24
1 Teorias da Demanda Efetiva: Keynes, Kalecki e algumas implicações * Marcos Vinicius Chiliatto-Leite ** III Encontro Internacional da AKB - São Paulo, 2010. Área: Macroeconomia e Política Econômica. Resumo A demanda efetiva foi postulada contemporânea e independentemente por Keynes e Kalecki e consolida um princípio fundamental da teoria econômica heterodoxa, a qual entende que o produto é resultado da demanda. As formulações de Keynes e de Kalecki têm diferentes especificidades e seu próprio foco analítico. Por exemplo: no primeiro há o destaque à determinação do emprego, com estoque de capital dado; no segundo se destaca a determinação dos lucros e as implicações de longo prazo da demanda efetiva. Independente dessas, e outras, diferenças entre Keynes e Kalecki, o princípio da demanda efetiva está presente e as abordagens são plenamente compatíveis. O artigo apresenta a demanda efetiva segundo Keynes e keynesianos, bem como segundo Kalecki e kaleckianos. Ademais, são discutidas implicações fundamentais, tais como: a derrocada da “Lei de Say”; a desmistificação da poupança; a determinação do emprego e da renda; e uma implicação para a dinâmica do capitalismo. Palavras-chave: Demanda efetiva; Keynes; Kalecki. Abstract The effective demand was postulated contemporarily and independently by Keynes and Kalecki and consolidates a fundamental principle of the heterodox economics theory, which considers that the product is a result of demand. The formulations of Keynes and Kalecki have different characteristics and its own analytical focus. For example: the first emphasizes the determination of employment, with a given capital stock; the latter emphasizes the determination of profits and the long-term implications of effective demand. Regardless of these, and other differences between Keynes and Kalecki, the principle of effective demand is present and the approaches are fully compatible. The paper presents the effective demand by Keynes and Keynesians, as well as by Kalecki and Kaleckians. Furthermore, we discuss basic implications such as: the fall of the "Say's Law"; the demystification of savings; the determination of employment and income; and an implication for the dynamics of capitalism. Keywords: Effective demand; Keynes; Kalecki. * O presente artigo é uma versão adaptada do capítulo II da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), com o título “A teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado: uma discussão à luz da questão do papel do consumo e da controvérsia do estagnacionismo” (CHILIATTO-LEITE, 2010). O autor agradece, eximindo-os de culpa por eventuais imprecisões do texto, a André Modenesi, Camila Ferraz, Félix Manhiça, Lucas Teixeira e Salvador Werneck Vianna pelas discussões e comentários durante os anos de colaboração no IPEA-RJ; bem como às discussões com Fábio Freitas. ** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp). Contato: [email protected] . Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

Chiliatto-Leite, Marcos v - Teorias Da Demanda Efetiva Keynes Kalecki e Algumas Implicações

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Chiliatto-Leite, Marcos v - Teorias Da Demanda Efetiva Keynes Kalecki e Algumas Implicações

Citation preview

  • 1

    Teorias da Demanda Efetiva: Keynes, Kalecki e algumas implicaes *

    Marcos Vinicius Chiliatto-Leite **

    III Encontro Internacional da AKB - So Paulo, 2010.

    rea: Macroeconomia e Poltica Econmica.

    Resumo

    A demanda efetiva foi postulada contempornea e independentemente por Keynes e

    Kalecki e consolida um princpio fundamental da teoria econmica heterodoxa, a qual entende

    que o produto resultado da demanda. As formulaes de Keynes e de Kalecki tm diferentes

    especificidades e seu prprio foco analtico. Por exemplo: no primeiro h o destaque

    determinao do emprego, com estoque de capital dado; no segundo se destaca a

    determinao dos lucros e as implicaes de longo prazo da demanda efetiva. Independente

    dessas, e outras, diferenas entre Keynes e Kalecki, o princpio da demanda efetiva est

    presente e as abordagens so plenamente compatveis. O artigo apresenta a demanda efetiva

    segundo Keynes e keynesianos, bem como segundo Kalecki e kaleckianos. Ademais, so

    discutidas implicaes fundamentais, tais como: a derrocada da Lei de Say; a desmistificao da poupana; a determinao do emprego e da renda; e uma implicao para a

    dinmica do capitalismo.

    Palavras-chave: Demanda efetiva; Keynes; Kalecki.

    Abstract

    The effective demand was postulated contemporarily and independently by Keynes

    and Kalecki and consolidates a fundamental principle of the heterodox economics theory,

    which considers that the product is a result of demand. The formulations of Keynes and

    Kalecki have different characteristics and its own analytical focus. For example: the first

    emphasizes the determination of employment, with a given capital stock; the latter

    emphasizes the determination of profits and the long-term implications of effective

    demand. Regardless of these, and other differences between Keynes and Kalecki, the principle

    of effective demand is present and the approaches are fully compatible. The paper presents the

    effective demand by Keynes and Keynesians, as well as by Kalecki and

    Kaleckians. Furthermore, we discuss basic implications such as: the fall of the "Say's Law";

    the demystification of savings; the determination of employment and income; and an

    implication for the dynamics of capitalism.

    Keywords: Effective demand; Keynes; Kalecki.

    * O presente artigo uma verso adaptada do captulo II da dissertao de mestrado apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ),

    com o ttulo A teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado: uma discusso luz da questo do papel do consumo e da controvrsia do estagnacionismo (CHILIATTO-LEITE, 2010). O autor agradece, eximindo-os de culpa por eventuais imprecises do texto, a Andr Modenesi, Camila Ferraz, Flix Manhia, Lucas Teixeira e

    Salvador Werneck Vianna pelas discusses e comentrios durante os anos de colaborao no IPEA-RJ; bem

    como s discusses com Fbio Freitas. **

    Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Economia do Instituto de Economia da Universidade Estadual

    de Campinas (IE/Unicamp). Contato: [email protected] .

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 2

    1. Introduo O presente trabalho a ser apresentado em uma Associao Keynesiana tem como

    pano de fundo a contigidade das teorias de Keynes e Kalecki. Isso no significa

    desconsiderar diferenas nas abordagens, mas significa focar nos pontos em comum, nas

    convergncias tericas e nas complementaridades entre Keynes e Kalecki. O que contribui

    para se discutir e compreender, no campo heterodoxo, a essncia e a dinmica de economias

    capitalistas.

    Este artigo apresenta uma discusso terica a respeito do ponto nodal na

    macroeconomia heterodoxa, qual seja, a demanda efetiva. Formulada por Keynes e Kalecki,

    este princpio fundamental a ncora da teoria econmica proposta por esses autores e tem

    implicaes importantes, tais como: a derrocada da lei de Say; a desmistificao da poupana; a determinao do emprego e da renda; e a compreenso da dinmica cclica do

    capitalismo.

    A Lei de Say postula que a demanda, em termos agregados, conseqncia da criao

    de oferta. Antiteticamente, o Princpio da Demanda Efetiva (doravante PDE) formula

    fundamentalmente o oposto, pois a demanda, em geral (ou o gasto, qualquer que seja), passa a

    ser a varivel independente.

    O presente artigo buscar apresentar o PDE, discutindo duas diferentes (porm

    compatveis) formulaes. Ento, com o arcabouo das teorias de Keynes e Kalecki, discutir-

    se-o os determinantes do nvel de emprego, renda e o comportamento dinmico de uma

    economia capitalista de modo geral.1

    Para contextualizar a discusso, vale destacar que Keynes e Kalecki, apesar de

    procedncias tericas distintas, formularam o que ficou conhecido na literatura como o

    Princpio da Demanda Efetiva. Keynes fora um autor da Escola de Cambridge, que em sua

    poca estava sob forte influncia de Alfred Marshall. Kalecki, por sua vez, foi um polons de

    formao marxista que, contemporaneamente a Keynes, deu contribuies compreenso de

    princpios bsicos da economia heterodoxa. Nesse sentido, como prope Macedo e Silva

    (1995a; 1995b), o PDE devidamente formulado pode ser considerado como um dos elementos

    centrais e ponto de partida de uma teoria econmica heterodoxa.

    A primeira parte deste artigo buscar mostrar que a demanda efetiva em Keynes

    (1992) tratada na esfera das decises de produo (curto prazo), em que a estrutura

    produtiva e as expectativas de longo prazo so dadas. O princpio explicitado como um

    ponto de interseco de funes de demanda e oferta agregadas, em termos de renda esperada, que determina o nvel de emprego e conforma um equilbrio, i.e., sem tendncia de ajuste automtico ao pleno emprego. Ao longo da seo sobre a formulao keynesiana, o

    leitor perceber que a dissertao faz uso da contribuio de diferentes economistas, tais

    como Paul Davidson, Smolensky, Minsky, Sidney Weintraub, Fernando Cardim, Macedo e

    Silva, Luiz Gonzaga Belluzo e Jlio Gomes de Almeida, que ajudam a esclarecer (ou at

    mesmo adicionam elementos novos) pontos importantes da teoria de Keynes.

    A segunda parte do trabalho discutir a exposio de Kalecki (1983a), na qual o PDE

    baseia-se em uma determinao unilateral das receitas (rendas) pelo gasto (POSSAS, 1999: p. 19). Implicitamente, o princpio aparece por meio dos gastos agregados, separados em

    classes: consumo capitalista, investimento e mais os salrios (em princpio sendo

    integralmente consumidos pelos trabalhadores). Na esquemtica do autor, ser visto como os

    lucros (e, conseqentemente, as rendas) so determinados pelos dispndios capitalistas em

    consumo e investimento (considerando governo com oramento equilibrado e setor externo

    com saldo nulo). Assim como na seo dedicada a Keynes, o entendimento da teoria de

    1 O termo geral aqui utilizado busca explicitar a abordagem generalizada das relaes econmicas capitalistas,

    sem contemplar especificidades importantes para o entendimento de uma economia segundo seu momento

    histrico e especificidades estruturais.

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 3

    Kalecki apresentado a partir do original, mas tambm com o auxlio das obras de Jorge

    Miglioli, Mrio Possas e Paulo Baltar.

    Com fins introdutrios, deve-se apreender que o princpio que inverte a Lei de Say, o

    PDE, geral e trata da compreenso do gasto, qualquer que seja, como a varivel

    independente. Belluzzo e Almeida (2002) resumem a demanda efetiva com a compreenso de

    que o conjunto das decises de gasto determina em cada momento qual ser o nvel de renda da comunidade (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002: p. 65).

    Adicionalmente, a formulao de Possas (1987) simples, direta e elucidativa. O PDE

    pode ser sistematizado em forma geral partindo-se de uma economia mercantil simples e

    monetria (analogamente construo lgica de Marx, na qual a circulao de mercadorias

    segue a lgica MDM). Assim, sem a necessidade de se definir o PDE em uma economia capitalista plenamente constituda, ou ainda, sem qualquer roupagem de agregao, distribuio de renda, componentes ex ante etc. Basta uma economia de trocas com o dinheiro

    cumprindo suas funes bsicas2. O PDE acusa que, nas transaes econmicas, existe apenas

    uma nica deciso autnoma: gastar. Implica que cada gasto, qualquer, gera uma renda de

    igual magnitude. Agregando em um perodo contbil definido: o somatrio dos gastos

    determina e idntico ao somatrio de receitas (POSSAS, 1987).

    2. Formulao keynesiana A dcada de 1930 trouxe recesso profunda, desemprego involuntrio persistente

    3 e

    explicitou a incapacidade de auto-ajuste das economias capitalistas. Foi um perodo em que o

    colapso econmico e social trazia o risco de colapso poltico, e setores mais conservadores temiam as idias de planificao da produo, contra a economia de mercado. A Teoria Geral

    do Emprego, do Juro e da Moeda4 (doravante Teoria Geral) foi publicada nesse contexto e

    proveio de Cambridge, um meio em que Marshall e seus discpulos postulavam teorias cujas

    concluses eram mais otimistas com relao a foras imanentes do mercado. Ainda que

    admitissem imperfeies e falhas nos mecanismos de mercado que justificariam intervenes

    do Estado, havia uma tendncia dos desequilbrios se ajustarem automaticamente.

    Foi nesse ambiente, cultivado em Cambridge, onde Keynes publicou sua obra e o

    termo revoluo keynesiana compreensvel. A Teoria Geral, alternativamente e em oposio s idias anteriores, conclui, basicamente, que a economia pode sofrer com

    insuficincia de demanda, o que implica em desemprego involuntrio; diante de tais situaes

    de baixa demanda e desemprego persistente, Keynes argumentava que no h motivos

    tericos, nem indcios na realidade, para crer que a economia seja, por si s, auto-ajustvel.

    Segundo Keynes (1992), a nfase no termo geral se justifica por ser uma teoria que se aplica no s ao caso especial do pleno emprego, como ocorria na abordagem ortodoxa,

    mas tambm aos casos que coadunam com a realidade observada nas economias capitalistas.

    Essa primeira parte do artigo busca contribuir para compreender que se inverte o

    postulado de Say ao definir que a renda e o emprego, em cada instante, so determinados pela

    demanda agregada. Para isso, a prxima seo do texto discute o princpio da demanda efetiva

    inspirado em Keynes. Seguida por apresentao sinttica da teoria de determinao da renda e

    do emprego de Keynes (1992) e keynesianos (seo 2.2).

    2 Quais sejam, a de reserva de valor, unidade de conta e meio de troca. 3 No caso da Inglaterra o desemprego persistente caracterizou todo o ps-primeira guerra. Isso certamente teve

    influncia na reflexo dos economistas ingleses a respeito do tema do desemprego, que j estava em evidncia

    por mais de uma dcada quando teve incio a grande depresso. 4 Keynes (1992).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 4

    2.1. Demanda efetiva em Keynes e keynesianos A demanda efetiva na Teoria Geral apresentada por meio de um ponto formado

    pela interseco de curvas (diferentes das tradicionais curvas neoclssicas): uma de oferta agregada e a outra de demanda agregada, ambas em termos de renda esperada. O esquema sistematiza o arcabouo terico de Keynes (1992) de determinao do emprego, discutido na

    seo posterior.

    Os grficos da presente seo so construdos a partir das leituras de Weintraub

    (1966), Davidson e Smolensky (1964) e contribuem para a visualizao do que Keynes

    denominou de ponto de demanda efetiva. Para cumprir com esse objetivo, primeiramente analisam-se a funo de oferta (Z) e posteriormente a de demanda (D).

    Os valores de Z representam a quantia monetria (em termos esperados) necessria

    (custos dos fatores) e compensadora (lucros mnimos desejados) das vendas para os diferentes

    nveis de mo-de-obra ocupada pelos empresrios (N). Em outras palavras, para entender a

    essncia da idia representada pela funo, pode-se afirmar que a curva de oferta expressa

    aquilo que os empresrios esperam (em cada patamar de emprego de uma dada estrutura de

    capital) receber somando despesas de salrios (W=w.N, onde w representa o salrio mdio);

    custos fixos e variveis (F), de modo que os custos marginais podem ser supostos constantes

    at o ponto em que elevada ocupao da capacidade faz o custo marginal se tornar crescente;5

    e um montante de lucro mnimo bruto (R), que alm de incluir depreciao, abarca impostos e

    despesas financeiras. Z representa os valores a partir dos quais passa a ser vivel, na tica dos

    empresrios, o emprego de mais trabalho. Nesse sentido, entende-se o lucro como funo

    crescente do emprego em R=R(N) na medida em que: the one axiom that embodies is that entrepreneurs will ordinarily give more employment, and produce more output, only if they

    expect higher levels of sales proceeds (WEINTRAUB, 1966, p. 15, destaque no original).

    Com esses elementos, a funo Z se expressa na equao 1 e 1, tambm representada no grfico 1:

    );( wNZRFWZ (1)

    );( wNZZ (1)

    Grfico 1: Curva de oferta agregada (Z) e componentes

    A partir de Weintraub (1966), supe-se que na funo Z i) os salrios so constantes e

    5 Weintraub (1966, p. 21) faz a curva de custo F com taxa de crescimento constante em todos os perodos. Aqui,

    optou-se por acrescentar os custos marginais crescentes, como supe Keynes na Teoria Geral, mas no em todos

    os pontos da curva, apenas a partir de alto nvel de ocupao da capacidade.

    Z (

    $)

    N

    Z W F R

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 5

    o trabalho homogneo; ii) o estoque de capital no varia, portanto a anlise empreendida

    de curto prazo; iii) a funo de produo est dada; e, por fim, iv) h um determinado estado

    de competitividade, que no precisa ser de concorrncia perfeita6. Para os fins da presente

    discusso, essas suposies no interferem decisivamente nos argumentos. Ademais,

    poderiam deslocar a funo Z, por exemplo, variaes no salrio, mudanas no volume de

    equipamento instalado, novas tcnicas produtivas, grau de concorrncia, ou nova variedade de

    bens produzidos.

    interessante destacar que a funo de oferta na concepo keynesiana, aqui

    discutida, permite observar que com o salrio mdio constante7, ainda que os custos marginais

    fossem constantes ao longo de toda a curva, a deciso de produo (e emprego) apenas se

    justifica por lucros crescentes, o que garante, por si s, que a curva Z alm de ser crescente

    seja, tambm, a taxas crescentes.

    Portanto, para condies tcnicas e de custo do trabalho dados, trata-se de uma funo

    crescente em relao ao emprego

    0

    dN

    dZ e supe-se tambm que os custos podem ser

    constantes ou a taxas crescentes (a partir de certo nvel de ocupao da capacidade) com

    crescente participao dos lucros em relao aos salrios, em termos de distribuio

    funcional, o que garante que 0

    Nd

    Zd. Ilustrativamente, poder-se-ia supor Z apenas como

    uma reta crescente, ou ainda traar a curva de requintadas maneiras que contemplassem outras

    especificidades da estrutura de oferta; mas essa questo em nada afeta o que se quer

    demonstrar neste texto. Sobre esses detalhes vale consultar Davidson e Smolensky (1964).

    Por sua vez, a curva D expressa a quantia monetria esperada das vendas provenientes

    do consumo e investimento de cada nvel de emprego (N). Weintraub (1966) decompe a

    curva em trs componentes principais, quais sejam, o consumo (Dc), o investimento (Di) e a

    despesa do governo (Dg), assim, a funo D fica como:

    gic DDDD (2)

    O componente do consumo (Dc) pode ser decomposto segundo mltiplas propenses a

    consumir, multiplicadas por cada uma das rendas das diferentes categorias da sociedade:

    assalariados, funcionrios pblicos, altos executivos, rentistas e aqueles que obtm lucros e

    dividendos. Apenas por simplificao, sem prejuzo aos objetivos da presente seo, pode-se

    apresentar uma propenso mdia a consumir multiplicada pela renda dos assalariados e outra

    aos que obtm renda de alugueis, juros, lucros e dividendos (L) essa ltima tambm como funo do nvel de emprego (N):

    ALcwNcD lwc (3)

    Nas vezes em que se v c, as variveis representam as propenses a consumir daqueles

    cuja renda provm de salrios e de lucros somados a rendas no-assalariadas listadas

    anteriormente.8 Por fim, o componente A compe todo o consumo autnomo proveniente de

    6 Embora para Keynes (1992) seja o caso.

    7 Os salrios podem at ser pensados como crescentes, desde que a expectativa de receitas seja crescente a ponto

    de garantir crescimento absoluto dos lucros de modo satisfatrio aos empresrios. Ademais, o resultado de

    variao dos salrios torna-se ainda mais incerto quando se considera a funo de demanda, que se desloca com

    mudanas no salrio. 8 Vale destacar que Keynes (1992) apresenta uma nica propenso a consumir para toda a sociedade.

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 6

    variadas formas de poder de compra como acumulao de lucros passados, diversos ativos,

    crdito, aposentadorias, heranas etc.

    O componente do investimento (Di) engloba as caractersticas determinantes dessa

    varivel, como se discutir na seo ulterior. Basicamente, Di depende: i) do estoque de

    capital (K), bem como dos preos dos equipamentos; ii) lucros do passado imediato (R-1); iii)

    lucros esperados (R*); iv) taxa de juros (r); assim como os salrios monetrios futuros

    (WEINTRAUB, 1966). Assim, tem-se:

    ),,*,,;( 1 KrwRRNDD ii (4)

    Por fim, o componente do governo pode ser pr-cclico, ou anticclico em relao ao

    emprego e renda, mas por ser determinado por questes eminentemente polticas ou exgenas,

    define-se simplesmente como um item dado na demanda:

    gg DD (5)

    Desse modo, agregando os trs elementos, destacando as variveis fundamentais e,

    como faz Weintraub (1966), omitindo parmetros exgenos define-se:

    gic DrwNDAwNDD ),;();( (6)

    ArwNDD ),;( (6)

    Analisando a curva de demanda em conjunto com a oferta e as implicaes em termos

    de uma teoria do emprego, tal qual Keynes se preocupa na Teoria Geral, D implica que em

    funo dos gastos agregados esperados que os empresrios tomam a deciso, ex ante, de

    produzir (de acordo com uma dada estrutura produtiva e tecnolgica) e de empregar

    determinada quantia de mo-de-obra. Isso quer dizer que h uma relao positiva entre as

    variveis emprego e demanda

    0

    dN

    dD (num dado quadro expectacional). Admitir

    mudanas, por qualquer motivo, nas expectativas implica em instabilidade das curvas, afinal,

    as mesmas dependem da varivel expectativa. Ademais, supe-se que apesar de a curva D ter inclinao positiva, as taxas so

    decrescentes

    0

    Nd

    Dd como conseqncia da propenso marginal a consumir diminuir com

    o crescimento da renda.Vale destacar que suficiente que a propenso marginal a consumir

    seja menor que 1, isso garantiria que a curva de demanda seja crescente, mas com inclinao

    inferior a curva de oferta e, ento, necessariamente haveria um ponto de encontro entre as

    curvas. Analogamente ressalva feita com a curva Z, poder-se-ia supor D como uma reta

    simplesmente crescente, ou com outro formato (desde que mais horizontal que Z, para

    permitir a existncia de soluo), mas aquilo que este texto discute independe dessas

    diferentes possibilidades tericas.

    O que Keynes (1992) chamou de ponto de demanda efetiva (p, no grfico 2) determina

    o nvel de emprego (tambm a renda e produto da economia) e forma um equilbrio independente do nvel de pleno emprego. Desse modo, de acordo com as expectativas, os

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 7

    empresrios tomam suas decises de produo; o grau de incerteza e confiana definem o

    comportamento dos agentes com relao demanda por moeda como ativo e empregam os

    fatores de produo de acordo com a demanda efetiva. Caso este ponto esteja abaixo do pleno

    emprego, trabalhadores involuntariamente ficam desocupados e no h mecanismos auto-

    ajustveis. Sendo assim, o ponto de demanda efetiva conforma-se como um equilbrio que apenas eventualmente se d com pleno emprego da fora de trabalho.

    Grfico 2: Ponto de demanda efetiva e determinao do emprego

    Com o esquema do ponto de demanda efetiva, Keynes explicita que a determinao do

    nvel de emprego em uma economia capitalista no dada na esfera do mercado de trabalho.

    Segundo a teoria do emprego de Keynes discutida a seguir a ocupao da fora de trabalho resultado das decises de produo dos empresrios, o que est ancorado nas

    condies esperadas da demanda agregada. Assim, caso exista desemprego involuntrio em

    uma economia, em primeiro lugar, no h mecanismos de ajuste automtico; em segundo,

    mudanas no mbito do mercado de trabalho (como, por exemplo, redues salariais),

    coeteris paribus, no devem afetar o nvel de emprego.

    Note-se, adicionalmente, que o pleno emprego em Keynes no significa plena

    ocupao de capacidade, mas se refere ocupao de toda oferta de trabalhadores no mercado

    de trabalho. Isso explica o porqu de a linha pontilhada que indica o pleno emprego no

    grfico 2 no ser assinttica com a curva Z.

    2.2. Teoria do emprego e da renda em Keynes e keynesianos Em artigo de 1937, Keynes, ao debater com crticos da recm publicada Teoria Geral,

    refora contribuies fundamentais de sua obra, como o tratamento da incerteza e sua relao

    com a moeda. Segundo Keynes (1937), a incerteza9 um conceito fundamental, pois, diante

    do desconhecimento sobre o futuro os agentes podem preferir, no presente, reservar sua

    riqueza na forma mais lquida possvel. Uma vez que a moeda socialmente aceita como

    forma de liquidar contratos, tambm serve como unidade de conta, meio de troca e reserva de

    valor. Essas funes exercidas pela moeda em uma economia monetria justificam sua posse

    num ambiente cujo futuro necessariamente incerto (mesmo que sua propriedade no

    implique rentabilidade, ou juros). Do contrrio aplicar-se-ia a indagao de Keynes (1937:

    p.115 e 116): Why should anyone outside a lunatic asylum wish to use money as a store of wealth?. Assim, supondo que as propriedades da moeda no estejam sendo afetadas por complicaes quaisquer, como situaes hiperinflacionrias, a moeda capaz de oferecer, ao

    9 Maiores detalhes sobre incerteza, ver Davidson (1972).

    N

    Z, D

    ($

    )

    Z D

    Emprego segundo DE

    Pleno emprego

    p

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 8

    longo do tempo, defesa para a riqueza dos agentes, por isso, denominada de liquidity time-machine (Davidson, 1994).

    No captulo 18 da Teoria Geral, Keynes organiza a argumentao sob a forma de um

    modelo sinttico em trs equaes, com trs variveis endgenas, as quais seguem em ordem

    causal e seqencial10

    : i) o esquema da preferncia pela liquidez (PL), o qual, com dada oferta

    de moeda, define a 11 taxa de juros; ii) determinado os juros, diante do esquema da Eficincia Marginal do Capital (EMgC) define-se o investimento; iii) dado o investimento, a

    partir da propenso a consumir e do multiplicador determinam-se a renda agregada e o nvel

    de emprego.

    Vejamos esses pontos em sntese. No captulo 13 da Teoria Geral, Keynes supe um

    dado nvel de oferta de moeda, ao qual se associa um estado da PL que resultado do grau de

    incerteza dos agentes, de modo que quanto mais incerteza e insegurana, maior a preferncia

    pela moeda. Esses fatores determinam o nvel dos juros, o qual concebido no modelo da

    Teoria Geral como uma recompensa por abrir mo da liquidez.12

    Conjugada teoria da PL,

    Keynes (1992) desenvolve uma teoria do investimento, a qual se fundamenta na EMgC13

    em

    comparao com a alternativa dos ativos que rendem a taxa de juros vigente, que, ento,

    define o nvel de investimento de uma economia monetria empresarial.

    Determinado o nvel de investimento, por meio das teorias da PL e do investimento,

    Keynes (1992) conclui a seqncia de determinao da renda e do emprego com um

    mecanismo de propagao denominado multiplicador, que resulta da propenso a consumir da sociedade que o autor tambm destacou no artigo de 1937. Ento, dado o investimento, h a multiplicao do gasto, segundo uma propenso a consumir, que determina o nvel de

    renda agregada e o nvel de emprego.

    No captulo 17, Keynes (1992) aponta que a moeda possui qualidades especiais, quais

    sejam: a elasticidade nula (ou negligencivel) da substituio e da oferta (produo) da moeda

    em resposta a demanda; e seu prmio de liquidez (mximo) muito maior que seu custo de carregamento (negligencivel ou nulo). Com apoio da leitura de Minsky (2008: cap.4 e 5), o captulo 17 pode ser compreendido como um modelo geral de escolha de ativos, em que cada um dos ativos possui sua taxa prpria de juros e seus preos relativos medem as diferenas de seus retornos esperados. Todos eles tm que compensar, em remunerao

    monetria, seu risco em relao ao ativo de referncia (moeda), de modo que, em equilbrio, cada ativo oferece retornos monetrios proporcionais ao seu risco de iliquidez (CARVALHO,

    1996). Dado o fato de que aplicar capital em moeda (ou bens no-reprodutveis quaisquer) em

    busca de seu prmio de liquidez (para se proteger do risco e incerteza de alocar riqueza em

    10

    Como prope Carvalho (1992). 11

    Lembrando que Keynes (1992) apresenta uma taxa de juros no captulo 15, no qual ele organiza a argumentao sob a abstrao de dois ativos: a moeda (lquido) e ttulos (ilquidos). No controverso captulo 17,

    Keynes (1992) muda o enfoque e considera n classes de ativos e, portanto, n taxas de juros. Dentre os ativos est

    a moeda, cuja taxa de juros est relacionada com o prmio de liquidez. 12

    No o foco deste artigo a discusso sobre a exogeneidade ou endogeneidade da oferta da moeda. Para

    detalhes, ver a discusso do verticalismo e horizontalismo em Kaldor (1970, 1982, 1985), Davidson (1977),

    Weintraub (1978a; 1978b), Minsky (1982) e Moore (1979; 1985; 1988; 1989). Parte da literatura interpreta que

    Moore est entre os principais autores da teoria da moeda endgena (Fontana, 2001; 2002) pedra fundamental da abordagem ps-keynesiana , considera a moeda endogenamente determinada pela preferncia pela liquidez dos agentes econmicos (Lavoie, 1984; 1985; 1996; 2005; Chick e Dow, 2002; Monvoisin e Pastoret, 2003;

    Fontana e Palacio-Vera, 2003; Palley, 2003; Rochon, 2003). Outra frente de discusso importante, mas no em

    foco neste trabalho, aborda a taxa de juros como exgena, sobre o tema, ver Lavoie (1992) e Pivetti (1991). 13

    Sinteticamente, Keynes determina a EMgC pela abundncia (ou escassez) de bens de capital e, mais

    importante do que isso, pelas expectativas correntes dos rendimentos futuros, dos mesmos bens de capital, vis--

    vis seus custos. Tais expectativas esto fundadas, como demonstra Keynes na Teoria Geral, em fracos indcios

    incertos e sujeitos a grandes variaes repentinas, capazes de fazer o investimento flutuar rpida e intensamente

    como resultado da flutuao da EMgC. (Keynes, 1992: captulo 11 e outros).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 9

    ativos reais) uma deciso possvel (e provvel dependendo das circunstncias); a maior

    preferncia por liquidez (ou, se quiser, propenso a entesourar) afeta o valor da taxa de juros;

    caso isso implique em baixa efetivao de demanda, por sua vez afetaria o nvel de ocupao

    da fora de trabalho. Portanto, explicita-se a possibilidade de insuficincia de demanda efetiva

    e, por conseqncia, baixa renda agregada e desemprego involuntrio.

    Neste caso, a abordagem keynesiana edifica uma importante preocupao do ponto de

    vista da renda e ocupao da fora de trabalho. Caso se conforme uma situao de

    desemprego, no arcabouo keynesiano no h mecanismos automticos que fariam a demanda

    se reativar e, ento, constituir uma tendncia ao pleno emprego. Assim, o desemprego

    involuntrio pode persistir e ser um ponto estvel de equilbrio. O nvel de renda e emprego so vulnerveis aos estados das expectativas e da incerteza, variveis essas que no

    apresentam comportamentos auto-ajustveis e so determinadas por mltiplos motivos, cujos

    determinantes so pouco objetivos e comumente os agentes optam por simplesmente adotar o

    comportamento da maioria diante do receio das perdas.

    Vale comentar que na Teoria Geral, Keynes apresenta-se mais preocupado com os

    impulsos do que com a propagao, ciclos e a dinmica. O foco parece ser discutir que a partir

    de expectativas que configuram baixo nvel de demanda efetiva, o desemprego pode ser um

    equilbrio final; e no um momento passageiro que, per se, rumar para o pleno emprego. Ou seja, Keynes se concentra em demonstrar que o capitalismo no tem mecanismos endgenos de promoo e manuteno do pleno emprego. (CARVALHO, 1988: p. 757). Os ciclos econmicos esto na Teoria Geral, mas em segundo plano, considerados no captulo 22 como uma variao cclica da eficincia marginal do capital (Keynes, 1992: p. 243). Do ponto de vista de Carvalho (1988), a propagao e flutuaes se tornam um problema de

    adaptao, certamente interessante, mas compreensivelmente secundrio na Teoria Geral.14 importante destacar que Keynes divide a deciso do empresrio entre o curto prazo e

    o longo, cada qual com suas especificidades na formao de expectativas, como se pode ver

    em Keynes (1992, cap. 5 e 12). O curto prazo se refere s decises de ocupao da capacidade

    j instalada. Desse modo, o empresrio decide colocar seu capital em ao com base nas

    previses de venda que, no caso do curto prazo, so muito influenciadas pelos dados correntes

    e pelo passado mais recente. Quanto ao longo prazo, este trata das decises sobre criao de

    capacidade produtiva, na qual as peculiaridades da formao de expectativas e a tomada de

    decises so mais complexas. Afinal, uma vez que se opta pela criao de capacidade, no

    mais possvel rever tal tipo de deciso a cada instante, como ocorre com o curto prazo. A

    instalao de um equipamento implica em imobilizao de capital por longos perodos, que

    caso precisem ser revistos, levaria a perdas substanciais.

    Com isso em mente, possvel concluir que as expectativas de longo prazo so

    cruciais para Keynes (1992). As decises de investimento so tomadas com base no retorno esperado para muitos perodos subseqentes; em outras palavras, o estado das expectativas e a

    confiana na mesma orientam planos de investimento (ou em caso de optar pelo no-

    investimento: a precauo), que ento geram diferentes resultados macroeconmicos. Isso

    significa que na Teoria Geral, as informaes correntes e passadas no compem toda a base

    para a tomada de decises (nem mesmo no caso das expectativas de curto prazo). Algo que

    14

    Apesar de o ciclo econmico ser tratado em segundo plano na Teoria Geral possvel que a obra seja interpretada com destaque perspectiva cclica. Minsky (2008: cap. 3) aponta o carter cclico como uma das

    perspectivas fundamentais que permitem uma leitura da Teoria Geral alternativa sntese neoclssica e adequada teoria de Keynes. Talvez, o mais importante seja destacar que Keynes (1992) afirma (cap. 18) que as

    flutuaes podem ocorrer no em torno de uma tendncia de pleno emprego, mas, sim, em torno de um nvel de

    produto abaixo do pleno emprego.

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 10

    anteriormente o prprio autor sugeria no Tratado sobre a Moeda15

    , obra essa que enfatiza a

    importncia do lucro (ou perda) corrente nas decises futuras.16

    Assim, a partir da Teoria

    Geral, o autor compreende que a compra de um ativo cujo objetivo gerar retornos ao longo de anos no pode ser uma deciso ligada meramente aos dados correntes e passados. Esses ltimos no se afirmam irrelevantes, mas insuficientes. A deciso empresarial depende

    das expectativas e do grau de confiana dos agentes sobre suas prprias previses, o que no

    significa que o to conhecido animal spirits seja um impulso injustificado que faz o investimento ser uma deciso meramente irracional, mas admite-se que as deliberaes que afetam o futuro esto sujeitas s questes de ordem poltica, econmica, subjetivas, aos

    diferentes interesses ou hbitos. Destarte, no se conformando como um fenmeno

    meramente probabilstico e matemtico.

    Sendo assim, no modelo da Teoria Geral, seja o receio (ou o otimismo) em ocupar

    capacidade instalada diante da possibilidade de no efetivao de demanda (ou esgotamento

    de estoques), sejam as expectativas de longo prazo, so maneiras pelas quais o futuro traz

    resultados reais ao presente. Dessa forma, as decises de investimento so afetadas e a

    expectativa sobre o futuro influencia o presente (Keynes apud Carvalho, 1988: p. 757) em termos da renda e do emprego.

    Com a compreenso do esquema Keynesiano, conclui-se a seo com a possibilidade

    terica de desemprego involuntrio persistente. O nvel de emprego e renda so resultados da

    demanda e dos dispndios da economia, a possibilidade dos empresrios aplicarem seus

    capitais em ativos no reprodutveis (como a prpria moeda) abre a possibilidade de haver

    insuficincia de demanda por bens e servios. Tornando o pleno emprego, no bojo da teoria

    keynesiana, uma mera eventualidade.

    3. Formulao kaleckiana Michal Kalecki, segundo a apresentao de Miglioli (1983), foi um autodidata em sua

    formao como economista, que esteve sob forte influncia das obras de Marx e de autores

    marxistas. Kalecki iniciou sua graduao na Escola Politcnica de Varsvia, mas no chegou

    a concluir o curso. Em 1927 ingressou em emprego no Instituto de Pesquisa de Conjuntura e

    Preos, de Varsvia. No ano de 1935, quando j publicara inovadoras idias em artigos sobre

    teoria dos ciclos econmicos em 1933 e 1935,17

    foi Sucia com bolsa de estudos. Tambm

    foi Inglaterra e esteve na Universidade de Cambridge de 1937 a 1939, posteriormente em

    Oxford de 1940 a 1945. Somente aos 57 anos obteve ttulo acadmico, quando, j

    reconhecido internacionalmente, foi nomeado professor universitrio pelo governo polons.

    Em seguida, no ano de 1964, recebeu da Universidade de Varsvia o ttulo de Doutor honoris

    causa.

    Ao longo da discusso sobre a determinao dos lucros e da renda na teoria de

    Kalecki, buscar-se- deixar claro que sua formulao no representa uma quebra, ou uma

    revoluo terica como fora Keynes em Cambridge. Kalecki parte da obra de Marx e das discusses de marxistas como Rosa Luxemburgo e Tugan-Baranowski para, ento, avanar no

    entendimento da demanda efetiva. A formulao do PDE permitiu a conformao de uma

    teoria capaz de explicar a produo a partir da demanda, fato que apesar de conformar um

    15

    Nesse ponto, Keynes mudou bastante de idia entre o Tratado sobre a Moeda (Keynes, 1971) e a Teoria

    Geral. Ademais, o desequilbrio de curto prazo (variao indesejada de estoques e/ou preos diferentes do preo

    normal de oferta) no de maneira nenhuma necessrio para as suas principais concluses, em particular aquela

    referente possibilidade de uma situao permanente de produto e emprego abaixo dos seus nveis de plenos. 16

    Ou ainda em Kalecki, como ser discutido a seguir, que prope um acelerador do investimento do tipo backward looking. 17

    Respectivamente Kalecki (1983e; 1983d).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 11

    desenvolvimento de grandes propores no rompeu (tal qual fora com Keynes, que negava a teoria neoclssica) com o passado da tradio marxista.

    Esta segunda parte do texto buscar apresentar que na teoria de Kalecki, o autor parte

    do entendimento que a nica deciso autnoma numa economia capitalista a de gastar. Na

    seguinte seo, a partir de Kalecki (1983a; 1983b), ser discutido o esquema de

    departamentos kaleckiano, a partir do qual a lgica do PDE fica explcita e, ento, a

    sistemtica da determinao da renda. Posteriormente discute-se o porqu da poupana no

    financiar o investimento (seo 3.2) e, por fim, o comportamento dinmico em economias

    capitalistas brevemente abordado (seo 3.3).

    3.1. Determinao dos lucros, da renda e a demanda efetiva em Kalecki Com fins de entendimento terico, Kalecki (1983a; 1983b) prope uma diviso da

    economia inspirada na departamentalizao proposta por Marx (1985),18

    mas com

    importantes diferenas. Marx havia traado a diviso entre a categoria de produtor de bens de produo e a de produtor de bens de consumo, respectivamente departamento I e II.

    Segundo Kalecki, a reformulao dos departamentos de Marx foi feita com o fim de

    simplificar a argumentao e se concentrar no problema bsico dos esquemas de reproduo (KALECKI, 1983b, p. 1). O autor se refere a focalizar as atenes na compreenso da demanda efetiva, cujas idias seminais (na interpretao do prprio Kalecki)

    j estavam presentes em Marx, mas sem a devida ateno e investigao. Desse modo, em

    Kalecki a demanda efetiva se consolida como uma teoria que continua19 a trajetria da tradio marxista e, portanto, no foi uma ciso terica, tal qual ocorrera com a Teoria Geral

    em Cambridge. Nesse sentido, deve-se retomar brevemente o esquema de circulao de Marx

    que permite fundamentar sua crtica Lei de Say.

    Para refutar a Lei de Say, Marx (1985) o faz antes de chegar na frmula do capital,20

    i.e., por meio da forma de circulao de mercadorias (M D M), o motivo que a mera existncia do dinheiro com suas funes bsicas, em uma economia mercantil simples,

    suficiente para concluir que no necessariamente todo o produto gerado, convertido em

    dinheiro, ser ento convertido em demanda. Portanto, para compreender a inadequao do

    postulado de Say suficiente o esquema simples de circulao M D M, que se apresenta a seguir.

    18

    Analisando a acumulao de capital no conjunto econmico, Marx (1985) dividiu a economia em dois

    departamentos, quais sejam, o produtor de bens de produo e o produtor de bens de consumo, respectivamente

    departamento I e II, os quais subdividem-se entre os trs elementos apresentados (capital constante, varivel e

    mais-valia):

    I=C1+V1+M1

    II=C2+V2+M2

    Na situao de reproduo simples, isto , na qual no h investimento lquido positivo, a produo, ou o valor

    criado no departamento I compreende exatamente reposio de capital de ambos os departamentos. No h,

    portanto, acumulao, pois a converso de mais-valia em capital no suficiente para extrapolar a reposio do

    capital. No caso da acumulao de capital a reproduo ampliada parte da mais-valia deve ser consumida

    pelos capitalistas ( ), e o restante aplicado em capital constante e varivel (respectivamente Mc e Mv), segundo

    o esquema:

    I=C1+V1+ 1+M1c+M1v

    II=C2+V2+ 2+M2c+M2v 19

    Adicionalmente, destaca-se que na tradio marxista, alguns autores haviam se preocupado em investigar a

    problemtica, tambm de modo seminal, e Kalecki (1983c) se empenha em analisar e discutir a produo desses

    autores, os quais so representados por Rosa Luxemburgo e Tugan-Baranowski. 20

    A frmula do capital surge, analiticamente, quando dinheiro se converte em capital, ou consolida-se na

    frmula: Dinheiro (D) Mercadoria (M) Dinheiro adicinal (D). Desenvolver esse tema no objetivo do artigo, o que pode ser visto em Marx (1985, Vol. I, cap. 1, 2 e 3).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 12

    O movimento de intercmbio de mercadorias M M se conforma em dois processos distintos separados temporal, espacial e logicamente que Marx (1985) denominou de metamorfoses da mercadoria, quais sejam: M D, a venda; e D M, a compra.

    Primeiramente, analisa-se a metamorfose M D (venda), que foi tambm considerada pelo autor como o salto mortal da mercadoria. Com a diviso social do trabalho, qualquer pessoa que produza uma mercadoria que a seu possuidor no h atribuio de valor de uso, mas, sim, valor de troca deve encontrar outrem que possua dinheiro e atribua a esse produto do trabalho um valor de uso. Dessa maneira, o trabalho despendido na gestao de tal

    mercadoria se conforma como socialmente aceito, realiza-se, e permite mercadoria dar o

    salto mortal transformando-se em dinheiro. Caso a mercadoria no se converta em dinheiro, afirma Marx (1985, Vol. I, p. 95): no a mercadoria que depenada, mas sim o possuidor dela. Com a diviso social do trabalho, as diversas necessidades devem ser obtidas com mercadorias de outros, o que se viabiliza somente por meio da posse do dinheiro, assim quem

    no tem dinheiro depenado. Se certa pessoa no capaz de cumprir com o salto mortal, , portanto, incapaz de fazer com que o prprio trabalho garanta atender suas multilaterais necessidades.

    A segunda, ou final, metamorfose da mercadoria D M (compra). Com a capacidade que o dinheiro tem de expressar o valor de qualquer outra mercadoria e nela se

    metamorfosear, a metamorfose se completa na conformao de uma compra, que s pode ser

    decidida pelo possuidor de dinheiro, que ao fazer, garante simultaneamente o salto mortal de outrem. Afinal, por bvio, um ato de compra tambm um ato de venda. Assim, a ltima

    etapa da metamorfose da mercadoria tambm o princpio de outra. Destaca-se, novamente,

    que aquele que possui o dinheiro o nico que tem o poder, ou a capacidade, de garantir que um produto do trabalho seja convertido em dinheiro (renda).

    Marx (1985) insiste que a realizao de uma venda, um salto mortal M D, a recproca de uma compra de outrem, em estgio D M. A diviso do trabalho garante que os indivduos precisem intercambiar mercadorias e assim a produo est separada das vendas

    em termos de indivduos, mas tambm em espao e tempo. Produz-se em locais e perodos

    distintos de suas vendas. Ademais, a separao lgica entre os processos evidencia que no

    necessariamente a posse de dinheiro (obtida em M D, que ao mesmo tempo a outro foi um D M) implicar em realizao de outra compra.

    Destaca-se, por fim, o que j deve estar claro. O que se apresentou acima acerca das

    funes da moeda (em especial a sua capacidade de reservar valor) e a explcita separao de

    metamorfoses, feita por Marx, em dois processos autnomos, quais sejam, a produo de uma

    mercadoria aliada a sua realizao dissociada da compra de outra mercadoria, permite

    compreender que existe a possibilidade de nem todo o dinheiro obtido em M D ser efetivado em demanda, D M.

    Com essa formulao em mente, na qual se discutiu que na circulao de mercadorias

    a separao lgica feita por Marx, entre a produo e a realizao, abria a possibilidade de

    no efetivao de demanda e crise, tal compreenso orientaria os rumos do entendimento da

    demanda efetiva nos estudos de Kalecki, que afirma:

    Que Marx estava profundamente consciente do impacto da demanda efetiva sobre a dinmica do sistema capitalista pode-se ver claramente no

    seguinte trecho do terceiro volume de O Capital: As condies da explorao direta [(entenda-se produo)] e as condies da realizao da

    mais-valia no so idnticas. Elas esto separadas no apenas pelo tempo e

    espao mas tambm logicamente. As primeiras esto limitadas meramente

    pela capacidade produtiva da sociedade, e as segundas pelas propores dos

    diversos ramos de produo e pelo poder de consumo da sociedade.

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 13

    Marx, contudo, no investigou sistematicamente o processo descrito por

    seus esquemas de reproduo, do ponto de vista das contradies inerentes

    ao capitalismo resultantes do problema da demanda efetiva (KALECKI, 1983b, p. 8).

    Portanto, Marx tratou da possibilidade de no efetivao da demanda, mas a

    formulao de uma teoria e uma esquemtica de determinao do produto pela demanda, que

    explicita tal varivel como independente, como a que causa a renda e o emprego, e

    determinante para a dinmica econmica tambm no longo prazo, s viria a se consolidar com

    Keynes e Kalecki.

    A formulao keynesiana j foi discutida, ento, a compreenso da kaleckiana

    principia-se pela nova diviso da economia, na qual o departamento I deve ser compreendido como aquele que compe o investimento bruto, tambm incluindo todas as

    matrias-primas e insumos ligados ao investimento. Esta composio uma abstrao que

    compreende toda a cadeia produtiva relacionada exclusivamente com os bens correspondentes

    aos investimentos brutos realizados na economia.

    Os departamentos II e III passam a ser referentes aos bens de consumo da classe

    capitalista e da classe trabalhadora, respectivamente. Assim como na primeira subdiviso,

    vale a mesma abstrao que funde toda a cadeia produtiva com a exclusividade de

    fornecimento de insumos e matrias-primas para cada departamento, desse modo, no setor de

    consumo capitalista (ou de trabalhadores) esto inclusas as etapas produtivas que antecedem e

    compem o produto final.

    Sem embargo, os departamentos Kaleckianos so didaticamente representados na

    tabela 1, na qual P1, P2 e P3 so os lucros brutos de cada um dos departamentos; W1, W2 e W3

    so os salrios agregados nas respectivas subdivises; Cc e Cw so, nessa ordem, as despesas

    em consumo por parte dos capitalistas e trabalhadores, por fim, I e Y, como de praxe, so o

    agregado do investimento e da renda bruta. Nesta forma geral e simplificada, abstrai-se o

    comrcio exterior e as contas governamentais.

    Tabela 1: Departamentos kaleckianos da renda nacional

    I II III Total

    P1 P2 P3 P

    W1 W2 W3 W

    I Cc Cw Y

    Fonte: Kalecki (1983b, p. 1).

    Mais do que dividir a contabilidade nacional, o esquema de Kalecki permite elucidar

    relaes de determinao entre as variveis. O autor parte de bsicas e bvias identidades

    contbeis macroeconmicas, para, ento, destacar a varivel independente e o sentido de

    determinao causal.

    Supondo que os salrios so consumidos integralmente, isto , os trabalhadores no

    poupam, e tambm admitindo por hiptese que no h acumulao de estoques, Kalecki

    (1983b) evidencia (o que o autor se refere como equao de troca de Marx, no de si mesmo) a relao entre os departamentos. A primeira observao feita nos lucros do

    departamento III, produtor de bens para consumo dos trabalhadores. J foi dito que os salrios

    so consumidos em sua totalidade, assim, a receita total dos capitalistas que produzem para

    consumo de trabalhadores corresponde ao somatrio de salrios da economia; representando-

    se na equao 7:

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 14

    321III Receita WWW (7)

    Como os departamentos constituem uma abstrao em que cada subdiviso est

    totalmente integrada verticalmente, para obter o lucro dos capitalistas do departamento III,

    basta descontar de sua respectiva receita as despesas com os salrios de seus trabalhadores,

    como se v na equao 8 e chegar na equao 9 que est exposta em Kalecki (1983b):

    33 III Receita PW (8)

    213 WWP (9)

    Com dada distribuio entre lucros e salrios, bem como se valendo das hipteses

    acima aventadas, possvel partir da equao 9, a ela acrescentar P1 + P2 em ambos os lados

    da equao, e concluir que os lucros da economia so iguais aos dispndios dos capitalistas

    em investimentos e consumo:

    2211321 WPWPPPP (10)

    Como:

    PPPP 321 ; IWP 11 ; cCWP 22 (10)

    cCIP (11)

    A seta na equao 11 indica um elemento importante da teoria proposta por Kalecki, a

    qual parte do princpio que a nica deciso logicamente possvel seja a de quanto gastar, e

    no seja a deciso sobre o quanto ganhar. Assim, a identidade contbil que se forma entre o

    lucro bruto e os dispndios capitalistas possui uma determinao causal, que enceta dos gastos

    e determina as rendas imediatamente. Toda deciso de gasto capitalista implica

    necessariamente numa renda equivalente. Como os capitalistas no decidem o quanto ganham

    diretamente, mas decidem o quanto gastam (claro que individualmente), ento, no agregado,

    ganham o que gastam, ao passo que os trabalhadores gastam o que ganham. A independncia dos gastos na determinao dos lucros, na lgica capitalista, a maneira pela

    qual a demanda efetiva est presente na teoria de Kalecki, ainda que implcita. Denotando, como faz Kalecki (1983b), as participaes dos salrios no produto de

    cada um dos departamentos correspondentes, quais sejam, W1/I ; W2/Cc ; W3/Cw por w1, w2 e

    w3, respectivamente. A partir da equao 9 explicita-se o elemento da distribuio e obtm-se

    a equao 12, que, por sua vez, ao isolar Cw, alcana a equao do consumo dos trabalhadores

    na equao 13:

    cw CwIwCw 213)1( (12)

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 15

    )1( 3

    21

    w

    CwIwC cw

    (13)

    Por meio da equao 13, nota-se que o consumo dos trabalhadores resultado dos

    gastos capitalistas em investimento e consumo prprio, mas tambm depende da participao

    dos trabalhadores nesses itens, ento, o consumo dessa classe ser to maior (ou menor)

    quanto maior (ou menor) o dispndio capitalista e quanto maior (ou menor) a parcela

    apropriada pelos trabalhadores em termos distributivos.

    Por fim, essas identidades contbeis bsicas permitem a Kalecki (1983a; 1983b)

    compor a renda nacional agregada como:

    wc CCIY (14)

    Ou, substituindo na equao 14 o Cw definido em 13 se obtm:

    )1( 3

    21

    w

    CwIwCIY cc

    (14)

    A equao 14 explicita a lgica de conformao do produto nacional segundo o entendimento de Kalecki, ento, sistematizando logicamente a determinao da renda, tem-

    se:21

    i) dado o investimento e a deciso de consumir dos capitalistas, definem-se os lucros

    agregados; ii) em conseqncia, dada a distribuio de lucros e salrios, determinam-se a

    massa de salrios (integralmente consumidos, como simplificao) e a renda agregada.

    Por fim, podem ser relaxadas as hipteses de oramento governamental equilibrado e

    comrcio exterior com saldo nulo. Basta acrescentar nas equaes de determinao do lucro e

    da renda (enumeradas por 11 e 14) o saldo da balana comercial (X-M) e o dficit oramentrio composto pela diferena entre os gastos pblicos (G) e os impostos menos transferncias (T). Ademais, possvel relaxar a hiptese de que os salrios so integralmente

    consumidos, bastando subtrair a parcela dos salrios poupada (Sw), como se v a seguir, em

    que o P representa o lucro bruto que passa a ter impostos deduzidos:

    wc SMXTGCIP )()(' (11)

    A renda nacional, por sua vez:22

    )( MXGCCIY wc (14)

    Na equao de determinao da renda nacional mantm-se a seta de causalidade,

    portanto o produto de um determinado perodo de tempo resultado de uma srie de variveis

    21

    Como prope Possas (1987: p. 93). 22

    Assim como em Possas (1999).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 16

    de dispndio agregadas, quais sejam, o investimento, o consumo dos capitalistas e

    trabalhadores, a despesa governamental e, ainda, a demanda internacional lquida.

    3.2. Relao poupana e investimento A sistematizao do PDE discutida at o presente momento permite superar uma

    dificuldade comum na teoria econmica em geral, qual seja, o entendimento da relao entre poupana e investimento. Essa discusso poderia, tranquilamente, ser feita com base na

    Teoria Geral, em que Keynes (1992) expe o tema nos captulos 6 e 7. Apenas por uma

    questo de convenincia, o presente trabalho apresenta a relao investimento-poupana

    somente com base em Kalecki. A presente seo buscar discutir o porqu de a poupana no

    financiar o investimento, e que, portanto, tal implicao da Lei de Say lgica e teoricamente

    invlida.

    J se discutiu que o PDE garante que os gastos determinam a renda, parte-se, ento, do

    desenvolvimento da seo anterior, que definiu a equao 14. Introduzindo-se nessa equao os impostos menos transferncias e finalmente subtraindo-se da renda os consumos

    capitalistas e de trabalhadores, determina-se exatamente o que se denomina por poupana (S):

    )()( MXTGIS (15)

    As equaes 14 e 15 expem que na perspectiva do PDE, a renda e a poupana, ambas, so determinadas unilateralmente pelos gastos. Portanto, logicamente, do mesmo

    modo como no possvel decidir o quanto ganhar (no agregado a renda Y), tambm no

    possvel decidir o quanto poupar (no agregado a poupana S, seria decidir o quanto ganhar

    alm do quanto consumir, que corresponde a Y-T-Cc-Cw). A deciso conceitualmente possvel

    a de gastar, ento, como conseqncia determinam-se as rendas e a poupana,

    residualmente.

    importante ter claro que os gastos dependem de poder de compra (estoque), como

    demonstra Kalecki (1983d)23

    , o qual conceitualmente no se liga noo de poupana, que

    um mero fluxo resultado da diferena entre a renda e o consumo num instante econmico. O

    poder de compra est logicamente relacionado ao crdito, criado ex nihil pelo sistema

    bancrio, ou a algum estoque de riqueza prprio, que por sua vez pode ser resultado de lucros

    acumulados, ou ainda resultar de poupana em perodos passados, o que absolutamente

    irrelevante para o resultado seguinte. Ora, independente da fonte de gerao de poder de

    compra, supor que a riqueza acumulada no perodo em anlise gasta seria incorrer em Lei de

    Say, ao passo que os postulados da demanda efetiva j demonstraram a incoerncia disso.

    Daquilo que se discutiu at aqui, est evidente que poupana e investimento, alm de

    uma identidade contbil, trata-se de uma igualdade com determinao causal (com base no

    PDE), como explicitou a equao 15. A poupana, como foi discutida, resultado residual das

    decises de gasto e no financia o investimento. Desse modo, a poupana no uma oferta de recursos lquidos, mas, sim, um fluxo decorrente e idntico ao dispndio em investimento. As teorias da demanda efetiva buscaram demonstrar que o investimento resultado das

    decises capitalistas e possvel de ser executado a partir da criao de poder de compra por

    meio do sistema bancrio.24

    Portanto, afirmar que a poupana uma oferta de recursos lquidos que se equilibra com sua demanda (investimento) viola o princpio da demanda

    23

    Mais detalhes em Possas e Baltar (1981) ou, ainda, em Possas (1999). 24

    Kalecki (1983d: pp.23-24) deixou claro: possvel estimular seus [(dos capitalistas)] investimentos, mesmo se os lucros no aumentaram (...) ou se seu consumo no foi diminudo ad hoc (...). O financiamento adicional

    do investimento realizado pela assim chamada criao de poder de compra. H um aumento da demanda por

    crditos bancrios e estes so concedidos pelos bancos.

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 17

    efetiva. A causalidade unilateral do PDE deixa claro que o investimento gerar poupana em

    idntica magnitude; a poupana ser tanto maior, ou menor, quanto for o investimento.

    Segundo Possas (1999: p.29): pela determinao contbil e causal do PDE (...) a poupana permanecer continuamente igual ao investimento.

    Vale explicitar outra incoerncia do tratamento convencional dado por economistas

    neoclssicos, ou mesmo clssicos, poupana. Viu-se que o PDE deixa claro que a poupana

    no ato voluntrio, nem esforo, dos agentes econmicos. Pelo que foi discutido at aqui, logicamente incorreto que haja deciso de poupar, ou que se poupe no presente para

    consumir e/ou investir no futuro, ou tampouco que nveis maiores de taxa de juros

    estimulariam positivamente a deciso de poupar. Alm disso, comum aos economistas

    convencionais converterem (TG) e (MX) em poupana do governo (Sg) e poupana externa (Sx), travestindo a equao 15 em:

    ISSS xgp (15)

    Note que a equao 15 explicita o tratamento convencional da poupana privada, poupana do governo, poupana externa e investimento. A equao perde a seta de determinao causal vista na equao 15. Supor que a equao 15 possui uma determinao causal da poupana ao investimento (comum na teoria ortodoxa), de modo que seja um

    esforo de poupanas interna e externa por maior investimento equivocado; e j discutiu-se a incoerncia da idia de que a poupana financia o investimento. Com base no PDE, o

    investimento sempre determina a poupana de seu perodo.

    Por fim, est claro que na identidade poupana-investimento a teoria deve preocupar-

    se com o investimento. A poupana, como mero resduo macroeconmico, um conceito

    irrelevante luz do PDE. Simplesmente desaparece a relao poupana-investimento para qualquer efeito terico ou prtico relevante, em detrimento de toneladas de papel produzidas

    sobre ela. (POSSAS, 1999: p.30).

    3.3. Dinmica capitalista: ciclo e tendncia Por fim, outro importante elemento decorrente da forma proposta por Kalecki sua

    implicao dinmica, e de longo prazo, do princpio da demanda efetiva. A presente seo

    buscar apresentar brevemente de que maneira uma economia capitalista possui um

    comportamento cclico, no qual a tendncia no pr-determinada.

    O modelo de investimento de Kalecki (1983a) permite construir uma dimenso

    dinmica do PDE. Por meio de elementos caractersticos do investimento, o autor explicita o

    comportamento de uma economia capitalista ao longo de sucessivos perodos, no qual as

    flutuaes do investimento, renda e estoque de capital so endgenas. A presente seo

    apresentar o modelo,25

    suas intuies econmicas e as representaes formais fundamentais,

    para, ento, elucidar os elementos que fazem com que o modelo seja uma representao

    dinmica da economia capitalista, cujas flutuaes so desdobramento da atuao de um

    componente essencial: o investimento.

    O modelo terico de investimento de Kalecki enunciado em termos de deciso de investir (D), fato que remete a uma caracterstica fundamental da varivel investimento: o seu

    comportamento dual. Isso significa que por um lado o investimento, no momento da deciso (em t), um gasto e, portanto, um estmulo demanda agregada; mas, por outro lado,

    transcorrido um lapso de tempo (t+), o investimento conforma-se em aumento da capacidade produtiva, que desestimula investimentos futuros. Nesse sentido, a primeira equao da seo:

    25

    Tratar-se- do modelo de Kalecki (1983a), tambm com o apoio das interpretaes e reflexes de Possas e

    Baltar (1981) e Possas (1987, 1999). E, ainda, Kalecki (1973).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 18

    tt DF (16)

    Na equao 16, F representa o investimento agregado bruto em capital fixo, em que h

    um retardo entre as decises de investir (em t) e a consolidao da capacidade produtiva

    (t+), considerando, portanto, um hiato temporal entre encomendas e entregas26; e Dt representa as decises de investir em um dado perodo de tempo. Por sua vez, Kalecki define

    Dt , em termos de Ft+, como:

    dt

    Kc

    t

    PbaSF tttt

    (17)

    Antes de definir os termos da equao, em se tratando da teoria dinmica de Kalecki,

    importante considerar uma premissa lgica central: a estrutura econmica estvel, que significa ausncia de mudanas tecnolgicas, de mercados, de estruturas produtivas, ou de

    poltica econmica.27

    O componente aSt manifesta a influncia do nvel de atividade corrente. Trata-se da

    poupana bruta agregada como proxy28

    de lucros acumulados, que reflete a capacidade de

    autofinanciamento, ou a aptido de tomada de crdito.29

    Quanto maior for a acumulao

    interna, maior o capital empresarial, maiores as capacidades de financiamento e de lidar com

    o risco crescente, como discute Miglioli (1981, pp.280-282). Kalecki introduz com esse componente um elemento inercial ao modelo de ciclos (que decorre da funo de

    investimento parcialmente descrita aqui), pois supe um grau de reinverso de lucros, o que

    contribui em impedir que a dinmica tenha um comportamento explosivo.30 Os componentes segundo e terceiro da equao devem ser discutidos em conjunto e

    representam variaes no nvel de atividade. Numa representao linear, na tica de uma

    estrutura econmica estvel, exprimem fatores conjunturais que afetam a taxa de lucro,

    em especial o grau de utilizao da capacidade. O termo Pt (variao dos lucros) reflete o efeito positivo na deciso de investir decorrente de elevao do nvel de atividade, ao passo

    que Kt (variao do estoque de capital) representa o impacto negativo de alta na capacidade instalada. Considerando esse duplo efeito do investimento, em conjunto e dinamicamente, refletem-se as rentabilidades esperadas do capital fixo aplicado, projetadas a partir do

    comportamento corrente. Conforma-se, ento, num acelerador do investimento do tipo backward looking.

    Sobre esse acelerador, Kalecki deu destaque s variveis correntes: Pode-se supor que a taxa de lucros esperada seja funo crescente dos lucros correntes reais e decrescente do estoque de capital em equipamento (KALECKI, 1983a: p. 84). Possas (1987) sistematiza uma crtica com base na contribuio de Keynes (1992) do conceito de expectativas,

    26

    Possas (1987: p. 124 e 125) explicita que nessa verso do modelo tambm est considerado, implicitamente,

    um tempo de reao dos empresrios ao nvel, ou variaes, correntes de variveis; juntamente ao tempo de

    produo e implantao dos bens de capital. 27

    A respeito deste tema Possas (1999: p.32). 28

    As dificuldades lgicas da utilizao desse termo, ainda que como instrumento meramente estatstico, luz do

    PDE constam em Possas (1987). 29

    Seja pelos impactos que o volume de lucros retidos traz ao risco do credor, ou ao risco do prprio tomador.

    Em artigo, Kalecki (1937) aborda os riscos crescentes e os limites ao investimento. O tema do risco foi

    amplamente desenvolvido posteriormente por Hyman Minsky. 30

    Vale comentar, criticamente, que o termo em discusso poderia ser especificado como uma restrio financeira

    ao investimento e, portanto, como um componente no-linear, o que evitaria o automatismo do reinvestimento. A respeito desse tema ver Possas (1987: p. 125-128) e Possas (1999: nota 36).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 19

    argumentando que o acelerador no pode apenas se basear no passado. Acrescenta que as

    expectativas keynesianas, apesar de ausentes em Kalecki, so compatveis ao modelo. Ou seja, um acelerador l Kalecki que contemple a noo de expectativas de Keynes parece a

    forma mais adequada: conformando um acelerador que alm de olhar para o passado e presente capaz, tambm, de olhar para frente.

    O componente d reflete um conjunto de elementos autnomos do investimento, dito

    constante31 e sujeito a alteraes exgenas de longo prazo. formado pelos gastos no induzidos endogenamente pelas variveis do modelo, podendo abranger investimentos em

    inovaes, relacionados s demandas finais exgenas, investimentos de longa maturao com

    pouca (ou nenhuma) relao com questes correntes. Ademais, deve abarcar reposies de

    capital uma vez que o termo induzido lquido e F est em termos brutos. Na anlise

    dinmica do ciclo econmico, a ausncia do componente autnomo (considerando apenas

    reposio da depreciao) far com que as flutuaes no sigam tendncia de crescimento de

    longo prazo.32

    Do ponto de vista terico, Kalecki, diferente de Keynes, no d grande destaque aos

    juros na determinao do investimento. Em Kalecki o papel dos juros no processo de deciso

    capitalista secundrio. Como aponta Miglioli (1981), os juros de curto prazo tendem a se

    elevar no momento ascendente do ciclo (como conseqncia do maior volume de transaes),

    porm os juros de longo prazo (relevantes ao investimento por seus efeitos em custos)

    ficariam pouco alterados ao longo do ciclo, segundo Kalecki (1983a).

    Voltando s equaes de investimento e considerando-se K/t=F (em que representa a depreciao do capital) e substituindo-se na equao 17; para depois isolar os

    termos Ft+ e cFt, dividir todos os termos da equao por 1+c e definindo-se b=[b/(1+c)] e

    d=[(c+d)/(1+c)], chega-se na equao 18:

    ''1

    dt

    PbS

    c

    aF ttt

    (18)

    Na equao 18 o termo esquerda representa uma mdia ponderada de Ft+ e cFt,

    como c provavelmente uma frao muito pequena, t+ deve estar prximo da ordem de t+ . Adicionando equao 18, de investimentos em capital fixo, um componente de investimentos em estoques (Jt+=e.O/t), no qual Kalecki (1983a) entende como relacionado taxa de modificao da produo do setor privado com uma defasagem. Tal

    lapso temporal, segundo informaes de Kalecki (1983a), so semelhantes a , por isso (para simplificar) o autor aproxima de . Ento, define-se a frmula do investimento total (I):33

    ''1

    dt

    Oe

    t

    PbS

    c

    aI tttt

    (19)

    Dado o que se discutiu at aqui e com auxlio da equao 19, nota-se: i) a relao, com

    hiato temporal, do investimento em capital fixo com o nvel de atividade corrente

    (poupana) com a taxa de modificao do estoque de capital (pelo denominador 1+c); ii) a

    31

    Provavelmente Kalecki descreve constante luz da premissa de estrutura econmica estvel e em busca de um modelo terico linear, portanto simplificado, mas suficiente para explicar a essncia do investimento. 32

    Se no houver investimento lquido autnomo, a tendncia subjacente ao ciclo se reduz aproximadamente s necessidades de reposio do capital (Possas, 1987: p. 131). 33

    Os passos das transformaes brevemente apresentadas nos ltimos pargrafos constam em Kalecki (1983a:

    p.84-88), com mais detalhes em Possas (1987: p.146-148).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 20

    taxa de modificao dos lucros; iii) a relao do investimento em estoques com a taxa de

    variao da produo (O); e iv) o componente autnomo.

    Uma vez apresentado o modelo de investimento de Kalecki, importante frisar os

    elementos bsicos de sua teoria e destacar as bases para a dinmica, que leva a flutuaes

    endgenas. No captulo 5, Kalecki (1983a) demonstra que o investimento determina o nvel

    de atividade. Em seguida, Kalecki (1983a) explicitou, no captulo 9, que o investimento

    determinado, com certo hiato temporal, pelo nvel de atividade econmica e pela taxa de

    variao desse nvel. Ademais, o investimento tem um carter dual de estimular a demanda efetiva, porm gerar capacidade aps hiato temporal e prejudicar a rentabilidade. Essas caractersticas bsicas, mais o progresso tcnico e os componentes autnomos, so a essncia

    do processo dinmico de uma economia capitalista e, particularmente, permitiu a Kalecki

    demonstrar que essa dinmica envolve fenmenos cclicos do investimento, da renda e do

    estoque de capital. Para haver tendncia, na dinmica cclica, os componentes autnomos do

    modelo, como inovaes tcnicas ou, ainda, podendo-se incluir aes decididas do Estado com o fim de criar uma tendncia, possuem papel central.

    Neste momento importante acrescentar os multiplicadores kaleckianos, no plural,

    pois, o autor no faz um nico multiplicador para a economia toda, como faz Keynes, mas

    apresentam-se dois diferentes multiplicadores, quais sejam, o dos trabalhadores e o dos

    capitalistas. O multiplicador capitalista composto pela propenso a consumir de capitalistas

    (1/1q) e no caso dos trabalhadores pela participao dessa classe na renda (1/1). 34 Ademais, entre uma despesa inicial e a efetivao (ou atuao) do multiplicador h um

    hiato temporal (que poderia ser desprezado, como faz Possas (1987) em sua soluo formal).

    Utilizando-se dos multiplicadores, com o que j se obteve, tem-se as equaes que

    relacionam os lucros (P) com hiato temporal ao investimento; a relao do produto com os lucros

    35; e, conseqentemente, a relao investimento e produto.

    36 Por fim, como S=I,

    substituindo-se as equaes da nota 36 na equao 19 e fazendo remanejamentos:

    ')'1)(1(11

    dt

    I

    q

    e

    t

    I

    q

    bI

    c

    aI tttt

    (20)

    Fica evidente que o investimento em t+ depende do investimento em t e da taxa de variao do investimento em t . O componente a expressa o efeito da reteno de lucros; o componente (1+c) trata do efeito negativo do aumento dos equipamentos e garante a reverso

    para a formao do ciclo37

    ; alm da taxa de modificao dos lucros [b/(1q)] e da

    produo[e/(1q)(1)]. Kalecki, analisando o ciclo puro, supe ausncia de investimento autnomo

    (tendncia) e, ento, investimento estvel ao nvel da depreciao. Representando por i o

    34

    Os multiplicadores esto descritos em Kalecki (1983a: cap. 5). Optou-se por no desenvolv-los para manter o

    texto focado nos objetivos propostos, ademais eles seguem, basicamente, a idia do multiplicador de Keynes,

    apesar de dividido em categorias distintas. 35

    Relao definida em Kalecki (1983a: cap. 4 e 5). 36

    O que significa que chegamos em:

    t

    I

    qt

    P tt

    1

    1

    ; e

    t

    P

    t

    O tt

    '1

    1

    =>

    t

    I

    qt

    O tt

    )'1)(1(

    1

    . 37

    Kalecki (1983a: p.86) supe (a/1+c)

  • 21

    desvio do investimento em relao depreciao (investimento lquido), define-se a seguinte

    equao dinmica:

    gt

    ii

    c

    ai ttt

    1 (21)

    Onde funo do multiplicador38 e g representa o componente autnomo, o qual, como dito anteriormente, suposto nulo pelo autor.

    A equao 21 em diferenas, finita e linear, possui soluo formal apresentada por Possas (1987) que elucida os ciclos com concluses mais gerais e rigorosas. Kalecki apresenta intuitivamente como que em conseqncia do investimento (que estimula, porm,

    passado hiato temporal, desestimula) a dinmica capitalista est sujeita a reverses

    endgenas.

    Pela intuio econmica, uma economia em depresso est com destruio de

    capacidade produtiva, a qual inicia a recuperao uma vez que a demanda passa a ser atendida

    por maior utilizao da capacidade (restante), elevando sua rentabilidade. O que induz

    elevao do investimento (com criao de poder de compra), aumentando a produo e

    emprego de bens industriais, via consumo de trabalhadores e lucros (multiplicador) que

    afetam as indstrias restantes. A recuperao segue at o auge, em que as entregas (aps hiato

    temporal do perodo de encomendas na recuperao) de equipamentos superam as

    necessidades a ponto de reduzir a rentabilidade e reverter o ciclo.

    Kalecki (1983a: cap.11) supe (a/1+c)

  • 22

    Nesse sentido, apesar das diferentes abordagens de Keynes, Kalecki e seus discpulos,

    por meio do que foi aqui discutido possvel perceber a inadequao lgica e terica da Lei

    de Say. Em decorrncia, entende-se que no correto supor que a poupana financia o

    investimento, mas, ao contrrio, o investimento sempre idntico e determina a poupana.

    Mais do que isso, o PDE permite compreender que os nveis de lucros, renda agregada e

    emprego so, basicamente, resultado dos dispndios da economia e oscilam de acordo com

    variaes dos componentes da demanda.

    Em Keynes, destaque dado para a deciso empresarial de produo com estoque de capital dado (curto prazo) sob incerteza e papel central atribudo moeda. O que se justifica pelo objetivo do autor de explicitar que a determinao do emprego resultado da

    deciso, ex ante, de produo capitalista com base em sua expectativa de demanda e renda a

    ser auferida numa economia monetria.

    No caso da formulao kaleckiana, em especfico, sua abordagem ilumina para uma

    dimenso dinmica e de longo prazo do PDE, que descreve um comportamento econmico

    endogenamente cclico e sem tendncia autodeterminada. Kalecki permite a compreenso

    clara de que o conjunto de gastos (alm de determinar a renda e o emprego num determinado

    perodo contbil) tem papel fundamental na formao do estoque de capital. Este fato

    descrito no esquema do acelerador, em que o aquecimento da atividade corrente pressiona a utilizao da capacidade instalada, o que induz os capitalistas a investirem e criarem nova

    capacidade.

    Concluindo, deve-se destacar a necessidade de se estudar as abordagens de Keynes e

    Kalecki em conjunto e em complementaridade. Isso significa, por exemplo, que importante

    se entender, teoricamente, o comportamento dinmico do capitalismo com sua essncia

    cclica, com elementos endgenos de reverso e que o investimento pode ser induzido pelo

    nvel de atividade da forma como sugere a leitura kaleckiana. Porm, importante considerar elementos tipicamente keynesianos, como o efeito das expectativas e incerteza no

    acelerador, ou ainda, o efeito monetrio e financeiro na atividade econmica elemento que Kalecki coloca em seu modelo com certa passividade.

    5. Referncias BELLUZZO, L. G., & ALMEIDA, J. G. (2002). Depois da queda: a economia brasileira da

    crise da dvida aos impasses do Real. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira.

    CARVALHO, F. J. (1988). Keynes, a instabilidade do capitalismo e a teoria dos ciclos

    econmicos. Pesquisa e Planejamento Econmico , 18, n.3, dez., pp. 741-63.

    CARVALHO, F. J. (1992). Mr Keynes and the post keynesians : principles of

    macroeconomics for a monetary production economy. England: Aldershot: E. Elgar.

    CARVALHO, F. J. (1996). Sobre a centralidade da teoria da preferncia pela liquidez na

    macroeconomia ps-keynesiana. Ensaios FEE , 17, pp. 42-77.

    CHICK, V., & DOW, S. (2002). Monetary Policy with endogenous money and liquidity

    preference: a nondualistic treatment. Journal of Post Keynesian Economics , 24 (4),

    587-607.

    CHILIATTO-LEITE, M. V. (2010). A teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado: uma

    discusso luz da questo do papel do consumo e da controvrsia do estagnacionismo.

    Rio de Janeiro: (Dissertao de Mestrado) IE/UFRJ.

    DAVIDSON, P. (1972). Money and the real world. London: The Macmillan Press.

    DAVIDSON, P. (1977). A Keynesian view of Friedmans theoretical framework for monetary analysis. In R. J. Gordon(Ed.), Milton Friedmans Monetary Framework: A Debate with his Critics (pp. 90-110). Chicago: Chicago University Press.

    DAVIDSON, P. (1994). Post Keynesian macroeconomic theory: A foundation for successful

    economic policies for the twenty-first century. Cambridge: Edward Elgar.

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 23

    DAVIDSON, P., & SMOLENSKY, E. (1964). Aggregate Supply and Demand Analysis. New

    York: Harper and Row.

    FONTANA, G. (2001). Rethinking endogenous money: A constructive interpretation of the

    debate between accommodationists and structuralists. Economic Discussion Paper

    Series .

    FONTANA, G. (2002). The making of monetary policy in endogenous money theory: an

    introduction. Journal of Post Keynesian Economics , 24 (4), 503-09.

    FONTANA, G., & PALACIO-VERA, A. (2003). Modern theory and practice of central

    banking: An endogenous money perspective. In L. -P. ROCHON, & S. ROSSI(Eds.),

    Modern Theories of Money: The Nature and Role of Money in Capitalist Economies.

    Cheltenham: Edward-Elgar.

    KALDOR, N. (1970). The New Monetarism. Lloyds Bank Review , July, 1-17.

    KALDOR, N. (1982). The Scourge of Monetarism. New York: Oxford University Press.

    KALDOR, N. (1985). How monetarism failed. Challenge , May/June, 4-13.

    KALECKI, M. (1973). Estudios Sobre La Teoria de Los Ciclos Econmicos. (X. Calsamiglia,

    Trad.) Barcelona: Editorial Ariel.

    KALECKI, M. (1983a). Teoria da Dinmica Econmica: ensaio sobre as mudanas cclicas

    e a longo prazo da economia capitalista (Os Economistas, original 1954 ed.). So

    Paulo: Abril Cultural.

    KALECKI, M. (1983b). As equaes marxistas de reproduo e a economia moderna. In: J.

    M. (org.), Crescimento e ciclo das economias capitalistas. So Paulo: Hucitec.

    KALECKI, M. (1983c). O problema da demanda efetiva emTugan-Baranovski e Rosa

    Luxemburgo. In: J. Miglioli [Org.], Crescimento e ciclo das economias capitalistas (J.

    Miglioli, Trad., 2a edio revista ed.). So Paulo: Hucitec.

    KALECKI, M. (1983d). O mecanismo de recuperao econmica. In: J. Miglioli [Org],

    Crescimento e ciclo das economias capitalistas (J. Miglioli, Trad., 2a edio revista,

    original 1935 ed.). So Paulo: Hucitec.

    KALECKI, M. (1983e). Esboo de uma teoria do ciclo econmico. In: J. Miglioli [Org.],

    Crescimento e ciclo das economias capitalistas (J. Miglioli, Trad., 2a edio revista,

    original 1933 ed.). So Paulo: Hucitec.

    KEYNES, J. M. (1937). The General Theory of Employment. The Quarterly Journal of

    Eonomics . February.

    KEYNES, J. M. (1971). A treatise on money - the pure theory of Money. London, New York:

    Macmillan; St. Martin's Press, for the Royal Economic Society.

    KEYNES, J. M. (1992). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (Original 1936

    ed.). So Paulo: Atlas.

    LAVOIE, M. (1984). The endogenous flow of credit and the Post Keynesian theory of money.

    Journal of Economic Issues , 18 (3), 771-98.

    LAVOIE, M. (1985). Credit and money: the dynamic circuit, overdraft economics, and Post

    Keynesian Economics. In I. M. JARSULIC(Ed.), Money and Macro Policy. Boston:

    Kluwer-Nijhoff.

    LAVOIE, M. (1992). A moeda em um programa de pesquisa comum para o ps-

    keynesianismo e o neo-ricardianismo. Revista de Economia Poltica , 12 (47).

    LAVOIE, M. (1996). Monetary policy in an economy with endogenous credit money. In G.

    Deleplace, & E. J. Nell(Eds.), Money in Motion: The Post Keynesian and Circulation

    Approaches (pp. 532-45). London: Macmillan.

    LAVOIE, M. (2005). Monetary base endogeneity and the new procedures of the asset-based

    Canadian and American monetary systems. Journal of Post Keynesian Economics , 27

    (4), 689-709.

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

  • 24

    MACEDO e SILVA, A. C. (1995a). A Economia de Keynes, a busca de uma nova teoria

    econmica e a "armadilha do equilbrio". Economia e Sociedade , 5, 111-158.

    MACEDO e SILVA, A. C. (1995b). Lei de Say e demanda efetiva, equilbrio e equilibrismo -

    algumas observaes. Anais do XXIII Encontro Nacional de Economia, ANPEC , 151-

    170.

    MARX, K. (1985). O Capital (Os Economistas, original: 1867 ed., Vols. I, II, III, IV e V).

    So Paulo: Nova Cultural.

    MIGLIOLI, J. (1981). Acumulao de capital e demanda efetiva. So Paulo: T. A. Queiroz.

    MIGLIOLI, J. (1983). Apresentao. In: M. Kalecki, Teoria da Dinmica Econmica: ensaio

    sobre as mudanas cclicas e a longo prazo da economia capitalista. So Paulo: Abril

    Cultural.

    MINSKY, H. P. (1982). Can It Happen Again? Essays on Instability and Finance. M.E. Sharpe: Armonk.

    MINSKY, H. P. (2008). John Maynard Keynes (reimpresso de 1975 ed.). New York:

    McGraw-Hill.

    MONVOISIN, V., & PASTORET, C. (2003). Endogenous money, banks and the revival of

    liquidity preference. In L. -P. ROCHON, & S. ROSSI(Eds.), Modern Theories of

    Money: The Nature and Role of Money in Capitalist Economies. Cheltenham: Edward-

    Elgar.

    MOORE, B. (1979). The endogenous money stock. Journal of Post Keynesian Economics ,

    21 (1), 49-70.

    MOORE, B. J. (1985). Wages, Bank Lending, and the Endogeneity of Credit Money. In M.

    Jarsulic(Ed.), Money and Macro Policy. Boston: Kluwer-Nijhoff.

    MOORE, B. J. (1988). Horizontalists and Verticalists: The Modern Macroeconomics of

    Credit and Money. New York: Cambridge University Press.

    MOORE, B. J. (1989). On the endogeneity of money once more. Journal of Post Keynesian

    Economics , 11 (3), 479-87.

    PALLEY, T. (2003). Monetary control in the presence of endogenous money and financial

    innovation: The case for asset-based reserve requirements. In L. -P. ROCHON, & S.

    ROSSI(Eds.), Modern Theories of Money: The Nature and Role of Money in Capitalist

    Economies. Cheltenham: Edward-Elgar.

    PIVETTI, M. (1991). An Essay on Money and Distribution. N. York: St. Martin.

    POSSAS, M. L. (1987). A dinmica da economia capitalista : uma abordagem terica. So

    Paulo: Brasiliense.

    POSSAS, M. L. (1999). Demanda Efetiva, Investimento e Dinmica: a atualidade de Kalecki

    para a Teoria Macroeconmica. Revista de Economia Contempornea, IE-UFRJ , 3, n

    2.

    POSSAS, M. L., & BALTAR, P. (1981). Demanda efetiva e dinmica em Kalecki. Pesquisa e

    Planejamento Econmico , 11(1), 107-160.

    ROCHON, L.-P. (2003). On money and endogenous money: Post Keynesian and circulation

    approaches. In: L. -P. ROCHON, & S. ROSSI(Eds.), Modern Theories of Money: The

    Nature and Role of Money in Capitalist Economies. Cheltenham: Edward-Elgar.

    WEINTRAUB, S. (1966). Employment growth & income distribution. Philadelphia & New

    York: Chilton Books.

    WEINTRAUB, S. (1978a). Keynes, Keynesians and Monetarists. Philadelphia: University of

    Pennsylvania Press.

    WEINTRAUB, S. (1978b). Capitalisms Inflation and Unemployment Crises. Addison-Wesley: Reading (MA).

    Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010