Caso Papaiz Port

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  • 8/18/2019 Caso Papaiz Port

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    MK-P0004Publicação: 04/2011

    Cadeados Papaiz: segmentação e posicionamentopara um mercado em transformação

    Luiz Fernando Turatti1

     Já passava do fim do expediente, e o escritório da Papaiz estava praticamente vazio

    naquele último dia de outubro de 2005. Os três vice-presidentes – o conselho da empresa -

    acompanhavam os números online do faturamento, sentados à grande mesa na qual

    dividiam o comando do dia a dia do negócio. O ritual de acompanhar e torcer no fechamento

    de cada mês foi um dos legados do fundador, o Sr. Luigi Papaiz, falecido dois anos antes.

    Reconhecido empreendedor, Luigi Papaiz havia conseguido, em 50 anos, criar um dos

    maiores fabricantes de cadeados da América Latina, com presença regular em mais de 25

    países, além de outros negócios como fechaduras e itens para a indústria moveleira. A linha

    de cadeados respondia por mais de 40% do lucro da empresa, e seu desempenho era fator-

    chave para a perenidade do grupo.

    Entretanto, o cenário da categoria havia se transformado. Com o crescimento das classes C

    e D, novos fabricantes de cadeados baratos – com marca sem expressão e de qualidade

    inferior – cresciam e incomodavam. Pouco a pouco, ganhavam espaço de gôndola e

    1Caso desenvolvido pelo professor Luiz Fernando Andreotti Turatti. O autor agradece a contribuição do professorSérgio Giovanetti Lazzarini, bem como aos sócios da empresa-caso, pela disponibilidade de tempo e deinformações. O caso é somente para fins de discussão em sala de aula: não se propõe julgar a eficácia ou aineficácia gerencial, nem tampouco deve servir como fonte de dados primários.

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    Copyright © 2011 Insper Instituto de Ensino e PesquisaNenhuma parte deste caso pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio eletrônico ou mecânico,inclusive fotocópia, gravação ou qualquer outro sistema de armazenamento, sem autorização por escrito do InsperInstituto de Ensino e Pesquisa. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106, 107 da lei9610 de 19/02/1998.

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    Sob a marca Papaiz, a organização atuava principalmente em cadeados e fechaduras. O

    grupo tinha negócios em outras áreas, como em componentes para esquadrias (marca

    Udinese) e no segmento imobiliário. Historicamente, sempre houve investimentos

    significativos na construção e na consolidação da marca Papaiz, o que gerou um bom brand

    equity, com associações positivas e bom nível de lembrança por parte dos clientes. Por

    2Preservando os envolvidos, os nomes de pessoas e os dados utilizados são fictícios.

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    exemplo, desde que surgiram rankings setoriais, em 1999, a marca sempre apareceu entre os

    primeiros lugares da categoria, como o prêmio Ibope/Anamaco,3o Top Marcas da revista

    Projeto Design4e o Top of Mind da revistaCasa & Mercado.5

    Com fábricas em Diadema, SP, e em Salvador, BA, em 2005, o grupo contava com mais de

    1.000 funcionários, em torno de 10 mil clientes ativos e faturava aproximadamente 180

    milhões de reais.

    O mercado de cadeados: produtos e concorrentes

    Até por volta de 2000, o mercado de cadeados era disputado por duas marcas principais,

    Papaiz e Pado, que juntas chegaram a representar cerca de 85% da categoria.6Os portfólios de

    produto das duas empresas eram muito similares. Os cadeados Papaiz custavam cerca de 3 a

    7% a mais que os da Pado, que tinha uma participação de mercado de 45% (contra 40% da

    Papaiz). O restante do mercado era disputado por pequenas marcas locais ou produtos

    importados de diversas origens, que chegavam ao Brasil de modo inconstante, por alguns

    distribuidores de ferragens e atacadistas.

    O produto cadeado era disponibilizado no mercado em diversos tamanhos – cerca de seis

    a oito –, mas todos com características e funcionamento bastante similares.

    O cadeado convencional se compõe, essencialmente, de um corpo de liga de latão maciço,

    de aspecto dourado escuro, no qual é embutido um sistema mecânico de trava e pinos de

    segredo (onde se introduz a chave para abertura), além de uma haste em arco feita de aço

    temperado para garantir maior dureza ao material. O anexo traz um descritivo da estrutura

    de funcionamento de um cadeado convencional.

    A categoria cadeados sofreu muito poucas inovações tecnológicas nos últimos 40 anos.

    Em meados de 1970, a Papaiz introduziu no mercado a versão com chave tetra, em adição ao

    modelo de chave tradicional, incrementando a segurança do produto por conta do maior

    número de combinações de segredo/chave e posição de pinos no sistema tetra. Alguns anos

    depois, a Pado também lançou sua versão tetra de cadeados. Quanto ao aspecto visual,

    praticamente nada mudou em todo esse tempo.

    O tipo de material utilizado em cadeados (corpo de latão e haste de aço) tem boa

    resistência mecânica e dureza, e é relativamente difícil rompê-lo ou cortá-lo com ferramentas

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    como alicates ou serras. Além disso, ambos os materiais têm boa resistência às intempéries,

    isto é, não enferrujam e suportam longos anos de exposição ao tempo e ao clima.

    3Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção.4Publicação especializada no público de arquitetura e especificação.5Idem.6 Conforme dados da resolução 38/2001 da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Disponível em:. Acesso em: 5 jul. 2011.

    http://www.mdci.gov.br/http://www.mdci.gov.br/

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    No entanto, a partir de 2001, houve uma mudança no mercado, e começaram ganharespaço marcas relativamente novas, “de combate”, sem tradição, oferecendo cadeados feitos

    com outras ligas como zamack7e alumínio, a preços cerca de 25% inferiores aos dos

    cadeados convencionais de latão.

    O corpo desses novos cadeados era banhado ou pintado, para dar um aspecto amarelado,

    imitando a aparência do latão. À primeira vista, eram muito parecidos com os cadeados

    convencionais de latão e, dentro de sua embalagem plástica de autosserviço, sua semelhança

    visual acabava levando os consumidores a confundirem os dois tipos.

    Porém, numa análise mais criteriosa, as diferenças ficavam evidentes. Primeiro, esses

    cadeados tinham um sistema mais simples de chave, com menos pinos, gerando menos

    combinações e, portanto, menor segurança. Segundo, suas ligas metálicas tinham uma

    resistência muito inferior às intempéries – em particular o zamack, que entra em corrosão

    rapidamente quando exposto, travando o mecanismo de abertura – e também menor dureza

    e resistência mecânica, tornando os cadeados mais vulneráveis a ferramentas e serras.

    Enquanto um cadeado de latão chegava a durar 15 ou mais anos, um de zamack ou alumínio

    raramente chegaria aos cinco anos sem apresentar algum problema de funcionamento.8

    Apesar dessas diferenças técnicas, a venda de cadeados de zamack disparou. Em 2005, o

    market shareda Papaiz havia caído para cerca de 30% da categoria, e o da Pado, para 33%; ao

    mesmo tempo, as chamadas marcas de combate nacionais já respondiam por 27% do total

    dos cadeados comercializados no Brasil. O restante vinha de importações tanto da China

    como de outros países. Como referência, entre 2001 e 2005, o consumo interno de cadeados

    cresceu cerca de 15%9.

    Canais de distribuição de cadeados

    A categoria cadeados era distribuída por canais específicos. De 30 a 40% eram vendidos

    pelo varejo tradicional de ferragens, como lojas de material de construção com balcão e

    vendedores.10

    Nesses canais mais tradicionais, a indústria atendia diretamente os grandes e médios

    varejistas, enquanto os pequenos – normalmente em áreas de menor poder aquisitivo – eramatendidos por atacadistas e distribuidores, que escolhiam poucos produtos do portfólio do

    fabricante para comercializar (os chamadosbest sellers). A Pado tinha ampla penetração nos

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    7Zamack é uma liga metálica feita de zinco, alumínio, magnésio e cobre, cerca de 30% mais barata que o latão(tomando como base os preços da London Metal Exchange do final de 2005).

    8Conforme testes de laboratório realizados pela empresa-caso.9Dados aproximados e relativos a 2001 e 2005. com base nos valores publicados na Resolução n. 51/2007 daCâmara de Comércio Exterior (Camex). Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2011.10Estimativas de participação de cada canal de vendas feitas pelo autor com base em mercados análogos, comometais sanitários.

    http://www.mdci.gov.br/http://www.mdci.gov.br/

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    atacadistas e distribuidores. Alguns distribuidores acabavam alcançando também varejistas

    ligados à venda por conveniência, como postos de gasolina. A venda da indústria

    diretamente a distribuidores e atacadistas era estimada em 25% do total da categoria.

    Outra parte expressiva era vendida por canais de autosserviço como oshomecenterse, em

    menor intensidade, por supermercados, onde o consumidor escolhe produtos na gôndola e

    leva aocheckoutpara pagamento. Esse era o canal que apresentava maior crescimento na

    categoria, mas ainda muito voltado para os segmentos de renda A e B. Em 2005, esse canal foi

    responsável por 20 a 25% das vendas de cadeados no Brasil.

    Existia ainda a venda direta à indústria, para, por exemplo, trancar equipamentos,

    armários, caminhões e estoques, mas representava pouco no consumo total da categoria

    (aproximadamente 10%).

    Os outros 5% da produção nacional eram destinados à exportação.

    China: ameaça ou oportunidade?

    Há mais de 20 anos, a China se posicionara com um dos maiores exportadores de

    cadeados do mundo. Dados de 2001 revelavam, por exemplo, que a capacidade produtiva de

    apenas cinco dos principais fabricantes chineses era equivalente a 11 vezes todo o consumo

    de cadeados do mercado interno brasileiro.11

    No início da década de 1990, com a abertura dos portos brasileiros, houve uma enxurrada

    de cadeados chineses no mercado. Tais cadeados eram comercializados a valores muito

    inferiores aos nacionais, e uma investigação da Câmara de Comércio Exterior concluiu, em1995, que havia prática dedumpingna venda dos produtos chineses (isto é, eram vendidos a

    preços considerados abaixo do custo de produção). No mesmo ano, publicaram-se medidas

    antidumpingpara proteger a indústria nacional, sobretaxando os produtos chineses num

    patamar que inviabilizou sua comercialização no país.

    Válidas inicialmente por cinco anos, essas medidas foram renovadas em 2001 por mais

    cinco anos, expirando no fim de 2006. Não se sabia ao certo se seria possível estender a

    proteção do mercado nacional mais alguns anos; de todo modo, os principais fabricantesnacionais já haviam se mobilizado para entrar com um pedido de extensão da sobretaxa a

    produtos chineses até ao menos o final de 2011. Tendo em vista cotações de preços dos

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    produtos chineses em outros mercados, estimava-se que os cadeados chineses poderiam

    chegar ao Brasil a um preço 40% inferior ao dos concorrentes locais; sem a medida de

    proteção, os produtores nacionais não teriam condições de competir e manter sua

    11Conforme dados da Resolução n. 38/2001, da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Disponível em:. Acesso em: 5 jul. 2011.

    http://www.mdci.gov.br/http://www.mdci.gov.br/

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    produção.12

    Diferenças semelhantes de preço já haviam sido observadas antes das primeirasmedidasantidumping, nos anos 1990.

    Comentava-se também no mercado que, dessa vez, o governo chinês intercederia junto à

    Câmara de Comercio Exterior no Brasil em prol dos produtores chineses, adicionando à

    discussão uma dimensão política que não existia em 2001. A estratégia comercial do governo

     brasileiro era estreitar as relações com a China; portanto, seria um bom momento para o

    pleito chinês.

    Em diversos outros países, ao invés de proteger a fabricação nacional, as principais

    marcas locais decidiram pela “terceirização” da produção (outsourcing) para fabricantes

    chineses. Na última feira global do setor, que ocorreu em meados de 2005, em Koln, na

    Alemanha, o gerente de Marketing verificou que marcas emblemáticas de cadeados como a

    estadunidense Masterlock, a alemã Abus e a italiana Cisa haviam passado gradualmente sua

    produção para terceiros – ou, em alguns casos, haviam construído fábricas próprias – na

    China, em busca de custos mais competitivos.

    Assim, fabricantes chineses, que até então produziam cópias grosseiras de produtos do

    ocidente, adquiriram oknow-howpara produzir itens que atendiam ao padrão de qualidade

    global exigido pelas grandes marcas europeias e estadunidenses, aprimorando sua

    capacidade de oferta e seu patamar de serviços. Portanto, já havia na China produtores com

    competência para produzir cadeados de qualidade semelhante aos cadeados convencionais

    de latão das indústrias brasileiras.

    A própria Papaiz já havia estabelecido bons contatos e negócios com fabricantes na China,

    em busca de alguns itens para complementar seu portfólio de fechaduras a fim de atender aclientes no mercado estadunidense. Esses mesmos fabricantes produziam cadeados de boa

    qualidade para marcas da Europa e poderiam, hipoteticamente, fornecer também cadeados

    com a marca Papaiz.

    Se o custo de produção no Brasil tornasse inviável competir com os cadeados chineses

    caso não se renovasse a proteçãoantidumping, a alternativa de comprar ou produzir na China

    era vista por alguns vice-presidentes como um último recurso para a perenidade do negócio,

    mas seria uma decisão muito dura, já que a empresa sempre se orgulhara de sua vocaçãoindustrial, tendo inclusive investido num moderno parque de produção de cadeados na

    Bahia em 2000.

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    A fábrica na Bahia tinha um desenho de processos bastante enxuto; era orientada para a

    produção em massa, com poucasSKUs, muita automação e foco em controle de custos de

    produção. Trabalhava com 15 a 35% de ociosidade, dependendo da época do ano. Seeventualmente decidissem descontinuar a produção no Brasil, o investimento – cerca de sete

    12Disponível em: . Acesso em: 1 dez. 2010.

    http://www.sindlab.org/noticia02.asp?noticia=9566http://www.sindlab.org/noticia02.asp?noticia=9566

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    vezes o lucro líquido anual da empresa – seria praticamente perdido, pois não se

    vislumbrava, de imediato, outra destinação ou utilização ou comprador para a maioria dos

    equipamentos.

    O perfil dos consumidores de cadeado

    Pode-se dizer que os consumidores brasileiros de cadeado tinham relativamente pouco

    envolvimento com a categoria. Sendo o portfólio de cadeados disponível no mercado algo

    restrito – essencialmente um modelo com tamanhos variados e funcionamento a chave –, a

    maioria dos consumidores nem tinha acesso ou ideia de variações ou de outras alternativas

    para o produto. Os fabricantes não percebiam, por parte do mercado, um movimento ou

    uma demanda expressiva para a ampliação de seu portfólio.

    Em contraste, nos mercados europeu e estadunidense, havia uma gama muito maior de

    cadeados disponíveis ao consumidor, com estratégias de segmentação tanto por aplicação

    quanto por tipo de usuário.

    O mercado brasileiro começou a mudar a partir do evento de 11 de setembro de 2001(ataque terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, nos EUA). As medidas de

    segurança implantadas pelo país incluíam novos recursos em cadeados, que deveriam

    permitir sua abertura pelas autoridades de segurança e alfandegárias – a TSA13chegava a

    destruir os modelos que não tinham esse recurso. Novos modelos começaram a aparecer no

    Brasil, trazidos principalmente por viajantes. Quando estavam disponíveis no mercado

    nacional, cadeados com esse tipo de abertura pela TSA chegavam a custar três vezes mais

    que os convencionais.

    Outro fato que incrementou a demanda de novos tipos de cadeado foi a crescente

    necessidade de segurança nos grandes centros. Muitas pessoas passaram a trancar seu

    armário, em academias, e mesmo sua mochila, na escola. Essas novas aplicações

    demandavam produtos com características diferentes: agora eram “exibidos” pelos usuários

    –o que implicava demanda de um apelo estético e de diferenciação visual, que antes nãoexistia.

    A praticidade também era uma nova característica demandada, representada por

    cadeados que dispensavam o usuário de portar chaves e do risco de perdê-las. Usuários que

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     já haviam precisado chamar um chaveiro ou estragar seu cadeado estavam dispostos a pagar

    mais por produtos com combinação numérica ao invés de chave – algo ainda pouco

    disponível no mercado. Testes com cadeados de haste mais longa ou flexível para prender

    notebooksou objetos maiores – com cabo de aço ao invés de haste – reforçavam a ideia de queuma parcela considerável do mercado estava aberta a inovações na categoria.

    13Transportation Security Administration – órgão estadunidense que cuida da segurança em sistemas detransporte como aeroportos e bagagens, entre outros.

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    melhores margens, proteger o valor de marca e se consolidar no mercado de produtos deprimeira linha? É possível seguir os dois caminhos?

    o Como lidar com a questão dos produtos chineses?

    O conselho aguardava essa reunião com grande expectativa, pois ali se apresentariam

    respostas a essas questões, e as estratégias decorrentes seriam implantadas o quanto antes.

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    fonte: Veja, abr. 2006. Dados relativos a classes sociais em 2000 e 2003

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    Anexos

    Anexo 1 – Perfil do mercado consumidor no Brasil, em 2000-2005

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    Anexo 2 – Esquema de funcionamento de um cadeado convencional

    fonte: Embalagem de cadeado Papaiz.