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Chegada dos portugueses e recepão na Ínsula divina ou Ilha dos Amores – est. 51-64 De regresso a Portugal, os navegantes vão ser homenageados pelos deuses. Com efeito, Vénus prepara-lhes, com a ajuda das ninfas e de seu filho Cupido, uma recompensa pelos perigos e tormentas que enfrentaram e de que saíram vitoriosos. Fá-los aportar a uma ilha paradisíaca, povoada de ninfas amorosas que lhes deleitam os sentidos. O carácter paradisíaco da ilha resulta da utilização constante da adjetivação de conotação positiva e da referência à flora variada e exótica, com particular incidência para as árvores de fruta, e da referência às fontes de águas puras e cristalinas, umas e outras símbolo de fertilidade e de abundância. Os dados sensoriais, nomeadamente as sensações visuais, olfativas, tácteis e gustativas, são também uma constante. Entretanto, as divindades que povoam a ilha fingem, num autêntico jogo de sedução, fingem assustar-se com a presença dos marinheiros, mas de imediato se entregam aos prazeres do amor: “... pela floresta se deixavam/ Andar as belas Deusas, como incautas./ Algῦas, doces cítaras tocavam,/ Algῦas, harpas e sonoras frautas;/ Outras, cos arcos de ouro, se fingiam/ Seguir os animais que não seguiam" (est. 64). Por isso, não é de estranhar a linguagem utilizada, com conotações marcadamente eróticas ou sensuais, bem presentes nas formas das plantas e dos frutos, a sugerirem o aparelho reprodutor feminino, e nas cores (amarelo, púrpura, rubi e roxo), como o comprovam os seguintes exemplos: “Encosta-se no chão, que está caindo,/ A cidreira cos pesos amarelos;/ Os fermosos limões ali, cheirando,/ Estão virgíneas tetas imitando” (est.56, vv.5-8); “Está apontando o agudo cipariso/ Pera onde é posto o etéreo Paraíso.” (est.57, vv.7 e 8); e “Abre a romã, mostrando a rubicunda/ Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes;/ Entre os braços do ulmeiro está jocunda/ Vide, cuns cachos roxos e outros verdes;/ E vós, se na vossa árvore fecunda,/ Pêras piramidais, viver quiserdes,/ Entregai-vos ao dano que cos bicos/ Em vós fazem os pássaros inicos." (est. 59) Simbologia da Ilha dos Amores – est. 88-95 Esta ilha não existe na realidade, mas na imaginação, no sonho que é o que dá sentido à vida e que permite atingir a plenitude da Beleza, do Amor, da Realização. Então, a Ilha dos Amores ou “Ilha namorada” ganha sobretudo, um valor mítico e simbólico. É que a grandeza dos Descobrimentos também se mede pela grandeza do prémio, e esse foi o da imortalidade, simbolicamente representada na união homens-deusas. No banquete com que homenageiam os nautas, uma ninfa profetiza futuras vitórias dos portugueses. Tétis, a ninfa com cujo amor Vasco da Gama fora mimado e premiado, condu-lo agora ao cume de um monte para lhe mostrar a "Máquina do Mundo" e lhe dar a noção do que

Chegada Dos Portugueses e Recepão Na Ínsula Divina Ou Ilha Dos Amores

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Chegada dos portugueses e recepo na nsula divina ou Ilha dos Amores est. 51-64

De regresso a Portugal, os navegantes vo ser homenageados pelos deuses. Com efeito, Vnus prepara-lhes, com a ajuda das ninfas e de seu filho Cupido, uma recompensa pelos perigos e tormentas que enfrentaram e de que saram vitoriosos. F-los aportar a uma ilha paradisaca, povoada de ninfas amorosas que lhes deleitam os sentidos. O carcter paradisaco da ilha resulta da utilizao constante da adjetivao de conotao positiva e da referncia flora variada e extica, com particular incidncia para as rvores de fruta, e da referncia s fontes de guas puras e cristalinas, umas e outras smbolo de fertilidade e de abundncia. Os dados sensoriais, nomeadamente as sensaes visuais, olfativas, tcteis e gustativas, so tambm uma constante. Entretanto, as divindades que povoam a ilha fingem, num autntico jogo de seduo, fingem assustar-se com a presena dos marinheiros, mas de imediato se entregam aos prazeres do amor: ... pela floresta se deixavam/ Andar as belas Deusas, como incautas./ Algas, doces ctaras tocavam,/ Algas, harpas e sonoras frautas;/ Outras, cos arcos de ouro, se fingiam/ Seguir os animais que no seguiam" (est. 64). Por isso, no de estranhar a linguagem utilizada, com conotaes marcadamente erticas ou sensuais, bem presentes nas formas das plantas e dos frutos, a sugerirem o aparelho reprodutor feminino, e nas cores (amarelo, prpura, rubi e roxo), como o comprovam os seguintes exemplos: Encosta-se no cho, que est caindo,/ A cidreira cos pesos amarelos;/ Os fermosos limes ali, cheirando,/ Esto virgneas tetas imitando (est.56, vv.5-8); Est apontando o agudo cipariso/ Pera onde posto o etreo Paraso. (est.57, vv.7 e 8); e Abre a rom, mostrando a rubicunda/ Cor, com que tu, rubi, teu preo perdes;/ Entre os braos do ulmeiro est jocunda/ Vide, cuns cachos roxos e outros verdes;/ E vs, se na vossa rvore fecunda,/ Pras piramidais, viver quiserdes,/ Entregai-vos ao dano que cos bicos/ Em vs fazem os pssaros inicos." (est. 59)

Simbologia da Ilha dos Amores est. 88-95

Esta ilha no existe na realidade, mas na imaginao, no sonho que o que d sentido vida e que permite atingir a plenitude da Beleza, do Amor, da Realizao. Ento, a Ilha dos Amores ou Ilha namorada ganha sobretudo, um valor mtico e simblico. que a grandeza dos Descobrimentos tambm se mede pela grandeza do prmio, e esse foi o daimortalidade, simbolicamente representada na unio homens-deusas.

No banquete com que homenageiam os nautas, uma ninfa profetiza futuras vitrias dos portugueses. Ttis, a ninfa com cujo amor Vasco da Gama fora mimado e premiado, condu-lo agora ao cume de um monte para lhe mostrar a "Mquina do Mundo" e lhe dar a noo do que ser o Imprio Portugus. o auge da glorificao Vasco da Gama v o que s aos deuses dado ver: a glorificao simblica do conhecimento, do sabor proporcionado pelo sonho da descoberta. E deste modo, o bicho da terra to pequeno" venceu as suas prprias limitaes e foi alm "do que prometia a foro humana".

A nvel da estrutura do poema, significativamente, os trs planos sobrepem-se: os viajantes confraternizam com as entidades mitolgicas e ouvem a Histria futura de Portugal plano da viagem, plano mitolgico e plano histria.

O poeta no perde a oportunidade, no final do Canto, parar traar o perfil dos que podem ser "nesta ilha de Vnus recebidos" (est. 95, v. 8). E quem sero eles? Os que fizerem obras valorosas e seguirem pelo caminho da virtude, ao princpio difcil e sinuoso, certo, mas, no fim, doce, alegre e deleitoso (est. 90, vv. 5-8); os que cometerem feitos to grandes que, a exemplo dos deuses, que j foram humanos, se tornaro imortais (est. 91); os que no se ficarem escravos do cio (est. 92); os que no se deixarem levar pela cobia, pela ambio, pela tirania e pelo pretensiosismo (est. 93), os que forem justos, no explorarem os pequenos e lutarem pela f de Cristo (est. 94); os que derem bons conselhos ao Rei, forem leais, a ponto de lutarem por ele, e sonhem, mas sempre de forma realista. (est. 95)

Lamentos e exortao do Poeta

Os ltimos versos deOs Lusadasrevelam sentimentos contraditrios do Poeta. Efetivamente, euforia do incio da epopeia, vemos agora um ser que, no final da obra, se lamenta, com sinais de disforia no discurso e razes mais do que suficientes para formular novos pedidos.

Na verdade, os nautas lusos regressam terra natal e vm engrandecidos pelos seus feitos fabulosos. Honraram o seu povo e deram novos ttulos ao rei D. Manuel que, aps os Descobrimentos, tomou os ttulos de Senhor da Conquista, Navegao e Comrcio da Etipia, Arbia, Prsia e ndia. (est. 144) No entanto, o Poeta lamuria-se por estar a cantar a gente pouco sensvel a essa grandiosidade. Por isso, afirma que a sua voz est destemperada e enrouquecida, por Cantar a gente surda e endurecida, e v a ptria acometida de uma austera, apagada e vil tristeza (est. 145). A sua perplexidade tanta face a essa constatao e falta de orgulho dos Portugueses, ao no reconhecerem as grandiosas obras dos seus antepassados, que se v na obrigao de voltar a invocar D. Sebastio, legitimado como rei de Portugal pelo poder divino (est. 145). Ora, essa invocao surge como uma espcie de continuao da Dedicatria e estaramos, ento, perante um discurso circular, um retorno aos incios, como quem diz que necessrio recomear tudo de novo para que a ptria recupere a sua grandiosidade. No nos esqueamos que quando Cames escreveu e dedicouOs Lusadasa D Sebastio j a ptria vivia uma profunda crise de identidade que levaria, inexoravelmente, perda da independncia do pas, em 1580, curiosamente tambm o ano da morte deste insigne escritor. Ao longo dessa invocao, vrios so os aspetos focados aos quais o rei ter de dar um particular valor:

a)O Rei dispe de sbditos excelentes (est. 146);

b)O Rei tem ao seu servio uma pliade de heris, capazes de tudo, inclusive, dar peito s balas e enfrentar as maiores adversidades na terra e no mar, caso sejam devidamente valorizados (est. 147);

c)Esses heris, de forma obediente e heroica, procuraro tornar o Rei um vencedor e no um vencido (est.148);

d)O rei ter que dar ouvidos s pessoas que tm mais experincia de vida, porque esses sabem como, quando e onde as cousas acontecem crtica implcita ao Rei por ele ter escolhido como conselheiros gente jovem e demasiado aventureira, que defendia, por exemplo, a incurso dos Portugueses pelo Norte frica, da resultando o desastre de Alccer Quibir, em 4 de Agosto de 1587? (est.149);

e)Todos os que trabalham devem ser louvados, incluindo-se nesse nmero os religiosos, cuja misso rezar pelo Rei, com jejuns e disciplina, e lutar contra os vcios mais comuns, sem ambicionar, em troca, glria v ou dinheiro (est. 150);

f)Os guerreiros que, com o seu sangue e herosmo, dilataram a f e o imprio, devem ser estimados, at porque tiveram de vencer dois inimigos: os vivos e os maiores obstculos (est. 151);

g)Os Portugueses esto mais predestinados para mandar do que para serem mandados, ao contrrio do que pensam ou dizem outros povos, mas isso implica que o Rei oua o conselho dos que so mais experimentados, dos que viveram de perto os acontecimentos. (est.152);

h)Com sonhos e teorias no se ganham batalhas. Anbal (general cartagins), por exemplo, ficou muito admirado ao ver, em feso, o filsofo grego Formio querer dar-lhe lies de ttica militar, quando, apesar de toda a sua sabedoria, no percebia nada do assunto, pois a disciplina militar no se adquire em teoria mas pela prtica. (est. 153)

Nas ltimas trs estncias deste canto, o Poeta interroga-se sobre o valor dos seus conselhos, ele que humilde, baxo e rudo. Todavia, dos pequenos que s vezes sai o verdadeiro louvor e a ele, Poeta, no lhe faltam estudos nem experincia (est. 155). Efetivamente, ele lutou e cantou pela causa rgia. Ento, s falta que o Monarca aceite o seu merecimento e que faa com que ele continue a cantar os feitos que Deus tem reservados para ele (est.156). Se assim fizer, D. Sebastio ter um futuro grandioso, ultrapassando as faanhas de Medusa e vencendo em terras africanas, sendo que ele, como poeta, poder cantar os atos heroicos do monarca lusitano, de tal forma que Alexandre se rever nele, sem ficar com inveja das proezas de Aquiles.(est.156)

LusadasCanto XAs Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Aps uma Invocao do poeta Calope, uma Ninfa faz profecias sobre as futuras vitrias dos Portugueses no Oriente. Ttis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para lhe mostrar a Mquina do Mundo e indicar nela as lugares onde chegar o imprio Portugus. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal. O poeta termina lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastio a continuar a glria dos Portugueses.A Mquina do Mundo revela o que ser o Imprio Portugus, representando o auge da glorificao Vasco da Gama v o que s aos Deuses dado ver; a glorificao simblica do conhecimento, do saber proporcionado pelo sonho da descoberta: o bicho da terra to pequena venceu as suas prprias limitaes e foi alm do que prometia a fora humana. de assinalar que, neste episodio se sobrepem, a nvel da estrutura, os trs planos narrativos: o plano da viagem; o plano mitolgico e o plano da histria de Portugal, mas agora e futuro.

Ilha dos AmoresTerminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por aco de Vnus e Cupido, recebero o prmio do seu esforo.Trata-se de uma ilha paradisaca, de uma beleza deslumbrante. A descrio do consrcio entre os portugueses e as ninfas est repassada de sensualidade. Os prazeres que lhes so oferecidos so o justo prmio por terem perseguido o seu objectivo sem hesitaes.Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso mitologia pag, apresentada aqui como simples fico, til para "fazer versos deleitosos". Em segundo lugar, representa a glorificao do povo portugus, a quem reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu esforo continuado, pela sua persistncia, pela sua fidelidade tarefa de expanso da f crist, os portugueses como que se divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que afinal o prmio mximo a que pode aspirar o ser humano.De certo modo, podemos dizer que o amor que conduz os portugueses imortalidade. No o amor no sentido vulgar da palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor desinteressado, o amor da ptria, o amor ao dever, o empenhamento total nas tarefas colectivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifcios. esse amor que manifestam Gama e os seus homens; ele que permite a tantos libertar-se da "lei da morte". tambm esse amor que conduz Cames a "espalhar" os feitos dos seus compatriotas por toda a parte e tornar-se, tambm ele, imortal.

Reflexo do PoetaOs ltimos versos da obra revelam sentimentos contraditrios: o desalento, o orgulho e a esperana.1. O poeta recusa continuar o seu canto, no por cansao, mas por desnimo, o que provm da contrataometida no gosto da cobia e na rudeza, imagem que representa o Portugal do seu tempo;2. Mas exprime o seu orgulho naqueles que continuam dispostos a lutar pela grandeza da ptria;3. E afirma a esperana de que o rei saiba aproveitar e estimular essas energias para dar continuidade glorificao do peito ilustre lusitano4. Em suma, a glria do passado dever ser encarada como um exemplo presente para construir um futuro grandioso.

CANTO IXDois feitores portugueses so encarregados de vender as mercadorias, mas so detidos em terra, para retardar a partida da armada portuguesa, a fim de dar tempo a que uma armada muulmana viesse de Meca para a destruir.O Gama informado disso pelo rabe Monaide e, por isso, decide partir, procurando fazer com que os dois feitores portugueses regressem secretamente armada, mas no consegue o que pretende. Como represlia, impede vrios mercadores da ndia de regressarem a terra e, tomando-os como refns, ordena a partida.Por ordem do Samorim, so restitudos a Vasco da Gama os dois feitores portugueses e as fazendas, aps o que se iniciou o regresso a casa (estncias 13 a 17).Vnus decide preparar o repouso e prmio para os portugueses (estncias 18 a 21). Dirige-se, com esse objectivo, a seu filho Cupido (estncias 22 a 50), e manda reunir as Ninfas numa ilha especialmente preparada para os acolher.A Ilha dos Amores, cuja descrio se apresenta nas estncias 52 a 55, era uma ilha flutuante que Vnus colocou no trajecto da armada, de modo a que esta, infalivelmente, a encontrasse.Os portugueses desembarcaram na ilha e as Ninfas deixam-se ver, iniciando-se uma perseguio. Para aumentar o desejo dos portugueses, as Ninfas opuseram uma certa resistncia, apenas se deixando apanhar ao fim de algum tempo, efectuando-se, ento, o casamento entre elas e os marinheiros.Ttis, a maior, e a quem todo o coro das Ninfas obedecia, apresentou-se a Vasco da Gama, recebendo-o com honesta e rgia pompa. Depois de se ter apresentado e dado a entender que ali viera por alta influio do Destino, tomando o Gama pela mo, levou-o para o seu palcio, onde lhe explicou (estncias 89 a 91) o significado alegrico da Ilha dos Amores: as Ninfas do Oceano, Ttis e a Ilha outra coisa no so que as deleitosas honras que a vida fazem sublimada.O Canto IX termina com uma exortao dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu nome.CANTO XTtis e as restantes ninfas oferecem um banquete aos navegantes e durante ele uma ninfa comea a descrever os futuros feitos dos portugueses. Entretanto (estncias 8-9) o poeta interrompe-lhe a descrio para invocar uma vez mais Calope. Finda a invocao, a ninfa retoma o seu discurso, falando dos heris e futuros governadores da ndia.A partir da estncia 74, onde acaba a prolepse (avano no tempo, ou seja, previso de factos futuros), Ttis conduz Vasco da Gama ao cimo de um monte, onde lhe mostra uma miniatura do Universo e descobre, no orbe terrestre, os lugares onde os portugueses iro praticar altos feitos. Dentro das vrias profecias, Ttis narra o martrio de S. Tom e faz referncia ao naufrgio de Cames. Finalmente, Ttis despede os portugueses, que embarcam para empreenderem a viagem de regresso (estncias 142-143), cuja viagem se efectua com vento sempre manso e favorvel, chegando foz do Tejo sem quaisquer problemas (estncia 144).

Das estncias 145 a 156 so apresentadas lamentaes, exortaes a D. Sebastio e vaticnios de futuras glrias.