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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES “Os Sinceros”: análise do processo de censura da obra de César Vieira CAROLINA GERMANO NASCIMENTO SÃO PAULO 2016

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

“Os Sinceros”: análise do processo de censura da obra de César Vieira

CAROLINA GERMANO NASCIMENTO

SÃO PAULO

2016

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

“Os Sinceros”: análise do processo de censura da obra de César Vieira

Relatório de pesquisa realizado

para o Projeto Interdição e partilha do

sensível: Análise, recuperação e

resgate de peças teatrais vetadas pela

censura no Estado de São Paulo (1932

– 1966) presentes no Arquivo Miroel

Silveira (ECA/USP) do Observatório de

Comunicação, Liberdade de Expressão

e Censura (OBCOM/ECA-USP) em

parceria com o Centro de Pesquisa e

Formação do SESC-SP.

SÃO PAULO

2016

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NASCIMENTO, Carolina. “Os Sinceros”: análise do processo de censura

da obra de César Vieira. 2016, 21 f. Relatório. Observatório de Comunicação,

Liberdade de Expressão e Censura (OBCOM) - Escola de Comunicações e

Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

RESUMO

Os Sinceros, peça de teatro do autor, diretor e advogado brasileiro,

César Vieira, escrita em meados da década de 60, foi vetada e silenciada pela

censura da Divisão de Diversões Públicas da Secretaria de Segurança Pública

do Estado de São Paulo.

A peça foi vetada em um contexto de ditadura, em que determinadas

questões não podiam ser problematizadas. Vieira, através de um texto

dramático, explora as contradições e os problemas sociais e políticos vividos

no período de ditadura militar, o que leva sua peça a ser impugnada pela

censura prévia ao teatro.

As temáticas abordadas em Os Sinceros ainda se fazem muito

presentes na realidade política brasileira, como a militância política e a disputa

de ideologias. Para tocar em determinadas questões políticas, mesmo em uma

democracia, é necessário ter muita coragem para enfrentar as duras críticas e

boicotes.

Para estudar o veto à tal peça, foram analisados os documentos da

censura presentes do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São

Paulo, catalogados no Arquivo Miroel Silveira da Biblioteca da Escola de

Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com orientação da Profª

Drª Maria Cristina Castilho Costa.

Palavras-chave: Censura, Ditadura Militar, Os sinceros, César Vieira.

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ABSTRACT

Os Sinceros, theater play by the author, director and Brazilian lawyer

César Vieira written in the middle of the 60’s, was vetoed and silenced by

censorship of the Division of Public Entertainment Public Security Bureau of the

State of São Paulo.

The piece was vetoed in a context of dictatorship in that certain issues

could not be problematized. Vieira, through a dramatic text, explores the

contradictions and sociopolitcs problems experienced in the ditactatorship

period, which takes its part is challenged by the censorship to the theater.

The themes addressed Os Sinceros are still being very present in

Brazilian political reality, as the political militancy and the ideological dispute.

Touching certain political issues, even in a democracy, takes a lot of courage to

face the harsh criticism and boycotts.

To study the veto to such part, it analyzed the documents of censorship

present in the Department of Public Entertainment of São Paulo State,

cataloged in Miroel Silveira Archive of School of Communication and Arts

Library of the University of São Paulo, under the supervision of the teacher

doctor Maria Cristina Castilho Costa.

Keywords: Censorship, Military Dictatorship, Os sinceros, César Vieira.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 8

2.CÉSAR VIEIRA / IDIBAL PEREIRA PIVETTA 10

2.1. O autor-advogado e a censura da época 13

2.2. Do teatro à cadeia 13

2.3. Clientes Célebres 14

3. OS SINCEROS 15

4.O PROCESSO DDP5750 15

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS 16

6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 18

7. ANEXOS 18

7.1. Tabela de Documentosdo Processo de censura de Os Sinceros 18

7.2. Jornais 21

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Figura 1 - Folheto de apresentação da peça Os Sinceros. Fonte: Documentos do processo de censura da peça de DDP5750, presentes no acervo de peças vetadas do Arquivo Miroel Silveira da ECA-USP.

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“Há 3 coisas que são reais:

Deus, a loucura dos homens e o riso

As 2 primeiras fogem à nossa compreensão

Por isso devemos fazer o que pudermos com a terceira.”

John F. Kennedy

1.

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8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa debater a censura e a liberdade de expressão

da peça Os sinceros, de César Vieira. O trabalho se embasa nos documentos

originais de seu veto presentes no Arquivo Miroel Silveira na Biblioteca da

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

O Arquivo Miroel Silveira abriga 6.137 processos originais, cada um

deles constituído de solicitações de censura apresentadas pelos responsáveis

pela encenação da peça, com indicação de local, data e nomes de autores,

tradutores, adaptadores, diretores, atores e atrizes; certificados de autoria;

recibos de pagamento de taxas; despachos, pareceres e marcações dos

funcionários do serviço de censura, além do texto original da peça com

indicações e cortes feitos pelos censores. Toda esta documentação cobre um

período de muita importância na História do Brasil republicano, contemplando a

Primeira República; o Estado Novo e a criação do DIP (Departamento de

Imprensa e Publicidade); o período de redemocratização no pós-guerra; o

desenvolvimentismo do período Juscelino Kubitscheck; o Golpe Militar de 1964,

a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), até o início da década de 1970.

Desde o fim da década de 1980 a Biblioteca da ECA-USP tem a

custódia do acervo do Arquivo Miroel Silveira, constituído por processos de

censura prévia ao teatro de documentos originais oriundos do serviço de

censura da Divisão de Diversões Públicas do Estado de São Paulo (DDP/SP),

ligada à Secretaria de Segurança Pública. Tal denominação se deve ao fato de

ter sido esse professor o responsável pelo resgate dessa documentação

quando a censura prévia estava prestes a ser extinta pela Constituição de

1988. Guardado inicialmente em sua sala no Departamento de Artes Cênicas

(CAC) da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), esse material foi

entregue à guarda da Biblioteca após a sua morte (1988), permanecendo sem

qualquer tipo de organização que o disponibilizasse à consulta até o ano de

2000.

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Em 2000, os 6.137 prontuários de censura prévia ao teatro são

organizados e disponibilizados para a consulta no AMS da Biblioteca da ECA-

USP. O primeiro projeto de pesquisa científica em torno do AMS, com

financiamento da FAPESP, intitulou-se ARQUIVO MIROEL SILVEIRA: a

censura em cena, organização e análise dos processos de censura teatral do

Serviço de Censura do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São

Paulo1. De responsabilidade da Profa. Dra. Maria Cristina Castilho Costa, teve

a duração de dois anos e meio, quando se procedeu a uma primeira

organização das informações, gerando-se uma base de dados a partir da qual

elas pudessem ser acessadas.

Atualmente, o projeto de pesquisa vinculado ao Arquivo Miroel Silveira

intitula-se Interdição e partilha do sensível: Análise, recuperação e resgate de

peças teatrais vetadas pela censura no Estado de São Paulo (1932 – 1966)

presentes no Arquivo Miroel Silveira (ECA/USP), que, em parceria com o

Centro de Pesquisa e Formação do SESC e com a Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), tem como proposta resgatar a

memória de peças teatrais vetadas – cujos processos estão arquivados no

Arquivo Miroel Silveira – através da leitura dramática seguida de debate sobre

o veto, suas implicações e recepção do público antes e no pós veto.

Dentre as peças teatrais vinculadas ao atual projeto, presente no

Arquivo Miroel Silveira, está Os sinceros (1965) de autoria de César Vieira. A

obra foi negada pelos censores, mandada diretamente para a condição de

veto, aspectos consubstanciais aos aparelhos estatais responsáveis pelo filtro

ideológico da produção artística e intelectual no Estado brasileiro.

Foram analisados os prontuários do processo de veto à Os sinceros, em

que a censora Dalva Janeiro, é curta e direta ao impugnar a peça, alegando

que a peça “em síntese, procura subverter, principalmente estudantes e

1 Projeto de Pesquisa Científica ARQUIVO MIROEL SILVEIRA: a censura em cena, organização e análise dos processos de censura teatral do Serviço de Censura do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo. Processo FAPESP 2002/07057-3. Coordenação: Profa. Dra. Maria Cristina Castilho Costa. Duração: 2002 a 30 de junho de 2005.

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operários, na fala de Ruben, líder socialista, que morre em função dos ideais

que defende, como vítima da violência de soldados vingativos.”

Para a compreensão dos motivos que impediam a liberação da peça e

sua impugnação, alguns meios de comunicação da época, foram cruciais para

remontar a relação entre César Vieira e a mídia. Sobre a peça Os sinceros,

com muita dificuldade, encontrou-se apenas um anúncio do jornal “Diário

Popular”, de 08/10/65, falando de seu veto pela censura da DDP, em São

Paulo.

Relacionando o contexto histórico da época em questão, década de

1960, a análise dos documentos presentes no Arquivo Miroel Silveira, o

histórico de César Vieira e a censura e a linguagem do teatro de revista, muito

se pôde compreender a respeito do veto de tal obra. Ainda para entender o que

aconteceu e acontece com a peça, o projeto Interdição e partilha do sensível:

Análise, recuperação e resgate de peças teatrais vetadas pela censura no

Estado de São Paulo (1932 - 1966) presentes no Arquivo Miroel Silveira

(ECA/USP) se mostra de grande importância para esta obra na atualidade.

2. CÉSAR VIEIRA / IDIBAL PEREIRA PIVETTA

Nascido em Jundiaí, interior de São Paulo, Idibal

Almeida Pivetta, seu verdadeiro nome, além de

escritor, foi advogado de presos políticos durante

mais de vinte anos, em plena vigência do

gerenciamento militar, completando também

quarenta anos de resistência à repressão e à

barbárie na arte. Pivetta adotou um nome

artístico movido principalmente para driblar a

censura da época, que o perseguia.

“Como eu era advogado de preso político, tudo que escrevia e assinava com o nome de Idibal, eles proibiam. Então, me escondi atrás do nome César

Figura 2 - Idibal Pereira Pivetta.2016. Fonte:<anistiapolítica.org.br>.

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Vieira e eles levaram um ano e meio para descobrir isso” — conta o autor. (MININE, 2006)

Mais tarde os órgãos de censura descobriram que César era Idibal e

proibiram todas as obras, passadas, presentes e futuras. Dentro dessa dupla

personalidade forçada pelas circunstâncias aconteceram fatos como quando

uma repórter o entrevistou pela manhã num debate na OAB e assustou-se,

quando em cumprimento de pauta foi cobrir, pela noite, uma palestra num

encontro de estudantes e viu que o mesmo cidadão que pela manhã falava

como Idibal Pivetta era à noite o autor César Vieira.2

Por fim, Vieira acabou mesmo sendo um preso político, por três meses.

Quando seus clientes o viram presos, ficaram malucos, porque pensaram:

“se o nosso advogado está preso o que será de nós?”. “Assim que me formei em direito, escolhi a advocacia sindical e, mais tarde a defesa dos presos políticos, porque era a minha maneira de colaborar com aqueles que se dedicavam a resistir ao sistema. Era uma advocacia militante que se parece com o tipo de teatro que eu faço, também militante. Eu continuo advogando, mas agora estou trabalhando praticamente em casa, assessorando sindicatos” — diz César Vieira. (MININE, 2006)

César é advogado, formado pela PUC-SP, e jornalista graduado pela

Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, São Paulo. Sempre militante, exerceu

liderança como presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto — Faculdade

Direito da PUC, 1957; presidente do Centro Acadêmico Cásper Líbero —

Faculdade de Jornalismo, SP, 1958; e presidente em exercício da UNE —

União Nacional dos Estudantes, em 1958. “Nessa época, eu já escrevia para

teatro. Também outros livros, entre novelas, biografias e poesias” — lembra.

(MININE, 2006)

Um dos fundadores do grupo Teatro Popular União e Olho Vivo, pioneiro

na utilização dos processos de criação coletiva, dedicou-se a uma dramaturgia

popular e comprometida com o teatro de resistência. O “Olho Vivo” nasceu de

2 Fonte: <http://www.etudoteatro.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=62>. Acesso em 01 de Junho de 2016.

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um grupo de jovens da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da

USP — Universidade de São Paulo — primeiramente com o objetivo de fazer

teatro estudantil destinado ao público acadêmico e também o convencional.

Mas já se indagava sobre o porquê de teatro apenas em espaço fechado e

para um público que pudesse pagar o ingresso. O grupo se decidiu e saiu para

os bairros empobrecidos, fora do espaço convencional, ocupando escolas,

clubes de futebol de várzea etc., buscando formas populares de expressão.

Do grupo inicial, além de Vieira, há hoje em dia mais onze pessoas,

além de outros com mais de trinta anos de permanência. Os demais são jovens

que estão no grupo há quatro ou cinco anos. São ao todo vinte componentes. A

sede é um galpão no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, que eles mesmos

construíram com a ajuda de amigos, moradores e trabalhadores do bairro.

Na sede não costuma acontecer espetáculos. Ela é utilizada para

ensaios, reuniões, seminários, discussões com outros grupos, cursos, etc,

porque embora o bairro do Bom Retiro seja relativamente popular, o objetivo do

grupo é a periferia e as cidades da região da Grande São Paulo, que não têm

nenhum acesso aos teatros convencionais, pela falta de dinheiro.

Antes de dedicar-se ao teatro, César Vieira escreveu algumas obras em

prosa, no início dos anos 1960. Com Corinthians, Meu Amor, em 1967, inicia-

se no teatro. Suas peças escritas para o grupo União e Olho Vivo são: O

Evangelho Segundo Zebedeu, 1969 - Prêmio Associação Paulista de Críticos

de Arte, APCA, de melhor autor nacional; Rei Momo, 1972; Bumba Meu

Queixada, 1978; Morte aos Brancos, A Lenda de Sepé Tiaraju, em 1984;

Barbosinha Futebó Crubi - Uma História de Adonirans, em 1991; Os Juãos e os

Magalís - Uma Chegança de Marujos, em 1996 - pelo qual recebe o Prêmio

Dramaturgia Funarte-MinC; Brasil Quinhentão!??, em 1998, premiado com o

Mambembe e o Flávio Rangel MinC; e A Revolta da Chibata - A História de

João Cândido, um Almirante do Povo, em 2000.

Em todas elas o tema da organização da revolta ou a luta contra a

opressão é dominante, uma vez que essa mensagem é de fundamental

importância para os propósitos do grupo. Em sua maior parte, são criações que

enfatizam elementos folclóricos ou tomam um folguedo popular como forma

expositiva, nela depositando sua força de comunicação com um público

majoritariamente popular.

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2.1. O autor-advogado e a censura da época

“Os advogados eram seguidos, seus telefones eram grampeados, sua

correspondência era interceptada.” (Entrevista: Idibal Pivetta, 2016) É nesse

cenário de violação de prerrogativas que Idibal Pivetta descreve o exercício da

profissão durante a ditadura militar que governou país entre 1964 e 1985. Em

meio às dificuldades, relembra, alguns advogados acabavam assumindo outras

funções, como a de informante.

“Naquelas circunstâncias, conseguíamos muita coisa. Não existia

Habeas Corpus, a imprensa estava amordaçada, os sindicatos estavam

amordaçados, os centros acadêmicos estavam amordaçados. Por incrível que

pareça, conseguíamos absolvições ou nas Auditorias de Guerra de São Paulo

ou no Superior Tribunal Militar”, disse Pivetta em entrevista à revista da Caixa

de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp). (Entrevista: Idibal

Pivetta, 2016)

Pivetta conta que o dinheiro era escasso, e a jornada, dupla, pois, além

de defender presos políticos, os advogados também atuavam nas causas

rotineiras.

“Os militares tinham muito interesse em saber o quanto ganhávamos: se tivéssemos cobrado pouco, éramos tidos como colaboradores voluntários dos subversivos; se tivéssemos cobrado muito, era por causa do ‘ouro de Moscou’ que vinha para a gente.” (Entrevista: Idibal Pivetta, 2016)

2.2. Do teatro à cadeia

Preso seis vezes, uma delas antes mesmo do golpe de 1964, por se

recusar a ser mesário em uma eleição, Pivetta recorda-se daquela prisão que

considera mais marcante. Era maio de 1973, depois de um espetáculo na Vila

Santa Catarina, em São Paulo.“Eu era advogado militante e também escrevia peças de teatro — como faço até hoje — usando o pseudônimo de César Vieira para escapar da censura. No grupo de teatro União e Olho

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Vivo, tinha uma moça que namorava uma pessoa diretamente vinculada à luta armada. O DOI-Codi estava procurando a menina para ver onde ela ia e assim prender seu namorado.” (Entrevista: Idibal Pivetta, 2016)

Na saída do espetáculo, conta Pivetta, os agentes avisaram o temido

major Brilhante Ustra de que a moça não estava no local e disseram que os

integrantes da companhia teatral estavam criticando o governo. A resposta veio

rápido. Ustra deu ordem para que “os cabeças” fossem presos. “Fui levado

preso e permaneci mais de 90 dias. Fiquei uns 40 dias no DOI-Codi, depois

fiquei no Dops e no presídio do Hipódrimo. Fui bastante torturado.” (Entrevista:

Idibal Pivetta, 2016)

Ele também lembra da paranoia dos militares em relação a seus textos, pois sempre pensavam que os diálogos das peças traziam mensagens disfarçadas — quando não era isso, a curiosidade era a respeito da vida sexual dos atores e diretores. Uma de suas peças contava de uma tribo indígena democrática que passava a se relacionar com padres jesuítas. Um trecho sobre uma batalha com 15 mil índios chamou a atenção dos censores, que o levaram para depor. “Eu disse que, se contasse com 15 mil índios armados, não estaria sendo interrogado naquele momento.” (Entrevista: Idibal Pivetta, 2016)

2.3. Clientes Célebres

Pivetta foi um dos representantes do então sindicalista Luiz Inácio

Lula da Silva. O advogado defendeu Lula junto com Luiz Eduardo Greenhalgh,

Iberê Bandeira de Mello e Rosa Cardoso. “O Lula era um sujeito que se

colocou como uma bandeira dos trabalhadores e assim foi aceito. Alguns

acham que seus governos poderiam ter ido mais longe em termos de avanços

sociais. Isso vai ser julgado pela posteridade.” (Entrevista: Idibal Pivetta, 2016)

O advogado ainda atuou na defesa do dramaturgo Augusto Boal, que

estava na Argentina quando seu passaporte venceu e o pedido de renovação

do documento foi negado pelo governo brasileiro. “Entramos com mandando de

segurança no STF, que naquela época era bastante acovardado, deu o

mandado de segurança e mandou renovar o passaporte do Boal”, conta

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Pivetta, ao relembrar que a situação ajudou outros 600 brasileiros em

condições semelhantes. (Entrevista: Idibal Pivetta, 2016)

3. OS SINCEROSA produção da peça de César Vieira é composta por Manuel Lemos

Barros Neto, José Carlos Roston e João Carlos Botezeli, com direção de

Leonardo Lopes que, curiosamente, também é diretor da peça de autoria de

Plínio Marcos, “Reportagem de um tempo mau”, censurada também na época.

A peça passa-se em um sindicato operário-estudantil, numa pequena

ilha republiqueta latino-americana, na qual a maior parte da população vive de

agricultura (mais especificamente de monocultura, à base de algodão). A época

em questão é a de 1963, período no qual o país passa por uma fase de

transição. O governo é chefiado por um civil, que fora colocado por meio de um

golpe militar nacionalista. De início, o chefe do governo apresentava bons

propósitos junto de seus assessores esquerdistas, visando projetos de grande

envergadura social e econômica, porém, deixou-se levar por elementos

oportunistas, fazendo com que a corrupção ganhasse espaço. Com isso, inicia-

se na ilha um grande movimento militar para depor o governo.

São 14 personagens ao total, junto de alguns figurantes. Ruben é o líder

estudantil e socialista. Lívio, seu companheiro, é um teórico esquerdista,

militante há muitos anos e acomodado em um cargo do governo. Irma também

apoia o movimento de Ruben, mesmo sem muita visão sobre o mesmo.

Vasconcelos, por sua vez, é o democrata liberal que dirige uma ala civil-liberal

que se opõe ao comunismo.

Como há de se perceber, a maioria dos personagens são estudantes

militantes de esquerda que tramam tirar o atual governo de cena.

4. O PROCESSO DDP5750O veto à peça Os Sinceros foi responsável por silenciá-la, fazendo com

que hoje seja uma peça pouco citada e referenciada. Desde o seu veto, a peça

não foi mais representada por nenhuma companhia, mesmo com a extinção dos

órgãos de censura, sendo este, o trabalho pioneiro a utilizá-la como objeto de

estudo em âmbito acadêmico.

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Como se pode notar nos documentos da censura, o motivo alegado para o

veto à peça é pelo fato de que “ela, do inicio ao fim, faz a propaganda ostensiva

do comunismo, numa justificativa constante dos seus males e na afirmação de

que ‘os meios justificam os fins’".

No dia 29/9/1965, a censora Dalva Janeiro envia um ofício ao diretor da

DDP Dr. Joaquim Buller Souto, justificando a proibição da peça e a

comparando à peça também vetada "A Semente", de Gianfrancesco Guarnieri.

Depois do veto a Os Sinceros, pouco se falou sobre ela. Na época,

depois de vetada, não chegou nem a ser apresentada nos palcos e nem saiu

na lista de peças em cartaz. Durante todos estes anos esteve silenciada, e na

atualidade, o projeto “Censura em Cena” vem resgatar esta obra de César

Vieira e demais outras censuradas na época da ditadura militar.

5. CONSIDERAÇÕES FINAISAo analisar a trajetória de vida de César Vieira, o texto de Os Sinceros, o

contexto histórico que os permeiam, e os documentos da Divisão de Diversões

Públicas da secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo

catalogados no Arquivo Miroel Silveira da ECA/USP, muito se pôde concluir

sobre a impugnação e o silenciamento da obra.

Desde a impugnação da peça, esta não foi mais representada e

pesquisada, sendo pouco referenciada dentre o conjunto de obras feitas por

César Vieira. Logo, pode-se concluir que a censura teve “sucesso” ao vetá-la,

praticamente eliminando-a da literatura brasileira. No entanto, o projeto

Interdição e Partilha do sensível: Análise, recuperação e resgate das peças

teatrais vetadas pela censura no Estado de São Paulo (1932-1966) presentes

no Arquivo Miroel Silveira, vem à retomá-la, colocando-a como objeto de

pesquisa e leitura dramática aberta ao público.

César Vieira trouxe aos palcos paulistanos assuntos polêmicos, e a

censura foi responsável por boicotá-la. Entretanto, a proximidade com a

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realidade política, própria da obra de César Vieira, faz com que esta continue

viva no tempo atual.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARANTES, P. H. Entrevista: Idibal Pivetta. Revista da CAASP, São

Paulo, p. 6-11, Abril 2016. Disponivel em: <http://www.conjur.com.br/2016-abr-

24/preso-ustra-advogado-relembra-atuar-ditadura>. Acesso em: 01 Junho

2016.

COSTA, M. C. C. (Org.). Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2008.

COSTA, M. C. C. (Org.). Teatro, comunicação e censura: Anais do

Seminário Internacional A Censura em Cena. São Paulo: Terceira Margem;

FAPESP, 2008.

COSTA, M. C. C. Censura em cena. São Paulo: EDUSP, 2006.

MININE, R. Quatro décadas de teatro para o povo. A Nova Democracia: Apoie a Imprensa Popular e Democrática, 2006. Disponivel em:

<http://anovademocracia.com.br/no-28/522-quatro-decadas-de-teatro-para-o-

povo>. Acesso em: 01 junho 2016.

7. ANEXOS7.1. Tabela de Documentos do Processo de censura de Os

Sinceros

(Todos os documentos estão arquivados no Arquivo Miroel Silveira da ECA-USP)

Documento Data Autor Destinatário ObservaçõesCapa do processo - - Consta a palavra

"proibida"Autorização da SBAT 14/9/1965 SBAT Teatro de Arte (TAIB) -

Requerimento de censura 15/9/1965 Manuel Barros Lemos

Netto

Dr. Joaquim Buller Souto (diretor da DDP - SP)

Data de apresentação: 8 a 31 de outubro de 1965.

Ofício 29/9/1965 Dalva Janeiro (censora)

Dr. Joaquim Buller Souto (diretor da DDP - SP)

A censora justifica a proibição da peça e a compara à peça também vetada "A Semente", de Gianfrancesco Guarnieri.

Ofício 30/9/1965 Dr. Joaquim Buller Manuel Barros Lemos Comunicado da

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Souto (diretor da DDP - SP)

Netto proibição da peça pelo Decreto 4.405-A de 17 de abril de 1928, art. 188º

Ofício 5/10/1965 Manuel Barros Lemos Netto

Cantídio Sampaio (secretário de segurança)

Pedido de revisão da proibição da censura. Convite para novo ensaio geral e disponibilidade para cortes do texto.

Ofício 5/10/1965Renato Torres de Carvalho Pinto (juíz de direito da 2ª vara)

Dr. Joaquim Buller Souto (diretor da DDP - SP)

Pedido de informações sobre o mandado de segurança contra o ato do diretor da DDP.

Ofício 6/10/1965Dr. Joaquim Buller Souto (diretor da DDP - SP)

Renato Torres de Carvalho Pinto (juíz de direito da 2ª vara)

Resposta ao primeiro pedido de mandado de segurança reiterando a proibição da peça e sua justificativa.

Recorte de jornal - - -

Informa sobre o veto à peça, bem como o convite para leitura dramática ao secretário de segurança, Cantídio Sampaio.

Recorte de jornal 8/10/1965 - -

Matéria do jornal "Diário Popular" sobre a censura da peça "Os sinceros".

Ofício 11/10/1965 Dalva Janeiro (censora)

Dr. Joaquim Buller Souto (diretor da DDP - SP)

A censora relata sobre a leitura dramática e reitera o veto à peça.

Ofício 12/10/1965 Manuel Barros Lemos Netto

Joviano Pacheco de Aguirre (juíz de direito da 3ª vara)

Pedido de mandado de segurança contra a divisão de diversões públicas de São Paulo para que a peça seja liberada.

Ofício 15/10/1965Joviano Pacheco de Aguirre (juíz de direito da 3ª vara)

Dr. Joaquim Buller Souto (diretor da DDP - SP)

Pedido de informações sobre o mandado de segurança contra o ato do diretor da DDP.

Relatório 17/1/1966 - DOPS Relata a movimentação política de Idibal Mathô Pivetta ou Idibal Almeida Pivetta, de 1957 a 1963. Não há menção

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de suas atividades teatrais.

Ofício 27/1/1966Odilon Ribeiro de Campos (delegado do DOPS)

Dr. Joaquim Buller Souto (diretor da DDP - SP)

Encaminhamento de informações sobre Idibal Almeida Pivetta constante no DOPS.

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7.2. Jornais

Figura 3 - recorte do jornal “Diário Popular”, de 1965 anunciando a situação da peça em relação ao seu veto.

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Figura 4 - Recorte do jornal “Diário Popular” sobre as críticas rebatidas pelo Departamento Federal de Segurança Pública.