caso prático resolvido

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    CASO PRTICO DE I.E.D. I

    1. Depois de um mau resultado do partido do Governo nas eleies autrquicas, e na eminncia de

    eleies legislativas, o Governo, reunido em Conselho de Ministros, aprova o Decreto Lei n. 1/2010, de

    2 de Janeiro, nos termos do qual: (artigo 1.) Os transportes pblicos so de utilizao gratuita, em qualquer

    dia da semana, para os idosos com mais de 65 anos. (artigo 2.) Os encarregados de educao dos jovens em

    idade escolar, ou aqueles quando maiores, podero requerer, junto do Presidente do Conselho Diretivo do

    Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT, I.P), uma iseno total de tarifa nos transportes

    que utilizem para se deslocar para a escola. (artigo 3.) Este Diploma entra em vigor no dia da sua

    publicao.

    2. Entretanto, detetado que o Decreto-Lei n. 1/2010, havia sido publicado com uma gralha,

    pelo que, a 1 de Maro de 2010, publicada a Declarao de Retificao n. 1/2010, aprovada pela

    Assembleia da Repblica, onde pode ler-se que: Para os devidos efeitos se declara que o Decreto-Lei n.

    1/2010,saiu com a seguinte inexatido, que se retifica: no artigo 2. onde se l os jovens em idade escolar

    deve ler-se os jovens em idade escolar que nunca tenham reprovado um ano.

    3. Em Maio do mesmo ano aprovado o Decreto Lei n. 2/2010, de 2 de Maio que determina:(artigo 1.) Os transportes pblicos so de utilizao gratuita, para os idosos com mais de 65 anos, apenas

    aos sbados. (artigo 2.) Este diploma s pode ser revogado por outro Decreto-Lei do Governo e alguns dias

    depois, a Lei n. 3/2010, de 4 de Maioque, entre outros, contm os seguintes preceitos: (artigo 10.) Os

    transportes pblicos so de utilizao gratuita, para os idosos com mais de 65 anos, no primeiro sbado de

    cada ms .(artigo 12) expressamente proibida a mendicncia em transportes pblicos (artigo 3) Este

    Diploma entra em vigor no dia 7 de Maio de 2010.

    4. Nunca se poderia imaginar que a aprovao destes Diplomas viesse causar tanto alarido.

    DMASO funcionrio da Imprensa Nacional Casa da Moeda que, por acaso foi quem colocou online no

    respetivo site, a Declarao de Retificao n. 1/2010, requer, dia 5 de Fevereiro 2011, a iseno total de

    tarifas do filho AFONSOno Metropolitano, transporte que utiliza para se deslocar para a escola. Tal veio a

    ser a deferido a 1 de Maro, apesar do jovem em questo ter ficado retido pelo menos duas vezes em cada

    ano. A 1 de Abril, porm, consultando a cpia do processo de aluno de AFONSOque tinha sido junto ao

    requerimento para instruo, o Presidente do Conselho Diretivo do IMMT, IP revoga o despacho em que

    autorizou a iseno de tarifas, o que DMASO contesta.

    5. Por seu turno, PATROCNIO, octogenria natural do Porto, a 15 de Maio (Domingo), pretende

    embarcar gratuitamente no alfa pendular para ir ver a famlia, ao abrigo do Decreto-Lei n. 1/2010, do qual

    tinha ouvido falar no cabeleireiro o que lhe negado por no ser sbado voltando a s-lo no sbado

    seguinte, dia 19 desta feita, por no ser o primeiro sbado do ms.

    6. Apesar do que resulta do Lei n. 3/2010, diariamente, so inmeros os invisuais que

    mendigam nas carruagens do Metropolitano de Lisboa, o que visto com naturalidade por todos os

    passageiros, e mesmo por alguns polcias que por vezes fazem ronda nas carruagens. No entanto, certo dia,CRAFT, agente da PSP zeloso da lei e da ordem, que viajava na linha amarela, surpreende EGA,

    mendigando durante a viagem, interpelando-o. Na mesma viagem, interpela GOUVARINHO, cigana que lia a

    sina a uma passageira, prtica proibida em transportes pblicos por uma Lei de 1960, de cuja ocorrncia j

    h mais de 30 anos no havia notcia, mas que ultimamente se vinha verificando no metropolitano.

    Tendo em conta apenas os dados fornecidos, pronuncie-se sobre:

    a) A pretenso de Patrocnio;

    b) A pretenso de Dmasoe a posio do Presidente do Conselho Diretivo do IMTT;

    c) A licitude das condutas de Ega e Gouvarinho.

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    Sugestes prvias:

    Antes de comear a resolver um caso sobre fontes, sugere-se ao aluno que:

    1.) anote na margem do enunciado, ao lado de cada fonte legislativa, a

    data da sua publicao (que, se nada for dito em contrrio, a data do prprio

    diploma) e a data do incio de vigncia;

    2.) identifique, em relao a cada fonte, outros problemas que pode

    suscitar (ex. problemas com o artigo 112./5 CRP);

    3.) se for um caso com questes especficas, identifique que parte dos

    problemas colocados pelo caso necessrio para responder a cada questo.

    Os segmentos problemticos que no forem diretamente convocados por

    nenhuma questo devem ser analisados a propsito da questo na qual se

    trate mais desenvolvidamente a fonte que os levanta.

    Abreviaturas: IVIncio de Vigncia; DLDecreto-Lei; LLei; LF Lei Formulrio (Lei n. 74/98, de 11 de Novembro, alterada e

    republicada pela Lei n. 42/2007, de 24 de Agosto);

    CRPConstituio da Repblica Portuguesa.Resoluo:

    a) Nesta pergunta, o que estava em causa era saber qual dos diplomas

    que conferem a possibilidade de idosos com mais de 65 anos viajarem

    gratuitamente em transportes pblicos, estaria em vigor data das duas

    tentativas de P para viajar gratuitamente no alfa-pendular (se o DL 1/2010, o

    DL 2/2010, ou a Lei 3/20122). Cumpre, assim, analisar a questo.Comeando pelo DL 1/2010, primeiro diploma que se reporta a esta

    matria, tendo sido publicado a 2 de janeiro, dispe no seu artigo 3. que

    entrar em vigor no prprio dia da publicao, pelo que cumpre apreciar qual

    , efetivamente, a data do seu IV. Nos termos do artigo 2/1 da LF, uma lei

    no poder, em caso algum, entrar em vigor no dia da publicao. Contudo,

    essa limitao no parece ser inultrapassvel pois que, sendo a LF uma lei

    ordinria, colocada no mesmo patamar hierrquico que o DL 1/2010 (artigo

    112/2 CRP), aquele poderia derrog-la (i.e., nesta aceo da expresso,

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    afast-la no caso concreto) determinando que a data do seu IV fosse a data da

    respetiva publicao. Com efeito, sendo a LF uma lei ordinria (uma Lei da AR)

    ela poder ser afastada, quer por um ato colocado numa posio hierrquica

    superior (v.g. uma Lei Constitucional), quer por um ato colocado na mesma

    posio hierrquica (outra Lei, ou um Decreto-Leicf. art. 112/2 CRP). Isto,

    mesmo tendo em conta que tal leitura comprometeria o desiderato

    constitucional de publicidade dos atos normativos (cf. art. 119 da

    Constituio)1pois que, como bem se percebe, impediria que este DL fosse

    suficientemente publicitado aos destinatrios antes de entrar em vigor.

    Poderia, em termos complementares, problematizar-se se, em nome desse

    mesmo desiderato constitucional, a Lei Formulrio no seria, na verdade, uma

    Lei de valor reforado (termos em que j no poderia ser afastada); mas no

    nos, parece que existam fundamentos slidos para o defender, posto que, na

    nossa Constituio, no existe nenhuma proibio genrica de uma outra

    situao bem mais grave do que esta em que a publicidade dos atos

    legislativos tambm comprometida: a retroatividade, onde, aplicando-se a lei

    ao passado, evidente que ningum poderia contar, a essa data, com a sua

    disciplina jurdica.

    Assim, sendo, e para concluir, o DL 1/2010 entrava em vigor a 2 de

    janeiro de 2010, data da sua publicao.

    II mesma matria vem, contudo, reportar-se o DL 2/2010, de 2 de

    maio que, tendo sido publicado a 2 de maio e nada dispondo quanto ao seu

    prazo de vacatio legis, entraria em vigor a 7 de maio de 2010portanto: no 5.

    dia posterior ao da sua publicao, por aplicao do prazo de vacatio supletivo

    constante do artigo 2/2 LF, contado de harmonia com o disposto no artigo

    2./4 LF e no artigo 279. b) do Cdigo Civil.

    Do seu artigo 1. resultaria uma disciplina jurdica incompatvel com a

    fixada pelo DL 1/2010 (no primeiro diploma prev-se que os idosos, com mais

    de 65 anos, podem viajar gratuitamente nos transportes pblicos a qualquer

    dia; no segundo, que apenas o podero fazer aos sbados, regimes que, como

    bem se compreende, no podem simultaneamente aplicar-se resoluo do

    mesmo caso) pelo que, tratando-se de dois diplomas colocados na mesma

    posio hierrquica (artigo 112./2 CRP) e sendo o DL 2/2010 posterior ao

    DL 1/2010, o artigo 1. deste revogaria (ou melhor: derrogaria) o artigo 1.

    1Que tambm resultaria do princpio do Estado de Direito (art. 2 CRP) se noexistisse o art. 119

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    daquele, com base no princpio segundo o qual lex posterior derogat legi priori.

    Seria uma revogao tcita, porque por incompatibilidade (artigo 7./2 2

    parte CC) e, logo, substitutiva, parcial (porque apenas na medida da

    incompatibilidade; porque apenas ficariam revogados os preceitos da lei

    anterior incompatveis com a lei nova), aparentemente individualizada e no

    retroativa, isto , com eficcia ex nunc, conforme princpio geral em matria

    de revogao. Contudo, esta revogao s ocorreria se o DL 2/2010 tivesse

    chegado a entrar em vigor (ela era, digamos assim, o primeiro efeito que ele

    produziria quando entrasse em vigor), o que no parece ter acontecido.

    III Com efeito, ainda durante a vacatio legis do DL 2/2010,

    publicada a L 3/2010 que no seu artigo 3. fixa a data do respetivo IV em 7 de

    maio de 2010. A possibilidade de uma lei fixar a data do seu incio de vigncia

    e, portanto, o seu prprio prazo de vacatio expressamente reconhecida pelo

    artigo 5./2 CC e 2/1 LF, pelo que nenhum problema se levantaria a este

    propsito. Esta lei tinha, porm, a particularidade de vir regular parcialmente

    a mesma matria e, mais uma vez, em sentido incompatvel com o DL 2/2010

    pois que, no seu artigo 1., se dispe que os idosos com mais de 65 anos s

    podero viajar gratuitamente nos transportes pblicos no primeiro sbado de

    cada ms (e no portanto todos os sbados, como resultava do DL 2/2010).Como enquadrar o problema de uma lei que interceta outra durante a sua

    vacatio legis, contendo disciplina com ela incompatvel, e pretendendo entrar

    em vigor no mesmo dia 7 de maio (o DL 2/2010, por fora dos prazos

    supletivos de vacatio; a L 3/2010 porque expressamente fixava essa data como

    a data do seu IV)? Qual destes diplomas entraria, de facto, em vigor?

    A este propsito verifica-se uma divergncia doutrinria: segundo PIRES

    DE LIMA nenhum deles pois que, do confronto entre os dois resultaria uma

    contradio insupervel (no haveria nenhum elemento que resolvesse o

    conflito quanto a saber qual dos Diplomas anterior ou posterior) que, por

    interpretao ab-rogante, nos deveria levar a concluir que sendo

    contraditrios, os depois diplomas se anulavam reciprocamente, no chegando

    nenhum deles a vigorar.

    J OLIVEIRA ASCENSO, defendendo um princpio de aproveitamento

    das leis e tendo em conta a presuno de racionalidade da legislao que

    resulta do artigo 9/3 CC, sustenta que os casos em que o intrprete chega a

    concluso que h uma contradio lgica entre regras so raros, s se

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    podendo afirmar tal se no houver critrio algum que permita superar tal

    contradio. Ora, no limite, aqui ainda haveria o da publicao das leis.

    Nestes termos, sendo a Lei n. 3/2010 a publicada posteriormente, era ela a

    mais recente, termos em que afastaria o DL 2/2010, ficando ela em vigor.

    Repara-se que no h nisto verdadeira revogao, pois que uma regra

    s pode ser revogada depois de entrar em vigor e o DL 2/2010 estando em

    vacatio, no tinha, de facto, entrado em vigor. Para estes casos em que duas

    leis sobre a mesma matria, publicadas em momentos diferentes, pretendem

    entrar vigor ao mesmo tempo (e bem assim para aqueles em que a lei

    publicada posteriormente entra em vigor primeiro) TEIXEIRA DE SOUSA

    refere-se a um fenmeno de impedimento vigncia pois que, a lei que

    prevalecia neste conflito, no revogando a outra, funcionava como um bice,

    um obstculo sua vigncia. Neste sentido, o Autor parece tambm aderir

    soluo que resultaria da proposta de OLIVEIRA ASCENSO, no sentido em

    que a Lei 2 (neste caso, a Lei 3/2010) que entra em vigor.

    Quanto a ns, vamos seguir aqui a posio de TEIXEIRA DE SOUSA e

    concluir que a L 3/2010 entrou em vigor, impedindo a vigncia do DL 2/2010.

    Com isto, como o disposto no seu artigo 1. era incompatvel com o disposto

    no artigo 1. do DL 1/2010, foi o artigo 1. da L 3/2010 que revogou

    tacitamente (artigo 7./2 2 parte CC) o artigo 1. do DL 1/2010, mantendo-se,face a essa revogao, as classificaes que ensaimos no ponto anterior (era

    substitutiva, parcial, individualizada e no retroativa). A L 3/2010 poderia

    operar esta revogao, visto estar colocada no mesmo patamar hierrquico que

    o DL 1/2010 (artigo 112./2 CRP).

    IV Ainda sobre a vigncia da L 3/2010, afastando o DL 2/2010,

    impunha-se uma referncia complementar. O artigo 2. desse DL determinava

    que ele apenas pudesse ser revogado por outro DL e, portanto, no por uma

    Lei. Parece que essa determinao se deve estender tambm ao impedimento

    vigncia (pois, do ponto de vista dos efeitos, os fenmenos so idnticos).

    Contudo, ao assim dispor, o artigo 2. do citado DL era inconstitucional por

    violao do disposto no artigo 112./5 CRP, que nos parece tambm poder ser

    interpretado no sentido de uma lei no poder conferir exclusivamente a

    nenhuma outra a possibilidade de impedir a sua vigncia.

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    VFeita esta anlise, estamos j em condies de responder questo.

    Tendo impedido a vigncia do artigo 1. do DL 2/2010 e revogado o artigo 1.

    do DL 1/2010, a L 3/2010 entrava em vigor a 7 de maio de 2010 pelo que, a

    15 de maio de 2010, era ela que se aplicava. Nestes termos, sendo domingo e

    no, portanto, o primeiro sbado do ms, P no podia viajar gratuitamente no

    comboio. Quando, a 15 de maio, os servios da CP lhe negam a pretenso de

    viajar gratuitamente no comboio, fazem-no acertadamente, embora parecendo

    no invocar a correta base jurdico-positiva (ao dizer-se que no era sbado

    supe-se que se estava a invocar o DL 2/2010, quando no era ele que estava

    em vigor, mas a L 3/2010). J a 19 de maio, utilizado o fundamento correto.

    Em qualquer dos dias, P no tinha razo e no poderia viajar

    gratuitamente no comboio.

    b) Parece apreciar a pretenso de D, deveremos analisar os efeitos da

    Declarao de Retificao operada ao DL 1/2010: de acordo com o ato

    retificado, na verso originria, A, filho de D, poderia ter iseno total de

    tarifa, porque era estudante e utilizava o metro como meio de transporte para

    se deslocar para o seu local de estudo; de acordo com a verso do DL 1/2010

    resultante da retificao, j no teria, porque essa possibilidade dependeria da

    circunstncia de o aluno nunca ter reprovado, o que no se verificava (A jtinha reprovado vrias vezes). Diremos que, aqui, os problemas so dois:

    1) ver se a Declarao de Retificao vlida, isto , se o DL 1/2010

    poderia passar a ter a redao dela resultante condicionando a iseno de

    tarifas ao facto de o aluno nunca ter reprovado;

    2.) em caso afirmativo, e como uma Declarao de Retificao reporta

    os seus efeitos data de IV do ato retificado (artigo 5/4 da Lei 74/98), sendo,

    portanto, retroativa, verificar o que aconteceria ao processo de A, que foi

    decidido depois do IV do DL 1/2010 na verso originria, mas antes da

    Retificao (e, portanto, na base do texto legal que se supunha estar em vigor

    na alturaque era o texto no retificado).

    Vejamos, cada uma delas, separadamente.

    II As retificaes esto genericamente previstas no artigo 5. da LF

    importando determinar se, no caso concreto, os requisitos resultantes desse

    mesmo preceito se encontravam ou no preenchidos. Em sistematizao

    discutvel, poderemos assim recortar:

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    a) requisitos materiais (5/1) a Retificao visa i) corrigir lapsosgramaticais, de clculo ou anlogos ou ii) divergncias entre a

    verso do diploma aprovada e a publicada;

    b) requisito de competncia (5/1) tem que ser aprovada pelo rgoque aprovou o ato a retificar;

    c) requisito temporal (5/2)s pode ser publicada at 60 dias depoisda publicao do ato retificado.

    In casu, o requisito temporal tinha sido respeitado, mas j no o

    requisito de competncia, visto que a Retificao foi aprovada pela AR e

    deveria t-lo sido pelo Governo, que foi o rgo que aprovou o ato retificado.

    Embora no seja inteiramente claro, parece que se violam tambm os

    requisitos materiais, introduzindo-se disciplina jurdica inovadora: o trecho

    relativo ao facto de os alunos no poderem ter reprovado, no constava do ato

    retificado e s no seria inovador se constasse do ato aprovado, embora no

    do publicado, isto , se se tivesse verificado uma divergncia entre a redao

    do ato aprovado e a publicao. Embora a Lei 74/98 no prevejaexpressamente a consequncia da preterio desse requisito (cf. porm artigo

    5/3 para preterio do requisito temporal), no custa admitir que ela importa

    igualmente invalidade da Retificao pois que, de contrrio, estar-se-ia adesvirtuar o prprio esprito da Retificao que , no fundo, uma correo.

    Com efeito, apenas o rgo que aprovou o ato poder saber o que pretendia

    efetivamente aprovar e assim detetar e corrigir rigorosamente qualquer

    impreciso. Por outro lado, admitir o contrrio abriria tambm o flanco para

    sucessivas ingerncias dos rgos com competncia legislativa no espao de

    atuao uns dos outros.Outro tanto se pode dizer da preterio do requisito material. No fundo,

    estes so requisitos de validade do ato de retificao.

    A retificao seria portanto invlida (nula) no se operando a correo

    nela gizada. Nestes termos, o DL 1/2010 continuaria a ter a redao original:

    poderia conceder-se iseno de tarifas aos alunos, independentemente da

    circunstncia de terem ou no reprovado. Isto chegaria para responder

    questo, afirmando que era D quem tinha razo, no podendo ser revogado o

    Despacho que concedeu tal iseno.

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    c) A eventual licitude das prticas de E e G deve ser analisada

    separadamente, pois que esto em causa questes distintas.

    Assim, comeando por E, a mendicncia nos transportes pblicos tinha

    sido proibida pela L n. 3/2010 (que, como vimos estava em vigor), apesar de

    habitualmente ela continuar a verificar-se e ser vista com naturalidade por

    toda a gente. Esta questo colocaria, pois, o problema do costume como fonte

    de Direito e, mais concretamente, de um costume contra legem, porque

    contrrio ao que resultava da lei.

    Para analisar um problema de costume, preciso comear por

    identificar os requisitos que devero estar preenchidos para estarmos na

    presena de uma fonte deste tipo. Sobre essa matria, h, como se sabe, uma

    divergncia doutrinria, mas vamos aqui seguir a maioritria chamada teoria

    dos dois elementos. Esta, postula a existncia de uma prtica social reiterada

    (i.e., um uso), acompanhada de uma determinada convico subjetiva quanto

    sua observncia. Quanto ao contedo desta convico subjetiva, tambm h

    uma divergncia doutrinria: para a doutrina maioritria, ser convico de

    obrigatoriedade (assim, p. ex. O. ASCENSO, M.REBELO DE SOUSA,

    BAPTISTA MACHADO, MENEZES CORDEIRO, MARIA LUSA DUARTE), entre

    outros; TEIXEIRA DE SOUSA fala numa convico de juridicidade (no sentido

    de convico de que a prtica Direito), seguido em termos prximos porFERREIRA DE ALMEIDA (que prope uma convico de vigncia ou

    juridicidade) e no andando muito longe de FREITAS DO AMARAL (para quem

    haveria uma convico de obrigatoriedade ou licitude). Esta divergncia tem

    consequncias prticas, porque, aparentemente, se se adotar a primeira

    posio no seria possvel haver regras consuetudinrias permissivas. Vamos

    seguir a posio de TEIXEIRA DE SOUSA.

    Assim, sendo, cumpre verificar se estes requisitos esto preenchidos no

    caso concreto: quanto prtica social reiterada, coloca-se, desde logo, o

    problema de saber se ela s surgiu depois da lei (hiptese em que parece ter

    transcorrido pouco tempo para se formar um verdadeiro costume) ou se j

    existia antes e a lei a veio apenas proibir, tento a vida social resistido a essa

    proibio. Parece-nos a hiptese mais realista e, a sim, julgamos estar diante

    de uma prtica suficientemente repetida e enraizada na sociedade para dar

    origem a um costume.

    Quanto convico subjetiva: cremos tambm se verificar a convico

    de juridicidade da prtica, posto que se refere que ela vista com

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    naturalidade por toda a gente, e mesmo pelos polcias que, habitualmente

    circulando nas carruagens, deveriam fazer cumprir a lei em sentido contrrio.

    Parece, pois que temos um verdadeiro costume. A circunstncia de esta fonte

    dar origem a uma regra consuetudinria permissiva (pode pedir-se esmola

    no metro) no nos parece problemtica, adotando-se da convico subjetiva a

    leitura que adotmos; aparentemente, coisa diferente poderia suceder se se

    falasse numa convico de obrigatoriedade e no de juridicidade.

    O passo seguinte ser perguntarmos pela admissibilidade deste

    costume na sua relao com a Lei. Vimos que se tratava de um costume contra

    legem e a legitimidade desta modalidade de costumes depende da posio

    doutrinria que se adote quanto ao fundamento de juridicidade do costume e

    sua posio relativa face lei (fonte imediata? Ou fonte mediata subordinada

    lei?). Sobre esta matria existem, seguindo a sistematizao de MARIA

    LUSA DUARTE, pelo menos, duas grandes teses: a que faz assentar a

    legitimidade do costume na vontade do Estado e a que defende que ela

    repousa na vontade da Comunidade.

    Seguiremos esta segunda. Contando, do nosso lado com nomes como

    OLIVEIRA ASCENSO, VIEIRA CURA, TEIXEIRA DE SOUSA, MENEZES

    CORDEIRO ou CASTRO MENDES (de uma maneira geral, cremos, com a

    doutrina maioritria recente) diremos que lei e costume se encontram em p

    de igualdade no devendo perguntar-se a nenhuma das fontes pela

    legitimidade da outra, mas antes observar o que diz a conscincia jurdica da

    Comunidade, o que que aplicado e sentido como Direito. Neste sentido, um

    costume contra legem seria perfeitamente legtimo e poderia afastar a lei se

    fosse ele que, na prtica, fosse aplicado, se fosse ele que conformasse as

    relaes sociais.

    E era isso que de facto se verificava: a comunidade agia de acordo com

    o costume, e no de acordo com a lei. Por isso, a lei (que eventualmente teve a

    inteno de o proibir) no estaria a ser bem-sucedida. Questo diferente se

    ainda estava em vigor (hiptese em que qualquer autoridade, como C a poderia

    fazer cumprir) ou se, ao contrrio, a sua vigncia j tinha cessado em

    resultado do costume contra legem.

    Para quem se situe, como ns, no mbito da referida orientao

    doutrinria, o costume contra legem pode fazer cessar a vigncia da lei; isto,

    apesar do silncio do legislador sobre a matria no artigo 7. do CC, silncio

    esse que, para TEIXEIRA DE SOUSA, at um argumento no sentido do

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    carter imediato desta fonte. O problema poderia advir do perodo de tempo

    que mediou o IV da lei, a prtica contrria e a atuao do polcia. Se houvesse

    apenas um pequeno perodo de inrcia das autoridades (i.e., se a inrcia das

    autoridades em fazer cumprir a lei, permitindo prticas contrrias, durasse

    pouco tempo, contado do IV da elei) poderia dizer-se que a partir de certo

    momento o Estado se preocupa em fazer cumprir a lei e esta ainda consegue

    ser eficaz.

    No nos, parece, contudo que essa circunstncia aqui seja decisiva:

    desde logo porque no se diz que a atuao do polcia C ocorreu num

    momento temporalmente muito prximo aprovao da lei; alis, a expresso

    certo dia sugere mesmo que j tinha passado algum tempo.

    Assim, conclumos que a lei cessou a sua vigncia em virtude de

    costume contra legem.Logo: era lcita a atuao de E.

    II J no que se refere a G o problema era diferente: existia uma lei

    antiga, de 1960, que proibia que se lesse a sina em transportes pblicos2.

    Porm, durante mais de 30 anos no se registou a ocorrncia de qualquer

    episdio desse tipo, o que significaria que, aparentemente, os pressupostos

    fcticos de aplicao da lei tinham desaparecido.

    Teoricamente, tnhamos, ento, a vexata quaestioda caducidade da leipor desaparecimento de pressupostos. No prevista no artigo 7./1 que,

    interpretado a contrario, apenas acolhe a caducidade de leis que se destinem a

    ter vigncia temporria, por verificao de um facto extintivo a viabilidade

    desta modalidade de caducidade controvertida pela doutrina. Assim, para

    Autores como TEIXEIRA DE SOUSA, OLIVEIRA ASCENSO ou MARCELO

    REBELO DE SOUSA, o desaparecimento de pressupostos, tanto de facto, como

    de direito, importaria a caducidade da lei; j nos antpodas desta posio

    GALVO TELLES e GERMANO MARQUES DA SILVA afirmam ser bem

    diferente a cessao de vigncia da lei e a sua no aplicao, por falta de

    matria a regular: esta hiptese no geraria caducidade pois, logo que surgisse

    um caso suscetvel de ser reconduzido previso da regra, ela voltaria a

    aplicar-se. Posio idntica parece ser, de resto, a de FREITAS DO AMARAL.

    Por ltimo, numa linha compromissria, podemos encontrar DANIEL MORAIS,

    que sustenta a caducidade mas apenas na hiptese em que o desaparecimento

    2 Este exemplo adaptado de um outro referido por HART, O Conceito deDireito, (trad. ARMINDO RIBEIRO MENDES) 3 edio, FCG, Lisboa, s.d., pp. 70 ss,em que trata o problema da persistncia do Direito, mas noutro mbito.

  • 8/13/2019 caso prtico resolvido

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    dos pressupostos seja definitivo (e, portanto, no meramente fortuito) com o

    duplo argumento de que, assim, embora tal no fosse previsvel, a lei teve, na

    prtica, apenas uma durao temporria, e de que, se uma lei que no tem

    qualquer realidade a que aplicar-se no momento da sua aprovao, pode ser

    objeto de interpretao ab-rogante (em termos a estudar no 2. semestre),

    ento tambm faria sentido que uma lei cujo mbito de aplicao

    desaparecesse supervenientemente, fosse tratada identicamente,

    entendendo-se que caducara.

    Seguimos aqui a primeira posio, considerando que o desaparecimento

    de pressupostos importa a caducidade da lei.

    A dvida parece-nos colocar-se aqui quanto a delimitar exatamente o

    que sejam os pressupostos: ser o ler a sina em concreto ou a possibilidade

    de, em abstrato, tal se fazer? Vejamos com outro exemplo: suponhamos que

    h uma Lei 1 que probe a pesca da tainha azul. Consideremos agora duas

    hipteses:

    - hiptese 1: essa espcie pisccola extingue-se;

    - hiptese 2: a espcie pisccola continua a existir, simplesmente, por

    mais de 30 anos ningum a pescou.

    Para quem defenda a hiptese de caducidade por desaparecimento depressupostos, ningum teria dvida em afirmar que a lei caducou no

    cenrio 1. Mas no cenrio 2 tambm? Ser que o simples facto de se deixar de

    fazer uma coisa, proibida por uma lei, apesar de ser possvel faz-la, importa a

    sua caducidadequando o objetivo da lei, era, precisamente, evitar que tal se

    fizesse? Relutamos em admitir que aqui, de facto, os pressupostos

    desapareceram; mas, para quem assim entenda, ento, para ns, haveria

    caducidade.