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7/27/2019 Cidades (in)visveis: imagens, caminhos, fotografias e representaes
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Cidades (in)visveis: imagens, caminhos,fotografias e representaes
Lillian Andreza dos Santos SouzaRoberto Berton de Angelo
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Resumo: Este artigo apresenta um estudo sobre as questes queenvolvem os conceitos de imagem e cidade. Analisa as maneiras que
as diferentes formas de percepo do espao influenciam nas relaesvisuais que os usurios constroem com a cidade. Na seqncia, tratadas diferentes formas de representao de um mesmo espao, eentendendo a fotografia como extenso do olhar do outro, faz umaleitura de dois ensaios fotogrficos de So Paulo, assinados porCristiano Mascaro e Nelson Kon.
Palavras-chave: Fotografia de cidade; So Paulo; CristianoMascaro; Nelson Kon.
Abstract:This article is about a study on questions involving conceptsof image and city. It analyses the means by which the various forms ofspace perception influence visual relations users construct from acity. If further deals with various forms of representation of the samespace and, by understanding photography as an extent of someoneelses eye, it performs a reading of two photographic essays of SoPaulo City, signed by Cristiano Mascaro and Nelson Kon.
Key-Words:City photography; So Paulo; Cristiano Mascaro; NelsonKon.
Lillian Andreza dos Santos Souza **Roberto Berton de Angelo ***
Cidades (in)visveis: imagens, caminhos,fotografias e representaes *
(In)visible cities: images, routes, photography and representations
* O termo cidades invisveis de talo Calvino e foi retirado do livro que leva o mesmo nome.** Arquiteta e fotgrafa. Mestranda em Multimeios na Unicamp Universidade Estadual deCampinas.
*** Doutor em Educao pela Unicamp (1994). Ps-doutor em Histria da Fotografia pelaUniversit Paris III Sorbone Nouvelle (1999). Livre docente em Artes pela Unicamp (2004).Coordenador do Mestrado em Multimeios da Universidade Estadual Paulista (Unicamp).
discursos fotogrficos, Londrina, v.4, n.5, p.159-178, jul./dez. 2008
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Introduo
Toda cidade composta por pelo menos duas facetas distintasque se interpem e se modificam mutuamente. A primeira relativa aseu espao fsico; a outra diz respeito s pessoas que nela habitam es relaes que constroem entre si. Isto quer dizer que, ao pensar umacidade determinando o espao e tempo de uma nica gerao, pode-se inferir que as caractersticas daquele ambiente so definidas pelas
pessoas que nele habitaram: cada um constri parte desse espao
sua maneira, cada lote, casa comercial ou residncia diz respeito aseus respectivos usurios.
Aumentando esse espao de tempo para a idade que esta cidadehipottica possui, pode-se dizer que, ao longo deste perodo seuespao fsico funcionou como um cenrio, um palco onde milhares de
pessoas desempenharam seu papel na construo da historia do lugar.So estas pessoas, os habitantes, que estruturam a imagem deste
ambiente assim que decidem reformar um antigo edifcio ou dar incioa uma nova residncia.
Uma cidade, vrias imagens
sempre difcil conceituar a imagem da cidade, posto que elapode ser observada por abordagens diferentes: pela arquitetura; acidade propriamente dita; atravs daprpria imagem pinturas,fotografias e filmes; e outra mais subjetiva, que trata do ponto devista do usurio e diz respeito s inmeras relaes visuais que seformam entre o espao e quem o habita. Para melhor compreender
este conceito, faz-se necessria uma investigao sobre exemplos decada uma destas abordagens.
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Arquitetura como imagem
Do ponto de vista da arquitetura encontra-se um bom exemplono livro So Paulo: trs cidades em um sculo, de Benedito Lima deToledo. Neste trabalho o autor analisa as transformaes queocorreram no territrio desta cidade durante o sculo XIX. Deixa claroque tais transformaes acontecem pelas mudanas de interessedaqueles que l viveram, mas o que importa a ele a maneira como oespao fsico se configurou.
Segundo o autor, h pouco mais de um sculo, So Paulo era
composta por casas de paredes de taipa de pilo, protegidas porgrandes beirais e ruas sem calamento, mas esta feio colonial foirapidamente substituda com o advento da ferrovia. A cidade de taipa,como ele define este primeiro momento, acabou com a chegada dotrem: o novo meio de transporte trouxe agilidade para o escoamentoda produo de caf e permitiu maior mobilidade e trnsito de materiaise pessoas. As antigas chcaras foram loteadas e nesses lotes foram
construdas novas casas. As distncias aumentaram, surgiram os bondese configurou-se a segunda cidade. (TOLEDO, 2004, p.10).
Com o crescimento dos bairros, criaram-se novas necessidades eSo Paulo passou a ter caractersticas de uma grande metrpole, tomandoa forma que possui atualmente. Esta terceira cidade carece de infra-estrutura, destri seus antigos edifcios, abrindo espao para construesque aproveitem melhor o solo. Nesta So Paulo, constri-se em cima
em vez de ao lado. (TOLEDO, 2004, p.125).
Fotografia e cidade
Para a imagem, pode-se dizer que cidade e fotografia caminham juntasdesde o surgimento da segunda. Quando Nipce escolheu a paisagem de
sua janela para a primeira fotografia, inaugurou aquele que seria um dosgestos mais naturais desde sua descoberta: registrar o ambiente que se vive.
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Para Borges (2005, p.59), um ano depois do surgimento daprimeira mquina fotogrfica da Kodak, em 1888, houve um conseqenteaumento de consumo e comercializao das imagens; surgiram os cartes
postais ilustrados a partir de fotografias. De acordo com a autora, empouco tempo fotgrafos e pequenos empresrios comearam a investirna produo e comercializao de vistas de paisagem, de cenas da vidarural e urbana, de monumentos histricos e de lugares que iam setornando cada vez mais objetos de desejo e das viagens de lazer da
burguesia daBelle poque. Assim como hoje, esses cartes postaisjamais ofereciam imagens-sintoma do feio e do desagradvel. Referem-
se sempre a um ideal de belo consagrado pelas artes plsticas greco-romanas e renascentistas.
Os principais alvos dos produtores de postais eram os prdiospblicos e as construes arquitetnicas esteticamente mais arrojadas.
Consumindo os cones que as representavam, o turista, que durantesuas viagens interrompia a mesmice de seu cotidiano, queria
mostrar a seus parentes e amigos que tambm ele participava doavano da civilizao, simbolizada nos cartes postais, por ummundo ordenado por signos j identificados com as noes de
belo, prazer e avano, sobretudo tecnolgico. (BORGES, 2005,p.60).
A autora relaciona ainda a circulao dos postais com a reconstruoda imagem das cidades, quando diz: medida que a moda dos postais ia
se alastrando, as cidades, lcus por excelncia do exerccio e das prticascivilizadoras, iam construindo suas verses higienizadas, oficiais e modernasdo espao pblico. (BORGES, 2005, p.60).
De fato, no se fica inerte diante de uma fotografia; de alguma formaela faz seu assunto repensar a prpria imagem. Neste caso, serve de suporte
para criar aquilo que se quer ser: os postais, livres dos envelopes, circulamsuas fotografias pelo mundo, dizendo silenciosamente: assim Paris, ou
Braslia, ou Rio de Janeiro. A partir da, cada cidado constri, mesmoque inconscientemente, a imagem da cidade que quer ter.
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Cidade imaginada
Para o usurio, o conceito de imagem da cidade adquirecontornos mais subjetivos, uma vez que depende da forma como serelaciona com o espao: a imagem que um usurio tem de sua prpriacidade se constri embasada em sua forma arquitetnica e nasfotografias, desenhos, pinturas e filmes que ele j viu deste e de outrosespaos. Ferrara (1993, p.251) afirma que a imagem mental que ohabitante tem da cidade apia-se em uma questo bsica: sua qualidadevisual, orientada pelo registro dos espaos conhecidos e reconhecveis,
e aponta para a construo racional da imagem da cidade como umsistema de ordem de ver, pensar a cidade e nela orientar-se.
De acordo com a autora, a seletividade visual transforma o espaourbano em imagens consideradas unidades mnimas de leitura que permitemo reconhecimento dos pontos mais significativos do tecido urbano. Aimagem apontada como ponto de referncia que marca os observadorese, atravs de seus mapas mentais, impede que eles se desorientem.
Alguns autores relacionam estas imagens mentais com oscaminhos que cada indivduo percorre diariamente. o caso de KevinLynch (1997) que, em seu estudo sobre percepo do meio ambiente,
pede aos passantes que desenhem um mapa mental dos lugares poronde se deslocam. As referncias imagticas que se repetem nestesmapas, tais como fachadas, esculturas, prdios, tipos de poste outotens, so consideradas por ele estruturadoras da organizao deste
determinado espao.
Uma cidade, vrios caminhos
So vrias as possibilidades de percepo de uma cidade e a junode todas elas forma aquilo que cada usurio guarda de determinado lugar.
O mapa ou a imagem area mostram, por exemplo, os sistemas que aestruturam, mas poucos conseguem relacion-los ao ambiente quando
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transitam por ele: os mapas construdos pelos usurios ao caminhar peloespao urbano compreendem apenas as ruas pelas quais ele tem que passar
para chegar a seu destino, ou seja, dificilmente a cidade compreendida
ou imaginada como um todo.A apreenso de sua forma passa pelo ato de caminhar por ela e a
maneira como esse deslocamento acontece tambm determinante parao resultado. Isso quer dizer que, quem conhece uma cidade pelo automvel,tem um ponto de vista mais baixo e as imagens, que passam rapidamente,so enquadradas e recortadas pelas janelas. J quem caminha por ela,alm de ter mais tempo para observar cada coisa que chama sua ateno,
tem o ponto de vista na altura do olhar. Diferente daquele que anda denibus, que sequer responsvel pela escolha do caminho.A caminhada pelo espao se fez presente em diversos momentos
da histria, transformando a cidade em cenrio, pano de fundo para todasas artes. oflneur1, na literatura, o primeiro grande personagem de talato. Personificado na poesia de Charles Baudelaire, num momento emque o espao fsico assumiu caractersticas de metrpole industrial,configurando a cidade moderna, oflneurcaminhava pela Paris do sculoXIX, empenhando-se em entender esta modernidade. Concentrado naobservao dos tipos, testemunhou as mudanas que as novas tecnologias
provocaram naquele ambiente e, olhando como um estrangeiro, pormimerso na realidade cotidiana, inaugurou esse novo modo de se relacionarcom o espao, revelando o ponto de vista do passante.
Benjamin (1989, p.35) afirma que oflneur
sente-se em casa entre as fachadas dos prdios, tanto quanto oburgus entre suas quatro paredes. Para ele, os letreiros esmaltadose brilhantes das firmas so um adorno de parede to bom oumelhor que a pintura leo no salo do burgus; muros so aescrivaninha onde apia o bloco de apontamentos; bancas de
jornais so suas bibliotecas, e os terraos dos cafs, as sacadasde onde, aps o trabalho, observa o ambiente.
1 Identificado por Bassani (2003, p.42) como um personagem urbano na poesia de Baudelaire, o
termo tambm compreendido como caracterstica identificvel em qualquer pessoa. A palavraflanar, deriva do francs flner e significa passear ociosamente, sem destino nem pressa. (LUFT,2000, p.331).
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Para Bassani (2003, p.43), o flneurconverte o ambienteurbano em paisagem e cenrio, em territrio de expedio e abrigodomiciliar, demonstrando total intimidade com seus elementos, e
permitindo que a cidade assuma dimenses e significados indicadospor seu estado de esprito: a cidade assume significado medida queseu perambular a impe.
Foram os dadastas2, em 1921, que elevaram o caminhar condio esttica. Ao encarar a cidade como um readymade ,transformaram o deslocamento por ela em um acontecimento artstico,ou seja, exploravam o espao cotidiano com aes simblicas comoentrega de objetos aos transeuntes e leituras de fragmentos tirados dodicionrio ao acaso garantindo a ele, ares artsticos.
Careri (2005) defende que esta a primeira vez que a exploraoe a percepo acstica, visual e ttil dos espaos urbanos em processode transformao so considerados feitos estticos. Para ele, antesdas aes dadastas, a atividade artstica podia penetrar no espao
pblico atravs de operaes de ornamentao como, por exemplo, ainstalao de objetos escultricos em praas e parques. (CARERI,2005, p.73).
A experincia subjetiva do corpo no espao estabelece-se ento,no movimento dadasta, como um modo concreto de alcanar adessacralizao da arte, unindo o sublime ao cotidiano. Aqui, a obrano se configura na ao, mas no fato de ter sido concebida e as
nicas operaes materiais que restam quando o passeio termina sosua documentao: fotografias, artigos e relatos sem nenhum tipo deelaborao posterior. (CARERI, 2005, p.78).
2 O movimento dadasta foi criado por Tristan Tzara em 1916, em Zurique, na Sua, comoprotesto s loucuras da Primeira Guerra Mundial. Caracterizado pela improvisao, ceticismo eoposio ao equilbrio, tinha o escndalo como estratgia. Suas principais formas de expressoforam os readymade, poemas aleatrios e as fotomontagens. Nos primeiros, idealizados por
Marcel Duchamp, objetos criados com finalidade prtica mictrio, p, roda de bicicleta eramelevados categoria de obra de arte, demonstrando que a arte est tambm no pensar, noconceb-la como tal.
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Alguns anos depois, mais precisamente em 1924, foi a vez dossurrealistas caminharem pela cidade. Nas deambulaes, como ficaramconhecidos tais passeios, os participantes vagavam por dias seguidos
buscando os limites entre a vida consciente e a sonhada. Entendiam acidade como um territrio a ser explorado e perdendo-se na paisagem,tentavam investigar a relao das pessoas com os lugares.
Segundo Careri (2005, p.84), o termo deambulao tem a mesmaessncia de desorientao, abandono ao inconsciente e consiste emalcanar, mediante o andar, um estado de hipnose, uma desorientadora
perda de controle. um meio atravs do qual se entra em contato
com a parte inconsciente do territrio.Munidos de certa carga de psicanlise, os surrealistas
investigaram a relao do homem com a realidade urbana e acabarampor criar os mapas referenciais, que sintetizam o espao real, aconscincia do espao vivido e a subjetividade do caminhante. Usandouma escala de cores que ia do branco ao preto passando por tons decinza, pintavam em um mapa as sensaes que tinham pelos lugares
que passavam. Tais sensaes eram representadas por estas cores:quanto mais agradvel, mais prxima do branco; aproximava-se do
preto medida que se tornava desagradvel.Carei destaca que: A inteno era realizar mapas baseados nas
variaes da percepo obtida ao caminhar pelo ambiente urbano ecompreender as emoes que a cidade provoca nos transeuntes.(CARERI, 2005, p.87). Dessa maneira, uma mesma cidade possuiria
tantos mapas quantos fossem seus usurios.Na dcada de 60, o caminhar foi reformulado pelos situacionistasque, comandados por Guy Debord, incitaram a criao de relaessubjetivas com o espao e iniciaram aquilo que chamam de derivas.Para Jacques (2003, p.22), a deriva situacionista no pretendia servista como experincia propriamente artstica, mas seria umaapropriao do espao urbano pelo pedestre atravs do andar sem
rumo e com esta ao, tentava-se mapear os diversoscomportamentos afetivos.
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Uma cidade, vrias representaes
A questo aqui levantada primeiramente a forma como a cidade percebida por seu usurio. Mas a maneira como ele a experimenta evivencia nica, j que est relacionada com seu local de vivncia,onde trabalha, com os caminhos que percorre e onde decide ir nosdias de lazer.
Este tema abordado no livroAscidades invisveis, de taloCalvino, clssico que, apesar de fico, literatura bsica nos cursos
de arquitetura e urbanismo, justamente por tratar dos ambientes e levarem conta seus aspectos mais subjetivos. Deixando de lado a questofisico-espacial das cidades, o autor prope uma maneira de classific-las a partir da sensao que cada uma causou no viajante venezianoMarco Plo, que teve a difcil misso de descrev-las para o imperadorKublai Khan. Temas como desejo, smbolos, memria, morte e cu se
juntaram aos elementos inerentes s cidades na construo desse texto.
Durante os dilogos de Marco Plo com Kublai, ficou claro queambos tm conscincia de que essas cidades s existem realmente noimaginrio dos dois, e que h uma diferena na interpretao. Como a
base do livro est na essncia subjetiva da cidade e trabalha compercepes e sensaes, quando Marco Plo conta sobre um lugarpara Kublai, o imperador mantm sua essncia, mas o reconfiguraespacialmente em sua imaginao: Para cada cidade que Marco lhe
descrevia, a mente do Grande Khan partia por conta prpria, e,desmontando-a pedao por pedao, ele a reconstrua de outra maneira,substituindo ingredientes, deslocando-os, invertendo-os. (CALVINO,1990, p.43).
Deslocando a forma de representao para imagem, naintroduo do livro Conceitos fundamentais da histria da arte,Wolfflin (1984) narra a tentativa frustrada de quatro artistas em pintarem
a mesma paisagem. Apesar de compostas pelos mesmos elementos,cada um construiu sua imagem de maneira diferente, seja no ponto de
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vista, na leveza ou dureza do trao e at mesmo na maneira em quecada autor se colocou em relao quilo que escolheram pintar. Issoquer dizer que no existe uma maneira objetiva de ver e, como criao
humana, a imagem leva a marca daquele que a fez.As representaes feitas atravs de fotografias tambm carregam
essa subjetividade. Para Kossoy (2001) a escolha do assunto e seurespectivo tratamento esttico so fatores que interferem no resultadofinal, configurando a ao do fotgrafo enquanto filtro cultural: Oregistro visual documenta a prpria atitude do fotgrafo diante darealidade; seu estado de esprito e sua ideologia acabam transparecendo
em suas imagens. (KOSSOY, 2001, p.42).Persichetti e Trigo (2004, p.7) afirmam que falar em fotografia
de cidade sempre complicado, pois, com as mudanas registradasna linguagem da fotografia no decorrer do sculo XX, os fotgrafosdeixaram de apenas registrar a cidade para interpret-la.
Representaes interpretadas:relatos de uma leitura potica
Entendendo a fotografia como ponto de vista, representao de umdado real, pode-se afirmar que pessoas diferentes produziro imagensdistintas de um mesmo tema, fato que pode ser observado nos exemplos
a seguir.Os ensaios fotogrficos aqui apresentados so de Cristiano Mascaro3
e Nelson Kon4 que, dentre outros, tm So Paulo como tema recorrenteem suas fotografias. Os ensaios aqui abordados so uma amostra
3 Cristiano Mascaro arquiteto e urbanista graduado pela Universidade de So Paulo. Iniciou suacarreira de fotgrafo na revista Veja, em 1968. Atualmente conhecido como o fotgrafo dascidades.4
Nelson Kon arquiteto e fotgrafo tambm conhecido por fotografar espaos urbanos. Fotografouas trs primeiras edies do Arte/Cidade, projeto do filsofo Nelson Brissac Peixoto, em SoPaulo.
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representativa do acervo de cada autor. As fotografias de Nelson Konforam cedidas por ele em entrevista concedida aos autores; as de CristianoMascaro esto presentes no documentrio Paisagens urbanas, dirigido
por Nelson Brissac Peixoto.Como umflneurque anda toa e registra o que v, Mascaro
capta a luz da capital paulista revelando-a pelo olhar de quem acontempla e sempre se deixa ser surpreendido por sua magnitude. ASo Paulo de Mascaro parece ser aquela cidade enorme que acaba porengolir as pessoas que nela vivem. s vezes ele parece fotografar para,no recorte, tentar compreend-la, ou apreend-la, ou domin-la. Talvez
seja por isso que em grande parte delas aparea o horizonte alm doskyline5. Suas fotografias dizem silenciosamente: So Paulo grande,mas acaba logo ali.
Mascaro afirma que uma das dificuldades que encontra parafotograf-la a quantidade de elementos que se superpe de vriasmaneiras. Para driblar esta confuso visual, sobe nos edifcios e olha
para baixo, fato que pode ser observado em todas as fotos do ensaio.
Explica sua preferncia por preto e branco de maneira categrica:afirma que quando fotografa em cor, deixa de ver luz que, para ele, o elemento fundamental para fotografar So Paulo. Diz ainda que nose importa com a luz fsica, aquela que pode ser medida pelo fotmetro,mas com a qualidade e a forma que ela se apresenta.
Para Mascaro, a cidade um cenrio imprevisvel em termos deluz: s vezes ela se esconde em meio s nuvens cinzentas; s vezes
filtrada por elas; s vezes reflete no asfalto molhado ou resvala porentre os prdios e, por mais que ele tente imaginar ou conhecer todasessas possibilidades, a cada esquina, a cada olhada, coisas novassurgem e papel do fotgrafo descobrir e revelar essas luzes esurpresas6.
5 Linha formada pelos edifcios construdos na cidade.6 Informaes retiradas do documentrio Paisagens urbanas, de Nelson Brissac Peixoto.
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Figura 1 - So Paulo
Figura 2 - So Paulo
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Figura 3 - So Paulo
Figura 4 - So Paulo
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J as lentes de Nelson Kon revelam uma So Paulo monumental.Como ele mesmo diz7: Em So Paulo, o olhar nunca limpo, a cidade to grande que sempre tem alguma coisa entre a mquina e o objeto aser fotografado. Talvez por isso prefira os detalhes. Fotgrafo dearquitetura, Kon tem dificuldade em escolher fotografias para um ensaio
que represente a capital paulista. Afirma que dificilmente fotografa acidade por vontade prpria, o faz sempre contratado por algum arquitetoou instituio.
Kon no v diferena entre fotografia de arquitetura e de cidade.Para ele, uma e outra se confundem, j que considera a arquitetura comoo espao construdo pelo homem, mesmo que ela tenha a escala da cidade,como afirmou em entrevista crtica Persichetti e Trigo (2004, p.8):
7 Nelson Kon. Entrevista concedida aos autores em outubro de 2007.
Figura 5 - So Paulo
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Para mim essa distino no faz sentido. Ao falar de fotografia decidade eu estou falando de fotografia de arquitetura. Arquiteturade forma ampla o espao construdo pelo homem, seja aapropriao da caverna ou a construo da cidade.
As fotografias apresentadas aqui so de obras importantes: aprimeira leva apenas o nome da cidade: So Paulo; a segunda daOca, no Parque Ibirapuera, projeto de Oscar Niemeyer; a terceira e aquarta so da Praa do Patriarca, projeto de Paulo Mendes da Rocha, ea ltima do Sesc da Fbrica Pompia, de Lina Bo Bardi.
Como se v, o assunto mais freqente em seus trabalhos a
arquitetura, o que o leva a uma relao de ambigidade com sua prpriaobra: como arquiteto, possui uma viso completa sobre o espao quefotografa: capaz de desconstruir a obra para compreend-la. Mas comofotgrafo, precisa escolher um nico ponto de vista, que acaba por revelarsua forma de perceber aquele espao.
Esta ambigidade tambm foi abordada pelo arquiteto Ablio Guerra(2009) no artigoA fotografia de Nelson Kon. No entanto, ele a situa na
relao cliente (arquiteto) e fotgrafo. Para Guerra, a viso totalitria queo arquiteto possui de sua obra embasada na relao criador e criaturae balizada pelas formas de projetar que ele possui. Ao desenharcartesianamente plantas, cortes, elevaes e perspectivas, o arquitetoconstri uma viso racional, antagnica ao olhar do fotgrafo, que precisaescolher um nico ponto de vista.
Com olhar de quem contempla distncia, Kon no estabelecequalquer relao com as pessoas que aparecem nas suas fotografias. Alis,
estas pessoas sem identidade parecem estar l apenas para evidenciar amonumentalidade das obras: na fotografia de Nelson Kon, elas so escalahumana, tamanha a relao do fotgrafo com a arquitetura.
Ao falar da Praa do Patriarca (Figuras 8 e 9), por exemplo, Konafirma que, para ele, o mais interessante a maneira que a cobertura
projetada por Paulo Mendes da Rocha se deixa ver por entre os edifciosdo entorno, ressaltando a importncia dos detalhes revelados no decorrer
do caminho para percepo do todo. De fato, dificilmente o passanteconsegue abarcar toda a obra com um nico olhar.
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Figura 6 - So Paulo
Figura 7 - Oca (Parque do Ibirapuera)
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Figura 8 - Praa do Patriarca I
Figura 8 - Praa do Patriarca II
Figura 9 - Sesc/Pompia
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Consideraes finais
Ao longo desta pesquisa pudemos observar que a imagem da cidade tema constantemente visitado pelas mais diversas abordagens. Noentanto, os autores dificilmente determinam ou fazem essa distino do
ponto de vista; todos falam de imagem da cidade, mas abordam o temapor aspectos completamente distantes um do outro: arquitetura, imagem erepresentao se misturam na construo deste conceito, que tambmest relacionado s inmeras maneiras de se perceber uma cidade.
Esta percepo subjetiva e acaba por configurar visualmente umacidade para cada habitante. Entendendo a fotografia como criao quecarrega consigo aspectos daquele que a fez, do que foi fotografado, datcnica empregada e das vrias interpretaes que podem ser feitas dela,
pode-se inferir que atravs da imagem fotogrfica, a cidade individual/imaginada de cada usurio, pode se fazer ver.
Assim como fotografias so representaes da realidade, importante ressaltar que qualquer leitura que se faa delas tambm vem
carregada de aspectos subjetivos inerentes a quem a fez, ou seja, orepertrio de quem olha a imagem tem papel fundamental em suainterpretao e por isso, pessoas diferentes podem fazer observaesdistintas sobre a mesma fotografia.
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discursos fotogrficos, Londrina, v.4, n.5, p.159-178, jul./dez. 2008
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