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Análise do Comportamento Avaliação e Intervenção Organizadora Maria Regina Cavalcante ROCA

Cavalcante, M. R. (2008). Análise Do Comportamento - Avaliação e Intervenção

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Análise do ComportamentoAvaliação e Intervenção

Organizadora

Maria Regina Cavalcante

ROCA

E v stão presentes neste livro alguns trabalhos com força representativa dentro da abordagem behaviorista em nosso contexto, considerando a escassez de estudos similares na literatura disponível. São investi­gações científicas sobre temáticas valiosas e atuais, seja quando se trata de intervenções junto a grupos de familiares e de pais, com dificul­dades interacionais, seja quando se trata de profissionais em situação de risco, minimizando condições

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de estresse pós-traumático. E tam­bém importante a contribuição dos estudos a respeito de avaliação fun­cional como instrumento útil ao terapeuta na promoção do cliente a uma nova forma de relacionar-se com o mundo e do desenvolvimento de programas de intervenção junto a adultos com deficiência mental e baixo repertório de comunicação in­terpessoal, assim como de programas referentes a fenômenos subjetivos: crenças, sentimentos e pensamentos e sua expressão com o recurso do comportamento verbal.

Análise do ComportamentoAvaliação e Intervenção

NOTAA Editora e a Organizadora não se responsabilizam por quaisquer conseqüências advindas do uso das informações contidas neste livro. É responsabilidade do profissional, com base em sua experiência, determinar a melhor aplicação do conteúdo desta obra.

A Editora

Análise do ComportamentoAvaliação e Intervenção

Organizadora

Maria Regina Cavalcante

Psicóloga. Mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia

do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio

de Mesquita Filho - campus de Bauru.

R O C A

Copyright © 2008 da 1Ê Edição pela Editora Roca Ltda.ISBN: 978-85-7241-763-1

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema “retrieval” ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora.

Capa: Foto do Borboletário - Mangai das Garças - Belém/PA.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

A963

Análise do comportamento : avaliação e intervenção / organizadora Maria Regina Cavalcante. - São Paulo : Roca, 2008.

Contém glossário Inclui bibliografia ISBN: 978-85-7241-763-1

1. Comportamento humano. 2. Terapia do comportamento. 3. Terapia cognitiva - Métodos. I. Cavalcante, Maria Regina.

08-1606. CDD: 155.2CDU: 159.923

2008

Todos os direitos p a ra a língua portuguesa são reservados pe la

ED ITO R A R O C A LTD A.Rua Dr. Cesário Mota J r ., 73

CEP 01221-020 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3331-4478 - Fax: (11) 3331-8653

E-mail: vendas@ editoraroca.com .br - ww w.editoraroca.com .br

Im presso no Brasil Printed in Brazil

ApresentaçãoA idéia de organizar este livro surgiu de um bate-papo informal entre alguns autores sobre as dificuldades para encontrar, na literatura da área, publicações que possibilitassem a instrumentação metodológica das práticas desenvolvidas pelos alunos durante a realização dos estágios profissionalizantes. Naquele momento, compartilhamos também a opinião de que os relatórios de estágio elaborados pelos alunos juntamente com seus supervisores eram de excelente nível e, se fossem adequados às normas de publicação, poderiam auxiliar o trabalho de terapeutas comportamentais e, principalmente, orientar alunos de cursos de graduação em Psicologia nas atividades de avaliação e intervenção clínica, sob o enfoque da Análise do Comportamento. Os capítulos propostos consistem em relatos de procedimentos de avaliação ou intervenção em atendimento individual, institucional ou em grupo.

Em seguida, procuramos algumas editoras e a Editora Roca se interessou em publicar o livro após análise do material. Além disso, ela nos fez uma proposta bastante pertinente de acréscimo de dois capítulos: um primeiro capítulo que tratasse da lógica teórica e das bases conceituais da análise comportamental aplicada, e outro que abordasse questões relacionadas à utilização de técnicas em psicoterapia comportamental.

Os capítulos que compõem este livro foram elaborados pelos docentes do curso de Psi­cologia do campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, vários deles em co-autoria com alunos do curso de graduação em Psicologia, de pós-gra- duação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem e docentes pesquisadores de outras universidades.

Espera-se que a interação com o material apresentado neste livro produza questionamentos sobre o fazer em Psicologia. Se isso acontecer, nosso objetivo será atingido.

M aria R egina C avalcante

PrefácioPrefaciar o livro Análise do Comportamento - Avaliação e Intervenção, organizado pela Professora Doutora Maria Regina Cavalcante e escrito por docentes e profissionais titulados e com maturidade demarcada sobre as aplicações práticas da Análise do Comportamento, é um enorme prazer.

Esta obra representa avanços e conquistas conceituais na análise comportamental aplicada, registrando com clareza o desenvolvimento desses conceitos, provendo de forma promissora a compreensão das interações sociais a que o ser humano em diferentes condições e fases de seu desenvolvimento está sujeito em nossa realidade.

Estão presentes neste livro alguns trabalhos com força representativa dentro da abordagem behaviorista em nosso contexto, considerando a escassez de estudos similares na literatura disponível. São investigações científicas sobre temáticas valiosas e atuais, seja quando se trata de intervenções junto a grupos de familiares e de pais, com dificuldades interacionais, seja quando se trata de profissionais em situação de risco, minimizando condições de estres­se pós-traumático. É também importante a contribuição dos estudos a respeito de avaliação funcional como instrumento útil ao terapeuta na promoção do cliente a uma nova forma de relacionar-se com o mundo e do desenvolvimento de programas de intervenção junto a adultos com deficiência mental e baixo repertório de comunicação interpessoal, assim como de programas referentes a fenômenos subjetivos: crenças, sentimentos e pensamentos e sua expressão com o recurso do comportamento verbal.

A disposição de relatar avaliações e intervenções fundamentadas na referida abordagem teórica e o cuidado ao descrever aspectos de procedimentos utilizados com resultados positi­vos fornecerão embasamento teórico e metodológico, principalmente aos alunos de graduação e pós-graduação brasileiros em Psicologia e áreas afins, bem como aos pesquisadores e de­mais profissionais interessados nesse enfoque de estudo.

Congratulo-me com os autores desta excelente obra e manifesto minha mais elevada e sincera admiração a todos. Aos leitores, parabéns pela brilhante escolha e aproveitem a obra como ela bem o merece.

T an ia G racy M artins do V alle Doutora em Psicologia Clínica

Comissão Editorial*Dionísia Aparecida Cusin Lamônica. Professora Livre-docente da Faculdade de Odonto­logia da Universidade de São Paulo - campus de Bauru.

Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams. Professora Titular do Departamento de Psi­cologia. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação Especial do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos. Pesquisadora do Conselho Na­cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Márcia Helena da Silva Melo. Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo.

Michele Oliveira. Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Fe­deral do Pará.

Regina Keiko Kato Miura. Professora Adjunta da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Marília. Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista - campus de Marília. Possui experiência na área de Educação com ênfase em ensino- aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: obediência-desobediência, ensino de habilidades, educação especial e orientações de mães.

Sonia Beatriz Meyer. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo.

* Formada por professores com a função de dar parecer sobre os trabalhos apresentados para essa publicação.

ColaboradoresAlessandra Turini Bolsoni-Silva. Professora do Departamento de Psicologia da Univer­sidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.

Ana Claudia Moreira Almeida-Verdu. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Professora do Curso de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universi­dade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.

Aretha Bispo de Castro. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.

Camila Perina. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.

Edna Maria Marturano. Professora Titular do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo - campus de Ribeirão Preto.Érika Pataro Marsola. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Primeiro-tenente da Área de Psicologia do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.Fabiane Ferraz Silveira. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.Fernanda Rizzi Bitondi. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Psicóloga do Serviço de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.Giovana Bovo Facchini. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Especialização Lato Sensu em Psicologia Hospitalar pela Univer­sidade Santo Amaro. Psicóloga Clínica e Hospitalar no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.Guilherme Chirinéa. Psicólogo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Fi­lho - campus de Bauru. Mestre em Educação para Ciência da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.Janaina Cabello. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.Kester Carrara. Professor Livre-docente do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Professor do Programa de Pós- graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus Bauru. Bolsista de Produ­tividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

XII Colaboradores

Lauren Mariana Mennocchi. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes­quita Filho. Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.Mariana Pinotti Carrara. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Psicóloga Clínica.Mayra Ribeiro. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos.Nádia Duarte Marini. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues. Professora do Departamento de Psicologia, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Professora do Curso de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.Roberta Maria Carvalho de Freitas. Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Aprimoramento e Especialização em Psicologia da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Psicóloga Clínica e Colaboradora de Pesquisa no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Univer­sidade de São Paulo.Sandra Leal Calais. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru. Professora do curso de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Bauru.

índiceA pr esen ta ç ã o ............................................................................................................................... V

P r e f á c io .......................................................................................................................................... VII

C o - o r g a n iz a d o r a s ................................................................................................................... IX

C o l a b o r a d o r e s ........................................................................................................................... XI

1. Bases Conceituais Revisitadas, Implicações Éticas Permanentes e EstratégiasRecentes em Análise Aplicada do Comportamento.......................................................... 1Kester Carrara

2. Alcance e Limites das Técnicas Comportamentais: Algumas Considerações.............. 15Sandra Leal Calais, Alessandra Turim Bolsoni-Silva

3. Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de Si durante oProcesso Psicoterapêutico........................................................................................................ 31Fabiane Ferraz Silveira, Guilherme Chirinéa, Maria Regina Cavalcante

4. Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo deProblemas Cotidianos: Estudo de C a so ............................................................................... 45Giovana Bovo Facchini, Ana Claudia Moreira Almeida-Verdu

5. Modelagem de Relato Verbal de Descrição Funcional como InstrumentoDiagnóstico e de Tratamento para Casos de Depressão................................................... 63Janaina Cabello, Roberta Maria Carvalho de Freitas, Fernanda Rizzi Bitondi,Maria Regina Cavalcante

6. Intervenção em Grupo para Pais: Importância do DiagnósticoComportamental Individual................................................................................................... 81Alessandra Turini Bolsoni-Silva,, Fernanda Rizzi Bitondi, Edna Maria Marturano

7. Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção^e às Habilidades Terapêuticas?............................................................................................... 105Alessandra Turini Bolsoni-Silva, Mariana Pinotti Carrara, Edna Maria Marturano

8. Efeitos do Treino de Comunicação e Expressão de Sentimentos em GrupoFamiliar com Dificuldade de Interação................................................................................ 139Sandra Leal Calais> Erika Pataro Marsola

9. Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição,Avaliação e Controle do Transtorno do Estresse Pós-traumático................................... 147Sandra Leal Calais

10. Promoção da Ampliação da Comunicação em Pessoas com DeficiênciaMental a Partir da Intervenção com Diversos Agentes Educacionais............................ 169Nádia Duarte Marini, Lauren Mariana Mennocchiy Camila Perina,Ana Claudia Moreira Almeida-Verdu

XIV índice

11. Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico.................................................. 189Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues, Aretha Bispo de Castro

12. Contribuições do Inventário Portage Operacionalizado no ProcessoTerapêutico de uma Criança com Síndrome de D o w n ...................................................... 215Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues ̂Máyra Ribeiro

G l o ssá r io ....................................................................................................................................... 227

Ín d ic e Re m issiv o ........................................................................................................................ 231

CAPÍTULO

Bases Conceituais Revisitadas, Implicações

Éticas Permanentes e Estratégias Recentes em

Análise Aplicada do Comportamento

K e s t e r C a r r a r a

Conhecer (e, por vezes, rever) os conceitos fundamentais, a lógica teórica e as implicações éticas inerentes às aplicações práticas da Análise do Comportamento constitui condição essencial para leitura e interpretação consistentes dos relatos de pesquisa veiculados na literatura. Nessa perspectiva, os ca­pítulos subseqüentes deste livro, embora auto-explicativos como narrativas descritivas de resultados de investigações científicas, inserem-se em contextos teórico, epistemológico e filosófico específicos da Psicologia como grande área do co­nhecimento. Ao menos por essas razões, o objetivo deste Capí­tulo é o de explicitar o cenário geral que contextualiza a Análise Aplicada do Comportamento e reeditar os principais parâme­tros explicativos do comportamento humano, todavia acres­centando desenvolvimentos conceituais recentes e auspicio­sos para a compreensão das interações sociais mais diversas.

Aparentemente são tanto mais consensuais o m étodo e os procedimentos de pesquisa em determ inada ciência

2 ■ Bases Conceituais Revisitadas, Implicações Éticas Permanentes e Estratégias...

quanto mais acessíveis os dados e mais compartilháveis as informações sobre tais dados entre os cientistas da área. Ou seja, o fator crucial para o desenvolvimento de distintas abordagens a um objeto de estudo é o grau de concordância entre pesquisadores sobre: (1) a natureza e as características de tal objeto; (2) as estraté­gias de acesso aos dados dele provenientes; (3) as explicações teóricas sobre as razões pelas quais as variáveis implicadas mostram -se do modo como se m os­tram. Nesse caso, (2) e (3), em geral, necessariamente decorrem de (1). Dito de outro modo: quanto maior a discordância sobre esses aspectos, maior e mais diver­gente o núm ero de enfoques ou abordagens explicativas.

A história da Psicologia tem mostrado quadro semelhante. Diverge-se sobre a natureza do objeto de estudo (será a “consciência”; a “personalidade”; o “comporta­mento”?), sobre a dimensão substantiva de tal objeto (as atividades dos organismos vivos inserem-se em um m undo monista ou dualista? A “m ente” tem um estofo dis­tinto do corpo? São de matérias diferentes? São matéria?) e, em conseqüência, sobre os delineamentos dos projetos de pesquisa para alcançar informações consistentes sobre um desses objetos de estudo. Em poucas áreas de investigação, portanto, o consenso teórico-investigativo está mais longe de ser alcançado do que na Psicologia.

Afortunadamente, pesquisar no âmbito da Psicologia não é m enos fascinante por conta dessas características. A produção científica está em franco desenvol­vimento e os pesquisadores têm, em anos recentes, buscado m inimizar arestas por meio da ampliação do diálogo profissional a partir de estratégias de coleta de dados acordadas entre grupos de pesquisa, as quais levariam a um a espécie de síntese teórico-empírica.

De qualquer modo, na Psicologia, o cenário da comunidade científica segue se apoiando sobre bases divergentes, ainda que várias abordagens dêem conta de cuidados metodológicos essenciais para sustentar-se como mediação teórica re­levante para o avanço do conhecimento na área. Por conseqüência, a realidade não se apresenta diferente no que diz respeito à abordagem behaviorista.

Originada no contexto do debate acadêmico do começo do século XX, essa vertente foi sistematizada por Watson (1913), no clássico artigo Psychology as the behaviorist views it, em que o autor, entre argumentos diversos nas mais de 30 páginas do “manifesto behaviorista” pautava:

• A substitu ição da velha estratégia m etodológica da in trospecção pela da observação.

• A m udança de objeto de estudo da Psicologia, elegendo o com portam ento em substituição à consciência.

As conseqüências advindas dessa drástica m udança foram muitas, como seria de se esperar. Apesar das reações adversas da com unidade científica veiculadas na literatura científica ao longo do tempo, por vezes desde cedo anunciando o “desaparecimento do behaviorismo” (para exemplos, ver Harrell e Harrison, 1938; Carrara, 2005), essa filosofia de ciência, embora tenha passado por diversas m u­danças, perm anece a m ediação teórica adotada por significativo núm ero de profissionais em todo o mundo. As m udanças sofridas pelo Behaviorismo clássico de Watson foram propostas por B. F. Skinner (1904-1990), que teve extensa influência

na consolidação de um a comunidade internacional de pesquisadores interessados nas relações entre organismos vivos e ambiente, mediadas pelo comportamento. O comportam entalismo de Skinner foi diferente do de Watson em vários aspec­tos, sobretudo no reconhecim ento explícito à importância dada ao que designou como eventos privados. Conquanto Watson e alguns de seus pares, por um a espé­cie de fidelidade ao método, relegassem eventos diretam ente inobserváveis a um plano extracientífico, Skinner (no sentido metafórico) restaurava a introspecção, na medida em que a validava, m ediante atenção especial ao com portam ento ver­bal, com a finalidade de valorizar as experiências sociais individuais e as práticas culturais como instâncias relevantes para a consolidação do repertório de com ­portam entos cotidianos das pessoas. Essa valorização dos eventos privados, em contrapartida a eventos públicos, constituiu objeto de distinção especial, mais tarde, de mediações teóricas denominadas Behaviorismo Radical (skinneriano) e Behaviorismo Metodológico.

Os textos que se apresentam neste livro constituem exemplário de estratégias, tecnologias, procedimentos e análises compatíveis com o Behaviorismo Radical (BR): compatíveis pelo fato de que, em algumas situações, os autores procederam a um a (pertinente) utilização de instrum entos de coleta de dados ou abordagem a clientes e /ou participantes de pesquisas que são provenientes de concepções di­versas de um Behaviorismo estrito e que, no entanto, constituem fonte importante de desenvolvimento de instrumentos e procedimentos de coleta e análise de dados. Trata-se, nesses casos, de um ecletismo instrum ental que não prescinde, todavia, do rigor próprio, seja teórico ou metodológico, do BR.

Esse comportam entalismo que se contrapõe ao Behaviorismo Metodológico, portanto, é o norte dos textos deste livro como filosofia da ciência. De qual ciên­cia? Da Análise do Comportamento (AC). Por um lado, o BR como filosofia pres­creve um conjunto consolidado e imprescindível de pressupostos para além do campo empírico, que constitui condição necessária para o avanço do programa científico da AC. Por outro, essa AC é representada por um sistema organizado de princípios descritivo-explicativos do comportamento, princípios derivados de um m ontante imenso de experimentos de laboratório e de campo e que elucidam cla­ram ente um a lógica para a dinâmica do comportamento. A AC descreve, espe­cialmente, as condições sob as quais os com portam entos são instalados, como se m antêm ou como se alteram. A lógica fundam ental das alterações comporta- mentais é a seleção pelas conseqüências sob as condições epistemológicas (no sen­tido de forma e condições de construção do conhecimento) prescritas pelo BR.

Uma Filosofia ComportamentalistaDessa maneira, o comportamentalismo (ou Behaviorismo) radical, ao constituir-se como filosofia de um a ciência (a AC), adota um conjunto de condições extra- empíricas anteriores a qualquer utilização dos princípios já mencionados. Embora não haja completo consenso sobre o núm ero e a denominação dessas pré-condi- ções, a literatura é consistente em m encionar com mais freqüência algumas delas ou, mesmo, suas características, descritas a seguir.

Bases Conceituais Revisitadas, Implicações Éticas Permanentes e Estratégias... ■ 3

4 ■ Bases Conceituais Revisitadas, Implicações Éticas Permanentes e Estratégias..,

Modelo de Explicação CausaiO comportam entalismo adota um paradigma explicativo funcional. A lógica aí prevalente inspira-se na máxima do físico Emst Mach (“descrever é explicar”). Trata- se da descrição, em todas as minúcias funcionais, das condições que antecedem e que seguem o evento a ser explicado; no caso presente, o comportamento, objeto de estudo da AC. Nesse modelo explicativo, considera-se a descrição de eventos (antecedentes e subseqüentes ao com portam ento) como condição im prescin­dível da explicação apenas e tão somente se ela disser respeito a esses eventos em relação ao comportamento. Mais precisamente: descrever é explicar se - e apenas se - tal descrição incide sobre com portam ento e am biente - em dimensões tem ­porais e espaciais determináveis - nas suas relações. Portanto, no BR (como filo­sofia) e na AC (como ciência) não se fala em causalidade no estrito sentido de relações lineares (porque a “causalidade” admitida é múltipla) em mecânica (como se um a “peça” do mecanismo causai fosse um estímulo isolado e outra “peça” de um a suposta maquinaria fosse o organismo). Prevalece um a compreensão funcio­nal das relações entre organismo e am biente mediadas pelo comportamento. Por essa razão, trata-se de um a ciência relacionai, que não “olha” para seu objeto de estudo de outra m aneira que não seja articulando sistematicamente episódios comportam entais sob certos conjuntos de circunstâncias antecedentes e subse­qüentes ao com portam ento (contexto). Essa tríade de instâncias (eventos antece­dentes, com portam ento e eventos subseqüentes) é o que Skinner descreve como tríplice relação de contingências, centro lógico do paradigm a da seleção pelas conseqüências. O modelo selecionista skinneriano faz paralelo, naturalmente, com o paradigma selecionista darwiniano. No entanto, trata-se de um a metáfora com pa­rativa, um a vez que o primeiro refere-se a um a dimensão filogenética, ao passo que o segundo diz respeito ao percurso ontogenético do organismo: o primeiro processo seletivo dem arca aspectos vinculados à transm issão genética de caracteres e o segundo implica transmissão via práticas culturais. Parece mais evi­dente, agora, que o modelo selecionista implica instalação, m anutenção e m u­dança de comportamento em razão das conseqüências que produz em um dado ambiente (grosso modo: ambientes físico, químico, biológico e social, ainda que se possa argumentar, não sem polemizar, que um desses possa ser reduzido a outro; por exemplo: o químico e o biológico ao físico e social). Não é sem razão que até aqui se buscou certo cuidado com um a expressão da tríplice relação de contingências: o evento subseqüente, que, por vezes, é encontrado na literatura sob a designação de conseqüente. Nesse sentido, um evento que segue um com portam ento pode ser chamado de evento conseqüente na m edida em que seja produzido pelo orga­nismo, m ediante determinado comportamento. Na seleção pelas conseqüências, o organismo, ao com portar-se, produz eventos ou alterações de eventos no am biente e isso altera a probabilidade de ocorrência de respostas similares àque­la que foi conseqüenciada (reforçada ou punida, por exemplo). Como essa res­posta tem outras similares no repertório do organismo (pertence a um a classe de respostas), em ocasiões futuras, diante de condições semelhantes sob as quais as conseqüências referidas aconteceram, amplia-se a probabilidade de que o orga­nismo se comporte de m aneira semelhante. Ou seja, quando o organismo “age”,

“atua” sobre o am biente e se evidencia um a conseqüência que, em geral, segue tal comportamento, diz-se, na AC, que o organismo opera sobre o ambiente. Daí a expressão comportamento operante, tam bém cunhada por Skinner, em contra­posição a comportamento respondente; no primeiro, as respostas, como unidades convencionalm ente m ínim as do com portam ento, são emitidas; no segundo, eliciadas por estímulos antecedentes. Nesse contexto, outro conceito caro à AC e ao BR é o de contingência. Para além das acepções dos dicionários comuns, mas não incompatível com essas, as contingências representam condições sob as quais os com portam entos ocorrem ou deixam de ocorrer. Trata-se de um a relação de dependência entre com portam ento e am biente que precisa ser especificada para que se possa “compreender” o que m antém o referido comportamento e indica for­mas de como alterá-lo. Saber de modo objetivo, concreto, descritivo como o orga­nismo se relaciona com o ambiente, via comportamento, abre a possibilidade de alterar as contingências, ampliando, reduzindo, eliminando, instalando compor­tamentos. Descrever contingências, portanto, perm ite identificar o que controla a ocorrência de comportamentos. E identificar variáveis que controlam a ocorrência de comportamentos permite ao analista do comportamento reorganizar o ambiente no qual o comportamento ocorre. Reorganizar as condições sob as quais o compor­tam ento ocorre corresponde, na AC, a programar contingências, ou seja, tornar menos ou mais prováveis certos comportamentos. A título de exemplo, a partir das metas esperadas pelo cliente e analisadas em conjunto com o terapeuta, programar contingências que alterem a probabilidade de ocorrência de comportamentos é o centro da atividade “clínica”, como é o centro de quaisquer outras atividades pro­fissionais do analista do com portam ento em áreas diversas de aplicação.

Radicalidade ComportamentalImplica que o BR, como filosofia (mediante o modelo já mencionado de relações funcionais), preconiza um a negação à causalidade por meio de eventos não físicos (inclusive, nesse sentido, eventos “m entais”). A expressão radical, no BR, implica eleger o com portam ento como raiz para o acesso, a descrição e a explicação das atividades hum anas nas suas relações com o ambiente. A radicalidade, nesse caso, não está em qualquer intransigência do analista para com as contribuições (por vezes incorporadas como técnicas pela própria AC) de outras mediações teóricas, mas em um pressuposto (mais um) dessa filosofia de ciência que, nesse caso e desde Watson, subscreve o com portam ento como unidade de análise que perm i­tiria com preender as interações hum anas no seu contexto.

Viabilidade de Leis Gerais do ComportamentoEmbora pressuposta uma imensa variabilidade no comportamento dos organismos, tam bém se pressupõe um a regularidade na forma determ inante da ocorrência de tais variações. Ou seja, é pré-condição nessa filosofia de ciência a possibilidade da preservação de um a lógica fundamental, que é a de que há um a correspondência

Bases Conceituais Revisitadas, Implicações Éticas Permanentes e Estratégias... ■ 5

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Continuidade entre as EspéciesPressuposto que decorre da convicção de que há um a linha de continuidade entre os diversos organismos vivos na escala filogenética. Embora, de fato, aparente existir um grande vazio entre a espécie mais próxima do hom em (do ponto de vista evo­lutivo) e o próprio homo sapiens, o BR concebe essa continuidade inter-espécies, o que permite estudar e identificar características funcionais similares, respeitadas certas características estruturais das espécies. Isso implica resposta francamente negativa a dois raciocínios absurdos, porém freqüentes: por um lado, nenhum analista com portam ental supõe a possibilidade de que ratos albinos wister (tão extensamente pesquisados anos atrás) sejam iguais a hom ens e, por outro lado, nenhum analista m antém o pressuposto de que hom ens sejam seres superiores, únicos, à parte do processo evolutivo. As características das espécies são respeita­das como distintas, mas há similaridades funcionais que justificam a pesquisa básica com outras espécies e que têm assegurado esclarecimentos relevantes para a compreensão do com portam ento humano. Para exemplos banais: por mais que se possa m odelar o com portam ento do rato no laboratório, jam ais se poderá ensiná-lo a voar mediante tal procedimento (ausência de asas é um a característica dessa espécie); por mais que o ser hum ano m antenha um a relação altam ente complexa e m ultideterm inada por eventos am bientais sociais e por mais que seus com portam entos encobertos sejam diretam ente inacessíveis, a evidência empírica das pesquisas não perm ite negar que a seleção por conseqüências seja um processo que, indiscutivelmente, afeta seu comportamento.

Rejeição à Ciência como Acordo IntersubjetivoO BR rejeita o acordo intersubjetivo entre cientistas de um a m esm a com uni­dade como critério de demarcação entre o que tem ou não caráter científico. Embora respeite o conceito de program as de pesquisa como estruturas social­m ente habilitadas pelas com unidades científicas que respaldam a aceitabilidade das pesquisas desenvolvidas, a idéia de que a ciência se consubstancie como tal por meio da concordância dos cientistas sobre a validade conceituai e prática (de um referencial teórico e da tecnologia que dele decorre) não é aceita como legítima. O que legitima a viabilidade científica - em bora seja um conceito alta­m ente polêmico - é o conjunto de conseqüências práticas que a ciência pode trazer para a convivência hum ana pacífica, igualitária e com justiça social. Essa concepção pragmática de ciência (herança do successfull working dos primórdios dessa filosofia), ainda que de complexa análise ético-moral, m antém um a con­seqüência considerada válida pelos analistas, se pensada em termos da prescrição de valores sociais democraticam ente eleitos pela com unidade envolvida e que, necessariamente, ao mesmo tem po em que beneficie a saúde com portam ental desta, não prejudique as condições de vida de seus semelhantes. Ainda que se trate de um a questão difícil, parece imprescindível que o analista sempre tenha que se defrontar com ela, buscando as m elhores condições possíveis de justiça social quando de sua atuação profissional.

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Rejeição ao MentalismoSkinner não rejeita a m ente como conjunto de reflexões, como conjunto de con­dições neurofisiológicas necessárias à viabilização das relações entre am biente e comportamento, como massa corpórea cerebral, como conjunto de eventos pri­vados. Considera, todavia, que a expressão “m ente” tem sido, historicamente, utilizada para um núm ero variável de situações e não constitui expressão de fácil operacionalização. Aquilo que Skinner rejeita é o emprego de “eventos m entais” como causa do comportamento. O autor compreende que os eventos mentais, se entendidos como eventos privados, são também comportamento (comportamento encoberto) e, nesse sentido, não constituem causa do com portam ento aberto. Em vez disso, são tam bém causados (no sentido anteriorm ente explicitado de relações funcionais) por eventos do ambiente. No que diz respeito ao com porta­mento, o que é público e o que é privado não são, necessariam ente, eventos de natureza distinta, com postos por substâncias diferentes. Sua diferença está no problem a da acessibilidade, direta ou indireta, pela prim eira pessoa. Portanto, do BR decorre o pressuposto que reflete diretam ente na AC, segundo o qual o analista sempre trabalhará com comportam entos, sejam públicos ou privados, seja m ediante observação direta, por meio de relatos verbais ou por m ensuração indireta a partir de outros instrumentos.

Explicações TeleológicasO BR tam bém adota como pressuposto que a probabilidade de ocorrência do com­portam ento está relacionada à conseqüencialidade que esse com portam ento obteve no passado; ou seja, há um a explícita rejeição à idéia de intencionalidade, teleologia, propósito, comportamento orientado para o futuro. Assim, o com porta­m ento ocorre de acordo com as experiências interativas do indivíduo, em um passado próximo ou remoto e, encontrando-se em contexto ambiental similar, responde de m aneira equivalente àquelas em que seu com portam ento produziu determ i­nadas conseqüências. Quando o indivíduo informa estar respondendo de acordo com metas, seu referencial, em aparente contradição, é o passado, não o futuro.

Visão Molar versus Visão MolecularO BR tem sido criticado como reducionista, porque ao analisar comportamentos, deixaria de ter um a visão do organismo como um todo. Esse é um dilema da própria ciência, mais que apenas do Behaviorismo; passa a ser um a ilusão metodológica, filosófica e epistemológica, imaginar a possibilidade concreta de analisar o orga­nismo como um todo, de um a só vez; quem faz supor que olhando para outrem é possível adivinhar comportamentos e suas razões, posta-se entre a ingenuidade metodológica e o deslize ético. Por outro lado, quem olhe, de fato, apenas de um ângulo ou apenas para um ângulo do comportamento, pensando compreender, com isso, todo o ser hum ano em sua integralidade, também está a um a óbvia distância

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da realidade. Observar o comportamento, direta ou indiretamente, constitui mis­são metodológica importante. Todavia, a compreensão do comportamento não se limita à sua observação. Como já se mencionou no item sobre causalidade, o passo seguinte é olhar para o comportamento em suas relações com o ambiente. Uma visão molar do comportamento implica analisá-lo no contexto e com o contexto.

Concepção de HomemAinda outra característica relevante para a melhor compreensão dos relatos de pes­quisa em AC é a concepção de homem sustentada por esse enfoque. O Behaviorismo é criticado por ser ambientalista, dando pouca ou nenhuma importância às intenções e propósitos individuais - nada mais equivocado. A AC estuda exatam ente as interações entre organismo e ambiente, mediadas pelo comportamento. Ou seja, busca a descrição das condições sob as quais o comportamento ocorre, bem como as conseqüências que acontecem em virtude desse comportamento. É paradigmático, portanto, que a AC seja interacionista (e, nesse sentido, não considere o homem como passivo ou ativo, mas exatamente interativo, cujas ações alteram o ambiente e por ele são alteradas). Como já dissera Skinner (1957/1978), no parágrafo de aber­tura do capítulo 1 de seu O comportamento verbal: “Os homens agem sobre o m un­do, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas conseqüências de sua ação”.

Uma Ciência ComportamentalistaCaracterizada a filosofia behaviorista radical, o passo seguinte implica com preen­der questões essenciais da própria AC. Essa expressão genérica (AC), na verdade, acabou se tornando um conceito “guarda-chuva” para outros mais específicos. A AC é ao mesmo tem po um a área, um programa de pesquisa e atuação prática e um modo de proceder. Todavia, expressões daí derivadas podem indicar um a especificidade importante:

• A Análise Experimental do Comportamento (AEC) delimita o programa de pesquisa behaviorista. É experimental na m edida em que faz prevalecer um tipo de design metodológico, o delineam ento de sujeito único (com repli- cação), em que o sujeito participante da pesquisa é o parâmetro de si próprio. Ou seja, comparam-se dados obtidos antes, durante e depois da utilização de um programa de contingências, sob condições que maximizam o con­trole de variáveis estranhas.

• A Análise Conceituai do Com portamento (ACC) é um campo de atuação que valoriza as investigações teóricas, filosóficas e epistemológico-meto- dológicas. As pesquisas exigem criteriosa seleção de conceitos e fontes de unidades conceituais relevantes para o BR e para a AC e visam atualizar, agregar novos conceitos e, eventualmente, rever estruturas teóricas da área.

• Finalmente, a Análise Aplicada do^Comportamento ou Análise Compor- tamental Aplicada (AAC ou ACA) constitui o campo de atuação objeto dos

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relatos deste livro; a um só tempo, é possível, mediante certos cuidados es­peciais, desenvolver pesquisas aplicadas que sejam, também, intervenções controladas. Destina-se a todo tipo de situações em que estejam presentes in­terações de pessoas com seu ambiente, sejam em áreas clínica, organizacional, social e qualquer outra em que o comportamento possa ser foco de intervenção.

Seja na análise experimental, na análise conceituai ou na análise aplicada, os princípios em jogo (que não se confundem com os pressupostos da filosofia behaviorista) não são distintos: prevalece a lógica da seleção pelas conseqüên­cias (uma contrapartida ontogenética da lógica filogenética da seleção natural) e são utilizados os conceitos de reforçamento, punição, extinção, contingência, esquemas de reforçamento, controle de estímulos e tantos outros que impliquem possíveis procedimentos para atuação no contexto das interações organismo- ambiente, via com portam ento.

Relatos VerbaisNas intervenções, em especial na área clínica, o analista do comportamento defron­ta-se com a necessidade de busca de informações sobre as condições de interação de seu cliente com o contexto ambiental em que vive. Nessa busca, não pode prescindir da utilização de relatos verbais, uma vez que estes constituem fonte indiscutível de informações que ajudam a descrever o tipo e a forma de contingência vigente em cada interação estudada. Por outro lado, faz-se necessário atentar para o fato de que a AC não considera equivalentes a idéia de linguagem e a idéia de comportamento ver­bal. É este último que, desde Skinner (1957/1978), constitui-se da mesma natureza fisico-funcional que qualquer outro comportamento, aberto ou encoberto, e que permeia interações sociais em geral (dentre elas, as relações terapêuticas). Uma vez que “linguagem”, seja na literatura tradicional, seja nas comunicações coloquiais, cons­titui conceito referenciado em objeto, evento ou coisa que é de domínio ou é possuída por alguém (daí, a própria “aquisição da linguagem”), normalmente expressa a con­dição de posse e subseqüente “transmissão” de pensamentos, idéias, proposições, emoções, necessidades e desejos, como “coisas” que estariam “na mente” do falante (Carrara e Bolsoni-Silva, no prelo). Falante e ouvinte, portanto, constituem duas ins­tâncias do episódio bidirecional do diálogo, com inúmeras variações possíveis no pro­cesso de interlocução, controladas por variáveis temporais, de localização espacial, de modulação verbal e outras. A “mente”, na concepção tradicional de linguagem, pertenceria a uma outra dimensão (material ou imaterial) distinta daquela do ambiente próprio das interações humanas com seu contexto sociocultural, o que contraria um dos pressupostos do BR quanto à causalidade comportamental. Em contrapartida, na perspectiva behaviorista, o comportamento verbal é qualquer comportamento (aberto ou encoberto, o que eqüivale a público ou privado) cujo controle pelas conse­qüências é mediado pela intervenção de outra pessoa. É o caso típico da situação terapêutica, como é o caso típico das relações mais comuns dos clientes nas situações de interação com seus familiares, com seu grupo de amigos, com as pessoas das de­mais instâncias st>ciais de que participam (trabalho e lazer, por exemplo). O chamado

“episódio verbal”, constituído dos comportamentos articulados de falante e ouvinte, como qualquer outro comportamento, implica necessariamente na análise de condições antecedentes e condições subseqüentes e com freqüência implica em domínio, pelo profissional, dos conceitos de controle por contingências e controle por regras. No primeiro caso, as conseqüências estão diretamente disponíveis para a pessoa que se comporta. No segundo, sendo este o exemplo clássico do episódio verbal, as conseqüên­cias podem não ser diretas, mas intermediadas de modo oral ou vocal pelo ouvinte (que, seguindo-se a cadeia da interação, em geral passa a falante e assim por diante, em uma seqüência típica de interação verbal). Naturalmente, costuma ocorrer uma espécie de “economia” de conseqüências diretas, no sentido de que o comportamento governado por regras (em razão de pareamento anterior dessas mesmas regras com conseqüências variadas) indica uma contingência (e, nela, uma conseqüência) que pode se efetivar mais tarde (por exemplo: “se você fizer isso é possível que ocorra aquilo”).

Pode-se notar, desde já, em que medida é im portante um a concepção bem estabelecida de com portam ento verbal para que o analista possa conduzir suas intervenções, em situação aplicada, de modo m etodologicamente apropriado. O BR e a Análise Comportamental Aplicada, por conseguinte, consideram o com ­portam ento verbal controlado por variáveis de natureza física, como qualquer outro comportamento. Para tornar ainda mais complexa a questão do uso de in­formações verbalizadas, seja oralmente, seja por escrito, nas situações aplicadas, é im portante considerar algumas características típicas de um a espécie de com ­portam ento verbal particular: o pensam ento. Conforme Skinner (1974):

[...] Se um a interpretação behaviorista do pensar não é tudo quanto gostaríam os de ter; cum pre lem brar que as explicações m enta is ou cognitivistas não são, absolutamente, explicações [...] O comportamento oculto é quase sempre adquirido de form a manifesta e ninguém jam ais mostrou que a form a oculta obtém qualquer coisa que esteja fora da manifesta. O comportamento oculto é também facilmente observado e de form a alguma está desprovido de importância; fo i um erro ele ter sido negligenciado pelo behaviorismo metodológico e por certas versões do positivism o lógico e do estruturalism o sim plesm ente porque não era “objetivo”. Seria um erro, também, não lhe reconhecer as limitações. Está longe de ser um substituto definitivo para as concepções tradicionais do pensamento. Não explica o comportamento manifesto: é, simplesmente, mais um comportamento a ser explicado. [...] Pensar é comportar-se. O equívoco consiste em localizar o comportamento na mente. (p. 91 -92).

O que se vê, nas afirmações de Skinner, é um a igualação do com portam ento encoberto ao com portam ento aberto, quanto à sua origem e à sua manutenção. Ambos são atividades hum anas passíveis de análise funcional e ambos são con­trolados por suas conseqüências. Para o behaviorista radical, o pensam ento é fala encoberta que tem funcionalidade vinculada às conseqüências que produz, como qualquer outro comportam ento, mas isso não deve ser confundido com a idéia de fala subvocal sugerida por Watson. O problem a antes considerado crucial com o com portam ento encoberto, que o tornou excluído de um a análise científica pelos

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behavioristas metodológicos do início do século passado, foi superado desde 1945 por Skinner, em sua análise operacional dos termos psicológicos. A dificuldade de acesso direto aos eventos privados (pensamento, por exemplo) não pode excluí-los de um a análise científica. O problem a fundam ental com esses eventos - a dificul­dade de acesso direto a eles - pode ser contornado, ainda que com dificuldades de precisão, m ediante um a boa análise dos padrões culturais típicos da comunidade em que vive a pessoa que emite o comportam ento. Naturalmente, o acesso aos comportam entos verbais abertos pode ser feito de variadas m aneiras (gravam-se as verbalizações, colhem-se os registros escritos produzidos pelas pessoas; avaliam- se por instrumentos as dimensões físicas dos sons emitidos; estimam-se os padrões topográficos das respostas escritas pelos aprendizes de um determinado código étnico de comunicação e assim por diante). Já as estimativas e m ensurações dire­tas do com portam ento verbal encoberto (“pensam ento”) são mais complexas e difíceis quanto à sua acessibilidade: não se gravam, não se observam diretam ente os padrões. No entanto, para o BR, o fato de que sejam públicos ou privados, res­pectivamente, não lhes garante natureza diferente, assim como não se lhes pode atribuir um caráter objetivo ou subjetivo em virtude do fato de que sejam abertos ou encobertos. Como já m encionara Skinner, “a m inha dor de dentes é tão física quanto as teclas da m inha m áquina de escrever”.

Apesar desses argumentos, algumas questões perm anecem razoavelmente polêmicas e difíceis para muitos analistas do com portam ento da área aplicada: se não há acesso direto aos eventos privados, em que sinais indiretos desses eventos confiar para levar adiante os procedimentos terapêuticos e as demais intervenções nas interações humanas? Não há outro caminho (embora apenas o futuro dirá sobre possíveis avanços tecnológicos) para avaliar o que as pessoas “pensam” e “sentem”, um a vez que o acesso a esses episódios com portam entais apenas perm anece assegurado integralmente para a primeira pessoa. O caminho atualmente possí­vel é o do uso de relatos indiretos: o indivíduo falando, escrevendo, de algum modo relatando o que ocorre ou já ocorreu consigo nesses episódios ou, ainda, outrem descrevendo tal situação. É quando o analista entra pelo campo das possíveis incon­sistências - e até pelas possíveis contradições - entre o fazer e o dizer. O relato do que se faz não corresponde, necessariamente, ao que de fato ocorreu, seja porque podemos falhar na “observação” dos nossos próprios comportam entos, seja por­que não aprendemos a descrevê-los de modo acurado. Mas não parece haver outra m aneira de conhecer e, indiretamente, observar eventos privados que não seja a de passar por um processo de capacitação para tal. O médico e o dentista, por exemplo, se capacitam para ouvir e interpretar as verbalizações do paciente sobre sua dor: perguntam-lhe se é aguda, contínua, intensa, latejante, intermitente. O analista do com portam ento vale-se de vários instrumentos, todos indiretos, na m esm a medida. Deve ser parcimonioso com a utilização de tais instrumentos: vale-se de relatos verbais dos clientes em situação terapêutica; observações feitas pelos professores (quando o que está sob estudo é o comportamento de escolares); registros escritos ou orais feitos pelo próprio cliente ou por seus familiares, amigos, ou outros profissionais da saúde atuantes na vida desse cliente; inventários de respostas; testes de variada natureza; questionários e entrevistas. Todos constituem instrum entos indiretos e precisam ser cuidadosamente utilizados, um a vez que

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não substituem a observação direta. Entretanto, utilizados com critério, vários desses instrum entos podem ser considerados bons indicadores (que devem ser testados amplamente e validados com dimensões variadas de populações) a oferecer in­formações descritivas das prováveis condições antecedentes e conseqüentes do com portam ento da clientela, quando da realização de um a análise funcional.

Um cuidado adicional e que passa pelas tentações de um a simplificação das intervenções terapêuticas ou por um a falsa justificativa de que quando se trata de aspectos cognitivos são necessárias alternativas teórico-práticas adicionais àque­las originais da AC, é o que se refere à confusão não tanto incom um de apelo a conceitos que se situam fora do paradigma behaviorista radical. A saudável ado­ção de um ecletismo de técnicas (o ensaio comportamental, por exemplo, tem suas raízes nas práticas psicodramáticas e no role playing) não pode ser confundi­da com um ecletismo conceituai que danifique a coerência lógica de um enfoque teórico. Nos últimos anos, sob o pretexto da necessidade de outros instrum entos de Análise do Comportamento Verbal em terapia, um a nova modalidade clínica, a Terapia Comportamental Cognitiva, tem sido assumida por muitos profissionais. Essa alternativa implica descaracterização conceituai visível em procedimentos e na própria designação desse tipo de terapia, em que se faz aparentar ser possível coexistirem duas dimensões - com portam ental e cognitiva - que não estão pre­sentes na Análise Comportamental Aplicada de base behaviorista radical. Se, por um lado, os relatos verbais e o uso de instrum entos adicionais são imprescindí­veis (não apenas em terapia, mas em quaisquer situações aplicadas), por outro não é coerente (em qualquer sistema teórico criteriosamente alinhavado) o apelo a explicações m ediante constructos que se situem em dimensões empíricas dis­tintas daquela admitida por tal sistema. O BR pressupõe o com portam ento como foco de análise. Por meio dele, pode estudar com m uita propriedade o que se convenciona chamar, na fo lk psychology, de processos cognitivos. No entanto, os instrum entos a serem utilizados (e há exemplos valiosos dessa possibilidade nos capítulos seguintes deste livro) devem guardar compatibilidade conceituai com os pressupostos behavioristas e seu referencial bem definido é o das interações dos organismos com seu contexto ambiental, via com portam ento e nada mais.

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Implicações Eticas e Avanços ConceituaisO avanço teórico e tecnológico do BR e da AC tem sido plenam ente disseminado na literatura científica. Desde as primeiras aplicações dos conceitos behavioristas, polêmicas intermináveis e algumas críticas contundentes foram veiculadas de modo recorrente, seja na dimensão conceitual-filosófica (por exemplo, super- simplificação e superficialidade na explicação do com portam ento como objeto de estudo: o BR seria reducionista; generalização da pesquisa animal para os seres humanos: o BR seria continuísta; influência positivista como determ inante na fi­losofia behaviorista, levando à objetificação do ser humano), seja na dimensão científico-metodológica (por exemplo, o método e os procedimentos utilizados na AC não dão conta do caráter interno e privado: o BR explica apenas um a fração superficial da conduta hum ana; a substituição de sintomas é um exemplo de ine­

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ficácia e impropriedade de métodos, técnicas e procedimentos), seja na dimensão ético-social (por exemplo, a prática do controle gera relação de manipulação uni­lateral: a questão dos valores e o BR como reacionário e antidem ocrático; o Behaviorismo negligenciaria instintos, motivos, emoções, dons inatos e criati­vidade, tornando-se, com isso, um a prática desum anizante). Conforme Carrara (2005), a literatura crítica foi constante desde o “m anifesto” w atsoniano e con­tribuiu para am pliar as preocupações dos analistas do com portam ento com o aprim oram ento de estratégias clínicas e conceitos éticos. Esses debates têm le­vado os analistas a apresentarem , nos núm eros mais recentes dos periódicos (últimos 15 anos, para exemplificar) e nos últimos grandes congressos, um con­junto de propostas de investigação e aplicações em praticamente todos os campos da atividade hum ana, sejam os da psicoterapia, da educação, da economia, dos sistemas organizacionais, sejam os da segurança pública, da preservação am ­biental, da conservação de água e energia elétrica, das políticas públicas de saúde e saneam ento básico. Em todas essas áreas há atividade hum ana implicada. Mais especificamente, há com portam ento hum ano e situações de interação social em que é possível um a atuação profissional criteriosa e fundada em pressupostos éticos abrigados pela justiça social. Estabelecer m etas eticam ente corretas para a Análise Com portam ental Aplicada tem sido preocupação constante da abor­dagem e está plenam ente exemplificada nos próximos capítulos deste livro.

Ao mesmo tem po em que se aprimoram os cuidados éticos, os avanços nas discussões conceituais têm resultado em aperfeiçoamento no edifício teórico ori­ginalmente proposto por Skinner. Ainda que alguns conceitos novos não m udem a lógica do paradigma, têm contribuído como unidades conceituais abrangentes. É o caso recente (desde os anos de 1980) do conceito de metacontingências, apli­cável à análise das práticas culturais e ao desenvolvimento de delineam entos cul­turais. Embora Skinner já tivesse adiantado as possibilidades de aplicação de conceitos da análise funcional a situações sociais complexas em 1953, m ediante o conceito de agências controladoras, o aprimoramento e a ampliação desse campo parecem constantes e auspiciosos, reservando um a área de atuação bastante pro­m issora aos novos analistas. Várias possibilidades de novas aplicações são exemplificadas de modo com petente pelos autores dos capítulos subseqüentes e convidam à leitura o interessado em bem compreender os detalhes de procedi­m entos recentes de intervenção e pesquisa relatados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCARRARA, K. Behaviorismo Radical: crítica e metacrítica. São Paulo: Unesp, 2005. CARRARA, K.; BOLSONI-SILVA, A. T. Pensamento e linguagem sob a ótica behaviorista ra­

dical. In: COELHO, J. G. (org.) Pensamento e Linguagem. Bauru: Depto. de Ciências Humanas/UNESP. (No prelo).

HARRELL, W.; HARRISON, N. R. The rise and fall of Behaviorism. Journal of General Psychology, v. 18, p. 367-421,1938.

SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1953/1971.

SKINNER, B. F. 0 Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1957/1978.SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1974/1982.WATSON, J. B. Psychology as the behaviorist views it. Psychological Record, v. 20, p. 158-177,1913.

CAPÍTULO

Alcance e Limites das Técnicas

Comportamentais: Algumas Considerações

S a n d r a L e a l C a l a is

A l e s s a n d r a T u r in i B o l s o n i- S ilva

Ao abordar a Psicologia do ponto de vista da Análise Com- portam ental Aplicada, parece que sempre há a expectativa de que técnicas e estratégias a definam. Talvez isso rem eta a um passado ainda próximo, quando se faziam críticas ao Behaviorismo Metodológico que, partindo de um pressu­posto tecnicista, propiciava as mais ferrenhas hostilidades comparando o terapeuta a um a “m áquina de administrar reforçadores” (Goldiamond, 2002). A Análise Compor- tam ental Aplicada não é um conjunto de técnicas, mas um a metodologia que abrange diferentes estratégias, técnicas e conceitos teórico-filosóficos e que tem um compromisso com a avaliação e a intervenção fundam entadas em pres­supostos científicos. Um clínico que se utilize de técnicas comportamentais não é necessariamente um terapeuta com- portamental: mais im portantes são o conceito e a m etodo­logia que embasam seu trabalho (Franks, 1996).

Dessa forma, é conveniente se ponderar como é hoje feita a intervenção, em que m omentos se aplicam técnicas e se necessariamente devem ser usadas no processo psico- terápico de visão behaviorista radical da qual decorre a

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Análise Comportamental Aplicada. Donadone e Meyer (2005) chamam a atenção para quais seriam os requisitos de um a Análise Comportamental Aplicada, anali­sando a prática clínica de psicólogos que se consideravam com portam entais, mostrando que um a intervenção de sucesso não está atrelada ao uso de técnicas, mas sim à escolha apropriada delas e a interpretação de seus resultados.

As técnicas disponíveis para intervenção são muitas e variadas. No entanto, seu uso não garante que o processo seja denom inado Análise Comportamental Aplicada, mesmo que o terapeuta se auto-intitule dessa forma. O que garante isso é o arcabouço teórico e a filosofia da ciência, no caso, o Behaviorismo Radical (BR) (ver Capítulo 1).

Portanto, a Análise Comportamental Aplicada não é um a forma terapêutica que propõe um livro de receitas, como já afirmava Dube, em 1996. Aprender técnicas comportam entais não irá garantir que um profissional possa se afirmar como te­rapeuta comportamental: o uso de técnicas ou estratégias decorre da intervenção terapêutica, um a possibilidade a ser usada, sempre a partir do referencial do BR.

As técnicas não serão relevantes se os objetivos não forem claros. Só se saberá que a estratégia é adequada se houver um parâmetro, ou seja, se os objetivos pro­postos forem atingidos (Omer, 1997). Para tanto, a intervenção com portam ental tem utilizado a análise funcional como recurso para definir objetivos com por­tamentais. Como aponta Godoy (1996), a análise fiincional em contexto aplicado é diferente da análise funcional em contexto experimental, da qual é derivada, um a vez que os controles de variáveis são apenas hipoteticam ente delineados na aplicação. Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao que Godoy (1996) e outros autores (Goldiamond, 2002; Silvares, 1991; Sturmey, 1996) apontam sobre o profissional, nessa área do conhecimento, descrever funcionalmente outros com­portam entos e não apenas o com portam ento-problem a, pois se espera que a intervenção não apenas suprima comportamentos que trazem punições à pessoa, mas especialmente desenvolva novas respostas que possam encontrar reforçadores naturais. Informações adicionais podem ser encontradas no Capítulo 6.

Essa discussão remete aos instrum entos que podem ser utilizados para obter um diagnóstico comportamental, que nada mais é do que a descrição funcional das queixas (Toros, 1997) e de suas interdependências comportamentais (Silvares, 1991). O primeiro deles é a entrevista, com o uso de perguntas que podem ser aber­tas ou fechadas, de forma a identificar a ocorrência de excessos (comportamentos com freqüência exagerada trazendo dificuldades) e de reservas com portam entais (comportamentos que a pessoa já emite e que produzem reforçadores) (Kanfer e Saslow, 1976), bem como das condições antecedentes de sua ocorrência e das con­seqüências produzidas. Diante desses dados, o psicólogo pode levantar hipóteses sobre quais reforçadores a pessoa obtém emitindo comportam entos-problema, pois se estes são m antidos é sinal de que produzem algum ganho (Goldiamond, 2002). Todo com portam ento ocorre porque tem um propósito, por exemplo, um a criança pode brigar com outra porque dessa forma consegue imediatam ente o brinquedo que quer. Nesse caso, nota-se que a criança deseja algo (brinquedo), mas não sabe como negociar, isto é, não emite outros com portam entos de forma a obter o reforçador que busca. Em conseqüência, cabe ao psicólogo, a partir das reservas comportamentais do cliente, ensinar novos comportamentos que ajudem

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a pessoa a encontrar os reforçadores que para ela são necessários. Outros instru­m entos poderiam tam bém ser utilizados para obter informações (ver Capítulo 7), os quais parecem auxiliar a descrever contingências e delimitar objetivos compor­tam entais de intervenção, tais como inventários, escalas e observação natural. Del Prette e Del Prette (1999) acreditam que o uso de mais de um instrumento de coleta de dados, combinando medidas diretas e indiretas do comportamento, pode ser útil para levantar hipóteses mais condizentes com a realidade vivida pela pessoa.

O uso de técnicas comportam entais tam bém suscita outra questão, a de que quando se utiliza um a estratégia em relação a determinado com portam ento para eliminá-lo, outro com portam ento surgirá no lugar, a tão conhecida “substituição de sintom as”. Bandura, já em 1969, alertava não haver possibilidade de se elimi­nar um com portam ento como tal, mas sim de modificar um padrão de resposta alterando-se os estímulos que o controlam, o que inviabiliza a crítica da troca de sintomas. Além do mais, ter-se-ia tam bém que definir o que é efetivamente o sin­toma. Carrara (2005) faz um a discussão atualizada dessa questão com o conceito de classe de resposta, que é um grupo de respostas com a m esm a função. Assim, o que poderia acontecer é que, ao se alterar um a resposta sem considerar sua fun­ção, outras respostas com a m esm a função se apresentariam.

Nessa direção, Goldiamond (2002) acredita que todo comportamento tem um propósito e que as pessoas emitem respostas que também produzem punições e altehcusto, pois não possuem comportamentos alternativos capazes de lhes garan­tir reforçadores. Nesse sentido, um a pessoa com depressão, por exemplo, fica triste e deixa de emitir os com portam entos de antes, o que pode lhe trazer algumas p u ­nições, como isolamento social e perda de trabalho, mas por outro lado tam bém pode lhe garantir alguma atenção. Nesse ínterim, não bastaria medicá-la para re­duzir o hum or depressivo sem ajudá-la a aprender outros com portam entos capazes de produzir atenção. Se o profissional assim o fizer, é muito provável que essa pessoa passe a emitir outros “comportamentos-problema” topograficamente diferentes, mas que são funcionalmente equivalentes (Sturmey, 1996), ou seja, que tenham a função de lhe garantir a atenção de que precisa (reforçador positivo).

A análise funcional é utilizada como forma de avaliação, como m encionado até o momento, mas tam bém como possibilidade de intervenção: ou seja, a estra­tégia que visa levar o cliente a identificar a tríplice contingência que controla seu comportamento. Tríplice contingência é a unidade mínima de análise e significa relação entre eventos que envolvem antecedente, resposta e conseqüente e busca com preender qual é o comportamento, em quais circunstâncias ocorre e com que conseqüências e quais são seus antecedentes e conseqüentes (Vandenberghe, 2002). Para esse processo, dá-se o nom e de autoconhecimento, que é a descrição das contingências a que a pessoa responde (Skinner, 1974) e, ainda para Skinner (1993), cabe ao psicólogo, mediante perguntas, como comunidade verbal, ajudar o cliente a alcançar o autoconhecimento e tomar-se ativo na intervenção que se realiza.

Para tanto, os terapeutas comportam entais buscam formas de coletar dados, em especial mediante o relato verbal (entrevistas, escalas, inventários) que Skinner considera legítimo de se estudar a partir de lima m etodologia interpretativa (Tourinho, 1995). Alguns autores, como Kanfer e Saslow (1976) e Goldiamond (2002), preocupados em realizar diagnósticos comportamentais e pautados na ciência do

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comportam ento (Análise Experimental do Comportamento), elaboraram e defen­deram o uso de entrevistas semi-estruturadas.

Kanfer e Saslow (1976) propuseram um roteiro que investigasse, em primeiro lugar, a situação-problema, organizando-a em déficits, excessos e reservas com ­portam entais. Na seqüência, seriam investigadas as variáveis antecedentes e conseqüentes dessa situação, bem como o desenvolvimento da queixa na história de aprendizagem. Por considerarem que não apenas o comportamento-problema deveria ser foco de intervenção, caberia ainda ao terapeuta questionar sobre m o­tivação do cliente, com portam ento de autocontrole, relacionam entos sociais e am biente sócio-físico-cultural.

Goldiamond (2002) propôs o que denom inou de Questionário Construcional, dividido em sete conjuntos de questões: (1) sobre os objetivos do cliente e da terapia; (2) sobre os com portam entos que o cliente m udaria com o processo terapêutico e quais não mudaria; (3) sobre os com portam entos que m udaram no decorrer da história de aprendizagem e por quê; (4) sobre as habilidades que o cliente já tem e que serão utilizadas para a promoção de novos comportamentos, em outras pala­vras, sobre as reservas comportamentais; (5) análise das conseqüências reforçadoras que o cliente obtém com o comportamento-problema; (6) alguma informação que não foi perguntada e que o cliente gostaria de acrescentar; (7) alguma pergunta que o cliente queira fazer ao terapeuta.

Essas propostas, indicadas na década de 1970, são alternativas à m odifica­ção de com portam ento, que foi um m ovim ento da década de 1960 e que estava pouco preocupado com diagnóstico e relação terapêutica, como afirma Silvares (1991), sendo bastante criticado nessa direção, mas que teve sua im portância ao ten tar de forma pioneira aplicar conceitos da Análise Experimental do Com­portam ento à Análise C om portam ental Aplicada. De todo modo, am bas as propostas de entrevista sem i-estru turada buscam identificar queixas, proble­mas e variáveis relacionadas e, no caso de Goldiamond (2002), o foco da avaliação e posterior intervenção está no autoconhecim ento e na prom oção de com porta­mentos com função equivalente ao comportamento-problema, mais do que na supressão desses problem as.

A partir da queixa do cliente, dezenas de relações serão feitas com o objetivo de intervir da forma mais realista possível em sua problemática. Se após a inter­venção im plem entada o cliente relatar m udanças na direção esperada pelos objetivos expressos, é sinal de que a análise funcional foi efetiva; caso contrário, torna-se necessário coletar novos dados e propor novas intervenções de forma a atender plenam ente os objetivos da pessoa em intervenção.

Diante do exposto, o presente Capítulo busca descrever algumas técnicas comportamentais, além da análise funcional (avaliação e intervenção), que são utilizadas na Análise Comportamental Aplicada e mencionadas em diversos capí­tulos no decorrer do livro. Não se pretende esgotar as técnicas existentes e sim destacar algumas que são utilizadas com mais freqüência. Em primeiro lugar, des­crevem-se as técnicas: reforçamento/modelagem, m odelação e feedback, as quais irão subsidiar o procedimento conhecido como Ensaio Comportamental (que tam ­bém pode ser denominado treinam ento de papéis ou role-play [Otero, 2004]) que se utiliza dessas diversas técnicas. Em seguida, apresenta-se a técnica de Resolução

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de Problemas, a Dessensibilização Sistemática que, cunhada em um a vertente respondente da Análise Comportamental Aplicada, é também utilizada atualmente de m aneira modificada e operante. Finalmente, discute-se o uso de punição na Análise Comportamental Aplicada.

Análise FuncionalComo anteriorm ente o termo foi definido e tam bém o será de modo mais refina­do em capítulos subseqüentes, optou-se por exemplificar, a partir de casos clínicos, formas de se usar a análise funcional para avaliar e definir objetivos com por­tam entais e tam bém para intervir. Exemplos clínicos não esgotam a utilização de análise funcional, que é tam bém im portante para outras áreas de aplicação, como escola, organização e outros setores da sociedade.

AvaliaçãoA primeira função do psicólogo é a de identificar a queixa e descrever em que condições antecedentes ocorre, bem como que conseqüências produz, além de verificar freqüências atual e histórica. Em seguida, é im portante investigar outros aspectos da vida da pessoa, de forma a hipotetizar interdependências com por­tam entais (Silvares, 1991; Sturmey, 1996). A seguir, encontra-se um trecho de interação psicólogo-cliente, na primeira sessão de intervenção.

Primeira sessão:Após apresentações:Terapeuta: O que a trouxe à terapia?Cliente: Eu me sinto mal.Terapeuta:Você poderia explicar melhor?Cliente: Ah, eu já fui a médicos porque eu sinto “batedeira”, suor nas mãos,

falta de ar, acho que vou morrer.Terapeuta:^ocê saberia dizer em que situações se sente assim?Cliente: Varia.Terapeuta:Você se lembra da última vez que aconteceu?Cliente: Bem, eu estava no trabalho...Terapeuta:... E você lembra o que estava fazendo?

Note, com esse trecho, que o terapeuta fez perguntas abertas, de forma a obter informações sobre a queixa da cliente, a qual parece ter dificuldade em descrever, dando um a resposta vaga, como “eu me sinto m al”. Sentir-se mal, como visto no Capítulo 1, pode ser considerado um relato verbal de evento interno, no caso respondente condicionado a alguma contingência aversiva (Skinner, 1974). Além disso, fica claro que a cliente não sabe descrever a que responde, ou seja, ela não consegue descrever claram ente o que lhe causa sofrimento. D iante disso, o terapeuta faz nova pergunta aberta, “você poderia me explicar melhor?”, o que

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favorece a descrição da cliente sobre seus sentimentos, relatando “batedeira”, suor nas mãos, informando inclusive que foi avaliada por médico, mas sem encontrar qualquer doença relacionada e que se sentiu assim no trabalho. Com essas per­guntas, o terapeuta, por um lado, ajuda a cliente a descrever o que ocorre com ela (autoconhecimento) e, por outro, obtém informações que vão lhe ajudar a levantar hipóteses funcionais. As informações até então obtidas perm item pensar que o cliente possa estar com queixa que envolve ansiedade e agora é preciso descobrir por que ocorre, em outras palavras, que conseqüências reforçadoras produz, além das aversivas relatadas. Esses questionamentos remetem o terapeuta a fazer novas perguntas. A seguir, são mostrados novos dados obtidos.

Outras InformaçõesEm situações de mal-estar, a cliente chama pelo cônjuge que vem ao seu socorro, bem como as colegas de trabalho se preocupam e procuram ajudar; a cliente é retirada do trabalho e levada ao hospital (a cliente sente-se mal no horário de al­moço, quando é solicitada pelo chefe a ficar disponível para fechar o caixa).

Essas novas informações dão pistas de que a cliente obtém reforçador positivo (atenção, carinho do marido e das colegas de trabalho) e tam bém reforçador ne­gativo (livra-se da tarefa exigida pelo chefe). Novamente, o terapeuta se questiona:

• Será que o marido e as colegas reforçam o com portam ento de sentir-se mal?• Será que a cliente tem pouco repertório social a ponto de m anter sintomas

para conseguir atenção/cuidado?• Será que a cliente sente-se mal em situações específicas, em situações di­

versas ou em situações de resolução de problemas?• Qual a função desses sintomas para a vida da cliente? Procurar história an­

terior e presente em relação a todo o repertório para verificar a que contin­gências a cliente responde.

Investigou-se cada um desses pontos, de forma a buscar interdependências comportamentais, e verificou-se que a cliente estava passando por um a “crise” conjugal, ou seja, a comunicação e a expressão de afeto eram pouco freqüentes e as brigas /discussões muito freqüentes. Assim, pôde-se hipotetizar que a cliente, com os com portam entos que tinha, sentia-se mal naquele m om ento porque era um a das poucas situações em que obtinha reforçadores positivos na interação com o marido. Em relação aos colegas de trabalho, notou-se algo semelhante: a cliente havia m udado há pouco tem po para aquela cidade, deixando família e poucos amigos na cidade de origem; até o momento da terapia, ela tinha feito pouco contato social, o qual se restringia ao contexto de trabalho; teve um a educação rígida em que pouco se incentivou a interação social, sinalizando insuficiente oportunidade de aquisição de tais respostas; diante disso, levantou-se a hipótese de que o fato das colegas se m obilizarem quando a cliente sentia-se mal era reforçador para ela. Adicionalmente, verificou-se que a cliente apresentou a quei­xa diante de um a situação de resolver problemas, negociar com o chefe sobre seu horário de almoçò; a cliente tam bém relatou outra situação-problema que evo­

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cou tais sentimentos e conseqüentemente teve a atenção do marido (o carro deixou de funcionar no trânsito).

Diante desse quadro simplificado de informações, o terapeuta pôde, junto com a cliente, identificar objetivos comportam entais gerais, que implicam muito mais na direção de ampliar repertórios do que de suprimi-los:

• Ensinar habilidades de interação social com colegas e amigos, estimulando-a a conversar e a expressar sentimentos.

• Ensinar habilidades de comunicação, expressividade e assertividade na relação conjugal.

• Ensinar habilidades de comunicação, expressividade e assertividade na interação com o chefe.

• Ensinar habilidades de resolução de problemas em diferentes situações.

Agindo assim, o terapeuta irá trabalhar na função do comportamento, ou seja, levará a cliente a aprender como obter os reforçadores positivos e negativos ne­cessários, sem, contudo, precisar sentir-se mal (“batedeira”, suor nas mãos).

TratamentoO psicólogo pode usar a análise funcional como procedimento de intervenção mediante perguntas, como exemplificado anteriormente, que colaboram para tor­nar o cliente ativo em seu processo de m udança (Sturmey, 1996), bem como favorecem o autoconhecimento. Tal técnica, a partir de relato, é um a medida indi­reta do com portam ento, sujeita aos vieses do relato verbal que nem sempre correspondem ao que de fato ocorre na interação do cliente com as pessoas de sua convivência. Uma forma de minimizar é a combinação com medidas de ob­servação, mas como nem sempre é possível, em especial no contexto clínico, sugere-se o uso de diários de anotações e registros de tarefas de casa.

Diários de anotações são úteis em muitos casos: consistem em anotar tudo o que ocorre durante a rotina diária, podendo ou não relacionar-se a um a queixa específica. Por exemplo: anotações sobre a alimentação no caso de transtorno ali­m entar são im portantes para se saber em que m omentos a pessoa se alimenta, com que freqüência, qual alimento ingere, como se sentiu, se provocou vômito ou não (no caso de bulimia), em que situações, na presença de quem, o que acontece depois. Ao anotar, a pessoa é estimulada a observar o que faz, sente e pensa, em que m omentos ocorre e também que conseqüências produz e, dessa forma, aumenta seu autoconhecimento, além de permitir um a melhora no relato verbal sobre os eventos de sua vida, um a vez que se tornam mais discriminadas as variáveis antecedentes e conseqüentes de que são função. Ao terapeuta chegam informações mais próximas da realidade, ainda que seja um relato e, portanto, tam bém um a m edida indireta, mas, por ter sido realizado passo a passo diante de sua ocorrência, pode estar m e­nos influenciado pela passagem do tempo, que às vezes prejudica a lembrança.

Tarefas de casa são importantes não só para estimular a implementação de objetivos comportamentais, maximizando a generalização do setting terapêutico

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para o ambiente natural, mas tam bém para ajudar o cliente a identificar quais efei­tos seus novos comportamentos produzem em contexto natural. Então, por exemplo, um a pessoa pode ser estimulada, como tarefa de casa, a conversar com seu pai de determ inada forma (treinada na interação terapeuta-cliente), devendo anotar o m omento em que conversou com seu pai, o que disse, o que sentiu e pensou e como seu pai reagiu. Essa observação pode ajudá-la a perceber que ao se com por­tar de forma diferente obtém conseqüências agradáveis, apresentando, portanto, um a condição reforçadora. Logo, essa estratégia ajuda no autoconhecimento.

Outro ponto a ser destacado ainda em relação ao uso de análise funcional como procedimento de intervenção remete à habilidade do terapeuta de questionar o cliente e apontar falas incoerentes, isto é, diante de um a mesma situação, o cliente ora relata comportar-se de determ inada forma e ora de outra. Por exemplo, um a mãe queixa-se de que o filho está muito apegado a ela, que quer dormir em sua cama toda noite e que realmente gostaria que isso terminasse. Em outra sessão, a cliente relata que o filho dormiu em sua cama e quando o terapeuta questiona seu sentimento, relata ter gostado, pois o filho disse que a amava e que adorava ficar com ela. Diante de dois relatos aparentem ente incoerentes, o terapeuta pode pa­rafrasear e questionar: “Hoje você me diz que gostou que seu filho tivesse dormido com você porque ele expressou afeto. No entanto, quando iniciamos a terapia, você me disse que não gostava que seu filho insistisse em dormir com você, que ele estava muito apegado. Você poderia me explicar melhor como você vê esta questão?” Com esse procedimento, o terapeuta chama a atenção da cliente, esti­m ulando-a a descrever m elhor as contingências a que responde, o que vai aprimorar seu autoconhecim ento e ajudar a delinear objetivos de intervenção na interação dela com seu filho.

Reforçamento/ModelagemReforçamento é o processo no qual o uso de um a conseqüência para determ ina­da resposta aum enta a probabilidade de sua ocorrência. Se o cliente conseguir promover alguma m udança em seu com portam ento e essa m udança for refor­çada pelas pessoas que convivem com ele, esse com portam ento tenderá a ocorrer com mais freqüência.

O reforçamento é mais do que técnica, é parte das leis do com portam ento identificado pela ciência do com portam ento (Análise Experimental do Compor­tam ento) e, portanto, cabe ao analista do com portam ento ajudar a pessoa a descrever as contingências a que responde; em outras palavras, a desenvolver autoconhecimento, descrevendo os comportam entos que possui capazes de ob­ter reforçadores naturais e aqueles que, ainda que produzam reforçadores capazes de m anter fortalecida a emissão, trazem tam bém um custo alto, isto é, punições e/ou reforçadores negativos (Goldiamond, 2002).

Cabe ao terapeuta e/ou analista do com portam ento promover com portam en­tos que aum entem a probabilidade de a pessoa obter reforçadores naturais sem, contudo, esquecer de princípios éticos, no que tange a explorar e/ou m anipular outras pessoas para tanto (Abib, 2001).

v

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Dessa forma, o profissional pode, a partir das reservas comportam entais do cliente, modelar novos comportam entos por aproximações sucessivas; dar um a conseqüência arbitrária (elogio, consentimento) para cada vez que a pessoa, em contextos natural e terapêutico emitir um com portam ento na direção do espe­rado para atingir os objetivos da terapia, previamente acordados com ela. Aos poucos, o terapeuta, que deve sempre chamar a atenção de seu cliente para as conseqüências naturais, deve retirar a conseqüência arbitrária e, então, a pessoa ficará sobre controle das conseqüências naturais, maximizando a generalização do setting terapêutico para o contexto de sua vida.

Alguns com portam entos, embora possíveis, podem não se apresentar em um indivíduo, e há um procedimento, a modelagem, que consiste em reforçar dife- rencialm ente m ínimas respostas que se assem elhem ao com portam ento final desejado. Novas respostas podem ser adquiridas quando se usa reforçam ento por aproximações sucessivas na direção do com portam ento final desejado. As­sim, ao se ensinar um a criança a guardar seus brinquedos após o uso, pode-se recom pensá-la por qualquer resposta que se aproxime da resposta final, como chegar perto do brinquedo, pegá-lo do chão, se aproximar com ele da caixa onde são guardados e assim por diante, até que em ita o com portam ento final que é o de guardar o brinquedo.

FeedbackNo primeiro Capítulo deste livro, Carrara anuncia o uso de técnicas pelo analista do comportamento que não tiveram sua origem em um a mesma técnica (ecletismo técnico), sendo o caso do feedback e das demais anunciadas na seqüência. Confor­me Moscovici (1985), o termo feedback é utilizado para o procedimento em que parte do sinal de saída de um sistema é transferida para a entrada desse sistema, com o objetivo de diminuir, aumentar ou controlar a saída do sistema. A partir dessa definição parece difícil encontrar paralelo com a Análise do Comportamento, mas o termo é utilizado como a descrição do que a pessoa está fazendo e que efeito pode produzir. Então, como exemplo defeedbackf o terapeuta diz à cliente que ela conse­guiu falar com seu pai, cuidando do tom da voz, dos gestos, das palavras utilizadas e que obteve sucesso, pois conseguiu conversar com seu pai sem brigar.

ModelaçãoEssa estratégia é também chamada imitação ou aprendizagem observacional (Rimm e Masters, 1983), e consiste em ensinar comportamentos apresentando modelos do comportam ento a ser ensinado.

Há várias considerações quanto ao modelo, no sentido de que seja reforçador para poder ser imitado, mas o mais im portante a se considerar é que esse tipo de aprendizagem é bastante econômico no sentido de que muitas coisas são apren­didas rapidam ente ao se observar o que o outro faz, sendo possível conseguir um bom resultado. Para se aprender a dirigir un \ carro, por exemplo, pode-se utilizar

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um motorista experiente que dem onstrará quais são as respostas que o m otorista iniciante deve apresentar para que o veículo saia do lugar.

Catania (1999) aponta a existência de aprendizagem por observação, afirman­do que deve haver um com ponente filogenético para tal comportamento. No en­tanto, alerta que “a aprendizagem por observação deve incluir discriminações sutis das ações de um outro organismo e de seus efeitos de ações relacionadas por parte do observador (...) [portanto] devemos determ inar seus componentes, em vez de usá-la para explicar outros tipos mais complexos de comportamento” (p. 239). Des­sa forma, para a filosofia behaviorista radical, a aprendizagem de novos compor­tamentos, no que se refere ao fortalecimento de respostas em nível ontogenético, ocorre especialmente pela modelagem. A modelação seria um a forma de exibir alternativas de respostas passíveis de obterem reforçadores naturais para a pessoa, mas o comportamento será ou não fortalecido se a pessoa arriscar emitir tal resposta (modelo) e obtiver conseqüências que aumentem sua probabilidade de ocorrência.

Autores como W ebster-Stratton e Herbert (1993) afirmam que é muito útil o uso de modelos por meio de vídeos para ensinar novos repertórios. O terapeuta tam bém pode dar modelos, o que faz cada vez que propõe um comportam ento novo ao cliente.

As técnicas anteriorm ente descritas podem se complementar e ser utilizadas ao mesmo tempo. Assim, pode-se combinar o uso da modelação com a m odela­gem (reforçar partes do com portam ento na direção do com portam ento final), em que se utiliza o reforçamento para cada resposta na direção do esperado.

Ensaio ComportamentalO ensaio com portam ental utiliza outras técnicas, como modelação, modelagem e feedback, como descrevem os dois autores a seguir mencionados.

Del Prette e Del Prette (1999) indicam os seguintes passos para a utilização da técnica: apresentação da situação problema, discussão rápida dessa situação, arranjo de situação análoga, desem penho do cliente na situação estruturada e feedback. Se o procedimento for aplicado em um grupo, pode-se solicitar que parte dos parti­cipantes observe o desem penho e relate posteriormente, dando a oportunidade de treino de observação.

Otero (2004) descreve a técnica da seguinte forma: obter boa descrição da si­tuação-problem a de forma a identificar relações entre eventos; decompor um a seqüência com portam ental para possibilitar o trabalho de um com portam ento por vez; dar instruções ou modelos de desempenho; representar a cena; dar dicas sobre o desempenho; inverter papéis; reapresentar; reavaliar o desempenho; pro­gramar a generalização e avaliar o desempenho em situação real na sessão seguinte.

Conclui-se, portanto, que ainda que a técnica possa ser considerada, em sua origem, como de outra abordagem teórica - no caso, o psicodrama - Otero (2004) e alguns autores como Del Prette e Del Prette (1999) a classificam como um a téc­nica comportam ental, pois seu objetivo, diferente do psicodrama, é promover com portam entos em situação terapêutica, com grande probabilidade de gene­ralização para contexto natural.

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Dessensibilização SistemáticaWolpe (1958) propôs um a teoria segundo a qual duas respostas incompatíveis não poderiam se apresentar ao mesmo tempo. Utilizando-se do estudo da resposta de ansiedade, a qual definia como um a resposta emocional m al-adaptada e que fa­zia parte do sistema nervoso simpático (comportamento respondente), propôs que haveria outras respostas que inibiriam a prim eira por serem incompatíveis. A resposta de relaxamento m uscular foi um a delas, e Wolpe passou a fazer experi­mentos, em especial para casos de fobias, em que os clientes apresentavam fortes respostas de ansiedade diante de alguns objetos/animais. Essas pessoas fóbicas eram treinadas a relaxar. Após terem aprendido a relaxar (em um a condição clí­nica), o objeto fóbico era apresentado para que houvesse um paream ento das duas respostas incom patíveis/antagônicas. Mas essa resposta fóbica era antes dividida em pequenas respostas, a cham ada hierarquia de respostas: do estím u­lo que provocava m enos ansiedade até o que apresentava m aior resposta de ansiedade. Assim, após o cliente haver aprendido a relaxar por completo e ter feito um a hierarquia absolutam ente efetiva de todos os estímulos ligados à res­posta fóbica que eliciavam a resposta de ansiedade, faz-se passo a passo a associação dessas respostas até que percam essa associação.

Em bora seja um a das mais com entadas técnicas da Psicologia Com por­tamental, sua proposta original de uso é bem pouco utilizada em razão do tempo que se levaria para conseguir um resultado satisfatório, além de sua visão limitada ao comportamento-problema (resposta de ansiedade), deixando de lado o compor­tam ento geral operante do indivíduo e a função que a resposta tem no ambiente. Assim, a fobia, como qualquer comportamento, antes de ser um a resposta mal- adaptada, faz parte do com portam ento geral da pessoa e tem função no ambiente. Nessa direção, Zamignani (2004) conclui que a técnica parece ter pouca eficácia na obtenção de resultados definitivos, pois o que parece mais im portante é a ex­posição às condições aversivas, sem possibilidade de emitir comportam entos de fuga-esquiva. Em conseqüência, a técnica pode ser relevante, por apresentar pouca aversividade, como pré-corrente à técnica de exposição.

A exposição pode ser mais útil que a dessensibilização porque a pessoa, ao entrar em contato com as contingências aversivas e ao emitir novos operantes (promovidos na terapia), pode obter conseqüências reforçadoras em vez de punidoras, o que provavelmente produzirá, como efeito colateral, sentimentos positivos em vez de negativos (por exemplo, a ansiedade).

Punição/Esquema AversivoA punição faz parte das relações sociais, não sendo, portanto, apenas um a técnica utilizada porventura em contexto clínico com o objetivo de reduzir a ocorrência de resposta. Baum (1999) aponta que as relações sociais, para serem classificadas como equilibradas, precisam ter quantidade equivalente de reforçadores e de punidores e, sendo assim, não haveria exploração e manipulação, tornando a in­teração satisfatória para todas as pessoas.

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Quando alguém exibe um com portam ento inadequado (segundo a óptica daquele grupo social), deve-se lembrar, antes de qualquer coisa, que esse com­portam ento foi aprendido. Assim, a pessoa pode aprender novos comportamentos no lugar daquele. Há algumas maneiras de se eliminar um com portam ento sem, contudo, recorrer ao uso de punição:

• Pelo princípio da saciedade: insistir para que o sujeito continue a emitir o com portam ento até cansar-se.

• Pelo princípio da extinção: criar condições para que o com portam ento não seja reforçado após sua emissão.

• Pelo princípio da alternativa incompatível: recompensar um comportamento que seja incompatível.

• Pelo princípio do reforçamento negativo: apresentando um a condição aver- siva, ou seja, a pessoa deixa de emitir o inadequado para se esquivar do aversivo do am biente (Krumboltz e Krumboltz, 1977).

Para Skinner (1993) e Sidman (1995), a punição existe quando:

• O comportamento da pessoa é seguido por uma conseqüência aversiva, física ou verbal, que leva à redução da probabilidade de ocorrência do com porta­m ento punido (punição positiva).

• Há perda de conseqüência positiva (punição negativa).

A punição (Skinner, 1993) como técnica educativa é questionável, pois a longo prazo, ao contrário do reforçamento positivo, traz desvantagens tanto para o or­ganismo punido como para a agência punidora, podendo levar ao aparecimento de emoções negativas e predisposições para fugir ou contra-controlar. Para esse pesquisador, a punição pode reduzir o comportamento punido de forma imediata, mas esse resultado não se m antém em um prazo extenso, pois não se ensina o que fazer nessas situações, deixando claro apenas o que não se deve fazer. Por essa razão, a punição não deveria ser utilizada isoladamente, ou seja, sem a com bina­ção com técnicas que garantissem tam bém a obtenção de reforçamento positivo e generalização de respostas. Skinner ainda afirma que a punição pode fazer com que a criança pare im ediatam ente de emitir o com portam ento punido (o que es­timula os pais a continuarem punindo), mas pode eliciar nela sentimento de medo perante situações similares à que foi punida, estimulando-a a “fazer qualquer ou­tra coisa” para fugir da punição (comportamentos de fuga-esquiva). No entanto, esses efeitos da punição não garantem que o com portam ento punido deixe de ocorrer na ausência da punição ou do agente punidor, suprimindo apenas tem ­porariam ente o com portam ento punido.

Concluindo, além da tendência a agredir, a punição, segundo Skinner (1993), pode produzir lamentáveis subprodutos como medo, ansiedade, culpa e doenças “psicossomáticas” ou outras que prejudicam a vida cotidiana do indiyíduo, como falta de repertório socialmente habilidoso para resolver problemas e m anter rela­cionamentos positivos. O uso de punição apresenta, portanto, graves restrições, pois em vez de se ensinar novos comportamentos, punem -se os que existem cor­

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rendo-se o risco de eliminar um a classe de respostas im portante no repertório, além do efeito temporário da punição. Está tam bém comprovado que, ao ser pu ­nida, a pessoa aprende a se esquivar de quem a pune e não do com portam ento emitido (Sidman, 1995).

Nessa visão punitiva para m anejo de com portam ento, elenca-se apenas seu uso para com portam entos que possam colocar em risco a vida daquele que emite o com portam ento inadequado (por exemplo, um a criança pequena que atra­vessa a rua) ou quando a freqüência do inadequado é tão alta que não se conseguem outros comportam entos incompatíveis para serem reforçados. Mesmo nesse caso, é um a técnica que deverá ser utilizada com outras que im pliquem reforçador positivo, de forma a m inimizar os efeitos aversivos da punição. Tais cuidados são fundam entais para garantir os princípios éticos que regem a prática da Aná­lise Com portam ental Aplicada de orientação behaviorista radical (Banaco, 2004; Vandenberghe, 2005).

Além do mais, ao se olhar somente para o com portam ento inadequado, outro equívoco ocorre: esquecer o com portam ento geral da pessoa e a função que os comportamentos apresentam, como já discutido anteriormente. Melhor seria des­cobrir a função do com portam ento inadequado e tentar ensinar novas respostas mais efetivas na obtenção de reforçadores positivos e negativos, sendo assim fun­cionalmente equivalentes.

Por outro lado, cabe ao analista do com portam ento não confundir topografia com função, pois muitas vezes a punição é confundida com comportamento agres­sivo, como gritar, bater, humilhar. Usualmente, afirma-se que “o pai puniu a criança” quando o correto seria “o pai bateu na criança”, um a vez que a contingên­cia só poderá ser classificada como punitiva se houver redução na ocorrência da resposta. Então, um a mãe pode solicitar m udança de com portam ento ao filho lhe dizendo, por exemplo, que não gostou do que a criança fez e que gostaria que fizesse diferente (oferecendo modelo), indicando conseqüências positivas diante de novos comportamentos. Se o com portam ento da criança reduzir a ocorrência, poder-se-ia dizer que o com portam ento tido como inadequado foi punido. Como lhe foi ensinado o que fazer, além de apenas dizer o que não se deve fazer, combi­nado a procedimentos de reforçamento, seu repertório pode ter sido ampliado e tam bém os possíveis efeitos colaterais da punição podem ter sido minimizados.

Algo paralelo poderia ser pensado na interação terapeuta-cliente, pois se um cliente grita com o terapeuta e este se expressa quanto aos próprios sentim entos e questiona sobre os efeitos que tal com portam ento pode trazer, inclusive em contexto natural, talvez se pudesse dizer que, se o cliente deixa de gritar com o terapeuta, ele teve essa resposta punida. Portanto, por mais que o analista do comportamento, em sua prática profissional, seja empático e planeje utilizar es­pecialmente técnicas de efeito reforçador positivo, por vezes terá por objetivo reduzir alguns com portam entos no setting terapêutico e poderá punir (punição positiva) para atingir tal objetivo. A punição negativa tam bém pode estar presente no contexto clínico, por exemplo, quando o cliente relata seus problemas acredi­tando que todas as pessoas o estão prejudicando, que não há nada que possa fazer para resolver e tem a expectativa de que o terapeuta çoncorde inteiramente com ele. Nessa perspectiva teórica, acredita-se que o indivíduo age no m undo e é

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modificado por ele (ver Capítulo 1); portanto, faz-se uso do ensino de novos com­portamentos que possam ajudar a pessoa a obter os reforçadores de que precisa. Para isso, o cliente terá de analisar seu papel nessas interações sentidas como aversivas e o terapeuta, mesmo sendo empático, ao questioná-lo nessa direção, pode fazer com que o cliente se sinta punido. Afinal, o terapeuta lhe retirou a possibi­lidade de um reforçador esperado: no caso, concordar inteiramente com suas idéias.

Considerações FinaisEste capítulo teve por objetivo descrever brevem ente algumas técnicas utiliza­das por analistas do com portam ento, seja em situação clínica, seja em outros contextos de aplicação. Não se pretendeu esgotar as possibilidades existentes e, portanto, algumas técnicas indicadas em capítulos subseqüentes podem não estar contidas neste. De todo modo, ainda que tenha sido difícil decidir pela seleção de quais técnicas descrever, optou-se por esse caminho, pois todas as indicadas neste texto parecem ser as utilizadas com mais freqüência nessa área de aplicação do conhecim ento.

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CAPÍTULO

Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de

Depressão a Falar de Si durante o Processo

Psicoterapêutico

F a b ia n e F e r r a z S il v e ir a

G u il h e r m e C h ir in é a

M a r ia R e g in a C a v a l c a n t e

O interesse da Psicologia por fenôm enos subjetivos, como sentim entos e pensam entos, foi em grande parte influen­ciado por práticas culturais e pela linguagem do senso comum, que se utiliza de m uitas falas e explicações de acontecimentos pautadas por concepções subjetivas (Silva e Banaco, 2000). ^

No início do século XX, em um coíltexto em que posi­ções dom inantes defendiam que a Psicologia deveria se ocupar do estudo da m ente ou da consciência - conside­rados como fenôm enos in ternos tendo um a dim ensão não-física -, surgiu o Behaviorismo clássico de Watson, propondo o estudo do com portam ento publicam ente observável, mais precisamente do com portam ento reflexo, como objeto de estudo da Psicologia, opondo-se ao m enta- lismo (Matos, 1997).

O contínuo desenvolviijiento de um a perspectiva exter- nalista para o estudo do com portam ento resultou, a partir

32 ■ Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante..,

da década de 1930, na apresentação das bases filosóficas do Behaviorismo Ra­dical (BR) de Skinner, que propôs um a ampliação ao conceito de com portam ento que, para além de produto do ambiente, corresponderia a um produto do am ­biente social, da relação entre os indivíduos, que só poderia ocorrer m ediada pelo com portam ento verbal (Micheleto, 1997).

O conceito de com portam ento verbal inicialm ente apresentado por Skinner na publicação do livro Verbal Behavior (1957) foi utilizado para enfatizar que esse com portam ento tam bém seria instalado e m antido por contingências de reforçam ento e não por eventos de outra natureza (Hübner, 1997). De acordo com M achado (1997), a especificidade do com portam ento verbal está no fato de ser fortalecido pela m udança no com portam ento do ouvinte, e se estabelece por meio das interações entre o aprendiz-ouvinte e o falante-mem bro de um a com u­nidade lingüística.

Entretanto, mesmo nos dias atuais, o com portam ento verbal tem despertado pouco interesse para os pesquisadores de orientação comportamental, fato este que representa um paradoxo, pois as interações verbais dentro do setting tera­pêutico constituem os maiores recursos do terapeuta para propiciar modificações nos com portam entos dos clientes (Medeiros, 2003).

Para a Análise do Comportamento, relatar é um tipo de com portam ento ver­bal denominado tato, cuja peculiaridade é a relação de correspondência com o m undo externo. Em outras palavras, o tato seria evocado por um estímulo discri- minativo não-verbal e fortalecido por reforçadores providos por um a comunidade verbal (Braam e Sundberg, 1991).

No caso de eventos externos, o controle discriminativo seria estabelecido mais facilmente, pois tanto a comunidade verbal quanto o indivíduo teriam acesso ao estímulo em questão. No caso de eventos internos, a comunidade verbal estabele­ceria um repertório de tatos com base em eventos públicos correlacionados aos eventos privados, sinalizando que as discriminações que o indivíduo pode desen­volver a respeito de condições internas são menos precisas que as que pode desenvolver a respeito de condições externas (De Rose, 1997).

De acordo com Zettle e Hayes (1986), as descrições oferecidas em relação às próprias ações e condições sentidas raramente levam em consideração a funcio­nalidade do com portam ento por duas razões: a prim eira é que a comunidade verbal, na maior parte das vezes, tem pouco acesso ao com portam ento em ques­tão e suas variáveis controladoras; a segunda é que, se em algum m om ento os indivíduos fornecerem um a descrição acurada, esse com portam ento verbal tem grandes chances de ser punido, dem onstrando o forte controle que a audiência exerce sobre as descrições dos comportamentos.

Um prerrequisito para o desenvolvimento de tatos fidedignos, ou seja, sob um rígido controle discriminativo, é a habilidade de auto-observação, concebida como um a resposta encoberta que ocorre concom itantem ente ao comportamento, este podendo ser público ou privado, tendo como conseqüência a identificação do próprio com portam ento em relação aos estímulos produzidos e às circunstâncias em que ocorreu (De Rose, 1997).

Observa-se que muitos indivíduos que buscam atendim ento psicológico não desenvolveram a habilidade de auto-observação, pois no decorrer de suas vidas

Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante... ■ 33

tiveram suas respostas verbais extremamente punidas, tendo como conseqüências a supressão do relato verbal ou o desenvolvimento de um padrão impreciso de relato sobre as relações entre seus com portam entos e os eventos ambientais. Tal padrão impreciso de relato pode ser m antido por esquiva de um a punição ou por reforçamento positivo, quando o tato está sob controle do reforçamento generaliza­do proporcionado pelo ouvinte, que não leva em consideração a correspondência aos estímulos (Medeiros, 2003). Cabe ao terapeuta, então, assumir a função de audiência não punitiva, como forma de instalar e fortalecer um a nova freqüência de respostas verbais, de modo que o cliente discrimine que os relatos fidedignos não serão punidos (De Rose, 1997).

Ainda que, segundo Silva e Banaco (2000), alguns autores questionem a im ­portância de se falar sobre eventos encobertos em terapia (Guedes, 1993), algumas pesquisas apontam para um caminho contrário, tal como em Lê-Senéchal-Machado (2000) e Velasco e Cirino (2002). Para Velasco e Cirino (2002), a descrição e a análise dos eventos encobertos por cliente e terapeuta fornecem dicas sobre contingên­cias passadas, contingências em operação e até contingências atuantes durante as sessões terapêuticas. A descrição e a análise de eventos encobertos tam bém auxiliam, de acordo com Lê-Senéchal-Machado (2002), no desenvolvimento do autoconhecimento, que corresponde à emissão de comportam ento privado, auto- discriminativo, em relação a eventos privados e públicos e a identificação de contingências passadas e suas correlações com contingências atuais, permitindo ao indivíduo construir suas próprias regras e controlar seu comportamento. Para Skinner (1993), tanto as condições corporais, como o que é sentido ou introspecti- vamente observado, quanto os comportamentos públicos correlatos são resultados das contingências de reforçamento às quais o indivíduo foi exposto, cabendo ao terapeuta com portam ental investigar e alterar as variáveis ambientais responsá­veis pelo com portam ento e condições sentidas.

Silva e Banaco (2000) verificaram que os efeitos do reforçamento sobre o com ­portam ento verbal têm sido objetos de investigação de vários estudos (Wilson e Verplanck, 1956; Salzinger et a l, 1963; Leigland, 1996). Esses autores citaram o trabalho de Drash e Tudor (1991), que descreveram o que pode acontecer com um sujeito quando lhe é apresentado um estímulo discriminativo para produzir com ­portam ento verbal. Esse sujeito pode:

• Emitir a resposta esperada.• Emitir um a resposta errada.• Não emitir resposta.• Emitir alguma forma inadequada de com portam ento verbal.

Uma tarefa im portante do terapeuta seria fazer perguntas adequadas (estí­mulos discriminativos) para que o cliente descreva as relações funcionais entre seus comportam entos e os eventos ambientais (para que o cliente emita a respos­ta esperada e não um a resposta errada, ou mesmo outra forma de comportam ento verbal, como gritar, por exemplo).

De acordo com Silva e Banaco (2000), a análise dos episódios verbais entre terapeuta e cliente é de extrema importância ao se çonsiderar que um dos objetivos

34 ■ Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante...

da terapia é colocar os comportam entos verbais e não-verbais do cliente sob con­trole das contingências dispostas pelo terapeuta. Nesse mesmo sentido, Catania et al. (1982) argumentaram, com base em resultados de estudos experimentais, que a modelagem do comportam ento verbal é um procedimento efetivo, tendo como implicações práticas a possibilidade de se modificar o que um a pessoa faz modelando-se o que ela diz.

Dada a aparente escassez de estudos sobre efeitos do reforçamento sobre com­portam ento verbal em situação clínica, Silva e Banaco (2000) propuseram um a análise da interação entre terapeuta e cliente, tendo como objetivo investigar os efeitos do reforçamento na sessão terapêutica sobre: relatos de eventos privados, relatos de relações entre eventos privados e variáveis externas e relatos de rela­ções entre eventos am bientais e respostas abertas do cliente. Os resultados indicaram um aum ento na freqüência dos com portam entos do cliente de relatar de acordo com os critérios previamente definidos, dem onstrando que o compor­tam ento verbal, em situação clínica, é sensível ao reforçamento.

Conforme anteriorm ente destacado, é por meio das trocas verbais estabe­lecidas no setting terapêutico que os ganhos terapêuticos podem ser alcançados. Entretanto, quando se observam déficits acentuados no repertório verbal do cliente que dificultem o andamento da terapia, essas dificuldades passariam então a cons­tituir um dos focos iniciais de investigação e intervenção, independentem ente de outras queixas trazidas pelo cliente.

Considerando-se que muitas vezes os déficits de repertório verbal de um cliente apresentam -se tão fortemente instalados e generalizados, faz-se necessária a uti­lização de outros recursos, além de questionam entos verbais, para a instalação ou m anutenção de novas respostas verbais, a fim de que o cliente possa se beneficiar de um processo terapêutico (Guilhardi e Queiroz, 1997).

Este trabalho tem por objetivo descrever os procedimentos utilizados por dois terapeutas comportam entais em formação para o atendim ento de um a cliente com diagnóstico médico de depressão e com déficits no repertório verbal, em es­pecial na habilidade de relatar fatos cotidianos e as experiências advindas de suas relações interpessoais.

Relato de Caso ParticipantesCliente do sexo feminino, 56 anos de idade, casada, com diagnóstico médico de depressão. Quando iniciou os atendim entos não havia concluído o ensino funda­mental e ajudava o marido nas tarefas de seu trabalho.

Caracterização da IntervençãoA participante foi selecionada a partir da lista de espera de um a Clínica-escola em razão do diagnóstico médico de depressão. Realizaram-se 14 sessões de atendi­

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mentos de um a hora de duração durante cinco meses. Todas as sessões foram gravadas, posteriorm ente transcritas e discutidas com a supervisora de estágio em reuniões semanais. As sessões foram conduzidas por dois terapeutas.

Queixas Apresentadas pela ClienteA cliente apresentou como queixas as crises freqüentes “de nervoso” (sic) e choro, dores no peito, “coração acelerado” (sic). No início dos atendimentos, a cliente estava há cinco anos sob tratam ento medicamentoso. Outra queixa apresentada referia-se à dificuldade de relacionamento com o marido, com constantes discus­sões, principalmente quando ele ingeria bebidas alcoólicas, bem como constantes ameaças de separação. Estavam casados sem legalização há 14 anos, praticamente desde a m orte de sua mãe.

Análise Funcional das Queixas Apresentadas pela ClienteA avaliação diagnostica realizada nas sessões iniciais possibilitou a identificação de algumas dificuldades apresentadas pela cliente no que se refere ao padrão de relato verbal e de interação social, assim como algumas hipóteses explicativas, como a seguir:

Possivelmente, em sua história de vida, a cliente não teve contato com um a audiência que modelasse um repertório adequado de falar sobre si e de descrever suas ações, pois no decorrer das sessões iniciais observou-se que as respostas da cliente m ediante algumas perguntas do terapeuta não correspondiam ao conteú­do abordado por eles. Nessas situações, a cliente relatava experiências de outras pessoas ou fatos que havia presenciado e que não tinham relação alguma com sua vida, parecendo evitar falar de suas dificuldades. Como, por exemplo:

Terapeuta: O que a senhora fa z quando não está se sentindo bem e ainda tem muito serviço para fazer, para terminar?Cliente: Faço sim, porque o construtor tava lá, construindo um banheiro grande pro salão. A í o rapaz chegou, aí o homem falou assim “tinha que desentupir esses cano aqui que vai entupir, essas pedras”, e chegou na frente de tudo m undo que ia ter reunião, e falou assim “o seu F., o fulano mandou o senhor tirar tudo essas pedra, desentupir aí, porque capaz de entupir”. Aí passou uns três meses ele falou umas bobeiras pra moça do escritório, aí mandaram ele embora. Ele era de fora e era separado da mulher, aí num deu certo mandaram ele embora isic).

Ainda em relação aos relatos da cliente nas sessões iniciais, observaram-se algumas possíveis distorções de alguns fatos, a repetição excessiva de alguns acon­tecimentos e o relato de alguns fatos cujo desfecho ela omitia, como, por exemplo:

Terapeuta: E se a gente imaginasse então Dona P.,* vamos supor que seu marido peça a conta e vá embora. A senhora continuaria trabalhando?

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Cliente: É assim. Hoje eu fu i comprar as coisas da cortina... Fui comprar o cano do banheiro pra pôr no box assim, pra por a cortina, invés de comprar l,18m comprei l,80m! E agora vai ter que cortar o ferro pra pôr na pia da cozinha aquele lá e pro banheiro eu busquei outro hoje, porque ele aumenta sabe? A í no outro domingo dia 17 diz que vão fazer bagunça pra m im lá! É o meu aniversário! [A cliente então volta a falar dos detalhes das compras que fez para a construção].

Também se identificou um repertório quase que inexistente de relatos sobre eventos privados (pensam entos e sentimentos), sinalizando que a com unidade verbal não dispôs de contingências efetivas para o desenvolvimento desses re­pertórios, dificuldade verificada m esm o após as in tervenções feitas pelos terapeutas, tais como:

Terapeuta: E o que a senhora sente quando ele [marido] a manda embora? Cliente: Manda eu ir, acho que está atrás de mulher, mas esse gostinho eu não vou dar pra ele, eu já falei. É só começar a beber que já começa a resmungar “vai pra casa da sua irmã ou vai pra debaixo da ponte”. Eu já falei que debaixo da ponte eu não vou, porque eu já saí uma vez agora com a m inha casa ficando pronta eu não vou sair não.

Ao se investigar a história de vida da cliente, identificou-se que os sintom as diagnosticados como depressão tiveram início quando ela começou a ficar mais tem po sozinha, após o casam ento da irm ã e o falecimento da mãe, as únicas pessoas com as quais tinha m aior interação. Após seu casamento, os sintom as tam bém continuaram a acontecer no período da noite, quando não havia a pre­sença de outras pessoas em seu local de trabalho. Levantou-se essa hipótese a partir de falas como:

Cliente: A depressão começou a pegar depois da morte da m inha mãe e do casamento da m inha irmã. Porque chegava de noite, via m inha mãe, via m inha irmã, depois olhava no quarto num via m inha mãe nem m inha irmã. M inha irmã tinha casado fa zia um mês. Eu fique i doente e tava dando convulsão, toda semana tinha que ir duas vezes por semana, tava com pressão m uito alta... A í o médico do coração fa lou que não achava nada nele em mim.

Constatou-se que a relação entre a cliente e seu marido era bastante aversiva para ambos, pois as brigas eram freqüentes e ambos apresentam um mesmo pa­drão agressivo de interação. Dentre as questões dos terapeutas que possibilitaram a elaboração dessa hipótese, pode-se citar:

Cliente: Chegou [marido] em casa vermelho que nem uma pimenta. Falei “quê que aconteceu”. [O m arido respondeu] “A pressão tá m uito a lta”. Falei “isso é procê aprender! Porque eu venho fa lando pra você todo dia, cê qualquer dia cê vai se estrepar, vai morrer sozinho”.

Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante... ■ 37

Terapeuta: Qual fo i a reação do seu marido?Cliente: “Você vai pra debaixo do viaduto, pode ir embora!” A í ele falou: “eu não preciso ir pra debaixo do viaduto, tenho o carro, durmo dentroFalei: disso eu num preciso, eu tenho bastante irmão, num fico na rua. Agora minhas irmã num me deixa na rua não, falei pra ele. Então tá saindo o inventário já, o dinheiro, sabe? Quero ver o quê que ele vai aprontar.

Observou-se tam bém que a cliente com freqüência punia os com portam en­tos do marido, mesmo quando pareciam adequados. Em razão da história de relacionamento agressivo do casal, possivelmente a presença do marido adquiriu a função de estímulo pré-aversivo para a cliente. Por exemplo:

Terapeuta: A senhora quer dizer que ele sentou do seu lado?Cliente: Ele veio agradando [pareceu um carinho físico]. [A cliente disse:] “Você está vindo agradar agora, por quê? Se eu to lá embaixo, tá atrás, se eu vou lá pra cima, o que cê veio fazer atrás? Você não vai ligar no bombeiro?Eu vou ligar. Você não precisa ficar atrás de m im!”.

Em algum as situações, a cliente apresen tava alguns com portam en tos afetivos em relação ao m arido, como, por exemplo: quando com prava (no m er­cado) o que ele pedia, como frutas e doces; ou quando tam bém fazia favores, como cortar suas unhas. Em algumas situações, o m arido elogiava esses com por­tam entos da cliente, mas o relato desta sugere que ela não valorizava esses com portam entos do marido.

Cliente: Ele falou que o mamão estava docinho. É quer ser tratado na vida boa, é? Dinheiro pra comprar doce é difícil, mas pras pinga não!

Verificou-se tam bém que a cliente decidiu casar-se com F. para fugir da condi­ção aversiva de estar sozinha, um a vez que sua mãe havia falecido e sua irmã tinha saído de casa após o casamento. Segue um a das falas que possibilitaram a elabo­ração dessa hipótese:

Cliente: Um amigo que arrumou ele pra vir morar comigo, um rapaz do buffet, que eu trabalhei com ele. Conversou com meu marido, conversou duas ou três vezes e aí levou ele lá em casa e conversou com ele. Falou “agora vocês dois se entende a í”, fom o morar junto.

Procedimentos de Intervenção e ResultadosAs Tabelas 3.1 a 3.3 ilustram as dificuldades comportam entais identificadas e as estratégias e intervenções realizadas no decorrer das sessões.

Podemos verificar a partir da Tabela 3.1 que os relatos sobre problemas de saúde foram apresentados nas primeiras sessões (até a terceira), assim como um a melhora nos sintomas a partir da nona sessão.

38 ■ Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante..

Tabela 3.1 - Dificuldades comportamentais, problemas de saúde da cliente e sessões em que os relatos de dificuldades e m udanças foram apresentados

Dificuldades comportamentais/ problemas de saúde

Sessões em que a dificuldade foi apresentada (S)

Sessões em que os relatos indicaram mudanças (S)

Crises de choro SI, S2, S3, S4 S8, S9Dores no peito SI S9Problemas de saúde (pressão alta) SI, S2, S3 S13, S14Baixo repertório para falar de si S2, S3, S4, S5, S7, S12, S13, S14Baixo repertório para falar sobre S2, S3, S4, S7sentimentos

Relato incoerente S2, S3, S4, S8, S9, S10 S13, S14Não ficar sob controle das Sl, S2, S4, S5, S6 S7, S8, S9, S10, S ll, S13, S14perguntas dos terapeutas

Queixas sobre o comportamento SI, S2, S3, S4, S5de beber do marido

Interação agressiva com S4, S6, S8, S9, S lldiferentes pessoas

Interação agressiva com o marido SI, S2, S3, S6, S7, S8, S9, S10, S13, S14,

Não identificação das conseqüências SI, S2, S3 S5, S6, S7, S8, S10, S ll, S13,dos seus comportamentos S14

Interação adequada com o marido S6, S7, S8, S9, S10, S13

Relatos que representavam repertório deficitário de “falar sobre si”, mesmo após questionam entos dos terapeutas a esse respeito, ocorreram entre a segunda e a nona sessão. Já as mudanças em relação a essas dificuldades foram verificadas por meio de relatos da cliente a partir da décima segunda sessão.

Relatos incoerentes, representados por repetição dos mesmos fatos ou não finalização de um assunto, foram observados da segunda até a nona sessão, mas não se apresentaram a partir da décima terceira sessão.

A descrição de acontecim entos não relacionados às questões apresentadas pelos terapeutas foi freqüente até a sexta sessão e não mais se observou a partir da sétima sessão.

Relatos de padrões agressivos de interação em relação ao marido e demais pessoas com quem m antém contato foram apresentados em todas as sessões, com exceção da quinta.

Relatos que sugeriam a dificuldade da cliente de identificar as conseqüências de seus comportamentos ocorreram da primeira à terceira sessão. Os relatos que sugeriam a superação dessa dificuldade ocorreram da quinta à décima quarta sessão.

Relatos correspondentes a uma interação adequada com o marido passaram o ocorrer a partir da sexta sessão. Por fim, relatos de queixas sobre o comportamento de beber do marido deixaram de ser apresentados a partir da sexta sessão e relatos que representavam déficits em falar de sentimentos não ocorreram após a sétima sessão.

A partir da Tabela 3.2, observam-se algumas classes de respostas apresentadas pela cliente que podem corresponder ao desenvolvimento das habilidades de auto-

Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante... ■ 39

Tabela 3.2 - Classes de respostas envolvidas nas habilidades de auto-observação e autoconhecim ento e as sessões em que foram identificadas

Sessões(S) Habilidade de auto-observação

S6, S9 Descreveu interações adequadas com o maridoS7 Identificou que o comportamento de chorar é mais freqüente quando passa

muitas horas sozinhaS8 Identificou que ela e o marido são simpáticos e reforçadores nas interações

com outras pessoas, mas não entre siS9 Descreveu diferentes reações do marido quando ela “faz pedidos" e

quando “dá ordens”S10 Descreveu duas situações em que o marido foi agressivo (verbalmente),

mas se controlou respondendo adequadamente, evitando uma nova brigaSI 1, S12 Identificou que apresenta um padrão agressivo de interação com diferentes

pessoas e não só com o marido. Identificou diferentes reações das pessoas quando é agressiva ou assertiva

S13 Descreveu as conseqüências de quando foi agressiva e quando foi assertiva em duas interações com o marido. Descreveu exemplos de quando apresenta comportamentos agressivos e quando conversa com as pessoas de forma mais calma

Sessão (S) Autoconhecimento

S9 Descreveu a contingência de que acaba sendo agressiva quando o marido bebe, o que aumenta sua irritação, pois ele não faz suas tarefas profissionais etambém a agride verbalmente

observação e autoconhecimento. A cliente apresentou relatos que corresponderam às descrições de seus com portam entos no decorrer da sexta, sétima e décima- primeira sessões. Relatos em que a cliente descreveu seus comportam entos ou de outras pessoas e as situações em que ocorreram foram apresentados na sétima, décima, décima-primeira e décima-terceira sessões. A apresentação de relatos com descrições de conseqüências para diferentes comportamentos e situações associadas foi observada na nona, décima, décima-primeira, décima-segunda e décima-ter- ceira sessões. Na nona sessão, a cliente apresentou relato em que descreveu um a das contingências possíveis, responsável pelas brigas entre ela e o marido.

A Tabela 3.3 apresenta os objetivos e as estratégias da intervenção. Um dos principais objetivos da intervenção consistiu na alteração de um relato incoerente e insensível às perguntas dos terapeutas para um relato que possibilitasse a iden­tificação das principais dificuldades comportam entais da cliente e as variáveis determinantes. Para que se alcançasse tal objetivo, os terapeutas utilizaram estra­tégias como fichas de comportam entos e Registro de Comportamentos, mediante procedimentos de modelagem e reforçamento diferencial.

Outro objetivo proposto foi a investigação de contingências presentes no relacionam ento conjugal que favorecessem ou não a ocorrência de brigas e interações positivas. A estratégia terapêutica escolhida foi a utilização de Registro de Comportamentos, que possibilitou a identificação das variáveis relacionadas

Tabela 3.3 - Objetivos das sessões, estratégias e intervenções realizadas

Sessões (S) Objetivos Estratégias/intervenções realizadas

40 ■ Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante...

SI a S3 Investigar uso demedicamentos, redução e aumento da freqüência de diferentes comportamentos e como é o relacionamento com o marido

Aumentar a freqüência de relatos coerentes, ficar sob controle das questões dos terapeutas e falar sobre si

S4 a S7 Aumentar a freqüência de relatos coerentes, ficar sob controle das questões dos terapeutas e falar sobre si

Identificar possíveis variáveis responsáveis pelas brigas entre a cliente e seu marido, reforçadores presentes no casamento e atividades que produzem conseqüências reforçadoras

S8 a S13 Aumentar a freqüência de relatos sob controle das perguntas dos terapeutas, aumentar a freqüência de descrições de comportamentos

Intervenção: os terapeutas fizeram questionamentos no sentido de obter descrições das queixas

Intervenção: procedimento de modelagem com base no reforçamento diferencial para relato coerente. As verbalizações consideradas como relatos coerentes ou que ocorriam mediante as questões dos terapeutas eram seguidas de reforçadores sociais como comentários positivos, paráfrase e comportamentos não- verbais que indicavam atenção e aprovação

Estratégia: utilização de fichas com a descrição dos comportamentos apresentados pela cliente em situações do cotidiano

Intervenção: procedimento de modelagem com base em reforçamento diferencial para comportamentos de falar sobre si e ficar sob controle das perguntas dos terapeutas. A cliente deveria, antes de começar a responder, escolher fichas com a descrição de diferentes comportamentos, tais como: fiquei brava, respondi, não falei nada, argumentei, fiquei feliz, saí da situação, entre outros, ou escrever na cartolina algum comportamento que não estava especificado. As verbalizações que ocorriam mediante as questões dos terapeutas eram seguidas de comentários positivos, paráfrase e comportamentos não-verbais que indicavam atenção e aprovação por parte dos terapeutas

Estratégia: Registro de Comportamentos, como tarefa de casa

Intervenção: a cliente levou para casa uma folha impressa de Registro de Comportamentos, em que teria de descrever o que estava fazendo (comportamentos), sentimentos e pensamentos agradáveis e desagradáveis, o que estava acontecendo (situação) e o que aconteceu após seus comportamentos (conseqüências)

Estratégia: Registro de Comportamentos Intervenção: idem à anterior, mas ocorreu na

própria sessão e não como tarefa de casa

Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante... ■ 41

Tabela 3.3 - Objetivos das sessões, estratégias e intervenções realizadas Ccontinuação)

Sessões (S) Objetivos Estratégias/Intervenções realizadas

S14

Favorecer o desenvolvimento de comportamento discriminativo a respeito das relações entre seus comportamentos e os do seu marido

Avaliar os resultados obtidos na terapia

Estratégia: utilização de cartolina para registro de comportamentos da cliente

Intervenção: treino discriminativo. Enquanto a cliente respondia às perguntas ou iniciava novo assunto, os terapeutas registravam os comportamentos da cliente, variáveis antecedentes e conseqüentes em colunas separadas em uma cartolina. Conforme surgiram dúvidas ou a cliente não se reportava aos seus comportamentos e variáveis antecedentes e conseqüentes, os terapeutas se referiam ao que estava escrito na cartolina ou faziam novas perguntas com o objetivo de fornecer estímulos discriminativos para os relatos de seus comportamentos, situações antecedentes e conseqüentes

Estratégia: utilização de quadro-negro para registro de comportamentos da cliente

Intervenção: descrição idêntica à estratégia anteriormente utilizada

Não foram utilizadas as estratégias de registro de comportamentos e variáveis antecedentes e conseqüentes no quadro negro ou cartolina, com o objetivo de avaliar possíveis alterações nos relatos

às brigas entre a cliente e seu marido e com outras pessoas de seu convívio. Para que a cliente estabelecesse a relação entre seus comportam entos e os com porta­mentos do marido, os terapeutas optaram pela estratégia de registro no quadro negro e em um a cartolina, à m edida que a cliente os relatava, seus com portam en­tos, situações antecedentes e conseqüentes em colunas separadas, para facilitar a análise funcional dos com portam entos da cliente.

DiscussãoDos com portam entos descritos por Ferster et al. (1978) como presentes no reper­tório de um a pessoa deprimida, os apresentados com mais freqüência pela cliente foram os relatos chamados de “irracionais e insólitos (...) um a pessoa deprimida pode falar excessivamente sem levar em conta o ouvinte (...), pode tornar-se incoe­rente” (p. 704). Uma das primeiras estratégias de intervenção, utilizadas, as fichas com a descrição dos comportam entos emitidos pela cliente, representaram um a tentativa inicial de colocar seu relato sob controle das perguntas e intervenções

42 ■ Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante...

feitas pelos terapeutas. Outras estratégias igualmente im portantes foram os usos do Registro de Comportamentos, de cartolinas e do quadro negro, que tiveram como objetivos possibilitar que o relato da cliente ficasse sob controle das per­guntas dos terapeutas e tam bém a modelagem dos comportam entos de falar sobre si, tanto de com portam entos públicos como privados. Tal como sugerido na lite­ratura (Guilardi e Queiroz, 1997), a utilização de diferentes estratégias que não sejam somente questionamentos verbais pode ser efetiva para que os clientes apri­morem o repertório de relatar que possibilite a identificação de suas dificuldades e a formulação dos objetivos terapêuticos.

Verifica-se tam bém que as intervenções e estratégias utilizadas mostraram-se funcionais na medida em que o relato verbal da cliente tornou-se sensível às con­tingências dispostas pelos terapeutas, como sugerem Silva e Banaco (2000), o que se observa por meio do aum ento de relatos de falar sobre si e da diminuição da freqüência de relatos distorcidos ou repetitivos.

Concomitantemente à instalação de um a forma de relatar mais funcional, to­das as estratégias e intervenções realizadas tiveram como objetivo o desenvolvi­mento das habilidades de auto-observação e autoconhecimento. Ao se observar a Tabela 3.2, verifica-se que a cliente apresentou algumas classes de respostas que correspondem à habilidade de auto-observação, tal como definido por De Rose (1997), na medida em que passou a identificar comportamentos, estímulos produ­zidos e situações associadas, assim como, ao descrever uma das contingências atuan­tes em sua vida, apresentou um dos primeiros passos para o desenvolvimento do autoconhecimento, habilidade que possibilita identificação e manipulação de variá­veis determinantes dos seus comportamentos (Lê-Senéchal-Machado, 2002).

Também é possível verificar um a diminuição na freqüência de alguns com ­portamentos caracterizados como sintomas de um quadro depressivo, como: crises de choro, dores no peito e queixas em relação a problemas de pressão alta e falta de ar. Entretanto, não foi possível identificar com total clareza quais variáveis controla­ram a diminuição dos sintomas, sendo possível formular a hipótese de que o contato com um a audiência reforçadora (os terapeutas) pode ter controlado o com­portam ento da cliente no ambiente natural.

Com o crescente controle adquirido pelos terapeutas em relação ao relato da cliente, outras questões terapêuticas puderam ser mais bem investigadas, como é o caso da hipótese de que as constantes discussões com o marido, entendidas como contingências aversivas contingentes e não contingentes, poderiam contribuir tanto para o desenvolvimento do que é sentido como depressão quanto para problemas de saúde, tal como descrito por Skinner (1993). As interações aversivas entre a cliente e o marido tambéiji foram alvos da maior parte das intervenções, que apesar de terem diminuído de(freqüência, ocorreram até a décima quarta sessão, como se pode observar na Tabela 3.1, contribuindo para a identificação de que o padrão agressivo de interação é generalizado para pessoas próximas, conhecidos ou desconhecidos.

Apesar dos resultados favoráveis que justificaram os procedimentos adotados, algumas ressalvas devem ser apontadas para a intervenção realizada com essa cliente, como a não programação de estratégias para que os mesmos padrões de falar sobre si e ficar sob controle da audiência, adquiridos nas sessões, fossem generalizados para o ambiente natural.

Ensinando uma Cliente com Diagnóstico de Depressão a Falar de S i durante... ■ 43

Considerações FinaisConsiderando que a intervenção contou com um núm ero reduzido de sessões,acredita-se que estas foram, de m aneira geral, bem-sucedidas, em razão da ne­cessidade de se eleger os déficits de falar sobre si e de um relato coerente como um dos procedimentos básicos para a condução do processo terapêutico.

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CAPÍTULO

Análise do Comportamento,

Tecnologia do Comportamento e

Manejo de Problemas Cotidianos:

Estudo de Caso

G io v a n a B o v o F a c c h i n i

A n a C l a u d ia M o r e ir a A l m e id a -V e r d u

A pessoa portadora de necessidades especiais é descrita, segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (Resolução nQ 2, de 11 de setembro de 2001), como aquela que apresenta dificuldades acentuadas na aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento relaciona­das a causas orgânicas ou sociais, bem como dificuldades acentuadas na com unicação. Define-se tam bém como aquela que dem anda utilização de códigos aplicáveis, difi­culdades no deslocamento, incluindo indivíduos portado­res de altas habilidades. Essas diferenças físicas, sensoriais e intelectuais caracterizam-se por serem de caráter perm a­nente, acarretando para essas pessoas dificuldades de in­teração com seus meios físico e social. Dessa forma, pode-se afirmar que tal interação e sua facilitação devem constituir

46 ■ Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo...

os principais objetivos da Educação Especial ou, em outras palavras, esta deve buscar tornar as pessoas portadoras de deficiência mais independentes e produ­tivas, propiciando-lhes maior participação na comunidade em que vivem e m e­lhor aceitação por parte desta (Almeida, 1995; LeBlanc, 1992).

Com um a dimensão educativa, o terapeuta pode atuar na avaliação diagnostica e no planejam ento de intervenção de condições descritas como necessidades educacionais especiais, im plem entando um processo abrangente e estruturado de ensino-aprendizagem, que deve buscar oferecer igualdade na oportunidade de acesso ao meio social. Para isso, a real inserção de pessoas com necessidades especiais, em qualquer dimensão da sociedade, deve envolver por parte desse pro­fissional a análise das condições oferecidas pela rede de suporte desse indivíduo, com a finalidade de tom ar decisões pertinentes na intervenção, bem como na orientação e no atendim ento de pais, familiares e outros participantes significa­tivos da vida do sujeito (Windholz e Meyer, 2000).

Partindo dessa premissa, a avaliação funcional pode ser adotada como um a das principais ferram entas de trabalho do analista do com portam ento. Uma de suas tarefas é a busca de seqüências regulares entre eventos, ou seja, relações ordenadas entre condições am bientais antecedentes, ações do organismo e con­dições am bientais conseqüentes (Skinner, 1974). Em outras palavras, o objetivo de tal tarefa é, por meio de observações sistemáticas, descrever e explicar com ­portam entos que operam sobre o meio, modificando-o e, conseqüentem ente, sendo modificados pela ação desse ambiente (Silvares, 2002; Vandenberghe, 2002; Meyer, 1997). Nas palavras de Silvares (2002):

Dentre os vários pressupostos subjacentes à abordagem, pode-se dizer que a determinação do comportamento pelo ambiente é o pressuposto essen­cial a se considerar, seja esse comportamento do cliente pessoa ou do cliente instituição. As causas dos problemas/dificuldades apresentados pelo clien­te devem ser buscadas no ambiente, (p. 20)

A avaliação funcional, na m edida do possível, deve com preender dois pro­cessos com plem entares ou dois níveis de análise: a m icroanálise ou análise microscópica, em que seriam analisados os estímulos antecedentes, as respos­tas e seus conseqüentes, estando a busca pelos determ inantes focalizada no com portam ento atual do cliente; e a m acroanálise ou análise m acroscópica, na qual se realizaria um levantam ento geral das diversas problem áticas e da his­tória das aprendizagens do cliente, verificando-se, dessa m aneira, a relação funcional entre as diversas áreas de seu funcionam ento (Meyer, 1997; Silvares e Gongora, 1998; Silvares, 2002).

A avaliação diagnostica comportam ental possui um a estreita relação com a intervenção realizada, de modo que ambas caminham lado a lado, em um a rela­ção de interdependência. Assim, a avaliação é algo que ocorre antes (identificação dos comportamentos problemáticos e das condições mantenedoras), durante (au­xílio na definição das melhores estratégias de tratam ento) e após (auxílio na avaliação da eficácia do tratam ento e, se necessário, de sua revisão) a intervenção realizada. Por conseguinte, a postura aqui adotada é a de que somente com um a

Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo... ■ 47

análise funcional bem elaborada - considerando os níveis de análise macro e micro - é possível elaborar um a intervenção bem-sucedida, com ganhos generalizados e duradouros (Silvares, 2002; Silvares e Gongora, 1998).

Ainda de acordo com essas autoras, a ação conjugada entre o psicoterapeuta, no caso, e a rede de apoio do cliente é de fundam ental im portância para o al­cance de resultados positivos, e os agentes sociais devem, na m edida do possível, com partilhar com o psicólogo a com preensão dos determ inantes do problem a para, juntos, alcançarem a m elhor solução. Contudo, esse trabalho depende de um a parceria entre terapeuta e cliente e da qualidade de tal relação. Essa quali­dade pode ser conseguida discutindo-se os aspectos envolvidos na problem ática do sujeito de forma clara e acessível com seus cuidadores, respeitando sua lin­guagem, suas lim itações de com preensão e as expectativas que possuem em relação à criança e a si próprios.

No que concerne especificamente às relações familiares, aspecto de grande importância e influência na vida dos portadores de deficiência, observa-se que freqüentem ente a vida de um a pessoa excepcional gira em torno de suas incapa- cidades e não de suas aptidões e habilidades, o que norm alm ente ocorre como conseqüência do enfoque dado pela família à questão. Por essa razão, a família de um a pessoa portadora de deficiência necessita de atendim ento e orientação tan ­to quanto o indivíduo excepcional, já que, além da necessidade de organização e ajustamento, essa família precisa funcionar como “um elemento de apoio e ajuda ao processo de educação e reabilitação do indivíduo que dela necessita” (Amiralian, 1986, p. 52). Segundo Enumo (1997):

[...] seja a atuação junto à fam ília do deficiente mental feita em termos de psicoterapia individual para qualquer um de seus membros, discussão em grupos, aconselhamento parental, orientação comportamental ou treina­mento de pais, ou mesmo de aconselhamento genético, o importante é que estas pessoas sejam ouvidas e auxiliadas em suas tarefas de serem pais, mães, irmãos de uma pessoa considerada excepcional, atendidas em suas necessi­dades específicas, adequando-se as técnicas às peculiaridades de cada caso e situação, (p. 201)

Outro aspecto de fundam ental importância a ser ressaltado refere-se à neces­sária correspondência entre o comportamento verbal (dizer) e o comportamento não-verbal (fazer) do cliente para o alcance de sucesso terapêutico. Nesse sentido, ao contrário do que norm alm ente se pensa, o papel do profissional psicólogo não deve ser o de m eramente aum entar a freqüência do com portam ento verbal de seu cliente, mas sim o de criar contingências de reforçamento que perm itam ins­talar e m anter essa correspondência entre fazer-dizer e dizer-fazer. Como a verbalização do cliente, ocorrida no setting terapêutico, pode estar sob controle de variáveis estranhas àquelas vigentes em seu ambiente externo - um a vez que com portam ento verbal e com portam ento não-verbal referem-se a classes distin­tas de respostas - cabe ao terapeuta não ficar sob controle apenas da variável verbal, buscando sempre atentar para a função (efeito) do com portam ento emitido e não meramente para sua topografia (forma ou aspecto visual), pois a verbalização cons-

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titui elemento necessário, porém não suficiente às m udanças almejadas pelo su­jeito que busca ajuda profissional (Beckert, 2001).

Para o estabelecimento dessa correspondência entre comportamentos verbal e não-verbal, o terapeuta deve focalizar dois importantes repertórios de seu cliente: o autoconhecimento (modelação de tatosfidedignos sobre seu repertório), que leva­rá à correspondência fazer-dizer, e o autocontrole (mudanças comportamentais), que estabelecerá relação com o dizer-fazer. Com isso, o cliente passa a observar, descrever, conhecer e controlar as variáveis que determinam as diferentes formas de se comportar, o que lhe possibilitará mais facilmente a elaboração de auto-regras que podem ser generalizadas para outros ambientes e interações, aumentando seu repertório de respostas adequadas. Além disso, para que a correspondência entre comportam ento verbal e não-verbal seja mais provável, o terapeuta deve m anter o comportamento verbal de seu cliente por reforçamento natural - funcionando como audiência não punitiva - e não por reforçamento arbitrário, um a vez que este último dificilmente ocorre fora do ambiente do consultório, estreitamente controlado pelo profissional. Nas palavras de Beckert (2001):

Agindo dessa form a [como audiência não punitiva], estará favorecendo que a fala do cliente funcione como tato fidedigno, correspondente ao evento não-verbal anterior, na seqüência fazer-dizer, ou posterior, na seqüência dizer-fazer. (p. 222)

Será relatado, a seguir, um estudo de caso de um portador de paralisia cere­bral. Pessoas que vivem sob essa condição apresentam sérios comprom etim entos com relação a seu deslocamento e comportam ento motor, o que pode acarretar dependência total na realização de atividades de vida diária (AVD) e vida prática, além de limitar a exposição de toda a família a episódios de interações sociais. Além disso, não é raro encontrar famílias que, com o objetivo de cuidar e proteger, aca­bam por assumir atitudes de m anutenção dessa dependência extrema.

No entanto, por ser incomensurável a quantidade de relações envolvidas em um dado padrão de com portam entos e por ser impossível o acesso a tudo o que determina um comportamento, é preciso que o profissional tenha a habilidade de “recortar”, dentro do contínuo interativo, relações a serem incluídas na análise, em termos de sua relevância pragmática (Vandenberghe, 2002). Nessa direção, a avaliação funcional como ferram enta de trabalho do psicoterapeuta tem um papel muito maior do que o de m eram ente identificar unidades de análise signifi­cativas que possibilitem a modificação de contingências e, conseqüentem ente, dos comportam entos considerados problemáticos. A avaliação funcional é tam ­bém um instrumento valioso, capaz de proporcionar ao cliente condições de operar sobre sua vida cotidiana, quando está distante da ajuda profissional. Assim, Torós (1997) enfatiza:

O objetivo consiste, principalm ente, em m odificar m uitas classes de comportamentos em muitas situações, deform a que se auto-m antenham e que desencadeiem uma nova form a de se relacionar com o mundo. Trata- se, em suma, de m udar o curso da vida do sujeito, (p. 102)

Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo... ■ 49

Considerando tais aspectos, o presente estudo pretende verificar o aumento da freqüência do com portam ento descrito como autonom ia em um jovem com paralisia cerebral a partir da análise de contingências de seu cotidiano.

C.E. é um rapaz de 22 anos de idade que reside com a mãe e a avó. Possui diagnós­tico médico de paralisia cerebral, é alfabetizado e freqüenta um curso supletivo em sua cidade de origem, em turm a de quinta série do ensino fundamental. Apre­senta desempenho verbal desenvolvido, com função comunicativa, deslocando-se com relativa independência (as dificuldades de movimento localizam-se no lado esquerdo, caracterizando-se como hemiplegia).

C.E. recebeu o diagnóstico de paralisia cerebral quando tinha três anos de idade. O cliente possui dificuldades moderadas de locomoção e movimentação, tendo começado a andar aos sete anos de idade, após realizar três cirurgias e receber intervenções que visavam melhorar sua capacidade locomotora e que ocorrem até hoje, como fisioterapia e terapia ocupacional. Seu pai (com quem m antinha um vínculo muito forte) faleceu quando o menino tinha nove anos de idade, mas C.E. não faz comentários sobre o assunto. Também recebe atendim ento psicoló­gico especializado, desde 1994, e o foco tem abrangido não apenas aspectos individuais, mas tam bém sua rede de apoio.

Antes de receber o diagnóstico de paralisia cerebral, aos três anos de idade, o cliente consultava-se com um pediatra, que não identificou o problema, e com um neurologista, que lhe recom endou tratam ento fisioterápico, o qual se pro­longa até os dias atuais. Como o cliente começou a andar som ente aos sete anos de idade, após três intervenções cirúrgicas, antes disso ficava apenas em casa, sob os cuidados da mãe e da avóy não freqüentando qualquer outro ambiente, como escola ou parques, e dependendo integralm ente da família para a realiza­ção das AVD e de vida prática.

Relato de Caso

Breve Histórico do Cliente

Aspectos do Desenvolvimento

História EscolarEm razão da incapacidade de locomover-se, C.E. não freqüentou a escola até os sete anos de idade. Após ganhar locomoção, começou a freqüentar a Associação

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de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE), quando então um a psicóloga, após avaliar seu desem penho, o encam inhou para um a classe especial. Em seguida, passou para o ensino supletivo, o qual freqüenta até os dias atuais, apresentan­do desem penho que não acarreta queixas por parte da família ou da escola.

História FamiliarA relação familiar estabelecida é bastante restrita, pautando-se na freqüência ao atendim ento de todas as necessidades do cliente, em razão de sua dificuldade de deslocamento e realização de atividades motoras. Reside com a mãe e com a avó, ambas pensionistas, cuja dedicação é exclusiva a atividades domésticas, terapias freqüentadas pelo cliente e compromissos religiosos.

Queixas PrincipaisEm relação a C.E., pode-se elencar principalmente o desejo de conquistar maior independência e autonomia, bem como continuar os estudos e ter um a profissão. Já para a mãe, as principais queixas em relação ao filho são a rigidez com por­tamental, os comportamentos agressivos cada vez mais freqüentes e a necessidade de maior independência em autocuidados.

Avaliação PsicológicaA avaliação do caso foi realizada ao longo do processo psicoterapêutico por meio de entrevistas semi-estruturadas com a mãe e o cliente. As questões levantadas durante as entrevistas buscavam identificar relações funcionais entre as ações dos m em bros da família e os com portam entos da queixa. Partiu-se da análise das contingências proximais envolvidas diretamente com as ações do cliente e se con­sideraram tam bém as contingências relacionadas à m anutenção de práticas de dependência abrangendo as relações familiares. Apresentaram-se perguntas que levavam à descrição de contingências em vigor, como “qual é a queixa?” “quem apresenta a queixa?”, “quando ela ocorre?”, “a queixa afeta a quem?” “o que a pessoa afetada pela queixa faz nessa situação?”, “existe alguma situação em que o com ­portam ento de queixa não ocorre?”, “qual é essa situação?”, entre outras. Também se realizou observação direta dos comportam entos do cliente, tanto em ambiente estruturado (clínica-escola), quanto em situação natural (visitas domiciliares).

Hipóteses FuncionaisApesar de a paralisia cerebral impor algumas limitações à vida do cliente, as ses­sões de avaliação com ele e sua mãe, bem como as visitas domiciliares realizadas, demonstraram que os comportam entos indesejáveis de C.E. eram m antidos pela

Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo... ■ 51

relação estabelecida com o ambiente, ou seja, com as conseqüências produzidas por esses comportam entos, a saber, oportunidades e restrições oferecidas pelos ambientes que o cliente freqüentava. Para um a compreensão mais clara, as análises micro e macroscópicas são, a seguir, explicitadas.

Análise do Comportamento do Cliente (Avaliação Microscópica)Dependência em AutocuidadosO cliente não realizava com autonom ia tarefas relacionadas a autocuidados, ape­sar de possuir aparatos físico e intelectual para tanto, sendo essa um a das queixas trazidas pela mãe e pelo próprio C.E., que diz não fazer certas atividades por ter quem faça por ele (mãe e avó). No entanto, quando alguma de suas necessidades não é atendida pelas cuidadoras, o cliente emite comportamentos agressivos e/ou inadequados (como gritos e xingamentos), tendo, como conseqüência, o atendi­mento da necessidade por parte das cuidadoras. Com isso, há m anutenção do com portam ento de queixa, ou seja, m antém -se a dependência e seleciona-se a agressividade como forma efetiva de se comportar. Esse padrão de comportamento estabelecido na dinâmica familiar decorre da grande inconsistência nas ações da mãe e da avó, tanto individualmente quanto entre ambas, gerando em C.E. com ­portam ento insistente e com grande resistência à extinção.

Emissão de Comportamentos AgressivosComo já m encionado anteriormente, tais comportam entos agressivos (fisicamen­te) ocorrem diante do não atendimento imediato de alguma necessidade do cliente. Com isso, mãe e/ou avó agem com base no esquem a de reforçamento negativo, isto é, o com portam ento agressivo de C.E., que funciona como um aversivo para as cuidadoras, é por elas eliminado por meio do atendim ento da necessidade do cliente, o que acaba por acarretar o aum ento da emissão de tais comportam entos indesejados. No entanto, cabe ressaltar que a emissão de comportam entos agres­sivos era aversiva tam bém para C.E. (levar broncas e apanhar da mãe/avó, vê-las tristes, assuntos estes levados para a terapeuta), um a vez que tais com portam en­tos eram m antidos pelo fato de proporcionarem atenção para o cliente, ainda que de forma negativa, sendo tal hipótese colocada para C.E. e por ele corroborada.

Análise das Relações Familiares (Avaliação Macroscópica)Atendimento às Necessidades e Exigências do ClienteConforme já referidovo atendim ento às necessidades e exigências do cliente por parte de suas cuidadoras acontece quando ele emite com portam entos inadequa­dos. Na m edida em que atendem às dem andas colocadas por C.E., mãe e avó eliminam os estímulos aversivos (agressão física, gritos, xingamentos), sendo, por­tanto, negativamente conseqüenciadas. Não obstante, tal atitude das cuidadoras acaba por selecionar a agressividade e m anter a dependência do cliente, ou seja, traz novos aversivos em um círculo vicioso difícil de ser eliminado. No entanto, pode-se salientar que a rigidez com portam ental de C.E. rejnonta a aspectos histó­

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ricos de seu desenvolvimento, quando, em virtude de sua impossibilidade de loco­moção até os sete anos de idade, mãe e avó atendiam a todas as suas necessidades. Dessa forma, a condição estabelecida era de extrema dependência e, mesmo após ter começado a andar, necessitou de supervisão constante das cuidadoras para que iniciasse de m aneira segura a aprendizagem de um a série de movimentos. Além disso, existe um a motivação envolvida no atendim ento dessas demandas que se refere ao fato de as únicas atividades das cuidadoras restringirem-se ao ambiente familiar, envolvendo cuidados com a casa e com a família, o que acaba por provocar na mãe e na avó a percepção de que, com o não atendim ento às necessidades de C.E., estão faltando com suas obrigações. Por fim, deve-se enfatizar que já existiram tentativas, por parte das cuidadoras, de proporcionar condições para que o cliente apresentasse com portam entos desejados; todavia, tais práticas educativas foram falhas, na m edida em que se baseavam em procedim entos aversivos (reforçamento negativo, punição), os quais acabavam funcionando como modelos de interação para C.E., dificultando ainda mais a situação.

Não-engajamento do Cliente em Comportamentos Alternativos aos AgressivosAqui vale ressaltar que a restrita rede de contatos da família sempre foi promotora de um a convivência mínima com outras audiências diferentes da doméstica, as quais pudessem suprimir ou redirecionar os com portam entos inadequados de C.E., fazendo com que sua emissão fosse percebida como adequada pelo efeito que produzia e comum por não ter outro parâm etro de comparação ou audiência questionadora. Além disso, as práticas educativas apresentadas pela família sem ­pre fizeram uso de punição física, funcionando como modelo de ação para C.E.

Avaliação dos ReforçadoresO principal reforçador para o cliente em questão é a atenção, seja positiva ou negativa. Dessa m aneira, o diálogo se constitu iu em im portante e eficiente técnica de trabalho psicoterapêutico junto ao cliente. Cabe enfatizar, em acrés­cimo, que C.E. é m uito sensível aos elogios a ele dispensados, de m odo que o aum ento da freqüência de com portam entos esperados se encontra visivelmente contingente ao fornecim ento de elogios por parte das cuidadoras, isto é, m an­tidos por reforçamento positivo.

Objetivos Psicoterapêuticos• Apresentar aumento de freqüência de comportamentos que indiquem auto­

nomia em autocuidados: o cliente deve passar a realizar, com m ínim o suporte ou total autonomia, atividades relacionadas a autocuidados, como tom ar banho, utilizar o banheiro e depois limpar-se, vestir-se e despir-se, calçar sapatos, preparar o próprio café-da-manhã, fazer o próprio prato de comida. Esses comportamentos devem ocorrer sob instrução das cuidadoras- anteriorm ente orientadas pela estagiária - em situação natural, ou seja, no m om ento em que ocorrem naturalmente, no cotidiano da família, a fim de que o reforçamento ocorra de forma não arbitrária, aum entando assim

Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo... ■ 53

as chances de generalização. Uma das possíveis conseqüências com a ins­talação dos referidos com portam entos será a diminuição da dependência do cliente em relação às cuidadoras, aum entando sua auto-estima e pro­porcionando melhora no relacionamento familiar, um a vez que a ausência de tal repertório se constitui queixa tanto do cliente quanto de sua mãe.

• Diminuir freqüência de comportamentos agressivos: C.E. deve passar a apre­sentar um a diminuição na freqüência de comportam entos agressivos, os quais podem ser aqui descritos como agredir física ou verbalmente suas cuidadoras, devendo ser substituídos por comportamentos assertivos, como dialogar com a mãe e a avó, buscando formas alternativas de solucionar situações de difícil manejo familiar, responsabilizar-se por algumas tarefas, como ir à farmácia comprar remédio ou ir à locadora alugar um filme (com supervisão). Inicialmente, essa m udança deve ocorrer sob controle de re­gras colocadas pela estagiária, em situação terapêutica (via role playing, por exemplo), até que, depois de experienciar as conseqüências naturais posi­tivas da emissão de comportam entos mais adaptados em seu cotidiano, C.E. passe a emiti-los sob controle de auto-regras. Quanto às possíveis conse­qüências da aquisição desse novo repertório, m ais um a vez, pode-se considerar um a m elhor qualidade do relacionamento familiar, com aber­tura de diálogo e interações mais positivas.

• Apresentar maior flexibilidade de rotina: espera-se, ao longo do processo psicoterapêutico, que o cliente passe a realizar suas tarefas diárias com m enor rigor quanto a horários, lugares e atividades, abrindo espaço para comportam entos alternativos e m udanças em sua rotina. Assim, estudar em um único horário, perm anecer inativo na cama por período fixo, assistir à televisão em um único canal, horário e local, pegar um a única linha de ônibus, entre outros, devem deixar de ser obrigações a serem cumpridas dentro de um a rotina rigidamente fixa para cederem espaço a com porta­mentos alternativos que caibam nessa rotina, como os associados ao lazer (tomar banho de m angueira no quintal, conversar sob o pé de mexerica) ou a atividades domésticas (ajudar as cuidadoras com a louça, dar banho no cachorro, varrer a casa). As possíveis conseqüências para a aquisição desse novo repertório são, mais um a vez, maior autonom ia para C.E., que poderá se engajar em novas atividades e obter novos reforçadores, além de poder escolher o que fazer e em que momento, dentro dos limites cabíveis. Um relacionamento mais harmonioso com as cuidadoras tam bém seria um a possível conseqüência, já que tal inflexibilidade afeta as interações de to­dos, provocando constantes desentendim entos.

De modo geral, faz-se patente a necessidade de um ensino sistemático dos com- portamentos-alvo, com coerência entre os ambientes freqüentados pelo cliente, a fim de que o desem penho esperado possa ser atingido, sempre lembrando que o objetivo final de qualquer intervenção é a maior autonom ia e a inserção na socie­dade em que vivemos. Dessa maneira, atenção positiva dirigida ao cliente faz com que este se engaje cada vez mais em atividades propostas e com interações positi­vas, porque traz como conseqüência o reforçamento social. Do mesmo modo, a

54 ■ Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo...

ausência dessa atenção positiva acarreta comportam entos indesejáveis, já que se pôde identificar junto a C.E. um a grande necessidade de receber atenção, seja positiva ou negativa, levando-o a se com portar de forma indiscriminada.

Para que isso seja garantido, as cuidadoras devem aprender a realizar a avalia­ção funcional das interações estabelecidas entre elas e C.E. (avaliação funcional como ferram enta ou tecnologia a ser transmitida ao cliente) para, então, após a compreensão do que determ ina os com portam entos do cliente, em ambiente na­tural, procurar manejá-los. Nesse caso, tais estratégias envolveram o uso de práticas reforçadoras positivas, habilidades de negociação (o que implica não só exigir, mas ceder tam bém), não conseqüenciação de com portam entos inadequados (como quando o cliente contava, rindo, que fez um escândalo quando a mãe foi assistir à televisão em um horário fora do costume), com apresentação de instru­ções especificando o com portam ento adequado (por exemplo, com a estagiária orientando o cliente a conversar com a mãe sobre o que o incomoda quando esta sai da rotina por ele estabelecida, tentando compreender a posição dela e chegar a um a negociação) ou de concorrentes (esquemas) mais reforçadores dependentes de com portam ento adequado (por exemplo, sugerir que o cliente se engaje em outro com portam ento nos m om entos por ele estabelecidos para assistir à televi­são ou ficar na cama, como conversar embaixo do pé de mexerica com a avó ou tom ar banho de mangueira no quintal).

978-85-7241-763-1

Estratégias de Intervenção• Participantes:C.E. (cliente) e M. (mãe).• Local: clínica-escola na qual o cliente recebe atendim ento e casa do cliente

(visitas domiciliares).• Materiais: folha de papel, canetinhas coloridas de ponta porosa, televisor,

aparelho de videocassete, fitas VHS.• Procedimento: realizaram-se sessões semanais, com duração aproximada

de um a hora, perm anecendo-se m etade da sessão com o cliente e a outra m etade com a mãe. Realizaram-se dez sessões em setting clínico com C.E. e nove com M., além de duas sessões em ambiente domiciliar, contando com a presença da avó em um a delas. Realizou-se ainda um a ligação telefônica caracterizada como follow-up, em que se conversou com o cliente e sua avó. A Tabela 4.1 detalha melhor as técnicas que favoreceram o alcance dos objetivos, utilizadas junto ao cliente e à sua mãe.

Resultados e Discussão Resultados Obtidos com o ClienteDe modo geral, podem-se apontar como importantes resultados observados ao longo dos atendimentos em psicoterapia com C.E. a manutenção do envolvimento e o engajamento nos atendimentos, comprovados pela freqüência constante e pelo fato

Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo... ■ 55

Tabela 4.1 - Descrição das técnicas adotadas junto ao cliente e à sua mãe durante o processo de intervenção

Técnica Descrição Exemplos de ação

Descrição de rotinas

Descrição de contingências

Role playing com conseqüente discriminação de efetividade de comportamentos

Descrever verbalmente a seqüência de ações apresentadas em casa, de acordo com as necessidades e normas estabelecidas pela convivência familiar

Descrever verbalmente os comportamentos adotados, identificando os antecedentes e os conseqüentes

Desempenho de papéis (encenação), visando identificar as diferentes conseqüências esperadas para diferentes comportamentos

Proposta de comportamentos mais assertivos na resolução de conflitos (com fornecimento de modelos)

Promoção de discriminação das conseqüências a curto e longo prazos mediante ações agressivas

Incentivo à negociação

Utilização de práticas de reforçamentos positivo e diferencial

Dicas, fornecidas pela terapeuta, de comportamentos alternativos (no caso, mais assertivos) àqueles que acarretam conseqüências aversivas e/ou pouco efetivas

Junto a C.E. adotaram-se diagramas e desenhos, de forma que o cliente se expressasse de maneira gráfica (altamente gratificante para C.E.). Já com M., realizou-se na forma de relato verbal, com suporte de um roteiro da clínica que especifica rotinas de vida diária

Realizou-se na forma de relato verbal, com fornecimento de dicas por parte da terapeuta. Procedimento realizado tanto com C.E. quanto com sua mãe

Eleição de um comportamento tido como inadequado, o qual acarretou conseqüências aversivas, e encenação de comportamentos alternativos, com discriminação de possíveis conseqüências, contando com suporte da terapeuta. Procedimento realizado tanto com C.E. quanto com sua mãe

Realizou-se na forma de relato verbal, com fornecimento de modelos por parte da terapeuta. Procedimento realizado tanto com C.E. quanto com sua mãe

Descrever verbalmente as possíveis conseqüências a curto e longo prazo de comportamentos agressivos, promovendo a reflexão do sujeito

Promoção de discriminação das conseqüências positivas diante da tentativa de se buscar solução para uma situação de embate por meio da busca de comportamentos alternativos

Os reforçamentos positivo e diferencial são operações; no primeiro caso, a apresentação de um reforçador positivo aumenta a freqüência do responder queo produz e, no segundo caso, ocorre o reforçamento de algumas respostas, mas não de outras, dependendo de suas propriedades (Catania, 1999)

Realizou-se na forma de relato verbal, com fornecimento de dicas e modelos por parte da terapeuta. Procedimento realizado tanto com C.E. quanto com sua mãe

Realizou-se na forma de relato verbal, com fornecimento de dicas e modelos por parte da terapeuta, bem como mediante role playing. Procedimento realizado tanto com C.E. quanto com sua mãe

Apresentação, pela terapeuta, de reforçadores positivos para comportamentos adequados (elogios), bem como reforçamento diferencial (elogios para adequados e não conseqüenciação para inadequados), a fim de que discriminassem seus comportamentos esperados e não esperados. Procedimento realizado tanto com C.E. quanto com sua mãe

(Continua)

56 ■ Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo...

Tabela 4.1 - Descrição das técnicas adotadas junto ao cliente e à sua mãe durante o processo de intervenção (continuação)

Técnica Descrição Exemplos de ação

Extinção

Aconselhamento com fornecimento de instruções e regras

No comportamento operante, refere-se à suspensão do reforçamento do responder (Catania, 1999)

Descrição verbal de novas formas i de se comportar, discriminando

suas conseqüências positivas

Não fornecimento de conseqüências, pela terapeuta, para o responder inadequado do cliente. Procedimento realizado somente com C.E.

Realizado na forma de relato verbal, com fornecimento de dicas e modelos, por parte da terapeuta, no que se referia a comportamentos adequados e inadequados. Procedimento realizado tanto com C.E. quanto com sua mãe

de o cliente buscar seguir as orientações da terapeuta. Além disso, o cliente m ante­ve habilidades, como ajudar as cuidadoras nas atividades domésticas e engajar-se em alguns comportamentos de autocuidados com maior autonomia, bem como passou a realizar análise de contingências, buscando discriminar as conseqüências de diferentes comportamentos, embora ainda com suporte da terapeuta.

Um im portante resultado alcançado com o cliente foi sua manifestação a respeito da possibilidade de m udanças em sua rotina, o que era inadmissível no início dos atendimentos. Essa análise, realizada ao longo das sessões de atendi­mento, pode ser com preendida em três níveis: (1) discriminação de tal possi­bilidade, ou seja, quando o cliente apresentou relatos de m enor resistência e compreendeu que a mudança era possível, embora ainda não percebesse a mudança como tendo efeitos positivos sobre ele; (2) avaliação da possibilidade como positiva, o que se refere aos m omentos em que C.E. relatava que a m udança era não apenas possível, mas tam bém boa, ou seja, compreendia que a m udança traria resulta­dos positivos não somente para si, mas para toda a sua dinâmica familiar; (3) imple­mentação da possibilidade de mudança, isto é, quando o cliente passou a tom ar atitudes que caminhavam na direção de começar a m udar sua rotina, seguindo as orientações fornecidas pela estagiária. O registro da ocorrência móvel desses rela­tos, segundo esses três níveis, pode ser observado na Tabela 4.2.

É importante mencionar que tais possibilidades de mudanças referem-se prin­cipalmente a comportamentos de autocuidados e AVD, que aparentemente eram mais simples para o cliente, além de se constituírem queixas da mãe. Nesse ponto, cabe ressaltar que as queixas trazidas por M. eram sempre consideradas em relação ao respeito à individualidade de C.E., o que era discutido com ela, ou seja, os resul­tados tinham que acarretar benefícios tanto para as cuidadoras quanto para o cliente.

Assim, em relação aos com portam entos de autocuidado, o cliente relatou que passou a tom ar banho com maior autonomia; sair do banheiro molhado sozinho, usando chinelos de borracha; limpar-se sozinho após defecar (comportamento já adquirido, mas que havia diminuído de freqüência). Já no que tange às AVD, C.E. relatou que passou a trocar de roupa e calçar os sapatos com maior autonomia;

Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo... ■ 57

Tabela 4.2 - Registro de freqüência móvel do relato do cliente que indicava “m a­nifestação da possibilidade de m udança na rotina” segundo três níveis: discrimi­nação, avaliação positiva e implementação dessa possibilidade

Sessão Discriminação da possibilidade de

de mudança v

Avaliação positiva da possibilidade de

de mudança

Implementação da possibilidade

de mudança

1* _ _ _

2a- - - -

33 - - -

4- - - -

55 - - -

6a- - - -

73 X - -

8* X X -

9a- X X -

10§ X X Xl l 5 X X X

12-lfollow-up X X X

fazer o próprio prato de comida, sob orientação das cuidadoras; preparar o pró­prio leite sozinho; ligar a televisão e m udar de canal com o controle remoto sem ajuda; ficar em casa sozinho por um curto período de tempo, quando há necessi­dade de ausência das cuidadoras (episódio ocorrido um a única vez); varrer a casa e enxugar a louça (já adquiridos no ano anterior, mas com freqüência diminuída no início desse trabalho). É im portante ressaltar que todos esses com portam en­tos relatados por C.E. confirmaram-se em sessões com a cuidadora, evidenciando a correspondência entre o dizer e o fazer do cliente em questão. Cabe ainda m en­cionar que os resultados alcançados com C.E. estão, certamente, relacionados ao maior engajamento e à participação mais ativa de M.

Resultados Obtidos com a MãeDa mesma forma que com C.E., podem-se apontar como im portantes resultados observados ao longo dos atendim entos em psicoterapia com M. a m anutenção do envolvimento e o engajamento nos atendimentos, comprovados pela freqüência constante e pelo fato da mãe buscar seguir as orientações fornecidas pela terapeuta. Além disso, M. passou a realizar análise de contingências, buscando discriminar as conseqüências de diferentes comportam entos, embora ainda com suporte da terapeuta. Conseguiram-se também, por meio dos atendim entos psicoterápicos, a diminuição da ansiedade perante resultados imediatos e a diminuição do enfo­que sobre a diferença do filho, passando a valorizar suas habilidades. Embora a cuidadora ainda apresente inconsistência em suas ações, reforçando diferencial- m ente comportam entos tidos como indesejáveis, tais inconsistências já lhe são perceptíveis, funcionando como objetos de análises funcionais realizadas por M. Considera-se aqui que o seguim ento das instruções fornecidas pela terapeuta

58 ■ Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo..,

.2*Cc<4):Scr

Cuidador M.

Ia 2- 3ã 43 5ã 6â 7â Sessões planejadas

8ã 9ã 10a

Figura 4.1 - Emissão de comportamentos de seguimento das instruções da terapeuta (emitidos por M.) ao longo das sessões.

expôs M. a contingências reforçadoras positivas na relação com o filho, o que fez com que a freqüência da mãe nas sessões aumentasse. Além disso, as habilidades do filho passaram a ser facilmente discrimináveis e passaram a controlar com ­portam entos como elogios, m inim izando a ocorrência de com portam entos indesejáveis, como retaliação e punições. A Figura 4.1 demonstra a freqüência acu­mulada do com portam ento de seguir instruções por M. ao longo das sessões.

Pode-se observar, de forma mais clara, o maior engajamento de C.E. como função da participação mais ativa da mãe, quando se sobrepõe a freqüência de seguimento de instruções pela mãe e do relato de flexibilização da rotina por C.E. (o que indica que seu com portam ento passava a ser controlado positivamente pelas solicitações da mãe), conforme a Figura 4.2.

CC■ocd3£3uCO.2uc<Qiaao

-♦“ Cliente C.E. -D-Cuidador M.

Sessões planejadas

Figura 4.2 - Emissão de comportamentos indicativos de flexibilização da rotina de C.E. (autocuidados, atividades de vida diária, rigidez de horários) em comparação ao seguimento das instruções da terapeuta emitidos por M. ao longo das sessões.

Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo... ■ 59

Percebe-se, pela Figura 4.2, que a m udança com portam ental iniciou-se com C.E., o que pode ter sido um a condição im portante para que a mãe tam bém alte­rasse sua conduta, ou seja, a m udança do cliente pode ter funcionado como estímulo discriminativo, a fim de que a mãe passasse a apresentar as ações de seguimento das orientações da terapeuta (oferecer atenção positiva, reforçar di- ferencialm ente os com portam entos adequados e inadequados), aum entando assim a probabilidade de ter esses com portam entos reforçados.

De m aneira análoga e complementar, os com portam entos de C.E. não seriam mantidos somente pela ação da psicoterapeuta, porque as contingências vigora­vam somente no setting clínico e poderiam selecionar apenas o relato do cliente. Dessa forma, supõe-se que sua m anutenção tenha ocorrido pela apresentação de comportam entos adequados de M., demonstrando que as ações apresentadas por mãe e filho são processos comportam entais inter-relacionados.

Outro aspecto im portante de se m encionar refere-se ao fato de o início do m aior engajam ento de M. coincidir com o início das sessões domiciliares, as quais ocorreram no sétim o e oitavo atend im entos. Talvez isso decorra da conseqüenciação realizada pela terapeuta, em am biente natural, no m om ento em que os com portam entos ocorriam , o que provavelm ente funcionou como um bom modelo a ser seguido pela cuidadora na interação com seu filho. Igual­m ente, observou-se que apesar de os relatos de C.E. sobre a possibilidade de flexibilização da rotina se iniciarem antes do m aior seguim ento de instruções por parte da m ãe (sessão n 2 4), só passaram a se referir a aspectos de m aior dificuldade de sua rotina (como assistir à televisão em outros horários, não perm anecer iia cam a por tanto tem po) após a ocorrência das sessões dom i­ciliares. Antes disso, diziam respeito exclusivam ente a aspectos como au to ­cuidados e AVD, dem onstrando claram ente a relação entre o engajam ento do cliente e o de sua mãe.

O fato de seguir as instruções fez com que a mãe passasse a observar altera­ções no com portam ento do cliente como função dos comportam entos que ela passou a apresentar. Assim, as modificações no com portam ento de M. tam bém provocaram modificações no comportamento do cliente. Nesse caso, inicialmente a mãe passou a seguir instruções apresentadas pela psicoterapeuta na clínica, que no am biente doméstico favoreceram o contato com as contingências que m anti­nham as queixas, tornando M. mais sensível a elas, ou, em outras palavras, aum entando sua discriminação em relação às queixas.

Considerações FinaisA partir dos resultados descritos, nota-se o processo de aprendizagem pelo qual mãe e cliente passaram. Considera-se que os processos comportam entais de am ­bos estão inter-relacionados, ou seja, são funcionalm ente dependentes um do outro. Ao se promoverem condições para m udanças no com portam ento de C.E., essas m udanças afetaram o com portam ento de M. e foram m antidas pelos com ­portam entos desta. É possível chegar à m esm a conclusão sobre os com portam en­tos da mãe e as m udanças ocorridas.

60 ■ Análise do Comportamento, Tecnologia do Comportamento e Manejo...

Nesse processo de intervenção, bem como nos resultados aqui relatados, o principal com portam ento objeto de avaliação e intervenção foi o relato verbal. Embora um dos principais questionamentos acerca do trabalho do psicoterapeuta seja a correspondência entre o dizer e o fazer de seus clientes, já que ambos os com portam entos podem estar sob controles diferentes e, dessa forma, o que se diz em um a ocasião não necessariamente pode ser o que se faz em outra, os re­gistros são considerados de confiança. Isso decorre do fato de haver um a correspondência fiel entre os relatos de mãe e filho, em sessões realizadas separa­damente. Tal fato mostra que os com portam entos adequados de C.E. não eram apresentados somente nas sessões de psicoterapia, em que a estagiária represen­tava um a audiência reforçadora, m as sim que o relato do cliente descrevia, realmente, as contingências às quais estava exposto.

À guisa de conclusão, ressalta-se que a sensibilidade do cliente aos reforçadores positivos disponibilizados por aqueles que o cercam é, certamente, o elemento central de seu processo de aprendizagem, tendo-se em vista ainda a pobreza de elementos reforçadores, em sua rotina. No entanto, cabe salientar que tal carência de reforçadores positivos estende-se tam bém às suas cuidadoras, dem onstrando a importância do trabalho direto com sua rede de apoio.

É im portante ressaltar tam bém a necessidade de um a generalização maior dos ganhos de C.E., que deve gradualmente ser retirado dos ambientes protegidos da família e da terapia, expondo-se à realidade da qual faz parte e conquistando, as­sim, maior autonomia.

Por fim, cabe salientar que o ensino sistemático, coerente e consistente se aplica nesse caso, e o bom desenvolvimento do cliente depende do envolvimento e das participações efetivas de suas redes de apoio. Nessa perspectiva, o referencial teó­rico adotado no presente trabalho - a Análise do Comportamento - proporcionou um a visão global do sujeito, que não se encontra em um vácuo, mas sim em cons­tante simbiose com seu meio e, portanto, modificando-o e modificando-se a cada momento. Dessa forma, na m edida em que lança seu olhar para os ambientes micro e macro do indivíduo, o analista do com portam ento pode realizar um a avaliação funcional refinada e abrangente, que sirva de ferram enta em suas inter­venções e análise mais apurada dos resultados obtidos, bem como tecnologia a ser transmitida ao cliente e àqueles que fazem parte de seu ambiente, concreti­zando assim o papel de educador desse profissional e colaborando para o alcance de resultados generalizados e duradouros.

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68 ■ Modelagem de Relato Verbal de Descrição Funcional como Instrumento..

conversar com ele). Nessas situações, fica quieta para não “irritar” ou “in­com odar” o marido, que prefere não conversar. A cliente rela ta que rap idam ente “esquece” das brigas e dos acontecim entos desagradáveis que envolvem o m arido.

• Regras sobre casamento que provavelmente contribuíam para a m anuten­ção de seu casamento. Por exemplo: “um casamento feliz é aquele que é indissolúvel”; “vinte anos de casamento inviabilizam a separação do casal”.

• Regras sobre com portam entos “tipicam ente” masculinos para explicar os com portam entos do marido. Por exemplo: “hom ens naturalm ente têm mais desejo sexual”, “hom ens são m al-educados e falam palavrão”, “h o ­m ens são em ocionalm ente mais fracos que as m ulheres”, “hom ens não gostam de conversar”.

• Poucos relacionamentos sociais - repertório de interação restrito (sempre interage com as mesmas pessoas: mãe, marido, filha e funcionárias da loja).

• Déficits de habilidades para o desenvolvimento das atividades no trabalho (dificuldades em gerenciar a loja de roupas; falta de controle de estoque de produtos e de controle de lucros e gastos; dificuldades em administrar os gastos da loja separadam ente dos gastos da casa).

Observou-se, tam bém , que a cliente apresentava alguns com portam entos adequados ao contexto em que ocorriam, m antidos por reforçamento positivo e muito im portantes para o início do processo terapêutico.

• A cliente parecia bastante m otivada em relação ao seu trabalho (reestru­turar aloja).

• Vera percebia que tinha “responsabilidade” em relação ao comportam ento do marido, isto é, reconhecia que alguns de seus com portam entos m anti­nham os com portam entos inadequados do marido.

• Era capaz de discriminar o que o marido fazia e que a incomodava, com por­tando-se para m udar esses com portam entos (mesmo que seus com porta­mentos não alterassem os do marido na direção desejada).

• Tinha um bom relacionamento com a filha e com a mãe.

Análise Funcional dos Comportamentos-problemaPara a realização da avaliação comportamental utilizou-se a análise funcional como metodologia, que consistiu em apresentar à cliente perguntas que possibilitaram a descrição dos “comportamentos-queixa”, assim como as condições em que ocor­riam e os eventos conseqüentes (Tabela 5.1).

As crises de depressão relatadas pela cliente (perm anência no quarto, choro sem motivo aparente, desinteresse pelo trabalho ou pelos cuidados com a filha) foram entendidas como com portam entos de fuga das situações relacionadas às dificuldades financeiras e das situações desagradáveis produzidas pelo com por­tam ento do marido.

CAPÍTULO

Modelagem de Relato Verbal de Descrição

Funcional como Instrumento

Diagnóstico e de Tratamento para

Casos de Depressão

J a n a in a C a b e l l o

R o b e r t a M a r ia C a r v a l h o d e F r e it a s

F e r n a n d a R iz z i B it o n d i

M a r ia R e g in a C a v a l c a n t e

A palavra depressão tem sido utilizada, por profissionais da saúde ou por leigos, em contextos bastante diversos. Tristeza perm anente, ansiedade ou sensação de vazio, sentimentos de desesperança, pessimismo, perda de interesse ou pra­zer nas atividades em geral (incluindo a sexual), problemas de sono, perda ou excesso de apetite, diminuição de ener­gia e fadiga, idéias de morte, irritabilidade, dificuldade para se concentrar, dores crônicas (como de cabeça ou de estô­mago) que não melhoram com tratamento, entre outros, são sintomas com um ente citados quando as pessoas des-

64 ■ Modelagem de Relato Verbal de Descrição Funcional como Instrumento...

crevem o que sentem quando estão em depressão (Ito eta l., 1998). Esses sintomas, que isolados são comuns ao sentimento de tristeza, na depressão adquirem um caráter patológico, pois interferem na capacidade do indivíduo de trabalhar, rela­cionar-se, dormir e engajar-se em atividades tidas anteriormente como agradáveis.

Na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), como manual que define os critérios diagnósticos dos transtornos psiquiátricos, a depressão faz parte da categoria dos transtornos do humor. Estes incluem o tipo unipolar, caracterizado pela ocorrência de episódios depressivos maiores, e o tipo bipolar, em que, além dos episódios depressivos, ocorrem episódios de mania ou hipomania. É possível que um episódio depressivo ocorra um a ou várias vezes durante a vida de um a pessoa e outras condições psiquiátricas podem contribuir para o surgimento de um qua­dro depressivo, como, por exemplo, o abuso de substâncias como álcool, quadros neurológicos, infecciosos ou oncológicos (Organização Mundial da Saúde, 1993).

Em geral, os manuais de critérios diagnósticos enfatizam os aspectos topo­gráficos dos com portam entos a serem diagnosticados, desconsiderando as possíveis relações funcionais existentes entre eles e o am biente social.

Na perspectiva analítico-comportamental, a depressão é entendida como um a alteração no repertório com portam ental que produz um a série de dificuldades na vida cotidiana. Em geral, é determ inada por evento aversivo, breve ou duradouro, de forte intensidade, cuja ocorrência pode ser contingente ou não ao desem pe­nho do organismo afetado e que produz alterações orgânicas, tais como: distúrbios do sono e do apetite, bem como relatos de sentimentos de tristeza geralmente acom­panhados de expressão facial abatida, choro, etc. (Wielenska, 2001).

Para Ferster (1979), a depressão pode ser observada quando ocorre redução no repertório do indivíduo de com portam entos que eram positivamente reforça­dos (como comportamentos sociais e de autocuidado) e aumento da freqüência de com portam entos de fuga/esquiva (em geral representados por queixas, choro, ou irritabilidade).

Para a investigação diagnostica da depressão, o terapeuta analítico-com por­tam ental deve atentar para outras variáveis além da presença de um a situação aversiva ou de um estímulo aversivo. Muitos indivíduos não se deprim em quando sob efeito de eventos aversivos, logo, a ausência de algum padrão identificável de estimulação aversiva não é critério de exclusão para a ocorrência de com por­tam entos depressivos. Deve-se levar em consideração a história de vida do in ­divíduo e se a ocorrência da estimulação aversiva produz com portam entos de fuga/esquiva, já que o aumento na freqüência desses comportamentos e o decrés­cimo na freqüência do com portam ento verbal são indicadores significativos para o diagnóstico de depressão.

Dougher e Hackbert (2003) sugerem que a análise funcional deve considerar as conseqüências que os com portam entos depressivos produzem no ambiente. Por exemplo, a redução na freqüência de alguns com portam entos anteriorm ente presentes no repertório de um indivíduo, citada por Ferster (1979), pode ocorrer em razão da escassez de reforçadores, da ausência de reforçadores disponíveis no ambiente do indivíduo ou mesmo em virtude de um a história de punição. Dougher e Hackbert (2003) justificam que as funções de controle de estímulo podem estar

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relacionadas à m anutenção de comportam entos depressivos - “eventos correla­cionados com a extinção ou punição evocam comportamento de esquiva, mantido por reforço negativo” (p. 171).

Existem evidências que sugerem que o repertório com portam ental de indiví­duos depressivos é passivo às ordens e aos m andos provenientes de outras pessoas e os comportam entos que removem ou alteram a situação aversiva praticam ente inexistem. Essa passividade que se observa no repertório parece estar ligada à pre­ponderância de controle aversivo exercido por outros e à ausência de controle positivo proveniente de seu próprio comportamento, ou seja, diante de um a situa­ção aversiva, o indivíduo não sabe como se comportar para produzir reforçadores.

O tratam ento da depressão requer intervenção multiprofissional. Shinohara (1998) sugere a combinação de psicoterapia com medicação na depressão grave e quando existir história familiar. Ao profissional médico, geralmente psiquiatra, cabe o tratam ento farmacológico com o uso de diferentes medicam entos anti- depressivos. Como possibilidade de atendim ento psicológico, a Terapia Compor­tam ental tem produzido redução na freqüência dos com portam entos depressivos e aumento na freqüência de comportamentos necessários para o desenvolvimento de atividades no trabalho, na família, com os amigos, etc.

ATerapia Comportamental tem por objetivo “criar novas condições de aprendi­zagem de estratégias funcionais de ação e, conseqüentemente, de avaliação e corre­ção, buscando eliminar o comportamento desajustado” (Sénéchal-Machado, 2002, p. 51). No processo terapêutico, o cliente aprende a identificar os eventos que pro­duzem os comportamentos depressivos e a emitir comportamentos que o eliminem.

O instrum ento metodológico de análise utilizado pelo terapeuta com porta­mental para a investigação de com portam entos depressivos é a análise funcional. Por meio dela, o terapeuta investiga as interações entre os comportam entos estu­dados e suas variáveis determ inantes utilizando basicamente três perguntas: o que acontece? Em que circunstâncias? Com quais conseqüências? (Fontaine e Ylieff, 1981). A análise funcional possibilita a investigação das variáveis relacionadas aos com portam entos-problem a e perm ite explicitar as contingências que controlam o com portam ento (“depressivo”), no caso, gerando hipóteses acerca da aquisição e m anutenção dos repertórios considerados problemáticos, favorecendo o plane­jam ento de novos repertórios comportam entais (Delitti, 1997).

Assim, o conceito de análise funcional consiste na descrição existente entre cer­tos eventos, isto é, a descrição das contingências e de elementos da história do indi­víduo que possam ter relevância para o comportamento atual analisado (Meyer, 1997). A análise funcional seria um instrumento necessário tanto para a realização da avaliação diagnostica como para a intervenção em Terapia Comportamental.

O comportamento depressivo do cliente (como qualquer comportamento) tem um a função, que deve ser “descoberta” pelo terapeuta m ediante a análise funcio­nal. No contexto clínico, envolve a história passada do cliente, seu comportamento atual e sua relação com o terapeuta, ou seja, quais contingências foram responsá­veis pela instalação dos comportam entos e como estes se m antêm (Delitti, 1997).

Embora a análise funcional do com portam ento seja fundam ental para a ava­liação clínica em Terapia Com portam ental - para a explicação clínica dos pro­cessos com portam entais - pode constituir-se, tam bém , como um a etapa do

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processo terapêutico. Ensinar o cliente a relatar seus pensam entos, emoções e ações em relação aos ambientes físico e social pode contribuir para que produza alterações em sua vida cotidiana.

A interação entre terapeuta e cliente tem sido objeto de investigação na literatura em Análise do Comportamento. Silva e Banaco (2000) pesquisaram os efeitos do reforçamento apresentado por um terapeuta sobre o com portam ento de relatar de um cliente em sessão terapêutica. A Fase 1 teve por objetivo o estabelecimento de linha de base e, por isso, o terapeuta apresentava indicativos de atenção aos compor­tamentos do cliente, mas sem qualquer seleção de assunto ou forma do relato. Na Fase 2 utilizou-se um procedimento de reforçamento diferencial subseqüente às verba­lizações do cliente descritivas de eventos privados, de relações entre eventos privados e variáveis externas (Fase 3) e de relações entre eventos ambientais e repostas abertas (Fase 4). A análise dos resultados possibilitou supor a ocorrência de relações de controle entre os comportamentos do terapeuta e os comportamentos do cliente, demonstrando a ocorrência de sensibilidade do comportamento verbal do cliente ao reforçamento em situação clínica. Além disso, esse estudo mostrou que foi possível ensinar o cliente a relatar seus comportamentos em relação aos eventos ambientais.

Ao se ensinar o cliente a fazer análise funcional do comportamento-problema, o cliente pode agir na modificação das contingências que o determ inam (Delitti, 1997). O com portam ento do cliente de analisar as contingências presentes em sua própria vida acaba sendo um dos objetivos do processo terapêutico, pois pos­sibilita a esse indivíduo a consciência das contingências presentes em sua vida e, em conseqüência, a promoção de m udanças nas contingências e em seu próprio com portam ento para que o próprio cliente possa se autogerenciar.

Este Capítulo traz o relato de duas intervenções em Terapia Comportamental, em que se utilizou o procedim ento de reforçam ento diferencial de relatos ver­bais de descrição funcional de com portam entos depressivos de duas clientes com diagnóstico médico de depressão. Os objetivos pretendidos foram: verificar a possibilidade de ensinar clientes com diagnóstico de depressão a relatar seus compor­tam entos em relação às variáveis dos ambientes físico e social; e se essa aprendi­zagem produz redução na freqüência dos comportamentos depressivos e aumento na freqüência de com portam entos que possam produzir reforçamento positivo. Os atendim entos foram realizados em duplas de alunos quintanistas do curso de Psicologia de um a universidade pública do estado de São Paulo.

A cliente Vera (nome fictício) é do sexo feminino e tinha 40 anos de idade quando iniciou os atendimentos. Estava casada há dez anos e residia com o marido, a filha de oito anos de idade e a mãe. A cliente possuía um pequeno comércio, exercendo a função de administração do estabelecimento e atendim ento aos clientes. Além das atividades de trabalho, Vera era rçsponsável por cuidados e rotina da filha e alguns cuidados com a mãe.

Relato do Caso 1

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Motivo da Procura pelo Atendimento PsicológicoVera foi orientada por uma amiga a procurar os serviços oferecidos pela clínica-escola da universidade, pois o médico pediu que procurasse terapia. Nas primeiras sessões, a cliente relatou a ocorrência de crises recorrentes de depressão, descritas como “per­manência em grande parte do dia no quarto, dormindo, sem conseguir trabalhar ou cuidar da filha; vontade de chorar sem conseguir identificar um motivo para tal”. “Eu queria ficar trancada no quarto. Só passava coisa ruim na minha cabeça. Eu achava que não tinha sentido a vida, eu não tinha vontade de sorrir, não tinha vontade de comer, nem de escutar alguém dar risada, me incomodava. Me incomodava ter que cuidar da minha filha”. Vera vinha fazendo uso de medicamentos prescritos por um médico geriatra para controlar as crises depressivas. A cliente relatou a expectativa de que o processo terapêutico a ajudasse a parar de tomar a medicação.

História AtualNo início dos atendimentos, o marido deVera encontrava-se desempregado, sen­do ela, portanto, a única responsável pela m anutenção financeira da família, com a renda obtida com as vendas de sua loja. A cliente relatou que passava por um a crise financeira e não conseguia m anter sua casa, seu comércio e, por isso, acu­mulava dívidas que a obrigaram a se desfazer de muitos bens (como sua casa, por exemplo). Os motivos que determ inaram as dificuldades financeiras, segundo a cliente, foram os planos econômicos estabelecidos pelo governo que provocaram perda financeira. Em dez anos de casamento, o marido nunca contribuiu finan­ceiramente com a m anutenção da casa porque não tinha emprego fixo e não foi capaz de m anter os em preendim entos que construiu.

A cliente relatou também que seu relacionamento conjugal não correspondia às suas expectativas, que seriam: “Eu sempre pensei que casamento fosse uma união, é a formação de um a família e você ter sempre um companheiro, um marido legal, que ajudasse a criar seus filhos, a passear, estar ali presente. É assim, constituir uma família”. Ao contrário do que sempre desejou, Vera relatava que o marido não era carinhoso, era grosso, explosivo, nervoso, não sabia conversar e não participava da educação e dos cuidados da filha. Além disso, o relacionamento sexual era pouco freqüente porque a cliente não sentia vontade, preferindo dormir.

Impressão DiagnosticaCom base nas queixas iniciais apresentadas pela cliente (medo de apresentar no­vamente as crises de depressão e desejo de parar a medicação utilizada para o controle dos episódios depressivos) e na avaliação comportamental, identifica­ram-se alguns fatores que poderiam estar diretam ente relacionados às crises de depressão descritas pela cliente:

• Déficits de habilidades sociais (dificuldades de descrever sentim entos quando o m arido a m agoa e de explicitar quando tem necessidade de

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Tabela 5.1 - Descrição dos com portam entos que envolviam a “crise depressiva” descrita pela cliente

Situação/contexto Antecedentes

Comportamentos da cliente Conseqüentes

Dificuldades Ameaça de corte de Permanência no Pouca interação comconjugais com energia da loja quarto o maridoo marido Pedido de demissão Choro sem motivo Pouco contato com o

Dificuldades da funcionária da aparente funcionamento dafinanceiras loja Desinteresse pelo loja e com as dívidas

Brigas com o marido trabalho e peloscuidados com a filha

Comportamentos Comportamentos da Permanece pouco Pouco contato com odo marido de cliente de ir à loja tempo na loja ou funcionamento dagastar o dinheiro ou de lembrar das recusa-se a ir à loja loja e com as dívidasda cliente sem dificuldadescontribuir para financeiraso orçamentofamiliar

Comportamentos Mercadorias antigas Compra mercadorias Aumento das dívidasdo marido de na loja para a lojautilizar os bens Baixa freqüência deda cliente para clientes e expectativaspagar suas dívidas de atrair mais clientes

Comportamentos da Ausência de registro Ausência decliente de ir à loja de compra e venda conhecimentos

Contas a pagar de mercadorias sobre a movimentaçãoMovimento de compra Ausência de controle financeira da loja e

X de mercadorias de estoque das mercadoriasAusência de controle Desconhecimento da

contábil dívida real da loja

Intervenção RealizadaForam realizadas 12 sessões de intervenção, com os objetivos de: proporcionar à cliente a descrição de seus comportamentos-problema; elaborar estratégias de ação para a modificação desses comportamentos; e possibilitar a aquisição de um novo repertório. Para alcançar tais objetivos, a conduta foi:

• Apresentar perguntas que possibilitassem a descrição de seus com porta­mentos “depressivos” de acordo com os modelos apresentados a seguir:- “Você relatou bastante que gostaria de voltar ao normal, voltar como era

antes de você ter as crises. A gente queria saber então como é que era essa sua rotina antes, quando você estava bem, antes de você ter as primeiras crises [de depressão]”.

- “A gente ficou sabendo da sua história e das suas dificuldades. Agora a gente queria saber como você está hoje, como você está se sentindo”.

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• Apresentar perguntas que possibilitassem a descrição de suas interações com o marido, tais como:- “Na semana passada, por exemplo, parecia que você estava assim, um pouco

apreensiva, você chegou com o seu marido, atrasada, depois ficou falan­do baixinho, parecia que estava com medo que ele pudesse ouvir. Era isso mesmo?”

- “Você falou que ele [marido] não era assim, né? Como ele era? Você pode­ria nos dar um exemplo?”

• Apresentar perguntas que possibilitassem a descrição das dificuldades fi­nanceiras, bem como dos fatores relacionados, como por exemplo:- “Então você acha que sua maior dificuldade, o que leva você a ficar mal e

ter um a crise, pode estar relacionada ao lado financeiro?”- “E a situação financeira atual de vocês, como é que é?”

• Estabelecer, juntam ente com a cliente, estratégias de ação que pudessem minimizar os efeitos aversivos presentes em seu ambiente, principalmente em relação às suas brigas com o marido, a partir da descrição dos episódios de discussão entre eles, por exemplo:- “Você relatou pra gente que se sentia um pouco cansada de estar traba­

lhando e de estar pondo o dinheiro em casa. E agora que o seu marido parou (de trabalhar), fechou o negócio dele, como você está se sentindo?”

• Facilitar para a cliente a identificação de seus com portam entos durante e após as brigas com o marido para elaborar estratégias de ação para a m odi­ficação de seus comportamentos. Por exemplo, o casal havia combinado de viajar no fim de semana, mas o marido desistiu:- “E você então não chegou a falar para ele que queria ir [viajar], que estava

com vontade de ir?”.- “E o que você acha que aconteceria se você falasse para ele que gostaria

de ir [viajar]?”.• Aumentar a freqüência de com portam entos com maior probabilidade de

produzir reforçamento positivo (relacionados ao gerenciamento de seu pe­queno comércio), a fim de estabelecer estratégias de ação que pudessem minimizar os danos causados pelo acúmulo de dívidas (como o pagamento de suas compras apenas à vista):- “Como você costumava pagar as compras da loja?”- “Hoje, como você acha que seria a melhor forma de fazer isso?”- “O que você acha de fazer compras à vista?”

• Criar condições para a instalação de com portam entos que, a curto p ra ­zo, apresentariam como conseqüência um m elhor gerenciam ento de seu estabelecim ento comercial e, a longo prazo, o pagam ento das dívidas, a retom ada de lucros e de reinvestim ento na loja por meio da busca de orientações técnicas sobre adm inistração de pequenas e m édias em pre­sas. Por exemplo:- “O que você acha de montarmos uma tabela de controle dos gastos da loja?”- “O que você acha de trazer, na próxima semana, a quantidade e o preço

das peças que você tem na loja?”- “Você conhece algum curso de gerenciamento de pequenos negócios?”

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Por fim, os objetivos terapêuticos estabelecidos tam bém visavam possibilitar condições para que Vera discriminasse os diferentes fatores (seus comportamentos e os de seu marido) que determ inavam o que a cliente nom eava “crise financeira” e “crise conjugal” e como esses fatores produziam seus com portam entos depres­sivos (crise de depressão).

Relato do Caso 2IdentificaçãoA cliente Marina (nome fictício) é do sexo feminino e tinha 56 anos de idade quan­do iniciou o atendim ento. Estava casada e possuía cinco filhos, um do sexo masculino (Ml), o mais velho, e quatro do sexo feminino (M2, M3, M4, M5). Cur­sou até a segunda série do primeiro grau (atual ensino fundamental), não possuía profissão estabelecida, sempre foi a responsável pelos cuidados da casa e algu­mas vezes trabalhou como lavadeira.

Motivo da Procura pelo Atendimento PsicológicoMarina procurou o atendim ento porque acreditava que não podia mais lidar sozi­nha com a situação que vivenciava. Achava que seu estado de tristeza era perm anente e que dificultava a melhora de um a cirurgia a que havia sido subm e­tida. Além disso, acreditava que a tristeza prejudicava seus outros problemas de saúde (diabetes e hipertensão). A cliente queixava-se de sentir um descontrole emocional que a fazia chorar muito e, em razão das idas constantes a médicos e hospitais, era difícil parar de pensar nas perdas que já havia vivenciado em sua família, pois grande parte delas decorreu de algum tipo de doença. Relatou, ainda, que queria voltar a ser feliz, dar risadas, ser brincalhona e ter vontade de sair de casa.

(c

História AtualA cliente morava com seu marido (W.) e sua filha mais nova (M5). Ficava grande parte do dia sozinha em casa, já que seu marido passava o dia no bar e sua filha mais nova trabalhava. Recebia visitas de seus outros filhos durante o dia, mas re­latava sentir-se um a pessoa muito sozinha. Marina era responsável pelos cuidados da casa e de preparar as refeições para o marido e para a filha.

Os filhos de Marina, apesar de não residirem com a mãe, participavam muito de sua vida, m ostrando-se preocupados com seus problemas afetivos e de saúde. Marina apresentava um estado de saúde bastante debilitado em razão do diabe­tes e, além disso, tam bém tinha passado por cirurgias no pulmão, no coração e na boca, e tam bém apresentava retenção de líquidos, o que ocasionava inchaços nas pernas, dificultando sua locomoção.

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A cliente tinha muitas dificuldades de relacionamento com o marido, cons­tantem ente ausente em razão da dependência de álcool. Freqüentemente, relatava sentir falta do marido, pois este pouco conversava com ela e não manifestava ca­rinho. Além disso, o marido não perm itia que a cliente participasse de atividades fora de sua residência. Com relação à falta de afeto, Marina dizia: “Ah, a gente pre­cisa de um pouco de atenção, né? Até na cama mesmo, se eu relar um pouco assim nele, ele vai para lá. Isso aí, eu tô até acostum ada”. A cliente relatava tam bém que o marido não conversava com os filhos, não se preocupava com eles e acrescenta­va que os próprios filhos reclamavam da falta de atenção do pai e de sua ausência em suas vidas.

As filhas sempre procuravam ajudar a mãe a resolver tanto os problem as afetivos quanto os de saúde e a incentivaram a buscar a psicoterapia. As tentativas de ajuda afetiva das filhas caracterizavam-se por brincadeiras e conselhos ofere­cidos à mãe, visando suprir a falta que sentia do marido. Entretanto, esses conselhos eram sempre para que a mãe parasse de falar do marido e não atribuísse im por­tância aos com portam entos dele que a incomodavam. M l sempre procurava a mãe na busca de conselhos com relação às dificuldades em seu casamento. Nes­ses momentos, a cliente prontificava-se a escutar os problemas e emitia opiniões.

A cliente tinha poucas interações sociais porque perm anecia grande parte do tem po em sua residência. Às vezes conversava com alguns vizinhos, mas com freqüência verbalizava que não gostava de contar a eles suas dificuldades para evitar fofocas.

Impressão DiagnosticaCom base nas queixas iniciais apresentadas pela cliente (tristeza, choro freqüen­te) e na avaliação comportamental, identificaram-se alguns fatores que poderiam estar diretam ente relacionados às crises de depressão descritas pela cliente:

• A cliente possuía poucas interações sociais porque passava grande parte do dia sozinha e, conseqüentem ente, as possibilidades de obtenção de refor­çadores eram restritas.

• A saúde muito debilitada da cliente acarretava dificuldades em executar al­gumas atividades e exigia visitas constantes a hospitais. O estado de saúde da cliente produzia reforços sociais (como carinho e atenção) dos filhos e principalmente do marido.

• As experiências estressantes produziam desequilíbrio emocional e orgâni­co e, em conseqüência, a cliente apresentava hipoglicemia e era obrigada a tom ar medicação específica no hospital.

• Marina apresenta déficit de habilidades sociais - dificuldades em expressar vontades, desejos e emoções, apresentando com portam entos passivos na maioria das vezes.

• Apesar de a cliente apresentar repertório com portam ental bastante lim ita­do, apresentava alguns com portam entos apropriados ao contexto em que

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estava inserida e que foram im portantes para o início do processo tera­pêutico, tais como a habilidade de acolher as pessoas a sua volta que estivessem com dificuldades, como fez com seu pais, seu cunhado, suas vi­zinhas e seus filhos; a relação positiva com as filhas e com algumas vizinhas e um bom vínculo terapêutico. Isso dem onstra que a cliente possuía m ode­los de relacionamentos nos quais obtinha reforçadores e que poderiam vir a servir de base para algumas mudanças, ou mesmo de modelo para futu­ras interações com o marido.

Análise Funcional dos Comportamentos-próblemaPara analisar todos os dados obtidos do relato da cliente nas primeiras sessões, buscando as interações entre os com portam entos da cliente, seus antecedentes e suas conseqüências em nível micro e macro de análise, utilizou-se como instru­m ento a avaliação funcional.

Como focos iniciais para se realizar essa análise funcional, elegeram-se os com- portam entos-queixa da cliente de chorar constantem ente, ficar triste e nervosa. Diante da escolha desses comportam entos, buscou-se relacionar alguns eventos que se caracterizariam como situações antecedentes, ou seja, situações que pudessem ser identificadas como eventos estressores para a cliente e que ocasio­nariam o que a cliente denom inava “nervoso”, confirmando a funcionalidade desses com portam entos como fuga e/ou esquiva dessas situações estressoras. Verificou-se que os com portam entos de ficar nervosa, ficar triste e chorar eram relacionados a situações como conversar com o filho sobre os problemas conju­gais deste ou às limitações decorrentes do pós-operatório de suas cirurgias e principalmente às dificuldades conjugais com seu marido. Identificou-se que a primeira situação ocorria quando seu filho recorria à cliente na busca de soluções para os problemas em seu casamento. Ouvir e não poder solucionar tais proble­mas produzia os comportam entos de choro e o relato de sentir “tristeza” da cliente. Outra situação estressora seria sua própria saúde. Como dito anteriormente, a cliente se subm eteu a várias cirurgias e durante o pós-operatório as dores, a difi­culdade para dormir e a dificuldade para se movimentar ocasionaram vontade de chorar, tristeza, perda da vontade de sair de casa e pensam entos e algumas ten ta­tivas de suicídio. Além disso, notou-se que sua taxa de glicose se alterava quando Marina estava exposta a essas situações estressantes, deixando-a mais debilitada e fraca. As dificuldades conjugais da cliente tam bém representavam eventos estressores, um a vez que diante dos com portam entos de indiferença do marido, a cliente acabava ficando nervosa e esquivava-se da situação.

Ainda com relação aos problem as conjugais de Marina, identificou-se que a cliente tinha grandes dificuldades em se expressar, expressar seus sentimentos e pensam entos, o que acabava por prejudicar os poucos m om entos que possuía de interação com o marido. Essa dificuldade levava m uitas vezes a cliente a fugir e se esquivar de situações de briga com o m arido ou de com portam entos deste que ela desaprova, como, por exemplo, passar m uito tem po fora de casa,

74 ■ Modelagem de Relato Verbal de Descrição Funcional como Instrumento..

beber e não conversar com os filhos, ou m esm o aceitar que seu m arido pudes­se ter tido outras mulheres.

No que diz respeito aos efeitos dos com portam entos da cliente sobre os com ­portam entos do marido, notou-se que as interações com a esposa eram, algumas vezes, aversivas para ele. Primeiro porque a cliente acabava por abordar assuntos desagradáveis para o marido, ou seja, que envolviam problemas dos filhos ou co­branças com relação a com portam entos dele, como ficar fora de casa ou beber; segundo porque ao abordar tais assuntos o fazia de forma pouco assertiva, che­gando a ser agressiva.

A análise funcional dos com portam entos apresentados pelo marido que inco­modavam a cliente está descrita na Tabela 5.2.

A Tabela 5.2 ilustra as situações de interação com o marido, as quais eram desencadeantes do nervosism o ou da tristeza da cliente. Essas cinco situações apresentam com portam entos da cliente que fazem parte de um a m esm a clas­se de respostas, pois são funcionalm ente equivalentes. São situações em que M arina se com porta na busca de reforçadores na interação com o marido, mas tais co m p o rtam en to s são sem pre p u n id o s pelo m arido . E têm -se com o subprodutos dessa interação os sentim entos de tristeza e nervoso que a cliente relata possuir.

Intervenção RealizadaCom base na análise realizada, traçaram -se dois objetivos, desenvolvidos du ­rante 11 sessões. O primeiro foi o de proporcionar m aior controle da oscilação da taxa de glicose e o segundo foi o de auxiliá-la nas dificuldades de seu relacio­nam ento conjugal. Optou-se som ente por esses dois objetivos, pois, a partir da quarta sessão, a cliente relatou que não sentia mais vontade de chorar e nem tristeza, como mostram suas próprias palavras: “Aquela coisa que eu sentia, aquela angústia, aquela choradeira que eu vivia, eu não sou mais assim”. E tam bém porque o tempo disponível para psicoterapia era limitado, caracterizando-a como um a psicoterapia de caráter breve.

Com o intuito de ajudar a cliente a controlar a oscilação na taxa de glicose de seu sangue, tentou-se identificar se essa alteração decorria somente das situações estressantes ou tam bém de um a alimentação inadequada. Para isso, criou-se um a folha de registro de consumo de alimentos. Durante dois dias da sem ana a cliente deveria assinalar as figuras dos alimentos que ingeria. Utilizaram-se figuras nesse procedimento porque a cliente não era totalm ente alfabetizada.

No que tange ao relacionamento com o marido, usaram-se algumas estratégias que visavam fazer com que a cliente compreendesse melhor como se comportava diante do marido e suas conseqüências sobre o com portam ento deste. Tais estra­tégias estão descritas na Tabela 5.3.

Para dem onstrar como tais procedim entos foram aplicados, selecionaram - se alguns trechos de sessões que os ilustram . É im portante salientar que os procedim entos não eram aplicados de m aneira estanque a cada sessão, mas

978- 85- 7241- 763-1

Tabela 5.2 - Episódios de interação da cliente com o marido

Situação/contexto AntecedenteComportamentos da cliente

Situação /comportamento do marido

Comportamento subseqüente da cliente

Marido bebe, passa a maior parte do dia no bar

Marido lê jornal Inicia diálogo falando sobre problemas dos filhos

Balança a cabeça e continua a ler o jornal

Fica calada e/ou reclama para alguém

Apresenta baixa freqüência de interação familiar

0 marido chega bêbado em casa

Está dormindo Deita na cama e incomoda a cliente

Sai da cama, reclama e xinga a bebedeira (para ele e para outros no dia seguinte)

Filhos com problema de saúde e relacionamento afetivo

Solicita maior envolvimento do marido nos problemas familiares

Fica calado ou sai da situação

Sofre e pára de falar com ele

Filhos organizam churrasco em casa

Convida o marido para o churrasco

Permanece mais tempo no bar no dia do churrasco

Sofre e reclama que o marido não participa das atividades familiares

Quando o marido volta do bar para a casa

Reclama com ele de que fica muito no bar e pouco em casa

Responde com indiferença ou diz que seus amigos estão lá

Sofre e pára de falar com ele

Modelagem de Relato

Verbal de Descrição Funcional como Instrumento... ■

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76 ■ Modelagem de Relato Verbal de Descrição Funcional como Instrumento..,

Tabela 5.3 - Estratégias de intervenção adotadas com a cliente

Objetivos Procedim entos

Ensinar a cliente a descrever as situações de interação com o marido

Ensiná-la a discriminar em que situações o marido interagia com ela (conversava, buscava sua companhia)

Ampliar o repertório comportamental da cliente para modificar suas interações com o marido

1. Reforçamento diferencial (modelagem do comportamento verbal descrito das interações da cliente com o marido)

2.Intervenções verbais para promover a descrição das situações de interação e as conseqüências para o comportamento da cliente

3.Intervenções verbais para possibilitar a discriminação das situações em que o marido inicia as interações

4. Intervenções verbais para possibilitar a identificação das conseqüências aversivas para o marido, bem como as conseqüências aversivas para a cliente de alguns dos comportamentos do marido

5.Instruções sobre como reforçar os comportamentos do marido de se aproximar e conversar com ela por meio da elaboração de situações de interação entre os dois

sim que durante as sessões ocorriam m esclas desses procedim entos. O p ri­meiro procedim ento pode ser ilustrado em um trecho da nona sessão em que se discute a relação com o m arido de M arina (M), a qual m uda de assunto e as terapeutas o retom am :

T2: E a senhora acha que essa situação pode se alterar de alguma forma?M: Ai eu tenho assim, que ele não gosta de mim, porque ele não é de conversar comigo (começou a chorar). Eu converso com ele, ele não responde.Tl: Complicado né? A senhora vem se sentindo assim há muito tempo,

j M: Fui fa zer cirurgia na vista e fo i m inha filh a que fo i me levar. Hoje m esmo ele não queria me trazer, ele fa lou “liga lá, você não vai”, “eu vou, eu só não fu i qu in ta porque eu tinha que fa zer cirurgia na vista”. Pergunta se ele ficou lá comigo, nem perguntou como foi. Agora, coitada dela, teve que ficar comigo até o fim . Saí de lá de tarde. Eles começaram a fa zer a cirurgia era nove horas, a í ficou bastante tempo, depois eu saí fique i no soro.12: E a senhora está enxergando melhor?M: Ai graças a Deus.T2: Ai que bom.M: Tava com medo de fazer, porque o outro falou que não ia enxergar, mas esse daí deu certeza.T2: E o seu marido não acompanhou a senhora?M: Não acompanhou, não perguntou se eu tô enxergando, se eu não tô.T2: Nem depois quando a senhora voltou para casa?M: Nem olhou. Ele não se preocupa assim comigo, só meus filhos. Hoje ele não queria me trazer, falou “liga lá, você não vai”, “não, eu vou”.

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Um exemplo do segundo procedimento pode ser observado no seguinte trecho da décima sessão, em que as terapeutas perguntam sobre um a situação na qual o marido levou seu filho ao médico:

Tl: Quando ele chegou, quando ele guardou o carro, antes dele ir pro bar...M: Não, a Margaret que guardou o carro.Tl: Então ele chegou, estacionou o carro na frente efo i pro bar a pé...M: Foi, porque o bar é perto. É no mesmo quarteirão.Tl: Quando ele chegou, a senhora nem chegou a falar com ele, então?M: Não, eu falei.Tl: Mas nessa hora, que ele chegou do hospital?M: Não, ele xingou efoi pro bar. Ele começou a xingar e aí eu baixo a cabeça.Eu tenho assim medo, sei lá, quando ele chega bêbado, também.Tl: Então deixa eu verse eu entendi como aconteceu certinho. Ele deixou o seu filho no hospital, voltou pra casa, deixou o carro em casa efo i pro bar. Quando ele chegou e largou o carro na rua a senhora perguntou pra ele ucadê o nosso filho?”.M: É eu queria que ele me levasse lá. Eu falei: “ai W. leva eu lá porque eu tô preocupada com ele” Ele falou: “ai você se preocupa com qualquer coisa”. Ele não se preocupa com nada. Eu: “olha, é meu filho, eu tenho que se preocupar mesmo”. A í ele ficou até três e meia no bar, aí ele chegou, almoçou e depois dor­miu, aí ele acordou às seis horas, tomou banho efoi pro bar de novo.Tl: E quando ele chegou à tarde para comer, a senhora falou alguma coisa para ele?M: Eu não converso, não, porque qualquer coisa que vai fala, ele briga, ele grita. Eu não gosto que grita, eu não gosto de gritar com ninguém.Tl: Então o único horário que ele poderia estar conversando, sem estar alterado pelo álcool é pela manhã, que é o horário que ele lê o jornal.M: A hora que ele levanta ele pega o jornal efica até umas dez horas, depois ele vai pro bar.

Já o terceiro procedimento, que diz respeito à discriminação das situações em que o marido inicia a conversação, pode ser detectado quando se observa o tre­cho a seguir, da décima segunda sessão:

T2: Legal, né. Então foi uma semana meio diferente, a senhora tentou conversar com ele, ele conversou e parece que surtiram aí algumas mudanças.M: Ai, eu dei graças a Deus, que ele continua assim, né?T2: Então a senhora está conversando com ele, fo i bom?M: Foi bom, ele me chamou até para ir no mercado com ele.Tl: Você foi?M: Eu fui, fu i correndo.Tl: Como foi? Conta pra gente.M: É, ele chamou, aí eu falei “ai deixa pra am anhã que am anhã tem sacolão.É mais barato as coisas”. A í a gente fo i à noite.T2: Ele que teve a iniciativa de te chamar na quarta, como foi?M: É, ele que chamou. A í chegamos lá e ficamos. Eu fu i pegar9 legume, aí ele falou “ai, pega fruta pra você também”. A í eu peguei fruta e verdura.

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No quarto procedimento, buscou-se criar condições para a cliente identificar o que no com portam ento dela era aversivo para o marido e vice-versa. Em um trecho da décima primeira sessão isso fica claro:

T I: Então a gente viu que tudo que vocês falam, pedem para ele ser mais pre­sente, quando vocês pedem para ele fazer alguma coisa. Ele pode interpretar isso como uma cobrança, como se vocês estivessem amolando ele.M: Às vezes eu falo “ai, você tinha que dar uma atenção para os filhos. Os filhos vêm em casa todos os dias”. E ele fica sem ver os filhos. No domingo, eles pegam, não é todo domingo, só uns, eles pegam e traz carne, refrigerante efa z ali.Tl: Um churrasquinho.M: Eu já falo para ele “vem aqui que eles vem fazer churrasquinho aqui” e quando eu falo aí que ele vem tarde. Aniversário mesmo, eles compraram tudo, fez lá em casa. Pergunta se ele ficou lá com a gente, eu acho até chato.Tl: Claro, é uma coisa que incomoda a senhora.M: Agora, no bar não, quase todo sábado e domingo tem churrasco. Cada um dá um tanto, compra carne e faz ali e ele fica com os amigos; agora, em casa...

Por fim, o último procedimento pode ser constatado tam bém em um trecho da décima primeira sessão, em que as terapeutas explicam a Marina em que tipo de situação ela poderia tentar interagir mais com seu marido:

T2: Então vamos pensar devagar, quando a senhora conversa com ele sobre um assunto alheio, um a notícia, ele responde ao que a senhora pergunta e se fa z um diálogo, mesmo que pequeno, mas se faz. Em contrapartida, quando a senhora tenta conversar sobre um problema de um dos filhos, ele geralmente foge da situação, corta, não dá atenção [concorda por meio de não-verbais]. Então o que a gente pensa, se a gente tentasse o primeiro tipo de conversa, que é um a que ele dá continuidade, acontecesse um pouquinho mais de vezes. Isso ia começar a se tornar um pouco mais agradável para ele e aí, assim, aos poucos, a senhora ia poder começar a conversar de coisas não tão boas. Então, é construir um diálogo com ele. A senhora entendeu?M: Uh, uh [sim].Tl: É como se ele não soubesse conversar, vamos imaginar assim. Ele tem que aprender a conversar, um a coisa que ele não sabe fazer, não está acostumado afazer. Como a gente pode fazê-lo começar a conversar, vamos começar a conversar com ele de coisas que ele considera boas, que são agradáveis para ele. O que ele gostaria de ouvir, na verdade, que ele não se sentiria ouvindo o problema, o vizinho lá que se machucou, o cachorro da vizinha, a notícia da televisão. Alguma coisa que não envolve um peso, uma cobrança. Às vezes, nem é uma cobrança, mas ele já interpreta como uma. E aí a senhora dá continuidade à conversa, demonstrar que esta é uma situação agradável, que sejam dois minutos, não precisa ser um a coisa longa. A senhora acha que seria possível, seria difícil?

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M: Eu vou tentar, mas ele não dá atenção não.Tl: Será que ele não vai fazer igual hoje?M: Ele deu atenção. Bom, eu sempre pergunto e ele não me dá atenção. Hojeele respondeu. Agora vamos ver se eu consigo.

Considerações FinaisUm dos objetivos do processo terapêutico é proporcionar condições para que o próprio cliente possa analisar as contingências presentes em sua vida e, dessa m aneira, possa ter consciência de por que se com porta (ou, em outras pa la­vras, sob controle de quais contingências está seu com portam ento e quais con­seqüências o m antêm ).

Ao longo das intervenções, por meio da modelagem do relato verbal das clien­tes, foi possível ensiná-las a descreverem funcionalmente seus comportamentos, possibilitando que ambas identificassem algumas das variáveis im portantes para a ocorrência de seus comportam entos depressivos. As clientes passaram a des­crever seus comportamentos, bem como a relacioná-los a condições antecedentes e a identificar suas possíveis conseqüências. A partir desse momento, foi possível o planejam ento de estratégias para que houvesse m udança de com portam ento fora da clínica, buscando identificar quais comportam entos produziriam conse­qüências reforçadoras para as clientes.

Diante do reforçamento diferencial do relato verbal, foi possível ensinar as clientes com diagnóstico médico de depressão a relatarem seus comportam entos relacionados às variáveis ambientais (físicas e sociais) e, em ambos os casos, os re­sultados apontam para um a dim inuição na fréqüência dos com portam entos depressivos e, em especial no caso 2, um aum ento na freqüência de com porta­mentos positivamente reforçados (de conversar com o marido, por exemplo).

Em relação ao caso 1, levantou-se a hipótese de que a aprendizagem da análi­se funcional, em certa medida, tornou-se aversiva para a cliente, já que houve um abandono das sessões antes do previsto pelas terapeutas. Aparentemente, para ela, “perceber” que seus com portam entos poderiam m anter o padrão de com por­tam ento apresentado pelo marido (e por ela criticado) e tam bém resultar em prejuízos para a loja (falta de repertório administrativo) pode ter sido extrema­m ente aversivo, provocando o abandono do processo terapêutico pela cliente.

Cabe ressaltar que os resultados apresentados indicam modificações no relato verbal das clientes, o que não necessariamente assegura modificações em seus comportam entos fora do contexto clínico. Aqui, esbarra-se com o limite da inter­venção clínica, já que o terapeuta não tem acesso ao ambiente em que o cliente está se com portando ou acesso direto às variáveis às quais responde. Como no contexto clínico não é possível ter controle de todas as variáveis que influenciam o comportam ento do cliente, não se pode garantir que as modificações obtidas no relato verbal da cliente ocorreram exclusivamente em razão da intervenção terapêutica (já que somente modificar o relato verbal não é a única condição para m udança nos comportam entos fora do contexto clínico).

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CAPÍTULO

Intervenção em Grupo para Pais: Importância

do Diagnóstico Comportamental

Individual

A l e s s a n d r a T u r in i B o l s o n i- S ilva

F e r n a n d a R iz z i B it o n d i

E d n a M a r ia M a r t u r a n o

O presente capítulo descreve procedimentos de avaliação utilizados anteriorm ente à realização de um programa de intervenção em grupo para mães e pais que pretendem melhorar o relacionamento com seus filhos.

O trabalho é desenvolvido a partir do referencial da Análise Comportamental Aplicada, derivada de princípios de laboratório (Análise Experimental do Comportamento) que podem ser aplicados em contextos clínico, educacio­nal e outros. Por outro lado, é influenciado pela filosofia behaviorista radical (Skinner, 1984), a qual com preende todo com portam ento como influenciado por três níveis de seleção, o filogenético (história da espécie), o ontogenético (história particular do indivíduo) e o cultural (história das práticas culturais). Por exemplo, ao observar um a criança sendo agressiva, há de se considerar que tal comportamento teve um papel de sobrevivência na história da espécie, mas

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se hoje ocorre é em razão especialmente da história de aprendizagem dessa criança, a qual possivelmente teve modelos de agressividade com as pessoas de sua convi­vência (influência cultural) que, por sua vez, a estimularam a ser agressiva, por exemplo, dando-lhe atenção quando agredia (ontogenia).

Outra influência recebida diz respeito ao campo teórico-prático do Treinamento de Habilidades Sociais (THS) quanto a habilidades sociais aplicáveis às práticas educativas parentais. Del Prette e Del Prette (1999) entendem por habilidades so­ciais os com portam entos que aum entam a chance de sucesso nas interações sociais, minimizando a chance de produzir problemas futuros.

Para Toros (1997), realizar um diagnóstico comportam ental implica em com ­preender funcionalm ente um caso, de modo a prescrever a m elhor forma de terapia. Tal afirmação remete ao conceito de análise funcional. Vandenberghe (2002) aponta que o conceito de análise funcional m udou com o tem po para Skinner: em 1931, para estudar com portam ento reflexo, Skinner propôs o termo relação funcional em substituição a relação causai; já de 1931 a 1947, Skinner se valeria de correlações e descrições de relações entre eventos, obtidas a partir de m anipulação experimental; em 1953, o autor parece reafirmar as idéias de 1931 ao definir análise funcional:

[...] as variáveis externas, das quais o comportamento éfunção, dão margem ao que pode ser chamado de análise causai ou funcional. Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individual. Essa é a nossa “variável dependente” - o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas “variáveis in d ep e n d e n te sa s causas do comportamento - são as condições externas das quais o comportamento é função. (Skinner, 1993, p. 45)

Ainda que reafirme as idéias de 1931, nesse momento, o autor estava preocu­pado com o com portam ento operante. Para Meyer (1997), a análise funcional é o instrum ento do analista do comportamento. Conforme Millenson (1967), análise funcional seria um a regra que especifica contingências. Contingência, por sua vez, envolveria três termos: antecedente, resposta e conseqüente, havendo relações de dependência entre esses eventos (de Souza, 2001).

Esses conceitos, claramente definidos, foram cunhados diante de trabalhos experimentais que perm item maior controle de variáveis. O trabalho do analista de comportam ento na clínica, segundo Meyer (1997), apresenta problemas no que diz respeito ao controle de variáveis e, portanto, implica em algumas dificuldades, como a identificação da unidade de análise ou a definição de classes de respostas; e a definição de classes de eventos antecedentes e de eventos conseqüentes.

O analista do comportamento deve trabalhar com muitas variáveis simultanea­mente. Sturmey (1996), apoiando-se em Goldiamond (2002), defende a avaliação de com portam entos múltiplos de um a pessoa, por meio de táticas construcionais. Essas, segundo Goldiamond (2002), são métodos de intervenção que entendem o com portam ento-problem a (também denominado ganho secundário) como pro­dutor de conseqüências desejáveis e lógicas, à medida que o indivíduo não é capaz de obter tais reforçadores com outros comportamentos socialmente relevantes. Em conseqüência, a implicação dessa definição é não apenas tratar o comportamento-

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alvo diretamente, mas tam bém dar suporte e aum entar comportam entos alter­nativos funcionalmente equivalentes.

Na m esm a direção, Silvares (1991) aponta como imprescindível realizar dois níveis de análise em um diagnóstico com portam ental. A análise funcional dos problem as apresentados pelo cliente, referente à descrição das contingências que m antêm os problemas, ou seja, as causas am bientais imediatas, é um pri­meiro nível de análise que já perm ite levantar alguns objetivos e alguns procedi­m entos de intervenção. Em um segundo m om ento, conform e a autora, seria realizada a análise das m útuas interdependências com portam entais do caso, de forma a investigar as relações entre os diversos com portam entos do cliente, pro­blemáticos ou não. Com esse procedimento é preciso identificar, além de déficits e excessos com portam entais, tam bém as reservas com portam entais do cliente (Kanfer e Saslow, 1976).

Pais e mães procuram atendim ento especialmente para resolver problemas de com portam ento em seus filhos, em geral birras e agressividades, que têm sido foco de muitos estudos de intervenção (Brestan et a l, 1999; Dishion e Andrews, 1995; Jouriles etal., 2001; Patterson et a l, 2002; Ruma e t a l 1996; Sanders etal., 2000; Webster-Stratton, 1994).

Bolsoni-Silva (2003) observou que problemas de com portam ento estão rela­cionados não apenas à forma como os pais estabelecem limites ou, em outras palavras, m anejam birras e agressividades de seus filhos. A autora identificou que habilidades sociais educativas parentais, tais como as relacionadas à com unica­ção (conversar, fazer perguntas), à expressividade (expressar sentimentos positivos, negativos e opiniões) e à consistência parecem ter um a relação inversa com pro­blemas de comportam ento. A partir desse estudo, com o respaldo de Sturmey (1996) e de Silvares (1991), é possível formular a hipótese de que a promoção dessas habilidades sociais educativas poderia minimizar problemas de comportamento. Portanto, um procedimento de avaliação diagnostica deveria investigar não só variáveis relacionadas à queixa e aos problemas, mas incluir a investigação de outras variáveis relacionadas, como as habilidades sociais educativas parentais, trabalhadas no campo do THS.

Para um melhor entendimento do campo do THS, têm-se as seguintes definições:

[Reação] habilidosa: demonstra assertividade, empatia, expressão de sentimentos positivos ou negativos de form a apropriada, civilidade etc.; [reação] não habilidosa passiva: demonstra esquiva ou fuga ao invés de enfrentamento da situação; [reação] não habilidosa ativa: demonstra agressividade, negativismo, ironia, autoritarismo etc... (Del Prette e Del Prette, 2001b, p. 65)

Uma taxonomia das habilidades sociais é apresentada por Del Prette e Del Prette (2001b), organizada em categorias amplas e específicas:

• Habilidades sociais de comunicação: fazer e responder perguntas; gratificar e elogiar; pedir e dar feedback nas relações sociais; iniciar, m anter e encer­rar conversação.

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• Habilidades sociais de civilidade, dizer “por favor”; agradecer; apresentar- se; cumprimentar; despedir-se.

• Habilidades sociais assertivas de enfrentamento: manifestar opinião, con­cordar, discordar; fazer, aceitar e recusar pedidos; desculpar-se e admitir falhas; estabelecer relacionamento afetivo/sexual; encerrar relacionamento; expressar raiva e pedir m udança de comportamento; interagir com autori­dades; lidar com críticas.

• Habilidades sociais empáticas: parafrasear, refletir sen tim entos e ex­pressar apoio.

• Habilidades sociais de trabalho: coordenar grupos; falar em público; resolver problemas, tomar decisões e mediar conflitos; habilidades sociais educativas.

• Habilidades sociais de expressão de sentimento positivo: fazer amizade; ex­pressar a solidariedade e cultivar o amor.

Avaliar essas topografias de respostas é importante, pois parecem estar fun­cionalmente relacionadas à aquisição de reforçadores sociais. Nas palavras de Del Prette e Del Prette (2001b):

[...] defendemos a idéia de que as pessoas socialmente competentes são as que contribuem na maximização de ganhos e na minimização de perdas para si e para aquelas com quem interagem [...] o desempenho socialmente competente é aquele que expressa uma leitura adequada do ambiente social, que decodifica corretamente os desempenhos esperados, valorizados e efetivos para o indivíduo em sua relação com os demais, (p. 33)

Assim, quanto mais socialmente habilidoso for o indivíduo, mais conseguirá promover interações sociais satisfatórias, ou seja, terá acesso a um maior núm ero de reforçadores (Bolsoni-Silva, 2002) e, por conseqüência, promoverá um reper­tório com portam ental mais am plo e diversificado, inclusive para lidar com situações que apresentem algum tipo de estimulação aversiva. Dessa forma, o THS tem como objetivo principal aprim orar o repertório com portam ental que esteja deficitário no desem penho social, na busca de produzir interações sociais mais satisfatórias. Entre os m uitos tipos de população com as quais se pode u ti­lizar o THS para promover melhorias nos relacionam entos sociais estão os pais e o desenvolvimento do THS com eles. Segundo Silva etal. (2000), um relaciona­m ento satisfatório entre pais e filhos envolve um conjunto de habilidades sociais que abrange:

Leitura do ambiente (observação, escuta e interpretação dos próprios com­portamentos e do filho), iniciar e manter conversações, adequar a própria fa la à fa la do filho, incentivar a expressão adequada de comportamentos pelo filho, expressar amor, afeto e agrado, solicitar favores, recusar pedidos, controlar as próprias emoções negativas, manter consistência nos m éto­dos educativos, expressar as próprias opiniões, inclusive as de desagrado, defender os próprios direitos, dar ordens curtas e claras, pedir mudança de com portam ento, lidar com reprovações recebidas, respeitar opiniões e

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direitos do filho, ignorar comportamento inadequado e desculpar-se diante de algum erro. (p. 206)

É importante salientar que a qualidade da relação entre pais e filhos dependerá da m udança com portam ental das duas partes e, também, da m anutenção desses ganhos (Silva etal., 2000).

Com base nessas considerações, o presente trabalho pretende descrever pro­cedimentos de avaliação individual, para pais e mães que freqüentaram grupos a fim de melhorar suas interações com filhos. Tais procedimentos são exemplificados em um estudo de caso.

Descrição dos Procedimentos de AvaliaçãoA estrutura de avaliação apresentada neste Capítulo foi elaborada para a investigar o relacionamento entre pais e filhos, uma vez que visa subsidiar intervenções com pais e com mães que identificam problemas ou dificuldades na interação com os filhos.

Este trabalho vem sendo desenvolvido em um Centro de Psicologia Aplicada (CPA) de um a cidade do interior de São Paulo, vinculado ao Estágio Supervisionado “Terapia Comportamental em Grupo” (desde 2003) e ao Projeto de Extensão “For­mação Continuada em Terapia Comportamental em Grupo” (desde 2004, com auxílio da Fundação p^ra o Desenvolvimento da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho /Pró-reitoria de Extensão Universitária [Fundunesp/PROEX). Ambos são coordenados pela primeira autora deste Capítulo.

Assim, há três anos vem se oferecendo à comunidade a possibilidade da for­mação de grupos de pais e de mães, de forma a promover um relacionamento interpessoal mais satisfatório entre pais e filhos por meio do desenvolvimento de habilidades sociais educativas. Os m embros da comunidade que se interessam pelo serviço preenchem um a ficha de cadastro no Centro de Psicologia Aplicada e aguardam a cham ada para a primeira etapa do processo, aqui denom inada diag­nóstico comportamental, constituída de quatro sessões.

Instrumentos de AvaliaçãoA avaliação ou diagnóstico com portam ental se realiza a partir da aplicação de al­guns instrumentos, descritos a seguir.

Roteiro de Entrevista Semi-estruturadoO objetivo da realização dessa entrevista é receber os participantes, informar sobre o atendimento em grupo do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) e coletar dados sobre as queixas e as variáveis relacionadas. A entrevista é composta pelas seguintes questões:

• Como soube do grupo?• O que o (a) fez pensar em procurar o grupo?

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Se essa pergunta levar à descrição da queixa:

• Quantas vezes esse comportam ento acontece? Desde quando acontece? Em que situações? Onde você estava? O que estava fazendo anteriormente? Quando isso ocorre, o que você faz? O que acontece depois?

Se essa pergunta não levar à descrição da queixa:

• Fale um pouco sobre seu relacionamento com os amigos na faculdade. Você encontra dificuldades para se relacionar com eles? Porque você acha que essas dificuldades ocorrem? Você poderia me dar alguns exemplos?

• Você já participou de algum atendim ento psicológico?

Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas ParentaisO Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas Parentais (RHSE-P, adap­tação de Bolsoni-Silva e M arturano, 2005) avalia a freqüência e as variáveis antecedentes e conseqüentes de diversas habilidades sociais aplicáveis às práticas educativas. No instrumento, cada tópico é introduzido com um a questão aberta. Para cada opção de resposta à questão aberta, solicitam-se as seguintes informa­ções adicionais, divididas em duas ou mais partes: freqüência com que aparece o com portam ento m encionado (freqüentemente; às vezes; nunca); características desse com portam ento (por exemplo, situações, assuntos) e reações dos filhos.

Inventário de Habilidades SociaisO Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del Prette) (Del Prette e Del Prette, 2001a) é um instrum ento de auto-relato composto por 38 itens que avaliam dimensões situacionais e comportam entais das habilidades sociais. Os itens são agrupados em cinco fatores amplos: enfrentam ento e auto-afirmação com risco, auto-afir­mação na expressão de sentimento positivo, conversação e desenvoltura social, auto-exposição a desconhecidos e situações novas e autocontrole da agressividade. Del Prette e Del Prette (2001a) defendem a aplicabilidade do IHS-Del Prette junto à população universitária brasileira, tendo em vista que o instrum ento representa um a alternativa viável para pesquisas que investiguem efeitos de programas de intervenção (Del Prette e Del Prette, 2001a). O IHS-Del Prette foi investigado sobre suas qualidades psicométricas em termos de validade concomitante e de fide- dignidade ou estabilidade temporal por meio de uma pesquisa realizada com 104 estudantes de psicologia. Os resultados demonstraram que o IHS possui validade concomitante e fidedignidade ou estabilidade temporal e, a partir dessa pesquisa, recom endou-se a utilização dessa escala para avaliar as habilidades sociais de es­tudantes universitários no contexto brasileiro (Bandeira etal., 2000).

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Questionário de Comportamentos Socialmente Adequados para PaisO Questionário de Comportamentos Socialmente Adequados para Pais (QCSA- Pais) (Bolsoni-Silva, 2003) avalia a freqüência de com portam entos socialmente adequados em um a escala que possui três pontes: certam ente se aplica; se aplica em parte; não se aplica.

Escala Infantil A2 de Rutter para PaisA Escala Infantil A2 de Rutter para pais (ECI pais, adaptação de Graminha, 1994) avalia se a criança possui ou não indicativos de problem as de com portam ento em um a escala que tam bém possui três pontes: certam ente se aplica; se aplica em partem ão se aplica.

Child Behavior ChecklistChild Behavior Checklist (CBCL)1 (Achenbach e Rescorla, 2001, adaptado por Bordin etal., 1995) é composto de questões fechadas que investigam freqüência de respostas indicativas de problem as de com portam ento externalizantes e internalizantes e questões abertas que investigam a ocorrência de respostas indicativas de competência social. Para este estudo, somente se utilizaram os es­cores referentes às escalas externalizantes, internalizantes e total de problemas, que são diferenciados de acordo com o T-Escore obtido e correspondem a: clíni­co, para valores acima de 65; borderline, para valores entre 60 e 65; e normal para valores até 59, que investiga a freqüência de respostas indicativas de problemas de comportamento, aplicando-se a partir de 4 até 18 anos de idade.

Procedimentos/Aplicação das EscalasEssa avaliação se obtém por meio de um a entrevista inicial com cada participante (duas primeiras sessões), com o objetivo de descrever queixas, dificuldades e variá­veis relacionadas. Para tanto, há nesse m om ento a investigação de dados das histórias atual e anterior. A terceira sessão se destina à aplicação de um Roteiro de Entrevista Semi-estruturado para avaliar Habilidades Sociais Educativas Parentais (Bolsoni-Silva e Marturano, 2005). A última sessão é utilizada para: aplicar o IHS- Del Prette (Del Prette e Del Prette, 2001a) para avaliar habilidades sociais dos pais presentes em outros contextos, além da interação com os filhos; aplicar dois ins­trum entos para avaliar os repertórios socialmente habilidosos, o Questionário de

1 Child: 4 a 18 anos de idade.

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Comportamentos Socialmente Desejados (QCSD) (Bolsoni-Silva, 2003) e o Indi­cativo de Problemas de Comportamento dos Filhos (Graminha, 1994), permitindo um a avaliação de sondagem/triagem; outra possibilidade é a utilização do CBCL (Achenbach e Rescorla, 2001 adaptado por Bordin et al., 1995), o qual perm ite um diagnóstico clínico. A análise das informações obtidas na avaliação resulta na elaboração de um estudo de caso, o qual tem por finalidade selecionar os objetivos a serem trabalhados com cada um dos participantes do grupo, além de seus obje­tivos gerais. A avaliação tem duração média de quatro sessões individuais, de 50 m inutos cada. Uma variação possível é a utilização de duas sessões de aproxima­damente duas horas, que tem por vantagens a economia de tempo (das estagiárias e participantes) e a antecipação do início do grupo.

Especificando cada um a dessas sessões, logo no início da primeira sessão so­licita-se a permissão para gravação em áudio, justificando aos participantes sua importância, à medida que a gravação garante que todas as informações sejam compiladas e discutidas em supervisão, além de facilitar o trabalho da estagiária, a qual se sente mais à vontade para dar total atenção ao cliente, sem preocupar-se com o registro de dados durante a sessão, ocupando-se em anotar apenas pontos que deve lembrar de perguntar ao cliente. Adicionalmente, já se solicitou nesse m om ento que o participante assinasse, se fosse de sua vontade, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando o uso dos dados para pesquisa e publicação. Outro ponto importante, nesse primeiro momento, é informar aos participantes que o processo é supervisionado por um a professora responsável pelo estágio/extensão. Após esses esclarecimentos, ocorre a aplicação de um Ro­teiro de Entrevista Semi-estruturado, elaborado a partir de Silvares e Gongora (1998), para a coleta dos primeiros dados e da queixa principal dos pais e das mães. A en­trevista contém perguntas abertas, que têm por objetivo orientar a estagiária em relação às informações que devem ser obtidas junto ao participante. A seguir, o roteiro norteador da entrevista:

• (1) O que o(a) fez pensar em procurar o grupo?- Se esta pergunta levar à descrição da queixa, buscar coletar mais dados

por meio de exemplos de situações, freqüência com que ocorrem, desde quando ocorrem, tentar identificar situações antecedentes e conseqüen­tes do com portam ento-problem a descrito pelo participante.

- Se esta pergunta não levar à descrição da queixa, pedir que o cliente fale um pouco do seu relacionamento com seu(s) filho (s), sobre suas maiores dificuldades com ele(s), sobre o que já tentou fazer para solucionar seus problemas e pedir exemplos de situações. Em seguida, busca-se, como no item anterior, identificar a freqüência desses comportam entos-quei- xa, seus antecedentes e conseqüentes.

• (2) Você já participou de algum atendim ento psicológico?- Se sim, identificar quando ocorreu, a freqüência, quais as dificuldades

na época.• (3) Você já participou de algum atendim ento psiquiátrico?

- Se sim, identificar quando ocorreu, a freqüência, quais as dificuldades na época. E tam bém se houve a ingestão de algum medicamento e, se sim, qual e por quanto tempo.

Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico... ■ 89

As pergun tas 2 e 3 devem ser feitas tam bém em relação ao(s) filho(s) do p artic ipan te .

Transcreve-se a sessão na íntegra e analisa-se o conteúdo em dois momentos distintos e complementares. Uma primeira análise ocorre a partir da leitura da supervisora, que identifica as informações relevantes que não tenham sido obti­das no primeiro m om ento e, então, instrui a estagiária a novas perguntas (para coletar dados e/ou esclarecer pontos que não ficaram claros); a segunda análise ocorre m ediante relato em supervisão, na presença de todas as estagiárias, m o­mento em que novas sugestões são elencadas. Essas sugestões norteiam a segunda entrevista com o pai ou a mãe.

A terceira entrevista consiste na aplicação do instrumento denominado RHSE-P (Bolsoni-Silva e Marturano, 2005). Essa entrevista refere-se a um roteiro de ques­tões acerca das já m encionadas habilidades sociais educativas parentais sobre como os pais se com portam na interação com seus filhos. Cada questão é dividida em duas ou mais partes. Na primeira parte da questão, identifica-se a freqüência com que o com portam ento mencionado acontece, classificando-se em: freqüen­temente, quando o com portam ento acontece várias vezes na semana; algumas vezes, se o comportamento acontece poucas vezes durante a semana; e quase nunca ou nunca, caso o comportamento aconteça a cada quinze dias, um mês ou menos. A segunda ou mais partes da questão referem-se a características do com porta­m ento mencionado, o que representa um a medida mais qualitativa das informa­ções m ensuradas quantitativam ente na primeira parte do instrumento, um a vez que se coletam informações acerca das situações em que esses com portam entos acontecem, bem como sobre o modo como os filhos reagem a esses com porta­mentos dos pais.

Na última sessão, aplica-se o CBCL, que investiga a freqüência de respostas indicativas de problemas de com portam ento e de comportam entos socialmente desejados, aplicando-se dos 4 aos 18 anos de idade, a partir do relato dos partici­pantes. Recentemente, têm-se utilizado tam bém outros instrumentos: a Escala A2 de Rutter (adaptada por Graminha, 1994) e o Questionário de Comportamentos Socialmente Desejados para Pais (QCSD-Pais) (Bolsoni-Silva, 2003), que avaliam, respectivamente, as freqüências de com portam entos socialmente desejados e indesejados segundo relatos de pais e mães.

Nesse último encontro também ocorre a aplicação de mais dois instrumentos, com o objetivo de coletar informações sobre habilidades sociais dos participantes em outros contextos além da interação com os filhos. Os instrumentos são o IHS-Del Prette (Del Prette e Del Prette, 2001a) e a Escala de Assertividade de Rathus (1984) (Ayres, 1994). De acordo com Bandeira etal. (2000), o primeiro instrum ento tem o objetivo de caracterizar o desem penho social em diferentes situações, como no trabalho e na família, sendo composto de 38 itens que apresentam um a ação ou um sentimento diante de determ inada situação social e o participante tem que indicar a freqüência com que age ou se sente da m aneira descrita no item. O ins­trum ento de m edida abrange diversos contextos (público, privado ou indefinido), vários tipos de interlocutores (familiar, desconhecido, autoridade e outros) e, tam bém , dem andas interpessoais (reações a com portam entos desejáveis ou

90 ■ Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico..

indesejáveis do in terlocutor e emissões que não dependem da ação explícita do interlocutor).

O segundo instrumento, a Escala de Assertividade de Rathus (Ayres, 1994), possui 30 perguntas que buscam avaliar o grau de assertividade das pessoas. Os itens descrevem com portam entos ou sentimentos que ocorrem em situações so­ciais cotidianas e os participantes devem escolher entre as alternativas: discordo plenamente; discordo em partes; discordo um pouco; concordo um pouco; con­cordo em partes; concordo plenamente. Ambos os instrum entos eram aplicados em uma mesma sessão por serem instrumentos de auto-relato. Sempre que possível, solicitava-se aos participantes que respondessem, mas no caso de não-alfabetiza- ção a estagiária fazia as perguntas oralmente e anotava as respostas.

Como forma de conclusão da avaliação, elabora-se um estudo de caso de cada pai ou mãe que fará parte do grupo, compilando-se todas as informações obtidas em um esquem a único de apresentação, de forma a facilitar o entendim ento dos excessos, déficits e reservas comportamentais, possibilitando a elaboração de ob­jetivos específicos para cada participante e tam bém os objetivos gerais do grupo. A estrutura do estudo de caso resume-se aos seguintes tópicos: identificação do participante; queixa trazida pelo cliente; dados que ilustram as dificuldades do cliente; outros dados de relevância identificados pela estagiária; conceituação com portam ental da problemática do cliente (análise funcional dos problemas e análise das m útuas interdependências comportamentais; Silvares, 1991); tabela apresentando déficits, excessos e reservas comportamentais (Kanfer e Saslow, 1976) obtidos pela aplicação dos instrumentos; sistematização dos objetivos com por­tam entais a serem trabalhados.

Para exemplificar essa metodologia, apresenta-se o exemplo de um cliente que fez parte de um dos grupos desenvolvidos ao longo do ano 2004. Essa apresenta­ção está estruturada passo a passo conforme a descrição anterior.

Estudo de Caso: Exemplificação dos Procedimentos de AvaliaçãoPrimeira Sessão Identificação da ClienteA avaliação a ser apresentada é a de Elisa (nome fictício), de 37 anos de idade, que tem três filhos, sendo o primeiro de seu ex-marido e dois de seu marido atual. Elisa trabalhava como doméstica. Após os esclarecimentos sobre sigilo e partici­pação na pesquisa, a estagiária iniciou o atendim ento perguntando a Elisa como esta ficara sabendo do grupo. A cliente respondeu que trabalhava como dom ésti­ca para um a estagiária do CPA e, em seu trabalho, queixou-se do filho, Pedro (nome fictício), dizendo que teve problemas na gravidez e que não se dava muito bem com ele e, então, sua patroa recom endou que procurasse o CPA. Logo no início do ano seguinte, seu filho fora cham ado para fazer um atendim ento individual, o

Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico... ■ 91

qual realizou durante todo o ano. Ao final desse ano, a estagiária que atendia Pedro informou a Elisa da existência do grupo, recom endando que participasse dele no ano subseqüente.

QueixaComo Elisa acreditava que ainda não conseguia lidar bem com seu filho, apesar de já ter conquistado algumas melhoras durante o ano de atendimento, resolveu participar do grupo. Nas próprias palavras da participante: “eu não sei lidar com ele, preciso de orientação, porque chega um estágio da sua vida que não dá, eu já deveria ter procurado isso antes”. Relatou que desde que engravidou não aceitou a gravidez e, também, não o aceitou assim que nasceu. Com isso, Pedro foi crian­do um vínculo maior com o pai e m enor com ela. Elisa relatou que o filho não a obedece. Com relação a esse último ponto, Elisa diz que “a única palavra que sai da sua boca para mim é ‘não'. Tudo que eu peço dele, pode ser num a boa ou bri­gando, a primeira coisa é ‘não’, mesmo que depois ele volte ‘ah, mãe, vou fazer o que você pediu’, mas primeiro é o não”. Ainda segundo seu relato, Pedro tam bém acredita que Elisa goste mais das outras pessoas do que dele. A estagiária questio­nou qual era a idade do filho e a mãe respondeu que Pedro tinha sete anos, mas que seu filho mais velho (Eduardo, de 20 anos) e sua filha (Carla, de 10 anos) (no­mes fictícios) não lhe deram todo esse trabalho e que já havia procurado ajuda anteriorm ente para lidar com a dificuldade com o filho.

Breve Histórico da QueixaA participante contou que sua prim eira atitude, há dois anos, foi procurar o serviço de atendimento psicológico do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao ser ques­tionada, a cliente respondeu que lá o filho fez um ano de tratam ento em um grupo com mais dez crianças. A mãe relatou que o filho não gostava de ir e que não interagia com as outras crianças, além de estar freqüentem ente agitado, não dor­m ir à noite e gritar muito. Então, a psiquiatra receitou para a criança um a medicação, cujo nom e a m ãe não recordava no m om ento do atendimento. Após um ano, a cliente concluiu que não resolvia levá-lo a esse atendim ento e decidiu procurar por atendim ento no CPA, como já descrito.

Com relação ao atendim ento realizado no último ano no CPA, Elisa avaliou esse processo como muito bom, relatando que seu relacionamento com o filho melhorou 50% e que agora procurava melhorar os outros 50%. Disse, ainda, que já conseguia conversar com o filho, o qual às vezes a obedecia, além de lhe pedir ajuda em algumas atividades da escola. Elisa contou que a estagiária que atendeu seu filho tam bém lhe ensinou algumas formas de lidar com ele, de acordo com suas palavras: “ela me ensinou uns joguinhos de paciência, aquela coisa de você saber levar, dar um tempinho para ele, coisa que a gente não acha durante o dia a dia”.

Para retomar com mais detalhes a história de vida desse filho, a estagiária ques­tionou em que condições Elisa havia engravidado e como estava na época, pois tais informações faziam-se im portantes para entender as variáveis relacionadas à queixa. A cliente explicou que engravidou em um m om ento crítico e que não que­

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ria ter tido o filho. Na época, desentendia-se com o marido, sua filha ainda era pequena, a casa estava em reformas e, em conseqüência, Elisa morava com sua mãe. Queria ter abortado, mas seu marido e sua mãe não perm itiram e com isso resolveu ter o filho, porém não teve cuidados especiais e não fez pré-natal. Quan­do a criança nasceu, Elisa relatou não ter querido vê-la e não a am am entou nos primeiros dias. Achava que “tudo isso” que sentia fora passado para o filho e que, depois do nascimento deste, Elisa “foi levando”. Para com preender melhor essa expressão “ir levando”, a estagiária perguntou se durante a primeira infância da criança Elisa ainda se sentia assim em relação ao filho, m om ento em que respon­deu que o rejeitou até uns dois anos e, a partir daí, começou a se “entrosar” melhor com ele. Porém, logo depois o filho começou a falar e a entender m elhor e, então, brigavam muito, um a vez que agora discordava verbalmente dela ou do que pedia que fizesse. Com base nesses dados, já era possível formular a hipótese de que Elisa possuía déficit na habilidade de conversação, apesar de parecer tê-la desen­volvido m inim am ente ao dizer que já consegue conversar um pouco mais com o filho, mas ainda é nítida a necessidade de melhorar essa habilidade. Outro déficit evidente é com relação à expressão inadequada dos sentimentos negativos, ou seja, de forma agressiva. É possível tam bém que o fato de a gravidez ter sido indesejada tenha controlado o com portam ento da mãe em relação ao filho e, pos­sivelmente, Elisa observava que o filho sempre fora diferente dos irmãos, pois interagia de modo diferente com ele, dando-lhe pouco afeto e sendo bastante punitiva, ou seja, promovendo problemas de comportamento.

Investigação de Variáveis RelacionadasEm seguida, a estagiária perguntou como era o relacionamento da criança (sete anos de idade) com outras pessoas, com a finalidade de perceber em que situa­ções ou diante de que pessoas se comportava dessa forma. Elisa disse que o filho havia melhorado, mas que antes era muito agressivo com outras crianças, batia e xingava seus colegas e que quando brincava com outras crianças, estas deveriam brincar da forma dele ou o filho destruía a brincadeira. Com base no relato da mãe, ficou claro que o filho apresentava com portam entos agressivos tanto com ela quanto com colegas, mas Elisa já havia dito que Pedro possuía um vínculo grande com seu pai. Assim, com o objetivo de investigar se o filho apresentava com portam entos agressivos inclusive dirigidos à pessoa com quem possui maior vínculo, a estagiária perguntou como era o relacionamento dele com o pai. Elisa iniciou sua fala dizendo “eu acho que ele pensa que o pai dele pode tudo” e conti­nuou falando que quando seu marido está em casa, Elisa não “se mete no meio”, como, por exemplo, quando Pedro faz algo errado, se seu pai não chama sua aten­ção, a mãe tam bém não o faz, pois caso o faça, o marido tira sua autoridade na frente dos filhos, defende Pedro e ainda faz o que o filho quer. Vale fazer outra observação nesse momento, de que, à primeira vista, o fato de a mãe não contra­dizer o pai diante do filho poderia indicar coesão entre as atitudes dos pais. No entanto, como ela não concordava com a posição do marido e, na realidade, não conseguia confrontá-lo, percebe-se mais um déficit com portam ental que poderia

Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico... ■ 93

ser trabalhado durante o grupo. Adicionalmente, levanta-se a hipótese de que Elisa tenha medo do marido. Isso diz respeito à expressão de opinião e tam bém a fazer crítica ao comportam ento do outro e pode-se incluir a habilidade de negociar com o marido quais os comportam entos do filho são aceitáveis e quais não são, aum en­tando a chance de consistência nas práticas educativas. Além disso, pelo fato de não conseguir enfrentar o marido, é possível que este represente uma figura punitiva para ela, o que levantaria mais um ponto im portante a ser trabalhado, isto é, estra­tégias de resolução de problemas de forma a promover relações mais equilibradas.

A cliente também relatou que sofria pressão do marido com relação a seu afeto pelo filho. Contou que o marido sempre a questionava “como é que pode um a mãe não gostar de um filho?”, o que poderia levar a sentimentos de culpa. No en­tanto, a mãe de Pedro reclamou que seu marido ficara menos atencioso e não brincava mais com os filhos, os quais começavam a cobrá-lo. Concluiu dizendo que os filhos não reivindicavam isso dela, pois nunca fora de brincar com eles, até porque nunca apreciou muito. A estagiária a questionou se a cliente brincava ou já tinha brincado com seus outros filhos e Elisa respondeu que nunca fora muito próxima deles, que não costumava brincar com eles e o único com quem brincou um pouco, quando era pequeno, foi seu primeiro filho. Informou que tam bém nunca foi de dem onstrar muito carinho para nenhum deles. Com relação à ex­pressão de sentim entos positivos, esse último dado reforça a necessidade de investigar a história de vida da mãe relacionada à expressão de carinho e afeto.

Antecedentes de TratamentoNo que tange às perguntas sobre ocorrências anteriores de atendim ento psiquiá­trico e/ou psicológico, Elisa disse que passou por atendim ento psiquiátrico em 1999, quando relatou ter sofrido um a crise depressiva, chegando a tom ar fluoxe- tina2. No entanto, nunca chegou a realizar atendim ento psicológico. Com relação ao filho, como descrito anteriormente, já passara por atendim ento psicológico e psiquiátrico ligado aos serviços do SUS, com duração de um ano, e por outro aten­dimento psicológico de um ano, já no CPA.

Hipóteses DiagnosticasDiante dessas informações, foi possível elaborar algumas hipóteses com relação às contingências que controlavam o com portam ento de Elisa. Observou-se que grande parte dos m omentos de interação entre a cliente e seu filho ocorria em situação de cobrança, ou seja, eram m omentos em que a cliente o mandava fazer a lição de casa enquanto o filho estava brincando, o mandava tom ar banho ou brigava por algo que Pedro havia feito e era considerado por ela como errado. Com isso, a cliente apresentava-se ao filho, na maioria das vezes, como um a figura pu ­

2 Fluoxetina: antidepressivo que atua como inibidor seletivo da recaptação da serotonina (ISRS) no nível do córtex cerebral (http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?sec=39&art=240).

94 ■ Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico..

nitiva, e essa hipótese seria complementada pela dificuldade já explicitada de Elisa expressar sentimentos positivos e tam bém na expressão inadequada dos senti­m entos negativos. Como conseqüências dessa situação, têm -se não som ente problemas de interação entre Elisa e Pedro, mas acrescenta-se a interferência do pai na situação, que sempre entrava em defesa do filho, reforçando o com porta­mento inadequado deste, explicitando-se aqui a inconsistência entre o casal, o que caracteriza outro fator de risco para problemas de com portam ento (Bolsoni- Silva, 2003). Portanto, a cliente parecia apresentar dificuldades em conseqüenciar de modo adequado os com portam entos do filho. Primeiro, nas situações em que os inadequados ocorriam, pois nesses momentos punia o comportamento do filho. No entanto, o com portam ento dela tam bém poderia ter um valor reforçador para o filho, pois eram dos poucos m om entos em que dava atenção a ele. O pai, por sua vez, retirava a punição que a mãe havia aplicado ao com portam ento e ainda re­forçava este. Segundo, Elisa não conseqüenciava os com portam entos adequados do filho quando ocorriam. Assim, Pedro podia m anter comportamentos inadequa­dos (agressividade, desobediência, oposição) por obter atenção nesses momentos e/ou porque não possuía repertório alternativo de resolução de problemas, pois os pais pareciam não oferecer modelos ou modelar novas respostas mais eficazes na obtenção de reforçadores positivos. Pode-se, também, levantar a hipótese de o casal ter longo histórico de dificuldades conjugais e uma das formas de se elucidar isso seria por meio da discordância quanto ao comportamento inadequado do filho.

Para maior compreensão quanto às variáveis de controle do comportam ento da cliente, foi necessário retom ar sua história de aprendizagem desde a gravidez desse filho, que foi indesejada. Desde aquele momento, Pedro já se tornara um a explicitação de aversivos, pois na época Elisa morava com a mãe, estava em situa­ção financeira difícil, tinha um a filha pequena para cuidar, estava com problemas no casamento e tentava evitar a gravidez, apesar de não ter conseguido. Com isso, a cliente tentava esquivar-se desses aversivos não interagindo com o filho e não cuidando dele quando bebê. Conforme o filho crescia, as interações começaram a ser mais necessárias e Pedro passou a solicitar a ajuda da mãe na realização de algumas atividades. Em grande parte das vezes, Elisa tentava se esquivar da situa­ção, o que acabava por desencadear diversas brigas e desentendim entos entre os dois, tornando ainda mais aversivo o convívio entre eles.

Na continuação da análise desse primeiro momento, elegeram-se alguns pon­tos a serem discutidos na segunda sessão, de modo a serem mais bem explicitados, e tam bém assuntos que pudessem confirmar e/ou refutar as hipóteses já levanta­das, incluindo a de que o filho representava um a estimulação aversiva para a mãe, ou até que ponto isso se m antinha, ou seja, se em algum m om ento Pedro poderia apresentar-se como possibilidade de reforço. Planejou-se pedir que Elisa descre­vesse melhor algumas situações, como, por exemplo, o que fazia e o que não fazia para seu filho quando este era bebê; as condições nas quais brigava com Pedro, a freqüência e a consistência de suas atitudes; que falasse mais dos comportamentos agressivos do filho, quais as m udanças que relatou terem ocorrido, com que fre­qüência ocorreram e ocorrem; que relatasse melhor sua rotina de interação com os filhos; que falasse mais sobre seu relacionamento com os outros dois filhos e as diferenças na interação com cada um deles.

Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico... ■ 95

Segunda Sessão Contextualização da QueixaNa segunda sessão, a estagiária levou por escrito as questões para Elisa e iniciou a sessão perguntando como estava se sentindo. Elisa começou a contar que não gostava de m orar naquela cidade e que já conhecera várias cidades do Brasil, ain­da quando trabalhava como representante de produtos. Continuou relatando, ininterruptam ente, que gostaria de se mudar, mas que só não o fazia porque seu marido tinha medo de não conseguir emprego em outra cidade. Disse tam bém que na época em que tinha somente seu filho Eduardo e trabalhava como repre­sentante de produtos desfrutava de melhor condição financeira quanto ao sustento dela e do filho. Como exemplo disso, conta que seu filho fora acostumado a ter tudo que queria, pois na época Elisa podia comprar. Tanto que, nessa mesma época, o processo de pensão do filho estava correndo judicialmente e seu primeiro m ari­do se propôs a pagar somente um salário mínimo de pensão, alegando que não poderia pagar mais, e Elisa ficou indignada com o valor, dizendo ser muito baixo, pois taLquantia não compraria nem o tênis que o filho estava acostumado a usar.

Elisa continuou falando que Eduardo teve dificuldades em se adaptar a um a condição financeira de vida mais restrita a partir do m om ento em que sua mãe se casara novamente e teve mais dois filhos, pois reivindicava coisas que queria com ­prar e Elisa alegava não mais poder comprá-las. Mostrou-se preocupada com o relacionamento de seu filho mais velho com o pai (primeiro marido), um a vez que não tinham muito contato. Gostaria que tal filho fosse mais próximo do pai, já tentou conversar com ambos sobre o assunto, mas não gostava muito de interfe­rir. Aqui, é im portante parar por um m om ento para evidenciar que na segunda sessão Elisa não queria falar do filho mais novo, de quem falou durante toda a primeira sessão, sinalizando que a dificuldade não estava presente apenas com o caçula e sim que era um a dificuldade “generalizada” de interação. Outro ponto que está de acordo com essa hipótese é o fato de Elisa não brincar com nenhum deles, ainda que na primeira sessão tenha afirmado que brincava com o primeiro filho. Incoerências no relato sugerem pouco autoconhecimento.

Durante esse primeiro m om ento da sessão, a estagiária tentou interrom per algumas vezes a fala de Elisa, com o objetivo de introduzir as perguntas que haviam sido planejadas. Mas diante do com portam ento da cliente de m anter o mesmo assunto, a estagiária percebeu que seria im portante deixá-la falar sobre isso nesse momento, adiando as perguntas para outro contexto.

Manejo Terapêutico: Resolução de ProblemasElisa descreveu um pouco mais sobre seu relacionamento com o atual marido, dizendo que era ela quem cuidava de todas as tarefas da casa, desde cuidados com os filhos, comida e compras até pagar as contas. Mais um a vez, ficam claros alguns déficits comportam entais da mãe anteriorm ente elucidados, comprovan­do realmente a necessidade de trabalhá-los no desenrolar do grupo. Esses déficits incluíam os de conversar e negociar com seu marido, que antes haviam surgido

96 ■ Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico...

com relação aos com portam entos do filho e agora apareciam em situação de dis­tribuição dos afazeres domésticos. A estagiária perguntou se Elisa já havia tentado conversar com o marido sobre isso, com a intenção de dar pistas de alternativas de respostas e a cliente relatou que já falara com ele, tentando dar-lhe atribuições, mas o marido alegara que não entendia nada, que ela tinha mais prática e que não iria administrar como ela. Assim, era sempre Elisa quem tinha que se preocupar e controlar a situação financeira da casa. É preciso fazer um a ressalva nesse m o­mento, pois mesmo Elisa relatando ter muitas atividades e que não queria fazer tudo sozinha, ao m anter as atividades, é possível considerar que isso trazia alguns reforçadores, como o reconhecimento do marido de que era prática e dava conta de resolver tudo sozinha.

Hipóteses DiagnosticasDéficits ComportamentaisAs informações obtidas na segunda sessão, apesar de não terem contemplado as perguntas que tinham sido anteriorm ente elaboradas, reafirmaram as hipóteses antes apresentadas. No que tange ao relacionamento de Elisa com seu filho mais novo, não se obteve qualquer informação adicional, mas notou-se pelo relato das interações com o filho mais velho e com seu prim eiro marido que os com ­portam entos agressivos de Elisa não eram exclusivos de seu relacionamento com Pedro, no que tange a punir com portam entos inadequados e não conseqüenciar os adequados. Pôde-se, tam bém , observar um a falta de repertório de solução de problem as e de negociação, tanto na situação com o primeiro m arido quanto nas situações referentes ao segundo marido. É possível, ainda, questionar por­que evitava tanto contrariar o marido, ou seja, que tipo de controle aversivo este exercia sobre Elisa, que m antinha tantos com portam entos de fuga e esquiva, os quais se explicitavam não apenas na relação com os filhos, mas tam bém na ad­m inistração da casa. É provável que a participante se comportasse ora de modo não assertivo, ora agressivamente, o que dificultava a resolução de problem as e a promoção de interações satisfatórias.

Reservas ComportamentaisTão im portante quanto os déficits é apontar, tam bém , as reservas com porta­mentais de Elisa para que possam ser foco de reforçamento no atendimento, de forma a m elhorar a autoconfiança, a auto-estim a e a motivação para participar do atendim ento. Uma prim eira reserva diz respeito a procurar ajuda para seu relacionam ento com o filho, o que m ostra a tentativa de m udança na busca de mais reforçadores. Elisa é capaz, mesmo não gostando, de coordenar todas as atividades da casa, inclusive cuidar dos filhos. Mesmo com o marido sendo, em grande parte das vezes, punitivo, Elisa ainda tentava, algumas vezes, conversar com ele sobre os com portam entos do filho caçula. Elisa demonstrava dificuldade em expressar sentim entos positivos, mas preocupava-se com a aproximação do filho mais velho com seu pai e tentava ajudá-lo a fazer isso. São comportamentos- reserva que poderiam ajudar a m elhorar a interação com Pedro por meio de generalização e modelagem.

Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico... ■ 97

Objetivos TerapêuticosOs objetivos a serem trabalhados no atendim ento em grupo a partir dessa coleta de dados foram: desenvolvimento de habilidades de conversação, de fazer e res­ponder perguntas, de expressão de sentimentos positivos e negativos, assertividade e conseqüenciar com portam entos inadequados e adequados, conversar com o esposo, negociar práticas educativas e divisão de afazeres domésticos, aprender a ter consistência nas próprias práticas e entre ela e o esposo; desenvolver auto­conhecimento, a fim de descrever a que contingências respondia e, portanto, ter maior motivação para mudança. Para maximizar a obtenção desses objetivos, se­ria recomendável convidar o esposo a participar do atendimento.

Terceira SessãoDando continuidade ao procedimento, aplicou-se, no terceiro atendimento, o RHSE-P (Bolsoni-Silva, 2003).

A seguir, estão descritos os principais pontos das respostas de Elisa no questionário:

• Comunicação:- Em geral, Elisa e o filho conversavam sobre algo da escola, quando ele

saía e fazia algo diferente, quando faziam alguma coisa juntos ou quando ele fazia algo tido como errado. Nessas situações Elisa dizia tentar expli­car o que estava errado e o filho reagia não respondendo, só ouvindo.

- A mãe relatou fazer perguntas ao filho sem receio algum, mas às vezes o filho não respondia de forma alguma. Perguntas como se havia feito a tarefa de casa, se não queria ajudá-la em algo ou onde estaria determinado objeto.

• Expressão de sentimentos:- A mãe disse não expressar muitos sentimentos positivos, como dizer que

gostou de algo que o filho havia feito (referendando o que já havia dito na entrevista). Em contrapartida, disse que sempre falava quando estava bra­va com ele, com raiva (sentimentos negativos). Esse relato reforça ainda mais a hipótese de que aconteciam muito mais interações aversivas do que positivas entre mãe e menino.

- Com relação a como o filho reagia, no primeiro caso era com timidez e, no segundo, agredia-a também. Esse com portam ento do filho m ostra que este teve um a aprendizagem por modelação no que tange a como reagir quando expressava sentimentos tanto positivos quanto negativos.

- A mãe achava que o filho era companheiro e ficava com ela se estava sozi­nha. Isso dem onstra que o filho tinha com portam entos que reforçavam respostas da mãe, mas esta parecia não conseqüenciá-los adequada­mente, o que faria com que o filho se comportasse de forma inadequada para obter atenção.

- Elisa brigava com o filho quando este não a obedecia.- Dificilmente a mãe demonstrava carinho para os filhos e, algumas vezes, a

iniciativa era deles. E pelo fato de Elisa não dar demonstrações de carinho,

98 ■ Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico...

tam bém não fornecia um modelo de como isso deveria ser feito e, quando o filho o fazia, como já mencionado, a mãe não conseqüenciava adequa­damente, não fazendo com que esse com portam ento se instalasse.

• Situações de interação mãe-filho:- A m ãe relatou sempre dar sua opinião para o filho. Possivelmente, fazia

isso nas situações em que dizia a ele que fez algo de errado ou como deve­ria ter feito.

- A m ãe relatou ter dificuldades em estabelecer limites ao filho, principal­m ente quando o pai discordava de como Elisa reagia com a criança. Esse relato comprova o que Elisa já havia dito na entrevista.

- Cumpria tudo o que prometia, tanto as coisas boas quanto as ruins. Esse ponto apresenta-se como um a reserva com portam ental da mãe de ser coerente com o que prometia.

- Dificilmente os pais entendiam -se com relação à educação dos filhos e, em geral, prevalecia a opinião do pai, pois a mãe acabava desistindo. Mais um a evidência de que seria im portante desenvolver habilidades na in te­ração com o cônjuge, tais como concordar com parte do que o pai propõe e, em seguida, expor sua discordância; instalar novas contingências, ten ­tando conversar com o marido sobre o assunto quando a criança estiver ausente; tentar estabelecer regras em conjunto com o marido.

- A mãe brincava pouco com os filhos, sendo o pai quem interagia mais com eles. Como tam bém relatou na entrevista, a própria cliente identifi­cava esse aspecto como um déficit seu.

• Interação com irmãos:- Os irmãos brincavam juntos, mas muitas vezes brigavam, principalmente

com Pedro.

Para finalizar a etapa de avaliação, realizou-se o quarto atendimento, no qual aplicaram-se mais três instrumentos, a Escala de Assertividade de Rathus, o IHS- Del Prette e o CBCL. Com relação aos dados obtidos pela Escala de Assertividade de Rathus, os escores alcançados estão apontados na Figura 6.1.

Escala de Assertividade de RathusPela análise desse instrum ento e retom ando o objetivo de avaliar o grau de asser­tividade da cliente, em situações gerais, pode-se identificar que Elisa possui grau mediano de assertividade (média total dos escores: 3,1). Os escores máximos em alguns itens indicam repertório social desenvolvido para situações de reivindicação de seus direitos, de iniciar conversas, expressar opiniões, conversar com autoridades e expressar francamente seus sentimentos. Nessa última habilidade, é necessário fazer um a ressalva, pois é um dado que contradiz os outros obtidos na entrevista. Como visto no relato da cliente, esta tem facilidade para expressar sentimentos negativos, como nas situações em que briga com seu filho, mas não consegue ex­pressar seus sentimentos positivos de agrado e afeto a ele, e isso pode ser observado

Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico... ■ 99

Fl: Enfrentamento com risco■1■1Ri ■ iHi ■|Hi ■■1■fi ■

F2: Auto-afirmação na expressão de afeto positivo

21. 16. 15. 29. 20. 11. 14. 5. 1. 12. 7. A Itens do IHS

F3: Conversação e desenvoltura social

3. 8. 35. 30.Itens do IHS

F4: Auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas

17. 37. 36. 13. 22. 24. 19C Itens do IHS

F5: Autocontrole da agressividade em situações aversivas

D itens do IHS

F6: Itens não inclusos nos outros fatores

o 3 $ 2 I I

38.Itens do IHS

31. 33. 2. 25. 27. 32. 34. 4.Itens do IHS

Figura 6.1 - (A - F) Escores referentes a cada fator do inventário de habilidades sociais. IHS : Inventário de Habilidades Sociais.

no relato descrito no instrum ento anterior. Já os itens 2, 7, 9 ,11,12,17,22,25, 26, 28 e 30, com escores 2, 1 ou 0, indicam seus déficits comportamentais, que se referem a ser agressiva, iniciar brigas às vezes e não saber como aceitar elogios.

Inventário de Habilidades SociaisO segundo instrumento aplicado nessa sessão foi o IHS. A Figura 6.1 mostra os itens do IHS organizados de acordo com seis fatores, cada um representando um conjunto diferente de habilidades sociais necessárias a determinado contexto social.

O percentil obtido no instrum ento foi 55, o que significa que Elisa apresentava bom repertório em habilidades sociais, acima da média. No entanto, a explicitação

100 ■ Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico...

de cada um dos fatores demonstrou que ainda possuía escores baixos em algumas áreas, as quais necessitavam ser desenvolvidas. Como se vê nos gráficos dos fatores 2,3 e 4, há uma oscilação nos escores obtidos em cada item, demonstrando dificul­dades para iniciar conversação (itens 8 e 19), elogiar o comportamento de outras pessoas (item 6), expressar sentimentos de carinho (item 10), encerrar conversação (itens 17 e 24), agradecer elogio (item 13), expor-se publicamente (item 9).

Com parando-se os dados obtidos na Escala de Assertividade de Rathus e no IHS, notam -se pontos de discordância e concordância entre a avaliação dos dois instrum entos. O prim eiro ponto de discordância apresenta-se no resu lta­do referente à habilidade de iniciar conversação, já que no Rathus se obteve pontuação classificada como habilidade já desenvolvida, ao passo que no IHS isso apareceu como um déficit da participante. Por outro lado, os dados cole­tados nas entrevistas estavam em concordância com os obtidos no IHS. Outro ponto de discordância é com relação à habilidade de expressar sentim entos, pois no Rathus a avaliação foi a de que seria habilidosa nesse tipo de com por­tam ento, o que no IHS ficou evidenciado como déficit. No entanto, esse aspecto foi apontado anteriorm ente como um dado que não condizia com o próprio relato de Elisa durante as duas prim eiras entrevistas, sugerindo pouco au to ­conhecim ento (Skinner, 1974).

Outro aspecto importante de ser salientado é o fato de a Escala de Assertividade de Rathus avaliar a expressão franca dos sentimentos e o IHS avaliar separada­m ente a expressão dos sentimentos positivos e negativos, o que pode ter levado ao relato de que Elisa expressava francamente seus sentimentos negativos, mas apresentava dificuldades em expressar os positivos. No que tange aos pontos de concordância entre esses dois instrumentos, observou-se que ambos detectaram déficit comportam ental nas habilidades de elogiar e receber elogios. Mas ambos tam bém avaliaram a habilidade de reivindicação pelos direitos como um com ­portam ento já desenvolvido.

Child Behavior ChecklistO terceiro instrum ento aplicado na última sessão foi o CBCL, que avalia os com ­portam entos habilidosos ou não do filho, mas a partir do relato da mãe (neste caso). O filho de sete anos de idade obteve, respectivamente, os escores 50 e 55 nas escalas de internalização (por exemplo, timidez, ansiedade) e externalização (por exemplo, agressividade, desobediência), configurando classificação normal.

Tais resultados sugerem que, pelo menos para a mãe, vários dos com porta­m entos do filho são problemáticos. Esse dado está de acordo com as informações obtidas nas entrevistas, que ilustram as dificuldades de interação entre a cliente e seu filho. É preciso considerar que Elisa pode ter um com portam ento discrimi- nativo de atentar mais aos comportam entos inadequados da criança do que aos adequados. A inconsistência dos pais e a presença de comportam entos agressivos e/ou não assertivos da mãe parecem ser variáveis contingentes à emissão desses comportam entos inadequados, cujos padrões de resposta podem servir de m o­delo e de modelagem para as respostas db filho.

Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico... ■ 101

Considerações FinaisO objetivo primordial desse estudo foi descrever um procedimento avaliativo que tem possibilitado a realização de uma análise funcional das habilidades sociais parentais envolvidas na manutenção tanto dos comportamentos-problema como dos compor­tamentos adequados do filho. Partiu-se desse pressuposto com base em Silvares (1991), que observa que uma análise diagnostica comportamental deve conter a análise fun­cional das contingências que mantêm o comportamento-problema e uma análise das mútuas interdependências comportamentais do caso. Somando-se a isso, tomou- se tam bém como base os estudos desenvolvidos por Bolsoni-Silva (2003), que indicaram que os comportamentos-problema dos filhos não estavam relacionados apenas às habilidades parentais de estabelecer limites, em especial no manejo de comportamentos de birras e de agressividade, mas relacionavam-se tam bém às ha­bilidades de comunicação, afetividade, expressividade e de consistência dos pais.

Como se verificou no decorrer deste Capítulo, uma das características básicas do procedimento de avaliação desenvolvido refere-se ao uso de diferentes instrumentos no decorrer das sessões, o que já foi apontado por Del Prette e Del Prette (2001a) como fundamental para a área do Treinamento de Habilidades Sociais. Acredita-se que essa preocupação seja importante, porque um único instrumento não conseguiria identi­ficar o grande número de variáveis envolvidas em determinada situação, queixa e/ou problemática. Porém, quando se utilizam diversos instrumentos, aumenta-se a proba­bilidade de elucidação de maior número de variáveis relacionadas, além de possibilitar a comparação entre os dados obtidos com cada um dos instrumentos. Em outras palavras, viabiliza-se a identificação das coerências e incoerências presentes entre os relatos da cliente e os dados obtidos com inventários, questionários e escalas, aum entando a possibilidade de um diagnóstico com portam ental mais completo.

Dessa forma, procurou-se desenvolver uma avaliação que abrangesse o maior número possível de situações, para que assim se pudessem formular hipóteses acerca de diversas variáveis que controlam os comportamentos da mãe e do filho, a intera­ção entre eles. Os instrumentos abertos, compostos por dois roteiros de entrevista (um semi-estruturado e outro estruturado), possibilitaram um questionamento maior sobre como a mãe interagia com o filho, em quais situações, que conseqüên­cias produzia, bem como permitiu obter dados de história anterior. Os instrumentos fechados, o inventário e as escalas, criaram condições para verificar comportam en­tos da mãe em outros contextos, o que possibilitou avaliar o grau de generalização desses comportamentos e também perceber se eram coerentes com os outros relatos.

Quanto aos resultados obtidos, observou-se que os com portam entos inade­quados do filho parecem contingentes à forma como a mãe interage e essa inte­ração resulta de um a história de aprendizagem em que grande parte das vezes, o filho assumiu o papel de estímulo discriminativo, sinalizando um a estimulação aversiva para a mãe, que emitia respostas de esquiva. Ao identificar o repertório de habilidades sociais parentais da mãe, constatou-se que alguns déficits nesse repertório auxiliam na m anutenção dessa contingência, tais como a falta de habi­lidade de conversação - constatada nas entrevistas e no IHS; a expressão inade­quada dos sentimentos negativos e a não expressão dos sentimentos positivos - verificada nas entrevistas, na Escala de Assertividade de Rathus e no IHS; e não

102 ■ Intervenção em Grupo para Pais: Importância do Diagnóstico...

saber como elogiar comportam entos adequados e tam bém receber elogios - iden­tificados na Escala de Assertividade de Rathus e no IHS.

Retomando a literatura, é possível perceber que essas habilidades são as descri­tas por Bolsoni-Silva (2003) como sendo habilidades que parecem ser preditivas de problemas de comportamento, o que de fato se percebeu com o CBCL. Outros déficits comportamentais encontrados, principalmente nas entrevistas, como conseqüen- ciar comportam entos inadequados e adequados, negociar, ter consistência nas próprias práticas, vêm complementar a gama de habilidades apontadas em estu­dos anteriores (Silva et al., 2000; Bolsoni-Silva e Del Prette, 2002; Bolsoni-Silva e Marturano, 2002; Bolsoni-Silva e ta l , 2003), destacando-se como habilidades im­portantes para se desenvolver um relacionamento satisfatório entre pais e filhos.

Por fim, acredita-se que seja im portante salientar a estrutura em que o pró­prio Capítulo foi desenvolvido. Tentou-se encadeá-lo de forma a ilustrar claramente cada etapa do procedimento, atentando para o que na fala da participante con­trolava o com portam ento da estagiária de fazer outras perguntas, bem como a seqüência de aplicação dos instrumentos. O objetivo de tais descrições é possibi­litar que o procedimento sirva de modelo para outros profissionais, favorecendo a produção de conhecimento na área.

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CAPÍTULO

Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar

Atento com Relação à Intervenção e às

Habilidades Terapêuticas?

A l e s s a n d r a T u r in i B o l s o n i- S ilva

M a r ia n a P in o t t i C a r r a r a

E d n a M a r ia M a r t u r a n o

O presente Capítulo descreve procedimentos de intervenção e habilidades do terapeuta no atendimento em grupo a pais e mães. Ao final, apresentam-se dados de pesquisa que sinalizam para a efetividade do programa. A expectativa das autoras é que tais informações possam auxiliar psicólogos e pesqui­sadores na tarefa de conduzir grupos com pais e com mães.

Intervenções realizadas junto a pais e mães buscam, em geral, minimizar e/ou reduzir problem as de com porta­mento de crianças e adolescentes, tais como desobediência, agressividade e desatenção dos filhos (Silva et al., 2000; Brestan et a l , 1999; M arinho, 1999; Ruma et al., 1996; McMahon, 1996; Rocha e Brandão, 1997; Webster-Stratton, 1994; Kaplan et a l, 1997). Bolsoni-Silva (2003) concluiu, ao analisar a literatura da área, que falta consenso quanto

106 ■ Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção...

a definições, denom inações, diagnósticos e tratam entos de problem as de com ­portam ento. A autora propõe, então, a seguinte definição para problem as de comportamento: “aqueles que dificultariam o acesso da criança a novas contingên­cias de reforçamento, que por sua vez facilitariam a aquisição de repertórios relevantes de aprendizagem” (p. 10). Nessa definição estão incluídos tanto os com­portamentos extemalizantes como os intemalizantes (Achenbach e Edelbrock, 1979).

Problemas de com portam ento parecem ser multideterminados, isto é, dificil­m ente decorrerão de um a única variável e parecem ocorrer com maior freqüência quanto maior for o núm ero de fatores de risco combinados e/ou acumulados (Oli­veira, 1998; Kinard, 1995, Patterson et al., 2002). Dentre os fatores que poderiam favorecer o surgimento e/ou a m anutenção dessas dificuldades encontram -se as práticas parentais (Conte, 1997; Kaiser e Hester, 1997; Loeber e Hay, 1997; Patterson e ta l , 1989; Patterson e ta l , 2002, Webster-Stratton, 1997). Patterson e ta l (2002) apontam como crucial que os pais e as mães ensinem seus filhos a obedecer, pois encontraram indicativos de problemas de com portam ento com mais freqüência em filhos que não eram capazes de obedecer. Pacheco e ta l (1999) tam bém indi­cam que a exigência parental e a responsividade às necessidades dos filhos parecem evitar o surgimento e a m anutenção de tais dificuldades.

Parece, então, que a habilidade1 de estabelecer limites é muito im portante e precisa ser promovida em grupos para pais e mães. Por outro lado, não se deve esquecer que, como apontam Pacheco etal. (1999), os pais e as mães precisam ser responsivos às necessidades de seus filhos, isto é, devem garantir tam bém o afeto, a atenção e o carinho, bem como procurar formas não agressivas de estabelecer limites, o que implica que a terapia deveria garantir tam bém o treino em habilida­des de expressar afeto, expressar carinho e responder às necessidades do filho. Para tanto, o autoconhecimento, tal como definido por Skinner (1974), pode aju­dar pais e mães a serem capazes de entender por que não sabem expressar afeto e qual o impacto da ausência dessa habilidade na educação dos filhos e no relacio­nam ento entre pais e filhos. O autoconhecimento, obtido por meio de perguntas feitas ao cliente, tam bém pode facilitar a empatia, isto é, os progenitores entende­rem tam bém porque as crianças se com portam de determ inada forma.

Diversas habilidades têm sido alvos de treinamento em programas para pais. Em um levantamento de estudos da área, identificaram-se as seguintes habilidades: comunicação (Webster-Stratton, 1994; Dishion e Andrews, 1995; Ruma e ta l , 1996; Silva e ta l, 2000), habilidades parentais de manejo de comportamentos, tais como elogiar, dar feedback, time-out, ignorar (Webster-Stratton, 1994; Dishion e Andrews, 1995, Ruma e ta l, 1996; Brestan e ta l , 1999; Jouriles e ta l, 2001; Sanders e ta l, 2000; Marinho, 1999; Rocha e Brandão, 1997; Silva e ta l, 2000), resolução de conflitos e problemas (Webster-Stratton, 1994; Ruma etal., 1996; Jouriles e ta l, 2001; Marinho, 1999; Rocha e Brandão, 1997), enfrentamento (Webster-Stratton, 1994; Taylor e ta l, 1998; Cobham e ta l, 1998), autocontrole (Ruma e ta l, 1996; Taylor etal., 1998), pro­mover relacionam ento positivo e com petência social da criança - tem po de

1 Os termos habilidade e comportamento, ainda que epistemologicamente diferentes, neste texto são tratados como sinônimos.

Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção... ■ 107

qualidade, conversar com a criança, afeto físico (Sanders et aí, 2000; Jouriles et a í 2001; Silva et a í, 2000) e ouvir atentam ente a criança (Brestan et al.y 1999; Silva etal., 2000).

Para Goldiamond (2002) e Sturmey (1996), cabe ao terapeuta comportam ental atentar para a ecologia do comportamento, ou seja, tentar trabalhar com os reper­tórios funcionalmente relacionados e não apenas com o comportamento-problema. Nesse sentido, esses pesquisadores propõem o modelo construcional no lugar do modelo médico. No caso do problem a de comportamento, as habilidades ante­riormente mencionadas podem estar funcionalmente relacionadas, pois as famílias que possuem suporte social provavelmente contam com pessoas da comunidade para resolver problemas e expressar-se, o que pode favorecer a redução de aversivos e sentimentos negativos correlatos. Por vezes, pais e mães punem seus filhos de forma inconsistente, um a vez que, ao terem diversos problemas a serem resolvi­dos e não terem habilidades suficientes para tal, acabam se irritando facilmente e agredindo as crianças, aliviando-se no momento, mas prejudicando tanto o esta­belecim ento de limites como o relacionamento a médio e longo prazo. Nesse ínterim, se as famílias possuem autocontrole, habilidades para enfrentar situa­ções difíceis e suporte social no que tange ao recebimento de ajuda para resolver problemas, é possível que consigam ser mais consistentes para estabelecer limites, bem como mais comunicativos e afetuosos nesses e em outros m om entos da interação com os filhos, caso possuam tais habilidades m inim am ente presentes.

Pela revisão apontada anteriormente, percebe-se tam bém que são usuais as intervenções com pais e mães que têm por foco o problema da criança e/ou do adolescente e, como habilidades parentais a serem desenvolvidas, as de estabelecer limites (sem o uso de estratégias coercitivas) e elogiar com portam entos social­m ente habilidosos. Por outro lado, há autores preocupados tam bém em ensinar habilidades sociais aos participantes dos grupos, tais como resolução de proble­mas e conflitos, conversação com os filhos, ouvir atentam ente e dem onstrar afeto físico, o que servirá de ponto de partida para a apresentação deste Capítulo.

Pesquisas adicionais foram conduzidas com esses mesmos pressupostos, pois desde o estudo seminal de Patterson etal. (1989), grande núm ero de trabalhos na área tem se norteado pela hipótese de que crianças com problemas de com porta­mento teriam famílias mais coercitivas que crianças sem problemas. Bolsoni-Sil- va (2003), tendo por base essa hipótese, buscou investigar como os pais de pré-escolares com e sem problemas de com portam ento na escola estabeleciam limites. Surpreendentemente, constatou que os dois grupos não diferiam estatisti­camente, isto é, pais/mães de crianças com e sem problemas valiam-se de estraté­gias claramente coercitivas para estabelecer limites (bater, gritar). Por outro lado, ao investigar habilidades sociais educativas, constatou diferenças quanto às habi­lidades de comunicação (iniciar e m anter conversação, fazer perguntas), de ex­pressividade (expressão de sentim entos positivos, negativos e opiniões) e de consistência. Com base nesses achados e no que a literatura prescreve (por exem­plo, Cobham etal., 1998; Taylor etal., 1998; Webster-Stratton, 1994), acredita-se que um procedimento de intervenção que ensine as famílias a manejarem o com ­portam ento da criança, acrescido do treino de habilidades sociais, poderia ser bastante efetivo na redução de problemas, bem como na prevenção destes. Habi­lidades sociais educativas são definidas por Silva (2000) como habilidades sociais

108 ■ Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção..,

aplicáveis à interação com as crianças; por exemplo, estabelecer limites implica em diversas habilidades, tais como dizer não com explicação para pedidos não razoáveis, pedir m udança de comportamento, elogiar comportamentos habilido­sos, expressar sentimentos negativos e descrever conseqüências futuras.

Um aspecto fundam ental da eficácia em programas para pais e mães é, obvia­mente, a aquisição de habilidades sociais e de manejo do comportam ento do filho pelos participantes do grupo. A fim de garantir tal aquisição, o terapeuta precisa possuir diversas habilidades relatadas pela literatura, seja para o atendim ento individual (Rangé, 1998; Meyer e Vermes, 2001), seja para o manejo de grupos (Webster-Stratton e Herbert, 1993).

Rangé (1998), a partir de um a revisão da literatura, identifica as seguintes habilidades dos terapeutas, a fim de orientar o trabalho destes e aum entar sua efetividade: procurar mobilizar a confiança do paciente no terapeuta; promover a confiança nos procedimentos terapêuticos; fornecer informações; aceitar incon­dicionalmente o paciente; ser cortês e compreensivo; ser empático; encorajar a participação ativa; envolver terceiros; adaptar o procedimento de tratam ento ao paciente; oferecer apoio; oferecer ajuda; ter autenticidade; ter autoconfiança; ter flexibilidade na aplicação de técnicas, entre outras.

Além das habilidades mencionadas, outras são apontadas por Meyer e Vermes (2001), a fim de descrever o que terapeutas fazem em sessões de psicoterapia, as quais podem ajudar a observar e a nomear: solicitação de informações; sinaliza­ção; orientação; interpretação; confrontação e silêncio, além das já mencionadas, fornecimento de informações, empatia, calor humano, compreensão e concor­dância. Tourinho e Medeiros (2001), preocupados com o manejo de eventos privados em situação terapêutica, apontam tam bém para importância das habilidades de informar; investigar; oferecer feedback, oferecer conselhos/regras e fazer inferên­cias. Tourinho et a l (2003) acrescentam as habilidades de recuperar falas anteriores dos clientes a fim de produzir confirmação/correção/reelaboração do cliente quanto a essas falas anteriores, bem como de oferecer verbalizações mínimas para pro­mover a continuidade da verbalização do cliente. Alguns autores utilizam para a análise uma ou algumas classes de respostas do terapeuta, de forma a verificar como são apresentadas durante o processo terapêutico e quais são suas variáveis deter­m inantes (Meyer e Donadone, 2002; Wielenska, 2002).

Webster-Stratton e Herbert (1993), ao se referirem às habilidades do terapeuta im portantes para o atendim ento em grupo, m encionaram como imprescindíveis para o tratam ento: com preender as perspectivas dos pais; clarificar assuntos; sumarizar idéias e temas im portantes para os pais; ensinar e interpretar em um caminho que é culturalmente sensível; ensinar e sugerir modelos alternativos de como se comportarem na interação com os filhos. Para esses autores, o terapeuta deveria estabelecer um relacionamento sem diferença com os clientes, um relacio­namento encorajador e recíproco com base no uso igualitário dos conhecimentos do terapeuta e dos pais, o que chamam de modelo colaborativo. Tal modelo caracteriza-se pelo respeito à contribuição de cada pessoa. Assim, os pais teriam responsabili­dade por encontrar soluções, aum entando sua confiança em si próprios. As cinco habilidades m encionadas devem ser utilizadas durante todo o procedim ento e no início é melhor m anter um a postura empática (Rangé, 1998), contem plada no

primeiro item da lista, para aos poucos aum entar intervenções que envolvam as demais habilidades: clarificação, sumarização, interpretação e sugestão.

Esses pesquisadores também mencionaram que, no início da intervenção, é funda­mental o terapeuta perguntar aos pais sobre como é a vida deles em casa com seus filhos, pedindo para que listem os problemas das crianças. Além disso, o terapeuta também deveria: identificar os objetivos parentais e corrigir expectativas irrealistas; começar, sempre que possível, de acordo com as expectativas dos pais; ajudar a família a criar expectativas positivas quanto ao futuro; demonstrar compreensão empática e envolver imediatamente os pais no significado da terapia como um empreendimento colaborativo; encorajar as alternativas dadas pelos pais; enfatizar a natureza colaborativa do treinamento; explicar o papel do co-terapeuta, da dis­cussão em grupo e do suporte; explicar o papel do grupo, o tempo da sessão, o valor da participação individual ativa nas discussões. O terapeuta também teria que assu­mir diversos papéis, de forma a garantir que o processo colaborativo se completasse, ou seja: construir um relacionamento encorajador (ser empático e usar efetivamente habilidades de comunicação: auto-revelação, humor, otimismo, defesa dos pais); encorajar os pais (reforçar e validar os insights dos pais, modificar pensamentos negativos, promover a autocapacidade dos pais, construir um sistema de suporte familiar e de grupo); ensinar (persuadir, explicar, sugerir e adaptar, incentivar a prá­tica das tarefas de casa, garantir a generalização, usar videotape, usar role playings, pedir feedback sobre a qualidade das discussões em grupo e sobre as informações apresentadas na sessão a cada final de encontro e ao final do treinamento); inter­pretar (usar analogias e metáforas, traduzir); guiar e contestar (estabelecer limites, estimular a participação do grupo, lidar com as resistências do grupo); antecipar aspectos futuros (antecipar problemas e recaídas, predizer a resistência para m u­dança, predizer m udança positiva e sucesso). Essas habilidades são importantes, por um lado, para aum entar o vínculo e a adesão ao tratamento e, por outro, para tornar as famílias ativas em seu processo de mudança, bem como amparadas na emissão de novas classes de respostas.

Portanto, verifica-se que, seja para o atendimento individual, seja para grupos, o terapeuta precisa, dentre outros comportamentos, ser empático, aproveitar as re­servas comportamentais (Kanfer e Saslow, 1976) do cliente e ajudar na promoção de habilidades, dando modelos, oferecendo ajuda, mediando o autoconhecimento (Skinner, 1974; Sturmey, 1996), por meio de investigação de queixas e de variáveis relacionadas, fazendo com que o cliente tenha um papel ativo no processo tera­pêutico e que compreenda as funções de seu comportamento, assim como seu papel como agente de mudanças. Reservas comportamentais para Kanfer e Saslow (1976) referem-se aos comportamentos que os clientes já apresentam e que podem ser utilizados na modelagem de novos repertórios. Para Skinner (1974), autoconhe­cimento implica na capacidade de descrever a função dos próprios comportamentos, o que é possível mediante uma comunidade verbal especialmente treinada que faz perguntas descritivas de antecedentes, respostas e conseqüentes.

Nesse sentido, W ebster-Stratton e Herbert (1993) m encionam que os pais e as mães precisam ser m odelos para seus filhos, bem como devem aprender a m odelar com portam entos socialmente com petentes, tendo o terapeuta como m ediador desse processo.

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Dessa forma, este estudo oferece subsídios não só para a compreensão das es­tratégias gerais de condução de Treinamentos de Habilidades Sociais em Grupo, como tam bém para o en tendim ento de quais habilidades verbais do terapeu ta poderiam ser fundamentais à condução de treinamentos desse tipo e qual a forma mais adequada de utilizá-las.

Programa de Intervenção em Grupo para Mães e PaisCaracterísticas GeraisO trabalho tem sido realizado dentro da perspectiva da Análise do Comportamento e tem sido conduzido por terapeutas-estagiárias e /ou terapeutas-extensionistas durante a execução de um Treinamento de Habilidades Sociais em Grupo com pais e mães que desejam melhorar o relacionamento com seus filhos. Tratam-se de intervenções que vêm sendo desenvolvidas em um Centro de Psicologia Apli­cada (CPA) de um a universidade estadual do interior do estado de São Paulo, vin­culado ao Estágio Supervisionado “Terapia Comportamental em Grupo” (desde o ano de 2003) e ao Projeto de Extensão “Formação Continuada em Terapia Com­portam ental em Grupo” (desde o ano de 2002, com auxílio da Fundação para o Desenvolvimento da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Pró- reitoria de Extensão Universitária [Fundunesp/PROEX] de 2004 a 2005), ambos coordenados pela primeira autora deste Capítulo.

A seguir, descreve-se a estrutura do treinamento, apresentando-se suas caracte­rísticas gerais, objetivos e procedimentos utilizados nas diversas fases da intervenção.

ObjetivosOs objetivos do treinamento estão voltados tanto para os estagiários alunos do curso de Psicologia e extensionistas quanto para as pessoas da comunidade. Para os esta­giários e extensionistas, o treinamento visa, de modo geral, favorecer condições para o desenvolvimento das habilidades terapêuticas necessárias ao atendimento em grupo. Quanto à comunidade, o trabalho busca oportunizar a formação de grupos de pais e de mães que possam, dentro do referencial da Análise do Comportamento, desenvolver suas habilidades sociais educativas. O desenvolvimento dessas habili­dades visa, prioritariamente, melhorar o relacionamento entre pais e filhos, mas tam bém pode promover melhorias nos relacionamentos entre os participantes do grupo e sua família de origem, companheiros(as), amigos(as), colegas de tra­balho, na m edida em que o cliente poderá generalizar o uso das habilidades aprendidas para os demais ambientes de suas vidas.

ProcedimentosA divulgação do trabalho se faz m ediante cartazes afixados dentro e fora da univer­sidade, pela rádio universitária e pela creche universitária (Centro de Convivência Infantil). Os interessados entram em contato com o CPA e são chamados para a

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entrevista inicial conforme a ordem de inscrição. A partir desse momento, reali­zam-se entrevistas e coletam-se informações que permitirão a elaboração de um estudo de caso individual, o qual operacionaliza as informações e explicita objeti­vos individuais, ainda que o procedimento de intervenção venha a ocorrer em grupo. Maiores detalhes podem ser encontrados no Capítulo 2 deste livro.

As intervenções ocorrem, no caso do estágio supervisionado, um a vez por se­mana, com duração de duas horas cada, durante todo o ano, perfazendo 20 en­contros. No caso do projeto de extensão, ocorrem duas sessões por semana durante seis meses, com duração entre um a hora e meia e duas horas. Em ambas as m oda­lidades, o programa completo inclui módulos de avaliação pré e pós-intervenção, cada um com quatro sessões, e 20 sessões de intervenção.

Nos próximos parágrafos, descrevem-se os seguintes com ponentes do pro­grama: a avaliação pré-intervenção, a primeira sessão de intervenção, o esquema de um a sessão de intervenção típica e os temas trabalhados em cada sessão.

Procedimento Utilizado Antes da Intervenção - Diagnóstico ComportamentalA primeira etapa do treinamento, aqui denom inada diagnóstico comportamental (Toros, 1997), geralmente compreende quatro sessões individuais de 50 m inutos cada, mas é possível, também, utilizar sessões de até duas horas cada, antecipando o início da intervenção em grupo.

Diagnóstico, para Toros (1997), “é exatamente a compreensão funcional do caso que se apresenta à clínica a fim de se prescrever sua melhor forma de terapia” (p. 99). Meyer (1997) afirma que análise funcional é o instrum ento do analista do comportamento, seja para avaliar, seja para intervir.

Goldiamond (2002) defende que o analista do com portam ento deve analisar todo o repertório com portam ental de seus clientes, considerando déficits, exces­sos e reservas, à m edida que para esse autor com portam entos-problem a (déficits, excessos) são mantidos porque produzem reforçadores. Nesse ínterim, o foco da intervenção deverá ser na construção de repertórios (a partir das reservas compor­tamentais) que possam obter reforçadores ora obtidos pelos comportam entos- problema. Diante desses pressupostos, um programa de intervenção, pautado no modelo construcional, possui quatro elementos: (1) estabelecimento de m eta ou resultado - o repertório que o programa pretende estabelecer ou construir; (2) identificação do com portam ento de entrada ou repertório corrente relevante, o que indica o ponto inicial para a modelagem de novas respostas a partir das habi­lidades no repertório do cliente, fruto de um a história de aprendizagem; (3) seqüên­cia de passos para a construção de novas respostas; (4) m anutenção do repertório promovido pelo programa.

Com a intenção de realizar um diagnóstico comportamental, inicialmente são feitas duas entrevistas individuais com cada participante, objetivando obter in­formações sobre queixas, dificuldades e variáveis relacionadas, m ediante a inves­tigação de dados da história anterior e atual de cada cliente (Silvares, 1991) -

112 ■ Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção...

maiores informações podem ser obtidas no Capítulo 2 deste livro. Também se soli­citam alguns dados sobre os clientes e seus familiares, tais como data de nasci­m ento e naturalidade. Por fim, definem-se os horários e os integrantes de cada grupo de terapia. A terceira e a última sessão destinam-se à aplicação dos instru­m entos padronizados de avaliação. As inscrições e entrevistas term inam quando todos os grupos estiverem com até oito inscritos ou após um período de três m e­ses desde a abertura das inscrições.

O passo seguinte refere-se à elaboração de um estudo de caso para cada parti­cipante, a partir das informações obtidas nas entrevistas iniciais. O estudo de caso se realiza m ediante um roteiro prévio com tópicos que orientam o entrevistador na busca de informações sobre queixas, dificuldades (organizadas em déficits e excessos), reservas comportamentais, análises funcionais e objetivos com porta­mentais. Esse documento é elaborado para facilitar a compreensão de reservas, déficits e excessos comportam entais de cada cliente, bem como de variáveis rela­cionadas, visando selecionar, de modo adequado, objetivos específicos para cada participante, não se restringindo aos objetivos gerais pré-estabelecidos para o Trei­nam ento de Habilidades Sociais em Grupo. A seleção de objetivos específicos para cada participante é altamente desejável, pois, como assinalam Webster-Stratton e Herbert (1993), se as famílias não tiverem suas próprias dificuldades e expectati­vas consideradas no grupo, a efetividade, a adesão e a satisfação ficam reduzidas. Os estudos de caso propiciam ao terapeuta informações relevantes para que possa incluir entre os objetivos as principais preocupações das famílias, o que caracteriza, desde o início, um a abordagem colaborativa na condução do tratamento. Desse modo, tenta-se trabalhar em cada m om ento da intervenção as dificuldades dos participantes, sem, contudo, deixar de trabalhar o tem a anteriorm ente proposto.

Primeira Sessão de IntervençãoAlgumas características são peculiares à primeira sessão do programa. No início desse encontro, solicita-se a permissão dos clientes para que o conteúdo conver­sado em todas as sessões seja gravado em áudio. Explica-se aos participantes que tal gravação garantirá que nenhum a informação seja esquecida, permitindo um a análise adequada, pelas terapeutas (estagiárias e extensionistas) e por sua su­pervisora, de cada situação relatada. Além disso, salienta-se que, como o uso do gravador, se dispensaria o trabalho de registro m anual dos dados durante as sessões; em conseqüência, os terapeutas poderiam dar maior atenção aos partici­pantes. Assim, anotam apenas as informações necessárias para nortear perguntas a partir das falas dos participantes.

Outra característica peculiar à primeira sessão em grupo é a realização de um a ou duas atividades de discussão que propiciem que os clientes se conheçam m e­lhor e se integrem ao grupo com maior facilidade. Ao final do primeiro encontro tam bém são explicitadas as regras gerais de funcionamento do grupo, tais como sigilo, ouvir a opinião dos outros e esperar a vez para falar. É fornecida um a pasta a cada participante, para que este guarde o material que receberá a cada sessão. Esse material engloba: textos contendo resumos dos conteúdos teóricos a serem

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discutidos nas sessões e exemplos referentes a tais assuntos; explicações das tare­fas de casa, sempre que necessário; explicações e/ou materiais relacionados às atividades de discussão sempre que pertinentes.

Procedimento nas Demais Sessões de IntervençãoPara nortear a condução de cada sessão, delimitou-se um esquem a geral a ser adaptado conforme necessidades surgidas no decorrer dos encontros. De acordo com esse esquema, uma sessão típica de intervenção se organiza em quatro partes.

Tarefas de CasaInvestigação das tarefas de casa atribuídas na sessão anterior e acontecimentos da semana, buscando descrever antecedentes, respostas e conseqüentes, identificando dificuldades, realizando avaliações funcionais comportamentais descritivas e trei­nando repertórios (por meio de diversas técnicas, como modelação, modelagem, reforçamento, role playing). A título de exemplo, um cliente pode relatar na tarefa de casa que bateu em seu filho porque este brigou na escola; diante desse relato, o terapeuta, tendo por comportamento-alvo, em um primeiro momento, a resposta emitida pela criança, pode perguntar: o que exatamente a criança fez? Como você se sentiu? Por que será que seu filho agiu assim? Depois que você bateu, como seu filho reagiu? Como você se sentiu? Como você avalia seu desempenho, o que teve de bom, o que teve de prejudicial? O que você acha que poderia ser mantido? O que você mudaria? O que o grupo acha? Quem poderia ajudar? Perguntas como essas podem ajudar a descrever as situações antecedentes e conseqüentes que po­dem estar mantendo as respostas da criança e, por outro lado, são perguntas que podem favorecer o cliente e o grupo na compreensão de por que o cliente conse- qüencia de determinada forma as respostas da criança. Com essas informações, o terapeuta na situação de grupo pode ajudar o cliente a treinar habilidades alternati­vas de modo a atingir seus objetivos com mais êxito. Para tanto, podem-se utilizar técnicas como o role playing que abarca outras técnicas, como feedback positivo e negativo, elogio, reforçamento diferencial (modelagem) e modelação.

Cabe destacar que, quando o grupo é composto por seis ou mais participantes, se conduzidos todos esses procedimentos com todos os clientes, o tempo ficaria escas­so para a implementação do restante da sessão. Dessa forma, com o auxílio do estudo de caso anteriormente elaborado, listam-se as dificuldades de cada participante e priorizam-se a descrição detalhada e o treino para aqueles com mais dificuldades. Tal manejo garante o atendimento às necessidades individuais e estimula os demais participantes a oferecerem modelos. Essa etapa deve durar, no máximo, 50 minutos.

Exposição Teórica DialogadaRealização de um a exposição teórica dialogada acerca do tem a da sessão (Tabela 7.1), parafraseando os conteúdos dos textos entregues aos clientes até sua plena compreensão; identificação das dificuldades e de exemplos de cada cliente, o que

Tabela 7.1 - Temas a serem trabalhados em cada sessão do programa

Sessões Temas

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1 Comunicação: iniciar e manter conversações2 Comunicação: fazer e responder perguntas3 e 4 Expressar sentimentos positivos, elogiar, dar e receber feedback positivo, agradecer5 Conhecer direitos humanos básicos6 Expressar opiniões (de concordância, de discordância), ouvir opiniões (de

concordância, de discordância)7 Conhecer diferenças entre comportamento habilidoso, não habilidoso ativo e não

habilidoso passivo8 Expressar sentimentos negativos, dar e receber feedback negativo9 Fazer e recusar pedidos10 e 11 Lidar com críticas (fazer e receber críticas), admitir os próprios erros, pedir

desculpas12 Estabelecer limites: consistência na forma como pais e mães interagem com a

criança13 Estabelecer limites: desenvolvimento infantil, comportamentos “desejados” e

“indesejados” Questionar regras parentais sobre o que é certo e errado fazer14 Estabelecer limites: observação, discriminação das contingências que influenciam

os filhos a se comportarem de forma “desejada” e “indesejada”. Questionar regras parentais sobre o que é certo e errado fazer

15 Estabelecer limites: ignorar comportamentos “indesejados”; conseqüenciarcomportamentos “desejados”, dar atenção, expressar afeto

16 e 17 Estabelecer limites: solicitar mudança de comportamento, dar regras,conseqüenciar regras, negociar

18* Tema livre (por exemplo, “incentivar os filhos a gostar de estudar”)19 Tema livre (por exemplo, “ciúmes entre irmãos”)20 Tema livre (por exemplo, “conciliar o papel de pai/mãe com outras atividades”)

* As sessões 18, 19 e 20 foram programadas para trabalhar um tema de interesse do grupo e para aprofundar/ complementar os assuntos tratados em sessões anteriores, de forma a tentar suprir, o máximo possível, as necessidades individuais e do grupo.

deve ser aproveitado para apresentar o conteúdo e para realizar avaliações funcionais comportam entais descritivas. A exposição dialogada deve durar em torno de 20 minutos. A título de exemplo, o terapeuta pode perguntar aos clientes o que enten­dem por comunicação (tema da sessão), que facilidades e quais dificuldades apresentam, como acham que tal conteúdo pode estar relacionado aos com porta­mentos dos filhos. Após questionamentos dessa natureza, apresenta-se de forma dialogada o conteúdo de um a cartilha informativa e discutem-se, junto ao grupo, estratégias de resolução de problemas que porventura tenham aparecido nos relatos.

Treinamento de HabilidadesTreinam ento de repertórios m ediante atividades de discussão (Del Prette e Del Prette, 2001) e prio rita riam ente por m eio de role playings, técnica que tem sido bastan te referendada pela literatu ra quan to à aquisição de h ab i­lidades (W ebster-Stratton e H erbert, 1993). O treino costum a dem andar em torno de 35 a 40 m inutos. A seguir, encontra-se um exemplo de um a sessão

Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção... ■ 115

de in tervenção em grupo. A cliente disse querer tre inar um a situação, pois tinha dificuldades para convencer o filho a ir à escola. Afirmou que quando estava de folga o filho não queria ir à escola para ficar com ela e quando ele es­tava de férias queria que a m ãe faltasse ao trabalho para ficar com ele. A m ãe chegou a m entir, dizendo que iria trabalhar para que o filho fosse à escola, m as estava p reocupada porque ia en trar em férias e não seria possível m en ­tir todos os dias. A terapeu ta perguntou ao grupo o que achavam que a cliente poderia fazer, m om ento em que um a partic ipan te respondeu que achava que a cliente deveria contar a verdade para o filho, pois este já tinha idade para entender. Essa partic ipan te disse que a cliente poderia dizer ao m enino que todos têm responsabilidades e que não poderia faltar ao em prego porque não receberia o salário e que o filho não poderia faltar à escola porque não ap ren ­deria; sugeriu tam bém que a m ãe dissesse ao m enino que depois poderiam b rincar juntos.

A terapeuta perguntou à cliente se esta concordava com o que a participante do grupo disse e a cliente afirmou que sim e que queria treinar. Atribuíram-se os papéis de mãe (própria mãe) e filho (outra participante do grupo) e iniciou-se o seguinte role playing:

Mãe: Hoje eu não vou trabalhar.Filho: Que bom, então eu não vou na escola para ficar com você.Mãe: Você tem que ir porque senão você não aprende.Filho: Eu não quero ir. Eu vou todo dia e você trabalha todo dia, agora quevocê vai ficar em casa eu também quero.Mãe: Eu vou arrumar a casa e quando você voltar nós vamos brincar do quevocê quiser.Filho: Eu não vou.Mãe: Cada um tem as suas responsabilidades, eu preciso trabalhar praganhar dinheiro e você precisa ir à escola para aprender.Filho: Eu não vou.Mãe: Ou você vai à escola ou você vai para a casa da sua avó e eu vou trabalhar.Filho: Mas você não está de folga?Mãe: Éa minha folga e não a sua, mas quando você voltar nós vamos brincar.Filho: Então tá bom!

As terapeutas elogiaram a consistência da cliente, a qual afirmou que tentaria praticar naquela sem ana e achava que quando se diz não, deve-se cumprir até o final. As terapeutas elogiaram seu relato.

No meio do role playing, a terapeuta interrom peu e solicitou que a cliente fa­lasse com voz e postura mais firmes e, no final, disse que isso era im portante para a criança levar a sério.

Nesse exemplo, a cliente emitiu satisfatoriamente as respostas já na primeira tentativa, mas quando isso não ocorre, o terapeuta solicita interrupção e pede ajuda ao grupo no que tange a elogiar e dar feedback positivo, bem como sugestões para treino subseqüente.

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Avaliação da SessãoRealização da avaliação dos procedimentos utilizados na sessão e solicitação de tarefas para casa por meio de folhas de registros, que podem ser gerais ou, quando necessário, específicas para cada participante. Tais atividades chegam a utilizar os 10 ou 15 minutos finais.

Temas TrabalhadosAlém do esquem a geral de condução dos encontros e das peculiaridades da pri­meira sessão de trabalho em grupo, tam bém são estabelecidos anteriorm ente os temas a serem trabalhados em cada sessão. Essa definição se fez, principalmente, com base em estudos realizados pela primeira autora deste Capítulo, seus conhe­cimentos adquiridos por meio de supervisões de estágios e de grupos de extensão universitária, além de revisão bibliográfica da área. Os temas preestabelecidos para cada sessão estão explicitados na Tabela 7.1.

A Tabela 7.1 foi criada para sistem atizar o tem a principal a ser trabalhado em cada encontro. Entretanto, vale ressaltar que cada sessão poderá retom ar tem as anteriores, pois cada um deles constitui prerrequisito para habilidades m ais com plexas e subseqüentes (por exemplo, quando se prom ovem h ab i­lidades envolvidas no estabelecer limites, quase todos os assuntos até então dis­cutidos são retomados).

Apesar de a discussão sobre esses temas ser imprescindível em um Treina­mento de Habilidades Sociais em Grupo, tam bém se consideram as avaliações funcionais descritivas comportam entais e os estudos de caso realizados antes do início das sessões de terapia em grupo. Assim, todos os temas são tratados de modo contingente às dificuldades encontradas pelos participantes em seu cotidiano. Por exemplo, quando os clientes relatam suas tarefas de casa (início de cada encontro), realizam-se, com ajuda do grupo, avaliações funcionais das dificuldades apresen­tadas, em especial daquelas cuja temática foi apontada nas entrevistas de avaliação. Os exemplos tam bém são utilizados/retomados na exposição teórica (segunda parte da sessão) e, por fim, no treino da habilidade da sessão (terceira parte) ao se realizarem atividades de discussão e/ou role playings, escolhem-se exemplos rela­cionados às dificuldades dos participantes, de forma a dar modelos e modelar repertórios condizentes aos objetivos individuais, além dos do grupo. Procura-se tam bém aproveitar as reservas comportam entais de participantes do grupo para a promoção de habilidades de outros, seja na solicitação de modelos, seja na dis­cussão de variáveis relacionadas aos problemas relatados.

Habilidades Verbais do TerapeutaBuscando oferecer subsídios para a compreensão de quais habilidades verbais do terapeuta são fundam entais à condução de Treinamentos de Habilidades Sociais em Grupo e qual a forma mais adequada de utilizá-las, descrevem-se a seguir exem-

Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção... ■ 117

pios de habilidades verbais do terapeuta utilizadas em interações terapeuta-cliente durante a condução do treinam ento realizado para o Estágio Supervisionado no ano de 2004. As habilidades verbais do terapeuta foram agrupadas em categorias e subcategorias a partir dos registros de cada sessão (conteúdo parafraseado a partir de gravação em áudio, com transcrições literais de apenas algumas falas). Identificaram-se as seguintes categorias de habilidades verbais do terapeuta: inves­tigação (INV); feedback(FBK); conselho (CON); inferência (IFR); informação (IFO); sumarização (Sm); verbalizações mínimas (MIN); acolhimento (Ac); e generalização (Gn). Apenas as categorias acolhimento, sumarização e generalização foram ela­boradas a partir dos dados dos registros de sessões; as demais foram elaboradas a partir de Tourinho etal. (2003).

As Tabelas 7.2 a 7.10 apresentam as descrições de cada um a dessas categorias de habilidades verbais do terapeuta. Para as subcategorias, além da descrição de cada uma, tam bém se apresentam situações em que podem ser utilizadas, exem­plos e m omentos das sessões em que aparecem com m aior freqüência.

Avaliação da Efetividade do Programa de Intervenção

MétodoParticipantesParticiparam do estudo dois pais e 11 mães que buscaram atendim ento com a intenção de melhorar as interações com seus filhos. O trabalho foi realizado em um CPA de um a universidade estadual em um a cidade do interior do estado de São Paulo. A Tabela 7.11 caracteriza a amostra.

InstrumentosPara as medidas pré e pós-intervenção, utilizaram-se os seguintes instrumentos:

• Questionário adaptado do Questionário de Habilidades Sociais Educativas Parentais (QHSE-P) (adaptação de Bolsoni-Silva, 2003), que avalia a freqüên­cia e as variáveis antecedentes e conseqüentes de diversas habilidades sociais aplicáveis às práticas educativas.

• Inventário de Habilidades Sociais (IHS) (Del Prette e Del Prette, 2001b) e Escala de Assertividade de Rathus (Ayres, 1994), que investigam habilida­des sociais gerais.

• Child Behavior Checklist (CBCL) (Bordin et al.y 1995), que investiga a freqüência de respostas indicativas de problem as de com portam ento e de com portam entos socialm ente desejados, aplicando-se dos 4 aos 18 anos de idade.

118 ■ Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção..

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128 ■ Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção...

Tabela 7.11 - Caracterização dos participantes da pesquisa

CódigoIdade(anos) Ocupação Filhos: idade/sexo

Grupo 1 PI - Pai 44 Empresário 14a/M*, 16a/M, 18a/MP2 - Mãe 34 Advogada 4a/F*P3 - Mãe** 50 Cobradora 22a/F*, 18a/MP4 - Pai 44 Empresário 8a/M*, 6a/FP5 - Mãe 44 Secretária executiva 8a/M*, 6a/FP6 - Mãe** 39 Advogada 4a/M, 5a/F, 7a/F, lOa/M*

Grupo 2 P7 - Mãe 50 Professora universitária 3a/F*, 20a/M, 23a/FP8 - Pai 48 Corretor de imóveis 17a/F*, 18a/MP9 - Mãe 50 Bancária 17a/F*, 18a/MP10-Mãe 41 Arquiteta 4a/F*

Grupo 3 PI 1 - Mãe 42 Jornalista la/F*P12-Mãe 44 Assistente social 9a/M, lla /M V la/M , 15a/MP13-Pai 45 Policial federal 9a/M, lla/M*,15a/M

* Filho (a) que motivou a procura pelo atendimento. ** Participantes divorciadas, a = anos; F = sexo feminino; M = sexo masculino.

ProcedimentoSeleção dos ParticipantesPara a composição da amostra, o trabalho foi divulgado de diversas formas: por meio de cartazes, como “Orientação para pais e para m ães” (espalhados pelo campus da universidade e em outros locais da cidade); pela rádio universitária; pelo site da universidade; por palestras. A forma de divulgação garantiu os aspec­tos éticos necessários. Os participantes foram informados e assinaram um Termo de Consentimento Pós-informado Livre e Esclarecido, concordante com a Reso­lução do Conselho Nacional de Saúde n2196, de 10 de outubro de 1996. Esse projeto contou com a colaboração de alunos de extensão universitária (formação conti­nuada em Terapia Comportamental em Grupo) que tam bém assinaram um Termo de Consentimento Pós-informado Livre e Esclarecido.

Coleta de DadosPara a avaliação dos procedimentos de intervenção foi utilizado um delineamento que usou o participante como seu próprio controle (comparações entre avalia­ções pré e pós-intervenção). Esse delineamento perm ite a descrição de efeitos do procedimento de intervenção no caso de o com portam ento m udar após a intro­dução da variável independente (o program a de intervenção). As sessões de intervenção ocorreram em 2004 (primeiro e segundo semestres) e no primeiro semestre de 2005, em um total de 20 sessões de intervenções e oito sessões de avaliação (quatro para medidas pré-teste e quatro para pós-teste), por meio de en­trevistas e inventários, apontados anteriormente.

As avaliações pré e pós-intervenção, com base em Silvares (1991) e em Kanfer e Saslow (1976), investigaram seqüencialmente: queixas trazidas pelos pais e pelas

Intervenção em Grupo para Pais: a que Estar Atento com Relação à Intervenção... ■ 129

mães acerca da interação com os filhos, bem como variáveis relacionadas mediante um Roteiro de Entrevista Semi-estruturado; avaliação de habilidades sociais edu­cativas parentais por meio do QHSE-P (adaptação de Bolsoni-Silva, 2003); avaliação de habilidades sociais gerais (IHS e Rathus); avaliação de indicativos de proble­mas de com portam ento dos filhos por meio do CBCL.

As avaliações pré-teste foram gravadas e, com exceção do IHS, do Rathus e do CBCL, os demais instrum entos foram aplicados de forma que a entrevistadora fez as perguntas e anotou as respostas espontâneas. Na seqüência, realizaram-se as sessões de intervenção. Ao final das 20 sessões, aplicaram-se novamente os ins­trum entos utilizados no pré-teste, com exceção da entrevista para descrever queixas e variáveis relacionadas, que tinha como papel fundam ental auxiliar na elaboração de um estudo de caso individual, o qual norteou o acom panham ento de cada participante do grupo.

Tratamento e Análise de DadosO tratam ento e a análise dos dados tiveram por objetivo comparar as avaliações pré e pós-intervenção para cada um dos instrum entos utilizados. Portanto, a se­qüência de tratam ento e de análise dos dados foi:

• Atribuição de escores para as respostas dadas pelos participantes. Para as respostas “freqüentem ente” (QHSE-P; CBCL) atribuiu-se o escore 2, para “algumas vezes” atribuiu-se o escore 1 e para “nunca ou quase nunca”, o escore 0; aos instrum entos IHS e Rathus tam bém se atribuíram escores, conforme recomendações próprias.

• Elaboração de tabelas em que constem, para cada instrumento, os escores atribuídos nas avaliações pré e pós-teste.

• Comparação das medidas obtidas antes e depois da intervenção com o auxílio de um pacote estatístico (SPSS 8.0), mediante teste não-paramétrico (Wilcoxon).

• Organização dos resultados sob a forma de figuras e tabelas.

ResultadosEsta seção apresenta seqüencialm ente os resultados das análises quantitativas descritivas e tam bém inferenciais dos instrum entos QHSE-P, CBCL, IHS e Rathus.

A Figura 7.1 mostra resultados das medidas pré e pós-intervenção, relativas aos escores médios de Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P).

A Figura 7.1 indica que, já no pré-teste, a amostra apresentava escores altos em Habilidades Sociais Educativas Parentais, as quais puderam ser m elhoradas após a intervenção. Análises inferenciais (teste Wilcoxon) encontraram diferenças sig­nificativas para os itens brincar [p - 0,046) e identificar comportamento “negativo” {p = 0,038), sendo a média superior no pós-teste para brincar (1,2 e 1,5) - já que a m ediana foi igual a 1 nas duas medidas - e inferior para o item identificar compor­tamento “negativo” (2 e 1). Outras categorias sugerem m elhoras pela análise quantitativa descritiva: expressar sentimento positivo, expressar opiniões, cumprir promessas, identificar comportamento “positivo

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fcjalül Pré-teste —♦— Pós-teste

Habilidades Sociais Educativas Parentais

Figura 7.1 - Escore médio de Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P) nas medidas de pré e pós-intervenção.

A Tabela 7.12 aponta o resultado obtido com as análises Wilcoxon nas medidas de pré e pós-teste do CBCL. A Figura 7.2 apresenta o resultado das comparações das médias obtidas por eixos.

Pela Tabela 7.12 percebe-se que diversos itens apresentaram diferenças esta­tisticamente significativas, tanto em eixos de internalização (eixos 1 a 5) como de externalização (eixos 7 a 10), conforme Achenbach e Edelbrock (1979), em todas as comparações com diferença significativa, cujas medianas e/ou médias sinali­zam a redução após a intervenção.

A Figura 7.2 mostra que, de forma geral, a amostra apresentava poucos indi­cativos de problemas de comportamento, mas que ainda assim houve tendência à redução das dificuldades em todos os eixos e para alguns itens as análises infe- renciais foram sensíveis (ver Tabela 7.12).

A partir dos dados, percebe-se que há poucos indicativos de problemas de com portam ento ao se verificar que o escore máximo possível seria 66 (eixo outros, com 33 itens) e o mínimo seria 12, referente ao eixo problemas sexuais, com seis itens. A Figura 7.2 indica que o eixo comportamentos agressivos foi o que apresen­tou maiores escores no pré-teste, o qual não ultrapassou o valor 13 e, como é composto de 20 itens, poderia chegar ao escore 40.

As Figuras 7.3 e 7.4 mostram resultados referentes às comparações pré e pós- intervenção, obtidos com os instrumentos IHS e Escala de Assertividade de Rathus.

A Figura 7.3 indica que os participantes apresentaram percentis acima de 50, com exceção de P3, P4 e P5, sendo, portanto, um a população com características não-clínicas. Os participantes P4, P5 e P10 apresentaram percentil abaixo da m é­dia após a intervenção, sugerindo a necessidade de atendimento psicológico. Todos os outros participantes apresentaram melhoras no pós-teste. Análises estatísticas constataram diferenças para os itens abordar autoridade {p = 0,018) e recusar pedido abusivo (p = 0,023), cujas medianas foram superiores nas avaliações pós-inter-

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Tabela 7.12 - Medianas e valores de p dos itens do Child Behavior Checklist (CBCL) que apresentaram diferenças significativas (teste Wilcoxon)

Eixos ItensMedianas

Pré-teste Pós-teste Valor de p

Eixo 1 - Retraimento Gosta de estar sozinho (a) 1,00 0 0,046Isola-se, não cria relações afetivas com os outros

1,00 0 0,014

Eixo 3 - Ansiedade e depressão

Sente ou queixa-se de que ninguém gosta dele (a)

1,00 (1,00) 1,00 (0,67) 0,046

Tem medo de tudo 0 (0,44) 0 (0,08) 0,046Eixo 4 - Problemas sociais

É desastrado (a) ou tem falta de coordenação

0 (0,33) 0 (0,00) 0,046

Total 3,00 2,00 0,008Eixo 5 - Problemas de pensamento

Repete várias vezes as mesmas ações, compulsões

0,50 0 0,014

Eixo 7 - Comporta­mentos delinqüentes

Não parece sentir-se culpado(a) depois de se comportar mal

1,00 0,50 0,046

Eixo 8 - Comporta­ Destrói suas próprias coisas 1,00 0 0,046mentos agressivos É teimoso (a), mal-humorado (a)

ou irritado (a)1,00 (1,33) 1,00 (1,00) 0,046

Perturba os outros freqüentemente 0,50 0 0,046Eixo 10 - Outros Tem prisão de ventre 0,50 0 0,034

Come muito 1,00 0 0,025Total 10,00 5,00 0,022

As médias são apresentadas entre parênteses.

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I Pré-teste

□ Pós-teste

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Eixos - CBCL

Figura 7.2 - Escore total médio, por eixos do Child Behavior Checklist (CBCL) nas medidas pré e pós-intervenção.

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Participantes

Figura 7.3 - Percentil do escore geral do Inventário de Habilidades Sociais (IHS) dos participantes nas medidas pré e pós-intervenção.

venção. As análises quantitativas descritivas mostraram tendência à melhora em todos os fatores do instrumento.

Pela Figura 7.4 percebe-se que 9 (30%) dos 30 itens avaliados aum entaram o escore médio após a intervenção. Conforme Del Prette e Del Prette (1999), poderiam ser descritos como itens de Habilidades Sociais Assertivas de Enfrentamento os itens 1, agressividade e assertividade] 2, relacionamento afetivo-sexual; 5, recusar pedido; 15, expressar sentimento de desagrado a familiares; 19, discutir preços com vendedores; e 29, expressar opiniões; e como de Habilidades Sociais de Comunica­ção os itens 10, iniciar conversação com desconhecido; 12, fazer ligação para estabelecimento comercial; e 16, fazer perguntas. Expressar sentimento de desagra­do a fam iliares (item 15) ap resen tou diferença es ta tis ticam en te significativa {p = 0,047) com m ediana superior no pós-teste.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30Itens de Rathus

Figura 7.4 - Escore médio dos itens de Rathus nas medidas pré e pós-intervenção.

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Discussão e Considerações FinaisQuanto às habilidades terapêuticas, pode-se dizer que o uso da habilidade de in­vestigação vem ao encontro do que m encionam Skinner (1974) e Sturmey (1996) ao dizerem que a investigação de queixas e variáveis relacionadas contribui para promover o autoconhecimento, estabelecendo ao cliente um papel ativo no pro­cesso terapêutico e contribuindo para a compreensão das funções de seu com ­portam ento e de seu papel como agente de mudanças.

O papel ativo do cliente no processo terapêutico tam bém é citado por Webster- Stratton e Herbert (1993) que, ao com entarem sobre o modelo colaborativo de condução das sessões, enfatizaram que o terapeuta deve ter com os clientes um relacionamento com base no uso igualitário dos conhecimentos do terapeuta e dos pais, respeitando a contribuição de cada pessoa. A freqüência do uso de in­vestigações indica a consideração dos conhecimentos dos clientes pelo terapeuta, principalmente no que se refere às subcategorias modelo (INV1) e opinião anterior (INV 2) (ver Tabela 7.2), que investigam a opinião do cliente quanto a como se com­portar diante de determinadas situações e quanto ao assunto a ser discutido na exposição teórica, buscando identificar, por um lado, os modelos que o cliente é capaz de sugerir para estabelecer a resolução dos problemas do grupo e, por outro, a linha de base do cliente. Já a valorização dos conhecimentos anteriores do partici­pante pode ser notada no uso das habilidades de elogiar, dar feedback e dar conselhos.

Por meio da análise da literatura da área de treinam ento de pais (Webster- Stratton, 1994; Dishion e Andrews, 1995; Ruma et al., 1996; Silva etal., 2000; Brestan etal., 1999; Jouriles eta l, 2001; Sanders e ta l, 2000; Marinho, 1999; Rocha e Brandão, 1997; Taylor et a l, 1998; Cobham et a l, 1998), nota-se que se busca ensinar os participantes a estabelecerem limites (sem o uso de estratégias coercitivas) e a elogiarem com portam entos socialmente habilidosos, assim como o treinam ento aqui descrito buscou fazer ao apresentar os temas das sessões 3 ,4 ,5 ,7 ,8 ,9 e de 12 a 17 (ver Tabela 7.1). A análise de tal literatura permite, ainda, verificar que os au­tores tam bém têm procurado ensinar habilidades sociais aos participantes dos grupos, tais como resolver problemas e conflitos, conversar com os filhos, ouvir atentam ente e dem onstrar afeto físico, o que novamente vem ao encontro dos temas desenvolvidos nesse programa, principalmente no que se refere às sessões1,2, 3, 4, 6, 7, 9, 10 e 11 (ver Tabela 7.1).

A definição dos temas das sessões 1,2,3,4,6,8 e 12 (iniciar e m anter com uni­cação; fazer e responder perguntas; expressar sentimentos positivos, negativos e opiniões; ter consistência na forma de lidar com a criança) está de acordo com as descobertas de Bolsoni-Silva (2003), pois, segundo a autora, pais/mães de crianças com e sem problemas utilizam estratégias claramente coercitivas para estabele­cer limites, mas as habilidades de comunicação, expressividade e consistência são mais desenvolvidas em pais/mães de crianças sem problemas do que em pais/mães de crianças com problemas. Dessa forma, o procedimento adotado nesse programa poderá contribuir não apenas para ensinar pais e mães a manejarem o com porta­m ento da criança, mas tam bém para treinar habilidades sociais parentais, as quais podem servir de modelo para as crianças e, se os pais estiverem atentos, poderão modelar tais respostas quando surgirem no repertório dos filhos.

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Para que os objetivos do treinam ento possam ser atingidos, é de fundam ental importância o emprego de diversas habilidades verbais do terapeuta no decorrer das sessões em grupo. A análise dos registros das sessões perm itiu agrupar essas habilidades verbais em nove categorias elaboradas por Tourinho e ta l (2003), ain­da que a elaboração de subcategorias tenha sido necessária. Três novas categorias foram criadas a partir dos dados das sessões: acolhimento e sumarização (que poderiam assumir a função de empatia) e generalização.

No que tange aos resultados de pesquisa apresentados, nota-se que, de forma geral, apontaram um a melhoria nas habilidades sociais educativas parentais, ainda que o grupo, em sua maioria, pudesse ser considerado não-clínico. As habilidades sociais educativas que melhoraram no pós-teste foram brincar; identificar com­portamento "negativo”, expressar sentimento positivo, expressar opiniões, cumprir promessas e identificar comportamento “positivo”.

Ao relacionar esses achados com as habilidades sociais educativas parentais destacadas por Bolsoni-Silva (2003) como preditivas de problemas de com porta­mento, percebe-se um a aproximação entre as duas pesquisas, à m edida que, com exceção de estabelecer limites, concordar com cônjuge, iniciar e manter conversa­ções e fazer perguntas (que foram destacadas por Bolsoni-Silva [2003] e nessa pesquisa já apresentavam altos escores no pré-teste e assim se mantiveram), as demais habilidades m encionadas aum entaram o escore após a intervenção.

O presente estudo acrescenta um a m udança na habilidade social educativa parental de identificar comportamento unegativo”, que se reduziu após a intervenção, sendo muito favorável, tanto pelo fato de os filhos terem reduzido a emissão de tais respostas, como constatado pelos resultados obtidos com o CBCL, quanto pela am ­pliação do repertório dos progenitores no que diz respeito a identificar e conse- qüenciar comportamentos “positivos”, bem como na melhoria das habilidades que envolvem comunicação, expressividade e afetividade (Goldiamond, 2002).

Interessante destacar que a habilidade social educativa parental de brincar com os filhos tam bém aum entou de modo significativo após a intervenção e, como a amostra é composta especialmente por mães, há um ganho im portante do pro­cedimento de intervenção, um a vez que é comum destacar-se o papel dos pais e não o das mães quanto a brincadeiras, pois para as mães em geral fica a incum ­bência de estabelecer limites e monitorar (Silva, 2000; Bolsoni-Silva, 2003; Paquette, 2004). Ao brincar com os filhos, pais e mães perm item um a melhoria no relacio­namento, estabelecendo um canal de comunicação e de expressão de afeto, que pode garantir reforçadores a todos os envolvidos nas interações, sem contudo necessitarem emitir com portam entos-problem a (Goldiamond, 2002).

Como visto na Tabela 7.12 e na Figura 7.2, houve tendência à redução em to ­dos os eixos indicativos de problemas, tanto de comportamentos de extemalização como de internalização (Achenbach e Edelbrock, 1979), ainda que já se m ostras­sem com baixa freqüência antes mesmo da intervenção. Cabe destacar que houve redução estatisticamente significativa em problemas sociais, inclusive no escore total, perm itindo supor que os pais, ao serem socialmente habilidosos, ensina­ram tais habilidades a seus filhos, possivelmente por modelação e por modelagem.

A definição assumida por Bolsoni-Silva (2003) considera como problemas de com portam ento tanto os comportam entos externalizantes (por exemplo, agressi­

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vidade, birras, roubos) como os de internalização (por exemplo, retraimento, de­pressão). Tal definição, apoiada em Rosales-Ruiz e Baer (1997), implica em reper­tórios que parecem prejudicar o acesso de crianças e adolescentes às contingências de reforço, as quais, por sua vez, poderiam ser consideradas relevantes para a aprendizagem à m edida que favoreceriam a expansão de repertórios. Assim, tais respostas poderiam prejudicar o desenvolvimento, seja social, seja acadêmico de crianças e adolescentes. Os achados dessa pesquisa quanto ao repertório dos filhos são im portantes, pois sinalizam generalização das habilidades dos pais do setting terapêutico para a interação com os filhos. Por outro lado, pode-se supor ainda que pais e mães, ao serem socialmente mais habilidosos, oferecem m ode­los e m odelam repertórios socialmente habilidosos de seus filhos, que podem garantir reforçadores, reduzindo conseqüentem ente a emissão de com porta- m entos-problema, um a vez que teriam perdido sua funcionalidade (Goldiamond, 2002). Uma contribuição do program a refere-se a ter garantido melhoria tanto para problemas externalizantes como internalizantes, pois a maioria das pesquisas sobre problemas de com portam ento tem por foco os com portam entos conside­rados anti-sociais (por exemplo, Patterson e ta l , 2002) que poderiam ser denom i­nados externalizantes.

Generalização tam bém pode ser inferida a partir dos resultados com os ins­trum entos que avaliam habilidades sociais em contextos variados, IHS e Escala de Assertividade de Rathus. De modo geral, os resultados apontam para um au­mento nos escores de habilidades sociais assertivas de enfrentamento e habilidades sociais de comunicação (Del Prette e Del Prette, 1999).

Webster-Stratton (1985; 1997) m enciona que tanto mais sucesso terá um pro­grama quanto mais for capaz de garantir redes sociais de apoio. Pais e mães, ao aprenderem a interagir de forma socialmente habilidosa, podem generalizar para outros contextos, o que se incentivou bastante no procedimento terapêutico, favo­recendo o aum ento e a qualidade das interações, especialmente quanto a habili­dades sociais assertivas de enfrentam ento, que podem colaborar na resolução de problemas com pouco prejuízo para as relações, bem como em habilidades de comunicação, que tam bém podem favorecer a obtenção de reforçadores sociais.

As autoras acreditam tam bém ser fundamental investigar a história desses pais e mães e as regras que podem influenciar de modo negativo a interação com seus filhos (Webster-Stratton, 1985). Tal pressuposto foi considerado pelo programa, seja na avaliação individual (Silvares, 1991; Kanfer e Saslow, 1976), seja durante todo o procedimento terapêutico (Webster-Stratton e Herbert, 1993), o que favoreceu aos participantes descreverem as contingências a que respondem, aum entando o autoconhecimento e o conseqüente autocontrole (Skinner, 1974; Ruma et a l, 1996; Taylor e ta l , 1998).

A partir dos resultados obtidos, conclui-se que a hipótese subjacente ao tra­balho foi confirmada, pois ao se promoverem habilidades sociais educativas pa­rentais foi possível reduzir problemas de comportamento dos filhos, sem ter havido intervenção com eles e sem que os com portam entos-problem a fossem os focos primordiais de atendimento.

A contribuição desse estudo está na descrição e avaliação de procedimentos de intervenção e de habilidades do terapeuta no atendimento em grupo para auxiliar

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psicólogos e pesquisadores na tarefa de conduzir um grupo com pais e com mães, em razão de serem poucos os estudos nacionais realizados com essa preocupação (Meyer e Vermes, 2001; Tourinho e Medeiros, 2001). Estudos futuros poderão tes­tar essas categorias de habilidades terapêuticas a partir da filmagem de sessões.

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CAPÍTULO

Efeitos do Treino de Comunicação

e Expressão de Sentimentos em Grupo Familiar

com Dificuldade de Interação

S a n d r a L e a l C a l a is

É r ik a P a t a r o M a r s o l a

A família é a primeira experiência social do ser humano, o primeiro grupo a que vai pertencer e sua importância é sempre apontada, em especial quanto ao desenvolvimento saudá­vel ou não de seus membros.

Nos tempos atuais, muitas e maiores mudanças do que houve nas últimas gerações ocorrem no dia-a-dia das famílias. A mulher, antes dedicada aos afazeres domésticos, hoje faz parte da força de trabalho quase nas mesmas condições que o marido. Este, antes o único provedor do lar, enfrenta agora o desemprego, deixando à mulher o papel de provedor que ele outrora desempenhava. Muitas famílias também vêm se one­rando com os cuidados relativos a pais idosos, além da falta de suporte social para cuidar de filhos pequenos, levando cada parceiro a exercer novos papéis (Halpem, 2005).

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Atualmente, considera-se família não só aqueles unidos pelo casamento civil ou religioso, mas tam bém qualquer união estável e mesmo quando somente um hom em ou um a m ulher forma um a comunidade junto com seus filhos (Consti­tuição da República Federativa do Brasil de 1988).

Lévi-Strauss (1967) refere haver três tipos de relação em uma família: a de aliança (relação entre o casal), a de filiação (pais e filhos) e a de consangüinidade (irmãos). A família, embora composta de um grupo de indivíduos, funciona como um todo, com papéis diferenciados para cada membro; cada um possui uma posição determinada como marido, esposa, filho. Essa união familiar pressupõe relacionamento afetivo.

Lidchi e Eisenstein (2004) sugerem que a família deve proporcionar a seus membros as condições necessárias para crescimento individual e apoio diante das dificuldades, além de dever apresentar boa comunicação, afetividade, regras e limites claros e flexíveis.

Dessa forma, em estudos que envolvem famílias, devem-se analisar aspectos como: a história da família; a história de seus m embros de forma individual; as formas como esses m embros interagem; os recursos materiais, sociais e com ­portamentais; as funções e os papéis de cada membro e o m omento do ciclo de vida dessa família (Malerbi, 2002).

Muitos acontecimentos podem afetar a estabilidade de um a família e um de­les é a infidelidade de um dos parceiros. Esse tipo de ocorrência traz um a condição de instabilidade conjugal e desonestidade, além da dificuldade do parceiro traído em voltar a confiar no outro, acreditar em sua honestidade, enfim, de retom ar o papel de cúmplice (Atkins etal., 2005).

Todos esses acontecimentos possíveis para uma família podem causar a crise con­jugal e, por conseqüência, familiar, porque não há possibilidade de somente um membro ser afetado. Filhos criados em ambientes com maior nível de agressividade ou negligência tendem a exibir padrões alterados de comportamento, de agressivi­dade ou dificuldade para seguirem regras sociais (Bolsoni-Silva e Marturano, 2006).

Famílias com casamentos desajustados exibem maior negatividade, além de gerar maiores seqüências de conflitos do que os casamentos mais ajustados. As intervenções nessas famílias devem enfatizar técnicas para interrom per trocas negativas e prevenir sua generalização entre os membros (Greene, 1999).

Uma das formas de se interrom per tais trocas negativas é propor modos mais adaptativos de interação verbal ou não-verbal entre os membros. Nesse sentido, o treino de habilidades sociais é um a ferramenta útil ao terapeuta, pois auxilia os membros do grupo a se comportarem de modo reforçador tanto para si (evitando desem penhos passivos) quanto para os outros (evitando desem penhos agres­sivos). Em conseqüência, a aprendizagem de com portam entos socialm ente competentes possibilita m elhor convivência entre os m embros da família.

Paralelamente ao treino de habilidades sociais, deve-se ajudar os membros a iden­tificarem em si quais comportamentos poderiam ser modificados para que o treino seja efetivo. Dessa forma, os objetivos da intervenção em família também incluem o autoconhecimento dos membros e a clarificação dos papéis que cada um desempe­nha no grupo familiar. Com isso, permite-se maior compreensão das regras a que os comportamentos dos membros do grupo estão submetidos e possibilita-se a solução dos conflitos e uma maneira de se viver e se comunicar melhor.

Efeitos do Treino de Comunicação e Expressão de Sentimentos em Grupo Familiar... ■ 141

O terapeuta de orientação com portam ental baseia-se nas reservas compor­tam entais apresentadas pelo cliente para delinear sua intervenção. Por reservas com portam entais entendem -se os com portam entos não-problem áticos que o cliente exibe, a partir dos quais se pode incentivar a aquisição de novos compor­tam entos (Kanfer e Saslow, 1976). A análise com portam ental aplicada à família segue o mesmo princípio: identificam-se as dificuldades, usam-se estratégias para que essas dificuldades possam ser expressas de forma a não ameaçar cada membro do grupo, implementam-se soluções com as reservas comportamentais e avaliam- se essas soluções, com o aval de todos os membros (Sheridan etal., 2004).

Na intervenção familiar, além dos elementos que existem em um a interven­ção individual, há questões a se considerar, como a complexidade do grupo familiar, com papéis e funções dos m embros da família, e mais a participação de todos os membros na terapia (Ferreira, 2005).

A análise comportamental aplicada à família pode, comprovadamente, auxiliar pais e filhos a desenvolverem novos padrões de comportamento e virem a ter maior harm onia em família. Resultados de um a m etanálise com 30 experiências selecionadas aleatoriamente compararam a intervenção comportamental com ne­nhum tratam ento e demonstraram significativa eficiência da intervenção (Shadish e Baldwin, 2005).

Publicar intervenções em grupo familiar pode acrescentar muito à psicologia fa­miliar, com descrição das experiências vividas, uso de instrumentos de medidas e inventários, dinâmicas que permitem a esse grupo expor sentimentos, pois nem sem­pre essas intervenções deixam à vontade pesquisadores preocupados com uma análise mais científica em intervenções (Gilgun, 2005). No Brasil, há poucas publicações sobre intervenção familiar, especialmente em abordagem behaviorista (Ferreira, 2005).

Expor essas intervenções com todos os seus caminhos pode chamar a atenção para intervenções mais controladas e passíveis de sugestões pelos cientistas da Análise do Comportamento.

O caso relatado a seguir é um exemplo de intervenção familiar sob a visão behaviorista radical. O atendimento ocorreu em um a clínica-escola de um a univer­sidade pública do interior do estado de São Paulo, e foram tomados todos os cuidados para não haver identificação. A família deu consentimento por escrito para a publi­cação. Algumas situações ou informações foram retiradas por solicitação da família, mas isso não afeta a compreensão do caso e nem empobrece o relato.

Caso Clínico BiografiaTrata-se de um a família de classe média, formada pelo casal (em torno de 50 anos de idade) e três filhos do sexo masculino (entre 15 e 23 anos). A terapia foi realizada somente com quatro membros, pois o filho mais velho não convivia mais com a família. As sessões se realizaram a cada 15 dias, com duração de 50 minutos, visto que todos possuíam muitos compromissos, sendo difícil conciliar seus horários e com um tem po maior para a sessão.

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Histórico da QueixaHá mais ou menos seis anos, houve na família duas crises seguidas decorrentes da saída do pai para formar outro lar e de envolvimento com drogas do filho mais velho, que desestruturaram a constituição familiar e a relação conjugal. Após al­gum tempo, a família se reconstituiu, pois o pai voltou, mas continuou sofrendo as conseqüências daquelas situações, cujos conflitos não haviam sido esclarecidos ou sequer discutidos entre os membros.

A mãe e esposa, com 50 anos de idade, encontrava-se em atendimento clínico individual e de casal há um ano. Percebeu-se que muitos conflitos trazidos às ses­sões apresentariam melhores resultados se fossem discutidos em família. Propôs-se, então, a intervenção para a família, prontam ente aceita pelos outros membros.

O objetivo geral do atendim ento era o de melhorar a comunicação entre eles, dando oportunidade, com a mediação da terapeuta, para que:

• Aprendessem a expressar entre si seus sentimentos, pensam entos e confli­tos, principalmente quanto às crises sofridas no passado.

• Aumentassem a cooperação e o apoio mútuo.• E, conseqüentem ente, aum entassem os reforçadores positivos na intera­

ção familiar.

IntervençãoEm todas as sessões, mesmo depois de estabelecido o rapport, tomou-se o cuida­do de iniciá-las com conteúdos mais superficiais, com situações cômicas ou com dinâmicas de aquecimento (por exemplo, relaxamentos, andar pela sala ao som de ritmos musicais diferentes, pequenas massagens em duplas), a fim de des­contrair os integrantes e deixá-los mais à vontade para falarem sobre si mesmos.

As primeiras sessões visaram:

• Coletar dados acerca dos filhos.• Criar um a situação lúdica, facilitando a interação inicial com a terapeuta e

com a situação terapêutica.• Possibilitar as interações social e lúdica entre os membros.

Para ilustrar esse último objetivo, segue um exemplo da atividade. Os clien­tes foram divididos em duplas: cada um deveria, inicialmente, responder a sete questões sobre si e, em seguida, no verso da folha, sobre a pessoa de sua dupla. Deveriam citar:

• Uma qualidade e um defeito.• A coisa que mais gosta e a coisa que não gosta de fazer.• Se (eu/fulano) fosse um animal, seria... Porque...• E (eu/fulano) fosse um objeto, seria... Porque...

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• Se (eu/fulano) fosse uma música “brega”, seria... Porque...• Se (eu/fulano) fosse uma coisa nojenta/asquerosa, seria... Porque...• O que mais me irritai irrita fulano é...

Ao final, as respostas eram lidas e pedia-se que tentassem adivinhar a quem se destinavam. Depois, pedia-se ao autor das respostas que as explicasse melhor. Com isso, naturalm ente surgiam comentários (muitas vezes, risos) entre os m em ­bros, principalmente sobre as características que eram atribuídas aos outros.

Todos esses momentos foram aproveitados, levantando-se questões para instigá- los a expressar sentimentos negativos, bem como observar as reações quanto ao recebimento de críticas. Observou-se a necessidade de trabalhar, em um outro m omento e de forma mais sistemática e focada, a assertividade nas interações.

Tomou-se ainda como objetivo a verificação do nível de cooperação entre eles diante de um a tom ada de decisão por meio de um a dinâmica. Para tanto, criou-se um a situação irreal, com condições específicas, em relação à qual deveriam che­gar a um a solução num tem po determinado. Durante a análise da situação e tom ada de decisão, observou-se as participações e reações de cada um. Ao final, cada um respondeu a um questionário de avaliação, tanto de seu desem penho quanto dos outros membros. Fez-se a analogia com a vida real: como eram tom a­das as decisões diante de conflitos reais. Discutiram-se as respostas de cada um e percebeu-se que a mãe costumava tom ar sozinha as decisões. Ao mesmo tempo em que a mãe apontava isso como um peso para carregar, os outros membros mostraram se sentir incomodados, percebendo que dificilmente eram ouvidos ou, quando tinham a oportunidade de falar, tais opiniões eram desconsideradas.

Como se percebeu haver pouca interação social de lazer entre eles, assim como pouca ajuda nos afazeres domésticos (sobrecarregando a mãe), sugeriu-se ativi­dades semanais de acordo com os interesses individuais e coletivos.

Após algum tem po da terapia, percebeu-se que conteúdos mais profundos poderiam ser discutidos, o que causaria maior exposição de sentimentos. O pró­prio grupo relatava que se esquivava de falar sobre esses conteúdos. A atividade proposta foi dividida em duas partes: cada um deveria anotar a situação mais engraçada da família e depois a situação mais triste (nesta última haveria a opor­tunidade de expor os conteúdos mais difíceis). Conforme previsto, essa atividade mostrou-se oportuna para que cada um falasse sobre seus sentimentos relativos às crises sofridas no passado, gerando comentários como “Nossa, nunca imaginei que para você tivesse sido assim tão difícil!” Dessa maneira, a expressão honesta dos sentimentos propiciou que situações difíceis já ocorridas passassem a ser com­partilhadas. Também se teve o cuidado de deixar, no setting terapêutico, alguns momentos para a família ficar a sós para que pudessem refletir juntos sobre o que havia sido expresso e se confortarem.

Como o comportamento de expressar sentimentos surgiu de um a necessidade do grupo familiar, propôs-se a aprendizagem de habilidades sociais empáticas (comportamentos que demonstrem empatia diante da expressão de sentimentos do outro), baseando-se no referencial teórico de Del Prette e Del Prette (2003). Fez-se um a exposição dialogada sobre a definição de empatia, bem como os com ­ponentes de um desem penho empático, dando modelos (tom de voz, expressão

facial, olhar no olho, gestos como tocar o outro e verbalizações empáticas). Da referida obra, extraiu-se a vivência reconhecendo e comunicando emoções, adap- tando-a à situação. Nessa vivência, cada participante deveria expressar um a emoção, escolhida aleatoriamente entre diversos cartões, utilizando-se somente de componentes não-verbais. Os outros m embros deveriam tentar adivinhar a emoção que era dramatizada, nomeando-a. A seguir propôs-se que a vivência fosse refeita, mas dessa vez escolheriam um sentimento real que vivenciavam; após a nomeação desse sentimento pelo grupo, fez-se um role playing, quando então um dos membros seria escolhido para emitir com portam entos empáticos em re­lação ao outro. Durante essa atividade, foi-se modelando o com portam ento dos membros enquanto faziam tentativas de com portam entos empáticos.

Utilizou-se a aprendizagem de habilidades sociais assertivas, conteúdo também retirado da literatura anteriorm ente citada. Tais habilidades envolvem diferentes aspectos (receber e aceitar críticas, desculpar-se, negar pedidos), mas, nesse caso, focou-se especialmente a expressão de sentimentos e pensam entos negativos de maneira adequada. Os membros foram divididos em duplas. Uma pessoa de cada dupla foi orientada (sem os outros saberem) a expressar um suposto defeito (es­colhido aleatoriamente em cartões). Para os outros membros, explicou-se que cada um diria algo positivo sobre o outro (algo verdadeiro, neste caso). Depois da ativi­dade, discutiu-se sobre a dificuldade que os primeiros tiveram em criticar enquanto haviam recebido elogios. Diante disso, passou-se à explicação de desem penhos assertivos. Após essa parte, pediu-se que as duplas se reunissem novamente e, dessa vez, deveriam expressar críticas ou defeitos reais, treinando a emissão de comportam entos assertivos, enquanto os desem penhos eram modelados. Além de trabalhar a assertividade, aproveitou-se para m ediar soluções para os conflitos que estavam emergindo diante das críticas.

Ainda no conteúdo da assertividade, focou-se a expressão de sentimentos posi­tivos por meio de ensaio comportamental, e discutiu-se sua importância dentro do ambiente familiar. Para tanto, usou-se a dinâmica de doar objetos: cada um deveria desenhar no ar um objeto que gostaria de presentear o outro e explicar por que havia escolhido aquele presente. Usou-se a vivência nem passivo, nem agressivo: assertivo!, retirada de Del Prette e Del Prette (2001). Com três situações diferentes e três possibilidades de reações para cada situação, os participantes deveriam classi­ficar cada reação como a mais assertiva, a passiva e a agressiva. Como parte do treino utilizou-se a “batata quente assertiva”: a pessoa em que a música parasse deveria escolher um participante para expressar comportamentos assertivos.

Nesse estágio do atendimento, propôs-se um objetivo maior de observar qual a percepção que tinham de sua família hoje. Assim, diante de um a lista de pro­vérbios, cada um deveria escolher dois que mais caracterizavam a maneira como enfrentavam as situações, qual seria a visão de m undo que os caracterizava. Depois, o grupo todo deveria comparar as escolhas e chegar a um consenso, esco­lhendo um único provérbio que expressaria o lema de sua família. Nessa atividade, foi possível discutir não só as características atuais e os fatos passados, mas tam ­bém as expectativas de cada um para o futuro, como queriam estar daqui a alguns anos, já que escolheram o provérbio “A esperança é a última que morre” como o que melhor os identificava.

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Embora os integrantes houvessem aum entado consideravelmente a expres­são de sentim entos/pensam entos, os conteúdos giravam mais em torno dos conflitos atuais. Dessa maneira, considerou-se importante, nesse momento, reto­mar especificamente as crises sofridas há alguns anos, de modo a permitir que falassem mais sobre isso e que tal assunto deixasse, definitivamente, de ser refor­çado de m odo negativo por meio do com portam ento de esquiva, mas fosse percebido como parte da história da família. Para tanto, utilizou-se um quadro negro, dividido em quatro partes, com um a situação em cada parte, relativa a um a fase diferente pela qual passaram. Cada participante colocaria o sentimento pre­dom inante em cada fase. Ao final, as respostas foram comparadas, observando-se que sentiam a mesma coisa, mas não a haviam compartilhado. Essa atividade pro­vocou maior conscientização dos pais, que relataram não ter percebido o quanto os filhos tam bém haviam sofrido imaginando que, sendo eles crianças na época, não haviam sentido.

As últimas sessões passaram a ter como objetivo um fecham ento dos a ten­dimentos, priorizando atividades que avaliassem o com portam ento de cada um antes e depois da terapia, levando-os a verbalizar com portam entos observados no outro que se mostraram como “m elhoras”, segundo eles. Por exemplo, os filhos relataram, diversas vezes, que a m ãe estava mais relaxada, m enos preocupada e exigente, perm itindo-se fazer coisas que antes não faria, indicando novas regras a que passara a estar sob controle (regras mais adaptativas). Relataram que esta- vam conseguindo sair, se divertir juntos, sem se preocuparem com o irmão mais velho, com quem não convivem mais. Todos os m em bros disseram sentir-se mais unidos e os filhos observaram consistentes m udanças na postura dos pais diante deles.

Conforme os objetivos propostos, observou-se que, ao final, todos aumentaram a freqüência de com portam entos tais como demonstrações de afeto e expressão de sentimentos e pensamentos tanto positivos como negativos. Além disso, os m em ­bros da família passaram a ter mais atividades juntos, sem conflitos e com maior participação de todos nas decisões diárias.

As dificuldades encontradas nesse tipo de intervenção foram: buscar um a data em que todos os membros pudessem comparecer; algumas situações de caráter aversivo proporcionadas por um m embro da família; a distância entre as sessões (quinzenais); e o tempo curto de cada sessão (50 minutos) para um grupo. Entre­tanto, os benefícios que podem advir de um a intervenção em família mostram que, embora a análise do com portam ento não proponha modelos específicos de intervenção familiar, a utilização de seus princípios pode trazer benefícios para famílias que enfrentam problemas de relacionamento.

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CAPÍTULO

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como

Instrumento de Descrição, Avaliação e

Controle do Transtornodo Estresse

Pós-traumático

S a n d r a L e a l C a l a is

Os processos interventivos grupais possuem, de maneira geral, algumas condições como formação do grupo, estabe­lecimento de normas do grupo (contrato), contingências individuais e grupais, estabelecimento de modelos para m u­dança comportamental, estabelecimento de estratégias para se alcançar a mudança, além das considerações de contexto (Hollander e Kazaoka, 1988).

Esses processos também podem possuir alguns compo­nentes, como contexto de suporte, informação e discussão sobre temas, estratégias comportamentais, suporte social, treino em relaxamento para autocontrole. Não há um pro- cedimento-padrão para ser aplicado à terapia de grupo. Não se sabe ainda quais desses componentes são mais ou menos importantes. No entanto, usados sistematicamente, podem trazer resultados clínicos subjetivos e benefícios para a qua­lidade de vida (Andersen, 1997).

148 ■ Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação..,

O formato grupai pode, ainda, proporcionar a possibilidade de se examinar os próprios com portam entos em relação aos com portam entos de outros, além de fornecer formas diferentes de resposta às condições ambientais que podem servir de modelos, assim como exigir comportam entos de interação.

O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) caracteriza-se por reações a um evento grandemente estressor e apresenta quadro específico de sintomas (Clas­sificação Internacional de Doenças [CID-10], 1998). Esses sintomas podem ser alocados em três categorias: esquiva (evitar pensar, sentir ou conversar sobre o trau­ma; evitar atividades, locais ou pessoas que lembrem o evento; capacidade reduzida de sentir afetos; sensação de afastamento em relação a outras pessoas); revivência (pesadelos com o evento; revivência repetida do evento sob a forma de lem bran­ças e pensam entos de forma invasiva [flashbacks]); excitabilidade (irritabilidade ou surtos de raiva; dificuldade em conciliar ou m anter o sono; hipervigilância).

Os eventos que costumam propiciar a condição são seqüestro, estupro, acidentes naturais, assalto à mão armada, acidentes aéreos e automobilísticos, atos terroristas, incêndios, notícia de doença fatal na própria pessoa ou em parentes muito próximos, entre outros. As vítimas podem ser primárias (participaram do evento) ou secundá­rias, ou seja, as que têm vínculo com a vítima primária ou, ainda, os profissionais que trabalham nessas situações (serviços de saúde e de emergência).

Assim, enfermeiros, médicos intensivistas, policiais da defesa civil, policiais militares bom beiros são alguns dos profissionais que podem ser afetados pelo transtorno.

Há poucas tentativas de políticas públicas que se ocupem daqueles que exer­çam profissões de risco. Assim, em razão do importante papel que os bombeiros exercem na comunidade, optou-se por fazer um trabalho nesse grupo específico.

A proposta deste Capítulo é descrever os passos de um a intervenção junto a um grupo de policiais militares bombeiros, cujo objetivo era minimizar sua condição de possíveis vítimas secundárias de estresse pós-traumático. Essa intervenção fez parte de um a pesquisa maior num a corporação militar (Calais, 2002).

Método

ParticipantesOs participantes foram 13 policiais militares que pertenciam a um subgrupamento do Corpo de Bombeiros, sendo um oficial (tenente), sete sargentos, três cabos e um soldado. A idade mínima no grupo era de 30 anos e a máxima de 53, com míni­mo de 9 e máximo de 30 anos de corporação.

ProcedimentoOs participantes foram convidados a fazer parte do projeto e escolhidos rando- micamente para participar desse grupo. Esses sujeitos assinaram os termos de consentim ento e inform ação, além do preenchim ento da ficha com dados

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 149

sociodemográficos. Foi-lhes aplicada a Escala de Avaliação de Sintomas de Estresse Pós-traumático (Calais, 2002) antes de ser iniciada a intervenção (Quadro 9.1).

A intervenção se realizou durante o período de trabalho, o que fez com que o planejam ento de um a hora e meia de sessão nem sempre pudesse ser cumprido, porque, ao chamado de ocorrências, o grupo saía para fazer o atendimento. Tam­bém foram im plem entadas sessões em qualquer dia da sem ana que o grupo estivesse mais disponível, inclusive aos domingos. Algumas vezes, tam bém foram repostas as sessões para participantes que não conseguiram voltar ao grupo em razão das ações de trabalho. Garantiu-se que todos recebessem a mesma interven­ção especializada, em grupo, descrita a seguir. Serão apresentados o planejamento e o relato de cada sessão com seus temas e estratégias.

Planejamento da Primeira SessãoTema: Apresentação do plano de intervenção e estabelecim ento do contrato terapêutico.

• Apresentação dos participantes por meio de dinâmicas de grupo, que são “um conjunto de técnicas empregadas em programas de treinamento para o desenvolvimento de habilidade em relações hum anas” (Cartwright e Zander, 1972, p. 5). Propõem-se dinâmicas porque, embora todos os participantes façam parte da mesma corporação, às vezes trabalham em postos e frentes de trabalho diferentes (resgate, incêndio, salvamento).

• Levantamento das expectativas de cada um quanto à intervenção.• Apresentação dos objetivos ao grupo: discutir como interagem em questões

do trabalho em relação ao sentimento, objetivando o estresse pós-trau­mático e quais medidas podem ser tom adas para que tal estado não se perpetue ou não se instale.

• Estabelecimento do contrato terapêutico: descrever a forma como será o funcionamento do grupo e a explicitação de algumas regras como compa- recimento regular, sigilo absoluto das duas partes, normas de conduta no grupo, igualdade dentro do grupo apesar das diferentes patentes, cum pri­mento das tarefas e agendam ento dos próximos encontros.

• Dinâmica de grupo tons de voz (Kirby, 1995): cada um dos participantes sorteia um cartão de um bloco que lhe é apresentado, com palavras escritas relativas a um sentim ento, como tristeza, raiva, desânim o, indiferença, alegria, sem mostrar aos colegas. Deve, em seguida, ler a frase “Eu estou participando de um grupo”, interpretando a palavra que está em seu cartão. Os outros do grupo devem identificar qual o sentimento interpretado. Obje­tivo: perceber que nem sempre se consegue expressar o que se sente e nem sempre o outro é capaz de identificar esses sentimentos.

A terapeuta tentará, durante todo o tem po com o grupo, dar reforçamento diferencial, fazer modelagem e modelação de comportam entos assertivos, de fa- cilitação à convivência em grupo (pró-sociais) e de adesão ao trabalho.

150 ■ Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação...

Quadro 9.1 - Escala de avaliação de sintomas de estresse pós-traumático

No decorrer do trabalho, muitas vezes nos deparamos com experiências que causam maior impacto. Por favor, responda às questões abaixo, considerando algo que tenha ocorrido em seu desempenho profissional nos últimos cinco anos

1) É muito fácil falar sobre o que ocorreuNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

2) No meu tempo livre é difícil encontrar algo interessante para fazer Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

3) Acho que o meu futuro está acabadoNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

4) Os detalhes do evento foram esquecidos Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

5) Penso que meu futuro vai ficar cada vez melhor Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

6) É doloroso para mim estar com as outras pessoas Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

7) Interesso-me pelas coisas da mesma forma como antes Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

8) Tento me afastar das pessoas que me fazem lembrar o que aconteceu Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

9) Meus pesadelos são horríveisNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

10) Preciso ir aonde minhas lembranças são despertadas Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

11) Minhas noites de sono são tranqüilasNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

12) Tenho um nó no estômago quando me lembro do que aconteceu Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

13) Reajo como se os fatos estivessem novamente ocorrendoNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

14) Concentro-me bem no que estou fazendo Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

15) Tenho controle de meu corpo ao ter lembranças desagradáveis Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

16) Meu amor pela minha família é muito grande Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

17) Lembro-me com detalhes de tudo que aconteceu Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

18) Ao acordar percebo que só tive bons sonhos Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

19) As situações pouco me provocam raivaNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre (

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 151

Quadro 9.1 - Escala de avaliação de sintomas de estresse pós-traumático 0continuação)

20) Gosto de estar entre as pessoasNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

21) Preciso me esforçar para prestar atenção Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

22) Assusto-me facilmenteNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

23) Sofro demais quando me lembro do que aconteceu Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

24) Meu bom humor acaba muito facilmente Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

25) Ando em fase de muita tranqüilidadeNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

26) Lembro-me de forma tranqüila dos detalhes do fato Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

27) Minhas reações aos acontecimentos diários são tranqüilasNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

28) Lembro-me intensamente daquele fato tão triste que aconteceu Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

29) Procuro tirar da mente fatos tristes que me aconteceramNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

30) Sinto como se gostasse menos de minha família Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

31) Estou à espera de que alguma coisa ruim me surpreendaNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

32) Está difícil conciliar o sonoNunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

33) Consigo controlar as lembranças do evento Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

34) Sinto como se nada houvesse acontecido Nunca ( ) Raramente ( ) Algumas vezes ( ) Muitas vezes ( ) Sempre ( )

Primeira SessãoAo se levantarem as expectativas sobre a intervenção, todos foram unânim es em dizer que esperavam viver melhor com as dificuldades do trabalho. Relataram que as dificuldades maiores são as frustrações por nem sempre poderem fazer bem o serviço, pois as outras instâncias públicas não dão seqüência ao atendim ento que os bombeiros iniciaram. Quando, por exemplo, atendiam a um a ocorrência de incêndio em um a casa, apagavam o fogo e deixavam tudo limpo para a família, mas se preocupavam com as conseqüências daquele evento: como iriam dormir

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se não havia mais colchão e o que os órgãos competentes (Defesa Civil, Prefeitura, Promoção Social) fariam por aquela família. Outras dificuldades relatadas foram alcoolismo e estresse.

Alguns do grupo já haviam trabalhado em policiamento e com entaram sobre o estresse de lá, que acreditam ser muito maior. Reconhecem estar em um serviço im portante para a população, mas reclamaram dos civis que parecem conhecer pouco seu papel, fazendo solicitações inviáveis sem a estrutura da instituição (os vizinhos, por exemplo, até mesmo nas folgas) e dos que os vêem como “guardas”.

Ao se colocarem os objetivos do grupo de como interagiam em questões de sentimentos, um deles comentou que nunca sente nada, mas sua vida “perdeu a cor”, talvez pelas questões pessoais (conjugais). Teve várias úlceras quando pres­tava serviço no policiamento ostensivo e pediu para ser transferido para o Corpo de Bombeiros, porque sucumbiria: só lidava com gente ruim e isso o fazia ficar cada vez mais fechado. Nunca conta nada do serviço para a esposa. Outro comentou que se sente “frio”, mas quando há crianças na ocorrência fica mais sensibilizado; no entanto, ao sair do quartel, “desliga-se” por completo. Outro bombeiro com en­tou a importância de estar bem com a família: as ocorrências com crianças e idosos o sensibilizam, talvez em razão de seus pais e seus filhos. Outro relatou que se impressiona com vítimas presas em ferragens e com crianças.

Quanto ao que sentem, falaram bastante do cheiro que os incomoda: san­gue, decom posição, em afogam entos e, tam bém , em acidentes em que há animais. Um participante afirmou que não havia possibilidade de não sentir, só se não fosse hum ano, especialm ente havendo crianças, jovens e pobres (voltou de um a ocorrência que envolvera um a carroça e estava emocionado). Os óbitos tam bém os incom odam muito; por vezes guardavam as imagens de acidentes. Outro falou de jovens e de atropelam entos quando as pessoas não usaram a pas­sarela: lam enta que tenham perdido a vida por bobagem. Também se chateia quando há óbitos em sua prontidão (o turno de serviço): faz o que pode pela família, porque o m orto já foi. Sempre pensa no que gostaria de ouvir se fosse ele o parente.

Relataram sentir muita raiva de atropelamentos com motoristas bêbados, aci­dentes com crianças cujos pais falecem e as crianças lhes perguntam sobre eles. Nesses casos, acham que isso é para psicólogo responder, que é muito complicado.

Um bombeiro referiu nunca atuar com vítimas. É responsável pela parte téc­nica do incêndio, por avaliar o desabamento, os imóveis próximos e, assim, se julga privilegiado.

Pedindo sigilo, externaram preocupação com alguns colegas que não foram sorteados para o trabalho e pediram orientação para lidar com eles. Enfatizaram sua revolta com a falta de respeito de alguns médicos de Pronto Socorro que falam besteira perto dos parentes da vítima. Um deles diz que é muito acelerado e que brincam com ele porque há, no quartel, os que não são m uito atirados no serviço e são cham ados de “mão cansada” (preguiçosos).

Discorreram sobre o trabalho de bom beiros-m ergulhadores, o quanto é estressante e os esgota fisicamente, o frio na água (rosto e mãos), o risco de doen­ças por contaminação, o escuro das águas, o peso e o cheiro das vítimas.

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 153

Comentaram sobre a responsabilidade em omissão: há casos que parecem mui­to simples e depois a vítima vai a óbito; nunca podem se furtar a atender.

Afirmaram que a sirene já lhes altera o ritmo cardíaco e vão para a ocorrência com alteração de batimentos. Chegando ao local, só voltam ao normal e relaxam quando controlam a situação. Ao irem para a ocorrência, costum am sempre im a­ginar o pior, porque aí diminuem o impacto da situação. Quando saem de um a ocorrência muito difícil, dizem: “a pior ainda está por vir, pode ser a próxima”. No início do dia, estão mais tranqüilos e, ao final, na viatura, com eçam a ficar impacientes com os veículos que não saem da frente da Unidade de Resgate (UR): “se fosse sua mãe, você iria estar nessa folga?” (sic).

Alguns ficam memorizando onde estão as mangueiras, as pás e enxadas na guarnição, porque quando chegarem ao local vão executar o protocolo direitinho (protocolo: forma de agir em cada ocorrência, para o que são treinados).

Às vezes, tem em apagar um incêndio (provocado) em bairros afastados e de alta marginalidade, ficando mais tranqüilos quando chega o comando de área (via­tura que leva o tenente de prontidão e atua em ocorrências de vulto), embora essa viatura não tenha muito equipamento, pois o oficial divide a responsabilidade.

Fez-se a dinâmica, discutiu-se verbalmente o contrato terapêutico e finalizou-se. Quanto ao sigilo, durante a intervenção, por várias vezes se certificaram de que não corriam qualquer risco.

Planejamento da Segunda SessãoTema: Estresse.

• Resgatar sessão anterior: expectativas, contrato terapêutico, objetivos do grupo e quais situações de trabalho afetam mais os participantes.

• Introduzir o tem a com a dinâmica vulnerabilidade ao estresse (adaptado de Giordano e Everly, 1979). Aplicou-se um inventário contendo 11 questões que deveriam ser respondidas com “sim” ou “não”. As questões eram:1. Consigo dormir de sete a oito horas pelo menos quatro noites/semana.2. Faço exercícios até suar bastante pelo menos duas vezes/semana.3. Fumo menos de dez cigarros/dia.4. Tomo menos de cinco cafezinhos (refrigerante ou xícaras de chá preto/

mate) por dia.5. Bebo menos de cinco doses de álcool por semana.6. Meu peso é o adequado para altura e idade.7. Minha religião me dá forças.8. Faço algo para me divertir pelo m enos um a vez/semana.9. Falo sobre meus sentimentos quando estou zangado ou preocupado.

10. Estou contente com m eu trabalho.11. Tenho um ou mais amigos para “me abrir”.Ao final, cada um deveria contabilizar os “sim” e avaliar seu nível de vulnerabi­lidade ao estresse: acima de oito respostas afirmativas, não vulnerável; seis afirmativas, vulnerável; quatro ou menos afirmativas, muito vulnerável.

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• Explanar sobre o estresse: origem, definição, sintomas físicos e psicológi­cos, fases do estresse, estilo de vida versus estresse.

• Dar treino respiratório: inspirar o ar, distendendo o abdome, e expirar pela boca, contando até dez, sentado e em pé (Lipp, 2000, p. 62).

• Tarefa: treinar a respiração adequada, especialmente em situações estressoras.

Segunda SessãoA intervenção se iniciou com um a revisão da sessão anterior, com entando que se havia falado m uito de fatos do cotidiano da profissão e pouco de sentim en­tos. Ao falarem sobre sentim entos e choro, disseram chorar em filmes e tam bém se alguém contasse algo que os emocionasse. Perguntaram se era errado chorar, se era excesso de emotividade gerado por estresse. Foi-lhes explicado que expres­sar sentim entos é saudável.

Na dinâmica da vulnerabilidade ao estresse, os resultados obtidos m ostraram que quas^ todos estão vulneráveis em razão dos com portam entos que apresen­tam ^ que não auxiliam no controle do estresse.

Nesse m omento, além das dificuldades da profissão, relataram tam bém pro­blemas pessoais, como não ter dinheiro para sair de sua cidade e vir trabalhar em outra, cham ando-se de “militar m endigo”, dificuldades da família de origem (muitos irmãos, m uita pobreza, m uita austeridade paterna, pouco afeto). Alguém do grupo interferiu, dizendo que deviam arranjar um jeito de não se estressar, já que era a realidade. Outro participante questionou se seria m enos estressado caso fizesse tudo aquilo (beber pouco álcool, não fumar, fazer atividade física regular, se “abrir” com amigos, não tom ar m uito café nem refrigerante ou chá preto, estar contente com o trabalho, dentre outras). Foi-lhe dito que, com cer­teza, toleraria mais os estressores que teria de enfrentar e, ao final, perguntou se a terapeuta não lhe poderia dar por escrito as frases da dinâm ica como “lem bre­tes” para com portam entos saudáveis.

Foram-lhes, então, explicados a origem do estresse, estudado inicialmente pela medicina, o conceito de homeostase, sintom as psicológicos e físicos, fases do estresse, diferenças de gênero. Sobre os sintomas, concordaram que quando estres­sados tinham problemas de memória.

Novamente relataram aspectos do trabalho que causam estresse. Com enta­ram a situação horrível que era estar tomando banho e tocar a sirene: muitos saíam de cueca, molhados e se vestindo ainda ensaboados. Outro acrescentou que, ao praticarem atividade física, como jogar futebol na areia, quando há emergência colocam o fardamento por cima da areia. Principalmente quando se é motorista, pois a viatura não sai sem ele.

Relataram, ainda, o desespero quando a vítima sangra demais ou vomita; vol­tam para o quartel e “dão baixa na viatura” para limpá-la e descontaminá-la.

Alguns relataram estratégias utilizadas para combater o estresse. Um bombeiro disse que sua estratégia anti-estresse era trabalhar sem parar: ia de um serviço a outro, nunca parava porque se sua cabeça ficasse desocupada, estressava-se. Ar­gum entou-se o fato de que não ter lazer poderia ser muito estressante para as

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 155

pessoas, e, talvez, a estratégia dele desse certo apenas para ele. Disse que ficar deso­cupado era estressante e foi lembrado que as pessoas, de m aneira geral, precisam de tem po para se distrair, para refletir sobre vida. Outro participante comentou que, em ocorrências, costuma lidar com as pessoas que estão ao lado da vítima (parentes, amigos) e se desesperam ao ver a situação. Comentou que era discrimi­nado porque “não saía para tomar um trago”, não fumava, era muito “certinho”. Comentou o estresse feminino; ele ajudava a esposa e dividiam as tarefas.

Alguns contaram suas estratégias: isolamento (ir para o fundo do quartel fi­car quieto, w as sempre alguém ia atrás “puxar papo”), ouvir a Rádio Bandeirantes, que tem noticiário o tem po todo (tam bém o fazem quando perdem o sono à noite). Um deles falou que ia passear com o filho, nem que fosse para dar um a volta no quarteirão.

Ensinou-se a estratégia da respiração e todos concordaram que respiravam errado e que o difícil seria lembrar de respirar certo durante as ocorrências.

Planejamento da Terceira SessãoTema: Transtorno do estresse pós-traumático.

• Resgatar a sessão anterior: a dinâmica da vulnerabilidade ao estresse, o tem a estresse, sua origem, definição, sintomas físicos e psicológicos. Questionar possíveis dúvidas.

• Dinâmica gráfico de m inha vida (Kroehnert, 2001): representar grafica­mente, em folha de sulfite, na forma de um a estrada, os fatos mais im por­tantes da própria vida, até o m om ento presente, em relação à família, ao trabalho e a si mesmo. Usar lápis preto, borracha e giz de cera. Objetivo: identificar os eventos bons e m aus da vida como um todo, para se chegar, posteriorm ente, aos eventos profissionais que podem desencadear o es­tado de estresse pós-traum ático.

Encerrar a dinâmica com a seguinte história popular: havia, em um lugarejo, um senhor muito pobre e sua família. Só possuíam um cavalo. Uma noite, esse cavalo desapareceu. Na m anhã seguinte, as pessoas do lugarejo com entaram com ele: “Puxa, que falta de sorte. Você é tão pobre e a única coisa que tem, perde”. Então, respondeu: “Pelo bem, pelo mal, não sei”. Na noite seguinte, o cavalo retornou trazendo outros cinco cavalos selvagens e as pessoas então falaram: “Que sorte, hein? Ficou com seis cavalos”. E respondeu: “Pelo bem, pelo mal, não sei”. No ou­tro dia, seu filho m ontou em um cavalo, caiu e quebrou a perna e todos diziam: “Que azar, seu filho machucado!”, ao que respondeu: “Pelo bem, pelo mal, não sei”. Então, estourou um a guerra no país e todos os jovens foram convocados, menos o seu filho, que estava engessado. A população disse: “Isso é que é sorte!”, ao que respondeu: “Pelo bem, pelo mal, não sei”.

Concluir com entando que, ao se rever a estrada da vida, refaz-se a avaliação de alguns fatos e, quando se percebe o que veio em seguida, tem-se um a visão mais ampla da vida.

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• Explanação inicial sobre o estresse pós-traumático.• Tarefa: continuar o treino respiratório e tentar obter um a visão mais geral

da vida.

Terceira SessãoResgatou-se a sessão anterior perguntando-se sobre a respiração. Todos relata­ram dificuldades.

A dinâmica estrada da minha vida remeteu-os às suas histórias e suscitou muitas emoções: histórias de perdas afetivas, de dificuldades ou perdas financeiras, de injustiças sociais, de falta de afeto, de familiares com transtornos psiquiátricos, de conflitos conjugais com separações e distanciamento dos filhos. Os participan­tes do grupo intervieram diversas vezes nos relatos emocionados dos colegas, tentando mostrar o outro lado do acontecimento ou expressando solidariedade. De certa forma, as dificuldades fluíram bem mais do que os bons acontecimentos em suas vidas e, ao final da sessão, com entaram que a atividade não foi boa, pois os deixou muito tristes e com lembranças que preferiam esquecer.

Após a dinâmica, introduziram-se as expHcaçoès preliminares sobre o TEPT.Um participante com entou que, às vezes, quando ia ao hospital levar alguma

vítima e lá ainda estava outra vítima hospitalizada, ia visitá-la e questionou se isso, então, não traria um desconforto maior à vítima. Outro contou que passara na casa de um a vítima e essa senhora, quando o viu, havia chorado muito. Pergunta­ram se isso não estimularia a m anutenção do transtorno, caso houvesse. Justifi- cou-se que não, porque faziam parte do salvamento e não do acidente e, portanto, a vítima poderia se sentir mais segura por saber da existência deles.

Alguém relatou sobre um a m oça que só não ficara tetraplégica em razão do atendim ento que lhe deram e, cada vez que a vêem, ela agradece e diz que, ao sair do hospital, vai fazer um churrasco para eles. Mas então pensam que, se forem ao churrasco, a família agradecerá o tem po todo e aí poderiam ser in ter­pretados como “querendo elogios” e ficariam constrangidos. Argumentou-se que haviam efetivamente feito o serviço e as pessoas se sentem gratas e querem re­tribuir de alguma forma.

Planejamento da Quarta SessãoTema: Transtorno do estresse pós-traum ático em policiais.

• Resgate da sessão anterior: com entar a estrada da vida de cada um e per­guntar se querem acrescentar ou modificar alguma coisa em seu desenho. Mostrar a representação de cada um ao grupo, se o permitirem.

• Relembrar as explicações sobre estresse pós-traumático e mostrar como esse estado pode se apresentar em policiais.

• A partir daí, pedir que cada um tente lembrar o evento que mais o tenha chocado como bombeiro, mesmo que já o houvesse relatado ao grupo. Cada

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um, então, deve relatar o fato com a maior precisão possível de detalhes, os quais serão anotados. Todos podem fazer perguntas para elucidar.

• Dinâmica adaptada cruz-credo (Kirby, 1995): a partir do relato, cada parti­cipante deve preencher cartões em branco, escrevendo o nome de duas pessoas (ou mais, se houver), duas coisas, duas atividades, duas situações, tudo com referência ao acidente. Quando todos houverem passado por isso, escolher três dessas solicitações, que serão excluídas, e justificar verbalmente o porquê da escolha. O objetivo dessa dinâmica é identificar as respostas condicionadas a estímulos pareados à exposição estressora (dentro do pro­tocolo de trabalho e além dele). O evento estressor atua como um a situação de condicionamento clássico em que as respostas experimentadas no evento funcionam como estímulos incondicionados, que eliciam respostas incon- dicionadas de ansiedade. Por meio de um processo de condicionamento por contigüidade física ou temporal, esses estímulos passam a eliciar respostas de ansiedade e se generalizam a estímulos novos, o que passaria a ampliar o núm ero de estímulos eliciadores de medo (Odriozola e Gargallo, 1998).

• Tarefa: novamente o treino de respiração.

Quarta SessãoResgatou-se a sessão anterior e não quiseram acrescentar nada às estradas da vida.

Dinâmica: relataram sua pior ocorrência.

• Quatro anos atrás, em um a rodovia, um caminhão basculante bateu na tra­seira de outro cam inhão carregado, que foi jogado m ata adentro, entre árvores. Eram 23 horas e chovia. Havia cerca de dez bombeiros. No caminhão que bateu não houve vítimas, mas no outro havia três. Uma havia sido retira­da, mas não conseguiram retirar as duas outras que, presas às ferragens, sangravam muito. Era tudo muito difícil: o acesso, o local, a chuva, a escuridão.

• Em seu primeiro dia de serviço, estava “louco” para haver ocorrência, mesmo que fosse um incêndio, só para sair segurando atrás no caminhão de bom ­beiros com a sirene ligada. Nada aconteceu até por volta das cinco horas da manhã, quando um ônibus bateu de frente num carro com cinco pessoas, que ficaram carbonizadas. O sargento retirou as vítimas do carro e depois soli­citou que fizessem um a limpeza no veículo, onde havia ainda pedaços carbonizados dos corpos das vítimas. Quando voltou ao quartel, lá pelas 11 horas da m anhã, não conseguiu almoçar. Por dois dias não comeu carne.

• Em 1987, à noite, cerca das 20 horas, um ônibus bateu na traseira de um a carreta (que devia estar parada na pista) e só se encontrou o motorista m or­to; pesava cerca de 120kg e foi muito difícil tirá-lo de lá. Tiveram de arrastá-lo até o fundo do ônibus, levando cerca de 50 minutos.

• Foi em um trabalho na Unidade de Suporte Avançado 326 (USA-326) (viatura que dá apoio médico ao resgate), quando era motorista. Em um a avenida, dois ladrões que haviam assaltado um casal num carro e o tinham como reféns no banco traseiro, se “perderam” em um a lombada e bateram em um poste a cerca de 140km/h. Houve um a explosão no poste em razão do gera-

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dor. Um dos bandidos morreu imediatamente e sua massa encefálica fez um rastro no chão. O rapaz (refém) se salvou porque foi jogado para fora. A moça (que era linda) perdeu um braço e um a parte do tórax, indo a óbito na via­tura. O outro bandido, tam bém morto, ficou com as pernas para frente e o corpo virado para trás.

• Estava para amanhecer; em um a rodovia um carro com um hom em e sua filha de cinco anos de idade bateu na traseira de um caminhão. O pai ficou sem a cabeça e, à criança, nada aconteceu. A criança perguntou-lhe inge­nuamente, então, se o pai ia ter que tom ar injeção, porque doía. O bombeiro lhe pediu que ficasse ali quietinha e a criança obedeceu.

• Em 2000, houve um acidente entre moto e ônibus, à noite, por volta das 20 horas, em que a moto bateu de frente. O rapaz teve traum atism o craniano, estava se “batendo”, totalm ente ensangüentado, avulsão de um a perna. Ti­veram de fazer m uita força para contê-lo, até colocá-lo na maca. Ficaram todos ensangüentados. A família da esposa da vítima morava perto e foi até o local. Estava grávida e acabou entrando na viatura junto com a vítima, o que não pode, mas não houve outro jeito.

• Uma m ulher com depressão, em atendim ento no Sistema Único de Saúde (SUS), passou pelo local de trabalho do marido e perguntou o que este que­ria para jantar. A m ulher foi para casa, fez o jantar e o deixou pronto. Às 19 horas, o marido chegou e a esposa havia se enforcado. A polícia veio e tirou todos da casa e o marido perguntava se não podia fazer nada, começou a chorar muito e o bombeiro quase chorou com ele. Não sabia o que lhe di­zer. “A gente, nessa vida, não vale nada. Por mais religioso que eu seja, não consigo entender essas tragédias”. Foi em 2000.

• Há três anos, em um trevo rodoviário, ao entardecer, dois carros bateram de frente. Em um deles havia marido, esposa e dois filhos. Só o marido estava vivo. Dizia para cuidar da esposa e dos filhos, que ele agüentava. No outro carro, os dois tam bém morreram. O bombeiro imagina, agora que tem um, o amor que se tem a um filho e, de repente, quando se dá conta, como esse hom em do acidente pôde ficar sem a esposa e os filhos.

• Há cerca de sete meses houve um acidente envolvendo três veículos, à noi­te, 20 horas mais ou menos, havendo três vítimas graves, um a delas grávida de seis meses, que veio a falecer. Teve fraturas, inclusive expostas. Foi para o hospital e depois para a maternidade. A m ulher ficou fora de si: ao mesmo tem po consciente e inconsciente, e falava muito de Deus, para Deus não deixar aquilo acontecer com ela. Havia chovido e a pista estava molhada.

• Em 2000, houve um acidente de moto com um rapaz de 16 anos de idade que se chocara com um carro escuro. Ficou muito machucado, mas tinha sinais vitais. A mãe estava passando pelo local e parou para ver quem era. O bombeiro tirou todas as roupas do rapaz, cortou a correntinha e deu para a mãe. Nisso, os sinais vitais começaram a definhar e o bombeiro deixou só o pai entrar na viatura, porque a mãe estava desesperada. A vítima foi leva­da para o hospital e não morreu. Aconteceu no núm ero 2.003 da avenida.

• Há 10 ou 12 anos, era terceiro-sargento e com andante da auto-salvamento (AS). Às duas horas da manhã, um caminhão de pescadores trom bou com um caminhão de verduras da Ceasa, a 10km do trevo de um a cidadezinha.

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O caminhão de pescadores vinha com o motorista na cabine e seis pesca­dores na carroceria com lona. Havia m uita cerveja também. Haviam parado na pista para urinar e o caminhão de verduras “subiu em cima do cami­nhão”. Uma vítima ficou enrolada na lona e as outras cinco morreram na hora. “Fomos daqui para lá e levamos quase um a hora. Os dois motoristas não morreram. O cheiro de sangue com cerveja era horrível. O que estava preso na lona gritava para que déssemos um tiro em sua cabeça de tanta dor que tinha. Aí o tem po começou a m udar e chover. Nós passamos a noite lá para tirar a vítima e no dia seguinte, dia claro, o espetáculo era deprimente. A gente não é nada na vida”.

• Trabalhava em outra cidade (trabalhou lá de 1981 a 1990) e o Corpo de Bom­beiros ficava perto de um a descida. Viram um a casa de madeira pegando fogo à noite e as pessoas gritando “tem um a criança lá dentro” e a casa ruiu. “Quando achamos a criança de três ou quatro anos, já morta, e a levanta­mos, caiu a chupetinha no travesseiro. Não conseguimos salvar a criança, isso me deixou traum atizado”.

• “Um menino, à tarde, jogando bola, esta caiu no bueiro, há mais ou menos dez anos. A criança entrou no bueiro e pegou a bola, só que teve um mal súbito e ficou lá. Ela devia ter aproximadamente dez anos, mas era bastante desenvolvida. O bueiro tinha cerca de 50cm e um de nós era muito grande. Fomos só dois, mas era apertado demais e não dava para colocar o equipa­mento de oxigênio. Encontrei em m eu companheiro força moral, intelectual e espiritual. Nesse meio de tempo, o clima começou a m udar e veio reforço dos Bombeiros porque se chovesse ia ficar pior. Mas nós lá embaixo não sabíamos. Pusemos a criança na lona e conseguimos tirá-la. Na saída, já havia um a ambulância que a levou. Até a televisão estava lá e fomos acla­mados pelos populares”.

• “No ano passado, fomos atender a um a ocorrência num a vila e tinha um a grande descida onde um a criança de 11 anos havia caído da bicicleta. Ela estava muito ensangüentada, o sangue borbulhava em sua boca, a pupila dilatada, havia batido a cabeça na guia. Fizemos aspiração de sangue. O tio falava que se algo acontecesse àquela criança, ele não iria se perdoar, por­que ela tinha vindo passar férias em sua casa e os pais nem sabiam o que estava acontecendo. E o moleque morreu. Estava começando a viver”.

Naquelas ocorrências, as condições que mais os incom odaram foram:

• Vítima, motorista, sexo masculino, com várias fraturas e hemorragia.• Noite chuvosa, 23 horas, vítima, sexo masculino, perdendo muito sangue e

com muitas fraturas.• Vítima carbonizada presa nas ferragens.• Retirada do corpo do motorista das ferragens, percorrendo todo o corredor

do ônibus.• Sangue pelo chão, exalando um cheiro desagradável.• Vítima única, com aproximadamente 40 anos de idade, estava m orta quan­

do chegaram ao local.

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• A moça socorrida perdeu o braço direito e foi a óbito; foram encontradas as armas dos ladrões.

• Duas vítimas presas nas ferragens e eram ladrões. A massa encefálica do ocupante da frente ficou exposta e distante do veículo.

• Fazer desencarceramento da vítima e procurar sua cabeça.• A criança.• Rostos desfigurados das crianças e o desespero do homem.• Dificuldades para cortar a porta do carro para retirar as vítimas.• Duas crianças mortas, a mulher m orta e o hom em vivo.• O envolvimento da guarnição com o sangue da vítima.• Força física empregada para conter a vítima em razão do traumatismo craniano.• Grande perda de sangue. O desespero dos parentes.• Ferimentos graves.• Dificuldade para mexer nas vítimas.• Crepitação óssea decorrente do traumatismo.• Fratura de fêmur em ambos os membros.• Multidão em volta.• Entrar sem o cilindro de ar em um am biente que exigiria isso, trabalhar com

a “adrenalina muito alta”. Coragem extra para enfrentar a tubulação estreita.• A dor de um homem preso em ferragens com um profundo corte no intestino.• Do sangue misturado com cerveja emanava um cheiro horrível. O panora­

m a de terror e a tem pestade que desabou em seguida.• A notícia do médico de que o esforço fora em vão, pois o garoto havia que­

brado o pescoço e estava morto.• O interior da unidade de resgate tomado pelo sangue do garoto e o esforço

em salvar sua vida. O tio lam entando o ocorrido com o sobrinho.• A criança de três ou quatro anos morreu queim ada em sua residência e os

bombeiros não conseguiam entrar. Ao erguê-la para colocar no caixão, sua chupeta estava por baixo, intacta.

• Cinco vítimas fatais.

Discutiu-se com os bom beiros que os detalhes “retirados” dem onstravam aquilo que os tocara na ocorrência, e que se reage àquilo que nos rem ete a algum a condição pessoal.

Em seguida, ficaram todos em pé para tre inar respiração. Para alguns, foi m uito difícil.

Planejamento da Quinta SessãoTema: Levantar formas de enfrentam ento e revelar a primeira estratégia para con­trole do estresse - atividade física.

• Retomar sessão anterior: identificação dos detalhes que os sensibilizaram na pior ocorrência, treino respiratório, explicação do estresse pós-traum á- tico em policiais.

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 161

• Dinâmica eu mesmo - eu ideal (Kirby, 1995): pedir que cada um pense em si mesmo em diversas situações e se descreva, em um a ficha, com dois ou três adjetivos: em casa, sozinho e no trabalho. Em seguida, virar essa ficha e res­ponder como gostaria de ser nas três situações. Objetivo: a comparação de si mesmo, em diversas circunstâncias, com o ideal.

• Na condição real, identificar suas estratégias de enfrentam ento no traba­lho, as quais serão anotadas. Identificar, nas situações estressoras, como se utilizam das estratégias. Análise de contingências das respostas disfun- cionais identificadas: perceber quais respostas e com portam entos enco­bertos emitem na situação e quais respostas psicofisiológicas (emocionais) foram emitidas.

• Ensinar como lidar com situações estressoras no m om ento presente: ativi­dade física.

• Tarefa: engajar-se, pelo menos três vezes na semana, em um a atividade física completa (futebol, caminhada, natação).

Quinta SessãoDinâmica: como sou e como gostaria de ser no trabalho, em casa e quando estou sozinho.

No trabalho, alguns disseram ser tranqüilos, calmos, bem -hum orados e responsáveis e não querer m udar; outros, a m aior parte, com entaram ser preo­cupados, dedicados, ansiosos e exigentes e gostariam de ser mais tranqüilos, calmos e felizes.

Em casa, a grande parte com entou ser alegre, tranqüila, mas cansada e que gostaria de ter mais tem po junto à família e mais condições para lazer; outros afirmaram ficar impacientes, preocupados, ser muito exigentes em família e que gostariam de ser mais tranqüilos e felizes.

Quando sozinhos, ficam tranqüilos e pensativos, gostariam de ser menos pen­sativos. Outros ficam preocupados, pensando nos problemas, e gostariam de ser mais despreocupados.

Estratégias de EnfrentamentoQuanto às estratégias que utilizam naturalmente:

• Fazer um a avaliação com os colegas de como fazer melhor, debater a ocorrência.

• Na volta da ocorrência, ver que a vida continua e mostrar para si mesmo que está tudo bem.

• “Volto feliz quando pude ajudar”.• Lavar o rosto e tom ar água gelada.• Correr, caminhar, jogar futebol.• Conversar com os colegas, rir para não chorar.

162 ■ Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação...

• Usar humor. Rir da situação, nunca da vítima. “A gente ri muito quando cha­m am dizendo que é infarto e chega lá é um problema de vazamento de cano e a gente não é encanador” (risos).

• “Em situações que tenho que enfrentar, mas não gosto, fico de corpo pre­sente e alma ausente, mas na ocorrência penso: vai acabar, am anhã eu vou em bora”.

• “Penso tecnicam ente porque atendo a incêndios. Tento apagar o fogo e não afogá-lo, procuro não estragar mais do que o fogo já está estragando”.

• “Procuro enfrentar a realidade, planejando o que vou fazer”.• “Na ida, às vezes, fico pesquisando no m apa onde está a ocorrência”.• “Penso sempre no pior porque o que estiver menos ruim é lucro”. “Penso

que a pior ocorrência ainda está por vir, pode ser a próxima”.• “Quando dá frio no estômago, saio memorizando o que vou ter que fazer.

Vou tam bém preparando a equipe para ir já pegando as coisas. Como se tem de m em ória o conteúdo das gavetas da viatura num a determ inada po­sição (no pátio do quartel), quando se m uda a posição dela, se você não estiver atento, pode perder segundos valiosos”.

• Dormir para se recuperar.• “Quando volto para o quartel, tomo banho e ouço música clássica”.

Em seguida, explanou-se o valor da atividade física para controle do estresse. Foi-lhes dado como tarefa engajar-se pelo menos três vezes na sem ana em um a atividade física completa.

Planejamento da Sexta SessãoTema: Treinar a técnica parada de pensamento e acrescentar a segunda estratégia para controle do estresse - alimentação.

• Retomar sessão anterior: eu real e eu ideal e estratégias de enfrentamento. Cobrar tarefa de atividade física.

• Dinâmica dificuldade de um consenso (Fritzen, 1991), cujo objetivo é p ro­vocar um exercício de consenso, a fim de dem onstrar sua dificuldade, principalm ente quando valores e conceitos morais estão em jogo. Cada participante recebe um a cópia do texto Abrigo subterrâneo: imagine que nossa cidade está sob ameaça de um bombardeio. Aproxima-se um hom em e lhe solicita um a decisão imediata. Existe um abrigo subterrâneo que só pode acom odar seis pessoas. Há 12 que pretendem entrar. A seguir, há um a relação das 12 interessadas em entrar no abrigo. Faça sua escolha, destacando som ente seis:

1. Um violinista, com 40 anos de idade, viciado em narcóticos.2. Um advogado, com 25 anos de idade.3. A mulher do advogado, com 24 anos de idade, que acaba de sair do m ani­

cômio. Ambos preferem ficar juntos, no abrigo ou fora dele.4. Um sacerdote, com a idade de 75 anos.

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 163

5. Uma prostituta, com 34 anos de idade.6. Um ateu, com 20 anos de idade, autor de vários assassinatos.7. Uma universitária, com 20 anos de idade, que fez voto de castidade.8. Um físico, com 28 anos de idade, que só aceita entrar no abrigo se puder

levar consigo sua arma.9. Um declamador fanático, com 21 anos de idade.

10. Uma menina, com 12 anos de idade e baixo QI.11. Um homossexual, com 47 anos de idade.12. Uma débil m ental com 32 anos de idade, que sofre de ataques epiléticos.

Discutir a questão do consenso no trabalho e como isso pode acarretar estresse. Associar ao com portam ento de exigência que todos relatam.

• Ensinar parada de pensamento para eliminar os pensam entos problem áti­cos: o comportam ento de preocupação que relatam. Nessa técnica (Rimm e Masters, 1983), pede-se às pessoas que se concentrem nos pensam entos problemáticos e, após breve tempo, diz-se enfaticamente “Pare”, ou faz-se qualquer ruído alto para evidenciar que os pensam entos podem ser inter­rompidos. Pedir-se-á aos participantes que fechem os olhos e será atirado um apagador à lousa que está na sala.

• Como lidar com situações estressoras no m omento presente - segunda es­tratégia: alimentação. Recordar a primeira estratégia: atividade física.

• Tarefa: treinar parada de pensamento, continuar com treino respiratório, atividade física e estar atento à alimentação.

Sexta SessãoTodos cumpriram a tarefa de atividade física da sem ana anterior.

Fez-se a dinâmica dificuldade de um consenso e discutiu-se como pode ser estressante o outro fazer diferente e como a tolerância deve ser exercida. Não ha­via erro de escolha, só diferenças de ponto de vista. Salientou-se a importância disso no trabalho de equipe, de não haver tanta exigência (como exibiram na últi­m a sessão) no trabalho, não no sentido de se fazer o certo, mas isso provoca rigidez e não aceitação de novas possibilidades. Alterando esse comportamento, isso po­deria contribuir para que ficassem m enos estressados. Questionaram se o colega fosse “mão cansada”, sendo-lhes dito que se discutiam maneiras diferentes de se fazer o serviço e não de deixar de fazê-lo.

Treinou-se parada de pensamento. Acharam engraçado quando o apagador foi jogado na lousa. Na hora perceberam o que queria dizer “o pensam ento pode ser parado”.

Discorreu-se sobre o com portam ento de preocupação e com entaram que, quando sai um a viatura e demora mais que o usual, começam a se preocupar com os colegas e vão ao Centro de Operações de Bombeiros (COBOM) (recebimento de chamadas telefônicas para ocorrências) perguntar se há alguma novidade para definir outras estratégias, como, por exemplo, ir mais gente para a ocorrência.

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Discutiu-se, então, a importância de uma alimentação balanceada para melhor condição física e m elhor controle do estresse. A tarefa pedida foi que continuas­sem as atividades físicas e treinassem paradas de pensamento.

Planejamento da Sétima SessãoTema: Comportamento assertivo.

• Resgatar a sessão anterior. Lembrá-los de dois comportam entos que apre­sentam : exigência e preocupação. Rever a dinâm ica dificuldade de um consenso e mostrar que a exigência é, muitas vezes, acom panhada de into­lerância e como isso pode ser um a fonte de estresse. Recordar a parada de pensamento para a preocupação e perguntar sobre a tarefa de treiná-la. Mostrar que já foram vistas, para combate ao estresse, as questões respira­ção adequada, atividade física, alimentação.

• Dinâmica o que você faria? (Kirby, 1995). Objetivo: comportamento assertivo. Distribuir cartões com os seguintes questionamentos:

- Você percebe que o filho de seu vizinho freqüentem ente sai para a escola machucado e chorando.

- Você suspeita que seu chefe seja viciado em drogas.- Você vê dois policiais dando um a surra em um jovem.- Sentado em um bar, num a cidade estranha, você é abordado por um a

prostitu ta.- Um amigo lhe deve m etade de um almoço em um restaurante caro ao

qual vocês foram juntos. O amigo prom eteu lhe pagar na sem ana passa­da, mas parece estar evitando você.

- Você viu um a cena no estacionamento da empresa que lhe deu a entender que alguém, de nível hierárquico acima do seu, mas de outro departa­mento, está aceitando suborno.

• Como lidar com o estresse segundo o modelo de Lipp (1994) em situações atuais: atividade física; alimentação; parada de pensam ento; assertividade. Introduzir o tem a assertividade, seus componentes, diferença entre compor­tam ento agressivo, assertivo e não-assertivo. Entregar folha com as dife­renças entre esses com portam entos (Caballo, 1996) para que cada um leia um trecho para o grupo e comente o que leu, provocando um a discussão.

• Distribuir a lista dos direitos hum anos para que todos tenham elementos para discutir como cada um percebe sua atuação socialmente.

• Tarefa: observar seu com portam ento no dia-a-dia, segundo os conceitos aprendidos de agressividade, não-assertividade e assertividade.

Sétima SessãoResgatou-se a última sessão. Alguns se utilizaram da estratégia de parada de pen­samento e obtiveram resultado.

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 165

A dinâmica possibilitou muita discussão e abriu espaço para o tema. Todos comentaram sobre situações que os deixam passivos. Todos contaram situações pelas quais já haviam passado, ilustrando o tema. Sempre de ordem pessoal, nun­ca no atendim ento de ocorrências.

Discutiu-se, então, o que é assertividade, leu-se a diferença entre com porta­mento agressivo, assertivo e não-assertivo. Também se fez em conjunto a leitura dos direitos hum anos e alguns fizeram comentários a respeito.

Foi-lhes dada a tarefa de exercitar com portam entos assertivos.

Planejamento da Oitava SessãoTema: Relaxamento e encerram ento do grupo.

• Retomar a sessão anterior: assertividade. Verificar tarefa.• Ensinar a técnica de relaxamento (Lipp, 2000). Essa técnica poderá ser em ­

pregada no período de trabalho, pois leva em conta a necessidade de estar alerta e de prontidão, indicando exercícios de respiração (já treinados nas sessões anteriores) e de relaxamento muscular.

• Avaliar o processo interventivo. Recordar todas as sessões com seus objeti­vos, técnicas e estratégias.

• Dinâmica: gostou/não gostou (Kirby, 1995), com o objetivo de avaliar a inter­venção geral. Os participantes são convidados, um por vez, a se manifestar sobre o que gostaram e o que não gostaram na intervenção de modo geral.

• Dar a Escala de Avaliação de Sintomas de Estresse Pós-traumático (ver Qua­dro 9.1) para que cada um responda (pós-teste).

Oitava SessãoQuanto à tarefa de assertividade, quase todos tiveram oportunidade de exer­citá-la. Um dos bombeiros disse que tinha lido com mais calma as diferenças de com portam ento e concluiu que seria impossível ser assertivo. O grupo reagiu, di­zendo que não concordava e que ele mesmo era visto por todos os colegas como um a pessoa extremamente assertiva e que não precisava m udar nada para ser mais assertivo. Esse bombeiro dem onstrou surpresa com isso e lhe foi mostrado que era possível ser assertivo, tanto que ele o era, segundo a avaliação do grupo.

Houve então o treinam ento em relaxamento, bastante apreciado por poder ser feito em serviço e, em seguida, a avaliação de toda a intervenção.

A seguir, alguns relatos:

Eu gostei muito de aprendera não sofrer por antecipação e queria agradecer em nome do grupo o que nos fo i proporcionado. Agradeço esta oportunidade porque com certeza alguma mudança está ocorrendo em mim.

Eu não gostei das minhas saídas para as ocorrências, fo i muito ruim sair e voltar, mas já sabíamos que ia ser assim. Porque nas horas de folga ia ser

166 ■ Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação...

m uito difícil reunir a gente. Perde um pouco a dinâmica o fato de interrompermos por causa das ocorrências, mas tudo bem.

Eu só gostei, só aprendi. Gostei muito. Fiquei chateado com a saída do programa de dois colegas porque éramos um grupo, achei que fo i ruim eles terem saído.

Acho que conversamos muito sobre o que não interessa aqui no Corpo de Bombeiros. Deu para encaixar cada procedimento com o nosso dia-a-dia. Acho que este trabalho pode gerar frutos futuros. Não há trabalho de base com psicólogo. Essa idéia deve frutificar.

A princípio, eu achava que não deveria ter assinado o papel de informação ética e o assinei porque era passivo, não sabia dizer não. Depois, fu i me agradecendo por ter entrado. Gostei muito, aprendi bastante. A dinâmica do consenso [sexta sessão], achei muito difícil, é exercer o poder de decisão. Quanto à coesão de grupo, fazer auto-análise, fo i bom demais. Querendo ou não, a gente form ou um grupo.

Desde o primeiro encontro, eu não pensei m uito se faria ou não. Ãs vezes, questionava se era importante eu atravessar a cidade [vinha de outro posto] para vir aqui e valeu. O que não gostei fo i a “estrada da vida” porque me fez relembrar coisas que não queria. Também fo i feito o pacto do sigilo e isso fo i m uito bom porque não tínhamos receio de nos expor. Foi m uito importante para mim.

Em seguida, aplicou-se o inventário (pós-teste) e ficou combinado passar o resultado individualmente.

Resultados e Considerações FinaisNa Escala de Avaliação de Sintomas de Estresse Pós-traumático, o máximo de pontos possível são 170, considerando as três categorias de sintomas. No pré- teste, o mínimo de pontos do grupo foram 58 e o máximo 103, com m édia de 77, m ediana 80 e desvio padrão 13,6. Após a intervenção, esses resultados foram: 60, o mínimo; 95, o máximo; m édia de 72,9; m ediana 70 e desvio padrão 11,7.

Esses resultados, apesar do decréscimo, não foram estatisticamente significa­tivos. No entanto, o grupo apresentou resultados favoráveis, especialmente quanto ao aspecto qualitativo.

O form ato do grupo pareceu favorecer grandem ente a interação entre os integrantes, facilitando a troca de experiências, além de proporcionar novas formas de se perceber as dificuldades do cotidiano. Esse aspecto se confirm ou nos relatos dos participantes. Alguns ficaram sensibilizados com as falas dos colegas, passando a considerar novos pontos de vista.

Emprego de Relatos Verbais em Grupo como Instrumento de Descrição, Avaliação... ■ 167

Embora o grupo possa apresentar com portam ento punitivo quando um par­ticipante emite determinada opinião, há também oportunidade para os integrantes demonstrarem espontaneam ente solidariedade e elogios, como visto em muitos m omentos da intervenção.

Um participante com entou que a intervenção lhe havia mostrado que podia fazer solicitações (comportamento assertivo) sem correr o risco de ser inadequado e que, por essa razão, havia conseguido ser transferido para outro grupamento perto da cidade em que estava sua família, somente justificando para seu com andante que viajava para cumprir seu turno há oito anos. Comentou que sua participação no grupo o levou a ter coragem de fazer isso.

Outro participante relatou que após a intervenção resolveu reatar o casamento com a ex-esposa, pois havia parado para refletir.

Muitos deles afirmaram ter passado a perceber muitas situações de outra for­ma, mais branda, após terem sido confrontados com novas maneiras de se avaliar os eventos que os colegas apresentavam.

Uma área de limitação que este estudo identifica é a saída de participantes do grupo, entre outras. Pode ser um a das dificuldades quando se pesquisam seres humanos. Também, ao se falar em resultados de pesquisa com seres humanos, corre-se o risco de não ser extremamente fiel, pois as variáveis que controlam o com portam ento hum ano são inúmeras e não se consegue isolá-las.

Entretanto, a im portância de um trabalho de grupo é que, em bora haja p la­nejam ento, o coordenador deve estar aberto aos conteúdos que emergem em decorrência de contingências não controladas, pois isso pode enriquecer muito o trabalho. Por exemplo, na prim eira sessão, em bora o foco estivesse no senti­mento, os participantes acabaram por relatar as características do trabalho, o que favoreceu a com preensão do tipo de evento estressor que se apresenta em seu cotidiano. Dessa forma, é fundam ental que o coordenador do grupo esteja atento às dem andas apresentadas para não só aprim orar seu planejam ento, mas até alterar seu percurso para m elhor condução do trabalho.

Embora todos do grupo fossem bombeiros, seu trabalho pode ser com in­cêndios, salvamentos ou resgate. A viatura de incêndio, por exemplo, pode ser solicitada um a vez por sem ana em alguns meses do ano, ao passo que a viatura do resgate é solicitada muito mais vezes por dia. Dessa forma, o comando costuma alterar a escala de atuação para que haja rodízio.

Outra condição que surgiu foi quanto ao dormir, pois a escala de trabalho difi­culta uma rotina de sono. Mas mesmo quando o profissional não é acionado para aquela ocorrência, fica difícil dormir, pois o alarme para o resgate acorda todos.

No entanto, um a pesquisa de resultados feita em setting natural pode trazer grandes questionamentos sobre como fazer atuações nos próprios ambientes em que os eventos ocorrem.

Divulgar de forma literal esse tipo de intervenção pode suscitar novos caminhos para promover mudanças de atuação que irão, certamente, beneficiar novos grupos.

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Promoção da Ampliação da Comunicação em Pessoas com Deficiência... ■ 171

Tendo em conta as relações entre indivíduos e grupos, Skinner (1990) afirma que a existência de várias culturas gera conflitos, pois “um a cultura prepara um grupo somente para o mundo que se assemelhe ao mundo em que a cultura evoluiu” (p. 1.207). Se sociedades consideradas desenvolvidas estão form ando pessoas alienadas das relações de seu próprio m undo e incapazes, ao mesmo tempo, de compreender outros mundos, Abib (2001) sugere a necessidade de um a formação que resgate a experiência direta com a diversidade de culturas ou de mundos. O autor vê no desenvolvimento hum ano de diferenças um padrão que não significa déficit ou deficiência, mas a possibilidade de desenvolvimento de outras formas de vida cultural, mais especificamente de um a política de identidade que veja nas diferenças o espaço de construção de identidades. Nessa perspectiva, considera-se que políticas públicas que descrevam práticas inclusivas, mais evidentes no âmbito educacional, se constituiriam em possibilidade de experimentar o desenvolvimento humano de diferenças.

Conforme o exposto, lidar com o fenômeno da inclusão requer a possibilidade de lidar com com portam entos que vão muito além de um único indivíduo, es- tendendo-se a um grupo de indivíduos. Estabelece-se aí um problema de ordem conceituai e metodológica, pois qual seria a melhor forma de abordar tais fenôme­nos sociais? Ainda que seja possível descrever o fenômeno com o qual queremos lidar, qual seria a melhor estratégia de m anipulação desse fenômeno?

A possibilidade de lidar com comportam entos de grupos de indivíduos tem sido abordada por alguns analistas do comportamento a partir do conceito de meta- contingências. O conceito foi proposto por Glenn (1986), que o define como con- tingências individuais entrelaçadas (do inglês interlocking), de tal forma que todas juntas produzem um resultado a longo prazo. Mais especificamente, de acordo com Glenn (1991), metacontingências descrevem relações funcionais entre práticas culturais e suas conseqüências, um a metacontingência decorre delas mas não eqüi­vale a contingências comportamentais. Tomando o exemplo da inclusão como com portam ento social complexo, isto é, que depende do com portam ento de outra(s) pessoa(s) para acontecer, o diagrama da Figura 10.1 pode ser ilustrativo da metacontingência descrita num a prática inclusiva. No diagrama, para que se garantam reais condições de igualdade de acesso da pessoa com deficiência à sua comunidade e aos bens da cultura a que pertence, é necessário que sejam apre­sentadas ações por várias agências dessa mesma comunidade. E, por fazerem o que fazem e da maneira como o fazem, originam um produto agregado, um a con­seqüência de magnitude maior e efeito mais abrangente, que mantém as relações estabelecidas pelo grupo. Essa parece ser a particularidade e o que há de mais interessante na relação que descreve um a metacontingência: as conseqüências que m antêm os comportam entos individuais não são as mesmas que m antêm o com portam ento do grupo (ou dos indivíduos no grupo).

No Figura 10.1, cada linha com a seqüência de círculo-quadrado-círculo ilus­tra a contingência descrita para indivíduos de um a agência. Círculos representam estímulos antecedentes e conseqüentes às respostas, e quadrados representam as próprias respostas (ações) de agentes nas respectivas agências. Para cada con­tingência individual existe um antecedente direto e um antecedente que depende do com portam ento de outro agente, isto é, o com portam ento de um agente

Promoção da Ampliação da Comunicação em Pessoas com Deficiência... ■ 173

funciona como am biente para o com portam ento do outro. De acordo com o exemplo da Figura 10.1, o fato de escolas abrirem vagas para pessoas com n e­cessidades especiais, sob controle de legislação específica que pune qualquer forma de proibição ou de dificultar o acesso de pessoas com necessidades espe­ciais a am biente regular, pode funcionar como am biente com portam ental para que outros agentes se comportem : as famílias de pessoas com necessidades es­peciais vão solicitar essas vagas e aum entar o núm ero de pessoas com tais ca­racterísticas nas escolas, por um lado, e exigir que as agências form adoras proponham formação inicial e continuada para professores e que auxiliem no atendim ento a essa população em am biente educacional regular. O com porta­m ento de cada indivíduo dessas agências é m antido pelas conseqüências parti­culares, mas a sociedade m enos segregativa e mais inclusiva só existe se todas essas práticas coexistirem e se o efeito a longo prazo for capaz de m anter esses com portam entos entrelaçados.

Essa tem sido a unidade de análise adotada por analistas do comportamento para abordar fenômenos culturais e tem despertado o interesse de alguns deles para trabalhos conceituais e aplicados (Almeida-Verdu etal., 2002; Rakos, 1993; Schmidt, 2001;Todorov, 1987).

Sob esta perspectiva, Almeida-Verdu et a l (2002) descreveram algumas das ações estabelecidas e m antidas por segmentos de um a escola de ensino funda­m ental e planejaram ações que deveriam ser apresentadas, de tal forma que a conseqüência final fosse a construção de um am biente m enos restritivo e mais inclusivo. Para isso, avaliaram a situação antecedente da escola e, buscando atuar em níveis mais amplos (molares) e menos focais (moleculares) das contingências descritas, ações foram planejadas não só para o aluno com necessidades especiais, mas tam bém ampliadas para aqueles que participavam diretam ente das rela­ções ensino-aprendizagem com esses alunos, a saber, os pais, os professores, o coordenador pedagógico e os demais alunos do ensino regular (com e sem ne­cessidades especiais, em salas de aula com alunos em condição de inclusão). Foram planejadas contingências para cada grupo de pessoas, e o trabalho de capacitação continuada ocorreu no próprio am biente escolar. Os resultados dem onstraram com portam entos m enos segregativos entre os diversos segmentos da escola, de modo que a conseqüência final foi a exposição dos alunos a um ambiente menos restritivo e mais inclusivo.

Mais especificamente, os resultados do estudo desenvolvido por Almeida-Verdu et al. (2002) demonstraram que, ao apresentar à equipe escolar elementos de dis­cussão sobre temas relacionados à inclusão, se pode tom ar mais provável a troca de informação entre professores de classes especiais1 e de ensino regular, bem como aumentar o estado de motivação por mudanças. É possível que, pela apresentação de modelos de interações positivas com os alunos em sala de aula, tenham se esta­belecido atitudes menos segregativas entre eles. Ao orientar o professor no enca­

1 Intervenção conduzida entre os anos de 2000 e 2001, quando havia grande número de classes espe­ciais destinadas a atender exclusivamente pessoas com necessidades especiais sem que fosse preciso a freqüência ao ensino regular.

174 ■ Promoção da Ampliação da Comunicação em Pessoas com Deficiência..,

minhamento de situações discriminatórias em sala e nas dificuldades de acompa­nham ento do currículo regular, proporcionaram-se alternativas para problemas práticos, evitando a exposição dos membros da classe a frustrações. Ao informar pais de alunos sobre a proposta de inclusão, deixou-se clara sua função participativa no processo educativo dos filhos. Ao assessorar a coordenação pedagógica na busca de informações sobre inclusão, estabeleceu-se um a rotina de trocas de informações sobre o tem a na escola com maximização do horário destinado às atividades na Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). Compreendeu-se que a conseqüên­cia final para todos esses conjuntos de ações foi a possibilidade de tornar a escola um ambiente com características menos restritivas e mais inclusivas. Os resul­tados do estudo de Almeida-Verdu etal. (2002) reforçam a idéia da necessidade de p lanejam ento de ações entrelaçadas envolvendo m em bros da comunidade es­colar para que o processo de inclusão educacional tenha possibilidades de su­cesso. Esses resultados também ilustram uma sugestão de aplicabilidade do conceito de m etacontingências na caracterização de necessidades em contextos educa­cionais e na orientação de planos de intervenção na condução dessa dem anda social cada vez mais crescente.

Tanto a escola como qualquer outra instituição pode ser considerada um a unidade sociocultural cujos membros apresentam ações entrelaçadas de forma a serem sensíveis não só a aspectos desse ambiente, mas especialmente ao que ou­tros membros fazem, assumindo, portanto, um duplo papel de acordo com Glenn (1991), pois funciona como ação e como ambiente comportam ental para a ação de outros. Essas relações sociais se estabelecem, dentre outros fatores, por meio da comunicação humana, fundamental para a aprendizagem de práticas que perm i­tam à pessoa exercer plenam ente sua cidadania.

Algumas das ações que evidenciam o exercício da cidadania são: utilização de recursos disponibilizados pela cultura, aprendizagem de práticas estabe­lecidas como pertinentes para a vida nessa cultura e, finalmente, oferta de alter­nativas para problem as que as práticas apresentadas por essa m esm a cultura venham a gerar (Luna, 2001). Como exemplo, um a das principais características de pessoas com necessidades educacionais especiais, em particular com deficiên­cia mental, é o funcionam ento do desem penho intelectual significativamente inferior e com reconhecidos déficits em pelo m enos duas áreas do com porta­m ento adaptativo, como o déficit de comunicação. Se um a pessoa m ostra nas suas relações com o m undo um a necessidade muito evidente de comunicação, então a aprendizagem de práticas adaptativas im portantes para a sobrevivência nessa cultura e aprendidas por essa cultura não são facilmente acessíveis. Não pelos meios convencionais.

A partir dessa premissa e do contato com um a instituição que oferece serviço e suporte a pessoas com necessidades educacionais especiais, realizou-se um estudo, mais bem descrito a seguir, cujo objetivo foi o de ampliar as relações comunicativas entre os integrantes dessa instituição, tendo por finalidade favo­recer m aior inserção em seus meios familiar e educacional. Considera-se nesse trabalho que, m esm o em um am biente protegido (instituição), identificam-se níveis diferentes de participação, do mais incluído ao mais segregado. Ou seja, é

Promoção da Ampliação da Comunicação em Pessoas com Deficiência... ■ 175

possível program ar ações em prol das interações entre as pessoas da instituição, de modo a minimizar preconceitos e atitudes segregativas entre elas. Essas habi­lidades, um a vez desenvolvidas, podem e devem ser generalizadas para outros ambientes, de modo que se garanta o acesso não só a um am biente mais inclu­sivo, mas a práticas mais inclusivas.

O trabalho que será descrito se deu em parceria com um a instituição de edu­cação especial que oferece programas voltados para a educação e para o trabalho, localizada no interior do estado de São Paulo, em parceria técnico-científica com o Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesqui­ta Filho (Unesp), campus de Bauru. De acordo com as necessidades apresentadas pela instituição, quais sejam, ampliar a interação e a comunicação entre integran­tes de um grupo de alunos considerados muito comprometidos intelectualmente, propôs-se um programa de intervenção.

Considerou-se, nesse trabalho, que repertórios com unicativos e sociais (podendo ser vocais ou m esm o ações motoras) são estabelecidos e m antidos por meio de contingências de reforço (Baum, 1999). Nesse caso, comunicar fatos ou mesmo agir em um a com unidade dependerá, em última instância, das conse­qüências apresentadas pela comunidade ao indivíduo que se comporta. Objetivos que abranjam ampliação de repertórios comunicativos são alcançados com maior eficácia quando o planejam ento envolve múltiplos agentes educacionais.

Descrição do EstudoParticipantes, Condições de Trabalho e MateriaisParticiparam desse trabalho pessoas de vários segmentos de um a instituição de reabilitação para pessoas com necessidades especiais, sendo quatro alunos, um a educadora e os pais desses alunos.

Os alunos eram adultos, todos com diagnóstico de deficiência mentale acentuado comprom etim ento na comunicação e nas interações sociais, sendo três do sexo masculino e um a do sexo feminino, com idades entre 25 e 47 anos. O tem po de perm anência dos alunos na instituição anteriorm ente ao projeto era de até um ano e meio. A escolha desses participantes ocorreu em razão de alguns fatores como a preexistência de um grupo que desenvolvia, sistematicamente, atividades diárias na instituição, cujo objetivo específico era o de promover interação social entre os alunos por meio de atividades ocupacionais e produção de artesanato. Todos os alunos foram convidados a participar do estudo e os pais assinaram, por serem os responsáveis legais, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, con­tendo resum idam ente um a descrição do programa e sua finalidade, bem como o caráter não obrigatório da participação de seus filhos.

O espaço utilizado foi um a sala cedida pela instituição, no mesmo local em que ocorriam as atividades regulares de ensino, com a presença da educadora participante do estudo. Foram usados materiais de consumo (folhas, canetas coloridas com ponta porosa, revistas, cola, tesoura, cartazes e outros) durante a execução das atividades.

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Identificação das Necessidades de Aprendizagem e Plano de IntervençãoA organização e a apresentação das atividades foram realizadas pelas três estagiárias de Psicologia, autoras deste trabalho, sob supervisão e orientação da quarta autora deste Capítulo.

As condições antecedentes ao trabalho foram avaliadas e nortearam as ações desenvolvidas com cada segmento. O levantamento das necessidades do grupo decorreu de observação direta e do relato de funcionários da instituição, que se queixaram de que havia pouca ou nenhum a interação entre os alunos daquele grupo específico, identificando a necessidade de ampliação da comunicação e das interações sociais entre eles. Também foi apresentada como queixa a baixa parti­cipação dos pais desses alunos nas atividades e reuniões propostas pela instituição.

Na descrição do estudo optou-se por um a forma diferente da estrutura usual­m ente adotada em pesquisa para a descrição do estudo, isto é, descrição do pro­cedim ento seguida dos resultados e da discussão. Para cada segm ento de participantes da instituição (alunos, educadora e pais) será descrito o resultado da avaliação das condições de cada segmento anteriores à intervenção, como ca­racterização da situação inicial e antecedente à intervenção; a essa caracterização podemos denominar “antecedentes”. A avaliação antecedente será seguida da des­crição das ações programadas junto a cada segmento, isto é, descreverá os proce­dimentos adotados. Como etapa final das ações dirigidas a cada segmento, serão descritas as conseqüências e implicações decorrentes, a função dos procedim en­tos adotados ou, em outras palavras, os resultados obtidos. Dessa forma, serão descritas três contingências planejadas para comportam entos de indivíduos de cada segmento, o que pode aproximar mais o leitor do entrelaçamento de contin­gências pretendido com o estudo junto a essa instituição.

AlunosAvaliação InicialA instituição disponibilizou acesso aos dados pessoais e médicos dos alunos, bem como de seus históricos na instituição, o que contribuiu para verificar as necessi­dades individuais. Identificou-se, nos prontuários, que os alunos apresentavam acentuados déficits em comunicação.

Além dos dados fornecidos pela instituição, obtiveram-se medidas de pré e pós-teste do repertório de habilidades comunicativas em duas condições: direta­m ente com os alunos e indiretamente a partir do relato da educadora. Na prim ei­ra condição, a avaliação direta e individual com cada participante, realizou-se um a aplicação adaptada do teste Coleção Papel de Carta (Chamat, 1997), que propõe fazer avaliação de dificuldades de aprendizagem. Constitui-se em seis cartões que apresentam desenhos de personagens em diversas situações que envolvem com u­nicação e interação. Com os cartões foram avaliados os seguintes repertórios: reco­nhecim ento de palavras faladas, nomeação de figuras isoladamente, nomeação

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de figuras quando apontadas por um interlocutor, descrição de ações dos perso­nagens, narração com seqüência lógica e emissão de opiniões, entendendo-se que esses repertórios compõem classes mais amplas de com portam entos pré-requi- sitos para o que se denominam habilidades comunicativas. A Figura 10.2 mostra um a caracterização dos participantes e seus desem penhos em algumas das habi-

100

50

100

50 -

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ajuda□ Não faz

Reconhecimento Nomeação Descrição Emissão deA auditivo de figuras de ação opinião

Reconhecimento Nomeação Descrição Emissão deB auditivo de figuras de ação opinião

100

50

Reconhecimento Nomeação Descrição Emissão deC auditivo de figuras de ação opinião

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50 -

Reconhecimento Nomeação Descrição Emissão deD auditivo de figuras de ação opinião

Figura 10.2 - Caracterização dos participantes do estudo: porcentagem de acertos nos desempenhos avaliados durante a apresentação das pranchas que compõem o teste Coleção Papel de Carta. (A) Participante Bene, 46 anos de idade. (£) Participante Lud, 34 anos de idade. (C) Participante Mach, 24 anos de idade. (D) Participante Sony, 42 anos de idade.

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lidades que envolvem repertórios comunicativos na prim eira condição, isto é, quando avaliados diretam ente pelas pranchas da Coleção Papel de Carta.

A avaliação na primeira condição dem onstrou que os desem penhos de reco­nhecim ento de palavras faladas, nomeação de figuras isoladamente, nomeação de figuras quando apontadas por um interlocutor e descrição de ações dos perso­nagens estavam bem estabelecidas em três dos quatro participantes; apenas Sony não tinha esses desem penhos bem estabelecidos. Foram registradas dificuldades em narrar fatos com seqüência lógica e emitir opiniões em todos os alunos. Essa avaliação constatou a necessidade de intervenção direta em repertórios que envol­vam comunicação junto a esse grupo, confirmando-se a relevância dos repertórios propostos inicialmente.

A segunda condição, que obteve a m edida indireta do desem penho dos alu­nos, pelo relato do educador, será mais bem detalhada na seção que descreve suas contingências.

Ações Diretas junto aos AlunosComo proposta de intervenção elaborada a partir desta constatação, propôs-se um treino direto e sistemático em habilidades comunicativas em 20 sessões grupais, um a por semana, com duas horas de duração cada. As sessões foram planejadas com programação seqüencial e progressiva, de modo que a cada três sessões um a nova habilidade fosse treinada, da mais simples para a mais complexa. Por exem­plo: as três primeiras sessões foram planejadas com o tema informar dados pes­soais, seguindo um a estrutura de atividades que visava identificar as reservas comportamentais de cada educando em relação à habilidade em questão, identifi­car a necessidade de treino, treinar a habilidade e checar a aprendizagem. A cada encontro foram planejadas atividades lúdicas e técnicas de dinâmica de grupo, pro­curando trabalhar com aspectos concretos da aprendizagem, partindo sempre de vivências dos próprios alunos. Cada habilidade foi trabalhada especificamente em pelo menos três sessões, o que não impossibilitou que uma habilidade, mesmo não sendo tema principal de outros encontros, acabasse por ser trabalhada de modo indireto em conjunto com as outras habilidades. Essa medida visava promover múltiplas e variadas oportunidades de aprendizagem e de generalização.

O procedimento instrucional de cada sessão foi o típico do Treino de Habilida­des Sociais (Monjas, 1997, apudSilvares, 2002), que contempla a seguinte seqüência:

• Instrução verbal: fornecimento de informações do tem a da sessão e da se­qüência de acontecimentos para aquele período.

• Diálogo e discussão: realizava-se a modelação da habilidade a ensinar; incluíam-se apresentação de ações-modelo que poderiam ser duplicadas/ imitadas/copiadas pelos participantes e modelação de enfrentamento da si- tuação-problem a apresentada.

• Prática: realizava-se a representação e a troca de papéis (role-play) em si­tuações práticas da instituição.

• Feedback verbal e reforço: apontavam-se aspectos positivos dos desem pe­nhos apresentados, que eram valorizados por isso, por resolver situações novas, por obterem mais informação, entre outros ganhos intrínsecos dos

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desem penhos trabalhados. Um recurso adicional im portante a ser m en­cionado foi a utilização das reservas com portam entais de alguns partici­pantes como instrum ento para um ensino colaborativo. Aqueles alunos que já apresentavam habilidade em determ inada tarefa eram instruídos a auxiliar os demais, o que ajudou tanto na aprendizagem dos que ainda não sabiam fazer, como na promoção de novas habilidades para os que estavam oferecendo suporte.

Em cada sessão, as estagiárias expunham aos participantes um resumo das tarefas realizadas anteriormente, apresentavam os objetivos da sessão e os instruíam sobre a tarefa. Houve tam bém um a avaliação individual da atuação, que consistia em registros individuais de cada desem penho-alvo apresentado pelos partici­pantes, considerando um a escala de três pontos: não fa z , fa z com ajuda e faz. Para efeito de planejam ento educacional, não fa z indicava necessidade de apren­dizagem, fa z com ajuda indicava necessidade de suporte (ajuda física ou motora, para a modelação ou dicas verbais) e fa z indicava autonom ia para a execução da tarefa proposta.

Todos os repertórios foram registrados para cada participante e em todas as sessões, constituindo, ao final da intervenção, um quadro completo de cada ha­bilidade treinada.

ConseqüênciasOs dados obtidos por registros individuais em cada sessão possibilitaram um a aná­lise do progresso da aprendizagem na aquisição das habilidades comunicativas mencionadas (Fig. 10.3). Os resultados demonstraram aquisição dos desem pe­nhos ensinados para todos os participantes, ilustrados pela linha contínua na Fi­gura 10.3: quanto menos paralela a linha em relação ao eixo x, maior a aquisição; quanto mais paralela a linha em relação ao eixo x, m enor ou nula a aquisição. O nível de complexidade das aquisições foi bastante diversificado; um a das alunas (Sony), inclusive, não apresentava emissões vocais, tendo sido necessário adaptar as tarefas levando em conta suas possibilidades comunicativas (gestuais e visuais) e utilizando-se do referencial de um a comunicação alternativa (Light et al., 1998). Consideraram-se positivos os resultados para Sony, fazendo-se essas adequações na apresentação das atividades e no registro de seu desempenho. Outro partici­pante cujo desem penho merece comentários é Lud, pois entre a décima-segunda e a décima-oitava sessão seu desem penho foi nulo, mas por motivo de falta para acom panham ento do uso que fazia de um a medicação.

Sob as condições oferecidas pelo program a de intervenção, todos os partici­pantes m antiveram um bom nível de interação com o grupo e de com partilha­m ento de atividades, dem onstrados pelas linhas interm itentes na Figura 10.3. Consideraram-se como interação com o grupo as respostas apresentadas por um aluno quando o am biente de ação era o com portam ento de outro m em bro do grupo. Assim, diante da necessidade de recortar um m aterial para a atividade vigente e de um m em bro do grupo utilizando a tesoura, o solicitar a tesoura em prestada foi tido como episódio de interação com o grupo. Já o com porta­m ento apresentado por dois alunos, função de um a m esm a atividade, mas sem

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Informardados Responder Fazer Descrever Seguir Opinar Opinar

pessoais perguntas pedidos situações instruções concordando discordando

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J53£3

Habilidades-alvo

Sessões

— Interagir com o grupo

----Compartilharatividades

Figura 10.3 - Escore acumulado dos participantes nas sessões de ensino de habilidades comunicativas. A linha contínua representa o desempenho dos participantes nos desempenhos- alvo de intervenção indicados no topo da figura. As linhas intermitentes representam o nível de interação com o grupo e o compartilhamento de atividades aferidas durante todo o projeto. (A) Participante Sony. (B) Participante Mach. (Ç) Participante Lud. (D) Participante Bene.

interlocução direta entre eles, foi considerado com partilhar atividades, como, por exemplo, escutar a m esm a história.

A partir das descrições do interagir com o grupo e compartilhar atividades, per- cebe-se na Figura 10.3 que todos os participantes, à exceção de Sony, tiveram a evolu­ção dos escores obtidos nesses desempenhos (linhas intermitentes) acompanhando os desem penhos das habilidades-alvo de intervenção (linha contínua). Já Sony,

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desde a décima-segunda sessão, apresenta escore nulo (linha paralela ao eixo x) de interação com o grupo com a continuidade do aumento dos escores em compartilhar atividades e nas demais habilidades trabalhadas. Isso pode ter decorrido da comuni­cação alternativa utilizada com Sony (por exemplo, uso de cartões que ilustravam ações, uso de sinais e gestos), necessária para que ela realizasse as tarefas.

Considera-se que tais resultados sejam funções das condições planejadas in­dividualmente para cada participante, em primeira instância, e de planejamentos realizados para os demais segmentos, detalhados a seguir.

EducadoraAvaliação InicialA agente educacional acompanhou todo o processo de intervenção e planejamento do programa, sendo sua participação fundamental, inclusive no m omento de pro­por a parceria técnico-científica entre a universidade e a instituição.

Conforme já dito, verificou-se a necessidade de se trabalhar com repertórios comunicativos nesse grupo específico. Tanto os relatos da educadora como as ob­servações diretas apontavam para condições pobres de interação social e com u­nicação entre os alunos do grupo, considerados os mais “atrasados” e alvos de estigmas dentro da própria instituição.

Contou-se com a aplicação de um inventário elaborado para esse trabalho junto à educadora integrante do programa. Solicitou-se que preenchesse um a fi­cha, semelhante à exibida na Figura 10.4, referente ao desempenho de cada aluno do grupo que participou do estudo. O objetivo foi levantar informações sobre reper­tórios de interação social dos alunos, segundo a percepção dessa profissional em seus contatos formal e informal com os participantes. As medidas de desempenho de cada aluno foram obtidas de acordo com um a escala que apresenta três pontos:

\Tnmn Ar\ olnnn* riata • / /

Comportamentos F FCA NFInformar dados pessoais - X -Responder perguntas - X -Fazer pedidos - X -Descrever situações/figuras - X -Seguir instruções - X -Opinar concordando - X -Opinar discordando - X -Interagir com o grupo X - -Compartilhar atividades X - -Outros - - -

Figura 10.4 - Exemplo de ficha que a educadora deveria preencher, tendo como referência os comportamentos observados em cada participante, antes e depois das intervenções realizadas. F = faz; FCA = faz com ajuda; NF = não faz.

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Informardados Responder Fazer Descrever Seguir Opinar Opinar

pessoais perguntas pedidos situações instruções concordando discordando

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Habilidades-alvo

Sessões

— Interagir com o grupo

Compartilharatividades

Figura 10.3 - Escore acumulado dos participantes nas sessões de ensino de habilidades comunicativas. Alinha contínua representa o desempenho dos participantes nos desempenhos- alvo de intervenção indicados no topo da figura. As linhas intermitentes representam o nível de interação com o grupo e o compartilhamento de atividades aferidas durante todo o projeto. (A) Participante Sony. (B) Participante Mach. (Ç) Participante Lud. (D) Participante Bene.

interlocução direta entre eles, foi considerado com partilhar atividades, como, por exemplo, escutar a m esm a história.

A partir das descrições do interagir com o grupo e compartilhar atividades, per­cebe-se na Figura 10.3 que todos os participantes, à exceção de Sony, tiveram a evolu­ção dos escores obtidos nesses desempenhos (linhas intermitentes) acompanhando os desem penhos das habilidades-alvo de intervenção (linha contínua). Já Sony,

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desde a décima-segunda sessão, apresenta escore nulo (linha paralela ao eixo Jt) de interação com o grupo com a continuidade do aumento dos escores em compartilhar atividades e nas demais habilidades trabalhadas. Isso pode ter decorrido da comuni­cação alternativa utilizada com Sony (por exemplo, uso de cartões que ilustravam ações, uso de sinais e gestos), necessária para que ela realizasse as tarefas.

Considera-se que tais resultados sejam funções das condições planejadas in­dividualmente para cada participante, em primeira instância, e de planejamentos realizados para os demais segmentos, detalhados a seguir.

EducadoraAvaliação InicialA agente educacional acompanhou todo o processo de intervenção e planejamento do programa, sendo sua participação fundamental, inclusive no m omento de pro­por a parceria técnico-científica entre a universidade e a instituição.

Conforme já dito, verificou-se a necessidade de se trabalhar com repertórios comunicativos nesse grupo específico. Tanto os relatos da educadora como as ob­servações diretas apontavam para condições pobres de interação social e com u­nicação entre os alunos do grupo, considerados os mais “atrasados” e alvos de estigmas dentro da própria instituição.

Contou-se com a aplicação de um inventário elaborado para esse trabalho junto à educadora integrante do programa. Solicitou-se que preenchesse um a fi­cha, semelhante à exibida na Figura 10.4, referente ao desempenho de cada aluno do grupo que participou do estudo. O objetivo foi levantar informações sobre reper­tórios de interação social dos alunos, segundo a percepção dessa profissional em seus contatos formal e informal com os participantes. As medidas de desempenho de cada aluno foram obtidas de acordo com uma escala que apresenta três pontos:

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Comportamentos F FCA NFInformar dados pessoais - X -Responder perguntas - X -Fazer pedidos - X -Descrever situações/figuras - X -Seguir instruções - X -Opinar concordando - X -Opinar discordando - X -Interagir com o grupo X - -Compartilhar atividades X - -Outros - - -

Figura 10.4 - Exemplo de ficha que a educadora deveria preencher, tendo como referência os comportamentos observados em cada participante, antes e depois das intervenções realizadas. F = faz; FCA = faz com ajuda; NF = não faz.

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fa z (F), faz com ajuda (FCA) e não faz (NF), conforme ilustrado na Figura 10.4. Essas medidas foram obtidas de cada um dos nove repertórios-alvo da intervenção, a saber, informar dados pessoais, responder perguntas, fazer pedidos, descrever situa­ções/figuras, seguir instruções, opinar concordando, opinar discordando, interagir com membros do grupo e compartilhar atividades em grupo. A escolha desses com­portam entos se deu de acordo com dem anda apresentada pela educadora e que a literatura afim descreve como repertórios importantes em contextos educacio­nais (Klejin e Del Prette, 2001).

Ações junto à EducadoraApós a elaboração da proposta de trabalho, levando-se em conta as questões ex­postas an teriorm ente e a literatura apresentada no início deste Capítulo, o planejam ento foi discutido com a educadora e com as instâncias administradoras da instituição. Antes do início do programa, ocorreram reuniões com o objetivo de fortalecer a parceria instituição-universidade, informar quais procedimentos seriam realizados e pedir a colaboração dos profissionais que participariam m es­mo que indiretamente das atividades propostas. Dessa forma, a educadora também teve papel de m ediadora nas decisões necessárias para a realização do programa na instituição.

Durante as intervenções com os alunos, a educadora participou, juntam ente com as estagiárias, como colaboradora direta do programa. Inicialmente, percebeu- se sua dificuldade em discriminar quais seriam as práticas educativas adequadas aos objetivos do estudo e, para suprir tal necessidade, planejaram-se algumas reu­niões informativas, fora do horário de intervenção com os alunos.

Durante essas reuniões, a educadora foi orientada a dar continuidade ao ensino com o grupo de alunos nos demais dias da sem ana em que desenvolvia atividades diversas. Essa prática visava possibilitar consistência ao ensino e generalização das habilidades para os contextos em que as estagiárias não estariam presentes. Afinal, tem-se como pressuposto que a consistência das práticas educativas seja elemento fundamental para a m anutenção dos comportamentos aprendidos, sen­do esse um dos princípios norteadores de toda a intervenção e das reflexões já expostas no início do Capítulo.

Tam bém foi possível en sinar à educadora com o selecionar e reforçar diferencialmente comportamentos adequados, além de modelar sua discriminação em relação a pequenos avanços comportam entais que os participantes apresen­taram ao longo das sessões. Esse espaço de comunicação com a educadora se mostrou im portante para que esta pudesse trazer demandas específicas sobre sua atuação, como, por exemplo, a necessidade de analisar os casos mais difíceis, tiran­do dúvidas e planejando com as estagiárias algumas estratégias de ensino. Essa etapa do trabalho foi bastante im portante para o planejam ento e a comple- mentação do programa de intervenção.

ConseqüênciasApós a intervenção, a educadora passou a relatar avanços em sua interação com o grupo e nas interações comunicativas que os integrantes do grupo estabeleciam entre si. A educadora também passou a utilizar estratégias de ensino que favoreciam

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Sony Mach Lud Bene

| | Antes da intervenção

H Depois da Intervenção

Figura 10.5 - Escores atribuídos aos alunos de acordo com a avaliação da educadora antes (barras cinza) e depois da intervenção (barras pretas).

a aprendizagem das habilidades-alvo, tanto em atividades de ensino sistemático quanto informalmente em outras atividades que exercia com os mesmos alunos.

Comparando-se os registros feitos pela educadora antes e depois da intervenção, obtidos pelo inventário e demonstrados na Figura 10.5, percebe-se um a m udança em relação à percepção da educadora sobre o repertório dos alunos, qualitativa­m ente diferente após a intervenção. Essa m udança sugere, inicialmente, duas hipóteses explicativas: (1) a de que os alunos passaram, após a intervenção, a apre­sentar repertórios adequados à comunicação, interagindo melhor entre si, e isso foi percebido pela educadora; e (2) a de que a educadora passou a discriminar comportamentos adequados que já existiam anteriormente, mas que passavam despercebidos e, portanto, não eram alvos de intervenção previamente progra­mada. Ao discriminar esses comportam entos adequados, a educadora passou a responder a eles de forma positiva, sendo mais um a m edida que possivelmente tenha contribuído para a verificação das aquisições dos alunos.

PaisAvaliação InicialPelo relato das educadoras e de outros profissionais da instituição, havia uma neces­sidade de trazer os pais para uma relação mais próxima com as atividades no espaço institucional. A queixa era de que os pais pouco freqüentavam as reuniões marcadas e de que havia pouco engajamento na educação dos filhos, ficando sob responsabili­dade quase exclusiva da instituição e de seus profissionais.

Diante de tal demanda, levantou-se a hipótese de que, muitas vezes, os pais só sejam chamados à escola ou à instituição para ouvir sobre os problemas de seus filhos, receber alguma advertência e, em última instância, ser cobrados quanto a seus papéis de educadores. Como alternativa, propôs-se a intervenção a seguir.

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Ações junto aos PaisPartindo dessa realidade, planejaram-se juntamente com a educadora duas reuniões informativas para os pais, inicialmente para levar ao conhecim ento destes o tra ­balho realizado. Acordou-se que não seriam ressaltados os déficits ou os proble­mas de com portam ento, não porque não pudessem ser assunto de reuniões educativas, mas porque, num primeiro momento, era necessário trazer algo de positivo para esses pais. Assim, enfatizaram -se as tarefas que os alunos estavam fazendo bem e os ganhos obtidos com o programa, pedindo aos pais que a ten ­tassem para aquilo que os filhos eram capazes de fazer e como seria im portante que valorizassem essas atitudes.

A partir desse primeiro objetivo, foram dadas algumas orientações sobre p rá­ticas facilitadoras de com unicação e de interações positivas em am biente do­méstico, tais como diretividade, perguntar sobre a tarefa, solicitar atenção, repetição, sugestão, feedback, informar, comentar, estabelecer limites, contato físico de ajuda e dem onstrar afeto (Silva e Salomão, 2002). Essas práticas estão descritas a seguir (Tabela 10.1) e foram selecionadas para o trabalho com os pais a fim de oferecer condições para que os com portam entos desejados, trabalha­dos diretam ente com os alunos, pudessem continuar ocorrendo tam bém em casa e na interação entre pais e filhos.

Tabela 10.1 - Práticas facilitadoras da aprendizagem utilizadas em reuniões de orientação aos pais dos alunos

Práticas facilitadoras da aprendizagem Descrição

Diretividade

Perguntar sobre a tarefa

Solicitar atenção

Repetição Sugestão Feedback da ação

Informar

Comentários

Estabelecer limites

Contato físico de ajuda

Demonstração de afeto

Dizer à pessoa o que deve ser feito, nomeando objetos e apresentando suas características

Fazer perguntas solicitando uma ação ou verbalização da pessoa sobre a tarefa

Chamar a atenção da pessoa pelo seu nome, manuseando algum objeto de seu interesse ou falando sobre coisas de seu interesse

Solicitar que a pessoa repita uma palavra ou açãoProposição de uma atividade possívelAprovação, desaprovação ou correção em resposta a uma ação

da pessoaDizer coisas que contribuam para a execução da atividade, seja

nomeando, descrevendo ou demonstrando uma açãoDizer coisas positivas sobre a própria ação da pessoa para uma

outra pessoaEnsinar à pessoa que os direitos são iguais para todos, com

capacidade de tolerar pequenas frustrações e capacidade de adiar a satisfação

Ajudar a pessoa direcionando a ação, apoio para manusear objetos

Ações ou palavras que demonstrem afetividade, carinho pela pessoa

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ConseqüênciasObservou-se maior participação dos pais e preocupação em identificar práticas que facilitem a ampliação do repertório comunicativo dos filhos. Isso favoreceria as pos­sibilidades de generalização do que era ensinado pelo programa na instituição para o ambiente familiar. Muitos pais relataram surpresa ao ouvir que seus filhos tinham certa autonomia na instituição, aspectos que não observavam em casa. Esse espaço de comunicação com os pais tam bém foi de bastante importância para a troca de experiências entre eles, programando-se um a situação de confraternização entre pais e alunos ao final de todas as intervenções.

Como mencionado, muitas vezes os pais só são chamados à escola ou à insti­tuição para ouvir os problemas de seus filhos e essa prática, que reflete mais erros e déficits do que acertos e ganhos, dá às reuniões de pais um a conotação de co­brança. Nesse contexto, ressaltam-se os problemas de comportamento, pressu­pondo que alunos que vão bem não precisam ser chamados e, portanto, tanto pais quanto filhos acabam por não receber o mérito de suas ações. E, o que é pior, essas práticas acabam afastando os pais desse tipo de atividade, punitiva e pouco reforçadora, dificultando um trabalho colaborativo.

Considerações FinaisDe maneira geral, observou-se que a aquisição de comportamentos relevantes para a cultura, como habilidades comunicativas por pessoas com necessidades especiais, ocorreu não só como função de ensino direto, mas tam bém por ações apresenta­das junto a agentes de ensino e aos pais desses alunos.

A promoção dessas múltiplas condições de aprendizagem promoveu condi­ções para que um repertório aprendido em um a situação pudesse ser m antido e generalizado para outras. Tomou-se como hipótese que as ações programadas em um segmento funcionaram como antecedentes e conseqüentes para as ações dos outros segmentos. Por exemplo, os alunos passaram a emitir, com mais freqüên­cia, comportamentos comunicativos na rotina da instituição pelo suporte oferecido pelo ensino direto. A educadora passou a reconhecer as habilidades dos alunos e a apresentar comportam entos que funcionavam como reforço positivo para eles, além de tornar a rotina apresentada pelo programa de ensino mais sistemática durante a semana. Os pais passaram a participar mais da rotina da instituição, freqüentando reuniões de pais e eventos comemorativos, pois essas atividades passaram a ser valorizadas com respostas mais positivas, sobretudo pelos próprios membros da instituição. A conseqüência final para esse conjunto de intervenções foi um a comunicação mais efetiva entre os três segmentos envolvidos na rotina dessa instituição. Esse conjunto de conseqüências coincide com o objetivo da ins­tituição, qual seja, o de promover práticas coerentes com o paradigma da inclusão.

Aproposta de trabalhar com ações indiretas fundamentou-se em Glenn (1991), que considera que os segmentos de uma comunidade exercem um duplo papel: o de agentes de mudança, exercendo ações sobre o meio, e o de ambiente, para ação de outros, caracterizando-se como elementos de unidades culturais.

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A organização de relato desse trabalho observando o agente envolvido, a ava­liação antecedente, as ações im plem entadas e as conseqüências obtidas em detrimento de um a organização científica em participantes, procedimentos e re­sultados decorreu do fato de tornar evidentes as ações planejadas dos diversos segmentos da instituição, considerando suas necessidades e os efeitos produzidos.

Compreende-se que, nessa proposta, ainda que muitas variáveis sejam deter­minantes de uma sociedade inclusiva, esta depende também de comportamentos apresentados por agentes particulares, podendo ser entendida como um produto obtido de práticas culturais particulares. Dessa forma, de acordo com a proposta apresentada por Glenn (1988), os aspectos que m antêm o produto das práticas cul­turais apresentadas por uma comunidade não são os mesmos que mantêm os com­portam entos individuais apresentados por cada pessoa que compõe os setores envolvidos na obtenção desse produto. Assim, considerou-se pertinente o estudo de interações comportamentais específicas (contingências individuais), também implicadas na aprendizagem de comportamentos considerados condizentes com o exercício da cidadania. De acordo comTodorov etal. (2005), contingências indivi­duais podem estar, de alguma forma, relacionadas em um a metacontingência, pois o que a define são as contingências individuais resultarem em um a conseqüência comum para um grupo de indivíduos que, por sua vez, é diferente das conseqüên­cias individuais. Ainda de acordo com esses pesquisadores, se as contingências in­dividuais se entrelaçam, este é um aspecto que merece ser estudado na análise de um a metacontingência, mas que não pertence à sua definição.

Considera-se, nesse trabalho, que um planejam ento em nível cultural (em micro ou macrossistema) tam bém deve se preocupar em descrever, analisar e pro­gramar conseqüências diretas para contingências individuais. Quando aglome­rados de com portam entos (de um mesmo indivíduo, de grupos e instituições) como esses se combinam para produzir conseqüências significativas para grupos maiores, diz-se que estão em vigor contingências entrelaçadas e essas contin­gências exercem um controle tecnológico forte sobre o grupo. O controle tecno­lógico propõe um trabalho de determinação de regras específicas, de providenciar conseqüências imediatas para a observância dessas regras e de avaliação dessas regras e das conseqüências (Glenn, 1986; Todorov, 1987). As contingências entre­laçadas com controle tecnológico, em detrimento de contingências com controle cerimonial (derivada de poder de autoridade e status, independentem ente de sua pragmática ou resultados), podem aumentar o âmbito de ação e a eficácia do com­portam ento que altera o ambiente no sentido de garantir a sobrevivência e a satis­fação do indivíduo e da sociedade (Melchiori et a l, 1991).

A relevância social dos comportamentos-alvo da intervenção aqui relatada, a saber, repertórios comunicativos, além do planejam ento de contingências entre­laçadas, tam bém pode ser um ponto favorável para que a aprendizagem em condições planejadas de ensino seja generalizada para outros ambientes. Afinal, os repertórios comunicativos são importantes em nossa sociedade por possibili­tarem o acesso a reforçadores primários e secundários que devem ser garantidos aos indivíduos não somente dentro da instituição, mas nos diversos ambientes da cultura, permitindo, cada vez mais, sua inclusão. Dessa maneira, ao serem selecio­nados esses repertórios como alvos de intervenção, tem-se como “vantagem” a

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possibilidade de que sejam reforçados não só por agentes educativos treinados para tal, mas tam bém por outras pessoas que partilhem de m esm a cultura, fora da instituição, sendo possível iniciar pela família.

Esse estudo sugere uma possível contribuição do psicólogo, de maneira geral, e do analista do comportamento, em particular, como agente que pode prestar servi­ços ou oferecer suportes comportamentais no manejo de relações apresentadas em nível institucional e/ou educacional. O papel do analista do comportamento nesses contextos deve, ainda, ir além da prática de redução de comportamentos-problema em pessoas com necessidades especiais para a prática de programar comporta­mentos desejáveis por um a comunidade ou por uma cultura (Glenn et al., 1993).

A psicologia como ciência do com portam ento que trabalha com a diversidade e que possui domínio de tecnologias do com portam ento tem condições de pro­mover o desenvolvimento hum ano de acordo com a proposta de Abib (2001) com base nas premissas ora apresentadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASABIB, ]. A. D. Teoria moral de Skinner e desenvolvimento humano. Psicologia: Reflexão e

Crítica, v. 14, n. 1, p. 107-117, 2001.ALMEIDA-VERDU, A. C. M.; FERNANDES, M. C.; RODRIGUES, M. C. A inclusão de pessoas

com necessidades educativas especiais: implementação de práticas inclusivas e aspec­tos de planejamento educacional. Interação em Psicologia, v. 6, n. 2, p. 223-232,2002.

BAER, D. M.; WOLF, M. M.; RISLEY, T. R. Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, v. 1, p. 91-97,1968.

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CAPÍTULO

Inclusão Escolar como Objeto de Processo

Terapêutico

O l g a M a r ia P ia z e n t in R o l im R o d r ig u e s

A r e t h a B is p o d e C a s t r o

O presente capítulo pretende, ao descrever as crenças parentais sobre a inclusão, refletir sobre a necessidade de apoio terapêutico aos pais de crianças com necessidades educacionais especiais. Analisaram-se relatos de um a mãe em processo de reflexão e m udança durante o atendimento terapêutico conduzido por um ano em um a clínica-escola de Psicologia, relacionados à inclusão escolar e ao desem ­penho acadêmico. Os dados dem onstraram um a relação entre conceito de deficiência e as possibilidades de inclusão.

Todo indivíduo nasce em um a família que tem caracte­rísticas próprias e está inclusa em determ inada cultura (Glat, 1996). A família é a instituição em que o indivíduo estabelece suas primeiras relações sociais e, nesse meio, no decorrer de seu desenvolvimento, apreende regras, cren­ças e valores culturais (Gargiulo, 2003; Silva e Dessen, 2001; Glat, 1996). É nesse ambiente, também, que a criança se desenvolve e adquire suas habilidades, elaborando con­ceitos sobre si e suas potencialidades. Essas influências ocorrem de forma intencional ou não, por meio de com ­portam entos verbais e não verbais do grupo social que a cerca (Silva e Dessen, 2001). Na cultura brasileira, a família é o grupo social primário, sendo no relacionamento fami­liar que, desde os primeiros anos, a criança aprenderá a lidar

190 ■ Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico

com as mais diferentes situações, aprenderá quais as concessões e ajustes que terá que fazer e quais relações encontrará e estabelecerá. O grupo familiar é res­ponsável pela socialização prim ária da criança, ensinando os papéis sociais e formando, assim, a identidade pessoal e social de cada um (Glat, 1996).

Além da transmissão de crenças e valores, outra função da família é oferecer condições adequadas para o desenvolvimento da criança. Esse papel parece mais exigente no caso de crianças com deficiência, as quais requerem atenção e cui­dados específicos, que muitas vezes envolvem mais investimento e envolvimento emocional dos pais (Glat, 1996; Silva e Dessen, 2001). Glat e Pletsch (2004) ressaltam que na família acontecem as relações de afetos, influências mútuas, expectativas e cobranças, conscientes ou inconscientes, que determinam os papéis de cada um, pai e mãe, no cuidado com a prole.

Para Amiralian (1986), o nascimento de um filho provoca um a desorganiza­ção natural na família, resultando-lhe em transformações. Alerta, ainda, para o fato de que os pais nunca estão preparados para o nascimento de um a criança com qualquer deficiência. Quando se espera o nascimento de um filho, os futuros pais têm um a série de expectativas e fantasias sobre quem será esse filho, que lugar irá ocupar na família e no m undo de m aneira geral. “Ninguém espera que o filho nasça ou adquira um a deficiência, um a doença, ou seja, que seja imperfeito” (Glat, 1996, p. 113).

Quando a desorganização familiar se apresenta, é preciso ajustar as expectativas e os planos à nova realidade. O nascimento de um bebê com deficiência ou o de­senvolvimento de um a deficiência em alguém da família é um forte impacto, por mais estrutura que possua ou por mais informada que seja (Glat, 1996).

Esse forte impacto pode estar relacionado, muitas vezes, a que as contingên­cias existentes na nossa cultura não consideram a existência da diferença e tampouco do portador de deficiência. Em um a sociedade não preparada para aco­lher o portador de deficiência, o com portam ento dos pais pode estar perm eado de um a série de regras sociais e modelos advindos de um ideal infantil. Se o com ­portam ento dos pais ficar sobre controle dessas regras ou crenças e se os pais não atentarem para as reais condições de seu próprio filho, podem se tornar insensí­veis aos avanços conseguidos pela criança.

Regen (2005) demonstra, em recente artigo, o efeito das crenças sobre deficien­tes e deficiências perm eando os tipos de serviços e oportunidades oferecidas a portadores de deficiências na família, em diferentes épocas e culturas. Sommerstein e Wessels (1999) enfatizam que o negativismo pode estar presente no trabalho feito com o portador de deficiência. É conseqüência de um a sociedade competitiva, que valoriza os vencedores e evita os perdedores. A deficiência, então, é um a carac­terística negativa que requer segredo, que significa vergonha.

Brunhara e Petean (1999) m ostram que os pais se sentem responsáveis pelo problema do filho, m ostrando-se conformados ou revoltados, as formas mais uti­lizadas para tentar elaborar o acontecido.

As regras ou crenças que subsidiam as relações sociais entre pais e filhos são singulares em cada família, pois cada qual tem sua história, suas representações advindas de cada membro, ainda que perm eadas da cultura (Silva e Dessen, 2001; Glat e Pletsch, 2004).

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 191

Para a Análise do Comportamento, as crenças podem ser compreendidas como regras que são estímulos discriminatórios que descrevem contingências (Skinner, 1969) e o comportamento controlado principalmente por essas regras é denom ina­do comportamento governado verbalmente. Essa categoria inclui comportamentos verbais ou não-verbais controlados por antecedentes verbais (Catania, 1999) pro­venientes da comunidade social imediata ou mais ampla. No caso da mãe, pode-se supor que crenças são estímulos antecedentes verbais (auto-regras) que descre­vem contingências que podem alterar a função do am biente que oferece a seu filho. Se a crença da mãe é que crianças com deficiência m ental não aprendem , apostará pouco nas possibilidades de seu filho, oferecendo um am biente pouco estim ulador e exigindo m enos dele. As expectativas dos pais com o filho porta­dor de deficiência são frutos de regras e auto-regras que controlam e determ inam suas ações. Tais regras podem ser passadas pelos familiares, por outros membros da comunidade e/ou pela rede de apoio com a qual a família conta, como profes­sores e profissionais.

Em um casal com filhos, cada um traz as crenças adquiridas nas experiências vividas no curso do seu desenvolvimento ou, até mesmo, assumem como suas as regras de pessoas de confiança (por exemplo, profissionais da saúde), chegando a formular novas crenças a partir delas. Nesses casos, então, o controle por regras se torna ainda mais significativo, determ inando o que esperam que cada um de seus filhos seja capaz de fazer.

As crenças parentais vêm sendo estudadas e observa-se um a relação entre os estilos parentais de cuidado com a criança, pelo estudo de suas práticas, influen­ciando o desenvolvimento da criança (Gomide, 2006; McGillicuddy-DeLisi, 1992; Rubin e Mills, 1992; Lordelo etal., 2000; Palacios, 1990; Goodnowe Knight, 1988).

Em um estudo realizado por Silva e Dessen (2001) com pais e mães de porta­dores de síndrome de Down, os resultados sugeriram que, nessas famílias, a mãe é a maior responsável pelos cuidados e pela transmissão de regras às crianças, ten ­do o pai um papel secundário. Esse dado vai ao encontro do que relata Gargiulo (2003): em um a família com um a hierarquia de poder paterno claro, a responsabi­lidade do cuidado da criança quase sempre recai sobre a mãe. Com isso, conclui-se que grande parte das crenças que podem mediar o desenvolvimento da criança advém do sistema de regras ou crenças da mãe, principalmente sobre as possibi­lidades e habilidades do filho.

Dados obtidos em um estudo de Glat e Pletsch (2004) sobre a percepção dos pais de seus filhos portadores de deficiência sugerem que, de acordo com o relato dos pais, os filhos podem ser: incapazes, dependentes e infantis. Segundo as auto­ras, essas crenças influenciam diretamente o desenvolvimento global do indivíduo, bem como sua inclusão educacional. Já no estudo de Silva e Dessen (2001), os pais descreveram suas crianças como tendo facilidades de adaptação ao meio. Os da­dos mostraram que as expectativas dos pais quanto ao futuro dos filhos são de que se tornem adultos independentes, estudem, tenham um a profissão e possam até ter um relacionam ento íntimo com outra pessoa.

Em um estudo feito com mães no momento do diagnóstico de uma possível deficiência do filho, Brunhara e Petean (1999) se propuseram a estudar suas rea­ções, explicações e expectativas. As reações observadas foram inicialmente de

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choque, tristeza e revolta. Em seguida, de negação do problema e preocupação com o desenvolvimento da criança, demonstrando interesse pela perspectiva de cura.

Todas essas crenças dos pais ou expectativas em relação aos filhos estão direta­mente ligadas à possibilidade ou não de inclusão. Mas um a inclusão que ultrapasse o âmbito escolar e que, principalmente, o anteceda. Incluir o filho na família e nos primeiros ambientes a que tem acesso facilitaria a inclusão educacional e social mais ampla. Para isso, deve ser um a prática que integre a cultura com ações que demonstrem que cada indivíduo tem direito a ser diferente, tendo essa diferença respeitada e atendidas as necessidades dela advindas (Stainback e Stainback, 1999).

Para Glat e Pletsch (2004), a inclusão social de pessoas com necessidades es­peciais está diretamente relacionada às vivências na vida familiar cotidiana. Assim, o nível de inclusão de um a pessoa portadora de deficiência está associada à dis­ponibilidade de sua família em permitir sua participação em diferentes ambientes e relações sociais. Porém, quando as crenças dos pais estão relacionadas à depen­dência e fragilidade, a pessoa tem ainda mais restritas as possibilidades de inserção em sua comunidade, ficando para sempre dependente da família para sobrevi­vência física e emocional. Sentim entos como raiva podem tom ar a forma de autocuidado excessivo e superproteção, impedindo a participação independente em ambientes mais inclusivos (Glat e Pletsch, 2004).

A família é, então, fundam ental no processo inclusivo. Ignorar sua im portân­cia impede que o processo se realize de forma satisfatória (Glat, 1996).

Gargiulo (2003) mostra ser im portante que o professor e outros profissionais forneçam e estimulem recursos que a família deve desenvolver para lidar com a deficiência, concentrando-se menos nos desafios e estresse(s) que são às vezes experienciados. Segundo o autor, focar as condições estressoras não abre espaço para o desenvolvimento, ao contrário, possibilita a m anutenção de crenças sobre a incapacidade do portador e, assim, leva a ações que pouco promovem seu de­senvolvimento (Gargiulo, 2003).

Stainback e Stainback (1999) e Mittler (2003) enfatizam a necessidade de o pro­fessor realizar planejamentos focados em habilidades e necessidades da criança portadora de deficiência e de que esse planejamento se realize com a participação efetiva da família, num a abordagem com base em potencialidades que reduzam a ênfase em rótulos. Porém, ainda estão pouco claras as bases em que o relaciona­mento entre pais e professores deve acontecer na educação inclusiva.

Essas dificuldades e os possíveis déficits comportam entais observados nos portadores de deficiência podem ser conseqüências advindas mais do ambiente em que estão inseridos do que da incapacidade inerente à deficiência.

Assim, é im portante um a rede de apoio que possa indicar aos pais e, muitas vezes, aos profissionais que lidam com a família, que a pessoa com deficiência é, antes de tudo, um a pessoa com características que podem ser desenvolvidas por experiências de vida não diretamente ligadas à deficiência. A rede de apoio, com ­posta de outros familiares e profissionais da saúde e da educação, deve ajudar os pais e o próprio portador de deficiência no desenvolvimento de ambientes e con­dições mais inclusivas.

Esse atendim ento pode vir ao encontro de necessidades da própria família e, mais especificamente, dos pais que, ao lidarem com as novas contingências (não

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previstas), apresentam -se sem repertório e/ou com sentim entos ambivalentes provenientes da convivência com as novidades e os desafios. Muitas vezes, os pais sofrem por se sentirem culpados pela deficiência, por sentirem raiva do filho e ao mesmo tem po amá-lo e por tantas outras condições que podem surgir. Em razão de não lidarem com as situações perturbadoras e com os sentimentos advindos como subprodutos dessas situações, os pais podem entrar em um ciclo de rejei­ção e proteção que pode ser, conforme Glat (1996), faces da mesma moeda. Diante desse sofrimento, o atendim ento do profissional especialista deve se voltar à fa­mília. Para estar incluso na sociedade, é necessário que o portador esteja antes de tudo integrado em sua própria família. Por isso, um trabalho terapêutico e psicoe- ducativo com os pais ou até com toda a família, o mais cedo possível, é tão im portante quanto o atendim ento da própria pessoa com deficiência.

O luto e o sofrimento psicológico conseqüentes às novas condições, à mudança de condições esperadas, poderão voltar a acontecer e lidar com esses sentimentos não é um processo linear. O choque pode voltar, por exemplo, em momentos- chave da vida da criança, em que os pais não possuem repertório para lidar com as diferenças de seu filho, principalmente quando este não se encaixa em um modelo preestabelecido da “criança/adolescente/adulto perfeito”. Tais m omentos podem ser os marcos do desenvolvimento, como, por exemplo, a ocasião da alfa­betização, exigindo ajustes de expectativas, que poderiam ser facilitadas com auxílio externo e especializado. Fases difíceis existem na vida de todos, mas no caso da família dos portadores de deficiência essas ocasiões podem trazer consigo maior desgaste, pois exigem m aior envolvimento (Glat, 1996).

Cabe aos profissionais, entre eles os psicólogos, acom panhar e auxiliar as fa­mílias no processo de construção de um espaço de convivência flexível e saudável para que a pessoa com deficiência possa ter segurança para encarar o mundo.

Em psicoterapia, a reflexão sobre formulação de regras é uma das formas de in­tervenção mais utilizadas pelo terapeuta. No processo terapêutico, a família funciona como informante e, ao mesmo tempo, mediadora do processo de desenvolvimento de seu filho. Porém, além desses papéis, os pais podem necessitar de apoio emo­cional. Para isso, eles precisam de um a audiência não punitiva, que explicite as potencialidades do filho e indique procedimentos para poder ajudá-los. O auxílio pode ser terapêutico, pois ao receber o filho portador de deficiência muitas famílias pas­sam por fases de adaptação. Drottar e ta l (1975) descreveram os estágios pelos quais passa a família com o nascimento de um filho deficiente: choque, negação, tristeza, medo, ansiedade, adaptação e reorganização. Posteriormente, outros pesquisadores identificaram e descreveram com mais ou menos detalhes as fases que a família do deficiente pode passar em associação com deficiências específicas (Frutos, 2000; Stainback e Stainback, 1999; Amiralian, 1986). Miller (1995), ao estudar a família com filhos deficientes, aponta quatro fases: sobrevivência, busca de auxílio, ajustamento e separação. Ainda que os autores divirjam sobre a descrição e a ordem das possíveis fases de organização e reorganização da família e diferentemente de cada um dos seus membros, os problemas a ser enfrentados serão inúmeros. Drottar e ta l (1975) enfatizaram a importância de uma boa rede de suporte, seja emocional ou de infor­mações, de forma a garantir a adaptação da família a essa nova condição. Muitos pais

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sem suporte emocional acabam tornando crônica alguma fase. Podem, por exemplo, passar muito tempo na fase de busca, procurando o porquê dessa deficiência, ou po­dem, ainda que aparentemente ajustados, incluir seu filho no dia-a-dia e na sua vida, mas voltarem diversas vezes à fase de busca, procurando opções que resultem em uma possível alteração do quadro da criança. Esse retomo a fases aparentemente já superadas reflete pouco ajustamento à situação, podendo ocorrer durante anos, ou toda uma vida. Esses aspectos estão presentes quando os pais não possuem auxílio para considerar o que é necessário para compreender o filho diferente e, principal­mente, entendê-lo nessa diferença.

O terapeuta, ao modelar comportamentos, reforçando os adequados, ajudando os pais a refletir e alterar suas regras, incentivando-os a experimentare novas for­mas de interação, pode auxiliá-los nesse processo (Medeiros, 2002). Isso se torna relevante para a família do portador de deficiência, um a vez que os pais não foram preparados para lidar com essa m udança de contingências no ambiente familiar, participantes que são de um a sociedade pouco inclusiva, com pouco ou nenhum apoio para se adaptar.

Para Shinohara (2000), psicoterapia é um processo que acontece num contexto interpessoal, em que terapeuta e cliente interagem em um trabalho que visa à aquisição, por parte do cliente, de autoconhecim ento e mudanças. Para a autora, a relação terapêutica estabelece o terreno para treinar o desenvolvimento de rela­

cções interpessoais mais saudáveis, um a vez que as queixas trazidas para a terapia existem em decorrência de relações pouco adequadas e que têm como subprodutos sensações negativas, como ansiedade. Assim, terapia será o espaço em que essas relações poderão ser analisadas e modificadas. Para tanto, é essencial que estejam presentes no processo terapêutico, ou seja, venham à tona.

O terapeuta precisa, então, ser caracterizado como audiência não punitiva, cui­dando de modelar uma coerência entre comportamentos verbais e não-verbais, ou seja, entre relato e ação, em vez de simplesmente m odelar o relato do cliente (Medeiros, 2002; Beckert, 2005). Outras habilidades que parecem relevantes para garantir o desenvolvimento de um processo terapêutico satisfatório são: fornecer base segura para exploração da problemática; estar sintonizado para respostas tanto do cliente quanto suas; escutar além das respostas para questões específicas; estar aberto para descobrir o inesperado; ajudar o cliente a integrar aspectos con­traditórios, bem como ambigüidades existentes (Mahoney, 1997; Shinohara, 2000).

A ambigüidade de relatos, presente quando os pais ora se propõem a qualquer sacrifício em nome do filho, ora parecem desistir do processo, pode estar ligada à resistência à mudança. Para Gargiulo (2003), essa resistência relaciona-se a flexibi­lidade e adaptabilidade da família. Além disso, resistência à m udança tem uma função autoprotetora saudável, resguardando as estruturas de mudanças muito rá­pidas e impactantes, relacionando-se à natureza das crenças, expectativas e outros comportamentos do cliente (Shinohara, 2000). Os efeitos da terapia, acontecendo em um conjunto de sessões, freqüentemente produzem alterações de repertório, sen­do possível m ensurar os resultados gerais pela comparação do cliente consigo mesmo em dois momentos: início e fim do processo (Delitti, 2003). Desenvolver ações terapêuticas com pais de crianças deficientes pode ajudá-los a entender suas

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crenças e os desdobramentos possíveis no desenvolvimento de seu filho, levando-os a reformulá-las para promover um relacionamento familiar sadio.

O presente estudo foi feito a partir da análise de sessões de atendim ento rea­lizadas no decorrer de um ano em um Centro de Psicologia Aplicada (CPA) de um a universidade pública. Esse estágio oportunizou espaço para um a mãe rela­tar todo tipo de com portam ento (pensam entos, crenças, ações e expectativas) sobre seu filho, perm itindo intervenções pontuais que pretendiam promover reflexão para, futuram ente, levar à construção de com portam entos adequados quanto às possibilidades de seu filho, revendo expectativas imediatas e futuras. Esse trabalho foi conduzido por um a terapeuta-estagiária sob a perspectiva da Análise do Com portamento, como parte de sua formação em Psicologia, vincu­lado a um estágio que atende, prioritariam ente, indivíduos com necessidades especiais e respectivas famílias. O estágio, de forma ampla, pretende desenvol­ver nos alunos do último ano do curso de formação de psicólogos habilidades para diagnosticar, intervir e avaliar, partindo das queixas apresentadas pelos clientes ou pais, assim como daquelas identificadas pelo terapeuta, pretendendo m elhorar a qualidade de vida dos envolvidos.

O objetivo desse trabalho foi identificar e analisar as crenças da m ãe de um a criança com atraso no desenvolvimento sobre inclusão escolar, desem penho aca­dêmico, expectativas de futuro e seu papel no desem penho escolar do filho, a partir de relato verbal.

MétodoParticipou deste estudo a mãe (MR) de um a criança de nove anos de idade (A), do sexo masculino. A criança apresenta atraso significativo do desenvolvimento, ain­da sem diagnóstico específico e, durante o ano do estudo, freqüentava a segunda série do ensino fundam ental de um a escola regular particular. Mãe e criança eram atendidas por um a clínica-escola de um a universidade pública desde 2002, e os relatos analisados dizem respeito às sessões de 2005.

Todos os atendim entos foram efetuados na clínica-escola, em salas próprias para o atendim ento clínico individual. As sessões contavam com registro escrito, pormenorizado, redigido pelo terapeuta no máximo três dias após o atendimento. As sessões analisadas, com postas de relatos da mãe, tinham a duração m édia de 40 minutos. Na primeira sessão de atendimento, os pais assinaram um termo de consentimento para pesquisas acadêmicas com as informações do caso, contando com sigilo absoluto de suas informações pessoais.

Procedimento de Coleta e Análise dos DadosRealizaram-se, durante o ano 2005, 40 sessões com a mãe e a criança. Após o tér­mino dos atendimentos, todos os relatórios foram lidos e excluíram-se aqueles de faltas e procedimentos em que a mãe não participava, identificando-se relatos de 28 sessões utilizados para esta análise. Entre os temas trazidos pela mãe nas sessões,

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foram analisados somente aqueles relacionados à inclusão, ao desem penho aca­dêmico e seus desdobramentos.

Os passos de análise dos resultados foram: leitura dos relatos, sem preocu­pação com a categorização; identificação de categorias amplas envolvendo clas­ses temáticas; categorização dos relatos nas classes temáticas, em subcategorias; organização dos dados obtidos em tabelas e, posteriorm ente, gráficos acom pa­nhados de descrição.

Ainda que a análise seja feita das verbalizações m aternas, estas são oriundas da relação terapêutica estabelecida. Perm eando o processo, a terapeu ta utili­zou os com portam entos descritos por Rangé (1998) e Meyer e Vermes (2001): procurar m obilizar a confiança da cliente-m ãe; buscar aceitar incondicional­m ente o cliente; encorajar a participação ativa da cliente; oferecer inform a­ções; oferecer apoio; solicitar inform ações; in te rp re ta r e confrontar in for­m ações; fo rnecer m odelos de in teração . O utros com portam en tos, com o recuperar falas anteriores do cliente (parafrasear), a fim de produzir confirm a­ção, correção ou reelaboração, foram utilizadas com o objetivo de prom over m udanças durante o processo terapêutico. O m odelo de atendim ento se en ­caixa no m odelo colaborativo de W ebster-Straton e Herbert (1994) e Gargiulo(2003), em que o terapeuta deve estabelecer um relacionam ento encorajador e recíproco, com base no uso igualitário dos conhecim entos do terapeu ta e do cliente. Nesse modelo, os pais têm responsabilidade na busca de soluções, au ­m entando sua autoconfiança.

ResultadosA nalisaram -se 307 verbalizações d istribu ídas ao longo das 28 sessões. As verbalizações identificadas nos relatórios das sessões foram organizadas em sete categorias:

1. Crenças e conceitos sobre deficiência e inclusão.2. Ações da professora e da escola que influenciam o desem penho de A.3. Relatos da mãe sobre o desem penho escolar de A.4. Atitudes da mãe com relação às tarefas e ao desem penho escolar.5. As possibilidades escolares.6. Perspectivas de futuro.7. Diagnósticos e encaminhamentos.

Conforme se observa na Figura 11 .1, as porcentagens referentes às categorias se distribuíram quase equitativamente durante todo o processo.

Entre as categorias mais freqüentes estão o conjunto das possibilidades escola­res para o filho e o relato sobre seu desempenho escolar (18%, para ambos). Em seguida, estão as categorias sobre crenças e conceitos da mãe sobre deficiência e inclusão (16%) e, também, sobre as ações da escola e da professora que influenciam o desempenho de A (15%). Em índice próximo, está a categoria sobre as atitudes da mãe

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Crenças e conceitos

sobre deficiência e

inclusão

Ações da Relatos da escola e mãe sobre o

desempenho desempenho escolar de A escolar de A

Atitudes da Possibilidade Perspectivas Sobre o mãe em escolar para de futuro diagnósticorelação à o filho

tarefa

Categorias

Figura 11.1 - Relatos apresentados em cada uma das grandes categorias.

quanto à tarefa (14%) e, por último, estão as perspectivas de futuro (11%) e sobre o diagnóstico (8%), que foram as menos freqüentes. Posteriormente, os dados serão analisados considerando-se cada uma das categorias descritas.

Relatos de Crenças e Conceitos sobre Deficiência e InclusãoForam encontrados 50 relatos pertencentes a essa categoria, correspondendo a 16% do total. Ocorreram durante 16 das 28 sessões, iniciando-se na primeira ses­são analisada e perm anecendo até a vigésima oitava. Todavia, depois do relato de conceitos e crenças sobre inclusão acontecido na primeira sessão, voltou a estar presente somente na sétima sessão analisada. A partir daí, o intervalo entre os registros de itens dessa categoria foi de no máximo três sessões, da sessão 11 à 14.

Os conceitos e crenças relatados pela mãe sobre deficiência e inclusão foram divididos em cinco subcategorias, conforme observado na Figura 11 .2:

1. Despreparo da escola para inclusão.2. Conceitos sobre o filho.3. Conceitos da mãe sobre o efeito do ambiente no desem penho de seu filho.4. Inclusão é um favor, não um direito.5. O que esperar em relação à inclusão.

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Crenças da mãe Crenças da mãe Relatos de Conceitos Conceitos da mãesobre sobre o que crenças de que da mãe sobre o efeito do

despreparo do esperar com inclusão é um sobre o filho ambiente nosistema escolar relação à favor, não desempenho depara inclusão inclusão um direito seu filho

Categorias

Figura 11.2 - Relatos de conceitos ou crenças da mãe sobre deficiência e inclusão.

A Figura 11.2 m ostra que 48% das crenças da mãe são de que a escola não está preparada para receber o portador de deficiência, como mostra a fala a seguir:

[...] se inclusão ocorre é m uito estranha, é m uito complicada, pois os professores não estão preparados para atender os alunos. É uma dificuldade para que uma escola aceite um a criança que é deficiente. (Sessão 7)

A categoria seguinte mais freqüente, conceitos da mãe sobre seu filho, apare­ceu em 34% dos relatos. Observa-se que alguns dos relatos da mãe sobre o filho dizem respeito a conceitos negativos ou se nota a esperança de que o filho possa mudar, como, por exemplo:

[...] as crianças da sala dele são muito avançadas e já aprenderam facilmente as sílabas. Sei que A tem mais dificuldade. (Sessão 8)

[...] mas que às vezes me pego imaginando que ele pode ficar como as outras crianças, que ele pode mudar. (Sessão 25)

A categoria conceitos sobre o efeito do ambiente no comportamento do filho apareceu em 8% dos relatos da mãe, que foram positivos, tais como:

[...] as pessoas têm habilidades e capacidades diferentes que dependem do quanto a gente se dedica a elas. (Sessão 18)

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 199

A categoria seguinte, de que a inclusão é um favor, teve um total de 6%, por exemplo, quando a mãe diz:

E por outro lado entendo que não pode cobrar muito de M [professora]porque ela não tem obrigação de fazer tudo diferente para A. (Sessão 18)

Dos relatos, 4% dizem respeito ao que a mãe espera da inclusão:

[...] aquela escola seria perfeita para A Fiquei apaixonada pelo método de ensinode lá [...] e tem um acompanhamento por ano e não por série. (Sessão 18)

Ações da Professora ou da Escola que Influenciam o Desempenho de AO total de relatos dessa categoria foi de 45 verbalizações, isto é, 15% dos relatos, distribuídas em 13 sessões das 28 analisadas. A análise das ações da escola e da professora constou de três subcategorias:

1. Ações da escola ou da professora que acontecem e que favoreceriam o de­sempenho escolar de A.

2. Ações da escola ou da professora que deveriam acontecer e que favorece­riam o desem penho escolar de A.

3. Ações da escola ou da professora que acontecem e não favorecem o de­sempenho escolar de A.

A primeira subcategoria citada apresenta-se somente no início do processo terapêutico, em seis sessões, tendo como última sessão a décima. Já na categoria de ações que deveriam acontecer, foram registradas verbalizações em sete ses­sões e esteve presente até a vigésima quarta sessão analisada, com um intervalo de seis sessões em média. Por fim, no caso da última categoria, isto é, ações que não favorecem, houve relatos em oito sessões e estavam presentes desde a pri­meira até a décima nona, contando com um intervalo entre primeira e sétima e entre décima e décima oitava. A Figura 11.3 mostra esses dados.

Nessas categorias, observa-se que a m ãe verbalizou mais sobre o que acon­tecia e que não favorecia o desem penho escolar de A (53%). Apesar disso, a mãe tam bém consegue identificar um conjunto im portante de ações que a escola e/ou a professora realizavam para promover o desem penho acadêmico da criança (29% dos relatos), bem como idealizar o que acha que deveria ocorrer - e não ocorre - em 18% deles.

Das ações que favorecem o desempenho, destacaram-se falas como:

[...] M. [professora] sempre ditava palavras ou frases para as crianças e letraspara o A. (Sessão 10)

200 ■ Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico

100

90

80

70

I 60

30

20

10

0Ações da escola ou da

professora que favorecem o desempenho escolar de A

Ações da escola ou da Ações da escola ou daprofessora que favoreceriam o professora que não favorecem

desempenho escolar de A o desempenho escolar de A

Categorias

Figura 11.3 - Relatos que descrevem as ações da escola.

Em relação a ações que deveriam ocorrer e que favoreceriam o desenvolvi­m ento de seu filho, tem-se como exemplo a frase:

[...] considero que o que A precisava era voltar ao B + A, B +E. (Sessão 15)

Por fim, um exemplo de relato de ações que aconteciam e, de acordo com a mãe, não favoreciam o desenvolvimento:

[...] a professora está tão perdida que tem dado de tarefa de matemática para A escrever de 1 a 50, uma atividade que A já sabe fazer há muito tempo. (Sessão 18)

Em 16 das 28 sessões realizadas, houve 56 registros de relatos da mãe sobre o de­sempenho de seu filho, com preendendo 18% das verbalizações. As sessões em que a categoria foi registrada, a despeito das subcategorias, tiveram um a freqüên­cia com poucas interrupções e o intervalo máximo foi de duas sessões. As quatro subcategorias identificadas na análise foram:

1. O que A sabe fazer sozinho.2. O que A gosta de fazer.3. O que A não sabe fazer sozinho.4. O que A não gosta de fazer.

Relatos da Mãe sobre o Desempenho Escolar de A

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 201

A Figura 11.4 mostra esses dados.Analisando os dados, constata-se que os relatos mais freqüentes (43%) se refe­

rem ao que A não sabe fazer. Porém, ao se somar os aspectos positivos, o que A sabe fazer (27%) e o que gosta de fazer (27%), o percentual encontrado (54%) su­pera os aspectos negativos de seu desem penho escolar.

Obviamente, deve-se considerar que, em alguns momentos, o que a criança gos­tava e o que sabia fazer diziam respeito a uma mesma atividade (tal como escrever o próprio nome). Com relação à ocorrência dos relatos no decorrer das sessões, obser- vou-se que os relatos do que A sabe ou gosta de fazer aparecem até a décima sétima sessão, e os relatos sobre o que não sabe aparecem até a vigésima quarta sessão. Um exemplo do que a mãe considera que o filho sabe fazer encontra-se na seguinte frase:

[...] em um livro de receitas havia uma boa parte escrita por A com letra cursiva, em geral os ingredientes. (Sessão 17)

Já sobre o que A gosta de fazer, a mãe relata:

[...] ele vê as outras crianças fazendo as contas e quer fazer igual e, com isso, ele deixa de fazer o que sabe e fica tentando fazer as contas. (Sessão 9)

De acordo com a mãe, sobre o que A não sabe fazer:

[...] o problema de A é o “g ”eas contas de multiplicar. (Sessão 9)

E já sobre o que não gosta, a mãe relata que:

[...] não gosta de fazer tarefas. (Sessão 3)

íoo n90 -

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0 -I---- --- ---- 1---- -- - ---- 1---- ---—J-------------------- 1--- - - 1----,0 que A sabe fazer 0 que A gosta de fazer 0 que A não sabe fazer O que A não gosta de fazer

Categorias

Figura 11.4 - Relatos sobre o desempenho escolar de A.

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 203

100

90

80 -

70g& 60 CQg 50 o£ 40 -

30

20 -

10 -

Mãe dá condições para

a tarefa (desempenho acadêmico) acontecer

Mãe dá ajuda física nas tarefas

Mãe dá dica verbal nas tarefas

Mãe faz a tarefa ou parte dela

para o filho

Outros comportamentos

da mãe

Ações da mãe que

melhorariam a condição

do filhoCategorias

Figura 11.5 - Relatos das atitudes da mãe diante do desem penho escolar de A.

Possibilidades EscolaresDurante todo o processo apareceram relatos sobre onde a mãe achava que seu filho deveria estudar, configurando a categoria mais freqüente (18%). Esses locais variaram no decorrer do processo. As possibilidades escolares identificadas nos 56 trechos de falas da mãe foram: colocar em classe ou escola especial; contratar professora particular; colocar em outra escola regular; m anter na m esma escola. Houve 17 sessões com relatos sobre essas possibilidades, as quais são mostradas na Figura 11.6.

A possibilidade mais presente nos relatos da mãe foi a colocação em classe ou escola especial (45%), como, por exemplo, na frase:

[...] penso que ali A vai aprender coisas para o desenvolvimento dele e vai ter um plano individual para ele, que ele vai aprender o que não consegue na escola. (Sessão 9)

A porcentagem para não colocar nesse tipo de ensino é a segunda maior en­contrada, com 27% dos relatos. A mãe parece estar em conflito, pois ao mesmo tempo em que pensa que lá seria um local de aprendizagem para seu filho, tem dúvidas, ao afirmar:

[...] tenho medo que A estranhe o ambiente e veja que tem várias crianças de idades diferentes na sala especial. (Sessão 7)

204 ■ Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico

100

90

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70

60£QJ 50&JD2c 40o80 30&

20

10

0 _CColocarem Não colocar em Contratar Colocarem

classe ou escola classe ou escola professora outra escolaespecial especial particular regular

Categorias

Figura 11.6 - Relato sobre as possibilidades escolares.

Manter na Não manter namesma escola mesma escola

Existe, ainda, a possibilidade de procurar outra escola (3%) e que, segundo ela,

[...] se fosse boa e desse resultado, isto é, se A aprendesse a escrever, mudaria para G. [bairro onde fica a escola, longe da casa da família], somente para A poder estudar. (Sessão 27)

Existem ainda as vantagens (9%) e as desvantagens (7%) de m anter A na m es­ma escola regular que freqüenta, já que

[...] considero que a escola é um ambiente protegido e tenho medo de sair desse lugar, que deixa A bem. (Sessão 10)

Mas,

[...] fico em dúvida em deixar A na escola onde ele estava, pois ele vê as crianças fazendo coisas que ele não consegue. (Sessão 7)

Por fim, outra possibilidade vislumbrada em seus relatos era contratar um a professora particular (9%), pois segundo a mãe

[...] prefiro uma professora particular do que do estado, porque senão a situação de A só vai piorar. (Sessão 25)

Todavia, 55% dos relatos referiam-se à m anutenção de seu filho em ambiente inclusivo.

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 205

Perspectivas de FuturoEm geral, dentre os 33 relatos apresentados pela mãe, predom inam os de perspec­tivas negativas para o futuro de A.

As perspectivas positivas de futuro são exemplificadas em frases como:

[...] espero que ele aprenda a ler e seja feliz [...] (Sessão 28)

No entanto, observou-se que a maior parte das perspectivas (56%) é negativa e, segundo o relato da mãe:

[...] já estou esperando há nove anos e não quero coisas im ediatas, mas os médicos d izem que tenho pressa e não entendem que estou tanto tem po cuidando. Ter um filh o com deficiência traz dificuldades, porque você im agina o seu filh o desde a hora que ele está na barriga. (Sessão 28)

ou

[...] que o principal problema é que aqueles que caminham (pais de crianças “normais”) vêem uma salda, uma expectativa que eu não vejo. Não consigo ver. (Sessão 28)

Porém, nota-se que as falas sobre perspectivas positivas se tornaram mais fre­qüentes à medida que o processo terapêutico avançava. Outra observação é que tanto perspectivas positivas como negativas aparecem na m esm a sessão e, ora em uma, ora em outra, essas perspectivas são mais ou m enos numerosas. Esse fato pode ser resultado das intervenções feitas pela terapeuta.

DiagnósticoDe 25 relatos registrados (8% do total), no decorrer de nove sessões, foram elencadas três categorias:

1. Diagnósticos dados por outros profissionais.2. Encaminhamento para escolas especiais dado por outros profissionais.3. Busca de diagnósticos.

Nos relatos da mãe, observou-se, desde o princípio, a busca por um diagnóstico, presente em 28% dos relatos, pois segundo ela:

[...] o que realmente eu queria era um diagnóstico, pois na verdade o meu maior medo não é só pelo A, mas principalmente de ter outro filho com o mesmo problema. (Sessão 23)

206 ■ Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico

O encam inham ento por profissionais para escolas especiais contou com 12% dos relatos, o que permite a hipótese de que para esses profissionais esses poderiam ser os lugares mais adequados ao portador de deficiência, como na frase:

[...] o pessoal da Fono gostaria que colocasse A na APIECE [Associação de Pais xpara Integração Escolar da Criança Especial] (escola especial). (Sessão 23)

Durante todo o processo analisado, relataram-se sete diferentes diagnósticos (60% dos relatos) dados a A por diferentes profissionais, o que leva a mãe a afir­mar, logo na primeira sessão:

A se encaixa em vários transtornos. (Sessão 1)

A Tabela 11.1 mostra como mais freqüentes, dentre os diagnósticos dados, os de autismo (52%) e de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) (26%). O primeiro aparece nos relatos como dado aos três anos de idade.

Durante o processo terapêutico, foram apresentadas para a mãe as caracterís­ticas de cada síndrome que, a priori, a criança apresentava. Após cada intervenção, a mãe afirmava que esse era um “fantasminha a m enos”. No entanto, ela continuava em um a constante busca por algo que justificasse as dificuldades do filho. Supõe- se que esse seja um padrão comportamental da mãe, confirmado por relatos como:

[...] estou sempre buscando, não consigo parar, procuro sempre coisasmelhores para A. (Sessão 27)

DiscussãoConsiderando os dados gerais, observa-se que a questão da inclusão é uma das gran­des preocupações da mãe. A categoria mais freqüente se refere às possibilidades escolares para seu filho, ainda que este sempre tenha freqüentado classes regulares. Outros dados que chamam a atenção são: o compromisso que a mãe tem com o desem­penho escolar do filho e as crenças e os conceitos que tem sobre deficiência e inclusão.

Tabela 11.1 - Diagnósticos de A relatados pela mãe

Diagnóstico Porcentagem

TID 12TDAH 18Autismo 25Dislexia 7Distúrbio comportamental 7Distúrbio hormonal 12Transtornos diversos 7Não tem nada orgânico 12

TDAH = transtorno do déficit de atenção e hiperatividade; TID = transtornos invasivos do desenvolvimento.

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 207

Cada um desses aspectos será discutido detalhadam ente a seguir, um a vez que seus desdobramentos auxiliariam o entendimento de como a mãe se vê diante da inclusão escolar do filho com atraso significativo no desenvolvimento.

Na análise das categorias, observa-se que, ainda que considerada um a cate­goria à parte, as crenças e os conceitos sobre deficiência e inclusão permeiam todo o processo, influenciando as outras categorias, como, por exemplo, um a das mais freqüentes, a crença na inabilidade da escola e/ou da professora em lidar com a inclusão, apontando, na maioria das vezes, conceitos negativos sobre a deficiên­cia, independentem ente de como se apresente.

Ainda que a inclusão seja um fato legal, os relatos da mãe indicam pouco conhecim ento acerca da legislação vigente, ficando, por isso, à mercê da regra com um “criança com deficiência deve estudar em escola especial”. Ainda que o m antenha na escola regular, esse foi seu relato mais freqüente porque os profis­sionais indicavam essa possibilidade ou porque ações da escola ou da professora sugeriam isso, ainda que de forma velada. A mãe lida com tal fato como se a qualquer m om ento o filho devesse ir para seu lugar de direito. Essa busca, to ­davia, parecia associada às possibilidades de aprendizagem do filho. Havia um a constante procura pelo lugar que haveria de ensinar a ele os conteúdos acadêm i­cos. Porém, ao mesmo tem po em que aceita, tam bém rejeita essa possibilidade, reconhecendo que lá não é lugar para o filho, que poderia aprender coisas em outros lugares, se as oportunidades lhe fossem dadas. Em algumas situações, chega a pensar no auxílio de professora particular, além das atividades da sala regular, como complemento.

O estranham ento da mãe quanto à inclusão corresponde ao que aponta Goes(2004). Segundo a autora, vive-se um período na educação em que existe a incapa­cidade da escola para ensinar todos os alunos, incluindo os que têm necessidades especiais, os quais se constituem como “estranhos” para a escola. A expectativa da mãe de como deveria ser a inclusão fez com que desenvolvesse a auto-regra de que a escola está despreparada, fortalecida pelas condições que a mãe vivência de forma direta ao acom panhar o filho incluído na escola regular.

Conforme o próprio relato da mãe e a citação de Goes (2004), se a inclusão ocorre, é estranha. Tanto para quem deveria fazer parte da classe regular (os alu­nos, conforme o relato da mãe) quanto para a própria escola, que não aceita seu público-alvo, que deveriam ser todas as crianças, tão diferentes entre si. Observa- se que a escola ainda não está preparada para o diverso, seja qual for. Os alunos são tão estranhos para a escola que esta parece resistir em reconhecê-los como seus alunos, com direito de aprender, reconhecendo ser seu papel descobrir ou desenvolver um processo educativo relevante para eles.

Parece prevalecer, no conjunto da cultura escolar, a concepção de que o lugar da pessoa com deficiência é fora da escola regular. A mãe relata que é difícil a escola aceitar um aluno deficiente. Para Sommerstein e Wessels (1999), até que todas as crianças sejam educadas juntas em sala de aula em escolas de educação regular, as pessoas com deficiências serão percebidas como diferentes. Essa percepção está relacionada a ausência/lacunas de informação sobre deficiência e direitos das pes­soas. Quando essa lacuna for preenchida, haverá diminuição de preconceitos.

208 ■ Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico

No relato da mãe, esta parece, em algumas situações, aceitar as dificuldades da escola, talvez em razão de um a regra sua de que a inclusão é um favor e não um direito. De acordo com Stainback e Stainback (1999), ao segregar, pode-se passar a mensagem de que existem pessoas não dignas do esforço para sua inclusão e, por isso, vale a pena fazer o possível para incluir todos na sociedade. Pode-se supor que a mãe pense, diante do que vê ocorrer na escola (a professora “perdida” as atividades feitas pela criança mais de um a vez e já sabidas, a diferença de desem ­penho entre o filho e as outras crianças), que realmente a perm anência de seu filho deficiente na escola é um favor, pois a instituição pelo menos o recebe, ainda que não desenvolva atividades adequadas para desenvolvê-lo.

Aparece tam bém o conceito negativo da mãe sobre o próprio filho. Essa visão apresentada se encontra ligada a comparações com crianças da m esm a idade, em que este parece ser sempre m enos capaz que as outras crianças. Para Sommerstein e Wessels (1999), o negativismo com relação à deficiência surge já na avaliação, quando os profissionais garantem confidencialidade ao diagnóstico, que poderia indicar a revelação de algo que está errado.

Muitas vezes, os pais não sabem que o negativismo e o pessimismo são, na verdade, atitudes sociais, auto-regras de um a sociedade e vão além da sua relação com a criança. Por essa razão, devem sempre questionar e até mesmo desafiar os resultados das avaliações que não indiquem as potencialidades dos filhos. Deve-se sempre dar ênfase às potencialidades da criança no que é dito a respeito dela (American Association on Mental Deficiency, 2006).

Stainback e Stainback (1999) ressaltam que os pais desem penham um papel fundam ental no afastamento do pessimismo que cerca os portadores de deficiên­cia. Sua atitude diante da condição do filho pode determ inar a forma como a família (outros filhos, demais parentes) e até mesm o outros grupos de convi­vência próxim a se com portam diante do deficiente. Todavia, alertam para a dificuldade que os pais tam bém encontram em percepções negativas da socie­dade diante da deficiência. Nesse estudo, observou-se que os pais precisam se desligar da culpa e do medo e investir no que eles próprios sabem sobre os fi­lhos. É im portante desenvolver trabalhos junto aos pais para fortalecê-los para que relatem aos outros profissionais sua própria experiência na identificação de resultados obtidos a partir de suas ações, participando ativamente da elabora­ção de program as que objetivem o desenvolvim ento das habilidades do filho em outros contextos de aprendizagem.

Relatos sobre as atividades escolares permitiram identificar que a mãe sabe o que o filho gosta ou não de fazer, demonstrando acompanhar o que faz na escola e nas tarefas em casa. Os aspectos positivos - o que sabe e o que gosta de fazer - supera­ram os aspectos negativos - o que não sabe fazer-, porém, os últimos aumentaram em freqüência no decorrer das sessões.

É interessante destacar a fala da mãe ao indicar que o que A não gosta de fazer são as tarefas. Cabe pensar por que A não gostava das tarefas. Talvez porque estives­sem muito aquém de suas habilidades ou muito além do que poderia fazer. Muitas atividades feitas sem ter como base o desem penho do aluno podem levar o apren­diz à apatia. De acordo com Stainback e Stainback (1999), o sucesso é fruto da persistência. Assim, fica claro que sem reforçamento não há persistência. Quando

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 209

o aluno tem experiências que não o desafiam ou quando não consegue realizar alguma atividade por falta de repertório, a conseqüência pode ser a desistência da tarefa. Assim, como apontam Stainback e Stainback (1999), tarefas muito fáceis demonstram pouco crédito nas habilidades e potencialidades do aluno. Tarefas fáceis prestam um desserviço à aprendizagem, desmotivando o aprendiz.

Conforme O'Brien e O’Brien (1999), as experiências vividas por crianças por­tadoras de qualquer deficiência dentro da sala de aula podem ser positivas e engrandecedoras ou negativas e frustrantes. Isso irá depender muito mais de como os adultos lidam com a deficiência. O que modifica a experiência da criança com relação ao ensino são as auto-regras (idéias-diretrizes) que guiam o com porta­mento dos adultos.

Gargiulo (2003) enfatiza o papel dos pais na relação com outros profissionais: não devem esperar as pessoas perceberem os avanços de seus filhos, devem con­tar a elas. Assim como devem relatar as necessidades do filho e as dificuldades que vêm enfrentando para ensiná-lo.

Heward (2006) insiste na importância do papel dos pais na equipe multidisci- plinar, pois só eles podem mostrar as potencialidades e os sucessos de seus filhos, provendo-a de informações centradas na criança: o que faz hoje e não fazia antes, em vez de “o que as crianças da idade do meu filho fazem?” A análise dos progres­sos deve sempre considerar a própria criança como parâm etro de análise.

Os conceitos e crenças relatados pela mãe sobre deficiência e inclusão recaem principalmente sobre a escola. Observa-se que parece acreditar que a escola está despreparada para atender a essa população, confundindo, inclusive, com ques­tões como favor ou direito. Todavia, tem claro o que poderia esperar da inclusão. Ao mesmo tempo em que entende que a escola deveria se organizar em termos de pla­nejamento e atividades adequadas para atendê-lo em suas necessidades, espera que a escola dê condições para que seu filho faça como os outros colegas da sala.

Martins (2006) parece concordar com a mãe quando destaca que é preciso m udar a escola para torná-la receptiva às necessidades do educando. É dos pro­fessores a responsabilidade quanto à aprendizagem, preparando-se para ensinar a todos. Isso implica no desenvolvimento de novas competências, novas atitudes e novas formas de interação na escola. Nesse trabalho, observou-se, com o relato da mãe, que persistem no sistema escolar: desconhecimento, atitudes negativas, estereótipos, preconceitos em relação às pessoas com deficiência.

Ao mesmo tempo, a mãe parece saber o que esperar da inclusão (e que não vê ocorrer na escola regular), bem como saber das possibilidades de desenvolvimento que um ensino inclusivo poderia trazer ao filho. A mãe relata a diversidade e como as pessoas têm habilidades e necessidades diferentes e, por outro lado, sabe que a aprendizagem depende do método utilizado. Para Stainback e Stainback (1999), é preciso desenvolver, nas escolas inclusivas, um currículo desafiador para todos os alunos e que possua características como ser flexível e adaptável. Esses autores destacam que se devem estabelecer objetivos gerais para todos, mas cada um merece um objetivo individualizado, de acordo com suas habilidades e necessi­dades. Isso diz respeito ao acom panham ento que a mãe procura e parece saber de alguma forma o que é necessário para seu filho (Stainback e Stainback, 1999).

210 ■ Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico

Outra categoria im portante identificada diz respeito às ações que a mãe ob­serva nas atitudes da escola e da professora que podem influenciar o desem penho de seu filho. Foi possível identificar nas ações da professora aquelas que a mãe identifica como favorecedoras do desem penho escolar do filho. Considerando a seqüência em que aparecem no relato, a mãe é m enos crítica no início de seu rela­cionam ento com a professora, estando presentes mais relatos de atitudes que favoreceriam o desem penho da criança. Todavia, à medida que o tempo passa, a mãe identifica mais atitudes na professora que não favoreceriam o desem penho da criança, tecendo comentários sobre como deveria agir para que tais com porta­mentos acontecessem.

O relato da mãe sobre maior participação escolar vai ao encontro do apontado por Stainback e Stainback (1999) e Mittler (2003), que enfatizam a necessidade de o professor realizar planejam entos focados nas habilidades e necessidades da criança portadora de deficiência, devendo esse planejamento contar com a parti­cipação efetiva da família. Essa contribuição que a mãe tem a fornecer à escola deveria ser considerada, um a vez que, conforme aponta Glat (1996), grande parte da pouca efetividade das propostas desenvolvidas a partir dessas discussões está no fato de que muitas vezes se ignora que o portador de deficiência passa boa parte de sua vida com a família e esta será a primeira a ditar valores, concepção de mundo e auto-imagem. Desconsidera-se ainda que a família seja um a fonte rica de informações, até mesmo por ser a primeira e a mais presente instituição na vida de qualquer indivíduo.

Stainback e Stainback (1999) sugerem a necessidade de um a equipe na qual estejam inclusos pais e especialistas, que poderiam se reunir, partilhar e idealizar sugestões para os objetivos educacionais e como (com que atividades) estes podem ser atingidos. A American Association on Mental Deficiency (AAMD) (2006), quando fala em rede de apoio, considera que esta deve existir tanto para o deficiente como para a família e professores. Na rede, cada um tem seu papel: o do professor é definir planos de auxílio individualizado. Quanto mais nova a criança, maior a participação da família na identificação das necessidades e potencialidades para a geração de metas e objetivos.

Outras categorias menos freqüentes, mas não menos importantes, serão dis­cutidas a seguir, como, por exemplo, as atitudes que a mãe tem em relação à tarefa escolar. A subcategoria mais freqüente foi a de fazer a tarefa pelo filho. Entre as razões explicitadas, um a se refere a tentar garantir que o filho não pareça tão dife­rente dos outros por não conseguir fazer um a tarefa que não estava ao seu alcance. Então, faz toda a tarefa por ele sem levar em conta que, possivelmente, todos (alu­nos e professora) saibam que foi ela. Mas tam bém lança mão de procedimentos adequados para tentar fazê-lo produzir: dá ajuda física, apresenta dicas verbais, etc. Comportamentos como elogiar ou ensiná-lo a lidar com o preconceito apare­cem, mas com freqüência muito baixa.

As perspectivas de futuro foram predom inantem ente negativas. As positivas se referem a com portam entos elem entares, como saber escrever o nom e, ser independente ou simplesmente ser feliz, sem definir em que isso consiste. As ne­gativas mostram, às vezes, o desamparo em que se encontram os pais de crianças deficientes, aparentem ente sozinhos em sua luta.

Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico ■ 211

Porém, a análise da ocorrência das expectativas positivas ao longo do tempo sugere a importância do processo terapêutico: os relatos se tornam mais freqüen­tes à medida que os encontros avançam. Esse avanço pode estar relacionado a diversos eventos ligados ao processo terapêutico: diante de um a audiência não punitiva, que destacava as potencialidades de seu filho de forma real, a mãe pode ter começado a discriminar possibilidades para ele no futuro; desenvolvimento, por parte da mãe, de auto-regras mais reais quanto às possibilidades do filho; melhoras no desem penho da própria criança, que indicariam à mãe mais possibi­lidades de sucesso no futuro. No entanto, vale destacar que esse não é um processo linear e que dúvidas da mãe em relação ao futuro do filho estiveram presentes até a última sessão.

As expectativas que os pais possuem devem estar ligadas ao desenvolvimento e não às expectativas negativas da sociedade em relação à deficiência (Sommerstein e Wessels, 1999). No entanto, é im portante que os pais busquem adaptar suas ex­pectativas de acordo com as necessidades dos filhos, até mesmo criando objetivos para eles. Essa expectativa deve ter como base o desem penho da própria criança, pois pode ser a base para todo o planejamento, a partir do qual derivarão todas as demais decisões sobre o desenvolvimento do portador de deficiência. Sommerstein e Wessels (1999) afirmam que m udar as expectativas não significa pôr fim ao so­nho, significa apenas sonhar sonhos diferentes.

Um outro dado im portante observado diz respeito à busca pelo diagnóstico. São muitos os diagnósticos relatados, mas que existem porque a mãe os busca. Leva o filho a diferentes profissionais da saúde e faz os exames que todos solici­tam, esperando sempre que alguém diga, com certeza, o que o filho tem. Muitos são os diagnósticos e alguns deles associados ao encam inham ento para a classe especial. A variabilidade se dá, provavelmente, pela multiplicidade de atendimentos e profissionais que a mãe procura para o filho.

O diagnóstico, ou a falta dele, aparece durante todo o processo. A diversidade observada se deve à incessante busca da mãe pelo diagnóstico ao consultar dife­rentes profissionais da saúde. Parece que, no início, os pais vêem o diagnóstico e/ou a deficiência como fator único e determinante da felicidade e do sucesso do futuro do portador de deficiências (Miller, 1995).

Essa busca se m anteve m uitas vezes porque cada um, em trabalho de cunho exclusivamente multidisciplinar, acabava analisando o caso dentro de seu refe­rencial prático e teórico, resultando em diferentes posturas perante o caso e seu possível desdobramento. Isso ocorreu quando, por exemplo, mesmo sem diag­nóstico fechado, o profissional o encam inhou para a classe especial. Porém, isso parece ter auxiliado a mãe durante todo o processo terapêutico, um a vez que de­senvolveu habilidades im portantes, como descrever o que o filho sabia fazer, questionar diagnósticos, perguntar sobre possibilidades, questionar procedimen­tos e rótulos. A mãe chegou ao processo terapêutico considerando que seu filho possuía vários transtornos, até que, a cada intervenção feita pela terapeuta, a mãe relatava um fantasma a menos.

Aqui, o processo terapêutico teve o papel de informar a mãe sobre o significado dos diferentes rótulos recebidos, o que, no entanto, não a impediu de procurar outros, ainda que concordasse que o rótulo pouco importava, desde que o filho

212 ■ Inclusão Escolar como Objeto de Processo Terapêutico

adquirisse com portam entos mais adaptativos e independentes. Além disso, a sistematização e a explicitação dos relatos perm itiram identificar e revelar ao cliente com portam entos encobertos que o terapeuta identifica em seu discurso, suas regras de vida e as contingências que o ensinaram a se com portar e a viver como vive (Otero, 2005).

Considerações FinaisO presente trabalho não teve a pretensão primeira de avaliar o sucesso da terapia, mas sim, por meio dos relatos, analisar a questão do desem penho escolar de A, a inclusão escolar e a expectativa de futuro.

Essas categorias se relacionam a ações que incidem sobre a inclusão do porta­dor de deficiência, seja de forma mais geral, m ediante conceitos, seja m ediante ações que favoreçam ou não o desem penho do aluno, isto é, que respeitem ou não sua diferença. A m aneira como o sistema escolar lida com o desem penho da criança e as crenças da mãe influenciam as atitudes que ela tom a para sanar difi­culdades ou melhorar o desenvolvimento do filho. Além disso, dependendo de como o processo inclusivo ocorre - de forma satisfatória ou não - e das crenças que a mãe tem sobre ele, a mãe irá procurar novas possibilidades para que o filho aprenda e se desenvolva.

Políticas sociais preventivas deveriam focalizar a identificação, de preferência o mais cedo possível, da existência da deficiência ou de possíveis danos pré e perinatais com probabilidade de resultar em atrasos no desenvolvimento. A partir daí deveriam ser implementadas ações promovendo informações e caminhos para o deficiente e sua família, orientando-os para programas educacionais e clínicos em instituições, centros de referência e agências especializadas.

Este estudo mostra como a família busca praticam ente sozinha as soluções para seus problemas. A desvinculação entre os profissionais da saúde que prestam serviços a essa população acaba prejudicando ainda mais o bom desenvolvimento do indivíduo e a dinâmica da família que tem um a criança com deficiência. Ações terapêuticas focais têm sido um a forma de trabalho junto aos pais que, ao aco­lher, entender e promover a reflexão sobre os desdobram entos diversos advindos da convivência com um filho deficiente, pode resultar na melhoria da qualidade de vida da família como um todo.

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essas alterações, às quais podemos cham ar de variáveis ambientais, que, per­m eando o processo de desenvolvimento, envolvem a análise de todos os sistemas de interação do indivíduo, considerando desde os fatores genéticos até os proces­sos de interações familiar e social. Pode-se dizer que o repertório inicial de um a criança é o a priori para sua sobrevivência, mas a complexidade de sua interação com o m undo vai depender da aquisição de novos comportamentos, de seu pro­cesso de desenvolvimento (Haydu, 2003; Rosales-Ruiz e Baer, 1997).

Impossível não pensar no processo de desenvolvimento como complexo, afinal estão implicadas contingências de arranjos múltiplos, a começar pela constituição dos 46 cromossomos com enzimas dispostas diversamente, passando pela interação desde bebê com o núcleo familiar, até as variáveis que são determinadas pela vida em sociedade. No entanto, essa diversidade não implica na impossibilidade de pla­nejamento de um ambiente propício ao desenvolvimento de um a criança, princi­palmente se esta já apresenta alguma defasagem comportamental.

O recurso de se promover estimulação essencial ao desenvolvim ento, m ediante a organização de experiências de arranjos ambientais bem- sucedidos, é considerado bastante efetivo, dada sua comprovação em vários estudos conduzidos com tal fim . Tais trabalhos apontam que, mesmo sob condições adversas de limitações genéticas, é possível alterar padrões de desenvolvimento de crianças em risco, para alterar o alcance de níveis superiores de desempenho, variados nos propósitos educacionais, realizando-se esforços ajustados às suas necessidades fundamentais.

(Zamberlan e ta l, 1995, p. 8)

Para desenvolver as habilidades em defasagem e possibilitar um repertório comportam ental compatível com a idade cronológica de um a criança e, também, extinguir com portam entos-problema, são imprescindíveis a elaboração de um planejamento e a organização de procedimentos de intervenção. Assim, com base no repertório já adquirido pela criança e em parceria com a família e outros cui- dadores significativos, é possível im plem entar condições que contribuam para seu desenvolvimento.

Para Hayes (1986), a avaliação comportam ental pode ser descrita como a iden­tificação de respostas e suas variáveis controladoras, com o fim de entender e modificar o comportamento. A análise funcional é im portante ferram enta tanto para a avaliação quanto para a intervenção no atendimento infantil. Por meio dela, podem-se identificar fatores ambientais antecedentes e conseqüentes dos quais os com portam entos são funções, ou seja, aspectos que controlam tanto os com ­portam entos-problem a como, tam bém , os adequados (Silvares, 2002). Esse instrumento, além de contribuir com a avaliação para elaboração e planejam ento de um a intervenção bem-sucedida, tam bém tem função na própria intervenção, um a vez que os pais, aprendendo a utilizar a ferramenta, podem compreender as contingências do contexto de desenvolvimento do filho e atuar como educadores de maneira independente.

OIPO (Williams e Aiello, 2001) tem sido utilizado como instrum ento de diag­nóstico e de intervenção em tratam ento psicoterápico. Esse instrumento cria opor­

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tunidade de observação de comportamentos, diante de estímulos discriminatórios operacionalizados, perm itindo identificar áreas de atrasos no desenvolvimento global de crianças de zero a seis anos de idade, pela avaliação de conjuntos de com portam entos típicos de cada idade para cada um a das áreas do desenvolvi­mento, a saber: cognição, desenvolvimento motor, linguagem, socialização e autocuidado. Além de avaliador do desenvolvimento, o IPO tam bém possibilita sistematizar o trabalho do terapeuta no atendim ento e nas orientações aos pais, familiares, professores e em intervenções diretas com a criança.

Zamberlan e Alves (1997) desenvolveram um trabalho com sete crianças de nível socioeconômico baixo, com idades entre 30 e 66 meses, utilizando o IPO para avaliação comportam ental e conseqüente implementação de intervenção adequada envolvendo os pais. Os resultados mostraram melhoria em todas as áreas no desem penho das crianças em avaliações sucessivas.

Além de avaliação e intervenção, o IPO foi utilizado em outras situações de en­sino, tais como treinar mães de bebês de alto risco em situação domiciliar (Braz, 1999), estimular bebês institucionalizados com atraso no desenvolvimento (Kinouch etal., 1997) e formar alunos de graduação de Psicologia no ensino de como orientar pais em domicílio (Enumo etal., 1999). Em todos esses estudos, o IPO mostrou-se eficaz na promoção de condições de melhoria no desenvolvimento das crianças envolvi­das e, ainda, melhoria no repertório adequado das famílias dessas crianças.

Aliado ao IPO, tem-se utilizado o Sistema Portage de Estimulação Infantil para o trabalho junto aos pais. Nesse programa, os pais, de forma progressiva, apren­dem a atuar como professores de seus filhos em situação natural e aum entando as chances de generalização e m anutenção da aprendizagem (Enumo, 2001).

Essa proposta de atuação é pouco difundida. Exige bom conhecimento sobre o processo de desenvolvimento infantil e boa formação teórica no referencial que subsidia o IPO, dando-se sua aplicação de forma detalhada e custosa em termos de tempo e participação dos envolvidos. Segundo Enumo (2001), o importante é que os pais sejam ouvidos e auxiliados nas tarefas de serem pais, mães e irmãos de um a pessoa com atraso no desenvolvimento, sendo atendidas em suas necessidades es­pecíficas, adequando-se as técnicas às peculiaridades de cada caso e situação.

Além da fundam ental importância da orientação familiar a crianças com ne­cessidades especiais, outro ponto que merece atenção e destaque é o brincar, por ser um comportam ento típico da infância. É por meio do brinquedo e da brinca­deira que a criança mostra como percebe o ambiente e como interage com ele. Moura e Azevedo (2001) sugerem os recursos lúdicos como instrum entos que po­dem ser usados tanto para avaliação do problema da criança quanto para m odi­ficação do problema, seja este de natureza aberta ou encoberta. A atividade lúdica propicia a identificação e, ao mesmo tempo, a análise do padrão e a função do com portam ento da criança e de seus pais dentro do contexto familiar. Na aplica­ção do IPO utilizam-se recursos lúdicos como brinquedos, jogos e brincadeiras para observar a ocorrência de comportam entos típicos de cada idade observada.

Moura e Azevedo (2001) ressaltam que, na terapia infantil, o profissional tem oportunidade de, por meio do brinquedo e do brincar, direcionar a intervenção no sentido de verificar e analisar os papéis que a criança identifica na dinâmica familiar da qual participa, assim como a função de alguns padrões no contexto

familiar. A explicitação da dinâmica familiar junto aos pais é, também, um a das condições necessárias para se analisar o com portam ento da criança.

Considerando os aspectos citados na avaliação e instrução de caso, o objetivo deste estudo foi, a partir da utilização do IPO, identificar as áreas de desenvolvi­m ento em defasagem em criança com necessidade educacional especial, como ponto de partida para intervenção jun to aos pais de um a criança com atrasos de desenvolvimento.

Estudo de CasoJoão (nome fictício) é um caso peculiar dentre os relatados com síndrome de Down, pela m aneira como seu diagnóstico foi feito. Nascido aos nove meses de gestação, por cesariana, foi um a criança planejada pelos pais. Foi am am entado no seio até nove meses de idade sem dificuldade de sucção e, no que diz respeito à alim enta­ção, o único complicador eram os refluxos constantes, que traziam complicações como otite e requeriam cuidados especiais com o sono. O desenvolvimento de João, segundo relato da mãe, apresentou algum atraso logo no primeiro ano de vida. Embora fosse um bebê com firmeza no tronco e na cabeça, sentou-se com um ano de idade e começou a firmar as pernas com apoio e a ficar em pé com aproxi­m adam ente um ano e cinco meses. O problema de refluxo aliado ao atraso no desenvolvimento, perceptível aos pais, levou-os a procurar médicos que pudes­sem encontrar a causa e solucionar o problema. Depois de passar por vários pro­fissionais, os pais, sob indicação, procuraram um a médica que, no primeiro contato com João e ouvindo seu histórico, pediu um exame de cariótipo e comunicou aos pais sua suspeita de que a criança teria síndrome de Down. O resultado confir­mou a suspeita, para espanto dos pais, que nunca haviam pensado na possibili­dade, já que o filho não apresentava as características faciais da síndrome.

A síndrome de Down é um a anormalidade cromossômica causada por um a trissomia do cromossomo 21. Além da trissomia mais comum, que corresponde à adição de um cromossomo no par 21, deixando todas as células do indivíduo com 47 cromossomos, existem mais dois outros tipos. O caso de João é o menos comum (1% dos casos), denominado mosaicismo, resultante de um erro nas primeiras divi­sões celulares, fazendo com que algumas células tenham 47 cromossomos e outras 46 (Pueschel, 1993). Pressupunha-se que o mosaicismo atenuasse não só os traços físicos, mas tam bém o comprom etim ento intelectual. Contudo, no caso de João, o diagnóstico tardio impediu um a intervenção precoce, justificando parcialmente seu grande com prom etim ento cognitivo, social, m otor e de linguagem.

Em razão do trabalho materno, João começou a freqüentar a escola m aternal com um ano e sete meses de idade e desde esse período dem onstrou dificuldades cognitivas, resultando em pouca compreensão de regras e dificuldade em aceitar regras e limites das cuidadoras, conforme relatado pela mãe. Aos cinco anos foi encaminhado para atendimento psicológico em um a clínica-escola. Aos sete anos, João passou a freqüentar a pré-escola de um colégio regular particular e, nesse ano, utilizou-se o IPO como nova estratégia de avaliação, subsidiando a interven­ção junto aos pais e na escola.

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Com os PaisEm entrevistas com os pais, identificaram-se e descreveram-se as queixas princi­pais. Entre elas estavam: com portam ento verbal deficitário, pouco contato visual, choros e birras em locais públicos e em casa, reação negativa em situações de espera, inquietação ao manter-se sentado para qualquer atividade, falta de atenção e pouco controle do volume de voz (João gritava muito). Quanto às expectativas, os pais relataram esperar conseguir m anter um a comunicação mínima com o filho, ouvir dele um maior núm ero de palavras inteligíveis e que conseguisse freqüentar a escola mesmo que para fins de socialização,

Nós não esperamos que João seja alfabetizado, mas que consiga pelo menos ficar na escola e conviver com outras pessoas, [mãe]

Quero que ele coloque os pés no chão. Espero que ele tenha uma boa sociali­zação e, em segundo plano, espero que ele tenha desenvolvimento pedagógico, mas agora não penso nisso, quero que ele caia na realidade, [pai]

referindo-se à expectativa de que o filho tenha compreensão do que falam e con­siga responder, que entenda um a situação de espera sem muita agitação, que tenha noção do perigo, que brinque com outras crianças.

Descrevendo por meio de análises funcionais os comportamentos trazidos como queixa, observou-se que o comportamento verbal deficitário (pronúncia errada das palavras e comunicação por meio de gestos) era mantido, em parte, pelos pais que atendiam aos pedidos de João sem que este precisasse falar adequadamente, refor­çando a fala errada e a comunicação por gestos. Por exemplo: quando João queria leite, ficava inquieto andando na sala onde estavam os pais ou ia para a cozinha mexer em utensílios que fizessem barulho. Diante desses comportamentos, os pais iam até a cozinha e preparavam o leite sem que João pedisse verbalmente. O com­portamento de choro e birra em locais públicos acontecia sempre que a criança queria algo e não era atendida. Nesse caso, se jogava ao chão, gritava, tirava os sapa­tos, começava a tirar a roupa até obter atenção, como fazia na sala de espera do consultório médico. A primeira atitude dos pais era a contenção física e, caso não surtisse efeito, voltavam para casa sem terminar de fazer o que haviam começado. As birras em casa eram mantidas com brigadeiro. Por exemplo: se João não queria ir para escola ou se negava a vestir a roupa, os pais ofereciam um brigadeiro. Como conseqüência, a criança estava ganhando peso, apesar do alerta do médico quanto aos perigos da obesidade, comum entre crianças com síndrome de Down.

Os pais se queixavam, também, que não conseguiam conversar com o filho, fazer pedidos e ensinar algo, porque João não prestava atenção e quando os pais diziam “João, olha pra mim”, o filho abaixava a cabeça e fechava os olhos. Um exem­plo dado pelos pais diz respeito às refeições. João se recusava a usar os talheres adequadam ente e os pais, na tentativa de dar modelo, pediam que prestasse aten­ção em como seguravam os talheres. O filho não atendia ao pedido de olhar e tam bém não aceitava que o ajudassem a segurar os talheres, continuando a co­mer com as mãos somente os alimentos de que gostava.

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Na EscolaNa escola, segundo a diretora, a decisão de João freqüentar o pré, apesar das “difi­culdades pedagógicas”, foi tom ada a exemplo de outra criança com síndrome de Down lá matriculada. Essa outra criança, então com cinco anos, freqüentou no ano anterior a turm a do m aternal com crianças mais novas. No ano seguinte, de­cidiram transferi-la para um a sala com pares da m esm a idade e, a partir de então, ela teve seu desenvolvimento acelerado, segundo a diretora.

Inicialmente, João ficava em um a sala com outras seis crianças. No geral, per­manecia por pouco tempo, ficando muito agitado e só a contenção física o impedia de sair. Ele se recusava a ficar na sala, se jogava no chão e contra a parede, batia nas outras crianças da sala todas as vezes em que ia até a porta e a encontrava fechada. A atitude da professora era abrir a porta e acompanhá-lo até o parque, deixando-o lá e voltando para a sala. Nos horários do lanche e de atividades fora da sala de aula (brincadeiras, parque, etc.), João perm anecia sozinho, não procu­rando a com panhia dos colegas.

Durante as atividades, a professora e os alunos procuravam conversar com João, o que era dificultado pela fala comprometida. Apenas repetia algumas coisas que seu interlocutor dizia. Quando se tratava de ir ao banheiro, comer ou pedir alguma coisa, fazia-se compreender por gestos. A professora mostrou-se bastante interessada em tudo o que dizia respeito a seu aluno e tam bém dem onstrou com ­preender a importância de um trabalho conjunto.

Na ClínicaEm observações na clínica, pôde-se notar que a criança conseguia m anter um a interação limitada com a terapeuta e em apenas alguns tipos de brincadeira, como com fantoches. Com peças de encaixe, desenho e quebra-cabeça, brincava sem conhecer a funcionalidade dos brinquedos. Agia como se estivesse sozinho, não respondendo a nenhum a pergunta. Diante de qualquer tentativa de interação emi­tia algumas ecolalias.

Com o objetivo de conhecer o repertório comportamental da criança e verificar as áreas de seu desenvolvimento com maior atraso, deu-se início a uma avaliação utili­zando o IPO para orientar o processo de intervenção e constituir uma linha de base.

O IPO (Williams e Aiello, 2001) é composto de folhas de registro das áreas de desenvolvimento avaliadas, possuindo, ao todo, 580 com portam entos a serem observados na criança, sendo esses comportam entos subdivididos em seis gran­des áreas:

1. Estimulação infantil.2. Desenvolvimento motor.3. Autocuidados.4. Cognição.5. Socialização.6. Linguagem.

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Essa escala de desenvolvimento não é padronizada, mas garante a observação do comportamento a partir da definição de alguns critérios: prescrição das condições sob as quais o com portam ento deve ocorrer; descrição do núm ero de tentativas para avaliação do comportamento; descrição do material a ser utilizado; observação dos comportam entos por faixa etária; descrição operacional do comportam ento a ser observado.

Para a aplicação do IPO, utilizaram-se materiais diversos (jogos, bonecas, bolas, bichos de plástico, brinquedos de casinha, carrinhos, lápis de cor, livros de estórias, etc.), sugeridos pelo protocolo de avaliação, propostos para as idades: um a dois anos, dois a três, três a quatro e cinco a seis anos de idade. Esse material foi devi­damente organizado em caixas plásticas, tipo baú, por idade, abrangendo tanto os brinquedos e jogos apropriados como as folhas para os exercícios gráficos ou de coordenação motora fina, de acordo com as especificações do manual (Williams e Aielo, 2001). Também fazem parte desse material os protocolos por área, para registro das respostas da criança.

A primeira aplicação do IPO se iniciou com o protocolo para cinco anos de idade, sugerido pelo manual quando há atraso de desenvolvimento relatado. A presença dos pais (mediadores) foi indispensável durante a aplicação, um a vez que, além de confortarem a criança, dando-lhe segurança em um ambiente estranho, serviram também como informantes ao aplicador. A sessão de avaliação encerrava-se quan­do a criança cumpria todos os itens previstos ou se mostrava cansada, irritada e/ou com sono. Os acertos e os erros eram então contabilizados nos protocolos de cada área avaliada, possibilitando organizar o que seria feito na próxima sessão, de for­ma a contemplar o critério para o encerramento da avaliação. Esse critério determina que a criança apresente nos protocolos das idades anteriores 15 respostas corretas consecutivas e 15 respostas erradas consecutivas nas idades posteriores à dela, de modo a se estabelecer realmente o que é ou não capaz de fazer, sugerindo o nível de desenvolvimento geral e em cada área avaliada. Posteriormente, agendaram-se as sessões necessárias para o término da avaliação (número médio de três sessões com cada criança). Nas sessões subseqüentes, analisaram-se inicialmente os itens não observados na primeira avaliação, em ordem crescente de dificuldade até que o critério de 15 comportamentos consecutivos não fosse observado em cada área. A proposta era avaliar trimestralmente o desenvolvimento da criança utilizando o IPO.

Os resultados da primeira avaliação, além de confirmarem as queixas dos pais e as observações na clínica e na escola, ofereceram subsídios para execução do pla­nejam ento de intervenção que, apesar de abranger todas as áreas, priorizou ativi­dades e orientações relacionadas à linguagem, cognição e socialização, áreas com déficit significativo e de extrema ligação com a queixa dos pais e da professora. Dessa maneira, tornaram -se agentes efetivos no processo terapêutico, não só como m e­diadores, fazendo o elo entre a clínica e a casa e entre a clínica e a escola, mas tam bém como programadores, pois decidiam o que fazer e como.

Após a primeira avaliação, estabeleceram-se os objetivos de intervenção para os pais, a professora e o cliente em situação de clínica:

• Com base nos dados do IPO, planejar e desenvolver atividades, na situação de clínica, com brincadeiras variadas que contemplem o repertório já ad­

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quirido e que possam promover a ampliação e a aquisição de novos reper­tórios e o cum prim ento dos objetivos terapêuticos traçados com auxílio dos pais e da professora.

• Proporcionar aprendizagem do procedimento de análise funcional aos pais e à professora de João, a fim de que pudessem identificar antecedentes e conseqüentes dos quais os com portam entos da criança eram função e, as­sim, programar mudanças que extinguissem os comportamentos-problema e reforçassem os adequados.

• Orientar pais e professora quanto a atividades que contribuam para aquisi­ção e m anutenção de novos repertórios comportamentais, proporcionando a João melhores condições de desenvolvimento.

IntervençãoTodas as atividades sugeridas aos pais e à professora e im plem entadas na clínica relacionavam-se aos objetivos de estabelecer interação afetiva com a criança; de­senvolver repertório verbal identificando e nom eando objetos e ações; extinguir com portam ento de birra e choro; aum entar o contato visual e o atendim ento a ordens e chamados; aum entar o tem po de espera para obter os objetos ou qual­quer tipo de atenção; aum entar o tem po de perm anência e concentração em atividades variadas. Foram sugeridas aos pais atividades em casa, as quais pudes­sem promover o desenvolvimento de todas as áreas avaliadas trimestralmente com o IPO, viabilizando a aprendizagem intencional ou não em situações domésticas, bem como orientações que ajudassem os pais a discriminar as contingências das quais são função os comportam entos inadequados e adequados. Em situação de clínica, a terapeuta desenvolvia junto com os pais atividades objetivando oferecer modelo de como executar algumas brincadeiras e de como aproveitar situações cotidianas que promovessem aprendizagem, de modo que solicitações insuficien­tes ou inadequadas fossem substituídas.

À professora foram dados modelos de interação e orientações, como aos pais, de modo a auxiliá-la na extinção dos comportamentos-problema e na aquisição de novos com portam entos compatíveis com o contexto escolar e sugestões para integração na escola, além do desenvolvimento, com a professora, do planejamento de ensino.

ResultadosComo previsto, realizaram-se três avaliações do desenvolvimento de João duran­te o período de atendim ento (primeira quinzena de abril à segunda quinzena de dezembro). A Figura 12.1 mostra o desem penho de João nas três avaliações em três m omentos diferentes do atendimento, em comparação com o esperado para crianças de sua idade.

Observa-se na primeira avaliação que as áreas com maior defasagem foram cognição, socialização e linguagem. Investimentos nos três ambientes (casa, clínica

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100% 100% 100% 100% 100%

□ Abr./03

□ Jul./03

ü Nov./03

H Esperado

Cognição Autocuidado Desenvolvimento Socialização Linguagem motor

Áreas do desenvolvimento

Figura 12.1 - D esem penho em Inventário Portage Operacionalizado (IPO) na primeira, na segunda e na terceira avaliação.

e escola) foram feitos no sentido de diminuir as defasagens observadas. Comparan­do os resultados da primeira com os da segunda avaliação, nota-se um salto no desem penho nas áreas que foram foco da intervenção (linguagem, 18%; cognição, 14%; socialização, 11%). As áreas de m enor crescimento foram desenvolvimento motor (1%) e autocuidado (6%).

Com o avanço nas áreas mais críticas, pode-se concluir que o planejamento das atividades com ênfase em cognição, linguagem e socialização foi eficiente e promoveu um desenvolvimento significativo nessas áreas. Contudo, é im portante considerar os dados de crescimento em desenvolvimento motor e autocuidado, que apontaram para a necessidade de investimento não só focal, com ênfase nas áreas mais deficitárias, mas distribuído nas demais. Afinal, a criança cresce e o déficit nas áreas com pouco investimento pode se acumular se algumas forem negligenciadas. Diante dessa verificação, implem entaram-se algumas m udanças no direcionamento das atividades, escolhendo atividades que contemplassem si­m ultaneam ente todas as áreas, com maior e m enor defasagem. Assim, poder-se-ia trabalhar com aquelas de grande defasagem e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento em outra menos comprometida, mas im portante para o desen­volvimento de habilidades mais complexas, requeridas em idades posteriores e que tam bém precisavam de atenção.

Analisando as m udanças no desem penho da criança da segunda para a ter­ceira avaliação, nota-se que as m udanças implementadas na intervenção surtiram efeito. O gráfico aponta um salto em desenvolvimento nas áreas de cognição (14%), desenvolvimento m otor (10%) e socialização (6%). As áreas com m enor cresci­mento foram linguagem (3%) e autocuidado (5%).

Verificou-se que as alterações implem entadas no planejam ento e no redire- cionamento das atividades provocaram melhor distribuição do desenvolvimento nas diversas áreas. Mas a maior medida da importância do planejamento e da

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implementação foi o relato dos pais, os quais apontaram as melhoras de João, des­crevendo comportam entos como:

Ontem quando João chegou em casa contou que teve um a festa de aniversário, da Larissa, do jeito dele, mas contou.

ou

Semana passada pedi para João ir enchendo a banheira para darmos banho no irmãozinho e ele encheu.Quando fomos ao médico tivemos que esperar uns quinze minutos e João ficou brincando com peças de montar sem gritar e sem fazer birra.

E também quando a professora mostrava os desenhos de João e dizia:

[...] há algum tempo ele nem ficava sentado, agora ele desenha e aponta as partes falando: “cabeça, corpo, braço, perna".

Toda essa m udança fez com que os pais reavaliassem suas expectativas e visualizassem a possibilidade de alfabetização para o filho. Da m esm a forma, isso aconteceu com a professora, que vislumbrou que, para João, a escola, além de prom otora de possibilidades de socialização, pode assum ir seu principal pa­pel, o de ensino formal.

Considerações FinaisSegundo Gauderer (1997), as limitações físicas e intelectuais das crianças com síndrome de Down podem ser modificadas e alteradas por meio de intervenções eficazes e precoces. Diferentemente de crianças que não têm tais limitações, a exposição direta aos estímulos não é suficiente para promover a modificação nos padrões de aprendizagem das crianças com síndrome de Down. O objetivo desse estudo foi, então, utilizar um instrum ento de avaliação sistematizado, o IPO, que auxiliou na identificação das áreas de desenvolvimento em defasagem, estabele­cendo um ponto de partida para a intervenção junto aos pais e à escola.

Organizou-se, a partir dos resultados obtidos na primeira avaliação, um a pro­posta de aprendizagem mediada, programada e facilitada por adultos significativos, em que os pais e as pessoas que convivem com a criança pudessem selecionar o estímulo apropriado, desconsiderando os inadequados. Windholz e Meyer (2000) referem-se à importância da parceria com adultos significativos e a proposição conjunta de objetivos e estratégias de intervenção tende a aum entar os níveis de interesse, atenção e habilidades da criança.

É um grande desafio propor m udanças em um ambiente com interações já consolidadas, mesmo que pais e professores identifiquem não haver progressos e procurem ajuda externa; nesse caso, da clínica de Psicologia. No estudo apresen­tado, os prejuízos observados no repertório comportam ental da criança foram

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amenizados com intervenções planejadas, mediadas e programadas com o su­porte dos pais e da professora.

É evidente que a implementação de um programa psicoterapêutico direcio­nado a crianças com problemas de desenvolvimento depende de um planejamento que considere as bases do repertório atual da criança, suas reservas com por­tam entais e necessidades; considere o repertório e as necessidades de sua família; envolva outros campos da vida da criança, como a escola; seja reavaliado periodi­camente e, se preciso, reestruturado.

Para este estudo, os resultados apontam para a pertinência da utilização do IPO como avaliador das intervenções conduzidas, otimizando a reabilitação de crian­ças com atraso comportamental. Todavia, alertam para a importância de elaborar programas de melhoria de repertório comportamental considerando não somente as áreas em defasagem, mas também comportamentos ou até mesmo classes de comportamento que serão importantes para a aprendizagem de comportamentos mais complexos. Tais ações garantem a aprendizagem não som ente daqueles comportamentos em que há defasagem, mas de outros mais avançados que possi­bilitariam a vivência em contextos mais complexos e, portanto, mais diversificados, aumentando a possibilidade de um a inclusão bem-sucedida.

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Glossário

Auto-regras - Regras são estímulos que descrevem con­tingências, sendo fornecidas pelo ambiente verbal do organismo. A partir do m omento em que o indivíduo cria e segue suas próprias regras, estas passam a ser de­nom inadas auto-regras.

Avaliação funcional - Avaliação dos efeitos de respostas pela função que têm sobre o meio; essas funções podem ser reforçadoras positivas (aumentam as chances de voltar a ocorrer um a resposta que produz m udança no meio) ou negativas (aumentam as chances de voltar a ocorrer uma resposta que elimina eventos do meio). Fundamen­tal quando o objetivo é predição e controle do compor­tamento; m udanças nos comportam entos abrangem, necessariamente, mudanças nas contingências.

Avulsão - Extração de parte de um órgão por arrancamento.Bulim ia - Transtorno no qual o indivíduo ingere grande

quantidade de alimentos e depois provoca sua elimi­nação por vômito ou com laxantes.

Comportamento verbal - Com portamento m antido pelo com portam ento de um ouvinte que com partilha da m esma comunidade verbal do falante. Não possui na­tureza diferenciada do com portam ento não-verbal, sendo a única diferença o fato de o comportamento ver­bal não operar diretam ente sobre o ambiente e sim so­bre o com portam ento de outra pessoa.

Contingência-Descrição de relações funcionais e específicas entre eventos antecedentes, respostas e conseqüências. Implica a explicação das condições sob as quais se dão, num determinado contexto ambiental, as relações de de­pendência entre comportamento e suas conseqüências.

Controle-Modificação sistemática ou manutenção do com­portam ento por mudanças nás condições relevantes, sendo geralmente relacionado, em análise do compor-

228 ■ Glossário

tamento, a variáveis que possuam um efeito demonstrável sobre o com porta­mento, como o controle por esquemas (eventos que sucedem a resposta) ou o controle de estímulos (eventos que antecedem a resposta).

Controle cerimonial -G aran te o status quo da sociedade; pode ser exemplificado pela afirmação “inclua o deficiente porque é lei”; não é necessariamente noci­vo, mas torna o agente da resposta insensível a possibilidades de mudanças.

Controle tecnológico - Permite, pela observância de regras específicas (pode-se compreender por regras as formulações verbais de contingências), a avalia­ção da regra e da conseqüência; pode ser notado pela afirmação “inclua o deficiente porque é im portante para o desenvolvimento da identidade hum a­na conviver com as diferenças”.

Crepitação óssea- Ruído produzido pelo atrito de superfícies, resultante de fra­tura óssea.

Diagnóstico de deficiência m ental - De acordo com os critérios da American Association on Mental Deficiency (AAMD, 2002), depende de três condições: baixo resultado em teste de inteligência, baixo desem penho em pelo menos duas áreas de com portam ento adaptativo (acadêmico, linguagem, lazer, vida em sociedade, trabalho, autocuidado, entre outros) e aparecimento antes dos 18 anos de idade.

Discriminação- Enquanto “processo”, consiste no padrão de respostas de um or­ganismo, que resulta do reforçamento diferencial de tais respostas diante de duas ou mais condições de estímulo. Enquanto “procedimento”, refere-se a um a ação (do analista do comportamento, trabalhe ele com pesquisa básica, aplicada ou intervenções) em que se reforçam respostas, diferencialmente, diante de um e não de outro estímulo (SD, SA).

Enfrentamento- Repertórios adquiridos para o controle de condições estressantes e adaptação a elas.

Ensino sistemático - Procedimento em que se promove instalação de novo reper­tório comportam ental por meio de contingências programadas.

Esquemas concorrentes - Subtipo de esquem a composto (que combina dois ou mais esquemas componentes). No esquem a concorrente, os com ponentes operam sim ultaneam ente e as respostas possíveis são incompatíveis, isto é, não podem acontecer ao mesmo tempo.

Filogênese - Neste texto, a expressão refere-se à dimensão evolucionária das es­pécies. Em especial, diz respeito à instância e às características próprias de sobrevivência das espécies no sentido darwiniano. Em contraposição, apare­ce a expressão ontogênese, que se refere ao desenvolvimento do indivíduo, em particular, em decorrência de suas interações com o ambiente (físico, quími­co, biológico, social), onde seus com portam entos são selecionados pelas conseqüências que produz.

Fisicalismo- Doutrina filosófica sobre a natureza do real, a qual afirma que todos os eventos existentes podem ser reduzidos, em sua natureza, a eventos físicos. Nesse sentido, o fisicalismo é um a espécie de materialismo e, embora afaste os problemas típicos do dualismo, resultaria em dois outros problemas inter-

Glossário ■ 229

relacionados ao fazer científico: (1) se há um a identidade real entre “eventos mentais” ou comportamentos (emoções, sentimentos, sensações, desejos, etc.), esses fenômenos poderiam ser estudados como funcionamento físico cere­bral; e, logo, (2) se o fisicalismo for levado às últimas conseqüências, todo o “psicológico” é físico, restando, no futuro, a mera possibilidade de que esses eventos sejam estudados pela neurofisiologia (neuroquímica ou, mesmo, neurofísica); com isso, a própria Psicologia, como ciência, deixaria de ter sentido.

Função - Relação entre elementos que compõem um a contingência e afetam a ocorrência de um a resposta.

Homeostase- Tendência à estabilidade do meio interno do organismo.Metacontingências-Relações funcionais entre práticas culturais e suas conseqüên­

cias, isto é, diferentes contingências do repertório de cada indivíduo atuando ao mesmo tempo e produzindo um a conseqüência a longo prazo que m an­tém as práticas desse grupo; o que m antém a relação ou o entrelaçamento das contingências individuais é a conseqüência a longo prazo.

M odelação- Técnica de modificação de com portam ento que apresenta um com ­portam ento a ser imitado, em que o comportamento-alvo duplica o com por­tam ento original.

Modelagem - Reforçamento diferencial de respostas que se aproximam de um a resposta-alvo.

M onism o- Concepção filosófica segundo a qual o conjunto dos eventos pode ser reduzido à unidade, quer do ponto de vista da sua substância (nesse caso, o monismo poderá ser materialismo ou espiritualismo), quer do ponto de vista das leis (nesse caso, podendo ser lógicas ou físicas) pelas quais o Universo se organiza. Neste livro, as referências nos textos referem-se a um monismo de substância, um monismo físico, ou seja, à concepção segundo a qual os even­tos “psicológicos” (comportamentos, sentimentos, emoções, pensam entos ou eventos “m entais” quaisquer) se compõem de um a m esm a e única substância de natureza física. Em contraposição óbvia, o leitor encontrará o emprego da expressão dualismo.

Práticas culturais - Relações comportam entais aprendidas e que ocorrem entre dois ou mais indivíduos ao longo de gerações; depende do com portam ento verbal; as práticas culturais podem exercer um duplo papel: o de ambiente para o com portam ento do indivíduo ou o de próprio comportamento.

P unição-Procedimento em que a apresentação de um estímulo punidor (aversivo) reduz a probabilidade de ocorrência da resposta que o produz (punição posi­tiva), ou em que a remoção de um estímulo positivo acarreta diminuição da freqüência de respostas que o removem.

Random icam ente- De forma aleatória, ao acaso.Rapport - Palavra de origem francesa que significa concordância, afinidade, ana­

logia; relação estabelecida entre duas pessoas; pré-requisito para um a comunicação eficaz.

Reforçamento negativo - Procedimento em que a remoção de um estímulo aversivo aum enta a freqüência do responder que suspende ou adia a ocorrência desse

230 ■ Glossário

estímulo. O aum ento da freqüência de um a resposta ocorre em razão da reti­rada do estímulo aversivo que a antecede. Assim, determinado comportamento aum enta porque removeu outro com portam ento aversivo.

Reforçamento positivo - Procedimento em que a apresentação de um estímulo reforçador aum enta a freqüência do responder que o produz.

Reforço - Conseqüência do com portam ento que altera a probabilidade de ocor­rência desse comportam ento no futuro.

Relações fu nciona is- Relação de dependência entre variáveis; descrevem regu- laridades entre eventos am bientais e com portam entos. Podem acontecer em nível individual ou em nível cultural, quando envolve o com portam ento de mais de um indivíduo.

Role playing - Técnica de modificação de com portam ento em que o terapeuta modela ou descreve o repertório desejado de seu cliente e inverte os papéis com ele; assim, o cliente pode tanto apresentar um a reação desejada ao pro­blema quanto observar essa reação em seu terapeuta.

Rotina- Responder discriminado a partir de regras previamente estabelecidas ou, simplesmente, de acordo com as contingências vigentes.

Setting - Local em que são realizadas as interações terapeuta-cliente de forma sistematizada, ou seja, onde se desenvolve o trabalho terapêutico; não é ne­cessariamente na clínica.

Setting natural- Ambiente natural, não clínico.Setting terapêutico-Ambiente físico propiciado pelo terapeuta, onde ocorre o pro­

cesso terapêutico.Tatos-Respostas verbais precedidas por estímulos discriminativos não-verbais; o

reforço não é especificado pela resposta e a comunidade verbal provê o reforço condicionado generalizado.

Topografia - Configuração espacial ou forma do responder, especificando tam ­bém, por vezes, a localização, a freqüência e a intensidade da resposta. As topografias freqüentem ente são descritas de forma verbal e não qualitativa.

índice Remissivo

A

Acolhimento, 1261Agentes educacionais, intervenção, 169 Análise

aplicada do comportamento, 1 de comportamento, 45

avanços conceituais, 13 dependência em autocuidados, 51 implicações éticas, 13 relatos verbais, 10

funcional, 19 aprendizagem, 184f

Aprendizagem, necessidades, identificação, 176

Autoconhecimento, habilidades, 381 Avaliação, 51

B

Behaviorismo radical, 13

C

Child Behavior Checklist, 87, 100,130í escore total médio, 131/

Ciênciaacordo intersubjetivo, rejeição, 7 comportamentalista, 9

Comportamento eliminar, maneiras, 26 leis gerais, viabilidade, 5 -problema, análise funcional, 68, 73 socialmente adequados para pais,

questionário, 87 tecnologia, 45

Comportamento (cont.) verbal, estímulo discriminativo, 33

Comunicação, treino, grupo familiar, 139 Conselho, 123íCrise depressiva, comportamentos, 681

D

Deficiência, 197,202 m ental, ampliação da comunicação,

169possibilidades escolares, 203

Depressão, 31, 63 Descrição funcional, 63 Dessensibilização sistemática, 25 Diagnóstico comportamental, 111

individual, 81 Dificuldades comportamentais, 391

E

Efetividade, avaliação, 117 Enfrentamento, estratégias, 161 Ensaio comportamental, 24 Escala

aplicação, procedimentos, 87 de assertividade de Rathus, 98 infantil A2 de Rutter para pais, 87

Espécies, continuidade, 7 Esquema aversivo, 25 Estresse pós-traumático

sintomas, escala de avaliação, 1511 transtorno, 144

Explicações teleológicas, 8 Exposição teórica dialogada, 113

As letras fe t que se seguem aos números de páginas significam, respectivamente, figura e tabela.

232 ■ índice Remissivo

F

Feedback, 2 3 ,120fFilosofia comportamentalista, 3

G

Generalização, 126í

H

Habilidades auto-observação, 381 comunicativas, ensino, 180/ inventário, 86, 99 sociais educativas parentais

entrevista, roteiro, 86 escore médio, 130/

terapêuticas, 105 treinamento, 114

Homem, concepção, 9

Inclusão, 197 escolar, processo terapêutico, 189

Inferência, 1251 Informação, 124í Interação, dificuldade, 139 Intervenções

programa, 107,117 terapêuticas, 105

Inventário de habilidades sociais, 99 / 132/ Portage operacionalizado,

contribuições, 215 Investigação, 119í

M

Manifesto behaviorista, argumentos, 2 Mentalismo, rejeição, 8 Metacontingência, representação, 172/ Modelação, 23 Modelagem, 22

Modelo de explicação causai, 4 Monismo fisicalista, 6 Mosaicismo, 218

O

Objetivos psicoterapêuticos, 52

P

Pais, 81,105 Probabilismo, 6 Problemas

cotidianos, manejo, 45 de saúde, 391

Punição, 25, 26

R

Radicalidade comportamental, 5 Rathus, escore médio, 132/ Reforçamento, 22 Relações familiares, análise, 51, 52 Relato verbal

emprego, 147 modelagem, 63

S

Sentimentos, expressão, grupo familiar, 139

Síndrome de Down, processo terapêutico, 215

Sumarização, 127í

T

Técnicas comportamentais, 15 Terapeuta, habilidades verbais, 116 Transtorno do estresse pós-

traumático, 147

V

Verbalizações mínimas, 1271

Notas

Os capítulos que compõem este livro foram elaborados pelos do­centes do curso de Psicologia do campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesqui­ta Filho, vários deles em co-autoria com alunos do curso de graduação em Psicologia, de pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem e docentes pes­quisadores de outras universidades.

Análise do ComportameL.Avaliação e Intervenção

Borboletas significam transformação. Transformar-se para obter melhor qualidade de vida é necessidade de todos nós, o que implica mudanças. Isso, para a maioria das pessoas, requer ajuda profissional.

Este livro é destinado aos profissionais da área de Psi­cologia, oferecendo-lhes instrumentação metodológica para as atividades de avaliação e intervenção clínica sob o enfoque da análise do comportamento.

Análise do Comportamento - Avaliação e Intervenção contribui para a literatura especializada, apresentando em sua maioria o relato de atendimento de casos viven- ciados por alunos em formação.