoentes. Argumenta-se que
os processos de identificação, nomenclatura e classificação da biodiversidade na
sistemática popular são motivados fundamentalmente pela cognição. Ou seja,
acredita-se que todos os grupos humanos reconhecem a estrutura e ordem inerente
ao mundo, independentemente de qualquer valor prático ou utilidade cultural que os
animais e as plantas possam apresentar. Tais processos são essencialmente
idênticos em todas as línguas (= sociedades), podendo ser descritos por um
pequeno número de princípios e regras universais, de caráter hierárquico (ADAMS,
2000; BANDEIRA, 2001). Berlin et al. (1973) sugerem, precisamente, que as
semelhanças entre as taxonomias científica e popular reforçam esta hipótese, como
também reforçam a idéia da realidade das espécies.
12
Por outro lado, os utilitaristas acreditam que o principal objetivo da
classificação etnobiológica é ajudar as populações humanas a se ajustarem a seus
respectivos hábitats, nomeando aquelas espécies animais e vegetais que têm
conseqüências práticas à adaptação humana (CLÉMENT, 1995; ADAMS, 2000).
Segundo Hunn (1977, 1982) e Hays (1982), principais representantes da abordagem
utilitarista, a investigação da importância prática do conhecimento etnobiológico
facilita a captação de dados e minimiza a imposição de paradigmas como categorias
e hierarquias.
A orientação inicial do campo de pesquisa etnobiológica foi essencialmente
dominada pelos princípios classificatórios derivados de percepções e constatações
que norteavam a passagem das representações simbólicas à experiência, em
detrimento dos aspectos comportamentais. Em outras palavras, pretendia-se provar
a existência de uma relação entre a terminologia nativa do entorno e sua
conceitualização (FOWLER, 1977), porém relegando a um segundo plano a
diversidade e a dinâmica das relações de uma dada cultura com a natureza
(CAMPOS, M., 2002). Os primeiros etnocientistas foram questionados, a posteriori,
justamente pelo quase nulo interesse naquelas implicações de ordem
comportamental, que também determinam, em última instância, o grau e o tipo de
interação do homem com o ambiente. As opiniões dos nativos deveriam sempre ser
contrastadas com as ações realmente observadas e com outros aspectos de seu
comportamento. Porém, os pesquisadores partiam do pressuposto de que as
informações que as pessoas possuem sobre o ambiente, assim como a maneira
pela qual elas categorizam estas informações, já influenciam per se seu
comportamento (atitude) com relação ao mesmo (POSEY, 1987; BEGOSSI, 1993;
ADAMS, 2000; CAMPOS, M., 2002).
3.4 Etnoentomologia
O estudo de como os insetos são percebidos, identificados, classificados e
utilizados pelas diversas populações humanas é de domínio da etnoentomologia
(POSEY, 1987). Os estudos etnoentomológicos remontam a meados do século XIX,
13
com diferentes autores8 registrando diferentes formas de interação ser
humano/insetos, bem como documentando a nomenclatura desses animais nos
idiomas nativos. Já o aparecimento do termo na literatura científica apenas se deu
em 1952, com a publicação do trabalho de Wyman e Bailey (1952) sobre os
métodos utilizados pelos índios Navajo para o controle de pragas. Porém, a primeira
vez que o termo surgiu em título de livro foi na obra Navajo Indian Ethnoentomology
(1964), também de Wyman e Bailey (COSTA NETO, 2002).
Com base no conceito de etnoecologia abrangente proposto por Marques
(2001)9, a etnoentomologia pode ser definida como a subárea da etnozoologia que
estuda os processos cognitivos (percepções e pensamentos), os sentimentos
(reações afetivo-emocionais) e os comportamentos (atitudes) que intermedeiam as
relações entre as populações humanas que os possuem com as espécies de insetos
dos ecossistemas que as incluem. Esta definição permite retornar à etnociência e à
questão dos sistemas de classificação etnobiológicos, assim como dá atenção aos
aspectos afetivo-emocionais e comportamentais que orientam as conexões, neste
caso particular, dos indivíduos com os insetos.
O campo de estudo etnoentomológico pode ser restrito ou amplo a depender
do conceito adotado para definir a palavra inseto. Do ponto de vista da
categorização lineana, a palavra está bem definida e nesse contexto apenas os
insetos e artrópodes correlatos são estudados pelo etnoentomólogo. No entanto,
quando se adota a definição popular, estuda-se não apenas os insetos “clássicos”,
mas outros animais popularmente percebidos e categorizados como pertencentes ao
etnotáxon “inseto” (POSEY, 1987; COSTA NETO, 2002).
No Brasil, as interações das várias comunidades humanas com a
entomofauna vêm sendo registradas desde a época colonial (PISO, 1957 apud
COSTA NETO, 2002). No entanto, os estudos em etnoentomologia ainda são
escassos quando comparados com aqueles devotados à etnobotânica e a outras
subáreas da etnozoologia (p.ex., etnoictiologia) (COSTA NETO, 2004b).
Com relação ao Estado da Bahia, os estudos etnoentomológicos começaram
efetivamente a serem realizados a partir de 1995, particularmente com o
8 As referências completas desses autores podem ser encontradas em Posey (1987).
9“É o campo de pesquisa (científica) transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e crenças), sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre as populações humanas que os possuem e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os impactos ambientais daí decorrentes” (MARQUES, 2001, p. 16).
14
desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado “Etnoentomologia de tribos
indígenas do semi-árido baiano, com ênfase na etnoapicultura Pankararé”, o qual
fora aprovado pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Desde então, vários aspectos
da interação seres humanos/insetos vêm sendo desenvolvidos em diferentes
contextos socioculturais. Dentre os autores, citam-se como exemplos: Costa Neto
(1998, 1999b, 2003), Costa Neto e Melo (1998) e Costa Neto e Oliveira (2000), que
registraram o uso medicinal de insetos em diferentes comunidades baianas; Katiúcia
et al. (1998), que estudaram a percepção e a comercialização de “insetos” como
recursos medicinais por feirantes da cidade de Feira de Santana; Filgueiras e Souza
(1999), que registraram a utilização e a importância terapêutica e comercial da
apitoxina e outros produtos extraídos de Apis mellifera L., 1758; Lima, D. (2000)
estudou a etnoentomologia no povoado de Capueiruçu, região do Recôncavo
baiano, registrando o uso de insetos como fontes de alimento, remédio, presságios e
entretenimento; Veiga (2000) investigou as interações seres humanos/insetos no
povoado Fazenda Matinha dos Pretos, registrando os usos medicinal, trófico, lúdico
e místico.
Estudos etnotaxonômicos foram realizados por Costa Neto (1998), que
investigou o modo como um grupo de insetos (as “abeias”) é percebido, nomeado,
classificado e utilizado pelos índios Pankararé que vivem no Nordeste do estado;
Lima, T. (1999) estudou a etnoentomologia de uma comunidade afro-brasileira
localizada próxima à cidade de Lençóis, na Chapada Diamantina; Costa Neto e
Carvalho (2000) registraram como graduandos da UEFS percebem os insetos;
Costa Neto (2003) realizou estudo sobre percepção e uso de insetos no povoado de
Pedra Branca (município de Santa Terezinha).
3.5 Percepções, Sentimentos e Atitudes com Relação aos Insetos
Um dos critérios fundamentais no entendimento da percepção, identificação,
classificação e utilização dos elementos faunísticos pelas sociedades humanas (e
por cada indivíduo) é o afetivo-emocional, que determina os tipos de interação e as
atitudes culturalmente construídas direcionadas aos animais (ANDERSON, 1996;
NOLAN e ROBBINS, 2001). Drews (2002) chama a atenção de que o
15
comportamento humano frente aos animais é formado tanto pelos valores,
conhecimentos e percepções quanto pelos tipos de interações que os seres
humanos mantêm com esses organismos. Esta ligação pode estar carregada de
emoções tanto positivas quanto negativas (KUDO e MACER, 1999). Em geral, as
atitudes dos indivíduos com relação aos animais podem ser influenciadas por muitos
fatores, tais como: abundância do animal; sensação tátil ou visual; crença na
espiritualidade; idéia de sujeira ou limpeza; associação do animal a doenças; crença
na fragilidade ou resistência do animal; benefícios ou prejuízos que o animal possa
trazer; desconforto que o animal possa gerar; aparência; e conhecimento ou
desconhecimento sobre o animal (MORALES et al., 1997).
No que concerne aos insetos, a percepção, a afetividade e as atitudes do
público geralmente variam desde a indiferença à aversão extrema (reação
entomofóbica). Embora algumas espécies realmente sejam séria ameaça à saúde e
bem-estar humanos, causando danos diretos e indiretos, mais de 99,9% de todas as
espécies são diretamente benéficas ao ser humano ou ao menos não lhe causam
transtornos. Mesmo aquelas que provocam prejuízos raramente são nocivas quando
presentes em número baixo (MOORE et al., 1982). A literatura salienta a importância
da presença desses animais para a manutenção da estrutura e funcionamento da
maioria dos ecossistemas terrestres (MORRIS et al., 1991; PRINCE, 1997; FISHER,
1998), mas esta importância raramente é reconhecida pelos indivíduos. No entanto,
há uma construção cultural do conceito de inseto, segundo a qual a grande maioria
do público os considera como organismos nojentos, perigosos, nocivos e inúteis; daí
também o desejo de eliminá-los de seu convívio. Isto acontece principalmente nas
culturas ocidentais, onde as atitudes dos indivíduos pouco favorecem esses animais
(HARDY, 1988), diferentemente do que se observa entre os povos asiáticos e em
menor medida entre os africanos (PEMBERTON, 1999). Hoyt e Schult (1999)
salientam que os seres humanos, ao se tornarem progressivamente estranhos ao
mundo natural, perderam a habilidade de distinguir um inseto do outro; como
resultado, as atitudes negativas foram generalizadas para quase todos os insetos.
Atitudes relativamente mais positivas direcionadas aos insetos (e demais
invertebrados) são observadas quando esses animais possuem algum valor estético,
utilitário, ecológico ou recreativo (KELLERT, 1993).
16
3.6 Construção Sociocultural do Domínio Etnozoológico “Inseto”
Nolan e Robbins (2001) sugerem que as conexões zoofílicas (aqui
relacionadas com atitudes ambíguas de atração e repulsa pelos animais) e as
representações afetivas, as quais são culturalmente aprendidas, desempenham
papéis importantes na estruturação cognitiva dos domínios semânticos
etnozoológicos (p.ex., Aves, Peixes, Cobras, Insetos etc., ou termos locais
equivalentes, como bicho de pena, bicho de escama, bicho de couro etc.). Investigar
a formação desses domínios semânticos é essencial para a compreensão de como
as diferentes sociedades humanas constroem suas classificações zoológicas
populares. Como Posey (1987) salienta, podem ocorrer discrepâncias em diversos
campos de pesquisa etnocientífica, como é o caso da etnoentomologia, que não se
restringe apenas aos insetos reconhecidos pela classificação zoológica lineana,
uma vez que em diversos contextos socioculturais o vocábulo “inseto” inclui
diferentes organismos não sistematicamente relacionados, tais como anelídeos,
moluscos, aracnídeos, anfíbios, répteis e mamíferos (COSTA NETO, 2000, 2002).
Diversas pesquisas etnobiológicas têm registrado a inclusão de animais não-
insetos dentro de um domínio etnossemântico que equivale ao lexema “inseto” na
língua portuguesa (CURRAN, 1937; LENKO, 1963; MORGE, 1973; HARPAZ, 1973;
BROWN, 1979; POSEY, 1983; HAYS, 1983; LAURENT, 1995; KATIÚCIA et al.,
1998; COSTA NETO, 1998, 2003; RANDA, 2000; MARQUES, 2001; TEIXEIRA,
1995 apud ALMEIDA, 2002; SOUZA et al., 2002; SILVA e COSTA NETO, 2004;
SANTOS-FITA et al., 2006; COSTA NETO e MAGALHÃES, 2007; entre outros). Tal
construção cognitiva é encontrada, inclusive, no próprio âmbito acadêmico
(PERONTI et al., 1998).
Até o presente momento, porém, pouco se tem aprofundado no motivo
(razão) de tais organismos serem categorizados e chamados de “insetos” (COSTA
NETO, 2000). Este possível padrão de classificação etnozoológica foi explicado pela
hipótese da ambivalência entomoprojetiva (COSTA NETO, 1999a, 2000), segundo a
qual
“os seres humanos costumam projetar sentimentos de nocividade, periculosidade, irritabilidade, repugnância e menosprezo a animais não-insetos (inclusive pessoas), associando-os à categoria “inseto” determinada culturalmente. A idéia de ambivalência é empregada no
17
sentido da sociologia, referindo-se à atitude que oscila entre valores diversos e, às vezes, antagônicos. A projeção resulta do processo psicológico pelo qual um indivíduo atribui a um outro ser os motivos de seus próprios conflitos” (COSTA NETO, 2000, p. 51).
Em outras palavras, o modo como a maioria dos seres humanos percebe e se
expressa em relação tanto aos próprios insetos quanto aos animais não-insetos,
porém identificados como “insetos”, evidencia os sentimentos e as atitudes de
desprezo, aversão e medo que os indivíduos geralmente demonstram por certos
animais (COSTA NETO, 2002). Diferentes explicações para as atitudes dos seres
humanos direcionadas aos insetos e demais organismos culturalmente rotulados de
“insetos”, encontram-se disponíveis na literatura (KELLERT, 1993; COSTA NETO e
PACHECO, 2003). Embora um processo geneticamente herdado não possa ser
completamente descartado (SELIGMAN, 1971; ÖHMAN, 1986), estudos confirmam
a transmissão sociocultural da resposta de desgosto, repugnância e/ou medo a
diferentes animais (DAVEY, 1994).
3.7 Danos Diretos Causados Pelos “Insetos”: Repercussões na Saúde
Humana e Implicações na Conservação da Biodiversidade.
Em todo o Brasil, notadamente nas regiões Norte e Nordeste, tem-se a
existência de um rico conjunto de saberes, costumes e práticas populares que estão
relacionados ao “combate” dos “insetos”; especialmente, aos danos diretos (reais
e/ou imaginários) causados por estes. Observam-se diferentes formas de pensar e
agir (crenças locais) quando ocorrem acidentes com estes animais. Ao mesmo
tempo, remédios caseiros (provenientes de matérias-primas minerais, vegetais e
animais), simpatias, rezas etc. visam prevenir ou tratar os transtornos provocados
pela ação deletéria desses animais (CASCUDO, 1954; CAMPOS, E., 1967;
MAGALHÃES, 1969; ARAÚJO e ELY, 1978; FLEMING-MORAN, 1993; NOMURA,
1996; SOUTO MAIOR, 1997; MARQUES, 1999; SILVA, 2000; VIZOTTO, 2003;
COSTA NETO, 2004a; LIMA e VASCONCELOS, 2006; entre outros). Algumas
dessas práticas resultam inócuas, enquanto outras podem ocasionar sérios riscos à
própria saúde, mesmo que os indivíduos estejam convencidos de seu poder
curativo.
18
Por outro lado, uma vez que os “insetos” geralmente são menosprezados
devido ao modo como são percebidos (COSTA NETO, 2000, 2002), muito
freqüentemente eles estão já associados à imagem de animais venenosos e/ou
peçonhentos10, capazes de causar grandes transtornos físico e mental, levando,
algumas vezes, à morte. Consequentemente, as atitudes (predominantemente)
negativas do público geral diante dos “insetos” são enfatizadas, precisamente, por
estas ofensas ou danos diretos (reais e/ou imaginários) que eles causam (ou
estariam causando) à saúde humana. Por este motivo, os “insetos” nunca estão
incluídos na considerada “fauna carismática” (BOWEN-JONES e ENTWISTLE,
2002) e ainda são os organismos mais propensos a serem eliminados tanto pela
população urbana quanto rural (COSTA, 2005).
10Peçonha é inoculável, veneno é ingerível. Os animais “peçonhentos”, chamados erroneamente de ‘venenosos’, são aqueles capazes de inocular ativamente, mediante estruturas anatômico-fisiológicas especializadas, substâncias venenosas em outros seres vivos – quelíceras, no caso das aranhas; aguilhão, no caso dos escorpiões; presas, no caso das serpentes (COSTA, 2005).
19
4 MATERIAL E MÉTODOS
4.1 Área de Estudo
4.1.1 Características gerais: a Serra da Jibóia
A Serra da Jibóia abrange parte do território de cinco municípios integrantes
da região econômica do Recôncavo Sul, no Estado da Bahia, Brasil (coordenadas
aproximadas 12º51’S e 39º28’W). Estendendo-se no sentido Norte-Sul, sua crista
mede 26 km de comprimento e a cota máxima alcança cerca de 820 m.s.n.m, sendo
que até uns 550 m ainda aparecem zonas de uso humano (povoados, pastagem
etc.). Tem uma área total ao redor de 5.928 ha (59,28 km2), calculando-se a partir da
curva de nível de 480 m, que coincide com sua base. Distribui-se da seguinte forma
entre os diferentes municípios: Varzedo, com 1.828 ha ou 31%; Santa Terezinha,
com 1.624 ha ou 27%; Elísio Medrado, com 1.200 ha ou 21%; Castro Alves, com
1.144 ha ou 19%; e São Miguel das Matas, com 132 ha ou 2% (TOMASONI e DIAS,
2003) (Figura 1).
Este maciço serrano (Figura 2) está localizado em uma zona ecótona, o que
lhe confere uma grande diversidade de climas, relevos, solos, vegetação e fauna.
Situada entre os domínios de Mata Atlântica e Caatinga, é um dos pontos mais a
Oeste da Mata Atlântica baiana e uma das matas úmidas de encosta situada mais
ao Norte do Estado. A crista (sentido Norte-Sul) marca o limite de uma mudança
climática na região, com um clima variando entre o tropical úmido, mais a Leste e
Sudeste, e o tropical semi-úmido mais a Oeste e a Noroeste (TOMASONI e DIAS,
2003).
A temperatura média anual é de 22ºC e o índice pluviométrico anual é de
1.200 mm, apresentando variações em função da altitude e da maritimidade, sendo
que as chuvas se concentram entre os meses de abril a julho, contribuindo
diretamente na formação e manutenção de importantes nascentes. Na medida em
que a continentalidade aumenta (sentido Oeste), a umidade e a precipitação
diminuem, tornando o clima mais seco. Isto possibilita a variação gradual da
vegetação, que vai da floresta ombrófila densa predominante a Leste e Sudeste da
serra, até as extensas áreas de caatinga arbustiva com palmeiras no Oeste e
20
Noroeste, passando por uma floresta estacional semidecidual e, nos cumes, uma
vegetação de campo rupestre (QUEIROZ et al., 1996; vide Figura 3). A região é de
extrema importância hidrográfica, localizando-se as nascentes do Rio Jaguaripe e do
Rio da Dona. Por outro lado, diversos cursos de água provenientes da serra
engrossam as bacias do Rio Jiquiriçá (curso médio e inferior) e do Rio Paraguaçu
(curso inferior). Todos estes quatro rios, muito em especial o último, têm um papel
fundamental no sistema sócio-econômico, cultural e ambiental de mais de 30
municípios desta região econômica baiana (TOMASONI e DIAS, 2003).
Figura 1 - Localização da Serra da Jibóia: Região do Recôncavo Sul no Estado da
Bahia, Brasil. Fonte: http://www.sei.ba.gov.br/
21
Figura 2 - Vista parcial da margem Oeste da Serra da Jibóia. Fonte: Dídac Santos
Fita (2006).
Em razão da serra localizar-se em uma zona ecótona, associada à interação
de outros fatores, como a altitude, faz com que ela apresente uma grande
biodiversidade e endemismo de espécies vegetais (QUEIROZ et al., 1996;
CARVALHO-SOBRINHO e QUEIROZ, 2005; VALENTE e PORTO, 2006) e animais.
Dentre as espécies animais vistas com maior freqüência, estão: mamíferos, como o
bicho-preguiça (Bradypus variegatus), o mico-estrela (Callithrix penicillata), o gato-
do-mato (Felis tigrina), a lontra (Lutra longicaudis), o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus);
serpentes, como a surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta rhombeata) e a jararaca-
malha-de-sapo (Bothrops leucurus); aves, como o socó-boi (Tigrisoma fasciatum
fasciatum), a mãe-da-lua (Nyctibius leucopterus), o bacurau ou tesoura-gigante
(Macropsalis creagra) e a araponga-do-nordeste (Procnias averano averano); assim
como inúmeros insetos e outros artrópodes (JUNCÁ et al., 1999; MORAIS e
FREITAS, 1999; BORGES e QUIJANO, 2000; BRAVO et al., 2001; BRAVO, 2002;
COSTA NETO, 2003; JUNCÁ e BORGES, 2004; JUNCÁ, 2006).
4.1.2 O povoado de Pedra Branca
O povoado de Pedra Branca (coordenadas 12º50’S e 39º29’W) situa-se a uns
400 m.s.n.m. na margem noroeste da Serra da Jibóia, dentro do município de Santa
Terezinha (Figuras 3 e 4).
22
Segundo a agente de saúde local, que devido à atividade exercida junto à
população é quem dispõe de um levantamento do número de habitantes próximo ao
real, em junho de 2007 estavam cadastrados cerca de 380 moradores distribuídos
em 123 famílias (contabilizando mais de uma família por casa). A população total
para todo o município de Santa Terezinha é de 9.914 habitantes (IBGE, 2007).
Figura 3 - Localização da comunidade de Pedra Branca (município de Santa
Terezinha) no sopé da Serra da Jibóia. Fonte: http://www.sei.ba.gov.br/
23
Figura 4 - Vista parcial da praça do povoado de Pedra Branca, com a Igreja de
Nossa Senhora de Nazaré ao fundo. Fonte: Dídac Santos Fita (2006).
Sendo uma área basicamente rural, a população (considerada de
camponesa) de Pedra Branca tem no cultivo da mandioca (Manihot esculenta
Crantz, Euphorbiaceae) sua principal atividade econômica. Ocorre cultivo de uva
(Vitis sp.) para produção de vinho artesanal e comércio dos frutos. A pecuária
também é importante, principalmente os rebanhos bovino e caprino. A maioria dos
moradores possui nos quintais de suas casas pequenos animais para consumo,
como galinhas e patos; alguns criam porcos e também abelhas sem ferrão (Melipona
scutellaris e Tetragonisca cf. angustula) para consumo e comércio do mel produzido.
Devido a questões econômicas, praticamente todas as residências contam com
fogão a lenha, o que faz com que os indivíduos tenham que fazer contínuas
excursões às áreas de mata para buscar lenha. Observa-se também atividade de
caça na região. Os homens realizam outras tarefas, como construção civil, somente
quando há disponibilidade (COSTA NETO, 2003).
O povoado conta com um posto de saúde que atende de forma limitada (por
falta de materiais e recursos humanos) a população local. Destacam-se:
puericultura, tratamento de hipertensão e diabetes, planejamento familiar e
educação sexual. Graças à comunicação diária via ônibus (quatro vezes por dia)
com a cidade de Salvador, várias pessoas marcam consultas médicas e realizam
alguns tratamentos específicos na capital (p.ex., osteoporose, insuficiência renal
etc.). Somente 19 moradores do povoado dispõem de um plano de saúde particular.
Nos casos de mordida ou picada por qualquer animal peçonhento, muito comum nas
24
regiões rurais, o lugar mais próximo onde o sujeito é atendido é o pronto-socorro de
Santa Terezinha (a 13 km de distância por rodovia pavimentada) ou o hospital de
Castro Alves (a 26 km de distância, 11 dos quais em péssimas condições). Estes
dois lugares dispõem de soros antiofídico, antiescorpiônico e antiaracnídico.
Com relação ao sistema de ensino formal, existe uma escola mantida pela
prefeitura que fornece apenas o ensino fundamental (Figura 5). Faz-se evidente uma
carência de material escolar e de recursos humanos. O fato de misturar alunos de
diferentes faixas etárias em uma mesma sala de aula pode, segundo o caso,
dificultar ainda mais a aprendizagem. Os estudantes completam seus estudos
(segundo grau) nas escolas de Santa Terezinha. De acordo com os depoimentos
dos moradores, constata-se que só por volta das últimas três gerações que o
número de estudantes que conseguem terminar o ensino médio está crescendo.
Antigamente, a maioria só completava até a 3ª ou 5ª séries do ensino fundamental.
Vários moradores que ultrapassam os 60 anos de idade são analfabetos.
Figura 5 - Aspecto da sala de aula da escola do povoado de Pedra Branca. Fonte:
Dídac Santos Fita (2006).
No que se refere à prática religiosa, entre os moradores de Pedra Branca
predominam os católicos (Catolicismo Popular Brasileiro), sendo que muitos se
incluem nesta religião, mas não a praticam regularmente, especialmente os homens.
Há alguns anos, fundou-se a Igreja Testemunhas de Jehová, que vem ganhando
adeptos e presença dentro da comunidade. São poucos os que se consideram ateus
ou agnósticos.
25
4.2 Trabalho de Campo
4.2.1 Amostragem e obtenção de dados
A presente investigação foi conduzida à luz da metodologia quanti-qualitativa,
priorizando-se a abordagem qualitativa, uma vez que esta possibilita o estudo de
questões muito particulares que dificilmente podem ser quantificadas. Esta
abordagem facilita o trabalho dentro de um universo de contextos (complexos e
intrincados) psicológicos, históricos, sociais e culturais de cada sujeito, que não
podem ser captados apenas mediante técnicas de conteúdo quantitativo. Faz-se
possível, então, assumir múltiplas realidades estudadas holisticamente e aprofundar
no mundo dos significados das percepções, dos conhecimentos, das ações
(atitudes) e das relações interpessoais; e destas com o ambiente (MINAYO, 1999).
Neste sentido, o foco de atenção da presente pesquisa recai, sobretudo, na
interpretação e significado que os moradores da região da Serra da Jibóia, e em
particular do povoado de Pedra Branca, dão aos diferentes elementos constituintes
de seu entorno socioambiental mais imediato; concretamente, das visões dos
sujeitos com relação às interações com os “insetos”. A escolha por priorizar a
abordagem qualitativa justifica-se, então, no momento em que técnicas e
ferramentas etnográficas adequadas são utilizadas para alcançar os objetivos
propostos no presente estudo.
Independentemente da línea etnobiológica adotada, seja intelectualista ou
utilitarista, para registrar os aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais
envolvidos nas interações dos participantes da pesquisa com os “insetos” locais, faz-
se primordial uma análise (interpretativa) da fala dos sujeitos, isto é, de sua
linguagem (oral, bem como corporal) (COUTO, 2007). A obtenção do vocabulário
(léxico) adotado por determinada população local é o primeiro passo para acessar
as informações sobre os diversos domínios cognitivos que compõem a mente
(ATRAN, 1998).
O trabalho de campo ocorreu de setembro a novembro de 2006, totalizando-
se 53 dias de convivência na comunidade de Pedra Branca. Posteriormente, houve
uma permanência de 15 dias entre junho e julho de 2007 com o objetivo de conferir
antigos depoimentos e registrar informações complementares, assim como participar
de algumas atividades socioculturais da comunidade.
26
Foram entrevistados 74 indivíduos: 39 moradores do gênero masculino e 35
do gênero feminino, cujas idades variaram de 4 a 89 anos. O contato com indivíduos
de faixas etárias diferentes possibilitou o registro da transmissão transgeracional dos
conhecimentos etnozoológicos. Do total de sujeitos participantes, 86,5% (n=64)
habitam em Pedra Branca. Destaca-se que no povoado quase todos os moradores
possuem relações de parentesco entre si. Já os 10 entrevistados restantes habitam
em núcleos urbanos próximos: três vivem em Santa Terezinha (incluindo as duas
enfermeiras que atendem no posto de saúde do povoado); cinco são de Monte
Cruzeiro; e dois vivem na cidade de Castro Alves. Estes sujeitos foram incorporados
na amostragem a fim de comparar e verificar se as informações obtidas dos
moradores do povoado de Pedra Branca têm semelhança e representatividade no
conjunto dos habitantes da região da Serra da Jibóia. Durante o decorrer do texto,
porém, e a fim de facilitar sua compreensão, decidiu-se incluir estes dez sujeitos na
amostra, mesmo que, tecnicamente, habitem nos núcleos urbanos próximos a Pedra
Branca.
Conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que define as
diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, os
indivíduos tornaram-se cientes sobre a pesquisa por meio de um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em participar e liberar as
informações para o pesquisador (AZEVEDO, 2001). Respeitou-se a decisão
daqueles que não quiseram participar do estudo, assim como dos que decidiram
retirar-se em qualquer fase do mesmo. Ao mesmo tempo, foram expostos quais
eram os desconfortos, riscos e benefícios esperados pelo desenvolvimento da
pesquisa (vide Apêndice A). Foi solicitado o consentimento dos pais ou responsáveis
para a participação de menores de idade.
Em um primeiro momento, procurou-se entrevistar qualquer morador, mas
depois foi dada ênfase àqueles (n=34; cinco dos quais moram nos núcleos urbanos
próximos à Pedra Branca) que se mostraram mais conhecedores sobre as questões
relacionadas às ofensas causadas pelos “insetos”, assim como sobre as práticas
populares utilizadas para prevenir ou tratar os danos (reais e/ou imaginários)
provocados por esses animais. A técnica da “bola de neve” (BAILEY, 1994) foi
utilizada uma vez que eram os próprios moradores os que iam indicando ao autor
sobre aqueles sujeitos locais mais adequados e pertinentes para tratar sobre os
diferentes aspectos relacionados com a pesquisa. Os dados foram obtidos com
27
ajuda de gravador e câmera digitais, seguindo várias técnicas da pesquisa
qualitativa para registro etnográfico, como são: entrevistas abertas (conversações
livres), semi-estruturadas (baseadas em uma lista de tópicos previamente
escolhidos) (vide Apêndice B), e observação ad libitum dos comportamentos
(incluindo-se as expressões facial e corporal) dos sujeitos no momento das
entrevistas. As entrevistas, individuais e/ou coletivas, ocorreram em contextos
variados: residências, roças, rua, mercearias, posto de saúde, escola, casas de
farinha e durante excursões à mata.
As limitações que o autor (de nacionalidade espanhola) teve que enfrentar,
sobretudo no começo, foi em relação ao uso da língua portuguesa, uma vez que em
várias ocasiões os sujeitos da pesquisa não entendiam o que lhes era perguntado e,
talvez por vergonha, simplesmente respondiam que não sabiam nada a respeito do
assunto tratado. O autor cometeu o erro inicial de não advertir aos moradores que
isso poderia acontecer e que não se sentissem envergonhados em comentar que
não estavam entendendo o “português” que era falado. Com o decorrer da pesquisa,
foram melhorados a comunicação e o entendimento entre ambas as partes e as
informações foram obtidas com mais facilidade e confiabilidade. Uma solução
encontrada, por sorte, foi que um dos moradores se ofereceu para ajudar e várias
vezes ele participava da conversa como “intérprete”. Depois dos primeiros
encontros, apreciou-se qual era o tipo de vocabulário mais adequado a ser utilizado
nas conversas posteriores.
Foi-se construindo e atualizando o formulário semi-estruturado durante o
trabalho de campo, uma vez que fazer perguntas diretas também inibia a fala e
discurso de várias pessoas ou direcionava, em parte, a resposta, dificultando o fluxo
de informações. Foram priorizadas as entrevistas coletivas, nas quais o autor se
limitava a fazer determinadas perguntas e orientava a conversa com alguns
comentários, mas deixando que os próprios moradores falassem entre eles a
respeito do tema pesquisado, sem quase intervenção externa, verificando assim um
aumento na fluidez e validade das informações, a maioria das quais foi extraída dos
depoimentos em forma de estórias sobre acontecimentos passados.
Com o intuito de fazer uma sondagem sobre espécimes de “insetos”,
recipientes grandes de vidro e de plástico contendo chumaços de algodão
embebidos em álcool a 70% foram distribuídos entre alguns moradores, tal como fez
Costa Neto (2003) em trabalho de campo nesta mesma localidade. Na ocasião, os
28
sujeitos foram devidamente esclarecidos quanto aos procedimentos de coleta e
manejo dos espécimes capturados, a fim de evitar possíveis danos com organismos
realmente peçonhentos ou venenosos. Também foram realizadas excursões à mata
próxima, junto a alguns moradores experientes, para coleta de “insetos” e
entrevistas, seguindo a técnica da “turnê guiada” (SPRADLEY e McCURDY, 1972).
Os espécimes coletados e as fotografias contidas em guias faunísticos (FREITAS,
2003; FREITAS e SILVA, 2006), além de panfletos e cartazes, possibilitaram a
realização de entrevistas estimuladas pela apresentação (e representação) de
animais contidos nesses materiais, indagando-se os entrevistados a respeito dos
“insetos” observados (nome popular e aspectos de sua biologia e ecologia), as
impressões e atitudes que eles têm sobre estes organismos, seus possíveis usos
culturais, bem como se causam (ou não) ofensa, quais os procedimentos adotados
em caso de prevenção ou tratamento e as crenças associadas a esses animais.
Encontrou-se uma mínima, porém satisfatória, forma de devolver a
hospitalidade e confiança à comunidade, aproveitando a câmera digital para realizar
fotografias tanto dos moradores quanto da comunidade. As fotografias foram dadas
de presente, sendo enviadas pelo correio ou entregues pessoalmente durante a
segunda fase do trabalho de campo.
4.2.2 Análise dos dados
As informações foram analisadas segundo o “modelo de união das diversas
competências individuais” (HAYS, 1976 apud MARQUES, 1991). Segundo este
modelo, toda informação pertinente ao assunto pesquisado é considerada. Foram
feitos testes de verificação de consistência e de validade das respostas, recorrendo-
se a entrevistas realizadas em situações sincrônicas e diacrônicas nas duas fases
do trabalho de campo. As primeiras ocorrem quando uma mesma pergunta é feita a
indivíduos diferentes em tempos bastante próximos e as segundas, quando uma
pergunta é repetida ao mesmo indivíduo em tempos bem distintos (MARANHÃO,
1975). No presente caso, nas situações diacrônicas, testou-se aqueles sujeitos que
demonstraram possuir um conhecimento mais acurado sobre o assunto pesquisado.
Devido à facilidade e espontaneidade com que se formavam distintos grupos de
pessoas, principalmente nos espaços públicos da comunidade, o autor também
passou a aproveitar as conseqüentes conversas coletivas como sistema para avaliar
29
a consistência e a robustez nos discursos de alguns sujeitos, desta vez a respeito do
que se falava quando estes eram entrevistados individualmente e de quando
conversavam das mesmas questões em grupo (tendo o autor como simples
mediador).
Para verificar possíveis similaridades entre o conhecimento local e o
conhecimento disponível na literatura científica, foram construídas “tabelas de
cognição comparada”, nas quais trechos das entrevistas são comparados com
trechos da literatura referente ao bloco de informação citada (MARQUES, 2001).
Os espécimes de aranhas, escorpiões e serpentes estão mantidos no
Laboratório de Zoologia de Vertebrados da Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), onde foi feita a identificação taxonômica por especialistas para posterior
inclusão nas coleções científicas correspondentes. Os insetos foram enviados ao
Laboratório de Sistemática de Insetos da Universidade Estadual de Feira de
Santana, onde foram identificados por especialistas e, posteriormente, depositados
na coleção entomológica do Museu de Zoologia da UEFS.
Todo o material etnográfico obtido (gravações, transcrições, fotografias,
desenhos etc.) está guardado no Laboratório de Etnobiologia da Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS), para fins comprobatórios.
30
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 Os “Insetos” Segundo a Percepção dos Moradores de Pedra Branca
5.1.1 Formação dos domínios semânticos “Animal” e “Inseto”
Os atores entrevistados, independentemente de idade ou gênero,
reconhecem a existência de dois domínios semânticos etnozoológicos principais:
“animal” e “inseto”. As ambigüidades e dúvidas só apareceram no momento em que
os sujeitos eram solicitados para delimitar as fronteiras, isto é, dizer quais eram os
representantes de cada grupo e o motivo desta separação.
A distinção entre o que é um “animal” e o que é um “inseto” é demonstrada
nos depoimentos abaixo, sendo que o modo como os moradores identificam e
descrevem cada domínio etnossemântico baseia-se na citação de exemplos de
organismos que pertencem a um ou outro domínio, nunca mediante uma definição
única e abrangente:
Eu acho que inseto não é animal (E., 26 anos).
Inseto é formiga, gafanhoto, aranha caranguejeira, escorpião, cobra,
borboleta, cigarra. Tudo aí é inseto. Não é animal não (Seu E., 67 anos).
Insetos aqui nós temos a cobra, aranha, escorpião, formiga, lagartixa,
percevejo [...]. Os outros são os animais. Boi, cavalo, jegue, cachorro, galinha
[...] (Seu M., 37 anos).
Em geral, os sujeitos inquiridos não conseguem articular de forma exata e
segura uma definição específica para cada domínio: Não dá pra saber distinguir. Eu
aprendi que inseto é inseto e animal é animal [...], mas não sei a explicação. Só
porque meus pais e avôs já falavam isso [...] (Seu N., 68 anos). Termos zoológicos,
como “peixe”, “anfíbio” e “mamífero”, também foram citados em algumas
circunstâncias, mas de forma um tanto confusa e sempre em contraposição aos
“insetos” e inserindo-se dentro do domínio mais abrangente “animal”, como se
observa nos seguintes depoimentos:
31
Para mim, os animais são os mamíferos [...]. Os insetos são o resto [...], mas
as galinhas são aves (Dona L., 68 anos).
Peixe é anfíbio. Um peixe não pode ser inseto. Eu acho que é animal (D., 18
anos).
A formação e a estruturação cognitiva dos domínios semânticos
etnobiológicos vêm sendo tema de estudo e debate desde a década de 1950. Os
princípios de classificação etnobiológica estabelecidos por Berlin (1992) têm sido
bastante utilizados e seguidos, embora existam críticas no próprio âmbito acadêmico
da etnobiologia (MOURÃO, 2000). Segundo Berlin (1992), todas as culturas
humanas reconhecem grupos de organismos na natureza que são tratados como
unidades descontínuas (táxons). Estes táxons agrupam-se, de forma hierárquica, no
que se poderiam denominar de categorias taxonômicas etnobiológicas, as quais, por
sua vez, podem definir-se em termos de critérios lingüísticos e semânticos utilizados
nas nomeações. São seis categorias (ranks), a saber: iniciador único (unique
beginner), forma de vida (life form), intermediário (intermediate), genérico (generic),
específico (specific) e variedade (varietal). Os grupos de organismos (táxons)
associados a cada um destes níveis serem mutuamente excludentes entre si. Estes
táxons são dispostos de modo a estabelecerem uma hierarquia comparável à
taxonomia lineana (BERLIN, 1992).
Em linhas gerais, as principais características de cada categoria
etnotaxonômica são as seguintes: o iniciador único é a categoria mais abrangente
(compreendida por apenas um membro, mas raramente nomeado: p.ex. “animal” ou
“planta”), incluindo todas as demais etnocategorias. A forma de vida, por sua vez,
representa a mais ampla classificação de organismos em grupos; sendo que os
táxons desta categoria são invariavelmente poucos, geralmente de cinco a dez, e
representando a um número pequeno de animais ou plantas facilmente
reconhecidos em base a (alguns) padrões óbvios da condição habitat e forma
corpórea. Os membros da etnocategoria intermediário costumam ser pouco
freqüentes, correspondendo muitas vezes a famílias reconhecidas na classificação
científica. A quarta categoria, a do genérico, refere-se às menores descontinuidades
na natureza que são facilmente reconhecidas com base no largo número de
características morfológicas totais (e também comportamentais). Taxonomicamente,
a grande maioria de todos os táxons genéricos (até uns 500 aproximadamente para
32
cada sistema de classificação etnobiológica) inclui-se em algum dos táxons de forma
de vida. Por outro lado, a maior parte dos genéricos é monotípica e não inclui táxon
de posição inferior. Quando são politípicos, quase invariavelmente se referem
àquelas classes de organismos que são culturalmente importantes. Por último, os
membros das categorias de específico e variedade diferem ambos do genérico e da
forma de vida em vários aspectos, o mais importante do qual parece ser que tais
táxons são conceitualmente diferenciados com base em poucos caracteres
morfológicos. Organismos de elevado significado cultural (p.ex. domesticados e/ou
de relevante importância econômica) possuem táxon específico de até 10 ou mais
membros. Os táxons de variedade são muito escassos (BERLIN, 1992).
Com base nos princípios de classificação etnobiológica de Berlin (1992)
descritos acima, o etnotáxon “Inseto” deveria ser considerado como uma categoria
forma de vida, a qual, por sua vez, estaria incluída (hierarquicamente) na categoria
iniciador único “Animal”. No entanto, segundo os dados obtidos na presente
pesquisa, e se levarmos em conta os princípios anteriormente expostos, o que se
observa no sistema de classificação etnozoológica dos moradores de Pedra Branca
é que a etnocategoria “Inseto” situa-se no mesmo nível hierárquico que a
etnocategoria “Animal”, considerando-se assim que ambas estão incluídas na
categoria berliniana de forma de vida, porém nem por isso são mutuamente
excludentes entre si.
Dependendo da circunstância cultural (representação cognitiva-lingüística-
emocional) em que o organismo possa estar, ele pertencerá ao domínio semântico
“animal” ou “inseto”, passando assim a ser representante de um ou de outro grupo
(ver os casos particulares da abelha e da borboleta no item 5.1.2). Contudo, na
prática tal distinção entre estes dois domínios lingüísticos aparece como algo tênue
e ambíguo, havendo de fato uma imbricação entre ambos os complexos semânticos.
Os depoimentos abaixo evidenciam isto:
Cobra é inseto, porque é um animal que ofende a pessoa (Seu B., 64 anos).
Eu acho que inseto não é animal [...]. Eu acho que um tem a ver com o outro,
que é da raça animal, mas o bom é diferenciar, né? [...] uns vão ser
classificados como animal e outros como insetos [...] é só classificação (E., 26
anos).
33
Os trechos acima citados demonstram esta inter-relação dos dois termos
semânticos analisados (animal ↔ inseto), sendo que os organismos que os
entrevistados categorizam como “insetos” podem ser percebidos como animais, mas
quase nunca chamados (culturalmente) como tais. De fato, a própria definição
acadêmica de animal aqui parece perder todo o seu significado e representatividade,
adquirindo um outro tipo de concepção biológica e cultural, como “oposição” ao
conjunto dos nomeados “insetos” (de considerável relevância sociocultural e
socioambiental na região).
5.1.2 Domínio semântico “inseto”: definição e abrangência
Emprega-se o lexema “inseto” para referir-se àqueles organismos que
apresentam as seguintes características: a) são pequenos (De ter tem, mas é
bichinho pequenininho, é inseto [...]. Seu F., 44 anos); b) não possuem nenhuma
utilidade, sobretudo alimentar (Alguns animais a gente come, mas inseto não é pra
comer não. Nenhum presta!. Dona C., 38 anos); c) podem causar doenças, às vezes
fatais (Inseto é que nem o barbeiro. Eu já peguei a doença dele. Seu B., 64 anos); d)
provocam reações de repugnância e repulsa (A barata não morde, mas é nojenta
demais. É inseto sim!. Dona N, 57 anos); e) são considerados nocivos e/ou
perigosos à saúde humana (Cobra, escorpião, lagarta [...]. Tudo é inseto ruim que
ofende. [...] Muito perigoso!. Seu A., 79 anos).
Para os moradores de Pedra Branca, os insetos propriamente ditos (isto é, os
representantes da Classe Insecta) também são percebidos e classificados no
domínio etnossemântico “inseto”. Nos depoimentos dos entrevistados, porém, não
se detectou uma razão para tal classificação, uma vez que são insetos
simplesmente porque o são (Dona V., 59 anos). Tal modo de perceber e categorizar
os insetos torna-se um pouco complexa quando se leva em consideração o que os
entrevistados comentaram a respeito de borboletas e abelhas que existem na
região, uma vez que diferentes moradores tiveram dúvidas e perguntavam se estes
artrópodes eram de fato “insetos” ou “animais”; provavelmente, isto se deve à
percepção e aos valores culturais atribuídos a estes organismos. No que se refere
às abelhas, por exemplo, o mel produzido tem valor alimentar, medicinal e
econômico (COSTA NETO, 2003). Com exceção da Apis mellifera scutellata
(conhecida como abelha italiana ou oropa) que apresenta aparelho inoculador de
34
peçonha, as espécies de abelhas sem ferrão quase nunca “ofendem” as pessoas.
Os depoimentos a seguir evidenciam as diferentes percepções (ambigüidades) que
os moradores de Pedra Branca têm sobre as abelhas:
A abelha produz mel. É doméstica também, mas continua sendo inseto […],
mesmo que fique em casa e produz o mel (Dona E., 39 anos).
Abelha uruçu é inofensiva. Não é inseto, não morde ninguém (Seu A., 54
anos).
Aí não sei. Uruçu não pode ser inseto porque dá o mel pra mim. Ela não é
inseto porque ela tem utilidade pra gente […], e inseto é aquele que faz mal à
pessoa. E ela faz o bem, ela só pega flor boa (Seu F., 44 anos).
A uruçu não é inseto porque não ofende e dá o mel […] porque inseto é quem
ofende. A italiana é inseto porque ofende. Italiana é no mato. A outra, em
casa (Dona C., 79 anos).
Esta forma de classificar as abelhas é verificada em outras comunidades
humanas. Os índios Pankararé que vivem na Aldeia brejo dos Burgos, Estado da
Bahia, reúnem aqueles apídeos e vespídeos sociais produtores de mel na
etnocategoria “abeia”, a qual é percebida diferentemente daquela do grupo dos
“insetos”, que está formado por animais venenosos como as cobras (exceto a jibóia
porque é alimento) e outros “insetos” (COSTA NETO, 1998).
Quanto às borboletas, alguns entrevistados as consideraram como “insetos”,
mesmo que elas não “ofendam” ninguém; outros as consideram como “não-insetos”
justamente porque não causam danos às pessoas. Os depoimentos abaixo também
demonstram o valor estético-contemplativo destes artrópodes:
Borboleta é também inseto, mas não morde (Seu A., 54 anos).
Eu acho que ela não é inseto, ela não prejudica nada […] e é tão bonitinha!
(Dona V., 59 anos).
Borboleta é inseto que não ofende ninguém […], mas se ela não ofende, ela
não poderia ser inseto, porque inseto é aquele que morde a gente. Deve ser
animal (Seu F., 44 anos).
35
No presente estudo, nove animais não-insetos (segundo a classificação
lineana) foram citados pelos entrevistados. Na Figura 6 mostra-se o total de
entrevistados que mencionaram estes organismos, assim como sua inclusão nos
domínios “inseto” ou “animal”. Embora alguns indivíduos tenham categorizado estes
animais como pertencentes ao domínio semântico “animal”, a grande maioria os
classificou como “insetos”. A cobra destaca-se tanto pelo número total de citações
recebidas (n=52), como pelo fato de 47 dos entrevistados terem-na considerado
como um “inseto”. Escorpião (n=42), sardão (n=26), aranha (n=23) e lagartixa (n=18)
sempre foram chamados de “insetos”. Já sapo (n=22) e morcego (n=9), mesmo que
preferencialmente sejam rotulados como “insetos”, também foram incluídos no
domínio “animal” por alguns dos entrevistados. Interessante constatar que,
diferentemente da lagartixa e do sapo, tanto o teiú (n=8) como a jia (rã) (n=5)
sempre são “animais”:
Teiú não é inseto. É uma caça, é um bicho (Seu J., 40 anos).
Jia não é inseto porque se come (Seu N., 63 anos).
Figura 6 – Animais não-insetos citados durante as entrevistas com os moradores de
Pedra Branca, distribuídos segundo a inclusão nos domínios etnozoológicos “inseto”
ou “animal”.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Escorpião(n=42)
Sardão(n=26)
Aranha(n=23)
Lagartixa(n=18)
Cobra(n=52)
Sapo(n=22)
Morcego(n=9)
Teiú (n=8)
Jia (rã)(n=5)
Nº
de
cita
ção
É "inseto"É "animal"
36
No caso do escorpião e da aranha, poder-se-ia entender sua inclusão no
grupo dos “insetos” devido ao alto grau de semelhança anatômico-morfológica com
a Classe Insecta, uma vez que todos constituem o Filo Artrópoda. Quanto aos
demais não-insetos – sardão, lagartixa, cobra, sapo e morcego – chama a atenção o
fato de serem ossificados; ou seja, no sistema de classificação etnozoológica dos
moradores de Pedra Branca tampouco parece que se faz distinção entre
vertebrados e invertebrados (grifo nosso). Os poucos entrevistados que comentaram
sobre a questão da presença de osso deixaram claro que, independentemente de
ofender ou não, quando o animal possui osso é porque pertence ao domínio “animal”
(para cobra: n=5; sapo: n=2; morcego: n=2). Já uma entrevistada disse que: Cobra
tem osso, porém é inseto porque ofende (Dona N., 57 anos). Importante afirmar que
perceber o organismo como “animal” tampouco equivale a dizer que este possui
osso, pelo menos não na fala dos entrevistados.
O rótulo lingüístico “inseto” é utilizado pelos habitantes de Pedra Branca (e
arredores) para reunir vários animais não sistematicamente relacionados, além dos
próprios membros da classe Insecta. A reunião de animais com histórias evolutivas
tão diversas, em uma única categoria etnotaxonômica, tem sido observada em
diferentes sociedades e culturas, tanto antigas quanto atuais (COSTA NETO e
PACHECO, 2004). Nos tempos bíblicos, por exemplo, o termo hebraico sheretz
compreendia todas as criaturas rastejantes, como répteis, moluscos, anfíbios,
artrópodes e, possivelmente, pequenos mamíferos (HARPAZ, 1973). Já na época
dos filósofos gregos, Aristóteles incluiu insetos, aracnídeos, miriápodes e vermes no
grupo Entoma (MORGE, 1973). Posteriormente, no período renascentista, os insetos
eram entendidos como uma categoria abrangente, representando um conjunto
pouco definido e intermediário, em certos aspectos entre animais e plantas, que
reunia organismos tidos como imperfeitos e originados por geração espontânea,
englobando tanto os insetos propriamente ditos quanto outros artrópodes terrestres
e até mesmo alguns vertebrados, tais como lagartos e serpentes (TEIXEIRA, 1995
apud ALMEIDA, 2002). Os Astecas classificavam quilópodes, diplópodes e
pequenos lagartos como insetos (CURRAN, 1937). Este autor diz ainda que o termo
“inseto” é aplicado para designar répteis no Canadá e na Irlanda. Para os Ndumba,
grupo étnico que vive nas terras altas de Papua Nova Guiné, tovendi é a
etnocategoria que se refere a todos os insetos e aracnídeos (HAYS, 1983). Em
alguns contextos, no entanto, ela pode designar animais considerados não-
37
comestíveis (p.ex, certos tipos de sapos), enquanto que em outros pode rotular
qualquer criatura repugnante (p.ex., cobras). Os Inuit incluem os insetos, alguns
crustáceos, as aranhas e os vermes na etnocategoria qupiqruit (RANDA, 2000). O
termo chinês tchun refere-se aos insetos e outros pequenos animais, sobretudo
anfíbios e répteis (LENKO, 1963). No Japão, a etnocategoria mushi inclui insetos e
outros animais, como centopéias, aranhas, caranguejos e pequenos crustáceos
aquáticos, moluscos, vermes e cobras (LAURENT, 1995). Os moradores do
município de San Antonio Cuaxomulco, Tlaxcala, México, reúnem insetos, anfíbios e
répteis em uma mesma categoria taxonômica (SANTOS-FITA et al., 2006).
No Brasil, diversas pesquisas etnobiológicas também evidenciam a
categorização de diferentes táxons científicos em um mesmo rótulo lingüístico. Os
índios Kayapó, que vivem na região do Alto Xingu, no Nordeste do Estado do Mato
Grosso, se referem a todo inseto, escorpião, centopéia, caranguejo, ácaro e pseudo-
escorpião como maja, termo que significa “animais sem concha e sem carne”
(POSEY, 1983). Para os seringueiros que habitam no Alto Juruá, Estado do Acre,
pertencem à categoria “inseto” os “bichos terrestres ou voadores que ferram e têm
veneno. Além das cobras, são insetos, por exemplo, as vespas, a tucandeira ou
tocandira, o lacrau-curripião e a aranha-caranguejeira” (SOUZA et al., 2002, p. 577).
No Estado da Bahia, Costa Neto (1998, 1999, 2003), Costa Neto e Carvalho (2000)
e Costa Neto e Magalhães (2007) registraram a construção do domínio
etnossemântico “inseto” em diferentes contextos socioculturais.
Considerando-se novamente os princípios de categorização etnobiológica de
Berlin (1992), como já mencionado, a categoria forma de vida é constituída por
organismos que compartilham dos mesmos aspectos facilmente reconhecíveis, isto
é, de alguns padrões ecológicos e de forma corpórea (MOURÃO, 2000). Sendo
assim, não seria de esperar que, tanto no povoado de Pedra Branca (e em toda a
região da Serra da Jibóia) como em vários outros lugares do mundo inteiro, a
categoria forma de vida “inseto” reunisse organismos anatômico-morfológicos tão
diferentes entre si, como, por exemplo, uma borboleta, um escorpião, um sapo e
uma cobra. As características morfológicas dos “insetos” parecem ter pouca
importância para a formação do etnotáxon, visto que foram outros critérios os
salientados pelos entrevistados. Poder-se-ia supor que a ausência de valor utilitário
(especialmente alimentar) dos animais classificados como “insetos” faz com que os
critérios morfológicos não sejam tão significativos. A literatura registra que os seres
38
humanos incluem ou excluem os elementos faunísticos em uma dada categoria
etnotaxonômica segundo critérios diversos, complexos e multifacetados:
anatômicos, ecológicos, simbólicos, psicológicos, éticos, econômicos, práticos,
educativos, entre outros (JARA, 1996).
Para considerá-los (ou não) como “insetos”, todos os sujeitos da pesquisa
deram ênfase especial às características negativas relacionadas com estes
organismos, destacando-se fealdade, repugnância, periculosidade e, sobretudo,
nocividade (O povo chama inseto a qualquer coisa nociva e feia, mesmo que não
seja inseto, Seu C., 69 anos). A literatura registra que pelo menos na cultura
ocidental, praticamente todos os insetos são considerados como “ruins”, bem como
aqueles animais igualmente percebidos como nocivos, repugnantes e transmissores
de doenças também são rotulados de “insetos” (GRUZMAN e LEANDRO, 2001).
Estes organismos (os “insetos”) passam a serem vistos como uma categoria
representacional, tornando-se realizações metafóricas de outros seres ou de suas
qualidades (negativas) (GREENE, 1995).
No povoado de Pedra Branca, esta representação afetivo-emocional passa de
geração a geração, mesmo que de modo inconsciente, como se observa no trecho
abaixo:
Eu não sei [...] as pessoas falam que cobra é inseto por falar. Até eu faço
isso, mas eles não sabem que é [...]. Eu acho que as pessoas falam que
cobra é inseto pela razão dela morder e de viver pelo mato. Eu mesmo até
falo, por falar [...]. Eu não entendo se é inseto, é bicho ou o que é [...]. Inseto é
a palavra que sempre se falou, mas nem tudo é inseto. Os mais velhos
falavam já [...]. (Dona V., 59 anos).
Com base nas informações registradas em Pedra Branca (e em dados da
literatura específica), reforça-se a suposição de que o domínio semântico “inseto”
ocorre como um padrão nos sistemas de classificação etnozoológicos (atentando-se,
no entanto, para os termos locais equivalentes e para as categorias não nomeadas).
Os dados obtidos na presente pesquisa também corroboram a hipótese da
ambivalência entomoprojetiva formulada por Costa Neto (1999a, 2000) para explicar
este padrão etnoclassificatório. Ambivalência é exemplificada aqui pela percepção
que os entrevistados têm da borboleta, que é vista com “bons olhos”, hesitando em
39
considerá-la como tipo de “inseto” ou de “animal”. Quando os entrevistados (n=63)
foram questionados sobre uma possível semelhança e/ou diferença entre uma cobra
e uma borboleta, nenhum deles deu uma explicação razoável do porquê da cobra
ser um “inseto” e a borboleta, às vezes, não o ser. Ou ainda, depoimentos (n=32)
sobre o fato do cachorro e da cobra puderem causar ofensas, mas o primeiro ser
categorizado sempre como “animal” e a segunda como um “inseto” (Não tem nem
quase separação. Pra muitos, cobra é inseto. Eu acho que já é espécie animal aí
[...]. Eu acho que se alguém fala que é inseto é porque mora no mato, ofende, pode
levar até a morte [...]. Mas cachorro também morde, ofende e é animal! L., 28 anos).
Considerando os estudos de etnobiossistemática11, pode-se inferir que os
moradores do povoado de Pedra Branca, em seu sistema de classificação
etnozoológico, empregam tanto aspectos cognitivos (percepção da morfologia)
quanto utilitários (aqui, referindo-se ao uso que o animal tem para as pessoas) para
categorizar e classificar as descontinuidades biológicas com as quais convivem e
interagem. Aparentemente, os aspectos utilitários mostram ter uma maior influência
no momento dos moradores definirem quais são os representantes de cada domínio
etnozoológico. Importante salientar, porém, que o aspecto mais utilitário dado ao
elemento, na maioria das vezes, não denota uma utilidade estritamente material
(alimento, remédio, artesanato), mas lhe permite (ao sujeito) ajustar-se e adaptar-se
melhor a um dado contexto socioambiental. Segundo Begossi (1993), é bem
provável que seja a “utilidade” quem melhor explica uma maior existência de estudos
etnobiológicos. A mesma autora enfatiza que “[...] ‘utilidade’ aqui deve ser vista não
só em termos de alimento, medicina ou troca. Muitas vezes uma espécie é
importante por ser perigosa. Por exemplo, conhecer bem as serpentes deve
ser vantajoso em termos de sobrevivência” (BEGOSSI, 1993, p. 125, grifo nosso).
Porém, Bentley e Rodríguez (2001) salientam tanto a importância dos aspectos
cognitivos quanto dos utilitários na investigação etnobiológica: os povos classificam
e utilizam os recursos ao mesmo tempo.
11Um dos temas importantes ainda discutidos no campo da Etnobiologia entre seguidores cognitivistas versus utilitaristas diz respeito às bases do conhecimento etnobiológico, isto é, “sobre a existência ou não de regras e princípios universais de classificação” (BEGOSSI, 1993, p 125). Para uma profunda revisão bibliográfica a respeito do presente debate, aconselham-se leituras de Hays (1982), Toledo (1991), Berlin (1992), Ellen (1996), Posey (1996), Descola (1996) e Urán (2000), entre outros.
40
5.1.3 A questão da ofensa: implicações na percepção, conhecimento e
reações afetivo-emocionais com os “insetos”
Os termos morder, picar e ferroar são usados quase indistintamente e todos
como equivalentes ao termo ofensa, o qual continua sendo habitualmente utilizado
na região estudada (Picado, mordido, ferroado, ofendido [...]. É todo a mesma coisa.
M., 26 anos). Na literatura, encontram-se algumas referências para a utilização
deste termo como equivalente (e substituto) dos vocábulos morder e picar,
constatando assim a antiguidade desta apreensão semântica. Na obra Zoobiblion do
alemão Zacharias Wagener, a qual reúne informações entre 1634 a 1641 sobre a
fauna brasileira, mas que só foi publicada em 1964, o autor escreveu: “No caso de a
mulher ser mordida, ou de qualquer modo ofendida por este pernicioso animal
(referindo-se aos lagartos), ela não sofre o menor mal; mas se uma única gota de
sangue apenas for sugada, ela está fadada a morrer. [...]” (WAGENER, 1964 apud
NOMURA, 1996, p. 5. Grifos nossos). Um outro exemplo pode ser extraído de Lenko
(1967, p. 99-100, Grifos nossos), que comentou que em 1727 o médico português
João Curvo Semedo, falando sobre o uso do guizo de cascavel na terapêutica
rústica, escreveu: “[...] é muito divulgado o uso do guizo nos casos de picadas de
cobras. [...] Procedem de vários modos: trituram o chocalho e fazem com isso chá
que dão para beber a pessoa ofendida pela cobra [...]”. Mais recentemente, Souza et
al. (2002, p. 585. Grifos nossos) transcreveram um depoimento de um seringueiro do
Alto Juruá (Estado do Acre), o qual dizia: “[...] São Bento é protetor contra cobra, e a
pessoa que tem devoção com ele não é ofendida. A pessoa deve se lembrar de São
Bento antes da cobra morder [...]”. Para o Estado da Bahia, estudos como os de
Costa Neto (2003) com a mesma população humana objeto da presente pesquisa,
ou os de Silva e Costa Neto (2004) e Costa Neto e Magalhães (2007), já registraram
a utilização do termo ofensa como sinônimo para mordida ou picada de cobras e de
insetos.
Aqui se entende uma ofensa como um dano direto (real e/ou imaginário)
causado por qualquer animal a uma pessoa, chegando (ou não) a comprometer
seriamente seu bem-estar e sua saúde. Neste sentido, além do termo ofensa
corresponder tanto a “predisposição” do animal para atacar (“maltratar”) como na
ação mecânica (morder, picar, ferroar), vários dos entrevistados (n=36) insistiram no
41
fato da palavra ofensa significar também que o animal já possui peçonha ou veneno,
podendo levar o ofendido à morte (ver casos das etnoespécies lagartixa e cobra).
Em vários dos depoimentos citados nos itens anteriores, já se pode conceber
a ofensa como uma das principais características usadas na formação cognitiva do
etnotáxon “Inseto”. Isto não quer dizer que o ato de ofender seja uma particularidade
exclusiva dos representantes deste domínio semântico etnozoológico, mas que tem
bastante relevância na hora de associar o termo “inseto” a tudo aquilo considerado
ruim, nocivo e perigoso, especialmente para a saúde humana: Quando a gente
menos espera a cobra morde, ofende [...]. A gente vai chamar o quê? Não é inseto?
É! (Dona N., 57 anos).
Para o povoado de Pedra Branca, Costa Neto (2003, 2004) registrou
unicamente aqueles insetos stricto sensu que podem causar ofensa. No jargão
acadêmico, os efeitos negativos da ação direta dos insetos e demais artrópodes da
categoria lineana sobre a saúde e bem-estar humanos são conhecidos como
artropodoses (VALDERRAMA, 1998). Para o presente estudo, foram registrados os
organismos não-insetos pertencentes a diferentes grupos sistemáticos (Tabela 1;
vide Apêndice C), os quais complementam o repertório dos “insetos” locais, isto é,
aranha e escorpião (que também provocam artropodoses), lagartixa, cobra, sapo e
morcego. Decidiu-se também incorporar a jia (rã) e o teiú, mesmo que tenham sido
categorizados pelos entrevistados como “animais”, uma vez que são úteis na hora
de fazer comparações a fim de entender como etnotáxons que apresentam uma
morfologia semelhante são, mesmo assim, classificados em domínios
etnossemânticos diferentes (opostos). Segundo os entrevistados, todos estes
“insetos” podem ofender o ser humano, ora por meio de um contato efêmero com o
animal ou com elementos que tiveram contato com o mesmo, ora por meio de
substâncias por ele elaborada (peçonha ou veneno12).
Os espécimes de aranhas e escorpiões citados pelos entrevistados são,
precisamente, aqueles aracnídeos que têm importância médica no país inteiro. A
palavra araneísmo designa os acidentes causados pelas aranhas, enquanto
escorpionismo designa os acidentes provocados pelos escorpiões (CARDOSO et al.,
2003). No que se refere às aranhas, o número de citação para aranha-marrom,
12Cabe dizer que apenas quatro entrevistados falaram a respeito da peçonha destes animais. Para efeitos práticos, decidiu-se utilizar a palavra veneno para incluir a primeira, mesmo que tecnicamente expressam coisas diferentes (COSTA, 2005).
42
Tabela 1 - Etnoespécies locais de “insetos” envolvidas nas ofensas causadas à saúde humana, com base na presente pesquisa.
Taxonomia Possui
veneno?
Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de
citação Sim (%)
Não (%)
Observações
Classe Arachnida Ordem Araneae (aranhas) Theraphosidade Lasiodora sp.
Caranguejeira
22
100
Pêlos urticantes na face dorsal da região abdominal.
Sicariidae Loxosceles sp.
Aranha-marrom
5
100
Theridiidae Latrodectus sp.
Viúva-negra
9
100
Ctenidae Phoneutria sp.
Armadeira
3
100
Ordem Escorpions (escorpiões) Buthidae
Tityus serrulatus Lutz e Mello, 1992**
Escorpião-amarelo
42 100
Tityus sp. Escorpião-preto 26 100 Com exceção de uma pessoa, todos dizem que este escorpião é o mais perigoso.
Classe Amphibia Ordem Anura Leptodactylidae Leptodactylus ocellatus Linnaeus, 1758; L. vastus Spix, 1824
Jia (rã)
5
100
Não é considerada "inseto" (porque se come).
Bufonidae Chaunus jimi Stevaux, 2002
Sapo-bola (sapo-boi, sapo-cururu)
22
100
Para duas pessoas não é “inseto” (tem osso). O veneno é o leite.
Classe Lepidosauria Ordem Squamata Subordem Sauria (Lagartos) Geckkonidae Hemidactylus mabuia M. de J., 1818
Sardão
26
100
Veneno devido às fezes.
43
(Cont.)
Taxonomia Possui
veneno?
Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de
citação Sim (%)
Não (%)
Observações
Tropiduridae Tropidurus hispidus Spix, 1825
Lagartixa
18 100
Teiidae Tupinambis merianae Dumeril e Bibron, 1839
Teiú
8
62,5
37,5
Não se considera “inseto”.
Subordem Ophidia (Serpentes)
Typhlopidae Typhlops brongersmianus Vanzolini, 1976
Cobra-de-duas-cabeças (cobra-cega)
12
83,3
16,7
Poderia tratar-se também de um anfíbio da família Caeciliidae (Siphonops annulatus) ou de um réptil (lagarto) da família Amphisbaenidae (Amphisbaena alba).
Boidae Boa constrictor constrictor Linnaeus, 1758
Jibóia
7
100
Viperidae Lachesis muta Linnaeus, 1766
Surucucu (pico-de-jaca, malha-de-fogo).
45
100
Bothrops leucurus Wagler, 1824 **
Malha-de-sapo (jararaca-quatro-ventas).
41 100
Crotalus durissus cascavella Linnaeus, 1758 Cascavel 40 100
Bothrops leucurus Wagler, 1824
Cabo-branco 31 100 Somente uma pessoa sabe que se corresponde ao filhote de Bothrops leucurus.
Bothriopsis bilineatus bilineatus Wied, 1825
Surucucu-de-pindoba (pingo-de-ouro)
8 100
44
(Cont.)
Taxonomia Possui
veneno?
Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de
citação Sim (%)
Não (%)
Observações
Colubridae Boiruna sertaneja Zaher, 1996
Buiúna
35
43
57
Para quinze pessoas, esta tem veneno só na época da desova (quando está choca).
Drymarchon corais Boié, 1827 Papa-pinto 25 60 40 As mesmas quinze pessoas disseram que esta cobra tem veneno só na época da desova (quando está choca).
Chironius sp., Leptohis sp., Philodryas sp., Oxybelis aeneus Wagler, 1824
Cobra-espada 25 8 92
Chironius sp., Leptohis sp., Philodryas sp., Oxybelis aeneus Wagler, 1824
Cobra-de-cipó
24
4,2
95,8
Oxyrhopus trigeminus Dúmeril, Bibron e Duméril, 1854 **
Cobra-coral 22 100 Somente duas pessoas falaram da distinção entre as corais falsa e verdadeira.
Spilotes pullatus Linnaeus, 1758 Cainana 19 10,5 89,5
Helicops sp., Liophis sp. Cobra-d'água 10 20 80
Waglerophis merremii Wagler, 1824
Esparradeira (jararaca-esparra)
5 80 20
Mastigodryas sp., Bothrops sp. Jaracuçu 5 20 80 Liophis viridis Gunther, 1862,
Philodryas olfersii Lichtenstein, 1823
Cobra-verde 4 100
Tantila melanocephala Linnaeus, 1758 **
Correia-de-veado 2 100
Mastigodryas bifossatus Malha-de-traíra 2 100
45
(Cont.)
Taxonomia Possui
veneno?
Espécies registradas * Pista taxonômica Nomes locais No. de
citação Sim (%)
Não (%)
Observações
Tantila melanocephala Linnaeus, 1758, Pseudoboa nigra Duméril, Bibron e Duméril, 1854 (filhote)
Cobra-cinco-horas
2 100
Tantila melanocephala Linnaeus, 1758, Pseudoboa nigra Duméril, Bibron e Duméril, 1854 (filhote)
Cobra-seis-horas
2
100
Liophis sp., Thamnodynastes sp.
Jaracaquinha
1
100
Sibynomorphus neuwiedii Ihering, 1911 **
. . . 4 . . . Confundem-na com a cabo-branco.
Classe Mammalia Ordem Chiroptera (Morcegos)
Família Phyllostomidae Artibeus sp.
Morcego
9
100
Para duas pessoas não é “inseto” porque tem osso.
* Identificação baseada por comparação com a literatura pertinente e/ou consulta a especialistas. ** Espécimes coletados pelo autor e identificados por especialistas.
46
viúva-negra e armadeira foi extremamente baixo (n=5, 9 e 3, respectivamente),
considerando que são “insetos” de significativa relevância para a saúde e bem-estar
da população local. O Ministério da Saúde no Brasil considera os gêneros
Loxosceles, Latrodectus e Phoneutria – cujos nomes populares são,
respectivamente, aranha-marrom, viúva-negra e aranha armadeira – como os que
causam um envenenamento real grave na saúde humana, por possuírem peçonha
ativa na forma neurotóxica, proteolítica (necrosante) e/ou hemolítica (FUNDAÇÃO
NACIONAL DE SAÚDE, 2001). Em caso extremadamente necessário, existe
soroterapia para combater os efeitos das peçonhas destas aranhas (CARDOSO et
al., 2003). Segundo os entrevistados, em Pedra Branca raramente alguém é
ofendido por aranha. Quando perguntados, praticamente ninguém soube comentar
algum episódio (recente ou passado) envolvendo acidentes com esses artrópodes.
O seguinte depoimento ilustra este comentário: O pessoal em geral não conhece
muito delas, nem dos nomes [...]. Aqui, ou ofendem muito pouco ou as pessoas não
falam muito que foram mordidas por aranha (Dona V., 59 anos). Além disso, muito
pouco conhecimento etnozoológico relacionado com biologia, hábitat,
comportamento etc. das aranhas foi registrado. Os entrevistados também não
souberam informar sobre a existência (ou não) de um soro específico para picada de
aranhas. O motivo dos três gêneros terem sido registrados pode dever-se, em
grande parte, ao fato de serem os de maior interesse médico no país e, por esta
razão, terem suas respectivas imagens e nomes populares nos cartazes informativos
sobre animais peçonhentos expostos no pronto-socorro de Santa Terezinha e no
hospital de Castro Alves.
Por outro lado, aranhas-caranguejeiras (Família Theraphosidae) são bastante
conhecidas na região, especialmente no que se refere ao conhecimento tradicional
sobre aspectos biológicos e comportamentais (COSTA NETO, 2003, 2006). Embora
muito temidas, essas aranhas têm uma peçonha muito fraca, causando apenas dor
física no local da picada com as quelíceras, sendo que não existe soro contra sua
peçonha, mas apenas tratamento sintomático para dor e antialérgico para casos
específicos (CARDOSO et al., 2003). Em concordância com os depoimentos dos
entrevistados (n= 22) que falaram sobre as caranguejeiras, os acidentes geralmente
ocorrem por contato com as cerdas (pêlos) urticantes da face dorsal da região
abdominal. Quando ameaçadas, elas costumam raspar as pernas traseiras contra o
abdome fazendo essas cerdas flutuarem e, ao atingirem a pele e mucosa humanas,
47
causam irritação (queimação) e extrema coceira (LUCAS e SILVA JÚNIOR, 1992;
COSTA NETO, 2006). Segundo depoimentos, as caranguejeiras, mesmo não
mordendo, são consideradas venenosas precisamente pela questão das suas
cerdas queimarem (= ofenderem): É o cabelo dela que ofende a gente (Dona G., 55
anos).
Com relação aos escorpiões, duas etnoespécies citadas – escorpião-amarelo
(Tityus serrulatus) e escorpião-preto (Tityus sp.) – também são de grande interesse
médico. A peçonha é neurotóxica e sempre ocorre uma intensa dor no local da
picada. Mesmo assim, na grande maioria dos casos, existe tratamento sintomático
para evitar dor e complicações alérgicas, sendo raros os casos onde se precise
aplicar o soro antiescorpiônico (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 2001). Um
total de 16 entrevistados já foi picado pelo escorpião-amarelo, cinco dos quais
chegaram a precisar de soro. Sete entrevistados comentaram que a picada do
escorpião-amarelo (T. serrulatus) pode levar ao óbito crianças menores de sete anos
e idosos maiores de 65 anos. CARDOSO et al. (2003) corroboram esta questão,
além de considerar a espécie como a mais perigosa da América do Sul. No entanto,
em Pedra Branca, os moradores (n=26) falaram que é precisamente o escorpião-
preto (Tityus sp.) o de maior perigo, porém sem dar suficientes explicações a esse
respeito. Interessante observar que nenhum dos entrevistados foi picado por esta
etnoespécie, que não costuma habitar em espaços e edificações humanas como o
escorpião-amarelo: O amarelo fica nas casas, tijolos, adobe, telha. [...]. Já o preto
acostuma a ficar no pé de licuri (Seu J., 40 anos). Entre os hábitats e microhábitats
usados pelos escorpiões estão lascas de madeira, troncos, sob pedras, frestas ou
construções humanas como residências e locais de armazenamento de alimentos e
ferramentas de trabalho (LUCAS e SILVA JÚNIOR, 1992).
Com relação aos anfíbios (anuros), os entrevistados citaram duas
etnoespécies: o sapo-bola (Chaunus jimi) e a jia (rã) (Leptodactylus ocellatus). O
sapo-bola foi considerado um “inseto” por 20 dos entrevistados porque ele ofende
devido ao veneno secretado em forma de “leite”13, como fica demonstrado no
seguinte depoimento: Ele é inseto que não morde, mas o leite dele maltrata a gente
13O que popularmente se conhece como leite corresponde a uma secreção venenosa que todos os membros da Classe Amphibia possuem e desprendem cutaneamente como sistema de defesa. No caso dos sapos, tal substância encontra-se concentrada nas duas glândulas parotóides, localizadas a cada lado atrás da crista cefálica. Este veneno, no caso da pessoa esfregar o olho pode causar certa irritação, porém nunca cegueira (Mirco Solé, com. pess., 2008).
48
(Dona N., 57 anos). Dois entrevistados que o consideraram como “animal” (porque
possui ossos) também disseram algo semelhante: Todo sapo tem leite e ofende,
porque se cair na vista diz o povo que cega [...]. Eu nunca vi (Dona E., 39 anos).
Além disso, sete indivíduos crêem que a “cama de sapo” (lugar onde o sapo
“dorme”) produz frieira14 (micose) nos pés: Quando ele fica na planta, ela morre [...].
No lugar onde ele dorme, se a pessoa pisar, dá frieira (Dona D., 35 anos).
Fenômeno parecido acontece com a cobra, a qual, segundo três entrevistados,
produz íngua (erupção cutânea) quando esta passa sobre a pele das pessoas ou
quando alguém usa uma roupa que tenha tido contato com o animal (ver Tabela 2
no item 5.2.2).
Embora apresente uma constituição física quase semelhante ao sapo-bola, a
jia (rã) não foi considerada “inseto” devido a sua utilidade como fonte de alimento
para alguns moradores da região estudada: Jia mora no rio e se come. Não pode ser
inseto (Seu D., 80 anos). Além disso, pode-se supor que esta etnoespécie não seja
categorizada como “inseto” também pelo fato de não causar transtornos à saúde
humana, corroborando então a importância dada à questão da ofensa na hora de
definir quais organismos pertencem ao domínio etnossemântico “inseto”. Mesmo
porque, para os moradores de Pedra Branca, existem várias outras etnoespécies de
não-insetos – p.ex., cobras como a cascavel, a jibóia e a papa-pinto – que são
percebidas e categorizadas como “insetos” porque, precisamente, não deixam de
ser organismos considerados potencialmente perigosos (independentemente de
serem peçonhentos ou não), apesar de terem utilidades alimentar, medicinal e de
controle biológico (por meio do hábito ofideofágico da papa-pinto, que “limpa” os
terrenos dos lavradores e fazendeiros da presença indesejável de outros tipos de
serpentes) para a população local, conforme atesta os depoimentos abaixo:
Tem gente que come até cascavel. Eles cortam a um palmo da cabeça e a
outro do chocalho. Comem do meio. [...] Dizem que a bicha tem gosto de
peixe! (Dona C., 79 anos). 14O intertrigo é uma alteração da pele que ocorre em áreas de dobras cutâneas, como axilas, virilhas e espaços interdigitais, principalmente dos pés (popularmente conhecido como “frieira”). A pele elimina água constantemente, de forma imperceptível, que evapora imediatamente, fenômeno conhecido como perspiração. Nestas regiões, o vapor d'água fica retido, umedecendo e amolecendo a pele. No caso dos dedos dos pés favorece a aparição do fungo Tricophyton rubrum, causando manchas e bolhas vermelhas e arredondadas e com descamação, provocando assim muita coceira e ardor na região afetada (VARELLA, 2008).
49
A banha da jibóia é pra curar reumatismo e derrame (Seu B., 65 anos).
O papa-pinto come outras cobras. [...] Os fazendeiros gostam dela (Seu E., 67
anos).
A jibóia e a cascavel, além de servirem como alimento, são recursos
zooterapêuticos na medicina popular, uma vez que a banha e outras partes de seus
corpos são utilizadas para tratar uma ampla e heterogênea gama de doenças e
enfermidades (derrame, inflamação, asma, reumatismo, diabetes, gastrite, câncer,
enxaqueca, mordida por cobra, etc.). O emprego de produtos medicinais à base de
serpentes em diferentes contextos socioculturais está registrado na literatura
(CAMPOS, E, 1967; NOMURA, 1996; COSTA NETO, 1999b; MARQUES, 2001;
ALVES e PEREIRA FILHO, 2007).
De modo parecido à cobra papa-pinto, o único valor (positivo) atribuído ao
sapo-bola é que ele se alimenta de outros “insetos”: Esse sapo só vive fazendo o
bem. Come de tudo quando é inseto pequeno (Seu E., 69 anos).
Dos lagartos, as etnoespécies lagartixa (Tropidurus hispidus) e sardão
(Hemidactylus mabuia) sempre foram citadas como “insetos” (n=18 e n=26,
respectivamente); Por outro lado, o teiú (Tupinambis merianae) foi citado como
pertencente ao domínio “animal” (n=8). Como nos anuros, a questão da semelhança
corpórea (morfologia externa total) não é um caráter determinante para a
classificação etnozoológica. Embora a lagartixa possa morder e diferentemente dos
demais “insetos”, os moradores de Pedra Branca dizem que a lagartixa não ofende
provavelmente porque ela é tida como não “venenosa”: Morde, mas não tem agravo,
não leva à beira da morte. [...] Não é venenosa, daí que não ofende (Dona E., 61
anos). Mesmo assim, os sujeitos participantes da pesquisa nunca esclareceram a
verdadeira razão da lagartixa ser rotulada de “inseto”. Tampouco lhe atribuíram uma
utilidade especial. Aqui, a contradição surge ao compará-la com a jia (rã), sendo que
ambas as etnoespécies não ofendem, mas pertencem a domínios etnossemânticos
distintos. Neste sentido, evidencia-se que os fatores classificatórios que determinam
a construção e a delimitação do complexo “inseto” não se restringem unicamente à
questão da ofensa. No entanto, estes fatores também levam em consideração um
outro tipo de relações afetivo-emocionais e de uso que os sujeitos têm com esses
animais.
50
Quanto ao sardão, os entrevistados acreditam que a ofensa se deve às fezes,
reportadas como venenosas: Uma bosta de sardão cai na comida, daí a gente come
e morre. É inseto (Dona N., 57 anos). Neste exemplo, evidencia-se o fato de haver
ofensa sem comportar uma ação mecânica (morder) e de o réptil ser chamado de
“inseto”. Nenhum dos entrevistados soube relatar algum caso real e local
envolvendo este tipo de “envenenamento”. Conta-se, porém, que há certo tempo
toda uma família (de outra região) morreu envenenada (pelas fezes) de um sardão
que havia entrado na sacola de café dos moradores. Acabou sendo integralmente
moído e “bebido” dentro do café, mas a responsável pela morte do casal e filhos
teriam sido unicamente as fezes do animal.
Originário do continente africano e acidentalmente trazido ao Brasil pelos
navios negreiros, este pequeno lagarto, de unos 12-16 cm de comprimento e hábitos
noturnos, costuma ser visto nas paredes e no forro das salas, em casas e
construções de origem humana, alimentando-se de insetos (FREITAS e SILVA,
2007). Apesar de ser considerado útil porque se alimenta de insetos, o sardão é
categorizado como um “inseto” pelo fato de ofender devido as suas fezes.
Interessante registrar o uso medicinal que populações do sertão nordestino fazem
do excremento da lagartixa (nome popular equivalente ao sardão citado pelos
moradores de Pedra Branca): “O excreto da lagartixa, logo após a dejeção, é
bastante indicado para aliviar a garganta, em aplicações externas. [...] Sêco, ainda
serve o excreto, diluído em água, para o doente gargarejar, com resultados
satisfatórios” (CAMPOS, E., 1967, pg. 62).
A etnoespécie teiú foi citada por oito indivíduos, que a consideraram como
“animal”. Houve divergência sobre se possuía ou não “veneno” (peçonha) e não se
registrou nenhum valor utilitário agregado (seja alimentar ou medicinal). A
ambigüidade e contradição perceptual que envolve o teiú ainda tornam-se mais
evidentes com depoimentos do estilo: As pessoas dizem que tem veneno, que
parece cobra. Daí não tocam, não matam (Seu J., 40 anos). Neste caso, o teiú
semelha-se à serpente porque morde e possui peçonha (e pela forma corpórea),
porém, por esse mesmo motivo, aparentemente não é morto pela população, ao
contrário da serpente que praticamente sempre é eliminada.
51
De todos os representantes do etnotáxon “inseto”, destacam-se as serpentes,
registrando-se um total de 23 etnoespécies15. Os entrevistados citaram quatro
etnoespécies que pertencem à família Viperidae – surucucu pico-de-jaca (Lachesis
muta), malha-de-sapo (Bothrops leucurus), cabo-branco (B. leucurus) e cascavel
(Crotalus durissus cascavella) – como as mais perigosas e nocivas à saúde humana
(sempre possuindo veneno segundo depoimentos), além de provocar maior aversão
e medo na população local. Dos 31 entrevistados que falaram sobre a cabo-branco,
apenas um sujeito disse que na verdade se trata do filhote da malha-de-sapo (B.
leucurus) e não uma etnoespécie diferente como em geral os moradores costumam
acreditar: A cabo-branco é o filho da malha-de-sapo (Seu E., 57 anos).
Precisamente, este grupo ofídico é formado por aquelas espécies que possuem um
sistema evolutivamente mais avançado e especializado de inoculação da peçonha
(dentição solenóglifa), sendo de grande interesse médico (CARDOSO et al., 2003).
Todos os entrevistados (n=52) conhecem a existência do soro antiofídico (Existe o
soro graças às mesmas cobras. Seu A., 77 anos), porém sem saber aprofundar
muito nos diferentes tipos e suas respectivas aplicações.
Várias outras etnoespécies pertencentes à família Colubridae – buiúna
(Boiruna sertaneja), papa-pinto (Drymarchon corais), cobra-espada (Leptohis sp.,
Philodryas sp.), cobra-cipó (Leptohis sp., Philodryas sp.), caninana (Spilotes
pullatus) e cobra-d’água (Helicops sp.), entre outras – também foram, em menor
número, citadas. Este segundo grupo apresentou divergências na hora em que os
sujeitos falavam se estas cobras eram ou não venosas. Segundo Cardoso et al.
(2003), apesar de não serem consideradas serpentes peçonhentas, em alguns
casos a sua dentição (opistóglifa) permite que elas inoculem certa quantidade de
toxina, podendo, eventualmente, provocar inflamação local extensa. Os mesmos
autores destacam os exemplos dos gêneros Boiruna e Philodryas, os quais podem,
inclusive, causar acidentes com quadro local semelhante ao acidente botrópico e
laquético; isto é, ação proteolítica (inflamatória aguda), coagulante e hemorrágica. A
etnoespécie buiúna, que provavelmente corresponde à espécie Boiruna sertaneja,
devido à coloração e hábitos alimentares descritos ([...] Mas daí porque tem cobras
que não tem veneno? Eu não sei. [...] Como a buiúna mesmo, que é para comer
inseto, mas não tem veneno. [...] Ela é toda preta e a barriga amarela. Seu F., 44
15
Todas categorizadas como “insetos” (com exceção de cinco entrevistados que as consideram como “animais”; ver Figura 6).
52
anos), seria, juntamente à etnoespécie papa-pinto (Drymarchon corais), os exemplos
claros da ambigüidade e divergência no que diz respeito à atribuição (ou não) de
peçonha. Dos entrevistados, 15 comentaram que a buiúna e a papa-pinto
apresentam-se “venenosas” apenas durante o período do ano em que desovam
(nascimento da descendência), correspondendo aos meses de junho a agosto
(época de São João). Além do mais, constatar que Drymarchon corais, devido a sua
dentição tipicamente áglifa, nunca pode ser considerada peçonhenta (FREITAS e
SILVA, 2007).
Das 22 pessoas que citaram a cobra-coral, apenas duas mencionaram sobre
a diferença entre as corais falsa e verdadeira (Tem a coral falsa e a verdadeira. [...]
Falam que só dá para saber a diferença pelo olho. R., 28 anos), sendo que sempre
foram tratadas, junto às cobras da família Viperidae, bastante perigosas e
venenosas: As cobras perigosas são as que têm presa: cascavel, jararaca, coral [...]
(Seu A., 57 anos); Ela é tão perigosa que nem o soro dela serve! (Seu E., 67 anos).
As demais etnoespécies de cobras, incluindo a jibóia, receberam baixa citação,
tendo em comum o fato de não serem tratadas como venenosas e de que ofendem
por meio de sua “mordida” mesmo. Interessante salientar que apenas quatro
indivíduos falaram a respeito das presas ([...] Bolsinha onde tem o veneno, no dente.
F., 28 anos) que certas serpentes possuem para inocular a peçonha.
De um modo geral, a questão da ofensa com cobras parece tratar-se mais
sobre presença ou ausência do veneno que do fato de as cobras efetivamente
poderem picar. Por outro lado, crenças populares como, por exemplo, a de que a
cobra-de-cipó não “morde”, mas continua ofendendo porque ela bate com o corpo na
pessoa (ver Tabela 2 no item 5.2.2), criam dúvidas e ambigüidades em relação à
afirmação anterior, visto que ofender deixa de corresponder à posse (ou não) de
veneno, destacando-se a própria ação mecânica, mesmo que esta não envolva
picada/mordida. Ainda, igualmente com o que ocorre com a lagartixa, os moradores
consideram diferentes etnoespécies de cobras como não-ofensivas devido à
ausência de peçonha, mesmo que “mordam”. Diferentemente dos anuros e lagartos,
a constituição morfológica (forma do corpo serpentiforme) parece ser importante na
classificação etnozoológica por englobar todas as serpentes sob um mesmo rótulo
lingüístico (neste caso, “inseto”), embora algumas etnoespécies se destaquem
devido ao seu valor utilitário (p.ex., jibóia, papa-pinto etc.) ou porque são tidas como
53
inofensivas à saúde humana; mesmo assim, todas acabam sendo culturalmente
indesejadas.
As serpentes são, indiscutivelmente, os “insetos” de maior destaque tanto no
saber popular quanto no imaginário da comunidade investigada. Elas causam muitas
reações ambíguas, pois ao mesmo tempo em que despertam admiração também
provocam grande aversão (raiva, ódio), além de serem os “insetos” dos quais os
sujeitos da pesquisa mais têm medo:
Cobras são muito feias [...]. Que boniteza pode ter? [...]. Só por causa do
veneno pra mim já não tem boniteza [...]. Agora, pensado bem, até que cobra
não é tão feia. Não gosto por causa do veneno e acho que são feias [...]. É
limpinha, bonitinha [...] (Dona L., 63 anos).
A gente vê assim de susto e logo já pensa que tem veneno (Seu F., 79).
Mesmo sabendo que não tem veneno, o povo mata pelo medo (F., 28 anos).
O único mamífero incluído no domínio “inseto” foi o morcego. Segundo
depoimentos de nove pessoas, o morcego é tratado pelo imaginário popular como
um chupador de sangue de vacas e de humanos. No entanto, nenhum dos sujeitos
entrevistados observou pessoalmente tal fato, apenas ouviu dizer. Dois moradores
categorizaram o morcego como “animal” por possuir ossos, porém sem perder seus
atributos de chupador de sangue. Provavelmente, ele é tratado como “inseto” devido
à aparência, causando reações de repugnância e desconforto por não se saber
exatamente qual a sua origem ontogenética:
Morcego é inseto [...]. Morcego é um rato de asa. Rato deve ser inseto então
[...]. Mas, na verdade, ele não é transformado de rato. Ele já foi criado
morcego. Acho que é, né? Não sei não [...] (Seu N., 63 anos).
54
5.2 Crenças e Práticas Associadas às Ofensas Causadas pelos
“Insetos”16
Na região da Serra da Jibóia, as cobras e os escorpiões, além de terem sido
os “insetos” que receberam maior número de citações pelos indivíduos entrevistados
(n=52 e n=42, respectivamente), foram também os que tiveram estórias, crenças e
práticas populares a eles associadas, visando prevenir ou tratar as ofensas (reais
e/ou imaginárias) que lhes são atribuídas. Interessante observar que os
entrevistados falavam sempre destes saberes e dos acontecimentos relacionados
como pertencentes há um tempo passado, que já ouviram contar por alguém e dos
quais acreditam ou não. Até a presença e disponibilidade de soro, os moradores
locais utilizavam apenas simpatias, remédios caseiros e rezas.
5.2.1 Significado antigo atribuído ao termo ofensa
Segundo depoimentos de 36 entrevistados, o termo ofensa antigamente tinha
uma maior difusão, mas era restrito para se referir unicamente aos acidentes com
cobras. Hoje, este termo já não é tanto utilizado e nem de forma tão específica, pois
se fala mais em casos que envolvem mordida, picada ou ferroada provocada por
diferentes animais. Quando utilizado, refere-se a qualquer “inseto” (ou “animal”), não
apenas cobras:
A palavra ofensa já vem de muito tempo atrás, na região toda [...]. Agora já se
fala mais a cobra me picou, mordeu (Dona G., 55 anos).
As pessoas não falavam que foi ofendido de escorpião. Só de cobra [...].
Agora se utiliza com tudo. Antes só cobra e entre pessoas (Dona L., 62 anos).
Para 34 destes entrevistados, antigamente a pessoa que era picada
(ofendida) por cobra não podia, em termos gerais, nem dizer nada a respeito do
acontecido nem receber visitas em casa, porque senão o efeito do veneno
aumentava. A maioria das pessoas se escondia para evitar ser assediada. Apenas
os familiares diretos podiam visitar sem prejuízo algum, permanecendo junto à vítima
16Os “insetos”, neste caso, referem-se às serpentes e escorpiões.
55
e dando os devidos cuidados (remédios caseiros). A maioria dos moradores optava
por não visitar o doente e esperava ele melhorar. Mesmo assim, tanto os familiares
quanto os demais membros da comunidade também estavam sujeitos a uma série
de restrições, tanto lingüísticas quanto sociais, para não aumentar os efeitos (a
potência) da peçonha da cobra, agravando seriamente o estado de saúde do
indivíduo afetado. Acreditava-se que se as palavras morder e picar (e suas
variantes) fossem pronunciadas, a peçonha (“veneno” na acepção local) tomava
maior força no mesmo instante, agitando-se e se espalhando ainda mais pelo corpo
da vítima, aumentando assim os sintomas do envenenamento. A vítima nem
precisava estar presente ou ouvir a conversa para que isso acontecesse. Por isso
que as pessoas evitavam falar com ou perto do acidentado e as visitas eram quase
que totalmente proibidas. Se alguém quisesse fazer uma visita, era totalmente
proibido de falar o nome da pessoa vitimada (em sua presença ou próximo a ela). Só
podia chegar à frente e estabelecer conversação se houvesse prévia simpatia. Tudo
isto era essencial para o doente não levar susto (com a presença e fala do visitante),
agitar o sangue (o “veneno”), aumentar a dor, piorar e começar a ‘botar sangue
pelos fios dos cabelos do corpo inteiro’, conforme foi dito por 15 entrevistados.
Pelas mesmas razões, também se evitava pronunciar a palavra “cobra” e o
nome da que ofendeu a pessoa. Costumava-se dizer, então, frases do tipo: “Fulano
foi ofendido pelo bicho-do-chão” (a mais comum e aconselhável de dizer); “A lagarta
me pegou aqui” (o doente é quem falava); “Foi a formiga que ofendeu ele” (ou outro
animal, mas nunca a cobra). Daí, já se sabia que tal pessoa tinha sido picada por
cobra:
Quem era picado de cobra tinha que manter o maior segredo. Não podia nem
todo mundo saber, porque não podia receber visita, porque dava pra sangrar
[...]. E não falava mordeu. Falava ofendeu [...]. Também não dava pra usar a
palavra cobra, ficava pior. Aliás, falavam: “Foi ofendido pelo bicho-do-chão”.
Aí todo mundo sabia que era cobra (R., 29 anos).
Visita é muito ruim pra quem está ofendido de cobra. Aumenta a dor. Só
podem os parentes [...]. Não fala o nome da bicha nem que tu queiras. Fala
que foi formiga. Tem que falar outro animal, daí todo mundo já sabe que foi
cobra [...]. Se fala o nome da cobra vai doer mais ainda (Seu M., 40 anos).
56
Enquanto não tivesse medicamento, tinha que ficar escondido sem receber
visita nenhuma. Depois do medicamento podia receber sem problema [...].
Não dizia que uma cobra tinha mordido a pessoa. Só falava que “um bicho me
mordeu” [...]. Era não dizer “cobra”, porque o veneno atrai (Seu T., 39 anos).
Antigamente, tudo era mais difícil, ninguém dizia nada [...] para o boato não
correr. Quanto mais corre o boato, o veneno fica mais no corpo (Dona l., 62
anos).
De cobra, não pode visitar o doente [...]. Tem que dizer que “fulano foi
mordido de bicho-do-chão” [...]. Agita o veneno da cobra. Agora acabou
porque o pessoal vai para hospital botar o soro (Dona V., 59 anos).
Não podia visitar. Se chegava, o doente piorava [...]. A pessoa inchava e até
botava sangue pelos cabelos [...]. O sangue agita quando alguém fala (Dona
E., 69 anos).
A propósito deste medo de pronunciar a palavra cobra, Teixeira (1954) apud
Nomura (1996, p. 20) escreveu o seguinte sobre os habitantes de Sete Lagoas
(MG): “É habito arraigado não se dizer a palavra cobra nem mesmo o nome de
espécies de serpentes – cascavel, jararaca, urutu, etc. – ou de outros bichos
peçonhentos. As cobras são chamadas cipó, bicho, cacetinho, bicho mau [...]”. No
Estado de Santa Catarina, diz Cabral (1952) apud Nomura (1996, p. 40) que: “O
mordido por uma cobra não pronuncia a palavra cobra, o que lhe traria malefícios
enormes, inclusive a morte. Diz que está mordido de ‘bicho’ [...]”. Com estes
eufemismos acredita-se, então, poder evitar os maus efeitos do envenenamento no
caso das pessoas serem ofendidas por cobra, e mesmo afugentá-las. O mesmo
autor continua dizendo que: “[...]. Acredita a população praieira que o mordido não
deve ver o mar. E se o paciente, empeçonhado, se debate irrequieto no leito, diz-se
que ele está dando as voltas que a cobra também o está, no mato”. Crença
semelhante foi registrada em Canindé (CE), na qual “Não se permite dormir o
ofendido de cobra nas primeiras 24 horas porque dormindo o veneno se difunde com
maior rapidez. O individuo mordido de cobra não deve ouvir comentários sobre sua
doença porque terá súbita piora. [...]” (MAGALHÃES, 1969, p. 115).
Em Pedra Branca, as simpatias para poder visitar o doente sem causar-lhe
maior prejuízo, segundo alguns dos entrevistados (n=12), são: o interessado em
fazer visita, para não prejudicar o doente, previamente precisa raspar um pouco do
57
batente (madeira) da porta de entrada de uma venda (mercearia, bar). Depois, torrar
as lascas e passar por um coador. Uma vez que o chá seja dado a quem está
ofendido, a pessoa pode aproximar-se sem prejuízo algum (não expele sangue). O
chá é chamado de bons-e-maus, porque naquele batente passam o bom e o mau, o
sangue ruim e o sangue bom (referindo-se às pessoas); a pessoa ofendida pega
uma lasca da porta (madeira) e faz uma cruz. Coloca-a em seu pescoço, podendo
assim receber visitas sem perigo algum; o visitante leva um ramo de folha verde (de
qualquer planta; pinhão-roxo, andú, caiçara) e diz ao ofendido: “Toma fulano [...]. Foi
São Bento quem mandou pra você”.
O resguardo dentro de casa tinha que durar 40 dias, após tomar remédio
(caseiro). No caso de sair antes, o efeito do veneno voltava. Durante o período de
convalescença, o ofendido não podia comer certas coisas consideradas frias e
reimosas. Caso contrário, o efeito do veneno aumentava. Dentre os
alimentos/comidas, foram citados: carne de porco, mamão, camarão, peixe de
couro, farinha, pimenta, quiabo, ovos e carne de galinha. Por outro lado, podia-se
comer carne moqueada, branca ou de sol, ou seja, carnes secas. Também feijão e
pirão.
A questão da visitação parece estar relacionada ao sangue, isto é, ao fato de
existir ou não compatibilidade entre o líquido vital do doente e o do visitante, além da
presença e ação da peçonha da cobra no primeiro. As pessoas que, no momento
em que a ofensa aconteceu, estivessem próximas da vítima, isto é, que
presenciaram o acidente e viram qual foi a cobra que picou, estes sim podiam visitar
sem medo algum de prejudicar o indivíduo ofendido com sua presença e nem
precisavam fazer simpatia, devido ao fato de que o sangue deles já estava igualado
(não era sangue contrário e/ou novo) ao do ofendido. O ofendido tinha o
corpo/sangue aberto e os que estavam junto com ele no momento do acidente
passavam a ter também o corpo/sangue aberto, porque igualavam e combinavam o
sangue junto ao do ofendido. Já uma pessoa que não estivesse presente, tinha o
corpo/sangue fechado. No caso de querer visitar, se não se compensava esse
“desequilíbrio corporal e humoral” com alguma simpatia, a diferença entre os
sangues fazia com que a peçonha da cobra começasse a se agitar muito mais,
provocando mais dores, inchaços e perda de sangue “pelos fios dos cabelos”. Tudo
parece uma questão de igualar/compensar os sangues para não interferir na cura do
afetado:
58
Pessoas que tinham sangue fechado não podiam visitar (Dona P., 65 anos)
Não pode receber visitas porque tem o corpo aberto (Dona C., 79 anos).
Referência a este respeito encontra-se em Santos Filho (1966) apud Nomura
(1996, p. 35), que argumenta o seguinte: “[...] Os benzedores tiveram nas picadas de
serpentes o mais rendoso ganha-pão. Rezavam, benziam e deixavam qualquer
pessoa de ‘corpo fechado’ ou ‘curado de cobra’ [...]”.
Caso o visitante fosse uma mulher grávida ou menstruada, o efeito era ainda
pior, visto que o seu sangue ainda estaria mais fechado que o normal: Mulher
grávida não pode ver o doente que foi mordido. Este morre na hora (Seu J., 40
anos). Segundo uma crença local, que foi citada por 15 dos sujeitos participantes,
cobra odeia mulher grávida, o que faz com que a peçonha se agite com maior força
e violência contra o ofendido. Acreditar que a presença de mulher grávida (ou
menstruada) prejudica seriamente o ofendido por mordida de cobra é “um fenômeno
muito difundido no Brasil inteiro” (NOMURA, 1996, p. 32), especialmente no que se
refere a não receber visita alguma: “[...] O doente, para que se salve, é preciso não
receber, antes de tudo, a visita de mulheres grávidas” (CAMPOS, E., 1967, p. 86).
Sobre a questão de que a vítima expele “sangue pelos fios dos cabelos do
corpo inteiro”, é provável que tal crença provenha do fato de que algumas pessoas,
já tendo qualquer lesão cutânea preexistente, ao serem picadas por filhotes de
Bothrops leucurus, que possuem como peçonha uma substância de ação
anticoagulante em nível sistêmico (diferente dos indivíduos adultos), manifestariam
um desprendimento de líquido sangüíneo por tais lesões (FUNDAÇÃO NACIONAL
DE SAÚDE, 2001). Por esta razão, as pessoas comumente percebem este
vazamento como sendo através dos poros do corpo inteiro devido à agitação do
“veneno”.
5.2.2 Crenças e estórias relacionadas com “insetos” ofensivos
Notadamente sobre as serpentes, existe em todas as regiões do Brasil e no
mundo uma riqueza extraordinária de crenças e estórias a respeito desses animais,
com influências marcantes na imaginação popular. Muitas destas crenças
enraizaram-se e foram repassadas, em sucessivas gerações, como verdadeiras
dentro do saber popular, quer apreendidas por meras falhas de observação, quer
59
por enganos cometidos pela associação de idéias ou de acontecimentos
(informações fragmentadas), em diferentes tempos e lugares (VIZOTTO, 2003).
Neste caso, Barbier apud Silva (2000, p. 61) salienta que “o fenômeno emocional
aciona não apenas sensações, mas também dimensões cognitivas, imaginativas e
intuitivas do ser humano”.
A Tabela 2 mostra as 28 crenças envolvidas, direta e indiretamente, na
questão das ofensas causadas por diferentes etnoespécies de cobra, tal como foram
citadas pelos moradores de Pedra Branca. Todas evidenciam um saber e uma
representatividade emotiva negativa para com as cobras. Em oito delas já está
sendo aconselhável, inclusive de forma evidente e direta, a morte desses “insetos”.
Nas outras 20 crenças, mesmo não reportando benefício algum aos “interesses” do
animal, não se evidencia uma atitude direcionada à sua eliminação (direta), mas
fomentando o medo e as idéias errôneas com relação à cobra.
Algumas das crenças registradas, como a que diz que cobra mama no peito
de mulher parida, que deixa o veneno em uma folha antes de entrar na água; que
causa frieira (= íngua, cobreiro); que possui um ferrão na cauda por onde injeta o
veneno; ou ainda que pode ficar em pé graças ao ferrão que tem na ponta da cauda,
permitindo pular e “voar” contra as pessoas, entre outras, são muito freqüentes e
espalhadas ao longo do território brasileiro, apenas variando o tipo de cobra
envolvida e sua contextualização sociocultural e socioambiental (CASCUDO, 1954;
MAGALHÃES, 1969; NOMURA, 1996; VIZOTTO, 2003). De acordo com Silva (2000,
p. 72):
“Algumas destas crendices estão relacionadas a hábitos das serpentes, e, tudo indica, são construídas assim, por indícios não consistentes, fruto de observações que sofreram interpretação, sendo, pois figuradas, somadas a outras interpretações simplistas devido à ausência de conhecimento sistematizado que as tornem consistentes, lógicas. Outras, são equívocos evidentes [...]”.
A serpente continua sendo um dos símbolos mais importantes da imaginação
humana. As imagens (representações), os mitos e as crenças em torno deste animal
sempre foram comuns entre as diversas sociedades, ligando-se aos valores culturais
e religiosos que cada povo tem na explicação de sua realidade e visão de mundo
60
Tabela 2 - Crenças relacionadas (direta ou indiretamente) à questão das ofensas (reais e/ou imaginárias) causadas pelas
etnoespécies de cobra, segundo os depoimentos dos moradores de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.
Nº de sujeitos que Crenças (reunião de depoimentos)
Etnoespécie envolvida
Acreditam Não
acreditam
Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as
crenças
O que diz a literatura a respeito
Se não matar a cobra que mordeu você, ela fica rodando no chão e assim aumenta a ação do veneno injetado. *
Cobras em geral
11 7 ... ...
Se a cobra vê você (no mato) e você não vê ela, você adoece (íngua, febre etc.).
Cobras em geral
4 9 ... ...
Cobra dá íngua.
Cobras em geral
3 Cascudo (1954) Campos E. (1967) Nomura (1996) Vizotto (2003)
“Erupção cutânea, atribuída à passagem sobre a pele, ou sobre a roupa utilizada, de cobra ou outro animal peçonhento” (CASCUDO, 1954, p. 187). “[...] Embora esteja arraigado no conceito popular que serpentes são as responsáveis por essas manifestações cutâneas, tal fato não tem veracidade. Isto porque uma pessoa, quando em baixa resistência orgânica, pode ter manifestações cutâneas, entre as quais o ‘Herpes zoster’, provocado por determinado vírus (aparentado com o da varicela)” (VIZOTTO, 2003, p. 130).
Cobra não gosta (tem raiva) de mulher grávida. Vai logo atrás para bater com a cauda.
Cobras em geral
15 3 Campos E. (1967) Nomura (1996) Silva (2000)
(ver penúltimo parágrafo do item 5.2.1)
Não tem veneno, mas se morder a pessoa, esta fica seca igual à cobra.
Cobra-de-cipó 9 ... ...
Não morde, mas se ela bater a pessoa fica seca igual à cobra.
Cobra-de-cipó 6 ... ...
Se a pessoa bater, porém não a matar, a cobra vai até a casa da pessoa e fica no telhado. Daí a pessoa adoece e morre. Quando o caixão (com o corpo do defunto) sai, ela vai atrás para conferir. *
Cobra-de-cipó 3 ... ...
61
(Cont.) Nº de sujeitos que Crenças (reunião de
depoimentos)
Etnoespécie envolvida
Acreditam Não acreditam
Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as
crenças
O que diz a literatura a respeito
Se a pessoa bater e não matar, a cobra fica quieta (de tocaia) esperando esta (ou outra pessoa) passar de novo para se vingar.*
Cobra-espada Caninana
15 4 Silva (2000) “[...]. Se a pessoa bater na cobra, machucá-la, ela pode sair do local ou não. Geralmente, as peçonhentas não saem, pois podem defender-se inoculando o veneno. A serpente também delimita o seu território, e permanece em um certo espaço ou no local existem várias da mesma espécie ou mesmo há espécies em um mesmo local que mimetizam outras. Para a pessoa que machucou a serpente, se ela passar novamente por aquele lugar, a serpente como que, vai estar lá. Aí, o sujeito acredita que a serpente está esperando por ele” (SILVA, 2000, p. 74).
Depois de morder a pessoa, vai ao telhado da casa desta para saber do resultado.
Caninana 2 3 ... ...
Se a pessoa não bater na cabeça da cobra, o diabo logo a sana.*
Cobra-de-cipó 2 ... ...
Se matar de um tiro (espingarda) a cobra que ofendeu, a pessoa ofendida também morre. Só pode matar de pau. *
Cobras em geral
4 ... ...
Tem que esperar uns seis meses antes de voltar a entrar no mato, porque senão o veneno chama de novo a cobra (ou outras).
Cobras em geral
2 ... ...
Se a pessoa está mijando (em cima de uma pedra), o veneno da cobra sobe pela urina.
Cascavel 3 ... ...
No dia da grande Paixão, as pessoas carregam paus na procura de cobras. Para salvar sete almas dos infernos e a sua própria, a pessoa tem que matar sete cobras. *
Cobras em geral
4 ... ...
62
(Cont.)
Nº de sujeitos que Crenças (reunião de
depoimentos)
Etnoespécie envolvida
Acreditam Não acreditam
Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as
crenças
O que diz a literatura a respeito
Se encostar um fósforo na ferida, este atrai o veneno, aumentando a chama.
Cobras em geral
3 ... ...
Depois de a cobra ser morta, olhar a cauda dela. Se for rondunga (= redonda), é que a cobra já tinha ofendido muito.*
Cobras em geral
2 ... ...
A cobra venenosa (costuma habitar no chão) que se encontrar em cima de um galho tem a pedra-da-cobra dentro dela (da barriga). As cobras que já moram nas árvores nunca a possuem. Esta pedrinha serve como objeto para afastar cobra e como remédio caseiro contra mordida de cobra.*
Cobras em geral
14 Magalhães (1969) (varia a localização anatômica da pedra na cobra segundo cada região) Nomura (1996) Vizotto (2003)
“Das 43 espécies brasileiras de serpentes peçonhentas, somente três delas têm a capacidade de escalar árvores” (VIZOTTO, 2003, p. 163) (ver itens 5.2.3.1 e 5.2.3.2)
A cobra venenosa é aquela que depois de morta fica rodando por causa do veneno.
Cobras em geral
6 ... ...
A cauda, uma vez cortada, se mexe por causa do veneno.
Cobras em geral
5 ... ...
Mama do peito de mulher parida, colocando a ponta da sua cauda na boca do bebê para este não chorar e não acordar a mãe. Ofende porque a criança termina morrendo (seca).
Buiúna 10 25 Magalhães (1969) Araújo e Ely (1978) Nomura (1996) Silva (2000) Vizotto (2003)
“Além de antiga, esta crença é também largamente encontrada não só no Brasil, mas da mesma forma, em todas as Américas e na Europa [...]” (NOMURA, 1996, p. 18). “[Uma possível explicação é que] as fêmeas de serpentes, quer ovíparas ou ovovíparas, no período reprodutivo, armazenam no oviduto ovos. Estes são constituídos por substância albuminosa, de cor esbranquecida. Quando o corpo da serpente é dilacerado essa substância é extravasada, dando um aspecto que lembra o leite coalhado” (VIZOTTO, 2003, p. 122).
63
(Cont.) Nº de sujeitos que
Crenças (reunião de depoimentos)
Etnoespécie envolvida
Acreditam Não acreditam
Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as
crenças
O que diz a literatura a respeito
Possui um ferrão na cauda por onde injeta o veneno, ao mesmo tempo em que morde com a boca.
Cobra-de-duas-cabeças
10 2 Vizotto (2003) Solé (2008)
“Possuem a cabeça e a cauda rombas e diâmetro do corpo constante em toda a sua extensão. [...] Ou seja, aparência semelhante das extremidades, locomoção tanto para frente como para trás, o que faz com que as pessoas imaginem a existência de duas cabeças” (VIZOTTO, 2003, p. 170). “Apresentam a ponta da cauda em forma de pequeno ‘espinho’. Ao serem manipuladas, estas pressionam a mão da pessoa com esta ‘espícula’, como forma de defesa” (SOLÉ, 2008, p. 98-99). “São eles destituídos de glândulas secretoras de toxinas e de dentes apropriados para inoculação de qualquer substância tóxica. Quando irritados ou capturados são capazes de morder” (VIZOTTO, 2003, p. 171).
Se a pessoa mata a fêmea, o macho segue o rastro para se vingar e vice-versa.
Cobras em geral
7 Cascudo (1954)
“Quem mata uma cobra deve ter cuidado com a companheira que fatalmente procurará vingar-se. O perigo não é a cobra; é a parelha” (CASCUDO, 1954, p. 71).
A cobra engole os próprios filhos para eles ficar mais venenosos. Daí eles saem de novo pela boca da mãe.
Cobras em geral
8 1 ... ...
Deixa o veneno em uma folha antes de entrar na água (para banhar-se e beber). Ao sair pega de novo (utilizando-se do cheiro para encontrá-lo).
Cobra-d’água 4 9 Magalhães (1969) Nomura (1996) Vizotto (2003)
“É tradição popular em todo o Brasil que as cobras venenosas depositam a peçonha numa folha verde quando vão beber, evitanto a auto-intoxicação. Verificando o desaparecimento do veneno onde o deixaram, ficam em estado de despero [...]” (CASCUDO, 1977 apud NOMURA, 1996, p. 21). “O povo liga um fato com o outro, pois observa que, na vegetação marginal de rios, riachos e lagoas, encontra, com certa freqüência, folhas com um líquido mucoso que ele atribui ao veneno do ofídio. Na realidade, [são] substâncias secretadas por alguns insetos ou por determinados moluscos” (VIZOTTO, 2003, p. 132).
64
(Cont.) Nº de sujeitos que
Crenças (reunião de depoimentos)
Etnoespécie envolvida
Acreditam Não acreditam
Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as
crenças
O que diz a literatura a respeito
“O campesino registra a quase não existência de acidentes ofídicos em ambientes aquáticos, durante o dia. [...] Raramente as serpentes peçonhentas são encontradas nesse período, uma vez que são noctívagas. Quando na água, existe pouca possibilidade da serpente inocular veneno, dada a falta de apoio para desferir seu bote” (VIZOTTO, 2003, p. 132).
É mais perigosa se a pessoa passa por atrás dela (dá o bote atrás).
Cascavel 2 ... ...
De tanta raiva que ela tem, até se morde sozinha.
Cascavel 3 ... ...
Só tem veneno quando está “choca” (=desovando ou cuidando da prole), na época de São João (junho a agosto).
Papa-pinto; Buiúna
15 ... ...
Ela fica em pé graças ao ferrão em forma de tesoura (= cauda). Daí pula (voa) para ofender.
Surucucu pico-de-jaca
15 Nomura (1996) Vizotto (2003)
“A dinâmica do bote é característica desse grupo [família dos Viperídeos], pois a serpente se arma em posição que lembra uma ‘S’ [...]. O ofídio, quando parado e sem apoio externo, se levanta cerca de 1/3 de seu comprimento total” (VIZOTTO, 2003, p. 143-144). “A ponta da cauda tem um espinho desenvolvido e revestido por escamas eriçadas” (VIZOTTO, 2003, p. 232) “Há uma crença bastante divulgada de que [...] põe-se em atitude agressiva elevando-se do solo com mais da metade do seu corpo, quando não, com a ponta da cauda e, furiosa, avança em direção ao seu oponente” (VIZOTTO, 2003, p. 141). “Acredita-se que a ponta da sua cauda tem escamas eriçadas, dando um aspecto de ‘ferrão’ ” (NOMURA, 1996, p. 78).
* Crenças que envolvem a eliminação direta (morte) da serpent
65
particular (DURAND, 1997). Na antiguidade, vários povos adoravam e idolatravam
as serpentes procurando agradá-las para se livrarem do mal que elas poderiam
causar. Atributos como prudência, poder, fertilidade, sexualidade e renovação de
vida já lhes foram dados (e, em parte, continuam ainda) por diferentes povos na
Índia, no Egito, na antiga Europa, na antiga Pérsia, no México e de grande parte da
África, entre outros. Inclusive naqueles lugares onde não eram objetos de culto, as
serpentes também foram usadas como símbolos, amuletos ou como medicamento
mágico (ARAÚJO e ELY, 1978). No Brasil, sempre predominou “[...] um medo
exagerado, supersticioso e insensato, originado geralmente por idéias falsas e
absurdas. [...] (Não se encontrando nenhum) vestígio de culto, respeito e veneração”
(BRASIL, I.V., 1951 apud NOMURA, 1996, p. 19). As cobras são animais que
despertam grande apreensão nos seres humanos, sobretudo pela capacidade que
algumas espécies têm de causar acidentes graves. Para efeitos práticos, supõe-se
que a maneira como se passa a perceber e representar este animal seja sob a figura
de um animal perigoso e pernicioso, com novas qualidades antropormofizadas, a
destacar: feia, repugnante, repulsiva, cruel, traiçoeira, perversa, vingativa, ofensiva
etc. Deste modo, parece inevitável que, possivelmente devido à forma alongada do
corpo, sem patas e dotada de ágeis movimentos ondulatórios, o olhar fixo, a língua
bífida e, definitivamente, a capacidade de produzir e injetar substância mortal, as
pessoas tenham feito da cobra um dos seres vivos mais incompreendidos, temidos e
rejeitados pelo ser humano (CARDOSO et al., 2003). Ao mesmo tempo, são também
objeto de inúmeras estórias, crenças e práticas com enfoque negativo (para elas),
que se encontram profundamente enraizadas na cultura popular. No Brasil, tais
estórias e crenças originaram-se, provavelmente, de superstições dos africanos, dos
índios e dos colonizadores europeus, além de observações imperfeitas ou
falsamente interpretadas, principalmente nas zonas rurais (ARAÚJO e ELY, 1978).
No povoado de Pedra Branca, constata-se ambigüidade entre os depoimentos
relacionados à etnoespécie cobra-de-cipó, pois apesar do desenlace final ser que o
ofendido fica seco igual a cobra, houve entrevistados (n=9) que argumentaram que é
porque ela morde, enquanto outros (n=6) disseram que ela bate com o corpo, sem
morder; e todos os 15 entrevistados acreditam que isto realmente acontece. É muito
provável que tal distinção ocorra porque os entrevistados estão se referindo às
várias espécies de serpentes da família Colubridae, porém todas chamadas pelo
mesmo etnonome. Mesmo assim, o fato de referir-se, por exemplo, ao gênero
66
Philodryas, que é considerada peçonhenta, tampouco pode justificar a crença que
esta cobra ofende deixando a vítima “seca” (=magra, uma analogia ao corpo esguio
da cobra).
Citado por 20 entrevistados, o termo local “choca” refere-se ao estado fisiológico e
comportamental em que as cobras (e escorpiões) se encontram no período do ano
em que estão desovando (ou, segundo como algum depoimento possa ser
interpretado, cuidando da prole). Argumenta-se que as cobras ficam mais agitadas,
agressivas e perigosas, aumentando a potência de seu veneno, chegando assim a
ser muito mais letais. Isto acontece no período de junho a agosto:
Quando chocas, estão muito mais bravas e é pior. Naquela época podem
matar direito. [...] É no junho, no São João. Época de cria (Seu T., 39 anos).
Quando a cobra está choca, com poucos minutos sai sangue por todo lado,
ouvido, boca, nariz. [...] Junho, julho e agosto. Tudo na desova. Escorpião
também (Dona N., 57 anos).
Como já mencionado no item 5.1.3, existem duas etnoespécies de cobra –
buiúna e papa-pinto – que apenas possuem (produzem) veneno durante esta época
do ano: O papa-pinto só tem veneno no mês de São João. Tempo da desova. [...]
Imagina como devem estar as outras! (Seu M., 40 anos). Certa incongruência resulta
de dois fatos. Primeiramente, independentemente da época do ano, uma serpente
nunca pode aumentar a potência (qualidade) de sua peçonha e muito menos existir
espécies que unicamente fabricam-na em determinadas ocasiões, neste caso para a
desova. Em segundo lugar, se for pelo cuidado da prole, cabe dizer que os ofídios
são animais que raramente apresentam conduta parental (POUGH et al., 1993),
então, neste aspecto, tampouco eles mudariam seu estado comportamental por
causa da presença dos filhotes, defendendo-os de forma mais agressiva.
Na percepção dos moradores de Pedra Branca, a desova (nascimentos)
acontece entre os meses de junho a agosto. No entanto, é precisamente esta a
época de atividade reprodutiva (acasalamento), coincidindo com os meses mais frios
do ano. Já o nascimento costuma ocorrer entre os meses de dezembro a abril,
observando-se uma maior ocorrência de acidentes com cobras por volta de abril a
junho (Antônio Jorge Suzart Argôlo, com. pess., 2008). Com relação ao que os
67
moradores entendem por “choca”, precisa-se realizar estudo mais detalhado para
clarear de forma plausível o que eles querem significar ao referirem-se a este termo.
Mesmo não tendo relação direta com a questão das ofensas, uma outra
crença que se destacou entre vários entrevistados foi a de que se uma cobra passa
pelo “pé” de determinada planta, a cobra automaticamente morre (Tabela 3),
conforme consta no seguinte exemplo: A cobra não passa pelo pé de aticum, morre
na hora. [...]. Eu nunca vi, mas já ouvi falar muito dos mais velhos. [...] E eles sempre
estão certos (Seu O., 45 anos). Curiosamente, as três etnoespécies vegetais citadas
também têm especial importância entre os remédios caseiros utilizados para tratar
picada de cobra na região; duas delas são ainda usadas para afastar as cobras,
devendo-se carregar suas sementes na “capanga” como um tipo de amuleto (ver
itens 5.2.3.1 e 5.2.3.2).
Tabela 3 - Etnoespécies vegetais citadas nas crenças relacionadas com cobras,
segundo os moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha,Bahia.
Pista taxonômica Nomes locais Nº de citação
Bioma de ocorrência
Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.
Aticum
8
Caatinga Mata Atlântica
Euphorbiaceae Joannesia princeps Vell.
Dandá
4
Mata Atlântica
Fabaceae Amburana cearensis (Fr.Allem)A.C. Smith
Amburana-de-cheiro
8
Amburana-de-cheiro
4
Caatinga
Além das cobras, foram registradas crenças sobre a ofensa causada pelo
escorpião. Apenas dois informantes acreditam que a picada do escorpião produz
íngua, ao contrário do que pensam seis deles. Três entrevistados falaram que o
escorpião “é tão bravo que morre da própria raiva”. Um total de 18 indivíduos crê
que “quando choco, na época da desova (de junho a agosto; época de São João),
está muito mais bravo e mortífero, tendo a potência do veneno aumentada”.
Antigamente, não se podia dizer que o escorpião picou na perna, braço etc. Tinha
que se falar que foi no ânus, do contrário o ofendido piorava.
68
Destaca-se mais uma vez a questão do termo “choco” (Escorpião é choco que
mata demais. [...] Tem três meses que está muito envenenado, Seu A., 61 anos).
Parece que aqui também está associando-se à “desova”, embora este artrópode na
realidade seja vivíparo (não põe ovos) (FREITAS e SILVA, 2006). Possivelmente, o
termo choco está sendo usado no sentido de estar carregando ainda os “ovos”, ou
por apresentar cuidado com a prole.
5.2.3 Simpatias, remédios caseiros e rezas para prevenir e tratar ofensas
Com cobra tem muita simpatia e muito remédio caseiro,
porque antigamente não existia o soro. [...] Ou fazia
simpatia ou morria (Dona E., 89 anos).
Tem mais simpatia com cobra porque dá mais medo e
é a mais perigosa (Dona E., 61 anos).
No povoado de Pedra Branca, registrou-se uma grande variedade de
simpatias, remédios caseiros e rezas para tratamento e/ou prevenção de picada de
serpente, a depender também das várias crenças que envolvem a relação da
população local com este “inseto”. Também foram registrados simpatias e remédios
caseiros para tratar ofensa causada pelo escorpião, mas em menor número. Já para
os outros “insetos” da região, como aranha, lagartixa, sardão, sapo e morcego, não
foi registrado nenhum depoimento em base a qualquer tipo de prática curativa
envolvendo estes animais, como comprova o depoimento de uma moradora: Que eu
saiba nunca teve simpatia para aranha (Dona E., 89 anos).
No Brasil, a medicina popular17 é resultado de uma série de aculturações da
medicina procedente da península ibérica pela mão dos portugueses, somada a dos
escravos africanos e a dos indígenas oriundos do atual território brasileiro (ARAÚJO,
1977; FLEMING-MORAN, 1992). Neste caso, o componente religioso e místico,
associado aos valores culturais, complementaria o papel da fitoterapia e da
zooterapia (e da mineroterapia) no tratamento de acidentes reais e/ou imaginários
17Para efeitos do presente trabalho, considerar-se-á medicina popular como o conjunto de técnicas, remédios, práticas, fórmulas, palavras e gestos que o morador da região estudada lança mão para o restabelecimento da sua saúde ou prevenção de ofensas e doenças (FLEMING-MORAN, 1992; SOUTO MAIOR, 1997).
69
causados por animais venenosos/peçonhentos à saúde humana (LIMA e
VASCONCELOS, 2006).
5.2.3.1 Simpatias Pode-se entender simpatia como uma forma de secularização da benzedura,
quer dizer, sua execução não vai depender de alguém especializado, sendo que
qualquer pessoa poderá executá-la (FLEMING-MORAN, 1992). Pensa-se que a
simpatia tanto cura quanto protege e/ou previne de qualquer mal, podendo ser
ensinada a qualquer momento e a qualquer pessoa (leiga).
Registrou-se um total de sete simpatias relacionadas às ofensas causadas
por cobras (Tabela 4); duas delas recomendam que se deva eliminar esses répteis.
Dos 13 entrevistados que citaram a prática de colocar uma cobra-coral
(preferencialmente viva) dentro de uma garrafa com cachaça, onze afirmaram que
têm total confiança na eficácia desta simpatia, a qual se converte em remédio
caseiro porque crêem que ao beberem o líquido, isto vai ajudar a minimizar os
efeitos de uma possível ofensa (por qualquer tipo de cobra): Se põe viva na
cachaça. Daí solta o veneno dela dentro da cachaça. [...] É remédio para qualquer
cobra (Dona E., 61 anos). Pode-se pensar na analogia quando uma pessoa toma
vacina para obter os anticorpos específicos ao combate de alguma infecção viral ou
bacteriana. No caso em questão, é como se o indivíduo ficasse “imune” à peçonha
da cobra: Teve uma mulher que bebeu e quando foi ofendida curou na hora. [...]
Agora já pode ser mordida por qualquer cobra que não vai acontecer nada de ruim
(Dona E., 69 anos). No entanto, referindo-se ao consumo de álcool, cabe dizer que
“longe de curar ou sequer facilitar a cura, pelo contrário a dificulta, porque a princípio
favorece a absorção do veneno e, mais tarde, como resultado da baixa pressão
sanguínea, retarda a reação do organismo e a eliminação do tóxico” (NOMURA,
1996, p. 37).
No caso de acidente com a cobra-de-cipó, a simpatia que se faz é a seguinte:
o ofendido precisa apressar-se em comer um pouco de terra roxa de qualquer
formigueiro, antes que a cobra que o ofendeu faça o mesmo. A diferença está em
que, desta vez, são duas as etnoespécies envolvidas: cobra-de-cipó e cobra-de-
duas-cabeças. Tratando-se desta última (provavelmente Typhlops brongersmianus),
acredita-se que a pessoa ofendida ficará cega e morrerá.
70
Tabela 4 - Simpatias relacionadas com ofensas causadas pelas etnoespécies de cobra, segundo os depoimentos dos moradores
de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.
Nº de sujeitos que Simpatias (reunião de depoimentos)
Etnoespécie envolvida
Acreditam Não
acreditam
Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as
simpatias
O que diz a literatura a respeito
Se a cobra ofender, tem que matar e pendurar ela para o veneno cair (pingar). Assim, o doente cura mais rápido e não dói tanto. Se ela ficar andando (mexendo-se) é pior. *
Cobras em geral
5 2 Magalhães (1969) Silva (2000)
“Afirma-se que se o indivíduo mordido por uma cobra conseguir matá-la imediatamente e a conduzir até a sua casa, pendurada de cabeça para baixo, e presa à mão pela ponta da cauda, nada sofrerá” (MAGALHÃES, 1969, p. 116).
Quando mordida, a pessoa tem que ir correndo comer terra roxa de um formigueiro. Se for a cobra quem chegar e comer antes, a pessoa vai ficar seca para sempre.
Cobra-de-cipó 8 ... ...
Quando mordida, a pessoa tem que ir correndo a comer terra roxa de um formigueiro. Se for a cobra quem chegar e comer antes, a pessoa imediatamente fica cega e morre.
Cobra-de-duas-cabeças
6 ... ...
Colocar a coral (inteira) na cachaça e tomar (como forma preventiva). No caso de a pessoa ser mordida (por qualquer cobra), os efeitos do envenenamento serão diminuídos. *
Cobra-coral 11 2 ... ...
A cobra não morde mulher grávida (contradição com a crença). Se você fala (três vezes) o nome de alguma mulher que esteja grávida, então a cobra fica quieta esperando. A mulher grávida consegue controlar a cobra.
Cobras em geral
3 ... ...
71
(Cont.)
Nº de sujeitos que Simpatias (reunião de depoimentos)
Etnoespécie envolvida
Acreditam Não
acreditam
Autor(es) encontrado(s) que cita(m) as
simpatias
O que diz a literatura a respeito
Se uma mulher grávida dá um nó na saia dela, a cobra fica quieta e não morde.
Cobras em geral
6 Silva (2000)
A mulher vê uma cobra e amarra, dá um nó na saia e fala: teje presa por ordem de Sr. São Bento. Teje presa malvada! Teje presa por ordem do Sr. São Bento. É um arraso. Ela fica parada e aí é só pegar a vara para matar (depoimento obtido por Silva (2000, p. 78) na região de Barreiras, BA). “Dizer que amarrar a barra da anágua ou da saia, faz a cobra ficar parada tem possibilidade de (como que) se confirmar pois, se for uma cobra peçonhenta e se ela estiver parada, ela continuará parada, pois pressente o perigo e fica quieta ou para passar desapercebida ou para o bote se necessário; as não peçonhentas e peçonhentas que estiverem termoregulando também não sairão do lugar, a não ser quando bastante molestadas” (SILVA, 2000, p. 78-79).
Carregar diferentes objetos para afastar cobra (ver Tabela 6).
Cobras em geral
27 7 Lenko (1967) Nomura (1996)
“Penduro no pescoço [o guizo] dentro de um saquinho ou simplesmente carregado no bolso, é poderoso protetor, como dizem contra as cobras” (LENKO, 1967, p. 99-100). Obs.: No presente estudo não se registrou o guizo da cascavel como objeto que se carregue para afastar cobra.
* Simpatias que envolvem a eliminação direta (morte) da serpente.
72
A simpatia mais citada (n=34) e ainda bastante difundida na região consiste
em carregar objetos de origem vegetal, animal e mineral na capanga como amuletos
para afastar cobra (Tabela 5), principalmente quando se adentra, à noite, na mata.
Dos indivíduos entrevistados, 27 afirmaram acreditar plenamente na ação
repelente/protetora desses amuletos; para alguns, continua sendo uma prática diária
levada a cabo, sobretudo, pelos homens (fazendeiros, caçadores etc.):
Meu pai andava pelo mato com dandá, castanha e um dente de alho dentro
do bolso. [...] Afastava tudo quanto era cobra (Dona E., 69 anos).
O pessoal mais velho carregava [referindo-se ao rosalgar]. Agora já não se
acha. [...] Afasta cobra. [...] Eu carrego ainda (Seu J., 40 anos).
Tabela 5 - Objetos que os moradores da região da Serra da Jibóia carregam consigo
para afastar as cobras.
Pista taxonômica Nomes locais Nº de citação Parte usada
VEGETAL
Anacardiaceae Anacardium occidentale L.
Castanha-de-caju
4
Semente
Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.
Aticum
7
Semente
Fabaceae Bowdichia sp.
Sucupira
4
Semente
Euphorbiaceae Joannesia princeps Vell.
Dandá
6
Semente
ANIMAIS (aves e serpentes)
Tinamidae (ave) Tinamus solitarius
Macuca
15
Cabeça
Tinamidae (ave) Crypturellus noctivagus zabele
Zabelê
11
Cabeça
Viperidae Cobras venenosas
...
3
Pedra-da-cobra (fel?)
MINERAL
Bissulfureto de arsênico Rosalgar/Rozalgar 29 Pedrinha
OUTROS
Botão-de-barguilha 1 Calça de homem
73
Tendo sido citado por 29 sujeitos, o objeto de maior destaque é o “rosalgar” ou
“rozalgar”, antes muito utilizado na região e agora em desuso, estando hoje,
aparentemente, totalmente proibida sua venda, mas ainda encontrado (Figura 7).
Acredita-se que seja, na verdade, bissulfureto de arsênico (NOMURA, 1996), sendo
que sua função original, como foi dito por 17 entrevistados, era como formicida,
colocando-se, sob forma de pó, nas folhas de mandioca e nos buracos dos
formigueiros da formiga-de-mandioca, como comprova o seguinte relato: Era pra
combater formiga na roça. Ralava, botava na água e colocava na folha de mandioca
e colocava no buraco do formigueiro (Seu C., 69 anos).
Figura 7 - “Rosalgar”: objeto usado localmente para afastar as cobras. Fonte: Dídac
Santos Fita (2006).
Durante as entrevistas, quando falavam sobre este produto, os sujeitos
faziam-no em tom algo reverencial, como se fosse uma panacéia para afastar e
combater as cobras. Tratado também de “veneno”, muito mais potente e perigoso
que o da cobra:
No lugar onde tiver a pedra a cobra não encosta, porque o veneno da pedra é
maior do que ela. [...] Só funciona com cobra (Seu T., 39 anos).
Se estiver no bolso pode passar perto delas, sai todo. [...] Mas tem um
problema. Se a cobra conseguir ofender você, o veneno da pedra vai
74
multiplicar o veneno da cobra. Ainda vai ser pior você escapar (Seu M., 40
anos).
Você está com a pedra na capanga. A cobra quieta em um canto. [...] pouco
depois começa a mexer-se e se afasta rápido (Dona P., 65 anos).
Achei uma bolsa que tinha pedra rosalgar. [...] Fomos trabalhar num matagal
cheio de cobra e não achamos nenhuma. [...] Todas saíram fugindo da pedra
(Seu L., 64 anos).
A pessoa não pode dizer que tem a pedra, porque senão quebra a simpatia
(Dona G., 55 anos).
Ainda sobre este produto, dez entrevistados falaram que, antigamente, os
fazendeiros colocavam um pedacinho em três das quatro esquinas dos seus
terrenos. Daí todas as cobras, nesse instante, fugiam pelo canto que não tinha
pedrinha: Os fazendeiros colocavam em três cantos. [...] Daí elas saiam pelo outro
(Seu N., 56 anos).
Dos objetos de origem animal, destacam-se as etnoespécies macuca
(Tinamus solitarius) e zabelê (Crypturellus noctivagus zabele), utilizando-se a
cabeça destas duas aves da família Tinamidae como “repelente” de cobra: O zabelê
é maior do que uma perdiz. [...] Põe a cabeça numa capanga e leva no bolso. [...]
Serve para afastar cobra (Seu F., 44 anos); A cabeça da macuca é boa para afastar
cobra (Dona E., 69 anos).
Quanto às simpatias para aliviar os efeitos da picada do escorpião, foram
registradas três:
Quando picar, tem que se sair na rua e gritar três vezes: ‘O escorpião mordeu
o cu de (dizer nome do ofendido)’. Daí o efeito do veneno não é tão forte
porque diminui a sua força (Dona L., 63 anos).
Se picar, a pessoa ofendida tem que subir numa árvore de maior altura do
que ela. Se a árvore for de altura menor, daí dói ainda mais (Dona E., 88
anos).
Pra dor diminuir, o ofendido precisa enterrar parte do seu corpo (onde tiver
sido a picada) no chão (terra) (Seu T., 59 anos).
75
5.2.3.2 Remédios caseiros
A lista de remédios caseiros para tratar picada de cobra é extensa e
diversificada, com matérias-primas de origem vegetal, animal e mineral (Tabela 6).
Com exceção de alguns casos para prevenção (p.ex., coral na cachaça), a grande
maioria dos remédios é recomendada para tratar picada de cobra. Importante
salientar que, do mesmo modo que no caso das simpatias e das rezas, o fato de a
pessoa acreditar no poder preventivo e/ou curativo de algumas destas práticas e
objetos “medicinais” não implica que fará uso dos mesmos, sobretudo agora que
existe um maior acesso ao soro antiofídico. Alguns destes remédios caseiros
resultam inócuos, enquanto outros podem agravar ainda mais as condições de
saúde do ofendido, mesmo que este esteja convencido do poder curativo dos
remédios.
Tabela 6 - Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados
visando prevenir ou tratar picada de cobra, segundo os moradores do povoado de
Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.
Pista taxonômica
Nomes locais
Nº de citação
Parte usada
Modo de emprego
VEGETAL Alliaceae Allium cepa L.
Cebola-roxa
6
Cortada pela metade
Em cima da ferida (puxa o veneno)
Alliaceae Allium sativum L.
Alho
5
Dente
Em cima da ferida (puxa o veneno); chupar e cuspir.
Anacardiaceae Anacardium occidentale L.
Cajueiro
12
Óleo da semente
Em cima da ferida (puxa o veneno)
Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.
Aticum
19
Semente
Chá
Fabaceae Mucuna urens D.C.
Mucunã
5
Semente
Chá
Fabaceae Amburana cearensis (Fr.Allem) A.C. Smith
Amburana-de-cheiro
8
Semente
Chá
Amaryllidaceae Zephiranthes sp. (?)
Batatinha-de-teiú
5
...
...
Euphorbiaceae Joannesia princeps Vell.
Dandá
10
Semente
Chá; raspado na cachaça.
76
(Cont.) Pista taxonômica
Nomes locais
Nº de citação
Parte usada
Modo de emprego
MINERAL Bissulfureto de arsênico Rosalgar 8 Pedrinha Amarrar dentro de
um pano e colocar em cima da ferida.
Gasolina/ Querosene
8 Líquido Colocar em cima da ferida.
Pólvora 4 Chá
Terra do formigueiro
8 Terra ao redor do formigueiro
Comer
Constata-se a repetição (e maior número de citação) de três etnoespécies
vegetais – aticum (Annona crassiflora Mart), dandá (Joannesia princeps Vell.) e
amburana-de-cheiro (Amburana cearensis), as quais, segundo a crença local,
qualquer cobra que passe perto delas automaticamente morrerá. As duas primeiras,
junto com o cajueiro (Anacardium occidentale L.), também formam parte da lista dos
vegetais cujas sementes são utilizadas para afastar cobras:
A cobra não passa pelo pé de aticum. Morre na hora. É na caatinga. Contam
que alguém fez comprovação e foi verdade. [...] Os caçadores levam no bolso
Arecaceae Euterpe edulis Mart.
Juçara
7
...
...
ANIMAL Tinamidae (ave) Tinamus solitarius
Macuca
5
Cabeça
Torrar e tomar em forma de chá; amarrar na ferida.
Elapidae; Colubridae Corais verdadeira e falsa Micrurus sp.; Oxyrhopus sp.
Cobra-coral
13
Inteira
Colocar dentro da garrafa de cachaça para beber
Viperidae Crotalus durissus cascavella
Cascavel
9
Chocallo
Torrar e tomar em forma de chá.
Viperidae (?) Cobras venenosas
...
14
Pedra-da-cobra (fel?)
Raspar e tomar em forma de chá; amarrar na ferida.
7 Urina Em cima da ferida. Homo sapiens
Ser humano
14 Fezes Tomar em forma de chá.
Gallus gallus Galinha 6 Ovo Comer cru.
77
pra cobra não morder e ficar afastada. [...] O caroço serve como remédio
também. Se morder, pode tomar o caroço na água (Dona E., 88 anos).
É uma raiz. Cobra, se passá pelo pé de dandá, morre. [...] Raspa, lava, pisa e
faz chá, ou junto à pinga. Dizem que quem toma do caroço a cobra não mata
(Dona E., 69 anos).
Botou o óleo da castanha na minha ferida depois da cobra me morder na mão
e fez reza. [...] Não sei se foi porque ele puxou, mas o veneno saiu. [...]
Comentou que era pra eu levar também o caroço quando eu for no mato, que
daí nenhuma cobra ia encostar em mim (Seu. N, 56 anos).
Uma outra etnoespécie vegetal que merece destaque é a batatinha-de-teiú
(Zephiranthes sp.(?)). Cinco entrevistados explicaram que o teiú (Tupinambis
merianae, Teiidae) costuma brigar com cobras peçonhentas, enfrentando-as e, às
vezes, matando-as. Se acidentalmente acaba picado por uma destas, o lagarto sai
imediatamente em busca da batatinha, neutralizando assim a ação da peçonha,
como comprova o seguinte depoimento: Quando era mordido, ia rápido a comer a
batatinha e voltava para dominar a cobra [...] (Seu J., 40 anos). No entanto, os
entrevistados não comentaram sobre o modo de preparo, consumo e/ou aplicação
desta raiz para melhorar as condições da vítima.
No Brasil, várias plantas (raízes) consumidas por teiídeos são popularmente
reconhecidas como possuidoras de virtudes antiofídicas (NOMURA, 1996;
MARQUES, 1999). Campos, E. (1967, p. 30), por exemplo, refere-se a uma
informação que diz que “a raiz do teú é um remédio aprovado contra o veneno de
cobra”. Por sua vez, Magalhães (1969, p. 122) registrou que, entre os sertanejos, o
teiú “entra em luta renhida contra as cobras venenosas [...]. Quando sucede, porém,
ser picado por uma delas, desprega-se da pugna e flecha-se para um pé de batatão,
de cuja batata come um naco, voltando à liça curado e imunizado”.
Como recursos zooterapêuticos, mencionar dois exemplos: a cabeça da
macuca (Tinamus solitarius), devendo-se torrá-la, macerá-la e preparar um chá com
o pó resultante; ou amarrando-a diretamente sobre a ferida (Secava e guardava [a
cabeça], e quando precisar era tirar um pedaço, moer e tomar o chá. [...] Do zabelê
não, Dona I., 60 anos); e o chocalho da cascavel (Crotalus durissus cascavella),
citado por nove entrevistados e também bebido em forma de chá pelo ofendido. De
fato, na “terapêutica rústica é muito divulgado o uso do guizo nos casos de picadas
78
de cobras. Acham que ele é especialmente eficaz quando se trata da picada
provocada pela cascavel e ainda produz mais efeito se o guizo usado no tratamento
provier do mesmo indivíduo que causou este acidente” (LENKO, 1967, p. 99-100).
Dois casos de excretoterapia (excreções humanas) também foram
registrados, ora a urina em cima da ferida, ora o consumo das próprias fezes por
parte do ofendido; ambos os casos como paliativo antes de tomar o “remédio certo”:
Até água com fezes tomavam, pra agüentar a dor e chegar em casa, onde tomavam
outros remédios melhores [...]. Aticum, rosalgar no lugar da ferida para puxar o
veneno, castanha [...]” (Dona E., 61 anos). No Estado de Alagoas, recomenda-se
“[...] comer fezes em caso de mordedura de cobra [...]. Dissolver fezes humanas e
coar. Beber [...]” (LAGES FILHO, 1934 apud NOMURA, 1996, p. 40). Certas práticas
e remédios caseiros populares podem causar, ainda, maior risco à saúde do
indivíduo picado por cobra (ou qualquer outra animal), como é o caso citado por oito
entrevistados da aplicação de gasolina/querosene em cima da ferida, se bem que
não seja diretamente tão prejudicial quanto sua ingestão.
Segundo 14 dos entrevistados, toda cobra venenosa (que costuma habitar no
chão) que for encontrada em cima de um galho possui a chamada pedra-da-cobra
dentro de seu estômago. Este material de origem orgânica é utilizado para tratar
picada de cobra. No entanto, parece que tal uso é muito difícil porque, segundo os
entrevistados, muito raramente encontra-se uma serpente venenosa do chão
dormindo em um galho. Os dois modos de emprego desta pedra-de-cobra são:
amarrá-la inteira sobre a ferida, pois se crê que ela vai puxar (atrair) o veneno para
fora do corpo; ou raspando-se um pouco e tomando-o como chá. Para isso, a pedra-
da-cobra parece já vir com um buraquinho no centro, o qual indicaria a medida exata
a ser raspada e acrescentada na água para preparar o chá e dar para a vítima
beber:
Um velho há muito tempo contava que as cobras de presa que fazem o
ninho no bagaço da árvore, encima da rama, pode abrir a barriga que
encontra a pedra. [...] Toma na água e é o remédio para curar da mordida.
Guardavam ela (Seu E., 67 anos).
Tem que raspar pra fazer remédio e beber água. [...] E no meio tem o
buraquinho, que é a medida correta (Seu O., 38 anos).
79
Amarra na ferida a pedra e o veneno não circula e acaba saindo do corpo. [...]
A pedra tem que ser inteira, não serve em pedaços (Dona L., +85 anos).
Segundo Pessoa et al. (2002), a pedra-da-cobra equivaleria a um bezoário
(=fel)18 que se encontra, na verdade, na cabeça de algumas serpentes, e não dentro
do trato intestinal destas. O uso deste recurso orgânico como antiofídico é
historicamente antigo e geograficamente disseminado, como registra o relato abaixo:
“Usa-se na Índia uma pedra que se diz encontrar na cabeça de algumas cobras [...]. Aplica-se sobre a ferida a que adere sem que seja necessário segurá-la, e quando se acha embebida de tanto veneno quanto possa conter, cai por si. Põem-na, então, dentro do leite onde descarrega o que suga, e continua-se assim a aplicá-la, até que não adira mais por si, o que indica não haver mais perigo” (trecho extraído do trabalho de Gabriel Dellon (1685), médico e viajante francês que esteve nas Índias) (apud MAGALHÃES, 1969, p. 120).
Quanto à picada do escorpião, os remédios caseiros citados pelos
entrevistados encontram-se na Tabela 7. São remédios preparados à base de
matérias-primas vegetais, animais e minerais.
Destaca-se aqui a utilização do fato (vísceras) do próprio escorpião como
remédio caseiro para sua picada. Como visto na Tabela, a aplicação de cebola-roxa
(para posteriormente chupar e cuspir o veneno) e de gasolina em cima da ferida
tiveram um maior número de citações por parte dos entrevistados, enquanto o
aticum tem sido a etnoespécie mais empregada para em diversas ocasiões
envolvendo acidentes com animais peçonhentos em Pedra Branca.
Os depoimentos abaixo evidenciam que estes aracnídeos são, atualmente,
um dos principais problemas socioambientais e de saúde pública na região:
Cobra e lacraia diminuiu e apareceu outros insetos: escorpião, aranha [...].
Agora tem medo de escorpião, porque tem até dentro de casa [...] (Seu E., 67
anos).
Escorpião não era tão conhecido como a cobra. A gente já nasceu com as
cobras (Dona V., 59 anos).
18Para um maior esclarecimento sobre esta questão pode-se consultar Pessoa et al. (2002).
80
Tabela 7 - Recursos vegetais, animais e minerais recomendados e/ou utilizados
visando prevenir ou tratar ferroada de escorpião, segundo os moradores do povoado
de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia.
Pista taxonômica
Nomes locais Nº de citação
Parte usada Modo de emprego
VEGETAL Alliaceae Allium cepa L.
Cebola-roxa
10
Cortada pela metade
Em cima da ferida (puxa o veneno); chupar e cuspir.
Alliaceae Allium sativum L.
Alho
3
Dente
Em cima da ferida (puxa o veneno); chupar e cuspir.
Anacardiaceae Anacardium occidentale L.
Castanha-de-caju
2
Óleo da semente
Em cima da ferida (puxa o veneno).
Annonaceae Annona crassiflora Mart. Rollinia sp.
Aticum
5
Semente
Torrar e tomar em forma de chá.
...
Mandioca-salangozinha
7
...
Raspar e colocar em cima da ferida.
ANIMAL Buthidae Tityus sp.
Escorpião
5
Fato (vísceras)
Colocar as vísceras do próprio animal em cima da ferida.
Homo sapiens Ser humano 3 Urina Em cima da ferida. Para aliviar a dor.
Gallus gallus Galinha 3 Ovo Ingerir cru. Tomar três para abaixar a dor.
MINERAL Gasolina/
querosene 11 Líquido Em cima da ferida.
Para aliviar a dor.
5.2.3.3 Rezas
No povoado de Pedra Branca, apenas duas entrevistadas citaram (duas)
rezas para espantar ou afastar as cobras, sendo que não parece existir nenhuma
outra oração para os demais tipos de “insetos”. Estas são:
81
Pai, filho e Espírito Santo Senhor São Bento, água benta. Água benta do altar, Jesus Cristo no altar. Cobra má, arreda do caminho Todo bicho peçonhento, Que é a hora de eu passar. Arrede que eu quero passar. (Dona E., 61 anos) (Dona N., 77 anos)
Na tradição oral do povo brasileiro, registra-se o recurso de intervenções
mágico-religiosas na prevenção contra animais peçonhentos, especialmente com
serpentes. Observa-se que as orações, proferidas em determinado lugar e sempre
dirigidas a São Bento, o protetor contra cobras, são apresentadas quase com as
mesmas palavras em outras localidades, o que leva a encontrar apenas alterações
de vocábulos ou acréscimo de frases (CAMPOS, E., 1967). Por exemplo, Teixeira
(1954 apud NOMURA, 1996, p. 27) registrou a seguinte oração para afastar
serpentes: “São Bento, água benta. Jesus Cristo no altar; arreda cobra, arreda
bicho. Deixa o filho de Deus passar”. Ou ainda, no Estado do Ceará: “São Bento,
água benta, Jesus Cristo no altar; arredai todo bicho feroz que estive no meio do
caminho, que eu quero passar” (GOUVEIA, 1926 apud NOMURA, 1996, p. 28).
5.2.4 Situação atual: presença do soro e perda dos saberes e práticas
culturais locais
Hoje em dia, parece já não existir mais restrições lingüísticas nem de
visitação ao ofendido por cobra, sendo que o período de resguardo também
desapareceu. Não se presta mais atenção a todas estas coisas, devido,
basicamente, à disponibilidade e maior facilidade em obter soro antiofídico no
pronto-socorro de Santa Terezinha e no hospital de Castro Alves, como se
exemplificam nos depoimentos abaixo:
Agora que existe o soro ninguém liga pra isso [...]. Agora já pode falar que foi
mordido (Dona L., 63 anos).
Agora tem soro, não precisa resguardo (Dona E., 61 anos).
Mas não tinha como não acontecer isso. Não tinha medicação nenhuma. Só
chá caseiro, aquelas simpatias [...]. Agora não, já tem o soro [...]. Eu nunca vi,
82
mas tem gente mais velha do que eu que já viu e não iam visitar (R., 29
anos).
Com o decorrer do tempo, o uso de remédios caseiros, simpatias, rezas etc.
para prevenir ou tratar ofensa por serpentes e escorpiões parece ter declinado.
Antigamente, para o povo da roça e/ou que morava em regiões afastadas e isoladas,
o acesso a uma consulta médica ou a um centro de saúde oficial para tratamento e
prevenção de suas mazelas era algo irrealizável, quando percorriam longas
distâncias sem contar com vias de comunicação (estradas pavimentadas) e meios
de transporte (motorizados) que facilitassem este percurso. Os próprios
entrevistados (n=31) argumentaram que a chegada e disponibilidade do soro
antiofídico, junto à diminuição das populações de ofídios presentes na região
(principalmente devido ao desmatamento para pastagem e pela construção da
estrada de chão que leva ao topo da Serra da Jibóia), têm levado ao desuso (e
desvalorização) das práticas médicas locais, que outrora eram a única opção
possível de intento de cura. Os depoimentos abaixo demonstram a importância dos
remédios caseiros, das simpatias e das rezas que existiam para prevenir ou tratar
picada de serpente, bem como evidenciam as mudanças culturais acontecidas:
Tinha mais simpatias com cobra porque tinha mais, era mais antigo, e porque
eram as mais perigosas [...]. Não tinha médicos. Tinha muita variação de
remédio caseiro. Agora só soro [...]. Cobra matava muito. Agora já nem mata
mais (Dona N., 57 anos).
Antes, faziam muito remédio caseiro. Agora não faz mais porque o povo vai
logo ao posto médico e acham que remédio caseiro não presta [...]. Antes
funcionava, agora não (Dona E., 61 anos).
Era remédio caseiro ou nada. Tinha que confiar porque não tinha soro (Seu
A., 54 anos).
Agora é muito difícil ver cobra, mesmo no mato, depois de que apareceu tanta
queimada (Seu E., 67 anos).
Adicionalmente, as novas gerações estão perdendo o interesse em aprender
sobre estas práticas culturais devido às mudanças socioculturais e socioeconômicas
dos últimos tempos. Prevalece, entre os adultos da comunidade, um sentimento de
83
queixa e de pessimismo a respeito desta perda, como se observa nos trechos
abaixo:
Meu filho aprende alguma coisa de simpatias e de remédios e estórias
porque fica curioso escutando aos mais velhos [...]. Os outros nem
ligam. Não sabem nem entendem nada. Têm interesse já em outras
coisas (Seu F., 44 anos).
Os jovens de agora já não sabem de nada, nem que seja curiosidade das
simpatias, remédios caseiros [...]. Nem sabem o que é um aticum, batatinha-
de-teiú [...] (Seu J., 40 anos).
A maioria dos filhos de agora só querem saber de faculdade, coisas
modernas [...] que não era coisas daquele tempo [...]. As pessoas agora só
pensam em festa (Lil, 28 anos).
Naquele tempo, os pais da gente ensinavam tudo o que era bom (Dona E.,
69 anos).
Esta juventude praticamente já não sabe de nada. Eu já ouvi falar e sei de
alguma coisa, mas comparado com os mais velhos sei muito pouco (Seu A.,
54 anos).
5.3 Atitudes Culturalmente Construídas sobre o Etnotáxon “Inseto”:
Implicações na Conservação e o Papel da Educação Ambiental
5.3.1 Representação afetiva e conservação da biodiversidade local
Como já assinalado ao longo do texto, os moradores do povoado de Pedra
Branca e comunidades circunvizinhas demonstram ter reações afetivo-emocionais
que vão desde a indiferença até a repulsa com relação aos animais percebidos
como “insetos”. Mesmo tendo sido registrados diversos aspectos da interação seres
humanos/“insetos” que denotam certa ambigüidade (a depender da etnoespécie em
questão), o comportamento (atitude) predominante é bastante mais negativo; às
vezes, extremo, como reações biofóbicas. Esta imprecisão é ainda ressaltada
quando se leva em conta as ofensas (reais ou imaginárias) atribuídas a estes
animais, como os vários depoimentos abaixo evidenciam:
84
Tudo é ruim. Todo inseto é ruim! (Seu A., 79 anos).
Não todos os insetos são ruins. É em função de se ofendem ou não (Seu A.,
54 anos).
Deus deixou coisa boa e coisa ruim [...]. Mas não era pra deixar os insetos,
porque só ofendem a gente (Seu O., 45 anos).
Acho que os insetos foram criados pra ofender (Seu E., 57 anos).
Não todos os insetos ofendem (Dona V., 59 anos).
Tem uma parte que eu gosto deles, admiro muito [...], mas a maioria deles
são venenosos, traiçoeiros (G., 15 anos).
Se Deus deixou eles existir, com certeza são importantes [...]. Também pra
natureza (Seu N., 45 anos).
Se prejudica a pessoa não pode ser importante (Seu D., 80 anos).
Insetos têm utilidade pra gente. Do inseto se tira remédio [...]. Também é útil
pra outros insetos (Seu J., 40 anos).
Só ofendem quando a gente machuca eles (Seu E., 67 anos).
Não precisa bulir escorpião ou cobra pra eles morder (Dona N., 57 anos).
Esta visão negativa, reforçada em parte pelo próprio uso e significância do
termo “inseto” para qualificar os animais incluídos nesta categoria semântica,
freqüentemente comporta uma atitude (ação) direcionada à eliminação desses
animais. Entre os sujeitos entrevistados, vários depoimentos deixam evidente um
pensamento não conservacionista:
Pra mim não são importantes [...]. Eles deveriam ser extintos (E., 26 anos).
Insetos que ofendem têm que matar direito [...], é obrigado pra se defender
(Seu W., 41 anos).
Os insetos que representam um perigo, o povo mata logo (F., 25 anos).
Considerando os animais que são classificados no domínio semântico
“inseto”, quatro grupos genéricos constantemente são eliminados pelos moradores
da região estudada: aranhas, como a caranguejeira, escorpiões, morcegos e,
principalmente, cobras (Figura 8). Com estas últimas, comumente manifesta-se uma
necessidade (e vontade) expressa de matá-las:
85
O que não presta não se deixa no mundo. Lá na mata deixo quieta [a cobra],
mas se poder mato [...]. Mas perto de casa mato logo (Seu O., 32 anos).
Cobra tem que matar rápido [...]. Só se não tiver jeito mesmo (Seu F., 44
anos).
Figura 8 - Resultado típico do encontro entre os moradores da Serra da Jibóia e as
cobras. Fonte: Dídac Santos Fita (2006).
As cobras e os escorpiões são os “insetos” mais freqüentemente eliminados
porque são considerados potencialmente mais perigosos e nocivos à saúde
humana, despertando atitudes de odiosidade, aversão e medo. Saliente-se,
inclusive, que para as serpentes foram registradas crenças e práticas (simpatias)
locais associadas à questão da ofensa, algumas das quais incitam de forma clara e
direta a eliminação desses répteis. No caso da aranha (caranguejeira) e do
morcego, o principal motivo parece dever-se mais à sua aparência (morfologia)
“estranha”, causando reações de repugnância e desconforto nos indivíduos.
Por outro lado, sapo e sardão são tratados pela população local com certa
indiferença, com a conseqüência de que não existe uma vontade em eliminá-los, até
mesmo porque para os moradores tampouco estes etnotáxons supõem um perigo
iminente: eles ofendem, mas nunca mordendo e nem levando a pessoa a ficar com
seqüelas ou ao falecimento. Vale lembrar que o sapo e o sardão podem ofender
pelo seu “leite” e fezes, respectivamente, mas ao mesmo tempo são considerados
“bons” porque se alimentam de outros “insetos”. O caso da lagartixa é semelhante,
86
embora já não seja considerada uma etnoespécie que ofenda (= não “venenosa”),
mesmo que possa morder.
O único exemplo reconhecido de atitude etnoconservacionista na região da
Serra da Jibóia envolvendo algum tipo de “inseto” é o da cobra papa-pinto
(Drymarchon corais). Devido ao hábito alimentar de predar cobras, inclusive
peçonhentas (ofidiofagia), além de rãs, lagartos, aves e pequenos mamíferos
(FREITAS e SILVA, 2007), os lavradores e fazendeiros gostam e “protegem” esta
etnoespécie porque ela “limpa” o terreno: O papa-pinto come outras cobras. [...] Os
fazendeiros gostam dela (Seu E., 67 anos).
Relacionado à questão das ofensas causadas por serpente, determinadas
crenças locais (p.ex., carregar objetos como amuleto para afastar cobra) e a
utilização de várias matérias-primas como remédio caseiro, também fomentam a
eliminação de etnoespécies (animais) selecionadas para tais propósitos, o que pode
comprometer os seus respectivos estados de conservação. Neste sentido, merece
especial atenção o uso das aves macuca (Tinamus solitarius) e zabelê (Crypturellus
noctivagus zabele). Estudos zoológicos mais focalizados sobre a ocorrência destas
duas espécies precisariam ser realizados para diagnosticar se a prática local de
utilizar a cabeça como amuleto, visando afastar cobras (peçonhentas), tem ou já
teve de fato alguma incidência nas densidades populacionais destas aves na região
da Serra da Jibóia.
5.3.2 Educação ambiental como ferramenta de transformação afetivo-
emocional: repercussões na percepção e no comportamento
Um dos fatores de maior destaque na hora de direcionar qualquer ação
(positiva ou negativa) com os animais (não só com os “insetos”) se refere ao
sentimento de medo, o qual parece estar relacionado com a sensibilidade ao nojo,
especificamente com aqueles animais que normalmente são considerados como
provocadores de aversão, desdém e repulsa. Deixando de lado os casos clínicos
sobre zoofobias, o medo que os indivíduos sentem por determinados animais (p.ex.
barata, lesma, caracol, aranha, escorpião, lagartixa, serpente, morcego, rato etc.)
acha-se diretamente relacionado ao grau de nojo experimentado com esses animais
e parece transmitir-se entre gerações (MATCHETT e DAVEY, 1991). Em outras
palavras, animais que despertam medo e/ou verdadeiras fobias são aqueles que,
87
direta ou indiretamente, estão associados com a expansão de doenças e infecções,
possuem características que lembram estímulos primários que levam ao nojo, como
gosma, muco e fezes, e possivelmente estão relacionados com sujeira, doença ou
contágio, ou agem como sinais para isso (ANGYAL, 1941; ROZIN e FALLON, 1987;
WARE et al., 1994). Muito provavelmente, o benefício adaptativo da resposta de
desgosto, que é entendida como uma resposta de rejeição alimentar (contaminação
oral), de afastamento do objeto ofensivo ou sua eliminação, bem como da
sensibilidade ao nojo, seria a prevenção de uma possível transmissão de alguma
doença (real ou imaginária) pelo animal em questão (DAVEY, 1993).
Todas as comunidades humanas expressam sensação de nojo e,
conseqüentemente, de medo, mas essa sensibilidade varia enormemente entre e
dentre as culturas (ROZIN et al., 1984). De fato, a empatia tem suas limitações
quando o indivíduo é circunscrito por questões culturais (GREENE, 1995).
Provavelmente, o medo a animais é transmitido entre familiares como resultado de
uma aprendizagem sociocultural dos sentimentos de repugnância. Como Lauck
(2002) demonstra, ensinar nojo ou medo freqüentemente não só impede que a
criança explore a conexão com os animais mais adiante, como também favorece a
criação de um vínculo afetivo e comportamental claramente negativo para com
esses animais, mesmo sendo inofensivos e que não provoquem nenhum dano real.
Pesquisas confirmam que o apoio popular para os esforços de conservação
da biodiversidade freqüentemente depende da atratividade da espécie considerada
e dos fatores emocionais envolvidos (DRISCOLL, 1995). Neste sentido, propor uma
alternativa educacional válida passa por um registro prévio e compreensão das
razões socioculturais que possam explicam esta ampla, e muito arraigada
popularmente, visão negativa que os seres humanos demonstram pelos “insetos” (e
mesmo outros grupos animais), os quais comumente são incompreendidos, odiados
e mesmo eliminados. No entanto, não se deve nem desacreditar nem desvalorizar o
senso comum tanto nas questões relacionadas às práticas médicas populares
(simpatias, remédios caseiros, rezas etc.) quanto no conhecimento sobre os animais
(etnozoologia). No povoado de Pedra Branca, inclusive, é a própria população que,
mesmo de forma inconsciente, já dispõe de certas “ferramentas” apropriadas para
começar a gerar debate e conscientização sobre os sentimentos e atitudes de
aversão (sobretudo com serpentes), a fim de reverter o quadro de sacrifício
88
indiscriminado. É o exemplo da estória contada por 15 entrevistados sobre a
cascavel e a lagartixa, segundo a qual Quem mata é o medo, não o veneno!
“Um dia estavam a cascavel e a lagartixa conversando. Elas
discutiam sobre o que mata as pessoas, se o veneno (dor) ou o
medo. A cascavel dizia que era o seu veneno e a lagartixa dizia
que na verdade era o medo que matava.
Elas decidiram fazer uma prova para conferir. Foram as duas
para um caminho e se esconderam. Quando passou uma pessoa,
a cascavel saiu, mordeu e se escondeu novamente. Nesse
momento apareceu a lagartixa. A pessoa, ao ver a lagartixa,
achou que não tinha sido nada de grave e foi embora. Nem caiu e
nem morreu. Depois, quem mordeu foi a lagartixa e se escondeu,
aparecendo a cascavel. A pessoa, ao ver a cobra, do medo que
teve na hora, caiu e morreu.
A lagartixa então afirmou triunfante: ‘Viu como é o medo quem
mata!’” (Dona L., 63 anos).
O exemplo da estória acima evidencia claramente a incompreensão e
preconceito (generalizado) que os seres humanos apresentam para com as
serpentes, sendo que, na realidade, são poucas as espécies que possuem peçonha
que comprometa o bem-estar físico do indivíduo ofendido. Esta estória pode ser
utilizada para ajudar a desmistificar a correspondência que as pessoas costumam
fazer entre cobra (= veneno) e ameaça (= morte), contribuindo também para
amenizar as características qualitativas (antropomórficas) que as pessoas atribuem
à cobra, como diabólica, traiçoeira, perversa, vingativa, ofensiva etc., isto é, que ela
vive apenas para causar o mal aos seres humanos.
Ainda, o tema relacionado com acidentes causados pelos animais
peçonhentos torna-se, obviamente, de interesse sanitário. Qualquer ação educativa
socioambiental que vise mitigar os efeitos deletérios do contato que os moradores
locais têm com estes animais, especialmente os escorpiões e as cobras (Figura 9),
passa também pelo fornecimento de uma saúde pública de qualidade. Neste
sentido, observou-se que no posto de saúde de Pedra Branca não existe ou não
apresenta aos moradores material informativo e didático (cartazes, panfletos etc.) a
89
respeito dos animais potencialmente perigosos que ocorrem na região, bem como
sobre as medidas preventivas ou os procedimentos que devem ser seguidos no
caso de alguém ser vitimado.
Figura 9 - Efeito resultante da picada pela cobra cabo-branco (filhote de Bothrops
leucurus). Fonte: Dídac Santos Fita (2006).
Por esta razão, acredita-se que montar oficinas de conscientização e divulgar
material informativo no povoado e comunidades circunvizinhas são algumas das
atividades que poderiam ajudar aos moradores locais a terem uma atitude mais
cuidadosa (prevenção) e respeitosa em relação a estes animais, sobretudo aqueles
realmente venenosos/peçonhentos. Paralelamente, incursões educacionais
deveriam ser desenvolvidas para demonstrar a importância dos “insetos” na
manutenção e equilíbrio dos ecossistemas. Conforme salienta Silva (2000), em
relação às serpentes não basta simplesmente querer ensinar, por exemplo, que não
se deve matá-las, mas, ao contrário, acentuar as implicações dessa ação para o
ecossistema, para a imunologia da produção de soros etc. Tal prática pedagógica,
segundo a autora, deve:
“evidenciar e dar sentido à diversidade cultural no que se refere a conhecer as representações da serpente pela comunidade e as práticas populares de prevenção e tratamentos nos casos de ofidismo, para que as concepções equivocadas, errôneas originadas do senso comum, sejam analisadas na comunidade, questionadas, refletidas pelos sujeitos no que diz respeito, a validade das mesmas ao considerarem os assuntos ofídio e ofidismo” (SILVA, 2000, p. 131).
90
Portando, é necessário saber articular o conjunto de saberes da população
local junto aos acadêmicos para solucionar questões socioambientais (POSEY,
2001).
Diante dos dados obtidos, a pergunta a seguir torna-se extremamente útil
para guiar as discussões sobre estudos de interação seres humanos/animais (mais
especificamente os “insetos”), sistema de classificação etnozoológica, saúde
humana, conservação da diversidade biológica e valorização do saber popular: É
mais importante saber, por exemplo, que a cobra é (ou não é) um “inseto” ou,
ao contrário, é mais importante saber que a cobra é (ou não é) peçonhenta? O
depoimento de uma moradora responde a questão: Eu mesma até falo por falar que
cobra é inseto [...]. Importante é se morde ou não. Não o nome (Dona V., 57 anos).
No entanto, no instante em que o termo lingüístico “inseto” é culturalmente
associado a todo organismo considerado feio, repugnante, transmissor de doenças,
perigoso, nocivo e, por esta razão, mais propenso a ser eliminado, então o aspecto
etnoclassificatório também passa a ter um valor agregado importante. Mesmo que
discriminem entre os dois grupos de ofídios (peçonhentos ou não), provavelmente os
indivíduos continuem a matar todas as cobras que encontrem em seu caminho
devido à percepção já arraigada de que todas as cobras são uma ameaça iminente.
Mudando-se a maneira como as cobras são percebidas, pode-se, em parte,
melhorar o comportamento (atitude) que as pessoas têm sobre estes répteis. Sendo
assim, acredita-se que seja mais importante desmistificar a noção popular conforme
todo “inseto” é “ruim”, junto com a de que toda cobra é peçonhenta.
Além disso, a ênfase dada aos sentimentos de pavor e medo evidencia, mais
uma vez, a importância em abordar os fatores emocionais envolvidos na percepção
e na relação do ser humano com os animais por meio de programas de educação
ambiental culturalmente mais eficientes e contextualizados. Acredita-se que
modificando o plano emocional, obtenha-se um melhor acesso aos planos cognitivo,
afetivo e comportamental (DRISCOLL, 1995; MATURANA, 2001). Em outras
palavras, mudando-se o referencial afetivo-emocional, a maneira como os objetos
(neste caso, os “insetos”) são percebidos, valorizados e tratados pelos sujeitos
poderia ser transformada, gerando uma convivência menos conflituosa com esses
animais. Daí a importância de compreender a formação do domínio semântico
“inseto” e as representações culturais associadas a este complexo etnotaxonómico.
91
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude dos objetivos propostos para a presente pesquisa, pode-se
considerar:
Os moradores do povoado de Pedra Branca e comunidades circunvizinhas
reconhecem a existência de dois domínios semânticos etnozoológicos principais:
“animal” e “inseto”. Estas duas categorias etnotaxonômicas são identificadas não
por meio de uma definição única e abrangente, mas quando os sujeitos oferecem
exemplos de organismos que são incluídos em cada um desses domínios. No
entanto, foi evidenciada certa imprecisão na delimitação taxonômica entre estes dois
domínios etnossemânticos, resultando em uma classificação etnozoológica um tanto
tênue e situacional, razão pela qual se notam ambigüidades quanto às interações
estabelecidas entre os moradores e os animais classificados como “insetos”. De fato,
parece existir uma imbricação entre os termos semânticos analisados (inseto ↔
animal), sendo que os organismos que os entrevistados categorizam como “insetos”
podem ser percebidos como animais, no sentido científico do termo, mas quase
nunca chamados (culturalmente) como tais.
O vocábulo inseto é empregado para se referir a um conjunto de animais não
sistematicamente relacionados (aranha, escorpião, sapo, lagartixa, sardão, cobra e
morcego), além dos próprios representantes da Classe Insecta, mas que, por várias
características culturalmente reconhecidas, são reunidos sob o mesmo rótulo
lingüístico; atributos antropomórficos, notadamente negativos (fealdade, sujidade,
periculosidade, nocividade e inutilidade), estão associados a estes animais.
Interessante registrar que, ao contrário dos demais “insetos”, abelhas e borboletas,
às vezes, foram citadas como exemplos de “animais” devido a critérios
antropomorficamente mais positivos, como valor utilitário para as abelhas e estético-
contemplativo para as borboletas.
Segundo o sistema de classificação etnozoológica dos moradores do povoado
de Pedra Branca, o domínio “inseto” pode ser caracterizado como um complexo
etnotaxonômico identificado e descrito com base não apenas nos aspectos
92
cognitivos (caracteres morfológicos e biológicos), mas, sobretudo, nos aspectos
utilitaristas (culturais). Aparentemente, os aspectos utilitários mostram ter uma maior
influência no momento dos moradores definirem quais são os representantes de
cada domínio etnozoológico (“animal” ou “inseto”), permitindo que os sujeitos
possam ajustar-se e adaptar-se melhor a um dado contexto socioambiental.
Os termos morder, picar e ferroar são usados indistintamente para realçar o
termo ofensa. Antigamente, este termo era empregado na região da Serra da Jibóia
apenas para se referir aos acidentes com cobras (peçonhentas). Entendida como
um dano direto (real e/ou imaginário) causado por qualquer animal a uma pessoa,
chegando (ou não) a comprometer seriamente seu bem-estar fisíco e mental, a
ofensa é uma das principais características usadas na formação cognitiva do
etnotáxon “Inseto”; tem bastante relevância na hora de associar o termo “inseto” a
tudo aquilo considerado ruim, perigoso e nocivo, especialmente para a saúde
humana.
Os moradores de Pedra Branca utilizam vários remédios caseiros preparados
com matérias-primas de origem mineral, vegetal e animal, além de simpatias e
rezas, visando o tratamento e/ou prevenção das ofensas causadas pelos “insetos”;
especialmente pelas cobras e escorpiões. A disponibilidade e maior facilidade em
obter soro para tratamento de picada por animais peçonhentos parece ter provocado
o desuso e desvalorização das práticas médicas locais, que outrora eram a única
opção possível de intento de cura.
Os moradores do povoado de Pedra Branca e comunidades circunvizinhas
demonstram sentimentos que vão desde a indiferença até a repulsa com relação aos
animais percebidos como “insetos”. Mesmo tendo sido registrados diversos casos
que denotam certa ambigüidade afetivo-emocional (a depender da etnoespécie em
questão, como, por exemplo, a cobra papa-pinto), o comportamento predominante é
muito mais negativo (às vezes, extremo). Tal atitude ambígua é ainda ressaltada
quando se leva em conta as ofensas (reais ou imaginárias) atribuídas a estes
animais. Muito freqüentemente, aranhas (como a caranguejeira), escorpiões,
morcegos e, principalmente, cobras, constantemente são eliminados, enquanto que
93
sapo, sardão e lagartixa são tratados com certa indiferença, com a conseqüência de
que não existe uma vontade em eliminá-los.
As cobras e os escorpiões são os “insetos” mais freqüentemente eliminados
porque são considerados potencialmente mais perigosos e nocivos à saúde
humana, despertando atitudes de ódio, aversão e medo. Saliente-se, inclusive, que
para as serpentes foram registradas crenças e práticas (simpatias) locais associadas
à questão da ofensa, algumas das quais incitam de forma clara e direta a eliminação
desses répteis.
Determinadas crenças locais (p.ex., carregar objetos como amuleto para
afastar cobra) e o uso de remédios caseiros também fomentam a supressão de
etnoespécies selecionadas para tais propósitos, o que pode comprometer o estado
de conservação dos animais, como por exemplo, os tinamídeos macuca (Tinamus
solitarius) e zabelê (Crypturellus noctivagus zabele). Estudos zoológicos mais
focalizados sobre a ocorrência dessas espécies precisariam ser realizados para
diagnosticar se a prática local de utilizar suas cabeças como amuleto tem tido
alguma incidência nas densidades populacionais presentes na região da Serra da
Jibóia.
Uma vez que fatores emocionais são essenciais em qualquer ação
conservacionista bem sucedida, um processo de aprendizagem baseado em
campanhas educativas (sobretudo com crianças) alicerçadas na afetividade poderia
levar a mudanças de atitudes (mais positivas) dos indivíduos com relação aos
“insetos”. Alterando-se o referencial afetivo-emocional, a maneira como os objetos
(neste caso, os “insetos”) são percebidos, valorizados e tratados pelos indivíduos
poderia ser transformada, gerando uma convivência menos conflituosa com esses
animais. Daí a importância de compreender melhor a formação do domínio
semântico “inseto” e as representações culturais associadas a este complexo
etnotaxonómico.
A realização de oficinas de conscientizarão e a divulgação de material
informativo no povoado e comunidades circunvizinhas devem auxiliar uma atitude
mais cuidadosa (prevenção) e respeitosa dos moradores da região em relação aos
94
“insetos”, a fim de evitar e/ou minimizar os acidentes com estes animais.
Paralelamente, incursões educacionais deveriam ser desenvolvidas para demonstrar
a importância dos “insetos” na manutenção e equilíbrio dos ecossistemas.
As informações etnozoológicas com relação aos danos causados pelos
“insetos” e outros animais potencialmente perigosos deverão retornar à comunidade
na forma de textos didático-científicos, escritos em uma linguagem clara e
acompanhados de ilustrações, apresentando medidas que devem ser seguidas em
casos de acidentes com estes animais.
Os conhecimentos etnozoológicos, os costumes e as práticas populares dos
moradores da região da Serra da Jibóia traduzem-se em um recurso cultural valioso
que deve ser considerado nas discussões sobre saúde pública, saneamento básico
e práticas de medicina tradicional, bem como em estudos de inventário e
conservação da diversidade biológica local.
95
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APÊNDICES
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Apêndice A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O motivo de minha visita é para realizar um estudo para saber sobre as ofensas provocadas pelos insetos e como as pessoas que vivem aqui na região da Serra da Jibóia tratam essas ofensas e como identificam os tipos de insetos que ofendem.
Como resultado, eu pretendo investigar como é que os insetos são conhecidos, identificados e utilizados pelos moradores do povoado. Minha intenção é registrar por escrito as informações que serão fornecidas pelos moradores que quiserem participar do estudo para, posteriormente, retornar essas mesmas informações para que todos possam reconhecer os insetos que causam as ofensas e o que fazer em casos de danos causados por eles. Eu desejo apenas registrar o que vocês sabem sobre os insetos para aumentar o conhecimento tanto das pessoas que moram aqui na região quanto como das pessoas que estão na Universidade.
Para realizar a pesquisa, eu pretendo conversar com grande número de moradores, homens e mulheres, de várias idades. Vou fazer entrevistas somente com quem quiser participar. Essas entrevistas poderão ser gravadas usando um gravador, mas também só quando as pessoas permitirem. No caso de entrevistas com pessoas menores de idade, irei pessoalmente pedir a permissão aos pais ou responsáveis. Ninguém é obrigado a participar. Do mesmo modo, se a pessoa desistir de participar da pesquisa, ela não será prejudicada de maneira alguma. Todos são livres para participar da pesquisa e se retirar quando sentirem vontade.
Para que eu também aprenda e conheça os diversos tipos de insetos que existem aqui, eu gostaria de contar com a colaboração de vocês para conseguir alguns exemplares. Eu deixarei alguns recipientes contendo álcool para que os insetos que forem coletados sejam colocados dentro deles. Vez ou outra eu apareço e pego os recipientes. Peço apenas que tomem cuidado quando forem coletar aqueles insetos que vocês já sabem que ofendem ou podem prejudicar a saúde de vocês.
Apenas se a pessoa quiser, o nome dela aparecerá na pesquisa; caso contrário, eu não escreverei seu nome. O seu nome, sua ocupação e sua idade não serão divulgados se assim vocês desejarem.
Eu pretendo utilizar as informações que forem conseguidas para escrever alguns textos que serão publicados, com a permissão de vocês, em revistas científicas, em encontros de pesquisadores e um relatório para ser entregue à Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, no final da pesquisa. Uma cópia também será deixada com a responsável pela escola do povoado para que todos possam ver o que foi conseguido em meu estudo.
Este termo apresenta duas vias que devem ser assinadas por mim, que sou o pesquisador responsável, e por vocês ou o responsável legal, no caso de menores. Uma cópia fica comigo e a outra fica com vocês. Este é o nosso acordo.
Agradecendo a atenção, estou à disposição para tirar dúvidas e dar mais informaçoes. Meu endereço para contato é o seguinte: Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Ciências Biológicas, Km 03, BR 116, CEP 44031-460, Feira de Santana (BA), telefone e fax: (75) 3224-8131 ou 3224-8019.
Pedra Branca (Sta. Terezinha, Bahia), em _________ de ________ de _______.
Responsável pela pesquisa:_____________________________________________.
Sujeito participante da pesquisa: ________________________________________.
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Apêndice B - FORMULÁRIO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Nome: ____________________________. Idade: ________________anos. Origem: ___________________________. Morador de PB há: _____anos. Profissão: _____________________________. Opção religiosa: ________________________. Escolaridade: __________________________. 1a) O que é um animal para o(a) senhor(a)? 1b) Quais são os animais para o(a) senhor(a)?
1c) Quais são os animais que ofendem? 2a) O que é um inseto para o(a) senhor(a)? 2b) Quais são os insetos para o(a) senhor(a)? 2c) O que acha dos insetos? 2d) Se o(a) senhor(a) vê um inseto (que pode ofender), faz o quê? 2e) Qual a importância deles para a gente? E para a natureza? 3a) O que é uma ofensa para o(a) senhor(a)? 3b) Quais são os (...)19 que podem ofender a gente?
3c) Quais são os insetos que causam (mais) ofensas?
3d) Por que eles ofendem a gente? 3e) Todos ofendem a gente do mesmo jeito? 3f) Todos os (...) que ofendem são venenosos (peçonhentos, bravos)?
3g) Quais as maneiras mais freqüentes de ofensa (picada, mordida, ferroada)? 3h) Se eles ofendem, por que acha que existem? 3i) Uma planta pode ofender a gente? 4) O(A) senhor(a) já foi ofendido(a) por algum inseto?
AQUI A PESSOA PODE DIZER QUE FOI PICADA, MORDIDA ou FERROADA; PASSAR A USAR ESSAS PALAVRAS PARA CADA CONTEXTO. A PALAVRA OFENSA CONTINUA.
19No momento da entrevista, podia-se utilizar três domínios semânticos (animal, inseto ou “inseto”), dependendo de como o entrevistado havia reportado anteriormente.
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4.a) Se NÃO: O(A) senhor(a) conhece alguma outra pessoa que já foi
ofendido(a) por algum inseto?
4.b) Se SIM. Qual foi o tipo de inseto que ofendeu?
5) Como, onde e quando aconteceu? 6) O que o(a) senhor(a) sentiu? 7) O que o(a) senhor(a) fez para tratar/curar essa ofensa (picada, mordida,
ferroada)? 8a) Buscou algum tipo de tratamento? 8b) Foi no posto de saúde?
8c) Botou remédio (caseiro)? Qual?
9) O senhor(a) conhece estórias (antigas) em relação às ofensas e/ou remédios
caseiros, simpatias ou rezas envolvendo “insetos”? 10a) Este “inseto” serve para alguma coisa? 10b) Pode ser utilizado como remédio para a ofensa causada por ele mesmo? 10c) E para ofensa causada por outro inseto? 11) Depois de ser ofendido(a), o que o(a) senhor(a) fez com o inseto que o(a)
ofendeu? 12) O que o(a) senhor(a) acha que poderia ser feito para prevenir/evitar essas
ofensas? 13a) Quais são os “insetos” que têm mais na região? 13b) Antigamente também tinham os mesmos?
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Apêndice C - ETNOESPÉCIES DE “INSETOS” MAIS CITADAS PELOS
SUJEITOS ENTREVISTADOS
Aranha caranguejeira Viúva-negra Lasiodora sp. Latrodectus sp. Autor: Dídac Santos Fita (2006) Autor: Marco A. Freitas
Escorpião-amarelo Morcego Tityus serrulatus Artibeus sp. Autor: Dídac Santos Fita (2006) Autor: Dídac Santos Fita (2006)
Jia (rã) Sapo-bola Leptodactylus ocellatus Chaunus jimi Obs. Não é considerada “inseto” Autor: Dídac Santos Fita (2006) Autor: Dídac Santos Fita (2006)
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Sardão Lagartixa Hemidactylus mabuia Tropidurus hispidus Autora: Thais F. Silva Autora: Thais F. Silva
Teiú Cobra-de-duas-cabeças Tupinambis merianae Typhlops brongersmianus Obs. Não é considerada “inseto” Autora: Thais F. Silva Fonte: Marco A. Freitas Surucucu (pico-de-jaca) Cascavel Lachesis muta Crotalus durissus cascavella Autor: Marco A. Freitas Autor: Marco A. Freitas
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Malha-de-sapo (jararaca quatro-ventas) Surucucu-de-pidoba Cabo-branco (não sabem que é o filhote) Bothriopsis bilineatus bilineatus Bothrops leucurus Autor: Ludwig Trutnau Autor: Marco A. Freitas
Buiúna Papa-pinto Boiruna sertaneja Drymarchon corais Autor: Marco A. Frietas Autor: Marco A. Freitas
Caninana Cobra-coral Spilotes pullatus Oxyrhopus trigeminus Autor: OAV Marques Fonte: internet
115
Cobra-cipó Cobra-verde Cobra-espada Philodryas olfersii Cobra-d’água Autor: Marco A. Freitas Leptohis sp. Fonte: internet
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