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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Comunicação Social Adelaide Cristina Rocha de la Torre Chao Comunicação e cultura: a Feira das Yabás Rio de Janeiro 2015

Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Comunicação …§ão... · 2017. 3. 14. · Fig. 04 Prato de carne seca com abóbora – FDY novembro 2014 39 Fig. 05 Barraca de

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades

Faculdade de Comunicação Social

Adelaide Cristina Rocha de la Torre Chao

Comunicação e cultura: a Feira das Yabás

Rio de Janeiro

2015

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Adelaide Cristina Rocha de la Torre Chao

Comunicação e cultura: a Feira das Yabás

Dissertação apresentada, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre, ao Programa

de Pós-Graduação em Comunicação, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área

de concentração: Cultura de massa, Cidade e

Representação Social

Orientador: Prof. Dr. João Luis de Araújo Maia

Rio de Janeiro

2015

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CATALOGAÇÃO NA FONTE

UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

dissertação, desde que citada a fonte.

________________________________ _____________________

Assinatura Data

A ficha catalográfica deve ser preparada pela equipe da Biblioteca e

fica pronta em 48 horas úteis. Ela deverá ser inserida neste local e não

deve ser contada para fins de paginação.

Na versão impressa, deverá constar no verso da folha de rosto.

Formatar a fonte conforme o modelo escolhido para todo o trabalho

(Arial ou Times New Roman)

A ficha desta máscara foi inserida através do recurso de selecionar,

copiar e colar especial como documento do Word (objeto). É possível

editá-la dando dois cliques em cima da ficha com o botão esquerdo do

mouse.

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Adelaide Cristina Rocha de la Torre Chao

Comunicação e cultura: a Feira das Yabás

Dissertação apresentada, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre, ao Programa

de Pós-Graduação em Comunicação, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área

de concentração: Cultura de Massa, Cidade e

Representação Social.

Aprovada em 06 de abril de 2015.

Banca Examinadora:

_____________________________________________

Prof. Dr. João Luis de Araújo Maia

Faculdade de Comunicação Social - UERJ

_____________________________________________

Prof. Dr. Ricardo Ferreira Freitas

Faculdade de Comunicação Social - UERJ

_____________________________________________

Prof.ª Dra. Maria Cláudia da Veiga Soares Carvalho

Instituto de Nutrição Josué de Castro - UFRJ

Rio de Janeiro

2015

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DEDICATÓRIA

À Tia Lindú e minha avó Noemia (in memorian) que me apresentaram o mundo fascinante

da música e da comida popular brasileira através dos festejos em seus quintais, sempre

animados na rua Aristides Ático, Salvador - Bahia.

A todas as pessoas que fazem da comida um ato de amor e comunhão.

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AGRADECIMENTOS

Não imaginei que um trabalho como esse envolvesse tantas pessoas e muitas emoções.

Agradeço a meus pais, Nilton e Sonia, que pautaram a cultura como legado e me

proporcionaram momentos inesquecíveis de aprendizado. A José Luis, por ter topado todas

as paradas dessa pesquisa ao meu lado, pelo amor e apoio quando o leme mudou a direção

do barco para a vida acadêmica. Ao meu filho Arthur pelo carinho e companhia constantes

no campo, em casa e nas conversas. A todos da minha família que colaboraram com a

compreensão que este trabalho exigia.

Ao meu orientador e amigo João Maia, pela liberdade e segurança que me

proporcionaram a fluidez e o prazer nesta pesquisa. Pelas experiências, orientações,

conversas, leituras indicadas, parceria nos congressos e pela oportunidade da docência, o meu

“muito obrigada”.

Aos queridos professores Ricardo Freitas e Maria Claudia Carvalho pela generosidade

e confiança dedicados nas bancas deste projeto, pelo direcionamento durante as aulas e pelo

carinho nas conversas nos corredores.

À Dayse Serra, responsável pelo meu equilíbrio emocional, minha fé na vida

acadêmica e por este mestrado – do sonho à realidade.

Ao Grupo de Pesquisa CAC (Comunicação, Arte e Cidade) pelas dicas, leituras e

discussões sempre com muita alegria e barulho, especialmente aos meus amigos Libny Freire,

Eduardo Bianchi e Lilian Ribeiro pela cumplicidade. Ao CNPq pela bolsa que proporcionou

o apoio financeiro durante este trabalho.

Ao corpo de professores do PPGCOM UERJ, especialmente Cintia Fernandes, José

Ferrão e Muniz Sodré pelo estímulo à pesquisa, ciência e comunicação.

À minha turma de Mestrado 2013 pela vivência, trocas e amizades, especialmente à

Angelina Nunes na generosidade de seu olhar fotográfico no cotidiano da pesquisa de campo.

À alegria das colegas doutorandas Camila Augusta e Rosane Feijão.

Às iabás, motivo deste estudo, pelo acolhimento e carinho maternal ao longo das

visitas à Feira, especialmente às Tias Nira Santos e Selma Candeia.

Às amigas Tatiane Mendes, Tatiana Couto, Gisele Paris, Elis Vasconcelos e Pollyana

Escalante porque “desistir nunca foi opção”. Somos um time!

E finalmente aos meus alunos, com carinho às turmas de Teoria da Comunicação II

2014 (FCS-UERJ), razão pela busca desse compromisso – a docência.

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A comida para os seres humanos é sempre cultura, nunca apenas pura natureza.

Massimo Montanari

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RESUMO

CHAO, Adelaide Cristina Rocha de la Torre. Comunicação e Cultura: a Feira das Yabás.

2015. 108f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de Comunicação Social,

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

Partindo do que nos conta a história cultural sobre a formação das cidades, este

trabalho apresenta uma reflexão acerca do que teoricamente está à margem, daquilo que

parece despercebido, oculto: o subúrbio, muitas vezes confundido com a noção de periferia,

mas que, especialmente no Rio de Janeiro, tem um conceito particular. O modo peculiar (e

quase exclusivo) do subúrbio carioca irá ilustrar questões relativas ao cotidiano, às

socialidades e aos imaginários da cidade, norteando o campo da cultura e da comunicação no

cenário atual. Mediados pela comida, música, ritos culturais e religiosos do bairro de

Madureira, esta pesquisa adentrará o universo da Feira das Yabás – um evento de música e

gastronomia negra carioca - para investigar as representações da comida a partir das tradições,

usos e “modos de fazer” que permeiam a cultura carioca. Partindo de uma etnografia

exploratória, utilizando a observação participante, problematizaremos as configurações de

comensalidade, apropriadas à rua enquanto território de festa e que contribuem para a

memória e renovação das manifestações da cultura popular brasileira.

Palavras-chave: Comunicação. Cultura. Feira das Yabás. Subúrbio. Madureira.

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ABSTRACT

Starting from that tells the cultural history of the formation of cities, this paper presents a

reflection on what is theoretically the margins, what seems unnoticed, hidden: the suburb,

often confused with the notion of periphery, but that especially in Rio de Janeiro, has a

particular concept. The peculiar way (and almost exclusively) of Rio de Janeiro suburb will

illustrate issues relating to daily life, to socialities and imaginary city, guiding the field of

culture and communication in the current scenario. Mediated food, music, cultural and

religious rites of Madureira neighborhood, this research will step into the world of Fair Yabás

- a music and Rio black gastronomy event - to investigate the role of food from the traditions,

customs and "modes do "that permeate the Rio culture. Starting from an exploratory

ethnography, using participant observation, we question the edibility settings appropriate to

the street as party territory and contribute to memory and renewal of manifestations of

Brazilian popular culture.

Keywords: Communication. Culture. Fair Yabás. Suburb. Madureira.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA PÁGINA

Fig. 01 Mercadão de Madureira 15

Fig. 02 Parque Madureira 15

Fig. 03 Barraca de Tia Nira – FDY julho 2014 39

Fig. 04 Prato de carne seca com abóbora – FDY novembro 2014 39

Fig. 05 Barraca de Tia Nira em frente à sede da Velha Guarda – FDY

dezembro 2014

42

Fig. 06 Dona Neuza e sua tatuagem – FDY novembro 2013 43

Fig. 07 Dona Neuza – FDY maio 2014 43

Fig. 08 Barraca de tia Selma Candeia – FDY outubro 2014 44

Fig. 09 Barraca de tia Selma Candeia – FDY outubro 2014 44

Fig. 10 Busto em homenagem a Paulo da Portela – GRES Portela – novembro

2014

47

Fig. 11 Busto em homenagem a Natal da Portela – GRES Portela – novembro

2014

47

Fig. 12 Apresentação de Jongo – FDY julho 2014 53

Fig. 13 Apresentação de Jongo – FDY julho 2014 53

Fig. 14 Ester Maria de Jesus 53

Fig. 15 Almoço às mães – Sede da Velha Guarda da Portela – maio 2014 56

Fig. 16 Almoço às mães – Sede da Velha Guarda da Portela – maio 2014 56

Fig. 17 Aniversário de Marquinhos de Oswaldo Cruz com iabás – FDY

outubro 2014

61

Fig. 18 Grupo das Yabás 62

Fig. 19 Tia Nira sambando o “miudinho” – palco FDY janeiro 2014 70

Fig. 20 Tia Nira Santos – FDY novembro 2014 71

Fig. 21 FDY - 12 de novembro de 2014 73

Fig. 22 Tia Jane Pereira – FDY novembro 2014 74

Fig. 23 Quadra da Escola de Samba Portela – novembro 2014 75

Fig. 24 Tia Selma Candeia – FDY setembro 2014 77

Fig. 25 Barraca de Tia Surica – FDY julho 2013 78

Fig. 26 Frequentadores da FDY – julho 2014 82

Fig. 27 Frequentadores da FDY – novembro 2013 82

Fig. 28 Família reunida para o almoço – FDY outubro 2014 85

Fig. 29 Comensalidade – FDY novembro 2013 93

Fig. 30 Comensalidade – FDY novembro 2013 93

Fig. 31 A preparação da comida – FDY setembro 2014 96

Fig. 32 Entrevistados Sandra, Wallace e Eliane (esq. para dir.) – FDY julho

2014

96

Fig. 33 Logomarca da Feira das Yabás 98

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LISTA DE TABELAS

:

Tabela 1 –

Linha do Tempo – Rio de Janeiro / Madureira

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

G.R.E.S Grêmio Recreativo Escola de Samba

FDY Feira das Yabás

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COMUNICAÇÃO E CULTURA: A FEIRA DAS YABÁS

Sumário

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 14

1 – DESVELANDO O COTIDIANO....................................................................... 18

1.1 A metodologia e as investidas no campo......................................................... 19

1.2 As entrevistas................................................................................................... 20

2 – “LÁ VEM O TREM CHEGANDO COM O POVO DO SAMBA”: AS

TRANSFORMAÇÕES E A HISTÓRIA CULTURAL DO RIO DE

JANEIRO.....................................................................................................................22

2.1 A virada do século no Rio de Janeiro: “Oui, nous sommes Modernes!”......... 22

2.2 "Central" do meu Brasil inteiro: o trem e a Modernidade da cidade.............. 23

2.3 Conceituando Subúrbio e Periferia.................................................................. 26

2.4 O “conceito carioca” de subúrbio.................................................................... 29

2.5 Periferia: o “modelo carioca de segregação”................................................... 32

2.6 Em Madureira, lá, laiá... .................................................................................. 34

2.6.1 As representações dos bairros – Madureira e Oswaldo Cruz .......................... 35

2.6.2 A Feira das Yabás............................................................................................ 38

2.6.3 Primeiras experiências em campo.................................................................... 42

3 – OS IMAGINÁRIOS SOCIAIS DA FEIRA DAS YABÁS............................... 45

3.1 O samba e suas escolas.................................................................................... 45

3.1.1 G.R.E.S. Portela............................................................................................... 45

3.1.2 G.R.E.S. Império Serrano................................................................................ 48

3.2 O jongo e suas rodas........................................................................................ 50

3.3 Dona Ester e os almoços de quintal................................................................. 53

3.4 Velha Guarda - memórias de um povo............................................................ 55

3.5 Marquinhos de Oswaldo Cruz: comida + samba = Feira das Yabás............... 56

3.6 Iabás - herança e memórias............................................................................. 62

3.6.1 Tia Neném....................................................................................................... 62

3.6.2 Tia Edith e Tia Jane Carla............................................................................... 64

3.6.3 Tia Jussara e Tias Vera e Janaína de Jesus...................................................... 65

3.6.4 Tia Marlene...................................................................................................... 66

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3.6.5 Tia Natércia e Tia Rose.................................................................................... 67

3.6.6 Tia Neide Santana............................................................................................ 68

3.6.7 Tia Nira............................................................................................................ 69

3.6.8 Tia Rosângela e Tia Romana........................................................................... 71

3.6.9 Tia Vera Caju e Tia Jane Pereira..................................................................... 73

3.6.10 Tia Selma Candeia........................................................................................... 75

3.6.11 Tia Surica......................................................................................................... 77

4 – A COMIDA QUE COMUNICA......................................................................... 79

4.1 Uma “sociologia da refeição. .......................................................................... 79

4.1.1 Prazer e gosto de comer................................................................................... 81

4.1.2 Culinária afro carioca...................................................................................... 82

4.2 Tradição e costumes - as linguagens e identidades da comida........................ 85

4.2.1 O que é ser iabá na Feira das Yabás................................................................ 87

4.2.2 Os “modos de fazer” dos quitutes................................................................... 90

4.3 A geografia da comida.................................................................................... 91

4.3.1 “Quintal a céu aberto” – a festa e seus convidados......................................... 94

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 96

REFERÊNCIAS.........................................................................................................99

TABELA .................................................................................................................. 103

ANEXO A ................................................................................................................ 105

ANEXO B ................................................................................................................ 107

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14

INTRODUÇÃO

Madureira sempre me encantou. Suas ruas largas, comércio farto e barato, arquitetura

que ainda preserva casas residenciais com quintal, redes e espreguiçadeiras na varanda.

Considerado bairro “berço”1 do samba, localizado na zona norte do Rio de Janeiro, Madureira

é um lugar que exala ritmo e a música se faz presente em todos os cantos – os alto falantes

do Mercadão e da Estrada do Portela anunciam promoções do comércio, as quadras das

escolas de samba Império Serrano e Portela comumente realizam eventos, ensaios e shows.

O viaduto Negrão de Lima deixa de ser um estacionamento de carros durante o dia para se

transformar no reduto do maior Baile de Charme do subúrbio carioca. E ainda tem o Parque

Madureira, criado para ser uma enorme área de lazer, cultura e entretenimento na zona norte

da cidade.

Ao regressar ao ambiente acadêmico, tive a convicção de que desvelar o cotidiano do

subúrbio e seus fluxos comunicacionais seria a minha “meta de pesquisa” e Madureira,

certamente, era o local. Mas como recortar o objeto de pesquisa diante da diversidade cultural

e histórica de Madureira?

Madureira carrega em seu legado, as tradições e costumes de tantas culturas, a

exemplo da brasileira, africana e indígena. O bairro e seus arredores, abrigaram ex escravos

e imigrantes nordestinos, desde a sua formação. Todas essas práticas, fluxos e dinâmicas

cotidianas do bairro se assemelhavam, ao meu ver, com minha cidade natal, e assim davam-

me a impressão de que a Bahia estava em Madureira. Esses antepassados ajudaram a construir

a história cultural do bairro, por meio da comida, música, ritos religiosos, festas, oralidade

(conversas com a vizinhança) e trabalho árduo. Diante dessa proximidade com a Bahia, me

apaixonei por Madureira, tão rapidamente.

Primeiro, sob orientação dos professores Marcelo Kischinhevsky, durante o curso de

Metodologia de Pesquisa em Comunicação e das conversas frequentes com meu professor

orientador, João Maia, aprofundei minhas leituras e pesquisas sobre o subúrbio carioca – sua

história, arquitetura e formação. Precisava entender que no Rio de Janeiro, o subúrbio possui

um conceito particular. Era necessário ampliar os conceitos de subúrbio e periferia, para além

1 A expressão “berço” do samba refere-se à história cultural do samba desde a formação do bairro no final do

século XIX e às influências que personalidades de Madureira, como Paulo da Portela, Manacéia, Clara Nunes,

Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Arlindo Cruz e muitos outros têm na memória do samba na cidade do

Rio de Janeiro. Fonte: http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2013/10/31/berco-do-samba-madureira-e-

sinonimo-de-alegria-e-de-tradicao-cultural/ acesso em 01/11/2013

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do contexto social do bairro. Identificar como através de sua formação e evolução histórica,

Madureira passou de fazenda a bairro até se transformar no maior bairro de comércio popular2

do subúrbio carioca.

Iniciei minha inserção no campo. Comecei a “flanar” pelas ruas, feiras, festas, pelo

Mercadão e Parque de Madureira. Circulando em diferentes dias e horários, conversando com

moradores, vendedores, camelôs, ambulantes, lojistas fui percebendo o Mercadão como um

marco histórico do bairro, um ponto de referência de tudo o que acontece em Madureira.

Maior centro de comércio popular do bairro, o Mercadão de Madureira comercializa (entre

outras coisas) tudo que se refere a gastronomia, como utensílios para cozinha, produtos para

restaurantes, uma variedade farta de temperos e especiarias nacionais e internacionais. Os

botecos e restaurantes da parte interna e do entorno do Mercadão mantêm a história do lugar

e da comunidade que ali frequenta. No Mercadão, todos sabem de tudo o que acontece em

Madureira. Tudo mesmo. Basta perguntar sobre os ensaios e feijoadas nas quadras das escolas

de samba, os bailes funk e de charme, os eventos nas estações de trem e no Parque Madureira.

Fig. 01 – Mercadão de Madureira – junho/2013. Foto: Adelaide Chao

Fig.02 – Parque Madureira – outubro/2013. Foto: Adelaide Chao

Num destes dias de visita (e compras) recebi um folheto que convidava a participar

da Feira das Yabás3. Uma feira de comida típica carioca, organizada pelas matriarcas de

Madureira, mulheres tradicionais4 da comunidade que fazem os quitutes para vende-los em

2 A região da Saara, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, abriga, também, o maior centro de

comercio popular da cidade, apesar de não ser considerado bairro. Fonte:

http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2013/10/31/berco-do-samba-madureira-e-sinonimo-de-alegria-e-de-

tradicao-cultural/ acesso em 01/11/2013 3 Em todo o texto utilizaremos a expressão Yabás em referência à Feira das Yabás, enquanto que a grafia

Iabás (termo de origem iorubana) fará menção ao gênero feminino – às mulheres que produzem a Feira e

outros eventos em Madureira. 4 Tradicionais porque são familiares de compositores e sambistas renomados do bairro, além de terem uma

forte relação com as escolas de samba Portela e Império Serrano.

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16

barracas montadas ao redor da Praça Paulo da Portela. Além do comércio de comida e bebida,

a Feira tem apresentações de música e dança buscando reverenciar os artistas do bairro e da

cidade.

Em junho de 2013 passei a frequentar a Feira das Yabás e identifiquei a relação destas

matriarcas com comida, cultura e memória. A Feira consegue re-unir, no mesmo espaço, o

povo do bairro, a comunidade que frequenta o Mercadão, as escolas de samba, as Velhas

Guardas da Portela e do Império Serrano, a juventude que circula nos bailes de charme, no

Parque Madureira, além de turistas e moradores de outros bairros. Passei a observar que a

comida e o samba consumidos na Feira têm um sentido próprio, assim como as rodas de

jongo e a comensalidade dos almoços de domingo. Várias referências da história cultural da

cidade e, especificamente de Madureira, proporcionam na Feira das Yabás a representação

da memória e das tradições do lugar, de maneira mais ampla e intensa. Assim, a Feira das

Yabás, com toda essa riqueza comunicacional tornou-se o cenário de minha pesquisa.

Lançando um olhar acadêmico sobre a Feira das Yabás, esta pesquisa pretende

investigar as relações que a comida, enquanto agente comunicacional, exerce sobre o

imaginário social através da história, do cotidiano e das práticas de sociabilidade da região

de Madureira e Oswaldo Cruz. Três elementos fazem parte do imaginário carioca: o trem, o

samba e a comida. Partindo desse cenário, buscaremos uma análise acerca da formação do

bairro enquanto subúrbio, as memórias, tradições e o cotidiano relatado por aquelas que

fazem a efervescência de Madureira – as iabás.

No decorrer deste trabalho, o leitor encontrará uma reflexão teórica sobre os conceitos

referentes a comunicação, história cultural, memória e gastronomia ilustradas pela pesquisa

de campo.

No primeiro capítulo detalharemos as bases teóricas, a metodologia aplicada e as

experiências no campo de pesquisa.

O segundo capítulo abordará as questões relativas à cidade do Rio de Janeiro: a

formação da cidade, a chegada do trem e suas transformações e o que conceitua o subúrbio.

Será que Madureira se enquadra a uma conceituação social e geográfica vigente para o termo

subúrbio?

As reflexões do terceiro capítulo versarão sobre os imaginários sociais da Feira das

Yabás – as representações do samba, do jongo, as memórias das escolas de samba e seus

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17

baluartes e as mulheres que antecederam as festas e almoços nos quintais de casa.

Abordaremos o cotidiano dessas mulheres que se dedicam a transformar o espaço da rua em

um grande “quintal a céu aberto” como se fosse o quintal de suas casas, oferecendo comidas

típicas da culinária carioca.

No quarto capítulo analisaremos teoricamente a comida enquanto agente

comunicacional: o prazer e gosto de comer, as tradições e costumes que permeiam a culinária

dita “afro carioca”. Relataremos o que para as iabás significa “ser iabá na Feira das Yabás” e

os modos de fazer dos quitutes abordando as referências culturais. Finalizando, discutiremos

a rua como espaço de celebração e socialidades, transformando a Feira em festa.

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18

1 – DESVELANDO O COTIDIANO

Burke (2005) afirma que pesquisar sobre “culturas” é relacioná-las a situações

cotidianas, assim como é importante registrar estas fronteiras na história cultural do lugar,

aqui retratadas na Feira das Yabás. Geertz (2008) e Chartier (1995) também ressaltam o

interesse pelas significações do dia-a-dia, que antes analisadas teoricamente sob a luz da

política e da economia, ganham destaque na contemporaneidade em análises na Antropologia

Cultural e na Comunicação. À luz destes comentários, surge o interesse em identificar este

processo de hibridação5, a “ruptura de fronteiras culturais”, a partir das sociabilidades do

universo de miscigenação gastronômica da Feira das Yabás.

Quando partimos em busca deste “universo”, definimos um caminho metodológico

para que, como bom viajante, não perdêssemos o rumo da pesquisa. Ainda sem conhecer os

detalhes do objeto, buscamos através de uma releitura bibliográfica aprofundar temas que

seriam vivenciados em campo. Dialogamos com autores nas reflexões sobre cidade, culturas,

tradições e costumes, socialidades, festa, bricolagens, comensalidade e outros. Em comum a

todas essas reflexões está o cotidiano. Sendo a cultura um organismo vivo, mutável e

dinâmico (Chartier,1995), era imprescindível adentrar às práticas do dia-a-dia, ouvir as

histórias, perceber a oralidade dos atores sociais, ou seja, deixar-se envolver pelo cotidiano

do lugar e das pessoas. Juremir Machado da Silva nos diz que

(...) pesquisar o cotidiano é desvendar o que está escondido aos olhos do pesquisador; é

elucidar, fazer vir à tona, o que se encontra encoberto no ritmo do cotidiano. (...) Desvendar

significa tirar a venda dos olhos do observador. Desvelar significa tirar o véu que encobre o

objeto. Pesquisar significa trazer à razão.” (SILVA, 2010, p.29).

Até chegar à Feira das Yabás, nos permitimos vivenciar o cotidiano no bairro,

circulando nos trens, visitando o Parque Madureira em dias de festa ou não, fazendo compras

no Mercadão de Madureira ou não – apenas para conversar, observar o vai-e-vem das pessoas,

circular pelas ruas como um flaneur na tentativa de desvendar aquilo que não é evidente.

Na primeira visita à Feira das Yabás, participei como convidada, afinal tinha recebido

um folheto que anunciava o evento. Naquele momento me permiti “curtir a festa”, almoçar

com a família, dançar em frente ao palco para que tivesse as impressões de convidada - e não

como pesquisadora. Percebi que uma família inteira comemorava o que achei ser aniversário

de um parente. Além do almoço, cantaram os parabéns e repartiram o bolo entre os

5 Termo utilizado por Canclíni (2008) para explicar a análise empírica dos diversos fatores que compõem a

cultura, articulados com estratégias de reconversão que interessam tanto a classes hegemônicas como

populares, para inclusive estabelecer as identidades oriundas destes processos.

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convidados. Ali na rua, diante de todos a festa era completa. Me aproximei de um deles e

perguntei se moravam ali perto, se tinham algum parente trabalhando na Feira... E a senhora

disse que a maioria morava em Cascadura, mas que decidiram se reunir na Feira das Yabás

para comemorar os aniversariantes do mês da família. A partir daquela conversa, que se

estendeu por horas, comecei a observar a comunicação do lugar – as relações sensíveis que

envolviam as pessoas à rua.

A partir dessas observações, começamos a definir a metodologia e os caminhos da

pesquisa.

1.1 - A metodologia e as investidas no campo

A pesquisa de campo utilizou a etnografia dialógica como metodologia qualitativa,

através da observação participante – “a forma mais completa de informação sociológica”

(Beckr e Geer 1957, APUD GASKELL, 2011). Realizamos entrevistas em profundidade com

questões livres e abertas, sem tempo delimitado de duração.

Baseado nas teorias de Duarte (2009), a entrevista em profundidade é um recurso

metodológico que busca respostas a partir das experiências subjetivas do entrevistado,

selecionada por determinadas informações que se deseja conhecer. Como nos estudos

qualitativos em geral, o objetivo desse tipo de entrevista está mais relacionado à

aprendizagem por meio de identificação da riqueza e diversidade, pela integração das

informações e síntese das descobertas do que ao estabelecimento de conclusões precisas e

definitivas (IDEM, p. 63). O autor alerta que no percurso exploratório de descobertas, as

perguntas permitem aprofundar o assunto, descrever os processos e fluxos, compreender o

passado e fazer prospectivas. Possibilitam ainda identificar problemas, padrões e detalhes,

obter juízos de valor e interpretações, caracterizar a riqueza de um tema e explicar fenômenos

de abrangência limitada (Ibidem).

Ao longo das visitas ao campo capturamos cerca de 1300 fotografias, 52 vídeos e 05

arquivos de áudio, sem a intenção de realizar uma análise semiótica, mas de registrar a

evolução e o cotidiano da Feira das Yabás através de imagens. Selecionamos algumas

fotografias, ilustradas no decorrer deste trabalho.

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Diante da proximidade com o objeto de pesquisa – a comida, Carvalho (2013, p.48),

nos diz que “o olhar do pesquisador seleciona os elementos no campo; o registro de material

será produto, ao mesmo tempo, do que ele é capaz de ver e do que se mostra a ele no campo.”

As experiências na Feira das Yabás não se limitaram a fazer registros com os

informantes. Em uma perspectiva antropológica, fizemos uso de várias refeições servidas nas

barracas, o que nos aproximou das histórias das comidas, modos de fazer, as memórias

relatadas pelas iabás e seus segredos culinários.

1.2 – As entrevistas

A seleção dos informantes enquanto frequentadores da Feira foi aleatória - os

chamados informantes “naturais”, livres de segmentação previamente definida (Gaskell,

2011). A rua, enquanto espaço público, muitas vezes não deixava o informante à vontade

para se identificar, mas favorecia a liberdade para fazer os comentários e relatos. Abordamos

vários frequentadores, em dias e horários diferentes.

Um segundo grupo de entrevistados foram selecionados a partir da efetiva

participação na FDY. Entrevistamos nesta etapa o sambista Marquinhos De Oswaldo Cruz

(idealizador e produtor do evento), a iabá Tia Selma Candeia, (filha do sambista Antonio

Candeia Filho) e a iabá Tia Nira Santos (integrante da Velha Guarda da Portela). Utilizamos

a técnica de Entrevista Narrativa. Para Jovchelovitch e Bauer (2011, p.93) essa técnica tem

em vista uma situação que encoraje e estimule o entrevistado a contar a história sobre algum

acontecimento muito importante de sua vida e/ou do contexto social, com detalhes. A técnica

recebe seu nome da palavra latina narrare, que significa relatar, contar uma história.

Na fase de preparação para a entrevista narrativa aplicada às iabás Selma e Nira, foi

necessário um aprofundamento prévio da história cultural do bairro, das escolas de samba,

das rodas de jongo, os antepassados de personalidades do bairro e os eventos que antecederam

a Feira das Yabás para que pudéssemos ouvir, situar os relatos no tempo e provocar outras

perguntas que incentivassem mais relatos. Seguindo as orientações teóricas de Jovchelovitch

e Bauer (2011), as entrevistas tinham perguntas de encorajamento para que as iabás

pudessem responder sem interrupções e deixassem que as recordações construíssem o enredo

da narrativa. A pergunta central destas entrevistas foi: O que é ser uma iabá na Feira das

Yabás?

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A mesma técnica foi aplicada na entrevista com Marquinhos de Oswaldo Cruz.

Gostaríamos que ele relatasse sobre a idealização do projeto da Feira das Yabás, mas que

pudesse relatar detalhes que não foram revelados no site e nos livros. Falasse da relação dele,

pessoal, com a comida de quintal, os eventos no trem, as festas de quintal. A partir da pergunta

central: Qual o ponto de partida para a idealização da feira das Yabás? pudemos ouvir

relatos pessoais e compreender melhor a relação das iabás com os pratos oferecidos na feira.

Como Carvalho (2013, p. 49) aponta “o tipo de resposta que a entrevista nos deu não

foi necessariamente a uma pergunta; a entrevista informal não é feita somente de respostas e

perguntas.” As entrevistas e a observação participante nos permitiu conhecer as relações dos

informantes com a comida, o território e outros imaginários sociais que compõem o universo

da Feira das Yabás.

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2 – LÁ VEM O TREM CHEGANDO COM O POVO DO SAMBA: AS

TRANSFORMAÇÕES E A HISTÓRIA CULTURAL DO RIO DE JANEIRO

Apresentaremos a seguir a trajetória histórica do subúrbio no Rio de Janeiro, a partir

do surgimento do transporte ferroviário na região. Buscaremos compreender a memória

construída e reinventada na contemporaneidade deste local denominado subúrbio, discutindo

as particularidades de conceitos geográficos e sociais, específicos no Rio de Janeiro.

2.1 - A virada do século no Rio de Janeiro: “Oui, nous sommes Modernes”6

Antes que o prefeito Pereira Passos (1902-1906) realizasse a reforma urbana no Rio

de Janeiro, no início do século, projetando-a para a Modernidade, um fato relevante veio

contribuir para a história da cidade, seja na ordem econômica, demográfica, cultural, política

e social – a criação das ferrovias. Desde a sua inauguração, em 1858 pelo então imperador

D. Pedro II, a história da atual Central do Brasil contribuiu para o progresso e o retrocesso da

cidade ao longo dos anos. Através de seus trilhos surgiram os conceitos de subúrbio e

periferia, que foram moldando os espaços de sociabilidades, habitação (hábitat) (ABREU,

2003), consumo e cultura.

No final do século XIX, surge a Belle Époque, termo denominado ao período de

encantamento do mundo pelas culturas europeias. A Belle Époque representou a época da

beleza, da inovação nas artes e em diversas manifestações culturais. Foi marcada pelas boas

relações diplomáticas entre os países da Europa, dos avanços nos meios de transporte, nas

comunicações e na expansão das cidades. No Brasil, o Rio de Janeiro, então capital da

república, correspondia a este “surto”, além de trazer a sensação de que o país estava em

harmonia com o progresso e a civilização mundiais (COSTA E SCHWARCZ, 2000).

A virada do século XX é marcada, entre tantos outros aspectos, pelo progresso e por

uma nova civilização. A ciência traz à Modernidade os avanços da luz elétrica, a máquina de

escrever, as causas de várias doenças, a geladeira, os automóveis, os trens urbanos e outras

maravilhas do mundo moderno. Esta nova civilização representava uma sociedade disposta a

“apostar na inovação”, a consumir as novidades inventivas que trariam praticidade ao

cotidiano e aos novos modos de viver. (Idem, 2000)

6 “Sim, nós somos Modernos.” A expressão em francês é usada em alusão à Belle Epóque Carioca, na virada do

século XX. Trechos deste capítulo foram apresentados no 3º. Congresso Internacional Comunicação e Consumo

– COMUNICON – ESPM – SP/Brasil realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2013.

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A Revolução Científico Tecnológica do novo século começava a definir novos hábitos

e costumes sociais. A inovação chegava às casas trazendo o vaso sanitário com descarga

automática e papel higiênico, por exemplo. Escova de dentes, sabão em pó, sorvete, fogão a

gás para cozinhar mais rápido, Coca Cola nas festas e almoços de domingo e até mesmo um

Sonrisal para os momentos de mal-estar e azia (IBIDEM, p.20). Diversão e informação

invadiram o cotidiano do povo através do rádio e do cinema. Estes e tantos outros inventos

marcaram a virada do século XX. A Modernidade e suas descobertas pareciam pôr um fim

ao abismo de miséria escondida nas grandes cidades europeias. Apenas “pareciam” afinal, a

grande utopia dessa virada nas palavras das autoras, talvez tenha sido a “certeza” de ordenar

as coisas, classificar plantas, espécies, lugares, estabelecer regras e determinar condutas.

Nos comentários de Costa e Schwarcz (2000, p.17), não por acaso, velocidade é um

dos lemas deste novo século. Os transportes de massa (bonde, trens urbanos e, mais adiante,

ônibus e metrô) são os sonhos de consumo da Era Moderna. Paris é o espelho. A arquitetura

europeia, a moda, o estilo de vida, o consumo cultural, as artes, são símbolos desta época

onde o espaço ficava curto e o tempo ficava breve. A Europa avançava a passos largos em

criatividade e inovação. Restava ao Brasil, acompanhar essas tendências e adaptá-las à sua

realidade geográfica e social, tão diferentes das terras e ares parisienses.

É necessário relembrar a trajetória do surgimento do subúrbio e da periferia, seus

significados e conceitos da época e refletir se ainda fazem sentido na contemporaneidade.

Apontar algumas referências culturais que desde a criação destes espaços vem se

(re)significando ao longo dos tempos.

2.2 – “Central” do meu Brasil inteiro - o trem e a modernidade da cidade7

A chegada do trem e a expansão da malha ferroviária urbana fez surgir bairros

cariocas como Engenho de Dentro, Méier, Cascadura, Bonsucesso, Brás de Pina, Olaria,

Madureira. Fez surgir também cidades consideradas de periferia como Duque de Caxias,

Inhomirim, Magé, Japeri. A gestão do então prefeito Pereira Passos (1902-1906), durante a

presidência de Rodrigues Alves (1902-1906) foi marcada por grandes obras de reforma

7 O título e o sub-tíltulo fazem menção aos versos do samba enredo da GRES Portela 2015 - “Imagina-Rio,

450 Janeiros de Uma Cidade Surreal” – que ressalta o trem e a Central do Brasil como elementos do

imaginário carioca. VER ANEXOS.

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urbanística com alargamentos e criação de avenidas, bulevares, prédios públicos com

grandiosidade arquitetônica, inspirados na modernidade europeia.

O Rio de Janeiro precisava “afrancesar-se”. Para isso era necessário que se retirassem

as pessoas de pouca instrução e poder econômico, negros e ex-escravos que viviam em

cortiços e imóveis antigos e que não poderiam compartilhar os espaços dos novos prédios

públicos e largas avenidas com estilo europeu que estariam por vir (ABREU, 2003). Era o

público do “Bota Abaixo”8. Para estas pessoas, foram criados os bairros denominados de

subúrbio; sub-urbanos, porque foram criados distante do centro econômico e cultural da urbe

com o propósito de retirar a classe operária de baixa renda que ali vivia e que não era

condizente (estética e financeiramente) às reformas urbanas.

Estes bairros nasceram distantes do centro, nas proximidades das linhas e estações

ferroviárias que abrigaram a classe operária das fábricas. O poder público, motivado pelas

necessidades de adequar a região central e a zona sul ao controle de circulação e urbanização,

favoreceu a migração para estes territórios “sub-urbanos” com o objetivo claro de controlar

uma nova forma de habitar (ABREU, 2003). Ainda segundo o autor, chamar esta intervenção

urbanística (a primeira grande adequação do espaço carioca) de Reforma Passos é injusto

porque a maior parte dos recursos financeiros veio da União.

Os dois eixos básicos desta intervenção foram o controle da circulação e o controle

urbanístico. O primeiro visava solucionar os acessos e problemas logísticos ao centro

financeiro da cidade, como a melhoria das comunicações, o comércio de mercadorias e

serviços através da construção do novo porto do Rio de Janeiro, o alargamento e criação de

vários eixos viários, a exemplo das avenidas centrais. Esteves (2013) também nos lembra que

por causa das situações de insalubridade nos bairros, aconteciam aberturas de avenidas

visando aerações, o que se alinhava a pretensões do poder local, de controle sobre as cidades

e seus cidadãos. Já o controle urbanístico materializou-se através dos vários editais,

regimentos, portarias e outras leis decretadas pelo prefeito Pereira Passos. Desta forma, a

população que ainda resistia aos cortiços e estalagens, não teve escolha a não ser sair em

busca de outros espaços para morar. O objetivo era o controle total da forma de habitar.

(ABREU, 2003). As novas regras impunham a regulação das construções com plantas e

construtores legalizados, fachadas e materiais de construção de acordo com os padrões

8 Bota Abaixo foi o apelido dado às ações de desapropriação de residências e moradores da região central do

Rio de Janeiro para que pudesse haver as reformas urbanas que modernizaram a cidade no início do séc. XX.

(Abreu, 1987)

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estabelecidos pelo Governo, obrigatoriedade de encanamentos. Além de penalizar quem

trafegasse animais, urinasse no chão ou jogasse excrementos nas vias públicas. (IDEM,

2013).

No Rio de Janeiro, os interesses e as realizações políticas foram marcando os

percursos de pedestres e animais, no interior e nas periferias das cidades e, na medida em que

suas populações cresciam, demandavam espaços para novas ocupações, edificações e

serviços urbanos (ESTEVES, 2013). Segundo o autor, esse cenário permanente nos processos

de evolução urbana, foi determinado pelos hábitos, costumes locais e pelas tecnologias

existentes na época. A modernidade e as novas formas de produção advindas da revolução

industrial, determinavam a formação de operários que, em conjunto com as possibilidades

trazidas pelo trem a vapor, permitia que os trabalhadores e suas famílias residissem cada vez

mais longe dos seus locais de trabalho.

Surgem novas identidades para o carioca. As classes segregaram-se de acordo com o

poder político, social e principalmente econômico pelos territórios da cidade. O surgimento

dos automóveis, de custo elevado, acabou por determinar que “quem não pudesse andar de

automóvel, se virava, buscando, quando muito, soluções públicas coletivas” (ESTEVES,

2013). Nas palavras de Gralha (2009):

A partir da Nova República, o carioca tem seu espaço deslocado do privado para o público.

Este novo cidadão se reinventa através de manifestações públicas; ir ao cinema, por exemplo,

era mais importante do que ver o filme, andar de automóvel era mais importante que o destino

do trajeto, melhor dizendo, aparentar e representar era mais importante do que ser. (p.6) (...)

Na Nova República o mais importante era se livrar do aspecto provinciano e assumir uma

mentalidade e aparência europeia, buscar uma nova construção ideológica, uma nova ideia do

que se aspirava, o combate à mentalidade colonial ocupou a cena. (p.9)

Sendo assim, coube aos menos afortunados, que não podiam “andar de carro”, a opção

das ferrovias – os trens que até hoje levam a lugares distantes do centro, a outras cidades

também menos privilegiadas com os efeitos da Modernidade. Este mesmo trem que motivou

a criação de bairros e cidades às suas margens e seu entorno. Que abrigou culturas, costumes

e hábitos. Territórios que acolheram problemas e abrigaram soluções.

E no percurso destes trilhos ferroviários, nasceram o subúrbio e a periferia carioca.

No passado, símbolo de modernidade, fruto da evolução tecnológica e da urgência pelo

crescimento urbano. Hoje, um símbolo sucateado, associado como meio de transporte dos

operários e pessoas de menor poder econômico. Ainda com tantos problemas atuais, esse

ícone da modernidade, da velocidade e do progresso, nos remete a um “encantamento de

outrora”. O trem que nos transporta do centro ao subúrbio e às periferias, é também um meio

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de troca simbólica de culturas do cotidiano e que, de qualquer forma, “mesmo sem os seus

passageiros engravatados e formais, hoje com os seus passageiros simples e nada informais,

sem a limpeza de outrora, ela ainda ostenta uma majestade digna de seu nome”.

(GIESBRECHT, 2013)9.

2.3 - Os conceitos de Subúrbio e Periferia

Partir do que está à margem, do que parece despercebido, oculto: é o caso do subúrbio,

esquecido e, muitas vezes, confundido com a noção de periferia. Historicamente, os conceitos

de subúrbio e periferia urbana foram banalizados e confundidos de tal forma que ainda é

difícil encontrar uma definição clara e objetiva. Para Soto (2008), a noção de subúrbio contém

uma nova sociabilidade, uma nova concepção de espaço, dividido entre o urbano e o rural,

mas que até hoje não teve relevância acadêmica por ter sido substituído pela noção de

periferia. O autor enfatiza as palavras do sociólogo José de Souza Martins que diz que “a

periferia é a negação das promessas transformadoras, emancipadoras, civilizadoras e até

revolucionárias do urbano, do modo de vida urbano e da urbanização.” (Apud. SOTO, 2008,

p.110). Trocando em miúdos, é um olhar pessimista de que apenas o subúrbio pudesse ter a

esperança de desenvolvimento. Como o próprio SOTO ressalta, estes conceitos foram

perdendo sua capacidade explicativa, à medida que a independência econômica, cultural e

social entre centro, subúrbio e/ou periferia foram sendo valorizados.

Domingues (1994, p.5) nos diz que, enquanto agregado social, o conceito de periferia

define-se pela “dependência, pela subalternidade face às áreas centrais e aos locais de destino

dos habitantes-pendulares”. Já o subúrbio, segundo o autor, é “uma das variantes da condição

periférica, normalmente contextualizada num padrão de urbanização que atingiu uma escala

dimensional alargada”. “(...) A identificação de um subúrbio, qualquer que ele seja,

independentemente do tempo e do lugar, implica uma ideia de fragmentação do espaço

urbano." (IDEM, p.6).

Diante desta visão pessimista, de “subalternidade” não é possível ter um conceito

definitivo sobre subúrbio e periferia. Cada cidade, cada região geográfica tem características

próprias desde a sua formação. O subúrbio e a periferia não podem mais estar “à margem do

9 GIESBRECHT, Ralph. Dom Pedro II – Estações ferroviárias do Rio de Janeiro. Disponível em

<http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/dpedro.htm>acesso em 22/04/13.

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urbano”, já que falamos de territórios em constante transição e crescimento, cada vez mais

independentes das áreas centrais, ainda que em ritmos diferentes.

No Brasil, o termo subúrbio tem vários sentidos, inclusive sendo deturpado de seu

sentido original (sub urbe). Em São Paulo, o termo já foi usado para identificar os municípios

margeados pelas ferrovias e que se estendiam do centro para o interior (Soto, 2008).

Atualmente, estes subúrbios têm dado lugar ao que se chama de “periferia” a condomínios

“chiques”, a exemplo de Alphaville, bairro de comércio, casas e condomínios de luxo,

geralmente murados e que buscam contrapor a “cidade-problema”, afastando-se das

inseguranças e desconfortos das áreas centrais da capital paulista (OLIVEIRA, 2011)10.

Outros subúrbios, a exemplo de Alphaville, também identificam os espaços de loteamentos

periféricos de baixa renda, onde o distanciamento geográfico do centro coincide com o

distanciamento social (IDEM, 2013). Sob este olhar, poderíamos chamar de uma área que

está “à margem do subúrbio”.

Em Salvador, os bairros distantes do centro, na chamada Cidade Baixa, são chamados

de periferia, enquanto os bairros margeados pela linha do trem são chamados de “subúrbio

ferroviário”11, localizados geograficamente para além dos bairros de periferia.

A periferia se define pela sua (suposta) condição de dependência financeira, social e

cultural do centro; o subúrbio seria apenas uma variação da periferia, um pouco mais

urbanizada (SOTO, 2008). Em uma visão reducionista do autor, a periferia não consegue se

manter isolada do centro. Já o subúrbio é um território indefinido, fragmentado e em transição

permanente, à margem do urbano. Como se fosse um “apêndice da cidade”, mas que tem suas

variações culturais, econômicas e sociais, pouco dependentes dos principais eixos centrais da

cidade.

Para Domingues (1994), o centro monopoliza o poder, recursos econômicos,

políticos, culturais, dando ao subúrbio e a periferia um distanciamento sociológico e

geográfico tanto real como simbólico.

10 Prefácio escrito pelo geógrafo Márcio Oliveira (p.11) no livro “O rapto ideológico da categoria subúrbio”

(FERNANDES, 2011) 11 Comentários da autora que nasceu e viveu durante 25 anos em Salvador, Bahia.

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É preciso lembrar, segundo a urbanista Raquel Rolnik12, que “a periferia é marcada

muito mais pela precariedade e pela falta de assistência e de recursos do que pela

localização.” Em sua opinião, a periferia faz parte da “máquina de produção da exclusão” –

o salário dos trabalhadores formais não consegue cobrir os custos de moradia (própria ou

alugada), alimentação, vestuário, educação e lazer. Ao mesmo tempo, os investimentos na

cidade valorizam os espaços, aumentando cada vez mais o custo de vida. Neste contexto,

resta aos pobres viverem em áreas periféricas, sem acesso a recursos, infraestrutura, pouco

ou quase nenhum saneamento básico.

Ainda que em uma perspectiva descritiva e histórica, muito formal, não dialética,

Domingues (1994) explica, através da Teoria do Ciclo de Vida das Cidades, as fases de

urbanização, sub-urbanização, des-urbanização e re-urbanização na área central, no

subúrbio e na periferia. Segundo o autor, (1994: p.11) a primeira é a fase da urbanização,

caracterizada pela concentração da população e das atividades econômicas. Em seguida,

ocorre a fase da sub-urbanização, marcada por um processo de desconcentração da população

e do emprego das áreas centrais para a cintura metropolitana. Já na fase da des-urbanização

ocorre uma perda da população e do emprego no conjunto da aglomeração urbana. Por fim,

a fase da re-urbanização é caracterizada pela retomada do crescimento do emprego,

requalificação urbana de centros históricos e áreas peri-centrais.

Para Martins (apud Soto,2008), o sentido de subúrbio tem características peculiares.

De um lado o moderno, de outro o antigo e o tradicional que ao contrário de desaparecer,

permanece e faz parte de uma totalidade. O moderno e o tradicional não são antagônicos, mas

se complementam. Aqui, a fase de re-urbanização é constante, já que para o autor, “o subúrbio

é o espaço do bem-estar, do desenvolvimento social e da revolução cultural.” (SOTO 2008,

p.116). É o espaço que corresponde a uma consciência social híbrida e ao mesmo tempo

suave.

No Rio de Janeiro, o subúrbio carioca reproduz a estrutura de classe da própria cidade

em seu conjunto, numa situação muito particular, mesmo não sendo espaços homogêneos

(Oliveira, 2013). O autor alerta que esses bairros também têm suas periferias sociais, que se

espraiam para os morros, favelas e antigos conjuntos habitacionais. No Rio de Janeiro, o

conceito de subúrbio é bastante específico, com base na história da cidade e nos

12 Entrevista da urbanista Raquel Rolnik à Revista Continuum/Itaú Cultural em 14/06/2010. Disponível em

<http://raquelrolnik.wordpress.com/2010/06/14/o-que-e-periferia-entrevista-para-a-edicao-de-junho-da-

revista-continuum-itau-cultural/>. Acesso em 18/02/2013.

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desenvolvimentos urbano e social. Veremos a seguir que, o subúrbio carioca é desprendido

desta “dependência do centro” a que Soto (2008) se referiu anteriormente.

2.4 - O “conceito carioca de subúrbio”

O subúrbio do Rio de Janeiro nasceu, por regra, a partir de três grandes eixos

ferroviários na segunda metade do século XIX. A antiga Estrada de Ferro Dom Pedro II (atual

Central do Brasil) originou os bairros do Méier, Engenho de Dentro, Cascadura e Madureira.

A Ferrovia Leopoldina (antiga Estrada de Ferro do Norte, que ligava o Rio de Janeiro a São

Paulo) originou os bairros da Leopoldina, como Brás de Pina, Bonsucesso, Olaria, Ramos. E

a Linha Auxiliar (Estrada de Ferro Central do Brasil que interligava Rio de Janeiro, São Paulo

e Minas Gerais) deu origem aos bairros de Del Castilho, Jacarezinho, Pilares, Rocha Miranda

e Barros Filho (ABREU, 1987). Mas, se pensarmos historicamente, os bairros considerados

“arrabaldes” da área central da cidade a exemplo de Gávea, Botafogo e São Cristóvão, no

início do século XIX também foram considerados bairros do subúrbio. (Oliveira, 2013).

Ressaltado por Oliveira (2013), a literatura nos lembra que subúrbio é considerado

aquele lugar mais distante do centro, divisa entre o rural e o urbano, mas que não chega a ser

considerada como periferia. E esta distância não é apenas geográfica, mas também social,

econômica e cultural. Um território aonde os avanços tecnológicos e o interesse público pelo

desenvolvimento chegam com atrasos.

No Rio de Janeiro, há um conceito específico para denominar e perceber o subúrbio.

Iniciado na década de 1960, a geógrafa Maria Therezinha de Segadas Soares desenvolveu um

interessante estudo acerca do que conceitua o subúrbio no Rio de Janeiro, geográfica e

socialmente. Como categoria geográfica, Soares já considerava subúrbio os municípios de

Nova Iguaçu, Duque de Caxias, o bairro de Santa Cruz. Para a geógrafa, havia uma

discrepância ao comparar com os bairros populares e ferroviários situados dentro da área

urbana do Rio de Janeiro. (OLIVEIRA, 2013 e FERNANDES, 2011). Além disso, o emprego

da palavra subúrbio em bairros de margeiam as linhas de trem, a exemplo da Europa e Estados

Unidos, estão associados às classes médias e altas. A partir destas observações, Soares

justificou a formulação de um “conceito carioca de subúrbio”, particular, já que existem

diferenças entre a palavra e a realidade vivida no lugar.

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Outro aspecto que conforma este conceito carioca de subúrbio é uma referência quase

exclusiva e obrigatória para os bairros populares e que estão nas franjas ferroviárias da

cidade. A história cultural do Rio de Janeiro nos revela a identidade destes bairros, que desde

a sua criação não se denomina subúrbio onde não há trem. (FERNANDES, 2011). No final

do século XIX, quando Méier, Madureira, Cascadura, Benfica, Del Castilho, Ramos, Penha

e tantos outros bairros foram surgindo, tendo como eixo central a estação ferroviária, uma

vida comunitária e independente foi se desenvolvendo em suas franjas. Comércio próprio,

feiras livres, escritórios e novas residências vieram a ocupar o cenário do subúrbio,

frequentado por moradores, em sua maioria negros e imigrantes nordestinos que faziam parte

da mão de obra operária das fábricas instaladas no entorno.

Uma observação da geógrafa é de que não se associa o termo subúrbio aos setores da

periferia ocupados e identificados pela classe média alta (Barra da Tijuca, Jacarepaguá,

Tijuca e os bairros da zona sul). Fernandes (2011) chama a atenção para o fato que desde o

início do século XX começa-se a estabelecer uma espécie de veto à utilização do termo

subúrbio aos bairros residenciais onde havia concentração econômica, participação política e

cultural. À medida que a Reforma Passos avançava nos bairros mais próximos do centro, o

termo subúrbio era desvinculado do linguajar de seus habitantes (a exemplo de Catete,

Catumbi, Gávea, Botafogo) (SILVEIRA, 2009). Atualmente, para a posição periférica de um

setor residencial de status elevado, a exemplo da Barra da Tijuca, não se usa a expressão

suburbana.

É a classe social que determina o que é subúrbio, a geografia não importa, a tal ponto de a

posição excêntrica e francamente suburbana da Barra da Tijuca ser vista como um acidente,

algo fora dos nossos padrões e difícil de ser admitido. (FERNANDES, 2011, p.36).

Silveira (2009) ressalta que, já em meados do século XIX, a palavra subúrbio foi

atribuída ao “desprestígio social” e passou a ser representando apenas pelos bairros populares

e ferroviários, ocupados pelos operários, imigrantes nordestinos, descendentes de ex-

escravos que foram expulsos dos cortiços nas áreas centrais da cidade. Pelo menos até esta

época, não existiu o conceito carioca de subúrbio, segundo Soares, que destaca que apenas

em meados do séc. XX, o subúrbio se apropria de identidades particulares, fazendo parte de

uma representação social maior. E nas palavras de Fernandes (2011, p.38), “... o mapa social

da cidade, uma representação ideológica da divisão de classes.”. Assim, o subúrbio tornou-

se acolhedor, não sendo indiferente nem impessoal.

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“Dificilmente se anda pelas ruas do subúrbio sem que as pessoas se olhem, se

cumprimentem, se reconheçam, mesmo sem se conhecer.”, observa Oliveira (2013, p.20). O

subúrbio do Rio de Janeiro tem uma “roupagem própria, um Estereótipo e um peso ideológico

muito forte” (IDEM, p. 21).

Na opinião de Fernandes (2011), é fácil identificar a cidade do Rio de Janeiro partida

entre a zona sul e a zona norte; ver o subúrbio como parte constitutiva da chamada zona norte,

projetando boa parte da tensão vivida no cotidiano da metrópole. Ele ressalta que, nos dias

de hoje, espaços fragmentados, de forte conteúdo sociocultural, ainda são revestidos pela

violência e insegurança adquirida ao longo dos anos. Oliveira (2013) e Neto (2011) ainda

enfatizam a permanência de racismo, as dificuldades de viver e morar no subúrbio, a ausência

de políticas públicas, retratado desde as crônicas e poemas de Lima Barreto no início do

século XX até os dias de hoje.

Observa-se que no subúrbio carioca, o cotidiano faz sentir o gosto da vida, dos fatos

em toda a sua concretude, como nos diz Maffesoli (1988) - trata da (re) emergência de

problemas que estavam esquecidos ou que estavam relegados a plano secundário

(MAFFESOLI, 1988, p.204). Então, o subúrbio é o local que acolhe problemas e,

simultaneamente, abriga as soluções cotidianas. É um lugar de projetos, esperanças, que

acompanhou e conformou a segregação socioespacial da cidade (OLIVEIRA, 2013). Por ser

um “lugar de esperança”, o subúrbio também tem um conceito plástico, em constante

mudança. No final da década de 1960, estudos do antropólogo Gilberto Velho13 (apud

FERNANDES, 2011, p. 37), relatava o desprezo e a vontade de mudança para bairros com

melhor estrutura como os apartamentos conjugados de Copacabana: “Vivi mais de trinta anos

vida de subúrbio, triste, sem graça. Agora aprendi a me divertir. (...) No subúrbio não se vive,

vida boa é a de Copacabana.” (VELHO, 1978, p.31.).

Em contraponto, a satisfação de viver no subúrbio é exemplificado pelo cantor Zeca

Pagodinho que viveu em Irajá, tentou morar na Barra da Tijuca e decidiu morar em Xerém

(distrito de Duque de Caxias, RJ). O motivo da mudança é “porque ele foi em busca daquilo

que um dia Irajá foi, algo entre o rural e o urbano, meio bucólico, meio urbano”. (OLIVEIRA,

2013, p. 25).

13 Utopia Urbana foi um estudo empírico realizado pelo antropólogo Gilberto Velho no final dos anos 60 com

o objetivo de estabelecer relações entre estratificação social, residência e ideologia. (FERNANDES, 2011, P.

37)

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Na reflexão de Maffesoli (1998), é a satisfação do “ser-estar-junto-com” que justifica

a experiência e o relativismo apontados para um fazer em comum e para um sentir em comum

que estão no cotidiano dos gestos e dos fazeres das ruas. Fica evidente no subúrbio um forte

“sentimento de pertença”, que é representado pela valorização do espaço através da imagem,

do corpo e dos lugares para elucidar a “superação do indivíduo num conjunto mais amplo”

(IDEM, 1998).

Se o termo “suburbano” acabou assumindo um caráter pejorativo, indicando “falta de

cultura e sofisticação” na opinião de vários autores, como Oliveira, Fernandes e da geógrafa

Soares, o subúrbio do Rio de Janeiro está para uma representação social do carioca – na

totalidade da cidade - do que meramente um “rótulo espacial e geográfico”. O que estes

autores chamam de “subúrbio do Rio de Janeiro” atualmente corresponde a Sepetiba,

Seropédica ou para além disso (OLIVEIRA, 2013).

Bairros cariocas como Madureira, Bonsucesso, Cascadura e tantos outros, já não

podem ser chamados de subúrbios, pois no cenário atual da cidade, representam uma região

popular tranquila, onde todos se conhecem, semelhante a cidades do interior, com problemas

e perversidades (IDEM, 2013). São lugares de geração de trabalho e emprego, melhores

condições de moradia e infraestrutura, acesso à educação, além de sua efervescência cultural,

própria do lugar. Embora a prioridade de modernização e de políticas públicas seja das áreas

de maior concentração econômica e social.

2.5 - Periferia – o “modelo carioca de segregação”

É fato que as estações ferroviárias fazem parte da história da formação dos subúrbios

e periferias das cidades, já visto anteriormente. A população pobre que habitava os cortiços,

barracos e foram deslocados para os subúrbios no século passado, nos tempos atuais estão

alocados nas periferias.

A periferia da atualidade é formada pelos bairros ou municípios mais pobres, sem

infraestrutura, desprovidos de serviços essenciais como transporte, saúde, saneamento básico

e educação. Segundo Durham (1986), o fenômeno de formação das periferias urbanas não é

novo e nem exclusivamente brasileiro. A criação de um sistema de moradia popular no início

do século XX teve consequências imprevistas e nem sempre funcionais, segundo a autora, do

ponto de vista da força de trabalho e do capital. Morava bem quem podia pagar por isso. A

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quem não podia, restava-lhe a segregação e como resultado, a procura por qualquer espaço,

a qualquer condição para ocupar e assim habitar. Diante deste cenário social, foram surgindo

as favelas nos morros cariocas e nos municípios da Baixada Fluminense (FERREIRA, 2009).

Nas palavras do autor, estes habitantes foram excluídos histórica e economicamente, sendo

considerados “massa supérflua”. No Rio de Janeiro a realidade não é diferente. A exclusão

foi simbolizada com a criação de muros de concreto para conter o crescimento das favelas e

assim “esconder” os casebres, palafitas e o insalubre cenário desta arquitetura.

No discurso, o motivo para a construção do muro é apenas para impedir a devastação da

floresta do entorno, tanto que três dias após a divulgação da construção do muro, as instâncias

de governo passaram a referir-se a ele como “ecolimite”. Em nota oficial o governador afirma:

“estamos investindo na ordem pública, enfrentando o tráfico de drogas e impondo limites ao

crescimento desordenado”. (FERREIRA, 2009)

Além das favelas da cidade, esta população foi ocupando novos territórios, de

características semelhantes ao subúrbio, porém mais distantes: os municípios vizinhos que

margeiam as ferrovias, a exemplo da baixada Fluminense. Os bairros do subúrbio também

possuem seus espaços de periferia social, citados por Oliveira (2013) e Fernandes (2011).

Nestes espaços convivem semelhanças e diferenças, como nos mostra um estudo do Instituto

Pereira Passos, da Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro:

Os mundos sociais do “asfalto” e do “morro” se olham, se reconhecem com suas distâncias,

diferenças e semelhanças e, por vezes, se opõem. Mas convivem entre si, os dois obrigados a

partilharem a mesma área da cidade e o mesmo espaço cultural. (IPP, 2001)

Para o Instituto Pereira Passos existe o “modelo carioca de segregação” que também

permite aos moradores das favelas a acessibilidade aos recursos urbanos concentrados nas

áreas superiores da cidade. Esta proximidade física facilita o acesso a fontes de emprego e

renda, o que também representa outra frente de sociabilidade entre o “morro” e o “asfalto”.

Esta particularidade do modelo de segregação diferencia a sociabilidade do Rio de

Janeiro em relação a outras cidades, nas quais a pobreza foi totalmente isolada, territorial e

simbolicamente.

Observamos um conceito particular de subúrbio e um conceito de segregação da

periferia, ambos particulares no Rio de Janeiro, onde a sociabilidade tem características

próprias e comuns a estes territórios. E o trem, que ainda une bairros e cidades, símbolo dos

avanços na Modernidade e do sucateamento na Contemporaneidade, se mantém como

tradição diante dos diferentes conceitos que subúrbio e periferia (re)significaram na história

cultural do Rio de Janeiro.

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2.6 – “Em Madureira, lá, laiá.”14

Madureira transformou-se em bairro, após a morte de seu proprietário, o boiadeiro

Lourenço Madureira em 1851. Apesar de os trilhos terem chegado lá em 1858, com a Estação

Ferroviária Dom Pedro II, somente em 1890, já como Central do Brasil, foi inaugurada a

Estação Madureira, nome dado em homenagem ao antigo dono. A estação atravessava duas

linhas férreas (a Central do Brasil e a extinta Linha Auxiliar) o que aumentava a circulação

de pessoas e cargas privilegiando a localidade. Para Márcio Oliveira (2013, p.20),

pesquisador e geógrafo, é importante pensar na dimensão geográfica e na centralidade do

bairro de Madureira na atualidade. O autor ressalta que uma das características sociais do

subúrbio é o acolhimento e Madureira não é indiferente nem impessoal a estas socialidades.15

A análise de Oliveira (2013, p.20) nos diz que:

Na realidade, já faz muito tempo que o subúrbio passou por Madureira, por exemplo. Hoje,

Madureira, assim como os demais bairros ferroviários a que nos referimos, está longe de ser

subúrbio, tal como conceituado na literatura acadêmica, isto é, esse lugar mais distante da área

central da cidade, de habitat disperso, na franja da malha urbana, sub-urbano ou quase urbano;

transição espacial entre o rural e o urbano, de paisagem em permanente transformação e

movimento, acompanhando a expansão da cidade e sua urbanização.

O conceito de subúrbio, se aplicado para o bairro de Madureira, está muito além da

relação com o trem, ao caráter pejorativo do termo “suburbano” associado à baixa ou pouca

qualidade, falta de cultura ou sofisticação. (SOARES, apud FERNANDES, 2011)

Já na virada do século XXI, o subúrbio se (re)inventa. Territórios de consumo, cultura,

arte, esportes, música e gastronomia permeiam o imaginário e as práticas do cotidiano.

Comemorando 400 anos em 2014, Madureira fervilha! As festividades espalham-se

nos seus territórios simbólicos para ressaltar a história e as contribuições culturais e sociais

do bairro. As escolas de samba Império Serrano e Portela realizam as tradicionais feijoadas

com ensaios de bateria, o Parque Madureira oferece uma diversidade de shows e

apresentações culturais, além das atividades esportivas em suas pistas de skate, considerada

a maior e melhor da cidade, segundo o esportista da categoria Bob Burniquist16. Madureira

mantém a tradição da dança afro através das apresentações de jongo e capoeira, realizadas

pelo Jongo da Serrinha, grupo artístico criado no bairro. Todos os sábados, há mais de 20

14 O sub título refere-se ao refrão do samba “Meu Lugar” de Arlindo Cruz, que descreve a história cultural de

Madureira. VER ANEXO B 15 Socialidades é um termo usado por Michel Maffesoli (1988, p.198) para “expressar uma empatia

comunalizada e coletiva.”. 16 Ver reportagem do Jornal O Dia, disponível em <http://odia.ig.com.br/noticia/rio/2013-05-24/madureira-

festeja-400-anos-no-ritmo-da-modernidade.html>, acesso em 12/07/2014

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anos, o viaduto Negrão de Lima oferece sob suas pistas, o Baile Charme17, considerado pela

população como o mais tradicional do subúrbio carioca.

Para compreender tais formas de sociabilidades presentes na cultura das cidades, a

partir dos fluxos comunicacionais de seus territórios, Maia (2012) nos diz que “as

representações são construídas por sistemas simbólicos que dão caráter de real ao que é

verossímil.” Refletindo sobre as representações que se expressam na cidade, o autor afirma

que tais práticas e cenas cotidianas é que lhe dão vivacidade. A dimensão da das emoções e

das trocas sensíveis que acontecem no cotidiano da cidade é que lhe confere esta noção do

que é vivenciado, construído e que se reflete no território.

Para Maia (2012), representamos uma cidade quando damos voz ao que é vivido,

compartilhado no espaço urbano entre os atores sociais – o povo de Madureira. Existe o

“vivido”, que segundo Maffesoli (1998), é uma força coletiva que anima e impulsiona as

experiências compartilhadas das “aldeias” na cidade, e que dá dimensão ao simbólico e às

práticas comuns.

Freitas (2012) comenta que as representações sociais do Rio de Janeiro são “múltiplas

e paradoxais” e estão em constante renovação. A cidade tem suas representações pautadas

em “rótulos” como maravilhosa, violenta, carnavalesca, suja, mal organizada, plural,

monumental, solidária, espetacular.

2.6.1 - As representações dos bairros – Madureira e Oswaldo Cruz

Já comentamos que no contexto histórico e geográfico do Rio de janeiro, a formação

do subúrbio carioca é peculiar quanto aos efeitos sociais causados pela construção e

progressão das linhas de trem em seus arredores. As estações de trem que fazem parte do

território de Madureira sempre representaram a modernidade e o crescimento econômico do

bairro. Além disso, reforçou, definitivamente o conceito de subúrbio aos bairros margeados

pelas linhas e estações de trem. Estações como D. Clara, Magno, Madureira, eram referência

de progresso urbanístico. Já no século XVIII, escoavam pela rede ferroviária, todo tipo de

demanda de produtos do centro do Rio de Janeiro, que vinham do chamado “sertão” e

17 Ver reportagem do Jornal O Globo, disponível em <http://rioshow.oglobo.globo.com/noite/festas/baile-de-

charme-do-viaduto-de-madureira-7618.aspx>, acesso em 05/08/2014

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“recôncavo” carioca, das áreas que correspondiam às freguesias e estradas como as da Penha,

Irajá, Engenho da Pedra (atual Ramos), da Pavuna, etc.

Essa dicotomia bairro-subúrbio, que a princípio parecia ser apenas a nomenclatura do

lugar, foi ganhando uma conotação discriminatória e pejorativa com a cessão das

propriedades rurais, divididas em glebas, para abrigar o proletariado e os menos favorecidos

economicamente que ocuparam os bairros do subúrbio. E levavam em conta, a ilusão de dias

melhores em locais onde a tecnologia e a modernidade do trem alavancava melhores

condições de vida (Vasconcellos, 1991). Desde então, como as reformas políticas do início

do século XX, o subúrbio carioca foi modernizando-se, embora ainda mantivesse “a vida

rural do velho Rio de Janeiro” e o significado distorcido de que subúrbio está relacionado à

“ao mundo do pequeno burguês, com todos os seus recalques, complexos, ressentimentos,

frustrações, tabus, preconceitos e a mania de auto afirmação, copiando mal os modelos da

chamada zona sul do Rio de Janeiro.” (VASCONCELLOS, 1991. p. 20).

O subúrbio cresceu desordenado. Os nomes dos bairros foram denominados à partir

dos nomes dados às estações de trem, às personalidades que moravam no local e dos engenhos

e fabricas que ali surgiram. São exemplos os bairros da Penha, Cascadura, Engenho de

Dentro, Vicente de Carvalho e tantos outros. Madureira, como já dissemos anteriormente,

adotou este nome em homenagem ao boiadeiro e feirante de gado Lourenço Madureira que,

segundo nos diz Vasconcellos (1991), deveria ser muito famoso e respeitado nestes

arrabaldes, já que tornou-se arrendatário na fazenda do Campinho que era de propriedade de

Francisco Inácio do Canto.18 Novas ruas foram surgindo no entorno das estações ferroviárias

sem planejamento, projeto urbanístico e sem apoio do poder público. A prosperidade de

Madureira começou a surgir com a chegada dos transportes urbanos como os caminhões e o

bonde. Com a chegada do ônibus como transporte coletivo, o empresário Mario Bianchi19

fundou a Viação Suburbana, primeira empresa popular do setor com linhas regulares entre o

subúrbio e a zona oeste da idade (idem, 1991).

18 Vasconcellos (1991) nos conta uma curiosidade que Lourenço Madureira viu-se envolvido em questões

conturbadas, provocadas pela viúva de seu senhorio, d. Rosa Maria dos Santos e que provocaram sua expulsão

das terras onde morava. Talvez, esse fato o tenha transformado em herói cultural. O fato é que apesar das

terras serem de propriedade de Inácio do Canto, o bairro consolidou-se com o nome de Madureira e apenas

uma praça madureirense teve o nome de seu verdadeiro dono. 19 Empresário da Viação Suburbana (Bianchi & Cia) que criou as primeiras linhas de transporte coletivo em

bairros do subúrbio como Madureira, Cascadura, Vicente de Carvalho e Jacarepaguá, em 16/04/1924. Mais

informações sobre a história dos ônibus no subúrbio, ver

http://rionibusantigo.blogspot.com.br/2014/04/viacao-suburbana.html acesso em 02/01/2015

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Com a expansão do acesso ao bairro, Madureira inaugurou em 1914 seu primeiro e

mais famoso centro comercial de alimentos e outras mercadorias em frente a antiga estação

do Magno – o Mercadão de Madureira. Sua inauguração desviava os feirantes e compradores

dos entrepostos da Praça XV de Novembro no centro da cidade. A partir de então, Madureira

começa a despontar-se como bairro potencial do subúrbio carioca e novos moradores que

foram atraídos pelo fácil acesso aos transportes, comercio diversificado, etc.

Em 11 de novembro de 1926, Madureira é desmembrada da freguesia de Irajá e passa

a figurar no mapeamento da cidade, nos papéis oficiais e nas estatísticas cariocas. Como

observa Vasconcellos (1991, p. 28), Madureira “começa a ter personalidade, a ganhar espaço

no rumo de uma urbanização que não sofrerá retrocessos”, destacando-se pelos eixos

ferroviário, rodoviário e como ponto de convergência de estradas rurais, ponto de comércio

abundante de alimentos, produtos e serviços.

Entre os anos de 1940 e 1950, o censo da época revelava uma população de

aproximadamente 158 mil habitantes em Madureira, representando o crescimento de 10%

além de uma tendência à urbanização, já que diminuía a cada ano o número de pessoas ligadas

às atividades agropecuárias e rurais. As atividades comerciais e industriais no subúrbio

carioca colaboravam para a migração e crescimento do bairro (Vasconcellos, 1991). Outras

obras na cidade representaram avanços nos arredores de Madureira (entre os anos de 1958 e

1965) como a abertura da Avenida Brasil, a criação do viaduto Negrão de Lima, a expansão

de linhas de ônibus ligando os bairros do centro e das zonas norte e oeste, a inauguração do

primeiro teatro (Teatro Zaquia Jorge) e salas de cinema próximas às estações ferroviárias.

Estas iniciativas transformaram Madureira no terceiro maior bairro com aproximadamente

295 mil habitantes. Vasconcellos (1991) ressalta que à medida que o bairro ganha ares de

centro urbano, destaca-se como reduto de sambistas, blocos carnavalescos, compositores,

manifestações musicais, religiosas e gastronômicas.

Para ilustrar tais memórias de Madureira e seus bairros vizinhos, o compositor

Arlindo Cruz20, em seu samba Meu lugar (disco Sambista perfeito, 2007) faz menção a essa

riqueza cultural vivida em Madureira, desde as tradições de jongo, rodas de samba, às “avós

20 Arlindo Cruz (1958-) é sambista e compositor criado em Madureira, iniciou sua carreira ao lado de Mestre

Candeia. Autor de mais de 550 músicas, dentre elas o samba “Meu Lugar” que faz referências às socialidades

do bairro de Madureira. Ver em http://www.dicionariompb.com.br/arlindo-cruz/biografia acesso em

20/02/2015

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rezadeiras”. Ressaltamos aqui alguns versos cantados que encontramos referência neste e no

próximo capítulo.

(...) O meu lugar,

tem seus mitos e seres de luz,

é bem perto de Oswaldo Cruz,

Cascadura, Vaz Lobo, Irajá.

O meu lugar,

é sorriso é paz e prazer,

o seu nome é doce dizer,

Madureira, lá, laiá.

(...) Doce lugar,

que é eterno no meu coração,

e aos poetas traz inspiração,

pra cantar e escrever.

(...) Ai meu lugar,

quem não viu Tia Eulália dançar,

Vó Maria o terreiro benzer,

e ainda tem jongo à luz do luar.

(...) Em cada esquina, um pagode um bar,.

Império e Portela também são de lá,

Em Madureira.

E no Mercadão você pode comprar,

por uma pechincha você vai levar,

um dengo, um sonho pra quem sonhar.

Em Madureira.

2.6.2 - A Feira das Yabás21

O simbolismo e a reverência ao feminismo são muito evidentes na região de

Madureira e Oswaldo Cruz. As tradições, costumes e história cultural do bairro conceberam

às mulheres da comunidade, respeito e participação massiva nas principais atividades sociais,

econômicas e culturais.

Os termos Aiabá22, Yabás, Iabá e Oiá, referem-se à língua iorubana, dialeto africano

que, traduzidas, significam “rainha”, “mãe”, “senhora idosa”, “acolhimento”, “aquela que

alimenta seus filhos”. Nas religiões de origem africana, as iabás são orixás femininos,

21 A organização do evento, liderada pelo músico Marquinhos de Oswaldo Cruz, optou pela grafia do termo

Yabá com “y”. Neste texto utilizaremos esta forma nas referências à Feira das Yabás, realizada no Rio de

Janeiro. 22 “O iorubá é um idioma subsaariano (parte da África ao sul do Saara). É a língua nativa do povo Iorubá, e é

falado entre outros idiomas na Nigéria, Benin, Togo e Serra Leoa, como também em ritos religiosos afro-

brasileiros (onde é chamado Nagô) e Cuba (onde é chamado Lucumi)” - Dicionário de Iorubá, fonte

http://www.alaketu.com.br/ritos/dicionario_ioruba.htm, e

http://ileobaotito.no.comunidades.net/index.php?pagina=1731476904 acessos em 14/01/2014.

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representados por Iansã, Oxum, Obá, Nanã, Yemanjá entre outras.23 A Feira das Yabás

compartilha desta reverência feminina, seja através da exaltação à gastronomia afrocarioca,

como das homenagens às matriarcas de Madureira. Por uma estética comercial

(patrocinadores), a decoração das barracas é azul e branca. As Yabás utilizam avental e lenço

na cabeça de cor laranja com a logomarca do evento. Numa tentativa de simbolizar a

memória, tradição, religião e a resistência dos negros no Brasil, encontramos algumas delas

com indumentária afro-brasileira - batas brancas, torços na cabeça, colares de contas por

baixo de seus “uniformes” da festa.

Fig. 03 Barraca de Tia Nira – FDY Julho 2013 Foto: Adelaide Chao

Fig. 04 Prato de carne seca com abóbora – FDY Novembro 2014 Foto: Adelaide Chao

A Praça Paulo da Portela, ao longo da Estrada do Portela, local de realização da Feira

das Yabás é um território simbólico da região chamada “Grande Madureira” reafirmado pelos

costumes e “vitalismo” próprios do lugar. Percebe-se no povo que ali frequenta, a vontade de

estar juntos, de compartilhar o momento de festa e encontros. É o “sentimento de pertença”

abordado nas obras de Maffesoli (1988, 1998), que demonstra o sentimento de apropriação

do lugar por aqueles que ali frequentam, como se fosse suas casas, um lugar de intimidade e

descontração.

A Feira das Yabás é um evento que se (re) significa como território de diversidade e

pluralidade de símbolos, costumes, tradições e memória. Oferece muito além de pratos típicos

da culinária carioca – resgata a memória de sambistas e outras personalidades importantes da

história do bairro, reverencia a cultura do jongo através as apresentações frequentes, favorece

23 Cadernos do IPAC – Festa de Santa Bárbara n.5, (p.19, 42, 43).

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o espaço musical para novos e conhecidos artistas da cidade. Tudo isso apresentado como

uma “grande festa no almoço de domingo”24.

O almoço de domingo é uma refeição, ainda que por uma representação vigente,

propõe a reunião da família em torno de uma mesa, seja dentro ou fora de casa (Barbosa,

2009). Muitas vezes, é a “isca”, segundo a autora, para o convite a pessoas que estão fora do

grupo familiar com o propósito de agregação social – é a refeição de maior

exosociabilidade.25

O objetivo social da Feira das Yabás é retratar os “almoços de domingo” no subúrbio,

sempre com comida farta e muita música. Não falta o samba, tradição cultural e histórica da

cidade.

Desde março de 2012, ao segundo domingo de cada mês, moradores ilustres de

Madureira se reúnem na Praça Paulo da Portela para realizar uma feira de gastronomia “afro

carioca”. São 16 barracas, onde comidas e quitutes são organizados pelas matriarcas das

famílias mais importantes da região, em um gesto de preservação da cultura e da culinária

negra carioca, característicos do subúrbio. A maioria das iabás fazem parte da Velha Guarda

da Portela e do Império Serrano. Uma das mais famosas iabás é Tia Surica, personalidade

portelense que oferece em sua barraca mocotó e aipim com carne seca. Neide Santana serve,

como prato principal feijoada, camarão, angu à baiana e feijão amigo. Os peixes ficam a cargo

das barracas de Tia Nira e Jane Carla que preparam também pirão, bolinhos de peixe, sardinha

frita e camarão. A mais idosa das iabás, Tia Neném, que completou 88 anos, prepara

juntamente com seus familiares rabada com batata, angu e bolinho de abóbora, recheado com

carne seca. Os jabás com os caldos de ervilha, feijão e mocotó são servidos na barraca da iabá

Romana. Ainda tem marcarão com carne seca (oferecido por Tia Edith), a famosa tripa

lombeira com bolinhos de bacalhau na barraca de Rosângela Maria, além de roupa velha e

feijoada (iabá Marlene). Os doces são oferecidos nas barracas de Vera de Jesus, Tia Natércia

e Sueli que também prepara vaca atolada, bolo de aipim e carne com aipim.26

Os almoços familiares fazem parte da história cultural brasileira e são sempre

lembrados com experiências emocionais e gustativas. As sociabilidades dos almoços de

domingo são marcadas pela informalidade dos assuntos tratados nas conversas, dos planos

24 Trecho extraído do site <http://www.feiradasyabas.com.br> acesso em 10/07/2013. 25 Termo usado pela autora para evidenciar a sociabilidade entre pessoas sem vínculo familiar. 26 Trecho extraído do site <http://www.feiradasyabas.com.br> acesso em 10/07/2013.

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para o futuro, da rotina da semana que se inicia, dos acontecimentos recentes (Barbosa, 2009).

Tal sociabilidade não implica em nenhum processo associativo – o contato, a troca e a

conversa são descompromissados, sem um objetivo específico, complementa Simmel (2006).

O ato de estar ali, falar, ouvir, compartilhando do tempo e do momento vivido é o que

importa.

(...) o consumo alimentar é uma prática articulada à afetividade e mesmo aos encantamentos

inerentes ao funcionamento da vida social. Consumir é “pegar para si”, absorver uma parte do

mundo ao qual pertencemos ou queremos pertencer, prática que vai nos socializar e

ressocializar, nos tornando íntimos ou presentes de algum modo nele.” (CARVALHO, 2013

p. 16)

Uma arte de refazer as práticas do espaço, maneiras de frequentar um lugar, processos

complexos da arte culinária e modos de dar confiabilidade a ritos. A estes “reempregos”,

Certeau (1998) chama de “bricolagem”. Trata-se de novas maneiras de fazer a partir da

possibilidade de uso dos espaços em branco. Para Certeau (1998), o consumo está para além

de técnicas e métodos comerciais, está para uma maneira inventiva e diferenciada de fazer e

usar.

A simbologia das Yabás, representando a história cultural, a tradição da culinária de

origem africana, hibridizada à brasileira e carioca, a resistência do negro desde o surgimento

do subúrbio e o próprio significado do termo iabá, como “rainha”, “maternal”, concede a

estas matriarcas, mulheres tradicionais de Madureira uma “autoridade” que Certeau (1998)

confere ao novo uso destes espaços nas práticas cotidianas. (...) práticas de espaços urbanos,

utilização de ritualizações cotidianas, reempregos e funcionamentos da memória através das

“autoridades” que possibilitam (ou permitem) as práticas cotidianas, etc. (CERTEAU, 1998,

p.42)

Neste cenário cultural, a Feira das Yabás age como um território popular de variadas

formas de comunicação e consumo (gastronomia, crenças religiosas, música, dança, vestuário

e lazer). Os pratos típicos da culinária afro carioca, além de roupas e artesanatos, são vendidos

em barracas patrocinadas pela iniciativa privada e com o apoio de órgãos públicos. Mas,

quem não pode pagar pela comida e bebida, não deixa de vivenciar o mesmo ambiente e

proposta do evento. Muitas famílias levam para a praça seus vasilhames com comida, caixas

de isopor com bebidas geladas para consumo próprio. Tudo para viver este “almoço de

domingo”, como nos lembra a expressão “familiarização” usada por Maffesoli (1998) para

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demonstrar a necessidade dos grupos em compartilhar o vivido, estar-junto-com parentes e

amigos.

Fig. 05 - Barraca de Tia Nira em frente à sede da Velha Guarda da Portela. - FDY dezembro/2014

Foto: Adelaide Chao

2.6.3 - Primeiras experiências em campo

Era meio dia quando chegamos27 ao final da Estrada do Portela, altura do número 391

em direção à Praça Paulo da Portela. As barracas das iabás com quitutes, bebidas e refeições

já estavam preparadas. O visual era predominantemente azul e branco. As pessoas

começavam a chegar, principalmente em grupos. O cardápio variado é sempre preparado

pelas próprias iabás e suas ajudantes, mas observamos que muitas pessoas, famílias inteiras,

levam o “almoço de casa” para a rua. Muitos traziam consigo caixas de isopor ou baldes de

plásticos com bebidas e bastante gelo para consumo próprio. Reúnem mesas e cadeiras e

começam a servir-se. Caixas de plástico com churrasco, galetos de frango e até pudim para a

sobremesa. Tudo pronto. E logo no início um senhor aparentando ser o mais velho levanta-

se e faz uma oração em agradecimento pela reunião da família, ali, na rua.

O consumo é para todos. Há os que consomem as comidas oferecidas nas barracas das

Yabás - pratos prontos, sobremesas, doces, bebidas e há os que trazem o “almoço” para a

Feira e naquele mesmo espaço – público com representações privadas – compartilham das

sociabilidades do “almoço de domingo”, típico das festas de quintais para compartilhar

emoções, evidenciar a tradição cultural da gastronomia afro carioca trazida para o bairro

desde o seu surgimento do subúrbio (FERNANDES, 2011).

27 Observação Participante realizada pelas pesquisadoras Adelaide Chao (CAC-UERJ) e Angelina Nunes

(UERJ) em 10 de novembro de 2013.

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No palco, instalado no centro da Praça, os músicos começam a “aquecer” os

instrumentos e em pouco tempo um grupo de samba inicia a festa. Por volta das 13 horas,

Marquinhos de Oswaldo Cruz, sambista e compositor conhecido de Madureira sobe ao palco

e conduz durante quase três horas uma roda de samba. A participação do povo é intensa,

entoando diversos tipos de sambas (canção, de roda, enredo, pagodes, etc.). As músicas

tradicionais das escolas de Madureira, Portela e Império Serrano, são enaltecidas ali, no seu

lugar de origem. Senhores vestidos de ternos e sapatos branco, além do tradicional chapéu

panamá com uma fita azul registram a presença da Velha Guarda da Portela.

Às 14 horas, as ruas e a praça já estavam lotadas. Na barraca de peixe frito da iabá

Jane Carla, enquanto fritava os bolinhos, conversamos com Dona Neuza, 67 anos, cozinheira

aposentada e participante dos eventos da comunidade da Portela há mais de 20 anos.

“A Feira das Yabás é uma arte e ser iabá é um dom. Tem que gostar de cozinhar e

de gente”, revela Dona Neuza que trabalha na Feira desde que se demitiu de um restaurante

na Tijuca porque o dono ordenou que reaproveitasse a comida. Então ela confessa: “uma

iabá faz comida para os filhos. Se não dou resto de comida aos meus, porque faria isso para

os outros? Sou feliz aqui porque faço com amor, a comida é boa, bem feita e é isso que gosto

de ver – o povo sambando, unido.” Desde então, dedica-se à gastronomia, eventos da quadra

da escola de samba e à Feira das Yabás.

Dona Neuza tatuou no braço direito a águia da Portela, como símbolo de fidelidade e

amor à escola. Diz não ter relação com o candomblé, não usa as guias dos orixás no pescoço,

mas faz questão de denominar-se uma iabá.

Fig. 06 - Dona Neuza e sua tatuagem– FDY novembro 2013 Foto: Angelina Nunes

Fig. 07- Dona Neuza – FDY maio 2014 Foto: Adelaide Chao

Observamos a relação das pessoas com a comida, a música, o ritmo, a tradição e a

memória. A barraca de Selma Candeia, cujo prato principal é abóbora com carne seca, faz

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questão de manter a memória do pai, o sambista e compositor Antônio Candeia Filho (1935-

1978)28. Neste espaço há exposição de fotos e recital de poesia. A família Candeia se reúne

na Feira com a intensão de manter a memória das obras do pai e sua contribuição ao samba

carioca.

Figs.08 e 09. Barraca de Tia Selma Candeia outubro 2014. Foto: Adelaide Chao

28 Sobre Antônio Candeia Filho, ver <http://www.dicionariompb.com.br/candeia/dados-artisticos>, acesso em

14/01/2014.

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3 – OS IMAGINÁRIOS SOCIAIS DA FEIRA DAS YABÁS

Após a reflexão sobre o imaginário do trem no subúrbio carioca, analisaremos outros

dois elementos de construção da Feira das Yabás: a música e a herança dos almoços de quintal

em Madureira e Oswaldo Cruz.

3.1 O samba e suas escolas

A palavra samba é corruptela de “semba”, e será ela que irá “designar a música urbana

herdeira do lundu e da modinha, impregnada dos ritmos fundamentais africanos”, que vai

surgir entre as décadas de 1910 e 1920 no Rio de Janeiro. (FERNANDES, 2001 p. 42). (...)

Daí, se quisermos buscar os albores das escolas de samba, teremos que subir os morros e ir

ao subúrbio, (...), pois foi nos recantos marginais da cidade, quase sempre em favelas, que as

escolas de samba realmente floresceram. (IDEM, 2001 p. 57).

Vasconcellos (1991) nos aponta o crescimento sócio econômico e cultural de

Madureira a partir da década de 1950 e a medida que ganhava o desenvolvimento dos centros

urbanos, se firmava como reduto de animação, música e eventos carnavalescos. Desde então

ele comenta que o bairro já era considerado a “capital do samba”.

Hoje tudo é samba

O momento é carnaval

Sonho que nesse ano se refaz

Na passarela geral

Chegou a hora de se dar a Madureira

Uma justa homenagem

Onde o progresso se firmou

Criando uma grande cidade

Que de repente se tornou

A capital do subúrbio da Central

Samba de enredo da escola União de Vaz Lobo em 1972,

homenageando Madureira. (VASCONCELLOS, 1991, p.31-32)

3.1.1 - G.R.E.S. Portela

Na década de 1920, os blocos carnavalescos, ainda tímidos, começavam a eclodir nos

bairros do subúrbio carioca. O bloco “Baianinhas de Oswaldo Cruz”, comandado por Dona

Ester (que veremos a seguir) já enfrentava desentendimentos com alguns sambistas. Em 1923,

Paulo Benjamin de Oliveira (1901-1949) - o Paulo da Portela, Antonio Rufino e Antonio

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Caetano criam o “Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz”, um bloco que desfilaria pelos

bairros da região de Madureira durante o carnaval carioca.29

Em 1929, Heitor dos Prazeres (1898-1966)30 poeta, compositor e instrumentista,

famoso pela composição de “Pierrô Apaixonado”, sugere a mudança de nome para “Quem

Nos Faz é o Capricho” além de criar sua primeira bandeira. Em 1931, com Heitor dos

Prazeres é afastado do bloco, e na tentativa de apagar suas marcas, Paulo da Portela e outros

sambistas decidem mudar para um nome mais singelo, como nos diz Fernandes (2001, p.70).

O bloco passa a se chamar “Vai Como Pode”, ganhando visibilidade e fama nos eventos

carnavalescos e na imprensa que cobria os primeiros desfiles das escolas de samba da época.31

Antonio Caetano, então, providencia uma nova bandeira com as cores azul e branca e elege

a águia como símbolo do grupo, por ser uma ave de longos e altos vôos (IDEM 2001).

Um fato curioso veio por mudar mais uma vez o nome e a história deste bloco como

uma das maiores agremiações do samba brasileiro. No momento da renovação da licença para

desfiles, em 1935, o então delegado de polícia Dulcídio Gonçalves, que não apreciava o nome

“Vai Como Pode”, condicionou à renovação a mudança para um nome “mais apropriado”.

Após muita discussão com Paulo da Portela, eis que o delegado sugeriu o então Grêmio

Recreativo Escola de Samba Portela32, homenageando a rua onde ficava a sede do bloco. A

primeira sede foi na casa de Paulo, na Barra Funda. A segunda, na Estrada do Portela nº 412,

onde mais tarde foi construído o Bar do Nozinho. A terceira na Estrada do Portela, onde foi

construída depois a Portelinha (atual sede da Velha Guarda), a quarta e atual, na Rua Arruda

Câmara que passou a se chamar Rua Clara Nunes (famosa portelense) após sua morte33.

O nome Estrada do Portela é oriundo do Engenho do Portela, terras produtoras de

cana-de-açúcar, milho e outros alimentos, existente desde 1644, na antiga freguesia de Irajá.

Os negros que viviam nesta época, bem como a população que formou o subúrbio carioca no

final do século XIX, trouxeram sua dança, religião, musicalidade, costumes gastronômicos,

cultos e festas que muitas vezes foram descriminados e combatidos pela sociedade. Ainda

29 Sobre os nomes e a história da fundação do GRES Portela ver em http://www.gresportela.org.br/a-escola/

acesso em 07/02/2015 30 Heitor dos Prazeres (1898-1966) – notável compositor de música popular brasileira, autor de “Pierrô

Apaixonado” em parceria com Noel Rosa, está entre os fundadores das escolas de samba Mangueira e Vai

Como Pode, hoje Portela. (disponível em http://www.heitordosprazeres.com.br/ acesso em 07/02/2015) 31 IDEM (http://www.gresportela.org.br/a-escola/ acesso em 07/02/2015) 32 IDEM (http://www.gresportela.org.br/a-escola/ acesso em 07/02/2015) 33 Trecho extraído do site http://aladebaianas.com.br/i/memorias/81-dona-ester-uma-pioneira-da-portela.html

acesso em 02/01/2015

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assim, essas “artes” foram preservadas como expressões de autoafirmação, inspirando

sambistas e compositores (FERNANDES, 2001).

A Estrada do Portela, por onde passa a Feira das Yabás, é uma das principais vias de

Madureira, estendendo-se por Oswaldo Cruz e Bento Ribeiro. Suas ruas do entorno abrigaram

os primeiros sambistas como moradores do bairro, vindos do centro da cidade, além de outros

municípios e estados, atraídos pelo progresso das fábricas. Personalidades como Paulo

Benjamin de Oliveira (1901-1949) - o Paulo da Portela, Natalino José do Nascimento (1905

– 1945) – o Natal da Portela, Manacé José de Andrade (1921-1995) - o Manacéia e Antonio

Rufino, o primeiro tesoureiro do GRES. Portela, que vindo do interior de Minas Gerais,

migrou para Oswaldo Cruz. Muitos deles foram homenageados e tiveram seus nomes como

logradouros de Madureira e Oswaldo Cruz, a exemplo das ruas Clara Nunes, Adelaide

Badajós, Manaceia, a Praça Paulo da Portela e a Travessa Natal.

Figs. 10 e 11. Bustos em homenagem a Paulo da Portela e Natal da Portela. Quadra do

G.R.E.S. Portela. Novembro/2014. Foto: Adelaide Chao

Saltando para a atualidade, a escola de samba Portela é famosa, não somente pelo

carnaval e sua história construída ao longo dos anos, mas também pelas músicas,

compositores famosos, eventos e festas, dentro e fora da quadra da escola. É parte ativa da

comunidade de Madureira/Oswaldo Cruz, na realização de eventos gastronômicos, sociais,

culturais e educativos.

Há décadas é realizada todo primeiro sábado do mês a Feijoada da Família Portelense,

religando a culinária e a música à sua própria história cultural. Ao longo da pesquisa, tivemos

a honra de participar de alguns eventos realizados na Portelinha (Sede da Velha Guarda)

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como a Festa da Mãe Portelense, que elegeu Dona Euzébia., 87 anos como a mãe do ano. O

prato principal foi a Tripa Lombeira, feito com bucho, feijão, paio, costela e verduras, além

de outros quitutes como pastéis, bolinhos de peixe, caldo de mocotó. As mesmas mulheres,

iabás que realizam a Feira, participam ativamente destes eventos, com a consciência e a

vontade de cultuar uma tradição de seus antepassados. Seja pela comida, pela cantoria das

composições famosas, seja pela memória que a escola construiu ao longo de suas vidas.

3.1.2 - G.R.E.S. Império Serrano

Como vimos anteriormente nos comentários de Vasconcellos (1991), o censo

demográfico da década de 1940, já apontava o crescimento econômico e social de Madureira.

Neste cenário nasceu a Escola de Samba Império Serrano, na época nos arredores de

Madureira, entre Vaz Lobo e o Morro da Serrinha.

A escola nasceu a partir da dissidência de alguns integrantes da escola Prazer da

Serrinha, quando em 1947 substituiu, de última hora, o samba de autoria de Mano Décio da

Viola, um de seus fundadores. Com esse mal estar, assim que acabou o carnaval, um grupo

liderado pelo sambista Sebastião de Oliveira reuniu-se na casa de Dona Eulália Oliveira

Nascimento (1908-2005), irmã de Sebastião e fundaram a Império Serrano. Eram 23 de

março de 1947 e naquela data a Império já nascia com as cores verde e branco definidas, além

de ter São Jorge como patrono. Vasconcellos (1991) ainda ressalta que na ocasião, D. Eulália

deu o terreno na Rua Balaiada número 133, no alto da Serrinha para a construção da sede da

escola - permanecendo até o final da década de 1950, quando mudou-se para a atual sede à

Av. Edgard Romero, em frente à estação de trem Mercadão de Madureira.

Tia Eulália, como era conhecida no Império, realizava em sua casa serestas, gafieiras,

rodas de samba e jongo. Conduzia os ensaios em seu quintal e na hora dos desfiles era ela

quem puxava o samba, feito de estribilhos e improvisos (VASCONCELLOS, 1991, p.40).

Era portadora da carteira de sócio número 1 da Império Serrano, sempre como Diretora Geral.

Sua família foi uma das primeiras a ocupar a Serrinha, no início do século XX – pessoas

muito pobres, que foram expulsas de lugares valorizados, incluindo as melhores partes do

subúrbio e morros das áreas centrais do Rio de Janeiro (FERNANDES, 2001).

Apesar da pobreza do lugar e do aspecto rural, autores como Valença e Valença

(1981) e Lopes (1992) ressaltam que a população da Serrinha tinha uma “intensa cultura

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popular festiva” e que “as famílias organizavam manifestações tipicamente urbanas como

pequenos blocos carnavalescos, além de manter as tradições rurais como o jongo e as festas

religiosas” (apud FERNANDES, 2001, p. 60).

A participação das famílias da comunidade em torno das “reuniões-almoço”, como

nos aponta Barbosa (2010) foram fundamentais para solidificar as relações e a estrutura da

Império Serrano enquanto escola de samba e elemento cultural da cidade. Nos almoços e

outras festas organizados em seu quintal, Tia Eulália proporcionava o ambiente para as

discussões e decisões sobre os desfiles, designava responsabilidades para cada membro do

grupo, realizava os ensaios dos sambas, sempre com o acolhimento próprio de família.

Barbosa ressalta a importância destas relações “como pontos de articulação interna na

extensão das suas relações, onde laços eram estreitados e solidariedades eram firmadas, no

extravasamento do cotidiano e na preservação das suas práticas culturais.” (BARBOSA,

2010, p.7). Aliás, estes almoços faziam parte da tradição da família Oliveira, desde o início

do séc. XX, quando seu pai realizava memoráveis festas e rodas de jongo34 no morro da

Serrinha, com muita música e comida farta (IDEM, 2010).

O prato principal era a feijoada preparada na cozinha grande com a colaboração de

várias mulheres, geralmente vizinhas da dona da casa e servido nas festas de casamentos,

batizados, feriados. Barbosa (2010) nos aponta um trecho de BOY (2003) sobre a relação

destas práticas cotidianas, entre a comida, a data comemorativa e a religião:

O Dia dos Pretos-Velhos, comemorado no dia 13 de maio, é também o Dia da Abolição da

Escravatura e, por ser uma data importante para a população negra, os jongueiros costumavam

se reunir na casa de um morador para uma roda de jongo em homenagem aos antepassados.

Na ocasião, preparavam uma feijoada, a comida dos pretos-velhos segundo a umbanda, e antes

de abrir a roda cantavam três pontos para as almas. (BOY, 2003: 48-49)

A feijoada, sempre foi um dos pratos mais tradicionais da culinária carioca e

representados na memória da comunidade da Portela e Império Serrano.

Para manter viva esta prática cultural, há mais de cinquenta anos, a Portela realiza em

sua quadra a tradicional Feijoada da Família Portelense, sempre ao primeiro sábado de cada

mês. Já no segundo sábado ocorre a também tradicional Feijoada Imperial, na quadra da

Império Serrano, que desde 1947 mobiliza a história cultural de Madureira.

34 O jongo é uma dança de matriz africana, praticada pelos escravos nas regiões de lavoura, desde o final do

século XIX. Fonte: www.africaeafricanidades.com.br/, acesso em 10/02/2015

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50

3.2 O jongo e suas rodas

Os negros montam uma fogueira e iluminam o terreiro com tochas. (...) À meia-noite, a negra

mais idosa e responsável pelo jongo interrompe o baile, sai da barraca e caminha para o

terreiro de “terra batida”. É hora de acender a fogueira e formar a roda. (...) O primeiro casal

se dirige para o centro da roda. Começa a dança. Durante a madrugada, os participantes assam

na fogueira batata-doce, milho e amendoim. Alguns fumam cachimbo, tomam cachaça, café

ou caldo de cana quente para se esquentar. O jongo é muito animado e vai até o sol raiar,

quando todos cantam para saudar o amanhecer ou “saravá a barra do dia”. JONGO DA

SERRINHA 35

O jongo é uma herança cultural trazida pelos negros bantos da região de Congo-

Angola na África, tipicamente rural e que encontrou no subúrbio carioca, na região entre

Madureira e Vaz Lobo, um campo fértil para a preservação quase intacta de sua forma mais

pura e original.

Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)36 em

2005 como primeiro Bem Imaterial do Rio de janeiro, o jongo é um ritmo e uma dança

considerado por vários estudiosos como uma variedade do samba, onde homens e mulheres

dançam em círculo, mudando o passo através da “umbigada” (ALBIN, 2006).

Desde o início do século XX, na fase de formação do subúrbio, as famílias, em sua

maioria de negros, que ocuparam o Morro da Serrinha, tinham o costume de “dar o jongo em

sua casa” na ocasião das festas de aniversário, batizados, casamentos e festas religiosas

comemorativas, como já comentamos anteriormente. A Serrinha caracterizou-se como o

lugar-símbolo destas manifestações. Muitas personalidades que “davam o jongo em suas

casas” forma responsáveis pelo surgimento das escolas de samba da região de Madureira,

pelas composições de samba e pelos eventos culturais. Era comum em datas como 13 de maio

(dia da Abolição da Escravatura e do Preto Velho), dia 29 de junho (São Pedro), dia 17 de

dezembro (São Lázaro) acontecerem festas e comilança nos quintais de D. Joana Maria

Rezadeira, do estivador Antenor dos Santos, do maranhense Manuel Pesado, Sebastião de

Oliveira, irmão de Tia Eulália que, casando-se com um dos jongueiros mais famosos da

Serrinha à época, José Nascimento Filho, passou a chamar-se Eulália Maria Oliveira

Nascimento, entre outros baluartes.(FERNANDES, 2001).

Em tempo, na casa e no terreiro de Manuel Pesado, um maranhense que mudou-se

para a região de Turiaçu/Serrinha no início dos anos de 1920, acontecia a famosa Festa dos

Cachorros, um banquete servido aos cachorros da região, em homenagem ao Dia de São

35 Trecho sobre a Festa do Jongo – disponível em www.jongodaserrinha.org/o-jongo/, acesso em 10/02/2015 36 Matéria “O jongo da Serrinha, uma das mais genuínas referências da cultura carioca, é de Madureira” –

Revista Mercadão de Madureira 100 anos - IGPL Comunicação e Mkt, 2014, p.24

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Lázaro pelos portadores de feridas crônicas e protetor dos animais segundo as religiões

católicas, do candomblé e da umbanda (IDEM, 2001).

Ao descrever este banquete como o desejo de um imigrante em dar continuidade a

uma devoção religiosa regional e à tradição da cultura maranhense, Fernandes (2001) nos

alerta sobre como as classes populares são capazes de reproduzir sua cultura num meio

estranho. O mais curioso, segundo o autor é que esta tradição se manteve por muito tempo

após a morte de Manuel Pesado, através de Vovó Maria Joana Rezadeira, uma jongueira e

destacada sambista de blocos e escolas de samba. Sua casa na Serrinha era ponto de encontro,

festas e almoços. Quando assumiu o banquete dos Cachorros, Vovó Joana, mudou a data da

festa para 23 de abril, aliando-se às comemorações pelo dia de São Jorge, já que a data em

dezembro concorria com os eventos da Império Serrano e com a proximidade do carnaval, o

que a deixava muito cansada. Fernandes (2001) cita um trecho do depoimento que Vovó

Joana concedeu à Silva e Oliveira Filho (op. cit. 45, APUD, FERNANDES 2001), em 1979,

aos 77 anos:

- É. Mas a festa é assim: desde a véspera eu faço as melhores comidas. Porco,

galinha, carne, arroz, tudo do bom e do melhor. Mando avisar às pessoas que têm cachorro

para trazerem ele lá pelas nove horas da noite. Tenho que saber o número certo para

arrumar os lugares na mesa.

- Ah, tem mesa?

- Tem. Eu pego uma toalha branca bem alva, com uma cruz preta no meio e forro o

chão. Ponho pratos, copos, tudo direitinho. A imagem de Obaluaiê eu pego lá na casinha

dele e boto na cabeceira. As pessoas chegam com os cachorros pela coleira. A gente enche

o prato deles, bota vinho nos copos, cada um segurando o seu cachorro enquanto comem e

bebem.

(...) – Quando eles acabam de comer a gente dá de comer às crianças até sete anos.

Depois os maiores e os adultos comem.

Após o banquete, encerrava-se a parte religiosa e eram abertas as rodas de jongo até

o amanhecer do dia seguinte (FERNANDES, 2001, p.60 e 61).

A Serrinha se destaca como a “meca” do jongo no Rio de Janeiro, que no Brasil

predomina na região sudeste, nas áreas para onde foram trazidos os negros bantos

escravizados, desde o final do século XVIII. (Albin, 2006 e Fernandes, 2001). Alguns autores

citados por Fernandes (2001), a exemplo do historiador José Honório Rodrigues, atribuem a

herança do jongo à origem de certas características da “psicologia carioca”, como a malícia,

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o gosto pelas festas e a vivacidade – e que o jongo, tal como o samba são contribuições dos

negros bantos à cultura carioca.

A casa da família Nascimento, à rua Itaúba 242 tinha o jongo mais concorrido da

capital federal em meados de 1930. Dia 19 de março era aniversário de Napoleão José do

Nascimento Filho, o jongueiro mais conhecido da Serrinha, que ao contrário de sua esposa

(Tia Eulália Oliveira Nascimento), não gostava de samba! Esta era uma data certa para rodas

de jongo e festa com comida farta em seu quintal. Fernandes (2001) nos relata que neste

mesmo dia também aconteciam as rodas na casa de Dona Florinda, no morro da Congonha,

(região de Madureira). Já na rua Itaúba, número 298, na casa da conhecida Tia Marta do

Império (1886-1993), mãe de santo respeitada na Serrinha, as rodas aconteciam sempre no

dia 26 de julho, dia de Santana e também seu aniversário.

Tia Marta era madrinha de tia Doca da Portela que, em entrevista ao pesquisador

Alexandre Medeiros, publicada na obra “Batuques na cozinha: as receitas e as histórias das

tias da Portela” (SENAC, 2004) relatou a importância e o respeito que dava ao jongo - para

ela, uma tradição religiosa.

Jongo não é para se cantar à toa. Quem botou o jongo na Serrinha foi minha madrinha Marta.

O Darcy era pequeno, menor do que eu. Acompanhei isso porque minha madrinha fazia

aniversário no Dia de Senhora Santana e a festa dela era o jongo. Mas ela sabia como abria e

como fechava. O jongo não é aquilo que o Darcy fazia. Não, comigo não, que é que há? Minha

cunhada, a Djanira, foi atrás do Darcy e se deu mal. Cantava jongo meio-dia na Praça da

Portela. Morreu assim, da noite para o dia. Um sobrinho meu morreu, o outro sumiu e ninguém

sabe onde está. Eu não sou boba, cada um na sua. Minha madrinha era jongueira, me ensinou

tudo. Meia noite tem uma coisa muito triste, eu nunca gostei. Acho lindo no dia da festa do

jongo, que é o dia de Nossa Senhora de Santana. (Tia Doca da Portela, in MEDEIROS, 2004,

p. 42)

Entre os mistérios, a religiosidade e as tradições culturais, o jongo é homenageado na

Feira das Yabás no mês de julho, comemoração oficial do Dia Estadual do Jongo. Neste mês,

tradicionais grupos de jongo se apresentam com suas rodas e pastoras no palco da Feira. As

barracas das iabás Tia Romana e Tia Marlene, resgatam o imaginário do jongo, das comidas

do quintal de Tia Doca e da vasta culinária de Dona Vicentina, cozinheira mais famosa da

Portela, como detalharemos a seguir.

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Fig. 12 e 13 – apresentações de grupos de Jongo. FDY Julho 2014 Foto: Adelaide Chao

3.3 Dona Ester e os almoços de quintal

Fernandes (2001, p.64), detalha que o bairro de Oswaldo Cruz, no entorno de

Madureira, não era considerado uma favela, “mas apenas um remoto, pequeno e

desconhecido subúrbio do Rio de Janeiro no início do século XX, até que sua poderosa escola

de samba escrevesse o seu nome na história do samba, do Carnaval e da identidade nacional

brasileira.” A migração de famílias ligadas às variadas manifestações culturais possibilitou

ao bairro uma vida social marcada por festas religiosas, desfiles de carnaval, batucadas, rodas

de samba, jongo herdados dos antepassados escravos.

Fig. 14- Ester Maria de Jesus

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D. Ester Maria de Jesus37 (1846-1964), seu nome de batismo, mas também conhecida

como Ester Maria de Rodrigues, foi casada com Euzébio Rosas e com ele formava o casal de

baliza e porta-estandarte no bloco carnavalesco “Cordão Estrela Solitária”. Vieram morar em

Oswaldo Cruz em 1921, quando fundaram o bloco “Quem Fala de Nós Come Mosca”,

precursor da Portela (FERNANDES, 2001 e NOBRE, 2012). Além do bloco, D. Ester criou

em sua casa o costume de festas e almoços em seu quintal que duravam dias. Nestes

encontros, sempre com comida farta, os sambistas, compositores, passistas ensaiavam os

sambas, discutiam detalhes dos desfiles, divertiam-se ao som e dos passos do jongo. Estas

festas tornaram-se o centro da vida social do bairro, já que D. Ester fazia questão de reunir

sambistas renomados do Estácio, da Serrinha e da Mangueira, a exemplo de Donga,

Pixinguinha, Roberto Silva e Candeia 38.

Na descrição de NOBRE (2012), “a casa de Dona Ester era uma espécie da casa de

Tia Ciata da Praça Onze onde o samba corria solto nos fundos, em Madureira.”

Em tempo, Dona Ester merece uma atenção especial nesta pesquisa. Era uma mulher

altiva, branca com cabelos longos e negros, respeitada como porta-bandeira do bloco criado

por ela. O inusitado à época era como uma mulher branca, casada com um negro popular,

morando no subúrbio, bonita e sagaz impunha tanto respeito, carisma e autoridade. Por ser

um dos poucos blocos que tinham alvará na época, Dona Ester impunha o respeito à polícia,

já que os sambistas eram alvo de perseguição. As reuniões e ensaios em sua casa levavam

dias sem incômodos legais39. Para as pesquisadoras Lygia Santos e Marilia Barboza da Silva

(1980), Ester, considerada Rainha dos Subúrbios, pode ter sido responsável pela criação da

GRES Portela, juntamente com Paulo da Portela, que frequentava sua casa e já fazia parte de

seu grupo. Mas, após divergências com ela e seu esposo, Paulo da Portela, Antonio Rufino

dos Reis e Antonio Silva Caetano, resolveram separar-se e fundaram outro bloco, as

“Baianinhas de Oswaldo Cruz”, em 1922 sem a colaboração de Dona Ester. Seu jeito

considerado austero não a impediu ficasse “registrado” um certo estilo ao sambista de

Oswaldo Cruz, impondo um padrão formal em relação à indumentária e outras posturas

(FERNANDES, 2001).

37 NOBRE, Carlos. 2012 em “Dona Ester: uma pioneira da Portela”, créditos da imagem disponível em

http://aladebaianas.com.br/i/memorias/50-tia-ciata-de-oswaldo-cruz.html> acesso em 02/01/2015 38 Informações sobre a história e fundação do GRES Portela extraídas do site

<http://www.portelaweb.com.br/escola.php>, acesso em 02/01/2015 39 Disponível em <http://www.gresportela.org.br/a-escola/> acesso em 07/02/2015

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A importância de Dona Ester para a história cultural do subúrbio carioca é de ser uma

das primeiras matriarcas, assim como Tia Eulália, Vovó Joana Rezadeira e do seu Napoleão

José do Nascimento, que desde o início do século XX construíram um legado de festas,

culinária e música para a identidade carioca. (VASCONCELLOS, 1991 e FERNANDES,

2001)

A Feira das Yabás, é inspirada nestes Quintais do Subúrbio e que pretende manter

essa herança cultural através de sua gastronomia, música, socialidades e representações.

3.4 Velha Guarda da Portela - memórias de um povo

“Velha Guarda não é uma questão de idade ou longevidade, mas de identificação com

certas matrizes de criação musical carioca.” assim declarou VARGENS40, pesquisador e

biógrafo de Antonio Candeia Filho, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em

05/02/2000 sobre a Velha Guarda da Portela. Criada em 1970 pelo jovem sambista Paulinho

da Viola, teve em sua formação inicial vários fundadores da escola, como os irmãos Mijinha

e Manaceia, Aniceto da Portela, Rufino e Caetano.

Em tempo, como nos relata Vargens41, os primeiros ensaios da Velha Guarda Show

aconteciam na casa de Manaceia e a iabá Dona Neném, que naquela época eram “jovens

senhores até mais novos do que eu”, relembra.

Hoje a Velha Guarda tem a sua sede - a Portelinha – na Estrada do Portela, em frente

a praça Paulo da Portela onde é realizada a Feira das Yabás. Abriga muitos idosos e “coroas”

que fazem parte da comunidade portelense, realizando eventos sociais com as crianças e

jovens, filhos de membros da escola de samba. Mas a idade não é a questão principal para

integrar este grupo de “bambas”. Segundo o compositor Monarco – o sr. Hidmar Diniz, 79

anos - “para ingressar na Velha Guarda é preciso ‘ter passado’, e a escolha de novos

componentes segue a tradição até hoje. 42

40 João Batista Vargens, é pesquisador e autor da biografia de Antonio Candeia Filho (Candeia. Luz da

inspiração, Rio de Janeiro, Funarte, 1997) e também de A Velha Guarda da Portela, com Carlos Monte, Rio

de Janeiro, Manati, (2001), disponível em <http://www.tiasurica.com.br/> acesso em 12/01/2015 e em

<http://www.portelaweb.com.br/flexivel2.php?codigo=14> acesso em 12/01/2015 41 IDEM 42 Disponível em <http://www.velhaguardadaportela.com.br/integrantes> acesso em 12/01/2015

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Dentre os integrantes da conhecida Velha Guarda Show, grupo de bambas do samba,

o mais novo é Jorge Santiago de Sá, o Dinho da Percussão, 30 anos. "Tem que ser portelense

e ter uma história na escola para “vestir o fardão”, completa Iranette Ferreira Barcelos, mais

conhecida como Tia Surica.43

Em tempo, três iabás fazem parte da Velha Guarda Show: as pastoras Surica (a mais

antiga no grupo), Áurea Maria (filha de Manaceia e Dona Neném) e Neide Santana (irmã de

Chico Santana). Os ensaios da atual Velha Guarda são no quintal da casa de Tia Surica, o

famoso “Cafofo da Surica”, acompanhado de feijoada e samba.

Ao longo de 40 anos de carreira, a Velha Guarda da Portela tem 19 discos com

apresentações no Brasil e exterior. Outras pastoras já deixaram suas marcas registradas na

Velha Guarda, a exemplo das tias Doca e Eunice (já falecidas) e diversas músicas gravadas

com Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Arlindo Cruz e outros. A atual

madrinha da Velha Guarda é a cantora Marisa Monte, filha do portelense Carlos Monte, ex

diretor da escola e que substituiu a primeira madrinha, a cantora Clara Nunes (1942-1983)44.

Fig. 15 e 16 – Almoço em homenagem ao Dia das Mães – sede da Velha Guarda da Portela.

Maio/2014. Foto: Adelaide Chao

3.5 Marquinhos de Oswaldo Cruz: comida + samba = Feira das Yabás

Idealizada por Marquinhos de Oswaldo Cruz em 2008, a Feira das Yabás tem a

intenção de reproduzir de uma maneira diferente os tais “almoços de quintais” que já

comentamos anteriormente. Quintais que desde o início do século XX já eram bastante

43 Disponível em <http://www.velhaguardadaportela.com.br/historia> acesso em 12/01/2015 44 Disponível em <http://www.dicionariompb.com.br/velha-guarda-da-portela/componentes>, acesso em

12/01/2015

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festeiros com comida farta e samba, desde os tempos de Dona Ester, Tia Eulália, Vovó Joana

e outras mulheres de Madureira citadas anteriormente. Já na atualidade, a versão

contemporânea do “almoço de quintal” que acontece todo segundo domingo do mês na Praça

Paulo da Portela, é relevante conhecer um pouco sobre a idealização desse projeto, como

surgiu e como estas mulheres tradicionais tornaram-se as tão famosas Yabás.

Nascido em Madureira e criado em Oswaldo Cruz, Marcos Sampaio de Alcântara45

(1961-), o Marquinhos de Oswaldo Cruz, teve a oportunidade de conhecer pessoas que foram

marcantes na sua formação de sambista, compositor e idealizador de projetos culturais. Ao

longo da vida, a convivência com Monarco, Antonio Candeia Filho, Jair do Cavaquinho,

Paulinho da Viola, Casquinha, Tia Doca, Tia Neném e Manacéia gerou um aprendizado na

música e nas artes, capaz de transformar sua vida profissional. Essa aproximação despertou

em Marquinhos a necessidade de divulgar a cultura e o samba do subúrbio, com a intenção

de preservar algumas ações culturais que aconteceram nos antepassados de Madureira.

Fernandes (2001, p.67) nos detalha com precisão que lá pelos idos de 1926, quando a

Portela ainda era “As Baianinhas de Oswaldo Cruz”, Paulo da Portela, Rufino e Antonio

Caetano se reuniam embaixo de uma mangueira na Estrada do Portela, 412, onde também

funcionava o Bar do Nozinho. Mas como o espaço era pequeno para tantos sambistas, as

reuniões passaram a ser diárias em uma “sede itinerante”. Paulo e seus amigos reuniam-se

todos os dias no trem das 18:04h na Central do Brasil e no percurso até Oswaldo Cruz

realizavam ensaios dos sambas, faziam novas composições, deliberavam novas ações para a

recém nascida Portela. Autores como Fernandes (2001) e Silva e Santos (1980) relatam que

provavelmente essa “sede itinerante em trilhos” se manteve por algum tempo, já que aqueles

sambistas encontravam uma forma divertida e animada para estabelecer parcerias musicais e

artísticas, mesmo após a obtenção da sede fixa em Madureira.

Com estes relatos da história cultural do trem, Marquinhos de Oswaldo Cruz começa

a idealizar projetos que resgatam a memória e exaltam a cultura do subúrbio carioca, através

da música e da comida. 70 anos mais tarde, sempre no dia 02 de dezembro – Dia Nacional

do Samba, Marquinhos realiza o Trem do Samba46, um evento que reúne pagodeiros e

45 Sobre a biografia e dados artísticos de Marquinhos de Oswaldo Cruz ver

http://www.marquinhosdeoswaldocruz.com/historia/ acesso em 14/2/2015 46 O Trem do Samba teve início em 1996, realizando apresentações em palcos nas estações da Central do

Brasil e Oswaldo Cruz, além dos shows dentro dos vagões e que atualmente reúne cerca de 70 mil pessoas.

Extraído dos sites http://www.tremdosamba.com/2014/sobre/ acesso em 14/02/2015 e

http://www.marquinhosdeoswaldocruz.com/historia/ acesso em 14/2/2015

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sambistas renomados, dentro de 32 vagões dos trens que partem da Central do Brasil até

Oswaldo Cruz com vários shows, assim como Paulo da Portela fez em 1926.

Para exaltar a gastronomia típica dos quintais de Madureira, Marquinhos começa a

pensar num projeto que evidenciasse a história cultural das festas do subúrbio. As comidas

fartas que eram servidas nas rodas de jongo, nos ensaios das escolas de samba, nos almoços

de domingo na casa dos baluartes da comunidade, com muito samba de roda, partido alto,

desde os tempos de Paulo da Portela a Antonio Candeia Filho.

Durante a pesquisa, realizamos uma entrevista com Marquinhos de Oswaldo Cruz

que, numa conversa descontraída, nos relata como surgiu esse projeto, a escolha do nome do

evento, o porquê dos pratos e do samba. A entrevista aconteceu em seu camarim na Feira das

Yabás em dezembro de 2014, horas antes de subir ao palco para iniciar seu show.

Marquinhos conta que em 2008 reuniu as primeiras iabás ainda na quadra da

Portelinha (atual Sede da Velha Guarda da Portela), em Madureira para uma parceria no seu

show. Ele entrava com o samba e elas com a comida. Começou com a feijoada de Neide

Santana e o macarrão com carne assada de tia Edith. Tia Neide Santana é filha de Chico

Santana, autor do hino da GRES Portela, e dona Ercília, famosa mãe de santo de Madureira.

Tia Edith, recriou o prato preferido de Paulo da Portela, muitas vezes preparado por ele

durante as festas e almoços no Bar do Nozinho. Nascia, assim, a primeira edição da Feira,

que hoje reúne milhares de visitantes e conta com o patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro,

desde abril de 201247. No início deu certo, conta ele, mas com a mudança da diretoria da

escola algumas situações não ficaram no seu agrado.

Nesse meio tempo ele recebeu em sua casa um músico senegalês e conversando sobre

comida, lhe perguntou onde poderia comer uma “comida de vó” no Rio de Janeiro.

Marquinhos então decide fazer a famosa “roupa velha” que sua avó cozinhava em casa. A

roupa velha é uma comida caseira, que mistura feijão “adormecido”, ou seja, que não foi feito

naquele dia com as sobras de carnes. Segundo Marquinhos, sua avó cozinhava o resto do

feijão, acrescentava um refogado de alho, cebola, tomate e as sobras de carne desfiada.

Pronto! Ficava uma delícia! Mas sua empregada não dessalgou a carne e então, conta ele,

para cada garfada que comia, bebia dez copos d´água! Foi uma gozação o dia inteiro e

47 Ver http://www.fdy.com.br/ acesso em 05/02/2015

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Marquinhos ficou “devendo” ao amigo senegalês apresentar-lhe uma verdadeira “comida de

vó”, conforme o prometido.

As feijoadas na Portelinha aconteciam apenas com a contribuição das Tias Edith e

Neide Santana, porém, como nos revela Marquinhos, os ciúmes tomaram conta das outras

cozinheiras da comunidade e após um desentendimento com a diretoria da escola,

Marquinhos decidiu adaptar seu projeto e levá-lo para um espaço maior, onde pudesse reunir

mais baluartes da comunidade para, enfim, resgatar a história e a gastronomia cultural do

subúrbio.

Demonstrando uma preocupação constante com a importância poética/pedagógica das

rodas de samba e dos elementos culturais do Rio de Janeiro, o sambista apresenta um projeto

com a ideia de reunir na Praça Paulo da Portela, a céu aberto, as principais descendentes de

família importantes da cultura de Madureira para que pudessem recriar os pratos e outras

iguarias que eram servidos nos famosos almoços e festas de quintais desde o início do século

XX. Marquinhos lembra que na sua infância, a única mulher que vendia comida semelhante

às comidas de quintais era uma baiana.

(...) que chamavam Baiana do Império Serrano, tocava cuíca. Eu era criança, e a

Baiana já estava ali. Eu nasci em Madureira. Não tinha essa tradição de vender essa comida.

Não é uma comida típica, nem caseira, é uma comida De Quintal.

Estes festejos não eram representados apenas pela comida, mas como Marquinhos

enfatiza, a união da comida e do samba é que criam a tradição das festas de quintais. Não há

festa de Quintal sem comida e sem samba, desde as festas na casa de Dona Ester em Oswaldo

Cruz, Tia Eulália Nascimento na Serrinha, na casa de Vicentina, Manacéia e outros

personagens da história cultural de Madureira.

MARQUINHOS: (...) e aqui tem uma tradição matriarcal muito forte: Dona Ester, Vovó

Maria Joana, Vovó Martinha, Dona Neném... todas Mães de Santo. Isso é uma tradição

daqui. Matriarcado é uma tradição daqui. Já agora, na atualidade, tem Tia Doca, Tia Surica.

(...) e ai o que aconteceu: entrei numa de lembrar dessas comidas todinhas, conversei com

um cara do Ministério do Turismo, falei sobre este projeto que eu tinha a ideia de fazer.

Falei também com Ubiratan Castro que era presidente da Fundação Palmares e também

gostava da ideia.

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Marquinhos se mostra preocupado em divulgar essa cultura do subúrbio porque

acredita na força que a memória exerce no cotidiano da cidade, principalmente no que se

refere às artes, à oralidade e a outros legados.

Quero poder cantar para os descendentes dos que construíram (e continuam a

construir até hoje) a minha arte. Cantar para lembrar aos moradores dos morros e

subúrbios do etnocídio a que somos submetidos diariamente pelos detentores e

defensores do pensamento hegemônico.(MARQUINHOS DE OSVWALDO

CRUZ)48

Com o apoio de órgãos públicos e empresas da iniciativa privada, o sambista enfim,

concretiza seu projeto de trazer ao tempo presente a memória social e cultural do subúrbio,

através da música, comida e elementos marcantes que permeiam a região de Madureira desde

sua formação social, como as mulheres tradicionais da comunidade, parentes de

personalidades das escolas de da cidade, as Velhas Guardas da Portela e do Império Serrano

as poucas instituições de jongo do Rio de Janeiro. É criada a FEIRA DAS YABÁS.

Marquinhos relata que o nome Feira das Yabás não foi idealizado por ele, mas

curiosamente, sua ex esposa, pesquisadora e conhecedora de matrizes africanas, sugeriu o

nome Yabás por tratar-se de uma referência à simbologia feminina, da mulher que acolhe,

cozinha para seus filhos e no candomblé ser aquela que prepara a comida dos santos.

A etimologia do termo iabá (ou yabá) é de origem nagô, o que diverge da origem das

comidas servidas na Feira, que são de origem banto em sua maioria.49

Marquinhos justifica: O nome Yabás, não fui eu que dei. Eu queria reunir elas (as

matriarcas). Até porque é um grande erro. Porque toda comida que veio pra cá é uma comida

de tradição banto. Não é de tradição Nagô. E o nome Yabá é porque a gente não tinha um

nome que surgisse na época. Ai então Denise, minha ex mulher e professora, sugeriu o nome

Yabá que está relacionado aos orixás femininos. Daí as pessoas cobram acarajé na Feira

das Yabás e não tem em função disso: porque é uma tradição banto.

Ele nos relata ainda que na fase de planejamento do evento, convidou as iabás, uma a

uma, de casa em casa, e que a escolha dos pratos foi uma sugestão das matriarcas sobre o

prato preferido ou mais servido em suas casas, pelos baluartes envolvidos. Reunidas então,

as 16 matriarcas importantes de Madureira que tornaram-se as iabás da Feira das Yabás.

48 Extraído do site http://www.marquinhosdeoswaldocruz.com/historia/, acesso em 14/2/2015 49 Extraído do site http://www.alaketu.com.br/ritos/dicionario_ioruba.htm acesso em 14/01/2014.

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Temos as pastoras50 Tia Neném, Tia Surica, Tia Edith, Tia Natércia e Tia Jussara.

Descendentes de cantores e sambistas renomados temos as tias Vera e Janaína de Jesus, Tia

Selma Candeia, Tia Jane Pereira, Tia Rose, Tia Neide Santana, Tia Marlene, Tia Romana,

Tia Nira, Tia Jane Carla, Tia Vera Caju e Tia Rosângela. A seguir, conheceremos um pouco

destas iabás, a gastronomia e suas heranças culturais e familiares.

Fig. 17– Comemoração surpresa pelo aniversário de Marquinhos de Oswaldo Cruz. Feira

das Yabás – outubro de 2014 Foto: Adelaide Chao

A escolha do repertório também preserva e homenageia os sambistas de Madureira,

como Manaceia, Paulo da Portela, Antonio Candeia Filho, Clementina de Jesus e outras

personalidades do samba, enraizados nas famílias das iabás. E Marquinhos de Oswaldo Cruz

diz não ter sentido a Feira das Yabás sem a relação da comida com o samba originário entre

Oswaldo Cruz e Madureira.

Pelas músicas, desfilam emblemas da cultura popular, cenários inspiradores de

sambistas de todas as épocas, as crenças mais sólidas e as histórias que conjugam

humor, paixão e a vida cotidiana, na sua crueza, na sua poesia. Ainda celebram

baluartes que ajudaram a firmar o encanto brasileiro. (MOTTA, Aydano)51

Em todas as edições da Feira das Yabás, o sambista inicia o show com uma música

“De Santo Amaro à Madureira”52 de sua autoria e gravada com a participação especial das

50 Pastoras são as matriarcas das escolas de samba e grupos de jongo que conduzem as alas, “puxam” os

sambas nos eventos e realizam shows Disponível em

http://estadao.com.br/noticias/geral,morre+tia+doca+portela), acesso em 02/01/2015 51 Texto de Aydano Motta sobre o disco Herança Do Samba em

http://www.marquinhosdeoswaldocruz.com/historia/, acesso em 14/2/2015 52 Ver ANEXO 1

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iabás que participam da Feira. A letra menciona algumas matriarcas históricas de Madureira

como Tia Doca, Tia Surica, as vovós Martinha e Maria Joana, entre outras.

3.6 – Iabás – herança e memórias

Fig. 18 Yabás – foto: http://compositoresdaportela.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html,

acesso em 13/07/2014

Na imagem as Yabás da esquerda para direita: (parte inferior) Tia Edith, Tia Marlene,

Tia Neném, Tia Nira, Tia Natércia, Tia Surica e Tia Jane Carla; (parte superior) Tia Neide

Santana, Tia Jane Pereira, Tia Vera de Jesus, Tia Vera Caju, Tia Romana, Tia Rosângela, Tia

Jussara, Tia Selma Candeia e Tia Rose.

3.6.1 Tia Neném

A mais antiga das iabás, Yolanda, nome de batismo da lendária Dona Neném,

moradora de Oswaldo Cruz desde criança, viu a Portela nascer.

Chegou bem cedo a Oswaldo Cruz. Era adolescente quando já desfilava na Portela

sob o comando do lendário Paulo da Portela. A sua família tem sua história ligada à cultura

de Madureira, das escolas de samba, da Velha Guarda, das músicas e dos festejos. Dona

Neném é irmã de Lincon, parceiro musical de Paulo da Portela e integrante da primeira

formação da Velha Guarda da Portela; viúva de Manaceia53, que ao lado dos irmãos Mijinha

53 Manaceia José de Andrade (1921-1995), disponível em http://www.dicionariompb.com.br/manaceia, acesso

em 14/02/2015

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(Bonifácio de Andrade) e Aniceto da Portela (Aniceto José de Andrade), compuseram

inúmeros sambas, gravados por Paulinho da Viola e outros artistas. Os sambas de Manaceia

são obrigatórios no repertório dos shows da Feira das Yabás e reverenciados como “hinos do

samba portelense”, a exemplo de “Quantas lágrimas”54, “Obrigado pelas flores” que gravou

com Monarco e “Volta meu amor”55 que compôs com a filha, a iabá Áurea Maria, pastora da

Portela.

A culinária de Dona Neném, tem “a alma do quintal”. Como nos diz Medeiros (2004),

desde a década de 1940, os ensaios dos sambistas da Portela e da Velha Guarda na sua

primeira formação, eram no seu quintal e nas casas de Tia Vicentina e de Tia Doca. Como

“cantar sem comer” não dá samba, os ensaios na casa do casal portelense Dona Neném e

Manaceia eram regados à feijoada, rabada, peixe frito e vários outros pratos dessa culinária

“afro carioca”, como veremos mais adiante. Zeca Pagodinho recorda-se deste quintal quando

fez o filho, ainda pequeno, colher amoras da árvore e Dona Neném ter lhe preparado uma

geleia de compota, “coisa fina” (MEDEIROS, 2004, p. 18). Zeca, era tão grato às festas e à

comida de Dona Neném, que em 1992 compôs o samba partido alto O feijão da Dona

Neném56:

Esse feijão tá cheiroso

Foi Dona Neném

Que mandou preparar

Disse que a Penha lhe disse

Que o fogo de lenha

Tem bom paladar

Bota lenha na fogueira,

Neném

Deixa o feijão cozinhar

Bota lenha na fogueira,

Neném

Não deixa o feijão queimar.

54 Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tzEJX7vX_GQ acesso em 21/02/2015 55 Filme A Velha Guarda da Portela: o mistério do samba (1999), disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=j7gG-onRK28 (37:38) acesso em 15/02/2015 56 Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/zeca-pagodinho/dados-artisticos acesso em 14/02/2015

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Além de composições, Dona Neném ficou registrada no filme Partido Alto (1976) de

Leon Hirszman57, logo após a criação da Velha Guarda da Portela, na década de 70. O filme

é um registro de um ensaio de sambas partido alto com Antonio Candeia Filho, Paulinho da

Viola, Manaceia, Tia Doca, Chico Santana e outros sambistas de Madureira.

Na Feira das Yabás, Dona Neném oferece a rabada58, um prato de origem europeia,

feito com carne de boi, adaptado à culinária brasileira em panelas de ferro e pedra, comum

na região de Minas Gerais a partir das décadas de 1920 e 1930. Sua filha, a pastora portelense

Áurea Maria, também toma conta da cozinha, preparando outros quitutes como bolinhos e

caldos.

3.6.2 Tia Edith e Tia Jane Carla

Tia Edith foi a iabá que iniciou a Feira, desde a época dos eventos na Portelinha com

a missão de recriar o prato preparado por Paulo da Portela, fundador da escola – o macarrão

com carne assada.

Paulo da Portela passou a infância no bairro da Saúde e Estácio de Sá e foi criado pela

mãe e dois irmãos. Começou a trabalhar cedo em uma pensão e para ajudar a mãe, entregava

marmitas em domicílio, o que lhe aproximou dos sabores das comidas caseiras59. Mais tarde

trabalhou como lustrador de móveis até mudar-se para Oswaldo Cruz em 1920. Por conta da

criação dos sambas e dos blocos carnavalesco, participava ativamente das festas promovidas

na casa de Dona Ester, Tia Ciata e do Bar do Nozinho, onde morou no sobrado por um tempo.

Sua participação pública o tornou cidadão renomado com vários sambas vencedores de

concursos. Em 1935 ganhou o desfile com a escola Vai Como Pode (futura Portela) e no

mesmo ano foi eleito pelo voto popular como maior compositor das escolas de samba,

promovido pelo Jornal A Nação60. Entre 1937 e 1941 colecionou títulos e prêmios por suas

composições e desfiles das escolas. Na década de 1940, no auge de sua carreira, criou o

programa A Voz do Morro na rádio Cruzeiro do Sul e o grupo Conjunto Carioca, juntamente

com Cartola e Heitor dos Prazeres, fazendo temporada em São Paulo. Após a vitória do

carnaval pela Portela em 1941, recebeu em sua sede o cineasta Walt Disney e sua comitiva.

As pesquisadoras Silva e Santos (1980) arriscam dizer que o personagem Zé Carioca foi

57 Filme disponível em https://www.youtube.com/watch?v=j7gG-onRK28, acesso em 14/02/2015 58 Disponível em http://www.casacomvinho.com.br/2012/07/origem-da-rabada.html, acesso em 14/02/2015 59 Ver em http://www.dicionariompb.com.br/paulo-da-portela/biografia acesso em 02/01/2015 60 IDEM

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criado por Walt Disney no hotel Copacabana Palace, inspirado em Paulo da Portela. Deixou

a Portela neste mesmo ano, dedicando-se à escola Samba Lira do Amor até a sua morte

precoce em 1949.

A biografia de Paulo da Portela é rica e extensa, mas o queremos ressaltar é a exaltação

ao seu legado, sempre presente na Feira das Yabás (inclusive porque na praça, que leva seu

nome, há um busto de bronze em sua homenagem) e em vários outros eventos realizados na

Portela e na Portelinha (Velha Guarda). Várias composições do sambista como o partido alto

“Cocorocó”, “Quem espera sempre alcança” foram interpretados por Clementina de Jesus,

Monarco, Antonio Candeia, Tia Doca, Dona Ivone Lara, Tereza Cristina e tantos outros e

fazem parte dos repertórios de shows da Feira61

Macarrão com carne assada era um de seus pratos favoritos, nos relata Tia Edith62,

uma portelense que desde criança, participou de várias alas da escola - das baianas até a Velha

Guarda da Portela.

A Tia Jane Carla63 prepara em sua barraca o cozido de peixe com verduras e pirão,

acompanhamento tradicional da cultura banto, feito com farinha de mandioca. Esta iabá

herdou da mãe, Dona Dilma, baluarte e passista da Portela, os dotes culinários e a

responsabilidade de coordenar a Ala das Baianas. Atuante, faz parte da escola desde a criação

da Ala das Crianças, idealizado por Natal da Portela.

3.6.3 Tia Jussara e as Tias Vera e Janaina de Jesus

Jussara64 é a iabá que representa o GRES Império Serrano. Filha de Dona Balbina,

pastora da Velha Guarda do Império, faz parte da família Oliveira, tradicional das rodas de

jongo na Serrinha, onde morava com Tia Eulália, Molequinho do Império e Tia Maria do

Jongo. Jussara recria o bobó de camarão, prato típico da cultura afro brasileira, trazido para

o Brasil no início do século XVI pelos negros africanos, mas adaptada pelos seus

descendentes no Brasil. O bobó inicialmente é feito com feijão fradinho, azeite de dendê,

inhame ou aipim (RAMOS, 1977). No Brasil a sua forma mais conhecida é o bobó de

61 IDEM 62 Ver www.fdy.com.br/yabas acesso em 02/01/2015 63 IDEM 64 IDEM

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camarão, um purê ou pirão feito de aipim e dendê com camarões pequenos, servido com arroz

branco. É um dos pratos mais disputados na Feira das Yabás.

Antes de falar em Vera e Janaína de Jesus, falemos da cantora Clementina de Jesus65.

Dona de uma voz inconfundível, potente e ancestral, Clementina de Jesus foi uma sambista

natural de Valença (RJ), região do Vale do Paraíba, conhecida por ser a região jongueira, no

interior do RJ. Chamada de Rainha Quelé ou Rainha Ginga, foi referência dos cantos de

jongos, banzos e partido-alto (tipo de samba) que gravou em discos, entre os anos de 1970 e

1987. Reverenciada nacionalmente pelo seu talento na voz grave, trouxe à tona um repertório

de músicas afro-brasileiras tradicionais, conhecidas apenas nos terreiros de religiões africana

- começou sua carreira aos 63 anos, sem a intenção de ganhar fama66. Foi descoberta pelo

produtor e compositor Hermínio Bello de Carvalho, durante os festejos da Igreja da Penha

em 1963. Seu jeito cativante, a aproximou de cantores renomados da música popular

brasileira, como Clara Nunes, João Bosco, João Nogueira, Milton Nascimento, Pixinguinha,

Cartola, Elis Regina, João da Baiana, Antonio Candeia Filho e tantos outros, até o seu

falecimento, em 1987.

O fato de ter trabalho muitos anos como empregada doméstica fez de Clementina de

Jesus uma mestra no preparo de doces caseiros. Na Feira das Yabás, suas netas Vera e Janaína

de Jesus, recriam os mais tradicionais e que fizeram parte de suas infâncias. Conhecida como

“a barraca das sobremesas”, Vera e Janaína preparam iguarias típicas da “culinária de quintal”

como os doces de laranja-da-terra, abóbora, banana em calda e mamão papaia - frutas que

brotavam nas árvores do quintal da avó Clementina. Além disso oferecem outros doces

caseiros como pudim de leite, cuscuz e bolo de tapioca, comuns nos quintais do samba e da

culinária afro carioca.

3.6.4 Tia Marlene

O legado da família de Marlene do Nascimento67 vem de muito tempo. Seu Napoleão,

então conhecido como Seu Nozinho (que era o dono do bar mais famoso dos primórdios da

Portela), era o pai de Natalino Nascimento, o diretor “todo poderoso” conhecido como Natal

da Portela e também de Vicentina, a mais famosa cozinheira da escola que desde muito

65 Ver em http://www.samba-choro.com.br/s-c/clementina.html acesso em 12/01/2015 66 Disponível em http://www.museuafrobrasil.org.br/pesquisa/hist%C3%B3ria-e- acesso em 12/01/2015 67 Disponível em www.fdy.com.br, acesso em 05/02/2015

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jovem, preparava a feijoada servida no Portelão (atual quadra da Portela). O cheio da feijoada

de Vicentina, enquanto era preparada, corria os quarteirões de Madureira, o que reunia muitas

pessoas na quadra. Nos eventos da escola e nos ensaios, seus quitutes ganharam fama. Além

de cozinheira, Vicentina era pastora da escola, sempre muito respeitada.

Provei o famoso feijão da Vicentina / Só quem é da Portela é que sabe que a coisa é

divina - este samba de Paulinho da Viola, de 1972, põe na boca a mítica feijoada de Tia

Vicentina68 que nos traz à lembrança das tias da Praça XI, como tia Ciata, que são cozinheira

de mão cheia, mãe de todos. Tia Vicentina desfilou anos na Ala da Baianas e durante muitos

anos trabalhou no barracão na confecção de diversos carnavais.69

A tradição da culinária de Vicentina e da família Nascimento está na Feira das Yabás,

na barraca de sua sobrinha, Tia Marlene do Nascimento que mantem a feijoada como o prato

mais tradicional da Portela, desde sua criação.

3.6.5 Tia Natércia e Tia Rose

A família do sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz está representada nas barracas

destas duas iabás.

Para trazer a tradição dos pratos da região do Vale do Paraíba, Tia Natércia70, sua

mãe, prepara a Vaca Atolada, um prato principal de sua barraca, feito com carne bovina,

aipim e couve mineira refogada. Na juventude, Tia Natércia pertenceu à Escola de Samba

Tamarineira, em Madureira. Ainda mantém os festejos no quintal de sua casa em Oswaldo

Cruz. Na década de 1980, o conhecido pagode “Cura Ressaca”, organizado com o também

sambista Argemiro do Patrocínio tinha a culinária sob seu comando.

Já a Tia Rose71, esposa de Marquinhos, prepara o tradicional prato da culinária

mineira e do sul fluminense, também trazida pelos negros no início do século XIX – galinha

ou frango com quiabo. A origem do frango com quiabo em Minas Gerais remete a esta época,

momento no qual o estado tinha dificuldade em trazer outros alimentos dos grandes centros

como a Bahia e o Rio de Janeiro. O prato se popularizou em todo o estado e é sempre

68 Disponível em <http://www.portelaweb.com/flexivel2.php?codigo=17>, acesso em 17/02/2015 69 IDEM 70 Ver site www.fdy.com.br 71 IDEM

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68

acompanhado do tradicional angu, prato típico da culinária brasileira que, em São Paulo, é

conhecido como polenta72.

3.6.6 Tia Neide Santana

Tia Neide73 é filha de duas personalidades marcantes de Madureira /Oswaldo Cruz.

Seu pai, Chico Santana, era sambista e improvisador renomado na escola de samba.

Compositor de sambas, miudinhos e partido alto, é autor do Hino da Velha Guarda da Portela

e da GRES Portela além de sambas famosos como “Saco de feijão”, interpretada pela

sambista Beth Carvalho e “Dizem que é o amor”, cantada por Marisa Monte (atual madrinha

da Velha Guarda, após o luto de vinte anos pelo falecimento da primeira, a cantora Clara

Nunes). Sua mãe, Dona Ercília Santana era uma grande mãe de santo da comunidade e

integrante da Ala das Baianas.

A casa onde tia Neide morava com seus pais era sempre animada - comida boa, poesia,

samba e jongo faziam parte do seu cotidiano no subúrbio carioca. Chico Santana era parceiro

de Candeia, Manaceia, Monarco e também integrou da Velha Guarda, seu maior orgulho.

Cresceu, participando dos frequentes ensaios e comilança nos quintais de Madureira.

O prato escolhido por ela para representar as tradições da família Santana na Feira das

Yabás é o Angu à Baiana74, que curiosamente não tem sua origem na Bahia. O angu é um

prato típico da culinária carioca, mais tradicional nas regiões periféricas e no centro da cidade

(CARVALHO, 2004). Além do “pirão”, o angu à baiana contém um condimentado caldo de

miúdos. Ao analisar a obra do pintor Debret sobre as negras vendedoras de angu na Praia do

Peixe no século XIX, ela sugere que o termo “à baiana”, refere-se às negras quituteiras que

preparavam o prato e vendiam na feira ou no cais do porto do Rio de Janeiro. Desde então, o

angu à baiana tornou-se “indispensável nas rodas de samba e festas em casas de bamba.”

(IDEM)

72 Ver em https://www.bu.ufmg.br/snbu2014/noticias/riqueza-da-culinaria-mineira/ acesso em 18/02/2015 73 Ver www.fdy.com.br 74 Disponível em http://www.historiadaalimentacao.ufpr.br/pesquisas/projeto_013.html, acesso em 18/02/2015

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69

3.6.7 Tia Nira

Era a década de 1940 e Mestre Jaburu já era o peixeiro mais popular de Madureira. O

samba Peixeiro Granfino de Mestre Candeia, já anunciava o que Monarco75, que trabalhou

com Jaburu na feira em Madureira, relata que era o melhor peixeiro. E mais careiro também.

O peixe era de qualidade, escolhido “a dedo” por Mestre Jaburu, um grande improvisador da

Portela. O improvisador era aquele “assistente de sambista” que criava versos de imediato.

Já não existe mais. As músicas de Mestre Jaburu tinham muito miudinho, um ritmo de samba

que propõe uma dança “apertada” nos passos, onde os pés movimentam-se quase que no

mesmo lugar enquanto o corpo gira com mais liberdade.

Tia Nira, sua filha, herdou esse samba no pé. Em todas as edições da Feira das Yabás,

quando o povo entoa o refrão “… quem é de sambar, ô vem pra roda, ô vem pra roda pra

dizer no pé”, e em seguida Marquinhos de Oswaldo Cruz canta “…ô Nira vem cá pra roda, ô

Nira vem cá sambar…”, pode contar: Tia Nira sobe ao palco e dança o miudinho ensinado

por seu pai, Mestre Jaburu76. Confesso que a primeira vez que ela me contou o que se repetia

em todas as edições da Feira, não acreditei. Pensei comigo “essa senhora está exagerando”.

Porque ela me disse que o povo gritava, batia palma.

“Eu puxo a roda, todo mundo vai ao delírio! Tá pensando o quê? Nira é metade, mas

não é bagunça!”77. A partir daquele comentário, em visitas à Feira, presenciei a descrição

fidedigna do relato. Tia Nira “levanta o povo”, fazendo as pessoas sambarem o miudinho.

Sobe ao palco, reverencia os músicos e vai chegando ao centro, disfarçando dores na coluna,

passos com dificuldade, sugeridos pela idade avançada. A bengala está sempre à mão direita

para ajudá-la a caminhar... E ao chamado de Marquinhos, “solta as pernas para o miudinho”

até a “umbigada”, gesto dos tempos de jongo e samba de roda, agradecendo ao público.

75 Ver www.fdy.com.br 76 Ver https://www.youtube.com/watch?v=fUbH9NtOHf8, acesso 14/12/2014 (imperdível) 77 Entrevista de campo em 11/05/2014 - Tia Nira diz que é “metade” em referência a sua baixa estatura de

1.54cm

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70

.

Fig. 19 – Tia Nira sambando o “miudinho”. FDY janeiro/2014. Foto: site FDY

Sua barraca, obviamente, oferece peixe frito. Os mesmos vendidos por seu pai

enquanto peixeiro. Tem sardinha, tira-vira, tainha e corvina.

Conhecemos Tia Nira na pesquisa de campo do dia 11 de maio de 2014. Ninguém nos

apresentou previamente. Tia Nira se aproximou e nos acolheu, providenciando sem demora

uma mesa bem ao lado de sua barraca. Trouxe de imediato uma cerveja e perguntou o que

gostaríamos de comer. Perguntou se era a primeira vez que chegávamos à Feira das Yabás e

minutos depois já estava sentada à nossa mesa, conversando como uma boa anfitriã; dona de

casa que recebe seus convidados para uma festa em seu quintal. Começou a nos contar sobre

sua vida de iabá.

Mãe de 05 filhos, nascida e criada em Madureira, Elenir dos Santos é seu nome de

batismo. Membro atuante da Velha Guarda da Portela, desfila todos os anos no carnaval da

Sapucaí. Nos contou que seu pai foi um dos fundadores da Portela e que ensinou à Monarco

o oficio da pescaria. Além de peixeiro, Mestre Jaburu – Carlos Batista de Oliveira – foi

baterista da Orquestra Tabajara, regida pelo Maestro Severino Araújo. Ensinou Tia Nira,

ainda menina, a cozinhar peixes e frutos do mar, de diversas formas. Emocionada com tais

relatos de sua memória, não se intimidou a contar o segredo de seu peixe frito. “Sal, azeite,

coentro, suco de limão e cheiro verde. Mas não pode colocar alho, de jeito nenhum! Muita

gente não sabe cozinhar porque coloca tempero demais. Assim tira o paladar do animal.”78

78 Entrevistas de campo – 11/05/2014 e 27/11/2014

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71

Tia Nira chega à Feira às 10:30h e já encontra a estrutura da barraca montada. Assim

como as outras iabás, tem a ajuda da família. Seus filhos, noras, sobrinhas e netos a ajudam

nos preparativos. Ao meio dia sua barraca já está cheia.

Ela nos conta que precisa da Feira das Yabás para viver. Após a morte precoce de seu

filho e recentemente seu neto, Tia Nira relata que sofreu com depressão, emagrecendo mais

de 30 quilos. Hoje com 76 anos, encontrou na Feira e nos eventos da Portela bons motivos

para superar as tristezas da vida. “Preciso disso: do contato com as pessoas, do samba, dos

sorrisos que aqui encontro. Dos conhecidos e dos desconhecidos. Assim me sinto útil à

vida.”, nos diz emocionada.

Fig. 20 – Tia Nira – FDY novembro/2014 Foto: Adelaide Chao

3.6.8 Tia Rosângela e Tia Romana

Uma pastora marcante na história do samba e da Portela une a iabá Rosângela: sua

“tia”, a baluarte Jilçária Cruz Costa, a famosa Tia Doca da Portela (1932-2009) que fez de

tudo um pouco na escola. Foi “puxadora” de corda (quem faz a demarcação de espaço da

escola durante os desfiles na rua), destaque, diretora da ala das baianas, pastora, compositora

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72

e cantora da Velha Guarda Show. Como ela dizia “Só não carreguei tijolo nem joguei bola

com Paulo da Portela. De resto, fiz de tudo para ajudar a minha escola.”79

Apesar de sua família ser da escola Prazer da Serrinha e de “ter visto o Império

Serrano ser fundado no meu quintal” Tia Doca era portelense ativa. Considerada por muitos

como uma das Guerreiras da Portela, mãe de onze filhos, perdeu oito, tendo uma vida sofrida

e difícil (MEDEIROS, 2004).

Seu quintal era um dos mais famosos, a Velha Guarda se reunia ao menos uma vez

por mês para cantar e apresentar novos sambas. Eram presenças frequentes os sambistas

Chico Santana, Dona Ivone Lara (sua prima), Alvaiade, Roberto Ribeiro, João Nogueira e

Clementina de Jesus. Como já dissemos, Paulinho da Viola fundou a Velha Guarda Show e

Clara Nunes, sua madrinha, idealizaram este projeto de “Ensaios no quintal de Tia Doca”

para que fossem registrados muitos sambas compostos pelos baluartes da Portela mas que

ainda não tinham registro. Paulinho, inclusive, sugere que outras escolas de samba possam

eternizar as composições para que de fato haja um registro do samba como preservação da

música popular brasileira. Tia Doca recebia estes cantores e a Velha Guarda em sua casa,

sempre com comida farta.80

Tia Doca morava à Rua Antonio Badajós, quase esquina com a praça Paulo da Portela

em Madureira. Em seu quintal surgiram novos nomes do samba, a exemplo de Zeca

Pagodinho que relembra - “O quintal de terra da Tia Doca, molhado para não levantar poeira,

era um território livre da criação e da descoberta: ali nasciam novos sambas e sambistas,

amores e amizades.” (MEDEIROS, 2004, p.11)

Estes ensaios antecederam o conhecido “Pagode da Tia Doca”, evento que reunia

novos e antigos pagodeiros e sambistas no início da década de 2000, até o seu falecimento

em 2009.81

A tripa lombeira é um prato preparado para muitas pessoas, já que reúne vários quilos

de carne bovina, suína, legumes, verduras e muito cheiro verde. Tia Doca oferecia este prato

no início do Trem do Samba, realizado por Marquinhos de Oswaldo Cruz. Diante de tanta

79 Disponível em <http://www.portelaweb.com/arquivos.php?codigo=144&cod_cat=3>, acesso em

02/01/2015 80 Filme disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=jvFTvSF8JfI>, acesso em 12/01/2015 81 Idem nota 77

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73

fama, eternizou sua receita no livro Batuques da Cozinha: as receitas e histórias das tias da

Portela (MEDEIROS, 2004, p. 47-49).

Quando Marquinhos de Osvaldo Cruz idealizou a Feira das Yabás, convidou Tia

Doca. Já apresentando problemas de saúde, indicou sua “sobrinha do coração”, Tia

Rosângela, para substituí-la. Quituteira tradicional na Portela, Tia Rosângela foi namorada

de um dos filhos de Tia Doca e oferece em sua barraca como o prato principal a Tripa

Lombeira, comida mais apreciada no quintal da querida pastora portelense82.

A iabá Romana Antônia é uma cozinheira famosa no Império Serrano. Foi casada com

o sambista imperiano Ivan Milanês que junto à Marquinhos de Oswaldo Cruz preparava

vários quitutes e caldos oferecidos no Trem do Samba, com Tia Doca. Atualmente Tia

Romana prepara o carré à mineira, tradicional prato da culinária mineira e sul fluminense.

Sua barraca também oferece a famosa caipirinha de limão, cortesia aos clientes de sua

barraca, na Feira das Yabás.

Fig. 21. FDY 12/11/2013. Foto Adelaide Chao

3.6.9 Tia Vera Caju e Tia Jane Pereira

A Feira das Yabás é um território dos bambas do samba, o que nunca foi exclusividade

da Portela e do Império Serrano, situadas na região. Este Celeiro, como vimos nos capítulos

82 Ver em www.fdy.com.br

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74

anteriores, tem a participação de personalidades de outras escolas de samba. Tia Vera Caju83

e Tia Jane Pereira representam as tradições da culinária das escolas Vila Isabel e Mangueira

na Feira das Yabás, desde sua origem.

Na barraca de Tia Vera, o cozido é a especiaria principal, justamente por ser um prato

tradicional da culinária portuguesa e que foi adaptada à brasileira, misturando vários legumes,

verduras, frutas e carne de boi e porco, assim como os mais variados sambistas das escolas

carioca. Acompanhado de pirão de farinha de mandioca, feito do caldo dos legumes e das

carnes, essa iguaria reúne muitas pessoas no entorno de sua barraca. Certa vez, na experiência

de campo em setembro de 2014, uma senhora chamada Carmem relatou que o “cozido é o

melhor prato que simboliza o Rio de Janeiro. Tudo junto e misturado. E quanto mais

misturado, melhor!”, disse ela, referindo-se à sociabilidade do carioca, da diversidade de

pessoas que moram na cidade e do prazer em estar junto84.

Tia Jane Pereira, viúva do poeta e compositor Luis Carlos da Vila (1949-2008) vem

mostrar que o samba também é pródigo em suas grandes mulheres85. O poeta era conhecido

entre os amigos mais próximos pelo preparo de caldos e canjas nas reuniões em sua casa. Na

ocasião, Tia Jane preparava vários pratos com jiló. O jiló empanado transformou-se no seu

principal quitute, que ela trouxe para a Feira das Yabás. Sempre com o sorriso largo, Tia Jane

faz questão de mostrar aos frequentadores da Feira como prepara a iguaria. Diante de todos,

ela lava, corta, tempera e empana as fatias de jiló na barraca. Faz questão de conversar com

cada cliente para saber como querem que ela prepare o prato ainda mais especial. “Tem que

ter o gosto do freguês”, diz ela.

Fig. 22. Tia Jane Pereira– FDY – novembro/2014. Foto: Adelaide Chao

83 Ver www.fdy.com.br 84 Diário de campo – Feira das Yabás - setembro de 2014 – Adelaide Chao 85 Ver www.fdy.com.br

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75

3.6.10 Tia Selma Candeia

A família Candeia faz parte da história da música popular brasileira. A música é

presente em seu quintal desde os tempos de seu avô paterno, o tipógrafo e flautista Antonio

Candeia, o criador das Comissões de Frente das escolas de samba e posteriormente conhecido

como Candeia Pai. Seu filho, Antonio Candeia Filho86 foi um renomado compositor

portelense, que durante sua vida e sua carreira artística fez questão de enfatizar as raízes

culturais do negro - a culinária, os cultos religiosos de matrizes africanas e a música popular

brasileira, como o samba e o partido alto, sua maior expressão musical. Candeia foi um poeta.

Compôs vários sambas de enredo da Portela, desde 1953, a exemplo de Seis Datas Magnas

(1953), quando a Portela realizou a façanha inédita de obter nota máxima em todos os

quesitos do desfile (total 400 pontos).87 Foi investigador policial e sambista. Após um

acidente que o deixou paraplégico, dedicou-se ainda mais ao samba.

Fig. 23. Quadra do GRES Portela, novembro /2014. Foto: Adelaide Chao

Candeia foi um homem simples, mas conhecedor da importância da cultura negra

carioca para gerações futuras. Em seus versos na canção Testamento de Partideiro (1975)

dizia: Porque o sambista não precisa ser membro da academia. Ser natural com sua poesia

e o povo lhe faz imortal. Em dezembro deste mesmo ano fundou a Escola de Samba

Quilombo, que deveria carregar a bandeira do samba autêntico. O documento que delineava

os objetivos de sua nova escola dizia: Escola de Samba é povo na sua manifestação mais

autêntica! Quando o samba se submete a influências externas, a escola de samba deixa de

representar a cultura de nosso povo.88

86 Sobre Antônio Candeia Filho, ver <http://www.dicionariompb.com.br/candeia/dados-artisticos>, acesso em

14/01/2014. 87 Disponível em http://www.samba-choro.com.br/s-c/candeia.html, acesso em 12/01/2015 88 IDEM

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No carnaval deste ano, 2015, Candeia “voltou à Marquês de Sapucaí” e teve sua vida

e obra cantadas no enredo da Escola G.R.E.S. Renascer de Jacarepaguá (Grupo de Acesso –

Série A), recebendo o prêmio Estandarte de Ouro do Jornal O Globo de Melhor Samba-

enredo,89 onde alguns versos dizem: Candeia. Guardião de uma cultura popular, orgulho do

sambista brasileiro. Sua família, inclusive a iabá Selma desfilaram nos carros alegóricos,

reafirmando sua herança cultural.

Tia Selma relata que as festas nos quintais de sua casa, seja em Oswaldo Cruz ou

Jacarepaguá fazem parte de sua vida, desde seu nascimento. As festinhas quando criança

sempre foram no quintal, regadas a comida de sambista e música. Assim como as festas de

aniversário de seu pai, sempre no quintal, sem criança, bolo nem refrigerante, mas com os

amigos adultos de seu avô, feijão e cachaça90.

Quando da organização da Feira das Yabás, Marquinhos deixou Tia Selma à vontade

para a escolha do prato principal. Ela não teve dúvidas: carne seca com abóbora – o prato

preferido e preparado por seu pai.

Sua barraca faz questão de exaltar a memória de Antonio Candeia Filho. Nela é

possível encontrar suas poesias, discos, livros e camisetas com a estampa de seu rosto. Na

etapa das entrevistas e pesquisa de campo, Tia Selma nos recebeu em sua casa, em Madureira

e nos relatou os motivos que levaram a comercializar produtos como ação para a preservação

da obra de seu pai.91

SELMA CANDEIA: (...)partiu do momento do lançamento da 3ª. Edição do livro “Candeia,

Luz da Inspiração” onde eu fiquei com 100 livros como contrapartida pelos direitos autorais

e então decidi comercializar na Feira das Yabás, por um preço em conta, até para satisfazer

esse pessoal. Desta forma consigo manter a memória, aquilo que lembre o meu pai. As

pessoas têm satisfação em ter uma lembrança de Candeia, pelo seu legado que é enorme,

imenso. E as pessoas são muito fieis a esse legado, desse negro Antonio Candeia Filho,

sambista, compositor. A esse sambista. O samba é de uma fidelidade... Eles exaltam,

realmente, a obra de meu pai. Então acho que dá pra gente conciliar. E também valorizar,

ajudar a perpetuar a obra dele. É importante pra mim que jamais ele seja esquecido. Não

tem como esquecer. Como ele dizia “para ser imortal, sambista não precisa ser membro da

89 Disponível em <http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2015/imperatriz-leopoldinense-conquista-estandarte-

de-ouro-15359290>, acesso em 27/02/2015 VER ANEXO C 90 Disponível em <http://www.dicionariompb.com.br/candeia/biografia> acesso em 14/01/2015. 91 Entrevista de campo – 27 de novembro de 2014.

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academia. Que traga a poesia para ser imortalizado pelo povo.” Por isso tenho essa

diferença na minha barraca.

Além do prato principal, Tia Selma prepara outros quitutes, como o Bolinho de

Feijoada. E enfatiza: “trago a minha cozinha para este grande quintal que é a Feira das Yabás.

Tudo que faço lá, faço aqui.”

Fig. 24. Tia Selma Candeia. Feira das Yabás, setembro, 2014. Foto: Adelaide Chao

3.6.11 Tia Surica

Portelense de corpo e alma, nascida e criada em Madureira, Iranete Ferreira Barcellos,

a Tia Surica, 75 anos, é uma das mais renomadas iabás. Sua história com a Portela começa

aos 04 anos, quando desfilava acompanhada dos pais Judith e Pio. Mas foi a Dona Neném, a

mais antiga iabá, a quem sua mãe confiou a ida aos eventos e festividades da escola de

samba.92

Ela conta que já fez de tudo um pouco na escola. Desfilou na ala das crianças, das

baianas, como destaque em carro alegórico. Foi pastora e a primeira mulher a puxar um samba

enredo na avenida em 1966 quando a Portela foi campeã. Atualmente compõe a Velha Guarda

da Portela e a Velha Guarda Show, onde já gravou vários cd´s, realizando apresentações no

Brasil e exterior. Tia Surica tem rodado o mundo, levando o samba e a comida de quintal.

Seu nome “virou marca” e há mais de 5 anos realiza em seu quintal “O pagode da

Surica.”. Em tempo, na sua casa, quintal tem nome próprio: “O cafofo da Surica” como ela

92 Disponível em www.tiasurica.com.br e www.dicionariompb.com.br/surica, acessos em 12/01/2015

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relata.93 Faz questão de relembrar os vários ensaios da Velha Guarda da Portela em sua casa,

o lançamento do disco com a cantora Marisa Monte, os encontros de novos e antigos

compositores. Tudo é muito grande nesse Cafofo: o espaço, a quantidade de caixas de cerveja,

as panelas enormes de comida. E gente. Tem sempre muita gente. Ela faz questão de dizer

que recebe todos em sua casa com muito acolhimento e responsabilidade: “Não pode ter

agarramento na minha casa, nem ficar bêbado de cair. Quem vem aqui tem que sambar, ou

seja ‘dizer no pé’”94.

Na Feira das Yabás, Tia Surica oferece o mocotó – prato que prepara com a ajuda de

outras mulheres da família. Sua barraca está sempre cheia, turistas que querem conhecer

quem é a famosa cantora portelense que tem suas tradições registradas em livros,

documentários e filmes. Seu maior sonho era gravar um cd e, ao longo da carreira, sua

discografia já conta com 17 títulos.95

Fig. 25 Feira das Yabás – Barraca de Tia Surica – julho/2013. Foto: Adelaide Chao

93 Documentário “Batuque na cozinha” (2004) dirigido por Anna Azevedo em parceria com o autor do livro

homônimo Alexandre Medeiros; disponível em https://vimeo.com/35239636, acesso em 27/02/2015, 94 IDEM 95 Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/surica/> acesso em 12/01/2015

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4 – A COMIDA QUE COMUNICA

Percorremos nossa leitura acerca das transformações geográficas e sociais da cidade

na virada do século, a história cultural de Madureira, seus imaginários, as personalidades

culturais até chegarmos à Feira das Yabás. Seguiremos para uma análise sobre o elemento

fundamental do evento: a comida. A proposta neste momento não seguirá em direção a uma

análise nutricional, comercial ou gastronômica. Abordaremos a comida como agente de

comunicação da Feira – uma análise da comida como “elemento de comunhão” entre as iabás

e os frequentadores, sendo a rua o seu “lugar de apropriação” e a música seu “agente

socializador”. Através de relatos e entrevistas, discutiremos a significação das comidas

através seus “modos de fazer”, trazendo novas linguagens e apresentando sua identidade.

4.1 Uma “sociologia da refeição”

Comer e beber são necessidades humanas praticamente egoístas, restrita a cada

indivíduo, isoladamente. Simmel (2004) nos lembra que compartilhamos muitas coisas: as

imagens que vemos, os cheiros que sentimos, os sons que a rua provoca; mas o ato de engolir,

saborear e degustar tendo exatos sentidos é um ato completamente isolado e individual.

Exatamente por ser um gesto humano e universal, o ato de comer e beber provoca ações

compartilhadas sociologicamente, surgindo assim a refeição. Simmel discorre sobre algumas

transformações históricas da refeição desde a época medieval e nos aponta que em várias

civilizações, a refeição transforma-se em ato sociológico de comunhão, intencionalmente

para unir pessoas através de uma norma estética, seja ao redor de uma mesa ou

compartilhando o alimento no prato ou gamela coletiva. A este conjunto de normas, o autor

define por socialização da refeição que abrange a necessidade de saciar-se, a estilização do

lugar para o momento da refeição e a regulação da gesticulação na hora da comida (SIMMEL,

2004, p.3)

Numa visão ampla, a refeição obedece uma sequência de ritos, ainda que para

diferentes grupos. Simmel (2004) analisa que comer ou não com talheres, comer com as

mãos, falar e gesticular à mesa enquanto mastiga, comer de pé, definem as formas sociais (e

estéticas) da refeição, assim como os objetos usados. Ainda que a refeição tenha a intenção

de unir, o prato na sua forma circular e menor que uma gamela96 pode indicar o

96 Gamela - s.f. Vasilha em forma de tigela muito grande, em geral de madeira ou barro, em que se dá de

comer aos porcos ou que serve para banhos, lavagens e outros fins. Fonte: Dicionário Online de Português -

http://www.dicio.com.br/gamela/ acesso em 03/03/2015

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individualismo, se a porção de comida for exclusivamente para aquela pessoa. Todavia,

Simmel aponta que, num plano mais elevado, o prato estabelece um compartilhamento formal

quando está disposto à mesa com vários outros pratos de forma idêntica, “não admitindo

nenhum tipo de individualidade” e propiciando uma socialidade e uma necessidade comum

a todos (IDEM, p.5).

Observamos os tipos de pratos onde são servidas as comidas e quitutes na Feira das

Yabás, trazendo estes dois sentidos analisados por Simmel. As comidas principais das

barracas são servidas como refeições em pratos grandes, descartáveis, porém individuais. Já

os petiscos, a exemplo dos bolinhos de peixe e de feijão, são servidos em pratos menores em

formato de cuia, também descartáveis, mas que são compartilhados com várias pessoas que

encontram-se reunidas, criando uma vinculação social através da comida. Em tempo, tal

vinculação é o que (re)caracteriza a Comunicação enquanto ciência social, considerando as

relações “afetuais” e sensíveis, para além da emissão e recepção de informações ou signos

(SODRE, 2006). A dimensão daquilo que é sensível implica numa estratégia de aproximação

das diferenças. Sodré aponta a necessidade de uma outra posição interpretativa para o campo

da comunicação, capaz de abarcar a diversidade da natureza das trocas. (SODRE, 2006). Se

faz necessário analisar os elementos que envolvem a comensalidade – a refeição, o alimento,

o lugar de comer – como elementos de vinculação e cultura através as trocas simbólicas.

“Pensar em comida” é pensar no simbolismo que perpassa a ingestão de nutrientes

para a sobrevivência do corpo físico assim como a ingestão de símbolos, subjetividades,

imagens e ideias que fazem parte do alimento (Maciel, 1996, apud CRUZ et al., 2011). A

comida amplia o conceito de alimento, ultrapassando as questões biológicas, para além de

questões culturais (Cruz et al., 2011).

A Feira das Yabás apresenta tais simbolismos em suas iguarias. Quem frequenta e

consome, não o faz apenas pelo uso nutricional da comida, mas é envolvido pelo conjunto de

símbolos que cada prato traz – imagem, cores, cheiros, qual iabá/barraca preparou, quais

significados possuem tais iguarias. Carvalho, ao fazer uma reflexão sobre os diferentes

sentidos do estilo natural da comida, relembra através do pensamento de Paul Ricoeur o seu

caráter comunicativo, já que a comunicação é uma ação capaz de expressar algumas

intimidades do agente com os signos por ele apropriados e tornados seus no contexto social

(CARVALHO, 2013, p.69).

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O sentir e o imaginar se articulam nas práticas de alimentação quando refletem ou se

constroem no espaço social como ideias de todos, sonhos coletivos. As pessoas degustam e

consomem os alimentos juntamente a um consenso simbólico de um imaginário coletivo

(IDEM, p. 71). Além disso, comida é comunicação e cultura quando produzida, preparada e

consumida; quando o homem, embora podendo comer de tudo, faz suas escolhas sobre a

própria comida, utilizando-se de diversos valores simbólicos – “a comida se apresenta como

elemento decisivo da identidade humana e como um dos mais eficazes instrumentos para

comunicá-la.” (MONTANARI, 2008, p. 16)

4.1.1 Prazer e gosto de comer

O gosto, enquanto sabor, não é sentido pela língua, mas pelo cérebro. Já o gosto

enquanto saber é uma avaliação do que é bom ou ruim. Porém, ambos são desenvolvidos de

acordo com o patrimônio cultural de cada indivíduo, determinados pelo espaço e tempo

(Montanari,2008). Para o autor, o gosto pela comida é o resultado de uma realidade coletiva

e partilhável, em que as predileções e as excelências destacam-se não de um suposto instinto

sensorial da língua, mas de uma complexa construção histórica. O “prato perfeito” é, para

ele, aquele com todos os sabores e virtudes simbólicas presentes.

Durante as entrevistas aos frequentadores da Feira das Yabás, tais expressões se

repetiam com frequência: “Melhor comida do subúrbio”, “muito gostosa”, “muito saborosa”,

“é tudo fresquinho”, “elas sabem fazer essas comidas difíceis”, demonstrando através de

elogios a apreciação pelo gosto da comida oferecida. Certa vez, uma senhora que não quis se

identificar, disse que a Feira das Yabás era um dos poucos lugares que sentia confiança em

comer mocotó – “tem que saber preparar, senão a gente vai passar mal!”

O gostar de comer, na Feira das Yabás, está diretamente ligado ao prazer de estar

junto. Sozinho ou acompanhado, o frequentador da Feira compartilha daquilo que Maffesoli

(1998,2014) chama de vitalismo do lugar,97 associado ao estar-com ou estar-junto-com

pessoas de um mesmo grupo social – a chamada tribo urbana. A rua oferece efervescência,

fazendo com que as pessoas queiram partilhar o que há de comum entre si: o gosto pelo

conjunto de signos que envolvem a Feira – música, comida, vai-e-vem das pessoas, comércio

local, as conversas com as iabás, a memória representativa dos quitutes, etc. Esta realidade

97 Ver explicação do termo utilizado na página 38

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vivida no presente popular, enfatizada nas obras de Maffesoli, é que valoriza a compreensão

do cotidiano como construtor da socialidade (IDEM, 1988,1998).

Fig. 26. Frequentadores da FDY, julho/2014. Foto: Adelaide Chao

Fig. 27. Frequentadores da FDY, novembro/2013. Foto: Adelaide Chao

4.1.2 Culinária afro carioca

Para ilustrar a culinária afro carioca na atualidade, é importante rever algumas

considerações acerca de tempo, história e relação com a comida. Para Stols (2006), a culinária

brasileira nasce híbrida e integra uma mestiçagem contínua, não somente nos produtos e

preparos portugueses e indígenas, mas também africanos e asiáticos.

Encontramos no texto de Luccock98 (apud CASCUDO, 1977), relatos sobre a

comensalidade no Rio de Janeiro no início do século XIX. O autor nos descreve detalhes

sobre o preparo e como eram servidas as refeições naquela época – os hábitos à mesa,

costumes e curiosidades. O que hoje chamamos de almoço como principal refeição do dia,

no início do século XIX era o “jantar ao meio dia”, momento em que o chefe da casa, sua

esposa e filhos reuniam-se ao redor da mesa para degustar os alimentos. Curioso é que todos

sentavam-se ao chão. A esteira (geralmente de palha) era de uso exclusivo da dona da casa.

O costume à época era comer com as mãos, sem talheres e apenas os homens poderiam usar

a faca. As escravas permaneciam em cantos da sala, mas não sentavam-se à mesa, comendo

ao mesmo tempo que os demais. A comida, geralmente com grande quantidade de legumes e

98 Texto de John Luccock (- 1820), extraído do livro Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do

Brasil, tradução Milton da Silva Rodrigues, Livraria Martins, São Paulo, 1942)

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verduras eram acompanhadas de carne seca e feijões de várias qualidades. Diferente dos

hábitos portugueses, no Rio de Janeiro o pão foi substituído por farinha de mandioca, que

quando úmida era servida em cabaças e quando secas em cestas (Cascudo, 1977, p. 161).

Outra curiosidade é o fato de considerar prova incontestável de amizade quando o convidado

comia do mesmo prato de seu vizinho. E o fazia com a mão, o que era comum ver várias

mãos mergulhadas no mesmo prato (IDEM, 1977). Depois do almoço, um escravo surgia na

sala para que as pessoas pudessem lavar suas mãos numa bacia de estanho. E muitos lavavam

mãos, braços, rostos para aliviar-se do intenso calor do Rio de Janeiro de 1808 (Ibidem,

1977).

No Rio de Janeiro do final do século XIX, com o surgimento dos bairros do subúrbio,

os novos moradores trouxeram os costumes e a culinária africana, de seus descendentes de

ex escravos, como vimos no início da pesquisa. A culinária africana trouxe para o Brasil o

azeite de dendê, leite de côco, camarão seco, pimenta malagueta, inhame, mandioca, milho,

e uma enorme variedade de folhas e grãos, apontados por Ramos (1942). A partir destes

elementos, vários pratos foram incorporados à culinária carioca, principalmente nas regiões

periféricas da cidade e na região do Vale do Paraíba, onde havia uma concentração de negros

vindos do nordeste e de Minas Gerais.

Como vimos no capítulo anterior, este vasto cardápio era servido nos quintais de

Madureira e Oswaldo Cruz desde os tempos de Dona Ester no início do século XX até a casa

de Tia Surica, neste início do século XXI.

Canclíni (2008) define hidridação como processos socioculturais nos quais estruturas

ou práticas discretas, que existam de forma separada, se combinam para gerar novas

estruturas, objetos e práticas. Em síntese, tais “misturas e transformações culturais” das

refeições e comensalidade da Feira, surgem da criatividade individual e coletiva,

(re)convertendo algo já existente para (re)inserí-lo em novas condições de produção e

mercado. Temos a “culinária afro carioca”.

As tradições podem ser fonte simultânea de prosperidade econômica e reafirmação

simbólica (IDEM, 2008). Por este ponto de vista, a culinária hibridizada da Feira das Yabás,

une os saberes da gastronomia africana (banto e nagô), europeia (portuguesa, inglesa e

espanhola), baiana, pernambucana, mineira e carioca, mantida na identidade do subúrbio. É

frequente encontrar pratos como mocotó, feijoada, rabada, tripa lombeira, vaca atolada,

cozido, macarrão com carne assada em botequins, restaurantes e feiras de rua do subúrbio.

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O relato de Tia Doca da Portela nos apresenta com um certo humor, como as pessoas

percebem a culinária dita “de subúrbio”, diferenciada dos demais “tipos” de comida. Uma

comida que não é light, sempre over - preparada em grandes quantidades e, em regra, para

muita gente.

A madame queria uma comida de subúrbio. Eu disse logo: “Comida de subúrbio não

é salada com pão, que nem vocês tão acostumados a comer na zona sul. Lá a gente

come feijão, carne-seca, comida grosseira”. Eu aceitei fazer um angu à baiana, mas

não quis dinheiro na mão. Levei ela comigo para comprar os ingredientes no

Mercadão de Madureira. A madame ficou maluca no Mercadão. “Doca, o que é

isso?”. Eu disse: “É o nosso mercadão mesmo, aqui tem de tudo”. Fizemos as

compras e fomos pro Leblon. O prédio dela tinha não sei quantos andares e a mulher

que morava lá no alto telefonou pra perguntar que comida era aquela? “Aqui na

minha casa o cheiro tá demais”. Sabe o que a madame fez? Vendeu comida nas

panelinhas, numas caçarolas. Fiquei morta de vergonha. Depois diz que gente do

Leblon é chique. Todo mundo que entrava tinha que pagar na porta. Achei

interessante aquele sistema. Ganhei mais de gorjeta do que com o dinheiro que ela

me pagou. As panelas vinham no elevador, vazias, com o dinheiro amarrado no cabo.

A madame falava assim: “Bota só três conchas que tá bom demais”. Eu me divertia

muito. Voltei lá duas vezes para cozinhar. A segunda foi tripa lombeira e a terceira,

mocotó. Tinha madame que vinha com colher para provar na panela, eu batia com a

colher de pau na mão delas. Depois vão dizer que a gente é porca? Não, comigo não,

que é que há? Gosto de andar arrumadinha, ter meus perfumes. (Tia Doca da Portela

in MEDEIROS, 2004, p.43)

Durante a idealização da Feira das Yabás, Marquinhos de Oswaldo Cruz99 se manteve

fiel à ideia de fortalecer através de mais um evento cultural a Culinária de Quintal, como ele

chama. Ele relembra que as comidas de quintal religam as pessoas em torno da música. A

comida de quintal relembra as casas, o barulho de muita gente circulando, as festas, o

aconchego da família.

A iabá Selma Candeia100 fala da importância que é manter esse costume dos quintais,

apesar de perceber que as pessoas estão perdendo o costume de reunir as famílias em torno

de um almoço de domingo.

SELMA CANDEIA: mas sabe que não é como era... É muito diferente. Eu tiro pela minha

família. A minha família se reunia lá no Engenho da Rainha, na casa do meu tio que era uma

casa enorme... Era um “mesão”. Era muita criança, porque cada um tinha 3, 4 filhos, elas

(as mães, tias e avós) passavam o dia inteiro naquela cozinha fazendo um montão de comida.

Era macarrão, feijão, farofa, maionese, cortava e matava bicho no quintal, fazia galinha ao

molho pardo, galinha frita, feijoada, tira-gosto para comer, para esperar o almoço... e a

99 Entrevista de campo – 14 de dezembro de 2014. 100 Entrevista de campo – 27 de novembro de 2014.

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bebida rolava e as crianças todas correndo. Todo domingo era aquilo. Era maravilhoso!

Hoje em dia raramente a gente se reúne para fazer um almoço de domingo, até pela correria.

Mas é bom pra caramba!

Fig. 28. Família reunida para o almoço. Feira das Yabás. Outubro /2014. Foto: Adelaide Chao

4.2. Tradição e costumes - as linguagens e identidades da comida

Tradição e costumes são termos que continuam em pauta, desde a Modernidade.

Segundo Giddens (2006), se quisermos compreender a tradição, é necessário observar o

significado da origem da palavra - em latim, tradere - significa transmitir ou dar qualquer

coisa a guardar a outra pessoa. (IDEM, 2006, p.47). Sua origem era aplicada ao aspecto

jurídico de leis sobre a herança de bens e imóveis na república romana. Logo, para Giddens,

o conceito de tradição nada mais é que uma criação da modernidade. Aliado a este conceito

contraditório, Thompson também questiona o significado da palavra costume. No séc. XVIII,

o termo estava mais próximo ao que hoje utilizamos como cultura. Costume não tinha o

significado de hábito, mas uma relação direta com as práticas de classes mais pobres, a

exemplo da Inglaterra (Thompson, 1998. p.15). Além deles, historiadores como Hobsbawn e

Ranger concordam em dizer que tradição e costumes são inventados; não há nada de genuíno

nisso (GIDDENS, 2006, p.48).

Thompson (1998) adverte para não confundir ou generalizar a “tradição” com a

“cultura popular”, que está além do conjunto de tradições e costumes rotineiros de um povo;

dos seus fazeres, suas regras. O autor ainda ressalta a importância de um “olhar atento” para

que várias contradições sociais não sejam esvaziadas. Em tempo, recorremos à análise de

Certeau (1998) sobre a cultura “popular” - formulada essencialmente das “artes de fazer” isto

ou aquilo, através de consumos combinatórios, uma maneira de pensar e agir, uma arte de

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combinar atrelada à arte de utilizar. Segundo o autor, estas práticas estão nos espaços urbanos,

representadas em ritualizações, reempregos e funcionamentos da memória, através das

“autoridades” que possibilitam (ou permitem) tais práticas, formadoras da cultura “popular”

(CERTEAU, 1998, p.42). Esta “autoridade” para a culinária cultural carioca, outorgada às

iabás por meio de seu legado e de suas “artes de fazer” seus quitutes.

Sob a análise do cenário brasileiro na atualidade, SIQUEIRA E SIQUEIRA (2013, p.

45) ressaltam que a cultura popular é expressão particular de um grupo social concreto. Para

que toda essa cultura dita popular possa sobreviver, ela deve se reproduzir e se reatualizar de

tempos em tempos, o que nos reenvia à construção de uma memória coletiva.

Sempre que a tradição se retrai, somos obrigados a viver de forma mais aberta e mais

reflexiva. Com mais discussão e com mais diálogo, a autonomia e a liberdade podem

substituir o poder oculto da tradição (GIDDENS, 2008, p. 52). Portanto se considerarmos que

a tradição é uma invenção, a Feira das Yabás recria novos usos de fazer as comidas e iguarias

que, um dia, foram referência cultural para gerações anteriores.

A feijoada, que também é servida na Feira das Yabás e em vários eventos em

Madureira nas quadras das escolas de samba faz parte da construção da identidade

gastronômica carioca e, consequentemente, da identidade nacional, como nos aponta Siqueira

e Siqueira (2013). Mas nem sempre foi assim. Os autores relatam que tal reconhecimento

identitário só foi possível a partir dos anos 1930 com os estudos de Gilberto Freire explicando

que as categorias de raça, principalmente a negra, não explicavam o atraso da sociedade

brasileira em relação às demais; mas sim a necessidade de “forjar” símbolos para a construção

da identidade nacional. A feijoada acabou sendo o prato escolhido como símbolo de raça,

nação e identidade, já que transitava entre a classe negra e os portugueses que habitaram o

Brasil no século XVII (Idem, 2013).

Como nos aponta Carneiro (2008), a linguagem alimentar ao representar identidades,

posições sociais, gêneros, significados religiosos e memória, torna-se ostentatória e

cenográfica. Ainda que ao tentar realizar uma “cozinha histórica”, na tentativa de reproduzir

pratos de outras gerações, não será capaz de recuperar as mesmas sensibilidades dos tempos

de outrora.

No espaço público da rua, a Feira das Yabás apresenta uma estética teatralizada. Suas

barracas “oficiais” obedecem à padronização dos patrocinadores particulares. Digo

“oficiais”, porque sendo o espaço público, os moradores da região comercializam diversos

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produtos (que não são oficialmente regulados pela produção do evento) às franjas da Praça

Paulo da Portela. Tem comida alternativa: batata frita, cachorro quente, acarajé, misto quente,

dobradinha, pipoca, além de vários tipos de bebidas que não são comercializados pelos

patrocinadores. Vende-se camisetas de várias escolas de samba, bolsas, brinquedos,

artesanato, balões para crianças... Quando a barraca não está na porta da casa do morador,

está dentro dela, incluindo o uso do banheiro pelos “clientes”101.

4.2.1 O que é ser iabá na Feira das Yabás

Nesta etapa da pesquisa, realizamos entrevistas com as iabás Selma Candeia e Nira

Santos. Partimos da pergunta O que é ser iabá na Feira das Yabás. As entrevistas foram

realizadas em suas casas, ambas em Madureira, mas de forma individual. Alguns trechos já

foram apresentados ao longo do texto. Reservamos neste item as memórias, relatos e ideias

de duas baluartes da Velha Guarda da Portela, da comida e do samba, onde expressam a

importância da Feira em suas vidas, o legado de seus pais, personalidades da Portela, atores

sociais da cultura carioca.

Tia Nira trabalhou como doméstica em várias casas na zona sul do Rio de Janeiro para

sustentar e criar os filhos. Sempre teve a ajuda do pai, peixeiro e baterista.

TIA NIRA: Sr. Carlos Batista de Oliveira, meu pai, famoso por causa da Feira de Madureira

e da Orquestra Tabajara, apresentava-se sempre de terno. Ele me disse “primeiro terno que

botei, minha filha, me senti um rei!”. A vida dele foi prosperando e, ainda muito jovem,

conheceu Paulo da Portela, Antonio Rufino, Manaceia e outros baluartes. Dali foi seguindo

a vida, mas se manteve peixeiro até a morte.

Marquinhos (Marquinhos de Oswaldo Cruz), muito meu amigo e confidente, veio conversar

comigo sobre a ideia de fazer uma feira com comidas típicas. Teve meu apoio imediato. No

início, a Feira das Yabás era na Estrada do Portela, mas da Praça (Paulo da Portela) até a

altura da delegacia (29ª. DP). E quem diria... foi crescendo, crescendo até chegar à Barra102.

É trabalhoso, mas a gente faz com alegria, vontade a invenção de Marquinhos.

101 Observações da autora nas pesquisas de campo, entre maio de 2013 e dezembro de 2014 – Feira das Yabás. 102 Em novembro de 2014 os patrocinadores da Feira das Yabás realizaram uma edição do evento na Cidade

das Artes, Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.

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Tia Nira lembra que Marquinhos lhe convidou para participar de uma gravação no

Morro do Vidigal para uma reportagem do programa Globo Rural, da TV Globo e que o

cinegrafista se agachou para filmar seus famosos pés sambando o miudinho. Tudo isso por

causa da fama que conquistou nas edições da Feira, quando sobe ao palco e levanta o público

com seu miudinho.

NIRA: Ele (Marquinhos de Oswaldo Cruz) gosta de todas, mas eu sei que rola ciúmes por

minha causa. É sempre assim: ele me chama no palco e eu vou. Às vezes estou com tanta

dor... Mas ele diz: “Velha, esquece a dor e risca o pé lá em cima.” Os músicos também são

apegados a mim.

Tia Nira conta que no início da Feira o consumo não passava de dez quilos de peixe.

Hoje, são necessários cento e oitenta quilos para que seja vendido até o final do evento. E ela

nos conta um segredo para não perder o peixe excedente: quando sobra, basta lavar as sobras

do peixe, escorrer bem seco, passar (untar) co azeite de oliva, embalar e congelar.

Relembrei que, logo quando nos conhecemos, em maio /2014, ela nos contou o

segredo do tempero de seu peixe. À época, o segredo era não colocar alho. Nessa outra

entrevista de campo, Tia Nira confessou que, na verdade, o segredo era de seu pai, Mestre

jaburu, que também lhe ensinou a cozinhar.

TIA NIRA: Meu pai fazia o pirão no prato – caldo, farinha e pimenta malagueta. Para ele

pirão de panela não prestava. Só no prato: o segredo está na energia da comida. Tem que

querer fazer e ter amor.

O QUE É SER UMA YABA

TIA NIRA: Iabá são as mulheres, cozinheiras dos mais velhos. Eu me sinto uma iabá por

que faço com muito amor, principalmente o peixe. Porque meu pai não sai da minha

memória, do meu coração..., minha mãe. Sempre penso em Deus que vai dar certo e penso

no meu pai. Porque eu sei que de onde ele está, ele está feliz por que eu estou seguindo a

origem dele. E assim a gente vai vivendo.

TIA SELMA CANDEIA: é ser mãe, é ser “mãezona”, é cuidar. Eu sou uma iabá, eu sou de

candomblé, sou feita no santo, eu já tenho essa cultura da minha origem). Na minha religião,

as iabás são todos os orixás femininos. Tem Oxum que é da fecundidade, tem Iansã que é da

briga, tem a que cozinha, todas elas têm a suas características. E esse é termo que ele

(Marquinhos) optou. (09:30). É justamente querendo colocar as iabás. Eu acho que a

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intenção de Marquinhos seria colocar “as herdeiras da culinária do sambista”. Só que eu

achei que ficou bonito (o termo Feira das Yabás) porque ele sintetizou as iabás que

simbolizam os orixás associada a uma comida.

Sobre as relações entre as iabás na Feira das Yabás

TIA NIRA: tem que ter jogo de cintura para lidar com o povo. Nunca quero participar da

“rodinha da malhação”. Eu gosto de assistir a Malhação na televisão, mas quando vejo que

o ambiente vai esquentando, quando me procuram eu não estou mais. Os cabelos brancos

não são à toa. Não critico a comida de ninguém. Para você ser Velha Guarda, conhecer e

ter uma boa convivência com todo mundo, do presidente ao faxineiro, você tem que saber

lidar, inclusive com as outras escolas de samba.

Questionada sobre a Feira como um evento de resgate de memória, cultura e tradição,

tia Nira enfatiza:

TIA NIRA: vejo como uma transformação que serve para os frequentadores, inclusive os

que vem de longe, para compartilhar estes momentos. Falo para as que trabalham comigo

na barraca que “a rua é só sorriso”. Os problemas não vão à Feira. O ambiente não permite.

Somos como uma família. Conheci Tia Balbina, mãe de Jussara (iabá da barraca do bobó de

camarão), que era amiga de meu pai. Todo mundo aqui sempre foi muito unido. Eu nasci e

me criei em Madureira e sempre frequentei tudo que aqui oferece, na Serrinha, desde a época

de Beto Sem Braço. Fui às muitas festas do Império, da Serrinha com meus pais e Vovó

Marta. Sendo que antigamente a malandragem tinha respeito. Hoje em dia, tu não pode

passar nem na esquina (risos).

Sobre a participação da família e da rotina da sua barraca de Peixe Frito, tia Nira nos

diz:

TIA NIRA: Toda minha família me ajuda. Segundo a organização da Feira só pode haver

até 3 pessoas mas isso é impossível. Comigo trabalha a Fernanda, que empana o peixe, a

Emília que frita, a Simone que serve às mesas, meu filho, cuida do dinheiro e eu tempero

tudo que é servido. Fico até o final da Feira. Todo domingo de Feira quando saio de casa,

faço minhas orações a Deus e a meu Anjo da Guarda. O povo não tem nada a ver com meus

problemas. Tem que haver o meu sorriso.

Quando sambo miudinho, sambo como meu pai. Minha mãe era imperiana “doente” e meu

pai era portelense. Há, minha filha, quando eles discutiam eu sempre ouvia: “fica com a tua

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Portela que eu fico com meu Império”. Aquela discussão era engraçada e no final tudo se

resolvia.

Já passei muita dificuldade. Trabalhei 3 anos no IASERJ servindo as refeições dos pacientes

e sempre fiz isso com amor e paciência. Procuro lutar para sobreviver por que quero curtir

minha família. Tive tantas perdas...o que está me levantando é que vou ser bisavó. Tenho

vontade de viver. A gente é a semente! E eu dei frutos.

4.2.2 Os “modos de fazer” dos quitutes

Produzir pratos típicos em grandes quantidades, de maneira tradicional ou

industrializada, pode sim atribuir prestígio ao alimento, ainda que apresente uma aparência

simples, típica ou regional, é o que aponta Carvalho (2013) sobre uma culinária natural.

Diante desta observação, consideraremos o termo natural contrário à industrializado, sem

fazer referências ao estilo vegetariano ou qualquer outro sem o uso de carnes.

Partindo do conceito de bricolagem de Lévi-Strauss, Carvalho (2013) o desloca para

novas formas de uso dos alimentos, elaborando o conceito de “bricolagem alimentar”. A

autora menciona que “a estrutura básica da bricolagem é de um novo arranjo simbólico com

significados ‘usados’ – uma nova ordem adaptada que oscila entre confusão e criação antes

de ser considerada propriamente ordenada e organizada em seu habitat.” (Idem, 2013, p.65)

Propomos uma análise do “modo de fazer” das refeições oferecidas pelas iabás,

considerando a história cultural que envolve o bairro, os pratos e as personalidades que cada

iabá representa. Se a tradição é uma condição inventada, já que (re)utiliza uma simbologia

do passado, cada iabá prepara seus pratos com seu modus operandi, “(...) em que os mitos

são usados como operadores de um inventário simbólico que reproduz uma estrutura social”

(Ibidem, 2013, p. 67). Há portanto uma bricolagem alimentar das iabás, atribuídas aos

sentidos e significados que cada uma carrega consigo, legitimados na prática que envolve o

preparo das refeições, num contexto social mais amplo. Para Lévi-Strauss, o signo não está

livre da história, de ter um passado na realidade em que vive (apud Carvalho, 2013).

O signo é uma referência, atual ou antiga que está relacionado a uma imagem

associada pelo homem, localizado no tempo e espaço social que habita. Carvalho (2013)

ressalta que tais signos não dependem da consciência e do conhecimento que quem os usa. É

o que ocorre na Feira das Yabás, no tocante à comensalidade. Os pratos são construídos a

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partir de um código simbólico que possui com alguém do passado cultural do bairro, da

música e da comunidade. Exemplificando, quando Selma Candeia recria a carne seca com

abóbora, prato preferido de seu pai, Antonio Candeia, o faz sem que haja alguma (ou

nenhuma) consciência por parte dos frequentadores que irão apreciar a iguaria sobre tais

signos que levaram à razão do prato, da barraca, de quem é Selma, quem foi Antonio Candeia,

etc. Para a iabá, o prato carrega tais símbolos culturais, mas seu preparo, o uso dos

ingredientes e modos de fazer é um ato isolado, individual, como analisa Carvalho sobre esse

modus operandi da bricolagem.

Baseados no conceito de que o bricouleur é o agente que opera por intermédio de

signos e que expressam uma opacidade incorporada à realidade (CARVALHO, 2013, p. 67)

- e que a bricolagem é um fazer à mão com aquilo que se tem às mãos por uma (re)construção

com combinações criativas (IDEM, 2013), podemos afirmar que as iabás são bricoleurs, que

reproduzem à seu modo a culinária tradicional carioca, recriando inclusive, novas formas de

comensalidade nos almoços de domingo, além de favorecer o estar-junto na rua, referências

dos almoços de quintal dos antepassados culturais do bairro. Carvalho (2013) enfatiza que é

necessário haver um consenso entre a realidade e as referências do passado a que simboliza

– não apenas reorganizando os signos (para dar sentido à Feira das Yabás), mas podendo

representar uma denúncia à falta de sentido. As iabás, enquanto bricoleurs, negociam tais

significados, porque apropriam-se das relações com o signo (refeição) e o legado cultural

(referências de um passado vivido). Para a autora, “a bricolagem é um conceito propício à

diversidade cultural da sociedade contemporânea e bricolagem alimentar, um conceito que

reinterpreta significados que ora se reproduzem com aparência caótica e criativa nas práticas

de alimentação.” (IBIDEM, p. 70).

4.3. A geografia da comida

O almoço de domingo ganha as ruas, busca outros espaços da cidade, alternativos aos

almoços em casa. Na contemporaneidade, a urgência por uma vida mais prática e rápida, tem

levado muitas pessoas a dispensar o tempo gasto no preparo dos almoços, sem deixar de lado

as práticas de comensalidade e o prazer de estar junto, compartilhando o momento da

refeição. A prática de designar regiões urbanas como forma de reformulação dos guetos,

transformou-se em estratégia de reformulação das cidades. (Jayne, 2000, apud BELL, 2005,

p. 59).

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Na atualidade, as tradicionais festas e almoços que surgiram no subúrbio carioca no

início do século XX, se deslocam dos quintais para as ruas do mesmo bairro. As festas que

aconteceram nos quintais de Dona Ester, Dona Neném, Tia Doca, tia Vicentina e tantas outras

personalidades da cultura carioca, ganham a Praça Paulo da Portela e a extensão da Entrada

do Portela, entre Madureira e Oswaldo Cruz.

As expressões “comer na rua” ou “comer nas ruas do subúrbio” ou “comer em

Madureira”, comumente ouvidas pelos frequentadores da Feira das Yabás, ao longo da

pesquisa de campo, assemelham-se ao “comer geográfico”, expressão do geógrafo francês

Jean-Robert Pitte, ressaltando que “conhecer ou exprimir uma cultura de território por meio

de uma cozinha, dos produtos, das receitas, nos parece absolutamente natural”

(MONTANARI, 2008. p. 135)

A Feira das Yabás é um evento em território público – a rua e a praça. Habermas

(1984) classifica como “públicos” certos eventos quando eles, em contraposição às

sociedades fechadas, são acessíveis a qualquer um. O curioso é que, apesar de ser um evento

aberto, onde os frequentadores não pagam para adentrar, a rua ganha um “status de privado”,

no sentido de pertencimento e de apropriação daquele espaço. É a sensação de “estar

adentrando o quintal de casa”, o “lugar da festa”, do “banquete à mesa” e do “chão para

sambar”. Estas foram algumas expressões de frequentadores quando perguntamos – Quando

você chega à Feira, que percepção você tem deste lugar?

As pessoas demonstram sentir-se envolvidas, convidadas a “ir almoçar na casa (rua)

das iabás de Madureira. Por isso tomam o espaço como particular, como se tivessem sido

formalmente convidadas para uma festa. Como justifica Habermas (idem, 1984), a

representatividade dos eventos e festas na rua, desde o século XV, está sempre dependente

de uma circunvizinhança que se desenrole, se envolva.

Para Montanaro (2008), o “gosto da geografia” não pertence ao passado. Hoje, o

território constitui um valor de referência absoluto nas escolhas alimentares. Ou seja, a

“comida de subúrbio” se identifica (ou combina) com o espaço da rua. O autor enfatiza que

a escolha do lugar é baseada em elementos da tradição. E ainda que seja inovadora,

desenvolve-se em concomitância com vários fenômenos, tanto de caráter econômico quanto

cultural (Idem, p. 141-142).

O “comer na rua” envolve a energia própria da socialidade que, para Maffesoli (2014,

p.5) “se investe nesses lugares, reais ou simbólicos, onde as tribos pós modernas dividem os

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gostos (musicais, culturais, sexuais, esportivos, religiosos...) que servem de cimento (ethos)

ao fato de estar-juntos.” Para o autor, o lugar cria ligação. Esta socialidade está relacionada

às práticas de comensalidade, próprias da rua. Na Feira das Yabás, é possível observar as

pessoas consumindo as refeições sentadas (ou não) em mesas dispostas no meio da rua, nas

calçadas, nas varandas dos prédios. E se não tem mesa, não tem problema. A bebida,

geralmente cerveja e refrigerantes, ocupa baldes de gelo e as pessoas colocam no chão. Em

volta ao balde reúnem-se para conversar e de pé, com os pratos às mãos, consomem petiscos.

Também observamos os frequentadores que não necessariamente consomem os produtos das

barracas da Feira. Grupos levam seu próprio alimento em vasilhames, caixas térmicas e

banquinhos. Em frente a calçada, organizam o espaço, onde a caixa térmica é transformada

em mesa, os banquinhos ficam dispostos em volta da caixa. E todos se reúnem para o almoço

de domingo, ligados ao que Maffesoli denomina de “um ideal comunitário”, efeito de um elo

estreito que une real/irreal, razão/sensibilidade, visível/invisível, podendo evitar a

estigmatização do “agir em comunidade”. (IDEM, p.5;84)

Fig. 29 e 30. Comensalidade na rua. FDY novembro de 2013. Foto: Adelaide Chao

A mesa, para Montanaro (2008, p. 137), é um lugar de troca interterritorial, inter-

regional, internacional – um lugar central, idealizado para reunir todo tipo de produto. Na

Feira das Yabás, o mesmo vale para as especialidades locais. Assim como os produtos, os

pratos também se mostram, talvez desde sempre, vinculados ao território, aos recursos, às

tradições, como sinal identificador de culturas diversas. O autor enfatiza que o propósito da

cultura gastronômica é sobretudo, unir, colocar juntas experiências diversas.

Em todas as sociedades tradicionais, o modo de comer é o primeiro sinal de diferença entre

os indivíduos e as classes. Mas, no momento em que a comida se transformou em um bem

difundido, esse código alimentar se embota, enquanto se afirma o valor do território como

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receptáculo de uma nova diferença: a comida geográfica. Por essa razão, o conceito de

“cozinha de território” se mantém atual. (IDEM, p. 142)

4.3.1 “Quintal a céu aberto” – a festa e seus convidados

Se para os produtores, a Feira das Yabás é um evento, para seus frequentadores, é

uma festa103. Durante a pesquisa de campo, conversei com alguns frequentadores da Barraca

de Tia Nira e ouvi de quase todos os entrevistados que “Madureira é uma festa”. O fato da

Feira ter dia e hora marcados (todo segundo domingo do mês a partir de 12h), desde 2008,

permite ao visitante o “agendamento” para comparecer e participar da feira. Não é um evento

esporádico. A gente sabe que sempre tem e por isso se programa para vir. Eu mesma já

comemorei duas vezes o meu aniversário aqui. Marcamos com uns amigos um ponto de

encontro, geralmente aqui em frente à sede da Velha Guarda, juntamos umas mesas e

fazemos nossa festa – relata Eliane, moradora do município de Duque de Caxias e que

frequenta a Feira há dois anos.

Eliane estava acompanhada de seu marido Wallace e sua irmã Sandra, que disseram

ter sido apresentados à Feira da Yabás através de amigos em comum, moradores de

Madureira. Eliane diz que faz questão de participar – o que me atrai são as atrações musicais

que acompanham o sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz, a comida que é variada e a

cervejinha gelada, mas o mais legal de tudo – ressalta – é que aqui é um ponto de encontro

de amigos. Madureira é uma festa.

Sua irmã Sandra enfatiza: pra mim o que vale é o bom bate papo. A gente conversa

muito com quem não conhece antes. Fazemos aquela amizade passageira, né! A amizade de

boteco que quando você vai embora perde o contato. Mas enquanto estamos aqui estamos

juntos, conversando amenidades, tomando uma cerveja, comendo esse bolinho de peixe

delicioso. Isso é o que vale.

Wallace disse que muitas vezes o local é apenas um ponto de encontro. Geralmente

marcamos com uns 12, 15 amigos neste lugar. Ai, cada um se separa, vai comprar a comida

que quiser, na barraca que quiser e viemos pra cá. Sempre tem um que traz a cerveja de

casa. Sai mais barato, né. Se chegarmos e já estiver cheio, a gente coloca a caixa de cerveja

no chão e fica por aqui mesmo. Mas sempre em frente à Velha Guarda porque quem vier

chegando, nos acha com facilidade. Em tempo, perguntei se eles conheciam Tia Nira e me

103 Relatos da pesquisa de campo – Eliane, Sandra e Wallace em 27/07/2014

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disseram que não, ficando surpreendidos com o fato de estarem ali com frequência e não

conhecerem a dona da barraca. Ao final da entrevista, aproveitei a oportunidade e os

apresentei.

Na análise de Pérez (2002, p.17), a festa é vista como mero divertimento das ditas

classes populares, ou, confundindo-se com esse último, como sobrevivência de certos

arcaísmos tradicionais. A rua, substituída pela casa ou por algum salão, ocupa o local da festa.

Ao fazer uma reflexão do conceito de Simmel (2006) sobre a socialidade, enquanto “forma

lúdica de sociação”, a autora caracteriza a festa como um fenômeno gerador de imagens

multiformes da vida coletiva, buscando mostrar como o vínculo social pode ser gerado a

partir da poetização e da estetização da experiência humana em sociedade.” (PÉREZ, 2002,

p.17)

A Feira das Yabás, enquanto festa, instaura e constitui uma outra forma de

experienciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e das emoções

coletivas. Pérez (idem) nos lembra que é impossível ser apenas espectador de uma festa.

Significa dizer que tal condição é dada pela imposição da participação do outro, do “estar

junto”, da relação, ainda que seja com o desconhecido.

Na festa, por causa dela, o indivíduo “vive o tempo das emoções intensas e da metamorfose

de seu ser.” É tal o poder revigorante da festa, que é justo dizer que vivemos “na recordação

de uma festa e na expectativa de outra.” Vale dizer que a festa é o ‘reino do sagrado’, pois

opõe ao mundo individualizado e individualizador da rotina, do trabalho e das preocupações

materiais e utilitárias, “uma explosão intermitente”, “um frenesi exaltante” evidenciado no

‘corpo poderoso da efervescência comum.” (Durkheim, 1985:301; apud PÉREZ, 2002, p.25)

Muitas iabás, a exemplo de Selma Candeia, referem-se a Feira como “um grande

quintal a céu aberto” – o local aconchegante da casa, que recebe os amigos para compartilhar

emoções, comidas, ritmos e crenças. Tal pensamento de Durkheim, expressa estes vários

significados e experiências que a Feira das Yabás proporciona – a exaltação da rua enquanto

território da festa, lugar de memória cultural, identidade de uma cultura carioca - seja pela

gastronomia, pela herança musical e pelas tradições reinventadas do passado.

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Fig. 31 A preparação da comida (carne seca) – FDY: novembro/2013. Foto: Angelina Nunes

Fig. 32 Entrevistados Sandra, Walace e Eliane (da esq. para dir.) – FDY: julho/2014. Foto:

Adelaide Chao

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A rua nem sempre é uma festa. Mas todo segundo domingo de cada mês ela se

transforma, se enfeita, num grande quintal a céu aberto. As conhecidas “donas da casa”

recebem seus convidados assim como em muitas casas do subúrbio carioca: com comida farta

e muita música. O quintal é grande, vem gente de todos os cantos porque tem comida para

todos os gostos.

A partir desse cenário tivemos a oportunidade de refletir sobre três fatores que

permeiam o imaginário do subúrbio carioca: o trem, o samba e a comida. O objetivo central

deste trabalho foi perceber as relações que a comida, enquanto agente comunicacional exerce

sobre este imaginário, através da história, do cotidiano e das práticas de sociabilidade da

região de Madureira. Para isso era necessário rever seu passado - da formação do bairro até

os eventos nos novos territórios culturais.

No capítulo 1 apresentamos como norteamos o cotidiano do nosso trabalho, ao longo

desses dois anos. Iniciamos com uma revisão bibliográfica sobre temas como cultura,

comensalidade, memória social, história cultural, tradição, costumes e socialidades. A partir

dessas reflexões, buscamos definir qual metodologia deveria ser aplicada para a obtenção dos

resultados e das impressões que teríamos ao longo da pesquisa. Mas, o inesperado do campo

evidenciou que não caberia apenas uma metodologia específica. Era necessário dividir os

grupos de informantes (entrevistados) e analisarmos de diferentes formas. Por isso se fez

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necessária a divisão entre Frequentadores e Realizadores da Feira das Yabás. Para cada

grupo, um tipo de entrevista específica. Pusemos em prática a pesquisa densa, sugerida por

Geetz com o compromisso de observar e participar muitas edições da Feira das Yabás. Foram

aproximadamente 15 edições visitadas, além das entrevistas realizadas na residência das iabás

e das observações participantes na sede da Velha Guarda da Portela, no Mercadão e Parque

Madureira, na quadra da escola de samba Portela, e nas estações de trem de Madureira,

Mercadão e Oswaldo Cruz.

O capítulo 2 é centrado na revisão bibliográfica permitindo-nos compreender que o

termo subúrbio na sua etimologia, não se aplica mais ao bairro de Madureira da atualidade.

O subúrbio, aquele que “está à margem, distante; uma região dependente social, financeira e

culturalmente do centro da urbe”, não condiz com a realidade do bairro, nem da cidade do

Rio de Janeiro. Possui um conceito particular onde autores como Fernandes, Oliveira, Soares

e Soto evidenciam um estereótipo de identidade carioca muito forte por ser um lugar onde as

pessoas se cumprimentam sem se conhecerem, o vitalismo das práticas sociais faz acolher

problemas e abrigar soluções cotidianas. É o lugar que se reinventou ao longo da história,

transformando as dificuldades e o descaso político do passado em território independente,

gerador de trabalho, oferecendo melhores condições de moradia, infraestrutura, acesso à

educação, além de sua efervescência cultural, latente na satisfação do “viver no subúrbio”.

O trem é o símbolo de identidade do subúrbio carioca, principalmente entre os bairros

de Madureira e Oswaldo Cruz, desde a formação dos bairros. Relatamos na pesquisa o trem

como elemento socializador, desde os tempos da migração de moradores no início do século

XX, passando pelas reuniões e ensaios de samba organizados por Paulo da Portela, o que

antecedeu a fundação da escola de samba Portela, até a realização do Trem do Samba que

desde 1996 é organizado por Marquinhos de Oswaldo Cruz. Em todas essas passagens, a

comida sempre esteve presente.

No capítulo 3 imergimos nos imaginários sociais que permeiam a Feira das Yabás.

Revisitamos no passado, as histórias do samba, das rodas de jongo, o surgimento das escolas

Império Serrano, Portela, Prazer da Serrinha, a importância de Paulo da Portela e outros

baluartes na identidade da música popular brasileira. Buscamos nos anos 1921 uma possível

origem dos “almoços de quintal” na casa de Dona Ester – a Tia Ciata de Madureira, sempre

uma festa, com samba e comida farta.

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As surpresas do campo nos permitiu conhecer a Velha Guarda da Portela para além

de uma bibliografia. Pudemos evidenciar detalhes de memórias não somente descritas em

livros, mas que foram vivenciadas no cotidiano de seus baluartes e pastoras nos ensaios de

sambas e nos almoços nos quintais de Tia Doca, Tia Vicentina, Dona Neném e Tia Surica.

A partir dessas relações de memória, apresentamos a história de idealização do evento

através os relatos do sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz que, no desejo de manter os

costumes das festas de quintal em Madureira/Oswaldo Cruz, reuniu as herdeiras desta

tradição - as iabás da Feira das Yabás. Apresentamos cada uma delas, sua relação com a

herança cultural e os pratos servidos em suas barracas.

Por fim, o capítulo 4 nos fortaleceu com embasamento teórico a evidenciar a comida

enquanto agente comunicacional, analisando as formas sociais da refeição, a identidade da

comida, os modos de fazer, bem como as práticas de comensalidade e de “estar junto” na rua,

lugar da festa. Definimos as iabás como bricouleurs, que reproduzem à seu modo a culinária

tradicional carioca, recriando inclusive, novas formas de comensalidade nos almoços de

domingo, além de favorecer o estar-junto na rua, referências dos almoços de quintal dos

antepassados culturais do bairro.

Como já dissemos, a Feira das Yabás, enquanto momento e lugar de festa, constitui

uma outra forma de experienciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos

sentidos e das emoções coletivas. Singularmente em Madureira, a festa se faz presente em

todas as fases e relatos pesquisados, enfatizando o imaginário do subúrbio carioca com o

trem, o samba e a comida.

Fig. 33. Logomarca da Feira das Yabás. FDY julho 2014. Foto: Adelaide Chao

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TABELA 1

Linha do tempo – Rio de Janeiro – Madureira/Oswaldo Cruz

ANO ACONTECIMENTO

1858 Inaugurada a Estrada de Ferro D. Pedro II (Central do Brasil) entre a Praça

da República e Maxambomba (Nova Iguaçu)

1872 Reinauguração da Igreja da Penha como centro de romaria

1882 Inauguração da estação de trem em Santa Cruz

1886 Inaugurada as linhas ferroviárias de S. Francisco Xavier à Meriti e

Mangueira, santa cruz e Tinguá

1888 Inauguração da estação de trem no Meier

1888 Abolição da escravatura – início da crise econômico financeira no Rio de

Janeiro

1890 Inicia-se o loteamento de terras do agricultor Vicente de Carvalho (já

falecido). Sua viúva, Carolina Machado, assume as divisões do bairro que

foi nomeado com o nome do falecido esposo.

1890 A família Rocha Miranda abriu mais de 40 ruas para permitir o acesso aos

lotes, criando os bairros de Cavalcante e Rocha Miranda

1890 Inaugurada a estação ferroviária Madureira

1905 Inaugurada a luz elétrica no subúrbio (Encantado e Piedade)

1905 Inaugurado o bonde de burro em Madureira com linha até Irajá.

1908 Inaugurada a estação ferroviária Inharajá que posteriormente chamou-se

Magno (1928) e atualmente é a estação Mercadão de Madureira

1911 Criação da Associação Comercial da Piedade (futuramente Universidade

Gama Filho)

1914 Inauguração do Centro de Abastecimento de Madureira (Mercadão de

Madureira)

1914 Fundação do Madureira Esporte Clube

1915 Inaugurada a Igreja Matriz de São Luiz Gonzaga, padroeiro de Madureira,

pelo Cardeal Arcoverde Cavalcanti.

1922 Vanguardistas do Automóvel Club do Brasil empreenderam uma estrada

que interligasse os bairros de Inhaúma, Engenho do Mato, Irajá, Colégio,

Acari e Pavuna para que chegassem à serra de Petrópolis. Surge a Avenida

Automóvel Clube

1923 Fundação do GRES Portela, a mais antiga escola de samba em atividade

permanente, é a única escola que participou de todos os desfiles de escolas

de samba da cidade.

1926 Madureira é desmembrada da freguesia de Irajá tornando-se oficialmente

um bairro.

1928 Conclusão da rodovia Rio-Petrópolis

1928 Eletrificação do bonde em Madureira e arredores.

1929 Vovó Maria Joana oferece as danças de jongo em sua casa, no Morro da

Serrinha, região de Madureira. Surge o Jongo da Serrinha

1935 Nasce Antônio Candeia Filho (1935-1978)

1937 Eletrificação dos trens da Central do Brasil

1947 Surge a escola de samba Império Serrano

1990 Inicio do Baile Charme de Madureira sob o Viaduto Negrão de Lima

2000 Incêndio destrói o Mercadão de Madureira

2001 Reinauguração e ampliação do Mercadão de Madureira

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2008 Primeira edição da Feira das Yabás

2012 Inauguração do Parque Madureira, o terceiro maior da cidade, atrás apenas

do Aterro do Flamengo e da Quinta da Boa Vista.

2014 Feira das Yabás eleito o 5º. Melhor evento carioca (Site G1.com.br)

2015 Feira das Yabás recebe o prêmio Nise da Silveira (Prefeitura do Rio de

Janeiro)

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ANEXO A

SAMBAS ENREDO 2015

1) G.R.E.S. PORTELA - ImaginaRio, 450 Janeiros de Uma Cidade Surreal

Compositores: Noca da Portela, Celso Lopes, Charlles André, Vinicius Ferreira e

Xandy Azevedo

Intérprete: Wantuir

FONTE: http://www.gresportela.org.br/samba-enredo/ acesso em 04/03/2015

Oh meu rio

A águia vem te abraçar e festejar

"Feliz cidade" sem igual

Paraíso divinal

E eu "daqui" feito "Dali"

Em traços te retrato surreal

A natureza lhe foi generosa

Na Guanabara "formosa mulher"

Despertou cobiça, beleza sem fim

"Delícias" de um "nobre jardim"

Eu vi o "menino do rio" versar

Um lindo poema

Para impressionar a "princesinha do mar"

Sonhando com a "garota de Ipanema"

Vem amor, a lapa dá o "tom" pra boemia

Vem amor, a nave da emoção nos contagia

Lá vem o trem chegando com o povo do samba

Lá vai viola, o batuque só tem gente bamba

Tão bela! Orgulhosamente a portela

Vem cantar em seu louvor ô ô ô ô

"Central" do meu brasil inteiro

Morada do redentor

Sou carioca, sou de Madureira

A tabajara levanta poeira

Pra essa festa maneira meu bem me chamou

Lá vem portela malandro, o samba chegou

2) G.R.E.S. RENASCER DE JACAREPAGUÁ – “Um manifesto ao povo em forma

de arte.”

Compositores: Cláudio Russo, Teresa Cristina e Moacyr Luz

FONTE:

http://www.sidneyrezende.com/noticia/236749+ouca+o+samba+da+renascer+para+

o+carnaval+2015 acesso em 04/03/2015

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Ô ô tambor de angola

Batuque de gêge - nagô ô ô ô

Vou chamar zé tambozeiro pra versar

Oxalá dia de graça vai chegar!

É jongo, é camafeu, é capoeira

Olha o peixeiro na feira!

Jurema no catimbó

Antonio, filho da flecha certeira

O seu grito a ecoar: Okê aarô odé maior

Sereia, a portela reunida vem cantar

Clareia, o seu verso criou asas pra voar

O mar serenou n'areia

Candeia, candeia!

Não basta ter inspiração

Pra cantar samba é preciso muito mais

A rima suada pra ganhar o pão

Lamento em louvor aos orixás

Ioiô, vem bater samba de roda pra iaiá

Que eu preciso nesse samba me encontrar

Alegrar o meu viver

Um rei, guardião de uma cultura popular

Ouça agora a voz de toda a renascer

Renascer de jacarepaguá

Axé! Candeia, axé!

A luz do quilombo no chão do terreiro

Axé! Irmão de fé!

Orgulho do sambista brasileiro

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ANEXO B

REPORTAGENS

1) 450 ANOS: G1 lista dez eventos que são a cara do Rio - Festas populares de todos

os estilos marcam a agenda de festejos cariocas

FONTE: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rio-450-anos/fotos/2015/01/450-anos-

g1-lista-dez-eventos-que-sao-cara-do-rio.html#F1499801 acesso em 05/02/2015

1º. Lugar – Reveillón em Copacabana

2º. Lugar – Desfile das Escolas de Samba

3º. Lugar – Blocos de carnaval de rua

4º. Lugar – Jogos no Maracanã

5º. Lugar – Trem do Samba

6º. Lugar – FEIRA DAS YABÁS

7º. Lugar – Alvorada de São Jorge

8º. Lugar – Rock in Rio

9º. Lugar – Baile Funk

10º. Lugar – Baile Charme de Madureira

2) Prêmio Nise da Silveira celebra o talento da mulher carioca

FONTE: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=5231914 acesso em

19/03/2015 11:30:00 » Autor: Ricardo Albuquerque

Uma grande festa em homenagem à importância histórica da mulher carioca celebrou, nesta

quinta-feira à noite (05/03), a terceira edição do prêmio Nise da Silveira, no Imperator -

Centro Cultural João Nogueira, no Méier. Iniciativa da Prefeitura do Rio, o Troféu Mandala

reconhece o talento e o esforço de oito mulheres que se destacam a cada ano nas mais diversas

atividades profissionais. O evento integra a agenda especial de comemorações dos 450 anos

do Rio de Janeiro e do Dia Internacional da Mulher, celebrado neste domingo, 8 de março.

- Nada mais justo que homenagear as mulheres que têm um papel importante na história do

Rio de Janeiro, afinal vivenciamos um momento especial em função dos 450 anos da cidade

– disse a secretária municipal de Políticas para as Mulheres, Ana Maria Rocha.

Eleitas pelo colegiado da Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM-Rio), as

homenageadas foram a juíza Adriana Ramos de Mello, do 1º Juizado de Violência

Doméstica; a técnica de enfermagem Ana Lúcia Correa, do Hospital Municipal Souza

Aguiar; a ativista Célia Domingues, presidente da Associação de Mulheres Empreendedoras

do Brasil (Amebras); a escritora Eliana Potiguara; a feminista Lígia Doutel de Andrade; a

cientista Nísia Verônica Trindade; a vereadora Tânia Bastos; as Yabás de Oswaldo Cruz,

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quituteiras que preservam a memória e a culinária das famílias negras; e a escritora

Rose Marie Muraro (in memorian).

Sinto-me muito honrada em ser lembrada porque, sem dúvida, é um reconhecimento

importante para todas nós, por ser inspirado em uma médica pioneira no tratamento mais

humano dos doentes mentais. – declarou Lígia Doutel de Andrade, 80 anos, deputada cassada

pelo Ato Inconstitucional nº 5 (AI-5) e integrante do movimento feminista pela Anistia.

O chefe de gabinete da Prefeitura do Rio, Luiz Henrique David de Sanson, participou da

cerimônia representando o prefeito Eduardo Paes, que instituiu a premiação em 7 de março

de 2013. Sanson entregou o troféu para a juíza Adriana Ramos de Mello.

A celebração começou em grande estilo com a exposição de 11 quadros de Ana Durães,

idealizadora do troféu em forma de mandala. No corredor localizado atrás da plateia, o

público conheceu a artista plástica e as pinturas originais exibidas na novela "Império" (TV

Globo) pelo personagem Domingos Salvador, interpretado por Paulo Vilhena. A pintora

inspirou-se no trabalho de Nise da Silveira para retratar os arquétipos em cenas do cotidiano

e de pessoas comuns. O Troféu Mandala simboliza o trabalho da psiquiatra Nise da Silveira,

que inovou o tratamento psiquiátrico ao utilizar a arte como ferramenta de interação e cura

de seus pacientes. A médica fundou o Museu de Imagens do Inconsciente e introduziu a

psicologia de Carl Jung no Brasil.

- É uma grande honra participar desta celebração que enaltece e valoriza o trabalho da mulher.

Nise da Silveira revolucionou a psiquiatria desenvolvida no Brasil. Esses quadros são obras

feitas a partir de muita pesquisa, porque o personagem da novela é esquizofrênico – explicou

Durães.

O grupo Chegando de Surpresa, da Comlurb, animou o público com a apresentação de

músicas temáticas na cadência do samba. O repertório inclui dicas sobre lixo nas encostas,

combate ao mosquito da dengue e reciclagem de lixo. A cantora Teresa Cristina conquistou

os espectadores com canções que fizeram sucesso nas vozes de Clara Nunes, Ivone Lara,

Elizete Cardoso, Alcione e Marisa Monte. Ao convidar as pessoas para dançar e festejar

a alma feminina, a artista transformou o tablado em terreiro de samba na companhia

das yabás de Oswaldo Cruz (grupo homenageado com o prêmio).

Teresa Cristina disse que foi um dos melhores shows de sua carreira:

- Reconheci várias senhorinhas que dançaram e cantaram comigo, como Dona Romana.

Foi realmente emocionante e diferente. Virou uma grande festa dedicada à carioquice.

Espero fazer 450 shows como esse.

Após dançar com Teresa Cristina, a yabá Romana Antônia da Silva Correa, 64 anos,

voltou ao palco para receber a mandala em nome de suas colegas de profissão:

- Esse prêmio valoriza o nosso trabalho e nos enche de orgulho, porque somos pessoas

comuns que estão na batalha do dia a dia. Somos gratas à prefeitura por esse incentivo.

O grupo monta as barracas de comidas tipicamente cariocas no segundo domingo de

cada mês, das 13h às 21h, na Praça Paulo Portela, em Oswaldo Cruz.