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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA Programa de Mestrado RENATO FARTO LANA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS A CARGO DAS EMPRESAS CURITIBA 2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

Programa de Mestrado

RENATO FARTO LANA

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES

PREVIDENCIÁRIAS A CARGO DAS EMPRESAS

CURITIBA

2013

RENATO FARTO LANA

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES

PREVIDENCIÁRIAS A CARGO DAS EMPRESAS

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação “stricto sensu”, mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito, na linha de pesquisa: Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidade.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Gustavo Knoerr

CURITIBA

2013

RESUMO

Este trabalho tem por objeto o exame da matriz constitucional brasileira com enfoque específico na Contribuição Patronal à Seguridade Social, comumente denominada por Contribuição Previdenciária das Empresas, que incide sobre as remunerações pagas ou creditadas aos segurados empregados. A amplitude dos princípios fundamentais genéricos constantes da Constituição Federal de 1988, tanto formalmente como materialmente, leva crer que é indispensável à imposição do pagamento de tributos, dentre eles as contribuições à Previdência Social, devidas pelas empresas, para a manutenção do que hoje denomina Estado Social Democrático de Direito. A compulsoriedade, por sua vez, deve ter apego não apenas nos anseios sociais representados pelo Sistema de Seguridade Social, como no próprio principio fundamental da legalidade e da segurança jurídica. Concentrando a atenção na regra-matriz de incidência tributária, pelo seu alto potencial para revelar a essência jurídica de um tributo, analisou-se a estrutura dessa contribuição, para, enfim, questionar sua sob a ótica da legalidade tributária num viés não apenas infraconstitucional, mas constitucional, na medida em que no campo tributário a Constituição Federal pouco deixou ao legislador ordinário. Palavras-chave: Contribuição Previdenciária das Empresas. Legalidade. Constituição. Regra-Matriz de Incidência Tributária.

ABSTRACT

This work has for its object the examination of Brazilian constitutional matrix with specific focus on Employer Contribution to Social Security, commonly referred by Social Security Contribution of Companies, which focuses on remuneration paid or credited to their employees. The amplitude of the fundamental generic principles contained in the Federal Constitution of 1988, both formally and materially, leads to believe that it is essential to the imposition of tax payment, including contributions to Social Security, payable by companies for the maintenance of which today is called State of Social Democratic Law. The obligation, in turn, must have attachment not only in social expectations represented by the Social Security System, as the fundamental principle of legality itself. Focusing attention on the matrix rule tax incidence, for its high potential to reveal the legal essence of a tribute, we analyzed the structure of this contribution, to finally question it structure from the perspective of legality. Key words: Social Welfare Tax of the Corporations. Legality. Matrix Rule Tax Incidence.

“O processo de involução do direito foi inarredável: a lei é um comando, um comando com autoridade e autoritário, um comando geral, um comando indiscutível, com sua vocação essencial de ser silenciosamente obedecido; a partir daqui, a sua propensão é a de consolidar em um texto, a encerrar-se num texto escrito em que qualquer um possa lê-lo para depois obedecê-lo, em um texto que é pela sua natureza fechado e imóvel, que logo se tornará empoeirado e, com relação à vida que continua a fluir rapidamente em volta, também envelhecido. Mas o poder persistirá em se fazer forte naquele texto com o auxilio dos juristas servis que persistirão na sua liturgia sobre o texto.” (PAOLO GROSSI)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 02 CAPÍTULO 1- Constitucionalidade do Tema ................................................ 10 1.1. Direito Constitucional ............................................................................ 10 1.1.1 Sistema Constitucional .................................................................... 10 1.1.2 Princípios Constitucionais Genéricos .............................................. 21 1.2. Direito Constitucional Tributário ........................................................... 44 1.2.1. Subsistema Constitucional Tributário ............................................. 44 1.2.2. Princípios Constitucionais Tributários ............................................. 48 1.2.2.1. Ensaios Sobre o Princípio da Legalidade ................................. 48 1.2.2.2. O Princípio da Segurança Jurídica ........................................... 56 CAPÍTULO 2 - Contextualização Sócio-Política ........................................... 66 2.1. O Direito de Tributar e o Dever de Pagar Tributo ................................. 66 2.2. O Sistema de Seguridade Social .......................................................... 74 2.2.1. Traços Elementares do Sistema - História e Contexto ................... 78 2.3. Princípios Inerentes à Seguridade Social ............................................. 84 2.3.1. Solidariedade ................................................................................. 86 2.3.2. Diversidade da Base de Financiamento ......................................... 90 2.3.3. Equidade na Forma de Participação do Custeio ............................ 92 CAPÍTULO 3 - Contribuições Sociais para a Seguridade Social ................ 94 3.1. Espécies Tributárias ............................................................................. 94 3.2. O Tributo "Contribuição Especial" ........................................................ 98 3.3. A Norma Jurídica ................................................................................ 104 3.4. A Norma Jurídica no Âmbito Tributário ............................................... 109 3.5. A Estrutura da Regra-Matriz de Incidência Tributária ......................... 110 3.6. A Regra-Matriz de Incidência da Contribuição Previdenciária das

Empresas ................................................................................................. 112 3.7. Hipótese de Incidência Tributária ....................................................... 113 3.7.1. Generalidades .............................................................................. 113 3.7.2. Critério Material ............................................................................ 114 3.7.3. Critério Espacial ........................................................................... 117 3.7.4. Critério Temporal .......................................................................... 118 3.8. Consequente Tributário ...................................................................... 120 3.8.1. Generalidades .............................................................................. 120 3.8.2. Critério Pessoal ............................................................................ 121 3.8.3. Critério Quantitativo ...................................................................... 125 3.9. Síntese Conclusiva ............................................................................. 130

CAPÍTULO 4 - O Princípio da Legalidade na Esfera Tributária ................ 134 4.1. Noção Inicial ....................................................................................... 134 4.2. A Constituição e os Direitos Fundamentais ........................................ 135

4.3. A Natureza "Fundamental" do Princípio da Legalidade na esfera Tributária ................................................................................................ 139

4.4. O Princípio da Estrita Legalidade Tributária ....................................... 142 4.5. A Aparente Exceção ao Princípio da Legalidade Tributária ............... 151 CAPÍTULO 5 - Aplicabilidade do Princípio da Legalidade Tributária ....... 158 5.1. Contribuições Previdenciárias das Empresas e o Princípio da

Legalidade Tributária ............................................................................... 158 5.2. As Violações à Legalidade Tributária e a Previdência Social ............. 164 5.3. As Ilegalidades Praticadas pela Administração Pública ..................... 173 5.4. As Violações Jurisdicionadas ............................................................. 184 CONCLUSÃO ................................................................................................ 205 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 208

2

INTRODUÇÃO

É inegável, em um Estado Social Democrático de Direito, a

relevância assumida pelos princípios constitucionais, os quais, não mais

possuidores de cunho meramente axiológico, conquistaram o verdadeiro

“status” de normas jurídicas.

Importante reconhecer, ainda, que tais princípios constituem os

instrumentos jurídicos fundamentais para a realização dos valores supremos do

ordenamento jurídico, informando, materialmente, as demais normas. Nesse

sentido, assevera CANOTILHO que “... os princípios são normas de natureza

ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição

hierárquica no sistema das fontes, ou à sua importância estruturante dentro do

sistema jurídico”1.

Os princípios, ultrapassando o âmbito axiológico, situam-se pelo

caráter normativo que assumem, de modo a ser quase que cogente a adoção

dos comportamentos necessários à promoção do estado ideal de coisas

preconizado por essas figuras normativas.

Sob o ponto de vista lógico, são enunciados admitidos como

condição ou base de validade das asserções que compõem dado campo do

saber.

É de se destacar, ainda, a elevada utilidade hermenêutica dos

princípios, os quais, desempenhando uma função sistêmica, assumem a

condição de “fundamento de regras jurídicas” tendo “... uma idoneidade

irradiante que lhes permite ligar ou cimentar objectivamente todo o sistema

constitucional.”2

Exercem, outrossim, relevante função de limitar a atuação do

Estado, estabelecendo, para tanto, enunciados preceptivos e proibitivos.

É nesse contexto, que desde a promulgação da Constituição

Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana passou ao “status” de

1 Direito Constitucional, p. 1034.

2 Ib., p.1037.

3

fundamento do Estado Social Democrático de Direito. Fora assinalado, nesse

passo, o marco histórico que consolidou a mudança de paradigma, para o fim

de esculpir uma “nova vida”, essa atenta a resguardar e proteger os princípios

que regem esse modelo de Estado de Direito, sempre com o escopo assegurar

a totalidade dos direitos do homem.

Foi nesse momento que a Seguridade Social, através da

Previdência Social, da Assistência Social e da Saúde, revestiu-se da condição

de direito público subjetivo, tendo sido eleita como sistema apto a garantir a

proteção social3.

O Sistema de Seguridade Social consiste, então, no conjunto

integrado de ações e iniciativas, não só das empresas, mas de toda a

sociedade, inclusive do próprio Poder Público, que tem como objetivo garantir e

proteger os cidadãos dos riscos sociais, tudo isso com a intenção de

resguardar os objetivos supremos da Ordem Social constitucional, quais sejam

a justiça e o bem-estar.

Trata-se, portanto, de sistema contributivo onde todos os

integrantes da sociedade colaboram financeiramente para que os objetivos da

Ordem Social sejam alcançados.

Por sua vez, grande parte das dificuldades financeiras da

Seguridade Social, em especial da previdência, é apontada pela doutrina como

decorrência da má administração do fundo pelo Poder Público, o que vem

acarretando discussões sobre a sustentabilidade do sistema e a conseqüente

carga tributária das empresas.

Contudo, a análise do problema não pode, obviamente, ficar

limitada a argumentos econômicos. A discussão mais profunda extrapola a

monótona motivação da correção do déficit orçamentário, para abranger

aspectos de proteção dos direitos fundamentais, e também critérios de justiça

que garantam respeito aos fundamentos constitucionais.

3 Sobre o tema, destaque para o professor WAGNER BALERA in Noções Preliminares de

Direito Previdenciário.

4

A variação da necessidade de obtenção de receitas públicas é

inevitavelmente ditada pelo contexto político e econômico em que um

determinado estado se insere.

No caso do estado brasileiro atual, em que a Lei Maior é típica de

um modelo social de direito, existe a necessidade de arrecadar vultosos

recursos financeiros para prestar os numerosos serviços públicos disciplinados

pela Constituição da República; dentre eles, o de manter o equilíbrio mínimo

nas relações sociais através de políticas de inclusão social, que geram

obrigações para o Estado, no atendimento aos necessitados, através de regras

constitucionais de Seguridade Social.

Por oportuno, cumpre destacar que o atendimento das metas

constitucionalmente traçadas depende, intrinsecamente, da obtenção de

receitas, sendo certo que a conquista desse numerário, por sua vez, pode

ocorrer diretamente, pela via da exploração da atividade econômica estatal, por

meio de bens e empresas pertencentes ao Estado, bem como pela aquisição

compulsória do patrimônio particular, através de tributos e penalidades

pecuniárias.

Observa-se, entretanto, que a preferência estatal, no que diz

respeito à obtenção de recursos, recai justamente na tributação, em especial

através de contribuições sociais impostas às empresas, sob a óptica da

alegada maior capacidade contributiva.

Isso porque, a instituição de contribuições sociais constitui um

instrumento altamente eficaz para fazer frente às numerosas despesas que o

Estado possui, primordialmente as relativas à efetivação dos direitos

fundamentais e sociais contidos na Constituição Federal, mas também em

virtude do atual ressecamento de outras fontes de arrecadação, pela hodierna

tendência da redução da participação estatal em atividades produtivas.

Tal situação retrata, de modo emblemático, uma das principais

facetas da crise desse “Estado-Providência”, no campo da Previdência Social,

5

o qual se defronta, progressivamente, com o aumento das despesas em

detrimento das receitas4.

Nesse contexto, o desequilíbrio entre receitas e despesas, como

conseqüência direta da desregulada relação entre o que se gasta e o que se

arrecada, e a predileção do Estado em fazer do tributo a fonte principal de

obtenção de receitas públicas, acarreta a retirada, cada vez mais intensa, de

parcelas do patrimônio particular, podendo atingir, dessa forma, princípios

basilares do Estado Democrático de Direito, como a Legalidade e a própria

Segurança Jurídica, afetando, por corolário, a justiça do Direito Constitucional

Previdenciário, preconizado por ditames tais como a equidade na forma de

participação do custeio, a diversidade da base de financiamento e a própria

solidariedade dos atores sociais na manutenção do sistema social.

Com efeito, a elevada carga tributária nacional exige que o

processo de elaboração legislativa tributária e a respectiva aplicação sejam

cautelosamente manejados, com vistas a garantir os direitos fundamentais dos

contribuintes, tão indispensáveis, no contexto do Estado Social Democrático de

Direito, quanto àqueles relativos às necessidades públicas5.

4 Interessante o registro de JOSÉ ROBERTO VIEIRA em trabalho apresentado no II

Congresso Brasileiro de Direito Empresarial e Cidadania, realizado em 2012, no UNICURITIBA, em Curitiba/PR, através do artigo “A Regra-Matriz de Incidência da Contribuição Previdenciária das empresas: Indigência, Complexidade e Prestígio”, no qual o professor expõe haver elevado prestígio das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas. “Quando da promulgação do Texto Magno de 1988, mexeu-se na repartição das receitas tributárias, de modo a incrementar um pouco os recursos destinados aos estados e aos municípios, intensificando assim o nosso federalismo. E como reagiu a União ? Reduzindo tributos partilhados com as demais esferas de governo – como é o caso do Imposto de Renda, por exemplo – e majorando as Contribuições Especiais, tributos não compartilhados. Se tomarmos em conta, num exemplo, apenas a COFINS, o PIS/PASEP, a CSLL e as Contribuições Previdenciárias, as principais Contribuições para a Seguridade Social, suas respectivas arrecadações, somadas, perfazem quase quarenta por cento (39,04%) de toda a arrecadação tributária nacional de 2009; sendo que, nesse total de recursos das Contribuições Previdenciárias, a Contribuição Previdenciária das Empresas responde, sozinha, por 21,26%.”

5 Nos anos de 2010 e 2011 observou-se um incremento ainda maior da tributação, a qual,

segundo dados oficiais, da Receita Federal – Coordenação-Geral de Estudos Econômico-Tributários e de Previsão e Análise de Arrecadação, em relação ao PIB, a carga tributária nacional atingiu 35,31% contra 33,53% em 2010, indicando variação positiva de 1,78 pontos percentuais. Essa variação resultou da combinação dos crescimentos, em termos reais, de 2,7% do Produto Interno Bruto e de 8,15% da arrecadação tributária. Em relação a 2010, os tributos que registraram maiores variações positivas, médias com percentual do PIB, foram, respectivamente, o imposto de renda e a contribuição para a previdência social. Para as contribuições previdenciárias, a variação concentrou-se, em maior escala,

6

No contexto dos princípios constitucionais tributários, como acima

mencionado, encontra-se o Princípio da Legalidade o da Segurança Jurídica,

aliados a princípios outros que regem a Seguridade Social, tais como o da

equidade na participação, o da diversidade do financiamento e o da

solidariedade.

Tais princípios integram o subsistema constitucional tributário e

securitário, aos quais cabem a indicação das diretrizes básicas de

interpretação de normas em matéria tributária e previdenciária, em especial

quando o assunto são as Contribuições Previdenciárias incidentes sobre a

folha de salários.

O Princípio da Legalidade reveste-se da qualidade de essencial à

justiça do sistema tributário brasileiro, garantindo ao contribuinte de possíveis

desmandos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Como princípio de estatura constitucional que é, constitui um dos

instrumentos normativos fundamentais para a realização dos valores

constitucionais, além de servir de fundamento de validade a todos os

postulados infraconstitucionais que tenham por objeto a instituição de

Contribuições Sociais para a Seguridade Social.

Em virtude de seu caráter normativo e, logo, obrigatório, e graças

ao seu aspecto limitador da competência tributária, o Princípio da Legalidade,

no Direito Tributário, determina que o Estado se abstenha de exigir ou

aumentar tributos sem que a lei assim estabeleça. Com isso, quer impedir que

o patrimônio dos contribuintes seja dilapidado pela via da tributação

incongruente, uma vez que a violação ao princípio, ditame de crucial

importância no Estatuto do Contribuinte, refoge à idéia originária de que o

tributo deve ser um ônus suportável, ou seja, um encargo que o contribuinte

deva pagar sem sacrifício do desfrute normal dos bens da vida.

O Princípio da Legalidade constitui, com efeito, uma limitação à

tributação exacerbada, determinando que as pessoas políticas de direito

na tributação das empresas – (Receita Federal do Brasil - Carga Tributária no Brasil – 2011). Fonte: Receita Federal do Brasil. Acessado em 10/01/2013.

7

público, que instituem tributos e os arrecadam, estejam proibidas tanto de criar

exações como de arrecadar tributos em desconformidade com o que preceitua

a Constituição Federal e as leis. Isso tem escopo de evitar a violação não

somente da legalidade, mas, sobretudo, da solidariedade entre os membros da

sociedade quando o assunto é a arrecadação e a manutenção do sistema de

proteção social.

A garantia de um sistema tributário justo, por sua vez, não se

opera sem a observância ao já citado Princípio da Legalidade.

A tributação que se revele excessiva, em vista da não

observância do princípio, desatenderá, ao mesmo tempo, aos princípios

inerentes à Seguridade Social.

Dessarte, a vedação ao recolhimento de Contribuições Sociais

para a Seguridade Social, em especial para a Previdência Social, sem respaldo

legal, objetiva garantir, precipuamente, um sistema que ao mesmo tempo

possa fazer a proteção social, e, também garantir a higidez de princípios tão

importantes para o Estado Democrático Social de Direito, como a Legalidade e

a Segurança Jurídica.

Sob a bandeira de manter hígido o sistema, ou seja, sob a óptica

da Ordem Social, não há como atribuir às empresas exação exagerada na

participação no custeio social. Essa é tarefa coletiva e depende da participação

de todos, inclusive da União, a quem também incumbe parcela da

responsabilidade por verter receitas ao sistema.

Com base nessa premissa, há que se encontrar, pois, a justa

proporção entre as quotas com que cada ente social irá contribuir para a

satisfação do sistema; sendo certo que é justamente nesse contexto que o

Princípio da Legalidade e o da Segurança Jurídica, além de outros princípios

fundamentais da Seguridade Social, mostram-se indispensáveis.

A grande problemática em se manter hígido um Estado Social de

Direito, por sua vez, encontra lugar justamente no impacto econômico que isso

8

provoca. Entretanto, dentre as causas da crise previdenciária brasileira, talvez

a causa principal seja a permanente dívida da União para com o sistema.

Daí porque não se pode, para garantir a Ordem Social

constitucional, enaltecer as empresas como os atores sociais mais importantes

na divisão do custeio, deixando de lado princípios fundamentais constitucionais

para justificar a manutenção de demandas sociais.

É indispensável que, aliado ao exame valorativo, busque-se, a

partir de uma perspectiva deontológica, legitimar parâmetros para a aplicação

racional dos valores protegidos pelos aludidos princípios, urgindo, para tanto,

verificar quais os comportamentos necessários à realização desses valores e

quais os instrumentos indispensáveis à fundamentação controlável de suas

aplicações.

A observância, assim, dos princípios de justiça tributária,

constitucionalmente assegurados, é imprescindível à realização de uma

democracia constitucional que se pretenda mais justa.

Nesse contexto, atentar para as contribuições atinentes a folha de

salários e demais rendimentos do trabalho, ou seja, para a perspectiva

dimensível das exações previstas no art. 195, I, “a”, da Constituição Federal,

sob a égide do Princípio da Legalidade, apresenta-se, no rol dos direitos do

contribuinte, como prerrogativa indispensável6.

O tema ganha importância, sobretudo, diante da chamada nova

hermenêutica constitucional, a qual não se fundamenta apenas em juízos de

mera subsunção, específicos das regras, mas, mormente, em um modelo de

princípios, aplicáveis mediante uma minuciosa tarefa de ponderação, visando à

solução mais justa no caso concreto.

E a precisa tarefa dessa nova fase da hermenêutica constitucional

consiste em não somente redescobrir os princípios constitucionais como figuras

6 Alguns princípios são exclusivos da seguridade social, o que revela sua autonomia

didática, enquanto outros são genéricos, uma vez que aplicáveis a todos os ramos do direito, inclusive Ao previdenciário. Entre esses princípios gerais, merece guarida o da legalidade Tributária.

9

normativas, mas também, dedicar-se à elaboração teórica das dificuldades que

a sua interpretação e aplicação oferecem, tanto no que tange à determinação

de seu conteúdo, como, igualmente, na da sua eficácia.

Nesse aspecto, a relevância do estudo em questão passa pela

dificuldade pragmática de estabelecer critérios de averiguação da correta

quantificação da grandeza financeira das Contribuições Sociais de Seguridade

Social sobre a folha de salários, impostas às empresas, para definir o que

realmente pode ser alvo dessa exação.

10

CAPÍTULO 1- Constitucionalidade do Tema

1.1. Direito Constitucional

1.1.2. Sistema Constitucional

A Constituição, em seu sentido amplo e sob o aspecto jurídico,

pode ser entendida como a “pedra fundamental” que, além de conter as

normas estruturantes de um Estado, regula o funcionamento do sistema

jurídico como um todo. ALEXANDRE DE MORAES, em dizeres carregados de

pragmatismo, preceitua a Constituição como a lei fundamental e suprema de

um Estado, regramento que regula toda a estrutura estatal, além da distribuição

de direitos, garantias e, ainda, deveres do próprio Poder Público7.

De fato, o que inclusive é salientado pelo já consagrado professor

CELSO RIBEIRO BASTOS, a orientação acima é fruto do olhar individualizado

de apenas um dos enfoques que uma Constituição pode ser analisada, “seria

como que um poliedro que fosse examinado a partir de ângulos diferentes.”8

Nesse passo, não é de se estranhar que a palavra “constituição”

venha acompanhada por diferentes qualidades, mas, de qualquer maneira, em

não sendo esse o objeto deste trabalho, qual seja, o de analisar todos os

aspectos de uma Constituição, eventualmente contemplá-los ou mesmo criticá-

los, a orientação que se segue é aquela onde a Constituição da República

surge como núcleo que serve de centro comum a todos os outros conceitos

jurídicos.

Já em 1959, em sua aula inaugural na Universidade de Freiburg,

KONRAD HESSE afastava aquela noção trazida por FERDINAND LASSALE,

de que a Constituição representaria apena um “mero pedaço de papel,” para

arraigar sua função ordenadora da vida do próprio Estado 9.

7 Direito Constitucional, p. 36.

8 Curso de Direito Constitucional, p. 57.

9 Apud KONRAD HESSE. A Força Normativa da Constituição, p. 9-11.

11

Uma tentativa, ainda em HESSE, para o estudo da Constituição é

o da realidade político-social. Isso, por sua vez, leva crer, ao que tudo indica,

que a Constituição está condicionada pela realidade concreta de seu tempo10.

Foi nesse ambiente que CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

registrou que a Constituição, na história dos povos, é fruto de uma elaboração

que leva em conta a necessidade de fortalecer a conquista individual frente ao

poder estatal11.

A assertiva pode ser corroborada pelos ensinamentos de PAOLO

GROSSI, que vê o direito não como uma paisagem física a ser introduzida no

cotidiano dos homens, mas sim como o resultado do passar dos tempos, do

transcorrer da história12.

Nesse contexto, é oportuna a simples, mais contundente, posição

de CELSO BASTOS, para quem a Constituição significa a maneira de ser de

qualquer coisa, sua particular estrutura13.

Sobre outro enfoque, a Constituição também reúne normas que

dão sustentação ao Estado, ou seja, lhe dão estrutura, além de traçar a ação e

os limites desse mesmo Estado, fazendo, com isso, que sejam respeitadas as

mínimas garantias do que hoje se conhece por Estado Social Democrático de

Direito.

Não é difícil constatar que a realidade jurídica depende não

apenas de uma sociedade organizada na forma do Estado de Direito, mas,

além disso, que os direitos dos homens sejam preestabelecidos num

documento que, além de listar, também possa os resguardar. Até porque, como

lembra PAOLO GROSSI, o Estado é apenas a cristalização da sociedade e,

até por isso, deve ser democrático14.

10

Ib., p. 24. 11

Tendências do Direito Constitucional Brasileiro, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 161.

12 PAOLO GROSSI, Primeira Lição sobre Direito, p. 8.

13 Curso..., op. cit., p. 59.

14 Primeira Lição..., op. cit., p. 4.

12

O Estado não pode dispensar sua legitimidade e autonomia,

características, inclusive, inerentes a sua própria natureza, mas a força desse

Estado não pode ser bruta. Ensinou, aliás, ALAIN BADIOU, que “... a verdade

não é força.”15

O próprio Direito não pode vir “do alto e de longe, como se fosse

uma telha que cai de um teto sobre a cabeça de um passante,” não pode surgir

apena como poder ou comando com apenas possibilidades de coerções e

sanções16.

Mas, apenas para posicionar o que nos dias atuais se denomina

Estado Social Democrático de Direito, vale lembrar alguns aspectos que

desembocaram no que hoje se confia ser um sistema aberto de regras e

princípios que é a Constituição.

Através dos ensinamentos de PAULO BONAVIDES, sabe-se que

o ideal liberal acabou sendo, de certa forma, humanizado, ou mesmo

democratizado, na Idade Moderna, mas “morreu” com o declínio do

capitalismo, cedendo espaço às disputas e ofensivas que se deram a partir dos

socialistas e mais especificamente da dialética de MARX contra esse modelo

liberal17.

Aquele Estado inimigo, incitado através da “bandeira” que cativou

a democracia e um Estado de "todas as classes", ditado pelo ideal de justiça

social, inevitavelmente sucumbiu com o rompimento das doutrinas liberais.

Assim, pode-se dizer que praticamente todas as mudanças

sociais decorreram de novas posturas ideológicas, que, em seus tempos,

trataram de romper, de forma definitiva, com o modelo de Estado liberal em

substituição pelo Estado social que era retratado pela figura do provedor.

Em suma, como já mencionado, lembrando os ensinamentos de

PAOLO GROSSI, o Direito não é escrito numa paisagem física que aguarda o

15

Ética: um ensaio sobre a consciência do mal, 93. 16

PAOLO GROSSI, Primeira Lição..., op. cit., p. 2. 17

Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 32.

13

inserir humano, ele é escrito na história, eis que é nela que os homens teceram

seus sentimentos, seus ideais e interesses18.

Na mesma linha registra-se RUDOLF VON IHERING que, em sua

notável obra “A Luta pelo Direito”, salienta que todos os direitos do homem

foram conquistados através de lutas, até porque, frisa o autor, “o direito é uma

força viva.”19

IHERING, por oportuno, sempre defendeu a idéia do Direito

envolvido num movimento progressivo de transformação, tendo, inclusive,

assinalado àqueles que imaginam “que o direito se forma sem dor, sem custo,

sem ação como erva dos campos...” que “... a dura realidade ensina porém o

contrário.”20 (sic)

Na mesma linha, NORBERTO BOBBIO defende que os direitos

dos homens, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos,

nascidos de certas circunstâncias21.

Talvez por isso, PAULO BONAVIDES tenha contemplado que as

disputas entre o modelo liberal e o social foram "sangrentas", mas buscaram

ajustar o corpo social às novas categorias de exercício do poder que ansiavam

por um novo sistema social22.

Mas em substituição ao modelo liberal, o ideal de esquerda, por

sua vez, apresentou-se totalitário e incapaz de atingir seus objetivos. Um

modelo de reflexão criativa, derivado do consenso e de efeitos graduais

afigurou-se no Estado Social Democrático de Direito, da segunda metade do

século XX, esse sim adequado a concretizar a universalidade dos valores

abstratos das Declarações de Direitos Fundamentais23.

18

Primeira Lição..., op. cit., p. 8. 19

A Luta Pelo Direito, p. 1. 20

Ib., p. 7-9. 21

Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano-Democráticos da Legalidade Tributária: óbvios Ululantes e não Ululantes, in MELISSA FOLMANN (coord.), Tributação e Direitos Fundamentais: Proposta de Efetividade, p. 191.

22 Do Estado..., op. cit., p. 32.

23 Id.

14

Trata-se de um Estado Social, onde, por decorrência lógica, avilta

menos, e, a sociedade mais; onde princípios como a liberdade e a propriedade

dão lugar às diligências do Poder e do cidadão de modo que alcança um

campo de concretização de direitos, princípios e valores24.

CARLOS ALBERTO MENESES DIREITO lembra BOBBIO

quando registra que a liberdade coincide não com autodeterminação individual,

mas com a autodeterminação coletiva25 26.

Esse é o Estado Social de Direito, positivado no Brasil após a

promulgação da Constituição de 1988, que acabou por reconstruir o valor

essencial para a vida coletiva, que é retratado na dignidade da pessoa

humana, permitindo a reconciliação da sociedade com o Estado. É a

“humanidade do Direito”, na medida em que esse nasce com o homem e para

o homem, “incindivelmente coligado às vicissitudes humanas no espaço e no

tempo.”27

O texto constitucional foi objetivo ao demonstrar a importância da

dimensão protetiva da liberdade do homem diante do Estado.

De todo modo, didaticamente, parece oportuno dizer que a

Constituição, nesse diapasão, representa aquele conjunto de regras e

princípios que tem a finalidade de estruturar, organizar e desenvolver o poder

24

“O Homem de nossos dias não tem reservas para enfrentar, resoluto, a hora das crises, e, como dispõe apenas um espaço de existencial mínimo, que, nos casos extremos, já freqüentes em grandes centros populacionais, o faz inquilino de um quarto sublocado, prestacionista de bens que o conforto tecnológico sedutoramente lhe oferece, aumentando-lhe o fardo dos compromissos materiais assumidos, esse Homem angustiado e neurótico do século XX move-se com insegurança num circulo de interesses que estreitam e acentuam cada vez mais sua dependência em face do Estado. Quando esses laços de dependência se tornam, como em nossos dias, verdadeiro nó górdio da problemática social e política, corre o individuo sério perigo. O Estado, que, em si, por sua natureza mesma, já é uma organização de domínio, pode, sob o leme de governantes ambiciosos e de vocação autocrática, destituídos de escrúpulos, converter-se em aparelho de abusos e atentados à liberdade humana, o qual exploraria, no interesse de sua força e de seu predomínio, aquela dependência básica do individuo, transformado, então, em mero instrumento dos fins estatais.” (Ib., p. 201).

25 Tendências do Direito Constitucional..., op. cit., p 163.

26 “O Direito é de fato dimensão intersubjetiva, é relação entre vários sujeitos e é marcado

pela sua essencial socialidade.” “... pode se tratar de uma pequena tribo primitiva nas profundezas de uma selva amazônica ou de um Estado com todo o seu formidável aparato organizado de poder; mas sempre é necessário aquele encontro que transforma em social a experiência do sujeito singular.” (PAOLO GROSSI, Primeira Lição..., op. cit., p. 8).

27 Ib., p. 7-8.

15

político de um Estado, além de definir suas ações e limites através do que se

convencionou chamar de direitos fundamentais do cidadão.

Trata-se da norma superior, por excelência, que, portanto, regula

a produção das normas inferiores numa espécie de escalonamento normativo

que nos faz lembrar HANS KELSEN, para quem a ordem jurídica forma uma

espécie de construção escalonada de diferentes camadas ou níveis, que tem

na Constituição o nível mais alto28.

Fato é que o Estado liberal e, em contra partida, o estado

interventor pleno, criou a síntese do Estado Social de Direito, pós-segunda

guerra. A partir desse momento a preocupação muda seu foco, tentando atingir

objetivos traçados pela Ordem Social. Isso porque, o Estado Liberal,

individualista, ansiava pela conquista e manutenção da igualdade formal sem

as devidas preocupações quanto às desigualdades materiais inerentes a

própria condição de ser humano.

Então, aquele modelo de Estado que sempre serviu de adversário

e que aterrorizava o cidadão, até como o maior inimigo de sua liberdade,

modelo construído ainda em KANT para quem o homem fruía de plena

liberdade. passou pelo modelo de Estado Social em MARX, até alcançar a

forma jurídica onde fora possível formular um ideal liberal, mas não aquele

pleno e absoluto como a história alvitrava.

A saída foi fazer com que a democracia sobrevivesse através das

garantias dos direitos sociais, a qual justificava a necessária, e lícita,

intervenção estatal para manter a idéia, não menos justa, do individualismo que

precisa de reconhecimento e segurança.

Trata-se do Estado Social de Direito, onde as liberdades

prevaleciam, mas não de forma plena, onde o Estado provia, mas distante da

figura do “Estado Providência” e onde a temperança entre o liberal e o social

vinha da condição do próprio Estado, mas aquele “de direito”.

28

Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz de Incidência: Texto e Contexto, p. 33.

16

É ai que aumentam as demandas por direitos individuais, cresce o

espaço para justiça constitucional, justamente com o intuito de concretizar os

direitos. Trata-se do momento do nascimento de um direito transformador, e

não regulador ou provedor somente.

Vem à tona a noção principiológica e compromissória do

constitucionalismo, abarcando temas antes reservados apenas à esfera

privada. Com base no que registra PAOLO GROSSI, pode-se dizer que é a

humanidade e a socialidade do direito29.

Enfim, o modelo Social de Direito não é mais apenas ordenar

como o era o Estado liberal, tampouco, e unicamente, provedor como na

modelagem tipicamente social; é sim transformador e garantidor dos direitos

fundamentais, permitindo, com isso, que o próprio Direito assuma uma posição

onde seu papel maior é o de concretizar direitos e evitar as discricionariedades.

Foi nesse ambiente que em fevereiro de 1987, especificamente

no dia primeiro do citado mês, fora instalada a Assembléia Nacional

Constituinte. Ao término de seus trabalhos, fora promulgada a Constituição

Federal de 1988 cujas intenções foram previstas em seu preâmbulo, que

consiste numa certificação da legitimidade do documento e na proclamação de

princípios que demonstraram a ruptura com o paradigma anterior,

comemorando o surgimento do Estado Social de Direito.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

30

29

Primeira Lição..., op. cit., p. 9. 30

BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988 (Preâmbulo).

17

Ressalva, porém, deve ser feita, na medida em que apesar de

justificar os objetivos e as finalidades do Estado que foram inaugurados através

do rompimento do antigo paradigma, o preâmbulo constitucional não integra o

texto da Constituição. Entretanto, é possível obter do preâmbulo alguns vetores

para que a atividade interpretativa possa ser feita, e, talvez por isso, CELSO

BASTOS tenha registrado que o preâmbulo consagra declarações

principiológicas e, portanto, de caráter geral31.

Há, todavia, nítida relação entre sua redação e a própria

interpretação da Constituição, de modo que a certidão de legitimidade, como

reconhecida por ALEXANDRE DE MORAES, servirá de elemento integrador

das diversas normas que seguirão no corpo do documento mais importante da

nação32.

Talvez tenha assumido um papel do próprio Direito, que nas

palavras de PAOLO GROSSI, seria o de evitar a separação entre esse e a

sociedade33.

Como ensina KONRAD HESSE, a norma constitucional somente

logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do

presente e, assim, a Constituição converte-se na ordem geral objetiva do

complexo de relações da vida34.

ROBERTO QUIROGA MOSQUERA assinala que a Constituição

impõe seus comandos que são obrigatórios no comportamento do cidadão

nacional, “por intermédio de um feixe de normas jurídicas que prescrevem

mandamentos, obrigações, imperativos e direitos.” Na mesma toada, o autor

registra que a Constituição não dá conselhos, ela obriga. Não é apenas um

ideário, na medida em que suas regras e princípios estipulam contornos da

atuação do homem em sociedade35.

31

Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 144. 32

Direito..., op. cit., p. 48. 33

Primeira Lição..., op. cit., p. 2. 34

A Força..., op. cit., p. 18. 35

Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional, p. 72-73.

18

Enfim, a “Constituição representa a Lei Máxima, o Comando

Superior, na qual todas as demais normas jurídicas irão buscar seu

fundamento de validade, seu alicerce de sustentação”36

Nessa linha de raciocínio, importante trazer à baila a “Teoria dos

Sistemas”, já no século passado pensada por KARL LUDWIG VON

BERTALANFFY, que na busca por uma definição de sistemas que fosse

passível de aplicação em todos os campos da investigação científica, registrou

que o sistema é um conjunto de elementos que se relacionam entre eles

mesmos e com um ambiente37.

O pensamento sistêmico, acima destacado, é nitidamente

aplicável à centralidade da Constituição, numa ordenação unitária em um

contexto de relacionamento externo e consigo mesmo. Oportunamente,

NIKLAS LUHMANN trouxe ao conhecimento de todos a “Teoria Geral dos

Sistemas de Segunda Geração”, que acabou por inaugurar a concepção dos

sistemas autopoiéticos. Esse sistema “vivo” alimenta a idéia de que ele próprio

produz seus elementos e estruturas, assim como a Constituição38.

A característica fundamental do sistema, no ideário de

LUHMANN, é sua auto-referência, ou seja, ele é objeto de sua própria análise,

e define a si mesmo a partir do reconhecimento de sua diferença em face do

que está a sua volta. Esse sistema deve ser aberto para ser estimulado pelo

seu entorno e é isso que o fortalece e fomenta sua higidez, permitindo sua

funcionalidade39.

Não é por outro motivo de PAULO DE BARROS CARVALHO

identifica essa reunião de regras e normas jurídicas, inclusive a própria

Constituição Federal, como um conjunto integrado de elementos que se inter-

relacionam, formando um verdadeiro sistema. Para o professor emérito da

PUC-SP e da Universidade de São Paulo, esse “sistema jurídico” faz com que

36

Ib., p. 73. 37

Teoria Geral dos Sistemas, p. 191-209. 38

Introducción a la teoria de sistemas, “passim”. 39

Sociedade y sistema: la ambición de la teoria, p. 57.

19

as regras e as normas se interliguem mediante vínculos verticais e horizontais,

criando relações de coordenação e de subordinação hierárquica40.

É nesse passo que o professor define sistema conjugando a idéia

de que “onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e

aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental

de sistema.”41

PAULO DE BARROS bem esclarece que as normas jurídicas é

que formam esse sistema jurídico. Essa afirmação decorre do fato de que as

normas no sistema jurídico estão dispostas numa estrutura de cunho

hierárquico e é isso que regula a criação e a própria transformação do sistema

jurídico42.

JOSÉ ROBERTO VIEIRA lembra que a noção de sistema do

ordenamento jurídico é, talvez, a maior das contribuições do Jusnaturalismo43.

O professor paranaense aponta o sistema jurídico e sua

primordial característica: a unidade44.

Oportuno lembrar GERALDO ATALIBA, que bem remonta a idéia

fulcral de que não há norma jurídica solitária, eis que, para o autor, somente é

jurídico o preceito integrado no sistema45.

Enfim, todas as normas do sistema convergem para um ponto

único que é representado na norma fundamental, sendo essa a responsável

pela higidez e validade do sistema. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, por

oportuno, registra que “sistema”, na Teoria Geral de Direito, é o “... conjunto de

objetos e seus atributos (repertórios do sistema), mas as relações entre eles,

conforme certas regras (estrutura do sistema).”46

40

Curso de Direito Tributário, p. 10. 41

Ib. p. 130. 42

Ib. p. 134. 43

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 34. 44

Noção de Sistema no Direito (Revista da Faculdade de Direito da UFPR), p. 54. 45

República e Constituição, p. 166. 46

Apud, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 34.

20

É dessa idéia que decorre o caráter unitário e homogêneo47.

Isso revela o repertório do sistema como o conjunto de normas

que tem uma unidade certificada pela Constituição, não podendo deixar

escapar a concepção de que as normas que compõem o repertório, e que

estruturam de modo especial o sistema, são justamente os princípios48.

Assinala, por fim, PAULO DE BARROS CARVALHO, que a ordem

jurídica brasileira pode ser vista como um sistema de normas que tem o “papel”

de promover e alterar a conduta humana no seio da sociedade49.

A Constituição é o espaço das linhas gerais que tem como

atribuição a organização do Estado, sendo coerente, portanto, CELSO

RIBEIRO BASTOS, para quem essa regulação é feita em grande escala. Na

mesma linha, assinala o professor, que ainda que todas as normas

constitucionais tenham uma eficácia mínima, algumas desfrutam da

capacidade de incidirem diretamente sobre o caso concreto e outras

necessitam, para tanto, de certa integração50 51.

Da mesma forma, PAULO DE BARROS CARVALHO traz à baila

a noção de sistema que contempla o conjunto de elementos que se relacionam,

compondo um todo unitário52.

Entretanto, cabe frisar que além da unidade, lembra EROS

ROBERTO GRAU, que todo sistema também contempla uma ordenação53. Daí

pode-se extrair que o modelo jurídico contempla um repertório de elementos,

que, por sua vez, devem ser ordenados numa estrutura homogênea e de

unidade.

O texto constitucional, por conta disso, pode ser visto como o

objeto da interpretação através de suas regras e princípios, sendo plausível

47

“Define-se sistema como um conjunto de elementos (partes) que entram em relação formando um todo unitário.” (MARCELO NEVES, apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Id.)

48 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 35.

49 Ib. p. 138.

50 Hermenêutica..., op. cit., p. 83.

51 Ib., p. 88.

52 Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Noção de Sistema..., op. cit., p. 54.

53 Id.

21

afirmar que a Constituição, por isso, não pode ser considerada senão em seu

conjunto, ou melhor, na condição de sistema jurídico; mais especificamente,

considerada como a unidade fundamental.

Até porque, como lembra GERALDO ATALIBA, não há norma

jurídica avulsa, na medida em que somente pode ser jurídico o preceito que

esta integrado num determinado sistema54.

Talvez por isso RICARDO LOBO TORRES tenha argumentado

que a “unidade não leva ao fechamento, mas à compatibilização entre diversos

valores.”55

Nesses moldes, registra MARCELO MARTINS ALTOÉ, que os

valores políticos, jurídicos e éticos vêm determinados na Constituição, sempre

na forma de normas constitucionais que podem ser tanto regras como

princípios56.

Contudo, considerando a amplitude da discussão e os diversos

caminhos que podem ser percorridos em face da complexidade contextual, o

presente trabalho seguirá a teoria de RONALD DWORKIN ,ROBERT ALEXY

MARCELO ALTOÉ, para quem os princípios e regras se distinguem por sua

qualidade, pela força da estrutura da norma, e não em razão apenas de sua

estrutura.

1.1.2. Princípios Constitucionais Genéricos

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, constitui-se num Estado

Social Democrático de Direito cujo arcabouço lógico, interpretativo e

sistemático, decorre da Constituição Federal promulgada em cinco de outubro

54

Ib., p. 61. 55

Valores e Princípios Constitucionais Tributários, p. 43. 56

Direito versus Dever Tributário. Colisão de direitos fundamentais, p. 52.

22

de 1988, após longo período, desde fevereiro de 1987, com a instauração da

Assembléia Nacional Constituinte.

Nesses quase vinte e cinco anos de vigência, muitas coisas foram

alteradas e modificadas e até mesmo inovadas através de setenta e uma

emendas, a última datada de vinte e nove de novembro de 2012, que

representaram as modificações, alterações, reparos e também as inovações no

ordenamento jurídico brasileiro.

Os fundamentos da República, todavia, permanecem inalterados

em razão até da opção constitucional de calcar todo o ordenamento

constitucional em fundamentos de tamanha amplitude para o Estado Social de

Direito, e cuja eventual alteração poderia comprometer a higidez de todo o

sistema constitucional.

Tais fundamentos consubstanciam-se na a soberania; na

cidadania; na dignidade da pessoa humana; nos valores sociais do trabalho, na

livre iniciativa; e, no pluralismo político.

O fundamento da “dignidade da pessoa humana”, para trabalhar

com um preceito que contribui efetivamente com o presente trabalho,

representa não só objetivos do sistema constitucional, mas verdadeiros direitos

fundamentais das pessoas.

A dignidade humana é que unifica os direitos e garantias

fundamentais de cada cidadão. Como assinalada JOSÉ ALFREDO DE

OLIVEIRA BARACHO, a dignidade humana, juntamente com a definição de

justiça, passaram a ocupar lugar de destaque na própria democracia eleita pelo

modelo de Estado, sendo essa, portanto, diretriz essencial ao modelo

contemporâneo de Estado Social Democrático de Direito57.

É justamente esse fundamento que garante a higidez do modelo

de Estado, afastando o predomínio das concepções individualistas que

marcaram o Estado Liberal e, ao mesmo tempo, resguardando o homem do

57

Teoria da Constituição, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 279.

23

predomínio das concepções do próprio Estado provedor, garantindo as

liberdades e as individualidades, mas de maneira com que o direito possa

sopesar e resguardar aquilo que fundamenta a Constituição, seus valores e

postulados.

Há, ainda, na medida em que os fundamentos constitucionais

deram o “pontapé inicial” ao modo como operaria o ordenamento jurídico

inaugurado pelo Sistema Constituição do Estado Social de Direito, os objetivos

fundamentais da nova ordem constitucional, revelados no próprio texto, como

aqueles que devem construir e garantir uma sociedade justa e solidária; além

de reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos.

Então, na análise da Constituição o que desperta atenção são os

princípios nela consagrados e, resumidamente, são esses os princípios

fundamentais da Republica Federativa que adotou o modelo Social

Democrático de Direito. Nesse diapasão, talvez seja conveniente trazer à baila

o registro de IHERING, para quem a defesa do direito é um dever da própria

conservação moral58.

Mas, antes de discorrer acerca de alguns importantes e essências

princípios constitucionais genéricos, cabe uma breve incursão acerca dos

princípios e das regras, questão fulcral, embora não seja essa a preocupação

central deste estudo, razão pela qual esse ponto não será objeto de análise de

grande profundidade. De início, apenas para consignar, como lembra MARÇAL

JUSTEN FILHO, “trata-se, essa, de uma das maiores preocupações da

doutrina nos últimos anos”.59

O ordenamento jurídico é formado por um conjunto encadeado de

normas que buscam validade na Constituição e por isso é que dizemos ser ela

a Lei Fundamental num Estado. “Mas mesmo na Constituição existem normas

mais importantes e normas menos importantes...” afirma ROQUE ANTONIO

CARRAZZA, que continua registrando que “... as normas constitucionais não

possuem todas as mesmas relevâncias, já que algumas vinculam simples

58

A Luta..., op. cit., p. 19. 59

Curso de Direito Administrativo, p. 111.

24

regras, ao passo que outras, verdadeiros princípios. Os princípios são as

diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico.”60

As normas cogitam o conjunto de princípios e regras. Tais

normas, por sua vez, compõem um repertório que guarda entre si uma relação

sistêmica. Os princípios são os verdadeiros alicerces desse sistema jurídico,

são eles normas de caráter especial. Na visão de JOSÉ SOUTO MAIOR

BORGES, os princípios não são diferentes das demais normas, apenas

possuem um âmbito de validade maior, na medida em que passam a informar

todas as demais normas do sistema, exercendo verdadeiro papel de “norma

jurídica qualificada”.61

Os princípios constitucionais merecem uma menção especial, até

porque o conteúdo revelado por eles deve ser perquirido pelo intérprete,

sempre. CELSO RIBEIRO BASTOS assinala que servem eles de norte para a

atividade interpretativa e, justamente por isso, têm relação com o que se pode

chamar de valores constitucionalmente adotados62.

O enfoque é o mesmo na visão do professor HUMBERTO ÁVILA,

que vê nos princípios prescrições dirigidas a todos os operadores do direito,

estabelecendo, com isso um estado ideal de coisas para cuja realização é

necessária a adoção e comportamentos que provocam efeitos que contribuem

para a promoção próprio ordenamento63.

Contudo, com objetivo de não estabelecer polêmica acerca do

tema de suma importância como os princípios, tomar-se-á emprestado os

dizeres de RONALD DWORKIN, para quem os princípios são um conjunto de

padrões que não são regras, mais precisamente, um padrão que deve ser

observado independente de qualquer coisa, na medida em que é uma

exigência de justiça ou equidade ou outra dimensão da moralidade64.

60

Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 30. 61

Apud, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 37. 62

Hermenêutica..., op. cit., p. 144. 63

Segurança Jurídica – Entre permanência, mudança e realização no direito Tributário, p. 112-113

64 Levando os Direitos a Sério, p. 36.

25

Afinal de contas, dão eles “vida a estrutura e conferem unidade ao

texto constitucional determinando-lhes às diretrizes fundamentais, eis que se

irradiam influenciando na interpretação, na determinação de conteúdo e até

mesmo tornando inconstitucionais leis que estejam a liberar comandos que

conflitem os princípios.”65

A compreensão da Constituição enquanto sistema integrado

anseia por um conjunto interligado e harmonioso, que tem por escopo a

efetivação de políticas eleitas fundamentais por uma sociedade.

Justamente para que isso seja possível é que a Constituição foi

concebida como um sistema adaptado de normas que se dividem em princípios

e regras. Ressalva que se faz, todavia, é a mesma registrada por MARCELO

ALTOÉ, ou melhor, “... princípio e regras são espécie de normas jurídicas. Tal

distinção, entretanto, é alvo de controvérsias, não existindo, tanto na doutrina

nacional como na estrangeira, qualquer unanimidade sobre o assunto.”66

Etimologicamente, registra ROQUE ANTONIO CARRAZZA, o

termo princípio vem do latim (principii) e encerra a idéia de origem, começo,

fundamento, base. Em linhas gerais, lembra o professor da PUC/SP, é o ponto

de partida e o fundamento de qualquer processo67.

Em DWORKIN, a diferença elementar entre um e outro é a

dimensão de importância, na medida em que as regras são aplicadas de forma

“ou tudo ou nada” ao passo que os princípios não se anulam, mas em cada

situação assumem “pesos” diferenciados que justificam a aplicação daquele ou

daqueloutro68.

A diferença, portanto, é de natureza lógica e a distinção se dá

quanto à natureza da orientação que oferecem.

Tanto Dworkin quanto Alexy são representantes da tese da separação qualitativa entre regras e princípios, que advoga que a distinção entre ambas espécies de normas é de caráter lógico, Uma alternativa a essa tese é aquela que defende que a distinção entre

65

CELSO RIBEIRO BASTOS. Hermenêutica…, op. cit., p. 208. 66

Direito versus..., op. cit., p. 54. 67

Curso de Direito..., op. cit., p. 30-31. 68

Id.

26

ambas é de grau, seja de grau de generalidade, abstração ou fundamentalidade.

69

Isso não quer dizer que não existam conflitos entre princípios,

mas sim que uns complementam os outros e, dessa forma, cada princípio

fornecerá uma resposta relevante para um problema jurídico específico,

fornecendo uma razão em favor de uma solução, mas sem dizer a resposta.

Caberá, portanto, ao intérprete avaliar os princípios conflitantes e

chegar a uma resposta, não se podendo simplesmente anular os demais como

se não fizessem parte do ordenamento.

Por óbvio, as regras também podem estar em conflito, mas nesse

caso, a decisão é pela regra válida e isso afeta de forma dramática o conjunto

a ser decidido.

Em que pese tanto os princípios como as regras sejam genéricos,

ponto que merece atenção é o fato de que as regras regulam situações

específicas apresentadas, enquanto os princípios comportam, em seu

arquétipo, uma generalidade que contempla uma série indefinida de

aplicações. Os princípios, então, justificam as regras estabelecidas.

Em ROBERT ALEXY os princípios são como “mandados de

otimização” que são caracterizados pelo simples fato de poderem ser

cumpridos em diferentes graus 70.

WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR corrobora ressaltando-os

como a “norma das normas.”71

Os princípios se resolvem, portanto, no contexto deontológico

onde não há invalidade, mas sim importância numa ou noutra circunstância

posta em conflito. MARÇAL JUSTEN FILHO bem complementa, consignando

que a regra traduz uma solução concreta e definida, refletindo escolhas

instrumentais, ao passo que os princípios indicam uma escolha axiológica, que

69

HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos Fundamentais do Contribuinte e a Efetividade da Jurisdição, p. 41.

70 Teoria dos Direitos Fundamentais, “passim”.

71 Probidade Administrativa, p. 14.

27

pode concretizar-se em diversas alternativas concretas. Em regra, lembra o

professor paranaense, “a regra torna válida uma solução determinada,

enquanto o princípio impõe a invalidade de soluções indeterminadas.”72

Isso quer dizer, ao contrário das regras, que os princípios são

aplicados em face do “peso” que assumem numa dada situação; ou melhor, a

decisão de afastá-lo não o invalida, eis que o problema se resolve através da

importância que ele representa em um determinado caso concreto. A resposta

é a ponderação, sendo certo afirmar que a opção será por aquele de maior

“carga” no caso em exame.

Nesse contexto, princípios e regras se diferenciam quanto à forma

de resolução dos conflitos. Aqueles se resolvem pelo sopeso entre uns e outros

aplicáveis no caso específico, não havendo que se falar em prevalência perene

de um em relação ao outro, na medida em que a dado princípio pode

“prevalecer” sobre outro apenas diante condições concretas apresentadas.

Essa é a tese mais difundida na doutrina, mas seja como for, o

importante é a fundamentalidade dos princípios e sua ampla gama de

efetivação e importância no sistema jurídico. É nesse diapasão, inclusive, que

WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR registra que os princípios jurídicos

funcionam como que um fator de aproximação entre o Estado e a sociedade,

servindo, como conseqüência lógica, de elemento essencial para a própria

conquista da legitimidade e produção de normas jurídicas subalternas73.

No mesmo sentido anota CELSO ANTONIO BANDEIRA DE

MELLO, para quem os princípios são os mandamentos nucleares do sistema.

Talvez por isso, o mesmo autor tenha assinalado que violar um princípio é

muito mais grave que transgredir uma norma qualquer74.

Daí, pode-se dizer que os princípios são verdadeiros alicerces do

sistema. Suas disposições irradiam-se através do ordenamento, servindo de

72

Curso de Direito..., op. cit., p. 111. 73

Probidade..., op. cit., p. 14. 74

Curso de Direito Administrativo, p. 476.

28

critério para a exata compreensão e interpretação das normas, dando

racionalidade, lógica e sentido harmônico ao sistema75.

O sistema jurídico necessita de princípios (ou valores que eles exprimem) como os da liberdade, dignidade, democracia, Estado de direito; são exigência de optimização abertas a várias concordâncias, ponderações, compromissos e conflitos. Em virtude de sua ‘referência’ a valores ou da sua relevância ou proximidade axiológica (da ‘justiça’, da ‘idéia de direito’, dos ‘fins de uma comunidade’), os princípios têm uma função normogenética e uma função sistêmica: são o fundamento de regras jurídicas e têm uma idoneidade irradiante que lhes permite ‘ligar’ ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional.

76

Os princípios constitucionais genéricos, por óbvio, devem ser

percebidos através do exame do ordenamento constitucional, sem que se deixe

de lado a idéia do pensamento sistêmico de LUHMANN, a centralidade da

Constituição e sua auto-referência.

Todavia, o presente trabalho tem como foco as peculiaridades

tributárias, sendo coerente afirmar, por óbvio, que os princípios genéricos aqui

selecionados têm relação direta com a influência exercida no estudo científico

do Direito Tributário.

Não se pretende exaurir todos os princípios constitucionais, até

porque o presente estudo não se presta a esse fim, seja pela modéstia, seja

pela dimensão que isso comportaria.

Nesse passo, cumpre dar seqüência ressaltando o emérito

professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, para quem a conformação dos princípios

privilegia aqueles que não podem ser tocados, nem mesmo por reforma

constitucional, o que leva o jurista a tipificá-los como princípios superiores,

elencados pela Constituição no art. 60, §4º. O professor da Universidade

Federal do Paraná os coloca no patamar de “primeiros princípios do sistema

constitucional brasileiro”, elencando, nesse passo, o Princípio Federativo (art.

75

LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo do Princípio da Solidariedade no Sistema da Seguridade Social, in LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON e JOÃO BATISTA LAZZARI (Coord.), Curso Modular de Direito Previdenciário, p 39.

76 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da

Constituição, p. 1163.

29

1º); Princípio da República (art. 1º); Princípio da Democracia (art. 1º); Princípio

da tripartição de poderes (art. 1º); e os Princípios dos Direitos fundamentais

(art. 5º)77.

A designação “primeiros” decorre da própria condição topográfica,

na medida em que são enunciados já nos primeiros dispositivos constitucionais

que os elegem como primordiais. Além disso, são eles princípios de limitações

materiais explícitas, imunes até ao “poder constituinte reformador”, que

conhece limitações constitucionais expressas, eis que sob o controle de

constitucionalidade.

Interessa dizer que tais orientações principiológicas são cláusulas

pétreas o que, de certa forma, confere estabilidade e segurança ao

ordenamento jurídico. Tais princípios, como lembra CELSO RIBEIRO BASTOS,

têm caráter informador e acabam por amparar a própria função interpretativa78.

Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos segmentos. Em Direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.

79 80

E, como lembra JOSÉ ROBERTO VIEIRA, convocando

OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, “voltemos os olhos para os

primeiros princípios, o arquiteto, ao construir um prédio, mais se deve

77

Medidas Provisórias em Matéria Tributária: As Catilinárias Brasileiras, p. 47. 78

Hermenêutica..., op. cit., p. 221. 79

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 141-142. 80

A partir dessa reflexão, o uso da palavra “princípio” pode denotar usos distintos, seja ele como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; como os valores insertos nas regras jurídicas de posição privilegiada; e como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia. Nos dois primeiros casos se tem “princípios” como “norma”, no terceiro como “valor” e no quarto como “critério objetivo”. (Id., p. 142).

30

preocupar com a solidez dos alicerces que com as cores vistosas das

paredes.” Afinal de contas, só se conhece algo se as suas causas são

conhecidas, se os fundamentos são dominados81.

Mas, então, quais seriam os princípios gerais?

Para JOSÉ ROBERTO VIEIRA, são os princípios: federativo, da

república, da democracia, da tripartição de poderes e relativos aos direitos

fundamentais. CELSO RIBEIRO BASTOS não destoa, elencando os princípios

da igualdade, da justiça, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Os

denomina Princípios Gerais do Direito, resguardando uma natureza jurídica de

valores, em que pese sem criar uma efetiva diferenciação entre o que chama

de princípios gerais do direito e princípios constitucionais, na medida em que

ambos se apresentam generalistas absolutos82 83.

Nesse contexto, ao que tudo indica, pode-se dizer que os

princípios genéricos constitucionais seriam: o federativo; o da república; o da

igualdade (que alberga o princípio da democracia); e o princípio do Estado de

Direito (que abrange o princípio da tripartição de poderes e os princípios dos

direitos fundamentais, em especial o da liberdade, da justiça e da dignidade).

Não é difícil confirmar a prevalência de tais princípios, na medida

em que estariam eles aptos a cumprirem os objetivos da Nação, quais sejam: o

de construir uma sociedade livre, justa e solidária, que possa se desenvolver

com parâmetros atinentes à redução de desigualdades sociais e promover o

bem de todos84.

Fato é que muitos são os princípios constitucionais gerais, sendo

prudente consignar que no presente trabalho o escopo foi o de considerar os

de maior expressividade. Para isso, tomemos como direção o professor

PAULO DE BARROS CARVALHO que elenca os princípios genéricos

81

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 186-187. 82

Hermenêutica..., op. cit., p. 222-224. 83

“Enquanto princípios gerais do direito ou princípios constitucionais, a verdade é que são estes enunciados constitucionais que permitem melhor caracterizar a Constituição e compreendê-la.” (Ib., p. 226).

84 Vide art. 3º, da Constituição Federal de 1988.

31

constitucionais como sendo o princípio da justiça, o princípio da segurança

jurídica, o princípio da igualdade e da legalidade85.

Enfim, há que se ter em mente que quando do estudo de qualquer

segmento do Direito, o foco deve prevalecer nos alicerces do sistema jurídico

que remete ao direito constitucional. Isso porque, como registra JOSÉ

ROBERTO VIEIRA, “as normas constitucionais são logicamente anteriores às

normas de qualquer outro ramo jurídico, para as quais inclusive desempenham

o papel de supedâneo legitimador.”86

Além disso, o ordenamento jurídico revela um conjunto integrado

de elementos que se inter-relacionam, formando um sistema que busca sua

referência nos princípios constitucionais, estejam explícitos, ou não.

Como assinala ROQUE CARRAZZA, os princípios possuem

função especificadora dentro do ordenamento jurídico, e, por isso,

menosprezá-los pode representar a quebra de todo o sistema. O professor

registra, ainda, que são os princípios constitucionais genéricos que dão

coerência ao sistema, sendo certo afirmar que são eles responsáveis pela

estrutura e coesão do ordenamento jurídico87.

E não é por outra razão que alguns princípios constitucionais

genéricos serão relacionados e individualizados a seguir, eis que, ao que nos

parece, fundam o sistema jurídico como um todo, irradiando seus efeitos por

todo o ordenamento que se diz social democrático de direito.

Enfim, como registrou JOSÉ ROBERTO VIEIRA em sua tese de

doutorado, “não poderia ser outro, portanto, o nosso ponto de partida: os

princípios do nosso sistema constitucional”; mas com suas peculiaridades e

especificidades atinentes a matéria tributária, eis que objeto deste modesto

trabalho, de modo que os contornos constitucionais selecionados possam

ambientar o presente estudo, influenciando o que será objeto de análise

aprofundada: a Contribuição Previdenciária das empresas destinada a

85

Curso..., op. cit., p. 145-155. 86

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 39. 87

Curso de Direito..., op. cit., p. 40-41.

32

Seguridade Social, em especial aquela incidente sobre o pagamento ou o

crédito dos rendimentos do trabalho pagos pelas empresas aos que lhe

prestaram serviços, em consonância com o princípio da legalidade88.

JOSÉ ROBERTO VIEIRA já elencava, dentre “primeiros princípios

do sistema constitucional brasileiro”, os princípios da federação e o

republicano. Da mesma forma, ROQUE CARRAZA cita-os como aqueles que

têm projeção e pertinência no sistema jurídico.

De início, importa dizer que nos termos da Constituição Federal

de 1988 (art. 1º), o Brasil é uma República: tipo de governo fundado na

igualdade formal das pessoas, onde os detentores dos poderes políticos os

exercem em caráter representativo e em função de mandato eletivo e

transitório outorgado pelo povo.

Nesse modelo há que se privilegiar a igualdade, na medida em

que não podem haver distinções entre as pessoas, até porque, não devem

existir vantagens em face do privilégio de classes. Enfim, partindo da premissa

da igualdade, não há como se deferir tratamentos diferenciados em razão de

privilégios de nascimento ou classe econômica.

O cerne é a igualdade, e, portanto, o princípio é fulcral na

organização política do Estado. Talvez por isso possa se dizer que tal princípio

é integrante da noção republicana.

Mas esse Estado não é o senhor de todos os cidadãos, senão

apenas o responsável por resguardar e proteger seus interesses. Nesse

contexto, na República todos são iguais perante a lei e detentores da mesma

dignidade social. Daí decorre a igualdade formal e a democracia

representativa, onde a assertiva que se reproduz é aquela onde todo poder

emana do povo que o exerce por meio de seus representantes eleitos na forma

da Constituição.

É a partir deste princípio que a Constituição proclama como

objetivo fundamental a garantia de uma sociedade justa e digna.

88

Medidas Provisórias..., op. cit., p. 46.

33

Nesse tom, diga-se, que é possível extrair-se do Princípio

Republicano, o Princípio da Justiça, de PAULO DE BARROS CARVALHO e

CELSO RIBEIRO BASTOS.

Seria tal princípio, então, uma diretriz suprema do ordenamento;

capaz de se caracterizar como um “lugar comum”89?

Como bem registra GERALDO ATALIBA, o princípio da República

é o mais importante e decisivo do direito público. É por isso que o regime

político em que os exercentes de funções políticas representam o povo com

responsabilidade e mediante mandato periódico, retrata a igualdade e a

democracia90.

Além do princípio da igualdade (PAULO DE BARROS

CARVALHO e CESO RIBEIRO BASTOS), “a norma jurídica de maior

envergadura constitucional que serve de apoio à Legalidade são os princípios

da república e da própria democracia.”91

Talvez por isso, CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA tenha

registrado que o princípio da República e o Democrático condicionam-se,

reciprocamente, na medida em que estariam fundidos e condenados a serem

tomados numa expressão única e indissociável: que seria a República

Democrática92.

Outro princípio de grande importância ao Direito Tributário é o

Princípio Federativo. A própria Constituição assegura ser o Brasil não apenas

uma República, mas uma República Federativa. A Federação, diferentemente

da República, é forma de governo que influencia no exercício das

competências tributárias, por exemplo.

O Princípio da Federação integra a parte mais íntima da

Constituição. Dele deflui, por corolário, a isonomia dos entes políticos,

89

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 145. 90

Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 203. 91

Ib., p. 187. 92

Ib., p. 206.

34

assegurando, com isso a autonomia das pessoas políticas de direito

constitucional93.

É o que PAULO DE BARROS CARVALHO denomina “princípio de

isonomia das pessoas constitucionais” onde fica assegurada a autonomia

recíproca dos entes políticos, de modo que se seja resguardado um Estado

descentralizado, onde todos entes membros possam conviver de forma pacifica

e harmônica em respeito à Constituição, suas prerrogativas e limitações94.

A união entre Estados e União cria um “novo Estado”, diverso dos

Estados membros, e isso assegura, ao mesmo tempo, tanto a autonomia

particular de cada um dos entes políticos, mas também assegura que as

competências constitucionais sejam observadas e respeitadas reciprocamente.

Isso importa dizer que Estados e União ocupam o mesmo plano hierárquico,

ficando a diferença apenas nas competências distintas que cada qual recebeu

da Constituição da República.

Outro importante, dentre os denominados “primeiros princípios do

sistema constitucional brasileiro”, é o princípio dos direitos e garantias

fundamentais95. Na mesma linha segue ROQUE CARRAZZA que, além dos

princípios da República e Federativo prioriza os Direitos Fundamentais,

ressaltando-os na figura dos princípios da legalidade e da segurança jurídica

principalmente.

Com relação à legalidade, destaque para a dicção do texto

constitucional onde “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza.” (art. 5º, II)

As limitações impostas pelas leis deixaram de lado a

discricionariedade dos modelos despóticos, para estabelecer o princípio da

legalidade como limitador do poder do Estado. Essa diretriz assume a condição

93

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Imposto sobre Produtos Industrializados: Atualidade, Teoria e Prática, in PAULO DE BARROS CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 527.

94 Ib., p. 151.

95 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 46.

35

de “aspiração genérica dos povos” e, portanto, tem validade indistinta perante

todos96.

Nesse contexto, somente a lei tem o condão de impor uma dada

conduta ou limitar o exercício de um dado direito subjetivo. Por conta disso, no

Brasil, somente a lei pode compelir as pessoas a agir de maneira tal, fazer ou

deixar de fazer alguma coisa. O princípio da legalidade, portanto, a partir dessa

premissa, permeia todo o Direito97.

Isso se aplica a todos, inclusive ao Estado que fica obstado de

agir com arbítrio em suas relações com o indivíduo. Mais precisamente,

diferente do que ocorre com as pessoas, onde a liberdade é vasta até que a lei

imponha óbice, o Estado só age nos termos da lei.

A legalidade funciona como princípio geral de direito, e, no campo

do exercício da pretensão punitiva, por exemplo, é dado ao Estado agir sempre

nos limites determinados pelo ordenamento jurídico. Isso implica dizer que no

Estado Social Democrático de Direito não é lícito ao Estado agir se não nos

contornos da lei.

Para o professor DANIEL FERREIRA a legalidade é marco crucial

do modelo de Estado Social de Direito, de modo que a ninguém será imposta

uma obrigação sem prévia cominação legal, ou seja, a atuação estatal,

qualquer que seja, ficará circunscrita às possibilidades legalmente

constituídas98.

PAULO DE BARROS CARVALHO chega a afirmar não ser

possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e de deveres correlatos

sem que a lei o estipule, registrando, ainda, que a diretriz da legalidade tem

posição privilegiada99.

96

SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 216. 97

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...).” (Constituição Federal de 1988).

98 DANIEL FERREIRA, Sanções Administrativas, “passim”.

99 Curso..., op. cit., p. 149.

36

Nesse contexto, somente a lei tem o condão de impor uma dada

conduta ou limitar o exercício de um dado direito subjetivo. Ensina ROQUE

CARRAZZA que o “Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é,

concretiza-se numa proibição em desfavor das pessoas e por isso, nele, a

constituição vincula o administrador, o juiz e até o legislador.”100

Ao que tudo indica, é inviável imaginar um Estado Social de

Direito sem a limitação dos poderes públicos, até porque a Constituição vincula

não só os administrados, mas também os administradores.

A própria República é reafirmada através do princípio da

legalidade, e vice-versa, haja vista que o Estado não é o senhor de todos os

cidadãos, eis que todo poder emana do povo que o exerce por meio de seus

representantes eleitos na forma da Constituição. As restrições devem sempre

ser estabelecidas através da lei, que, por sua vez, deve ter caráter genérico e

igualitário, sempre preservando os interesses dos mandatários do poder: o

povo.

É intuitivo que no sistema da civil law, como é o sistema brasileiro,

a consolidação do ordenamento se dê através de regras rígidas, e, dentre elas,

aquela que regula a relação entre Estado e particular, impondo limites

intransponíveis.

Registra DANIEL FERREIRA que o modelo de Estado

Democrático Social de Direito trouxe para os brasileiros uma série de garantias,

dentre elas os princípios fundamentais. Esse mesmo modelo de Estado

inaugurou alguns mandamentos nucleares que são expressos e, muitas vezes,

implícitos. Com relação ao princípio da legalidade: trata-se do cerne do Estado

de Direito, fixando os limites para a regular o exercício do poder e das relações

entre Estado e particular. Trata-se e princípio geral do direito essencial ao

modelo de Estado Social de Direito, além de poder ser considerado um vetor

interpretativo constitucional101.

100

Curso de Direito..., op. cit., p. 215. 101

DANIEL FERREIRA, Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, “passim”.

37

Se é óbvia a importância do princípio da legalidade, também o é o

princípio da segurança do direito.

Aqui há certeza de que o direito incidirá, não porque logicamente

necessário, mas pelo fato de que o Estado Social de Direito impõem essa

assertiva, sempre com base em regras claras, precisas e antecipadamente

noticiadas. Trata-se da segurança da realização do direito, até porque cabe a

esse direito a busca pela realização dos valores fundamentais da humanidade,

dentre os quais merece especial destaque a segurança.

Com esse entendimento, HUGO DE BRITO MACHADO aclama

que a segurança é um dos valores fundamentais da humanidade e que ao

direito cabe preservar102.

PAULO DE BARROS CARVALHO vai além, atribuindo ao

Princípio da Segurança Jurídica a função de coordenar as relações inter-

humanas, mas no sentido de propagar na sociedade o sentimento de

previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos de uma dada conduta ou outro ato

qualquer103.

Talvez por isso a segurança jurídica mereça ser preservada a

qualquer custo, eis que é condição essencial à existência de quaisquer

relações intersubjetivas harmoniosas104.

A segurança jurídica pode apresentar-se como objetivo de

promoção da própria justiça, da igualdade e também da liberdade como bem

registrou ANTÓNIO MARCOS. Citado autor realça o princípio da segurança

jurídica a uma condição de possibilitar a inviolabilidade dos bens jurídicos

fundamentais do regime do Estado Social de Direito, até porque, a segurança

permite ao cidadão desenvolver seus atributos existenciais, na medida em que

tem ela condições de poder conhecer, antecipadamente, as conseqüências de

seus atos105.

102

Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 1. 103

Curso..., op. cit., p. 147. 104

HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 3. 105

O Direito dos Contribuintes à Segurança Jurídica, p. 83.

38

Na mesma linha de raciocínio, diga-se que a segurança jurídica

tranqüiliza os cidadãos, permitindo que as coisas futuras, até certo ponto,

possam ser planejadas e antecipadas. Para isso é essencial que se conheçam

não somente as normas jurídicas, mas também seus efeitos, condições e

conseqüências tanto mediatas como imediatas. O cidadão, portanto, deve

conhecer e estar confiante do modo pelo qual as normas do direito irão se

realizar106.

JOSÉ ROBERTO VIEIRA lembra que a segurança jurídica é

proclamada já no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 como um dos

valores supremos da sociedade brasileira107.

Talvez por sua importância, o Princípio da Segurança Jurídica

integre a condição de direito fundamental na Constituição de 1988,

influenciando a todos, indistintamente, na condição onipresente. É nesse

contexto que RICARDO LOBO TORRES atribui ao princípio da segurança

jurídica o status de valor básico do Direito108.

Valor básico porque é praticamente impossível de se imaginar um

Estado Social Democrático de Direito sem que seja assegurado ao cidadão a

garantia de que não será ele surpreendido pela supressão de seu patrimônio

em face da tributação, por exemplo. Valor básico porque é indispensável para

que as pessoas não fiquem a mercê do arbítrio dos entes políticos. O cidadão,

portanto, deve se desenvolver no contexto de determinados paradigmas que a

Constituição minuciosamente traçou109.

É a partir da idéia de que o princípio da segurança é onipresente

e oponível a todos, que ROQUE ANTONIO CARRAZZA registra estar implícito

na Constituição que o Estado deve não só reconhecer e considerar invioláveis

106

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 147. 107

Medidas Provisórias Tributárias e Segurança Jurídica: A Insólita Opção Estatal pelo “Viver Perigosamente”, In AIRES FERNANDINO BARRETO, et al, Segurança Jurídica na Tributação e Estado de Direito, p. 318.

108 Liberdade, Segurança e Justiça no Direito Tributário, In PAULO DE BARRROS

CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 679.

109 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 348.

39

os direitos constitucionalmente previstos, como também garanti-los, fazendo

com que sejam por todos respeitados110.

A idéia central da segurança jurídica, como já salientado, é,

portanto, a implantação de um valor específico que coordene as interações

humanas, no sentido de propagar o sentido de previsibilidade.

Da mesma forma, portanto, pode-se dizer que a vida em

sociedade é possível somente se além da previsibilidade, for coerente e

conhecida a forma através do qual as normas são operadas, bem como se

houver certeza do tratamento normativo dos fatos já corridos e consumados.

“Quanto ao passado, não pode a lei retroagir. Quanto ao futuro, deverá a lei,

previamente defini-lo. Por irrecusável, veja-se a conexão com as necessidades

cada vez mais presentes do princípio da segurança jurídica.”111

A essência, portanto, é possibilidade de previsão objetiva, ou

melhor, a meta seria a de assegurar aos cidadãos uma expectativa precisa de

seus direitos e deveres em face da lei. Assim, é importante que, na dimensão

formal, o cidadão saiba de antemão quais normas estão vigentes; e, na

dimensão material, a exigência da demanda deve resguardar, em certa

medida, a clareza para os destinatários da regulação112.

O princípio da segurança jurídica visa, designadamente, garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas tributárias e deve presidir à solução dos conflitos de direito intertempral, obrigando a Administração na sua ação futura e impondo-se como exigência ao próprio legislador. Protege-se, desse modo, o contribuinte dos abusos e da volubilidade da Administração, garantindo-lhe um estatuto onde radica a segurança jurídica.

113

Trata-se de “sobreprincípio” uma vez que em valor sobrejacente,

ou seja, caracteriza-se por impor a realização de um ideal mais amplo, que

engloba outros ideais mais restritos. Nesse sentido destaque para HUMBERTO

ÁVILA, para quem o princípio da segurança jurídica tem duas formas: uma que

110

Ib., p. 361. 111

SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 215. 112

HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional Tributário brasileiro, p. 310. 113

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 187.

40

segue a interpretação do princípio maior do Estado de Direito; e outra que pela

interpretação indutiva de outras regras constitucionais como direito adquirido,

coisa julgada, regras de legalidade, anterioridade e irretroatividade114.

É “valor supremo” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA)115; “certeza e

garantia dos direitos” (RICARDO LOBO TORRES)116; “certidumbre Del derecho

y eliminación de La arbitrariedad” (EUSEBIO GONZÁLVEZ GARCÍA)117;

“estabilidade e previsibilidade de modo a possibilitar aos indivíduos o

conhecimento dos seus direitos e deveres” (ANTÓNIO MARCOS)118; mas,

acima de tudo, alcança a o status negativo quando limita o Estado, e, ao

mesmo tempo, a faceta positiva, eis que dependente da proteção desse

mesmo Estado.

Ainda que estejamos a tratar dos princípios constitucionais

genéricos, não se pode deixar de lado o fato de que o presente trabalho tem

como escopo o Direito Tributário, não havendo razão para escapar aos

princípios genéricos atinentes ao ambiente tributário.

É nesse passo que uma organizada coleção de princípios quase

que irretocável, fora difundida por ROQUE ANTONIO CARRAZZA, que

enumera os princípios republicano, federativo, da legalidade e da segurança

jurídica.

Todavia, resta o princípio da igualdade, talvez esquecido pelo

citado autor quando da seleção dos princípios gerais, em seu “Curso de Direito

Constitucional Tributário”, mas que a concepção de República acaba por

assumir em face da presença da isonomia como bem pontua JOSÉ ROBERTO

VIEIRA119.

114

Sistema Constitucional..., op. cit., p. 39. 115

Princípios Constitucionais e Estado de Direito. Revista de Direito Tributário, nº 54, p. 98.

116 Liberdade, Segurança..., op. cit., p. 686.

117 Relaciones entre los Principios de Seguridad Jurídica y Legalidad, In PAULO DE

BARRROS CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 149.

118 O Direito dos Contribuintes..., op. cit., p. 87.

119 Medidas Provisórias..., op. cit., p. 52.

41

Aliás, o princípio da igualdade está estritamente ligado não

somente ao princípio republicano, mas ao da própria legalidade que será

analisado mais profundamente quando tratarmos do princípio da legalidade

estrita na seara tributária120.

Tal princípio está em perfeita consonância com o caput do art. 5º

da Constituição de 1988 e, segundo PAULO DE BARROS CARVALHO, a

previsão constitucional, propositalmente, é a mais larga possível, o que dá a

entender que não se está a privilegiar a igualdade formal apenas, não

desmerecendo, entretanto, sua importância num Estado Social de Direito121.

MARCO AURÉLIO MELLO, analisando o Princípio da Igualdade

em face da Constituição de 1988, registrou que aquela igualdade formal e

estática, ou seja, meramente negativa, que fora consagrada pelos constituintes,

passou a uma espécie “igualização” eficaz, dinâmica, já que os verbos

“construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover” implicam, em si, mudança de

ótica, ao denotar ação122.

Esse é, de forma análoga, também o posicionamento do professor

da Universidade Federal do Paraná JOSÉ ROBERTO VIEIRA, para quem ‘tal

mandamento não se limita a igualar os indivíduos em face das leis.” O que se

deve buscar é a igualdade perante a lei, o que resguarda a todos um

tratamento isonômico que afasta as diferenciações discricionárias e

arbitrárias123.

A igualdade formal cria desigualdades que são intoleráveis. A

neutralidade da igualdade formal passou a ser questionada já quando se

percebeu que era ela insuficiente para ascender socialmente às pessoas

desfavorecidas, sem oportunidade, desprivilegiadas. Começou assim a

esboçar-se o conceito de igualdade material, a qual escapa do ideário formal e

abstrato da concepção igualitária do pensamento oitocentista, para um ideal

120

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97. 121

Curso..., op. cit., p. 148. 122

Ótica Constitucional – A Igualdade e as ações Afirmativas, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 39.

123 Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97.

42

onde se leva em conta a desigualdades concretas existentes na sociedade,

devendo as situações desiguais serem tratadas de maneira

desassemelhada124.

A igualdade que se pretende, como já dito, não é aquela formal e

absoluta, na medida em que a diversidade e as próprias características

inerentes aos cidadãos impõem algumas distinções, que, de qualquer modo,

não podem ser arbitrárias e, daí, a relação ao princípio da legalidade.

Essa é a idéia que desde ARISTÓTELES relembra a importância

de uma igualdade material que consiste em tratar desigualmente os desiguais,

na medida de suas desigualdades. ROBERTO ALEXY registra, por oportuno,

que “a igualização de todos, em todos os aspectos, faria com que todos

quisessem fazer sempre a mesma coisa.”125

Mas quem são os iguais e quem são os desiguais? Essa pergunta

já fora respondida, talvez de forma plena, por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA

DE MELLO que nos faz pensar quais seriam, de fato, as discriminações

juridicamente toleráveis. Sua conclusão é a de que, “qualquer elemento

residente nas coisas, pessoas ou situações, pode ser escolhido pela lei como

fator discriminatório.”126.

Todavia, registra CELSO ANTÔNIO que existe um vínculo de

correlação lógico essencial entre a peculiaridade diferencial acolhida e a

desigualdade de tratamento em função dela, e, isso deve respeitar o que

preceitua a Constituição, ou seja, a peculiaridade diferencial deve ser

compatível com os interesses elencados na Constituição127.

Apenas a título exemplificativo, diga-se que a própria Constituição

veda que a eventual desequiparação se dê por motivo de raça, sexo, trabalho,

crença religiosa e convicções políticas.

124

JOAQUIM BARBOSA GOMES, Ações afirmativas e princípios constitucionais de igualdade: o direito como instrumento de transformação social: a experiência dos EUA, “passim”.

125 Teoria dos Direitos..., op. cit., p. 397.

126 Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 11.

127 Ib., p. 17.

43

Não é qualquer tratamento desigual de casos substancialmente iguais que é vedado, mas apenas o tratamento arbitrariamente desigual de casos substancialmente iguais. O enunciado da igualdade é violado se não é possível encontrar um fundamento razoável, que decorra da natureza das coisas, ou uma razão objetivamente evidente para a diferenciação ou para o tratamento igual feitos pela lei; em resumo, se a disposição examinada tiver que ser classificada como arbitrária.

128

O que importa é saber que através do princípio da igualdade “... a

ordem jurídica pretende firmar impossibilidade de desequiparações fortuitas ou

injustificadas.”129

Com isso, em especial no campo tributário, o que se pode

assinalar é a vedação da instituição de tratamento desigual entre contribuintes

que se encontrem em situações equivalentes130. No caso da Seguridade

Social, trata-se da idéia fulcral de participação solidária entre os diversos atores

sociais habilitados a manter hígido o sistema, o que será visto em item

específico mais adiante.

Essa ótica revela que a lei deve ser precisa na determinação dos

conceitos abertos, e também quando permitir o exercício discricionário a

Administração Pública. Isso implica dizer que a lei aplica-se em todos os casos

abrangidos pela hipótese da norma, e, apenas a esses.

Nesse contexto, diga-se que o dever de igualdade reforça a

vinculação da Administração Pública às normas criadas pelo legislador, até

porque, “quem quer promover a igualdade fática tem que estar disposto a

aceitar desigualdade jurídica.”131

Passemos ao Direito posto, em especial ao Subsistema Tributário,

como adiante se fará.

128

ROBERT ALEXY, Teoria dos Direitos..., op. cit., p. 403. 129

Ib., p. 18. 130

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 98. 131

ROBERT ALEXY, Teoria dos Direitos..., op. cit., p. 417.

44

1.2. Direito Constitucional Tributário

1.2.1. Subsistema Constitucional Tributário

Até aqui, o que se viu foi que o ordenamento jurídico brasileiro

pode ser visto como um sistema de normas. Esse sistema, que definiu chamar-

se “Sistema Constitucional Brasileiro” é composto, por sua vez, por

subsistemas que se “... entrecruzam em múltiplas direções, mas que se

afunilam na busca de seu fundamento último de validade que é a Constituição

do Brasil.”132

Assim, ao se falar de qualquer segmento do direito, inclusive o

tributário, é importante que a preocupação central esteja nos alicerces, ou

melhor, na Constituição, eis que essa é anterior a qualquer ramo do direito,

desempenhando, inclusive, “papel legitimador”.133

A partir daqui, o que interessa ao presente trabalho é o

subsistema tributário, formado pelas normas constitucionais que versam sobre

a matéria atinente a esse ramo do direito.

Registra o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, invocando os

ensinamentos do mestre JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, que a

Constituição brasileira de 1988 assume a figura de “Constituição-Mãe”, tão

vasta é sua amplitude. Quando o contexto é o tributário, VIEIRA chega a dizer

que a Constituição “raia pelo exagero” o que, de fato, caracteriza nosso

subsistema tributário134.

Na mesma linha de raciocínio seguem os ensinamentos de

GERALDO ATALIBA, que vê no sistema brasileiro tributário, o mais rígido que

se conhece, além de complexo e extenso. Citado autor pontua que na ordem

tributária tudo foi descrito na Constituição, o que fomenta a idéia de que o

132

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 139. 133

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 39. 134

Ib., p. 40.

45

subsistema tributário está pronto e acabado para o legislador

infraconstitucional135.

Como bem assinala EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, a idéia

de tributo é conceito fundamental para a demarcação do território coberto pelo

subsistema tributário, até porque, essa demarcação será essencial para a

definição do objeto de estudo do Direito Tributário136.

Na mesma linha, GERALDO ATALIBA conclui que tributo é

conceito fundamental do sub-ramo tributário137.

Não se pode olvidar que esse ramo do direito é didaticamente

autônomo e integrado pelo conjunto de proposições jurídico-normativas que

tem relação com a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, ou

melhor, com a regulação da tributação. Para garantir a autonomia, GERALDO

ATALIBA assinala que o conceito de tributo, por exemplo, é um conceito

jurídico privativo do direito tributário e que não se confunde com outros setores:

financeiro e econômico138.

Mas há autonomia num sistema que se relaciona através de

subsistemas? Como ficaria, neste caso, a unidade do ordenamento? E a visão

sistêmica?

Não podemos deixar de lado a premissa de que o sistema jurídico

é caracterizado pelo caráter absoluto da unidade (PAULO DE BARROS

CARVALHO)139.

Além disso, se o sistema é conjunto de partes numa relação de

unidade (MARCELO NEVES),140 não haveria espaço para se falar em

autonomia do subsistema tributário, até porque a unidade é conferida por um

único documento, no plano positivo, que é a Constituição Federal que dá

135

Apud, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 44. 136

As Classificações no Sistema Tributário Brasileiro, In PAULO DE BARROS CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 125.

137 Hipótese de Incidência Tributária, p. 23.

138 Id.

139 Curso..., op. cit., p. 13.

140 Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, p. 02.

46

fundamento a todas as demais normas do ordenamento jurídico, seja no campo

tributário, seja no civil, seja no penal.

O que confere unidade definitiva, portanto, ao sistema, é a

Constituição (JOSÉ ROBERTO VIEIRA)141.

É o que JOSÉ AFONSO DA SILVA esclarece quando tece

comentários acerca da impossibilidade dos elementos da Constituição

suportarem valores isoladamente, na medida em que se inserem na

modelagem de um sistema. Menciona, citado autor, que “... os elementos da

Constituição não têm valor isoladamente...”, pois, “... não se pode interpretar

uns sem ter presente a significação dos demais...”; continua, “Influenciam-se

mutuamente e cada instituição constitucional concorre para integrar o sentido

de outras, formando uma rede interprenetrante que confere coerência e

unidade ao sistema ...”142.

Autonomia, como ressalta a grande maioria dos juristas, não

ilumina o Direito Tributário, até porque, ao que tudo indica, a unidade é algo

imutável e invariável no âmbito do sistema jurídico. Entretanto, a partir das

lições de PAULO DE BARROS CARVALHO que não crê na autonomia

tributária, pode-se chegar a conclusão de que a caracterização de autonomia

meramente didática não dá margem para cisão do sistema, eis que não há

cisão do incindível, o que deixa margem á idéia de existir sim uma autonomia

ainda que meramente didática.

Essa autonomia vai somente até as proposições que tratam da

regulação do direito tributário, permitindo, com isso, que se resguarde a

unidade do sistema jurídico, deixando margem para que as articulações lógicas

e o conteúdo orgânico desse subsistema tributário (autonomia didática) sejam

vistos sempre dentro da concepção unitária do sistema jurídico143.

A existência de uma autonomia didática, tese originalmente

defendida por ALFREDO AUGUSTO BECKER, é repetida em GERALDO

141

Noção de Sistema..., op. cit., p. 62. 142

Apud. JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Ib., p. 63. 143

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 15.

47

ATALIBA que bem registra, o que nos parece razoável, que o Direito Tributário

assume essa autonomia em vista da composição das normas que regulam a

tributação, concentrando, porém, o núcleo essencial na Constituição, o que

resguardaria a unidade essencial ao sistema jurídico.

Assim, pode-se concluir que mesmo acatando a tese de

autonomia didática, não há violação ao laço unitário do sistema jurídico. Suas

normas estão de maneira tal vinculadas ao sistema macro que não podem

dispensá-lo sem que com isso se desnaturem.

Passada essa questão, importante consignar que o subsistema

tributário encontra-se sob o influxo de diversos princípios constitucionais.

Alguns genéricos como se pôde discorrer anteriormente; outros, de maior

envergadura e já canalizados para a ordem tributária. São os princípios

constitucionais tributários, responsáveis pelo exercício da “função de maior

relevo axiológico no seio do ordenamento.”144

Enfim, como asservou JOSÉ ROBERTO VIEIRA, o sistema

Constitucional Tributário é um subsistema do Sistema Constitucional. E, além

dos princípios constitucionais genéricos já elencados, há que se ter em conta

os princípios constitucionais específicos145.

Esse, inclusive, é o posicionamento de LUCIANO AMARO, que

bem registra que o caráter relativo da autonomia do Direito Tributário, e de

qualquer outro ramo do direito, não afasta o entrelaçamento que existe no

ordenamento entre os seus vários setores146.

Como já se registrou anteriormente, no contexto do direito

Constitucional Tributário a seleção de princípios erigida por ROQUE ANTONIO

CARRAZZA, retocada pela assunção do princípio da igualdade, parece bem

posta. Cabe pontuar, por sua vez, que dentre os direitos fundamentais

CARRAZZA prioriza o princípio da legalidade e o da segurança jurídica.

144

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Bocage e o Terrorismo Constitucional das Medidas Provisórias Tributárias: A Emenda Pior do que o Soneto, In ROBERTO FERRAZ (coord.), Princípios e Limites da Tributação, p. 686.

145 IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 41.

146 Direito Tributário Brasileiro, p. 11.

48

Diante da perspectiva apertada dos citados princípios para o

presente trabalho, refletiremos acerca do Princípio da Legalidade e também da

Segurança Jurídica.

1.2.2. Princípios Constitucionais Tributários

1.2.2.1. Ensaios Sobre o Princípio da Legalidade

No Brasil, somente a lei pode compelir as pessoas a agir de

maneira tal, ou a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. O princípio da

legalidade, a partir dessa premissa, permeia todo o Direito, em especial por

conta do que preceitua o art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988147.

Bem verdade que todo o ordenamento orbita na liberdade, mas

ela vai até onde não encontre um obstáculo previsto na lei, ou seja, pode-se

dizer que a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não viole o direito de

outrem.

Isso se aplica a todos, inclusive ao Estado, ressalvadas as

particularidades, que fica obstado de agir com arbítrio em suas relações com o

indivíduo. Mais precisamente, diferente do que ocorre com as pessoas, onde a

liberdade é vasta até que a lei imponha óbice, o Estado só age conforme a lei,

ou seja, o Poder Público age apenas como ordena a lei148.

Fato é que no paradigma do Estado Social de Direito, a realidade

não mais contempla aquela organização política unitarista e centralizadora. O

147

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...).” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).

148 “Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, o Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)”(BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).

49

modelo de sociedade feudal medieval, que possuía a racionalidade centrada na

teologia, além de extrair a verdade do “divino,” cede espaço ao modelo de

Estado Liberal que, por sua vez, permitiu a emergência do modelo de Estado

Social.

O rompimento significativo do Estado Feudal deu-se com

MAQUIAVEL, que foi a figura de destaque no nascimento do Estado Liberal,

seguido de HOBBES e ROUSSEAU, os quais acabaram por aprofundar tal

modelo.

Como já registrado, a passagem do Estado Liberal para o modelo

Social foi marcada pela robustez da intervenção do Poder em inúmeras

situações da vida particular do cidadão. É por isso que é quase patente o fato

de que dentro das crises por que já passou o pensamento político, talvez a

mais expressiva tenha sido a passagem do Estado Liberal ao Estado Social.

Mas, enfim, ao passo que “não há sombra de dúvida de que ao

jurista, voltado para a compreensão do direito posto vigente, e no anseio de

contribuir para a ciência futura, não é dado olvidar as experiências pretéritas”

(JOSÉ ROBERTO VIEIRA)149; e, registrando o festejado professor da

Universidade de São Paulo, ANTONIO CANDIDO DE MELLO E SOUZA, que

no cerne de seu prestígio frisou a importância do estudo da história passada,

destacando que esse estudo, “... longe de ser operação saudosista” “... pode

ser uma arma para abrir caminho aos grandes movimentos democráticos

integrais;”150 e, ainda, pela máxima de que é conhecendo o passado do

instituto jurídico que as portas para a compreensão do presente se abrem,

cumpre repassar o contexto histórico, ainda que de maneira muito breve, da

legalidade tributária151.

O Estado absolutista fundamentou a produção do Direito e da

verdade através do “príncipe”, legitimado pela vontade de Deus e, portanto,

submetido apenas ao direito natural que, á época, não era dado contrariar152.

149

JOSÉ ROBERTO VIEIRA. Medidas Provisórias..., op. cit., p. 46. 150

Post-Scriptum, in SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, Raízes do Brasil, p. 24. 151

Ib., p. 117. 152

CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, Atividade Legislativa do Poder Executivo, p. 45.

50

Mas, voltando no tempo, pode-se dizer, pois é de certa forma

pacífico entre estudiosos do direito, que princípio da legalidade foi inaugurado

formalmente no ano de 1.215, na Inglaterra, com a promulgação da “Magna

Charta Libertatum,” do Rei João Sem Terra153. 154

Muitos dirão, contudo, que a Constituição não passou de

respostas aos comportamentos despóticos (ANDRÉ MAUROIS, ANTONIO

ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, MARCELO CAETANO e SACHA CALMON

NAVARRO COELHO)155, e isso implicaria dizer que não pode ela ser

considerada uma conquista popular, mas sim uma vitória da classe privilegiada.

O que precisa ser frisado, porém, é o fato de que João Sem Terra contou com

um expressivo apoio popular 156.

ROSCOE POUND chegou a dizer que:

A Magna Carta estabeleceu um sistema de governo constitucional, sendo assim reverenciada como origem do órgão mais seguro de estabilidade social e política no mundo moderno e símbolo da supremacia da lei sobre órgãos do governo e das garantias do indivíduo com relação a maquina administrativa, que. Guiando-o e protegendo-o, não esmagará, o que constitui o bem de que mais se orgulham os ingleses e seus descendentes por toda parte do mundo.

[sic]. 157

Na opinião de PINTO FERREIRA, a Carta assumiu a posição de

“superlegal” e isso favoreceu para que fosse inaugurado, nas demais

constituições que foram seguindo em momentos históricos posteriores, o

princípio da legalidade158.

Como bem assinala VICTOR UCKMAR, atribui-se o nascimento

do princípio da legalidade, essencial ao Estado Social de Direito, ao fato de que

nenhuma prestação pecuniária poderia ser imposta a não ser por deliberação

153

JOSÉ ROBERTO VIEIRA. Medidas Provisórias..., op. cit., p. 103 154

Ressalva, contudo, deve ser feita em detrimento dos estudos elaborados por VICTOR UCKMAR, que em obra de elevado valor científico, elencou diversos eventos anteriores a esse. (Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, p. 21).

155 Apud JOSÉ ROBERTO VIRIA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 106.

156 Ib., p. 109.

157 Id.

158 Id.

51

dos órgãos legislativos. O mesmo autor, entretanto demonstra que a origem é

ainda mais distante dos anos de 1.215. Na Inglaterra, já antes da Carta Magna,

o Rei arrecadava elevadas contribuições na condição de tributos, exigindo

quota parte dos vassalos que, de certa forma, poderiam recusar o

pagamento159.

Além deste, cita o ano de 1.179, onde através do Conselho de

Latrão teria se proibido os Bispos de taxar seus cleros sem o consentimento

deles. Em 1.188, para enfrentar despesas das cruzadas de Saladino, foi

deliberada cobrança de tributos aos leigos e ao clero. Na época, porém, o

próprio Rei Henrique II foi buscar consentimento dos contribuintes para a

introdução da exação. Também em 1.192, com a necessidade de se arrecadar

valor considerável para pagar o resgate de Ricardo I, prisioneiro da Áustria,

foram convocadas reuniões e assembléias para deliberar acerca da exigência

tributária. Em 1.197, lembra UCKMAR, durante o famoso debate em Oxford, foi

realizada assembléia para discutir sobre o dever de pagar tributos em

substituição ao serviço militar160.

Citando VICTOR UCKMAR, o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA

lembra que na Espanha, já em 1.091 havia documento onde o soberano

solicitava o consentimento de seus súditos para a imposição de tributos. Da

mesma forma, na Itália, início do século XII, já haviam conselhos colegiados

que aprovavam, ou não, a instituição de tributos161.

Mas, como já salientado, foi somente com João Sem Terra, como

consagra a maior parte da Doutrina, em face da onerosidade e das injustiças

nas arrecadações de tributos, que os barões puderam se rebelar, exigindo as

concessões para a tutela de seus direitos.

Ao Rei não coube muita margem para discussão, o que culminou

na aceitação da Magna Carta e suas conseqüentes disposições. Dentre elas,

aquela que disciplinava que nenhuma exigência será tarifada aos súditos do

reinado, salvo seu consentimento. O que interessa é que desde então, ao invés

159

Princípios Comuns..., op. cit., p. 21. 160

Ib., p. 21-26. 161

Medidas Provisórias..., op. cit., p. 104.

52

do Rei ordenar e impor a cobrança, por conta de seu poder, deveria, antes,

obter consentimento dos representantes da nação.

A Carta Magna foi renovada por diversas vezes, sempre

condicionando a exigência de autorização para a imposição de pagamentos

pelos contribuintes.

O conceito de legalidade, nessa linha, foi repetido continuamente

até o século XVII, sempre trabalhando contra as exigências de imposição de

tributos sem a respectiva autorização do parlamento e, não por outra razão, a

Carta foi considerada na compilação do Petition of Rights de 1.628, que

impunha o consentimento prévio do Parlamento na tributação dos contribuintes.

Para dar efetividade ao cumprimento do que disciplinou o Petition

of Rights, o parlamento passou a considerar inimigo público quem quer que

tivesse a coragem de sugerir a arrecadação de tributo sem consentimento do

parlamento, e, da mesma forma aquele que pagasse impostos arbitrários162.

Outro documento importante no estudo da legalidade, e que se

faz referência, foi o Bill of Rigths, a declaração de Direitos de 1.689, que

disciplinou que seria ilegal a cobrança de tributos sem a concordância do

Parlamento.

A força da disposição era tal que a título ilustrativo VICTOR

UCKMAR faz referência ao fato de que mesmo diante do cenário de repulsa da

tributação sem o efetivo consentimento, o Rei Carlos I acabou instituindo nova

modalidade de tributação, ainda que de forma maquiada, o que culminou em

sua prisão e conseqüente decapitação.

Finda a ditadura de Cromwell e restaurada a Monarquia, em 1689 Guilherme de Orange aceitou o Bill of Rigths, com o qual foi, mais uma vez, reafirmado o princípio de que nenhum tributo poderia existir sem o consentimento do Parlamento.

163

Foi nessa toada que o ideal de legalidade foi sendo propagado.

162

Princípios Comuns..., op. cit., p. 26-27. 163

Id.

53

Mesmo as cidades conquistadas eram submetidas a um Estado

que não mais tolerava a submissão absoluta. Isso foi sensível principalmente

no campo da tributação, em especial através da idéia de consentimento para

imposição de novas exações tributárias.

A Revolução Francesa e a Americana foram resultados práticos

dessas lutas pela limitação ao poder de tributar, até pela forte opressão fiscal

que se estabeleceu na oportunidade.

Na França a luta travada foi entre a classe burguesa, o clero e a

nobreza. Severa de tal maneira, por sinal, que após 1.789, todas as

conseqüentes Constituições fizeram expressa referência ao princípio da

legalidade através do direito subjetivo de não haver exação sem o prévio

consentimento do Parlamento.

Na Constituição americana não foi diferente.

Esse princípio fundamental, que se não nasceu exatamente em 1.215, fez a Magna Carta inglesa um domicílio histórico privilegiado, ganhou o mundo no século XVIII, tendo sido consagrado tanto na Constituição dos estados Unidos, de 1.787, quanto na Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, francesa, de 1.789.

164

Os princípios consagrados inspiraram-se na filosofia francesa do

século XVIII e a partir daí percorreram o mundo consagrando a importância e a

necessidade indisponível da arrecadação, mas sempre ressaltando a

importância do consentimento da sociedade através do Parlamento.

Todas as Constituições que decorreram, mesmo fora da Europa,

passaram a afirmar explicitamente que os impostos deveriam ser aprovados

pelos órgãos legislativos competentes. Apenas para exemplificar, VICTOR

UCKMAR cita a Argentina, a Áustria, a Bélgica, o próprio Brasil, o Chile, a

Alemanha, o Japão, a Dinamarca, a Irlanda, o México, a Noruega, a Holanda e

o Paraguai165.

164

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 112. 165

Princípios Comuns..., op. cit., p. 35.

54

Cabe nesse momento mencionar CARLOS FERREIRA DE

ALMEIDA, da Faculdade de Direito de Lisboa, para quem o Direito Comparado

é a disciplina jurídica que tem por objetivo estabelecer sistematicamente as

semelhanças e diferenças entre duas ou mais ordens jurídicas166.

Citado autor registra que a comparação é uma atitude normal e

espontânea, presente em quase todos os estudos jurídicos167.

Todavia, como lembra JOSÉ ROBERTO VIEIRA, “o Direito

Comparado não se resume ao mero conhecimento do direito de outros

estados”.168

É justamente nesse sentido que em obra citada, CARLOS

FERREIRA DE ALMEIDA fez referência aos grandes precursores do tema, tais

como ARISTÓTELES, DUMOULIN, MONTESQUIEU169.

Não pela precedência dos estudos, mas pela intensidade deles, é

importante tornar saliente os resultados dos estudos do professor JOSÉ

ROBERTO VIEIRA, que, analisando o princípio da legalidade em face do

Direito Comparado, concluiu que a necessidade de consentimento popular

traduz-se no referido princípio, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”170.

Tal formulação fora reproduzida quase que literalmente por

diversos outros diplomas constitucionais espalhados pelo mundo171.

Em seu estudo comparativo formulado em sua tese de Doutorado

apresentada na PUC/SP, VIEIRA frisou que dentre as cinqüenta e sete

Constituições analisadas por todo o mundo, o Princípio da Legalidade, em sua

compreensão genérica, consta, de forma expressa, em quatorze Constituições,

166

Introdução ao Direito Comparado, p. 7. 167

Ib., p. 10. 168

Medidas Provisórias..., op. cit., p. 91. 169

Introdução ao Direito..., op. cit., p. 10. 170

Art. 5º (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).

171 Medidas Provisórias..., op. cit., p. 101.

55

cerca de vinte e cinco por cento. De forma indireta, por sua vez, em outros

trinta e três documentos, ou seja, cerca de cinqüenta e oito por cento.

Conclui o professor, nesse contexto, que o caminho seguido por

diversos países foi aquele de declarar, direta ou indiretamente, a submissão à

legalidade172.

Em síntese, tanto a Legalidade Genérica quanto a Tributária desfrutam de superior e incontestável prestígio nas constituições hodiernas, como demonstra à evidência o trabalho comparativo realizado. Muitos dos estatutos consultados consagram-nas explícitas e amplamente, outros fizeram-no implícita e restritivamente. Nenhum deles, contudo, deixou de fazê-lo.

173

Aliás, a disposição de cláusula constitucional que assegure a

legalidade é praticamente elemento indissociável do paradigma de Estado

Social Democrático de Direito. PAULO DE BARROS CARVALHO, em obra já

citada, registra que tal princípio influencia todo o direito positivo brasileiro, não

sendo, inclusive, possível pensar no surgimento de direitos subjetivos sem que

a lei os estipule. Talvez por isso, o autor relembre que o Princípio da

Legalidade é de posição privilegiada, tendo em vista que estipula limites

objetivos174.

Daí, que a Legalidade não é somente uma norma essencial para

muitas Constituições em todo o mundo, mas, em rigor, trata-se de princípio

essencial e irrecusavelmente universal175.

A legalidade, portanto, como registra HUGO DE BRITO

MACHADO, não é uma relação simplesmente de poder, mas uma relação

jurídica176.

Enfim, importante registrar a importância e o prestígio do princípio

que até mesmo poderia ser rebatizado de princípio de “Legalitariedade” como

172

Ib., p. 182. 173

Ib., p. 185. 174

Curso..., op. cit., p. 214. 175

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 149. 176

Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 43.

56

bem registra o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, lembrando o saudoso

jurista PONTES DE MIRANDA177.

1.2.2.2. O Princípio da Segurança Jurídica

O Sistema Tributário Nacional está, basicamente, sustentado nos

arts. 145 a 156, da Constituição Federal. Em tais dispositivos estão presentes

os princípios gerais e norteadores do Direito Tributário Brasileiro, sendo

afiançável a afirmação de que à Constituição Federal coube dispor acerca das

diretrizes e dos princípios que guiam toda a Administração Pública quando o

assunto é instituir e cobrar tributos, além de impor, por corolário, limites ao

poder de tributar dos entes políticos ou substituídos.

É nesse contexto que se pode afirmar que a Constituição Federal

é a base do Direito Tributário178.

Isso leva crer que os princípios constitucionais têm vital projeção

no campo tributário, podendo-se destacar não só o Princípio da Legalidade,

mas também o Princípio da Segurança Jurídica.

Antes, todavia, de tratar do Princípio da Segurança Jurídica, vale

destacar que há nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO o “princípio

da certeza do direito”, visto como um “sobreprincípio” que esta acima de todos

os demais, “regendo toda e qualquer porção da ordem jurídica.”179

A certeza de direito é algo que permeia cada unidade normativa,

situando-se na própria essência do dever-ser e, portanto, algo sem

determinação específica. Em vista disso, PAULO DE BARROS CARVALHO

chega a erigir tal enunciado como postulado essencial e indispensável para a

convivência social180.

177

Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 197. 178

Em vista da afirmação, interessante a leitura do texto: “E, afinal, a Constituição Cria Tributos!,” de JOSÉ ROBERTO VIEIRA.

179 Curso..., op. cit., p. 146.

180 Id.

57

Diga-se, contudo, que não há campo para a confusão entre o

Princípio da Certeza de Direito e o Princípio da Segurança Jurídica. Isso

porque, citado autor não toma a certeza do direito com o sentido de

previsibilidade, característica que reveste no Princípio da Segurança Jurídica. A

certeza do direito é atributo essencial para o sistema jurídico e sem ele não há

enunciado normativo com sentido deôntico. Já o Princípio da Segurança

Jurídica utiliza-se daquele princípio de modo objetivo para criar um valor

específico que é o de coordenar o fluxo das interações entre pessoas. É isso

que propaga na sociedade a idéia de previsibilidade quanto aos efeitos

jurídicos da regulação da conduta181.

Como já se mencionou, é através do Princípio da Segurança

Jurídica que há certeza do Direito. Mas isso não porque é logicamente

necessário, mas sim pelo fato de que o Estado Social de Direito impõem suas

regras de forma clara, precisa e sempre antecipadamente.

Essa previsibilidade, sustentada pela segurança da realização do

direito, que resguarda certa tranqüilidade aos cidadãos permitindo que sejam

feitas ações de planejamento para o futuro. O que se pretende é assegurar que

as normas jurídicas sejam aplicadas de maneira antecipadamente

estabelecida, ou seja, seus efeitos já devem ser conhecidos e chancelados em

vista da confiança popular.

Corrobora com essa afirmação os ensinamentos de RICARDO

LOBO TORRES, para quem o tema acerca da segurança é coextensivo ao

modelo de Estado, seja ele Liberal, Social ou Democrático de Direito;

entretanto, no paradigma do Estado Social Democrático de Direito, a

Segurança Jurídica se agrega a noção de prevenção182.

Segurança, juntamente com justiça e a liberdade, são valores ou

ideais básicos do Direito e, por conta disso, chancelados na Constituição. No

181

Ib., p. 147. 182

Valores e Princípios..., op. cit., p. 167.

58

campo tributário, inspiram a criação de normas tributárias, sempre observando

as orientações da Constituição da República183.

Como já consignado, a segurança jurídica é objetivo de promoção

da própria justiça, da igualdade e também da liberdade. Isso porque, tal

princípio resguarda ao cidadão o direito de conhecer antecipadamente as

conseqüências de seus atos184.

O futuro, então, tem condição de ser conhecido no presente, pelo

menos no que tange as normas jurídicas e seus efeitos. Seria inimaginável,

num Estado Social Democrático de Direito, viver sem que fosse assegurada a

garantia de que não haverá surpresa, em especial no que concerne a

tributação, na medida em que isso tem impacto direto na economia não só do

contribuinte, mas de todo o país.

A segurança jurídica, enfim, no campo tributário, visa resguardar o

contribuinte para que esse não seja surpreendido ou apanhado sem aviso

prévio ante a exação econômica nascida através da criação, da majoração ou

mesmo da mudança de sistemática de apuração de um tributo.

Com esse pano de fundo, ROQUE ANTONIO CARRAZZA registra

que “União, Estados, Municípios e Distrito Federal têm competência para criar

tributo... ”, todavia, os contribuintes não podem simplesmente ficar à mercê do

arbítrio dessas pessoas políticas, ainda que se entenda que as competências

assimiladas, em especial a de arrecadar tributos, assim o são em prol da

própria comunidade185.

O que se tem, contudo, é que o legislador, ao tributar, deve seguir

o caminho desenhado pela Constituição. Isso quer dizer que a tributação deve

respeitar o arsenal de direitos fundamentais previsto na Constituição da

República, de modo que os entes políticos têm o dever de observar as

limitações quando operam no Direito Tributário.

183

Ib., p. 44. 184

ANTÓNIO MARCOS, O Direito dos Contribuintes..., op. cit., p. 83. 185

Curso de Direito..., op. cit., p.348.

59

Apenas para ilustrar, dentre os diversos direitos fundamentais, a

Constituição confere as pessoas o direito irrenunciável e imprescritível à vida, à

igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade; e, o exercício de tais

direitos é oponível a qualquer pessoa, inclusive ao próprio Estado.

Está implícito em nossa Carta Constitucional que o Estado, por qualquer de seus poderes, deve não só reconhecer e considerar invioláveis os direitos constitucionalmente previstos, como também garanti-los, fazendo com que sejam por todos respeitados, inclusive pelas empresas e pelos particulares.

186

Assim, ao exercer a tributação o Estado deve observar os limites

que a ordem constitucional lhe impõe. Nesse contexto, os entes são obrigados

a respeitar os direitos e garantias individuais, e, por outro lado, os contribuintes

têm o direito subjetivo de verem respeitados seus direitos.

Afinal de contas, a vida em sociedade depende de previsibilidade,

e essa previsão somente é possível se assegurado o respeito aos direitos e

aos deveres instituídos no sistema jurídico. As normas devem ser conhecidas

de antemão, portanto.

Essa relação entre passado e futuro é que estabelece o conforto

que o clima de segurança institui. Quanto ao passado, o que interessa é a

irretroatividade; ao passo que quanto ao futuro, no campo tributário, a

anterioridade é o corolário lógico do princípio da Segurança Jurídica.

Quanto ao passado, não pode a lei retroagir. Quanto ao futuro, deverá a lei, previamente defini-lo. Não se discute a importância dos princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade e anualidade. Por irrecusável, veja-se a conexão com as necessidades cada vez mais presentes do princípio da segurança jurídica.

187

O escopo, portanto, é o de assegurar aos contribuintes uma

expectativa precisa de seus direitos e deveres em face da lei. Enfim, deve o

cidadão saber de antemão quais normas estão em vigência para que possam

186

Ib., p. 361. 187

SACHA CALMON NAVARRO COELHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 215.

60

fazer o cálculo prévio; e, além disso, é exigida certa medida de

compreensibilidade e clareza para os destinatários da regulação188.

O princípio da segurança jurídica visa, designadamente, a garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas tributárias e deve presidir à solução dos conflitos de direito intertempral, obrigando a Administração na sua ação futura e impondo-se como exigência ao próprio legislador. Protege-se, desse modo, o contribuinte dos abusos e da volubilidade da Administração, garantindo-lhe um estatuto onde radica a segurança jurídica.

189

Ao que tudo indica, portanto, o Princípio da Segurança Jurídica

tem dimensão normativa preponderante, na media em que estabelece o dever

de buscar um ideal de estabilidade, confiança, previsibilidade e

mensurabilidade. É nesse ambiente que JOSÉ ROBERTO VIEIRA aponta para

o fato de que a civilidade de uma sociedade pode ser medida por conta do grau

de consagração da segurança no sistema jurídico190.

Numa menção também relevante, HUMBERTO ÁVILA chega a

mencionar que sem a devida segurança o homem sequer consegue cultivar

suas forças e aproveitar seus frutos, ou seja, a vida em comunidade perde a

razão de ser se afasta for a liberdade das pessoas191.

A Segurança jurídica está vinculada a um determinado sistema de

valores que deve garantir um ordenamento previsível, de forma a assegurar o

desenvolvimento econômico. Talvez por isso o princípio tenha alcançado o

status de valor substancial da vida humana e, não de forma diferente, para o

sistema tributário192.

Ora, no âmbito tributário a segurança jurídica tem relação direta

com a proteção de bens jurídicos e, por conta disso, ao próprio paradigma de

Estado Social de Direito que anseia pela proteção da justiça social. ANTÓNIO

MARCOS, importante jurista lusitano que se aprofundou no estudo desse

188

HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional..., op. cit., p. 310. 189

IVES GANDRA DA SILVA, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 187. 190

Medidas Provisórias Tributárias e Segurança..., op. cit., p. 318. 191

Segurança Jurídica..., op. cit., p. 97. 192

Ib., p. 109.

61

instituto, corrobora trazendo à baila o “estado de prevenção” onde o próprio

Estado assumiria a posição de garantidor da justiça material, resguardando,

por tratar-se de questão essencial, os bens jurídicos que podem ser

sucumbidos pela atividade arrecadatória do Estado193.

... a segurança jurídica supõe a realização e a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos ante o poder do Estado, implicando a mesma garantia de observância do Direito por todos os seus destinatários e a regularidade de actuação dos órgãos encarregados da sua aplicação.

194 (sic)

Tal princípio se destina ao ordenamento como um todo, sendo

vital ao sistema, portanto, que ele possa ser compreendido por todos. É a

importância da estabilidade, da durabilidade, da calculabilidade, no sentido de

que o sistema não pode ser objeto de modificações incoerentes195.

Essa, para HUMBERTO ÁVILA, é a concepção do princípio sob o

aspecto objetivo, que diz respeito à segurança das normas e, por

conseqüência, do ordenamento de forma genérica e ampla.

No contexto subjetivo, por sua vez, o princípio tem alcance geral

e irrestrito, o que assegura sua abrangência aos cidadãos numa dada

comunidade, ou seja, ao cidadão individual e ao próprio Estado, através de

seus três poderes peculiares. HUMBERTO ÁVILA ainda revela o aspecto

temporal do princípio, que garante sua aplicação hoje, no passado e no futuro.

Trata-se de previsibilidade latente e inconteste, até porque, “...

quanto maior for a capacidade de o cidadão prever o momento em que será

definida a conseqüência jurídica aplicável aos atos ou fatos, tanto maior será a

sua capacidade de traçar linhas de ação relativamente ao que pretende

fazer.”196

Enfim, o que ao Direito Tributário é de essencial compreensão é o

aspecto quantitativo assinalado por HUMBERTO ÁVILA. O cidadão deve ter

193

O Direito dos Contribuintes..., op. cit., p. 58. 194

Ib., p. 90. 195

HUMBERTO ÁVILA, Segurança Jurídica – Entre permanência..., op. cit., p. 138.

62

previsibilidade, ou seja, ele deve poder prever as conseqüências que serão a

ele imputadas quando da prática de algum ato. Trata-se de valor supremo,

como assinala JOSÉ ROBERTO VIEIRA, inclusive erigido á condição de direito

fundamental pela Constituição de 1988, “não mais como segurança individual”,

mas como “efetivamente segurança jurídica.”197

A noção de segurança jurídica é a certeza do direito e a

previsibilidade da ação do Estado, justamente para evitar surpresas. É nesse

contexto que na esfera tributária, o princípio da Segurança Jurídica se realiza

por outros princípios tributários, tais como a própria estrita legalidade, a

irretroatividade (arts. 5º, XXXVI e 150, III, “a”, da Constituição); e a

anterioridade (art. 150, III, “b”, da Constituição).

JOSÉ ROBERTO VIEIRA lembra ainda o princípio da

Universalidade da Jurisdição, onde a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário, a lesão ou a ameaça a direito (art. 5º, XXXV)198 199.

Por ser oportuno, registre-se, quanto à anterioridade, que

diferentemente do que ocorre com o princípio da legalidade em sua formulação

genérica, aquele é específico da ordem tributária. Isso remete a idéia de que a

lei que cria ou aumenta um tributo, em regra geral, ao entrar em vigor, fica com

sua eficácia paralisada até o inicio do próximo exercício financeiro, quando, ai

sim, passará a produzir todos os efeitos na ordem jurídica200.

Por trás desse princípio, por óbvio, fica evidenciado o princípio da

Segurança Jurídica.

No campo tributário, o princípio revela o ideal constitucional de

que “nenhum tributo poderá ser instituído ao aumentado e vigorar de pronto”.201

196

Ib., p. 166. 197

Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 99. 198

Id. 199

Da mesma forma, ROQUE ANTONIO CARRAZZA cita a segurança jurídica e o livre acesso ao Poder Judiciário (Curso de Direito..., op. cit., p. 396).

200 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 172.

201 SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 169.

63

Em 2003, apenas para consignar, a Emenda Constitucional nº 42

inovou, e, com isso, acrescentou a “espera nonagesimal”.202 Isso porque, a

realidade brasileira mostrou que a segurança jurídica, através do princípio da

anterioridade, assim como disciplinado acima, não conseguiu resguardar os

contribuintes quanto à criação e aumento de tributos de forma repentina. Por

conta disso, o ordenamento passou a conviver com a alínea “c”do art. 150,

inciso III: “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada

a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”.

Feitas algumas considerações acerca da anterioridade, corolário

do princípio da segurança jurídica tributária, diga-se que tal princípio fora

desenhado não apenas como um valor constitucional, como consagrado por

HUMBERTO ÁVILA, mas direito fundamental positivado na Constituição e,

ainda, garantia, na medida em que a segurança jurídica somente se concretiza

por intermédio de medidas que possam assegurar uma obrigação.

Assim, ao que tudo indica, além da legalidade, da irretroatividade,

da anterioridade e da universalidade da jurisdição (JOSÉ ROBERTO

VIEIRA)203, o Princípio da Segurança Jurídica revela-se, como bem assinala

RICARDO LOBO TORRES, pela tipicidade, que será debatida quando

tratarmos da legalidade tributária em especial, a qual assegura a determinação

do fato jurídico tributários e sua conformação ante os fatos praticados pelos

pretensos contribuintes204.

Cabe frisar, ainda, que RICARDO LOBO TORRES ressalta a

relação intensa entre a segurança jurídica e a igualdade205.

Da mesma forma HUMBERTO ÁVILA assinala o princípio

democrático, porque exige uma relação de confiança entre representantes e

representados e, da mesma forma, o princípio da igualdade que, “embora não

202

Ib., op. cit., p. 161. 203

Medidas Provisórias Tributárias e Segurança..., op. cit., p. 324. 204

Valores e Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 214, 223 e 225. 205

Valores e Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 174.

64

pareça” “... é uma forma indireta de se proteger a segurança jurídica” e mesmo

o princípio da dignidade humana 206.

No Estado de Direito a Administração Pública se sujeita ao

império da lei, sendo certo que nas relações com os cidadãos há que se

respeitar o regime de direito. Isso quer dizer que aos indivíduos é outorgado à

titularidade de direitos públicos subjetivos que são oponíveis mesmo ao

Estado, talvez a mais expressiva conquista dos tempos modernos como bem

recorda ROQUE CARRAZZA207.

No campo do Direito Tributário isso é essencial para o bom

desempenho das relações entre particulares e entre esses e o Estado que

deve emprenhar-se em resguardar os anseios constitucionais no espaço social.

Isso quer dizer que a Segurança Jurídica, na qualidade de direito fundamental,

impede que o Estado lese o patrimônio dos contribuintes através de exações

ilegais, por exemplo.

Disso, extrai-se que o Estado deve exercer sim a função de

arrecadação, eis que essencial ao atendimento das metas constitucionais, mas

sempre observando os limites impostos pelo próprio sistema constitucional. É

justamente desse contexto que o princípio da Segurança Jurídica extrai sua

importância, eis que ajuda a “promover os valores supremos da sociedade,

inspirando a boa aplicação das leis, dos decretos, as portarias, das sentenças,

dos atos administrativos etc.”208

Conclui-se, portanto, que além da certeza do direito e de sua

previsibilidade, em especial em face das suas conseqüências, há a igualdade

(RICARDO LOBO TORRES e HUMBERTO ÁVILA), lembrada por ROQUE

CARRAZZA como essencial à obtenção da segurança que habilita o “cidadão a

sentir-se senhor de seus próprios atos e dos atos dos outros.”209

206

Segurança Jurídica – Entre permanência..., op. cit., p. 222. 207

Curso de Direito..., op. cit., p. 355. 208

Ib., p. 385. 209

Ib., p. 386.

65

É preciso, a partir daí, que a lei tenha validade para todos

igualmente, ou melhor, a lei deve ser editada e aplicada em conformidade com

a isonomia, e, talvez por isso, ROQUE CARRAZZA atribua à justiça tributária

ao princípio da igualdade, que por sua vez é inerente aos ditames da

segurança jurídica210.

Desse ponto, fica evidenciado que no campo do direito tributário

os princípios se engarfam num emaranhado lógico, numa estrutura cujo cerne

impossibilita a obediência a um determinado princípio sem que se observem os

demais. É por isso muito árdua a tarefa não só do legislador, mas do intérprete

e do próprio executor. Isso porque, a segurança jurídica abrange a elaboração,

a aplicação, a interpretação e também a positivação do ordenamento.

Tudo isso em busca da clareza e da certeza do direito, (RICARDO

LOBO TORRES)211, sem esquecer da previsibilidade da ação do Estado (JOSÉ

ROBERTO VIEIRA, HUMEBRTO ÁVILA e EUSÉBIO GONZÁLEZ GARCIÁ212).

210

Ib., p. 394. 211

RICARDO LOBO TORRES, Liberdade, Segurança..., op. cit., p. 686. 212

Relaciones entre los Princípios..., op. cit., p. 151-152.

66

CAPÍTULO 2 - Contextualização Sócio-Política

2.1. O Direito de Tributar e o Dever de Pagar Tributo

Saudoso e emérito professor GERALDO ATALIBA, inicia uma de

suas grandes obras, “Hipótese de Incidência Tributária”, fazendo importante

registro no sentido de que o conteúdo essencial da norma tributária é a ordem

para que determinada pessoa, especificada nos perímetros da lei, entregue ao

Estado certa quantia em dinheiro, dando cumprimento a obrigação tributária.

Enfim, esse dinheiro, levado aos cofres, tem a designação de tributo213.

Aliás, como bem assinala EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, a

definição de tributo, em si, é conceito fundamental para a demarcação do

direito tributário214.

Evidente que ante as diversas necessidades financeiras do

Estado, muitas das quais, inclusive, características do próprio modelo de

Estado Social de Direito, o cabedal das normas de direito tributário funcionam

como que um instrumento, muito hábil por sinal, para abastecer os cofres

estatais de recursos financeiros.

Na Inglaterra, por exemplo, os tributos eram utilizados para

satisfazer as necessidades do Estado através de obrigações impostas aos

vassalos que, na prática, sequer podiam se recusar ao pagamento das

exações. Além da Inglaterra outros países, na Idade Média, cobravam taxas

para tornar possível o fluxo de dinheiro entre o monarca e seus súditos, a fim

de que as necessidades fossem satisfeitas215.

Dessa lição, pode-se dizer, ao que tudo indica, que Estado e o

Direito identificam-se.

213

Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 22-23. 214

As Classificações no Sistema Tributário..., op. cit., p. 125. 215

VICTOR UCKMAR, Princípios Comuns..., op. cit., p. 27.

67

Mais que isso. A idéia de Estado não pode aqui significar apenas

a imposição da figura do mais forte, que fixa seus anseios estabelecendo que

os mais fracos apenas respeitem-no, como se esses tivessem apenas a

obrigação de cumprir seus papéis sem gozar dos resultados. Esse contexto até

já se justificou numa época onde não se pensava o Estado de Direito.

O mundo contemporâneo mudou a racionalidade e a verdade,

com isso, passou a ser constituída e não mais apenas dada como no mundo

moderno. Isso acabou por trazer grande crescimento ao homem.

No Renascimento, apenas para ilustrar, o texto de verdade era

utópico e veiculavam-se verdades sem dizer a verdade realmente. O modelo

atual, por exemplo, se propõe a mostrar um sentido nas coisas e talvez por

isso, a tarefa de abastecer os cofres públicos através do pagando compulsório

de tributos possa parecer algo não mais tão cruel.

Se, de fato e como já mencionado, todas as mudanças sociais

decorreram de variações ideológicas dos povos, uma que merece destaque é

aquela que passou a destinar mais atenção à qualidade digna de vida aos

cidadãos. O que antes era apenas para sobreviver hoje já não basta e isso fica

mais evidente a partir da Revolução do século XVIII, que trouxe o homem ao

centro de toda a sociedade.

Merecem referência, nesse pormenorizado argumento, as

palavras de PAULO BONAVIDES, para quem “o povo, titular de nova

legitimidade, não somente encarnava a vontade dos governados, senão que a

transmuta em vontade dos governados.” 216

Todos os movimentos enraizados nas disputas do Estado Social,

ou mesmo Liberal, foram embalados com armas e sangue. Mas, sobremaneira,

fundamentaram a Sociedade a ponto de ajustar o corpo social às novas

216

Do Estado..., op. cit., p. 31.

68

categorias de exercício do poder, tão importantes para o sustento do novo

paradigma do Estado Social de Direito217.

Hoje, pode-se dizer, o Estado exerce toda a sua legitimidade

obrigando seus cidadãos a pagar tributos segundo o direito constitucional e,

justamente por conta disso, deve, também, obedecer à todas as manifestações

previstas em lei. As normas tributárias, portanto, têm em vista o trabalho de

destinarem recursos ao Estado, ordenando comportamentos aos contribuintes,

agentes públicos e até mesmo aos terceiros.

IVES GANDRA MARTINS trata da Teoria da Imposição Tributária,

proclamada desde a primeira edição de sua notória obra “Sistema Tributário na

Constituição”, como se obrigação de pagar tributos decorresse da necessidade

do Estado em gerar recursos financeiros para a sua manutenção. São esses

recursos, entretanto, que deverão garantir não só a estrutura governamental,

mas todas as premissas constitucionais destinadas a assegurar o exercício dos

direitos sociais, com base nos valores supremos do bem-estar, do

desenvolvimento, da igualdade e da justiça218.

Na realidade, um estudo pleno da teoria da imposição tributária

demandaria dominar, além do direito, os princípios essenciais que regem a

economia e as finanças públicas, e, por conta disso diz-se que em sua imediata

expressão, a teoria trata da apropriação de bens do cidadão para atendimento

das necessidades do Estado.

É que a atividade financeira do Estado tem por fundamento

buscar recursos financeiros para a manutenção da higidez do ordenamento,

todavia ela se realiza em três distintos campos, além daquele atinente à busca

por recursos: o campo da administração e da aplicação desses recursos, o que

para esse estudo não haverá maiores elucubrações.

217

MATEUS EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI e WILSON CARLOS DE CAMPOS FILHO, Políticas de Ação Afirmativa no Contexto do Direito Constitucional Brasileiro, p. 152-156.

218 Sistema Tributário na Constituição de 1988, p. 2.

69

O Estado, de fato, não deixa de ser uma “grande associação” e

como tal, deve atingir certos fins que dizem respeito a todos os seus

associados que, no caso, são os cidadãos219.

Os fins são elencados a partir dos interesses da coletividade, e,

após essa escolha, os objetivos devem ser perseguidos prioritariamente. De

certo, tais objetivos não poderão ser todos preenchidos de maneira simultânea,

todavia, partindo do pressuposto de que a própria Constituição apontou o bem-

estar e a justiça como valores supremos da sociedade no campo social, são

esses os que deverão nortear prioritariamente o consumo dos recursos.

IVES GANDRA bem registra que as normas tributárias, mesmo

ante a importância cristalina que representam para a manutenção da higidez do

Estado em face da necessidade da arrecadação, são normas de rejeição social

e, talvez por isso, vislumbrem na sanção a conseqüência lógica e objetiva no

caso de descumprimento do comando mandamental. O professor lança mão do

argumento de que a norma sancionadora é a segurança da norma tributária220.

Ainda que a arrecadação seja ilustrada através de normas de

rejeição social, é essencial que os recursos sejam arrecadados, até porque o

Estado tem que trabalhar com a segurança de que seus cofres serão sempre

nutridos por meio do recolhimento compulsório de recursos. Nessa linha de

raciocínio, pode-se, inclusive, alocar o Estado, quando se trata da arrecadação,

na figura de mero instrumento.

De criador para instrumento responsável pela higidez do valor

supremo da justiça social. Como registra IVES GANDRA, a imposição tributária

permite que seja estabelecido um grau de justiça desejável, de modo que o

fruto da arrecadação esteja em equilíbrio não só com os valores

constitucionais, mas com as necessidades da comunidade221.

Cabe registrar, por oportuno, que o ordenamento jurídico vigente,

na visão sistêmica, pressupõe, dentre os requisitos da ordenação e da

219

CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, p. 1. 220

Sistema Tributário..., op cit., p. 13. 221

Ib., p. 16.

70

coerência, a noção da unidade. Dessa forma, não se pode ter na rejeição social

o resumo do que representa a arrecadação tributária.

Uma norma tributária, portanto, não pode apenas ser apreciada

como regra cogente que condiciona o contribuinte ao recolhimento de recursos

aos cofres públicos. Deve ela estar integrada ao ordenamento de modo que

esteja em consonância com os valores supremos do bem-estar e da justiça

social222.

Ora, a mesma Constituição que em seu preâmbulo elencou tais

valores como supremos da sociedade, é o mesmo documento que representa o

fundamento de validade para todas as normas.

Apenas para afastar qualquer questionamento quanto a validade

do preâmbulo, tome-se o registro e EDVALDO BRITO para quem o preâmbulo

é uma das três partes de uma Constituição, juntamente com a parte dogmática

e o ato das disposições transitórias, e, como tal define os pressupostos, a

orientação e os valores do sistema que aqui se reconhece como ordenamento

jurídico223.

É nesse contexto que o professor e livre docente pela

Universidade de São Paulo assinala que o preâmbulo não é mera declaração,

“mas ato jurídico que cria direitos”224.

Partindo dessa colocação, aliando o registro de HUGO DE BRITO

MACHADO, pode-se dizer que o preâmbulo cria direitos que podem revestir-se

da condição de fundamentais, como ocorre com a manutenção do bem-estar e

da justiça social. Da mesma forma, ou seja, na mesma linha de raciocínio, se o

objetivo dos direitos fundamentais é o de criar e manter os pressupostos

elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, e, a

manutenção disso depende da arrecadação, então a conclusão que se pode

alcançar é a de que a obrigação de pagar tributo é direito fundamental de todos

os cidadãos em sua representação coletiva, na medida em que é através dessa

222

EDVALDO BRITO, Aspectos Constitucionais da Tributação, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 624.

223 Ib., p. 631.

71

contribuição que se pode garantir uma vida digna, ou seja, calcada nos valores

supremos do bem-estar e da justiça social225.

A assertiva é fomentada pela simples indicação de que são

direitos fundamentais aqueles direitos do homem, como cidadão, que lhes

permitem viver com liberdade e com dignidade. Não importa, com isso, se os

direitos fundamentais são formulados formalmente ou apenas materialmente,

eis que o que realmente interessa é a preservação do núcleo essencial

universal. E as restrições? Na medida em que os direitos fundamentais não são

absolutos, recolher recursos aos cofres públicos sofre sim limitação pela via

legal.

Parece oportuna a lição de HUGO DE BRITO no sentido de que

os direitos fundamentais têm como sujeitos todos os cidadãos e, ainda que

pareça que nem todos os cidadãos são contribuintes, todos devem sim ser

considerados como tais, na medida em que muito embora possam não integrar

solenemente uma relação tributária, acabam por assumir a condição de

contribuintes quando suportam o ônus do tributo, embora, na maioria das vezes

nem se perceba isso. É a tal da “consciência fiscal”226.

Trata-se do sentimento das pessoas quanto ao ônus que o tributo

representa em suas vidas, ou, ainda, o estado de espírito de quem sabe em

quanto monta o sacrifício de pagar tributos para a manutenção da higidez do

Estado.

Ora, é notório reconhecer que as pessoas devem estar

conscientes da parte que lhes incumbe, como cidadãs, na distribuição das

despesas essenciais ao funcionamento do Estado227.

Não se pode olvidar que os direitos subjetivos sempre andam em

compasso com os deveres jurídicos, não sendo coerente justificar a anulação

desses por aqueles, na medida em que os deveres jurídicos têm como escopo,

justamente, a proteção dos direitos subjetivos.

224

Id. 225

Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 16. 226

Ib., p. 27.

72

Não se pode esperar, como bem registrou CANOTILHO, uma

simetria de direitos e deveres, eis que no Estado de Direito não coloca à prova

os escopos ancorados, nesse caso, na dignidade humana, sendo certo que a

tributação assume a condição de problema meramente de articulação e relação

entre indivíduos vivendo em comunidade228.

Por sua vez, CASALTA NABAIS bem expõe que sem os deveres

de manutenção, de existência e de funcionamento do Estado, não há como

garantir direitos fundamentais, da mesma forma que em um Estado

Democrático de Direito a imposição unilateral de deveres aos cidadãos seria

incompatível com as mais básicas demandas por justiça229.

Os tributos, nesse contexto, seriam como que deveres

fundamentais que garantem a liberdade. Representam o justo preço que os

cidadãos devem pagar em prol de uma vida em sociedade sitiada de liberdade.

O próprio KARL MARX, no manifesto comunista, incita a massa a pleitear esse

instrumento, pois, na época, representava a “arma” da reforma230.

A ação de tributar promovida pelo Estado é dever não só da

Administração, em face do cumprimento das disposições legais que impõem a

obrigatoriedade da arrecadação, mas também um dever jurídico a que estão

submetidos os cidadãos de repartir as responsabilidades. O funcionamento do

Estado depende do cumprimento desse dever e é justamente por conta disso

que o tributo não pode, e não deve, ser visto como simples ato de poder, e

muito menos um mero sacrifício por parte do cidadão. Isso porque, nitidamente,

é parcela essencial para a vida em sociedade231.

Como ensina RICARDO LOBO TORRES, o “tributo é o preço da

liberdade”232, permitindo o desenvolvimento humano sem a necessidade de

que o cidadão entregue-se fisicamente numa atividade prestacional233.

227

É inclusive o que se extrai da leitura, por exemplo, do art. 195 da Constituição. 228

Direito Constitucional..., op. cit., p. 527. 229

O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 193. 230

ALIOMAR BALEEIRO, Uma Introdução à Ciência..., op. cit., p. 180-181. 231

JOSÉ CASALTA NABAIS, Ib., p. 139 e 185. 232

Liberdade, Segurança..., op. cit., p. 686.

73

Isso quer dizer que não há qualquer espaço para a “escravidão

tributária”. O Estado deve exercer seu “poder” tributário de forma limitada,

sempre respeitando os direitos ressalvados na Constituição e nas diversas leis

dispersas.

Até porque, como lembra RICARDO LOBO TORRES, não basta a

liberdade em seu sentido negativo, eis que é essencial, para a manutenção da

própria dignidade da pessoa humana, que sejam garantidas as condições para

o exercício da liberdade, mediante, por exemplo, a proibição de incidência

fiscal sobre o mínimo necessário à existência digna234.

O tributo, portanto, exigido além das necessidades deve ser

refutado, na medida em que a característica fulcral do “direito de tributar” é

orbitar até a justa medida da arrecadação, ou melhor, assenhorar-se apenas do

suficiente à manutenção da higidez dos valores supremos, tais como a

dignidade da pessoa humana, do bem-estar e da justiça social.

Essa justiça fiscal é garantida positivamente por intermédio de

princípios constitucionais que se revelam explicitamente na Constituição:

princípio da legalidade, princípio da capacidade contributiva, princípio do não-

confisco, da solidariedade e outros que garantem a arrecadação na medida

exata, ou melhor, garantem a tributação até onde ela promove a justiça social.

Isso porque, parece elementar dizer que os fins e os objetivos

políticos e econômicos do Estado só podem ser financiados pelo ingresso de

recursos, sendo certo afirmar que a tributação é o principal elemento dessa

receita235.

Cumpre registrar que o dever tributário é inerente a todos os

indivíduos na condição de cidadãos, e, considerando que o pagamento de

tributo, em que pese não ser a única, é a forma mais direta e eficiente de munir

233

“Como é sabido, no Brasil, o dever de pagar tributos deriva da repartição constitucional de competência tributária, porquanto cabe o dever legislativo de cobrá-los, com o objetivo de cumprir suas funções constitucionais, ao cidadão vige o dever de contribuir ao sustento de tais gastos, em favor da coletividade.” (HELENO TAVEIRA TÔRRES, apud MARCELO MARTINS ALTOÉ, Direito versus..., op. cit., p. 78)

234 Ib., p. 685.

235 RICARO LOBO TORRES, Curso de Direito Financeiro e Tributário, p. 3.

74

o Estado de recursos financeiros para o alcance dos objetivos constitucionais,

não há outra alternativa viável, até o presente momento, que afaste o ato de

pagar tributo da idéia de dever de cidadania.

Tomemos por empréstimo, considerando que o presente trabalho

não tratará de questões que envolvam o Estado Fiscal, as palavras de

MARCELO ALTOÉ, que bem registrou, concluindo item de sua obra, que a

afirmação que deve permanecer é aquela de que o dever de pagar tributo é o

custo pago para integrar uma sociedade contemporânea, que ao mesmo tempo

em que é livre, deve ser solidária236.

2.2. O Sistema de Seguridade Social Como bem pontua WAGNER BALERA, no direito o conceito que

impulsiona o encadeamento lógico entre todos os demais conceitos e age

como referencial para a compreensão do mecanismo de proteção social é a

Justiça como fim da Ordem Social237.

O ideal de Justiça sempre ocupou lugar de destaque, ainda que o

enfoque não fosse esse voltado à proteção social. Desde o direito natural sua

concepção sempre habitou a condição de princípio de grande transcendência

no Direito, delimitando e harmonizando os desejos, as pretensões e os

interesses conflitantes na vida em sociedade. Todavia, ao que tudo indica, a

compreensão quase que instintiva segue a direção de um ideal justo, ou

melhor, aquele onde a cada qual é dado aquilo que lhe é devido238.

Entretanto, o campo que se debruça o presente trabalho

compreende a Justiça no contexto da proteção social, e, nos termos da

Constituição, o enfoque que se dá diz respeito a uma Justiça voltada a reduzir

desigualdades sociais, tarefa que exige muito da sociedade, eis que tal esforço

não decorre apenas de políticas e programas públicos de governo. Talvez por

isso WAGNER BALERA seja contundente ao afirmar que tanto o Estado como

236

Direito versus..., op. cit., p. 83. 237

Noções Preliminares de Direito Previdenciário, p. 15.

75

a sociedade devem estar atentos às suas vocações, sendo certo ponderar que

a concretização da justiça social não se processa por intermédio apenas do

Poder Público239.

A construção demanda colaboração, cooperação e, em especial,

apoio recíproco entre os “atores sociais”.

Além disso, há que se destacar o bem-estar, que aliado à Justiça,

na ótica da Ordem Social, assume a condição suficiente para transformar a

situação social que anseia a Constituição. É que, juntamente, tais premissas ou

objetivos específicos representam o núcleo de todo o sistema constitucional

quando o assunto remonta o campo social.

A expressão bem-estar social já vem desde a Declaração

Universal dos Direitos dos Homens, de 1948, como indispensável à

manutenção da própria vida. Não a vida biológica, mas aquela no segmento

social que envolve a habitação, a alimentação e, porque não, a higidez de uma

gama de serviços sociais capaz de assegurar a vida em sociedade: direito aos

serviços médicos, ao auxílio no caso de doença e velhice ou outros desvios

sociais que de alguma maneira possam causar desassossego à manutenção

social.

Esse modelo fez reflexo na Constituição de 1988, não só na

menção direta que consta do preâmbulo, que, como já se mencionou, tem

função auxiliar para a interpretação do texto constitucional240, mas no próprio

art. 3º, inciso IV, como “o bem de todos”. É por isso que alguns juristas, em

especial BALERA, criticam o filósofo ALF ROSS quando esse, em razão da

dimensão do conceito de bem-estar e, também, da incomensurável

abrangência das necessidades para a caracterização do “bem de todos”, aloca

tal premissa como fantasiosa241.

238

RENATO FARTO LANA, A Justiça Social e o Acesso aos serviços de Saúde no Brasil, in FRANCISCO CARDOZO DE OLIVEIRA (Coord.), Fundamentos do Estado e do Direito, Relações Entre Direito e Justiça, p 186-187.

239 Noções..., op. cit., p. 27.

240 Vide p. 74-75.

241 Ib., p. 19.

76

Evidente que tomando por base o texto constitucional, não há

como distanciar as políticas públicas dos critérios erigidos à condição de

valores supremos, tais como a Justiça e o bem-estar, até porque, constitui

objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos,

indistintamente.

Além da exposição das premissas e dos objetivos no campo da

proteção social, a Constituição também fez questão de aprumar o rumo,

definindo, por conta disso, todo ambiente instrumental a ser utilizado para a

proposta social. Lembra WAGNER BALERA que a peculiaridade inerente ao

conjunto de proteção social é a idéia de cooperação entre os membros da

sociedade, aqui revestidos das características de atores sociais e também

sujeitos de direito ansiosos a degustar dos reflexos desse bem que se designa

comum242.

Decorre daí, por óbvio, a noção de solidariedade, expressamente

consagrada na Constituição na medida em que o bem de todos está

umbilicalmente associado à necessidade de construção de uma sociedade

solidária e justa. A todos, portanto, é dada a parcela de responsabilidade de

satisfazer o bem comum e, para isso, é essencial que cada qual assuma seu

papel.

Trata-se da expressão primeira da solidariedade, da superação do

individualismo que, no âmbito da justiça social, aloca governantes e

governados na condição de dar, uns aos outros e à sociedade, tudo aquilo que

lhes é devido. Esse ideal anseia pela criação e manutenção de um sistema de

proteção social apto a equacionar as instabilidades causadas por contingências

sociais que afetam a normalidade da vida.

O valor, então, que se expressa na Constituição através da regra

básica de igualdade e, por conseqüência lógica a solidariedade, revela aos

próprios atores sociais suas parcelas de responsabilidade e, com isso, obriga-

os a garantir proteção suficiente para a higidez da segurança social que cada

qual deve poder contar durante a vida. Quando, então, essa segurança social

242

Id.

77

“proporcionar equivalente quantidade de saúde, de previdência e de

assistência a todos quantos necessitem de proteção, poder-se-á dizer desse

momento histórico: o bem-estar e a justiça estão concretizados.”243

O instrumento para suportar os ideais sociais é o Sistema de

Seguridade Social que na Constituição caracteriza-se como o modelo protetivo

que se destina a institucionalizar seus anseios, tendo por fundamento os

valores supremos da justiça, como fim da Ordem Social, e do bem-comum

como garantia de vida digna para todos.

Inclinando-se nesse sentido, pode-se perceber facilmente a

arquitetura sedimentada pela Constituição de 1988 para saldar o débito social

no Brasil, estrutura da qual o Direito Previdenciário tem por objetivo estudar

através dos segmentos: previdência, assistência social e saúde. Esses, na

ótica constitucional, perfeitamente aptos a eliminar, ou pelos menos saldar,

esse débito acima mencionado.

Para isso, porém, além da individualização das necessidades é

preciso estofo financeiro, de modo que não é exagero dizer que o ideal de

justiça e bem-estar social dependem de recursos financeiros para que possam

concretizar-se, de forma plena, numa sociedade que se diz democrática e

focada em assegurar o exercício dos direitos sociais, a segurança, o bem-

estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos244.

Enfim, organizando a arrecadação dos recursos aptos a custear

esse sistema, bem como, o rol dos benefícios sociais, o Estado deve adequar

as normas ao conteúdo dos valores representados pelo bem-estar e pela

justiça social, dando concretude aos ideais sociais constitucionais245.

243

É a exata proporção da igualdade combinada com a solidariedade como, aliás, registrado por WAGNER BALERA (Ib., p. 35.).

244 Preâmbulo (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil.

Brasília, DF, Senado Federal, 1988. 245

“Em nosso sistema jurídico, a Justiça é o fim da Ordem Social, e a Seguridade Social é o modelo protetivo que se destina a institucionalizar os seus preceitos.” (WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 38.).

78

2.2.1. Traços Elementares do Sistema – História e Contexto

Não é novidade que a Constituição de 1988 foi promulgada com a

proposta de ser o documento garantidor dos Direitos Fundamentais, sendo

que, para isso, elencou diversos direitos sociais dentre o rol de proposições

que fez questão de elencar. Mas como isso chegou nesse ponto?

Parece difícil falar em Seguridade Social, ou mesmo em Direito

Previdenciário, sem que se pondere o Estado Social. Isso porque, não há como

se negar a importância do socialismo na formação ideológica do Estado Social

de Direito, até porque, já registrou PAULO BONAVIDES, que foi a Revolução

do Estado Social, e a conseqüente flexibilização dos dogmas do Estado

Liberal, que promoveu a concretização constitucional tanto da liberdade como

da igualdade, traços elementares da idéia de dignidade da pessoa humana246.

Com a autoridade e inteligência que lhe é peculiar, BONAVIDES

complementa o raciocínio acima asseverando não existir Ordem Social sem o

Estado Social e uma Constituição, até porque, não há, sem tais “pilares”, uma

democracia pluralista247. 248

PAULO MÁRCIO CRUZ desenvolve o histórico do

amadurecimento do Modelo de Social Democrático de Direito, recorrendo aos

diversos acontecimentos sociais e ideológicos no passar dos tempos. Fato é

que citado autor registra que foi através do constitucionalismo social que o

Estado passou a desenvolver ações de inclusão com intuito de financiar uma

série de prestações de serviços públicos aos cidadãos. Essa sistemática,

característica do Estado de Bem-Estar, fez com que o Estado atuasse com

246

Do Estado..., op. cit., p. 29. 247

Teoria do Estado, p. 225. 248

Na mesma linha de raciocínio seguem diversos doutrinadores, dentre os quais se registra PAULO MÁRCIO CRUZ (Fundamentos Históricos, Políticos e Jurídicos da Seguridade Social, in DANIEL MACHADO DA ROCHA e JOSÉ ANTONIO ANTONIO SAVARIS (Coord.), Curso de Especialização em Direito Previdenciário, p 24).

79

mais fervor em prol da população, passando, a partir daí, a preocupar-se com

os problemas inerentes aos auxílios, as pensões, e à previdência social249.250

A Seguridade Social, nesse contexto, teve sua importância

multiplicada em face da abrangência de prestações e do alcance político social

junto aos indivíduos.

No Brasil, as primeiras experiências de proteção social seguiram

as vias inauguradas pelos países do hemisfério norte que, por sua vez,

tratavam de manifestações no âmbito da segurança que decorreram da

necessidade de assistência pública como resposta a exclusão social.

Tais experiências, como ressalta JOSÉ ANTONIO SAVARIS,

apareceram já na Carta Constitucional de 1824 na forma de garantias aos

“socorros públicos”. No documento Magno de 1891, tomou a forma de

aposentadoria por invalidez devida aos funcionários públicos em serviço da

nação251.

Mas a doutrina previdenciária ressalta a expansão da Seguridade

Social em detrimento dos efeitos decorrentes da Lei Eloy Chaves252 que se

traduz, na opinião da maioria esmagadora dessa doutrina, como o primeiro

grande paradigma da Previdência Social no Brasil, tendo elaborado as caixas

de assistência de aposentadorias e pensões para empregados das ferrovias

nacionais.

249

Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 27. 250

Paulo Márcio Cruz, citando Norberto Bobbio, frisa que diversos problemas sociais foram resolvidos pelo Estado de Bem-Estar, nos países onde fora implantado, mas, contemporiza que essa tendência foi acompanhada de aumento da carga tributária. Aumento, que segundo ele, foi alto. O Estado de Bem-Estar é sistema político-econômico que mantém o âmbito provado capitalista, mas, entretanto, encarrega o Estado de tarefas relativas à obtenção de condições sociais mínimas estabelecidas. A origem histórica, e que salta à vista, é justamente o período após a Segunda Grande Guerra. Enfim, importa registrar que em muitas ocasiões seu conceito fora utilizado como sinônimo de “Estado Social”, sendo coerente afirmar que as expressões, ainda que definam categorias diferenciadas de acordo com o ambiente cultural onde foram formados os Doutrinadores, definem categorias similares, senão iguais, (Ib., p. 27-29).

251 Traços elementares do Sistema Constitucional de Seguridade Social, in DANIEL

MACHADO DA ROCHA e JOSÉ ANTONIO ANTONIO SAVARIS (Coord.), Curso de Especialização em Direito Previdenciário, p 105-109).

252 Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923.

80

Até esse momento a incursão previdenciária tinha acanhada

participação do Poder Público que se incumbia da função de mera

intermediação.

O sistema ganhou extensão e em 1930 fora criado o Instituto de

Aposentadoria e Pensões (IAP’s), ainda de natureza privada e atento apenas

aos seus poucos segurados.

Algum tempo antes da promulgação da Constituição de 1934,

entretanto, foi conhecida a primeira instituição de previdência de caráter

nacional, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos. O esboço,

então, daquilo que fora alcançado em 1988 teve início no documento

constitucional de 1934 que, já naquela oportunidade, se preocupou com o

custeio da Seguridade Social atribuindo, para isso, a responsabilidade pela

arrecadação de recursos a todos os atores sociais: União, empregados e

empregadores253.

Mas foi apenas na Constituição de 1946 que a expressão

“previdência social” foi inaugurada normativamente, dando ensejo a

promulgação da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, notoriamente

conhecida por Lei Orgânica da Previdência.

A unificação da legislação ocorreu seis anos depois,

especificamente em 21 de novembro de 1966, com a com a criação do Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS), através do Decreto-Lei nº 72.

O campo de proteção foi ampliado através da Constituição de

1967 e também por conta das conseqüentes leis infraconstitucionais que se

seguiram. O caráter efetivamente contributivo, como bem registra SAVARIS, foi

superado apenas em 1988 com a Constituição. Isso se deu por conta dos

ideais de universalização e uniformização, atributos inerentes à Seguridade

Social, e que tiveram no documento constitucional a melhoria da eficácia por

253

NICOLAU KONKEL JUNIOR, Contribuições Sociais: Doutrina e Jurisprudência, p. 46-47.

81

conta do afastamento perdulário de proteção social herdado do modelo social

de bem-estar pleno254.

A breve incursão registrada nesse subtítulo finda, portanto, na

Constituição Federal de 1988 e suas diversas previsões no âmbito da proteção

social, tais como serviços públicos e benefícios que resguardam o contexto

arquitetado para a proteção dos direitos das pessoas no campo social. Isso

acabou por dar efetividade “ao reconhecimento de uma esfera própria de cada

indivíduo” apta não só a definir a proteção social através de direitos, mas

também capaz de instrumentalizar as garantias jurídicas para tornar tais

direitos eficazes255.

Fato é que os pilares do constitucionalismo, já desde a Revolução

Francesa e Norte-America, estavam sedimentados na idéia de direitos

inerentes a figura humana. Algo inseparável da condição de ser humano e que

independe de reconhecimento em normas jurídicas, na medida em que são

questões próprias da natureza das pessoas. Tratam-se dos direitos humanos,

conquistados ao longo dos tempos e percebidos como de todos os homens,

independente do tempo e do lugar.

Esses direitos, de cunho universal, em vista da essencialidade,

passaram a ser positivados, assumindo a condição de direitos fundamentais,

fato bem percebido após a Segunda Grande Guerra quando se constatou que

os Direitos Humanos precisavam ser garantidos nos documentos magnos dos

Estados. Reflexo dessa constatação foi a própria Declaração dos Direitos dos

Homens que passou a integrar, de forma implícita, grande parte dos

ordenamentos no mundo, transformando Direitos Humanos em Direitos

Fundamentais.

Diga-se, por oportuno, que não há direito fundamental sem a

manutenção da igualdade, da liberdade e, por conseqüência, da própria

democracia. Talvez por isso, seja importante reconhecer que dentre as funções

dos direitos fundamentais, esteja aquela de defender a liberdade e, também, a

254

Traços elementares do Sistema..., op. cit., p. 109. 255

PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 67.

82

igualdade através das prestações sociais. Fato é que a segunda dimensão, das

quatro, dos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos, leva em

conta as relações do indivíduo com o meio social.

Decorre daí a garantia ao bem-estar e às prestações materiais

atinentes a Seguridade Social, em destaque a saúde, a assistência social e a

própria previdência.

A essencialidade do Estado de bem-estar foi ganhando contornos

cada vez mais específicos em prol da atuação do Estado como agente de

desenvolvimento social. O individualismo cedeu espaço ao solidarismo e as

constituições que se seguiram adotaram como tarefa descobrir o instrumental

apto a dar soluções aos graves problemas sociais que sorviam a dignidade

humana256.

Ao Poder Público cabia, agora, dar soluções.

O instrumental normativo adotado tem o nome de Seguridade

Social. A partir, portanto, do “Social Security Act”, norte-americano, a

Seguridade Social ganhou lugar de destaque na agenda do Estado

contemporâneo. O ápice, ao que tudo indica, veio com a promulgação da

Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), cujos artigos acabaram

por expressar a concretização jurídica da Seguridade Social.

O sistema social, portanto, pode ser visto como o conjunto de

ações do Estado, apto a garantir condições essenciais de vida digna aos

indivíduos, em detrimento das contingências sociais que mitigam tais

condições.

O modelo, na garantia da subsistência, trabalha tanto com o

financiamento como com a entrega efetiva de prestações257.

Como bem registra WAGNER BALERA, “as normas que cuidam

da seguridade social pretendem impor uma ordem à estrutura social.”258

256

WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 55. 257

PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 71-72. 258

Noções..., op. cit., p. 68.

83

Mesmo após diversas transformações, como aliás se pôde

resumidamente comentar ao longo desse subitem, o Estado Social

Democrático de Direito continua tendo importante papel na garantia e

manutenção dos Direitos Fundamentais. Prova disso é a própria Constituição

de 1988, que trata da República Federativa em função do objetivo magno da

dignidade da pessoa humana, e, a partir daí, tece mecanismos aptos à

proteção social e à concretização das garantias estabelecidas.

Conclui-se, nessa linha de raciocínio, que o Estado Social

Democrático de Direito tem importante missão no curso do desenvolvimento da

sociedade, em especial reconhecendo os direitos sociais prestacionais, dentre

os quais merece atenção o direito fundamental à proteção social259.

O alicerce decorre do art. 1º, da Constituição de 1988, que

fundamenta o Estado Social Democrático de Direito no princípio da Dignidade

da Pessoa Humana que, por sua vez, prepara uma rede instrumental solidária

de proteção aos riscos sociais, organizada pelo Estado (art. 194) e patrocinado

por toda a sociedade (art. 195).

A Seguridade Social, portanto, vista como direito fundamental,

destina-se, basicamente, a promover a saúde e garantir as condições de vida

digna frente às incertezas da vida, que muitas vezes podem impossibilitar sua

manutenção, ainda que temporariamente.

O conceito de Justiça é o referencial para a compreensão desse

mecanismo, o qual, inclusive, proporcionará condição para que os legisladores

criem os instrumentos para a implementação.

Na condição de direito fundamental, a Seguridade Social alcançou

na Constituição Federal de 1988, através do princípio da dignidade da pessoa

humana, sua expressão maior, revelando-se como fim do próprio Estado (art.

1º). Além disso, reveste-se da condição de objetivo da Ordem Social, na

medida em que edifica as diretrizes das regras de proteção social. É

259

ZENILDO BODNAR, A Concretização Jurisdicional dos Direitos Previdenciários e Sociais no Estado Contemporâneo, in LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON e JOÃO BATISTA LAZZARI (Coord.), Curso Modular de Direito Previdenciário, p 16.

84

justamente nesse sentido que WAGNER BALERA registra que as normas que

cuidam da seguridade pretendem impor uma ordem à estrutura social260.

Queremos descobrir quem merece a proteção social, quais os tipos de proteção oferecidos pela ordem jurídica, quem deve a prestação e, por fim, como se acha equacionado o problema atinente ao financiamento de tal proteção.

261

No Brasil o sistema tem duas vertentes distintas para o

cumprimento das metas constitucionais: A primeira diz respeito a previdência

que tem características típicas de um seguro social. A segunda vertente está

relacionada ao mecanismo assistencial que tem o sistema de saúde e o

sistema próprio de assistência social como instrumentos de atuação.

Não seria outra a conclusão senão a de que a Constituição,

portanto, já deixou evidenciada a estrutura apta a resolver as mazelas sociais.

No que tange o custeio desse sistema, registre-se que pode ele

representar mínima participação financeira do Estado, até a participação

demasiada. Nesses casos a conta a pagar é elevada e daí a tão afamada crise

previdenciária e a constante temática acerca da reforma previdenciária em

decorrência da complexa e afaimada arrecadação tributária.

2.3. Princípios Inerentes à Seguridade Social

Como já mencionado ao longo deste trabalho, todas as normas do

sistema constitucional brasileiro convergem para o ponto único, para a norma

maior: a Constituição; que tem a responsabilidade na garantia da higidez e na

própria validade do sistema jurídico. Esse sistema, portanto, faz com que as

regras e as normas se interliguem, criando relações de coordenação e

subordinação hierárquica262.

260

Vide nota 263. 261

WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 69. 262

Vide pag. 20 e seguintes.

85

De todo modo, como não poderia deixar de ser com o Sistema de

Seguridade Social, há uma obediência ao conjunto de princípios que

representam, no contexto sistêmico, a prevalência do ordenamento protetivo

arquitetado pela Constituição Federal de 1988. A configuração do sistema,

então, está aparelhada a implementar uma sociedade pauta no bem-estar e na

justiça social.

A diretiva decorre do art. 193 da Constituição da República, o qual

designou, no direito brasileiro, o bem-estar e a justiça social como postulados

fundamentais da Ordem Social, valores supremos no contexto da proteção

social. Decorre daí, portanto, o termo inicial para o raciocínio e interpretação do

sistema de Seguridade Social.

O caráter protetivo é claro e resplandecente.

Além disso, são valores como bem-estar e justiça que permitem o

engajamento do sistema e também um funcionamento “livre de atrito”, de modo

que as diversas normas sejam integradas em prol dos objetivos gerais da

Ordem Social.

A dignidade da pessoa humana é a sede principal e o fundamento

indispensável que convida os operadores do direito à leitura e interpretação do

Estado Social Democrático de Direito. A noção de indivíduo, fundamento dos

sistemas construídos até a Segunda Guerra Mundial, cedeu espaço ao

conceito de pessoa humana como informadora de todo o Direito, o que

consagrou a condição de direito fundamental positivado no Texto

Constitucional.

De todo modo, a concretização do fundamento da “dignidade da

pessoa humana” tem por objetivo construir uma sociedade livre, justa e

solidária com escopo erradicar a pobreza e a marginalização, e, sobretudo,

reduzir as desigualdades sociais promovendo o bem de todos.

O art. 6º da Constituição, por sua vez, seguindo esse raciocínio,

registra que o sistema social reveste-se da natureza de Direito Fundamental

responsável, portanto, por instrumentalizar a realização do valor essencial da

86

dignidade humana, consagrado pelos valores supremos da justiça e do bem-

estar.

Cabe, enfim, registrar que a Seguridade Social é modelo adotado

no Brasil, parametrizado na Constituição, para solucionar os dilemas sociais.

Não obstante, a superioridade da Constituição no ordenamento

condiciona as normas atinentes a Seguridade, fundamentando-as e validando-

as, e, por conta disso, articulando a relação interativa entre três princípios de

grande importância quando o foco do estudo direciona-se ao custeio do

sistema de proteção social, quais sejam: 1) solidariedade; 2) equidade no

custeio; e a 3) diversidade na base de financiamento.

2.3.1. Solidariedade

Já se mencionou ao longo desse trabalho que o valor supremo do

bem-estar, aliado e engrenado com a justiça, assume vital importância para a

transformação social almejada na Constituição.

Tais valores representam “o centro de gravidade de todo o

sistema”, de modo que é justamente a partir da influência deles que as normas

e regras de cunho social são elaboradas, interpretadas e aplicadas263.

Justiça e bem-estar são expressões que decorrem do próprio

texto constitucional. Em diversas passagens, em especial a referência

constante do art. 3º da Constituição, há menção dos objetivos do sistema, os

quais realçam uma sociedade justa e capaz de promover o bem de todos.

Por conta disso, qualquer que sejam os direitos sociais

estudados, em especial aqueles inerentes ao Sistema de Seguridade Social

(previdência, assistência e saúde), a característica eminente é a idéia de

cooperação entre os membros da sociedade, ou atores sociais, para que não

somente o bem de todos seja alcançado, mas, sobretudo, isso ocorra de

maneira justa.

263

WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 17.

87

Para que isso seja possível, ou melhor, para que seja viável

promover o bem de todos, cada um dos integrantes da sociedade deve

participar e compartilhar as responsabilidades que isso implica.

Não é exagero, portanto, dizer que para resguardar e propagar os

direitos sociais é preciso que a noção de solidariedade esteja presente na

condição de centro unificador do sistema. A prevalência também tem

fundamento no art. 3º da Constituição da República, sendo coerente afirmar

que a supremacia já destacada decorre da própria previsão constitucional que

tem efeitos por todo o Ordenamento Jurídico.

A partir desse contexto, fica edificado o arquétipo constitucional

para o campo social. O princípio da dignidade da pessoa humana representa o

valor primordial do sistema; ao passo que justiça e bem-estar social, como

valores supremos, assumem a condição de finalidades desse sistema. A

solidariedade, por sua vez, representa o valor meio, ou melhor, aquele princípio

que tem o escopo de tornar apta a sistemática instituída264.

Cabe frisar, sobretudo, que a solidariedade constitucional não

decorre da simples noção de caridade. Vai além, na medida em que representa

uma nova maneira de se pensar, devendo permitir a implementação e a

construção de políticas sociais efetivas, todas elas motivadas pelo princípio da

dignidade da pessoa humana.

Como já mencionado, o princípio da dignidade da pessoa

humana, em especial através da solidariedade quando se trata do sistema

social, assume o papel de unificador, qualificando os demais valores na

condição de princípio fundamental265.

É justamente esse conceito que permitiu LEDA DE OLIVEIRA

PINHO alocar tal princípio tanto na base como no topo da pirâmide do

ordenamento, ao passo que evidenciou claramente o princípio da dignidade

264

LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 30. 265

Vide p. 89.

88

como valor fonte, justiça e bem-estar social como valores fim e a solidariedade

como valor meio266.

A conclusão, conseqüentemente, é que a consecução do bem de

todos depende de uma sociedade não somente justa, mas também solidária.

Além disso, ao que tudo indica, pode-se dizer que todo o Sistema

de Seguridade Social está baseado na solidariedade, não só através do pacto

intergeracional, mas também por conta da necessidade de manutenção do

sistema através da arrecadação.

Isso implica dizer que para o atendimento das políticas

constitucionais no campo social, é preciso que cada um dos atores sociais

assuma a responsabilidade pelo cumprimento de sua parcela de

responsabilidade também no custeio.

É por isso que a Constituição articula a participação de cada qual,

ou melhor, aquela que é própria do Estado e aquela que é própria do particular.

Como bem registra ANDRÉ FRANCO MONTORO, os devedores na justiça

social são os atores que, com a qualidade de membros, sejam governantes ou

governados, têm a obrigação de dar à sociedade o que lhe é devido267.

Oportuna, por sua vez, a explanação de WAGNER BALERA, que

explicita as duas formas de atuação diante desse contexto: uma cuja

competência é do Estado desenvolver através de sua atuação, sempre, por

óbvio, atentando para as limitações legais; e, outra atuação ligada mais de

perto aos particulares268.

A dicotomia fica evidente quando da leitura do art. 194, da

Constituição, que atribui ao Poder Público a responsabilidade pela organização

do sistema, ao passo que, também, resguarda parcela de responsabilidade dos

266

“É como se, dos princípios mais gerais até as regras mais específicas, houvesse uma transmissão do código genético da dignidade da pessoa humana, de sorte que todas as normas que são geradas a partir desta norma tronco carregam suas características fundamentais.” (LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 37).

267 Introdução à Ciência do Direito, v. 1, p. 284.

268 Noções..., op. cit., p. 22.

89

particulares em assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à

assistência social.

Como bem registra LEDA DE OLIVEIRA PINHO, o significado da

solidariedade no campo da Seguridade Social está atrelado à idéia de bem

comum, ou melhor, de que todos são responsáveis por todos ao passo que

alcançar o bem comum implica a busca do bem-estar individual. São duas as

faces, portanto: um dever de solidariedade e um direito de solidariedade269.

Pôr em prática uma “política de solidariedade”, todavia, é tarefa

complexa. Um grande reflexo disso aparece, com mais ênfase, quando a

realidade orçamentária é o objeto de análise. Isso porque, a solidariedade

também deve imperar no sistema quando o foco dos estudos é o custeio.

O orçamento do sistema, nos termos do art. 165, §5º, III, da

Constituição, é diverso do orçamento fiscal e, também, financiado de forma

tríplice, através da participação do Estado, das empresas e dos

trabalhadores270.

Talvez por isso, ante aos princípios da Seguridade Social, a

solidariedade possa ser alçada à condição de postulado fundamental271.

A menção expressa do art. 3º da Constituição, é ratificada com

destaque no art. 194, através da expressão “conjunto integrado de ações”; e

também no art. 195, por meio da atribuição do custeio a todos os integrantes

da sociedade.

Evidenciado, nesse contexto, a importância da solidariedade no

campo da Seguridade Social como instituto ubíquo e de grande intensidade,

manifestando-se por diversos meios, não ficando à margem do campo

econômico aqui interpretado como o custeio do sistema. Até porque esse

sistema depende da ação e da atuação de todos, eis que os objetivos são

comuns e devem ser atingidos sob pena da marginalização da Constituição

Federal.

269

O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 54. 270

PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 72 e 82.

90

Se os escopos são os mesmos, assim como os objetivos, a

solidariedade não poderia deixar de orbitar o sistema com sua influência

vibrante. A natureza intuitiva e a influência da solidariedade no campo social

revelam a característica de vetor de orientação e interpretação desse princípio.

É justamente dando conta dos princípios da Seguridade Social,

dentre os quais se evidencia o princípio da solidariedade, que o próprio Poder

Legislativo edifica as leis, inclusive aquelas que tratam do custeio, ou seja, da

arrecadação.

A solidariedade, com isso, é vista através da noção de

responsabilidade de cada ator social, cada integrante da comunidade, em prol

do sistema. Com isso, quer-se dizer que a responsabilidade é de todos272.

2.3.2. Diversidade na Base de Financiamento Outro importante princípio que merece destaque é o da

Diversidade da Base de Financiamento que, sem delongas, decorre da

solidariedade entre os atores sociais elencados pela Constituição como

responsáveis pela higidez do sistema273.

Pela simples leitura do art. 195 da Constituição Federal pode-se

dizer que poderiam ter sido apontados quaisquer outras fontes responsáveis

pela manutenção financeira do sistema de seguridade social. Ainda assim, a

arquitetura criada, quando o foco diz respeito ao custeio para a manutenção do

sistema, lança mão da idéia elementar da solidariedade.

A faixa de responsabilidade é tripartida, ou melhor, a contribuição

ao sistema fica a cargo dos empregadores, dos trabalhadores e da União274.

271

WLADIMIR NOVAES MARTINEZ, Princípios de Direito Previdenciário, p. 27 272

LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 66-69. 273

PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 85. 274

Há que se registrar que em que pese o princípio da solidariedade seja saliente em relação aos demais princípios inerentes a Seguridade Social, no campo do custeio, a Lei de custeio da previdência social (8.212/91), em seu art. 16, aponta competência da União o suprimento de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social.

91

As contribuições, como já mencionado, são destinadas a um cofre

único, sendo certo que as prestações são custeadas por recursos provenientes

desse mesmo cofre, o que leva crer que a solidariedade é compulsória já que

os recursos arrecadados perdem a relação direta com os pagadores,

assimilando relação direta ao sistema que os distribui com respaldo apenas

nos objetivos traçados constitucionalmente.

Uma das conseqüências é o princípio em destaque, previsto no

art. 194, VI, que estabelece a necessidade de haver diversidade da base de

financiamento.

A interpretação se dá sob o caráter objetivo, que anseia pela

diversidade dos fatos sobre os quais incidirão as contribuições; ou, ainda,

sobre o aspecto subjetivo em razão das pessoas que verterão contribuições.

Em ambos os casos, porém, o próprio constituinte delimitou o campo de ação,

especificando não só quem deve contribuir, mas sobre que base tais

contribuições devem incidir.

Veja que a diversidade subjetiva leva em conta os três atores

sociais já explicitados: União, trabalhadores e empregadores. A conclusão é

tão lógica quanto a leitura do texto constitucional que assim disciplina: “A

seguridade social será financiada por toda a sociedade...”, “...mediante

recursos provenientes dos orçamentos da União...”, “...e das seguintes

contribuições sociais...” “...do empregador, da empresa e da entidade a ela

equiparada...” “...do trabalhador...”.275

Da mesma forma, é visível a cautela do constituinte quando da

explicitação da diversidade objetiva, na medida em que são taxativas as bases

que servirão de fundo para o assenhoramento tributário através das

contribuições. Isso porque, as contribuições incidirão apenas sobre a “folha de

salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer

título, à pessoa física...” sobre a “a receita ou o faturamento”, ou sobre o

“lucro”.

275

Vide art. 195 da Constituição Federal de 1988.

92

Há que não se olvidar, contudo, ao fato de que a elaboração de

novas fontes de custeio podem ser criadas, desde que, todavia, sejam

observadas as disposições constitucionais do arts. 154, I e 195, §4º e, salvo

melhor juízo, para a expansão do sistema protetivo e atendendo.

Atendendo, enfim, aos princípios da capacidade contributiva e

proporcionalidade (na ordem tributária), a base do financiamento não se

concentrará nas mãos de apenas um dos atores sociais, da mesma forma que

também não repousará apenas em uma fonte objetiva de recursos.

Resumidamente, contudo, a Seguridade é financiada, nos dias

atuais, majoritariamente pelas empresas: através de contribuições sobre a

folha de salários e demais rendimentos do trabalho, sobre a receita ou

faturamento e sobre o lucro; e pelos trabalhadores: com recursos provenientes

dos descontos em seus salários.

2.3.3. Equidade na Forma de Participação do Custeio

Como bem assinala PAULO MÁRCIO CRUZ, não somente

através da diversidade na base do financiamento, mas também através do

princípio da equidade de participação no custeio, manifesta-se de forma solar

no sistema de seguridade social o princípio da solidariedade276.

Isso implica dizer que o custeio anseia pela justa proporção entre

as quotas com que cada um dos atores sociais deve contribuir para a

satisfação das metas sociais elencadas na Constituição277.

Evidente que a equidade é decorrência do princípio geral da

isonomia, em especial a capacidade contributiva. Isso implica dizer que não há

como presumir, simplesmente, a capacidade de cada ator social, merecendo

atenção não apenas a isonomia, mas também as limitações constitucionais que

impossibilitam a tributação demasiada, como a legalidade.

276

Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 85. 277

WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 89.

93

A expressão constitucional da equidade na participação do

custeio decorre do art. 195, que enuncia ser a sociedade toda responsável pelo

financiamento da seguridade social.

O custeio, sob a ótica da equidade, deve ajustar o esquema de

contribuições ao critério máximo da isonomia entre os diferentes contribuintes.

Além disso, a equidade encoraja a força cogente dos princípios constitucionais

tributários que devem ser observados, sobremaneira, quando do estudo do

custeio para a manutenção do sistema de Seguridade Social.

A assertiva decorre da noção de que a equidade se faz pelo

tratamento isonômico e isso demanda não somente a guarida ao princípio da

capacidade contributiva e do não confisco, como o próprio princípio da

legalidade e da segurança jurídica, eis que se violados, comprometem a

igualdade na participação do custeio, princípio elementar da Seguridade Social

nos termos do art. 195, V, da Constituição Federal de 1988.

94

CAPÍTULO 3 – Contribuições Sociais para a Seguridade Social

3.1. Espécies Tributárias

A definição de tributo é de suma importância para o Direito

Tributário. Disciplina, por sua vez, o Código Tributário Nacional, que tributo é

toda a prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa

se exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada

mediante atividade administrativa plenamente vinculada278.

Como explica GERALDO ATALIBA, assim como ocorre em

qualquer outra norma jurídica, o conteúdo principal das normas tributárias tem

uma ordem, ou um comando, para que alguém, opção da norma, entregue aos

cofres públicos certa quantia em dinheiro. A norma de Direito Tributário,

portanto, tem a mesma estruturação de qualquer outra norma de direito. O

objeto seria o comportamento humano para satisfazer o mandamento principal

entabulado na norma, ao passo que o dinheiro levado aos cofres seria o tributo,

ou seja, tributo seria o objeto do comportamento humano279.

Não é suficiente, como assinala PAULO DE BARROS

CARVALHO, a descrição hipotética para que seja conhecida a planta

fundamental do tributo. Para isso, ilustre professor lança mão da necessidade

da análise da base de cálculo, a fim de que a particularidade da natureza do

gravame seja conhecida pelo intérprete280.

A indicação é de extrema importância, na medida em que a

própria Constituição expõe, em seus arts. 145, §2º, 154, I, e 195, 4º, tal

necessidade. A mensagem constitucional, pela simples análise dos citados

artigos, é clara quando indica que para que um tributo seja conhecido, é

essencial que sejam analisadas a base de cálculo, como já mencionado, e sua

278

Vide art. 3º da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional): “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

279 Hipótese de Incidência..., op. cit., itens 13-16.

280 Curso..., op. cit., p. 28.

95

hipótese de incidência; não bastando a análise apenas do “fato gerador” como

sugere o legislador no art. 4º, do Código tributário Nacional281.

Nesse passo, cumpre registrar que o tipo tributário, no

ordenamento brasileiro, tem sua natureza consignada a partir da associação

lógica e harmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo,

independente do nome que o legislador tenha atribuído ao tributo quando de

sua criação.

A partir das lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, pode-se,

então, estabelecer uma classificação que permita conhecer os tributos

existentes no ordenamento jurídico brasileiro, merecendo ressalva, por

oportuna, a lição de AGUSTÍN GORDILLO, segundo a qual não há

classificações certas ou erradas, mas apenas classificações mais úteis ou

menos úteis282.

Seja como for, sob a ótica constitucional, será considerado tributo

o dinheiro levado aos cofres públicos, compulsoriamente, pelo contribuinte,

desde que não em virtude de obrigação convencional, multa, ou a título de

indenizar o Estado. É evidente, portanto, a compulsoriedade e a licitude da

hipótese de incidência.

Tomando por fundamento o Código Tributário Nacional, em

especial seu art. 3º, tem-se que “tributo” é gênero do qual o art. 5º, do citado

Código, e mesmo o art. 145 da Constituição Federal, indica como espécies os

impostos, as taxas e as contribuições de melhoria283.

A classificação tripartida, tripartite ou tricotômica, é muito

difundida entre os estudiosos do Direito Tributário e goza de muito prestígio na

doutrina erigida por grandes tributaristas (PAULO DE BARROS CARVALHO,

281

“Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: ...”

282 Apud EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, As Classificações no Sistema Tributário...,

op. cit., p. 130. 283

Vide art. 5º da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional): “Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.”.

96

RUBENS GOMES DE SOUZA, JOSÉ ROBERTO VIERA e ROQUE ANTONIO

CARRAZZA).

A classificação tem lastro na própria Constituição e também no

Código Tributário Nacional. Além disso, tem como fonte inspiradora a

circunstância de existir, na hipótese de incidência, um vínculo entre o fato

descrito e uma atuação estatal. Não deixa de ser um desdobramento da teoria

bipartida, a seguir mencionada, haja vista um tributo pode ser vinculado ou não

vinculado a atividade estatal. O critério define-se, portanto, em função da

vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária,

que há de ser confirmada ou infirmada pela base de cálculo. Trata-se da

conhecida classificação dos tributos em “vinculados” ou “não vinculados”

desenvolvida por GERALDO ATALIBA em obra de grande renome284.

Nesse contexto, há a indicação dos impostos, das taxas e das

contribuições de melhoria, sendo certo afirmar que as contribuições especiais e

os empréstimos compulsórios não deixam de ser considerados tributos, mas

enquadrados ou na condição de taxa ou de imposto.

Antes da classificação tripartida, importante mencionar o modelo

bipartido (GERALDO ATALIBA e ALFREDO AUGUSTO BECKER), que dá

lugar a apenas duas espécies tributárias: tributos vinculados (anseiam por uma

atuação estatal) e não vinculados (não há implicação de uma atuação estatal).

BECKER fundamentou sua classificação bibartida arvorado na

concepção de que o “fato gerador” é o único e exclusivo critério objetivo e

jurídico para aferir o gênero e a espécie jurídica de cada tributo, alegando, para

isso, que os tributos seriam classificados em detrimento da existência, ou não,

de uma contraprestação estatal. Com isso, os tributos são alinhados na

condição de impostos ou taxas a depender de suas bases de cálculo (fossem

elas relacionadas a um serviço ou coisa estatal para assumir a condição de

taxa, ou a fato diverso para se revestirem de impostos).

284

Op. cit.

97

Há que se registrar, ainda, a divisão quadripartida que inclui, além

das taxas, dos impostos, e das contribuições de melhoria, os empréstimos

compulsórios (RICARDO LOBO TORRES).

Em consonância com a teoria quadripartida, importante destacar a

lição de HUGO DE BRITO MACHADO, para quem o próprio Código Tributário

Nacional, em seu art. 217, teria estabelecido, em consonância ao art. 5º, que

as disposições constantes do Código não excluem a exigibilidade de outras

contribuições, o que, por conseqüência, teria inaugurado a existência de uma

quarta espécie de tributo: as contribuições sociais, o que restou reforçado com

a redação do art. 149, da Constituição Federal de 1988285.

Outrossim, conclui o professor que “em vista o artigo 148, da

vigente Constituição Federal, também os empréstimos compulsórios não

podem deixar de ser considerados uma espécie de tributo.”286.

Está disposta, nesse diapasão, a teoria qüiqüipartite das espécies

tributárias, teoria da qual nos filiamos e que a própria jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal consagrou através do voto do então Ministro

MOREIRA ALVES:

De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

287

285

“O art. 145 faz referência aos impostos, taxas e contribuições de melhoria. Ainda na seção I do Capítulo I do título VI da CF são conformadas as duas espécies restantes, quais sejam: o empréstimo compulsório (art. 148) e as contribuições especiais (art. 149), estas últimas subdividindo-se em: (a) contribuições sociais; (b) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas e (c) contribuições de intervenção no domínio econômico.” (IVES GANDRA MARTINS, Sistema Tributário..., op cit., p. 76-77.)

286 HUGO DE BRITO MACHADO, Curso de Direito Tributário, p. 69-70.

287 RE 146.733-9/SP. Fonte: STF. Disponível em www.stf.jus.br. Acessado em 29.10.2012.

Também no RE nº 138.284/CE, da lavra do Ministro CARLOS VELLOSO em 01/07/1992 (Disponível em www.stf.jus.br. Acessado em 29.10.2012)

98

Explicitadas, ainda que de maneira breve em vista de não ser

esse o objetivo deste humilde trabalho, as classificações tributárias de maior

destaque na Doutrina Nacional, há que discorrer acerca das contribuições no

Brasil, em especial aquela cuja regra-matriz de incidência será esmiuçada ao

longo deste Capítulo.

3.2. O Tributo ”Contribuição Especial”

Lembram ANDREI PITTEN VELLOSO e LEANDRO PAULSEN

que a primeira referência no texto constitucional brasileiro acerca das

contribuições veio na Constituição de 1934, a qual autorizava a cobrança de

contribuições de melhoria em face da comprovada valorização imobiliária como

conseqüência de obras públicas.

Mas foi efetivamente a Constituição de 1967 o documento que

além de dedicar um capítulo específico ao Sistema Tributário, disciplinou a

instituição de contribuições destinadas à intervenção no domínio econômico, e,

ainda, as contribuições previdenciárias288.

Mas em 1969, com a Constituição, foram delineadas as

contribuições previdenciárias e as de intervenção para o capítulo do Sistema

Tributário, já, desde então, evidenciando e tornando notória a natureza jurídica

tributária das contribuições.

A Constituição da República de 1988 foi, por seu turno, o

documento que sistematizou o regramento das contribuições especiais,

extirpando qualquer dúvida ainda existente quanto ao caráter tributário das

mesmas, “determinando expressamente que se lhes aplicassem as normas

gerais em matéria tributária e os princípios da legalidade, da anterioridade e da

irretroatividade”289.

288

Contribuições: Teoria geral, contribuições em espécie, p. 19-21. 289

Id.

99

A Constituição manteve as contribuições interventivas e as

corporativas (art. 149), além de ter autorizado os entes políticos a instituírem

contribuições outras para financiar o sistema de previdência próprio dos

servidores nas diferentes esferas (parágrafo único, do art. 149). Por fim, definiu

a competência para a instituição de contribuições sociais destinadas a

Seguridade Social “estabelecendo as materialidades que poderiam ser

gravadas” (art. 195), além de ter permitido a continuidade da cobrança de

contribuições já existentes290, ter autorizar a instituição de contribuições de

iluminação pública (art. 149-A) e também de outras contribuições desde que

observado o art. 195291.

Resumidamente, no Direito brasileiro as contribuições todas são

divididas entre contribuições de melhoria e as contribuições especiais.

Enquanto aquelas representam uma categoria una, essas se subdividem em

subespécies: as contribuições sociais, as interventivas e as corporativas292.

É das sociais que nos ocuparemos doravante, até porque, como

observa HUGO DE BRITO MACHADO “...constituem um ponto de

intermináveis controvérsias”293; da mesma forma que por OCTAVIO CAMPOS

FISCHER, ainda são “Muitos são os pontos polêmicos a respeito das

Contribuições...”294; ainda, por tratarem-se dos “... únicos impostos finalísticos

ou contribuições especiais que se justificam...” (SACHA CALMON NAVARRO

COÊLHO295), e, por fim, como registra MACO AURÉLIO GRECO “...ainda não

se obteve. pelo menos no Brasil, consenso quanto aos seus aspectos

fundamentais” – motivo pelo qual “Esta figura não tem encontrado um

290

Salário-Educação (art. 212, §5º da Constituição), PIS/PASEP (art. 238) e ao SESC, SENAC, SESI e SENAI (art. 240).

291 LEANDRO PAULSEN e ANDREI PITTEN VELLOSO, Contribuições: Teoria geral..., op.

cit., p. 21. 292

“No Direito tributário da Constituição de 1988, as contribuições especiais são três, para financiar os deveres do Estado em tres áreas: a da seguridade social (previdência, saúde e assistência social), a da intervenção no domínio econômico e social (portos, café, cinema, cultura etc.) e a da manutenção das entidades representativas das categorias econômicas e de seus órgãos de classe (contribuições corporativas: sindicatos, OAB, etc.)” (SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, As Contribuições Especiais no Direito Tributário Brasileiro, p. 781).

293 Curso de Direito..., op. cit., p. 386.

294 PIS – COFINS: Questões Atuais e Polêmicas, p. 176.

295 As Contribuições Especiais..., op. cit., p. 783.

100

tratamento definitivo, nem no âmbito da doutrina estrangeira, nem da nacional”

296.

São consideradas tributos porque são prestações pecuniárias

compulsórias que não derivam de atos ilícitos, obrigações convencionais ou a

título de indenizar o Estado. São tributos por constituírem receitas publicas

derivadas, compulsórias, previstas em lei e devidas de conformidade com as

materialidades, destinações e respectivas competências constitucionais, sendo

pautadas por princípios conformadores de peculiar regime jurídico297.

Além disso, a Constituição de 1988 fez questão de tratar as

contribuições especiais como tributos diversos das taxas, dos impostos, dos

empréstimos compulsórios e das contribuições de melhoria, reconhecendo sua

autonomia. Isso porque a Constituição nunca trata das contribuições especiais

como sinônimos de impostos ou taxas, denominando-as sempre por

contribuições. Além disso a Constituição primou por diferenciar claramente as

competências para a instituição dos impostos e das contribuições.

Como se não bastasse, a Constituição da República estabeleceu

regimes jurídicos diferentes para impostos e contribuições e, para sedimentar a

questão, o próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a autonomia das

contribuições especiais à luz da Constituição, rechaçando a alegação de que

se tratavam elas de espécies do gênero imposto. Sedimentou, enfim, tratarem-

se as contribuições especiais, diferente dos impostos, taxas, contribuições de

melhoria e empréstimos compulsórios.

Em resumo, a Constituição de 1988 não trata das contribuições

sociais como espécies de impostos ou de taxas, mas como espécie tributária

autônoma, distinguindo-a de forma clara das demais espécies tributárias298

Na mesma linha segue HUGO DE BRITO MACHADO que firma

entendimento “...de que elas na verdade são tributos...”299; também

296

Contribuições (uma figura “sui generis”), p. 9-10. 297

JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, Contribuições no Sistema Tributário, In HUGO DE BRITO MACHADO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 355.

298 “As contribuições parafiscais têm caráter tributário. Sustento que constituem essas

contribuições uma espécie própria de tributo ao lado dos impostos e das taxas...” (STF,

101

HUMBERTO ÁVILA para quem “...a obrigação cuja instituição é permitida pelos

arts. 149 e 195 encaixa-se no conceito constitucionalmente pressuposto tributo

e no conceito legal estabelecido nos moldes instituídos pela Constituição...”300;

da mesma forma IVES GANDRA DA SILVA MARTINS que ao responder

quesito acerca da natureza jurídica das contribuições afirma serem

“...tributos...”301; e, enfim, LEANDRO PAULSEN que registra que as

contribuições especiais “... sejam sociais, sejam do interesse das categorias

profissionais ou econômicas ou mesmo de intervenção no domínio econômico

– constituem espécie do gênero tributo.”302

Atualmente, como registra ANDREI VELLOSO, “a natureza

tributária das contribuições sociais é reconhecida de forma uníssona pelos

tribunais...”. O próprio Supremo Tribunal Federal passou a reconhecê-las como

tal, tendo dissipado as controvérsias em razão da previsão no Sistema

Tributário Nacional e com a determinação de que lhes fossem aplicadas as

normas gerais tributárias, inclusive o princípio da legalidade, irretroatividade e

anterioridade303.304

A par de se caracterizarem como tributo, as contribuições

especiais detêm hipóteses de incidência desvinculadas de qualquer atuação

estatal. A melhor colocação, contudo, vai no sentido de que, na realidade,

estão elas vinculadas a uma atuação estatal não pela hipótese de incidência,

mas sim pela afetação a finalidade estatal específica. É nesse contexto que

RE nº 138.284/CE, Ministro CARLOS VELLOSO, 01/07/1992. Fonte: STF, disponível em www.stf.jus.br. Acessado em 29.10.2012).

299 Apresentação – As contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, in HUGO DE BRITO

MACHADO (Coord.), As contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p 8. 300

Contribuições na Constituição Federal de 1988, In HUGO DE BRITO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 315.

301 As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, In HUGO DE BRITO (coord.). As

Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 339. 302

Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, In HUGO DE BRITO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 366.

303 Comentários à Lei do Custeio da Seguridade Social, . 99.

304 O voto proferido pelo Ministro MOREIRA ALVES, em caso análogo, foi elucidativo nesse

sentido. “Sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei nº 7.689/88 verdadeiramente contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social, com base no inciso I do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber se essa contribuição tem, ou não, natureza tributária em face dos textos constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho duvida em manifestar-me afirmativamente. (STF, RE 146.773-9/SP, Rel. Ministro Moreira Alves, Pleno, p. 29/06/1992). Fonte: STF. Acessado em 20/01/2013.

102

ANDREI PITTEN VELOSO e LEANDRO PAULSEN conceituam contribuição

especial como “...tributo que, apesar de ter hipótese de incidência desvinculada

de atuações estatais, é juridicamente afetado a realização de finalidades

específicas”, ou, a partir do Código Tributário Nacional: “...tributo cuja

obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer

atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, e cuja receita é

juridicamente afetada à realização de finalidade determinada.”305

Em resumo, as contribuições são espécies dotadas de

características próprias, dentre elas, a de vinculação do produto da

arrecadação às finalidades pré-determinadas. Em certa medida isso as torna

peculiar, sem, entretanto, comprometer a natureza tributária de que

inegavelmente se revestem em razão do ordenamento jurídico-positivo306.

Postas as considerações anteriores, pode-se dizer que as

contribuições cuja instituição é autorizada pelos arts. 149 e 195 da Constituição

Federal de 1988, são espécies de tributo, devendo ser instituídas, portanto,

com observância aos princípios constitucionais aplicáveis ao Direito Tributário,

inclusive aos princípios que limitam o poder de tributar, dentre eles o princípio

da legalidade.

A par dessa afirmação, pode-se dizer, ainda, que tais

contribuições, nos termos da Constituição de 1988, foram criadas para dar

suporte ao fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); e aos

objetivos bem definidos na Constituição: uma sociedade justa (art. 3º, I); e a

promoção do bem de todos (art. 3º, IV)307.

Além disso, como já mencionado, pelo fato das contribuições

especiais estarem vinculadas a atuação estatal específica, não pela hipótese

de incidência, mas pela afetação a uma finalidade específica, o Poder Público

se legitima a agir para proporcionar o bem de todos a partir da arrecadação

305

Contribuições: Teoria geral..., op. cit., p. 45-46. 306

EDUARDO BOTTALLO, Breves Considerações sobre a Natureza das Contribuições Sociais e Algumas de suas Decorrências, p. 13.

307 Justamente em face desses objetivos é que nem o legislador, nem o administrador podem

destinar ou tredestinar o produto da arrecadação, sob pena de crime de responsabilidade

103

dessas exações; até porque, o saneamento financeiro do Sistema de

Seguridade Social é pressuposto para a redução das desigualdades sociais e

da manutenção da justiça social308.

Há que se registrar que o escopo deste trabalho tem por núcleo a

análise mais aprofundada não de todas as contribuições especiais, mas

apenas a “Contribuição Social das Empresas para a Seguridade Social”

incidente sobre os rendimentos do trabalho, que é espécie das Contribuições

Sociais referidas no art. 149, da Constituição Federal de 1988.

Apenas para ilustrar, eis que já explicitado, o Supremo Tribunal

Federal, no julgamento do RE 138.284-CE da lavra do Ministro CARLOS

VELLOSO, distinguiu as contribuições de melhoria das contribuições aqui

denominadas especiais. Além das interventivas e corporativas, manteve a

classificação das sociais. Entretanto, subdividiu as contribuições sociais em:

“Contribuições Sociais Gerais” — FGTS, salário-educação (art. 212, §5º, da

Constituição), SESI, SENAI, SENAC (art. 240, da Constituição); das

“Contribuições de Seguridade Social” — art. 195, I, II e III, da Constituição; e

das “outras Contribuições de Seguridade Social” — art. 195, §4º, da

Constituição309.

Por todo esse capítulo, até aqui, tratou-se das contribuições

sociais destinadas a Seguridade Social, em especial das contribuições

denominadas especiais. A reflexão foi genérica, mas para manter fidelidade ao

e até a nulidade do ato administrativo. (SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, As Contribuições Especiais..., op. cit., p. 784.

308 WAGNER BALERA, As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, In HUGO DE

BRITO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 562-564. 309

As contribuições podem assim ser classificadas, segundo o jurista mencionado: 1) de melhoria (art. 145, III/CF); 2) especiais (de intervenção do domínio econômico – art. 149/CF; e as corporativas – art. 149/CF); 3) e as sociais (149/CF): que são as: 3.1) “Contribuições Sociais de Seguridade Social” – (art. 195, I, II e III/CF), 3.2) “outras Contribuições Sociais de Seguridade Social – (art. 195, §4º/CF), e as 3.3) “Contribuições Sociais Gerais.” – FGTS, salário-educação etc. – RE 138.284-CE – disponível em: www.stf.jus.br; acesso em: 27/12/2011. Outra alternativa de classificação, utilizada neste trabalho, seria a de denominar a todas as contribuições, excluídas as de melhoria, de “especiais”, considerando que elas são sempre instituídas para atender a finalidades específicas, gênero esse que abrangeria as espécies das Contribuições Interventivas, das Contribuições Corporativas ou Profissionais e das Contribuições Sociais; sendo que estas últimas abarcariam duas subespécies, as destinadas à Seguridade Social e as Contribuições Sociais Genéricas – veja-se, a título ilustrativo dessa respeitável corrente

104

objetivo deste trabalho é importante traçar o estudo a partir da ótica

constitucional, ponto de partida de qualquer análise tributária.

Conceber-se-á, a seguir, reservada atenção a Contribuição Social

destinada à Seguridade Social, prevista no art. 195, I, “a”, da Constituição

Federal, ou seja, aquela contribuição a cargo do empregador, da empresa e da

entidade a ela equiparada, incidente sobre a folha de salários e demais

rendimentos do trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física

que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; referida, via de regra,

como Contribuição Previdenciária das Empresas.

A pretensão, enfim, é adotar como modelo de análise o plano da

norma jurídica tributária, desvendando os detalhes da contribuição, entendendo

sua estrutura e determinando sua regra-matriz de incidência.

3.3. A Norma Jurídica

Analisada a importância do homem enquanto ser coletivo,

enquanto sujeito de direito apto a assumir responsabilidades e sua própria

identidade pessoal num mundo coletivo, importante consignar que o sujeito,

então, deve ser alguém capaz de assumir tais responsabilidades, tomando,

para isso, consciência de seus atos.

A noção de sujeito capaz inaugura-se com a introdução de

predicados éticos e morais, os quais se ligam à idéia de obrigação. Tais

predicados aplicam-se às ações que os homens julgam ser boas ou más,

permitidas ou proibidas310.

Daí a importância das condutas dos sujeitos que se vêem diante

de outros sujeitos em comunidade, revelando seus comportamentos humanos

que interferem nas relações em si, sendo, portando, essencial a existência de

normas jurídicas que não só regulam conflitos, mas também orientam diretrizes

doutrinária, PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, p. 11-12.

310 PAUL RICOEUR, Quem é o Sujeito do direito? O Justo 1 – A justiça como regra

moral e como instituição, p. 25-34.

105

a serem seguidas. É justamente nesse contexto que NORBERTO BOBBIO

registra que “toda nossa vida é repleta de placas indicativas, sendo que umas

mandam e outra proíbem ter um certo comportamento e muitas dessas placas

indicativas são regras de direito.”311

Os sistemas jurídicos são, então, lógicos, compostos de

proposições que se referem a situações da vida, sendo que essas proposições

prevêem acontecimentos que, se ocorridos, são marcados. As regras jurídicas

indicam, nesse contexto, o que se há de considerar jurídico. No fundo, a função

social do Direito é de valorar interesses inerentes aos bens da vida e regular-

lhes a distribuição entre os homens312.

PONTES DE MIRANDA registra que “a regra jurídica é norma

com que o homem, ao querer subordinar os fatos a certa ordem e a certa

previsibilidade, procurou distribuir os bens da vida.”313

O sistema jurídico, pensado por esse imortal personagem,

contempla regras jurídicas que formulam conceitos jurídicos. O objetivo do

jurista, ao que tudo indica, seria então o de estudar os fatos e as relações

humanas para saber qual o suporte fático a ser utilizado e é ai que se exerce a

função esclarecedora.

Nesse passo, essencial consignar a importância do operador do

direito em dominar a legislação em vários sentidos. A aplicação da regra

jurídica exige que o intérprete, então, tenha conhecimento antecipado do

conteúdo dessas regras.

A atuação da norma jurídica sobre um determinado fato é que faz

nascer a conseqüência que é traduzida através dos efeitos jurídicos atuantes

nas relações entre os homens. Daí, há que se registrar não só a existência do

mundo fático, mas também do mundo jurídico que atribuirá conseqüências

jurídicas aos fatos escolhidos pela norma.

311

NORBERTO BOBBIO, Teoria da Norma Jurídica, p. 24. 312

PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, Tomo I, p. 49. 313

Id.

106

Nesse modelo pensado por PONTES DE MIRANDA, somente os

fatos que forem regulados pelas normas integrarão o mundo jurídico, em razão

da subsunção do fato hipotético à norma descrita na lei em abstrato. “O mundo

jurídico se vale dos fatos da vida e, mais que isto, é constituído por eles

próprios; resulta da atuação (incidência) da norma jurídica sobre os fatos,

juridicizando-os.”314

No campo dos estudos da norma tributária, sua estrutura não

difere da estrutura da norma proposta na Teoria Geral do Direito e, acerca dos

estudos inerentes a essa ramo do direito, talvez aquele que melhor expôs o

tema tenha sido PAULO DE BARROS CARVALHO, que trata das normas

jurídicas como aquelas que têm por objeto uma ação-tipo, onde a força cogente

se renova sempre que o sujeito passivo incorra na situação hipotética prevista

na lei315.

Por sua vez, diga-se que o melhor modo para se aproximar da

experiência jurídica é o estudo do direito sob o ponto de vista das normas, ou

melhor, considerar o direito como um conjunto de normas ou regras de conduta

a ponto de dizer que a experiência jurídica é uma experiência normativa. Esse

é o ponto de vista de NORBERTO BOBBIO, para quem a vida se desenvolve

em um mundo de normas que cercam os homens numa forma de rede de

regras de conduta que dirigem as pessoas numa ou noutra direção316 317.

Na realidade as normas jurídicas regulam a vida do homem e

muitas vezes até os mais simples atos da vida, até inconscientemente, têm

conteúdo jurídico, como por exemplo tomar um ônibus, entrar e sair livremente

de certo local, plantar uma árvore, consumir um produto qualquer318.

314

MARCOS BERNANRDES DE MELLO, Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência), p., 9.

315 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 55.

316 Teoria da Norma..., op. cit., p. 23.

317 “Podemos comparar o nosso proceder na vida com o caminho de um pedestre em uma

grande cidade: aqui a direção é proibida, lá a direção é obrigatória; e mesmo ali onde é livre, o lado da rua sobre o qual ele deve manter-se é em geral rigorosamente sinalizado.” “É por isso, um dos primeiros resultados do estudo do direito é o de nos tornar conscientes da importância do ‘normativo’ da nossa existência individual e social.” (Ib., p. 24).

318 MARCOS BERNANRDES DE MELLO, Teoria..., op. cit., p., 12.

107

A norma pode ser lida como abstrata se considerada em si

mesma. Todavia se concretiza quando da realização de um fato jurídico,

produzindo suas conseqüências jurídicas. A norma é modelo de conduta

estabelecido pela comunidade jurídica, em especial para adaptar o homem à

convivência social.

MARCOS BERNARDES DE MELLO registra que o mundo jurídico

é formado pelos fatos jurídicos, e, esses são resultado da incidência da norma

jurídica sobre o seu suporte fático quando concretizado no mundo dos fatos.

Daí porque se diz que a norma jurídica define o fato jurídico e, por

conseqüência, gera o mundo jurídico319.

Enfim, a norma jurídica é juízo hipotético onde há uma vinculação

de certa conseqüência quando da realização de um fato. JOSÉ ROBERTO

VIEIRA, apurado jurista paranaense e muitas vezes já mencionado, registra

que a norma jurídica é constituída pela previsão hipotética de um evento que,

se ocorrido no mundo fenomênico traz a conseqüência que se liga a previsão

hipotética através do conector “dever-ser”320.

Nesse passo, pode-se dizer que as normas jurídicas apresentam-

se numa estrutura arvorada na exposição de uma hipótese (precedente,

antecedente ou suposto) e de uma conseqüência (preceito) que se associam

pela “cópula deôntica”321. O fato, antes de alcançar o mundo jurídico, deve

então ter sua hipótese definida em lei, deve ocorrer no mundo fático e ser

juridicizado com a subsunção dele à norma.

O que é precedente é a possível situação fática, que permanece

silente aguardando a ocorrência do fato no mundo fenomênico, e, a inevitável

subsunção. Já o conseqüente prescreve uma relação jurídica entre sujeitos, e

nada mais é do que o efeito, ou o resultado, da ocorrência do fato hipotético.

Nesse sentido, pode-se reconhecer como descritora a hipótese, e como

prescritor o conseqüente322.

319

Teoria..., op. cit., p., 19. 320

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 57. 321

Id. 322

Id.

108

Há que se ressaltar, porém, que alguns autores de peso, tal como

GERALDO ATALIBA, incluem a “sanção” como um terceiro elemento na

estrutura da norma jurídica pensada por PAULO DE BARROS CARVALHO,

erguida em dois pilares (hipótese e conseqüente). ATALIBA entende que a

norma jurídica contempla uma hipótese; um conteúdo principal, por ele

caracterizado pelo que se denomina mandamento principal; e, pela sanção.

No caso da norma jurídica tributária, ele registra que se ocorrida a

hipótese de incidência, haverá um comando para que se entregue ao Estado

certa quantia em dinheiro, que é o tributo. O comando só é obrigado se

associado à hipótese, e se não cumprida nos exatos termos previstos na

norma, gera a sanção que assume a roupagem do terceiro elemento da

arquitetura lógica da norma jurídica323.

JOSÉ ROBERTO VIEIRA explica, porém, que a norma

sancionadora é uma nova regra que tem antecedente e conseqüente próprios,

não se podendo confundi-la com a norma primária que tem a configuração

própria e explicitada anteriormente. Ou seja, Se “A”, então deve ser “B”, ao

passo que a norma sancionadora teria a seguinte estrutura: Se descumprido

“B”, deve ser a sanção “C”324.

Ao final, tem-se que a estrutura lógica da norma jurídica

contempla a idéia de que concretizada a hipótese prevista no antecedente,

propagam-se os efeitos desse acontecimento instaurando-se o vinculo jurídico

representado na relação jurídica prescrita no conseqüente. Assim, acontecido o

fato descrito no antecedente, a relação prescrita no conseqüente se dá,

juridicizando o fato do mundo extrajurídico, agora já integrante do jurídico,

dando ensejo aos efeitos da relação prescrita no conseqüente da norma.

Pode-se dizer então que o fato subsumiu-se à norma, irradiando,

com isso, os efeitos do vínculo jurídico. Em outras palavras, o fato ocorrido

subsumiu-se aos exatos anseios da norma, refletindo sua imagem no mundo

fenomênico, dando margem a subsunção.

323

Hipótese de Incidência..., op. cit., itens 13-16. 324

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 58.

109

Eis o esquema ilustrativo:

Fato Jurídico (validade) (eficácia) Relação Jurídica (existência)

Hipótese (suporte fático e abstrato) MUNDO JURÍDICO

................................................. Subsunção..................................................................

Fato Concreto (fato bruto) MUNDO EXTRAJURÍDICO

Há que se referenciar, ainda, que se há na hipótese a descrição

de um fato, sua estrutura é composta por critérios, ou aspectos ou elementos,

que possibilitam a identificação desse fato quando ocorrido e erigido ao mundo

jurídico. Da mesma forma, se no conseqüente há a prescrição da relação

jurídica, sua arquitetura também pressupõem conjunto de critérios que permite

ao jurista individualizar, assim como o fato, a relação conseqüente da

subsunção.

3.4. A Norma Jurídica no Âmbito Tributário

Quando PAULO DE BARROS CARVALHO trata das normas

jurídicas tributárias, observa que muitas fórmulas de classificação podem ser

propostas para facilitar seu entendimento. Todavia, destaca o professor Titular

de Direito Tributário da PUC-SP e da USP, que um critério dos mais

importantes é aquele que qualifica as normas jurídicas tributárias pelo ângulo

institucional325.

O mesmo critério é sublinhado por JOSÉ ROBERTO VIEIRA, que

o credencia como apto a “...arrumar logicamente o direito posto...”, de modo

que também elege esse critério para classificar as normas num contexto onde:

“...definem os princípios...”, “...delimitam a incidência tributária...” e

“...estabelecem providências administrativas...”326.

325

Curso..., op. cit., p. 235. 326

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 59.

110

As normas que definem a incidência tributária descrevem os fatos

e estipulam os sujeitos da relação, bem como os termos determinativos da

dívida. Como se pode concluir da análise das normas jurídicas tributárias, são

numerosas as normas que tratam de princípios e de providencias

administrativas. No entanto, poucas são as regras jurídicas de incidência.

É por isso que PAULO DE BARROS designa “...norma tributária

em sentido estrito...” à regra-matriz de incidência tributária, e “...norma tributária

em sentido amplo...” às demais normas327; e é sobre a primeira delas que nos

debruçaremos a seguir.

3.5. A Estrutura da Regra-Matriz de Incidência Tributária

A denominação “regra-matriz de incidência tributária,” como

ensina SUZY GOMES HOFFMANN, é adotada por PAULO DE BARROS

CARVALHO para demonstrar, com perfeição didática, haver um arquétipo da

norma jurídica tributária de incidência. Essa norma é edificada por uma

hipótese e por uma conseqüência, de “... tal modo que na hipótese está contida

a descrição de um fato e na conseqüência está... ‘a relação jurídica que vai se

instaurar, onde e quando acontecer o evento cogitado no suposto’” (sic)328.

Relembre-se que tanto a estrutura da hipótese como a do

conseqüente da norma jurídica tributária de incidência é composta por critérios

que permitem a identificação tanto do fato descrito como da relação jurídica

prescrita. O ideal, portanto, a fim de compreender toda a extensão da regra-

matriz de incidência tributária, é isolar cada uma das proposições: a descritiva

e a prescritiva329.

327

Curso..., op. cit., p. 235. 328

SUZY GOMES HOFFMANN, As Contribuições no Sistema Constitucional Tributário, p. 126.

329 Explica NORBERTO BOBBIO: “Por proposição entendemos um conjunto de palavras que

possuem um significado em sua unidade... Além disso, é necessário distinguir uma proposição de seu enunciado. Por enunciado entendemos a forma gramatical e lingüística pela qual um determinado significado é expresso...” (Teoria da Norma..., op. cit., p. 73).

111

Como já consignado, a hipótese trata da previsão do fato, ao

passo que o conseqüente prescreve a relação jurídica decorrente do mesmo

fato acontecido no mundo real. Daí decorre a relação jurídica que tem como

efeito, no caso do Direito Tributário, fazer com que o sujeito passivo seja

compelido a levar certa quantia em dinheiro aos cofres do sujeito ativo.

Mas quais seriam os critérios do descritor e do prescritor da

norma jurídica tributária? PAULO DE BARROS CARVALHO responde,

apontando a existência de três critérios na hipótese: o material, o temporal e o

espacial; e dois critérios no conseqüente: o pessoal e o quantitativo.

O critério material descreve o comportamento de uma pessoa,

mediante um verbo e um complemento, e essa conduta está subordinada a

uma circunstância de lugar que corresponde ao critério espacial, e por uma

condição de tempo que constitui o critério temporal. Por sua vez, no

conseqüente, há a definição dos sujeitos ativo e passivo, através do critério

pessoal; e, além disso, o critério quantitativo, que revela a base de cálculo e a

alíquota330.

Já em GERALDO ATALIBA, a hipótese abrange quatro aspectos,

sendo eles o material, o temporal, o espacial e o pessoal; ao passo que o

conseqüente comporta apenas a alíquota. Ademais, ATALIBA registra a

existência de um terceiro segmento da norma jurídica: a sanção331.

De forma esquemática e em termos comparativos, pode-se

desenhar a estrutura da norma jurídica tributária de incidência sob a ótica do

professor GERALDO ATALIBA e sob a visão de PAULO DE BARROS

CARVALHO, da seguinte maneira, respectivamente:

330

Curso..., op. cit., p. 237. 331

Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 76-119.

112

Feita a introdução da regra-matriz de incidência tributária, resta

aplicá-la no caso concreto, o que se fará no item a seguir.

3.6. A Regra-Matriz de Incidência da Contribuição Previdenciária das Empresas

A análise da regra-matriz de incidência tributária da Contribuição

Social das Empresas sobre os Rendimentos do Trabalho (art. 195, I, “a”, da

Constituição Federal), será analisada sob a ótica o modelo de PAULO DE

BARROS CARVALHO, porque, como sublinha JOSÉ ROBERTO VIEIRA, foi

nele que “...a estrutura da norma tributária encontrou sua mais precisa e

sofisticada elaboração”. E mais: este é o caminho a percorrer, “...pois,

trilhando-o, teremos o ensejo de desvendar a essência jurídica deste imposto”

(desta contribuição), ”...invadindo-lhe a intimidade estrutural e determinando-

lhe a regra-matriz de incidência.”332

332

Imposto Sobre Produtos Industrializados: Uma Águia Garciamarquiana entre os Tributos, In EURICO MARCOS DINIS DE SANTI (Coord.), Tributação das Empresas: Curso de Especialização, p. 172 e 177.

1) HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA 1) HIPÓTESE TRIBUTÁRIA

1.1) Aspecto Material (base imponível) 1.1) Critério Material (v + c)

1.2) Aspecto Temporal 1.2) Critério Espacial

1.3) Aspecto Espacial 1.3) Critério Temporal

1.4) Aspecto Pessoal (SA e SP)

2) MANDAMENTO 2) CONSEQUENTE

2.1) Alíquota 2.1) Critério Pessoal (SA e SP)

2.2) Critério Quantitativo (BC x AL)

113

3.7. Hipótese de Incidência Tributária

3.7.1. Generalidades

Na hipótese tem-se a descrição do fato. O fato em si não pode ser

dividido ou fracionado, mas a análise mais detalhada exige um olhar

segmentado, de modo que se permita dividir a hipótese, didaticamente, em

critérios. O mesmo raciocínio valerá para o conseqüente da norma.

A hipótese, como já mencionado, pode ser divida em critérios:

material, pessoal e temporal. Como proposição descritiva, a hipótese é uma

situação objetiva real, acolhida pela norma, cujos dados foram recolhidos da

realidade e qualificados como jurídicos333.

O critério material será sempre traduzido por um verbo e por seu

complemento, caracterizando um comportamento humano. O critério espacial,

assim como o temporal, são concepções de espaço e tempo, respectivamente,

sendo certo que aquele estabelece as coordenadas espaciais, informando os

locais em que deve ocorrer o fato jurídico tributário, enquanto este assinala o

exato momento em que se dá o fato por consumado.

Em relação à Contribuição Social prevista no art. 195, I, “a”, da

Constituição, a hipótese está ligada ao pagamento ou o crédito de salário e

demais rendimentos do trabalho, pela empresa ou equiparada, à pessoa física

que lhe preste serviço. Assim, somente poderá dar-se por ocorrido o fato

jurídico tributário no momento em que a empresa efetuar o pagamento ou o

crédito da importância cuja natureza é de retribuir um trabalho prestado334.

333

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 250. 334

Constituição Federal: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício...”

114

Por oportuno, há que consignar que o presente estudo fará um

corte metodológico, ficando adstrito às empresas, deixando à margem os

demais empregadores.

3.7.2. Critério Material

Trata-se do critério preponderante, haja vista de que os demais

critérios da hipótese somente o condicionam, através das coordenadas de

tempo e espaço, ou seja, trata-se, portanto, do núcleo do suposto normativo335.

MARY ELBE QUEIROZ descreve-o como a conduta humana que

constitui um dos componentes lógicos da hipótese, aquele que se traduz por

um verbo pessoal e transitivo e um complemento336.

Há que consignar, ainda, que o verbo que exprime o

comportamento humano deve ser sempre pessoal e transitivo, cuja predicação

é incompleta e por isso almeja um complemento. Daí porque se afastam os

verbos impessoais, tanto os essenciais, como os que exprimem fenômenos da

natureza, quanto os acidentais337.

Dissecando, portanto, a regra-matriz de incidência tributária da

contribuição social prevista no art. 195, I, “a”, da Constituição, refletido no art.

22, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, percebe-se que o critério material é

formado pelos verbos “pagar” ou “creditar”; e pelos complementos, neste caso

mais de um: “salário e demais rendimentos do trabalho” – remunerações

destinadas a retribuir um trabalho prestado à empresa, ou equiparada, por

pessoas físicas; e que os valores sejam pagos pela empresa, ou entidade

equiparada, de modo a retribuir os serviços efetivamente prestados ou apenas

colocados à disposição338.

335

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 62. 336

Imposto Sobre a Renda e Proventos de qualquer Natureza, p. 121. 337

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 63. 338

Lei nº 8.212/91: Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos

115

Assim, no caso da contribuição em análise, o critério material

reside no tripé: pagar ou creditar salário e demais rendimentos destinados a

remunerar o trabalho; que esse salário ou rendimento do trabalho seja pago ou

creditado a uma pessoa física que preste serviço, mesmo sem vínculo de

emprego; e que os serviços sejam prestados à empresa ou entidade

equiparada, as quais terão, portanto, a obrigação de arcar com o salário ou

rendimentos destinados a retribuir esse trabalho prestado.

Não há que se confundir o simples pagamento ou crédito de

valores, pela empresa, à pessoa física que lhe preste serviço. A tributação leva

em conta o pagamento ou crédito de salário ou rendimentos destinados a

retribuir o trabalho, esteja, ou não, à pessoa física prestadora envolvida numa

relação trabalhista. No caso específico das empresas ou entidades

equiparadas, isso não engloba apenas os empregados, mas também os

trabalhadores avulsos e até os contribuintes individuais que prestam serviços

na qualidade de pessoas físicas, recebendo, por conta disso, retribuição

financeira.

Se houver, nesse contexto, pagamento ou crédito de rendimentos

destinados a retribuir o trabalho, pela empresa ou entidade equiparada, à

pessoa física que efetivamente prestou os serviços, ou apenas os colocou à

disposição, mesmo sem vínculo de emprego, terão sido preenchidas as

exigências do critério material da regra-matriz de incidência tributária. Isso

porque o comportamento humano previsto hipoteticamente na norma terá sido

concretizado em sua totalidade, revelando a ocorrência do fato jurídico

tributário339.

habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa”.

339 A Lei nº 8.212/91, em seu art. 15, define empresa: “...a firma individual ou sociedade que

assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional.” Da mesma forma, o citado art., em seu parágrafo único, disciplina: “...equipara-se a empresa, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras”.

116

Destaca, por sua vez, ANDREI PITTEN VELLOSO que as

microempresas e as empresas de pequeno porte podem ser excluídas do

regime do tributo previsto na Lei nº 8.212/91, fundamentado no art. 195, I, “a”,

da Constituição, desde que optem pelo SIMPLES, nos termos da Lei nº 9.317,

de 05 de dezembro de 1996340. Atualmente, porém, ante a revogação da

referida lei, pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, o

destaque permanece o mesmo, ressalvando-se que, nos dias atuais, a matéria

é disciplinada através de lei complementar, sendo certo que o recolhimento das

Contribuições Sociais destinadas à Seguridade Social não obedece à Lei nº

8.212/91, mas sim à Lei Complementar nº 123/2006, que tem seus próprios

critérios.

Além disso, merece ressalva o fato de que a Constituição Federal

de 1988 erigiu, como núcleo do critério material, os verbos “pagar” e “creditar”.

Todavia, pela simples leitura da Lei nº 8.212/91, em visível

inconstitucionalidade, percebe-se que o legislador infraconstitucional inseriu,

nos arts. 22, I, e 28, I, a expressão “...rendimentos pagos, devidos ou

creditados a qualquer título”. Isso, supostamente, pelo menos aos desavisados,

poderia indicar a existência de outro verbo para exprimir o comportamento

humano apto a fazer acontecer o fato jurídico tributário, qual seja: “dever”.

Assim, se a empresa pagar, creditar ou, simplesmente, for

“devedora” de salário ou rendimentos do trabalho a uma pessoa física que lhe

prestou serviço, seria possível dizer que o fato jurídico tributário teria ocorrido.

Outrossim, com base no que preceitua o art. 22, da Lei nº

8.212/91, há outro complemento que restringe a ocorrência do fato jurídico

tributário em análise: somente as remunerações pagas ou creditas aos

segurados empregados e trabalhadores avulsos dão conta da hipótese prevista

no art. 22, I, da lei acima citada. Não se quer aqui dizer que os serviços

prestados por outras pessoas físicas, que não empregados e avulsos, não dão

ensejo à subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. É que, para a

hipótese do art. 22, I, tratam-se apenas de segurados empregados e avulsos;

340

Comentários à Lei do Custeio..., op. cit., p. 108.

117

para remunerações pagas ou creditadas aos segurados contribuintes

individuais, a base legal será o inciso III, em que pese a mesma base

constitucional.

Como bem assinala ANDREI PITTEN VELLOSO, após o advento

da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, passou a ser

possível a cobrança da Contribuição Social de remunerações pagas a pessoas

sem vínculo empregatício com a empresa, sendo o caso dos avulsos e dos

contribuintes individuais, como se depreende da leitura do art. 195, da

Constituição de 1988341.

Enfim, considerando que seria inimaginável imaginar uma ação

humana independente de ser estabelecido um lugar e um tempo para isso, da

mesma forma é absurdo pensar no critério material sem a conformação dos

critérios de espaço e tempo, coordenadas que se dedicam a condicionar o

núcleo do suposto normativo.

3.7.3. Critério Espacial Esse critério indica as circunstâncias de lugar, contidas na

hipótese de incidência, e que são relevantes para a configuração do fato

jurídico tributário. Os fatos descritos nas hipóteses de incidência das normas

tributárias, quando praticados na vida real, acontecem necessariamente em

algum lugar. JOSÉ ROBERTO VIEIRA complementa, registrando que esse

critério possibilita o reconhecimento da condição que marca no espaço o

acontecimento do fato jurídico tributário342.

Além disso, cabe registrar que o critério não retrata o recorte

geográfico do território nacional, eis que há tributos cujo critério espacial admite

341

Ib. p. 112. 342

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 63.

118

o acontecimento do fato em qualquer lugar, desde que dentro do campo de

eficácia ou validade343.

Trata-se do local em que o fato deve ocorrer a fim de que irradie

os efeitos que lhe são característicos, e, por isso, permite saber onde nasceu o

laço obrigacional. A descrição normativa prevê áreas, regiões, intervalos

territoriais, dentre os quais se pode efetivar o evento344.

No caso da contribuição sob exame, o critério espacial revela-se

em todo o território nacional, a depender do critério temporal, que dirá o

momento da ocorrência do fato, ou seja, a partir daí define-se o local da

ocorrência da conduta humana que é condicionada aos verbos pagar e creditar

e aos complementos já apontados.

Assim, o critério espacial é definido no local onde ocorrer à

conduta humana prevista na antecedente da norma. É nesse local que se

poderá dizer ter ocorrido a subsunção do conceito do fato ao da norma, dando

ensejo, assim, à conseqüente relação jurídica prescrita no preceito da norma

jurídica tributária.

3.7.4. Critério Temporal

A lei que traça a hipótese de incidência também traz indicações

das noções de tempo, importantes para a configuração dos fatos tributários.

Assim, acontecido o fato descrito na hipótese de incidência, será ele

considerado fato jurídico, apto a dar nascimento à obrigação, no caso,

tributária. Como assegura GERALDO ATALIBA, sua importância decorre da

343

O critério espacial não precisa coincidir, inevitavelmente, com o espaço territorial, tendo em vista as características peculiares de cada tributo (MARY ELBE QUEIROZ, Imposto Sobre a Renda..., Op. Cit., p. 124).

344 “Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das

normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério especial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear efeitos peculiares.” (PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 256.).

119

necessidade de definir o momento em que se reputa ocorrido o fato tributário.

O critério temporal tem a importância de designar o exato momento em que se

consuma o fato jurídico tributário, ou seja, quando nasce a obrigação

tributária345.

“O critério permite a identificação da coordenada que limita, no

tempo, a ocorrência do fato.” É assim que JOSÉ ROBERTO VIEIRA delimita tal

critério. Por conta desse critério é que se conhece o momento exato em que se

instala o laço obrigacional, mostrando, com isso, o instante em que surgem o

direito subjetivo do sujeito ativo e o dever jurídico do sujeito passivo346.

É forçoso reconhecer que a norma tributária sempre incide num

dado marco de tempo em que se dá por ocorrido o fato. Como assinala MARY

ELBE, “...o momento da ocorrência do fato gerador, portanto, será aquele em

que estiverem presentes todos os elementos suficientes e indispensáveis para

realizar a hipótese descrita em abstrato na norma jurídica e necessários para a

configuração”347.

No caso das contribuições ora em análise, não se pode confundir

o momento do acontecimento do fato tributário com o período de apuração do

referido tributo, eis que o momento onde ocorre a subsunção não coincide com

o período de apuração, mas, sim, com o termo final.

Tanto para os empregados, como para os avulsos, ou mesmo

para os contribuintes individuais que prestam serviços, na qualidade de

pessoas físicas, para a empresas ou entidades equiparadas, o critério de

tempo adotado pela norma foi o mensal, eis que a contribuição é devida

quando do crédito ou pagamento de remunerações do trabalho, no lapso

compreendido durante o mês.

Nesse passo, será devida a contribuição quando do término do

mês em que tenha havido o pagamento ou o crédito, até porque, durante o mês

podem haver mais que apenas um crédito ou pagamento. Assim, será devida a

345

Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 95. 346

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 64. 347

Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 127.

120

contribuição, a partir do último instante do mês, sendo correto afirmar que,

antes desse momento, nada será devido a título dessa exação.

3.8. Conseqüente Tributário

3.8.1. Generalidades

Até este ponto, falou-se acerca do antecedente da norma, que

permite a identificação do fato da realidade que corresponde ao descrito na

norma. O conseqüente, por sua vez, é o segmento posterior, aquele que regula

a conduta, prescrevendo direitos e deveres para as pessoas envolvidas no

acontecimento erigido ao mundo jurídico.

Na hipótese, há a descrição do fato cuja incidência o torna

jurídico. O conseqüente permite o estabelecimento da relação jurídica entre os

sujeitos, bem como a determinação dos seus direitos e deveres. JOSÉ

ROBERTO VIEIRA assinala que, no conseqüente, estão os critérios que

permitem a identificação da relação jurídica tributária348.

Aqui é definida a “estrutura arquitetônica” da relação jurídica

decorrente da subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. PAULO

DE BARROS CARVALHO define essa relação como o “...vínculo abstrato,

segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de

sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito

passivo, o cumprimento de certa prestação”349.

O vínculo jurídico é um laço exclusivo entre sujeitos, uma relação

intersubjetiva que não contempla o liame entre pessoas e coisas, por exemplo.

Ainda, como consideram PAULO DE BARROS CARVALHO350 e JOSÉ

ROBERTO VIEIRA351, a relação jurídica é de índole economicamente

348

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 65. 349

Curso..., op. cit., p. 279. 350

Ib., p. 283. 351

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66.

121

apreciável, ou melhor, é uma relação jurídica obrigacional na medida em que é

perceptível o caráter patrimonial.

Como pontua MARY ELBE, é mediante o exame do conseqüente

que se conhece a composição da relação jurídica, no tocante aos critérios

pessoal e quantitativo352. Assim, diga-se que os critérios para a identificação da

relação jurídica são dois: o critério pessoal, que envolve a definição dos

sujeitos; e o critério quantitativo que trará a base de cálculo e a alíquota.

Enquanto o critério pessoal mostrará quem são os sujeitos da

relação jurídica, o quantitativo revelará o objeto da prestação. Assim, justifica-

se dizer que a hipótese tributária está para o fato tributário, no antecedente

normativo, assim como o conseqüente tributário está para a relação jurídica

tributária individualizada no mandamento da norma.

Será, então, no conseqüente, além da indicação dos sujeitos, que

serão expostas as referências de grandeza que o legislador quis para

dimensionar do fato jurídico tributário. Daí decorrerá o valor do tributo a ser

suportado pelo contribuinte.

3.8.1. Critério Pessoal Aqui são identificados os sujeitos ativo e passivo da relação

jurídica e, portanto, os direitos e deveres inerentes a uma relação entre

pessoas. Mas como não poderia deixar de ser, numa Constituição rígida e

detalhista como a brasileira, inclusive quando trata do Sistema Tributário

Nacional, essa identificação dos sujeitos já é condicionada.

GERALDO ATALIBA assinala que as pessoas não são todas

obrigadas a obedecer a todos os milhões de comportamentos jurídicos

prescritos no ordenamento. Cada qual é obrigada a obedecer apenas aos

mandamentos cujas hipóteses a contemplem. Assim, somente quando uma

hipótese indica a pessoa “A”, é que “A” é obrigada a obedecer à respectiva

conseqüência. ATALIBA consigna que a definição do sujeito ativo é sempre

352

Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 137.

122

discricionária, uma vez que poderá ser qualquer pessoa desde que com

finalidades públicas; todavia, sempre estabelecida em lei. Com relação ao

sujeito passivo, ele ainda registra que será aquele definido constitucionalmente,

ou seja, o destinatário constitucional tributário; ou melhor, a hipótese tributária

não o define, eis que é implícito, na maioria dos casos, mas estabelece critérios

para a sua definição353.

MARY ELBE colabora, indicando que o sujeito ativo é definido

constitucionalmente, quando a Constituição da República, expressamente,

outorga competência ao ente político, ressalvados os casos de parafiscalidade,

que decorrem de autorização legal. Já o sujeito passivo, diz a autora, é

implicitamente estabelecido pela Constituição, quando ela regula a

materialidade da regra-matriz de incidência354.

Analisando o posicionamento de ambos doutrinadores, pode-se

dizer que a Constituição não deixa grande margem de liberdade ao legislador

ordinário para eleger a materialidade da hipótese de incidência ou definir os

sujeitos da obrigação tributária. Enfim, como pontua GERALDO ATALIBA, no

Brasil, o sujeito passivo só pode ser aquele constitucionalmente destinado, ao

passo que, no caso do sujeito ativo, a lei pode atribuir titularidade de um tributo

ao próprio ente ou a pessoa diversa, desde que calcado na Constituição355.

Através do critério pessoal são indicados os ocupantes dos dois

pólos da relação, de modo que, no ativo, estará o titular do direito à prestação

e, no passivo, estará aquele obrigado ao cumprimento do mandamento356.

No caso em tela, o sujeito ativo é a União através da Receita

Federal do Brasil, ressalvando que, até a publicação da Lei nº 11.457, de 16 de

353

Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 80-82. 354

Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 138. 355

Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 81-83. 356

Esclarece, a respeito, JOSÉ ROBERTO VIEIRA: “O sujeito ativo estará via de regra implícito nas malhas do texto legal.. muito embora, vez por outra, ele deva ser expressamente referido pelo legislador, nas ocasiões em que se verifique a transferência da capacidade tributária ativa, como nos gravames parafiscais. ...no que pertine ao sujeito passivo, a regra não vai além de munir-nos com parâmetros, que deveremos aplicar às circunstâncias de fato para descobrir quem ocupa o pólo negativo da relação. Em resumo, a determinação do sujeito ativo é somente normativa e anterior ao fato jurídico tributário, ao passo que a do sujeito passivo é normativo-fática e posterior àquele evento.” (IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66).

123

março de 2007, as contribuições previdenciárias das empresas tinham como

sujeito ativo o Instituto Nacional do Seguro Social, num exemplo cristalino de

parafiscalidade357.

Todavia, após a vigência da citada lei, a União assumiu a

condição de sujeito ativo e a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a

ser o órgão da Administração Pública direta responsável pelas atribuições que

antes eram da Secretaria da Receita Previdenciária. A “Super Receita”, ou

Receita Federal do Brasil, antes denominada apenas Receita Federal, além

das antigas atribuições assumiu a obrigação de planejar, executar,

acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, fiscalização,

arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais

previdenciárias, dentre as quais aquela a cargo das empresas, incidente sobre

a “folha de salários” e demais rendimentos do trabalho.

Ao Instituto Nacional do Seguro Social coube apenas emitir a

certidão relativa ao tempo de contribuição, gerir o fundo do Regime Geral de

Previdência, calcular o montante das contribuições referidas e emitir o

correspondente documento de arrecadação, com vistas ao atendimento

conclusivo para concessão ou revisão de benefício requerido.

Já os sujeitos passivos das contribuições previstas no art. 22, I,

da Lei nº 8.212/91, serão as empresas ou entidades equiparadas. A própria lei

preceitua que considera empresa, para fins da arrecadação para a Seguridade

Social, a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade

econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e

entidades da administração pública direta, indireta e fundacional.

Além disso, a mesma lei estabelece que se equipara a empresa o

contribuinte individual, em relação a segurado que lhe presta serviço, bem

como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou

357

A União tem competência privativa para legislar sobre a Seguridade Social, sendo que os demais entes políticos tem competência apenas para instituir contribuições previdenciárias destinadas ao custeio do regime previdenciário de seus servidores.

124

finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira

estrangeiras358.

Como já referido anteriormente, há caso de tratamento tributário

especial, com relação às Contribuições destinadas à Seguridade Social, na

hipótese de microempresas e empresas de pequeno porte que optarem pelo

SIMPLES.

Ressalva importante registrada por ANDREI PITTEN VELLOSO,

reside no fato de que, muito embora o aspecto pessoal da contribuição prevista

no art. 22, I, da Lei nº 8.212/91, identifique-se com a empresa, estão fora do

alcance da citada regra as agroindústrias, que estão sujeitas à contribuição

específica do art. 22A da Lei de custeio da Seguridade Social. Além delas,

estão fora de alcance o produtor rural, pessoa jurídica e pessoa física, e as

associações desportivas que mantêm equipe de futebol profissional e que se

organizem na forma da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998359.

Outrossim, muito embora o art. 149, da Constituição, estabeleça

que a União institua Contribuições Sociais, pode ela delegar a capacidade

tributária ativa, como vinha fazendo até a publicação da Lei nº 11.457/2007; e

nada impede que ela volte a delegar, ao Instituto Nacional do Seguro Social,

essa atribuição de arrecadar determinadas contribuições como a que ora se

analisa.

O que deve ser mencionado, contudo, é que, ainda que a

Secretaria da Receita Federal do Brasil tenha absorvido as competências de

planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação,

fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento de algumas contribuições

sociais, os resultados da arrecadação deverão ser destinados, em caráter

exclusivo, ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social,

e creditados diretamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social da

Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000.

358

Art. 15, da Lei nº 8.212/91. 359

Comentários à Lei do Custeio..., op. cit., p. 110.

125

3.8.2. Critério Quantitativo

“O centro de convergência da relação jurídica tributária

obrigacional é um valor patrimonial expresso em dinheiro”, registra PAULO DE

BARROS, e continua assinalando que o que informa o intérprete, quando da

leitura da norma, e que lhe permite precisar com segurança a exata quantia

devida pelo contribuinte é o critério quantitativo. Sua expressão decorre da

relação entre a base de cálculo e a alíquota360.

JOSÉ ROBERTO VIEIRA bem coloca que tal critério é composto

precisamente pelos dados que permitem ao intérprete fixar os exatos contornos

do objeto da prestação pecuniária, mediante o concurso da base de cálculo e

da alíquota361.

Na mesma linha de raciocínio MARY ELBE QUEIROZ consigna

que, por meio desse critério, obtém-se, com segurança, o efetivo montante da

quantia devida a título de tributo362.

A Constituição elegeu, além da hipótese normativa, a base de

cálculo, como o binômio identificador dos tributos; isso pela interpretação dos

arts. 145, §2º, e 154, I. Tal característica é fruto da “função comparativa” da

base de cálculo, que confronta o critério material com a própria base de

cálculo, afirmando aquele critério, confirmando-o, ou mesmo infirmando-o,

quando incompatíveis um com o outro363.

Nesse passo, para saber se o que foi criado pelo legislador é

determinado tributo, basta apreciar o binômio composto pelo critério material e

pela base de cálculo.

360

Curso..., op. cit., p. 320. 361

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66. 362

Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 140. 363

‘Antes de tudo, avivemos na retentiva, por um curto intervalo, as respeitáveis funções desta entidade tributária: colaborar na determinação da dívida (objetiva), dimensionar o fato jurídico (mensuradora) e afirmar, confirmar ou infirmar o critério material da hipótese de incidência tributária (comparativa).” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 114).

126

PAULO DE BARROS CARVALHO364 e também JOSÉ ROBERTO

VIEIRA365, sustentam que sendo a base de cálculo uma exigência

constitucional, e tendo ela razão de ser somente se conjugada à alíquota, esta

também ganha “status” de indispensável.

A base de cálculo é a grandeza instituída na conseqüência da

regra-matriz de incidência tributária e se destina a dimensionar a intensidade

do comportamento constante do núcleo do fato jurídico, para que, combinando-

se à alíquota, possa determinar o valor da prestação pecuniária. Segundo

PAULO DE BARROS, a base de cálculo, portanto, serve para medir as

proporções reais do fato, quando aplicada juntamente com alíquota. Além

disso, tem ela a função de compor a especifica determinação da dívida366. 367

Para a contribuição sob análise, a base de cálculo será o valor

total da remuneração paga ou creditada pela empresa, desde que fruto da

retribuição ao serviço que lhe foi prestado ou posto à disposição, pelos

segurados empregados e trabalhadores avulsos, no caso do art. 22, I, e pelos

contribuintes individuais, no caso do art. 22, III, da Lei nº 8.212/91. Enfim, será

o valor das remunerações pagas ou creditadas a título de retribuição dos

trabalhos prestados, nos termos da lei, no período compreendido pelo mês.

A importância da base de cálculo é fulcral na determinação de um

tributo, sendo certo que a própria Constituição coloca-a como elemento

indispensável do conseqüente da norma e, por isso, essencial para a

caracterização da natureza da espécie tributária.

Facilitando, talvez, o trabalho do intérprete, com base no art. 195,

I, “a”, da Constituição Federal, a Lei nº 8.212/91, através do seu art. 28, §9º,

listou algumas verbas cuja natureza jurídica almeja por sua exclusão da base

de cálculo da contribuição em análise. O fez em atenção a exigência

constitucional, que anseia por remunerações pagas na condição de retribuir um

364

Curso..., op. cit., p. 322. 365

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66. 366

Curso..., op. cit., p. 325. 367

A base de cálculo é o valor positivo, o suporte econômico sobre o qual é aplicada a alíquota para apurar o valor devido a título de tributo. (MARY ELBE QUEIROZ, Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 141).

127

trabalho prestado ou posto à disposição. A ausência dessa condição castra o

complemento do critério material e, por conseqüência, faz a desconstrução da

regra-matriz de incidência tributária.

Ora, como já se disse anteriormente, somente a remuneração

destinada a retribuir o trabalho prestado é que poderá ser considerada base de

cálculo, até porque é essa a única base constitucionalmente admitida para o

conseqüente normativo da contribuição em análise. Não por outra razão é

exatamente o valor dessa remuneração, respeitados os limites constitucionais

do critério material, que será conjugado à alíquota para a apuração do valor

devido pelo contribuinte.

Importante reconhecer que nem toda a remuneração paga pela

empresa retribui um trabalho prestado pelo empregado, e, por isso, nem todo

valor a ele pago pode compor a base de cálculo da contribuição calcada no art.

195, I, “a”, da Constituição.

Incluir na base de cálculo outros valores que não apenas a

remuneração destinada a retribuir o trabalho é o mesmo que alargar o

conteúdo econômico indevidamente, na medida em que a Constituição não

trata de outros valores senão daqueles inerentes à remuneração do trabalho,

quando desenha o critério material da hipótese de incidência. A inclusão, além

disso, implica dissociar a materialidade da hipótese de incidência e seu

conteúdo econômico, além de violar o Princípio da Capacidade Contributiva da

empresa, como aponta MARCELO CARON BAPTISTA368.

Evidente que não incidirá essa contribuição social, portanto,

quando a remuneração paga ou creditada não se subsumir ao conceito do

antecedente normativo desse tributo. Há que haver notória identidade entre o

critério material e a base de cálculo da exação. Não é novidade, aliás, que a

definição da base de cálculo está intimamente relacionada com a materialidade

da hipótese de incidência. Assim, a adoção de qualquer outra dimensão

368

ISS, Do Texto à Norma: Doutrina e Jurisprudência, p. 578.

128

conceitual para a base de cálculo implicará em violação ao princípio da

legalidade369.

Nesse passo, não é por conta da previsão legal contida no §9º, do

art. 28, da Lei nº 8.212/91, que se pode afastar da base de cálculo da

contribuição em comento algumas verbas cuja natureza jurídica não seja

remuneratória do trabalho. Isso porque, a base de cálculo decorre da essência

do critério material adotado para o tributo pela própria Constituição.

Não basta, portanto, que o legislador, ou mesmo o Poder

Executivo, através de Decretos, indique o que considera e o que não considera

remuneração passível de compor a base de cálculo da contribuição em exame.

Ou seja, é imprescindível se ater à disciplina constitucional, não sendo nenhum

exagero ressaltar que remunerações quaisquer, ainda que consignadas pelo

legislador infraconstitucional como integrantes da base de cálculo da

contribuição em comento, se estiverem em descompasso com o critério

material, estarão decididamente fadadas à inconstitucionalidade.

Não se pode confundir o critério material da hipótese com os

anseios do legislador infraconstitucional, ou mesmo com aqueles do Poder

Executivo. Muitas remunerações consideradas na base de cálculo, portanto,

devem ser tidas como inconstitucionais em face da incompatibilidade das

mesmas com o arquétipo constitucional desse tributo370.

É na mesma linha de raciocínio que MARCELO CARON

BAPTSTA registra, quando trata da regra-matriz de incidência do Imposto

sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que a listagem de serviços da Lei

Complementar nº 116, de 31/07/2003, não impõe limites ao critério material da

369

Ib., p. 574. 370

Invocando decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, arrola alguns exemplos de remuneração que “...não integram o salário de contribuição... o valor liberal da distribuição de singelo ‘lanche’...; o pagamento ‘in natura’ do auxílio-alimentação...; o ressarcimento de valores correspondentes a despesas realizadas com o transporte e uso de veículo do próprio empregado...; e... a verba de representação paga aos gerentes...” (Contribuições Sociais no Sistema Tributário, p. 187).

129

hipótese de incidência desse imposto, podendo-se fazer o mesmo raciocínio

quanto ao rol elencado no art. 28, §9º, da Lei nº 8.212/9371.

Enfim, com relação à alíquota, ela é critério legal que quando

conjugada com a base de cálculo, permite discernir o valor a ser pago pelo

contribuinte a titulo de tributo372.

Na mesma linha de PAULO DE BARROS, JOSÉ VIEIRA registra

que a alíquota é elemento que dá conteúdo ao critério quantitativo,

normalmente fator aritmético de quantificação, revelando, inclusive, que a

própria base de cálculo somente tem sentido se conjugada a uma alíquota373.

Em PAULO DE BARROS CARVALHO, a alíquota, congregada à

base de cálculo, dá a compostura numérica da dívida, produzindo o valor que

pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nasceu

pelo acontecimento do fato típico. “E por manter elo tão íntimo com a base de

cálculo, sua presença, no contexto normativo, é obrigatória, visto que a

grandeza mensuradora do critério material da hipótese é exigência

constitucional inarredável”374.

MARY ELBE QUEIROZ lembra que a alíquota deve resguardar a

isonomia entre os contribuintes, principalmente através da manutenção da

higidez da capacidade contributiva, além de evitar violação ao Princípio da

Segurança Jurídica e do Não-confisco375.

No caso das contribuições para a Seguridade Social, a cargo das

empresas, incidentes sobre as remunerações destinadas a retribuir o trabalho,

a alíquota, expressa em percentual, é de 20% (vinte por cento), a incidir sobre

essa base de cálculo, revelando, através dessa operação, o exato valor devido

pelo contribuinte a título de tributo.

371

ISS, Do Texto à Norma..., op, cit., p. 302. 372

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, ICMS, p. 72. 373

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 68. 374

Curso..., op. cit., p. 334. 375

Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 153.

130

Como faz referência ANDREI PITTEN VELLOSO, se for levada

em consideração a contribuição sobre as remunerações destinadas a Seguro

Acidente do Trabalho (SAT), art. 22, II, da Lei nº 8.212/91, a alíquota pode

variar de 21% (vinte e um por cento) a 23% (vinte e três por cento)376. Além

disso, se for considerado o multiplicador conhecido por Fator Acidentário de

Prevenção (FAP), a alíquota pode chegar a 26% (vinte e seis por cento) em

alguns casos377.

A alíquota, portanto, será, a princípio, de 20% (vinte por cento),

seja para as remunerações pagas pela empresa aos empregados e segurados

avulsos, seja para os contribuintes individuais que lhe prestem serviços,

ressalvando o caso específico de bancos comerciais, bancos de investimentos,

bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito,

financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades

corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de

arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros

privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de

crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas378.

3.9. Síntese Conclusiva Como se pôde perceber, determinou-se a hipótese ou o descritor

da Contribuição Patronal Previdenciária disciplinada no art. 22, I, da Lei nº

8.212/91, que tem por fundamento a Constituição, em especial no art. 195, I,

“a”. A partir daí, foi possível especificar seus critérios: o material, composto

pelos seus verbos e complementos; o espacial e o temporal. Depois, discorreu-

376

Comentários à Lei do Custeio..., op. cit., p. 114. 377

Art. 22, § 1º, da Lei nº 8.212/9: “No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional de dois vírgula cinco por cento sobre a base de cálculo definida nos incisos I e III deste artigo.

378 Art. 22, §1º da Lei nº 8.212/91.

131

se acerca do conseqüente da norma, especificamente dos seus critérios

pessoal e quantitativo.

Tanto o descritor como o prescritor integram o juízo hipotético e,

juntos, formam a norma jurídica na sua integralidade. Enfim, é o elo entre o

antecedente e o conseqüente que dá unidade à norma jurídica tributária.

Repousa aí o normativo do “dever-ser” que diferencia as normas jurídicas das

regras naturais. É justamente esse “dever-ser”, que une a hipótese e o

conseqüente, atua de forma automática e inapelável, eis que, realizado o fato

correspondente ao hipoteticamente descrito, instaura-se a relação jurídica do

conseqüente379.

JOSÉ ROBERTO VIEIRA adverte que o caminho de análise

proposto por PAULO DE BARROS CARVALHO, utilizado neste trabalho, é o

mais adequado trajeto científico para o estudo de qualquer um dos tributos380.

A regra-matriz de incidência tributária da Contribuição Social

destinada à Seguridade, devida pelas Empresas sobre as remunerações de

trabalho pagas ou creditadas, tem a seguinte formulação: na hipótese de

incidência tributária, há o critério material, que consiste nos verbos “pagar” ou

“creditar” e nos complementos “salário”, e “demais rendimentos destinados a

remunerar o trabalho”; sendo que essa remuneração deve ser paga ou

creditada a uma “pessoa física que preste serviço, mesmo sem vínculo de

emprego"; e que os serviços sejam prestados à empresa, ou entidade

equiparada, as quais terão, portanto, a obrigação de arcar com o salário ou

rendimentos destinados a retribuir esse trabalho prestado. Além disso, por

disposição legal, as pessoas físicas indicadas na Constituição, no caso da

contribuição dos incisos I e III, do art. 22, da Lei nº 8.212/91, serão apenas

segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais.

O critério espacial pode ter lugar em qualquer ponto do território

nacional; ao passo que o critério temporal adotado pela norma foi o do termo

final do período mensal, ou seja, a contribuição será devida quando do crédito

379

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 340. 380

Imposto Sobre Produtos..., op. cit., p. 173.

132

ou pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho, até o

derradeiro instante do mês.

Na conseqüência tributária, há o critério pessoal, pelo qual é a

União o sujeito ativo (Lei nº 11.457/2007), ao passo que o passivo é toda

pessoa obrigada ao pagamento do tributo, nesse caso, as empresas ou as

entidades equiparadas.

Com relação ao critério quantitativo, a base de cálculo será o

valor total da remuneração paga ou creditada, desde que fruto da retribuição ao

serviço prestado ou posto à disposição das empresas e entidades equiparadas,

pelos segurados empregados e trabalhadores avulsos, no caso do art. 22, I, e

pelos contribuintes individuais, no caso do art. 22, III, da Lei nº 8.212/91; sendo

certo que as remunerações que serão albergadas são aquelas pagas ou

creditadas no período compreendido do mês. A alíquota, outrossim, será, como

regra geral, de 20% (vinte por cento).

Ao final, há que se dizer que apenas a remuneração destinada a

retribuir o trabalho pode compor a base de cálculo, sob pena de violação

constitucional. Remunerações que não aquelas atinentes ao trabalho prestado

ou colocado à disposição, se alocadas na base de cálculo, acarretam

dissociação entre a materialidade da hipótese e o seu conteúdo econômico,

expresso na base de cálculo. Pode-se dizer, portanto, que não incidirá

contribuição quando a remuneração paga ou creditada não se subsumir ao

conceito do antecedente normativo.

A definição, portanto, da base de cálculo está intimamente

relacionada com a materialidade da hipótese de incidência, e a adoção de

qualquer outra base de cálculo que não aquela constitucionalmente admitida

implica nítida violação ao princípio da legalidade. A lei infraconstitucional,

enfim, não tem poderes de impor limites ao critério material da hipótese de

incidência de qualquer tributo. WAGNER BALERA bem registra que a

tipicidade marca o domínio da legalidade no campo tributário, sendo que a

133

Constituição é quem tipificou os tributos, no sentido de lhes disciplinar a

vocação institucional381.

381

As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro in HUGO DE BRITO MACHADO (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 579.

134

CAPÍTULO 4 – O Princípio da Legalidade na Esfera Tributária

4.1. Noção Inicial

Como já destacado em Capítulo anterior, o princípio da legalidade

inaugurou-se, formalmente, na Inglaterra, com a promulgação da “Magna

Charta Libertatum” do Rei João Sem Terra. Na opinião de diversos juristas

esse documento, genérico e abstrato, permitiu uma atuação abrangente desse

princípio.

É também inconteste que a necessidade de consentimento

popular acerca da importância desse princípio desdobrou-se na menção da

legalidade em diversos documentos constitucionais. No Brasil, acabou, por fim,

traduzindo-se na Constituição Federal de 1988, na forma genérica, no art. 5º,

inciso II.

A afirmação tem fundamento na constatação de que o princípio da

legalidade assumiu a condição de conceito inevitável nos modelos

constitucionais dos estados modernos. O surgimento, ponto que aproxima o

estudo desse trabalho, como nos conta a história, é resultado de disputas

tributárias travadas entre comandantes e comandados.

Trata-se de instrumento constituído como um dos “traços de maior

essencialidade na caracterização dos Estados de Direito de nosso tempo.”382

Não é diferente no contexto atinente aos tributos, na medida em que o Direito

Tributário aproxima-se da legalidade, ainda mais, por meio de disposições

constitucionais que lhes são peculiares.

Cabe frisar, contudo, que o princípio da legalidade não é

exclusividade do direito tributário, porque se projeta sobre todo o ordenamento

através de disposições que foram albergadas no rol dos direitos individuais,

dentro do Título próprio que trata dos direitos e garantias fundamentais. Não

382

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 101.

135

por outra razão, “... o princípio da legalidade é um das mais importantes

colunas sobre as quais se assenta o edifício do Direito tributário.”383

Não bastasse a previsão constitucional que representa a raiz da

legalidade no ordenamento brasileiro, o legislador constituinte, preocupado em

resguardar tal direito fundamental de forma mais específica aos contribuintes,

foi além, deixando estigma em Capítulo que trata do Sistema Tributário

Nacional, mais especificamente na seção das limitações do poder de tributar

(art. 150, inciso I).

O princípio da legalidade teve sua intensidade reforçada no campo tributário e graças a este dispositivo constitucional, a lei – e só ela – deve definir, de forma absolutamente minuciosa, os tipos tributários. Sem essa precisa tipificação de nada valem atos normativos infralegais: por si sós, não têm a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes.

384

Nesse contexto, a par dos contornos do princípio da legalidade,

cabe delimitá-lo no campo dos direitos fundamentais, eis que, dentre os direitos

tributários fundamentais, o da legalidade “... é uma forma de preservação da

segurança...”, e por conta disso a relação entre a legalidade e tributação é uma

questão jurídica, sendo oportuno afirmar que sua inobservância abre portas às

sanções inerentes385.

4.2. A Constituição e os Direitos Fundamentais

A expressão germânica foi apresentada na França em 1.770,

como fruto do movimento político e cultural que deflagrou a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789386.

383

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 218. 384

Ib., p. 219. 385

A relação é jurídica precisamente porque os atos nela envolvidos devem ser praticados com observância das normas que a regulam (HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 42-44).

386 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 190.

136

PAULO BONAVIDES, invocando os conceitos de KONRAD

HESSE, estabelece como objetivo dos direitos fundamentais a criação e

manutenção de pressupostos elementares de uma vida digna387.

INGO SARLET, por sua vez, frisa o papel desempenhado pelos

direitos fundamentais no âmbito do Estado constitucional.

Tendo em vista que a proteção da liberdade por meio dos direitos fundamentais é, na verdade, proteção juridicamente mediada, isto é, por meio do Direito, pode afirmar-se com segurança, na esteira do que leciona a melhor doutrina, que a Constituição, na medida que pressupõe uma atuação juridicamente programada e controlada dos órgãos estatais, constitui condição de existência das liberdades fundamentais, de tal sorte que os direitos fundamentais somente poderão aspirar à eficácia no âmbito de um autêntico Estado constitucional.

388

A partir dessa premissa, ao que tudo indica, os direitos

fundamentais podem ser considerados condições elementares de um Estado

de Direito. O que se deve compreender é que os direitos fundamentais existem

independentemente de qualquer previsão legal, até porque, a matriz parte da

própria Constituição Federal389.

Além disso, importante registrar que é elemento indissociável da

vida em sociedade390 e ainda, integra um sistema axiológico que atua como

fundamento material de todo o ordenamento jurídico391.

A afirmação acima pode ser entendida a partir de NORBERTO

BOBBIO, para quem tais direitos são históricos e nascidos em certas

circunstancias caracterizadas por lutas em defesa de liberdades, nascidos,

portanto, de forma gradual e não de uma vez392.

387

PAULO BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, “passim”. 388

INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 187. 389

ALEXANDRE KNOPFHOLZ, As Dimensões do Processo: Análise à Luz dos Direitos Fundamentais, p. 13-18.

390 CELSO BASTOS, Curso..., op. cit., p. 258.

391 INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia..., op. cit., p. 72.

392 A Era dos Direitos, p. 5

137

Isso leva crer que os direitos fundamentais não são apenas

aqueles que o direito vigente os qualifica como tais393.

Sabe-se, contudo, que o conceito de direitos fundamentais pode

ser formulado tanto sob o aspecto formal como no material. O que importa,

sobremaneira, é reconhecer que é justamente sua dimensão valorativa que

possibilita a compreensão de suas funções e importância no Estado de Direito

e, ao mesmo tempo, lhe outorga ostentar o titulo de fundamental.

Num contexto mais claro, INGO SARLET atesta que a

Constituição de 1988, desde seu nascedouro, tem umbilical vinculação com a

formatação do catálogo dos direitos fundamentais, na medida em que se está

falando de uma nova ordem constitucional. Isso decorre principalmente do

cunho marcadamente compromissório da Constituição de 1988394.

O caráter formal dos direitos fundamentais tem abertura através

do art. 5º, parágrafo 2º, da Constituição brasileira, que exterioriza a concepção

de maneira fulgente. Quanto ao caráter material, importante consignar que

existem direitos que, em razão de seu conteúdo, tem outorga constitucional

para que utilizem o título de fundamental, mesmo não constando

expressamente do rol ilustrado no Título II.

A regra, a partir dessa contextualização, é que o rol do art. 5º da

Constituição, apesar de analítico, não é taxativo:

Importante, neste contexto, é a constatação de que o reconhecimento da diferença entre direito constitucional formal e materialmente fundamentais traduz a idéia de que o direito constitucional brasileiro aderiu a certa ordem de valores e princípios, que, por sua vez, não se encontra necessariamente na dependência do Constituinte, mas que também encontra respaldo na idéia dominante da Constituição e no senso jurídico coletivo.

395

Em outras palavras, HUGO DE BRITO MACHADO bem coloca

que direito fundamental é aquele estabelecido pela Constituição, e cuja

393

PAULO BONAVIDES. Curso de Direito..., op. cit., p. 560. 394

A Eficácia..., op. cit., p. 73. 395

Ib., p. 94.

138

dimensão, em princípio, decorre da interpretação mais ampla possível da

norma constitucional que o estabelece396.

Mas essa amplitude é representativa da pluralidade de aspectos

que os direitos fundamentais carregam em si. Ao que tudo indica, tais direitos

independente do caráter formal que lhes pode ser atribuído, na medida em que

detêm conteúdo e importância tal que lhes é permitido gozar das atribuições de

fundamentais ainda que ausente a formalidade.

É justamente essa abrangência que carrega a idéia de que

nenhum catálogo de direitos fundamentais pode ter a pretensão de esgotá-los,

até porque, o documento constitucional, assim como os anseios sociais, deve

estar apto a aceitar novas contribuições a partir de demandas populares, tais

como aquelas absorvidas pelo Estado contemporâneo.

Mas, talvez, um ponto significativo da Constituição Federal de

1988 que mereça destaque, seja o fato de ter ela atribuído aos direitos

fundamentais a condição de aplicabilidade imediata, “... excluindo, em princípio,

o cunho programático destes preceitos”.397

Além disso, há que se mencionar a proteção outorgada pela

Constituição, mediante a inclusão do inciso IV, no parágrafo 4º, do art. 60,

mecanismo através do qual se “eternizou” a proteção a tais direitos, taxando-os

no rol das cláusulas imodificáveis.

Enfim, a história lhes acomete a importância fundamental e a

condição primordial. Por conta disso os direitos fundamentais carregam

consigo a idéia de essencialidade. Nesse contexto, não há como se negar que

têm eles, em todo o ordenamento, “aptidão para produzir efeitos jurídicos”398.

O que parece evidente quando tratamos do princípio da

legalidade no âmbito tributário, é que os direitos fundamentais são ferramentas

protetoras dos contribuintes, até porque, como evidencia JOSÉ ROBERTO

396

HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos..., op. cit., p. 16. 397

INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia..., op. cit., p. 79. 398

GERALDO ATALIBA, Apud, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 183.

139

VIEIRA, muitas das projeções dos direitos fundamentais têm reflexo no direito

tributário, ou seja, se traduzem em garantias como, por exemplo, aquela

estampada no art. 150, I, da Constituição de 1988.

A legalidade tributária, por conta disso, pode ser encarada como

especialização do direito fundamental, “desdobramento dos direitos e garantias

fundamentais do cidadão, explicitamente repetidos para o cidadão-

contribuinte”.399

4.3. A Natureza “Fundamental” do Princípio da Legalidade na esfera Tributária

Feitas as considerações até aqui expendidas, cumpre dizer que o

modelo de Estado Democrático de Direito, em especial sob a ótica da

necessidade de manutenção dos direitos sociais, clama pela arrecadação de

vultuosos recursos financeiros para a satisfação das diversas diretrizes

públicas disciplinadas na Constituição da República.

O atendimento dessas metas depende, portanto, intrinsecamente,

da obtenção de receitas, sendo certo que a conquista desse numerário

geralmente ocorre através da cobrança de tributos. Daí a importância dos

princípios constitucionais fundamentais, especificamente aqueles atinentes ao

subsistema do Direito tributário.

O Sistema Tributário Nacional, como já se falou, está

basicamente sustentado nos arts. 145 a 156 da Constituição Federal que

expõem, inclusive, os princípios gerais que norteiam o campo tributário do

direito brasileiro. A disposição explícita dos princípios no campo tributário é

inerente ao modelo rígido e “maternal” adotado pela Constituição de 1988, eis

que quase todas as referências tributárias ali podem ser encontradas400.

399

Ib., p. 193. 400

“A nossa não só trata do tema, mas raia pelo exagero, demonstrando-se tentada pela exaustividade, e com isoo revelando, em toda sua amplitude, o profundo caráter maternal que também a caracteriza, no subsistema tributário.” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 40).

140

Por conta disso, pode-se dizer, sem maiores delongas, que à

Constituição coube dispor acerca das diretrizes e dos princípios que guiam

toda a Administração Pública quando o tema é a instituição e a conseqüente

cobrança de tributos, impondo, como corolário, limites ao poder de tributar. É o

regime administrativo na sua expressão mais evidente: prerrogativas nas

atividades praticas em prol do benefício coletivo e restrições que limitam a

atividade a fins e princípios específicos.

A conclusão que se alcança é que a Constituição Federal

representa o alicerce do Direito tributário, e, por conta disso, carrega a projeção

de seus princípios fundamentais para esse ramo do Direito. O destaque é para

o princípio da legalidade tributária que pertence ao rol dos princípio constantes

do estatuto do contribuinte desempenhando a função de garantia ao

contribuinte.

Antes, contudo, de qualquer consideração acerca da legalidade

tributária e sua condição de direito fundamental, é de se salientar, como aponta

MARCELO MARTINS ALTOÉ, que os principais valores a serem preservados

foram positivados como princípios constitucionais, normas dotadas de

materialidade e eficácia previstas no próprio documento constitucional. Tais

princípios contemplam as normas que prevêem os direitos e garantias

constitucionais401.

Robert Alexy parte da premissa de que os direitos fundamentais, em razão de sua estrutura, têm caráter de princípio, que resulta na norma de direito fundamental. Isso porque, a teoria dos princípios, define, princípios como sendo mandamentos de otimização, ou seja, normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão alta quanto possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas.

402

Partindo desse contexto, aliado ao que já fora dito quanto à

materialidade dos direitos fundamentais, pode-se dizer que o princípio da

legalidade assume à condição de direito fundamental não apenas no contexto

formal, já que integra o rol constitucional, mas também porque extrapola o

401

Direito versus Dever..., op. cit., p. 64. 402

Ib., p. 65.

141

sistema, tendo validade universal como direito fundamental por conta de seu

conteúdo e importância.

Na história, inclusive, como bem registra JOSÉ ROBERTO

VIEIRA, não há nenhum momento em que a legalidade tributária seja

desmerecida em face de sua essencialidade, até por conta de sua importância

primordial em resguardar o contribuinte.

Daí decorre a idéia de “fundamentalidade” (JOSÉ ROBERTO

VIEIRA)403 do princípio da legalidade tributária, na medida em que se trata de

elemento estruturante do Estado e de toda sociedade404.

É de se justificar, portanto, a figuração do contribuinte como titular

de direitos fundamentais, dentre eles, o direito fundamental consubstanciado

no princípio da legalidade.

É inegável a importância que assume a tributação no plano do Direito Constitucional. A importância da tributação no contexto dos direitos fundamentais, entretanto, que o Direito Constitucional procurou estruturar com princípios e regras, deve-se especialmente ao fato de envolver a tributação relações muitíssimo conflituosas entre os cidadãos e o Estado.

405

Em que pese à existência genérica do princípio fundamental da

legalidade, formal e materialmente previsto no bojo constitucional, no campo

tributário esse mesmo princípio ganhou envergadura sob a condição de diretriz

das mais importantes.

Bastaria esse dispositivo para afirmar que ninguém pode ser

obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um dever instrumental tributário que

não tenham sido criados por meio de lei. Contudo, para o Direito Tributário, tal

imperativo ganha caráter inflexível como se pode depreender da leitura do art.

150, I406.

403

Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 190. 404

INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia..., op. cit., p. 89. 405

HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos..., op. cit., p.34. 406

“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.” (Constituição Federal de 1988, art. 150, I).

142

A legalidade tributária no Brasil é, sem dúvida nenhuma, um

direito fundamental do contribuinte (HUGO DE BRITO MACHADO)407 e

estabelecida como princípio, por força de sua fundamentalidade. E não conviria

ser diferente, uma vez que os princípios constitucionais tributários “são

projeções de direitos fundamentais.”408

Ao que tudo indica, portanto, tal princípio é direito fundamental por

opção constitucional409.410

4.4. O Princípio da Legalidade e da Estrita Legalidade Tributária Como já discorrido ao longo deste trabalho, um Estado social que

se diz democrático de direito somente pode estabelecer obrigações aos seus

contribuintes se essas estiverem em conformidade com as leis e a

Constituição, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo

senão em virtude de lei.

A conclusão, quase que inevitável ante a afirmação anterior, vai

no sentido de que o princípio da legalidade reveste-se como um dos traços de

maior essencialidade na caracterização do Estado de Direito411, não se

podendo, contudo, afirmar que a legalidade é elemento exclusivo do Estado

que se diz “de direito”, haja vista os registros feitos por VICTOR UCKMAR412.

407

Direitos..., op. cit., p. 42. 408

SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 192.

409 A jurisprudência também compartilha essa mentalidade. A título ilustrativo, registre-se a

decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na ADIN nº 939-7, onde se discutiu a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3/93, oportunidade onde o Ministro Relator. Dr. Sydney Sanches, reconheceu expressamente que o princípio da anterioridade, por força do que preceitua o parágrafo 2º, do art. 5º, da Constituição, caracteriza-se autentico direito fundamental. Disponível em www.stf.jus.br, acessado em 01/03/2011.

410 “Visceralmente ligado aos Princípios da República e da Democracia, pela ponte da

representatividade popular, também a Legalidade, inclusive a Tributária, como irrecusável direito-garantia fundamental do cidadão-contribuinte que constitui, nos termos expressos do art. 150, caput, encontra-se seguramente protegida entre as cláusulas de pedra da Lei Maior (art. 60, §4º, IV)” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 199).

411 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 101.

412 Princípios Comuns..., op. cit., p. 21.

143

No ordenamento brasileiro a legalidade tributária ganhou maiores

contornos a ponto de ser consagrada, na Constituição, como princípio que

impele qualquer ação da Administração em desacordo à disciplina legal. O

princípio integra o Estatuto dos Contribuintes, como frisa JOSÉ ROBERTO

VIEIRA, desempenhando efetivo papel de resguardar direitos413.

É questão de segurança jurídica, ou seja, detém função de

garantia, que por sua generalidade busca harmonizar todos os demais

princípios jurídicos, proporcionando não só o consenso entre os contribuintes,

mas justificando, também, o próprio Estado de Direito.

Isso fica evidente por que é, por exemplo, através da legalidade

que a própria segurança jurídica se expressa. O contribuinte tem a

necessidade de algumas certezas e isso também se faz mantendo hígido o

princípio da legalidade, eis que “... el contribuyente tiene de conocer todos los

remedios jurídicos puestos a su alcance por el ordenamiento, a efectos de

instar la revisión de los actos presuntamente nulos o anulables.”414

A segurança, outrossim, decorre justamente da relação de

conformidade com a lei, algo que JOSÉ ROBERTO VIEIRA diz estar projetado

no capítulo constitucional que trata do sistema tributário através do princípio da

estrita legalidade tributária, princípio esse que revela a importância da

manifestação suprema da vontade popular e que refuta qualquer comando

desconforme à soberania popular, o que, por óbvio, afasta a idéia de tributação

sem respaldo constitucional415.

Em outras palavras, tal princípio teve sua intensidade reforçada

na seara tributária de modo que é vedado aos entes políticos exigir ou

aumentar tributo sem que a lei assim estabeleça.

Nas palavras de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, “onde

houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em

413

Legalidade Tributária..., op. cit., p. 178. 414

EUSEBIO GONZÁLEZ GÁRCIA, Relaciones entre los Princípios..., op. cit., p. 153. 415

Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 96-97.

144

matéria tributária” e isso revela a impossibilidade do Estado transpor-se tal

princípio416.

Sobre o tema, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS salienta que

o princípio da estrita legalidade não permite interpretações extensivas contra o

contribuinte ou mesmo a integração analógica para fim de exigir tributo417.

As normas tributárias ou são legais ou são ilegais. Se ilegais, todo o processo elisivo é ilegal também, mesmo com o exclusivo intuito de reduzir tributos. Se não, a ilegalidade decorre de desconformidade do comportamento do pagador de tributos em relação à lei, neste caso sendo conduta punível.

418

Das premissas antes mencionadas, pode-se extrair que o

princípio da estrita legalidade preceitua que os tributos devem ser criados

através de leis, sendo certo que tal lei deve trazer todos os elementos

estruturantes da regra-matriz de incidência tributária, tanto os da descrição

como os da prescrição, não sendo possível aceitar que isso seja feito por

delegação ao Poder Executivo.

O veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei, sendo imperioso reconhecer que o princípio diz mais que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional.

419

Diga-se, ainda, que o princípio da legalidade alcança todos os

tributos e, diante dessa consideração, pode-se dizer que ele alberga duas

dimensões. “De um lado, ele exige um fundamento legal para qualquer

prescrição normativa”, nessa perspectiva ele demanda que qualquer comando

jurídico tenha um fundamento legal, por meio do qual se determina o

416

Curso de Direito..., op. cit. p. 213. 417

Direitos Fundamentais..., op. cit. p. 75. 418

Ib., p. 84. 419

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 223.

145

comportamento devido. E em segundo, “a legalidade exige que qualquer

comando normativo tenha um conteúdo previamente determinável”.420

Conclui-se, nesse contexto, que o princípio da estrita legalidade

tributária, expressão restrita do princípio genérico da legalidade, manifesta-se

como princípio da reserva absoluta da lei formal421.

A referência estrita da legalidade na esfera tributária enfatiza a

importância do princípio da legalidade no âmbito tributário, que acabou por ser

repetido no Capítulo da Ordem Tributária, quando nem precisaria, como uma

relação de conformidade com a lei em sentido formal e não só em sentido

material como regra de comportamento genérica.

É que a inspiração genérica do princípio da legalidade supera o

formalismo identificado na concepção restritiva do princípio como uma relação

de não-contrariedade ou compatibilidade, ou seja, noção mínima de legalidade.

A identificação na forma genérica é ampliativa como uma relação de

conformidade, noção máxima de legalidade422.

A razão da estrita legalidade tributária é a insatisfação do

legislador constitucional com a disposição genérica, indo além no detalhismo

dos temas Constitucionais através da formulação constante do art. 150 da

Constituição. Afinal de contas, no Direito Tributário a Constituição foi às

minúcias tratando o assunto de forma peculiar em relação aos demais, eis que

a matéria foi tratada de forma singular, analítica e exaustiva.

Mas se o princípio da estrita legalidade tributária anseia por uma

relação de compatibilidade com a lei formal, revelando ser ilegal algo em

desacordo com os padrões estabelecidos em lei, ou seja, ato oriundo de quem

detém competência para legislar, o princípio da legalidade na acepção genérica

trata de regras de comportamento genéricas e coativas.

420

HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional..., op. cit., p.76. 421

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 225. 422

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 195.

146

Nesse sentido, se a Constituição é a “lei das leis”423 o agir em

desconformidade com os preceitos constitucionais é também um agir ilegal, o

que leva crer que a inconstitucionalidade é também uma ilegalidade sob a ótica

do princípio da legalidade genérica. Nos países de Constituições rígidas, a

Constituição não é apenas a fonte das leis, como a própria lei.

O princípio da legalidade encerra, pois, um dogma essencial que

impede que o Estado, em sua acepção ampla, atue com arbítrio em sua

relações com o cidadão que tem direito de fazer tudo quanto a lei não lhe

proíba. Ao legislador, portanto, ao elaborar a lei, cabe, por óbvio, obedecer à

Constituição e agindo dessa forma estará obedecendo o princípio da

legalidade, afinal uma inconstitucionalidade nada mais é do que uma

ilegalidade qualificada como ensina MARÇAL JUSTEN FILHO.

ALIOMAR BALLEIRO chega a dizer que é a Constituição quem,

inequivocamente, estabelece a precedência da lei que cria ou majora o tributo,

não permitindo que o princípio da legalidade seja afastado, deixando de lado as

diretrizes magnas que contemplam a Lei Maior424.

Fato é que além de fixar idéias a serem alcançadas efetivamente

pelo Estado, as quais podem dar ensejo a ideais mais restritos ou mais amplos

que possam justificar, por sua vez, certos comportamentos do Estado – a

Constituição optou, também, por prescrever diretamente determinados

comportamentos cuja adoção contribui para a promoção para a higidez da

própria segurança jurídica425.

Assim, ao prescrever a Constituição da República “que ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”, ela

tipifica que o estado somente agirá com base nos preceitos previamente

disciplinados em lei. Na mesma linha, essa mesma Constituição regula

exaustivamente a regra matriz de incidência tributária da contribuição patronal

previdenciária sobre a “folha de salários”, tecendo detalhes que deixam muito

423

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 215. 424

Uma Introdução à Ciência das Finanças, p. 282. 425

HUMBERTO ÁVILA, Segurança Jurídica..., op. cit., p. 234.

147

pouca margem ao legislador infraconstitucional, podendo se dizer que acaba

por “criar” o tributo em análise.

A generalidade da lei permite dizer que neste caso a

Constituição é a Lei Fundamental (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE426), pois da

mesma forma que a lei propriamente dita é instrumento de planejamento para

seu destinatário, a Constituição também o é, revestindo-se da condição de

instrumento adequado para que os operadores do direito tributário, baseados

no princípio genérico da legalidade, atuem em consonância com a Constituição

sob pena de violação ao princípio.

A referência da legalidade na Constituição decorre do fato de

que o Sistema Constitucional Tributário brasileiro é peculiarmente restrito e

rígido, a ponto de tratar a matéria tributária exaustivamente. A exaltação nesse

sentido é especialmente interessante em sagaz artigo do professor JOSÉ

ROBERTO VIEIRA onde o próprio título – “E, Afinal, a Constituição Cria

Tributos”, além de interessante, muito colabora à ciência do direito tributário

nesse sentido.

Nessa obra, VIEIRA ressalta as conclusões de GERALDO

ATALIBA em obra de grande relevo doutrinário, dentre as quais a de que “...em

matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o

sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe

somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo” (sic)427.

Para o professor paranaense, o legislador constituinte não se

restringiu a mencionar o “nomem juris” dos tributos, tendo estabelecido algo de

sua hipótese de incidência, pelo menos do núcleo do seu critério material que

representa o cerne do suposto normativo428.

A par dessa noção, em cumprimento ao que disciplina a

Constituição, pode-se dizer que o tipo tributário há que ser um conceito

fechado, seguro exato, rígido e preciso para reforçar a segurança jurídica.

426

Medidas Provisórias, “passim”. 427

Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, p. 21. 428

Vide item 3.7, op. cit.

148

Nesse passo, considerando que todos os elementos essenciais

do tributo estão erigidos abstratamente na Constituição, cada ato concreto do

Fisco deve estar rigorosamente autorizado, o que corrobora com a afirmação

de que a tipicidade do Direito tributário é mais rigorosa do que no próprio

Direito Penal429.430

A obrigação de pagar tributo decorre, num Estado Social de

Direito como o Brasil, da Constituição, em primeiro plano, e da lei no plano

infraconstitucional. O princípio da legalidade, portanto, encontra fundamento de

validade em convergência com a própria Constituição, que ocupa o topo da

pirâmide normativa, legitimando, a partir daí a legislação infraconstitucional.

Tal princípio se apresenta como alicerce do sistema jurídico,

assumindo a condição especial em vista do indisfarçável prestígio que o

sistema constitucional lhe outorgou, tanto no contexto macro do ordenamento,

como na concepção restritiva do direito tributário, inclusive na condição de

direito fundamental431.

Conforme al dogma de La subordinación de todas lãs ramas jurídicas a la Constitución, la existência de uma ley no es suficiente por si sola; es imprescindible, además, que la ley se ajuste a las normas y principios estabelecidos expresa o implícitamente em la Constitución.

432

O princípio da legalidade no contexto tributário alcançou status de

algo natural, essencial e até fundamental para a garantia da própria

democracia. Isso parece bem evidente no estado democrático que busca no

povo não só a competência para tributar, mas também os limites dessa

competência.

429

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 234. 430

Sobre a tipicidade no Direito Tributário, ver “Legalidade Material, Modo de Pensar ‘Tipificante’ e Praticidade no Direito tributário” (MISABEL ABREU MACHADO DERZI).

431 RAMÓN VALDÉS COSTA, Instituciones de Derecho Tributário, p. 121.

432 Ib., p. 125

149

Não há muita margem dada ao legislador eis que “a Constituição,

ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu... a norma-padrão de

incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação...” 433.

Na mesma linha VALDÉS COSTA acrescenta que para que

algum dos elementos estruturantes seja estabelecido em leis, é preciso norma

constitucional que assim autorize, sendo “... esta concepción... dominante em

la doctrina latinoamericana”434.

Mas isso não significa que a Constituição já teria esgotado todas

as possibilidades de modelar a regra-matriz de incidência tributária, nada

restando ao legislador infraconstitucional. Fato é que a Constituição da

República estabeleceu de plano muito da hipótese de incidência dos tributos,

pelo menos do núcleo do seu critério material435.

A Constituição, portanto, arquitetou o perfil mínimo de um tributo,

fazendo, com isso, com que restasse pouco a ser questionado, a ponto de

JOSÉ ROBERTO VIERA concluir que “... a constituição criou tributo...”, ainda

que no seu mínimo existencial, “... planta real e tangível, conquanto não

suficientemente desabrochada, não revelada na plenitude da sua natureza

exuberante, ainda em estado mínimo”436.

A Constituição aponta, como registra ROQUE CARRAZZA, “... a

hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo

possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível...” 437.

Evidente, nesse contexto, a importância da leitura constitucional

quando do estudo de qualquer tributo, sem deixar à margem a também

importante legislação infraconstitucional, desde que, por óbvio, atenta à

Constituição sob pena de violação ao princípio da legalidade.

433

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 440. 434

Instituciones..., op. cit., p. 135. 435

Critério preponderante “... haja vista que os demais critérios da hipótese somente condicionam-no através das coordenadas de tempo e espaço, trata-se, portanto, do núcleo do suposto normativo.” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 62).

436 E, afinal, a Constituição..., op. cit., p. 638.

437 Curso..., op. cit., p. 440.

150

Não é outra a razão para que a acepção genérica do princípio da

legalidade tributária, disciplinada dentre os direitos e garantias fundamentais,

para muitos já suficiente para limitar o “poder” de tributar, tenha assumido um

lugar privilegiado entre as garantias fundamentais do contribuinte, talvez como

de mais importante princípio dentre aqueles que limitam o poder de tributar438.

Isso demanda dizer que o legislador constitucional foi além da

disposição genérica, dada importância, para formular previsão específica no

contexto tributário, corroborando para a idéia de que criar tributo é editar a

norma jurídica tributária e suas minúcias, algo que a Constituição tomou para

si, tendo deixado muito pouco ao legislador infraconstitucional que legisla

sempre atento Constituição.

Daí a importância da formulação estrita do princípio da legalidade,

até porque, não enfastia mencionar que o Estado desenvolve sua atividade sob

o império da lei. “Não fosse assim, seria pisoteado o Estado de Direito, num

lastimável movimento de recuo histórico e político.”439.

Por fim, ainda que a doutrina entenda ser o princípio da

legalidade um postulado imprescindível, alguns autores concluem que alguns

tributos não precisam obedecer ao referencial da legalidade. Entretanto, não há

exceção ao princípio da legalidade!

O texto constitucional pode até, em algumas raras exceções,

atribuir ao Executivo a condição de definir alíquotas dentro de determinadas

condições e limitações, mas isso não modifica a premissa de que a

Constituição não outorga ao Executivo, poderes para descrever a hipótese

tributária, nem para estabelecer, livremente, aspectos quantitativos que

determinem o valor a pagar.

438

ALBERTO XAVIER, apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Legalidade Tributária..., op. cit., p. 184

439 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, O Princípio da Legalidade da Administração, p 144.

151

4.5. A Aparente Exceção ao Princípio da Legalidade O princípio genérico da legalidade foi intensificado na seara

tributária, de modo que a sua violação está diretamente relacionada não

somente à desatenção da lei formal, mais da própria Constituição. Isso remonta

o ideal de que um Estado de Direito deve respeitar, invariavelmente, o princípio

da legalidade, reforçando a concepção de que tal princípio é intransponível à

atuação de um Estado que se diga “de Direito”.

LUCIANO AMARO acrescenta, iniciando seu estudo acerca da

legalidade tributária, dizendo que tal princípio inaugura a lista dos princípios

constitucionais tributários, sendo informado pelos ideais de justiça e de

segurança jurídica, valores esses que “não podem ser solapados se à

administração fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem

cobrar tributos.” 440.

É nesse diapasão que se pode concluir que através da premissa

erguida pelo princípio da legalidade, toda conduta da Administração Pública

deve ter seu fundamento previsto na norma, ou melhor, no documento que

deve lhe garantir o necessário substrato para que a atividade possa acontecer,

deixando à margem a idéia de vontade heterônoma441.

Há, todavia, juristas que aceitam a tese da existência de tributos,

em nosso ordenamento, que seriam espécies de exceções ao princípio da

legalidade, na medida em que, no entendimento dessa parcela da doutrina,

“alguns tributos não precisariam obedecer à legalidade tributária”442.

Ao que tudo indica, entrementes, o princípio da legalidade

tributária é um limite intransponível à atuação do fisco. Afinal, como lembra

440

LUCIANO AMARO, Direito Tributário..., op. cit., p. 111. 441

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, O Princípio da Legalidade..., p 149. 442

“Isto posto, pela Constituição vigente, todo e qualquer tributo, em princípio e por princípio, deve ser criado por lei. Todavia, anote-se, há exceções ao princípio quanto à majoração (ou minoração) de imposto. As seguintes: imposto de importação, exportação, IPI, ISOF e CIDE-Combustíveis. Estes podem ter suas alíquotas alteradas e, pois, aumentadas sem prévia lei.” (SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 186-187).

152

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “a vontade da lei, na obrigação tributária,

substitui a vontade das partes.”443

No mesmo sentido complementa PAULO DE BARROS

CARVALHO afirmando que qualquer pessoa política competente para instituir

tributos, isto é “descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar ou

aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota”, o fará

mediante lei444.

Respondendo a questão acerca da alegada exceção, registra

ROQUE CARRAZZA:

Com o devido acatamento, laboram em equivoco. Não há, neste dispositivo constitucional, qualquer exceção ao princípio da legalidade. Apenas o Texto Magno permite, no caso, que a lei delegar ao Poder Executivo a faculdade de fazer variar, observadas determinadas condições e dentro de limites que ela estabelecer, as alíquotas (não as bases de cálculo) dois mencionados impostos.

445

VICTOR UCKMAR preceitua que concernente a matéria tributária,

o Poder Executivo “pode emanar disposições com eficácia legislativa só na

medida em que explicitamente autorizado.”446

JOSÉ ROBERTO VIERA, na mesma linha, pontua que a resposta

quanto à possibilidade de mitigação do princípio da legalidade depende da

forma como a constituição do estado disciplina a matéria, mas, registra,

contudo, que no Brasil, “... prevalece o conceito ortodoxo segundo o qual a lei

deve conter todos os critérios da norma jurídica tributária de incidência, tanto

da hipótese quanto da conseqüência tributárias... ”447.

Evidente, portanto, que a intervenção do Executivo depende de

autorização constitucional expressa.

443

Curso..., op. cit., p. 219. 444

Curso..., op. cit., p. 158. 445

Ib., p. 270. 446

Princípios Comuns..., op. cit., p. 40. 447

Medidas Provisórias..., op. cit., p. 126-127.

153

O ex-professor da Universidade da República no Uruguai,

RAMÓN VALDÉS COSTA, conclui no sentido de que “... el concepto de

atenuación o flexibilidad del principio de legalidad no es aplicable a las

constituciones que, como las latinoamericanas, establecen el concepto

ortodoxo, basado em el principio de separación de las funciones legislativas y

administrativas.”448 Na mesma obra, VALDÉS COSTA ainda registra que a

doutrina latino americana é quase que unânime em defender o princípio da

legalidade como essencial ao Estado de Direito, o que dificulta aceitar a tese

de mitigação do princípio449.

A conclusão é no sentido de que a legalidade tributária tem o

condão de limitar o poder do Estado sobre os cidadãos. Como já mencionado

anteriormente, a Constituição brasileira, rígida e engessada, previu quase

todos os critérios integrantes da norma jurídica tributária de incidência, até

porque, como também já mencionado, criar tributo é editar suas minúcias todas

através da edição da norma jurídica tributária de incidência450.

Ao que tudo indica, nesse contexto, não há na Constituição

qualquer exceção ao princípio da legalidade. O que existe é a permissão, em

casos específicos e taxados, de se fazer variar a alíquota, desde que, em

contrapartida, sejam observadas determinadas condições e limitações pré

definidas.

É que ao analisar o art. 153, parágrafo primeiro, da Constituição

da República, constata-se que há permissão para alteração da alíquota de

alguns impostos, de fato. Contudo, a alteração depende do atendimento de

certas condições e limites já pré estabelecidos, essa inclusive, é a redação

constitucional: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os

limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos...”

Está aí a dificuldade da doutrina em bem avaliar essa faculdade

constitucional:

448

Instituciones..., op. cit., p. 142. 449

Ib., p. 152. 450

Vide p. 148 e 150.

154

A doutrina predominante simplesmente encara essa faculdade como exceção à Legalidade Tributária. Já seguindo a classificação acima apresentada para o Princípio da Legalidade, há autores que admitem que essa atribuição ao Presidente da República equivaleria a uma exceção ao Princípio da Estrita Legalidade Tributária ou ao Princípio da Legalidade em termos absolutos, não sendo excepcionado o Princípio da Legalidade em termos relativos. Contudo, estando patente que o Princípio da Estrita Legalidade Tributária veda à União, aos estados, ao Distrito federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei em sentido formal que o estabeleça, sua aplicação em termos relativos ou até mesmo seu entendimento como exceção, caracterizaria verdadeira leviandade ou a completa desconsideração a esse princípio.

451

Nesse diapasão, diga-se que ainda que a Constituição tenha

previsto a possibilidade do aumento de alíquotas pelo Executivo para alguns

tributos, não há que se falar em mitigação ao Princípio da Legalidade, uma vez

que ao Executivo cabe atender, sempre, aos limites e condições previamente

estabelecidos na Constituição e na lei. O que se deve ter em mente é que

nesses casos excepcionais, o Poder Executivo não cria as alíquotas dos

tributos, mas apenas as altera, quando necessário e desde que dentro de

limites e condições anteriormente fixados.

Alterar, como é cediço, pressupõe, algo preexistente. Só se altera o que já está posto. No caso, só se alteram as alíquotas dentro dos limites e condições que a lei previamente traçou. Se a lei não estabelecer limites mínimo e máximo para as alíquotas, o Executivo nada poderá fazer.

452

Como bem ilustra CLÈMERSON CLÈVE, no momento atual em

que se encontra a história política, “é inviável proibir o Executivo de

desempenhar, com menores ou maiores limites, atividade normativa.” Todavia,

continua o professor, o importante é verificar com quais limites a competência

foi outorgada. Ele aponta a Constituição como documento compromissório e,

por isso, coloca que o conteúdo de suas emanações deve sempre estar

orientado nos princípios indicados como mínimos ao estabelecimento de uma

ordem jurídica justa, dentre eles o da legalidade453.

451

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional do Regulamento e Alguns Reflexos Tributários, p. 226.

452 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 270.

453 Atividade Legislativa..., op. cit., p. 145.

155

Certo é que a própria Constituição concede ao legislador a

prerrogativa de indicar as alíquotas em alguns tributos, cabendo ao Executivo,

nesses casos, agir dentro dessa limitação estabelecida. Não há uma atividade

arbitraria, eis que a alteração decorre de dispositivo constitucional

preexistente454.

Mais uma vez, registre-se que nada se cria. A idéia de exceção,

ainda que aparente como prefere parte da doutrina, é de difícil aceitação, tendo

em vista que caberá sempre ao legislador determinar as condições e limites

dessa outorga.

A falta, inclusive, de balizamento legal para a atribuição do

Executivo, resulta na impossibilidade da utilização do permissivo constitucional

que permite a alteração das alíquotas. Da mesma forma, a fixação, em lei, de

alíquota única, igualmente resultará na restrição do atuar discricionário do

Executivo455.

Ao estabelecer alíquotas, dentro de limites previamente traçados

na lei, o Executivo não está atuando de forma a afastar o princípio da

legalidade, até porque, sua competência, para tanto, só pode variar numa

extensão anteriormente delimitada pela Constituição da República.

Corrobora nessa linha de pensamento o professor LUCIANO

AMARO para quem “mesmo em relação aos tributos cujas alíquotas, nas

citadas circunstâncias, podem ser alteradas sem lei formal, é preciso sublinhar

que sua criação depende, em todos os aspectos, de definição em lei, mesmo

quanto às alíquotas.” Continua o autor:

Não pode a lei criar tributo sem lhe precisar a alíquota. Definida esta na lei, juntamente com os demais aspectos do tipo legal, pode o Executivo, nos casos excepcionados, alterar a alíquota fixada pela lei. A Constituição não dá à lei o poder de delegar ao Executivo a livre fixação da alíquota. Em relação aos impostos excepcionados, também não lhe permite que autorize o Executivo a modificar as alíquotas quando ele julgue conveniente, ou de acordo com as diretrizes ou razões que ele próprio venha a traçar, uma vez que a

454

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 271. 455

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional..., op. cit., p. 227.

156

atuação do Executivo se submete ao cumprimento das condições especificadas pela lei, a par de observar os limites nela fixados.

456

A conclusão que decorre da afirmação acima vai no sentido de

que o Constituição, através do art. 153, não atribui ao Poder Executivo a

competência para descrever em caráter inaugural a regra-matriz de incidência

tributária, tanto o antecedente como o conseqüente. Se essa descrição é

inviável, outro caminho não existe senão a vedação da descrição inaugural do

critério quantitativo, até porque, se não lhe cabe determinar qualquer critério da

regra-matriz de incidência, o mesmo vale para a alíquota.

Ao Executivo, portanto, e sob pena de responsabilização, não

cabe a criação da alíquota, apenas a possibilidade de alterá-la dentro das

condições e limites traçados em lei que, por sua vez, fora autorizada

constitucionalmente457.

O Princípio da Legalidade, no campo tributário, anseia pela

completude da norma de modo que essa deve trazer todos os elementos da

norma jurídica tributária (hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota, etc.),

não se admitindo a delegação ao Poder Executivo para que crie tributos,

mesmo que em parte.

Registra RICARDO LOBO TORRES que uma vez explicitado na

norma constitucional os critérios que qualificam um dado tributo, cabe ao

princípio da legalidade ater-se a essa caracterização, ou seja, “o sujeito

passivo, o núcleo da hipótese de incidência, a base de cálculo e a alíquota

devem conter informações necessárias para a exigência do tributo pelo fisco e

para o conhecimento da extensão da obrigação pelo contribuinte.”458

Nessa toada, é possível dizer que o que detém o Executivo, no

que tange a alteração das alíquotas de alguns tributos, é uma faculdade

autorizada em lei, portanto, dentro de limites e condições estabelecidos pelo

próprio legislador.

456

Direito Tributário..., op. cit., p. 117. 457

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional..., op. cit., p. 227. 458

O Princípio da Tipicidade no Direito Tributário, p. 148 e 189.

157

Por fim, é importante frisar que o Princípio da Legalidade

Tributária alberga todos os tributos, o que significa que “ele exige um

fundamento legal para qualquer prescrição normativa.”459

O que eventualmente pode ser admitido, nos estritos casos dos

tributos elencados na Constituição, é que o Princípio da Legalidade não teria

sido levado até às últimas conseqüências. Ou seja, vigora a Legalidade, mas

não sua referência estrita no que tange a atribuição de alíquotas. Mas isso não

implica dizer que a legalidade tributária fora mitigada ou mesmo afastada460.

Ora, defender a mitigação do Princípio da Legalidade é ofender o

próprio Estado de Direito. A ofensa à legalidade gera insegurança e como

lembra GERALDO ATALIBA, “quanto mais segura uma sociedade, tanto mais

civilizada.”461

Ao legislar na esfera tributária, portanto, o legislador deve sempre

seguir o caminho disciplinado na Constituição. Trata-se de condição necessária

na vida em comunidade, haja vista que é através, também, do Princípio da

Legalidade que a Segurança Jurídica impera, resguardando os contribuintes

das surpresas na tributação.

Enfim, conclui-se que o Princípio da Legalidade tem efeitos em todos

os tributos, não havendo possibilidade de sua mitigação, não se admitindo

exceção, portanto, sob pena de comprometimento do Estado Social

Democrático de Direito.

459

HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional..., op. cit., p.76. 460

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 272. 461

Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias Tributárias..., op. cit., p. 318.

158

CAPÍTULO 5 – Aplicabilidade do Princípio da Legalidade Tributária

5.1. Contribuições Previdenciárias das Empresas e o Princípio da

Legalidade Tributária

Ao longo deste trabalho diversas considerações acerca das

contribuições patronais previdenciárias (art. 195, I, “a”) foram feitas e, com

maiores detalhes, o item 3.2 tratou da natureza jurídica das contribuições

especiais.

Não é novidade, portanto, que a Constituição de 1988 objetivou

sistematizar o regramento das contribuições especiais e acabou por afastar

qualquer discussão acerca do caráter tributário desse tributo. Importante

consignar que a própria Constituição da República determinou expressamente

que para as contribuições fossem aplicadas as normas gerais em matéria

tributária, merecendo destaque o princípio da legalidade462.

Além disso, vale frisar, mais uma vez, que toda contribuição

especial é vinculada a uma atuação estatal determinada, não através da

hipótese de incidência, mas através da afetação à finalidades estatais

específicas. Aliás, o requisito de validade advém da observância à persecução

da finalidade especificada constitucionalmente. Como conseqüência, essa

afetação jurídica leva crer que se a justificativa é a atuação estatal em busca

de finalidade especificada constitucionalmente, a contribuição se mantém

hígida pela persecução dessa finalidade ao passo que é válida a exação na

medida do estritamente necessário para o alcance da finalidade.

Todo excesso, portanto, “é inconstitucional, por malferir a própria

norma que confere competência para a sua instituição.”463

462

Vide item 3.1. 463

LEANDRO PAULSEN e ANDREI PITTEN VELLOSO, Contribuições: Teoria Geral..., op. cit., p. 51.

159

Enfim, os princípios constitucionais tributários, sem sombra de

dúvida, aplicam-se às contribuições especiais sem maiores especificidades.

Essa é a regra que não admite exceção.

Com relação ao princípio da legalidade, objeto de análise deste

trabalho, já se mencionou tratar-se de pilar fundamental do Estado de Direito,

adotando abrangência de tal maneira ampla que qualquer atividade estatal

esbarra na sua obediência. No direito tributário, tal princípio alcançou

especificação própria, responsável pela modificação na relação existente entre

contribuintes e Poder Público.

Isso porque, no Sistema Constitucional Tributário brasileiro, em

vista do caráter restrito e rígido que a Constituição tratou da matéria, as

exposições chegam a exaustão. Isso levou GERALDO ATALIBA a concluir que

nessa seara “... tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o

sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe

somente obedecê-lo...”464.

Daí a importância do princípio da legalidade no contexto tributário,

eis que é através da sujeição da Administração Pública às normas

estabelecidas que o “poder” de tributar acontece.

E, se o legislador constituinte estabeleceu a hipótese de

incidência de um dado tributo, além de definir o núcleo do suposto normativo, a

conclusão que se chega é a de que no Brasil a legalidade tributária tem

destaque exacerbado, na medida em que o tributo, em vista das designações

constitucionais, é conceito fechado, seguro, exato, rígido e preciso até para

resguardar a segurança jurídica.

Ora, se a essência do direito tributário, respeitados os postulados

fixados pela Constituição, reside na integral submissão do poder estatal ao que

disciplina a lei, no caso do Sistema Tributário isso é ainda mais enfático se for

tomado por fundamento a idéia de que é a própria Constituição o instrumento

que define quase todos os elementos essenciais de um dado tributo.

464

Sistema Constitucional..., op. cit., p. 21.

160

A obrigação de pagar tributo decorre, num Estado Social de

Direito como o Brasil, da Constituição, em primeiro plano, e da lei no plano

infraconstitucional. Isso justifica a idéia de que o princípio da legalidade se situa

nas raízes do Direito Tributário, sendo coerente afirmar que o alcance da

legalidade impede que tributos sejam cobrados se não atendidas às

disposições constitucionais.

Não é exagero repisar no caráter pétreo do princípio da

legalidade tributária, eis que constitui inegável direito fundamental dos

contribuintes, sendo coerente retificar que não há qualquer exceção à sua

observância465.

Tal princípio estabelece que os tributos devam ser estruturados

com base na lei e de modo que essa estrutura esteja em sintonia com a

Constituição, sendo certo que essa lei deve trazer todos os elementos da

norma jurídica tributária (hipótese de incidência, base de cálculo, etc.), desde

que, por óbvio, não viole preceitos e diretrizes anteriormente definidas e

traçadas na Lei das leis, que para JOSÉ ROBERTO VIERA e JOSÉ SOUTO

MAIOR BORGES é, inclusive, responsável pela própria criação do tributo466.

Não se está a dizer que a lei não pode definir certos critérios que

integram a estrutura de um tributo, nem mesmo que a Constituição não deixou

qualquer espaço para a legislação infraconstitucional. O que se diz é que esses

espaços existem, mas são diminutos e de pouca profundidade.

Ao legislar na esfera tributária, o legislador deve sempre seguir o

caminho disciplinado na Constituição que, no caso brasileiro é exaustivo,

chegando ao exagero, quase “maternal” como ensina JOSÉ GOMES

CANOTILHO467.

Trata-se de condição necessária para a vida em sociedade,

permitindo que a Segurança Jurídica impere, resguardando aos contribuintes

uma parcela de certeza num mundo de incertezas.

465

Vide item 4.5. 466

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituição..., op. cit., “passim”. 467

Vide p. 46.

161

A Contribuição Especial, por sua vez, que fora analisada no

presente trabalho, inclusive sob o padrão da regra-matriz de incidência, foi

aquela Contribuição Social destinada à Seguridade Social (art. 195, I, “a”, da

Constituição Federal), referida, usualmente, como “Contribuição Previdenciária

das Empresas sobre a Folha de Salários”.

A menção tem respaldo no fato de que tal contribuição social foi,

por primeiro, utilizada para o financiamento do regime geral de previdência

social e incide sobre a “folha de salários”468.

O constituinte, a partir da instituição dessa contribuição, autorizou

que determinada parcela representativa da “folha de salários” da empresa siga

o destino dos cofres da Seguridade Social com fim específico de atender os

programas de saúde, previdência e assistência social.

A estrutura da norma, mais especificamente a regra-matriz de

incidência tributária da Contribuição Previdenciária das Empresas, tem seu

arquétipo defino na própria Constituição. A afirmação é conseqüência da

simples leitura do art. 195, I, “a”, que revela a seguinte estrutura normativa: na

hipótese de incidência tributária, o critério material consiste nos verbos “pagar”

ou “creditar” e nos complementos “salário”, e “demais rendimentos destinados

a remunerar o trabalho”; sendo que essa remuneração deve ser paga ou

creditada a uma pessoa física que preste serviço à empresa. O critério espacial

tem lugar em qualquer ponto do território nacional, ao passo que o critério

temporal adotado pela norma foi o do termo final do período mensal, ou seja, a

contribuição é devida quando do crédito ou pagamento do “salário”.469

No conseqüente tributário, há o critério pessoal que dá lugar a

figura da União na função e sujeito ativo e as empresas ou entidades

equiparadas na condição passiva. O critério quantitativo está representado pela

468

Essa expressão, que causou certa polêmica no meio jurídico, sempre teve significado bem preciso na esfera previdenciária. Quer significar, sem embargo da interpretação restritiva que lhe deu o Supremo tribunal Federal, a folha de pagamentos das remunerações pagas ou creditadas aos trabalhadores que prestam serviço a certa empresa, ou equiparada. (WAGNER BALERA, As Recentes Mudanças na Legislação das Contribuições Sociais, p. 802.).

469 Sobre a regra-matriz de incidência tributária da “Contribuição Previdenciária das Empresas

sobre a Folha de Salários”, veja o Capítulo 3 deste trabalho.

162

base de cálculo que nada mais é do que o valor total da remuneração, paga ou

creditada, destinada a retribuir o trabalho; e a alíquota que, como regra geral, é

de 20% (vinte por cento).

Enfim, analisando a disposição constitucional, rememore-se que

apenas a remuneração destinada a retribuir o trabalho pode compor a base de

cálculo em prol da higidez do modelo constitucional: “... folha de salários e

demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à

pessoa física que lhe preste serviço...”470.

Quaisquer outras remunerações, que não aquelas atinentes ao

trabalho prestado ou colocado à disposição, não podem intumescer a base de

cálculo, pois, neste caso, estaria havendo a dissociação entre a materialidade

da hipótese e o conteúdo econômico, expresso na base de cálculo.

A conclusão que se chega é, portanto, que não haverá incidência

tributária, sob a rubrica dessa contribuição, quando a remuneração paga ou

creditada não se subsumir ao conceito do antecedente normativo da sua norma

de incidência. O conceito do fato não poderá ser considerado subsumido ao

conceito da norma, eis que não havendo preenchimento dos elementos do

critério material não há que se falar em ocorrência do fato jurídico tributário, em

razão da dissonância com a hipótese de incidência tributária.

Se não há pagamento ou o crédito de salário ou rendimentos do

trabalho à pessoa física, não há ocorrência da hipótese normativa. Isso porque,

como ensina JOSÉ ROBERTO VIEIRA, a “... subsunção só se dará se o

conceito do fato adequar-se minuciosamente e por inteiro ao conceito da

norma, atendendo-lhe fielmente todos os critérios da hipótese de

incidência...”.471

E, ainda que exista a subsunção do conceito do fato ao conceito

da norma, dando ensejo ao nascimento da obrigação tributária, importante

registrar que se deve atentar para a conformação da base de cálculo quando

470

BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988, Art. 195, I “a”.

471 JOSÉ ROBERTO VIEIRA , IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 58.

163

da mensuração do valor a se pagar, eis que a definição da base de cálculo está

intimamente relacionada com a materialidade da hipótese de incidência, e a

adoção de qualquer outra base de cálculo que não aquela constitucionalmente

admitida implica inconstitucionalidade.

Vale lembrar que uma das funções da base de cálculo é a de

justamente comparar o critério material da hipótese, confirmando-o quando for

ele compatível ou infirmando-o quando inconciliável.

Ao final, concluí-se que a lei infraconstitucional não tem

legitimidade de inovar, criar, modificar ou impor limites ao critério material da

hipótese de incidência desse tributo. A tipicidade marca o domínio da

legalidade no campo tributário, sendo que a Constituição é quem tipificou os

tributos, no sentido de lhes disciplinar a vocação institucional472.473

Além disso, qualquer alteração tem no princípio da legalidade o

substrato necessário para que isso seja feito nos limites da Constituição da

República.

Vale destacar que a legalidade, ante aos anseios constitucionais,

impede que quaisquer conjunturas sejam formuladas sem que se atenda aos

anseios constitucionais. Vale dizer que no campo tributário a Constituição já

delimitou, ante a rigidez que lhe é própria nesse campo do direito, praticamente

todos os critérios da hipótese de incidência e do conseqüente, de modo que

qualquer manifestação infraconstitucional deve ater-se às cominações já

desenhadas na Constituição. Isso implica dizer que haverá violação do

472

WAGNER BALERA, As Contribuições no Sistema..., op. cit., p. 579. 473

Em julgamento de certa maneira análogo ao caso em questão, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, contida no inciso I, do art. 7º, da Lei nº 10.865/04. Em seu voto de “vista” o Ministro DIAS TOFFOLI, relator para o acórdão, assim consignou: “... a Constituição, ao outorgar competências tributárias, o faz delineando os seus limites...” “Nessa linha, a simples leitura das normas contidas no art. 7º da Lei nº 10.865/04, objeto de questionamento, já permite constatar que a base de cálculo das contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços extrapolou o aspecto quantitativo da incidência delimitado na Constituição Federal, ao acrescer ao valor aduaneiro o valor dos tributos incidentes, inclusive o das próprias contribuições.” (STF – RE 559.937/RS, Relatora Ministra Ellen Gracie, Relator para o acórdão Ministro Dias

164

princípio da legalidade, na sua acepção genérica, quando a Constituição não

for observada, ao passo que haverá também violação ao princípio, na acepção

restrita, quando as leis formais não forem respeitadas, de modo que os

Regulamentos, por exemplo, não podem jamais consolidar a legislação

tributária, eis que tem a função específica de regulamentar aquilo que já fora,

ou já deveria, ter sido disciplinado.

O que, como já se mencionou, é admissível, com base na

Constituição, é que via Decreto algumas alíquotas de alguns impostos sejam

alteradas, desde que respeitadas as condições e os limites fixados na

Constituição. Isso representa a expressão mais evidente da importância do

princípio da legalidade, eis que a inconstitucionalidade nada mais é do que

uma ilegalidade qualificada como já mencionado anteriormente.

Não há espaço para inovações ou modificações, em especial

aquelas em desconformidade com a Constituição da República. Até porque,

mesmo nos casos das alterações das alíquotas, elas não são criadas, apenas

alteradas nas condições e nos limites da lei, sendo coerente afastar a idéia de

qualquer exceção, mesmo que aparente, ao princípio da legalidade474.

Para bem concluir, acentua o mestre GERALDO ATALIBA: “O

apanágio do cidadão, no regime republicano, está exatamente na circunstância

de só obedecer-se a si mesmo, pelos preceitos que seus representantes, sem

seu nome, hajam consagrado formalmente em lei.”475

5.2. As Violações à Legalidade Tributária e a Previdência Social

O suposto déficit da Previdência Social estampa não só os

noticiários Brasil a fora, como o próprio contexto social brasileiro. O cidadão

acostumou-se com a idéia de um suposto déficit nas contas da previdência

social brasileira: “Déficit previdenciário deve chegar a R$ 38 bilhões em

Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2013). Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 22/03/2013.

474 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional..., op. cit., p. 233.

475 Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97.

165

dezembro”476(EBC – Empresa Brasil de Comunicação); “Déficit da Previdência

Social dobra em agosto e atinge R$ 5,4 bilhões”477 (Folha de São Paulo);

“Déficit previdenciário cresce 39,5% em fevereiro”478 (Brasil Econômico);

“Déficit da previdência sobe 11,1% até novembro e alcança R$ 48,5 bi”479

(Valor Econômico).

O discurso sobre o crônico déficit previdenciário, todavia, nada

mais é do que um discurso do mercado. A própria Associação Nacional dos

Auditores Fiscais da Receita Federal – ANFIP, trata desse suposto déficit como

uma verdadeira falácia.

Para se ter uma idéia, mesmo computando um aumento nas

despesas de aproximadamente 1,2 bilhão de reais, o Regime Geral de

Previdência Social (RGPS) apresentou, no mês de agosto de 2012, um saldo

positivo de 1,6 bilhão de reais. A arrecadação, segundo a ANFIP, foi de 22

bilhões de reais, o segundo maior valor da série histórica, ao passo que as

despesas somaram cerca de 20,4 bilhões de reais480.

476

“Balanço do Regime Geral de Previdência Social apresenta saldo negativo nos primeiros sete meses de 2012. Entre janeiro e julho deste ano, foram arrecadados R$ 149,9 bilhões e gastos R$ 173,3 bilhões, uma diferença de R$ 23,4 bilhões”. Fonte: Empresa Brasileira de Comunicação – (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-08-28/deficit-previdenciario-deve-chegar-r-38-bilhoes-em-dezembro). Acessado em 10/01/2013.

477 “O déficit da Previdência Social aumentou 111,2% em agosto comparado a julho,

acumulando R$ 5,4 bilhões no vermelho, segundo os dados divulgados pelo ministério... “ Fonte: Jornal Folha de São Paulo – (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/801490-deficit-da-previdencia-social-dobra-em-agosto-e-atinge-r-54-bilhoes.shtml). Acessado em 10/01/2013.

478 “O déficit previdenciário cresceu 39,5% em fevereiro, em termos reais, na comparação

com o mesmo período do ano passado, alavancado pelo reajuste dos benefícios concedido pelo governo, mostraram dados do Ministério da Previdência nesta quinta-feira.” (http://brasileconomico.com.br/noticias/nprint/79441.html). Fonte: Jornal Brasil Econômico. Acessado em 10/01/2013.

479 “O déficit da Previdência Social foi de R$ 5,381 bilhões em novembro deste ano, um

aumento real de 20,4%, ante R$ 4,467 bilhões no mesmo mês de 2011. O resultado é corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Na comparação nominal, o crescimento foi de 27%. Enquanto a arrecadação real cresceu 3,2%, de R$ 21,783 bilhões em novembro de 2011, para R$ 22,477 bilhões em novembro de 2012, as despesas previdenciárias aumentaram 6,1%, de R$ 26,25 bilhões para R$ 27,859 bilhões, na mesma base de comparação, em termos reais.” Fonte: Jornal Valor Econômico – (http://www.valor.com.br/brasil/2952502/deficit-da-previdencia-sobe-111-ate-novembro-e-alcanca-r-485-bi). Acessado em 10/01/2013.

480 ”RGPS: Setor urbano apresenta sétimo superávit em 2012”. Acessado em 17/01/2013.

Fonte: ANFIP – (http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/Previdencia-novembro-fecha-com-superavit-de-R-13-bilhao-no-setor-urbano_28-12-2012).

166

Em Dezembro de 2012 a mesma ANFIP divulgou o superávit de

novembro, esse no valor de 1,3 bilhão de reais. O setor urbano registrou, em

novembro de 2012, o nono superávit do ano. O saldo entre arrecadação e

pagamento de benefícios foi de 1,3 bilhão de reais, reflexo de uma arrecadação

de 22 bilhões e despesa de 20,7 bilhões de reais481.

A própria Previdência Social divulgou os resultados do Regime

Geral de Previdência Social – RGPS de novembro de 2012, através da

Secretaria de Políticas de Previdência Social, que revelou superávit de 2,3

bilhão em outubro de 2012 e 1,3 bilhão de reais em novembro do mesmo ano.

O acumulado para 2012 (janeiro a novembro) remontou superávit de 12,9

bilhões de reais, o que demonstra não existir déficit para o regime geral da

previdência482.

Diga-se, por oportuno, que a notícia corrente acerca do suposto

déficit previdenciário não convence aos mais atentos. Em que pese não se

possa concluir que existe um equilíbrio entre o que se arrecada de

contribuições incidentes sobre a folha de salários e os benefícios pagos pelo

sistema aos seus segurados, a Seguridade Social é extremamente sólida e

superavitária como demonstram os estudos da Associação Nacional dos

Auditores Fiscais da Receita Federal483.

A conclusão que se chega, portanto, é a de que, na realidade, não

há um déficit previdenciário, mas sim um déficit de informação, como bem

noticiou VILSON ANTONIO ROMERO, Auditor Fiscal e Diretor da ANFIP484.

481

”Previdência: novembro fecha com superávit de R$ 1,3 bilhão no setor urbano”. Acessado em 17/01/2013. Fonte: ANFIP – (http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/RGPS-Setor-urbano-apresenta-setimo-superavit- em-2012_01-10-2012). Acessado em 17/01/2013.

482 Estudos da SPPS – Secretaria de Políticas de Previdência Social divulgado em dezembro

de 2012, “Resultado do Regime Geral de Previdência Social – RGPS – Novembro/2012.” (Fonte: www.previdencia.gov.br). Acessado em 17/01/2013

483 A Seguridade Social, segundo dados apresentados pela ANFIP, obteve no ano de 2010

um superávit de R$ 58 bilhões, sendo que esse valor nos últimos cinco anos é estimado em R$ 100 bilhões. (http://www.anfip.org.br/publicacoes/livros/includes/livros/arqs-pdfs/analise2010.pdf). Acessado em 10/10/2011.

484 “No Caribe, há a temporada dos furacões entre agosto e novembro. Na Europa, a

temporada de neve se inicia em dezembro ou janeiro. No Brasil, afora as intempéries climáticas regionais, há, ironicamente, a temporada dos déficits. O governo federal, como em todos os últimos inícios de ano, solta aos quatro ventos números e mais números sobre os déficits orçamentários. Sempre com o objetivo de criar alarme e acima de tudo pavimentar o caminho para mudanças restritivas de direitos e vantagens de trabalhadores

167

Fato é que a esmagadora maioria dos estudos focados na análise

do orçamento da Seguridade Social revelam que a receita vem superando em

todos os anos as despesas, saldos positivos esses, que inclusive, poderiam

ampliar o rol das ações e benefícios concedidos atualmente aos segurados

através do Sistema de Seguridade Social.

Como se não bastasse, o Governo Federal, através das recente

política de “desoneração da folha de salários”, como vem sendo chamada a

medida para “substituir” a contribuição incidente sobre a folha de salário e

demais rendimentos do trabalho, no Plano “Brasil Maior”, por contribuição

incidente sobre a receita bruta das empresas, confirma ter havido abdicação de

aproximadamente 2 bilhões de reais em receitas oriundas de contribuições

sociais destinadas ao sistema previdenciário nos anos de 2011 e 2012485.

da iniciativa privada e do serviço público, a União alardeia desequilíbrio nas contas das aposentadorias dos trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. O déficit da previdência social dos servidores públicos, o chamado Regime Próprio da União, atingiu R$ 56 bilhões em 2011, segundo autoridades federais. Para 2012, a expectativa é de que o “rombo” ultrapasse os R$ 60 bilhões....” “No INSS, não se fala nem se divulga que o Regime Geral está inserido num grupo maior chamado de Orçamento da Seguridade Social, extremamente superavitário, com sobras estimadas em mais de R$ 100 bilhões nos últimos cinco anos e que há um elevado montante de renúncias fiscais que comprometem as contas da previdência. Estes e outros dados não são divulgados, pois com isto o Planalto reforça a idéia de déficits, quando na realidade não existem déficits previdenciários e sim déficits de informação.” Fonte: ANFIP. Acessado em 17/01/2013. (http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/Artigo-Deficits-de-informacao-Vilson-Antonio-Romero_03-02-2012).

485 “No que se refere ao impacto na arrecadação, estima-se perda de receita da ordem de R$

214 milhões (duzentos e catorze milhões de reais) para o ano de 2011 e R$ 1.430 milhões (um bilhão quatrocentos e trinta milhões de reais) para o ano de 2012.” (Exposição de motivos da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto de 2011, publicada no Diário Oficial da União em 3 de agosto de 2011). Fonte: Casa Civil da Presidência da República (www.planalto.gov.br). Acessado em 17/01/2013. Atentar para o fato que após a edição da Medida Provisória nº 540/2011, convertida na lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, outros setores da economia foram albergados pela “desoneração da folha de salários”. Em 3 de abril de 2012 foi editada a Medida Provisória 563, que ampliou o saldo da renúncia fiscal: “Desse modo, em 2012, como a medida valerá a partir de julho, estima-se uma renúncia fiscal líquida de R$ 1,790 bilhão (um bilhão, setecentos e noventa milhões de reais). Para os anos de 2013 e 2014 a estimativa de renúncia é de R$ 5,221 bilhão (cinco bilhões, duzentos e vinte e um milhões de reais) e R$ 5,534 bilhões (cinco bilhões, quinhentos e trinta e quatro milhões de reais) respectivamente” (Exposição de motivos da Medida Provisória nº 563/2012). Fonte: Casa Civil da Presidência da República (www.planalto.gov.br). Acessado em 17/01/2013. Já a Medida Provisória nº 601, de 28 de dezembro de 2012 ampliou ainda mais o rol de empresas “beneficiadas”. A renúncia, com a nova “desoneração” foi ainda maior: “Sobre o impacto orçamentário-financeiro da desoneração do setor de construção, cumpre-nos informar, que a presente medida pressupõe renúncia fiscal líquida anual estimada em R$ 2,850 bilhões. Considerando-se a vigência da desoneração a partir de abril, com reflexos no caixa a partir de maio, o valor da renúncia em 2013 seria reduzido para R$ 1,90 bilhão. A desoneração do comércio varejista representa uma renúncia fiscal anual estimada de R$ 1,91 bilhão e que, em 2013,

168

Em vista, portanto, dos argumentos antes expostos, parece

evidente, firme e também sólida a tese de que o Sistema Previdenciário é

superavitário.

Certo é que o Sistema de Seguridade Social se confunde, no bojo

da Constituição, com os próprios objetivos da Ordem Social. A

constitucionalização do bem-estar e da justiça social institucionalizou a

importância e a necessidade da manutenção dos mecanismos de proteção

social, fazendo com que todo o sistema atue justamente na desordem social,

identificada pela própria Constituição, e, com isso, ajuste seus limites e

contornos.

A finalidade é proteger o cidadão que, quando necessitado, busca

o sistema para poder gozar dos recursos colocados a sua disposição nos

campos da assistência social, da saúde e da previdência social.

Para manter esse sistema, o legislador normatizou todo um

conjunto de procedimentos e ferramentas aptas a sustentar as necessidades

sociais que num país como o Brasil, nunca foram discretas.

Além do aparato instrumental cativado pelos ditames

constitucionais, há, ainda, toda uma arquitetura montada para suportar os

gastos inerentes aos anseios desse mesmo sistema. O custeio, por sua vez, é

de tal maneira importante para o cumprimento dos objetivos constitucionais que

a própria Constituição, em seu art. 195, ainda no Capítulo da Ordem Social, faz

menção no sentido de que “a seguridade social será financiada por toda a

sociedade.”

Além do arquétipo formatado tanto para a concessão dos

benefícios no campo da saúde, assistência e previdência, como para a

formação do lastro financeiro que possibilita o funcionamento do sistema, a

Constituição ainda invocou o princípio da solidariedade para a compreensão

por conta da data de vigência, terá um efeito de R$ 1,27 bilhão no fluxo de caixa. Somadas às desonerações setoriais da folha de pagamentos já autorizadas para os demais setores, no valor de R$ 12,83 bilhões, a renúncia total de receitas associadas à política de desoneração setorial, em 2013, atinge R$ 16 bilhões.” (Exposição de motivos

169

dos direitos sociais, atribuindo à concretização do bem comum a comunhão

universal de todos no custeio do sistema.

WAGNER BALERA chega a dizer que a existência “do edifício

social” decorre justamente dessa noção de solidariedade que é inerente à

própria vida em sociedade486.

É justamente essa busca pelo bem comum que faz nascer o pacto

entre as gerações que, por sua vez, garante uma vida digna nas gerações que

estão por vir.

Com efeito, não é a toa que o art. 3º, da Constituição, revela que

o bem de todos está associado à construção de uma sociedade justa e

solidária. É isso que, como conseqüência, trará a satisfação dos objetivos da

Ordem Social: bem-estar e justiça social.

Mas que tipo de solidariedade está sendo exigida para a

concepção constitucional do bem-estar e da justiça através do sistema de

Seguridade Social? É certo que a cada qual incumbe sua parte e isso é

evidente quando se revela que o desiderato constitucional será alcançado com

o rateio do financiamento.

Veja que a Constituição fomenta a solidariedade quando

disciplina, no Capítulo da Ordem Social, que a Seguridade Social compreende

um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da

sociedade. Logo após, reforça a importância da solidariedade também no

custeio, frisando que o sistema é financiado por todos, de forma direta e

indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais na

própria Constituição descritas.

A ilação parece evidente. A busca por bem-estar e justiça social é

objetivo constitucional e, como não poderia deixar de ser, desejo de todo

cidadão.

da Medida Provisória nº 601/2012). Fonte: Casa Civil da Presidência da República (www.planalto.gov.br). Acessado em 17/01/2013.

170

Para isso a Constituição declinou ao Sistema de Seguridade

Social a responsabilidade pela conciliação e harmonização desses anseios.

Além disso, apontou onde os esforços devem ser concentrados, utilizando-se

da solidariedade na condição de elemento capaz de tornar lúbrico o

funcionamento e desenvolvimento do sistema. Não se discute, portanto, a

importância do sistema e a necessidade da distribuição das tarefas.

De forma prudente, contudo, a Constituição transportou essa idéia

também para o custeio, atribuindo o sucesso da Seguridade Social a um

resultado financeiro superavitário. Em suma: o bem de todos, a erradicação da

pobreza e da marginalização social e até a redução das desigualdades

somente poderão ser alcançados com o esforço conjunto e cooperado de todos

no acumulo de recursos487.

Não é outra a conclusão senão a de que o Sistema de Seguridade

Social deve estar funcionando a qualquer custo, independentemente dos

esforços que devam se empenhados e das barreiras que devam ser

superadas. Está criado, nesse sentido, o dogma inconteste da necessidade de

higidez financeira da Previdência Social488.

Fato que evidencia o imperativo de “arrecadar a qualquer custo”,

em prol da necessidade de se manter a higidez no sistema, esta na

conformação da base de cálculo da contribuição em análise. Veja que o

“imperativo categórico” foi construído, como já mencionado, sobre a plataforma

de que não há como titubear nos trabalhos articulados para a manutenção do

custeio, sob pena de se comprometer os ditames constitucionais do bem-estar

e da justiça social. A premissa é de que eventual hesitação pode trazer

conseqüências gravosas para toda a sociedade.

Entretanto, o que não se fala é que a manutenção do sistema,

num Estado Social Democrático de Direito, é tão importante quanto a

486

Noções Preliminares..., op. cit., p. 20 487

“Recursos são o cabedal financeiro apto a dar sustentação aos programas do sistema” (WAGNER BALERA, Sistema de Seguridade Social, p. 26).

488 A universalização, entretanto, que representa o pluralismo interpretativo afeta a visão de

mundo, bem como a percepção de valores e interesses que acabam por ser aceitos como

171

manutenção dos direitos fundamentais da mesma forma expressos na

Constituição da República.

Já no campo tributário, objeto deste trabalho, quando, neste

trabalho, tratou-se do critério quantitativo da regra-matriz de incidência

tributária, houve destaque para JOSÉ ROBERTO VIEIRA quando de seu

registro no sentido de que tal critério é composto justamente pelos dados que

permitem a fixação dos exatos contornos do objeto da prestação pecuniária,

mediante o concurso da base de cálculo e da alíquota489.

MARY ELBE QUEIROZ, também destacada, consignou nesse

mesmo sentido, tendo registrado que por meio desse critério pode-se obter

com segurança o efetivo montante devido pelo contribuinte490.

Enfim, a base de cálculo destina-se a dimensionar a intensidade

do comportamento constante do núcleo do fato jurídico tributário, para que

possa ser determinado o valor da prestação pecuniária.

A contribuição previdenciária devida pelas empresa, nos termos

do art. 195, I, “a”, da Constituição, incidente sobre a “folha de salários”, tem

como base de cálculo o valor total da remuneração paga ou creditada pela

empresa, desde que fruto da retribuição ao serviço que lhe foi prestado ou

posto à disposição por pessoa física prestadora do serviço. Assim, será o valor

das remunerações do trabalho, pagas ou creditadas, nos termos da lei, que

estará sujeito à exação no período compreendido pelo mês491.

Pela simples análise do art. 195, I, “a”, da Constituição Federal de

1988, portanto, pode-se constatar que a base de cálculo foi ali definida e tem

máximas, ou melhor, como leis universais. (JÜRGEN HABERMAS, A Ética da Discussão e a Questão da Verdade, “passim”).

489 IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66.

490 Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 140.

491 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (...)” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988.

172

relação direta com o critério material. Perfeita, nesse sentido, a sintonia entre o

binômio: hipótese de incidência tributária e base de cálculo

A própria lei que disciplina o custeio da Previdência Social (Lei nº

8.212/91), de certa forma exprimindo preocupação em dar efetividade aos

anseios constitucionais, elencou, através do art. 28, §9º, algumas prestações

pagas ou creditadas pelas empresas, às pessoas físicas que lhes prestem

serviços, que pelo fato de não se harmonizarem com o critério material da

regra-matriz de incidência, não poderiam compor a base de cálculo do tributo.

Isso porque, como já mencionado anteriormente, somente a

remuneração destinada a retribuir o trabalho prestado é que poderá ser

considerada base de cálculo, até porque a única base de cálculo

constitucionalmente admitida para o conseqüente normativo da contribuição em

análise é o valor dessa remuneração.

Justamente por conta disso é que se pode concluir que não é toda

e qualquer remuneração paga pela empresa que poderá compor a base de

cálculo, eis que muitas verbas pagas ou creditadas não têm consonância com

a idéia de retribuir o trabalho.

Por oportuno, cumpre destacar que a concepção ampliativa do

princípio da legalidade, como coloca por CHARLES EISENMANN, ex-professor

da Faculdade de Direito e de Ciências Econômicas de Paris, evidencia uma

relação de conformidade, de “agir nos termos da lei”. Isso pressupõe um agir

conforme a lei, a qual fixa limites e permissões expressas numa noção máxima

de legalidade492.

A visão ampliativa do princípio da legalidade, portanto, proclama

por uma relação de conformidade com a Constituição. Incluir, dessa forma,

outros valores que não apenas a remuneração destinada a retribuir o trabalho

na base de cálculo da contribuição previdenciária das empresas (art. 195, I, “a”,

492

“... para identificar a concepção ampliativa com uma relação de conformidade (agir conforme a lei, que fixa limites e permissões expressas...” ...”numa noção máxima de legalidade.” (Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 78-79).

173

da Constituição), é o mesmo que contrariar a Constituição. Isso porque, nesse

caso, estar-se-ia alargando o conteúdo econômico do tributo indevidamente, na

medida em que a Constituição, quando desenhou o critério material da

hipótese de incidência, já evidenciou que apenas as verbas inerentes à

remuneração do trabalho podem ser objeto de tributação.

O alargamento em desacordo constitucional implica dissociar a

materialidade da hipótese do seu conteúdo econômico, além de violar o

Princípio da Capacidade Contributiva da empresa, como aponta MARCELO

CARON BAPTISTA493; e, sobremaneira o princípio da legalidade.

O que resta evidente é que não há incidência de contribuição

social quando a remuneração paga ou creditada pela empresa não se subsumir

ao conceito do antecedente normativo desse tributo, até porque, há que haver

notória identidade entre o critério material e a base de cálculo da exação.

Como já se falou, a definição da base de cálculo está intimamente

relacionada com a materialidade da hipótese de incidência. É justamente por

conta disso que a adoção de qualquer outra dimensão conceitual para a base

de cálculo, que não aquela constitucionalmente admitida, implica dissociação

entre a materialidade da hipótese e essa base de cálculo.

A dissociação é demonstração de inconstitucionalidade. Além

disso, é violação expressa ao princípio da legalidade, e, tendo como premissa

que é apenas pelo caminho da Constituição que o direito brota da sociedade,

não se pode admitir que a base de cálculo especializada na Constituição seja

descaracterizada da sua vocação através de leis, decretos ou qualquer outro

vetor normativo que pretenda inferir no seu conceito.

5.3. As Ilegalidades praticadas pela Administração Pública De certo, pelo até aqui exposto, pode-se dizer que a materialidade

da hipótese de incidência tributária já vem delineada na Constituição.

493

ISS, Do Texto à Norma..., op. cit., p. 578.

174

Mas, como objetivamente registra WAGNER BALERA, para que

“folha de salários” e demais rendimentos do trabalho, base de cálculo da

contribuição em análise, signifiquem exatamente aquilo que sempre

significaram, o sentido do termo deve estar formalmente configurado nas leis e

decretos conseqüentes494.

A remuneração (ou retribuição), porque representa o objeto da relação jurídica de direito privado e por ser medida equivalente ao trabalho que prestam empregados, empresários, avulsos e autônomos, é a medida apta a avaliar, determinar, a situação descrita em lei na sua materialidade, naquilo que há de substancial na hipótese de incidência da contribuição social em comento

495

Nesse passo, não é pela simples previsão legal contida no §9º, do

art. 28, da Lei nº 8.212/91, ou da constante do art. 214, do Decreto nº 3.048, de

6 de maio de 1999, que se permite à Administração Pública, no desempenho

da função administrativa, inflar a base de cálculo da contribuição em comento,

através da cumulação de algumas verbas cuja natureza jurídica não seja

retributiva dos serviços prestados. Isso porque, como já salientado, a base de

cálculo decorre da essência do critério material adotado para o tributo pela

própria Constituição.

Vale destacar que a contribuição previdenciária das empresas

sobre a “folha de salários” tem seu regramento implementado através do art.

195, I, “a”, da Constituição Federal, o qual, como já mencionado, definiu como

fato jurídico tributário, ou simplesmente fato passível de tributação, somente, e

unicamente, as parcelas de natureza remuneratória do trabalho.

Nesse passo, merece registro o próprio Código Tributário

Nacional, que em seu art. 110, evidencia a impossibilidade da norma

infraconstitucional alterar conceitos constitucionais496.

494

As Recentes Mudanças..., op. cit., p. 807. 495

Id. 496

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” (Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966).

175

O que se conclui, nesse sentido, é que não basta que a norma

infraconstitucional diga o que considera e o que não considera passível de

caracterizar-se como base de cálculo. Disso, extrai-se que qualquer

remuneração, ainda que considerada pelo legislador infraconstitucional como

integrantes da base de cálculo da contribuição previdenciária das empresas,

desde que em descompasso com o critério material instituído pela Constituição,

há de ser declarada inconstitucional.

Esse conceito, pelas razões expostas ao longo deste trabalho,

deveriam influenciar as definições do Governo Federal quando, por exemplo,

optou por, sem maiores explanações e através de Decreto, infirmar o caráter

indenizatório da verba notoriamente conhecida por “aviso prévio indenizado”,

definida, pela própria Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452

de 1º de maio de 1943) como parcela de caráter indenizatório.

O Decreto nº 6.727/2009 revogou a alínea ‘f’ do §9º, do art. 214,

do Decreto nº 3.048/99, com objetivo de excluir da legislação o dispositivo que

declarava expressamente a não-incidência da contribuição previdenciária sobre

o aviso prévio indenizado. A medida foi reflexo inconteste da crise mundial de

2008 que, por sua vez, acarretou um crescente número de demissões nas

empresas. O objetivo do Governo Federal, franqueado na idéia de manter hígido o

Sistema de Seguridade Social a qualquer custo, foi de barrar as demissões

tornando-as mais onerosas às empresas.

Entretanto, com base nos termos do art. 195, I, “a”, da

Constituição Federal, pode-se dizer que o critério material da contribuição

previdenciária das empresas sobre a “folha de salários”, além dos verbos

“pagar” ou “creditar”; anseia por complementos que, neste caso, exigem que os

pagamentos ou créditos sejam de parcelas destinadas a retribuir o trabalho.

Dessa forma, a conformação do critério material da regra-matriz de incidência

tributária exige que o pagamento seja de verba destinada a remunerar o

trabalho prestado. Não há, portanto, que se confundir o pagamento de

indenização do aviso prévio indenizado com o pagamento de valores

destinados a retribuir um efetivo trabalho prestado.

176

O próprio art. 22, I, da Lei nº 8.212/91 define como base de

cálculo “o total das remunerações pagas destinadas a retribuir o trabalho”, o

que leva crer que as parcelas indenizatórias estão imunes ao âmbito de

incidência do tributo.

Evidentemente que qualquer interpretação da legislação

previdenciária deve atentar-se para o que disciplina a Lei nº 8.212/91 e o

decreto nº 3.048/99. Entretanto, a interpretação deve ter como fundamento as

diretrizes constitucionais que, por sua vez, disciplinaram os contornos da

contribuição previdenciária das empresas no art. 195, I, “a”, o qual, sem

qualquer limitação, deve ser observado sob pena de inconstitucionalidade.

Interpretar, nesse contexto, as legislações infraconstitucionais de

modo a incluir todo e qualquer pagamento feito àqueles que prestam serviços

às empresas, independente da natureza desse pagamento, na base de cálculo

da contribuição em comento, extrapola não apenas a definição legal do art. 22,

I da Lei 8.212/91, como a própria regra de competência constitucional, que não

autoriza a tributação sobre parcelas indenizatórias, ou melhor, sobre parcelas

que não representem a remuneração a um trabalho prestado.

Admitir que os critérios da regra-matriz de incidência tributária

“flutuem” a critério do legislador ou do intérprete, em desacordo à Constituição,

atendendo a interesses que não aqueles disciplinados na Constituição, fere o

princípio da legalidade em sua mais ampla significação, princípio esse

essencial ao Estado de Direito e fundamental ao desenvolver do direito

público497.

No âmbito tributário a legalidade é premissa inafastável. Isso

porque, considerando que a Constituição disciplina em seu texto o arquétipo da

contribuição objeto desse estudo, a inobservância provoca a infirmação à

própria organização democrática, essência do Estado brasileiro segundo a

Constituição, eis que mais do que a vontade estatal, a Constituição é

“manifestação suprema da vontade popular, da vontade de cada cidadão, por

497

CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Financeiro..., op. cit., p. 107.

177

intermédio da representação política, constituindo a quase perfeição o

instrumento da soberania popular”498.

A materialidade da hipótese de incidência, como registra

WAGNER BALERA, neste caso já vem embutida na lata expressão utilizada

pelo art. 195, I, da Constituição de 1988499. Justamente por conta disso é que a

retribuição ao trabalho prestado, porque representa o objeto da relação jurídica

entre empresa e prestador, é que deve ser sempre a medida apta a determinar

a materialidade da situação descrita em lei, não havendo espaço para reflexões

díspares por parte da Administração Pública.

Em resposta, proclamando justamente o princípio da legalidade, o

Superior Tribunal de Justiça prontamente condenou a tentativa descabida da

Administração Pública, afastando, neste caso, a utilização acintosa e

desvirtuada da materialidade da hipótese de incidência tributária dessa

contribuição, desvirtuando, por conseqüência sua base de cálculo, em vista da

não ocorrência do fenômeno da subsunção constitucional500.

Na mesma linha de raciocínio o Tribunal Superior do Trabalho, em

diversos julgados, encampou a tese que afasta a natureza salarial do aviso

prévio indenizado. Nesse sentido, registrem-se os recentes precedentes

de todas as Turmas dessa Corte: RR 6140-10.2004.5.04.0831, Ministro Pedro

Paulo Manus, 7ª Turma; RR 67600-79.2004.5.03.0037, Ministro Renato de

Lacerda Paiva, 2ª Turma; RR 58500-87.2009.5.24.0022, Ministra Maria de

Assis Calsing, 4ª Turma; RR 32100-63.2009.5.14.0006, Ministra Kátia

Magalhães Arruda, 5ª Turma; RR 20400-21.2008.5.06.0371, Ministro Alberto

Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma; AIRR 78840-64.2005.5.04.0017,

498

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97. 499

As Recentes Mudanças..., op. cit., p. 806. 500

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. VERBETE N. 83 DA SÚMULA DO STJ. Conforme jurisprudência assente nesta Corte, o aviso prévio indenizado possui natureza indenizatória, não incidindo sobre ele contribuição previdenciária.” (AgRg no REsp 1220119/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, 2ª Turma, julgado em 22/11/2011). No mesmo sentido: REsp 1.221.665⁄PR (1ª Turma, Ministro Teori Albino Zavascki); REsp 1.218.797⁄RS (2ª Turma, Ministro Herman Benjamin); REsp 1213133/SC (2ª Turma, Ministro Castro Meira). Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.

178

Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma; AIRR 96440-58.2003.5.04.0732,

Ministro Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma; e RR 2818000-

13.2006.5.11.0010, Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma.

Não se pode confundir, feitas as considerações até aqui

expendidas, o critério material da hipótese com os anseios da Administração

Pública, eis que havendo incompatibilidade dos critérios da regra-matriz de

incidência tributária “traçados” na legislação infraconstitucional com a

Constituição, é, sob a égide da legalidade, caso flagrante de

inconstitucionalidade501.

Em resumo, a declaração em lei ou decreto acerca da incidência,

ou não, de contribuição previdenciária das empresas sobre a “folha de salários”

é inócua, eis que muitas das verbas pagas ou creditadas já estão fora do

âmbito de incidência da norma jurídica. Nesse caso, é impossível a subsunção

do fato jurídico tributário à hipótese de incidência tributária, o que revela a

impossibilidade de se tributar determinada parcela que já fora excluída na

origem pelo próprio Texto Constitucional que tratou de cercar o campo de

competência.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado também para o caso da

remuneração adicional de férias de que trata o inciso XVII, do art. 7º, da

Constituição Federal502.

Nos termos da Constituição Federal, todo trabalhador tem direito

de gozar suas férias anuais, remuneradas normalmente, além de receber uma

indenização equivalente a um terço de seu salário mensal no período de

descanso.

Sendo o salário-de-contribuição o total da remuneração percebida

em prol do trabalho prestado, conforme a Constituição de 1988 e a própria Lei

501

Já se fez referência, nesse sentido, ao raciocínio do professor MARCELO CARON BAPTSTA, para quem, em caso análogo em que trata da regra-matriz de incidência do ISS, registra que a listagem de serviços da Lei Complementar nº 116/2003, não tem legitimidade para impor limites ao critério material da hipótese de incidência desse imposto. (ISS, Do Texto à Norma..., op, cit., p. 302).

502 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à

melhoria de sua condição social: (...) XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo

179

de Custeio da Previdência Social, sua composição não deve contemplar as

parcelas não retributivas do trabalho, idéia amplamente debatida ao longo

deste trabalho. Nesse contexto, devem ser excluídas da base de cálculo da

contribuição previdenciária patronal sobre a “folha de salários”, por

conseqüência lógica, as parcelas indenizatórias, os benefícios previdenciários

e as multas de qualquer espécie503.

É com base nesse preceito que o parágrafo 9º, do art. 28 da Lei

de Custeio da Previdência Social desenvolve um rol enumerando verbas cuja

natureza jurídica não permite a integração ao conceito de salário-de-

contribuição504.

Os mesmos veículos normativos, da mesma forma, também

evidenciaram algumas verbas que pela natureza deveriam integrar a base de

cálculo da contribuição em análise.

Entretanto, a exposição, muitas vezes, é desacompanhada de

atenção ao arquétipo Constitucional. A afirmação decorre da simples leitura do

art. 214, §4º, do Decreto nº 3.048/99: “A remuneração adicional de férias de

que trata o inciso XVII do art. 7º da Constituição Federal integra o salário-de-

contribuição”.

A Lei Suprema, contudo, disciplina que o critério material da

contribuição previdenciária analisada neste trabalho, incide apenas sobre a

“folha de salários” e demais rendimentos do trabalho, não havendo, por conta

disso, que confundir o pagamento da indenização prevista no art. 7º, XVII, com

o pagamento de valores destinados a retribuir o efetivo trabalho prestado.

Veja que o pagamento da verba notoriamente denomina “terço

constitucional de férias” é cumulada aos vencimentos percebidos pelo

trabalhador durante o mês, não havendo que se falar em substituição do salário

mensal ou suplemento salarial durante o período. Tal adicional tem por escopo

proporcionar ao trabalhador, no período de descanso, a percepção de um

menos, um terço a mais do que o salário normal; (...)” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988.

503 CLÁUDIA SALLES VILELA VIANNA, Previdência Social..., op. cit., p. 133.

180

reforço financeiro para que as férias possam ser usufruídas de forma plena em

atenção aos anseios constitucionais. Isso quer dizer que além do salário, verba

contemplada na base de cálculo da contribuição, há, cumulativamente, o “terço

constitucional” que se caracteriza por sua natureza indenizatória.

A indicação da verba como integrante da base de cálculo da

contribuição social em análise, por sua vez, decorreu de previsão

regulamentar, haja vista que fora veiculada unicamente por Decreto, sendo

esse instrumento, nas palavras de GERALDO ATALIBA, “... ato pelo qual o

Presidente da República exercita suas principais funções jurídicas. Assim, é

por meio deste veiculo que exerce o Ordinance Power de que é investido pela

Constituição como Chefe de Estado e Chefe do Poder Executivo.”505

A função dos decretos é a de estabelecer, dentro do âmbito de

atuação da Administração Pública, os procedimentos a serem por ela seguidos

no trato com os administrados. A pretensão é a de proporcionar meios de

execução das leis. Em verdade, “... tudo o que foi disposto no regulamento já

estava...” ou deveria estar “contido em lei”, não podendo se admitir que sejam

veiculadas inovações na ordem jurídica através desse instrumento506.507

Nesse sentido, MARÇAL JUSTEN FILHO, após a análise retida

das funções dos regulamentos, conclui que “em nenhuma delas a inovação

trazida para os particulares pode ser originária.”508

O estabelecimento de direitos e deveres, bem como a criação

de situações jurídicas novas, devem sempre ser veiculadas através de leis, na

medida em que o princípio da legalidade impõe que somente por meio de leis

sejam previstos aspectos da hipótese e os núcleos do mandamento normativo.

Assim, como lembra JOSÉ ROBERTO VIEIRA, a estrutura deve estar

504

Veja nota nº 516. 505

Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Perfil Constitucional do Regulamento..., op. cit., p. 189. 506

Ib., p. 199. 507

Defender que “... o regulamento pode ser inovador; pode criar deveres e obrigações para os subordinados ao editor (funcionários, servidores, agentes políticos) ou para os órgãos sujeitos à tutela (autarquias, fundações publicas, sociedades mistas, empresas publicas e até concessionárias), desde que esse deveres e obrigações sejam instrumentos do fiel cumprimento das leis.” (GERALDO ATALIBA, República e Constituição, op. cit., p. 140).

508 O Direito das Agências Reguladoras Independentes, p. 506, et seq.

181

estabelecida em lei “... critério material da hipótese de incidência e

determinação objetiva do conseqüente normativo, pelo menos.”509

Essa regra geral da legalidade, decorrente do artigo 5º, II, da Constituição Federal, e descrita pela doutrina como relativa ou normal, não é aplicável, contudo, àquelas hipóteses em que a Lei Magna exige a observância de uma legalidade absoluta ou estrita, como é o caso dos artigos 5º, XXXIX (Legalidade Penal), e 150, I (Legalidade Tributária), do texto constitucional. Nessas situações, o legislador deve, sob pena de criar lei invalidade, descer às minúcias em todos os critérios da hipótese e do conseqüente que compõem a norma. Não há aqui espaço discricionário aberto à atuação regulamentar.

510

O próprio art. 22, I, da Lei nº 8.212/91, em atenção aos

dispositivos constitucionais, define como base de cálculo apenas as

remunerações destinadas a retribuir o trabalho, o que afasta a possibilidade de

se tributar o terço constitucional de férias, de natureza indenizatória, na medida

em que fora criado para possibilitar, de forma plena, o gozo das férias pelo

trabalhador.

Ademais, não poderia a Administração Pública agir em

desconformidade com a lei. O Decreto que “estendeu” à tributação ao terço

constitucional de férias já nasce condenado à inconstitucionalidade, eis que no

âmbito administrativo, como ensina DIOGENES GASPARINI, o princípio da

legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade,

presa aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar sob pena de

invalidade do ato. Isso quer dizer que se a Constituição nada dispuser, como

de fato não dispôs acerca da tributação do terço constitucional de férias, não

pode a Administração Pública agir511.

A atribuição regulamentar sofre limitações que se não

observadas, podem culminar na invalidade do ato. Além da limitação formal,

que diz respeito ao veiculo de exteriorização, há a limitação legal, que se

relaciona com o extravasamento da atribuição, o que subsume-se ao caso

509

Perfil Constitucional do Regulamento..., op. cit., p. 205. 510

Id. 511

Direito Administrativo, p. 9.

182

concreto, na medida em que dispôs o Decreto nº 3.048/99, mais do que a

Constituição ou mesmo a lei permitiu512.

Mais uma vez o Judiciário foi instado e a resposta do Superior

Tribunal de Justiça, em atenção aos preceitos constitucionais, foi no sentido de

preservar o princípio da legalidade. A posição sedimentada é justamente a de

que a contribuição previdenciária não incide sobre o terço constitucional de

férias, verba essa que detém natureza indenizatória513.

O próprio Supremo Tribunal Federal acolheu a tese da ilegalidade

da tributação, firmando entendimento no sentido de que as contribuições

previdenciárias não podem incidir em parcelas indenizatórias como é o caso

terço constitucional de férias514.

E não poderia ser diferente. Pela rigidez da Constituição de 1988,

também pelo controle de constitucionalidade e, sobretudo, como nos lembra

512

Ib. p. 111. 513

“TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. NÃO INCIDÊNCIA. 1. A Primeira Seção, ao apreciar a Pet 7.296/PE (Relatora Ministra Eliana Calmon, Dje de 10.11.2009), acolheu o Incidente de Uniformização de Jurisprudência para que não se aplique a Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional de férias. (...)” (AgRg no REsp 1334837/AL, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 04/10/2012); também: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO-CABIMENTO. VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA I - Jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também de empregados celetistas contratados por empresas privadas (AgRgEREsp nº 957.719/SC, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, Primeira Seção, DJe de 16/11/2010). (...)” (EDcl no AgRg no REsp 1238697/AM, Relator Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, julgado em 15/03/2012). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1237009/PB, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, 2ª turma, julgado em 22/11/2011; e AgRg no REsp 1204899/CE, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, julgado em 18/08/2011. Fonte Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.

514 “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INCIDÊNCIA SOBRE TERÇO

CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - A orientação do Tribunal é no sentido de que as contribuições previdenciárias não podem incidir em parcelas indenizatórias ou que não incorporem a remuneração do servidor. II - Agravo regimental improvido.” (STF - AI 712880 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, julgado em 26/05/2009). No mesmo sentido: AI 710361 AgR, Relatora Ministra Cármen Lúcia, 1ª Turma, julgado em 07/04/2009. Fonte Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br). Acessado em 18/02/2013.

183

JOSÉ ROBERTO VIERA, porque o nosso Direito Tributário é um direito

eminentemente constitucional, não há espaço para aventuras tributárias515.

Fato é que há mais de uma contribuição sobre a “folha de

salários” que incidem simultaneamente. Todavia, embora a Lei nº 8.212/91

refira-se ao “total das remunerações pagas”, em seu art. 22, a base econômica

que se submete aos efeitos da aplicação da alíquota restringe-se à

remuneração oriunda do trabalho, ou melhor, aos rendimentos do trabalho

pagos ao prestador do serviço. Apurar, assim, a remuneração passível de

constituir o substrato econômico da tributação deve levar em conta o art. 195, I,

“a” da Carta Mãe, ou seja, leva considerar apenas as remunerações que se

prestem a retribuir o trabalho.

“Verbas que não constituam propriamente, rendimentos do

trabalhador destinados a retribuir o trabalho não compõem, pois, a base da

contribuição”. Como lembra LEANDRO PAULSEN, foi justamente por conta

disso que o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da Medida

Provisória nº 1.523-14, que procurou dar ao §2º, do art. 22, da Lei nº 8.212/91

redação no sentido de que integrariam a remuneração os abonos de qualquer

espécie ou natureza, bem como as parcelas indenizatórias pagas ou creditadas

a qualquer título516.

Na mesma linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça

firmou posição no sentido de que não incide a contribuição previdenciária

devida pelas empresas sobre a “folha de salários” sobre os valores pagos pela

empresa, aos trabalhadores, a título dos primeiros quinze dias de afastamento

por motivo de doença517.

515

“O Sistema Constitucional Tributário Brasileiro mostra-se peculiar em relação aos demais, porque trata a matéria tributária de modo singular, analítica e exaustivamente...” (E, afinal, a Constituição..., op. cit., p. 640).

516 Contribuições..., op. cit., p. 122.

517 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUXÍLIO-

DOENÇA. PAGAMENTO RELATIVO AOS PRIMEIROS QUINZE DIAS DE AFASTAMENTO. NÃO-INCIDÊNCIA. VALORES RECEBIDOS DO EMPREGADOR A TÍTULO DE "QUEBRA DE CAIXA". O AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO-INCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO. ARTIGO 89, § 3º, DA LEI 8.212/91. LIMITAÇÕES INSTITUÍDAS PELAS LEIS 9.032/95 E 9.129/95. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.” (REsp 942.365/SC, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 26/04/2011). No mesmo sentido: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS

184

Em suma, portanto, é a própria Constituição que identifica os

potenciais contribuintes e arrola as bases econômicas passiveis de sofrerem a

tributação no caso das contribuições previdenciárias das empresas sobre a

“folha de salários”. A exposição constitucional, não deixa margem de dúvidas e,

com isso, pode-se concluir que a expressão “rendimentos do trabalho”,

constante do art. 195, I “a”, afasta qualquer possibilidade do legislador fazer

incidir contribuição sobre verbas de outras natureza que não a de retribuir os

trabalhos prestados.

Assim, os valores percebidos a título de aviso prévio indenizado,

terço constitucional de férias e quinze primeiros dias de afastamento por conta

de auxílio doença, dentre outras verbas, não podem integrar a base de cálculo

da contribuição previdenciária das empresas sobre “folha de salários” sob pena

de violação expressa ao texto constitucional.

5.4. As Violações Jurisdicionadas

“O poder é demoníaco” já anunciava KARL LOEWENSTEIN, e,

precisa ser controlado a fim de não praticar sua própria degeneração. Assim

inicia sua tese de doutorado o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, indicando,

logo após, que as limitações ao poder de tributar têm domicílio conhecido por

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. QUINZE PRIMEIROS DIAS DO AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. DIREITO INTERTEMPORAL. FATOS GERADORES ANTERIORES À LC 118/2005. APLICAÇÃO DA TESE DOS "CINCO MAIS CINCO". RECURSO ESPECIAL REPETITIVO RESP N. 1.002.932-SP. APLICAÇÃO DO ARTIGO 543-C DO CPC. RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. (...) 2. Entendimento do STJ de que, sobre os valores pagos pelo empregador ao empregado nos quinze primeiros dias de afastamento do trabalho, a título de auxílio doença, não incide contribuição previdenciária, tendo em vista que a referida verba não possui natureza remuneratória.” (AgRg nos EDcl no REsp 969.281/RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 02/03/2010). Também: REsp 951.623/PR, Relator Ministro José Delgado, 1ª Turma, julgado em 11/09/2007; AgRg no REsp 1100424/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 09/03/2010. Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.

185

todos, na medida em que é a própria Constituição a quem incumbe “exorcizar o

que possa ser de demoníaco no poder”.518

Fato é que a única segurança dos contribuintes contra o abuso

desse poder constitucional é ninguém menos que a própria Constituição.

RAMÓN VALDÉS COSTA, em sua clássica obra “Instituciones de Derecho

Tributário”, acerca da amplitude constitucional no Direito Tributário, já se

pronunciava registrando que “No hay, pues, um D. T. constitucional, sino

preceptos y nomras aplicables obligatoriamente al D. T. contenidos em La

constitución.”519

A atual Constituição Brasileira, num ambiente democrático de

direito, dispôs acerca das questões fiscais de forma plena e abundante. Como

recorda ALIOMAR BALLEIRO, desde que os Estados passaram a adotar

Constituições escritas, algumas regras de tributação passaram a figurar nos

próprios textos constitucionais; e, sobretudo no caso brasileiro, a legalidade

tributária ganhou relevo tal, que pode ser considerada garantia do princípio

político fundamental dos países organizados de forma democrática520.

É que no Brasil, além das limitações constitucionais, o arquétipo

das exações tributárias já fora definido formalmente e de modo muito criterioso.

Todas as minudências foram expostas na Constituição de forma a deixar muito

pouco espaço às leis que se seguiram, as quais, inclusive, devem ser

hospitaleiras em relação as disposições maiores que estão contempladas na

Carta Magna.

A rigidez constitucional é absolutamente típica do modelo

tributário brasileiro. Afinal de contas, “... nenhum outro sistema constitucional

tributário do mundo reveste tal característica...” o que acabou por dar formato a

um “... sistema completo, fechado e harmônico, que limita e ordena

estritamente, não só cada poder tributante como – conseqüência lógica – tôda

a atividade tributária, globalmente considerada.”521 (sic)

518

Apud, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 02. 519

Op. cit., p. 5. 520

Uma Introdução à Ciência..., op. cit., p. 186. 521

GERALDO ATALIBA, Sistema Constitucional..., op. cit., p. 22 e 27.

186

A rigidez constitucional acaba por adotar alguns princípios, em

especial no Sistema Tributário, que têm por escopo resguardar a liberdade dos

cidadãos e a soberania da vontade popular, todos alinhados aos anseios de

manter hígida a Segurança Jurídica. A Constituição, então, tem expressão

qualificada e suas normas desfrutam da condição suprema da hierarquia

constitucional522.

Talvez por isso, quando da interpretação do art. 195, I, “a”, da

Constituição, tenha ficado mais simples estabelecer aquilo que pode

efetivamente ensejar a tributação mediante contribuição previdenciária. Isso

porque, nos termos da Carta Magna, a contribuição previdenciária das empresa

incide sobre “a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou

creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo

sem vínculo empregatício.”

Prova disso é que a Lei nº 8.212/91 disciplinou o que poderia ser

entendido por rendimentos do trabalho em seu art. 28: “a remuneração auferida

em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos

pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a

retribuir o trabalho...”

A base de cálculo da contribuição, portanto, na condição de

perspectiva dimensível do aspecto material do tributo, nada mais é do que o

valor total das remunerações pagas ou creditadas, como escopo de retribuir o

trabalho523.

Por sua vez, na linha do até aqui expendido, o aspecto material

consiste em pagar ou creditar remunerações destinadas a retribuir o trabalho.

Além disso, somente as remunerações pagas ou creditadas à pessoas físicas

que prestem serviços às empresas podem ser objeto da exação. Há, então,

uma delimitação específica do aspecto material da hipótese de incidência

tributária em virtude da restrição do conceito de remuneração.

522

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 04. 523

ANDREI PITTEN VELLOSO, Comentário à Lei de Custeio..., op. cit., p. 114.

187

Não por outra razão foram expressamente excluídas da base de

cálculo as parcelas elencadas no art. 28, §9º, da Lei nº 8.212/91.

Contudo, a mesma lei, em evidente violação aos contornos

constitucionais, considera que o “salário-maternidade” é uma verba que deve

integrar a base de cálculo da contribuição em análise, isso nos termos do §2º,

do art. 28: “O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição.”

Contudo, pela regra constitucional, e também pelo que consta do

inciso I, do art. 28, da própria Lei nº 8.212/91, pode-se dizer que a contribuição

objeto desse trabalho tem incidência exclusiva sobre a remuneração devida ao

trabalhador. “A base de cálculo é, portanto, a remuneração, conceito que não

abrange o valor percebido a titulo de salário-maternidade, já que não há

prestação de serviços nos respectivos períodos.”524

Daí, subtraí-se que a base econômica abrange a folha de salários

e demais rendimentos do trabalho quando pagos ou creditados, à pessoa

física, desde que preste serviço, mesmo sem vínculo de emprego. Ou seja, há

necessidade tanto da relação contratual entre a empresa e a pessoa física,

como da efetiva prestação do serviço, mesmo que sem vínculo de emprego525.

A análise que se faz é simples. Se o trabalhador percebe o valor

por ter prestado um serviço ou por ter ficado à disposição do empregador,

haverá a subsunção desse fato à norma e, por conseqüência, a incidência da

contribuição previdência prevista do art. 195, I, “a”, da Constituição. Se a

retribuição não decorre do trabalho ou do período à disposição, não há margem

legal para a tributação.

ANDREI PITTEN VELLOSO, faz o mesmo registro afirmando que

sendo o salário-maternidade “um benefício previdenciário pago pelo INSS –

524

CLÁUDIA SALLES VILELA VIANNA, Previdência Social..., op. cit., p. 136. 525

“Art. 195. A seguridade social será financiada...” “... das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício...” (destacou-se) (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).

188

uma vez que inexiste serviço prestado pela segurada – não deveria servir de

hipótese de incidência para a exigência de contribuição previdenciária...”.526

Parece óbvia a asserção no sentido de que o elemento “trabalho”

está intimamente relacionado à pessoa física que o presta, eis que somente

através dele é que a remuneração ganha contornos constitucionais aptos a

possibilitar a tributação.

Contrariando a expressa menção constitucional, contudo, a

grande maioria da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou

entendimento em sentido contrário, ratificando entendimento no sentido de que

sobre a rubrica salário-maternidade incide contribuição previdenciária527.

O Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, em voto inovador e

em sintonia com a disciplina constitucional, contudo, votou no sentido da

impossibilidade de se transmudar a natureza jurídica de uma verba. O salário-

maternidade, assim, independentemente do título que lhe é conferido pela

legislação infraconstitucional, não pode sofrer a incidência de contribuição

previdenciária, eis que não há efetiva prestação de serviço e, por

conseqüência, não há possibilidade de caracterizá-lo como contraprestação do

trabalho. Para o Ministro, a verba é paga como compensação ou indenização

com o fim de proteger e auxiliar a trabalhadora durante um período sensível da

vida528.

526

Comentário à Lei de Custeio..., op. cit., p. 217. 527

AgRg no REsp 1272616/PR, Relator Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 16/08/2012; AgRg no AREsp 69.958/DF, Relator Ministro Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 12/06/2012; AgRg nos EDcl no REsp 1040653/SC, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, julgado em 18/08/2011; AgRg no Ag 1330045/SP, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª turma, julgado em 16/11/2010. Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.

528 “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SALÁRIO-MATERNIDADE

E FÉRIAS GOZADAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA INDENIZATÓRIA QUE NÃO PODE SER ALTERADA. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA A EXIGIR REABERTURA DA DISCUSSÃO PERANTE A 1a. SEÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA DETERMINAR A SUBIDA DOS AUTOS DO RECURSO ESPECIAL QUE, NOS TERMOS DO ART. 14, II DO RISTJ, FICA, DESDE JÁ, SUBMETIDO A JULGAMENTO PELA 1a. SEÇÃO. 1. O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias gozadas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo empregado, razão pela qual, não é possível caracterizá-los como contraprestação de um serviço a ser remunerado, mas sim, como compensação

189

Merece prosperar o entendimento, ainda que solitário, na

medida em que pelo fato de atender aos preceitos constitucionais, é firme,

robusto de digno da condição de duradouro.

Não é novidade que a Lei nº 8.212/91, de fato, dispõe

que o salário-maternidade deve ser considerado na base de cálculo da

contribuição previdenciária devida pelas empresas sobre a “folha de salários” e

demais rendimentos do trabalho. Contudo, “uma verba não é indenizatória

ou salarial simplesmente por determinação normativa”. Parece evidente que a

designação da natureza jurídica, para fins tributários, de uma verba paga a um

segurado do Instituto Nacional do Seguro Social, antes de mais

nada, “depende de análise apurada em razão da relação direta de trabalho e

das atividades desenvolvidas pelo empregado e orientada pela

Constituição...”529

A contraprestação do trabalho depende sempre da efetiva

prestação dos serviços, ao passo que eventual indenização tem o caráter

de reparação ou compensação.

Por essa razão, parece irrepreensível o entendimento exarado

pelo ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça NAPOLEÃO NUNES MAIA

FILHO, na medida em que tem como inconteste a idéia de que “o preceito

normativo não pode transmudar a natureza jurídica da verba”530 por simples

capricho legislativo.

ou indenização legalmente previstas com o fim de proteger e auxiliar o Trabalhador. 2. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição em forma de benefício (ADI-MC 2.010, Rel. Min. CELSO DE MELLO); destarte, não há de incidir a contribuição previdenciária sobre tais verbas. 3. Apesar de esta Corte possuir o entendimento pacífico em sentido oposto (REsp. 1.232.238/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 16.03.2011; AgRg no Ag 1.330.045/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 25.11.2010; REsp. 1.149.071/SC, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 22.09.2010), a relevância da matéria exige a reabertura da discussão perante a 1a. Seção.” (AgRg no Ag 1420247/DF, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª turma, julgado em 06/12/2011). Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 27/02/2013.

529 Voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no AgRg no Ag 1420247/DF. Fonte: Superior

Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 27/02/2013. 530

Id.

190

Enfim, o salário-maternidade é, pois, benefício previdenciário,

que não possui, logicamente, natureza salarial. Além disso, tem por escopo

proteger e auxiliar a trabalhadora durante o período pós parto, não havendo,

por óbvio, prestação de serviço durante o período em que é pago pelo Sistema

de Seguridade Social.

Não integra, por conta disso, a base de cálculo da contribuição

previdenciária das empresas sobre a “folha de salário” e demais rendimentos

do trabalho, em estrita obediência ao preceito constitucional previsto no art.

195, I, “a”, da Constituição.

“Devem ser afastadas as presunções materiais...” “... assim

como as ficções de fatos geradores ou de bases de cálculo”. O que propõem

MISABEL ABREU MACHADO DERZI é nada mais do que a manutenção da

higidez do princípio da legalidade e da segurança jurídica531, até porque essa

“... há de considerarse inelubiblemente em función de La legalidad y de La

justicia”532, o que leva crer que se tratam de preceitos essenciais ao Estado de

Direito.

Ademais, a base de cálculo que esta autorizada a ser objeto de

tributação engloba apenas as remunerações “pagas” ou “creditadas”, eis que

em relação a Contribuição Social em análise (art. 195, I, “a”, da Constituição), a

hipótese está estreitamente relacionada ao pagamento ou ao crédito de salário

e demais rendimentos do trabalho, pela empresa, ou equiparada, à pessoa

física que lhe preste serviço.

É que quando da análise da regra-matriz de incidência tributária

no Capítulo Terceiro deste trabalho, consignou-se, que no antecedente da

norma o critério material é formado pelos verbos “pagar” ou “creditar”.

“Pagamento é o valor prestado ao trabalhador seja em espécie, seja mediante

depósito em conta bancária, ou mesmo in natura. Creditamento é o lançamento

contábil a crédito do trabalhador.”533

531

Legalidade Material, Modo de Pensar..., op. cit., p. 646. 532

EUSEBIO GONZÁLVEZ GARCÍA, Relaciones entre los Principios..., op. cit., . 149. 533

LEANDRO PAULSEN, Contribuições..., op. cit., p. 112-113.

191

Em vista da descrição constitucional, como bem registra

LEANDRO PAULSEN, não se pode confundir a remuneração apta a retribuir o

trabalho, paga ou creditada, com aquela que eventualmente seja devida, mas

que sequer fora formalizada em favor do trabalhador ou prestador do serviço a

ser remunerado534.

Tal referência tem importante reflexo, na medida em que muito

embora a Constituição tenha feito menção aos verbos “pagar” ou “creditar”,

como legítimos a integrar o critério material da hipótese do arquétipo da norma

jurídica tributária de incidência, o legislador infraconstitucional fez inserir na lei

nº 8.212/91, art. 22, I, a expressão “rendimentos pagos, devidos ou creditados

a qualquer título”. (destacou-se)

A inserção é visivelmente inconstitucional, eis que acaba por criar

um novo fato jurídico tributário para as contribuições previdenciárias, além dos

previstos constitucionalmente. Pela legislação infraconstitucional, portanto, a

contribuição passa a ser devida não apenas quando a empresa paga ou credita

a remuneração, mas, ainda, quando a remuneração é apenas devida535.

Essa alteração, mesmo inconstitucional, acarreta reflexos

importantes, como registra CLAUDIA SALLES VILELLA VIANNA, em

reclamatórias trabalhistas em razão da cobrança de juros moratórios pela

Previdência Social, apurados pela taxa SELIC. O fato jurídico tributário, nestes

casos, é o pagamento de valores correspondentes a parcelas integrantes do

salário-de-contribuição resultantes de sentença condenatória transitada em

julgado ou conciliação homologada536.

O fato jurídico tributário, então, é observado apenas no processo

findo. Isso porque, a Constituição Federal disciplina que a contribuição é devida

pela empresa quando do pagamento ou do crédito da remuneração, ou seja,

sobre o valor efetivamente pago ou creditado. Não há que se falar, portanto,

534

Id. 535

“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma...” (Lei 8.212/91).

536 Previdência Social. Custeio e Benefício, p. 211.

192

em crédito tributário sobre valores apenas devidos ao trabalhador, ainda que tal

direito decorra de decisão judicial537

O fato gerador da contribuição é o pagamento de alguma remuneração a algum trabalhador a base de cálculo o exato valor pago, não sendo possível, nos termos da Constituição Federal, existir a contribuição sobre um valor apenas “reconhecido” pela Justiça do Trabalho...

538

ANDREI PITTEN VELLOSO bem explana que o aspecto material

da exação em análise, nos termos da Constituição, consiste em pagar ou

creditar remuneração, de modo que “só há competência tributária para a

instituição de contribuições sobre o pagamento ou o crédito de

remunerações...” sendo que a leitura da lei nº 8.212/91 “poderia indicar a

existência de outro fato que enseja a incidência da contribuição, qual seja, o de

ser devida a contribuição...” mas a lei, infraconstitucional, “não pode criar novas

materialidades, de modo a alargar as competências que são conferidas ao

legislador.”539

Contrariar a constituição é violar direitos que protegem os

cidadãos, e, como reconhece ROQUE ANTONIO CARRAZZA, os princípios

constitucionais tributários são projeções de direitos fundamentais,

mandamentos constitucionais positivados não somente para estipular direitos,

mas também para limitar as imposições impositivas do Estado540.

Quando da análise, neste trabalho, da regra-matriz de incidência

da contribuição patronal previdenciária sobre a “folha de salários” registrou-se

que o estudo pautou-se pelo caminho constitucional. Entretanto, como bem

expõem JOSÉ ROBERTO VIEIRA, é prática dos operadores jurídicos situar o

ponto de origem nos degraus inferiores da hierarquia normativa. Citando

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, JOSÉ VIERA ilustra que no Brasil, “campeia o

537

A Constituição, através do §4º, do art. 195, até permite que sejam instituídas outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da Seguridade Social, desde que respeitados sejam os requisitos constitucionais estabelecidos no art. 154, I, o que não foi o caso da Lei nº 8.212/91.

538 CLAUDIA SALLES VILELA VIANNA, Previdência Social..., op. cit., p. 211.

539 Comentário à Lei de Custeio..., op. cit., p. 111.

540 Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos..., op. cit., p. 192.

193

impertinente vezo se estudar-se Direito Tributário a partir do Código Tributário

Nacional, quando não de leis, de decretos e até de portarias.”541

A Constituição, como amplamente explicitado ao longo deste

trabalho, fixa a linha de partida. Ao estudar a contribuição previdenciária a

cargo das empresas sobre a “folha de salários”, especificamente sua hipótese

de incidência tributária, e mais ainda especificamente seu critério material,

concluiu-se que o mesmo é minuciosamente idealizado na Carta Magna542.

O núcleo essencial da hipótese de incidência, em vista até da

complexidade do critério material em detrimento dos demais, estará sempre

contemplado na Constituição.

Importante rememorar, mais uma vez, que o Sistema

Constitucional Tributário brasileiro tem características que lhe conferem um

status peculiar em detrimento dos demais. A assertiva decorre do fato de que

a matéria tributária é tratada na Constituição de modo analítica e de forma

exaustiva. A conclusão de GERALDO ATALIBA, nesse contexto, é que no

Sistema Tributário brasileiro tudo já fora, previamente, elaborado pelo

constituinte, “que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e

acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo...”543.

Afinal de contas, projeta ROQUE ANTONIO CARRAZA:

“...competência tributária é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos,

descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos

ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas”544.

A Constituição é minuciosa nas questões tributárias e acaba por

identificar cuidadosamente os tributos, de tal modo que possa o operador do

direito saber exatamente quais os fatos jurídicos tributários de que pode dispor.

Assim, quando a Carta Magna discriminou as competências tributárias, já, de

pronto, estabeleceu o arquétipo da norma através da explicitação da regra-

matriz de incidência, como é o caso da contribuição patronal previdenciária.

541

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 72. 542

Id. 543

Sistema Constitucional..., op. cit., p. 21.

194

Não se está dizendo que o Texto Magno teria esgotado todas as

possibilidades de modelar a regra-matriz de incidência tributária, mas,

certamente o núcleo da norma de incidência já se encontra na Constituição

descrito, na medida em que representa a essência do tributo, não admitindo

alteração por parte da legislação infraconstitucional. Enfim, não é possível, em

atenção a Constituição, que uma norma infraconstitucional estabeleça fato

jurídico tributário diverso para a contribuição social de que cuida o inciso I, “a”

do art. 195.

Esse vem sendo o entendimento majoritário do Tribunal Superior

do Trabalho, competente para dirimir as controvérsias tributárias quando

inerentes às reclamações trabalhistas: “O fato gerador da contribuição

previdenciária está definido no artigo 195 da Constituição, não sendo possível

norma infraconstitucional estabelecer de maneira diversa.”545

Ressalte-se mais uma vez que o critério material faz referência a

um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, que serão condicionados

por circunstancias de espaço e tempo (critérios especial e temporal). Esse

comportamento é representado por um verbo e um complemento. O critério

temporal, por sua vez, representa as indicações que oferecem os elementos

para se saber, com exatidão, em que exato instante acontece o fato descrito na

544

Curso..., op. cit., p. 429. 545

TST-RR-508-35.2010.5.06.0023, Desembargadora Convocada Maria Laura Franco Lima de Faria, 8ª Turma, julgado em 29/02/2012. O Tribunal, na maioria dos julgados, segue entendimento nesse sentido, conforme verbete sumular nº 14, aprovado em sessão administrativa realizada em 24 de setembro de 2009, cujo teor é o seguinte: "SÚMULA n. 14 - A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVISTA NO ARTIGO 195, INCISO i, LETRA "A", DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL OCORRE QUANDO HÁ O PAGAMENTO OU O CRÉDITO DOS RENDIMENTOS DE NATUREZA SALARIAL DECORRENTES DO TÍTULO JUDICIAL TRABALHISTA, RAZÃO PELA QUAL, A PARTIR DAÍ, CONTA-SE O PRAZO LEGAL PARA O SEU RECOLHIMENTO, APÓS O QUE, EM CASO DE INADIMPLÊNCIA, COMPUTAR-SE-ÃO OS ACRÉSCIMOS PERTINENTES A JUROS E MULTA MENCIONADOS NA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA APLICÁVEL À ESPÉCIE.” No mesmo sentido: RR 173500-71.2007.5.20.0005, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma; RR 139400-40.2006.5.01.0010, 7ª Turma, Relatora Juíza Convocada Maria Doralice Novaes; RR 60041-72.2006.5.03.0014, 6ª Turma, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga; RR 684085-91.2002.5.06.0102, 3ª Turma, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires; RR 70200-89.2008.5.06.0412, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Fonte Tribunal Superior do Trabalho (www.tst.jus.br). Acessado em 28/02/2013.

195

norma. O marco de tempo deve assinalar o surgimento de um direito subjetivo

para o Estado e de um dever jurídico para o sujeito passivo546.

Como já fora devidamente esmiuçado no Capítulo Terceiro deste

estudo, o critério material da contribuição previdenciária patronal sobre a “folha

de salários”, delineada no art. 195, I, “a” da Constituição, consiste em “pagar”

ou “creditar” remuneração. De efeito, só há competência tributária para a

instituição de contribuição sobre o pagamento ou o crédito de remuneração.

Não há, portanto, espaço para a instituição de outro fato jurídico tributário,

como pretende a lei nº 8.212/91, com a adição da expressão “devidas” no art.

22.

Por sua vez, cabe registrar que o critério temporal consiste

exatamente no momento em que se reputa ocorrido o fato jurídico tributário. No

caso da contribuição previdenciária das empresas sobre a “folha de salários”,

nos termos do art. 22, I da Lei nº 8.212/91, será devida sobre o total das

remunerações “pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês”,

o que revela que a contribuição somente é devida com o término do mês,

sendo esse o critério temporal. Assim, antes de encerrado o mês nada é devido

a título dessa exação.

No caso da contribuição em exame, o critério temporal é defino na

Lei nº 8.212/91, na medida em que nesse sentido nada foi disciplinado na

Constituição, diferentemente do critério material. Possui sim, neste caso,

caráter infraconstitucional a discussão acerca do momento em que ocorre o

fato jurídico tributário, ou melhor, a definição do critério temporal. Assim já

decidiu, inclusive, o Supremo Tribunal Federal547.

546

PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 258-259. 547

"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADOR SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. MOMENTO DE OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado de que possui caráter infraconstitucional a discussão acerca do momento em que ocorre o fato gerador e a exigibilidade da contribuição previdenciária devida pelo empregador e incidente sobre a folha de salários." (RE 437642/ RS, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, 2ª Turma, julgado em 17/8/2010). No mesmo sentido: "CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR. FATO GERADOR. PRAZO PARA RECOLHIMENTO. I. - O estabelecimento do momento em que se dá o fato gerador e a exigibilidade da contribuição social devida pelo empregador, incidente sobre a folha de salários, são

196

Contudo, qualquer que seja o instante eleito pelo legislador

infraconstitucional para considerar-se acontecido o fato tributário, nos lembra

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, “ele deve estar necessariamente ligado ao critério

material da hipótese de incidência tributária”548.

Isso, entretanto, não pode dar margem a interpretação no sentido

de que o “pagamento” ou o “crédito” da remuneração representam o critério

temporal, eis que são os comportamentos, representados por verbos pessoais

e transitivos, integrantes do critério material que, por sua vez, integram o cerne

da hipótese de incidência549.

O critério temporal, definido pelo legislador infraconstitucional, é o

término do mês, elemento esse criado por lei ordinária e com abrangência

completamente diferente do ato de pagar ou creditar.

A assertiva acima tem fundamento na medida em que muito

embora o Supremo Tribunal Federal tenha entendimento no sentido de que

“possui caráter infraconstitucional a discussão acerca do momento em que

ocorre o fato gerador”, não há entendimento, e nem poderia haver sob pena de

violação à Constituição, no sentido de que o fato jurídico tributário (verbo e

complemento) pode ser criado mediante lei ordinária, ou mesmo

complementar, em desatenção ao que já fora disciplinado na Constituição.

Fato é que recentemente o Supremo Tribunal Federal, usando

entendimentos pretéritos no sentido de que pode lei complementar definir o

momento da ocorrência do fato jurídico tributário (critério temporal), majorou o

campo de abrangência desse entendimento, para abarcar a definição do

próprio fato jurídico tributário das contribuições patronais previdenciárias sobre

a “folha de salários” através de lei ordinária.

questões a serem reguladas mediante legislação ordinária, que não integra o contencioso constitucional. Precedentes. II. - Agravo não provido." (AI 508398/RS, Relator Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma, julgado em 20/9/2005).

548 IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 102.

549 “O primeiro dos critérios da hipótese de incidência tributária é o Critério Material. E este

‘primeiro’ pode muito bem ser entendido com o significado de precedência, uma vez que os critérios de tempo e lugar dedicam-se tão somente a condicioná-lo, donde deflui suia índole de núcleo do suposto normativo.” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Ib., p. 62).

197

Em seu voto, o Ministro DIAS TOFFOLI, utilizando-se do

argumento de que “... o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no

sentido de que a controvérsia sobre o momento de ocorrência do fato gerador

da contribuição previdenciária tem natureza infraconstitucional...” acatou a tese

da possibilidade de criação, pela Lei nº 8.212/91, de fato jurídico tributário

diverso daquele previsto na Constituição. Por conta disso, entendeu que o “fato

gerador” da contribuição previdenciária sobre a “folha de salários” ocorre

quando da formação da obrigação e não apenas quando do pagamento ou do

crédito da remuneração550.

Em suma: utilizando-se do argumento de que pode a lei

infraconstitucional firmar o momento da ocorrência do fato jurídico tributário

(critério temporal), o Supremo Tribunal Federal acatou a tese de que pode a lei

infraconstitucional definir o critério material da hipótese da norma, ou melhor,

pode criar o núcleo do suposto normativo, definindo o “verbo” que representa o

comportamento da pessoa física ou jurídica (critério material).

Já se falou neste subitem que a Constituição é rigorosa e

minuciosa nas questões tributárias. Por conta disso, acabou por identificar as

competências tributárias, estabelecendo, em seguida, a estrutura da norma

através da explicitação da regra-matriz de incidência. Também já se disse que

isso não quer dizer que a Carta Magna tenha esgotado todas as possibilidades

do legislador infraconstitucional modelar a regra-matriz de incidência tributária.

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, ratifica esse potencial.

Contudo, certamente o núcleo da norma de incidência já se

encontra devidamente descrito na Constituição, até porque representa a

essência do tributo que cuida o inciso I, “a” do art. 195, da Constituição

Federal. O destaque é para o fato de que o núcleo da norma de incidência já se

encontra descrito na Constituição não podendo ser modificado através de lei

ordinária.

550

RE 406567/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, 1ª Turma, julgado em 16/10/2012. Fonte Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br). Acessado em 28/02/2013.

198

Não é novidade dizer, tomando por argumento uma das lições de

JOSÉ CASALTA NABAIS, que “...ao contrário do que frequentemente é

afirmado, o poder tributário não tem obrigatoriamente de ser uma manifestação

do poder legislativo...” “...pode a sua disciplina constitucional assumir uma tal

configuração que permita prescindir da intervenção legislativa formal para o

seu desenvolvimento ou complementação...” 551.

Afinal de contas, a lei ordinária constitui a aplicação da norma que

lhes é superior: a Constituição. Com isso quer-se dizer que o legislador

constituinte não se restringiu a mencionar o “nomem juris” dos tributos, tendo

estabelecido, pelo menos, o núcleo do critério material da hipótese de

incidência da contribuição patronal previdenciária sobre a “folha de salários552.

A premissa estrutural é a de que a análise, sob a ótica da

legalidade, deve sempre seguir o caminho constitucional alinhado ao

infraconstitucional. Por conta disso é que JOSÉ ROBERTO VIEIRA afirma que

o ponto de partida é sempre a carta Magna, merecendo ressalva o fato de que

o núcleo basilar da hipótese de incidência tributária haverá de estar sempre

contemplado na Constituição553.554

Ainda em relação ao critério material, há que se registrar que “ao

conceituar o fato de que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica do

tributo, o legislador também seleciona as propriedades que julgou importantes

para caracterizá-lo”555

É a partir dessa premissa que são estruturados os critérios que

vão permitir a identificação do tributo toda vez que o fato descrito na norma

aconteça.

No critério material há sempre a referência de um comportamento

de pessoas. Para cada comportamento haverá um verbo que estruturará o

551

O Dever Fundamental..., op. cit., p. 302. 552

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituição..., “passim”. 553

IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 72. 554

“...ficou claro e incontroverso que a Constituição não se limita a designar os tributos por seus nomina júris, mas, pelo contrário, em cada caso fixa um conceito científico-jurídico preciso...” (Id.)

555 PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 250.

199

esquema formal do suposto normativo. Esse verbo há de ser pessoal e

transitivo, cujo predicado é incompleto e por isso pede um complemento que

impreterivelmente há de existir. A conclusão é a de que por conta da natureza

do verbo, é obrigatória a presença desse complemento.

Isso não é novidade, pois quando se analisou a hipótese da regra-

matriz de incidência tributária da contribuição objeto deste trabalho, pôde-se

concluir que os verbos “pagar” ou “creditar” demandam os complementos

“salário” e “demais rendimentos destinados a remunerar o trabalho”, “à pessoa

física”.

A remuneração, portanto, deve ser paga ou creditada à pessoa

física que preste serviço, mesmo sem vínculo de emprego, para que o fato se

subsuma a norma556.

... a relação contratual deve dar-se com a pessoa física diretamente. Não estão abrangidos pela norma valores pagos ou creditados a empresas contratadas para a prestação de serviços ou mesmo a cooperativas de trabalho, pois a relação, nestes casos, dá-se com pessoa jurídica.

557

A Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, contudo, alterou a

redação do art. 22 da Lei n 8.212/91, fazendo a inserção do inciso IV: “Art. 22.

A contribuição a cargo da empresa...: IV - quinze por cento sobre o valor bruto

da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que

lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de

trabalho”558

556

“Art. 195 (...): I (...): a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (...)” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).

557 LEANDRO PAULSEN, Contribuições..., p. 113.

558 “Art. 15. Considera-se: I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de

atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional; II - empregador doméstico - a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico. Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.” (Lei nº 8.212/91).

200

A inclusão acabou por instituir contribuição, a cargo das empresas

tomadoras de serviços de cooperativas de trabalho, incidente sobre o valor da

nota fiscal de prestação de serviços.

Tratando, então, de pagamento à cooperativa, instituição

equiparada à empresa pela própria lei nº 8.212/91, não há que se falar em

enquadramento do arquétipo do art. 195, I, da Constituição, razão pela qual

não haveria como se sustentar a contribuição.

Há, sobre o tema, no Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de

Inconstitucionalidade que tramitava sob a relatoria do Ministro aposentado

Cezar Peluso, hoje substituído pelo Ministro Teori Zavascki, pendente de

julgamento. Em Ação Cautelar, o então Ministro Cezar Peluso, por oportuno,

proferiu seu entendimento: “É controversa a matéria sobre a

constitucionalidade do inc. IV do art. 22 da Lei nº 8.212/91, com redação dada

pelo art. 1º da Lei nº 9.876/99. A questão é objeto da ADI nº 2594, de minha

relatoria, e ainda não decidida. E é inegável a profunda divergência sobre o

tema, o que dá razoabilidade jurídica à pretensão cautelar, porque se não

exponha a contribuinte às vicissitudes da exigência do tributo.”559.

Conforme já debatido anteriormente, o legislador constitucional,

através do Poder Constituinte que lhe fora conferido, distribui as competências

tributárias ente os entes políticos, tendo, contudo, delineado as respectivas

hipóteses de incidências tributárias. Como ensina o mestre GERALDO

ATALIBA, o conceito jurídico-positivo do tributo é extraído, sempre, da

observância e análise das normas jurídicas constitucionais:

No Brasil..., a ampla, minuciosa e estrita disciplina constitucional das competências tributárias retira toda a liberdade do legislador no fixar os aspectos das hipóteses de incidência tributária. Assim, sua materialidade só pode ser a constitucionalmente prevista.

560

559

Ação Cautelar nº 2.111/SC (AC 2111/SC, Supremo Tribunal Federal). No mesmo sentido: AC nº 1805/SP (Supremo Tribunal Federal, Relatora Ministra Carmen Lúcia).

560 Hipótese de incidência..., op. cit., p. 35.

201

A materialidade de um tributo, portanto, já constitucionalmente

prevista, não dá margem às modificações infraconstitucionais.

Não há maiores dificuldades em se identificar que a contribuição

prevista na Lei nº 9.876/99, que alterou o art. 22, da Lei n 8.212/91, para que

pudesse produzir efeitos válidos no ordenamento jurídico deveria ter sido

instituída ou com fundamento no art. 195, I, da Constituição de 1988; ou ter

preenchido os requisitos do § 4º do mesmo artigo, e, neste caso, deveria ter

sido instituída por Lei Complementar.

Pela simples análise da Lei nº 9.786/99 pode-se dizer que quando

de sua edição não fora utilizada Lei Complementar, razão pela qual se afasta a

possibilidade de utilização da base esculpida no §4º, do art. 195, da

Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, quando do advento da Lei nº 9.786/99, já estava

em vigência a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 que acabara de ampliar a

esfera de competência da União para a instituição de contribuições destinadas

ao Sistema da Seguridade Social, incidentes sobre as remunerações pagas ou

creditadas nos termos da redação do art. 195, I, “a”. A partir daí, passou a ser

possível a instituição de contribuições sociais incidentes sobre quaisquer

rendimentos do trabalho pagos ou creditados à pessoa física, pagos pela

empresa, como forma de remunerar o trabalho prestado.

Fato é que o Supremo Tribunal Federal, como lembra ANDREI

PIUTTEN VELLOSO, considerou desnecessária a utilização de Lei

Complementar para a regulação das contribuições previstas no art. 195, incisos

I, II e III. O Tribunal Supremo, na oportunidade, consagrou entendimento no

sentido de que apenas as contribuições nascidas com respaldo no §4º, do art.

195, proclamavam pela necessidade de serem veiculadas através de lei

complementar. Isso quer dizer que se a contribuição indicada na Lei nº

9.786/99 tem respaldo no art. 195, I, “a”, e sua constitucionalidade não pode

ser contestada por vício formal561.

561

“E, quanto a reserva de lei complementar para a regulação das contribuições nominadas no artigo 195, o STF considerou-a inexistentes, no julgamento do RE 138.284.”

202

“É questionável, no entanto, a possibilidade de se encontrar

matriz no art. 195, I, a, da CF, para a contribuição a cargo das empresas

contratantes de cooperativas de trabalho prevista pela Lei nº 9.876/99.”562

Ora, pela simples leitura do art. 195, I, “a”, da Carta Magna, pode-

se dizer que a contribuição prevista no inciso IV, art. 22, da Lei nº 8.212/91, ali

também não encontra fundamento de validade, haja vista que embora o

dispositivo constitucional tenha atribuído competência para a tributação sobre

os rendimentos do trabalho, a contribuição em tela tem por base de cálculo o

valor bruto da nota fiscal ou fatura.

Além disso, o arquétipo constitucional da contribuição patronal

previdenciária sobre a “folha de salários” atribuiu competência à União para

instituir contribuição, ou seja para tributar, os rendimentos pagos ou creditados

à pessoa física, e não os valores pagos à cooperativas como traça a Lei nº

9.786/99.

Daí porquê não existe possibilidade se manter a matriz da

contribuição instituída pela Lei nº 9.786/99 resguardada pelo art. 195, I, “a”, da

Constituição, eis que não há qualquer relação entre referido dispositivo

constitucional e o regramento criado pela citada lei, o que atesta a

inconstitucionalidade da exação. Da mesma forma, não há como se

estabelecer relação com o § 4º do mesmo art., haja vista que haveria

necessidade de veiculação através de Lei Complementar.

Há que se aguardar o julgamento definitivo junto ao Supremo

Tribunal Federal, que inclusive já admitiu repercussão geral acerca do caso563,

eis que os julgamentos nos Tribunais Regionais Federais têm admitido a

legalidade da exação, declarando, para isso, a constitucionalidade da

contribuição564.

(Comentários..., op. cit., p. 124). (STF, RE nº 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, julgado em 01/07/1992).

562 Id.

563 Recurso Extraordinário nº 595838/SP (RE 595838/SP, Supremo Tribunal Federal).

564 AC 5003733-33.2012.404.7205/SC, julgado em 07/08/2012, 2ª Turma, Relator Luiz Carlos

Cervi; APELREEX 5004344-77.2012.404.7110, 2ª Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona. (Fonte: Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acessado em 28/02/2013). No

203

Enfim, postas as considerações até aqui expendidas, vale

destacar que as contribuições sociais ensejam a ocorrência da vinculação não

à uma atividade estatal, mas sim à uma finalidade específica, que demanda a

destinação da receita, à medida em que as contribuições são “chamadas” tanto

a dar suporte a um dos fundamentos da República, consistente na dignidade

da pessoa humana (art. 1º, III), como a alcançar o objetivo fundamental da

promoção do bem de todos (art. 3º, IV).

Ao legislador, a partir dessas premissas, é dada a liberdade

suficiente, notadamente ao constituinte, para alocar as receitas decorrentes

das contribuições aos programas do Sistema de Seguridade Social, até porque,

a boa aplicação dos recursos é pressuposto para a promoção dos anseios

constitucionais. Entretanto, ainda que o escopo sejam os objetivos

constitucionais e para isso houve liberdade na alocação de contribuições, não

há nenhuma liberdade para manutenção da higidez do sistema com base na

violação do princípio da legalidade e, por corolário, da segurança jurídica.

Mesmo na “desordem tributária do Brasil” jamais pode-se perder

de vista que a criação, majoração ou extensão do campo de abrangência das

contribuições, em especial aquela devida pelas empresas sobre a “folha de

salários”, pode atropelar as premissas constitucionais. Jamais, portanto, haverá

de se admitir o excesso de receita do Estado com a arrecadação de

contribuições, até porque o custeio é encargo atribuído a todos os atores

sociais com base no princípio da solidariedade565.

Daí se deduz que o aumento no custeio, além de encontrar

justificativa na demonstração da insuficiência financeira, deve ser suportado

por toda a sociedade mediante recursos provenientes dos orçamentos dos

entes políticos e das contribuições sociais devidas, neste caso, pelas

empresas.

mesmo sentido: AC 0012092-91.2000.4.01.3800/MG, Relator Alexandre Buck Medrado Sampaio, 1ª Turma Suplementar , julgado em 30/11/2012 (Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Acessado em 28/02/2013). AMS 200351010199109/RJ, Relator Luiz Norton Baptista de Mattos, 4ª Turma Especializada, julgado em 29/03/2011. (Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Acessado em 28/02/2013).

565 Ib. op. cit., p. 575.

204

Salta á vista o fato de que no Direito Tributário a legalidade é

barreira intransponível que resguarda o contribuinte das arrecadações

desmedidas. Essa função de garantia, que integra o conjunto que LOUIS

TROTABAS chamou de estatuto do contribuinte566, é regulada pelo princípio

fundamental da legalidade que deve ser lido tanto na vertente restritiva onde a

ordem é não infringir a lei, como na vertente ampliativa, onde a ordem é

também a de agir nos termos da Constituição567.

É que essa idéia de agir nos termos da Constituição extrapola

para alcançar a própria idéia de segurança jurídica, via de regra relacionada

com a certeza do direito, ou melhor, com a previsibilidade da atuação estatal

que deve sempre pautar-se para repugnar as surpresas, eis que segura é a

sociedade que têm certeza de que os comportamentos do Estado não

discreparão568.

A conclusão é que no Sistema Tributário, a segurança se realiza

através do princípio da legalidade, “afinal, previsibilidade, clareza e

durabilidade do direito somente a lei poderia assegurar”569

A Constituição também garante a equidade na forma de

participação do custeio desse sistema, de modo que cada qual deve contribuir

com base na idéia da justa proporção sem que, todavia, seja deixada de lado a

isonomia no trato entre os diferentes contribuintes.

Da mesma forma, a Carta Magna (expressão do princípio da

legalidade) também traz a diretriz da diversidade da base de financiamento do

sistema. O fez, atribuindo a responsabilidade do financiamento a todos os

atores sociais, explicitando, dessa forma, não apenas a diversidade inerente às

pessoas que verterão contribuições ao sistema, mas chancelando a idéia de

equidade na participação do custeio social

566

Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 193. 567

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 78. 568

GERALDO ATALIBA, República e Constituição, op. cit., p. 156. 569

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 60.

205

CONCLUSÃO

“Voltemos os olhos para os primeiros princípios” como bem

formulou OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO. Voltemos porque “mais

se deve preocupar com a solidez dos alicerces que com as cores vistosas das

paredes”570.

Voltemos porque a segurança é um dos valores mais

fundamentais da humanidade e que ao Direito cabe preservar. É que

segurança se faz com respeito à lei. É que o respeito à lei é que garante a

liberdade indispensável ao cidadão.

Esse trabalho, contudo, não se prestou a incursionar nesse

elevado plano de discussão, limitando suas referências ao Direito Positivo, em

especial apontando violações aos direitos fundamentais dos contribuintes, aqui

representados pelo princípio da legalidade e da segurança jurídica. Preocupou-

nos a relação jurídica tributária nos moldes constitucionais, e não a relação de

poder entre administrador e administrados.

Pó isso é que se desenvolveu no trabalho o interesse pelo estudo

da Constituição da República de 1988, por sinal, excelente instrumento para o

controle do poder estatal. Certamente o que direcionou as assertivas foi a idéia

do controle constitucional, seja pelo respeito aos princípios constitucionais, seja

pela isolada idéia da “criação constitucional de tributos” que reclama o fato de

que nosso Sistema Constitucional Tributário é deveras peculiar porque trata a

matéria tributária de modo exaustivo e singular, quase “totalitário”.

Há muito tempo, a sagacidade de GERALDO ATALIBA já

externado essa idéia. Suas conclusões foram justamente no sentido de que no

campo tributário, tudo parece construído e acabado na própria Constituição, de

modo que muito pouco resta ao legislador infraconstitucional senão obedecer

as diretrizes constitucionais e apenas em raras exceções contribuir de forma

mais expressiva.

570

Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 186-187.

206

Mas o que de novo pode contribuir o legislador infraconstitucional

num país cuja Constituição inundou “com princípios e regras atinentes ao

Direito Tributário”571?

Dentre os princípios, a legalidade denota que o Estado não pode,

livremente, decidir quando, como, em que intensidade e de quem pode cobrar

tributos. Evidente que o Estado envidará seus esforços para arrecadar os

tributos devidos, entretanto o fará em observância às diretrizes constitucionais,

que no Brasil escapam de orientações meramente axiológicas para abarcar

verdadeiras normas que contemplam os critérios da norma jurídica tributária de

incidência, tanto da hipótese quanto da conseqüência tributárias.

Há, ainda, o fato de que não há na Constituição brasileira,

qualquer exceção ao princípio da legalidade. Entretanto, não se pode confundir

o significado dessa assertiva e concluir que no campo tributário a Constituição

já teria esgotado todas as possibilidades de modelar a regra-matriz de

incidência tributária. Espaço existe, contudo não é novidade que a Carta

Magna estabeleceu muito da hipótese de incidência dos tributos.

O perfil mínimo de um tributo já fora contemplado, restando pouco

ao legislador infraconstitucional e talvez por isso JOSÉ ROBERTO VIERA já

tenha concluído que a Constituição criou sim tributos, ainda que no seu mínimo

existencial. Isso porque, a Constituição da República contempla a hipótese de

incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base

de cálculo possível e a alíquota possível.

A Constituição, nesse contexto, ao definir as competências

tributárias também estabeleceu a norma-padrão de incidência, ou seja, a regra-

matriz de incidência de cada tributo. A higidez das diretrizes edificadas na

Constituição abrange aspectos de proteção dos direitos fundamentais.

A instituição de contribuições sociais, de fato, constitui um

instrumento essencial para cobrir os altos custos inerentes à efetivação dos

direitos fundamentais e sociais elencados na Constituição Federal. Contudo, o

571

SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, p. 1.

207

eventual desequilíbrio entre o que se arrecada e o que se gasta não pode, por

si somente, intensificar a tributação das empresas em detrimento de princípios

basilares do Estado Democrático de Direito, como a legalidade, a segurança

jurídica e também objetivos da Ordem Social calcados na solidariedade, tais

como a equidade na participação do custeio e a diversidade da base de

financiamento.

Ora, a essência da contribuição patronal previdenciária sobre a

“folha de salários” é escancarada na própria Constituição e isso ficou

evidenciado quando na análise da regra matriz de incidência tributária no

capítulo terceiro. Tudo parece ter sido contemplado na Constituição, de modo

que não há espaço para a instituição ou a majoração dessa contribuição de

forma alheia ao que fora projetado na Constituição. É justamente nesse ponto

que o Princípio da Legalidade assume condição essencial à higidez do sistema

tributário brasileiro.

Não há contexto, portanto, para garantir a saúde do Sistema de

Seguridade Social com base na distorção do modelo tributário, deixando de

lado princípios fundamentais constitucionais, para justificar a manutenção de

demandas sociais.

Afinal, como é sabido, não é possível, no plano infraconstitucional,

norma legal estabelecer fato jurídico tributário diverso para a contribuição social

daquele que cuida o inciso I, “a”, do art. 195 da Constituição Federal. Até

porque, o receio de que, sendo o sistema da previdência social contributivo e

obrigatório, a falta de cobrança de contribuição nas circunstâncias pretendidas

pelo INSS não pode justificar toda uma argumentação que para atingir seu

desiderato viole o art. 195 da Constituição da República.

Finalmente, a garantia do princípio da legalidade, direito

fundamental do contribuinte, é contenda tão indispensável no contexto do

Estado Social Democrático de Direito, quanto àquela relativa à manutenção

das respostas às necessidades públicas erigida constitucionalmente.

208

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