72
Embora algumas das modalidades de operações dos mercados derivativos venham sendo negociadas há muitos séculos, o nome “mercados derivativos” vem sendo utilizado há relativamente pouco tempo. Até 1971, os países desenvolvidos viviam sob o sistema do padrão dólar-ouro, que propiciava uma paridade de câmbio fixa entre as principais moedas. Com o fim da conversibilidade do dólar ao ouro, aqueles países ainda tentaram manter as paridades, mas, a partir de 1973, quando houve o primeiro choque do petróleo, as moedas passaram a ter cotações flutuantes em relação às demais, o que gerou maior instabilidade nos preços praticados em cada economia. Conseqüentemente, os diversos agentes econômicos mundiais pas- saram a estar expostos a maiores riscos no desempenho de suas atividades. Desde então, o mundo passou a ter maior necessidade de se proteger da queda de preços dos produtos que produz e da alta nas cotações dos insumos necessários à produção. Com o crescimento do comércio mundial e a crescente globalização da economia, aumentou também a necessidade de proteção. Exatamente para aten- der à maior demanda por proteção contra flutuações adversas de preços, bolsas, bancos e empresas do mundo inteiro vêm criando uma enorme gama de “produtos derivativos”, cuja principal função econômica é proporcionar redução de risco. O objeto de negociação em mercados derivativos pode ser definido como direitos/obrigações (definidos por contratos), cujos preços decorrem (ou derivam), principalmente, dos preços de outros ativos mais básicos, conhecidos como ati- vos-objeto ou ativos de referência. Esses direitos/obrigações podem ser divididos em quatro grandes grupos de mercados derivativos: Contratos Futuros, a Termo, de Opções e de Swaps. Uma opção de compra de uma ação da Petrobras, por exemplo, é um deri- vativo, pois seu valor depende principalmente do preço da ação da Petrobras, que é a ação-objeto. Um contrato futuro de soja também é um derivativo, na medida em que sua cotação depende fundalmentalmente do preço da soja, que é o bem- objeto. Existem, também, combinações de produtos derivativos, como swap a termo, opção sobre swap, opção sobre futuro, opção sobre opção e outras. Esses produtos são conhecidos como derivativos de derivativos. Nos últimos anos, os mercados financeiros mundiais, inclusive o brasileiro, têm sido muito criativos no desenvolvimento de produtos derivativos, com o propó- sito de satisfazer às necessidades de seus clientes. Alguns bancos mantêm pessoas altamente especializadas e capacitadas para elaborar produtos (por vezes bastante sofisticados) que sejam de interesse de seus clientes. Os derivativos freqüentemente fazem parte desses produtos. CAPÍTULO 1 Aspectos Gerais

CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Embora algumas das modalidades de operações dos mercados derivativos

venham sendo negociadas há muitos séculos, o nome “mercados derivativos” vem

sendo utilizado há relativamente pouco tempo. Até 1971, os países desenvolvidos

viviam sob o sistema do padrão dólar-ouro, que propiciava uma paridade de câmbio

fixa entre as principais moedas. Com o fim da conversibilidade do dólar ao ouro,

aqueles países ainda tentaram manter as paridades, mas, a partir de 1973, quando

houve o primeiro choque do petróleo, as moedas passaram a ter cotações flutuantes

em relação às demais, o que gerou maior instabilidade nos preços praticados em

cada economia. Conseqüentemente, os diversos agentes econômicos mundiais pas-

saram a estar expostos a maiores riscos no desempenho de suas atividades. Desde

então, o mundo passou a ter maior necessidade de se proteger da queda de preços

dos produtos que produz e da alta nas cotações dos insumos necessários à produção.

Com o crescimento do comércio mundial e a crescente globalização da

economia, aumentou também a necessidade de proteção. Exatamente para aten-

der à maior demanda por proteção contra flutuações adversas de preços, bolsas,

bancos e empresas do mundo inteiro vêm criando uma enorme gama de “produtos

derivativos”, cuja principal função econômica é proporcionar redução de risco.

O objeto de negociação em mercados derivativos pode ser definido como

direitos/obrigações (definidos por contratos), cujos preços decorrem (ou derivam),

principalmente, dos preços de outros ativos mais básicos, conhecidos como ati-

vos-objeto ou ativos de referência. Esses direitos/obrigações podem ser divididos

em quatro grandes grupos de mercados derivativos: Contratos Futuros, a Termo,

de Opções e de Swaps.

Uma opção de compra de uma ação da Petrobras, por exemplo, é um deri-

vativo, pois seu valor depende principalmente do preço da ação da Petrobras, que

é a ação-objeto. Um contrato futuro de soja também é um derivativo, na medida

em que sua cotação depende fundalmentalmente do preço da soja, que é o bem-

objeto. Existem, também, combinações de produtos derivativos, como swap a

termo, opção sobre swap, opção sobre futuro, opção sobre opção e outras. Esses

produtos são conhecidos como derivativos de derivativos.

Nos últimos anos, os mercados financeiros mundiais, inclusive o brasileiro,

têm sido muito criativos no desenvolvimento de produtos derivativos, com o propó-

sito de satisfazer às necessidades de seus clientes. Alguns bancos mantêm pessoas

altamente especializadas e capacitadas para elaborar produtos (por vezes bastante

sofisticados) que sejam de interesse de seus clientes. Os derivativos freqüentemente

fazem parte desses produtos.

CAPÍTULO 1

Aspectos Gerais

Page 2: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Não se pode estabelecer um número máximo de modalidades ou de produtos

possíveis de serem negociados nos mercados derivativos. Na realidade, esse número

poderá ser tão grande quanto permita a criatividade humana e admitam os órgãos

governamentais. Para a autorização de novos contratos ou para o estabelecimento de

volumes máximos de negociação, deve-se levar em consideração não apenas os po-

tenciais lucros ou benefícios, mas, também, eventuais externalidades negativas de-

correntes de suas negociações, tais como a quebra de grandes instituições financei-

ras e de empresas, o prejuízo a credores e o colossal esvaziamento dos cofres públi-

cos como o que se verifica nas principais economias capitalistas no ano de 2008.

Trata-se de trilhões de dólares que são desviados ou deixam de ser aplicados

em outras áreas, como saúde e educação e saneamento, contribuindo de forma deci-

siva para enorme concentração de renda.

1.1 DEFINIÇÕES INICIAIS DOS CONTRATOS NEGOCIADOS NOS MERCADOS DERIVATIVOS

As operações em mercados derivativos estarão sempre amparadas por contra-

tos que assegurem aos participantes o exercício de todos os seus direitos, assim

como os obriguem a cumprir suas obrigações. Todas as características e condições

sob as quais determinada operação é efetuada, como data da operação, data de

vencimento, data de liquidação, preço, tamanho do contrato, forma de correção,

entre outras, deverão estar previstas no contrato. Normalmente, quando um partici-

pante opera, ele não recebe um contrato formal, com diversas cláusulas que assegu-

rem direitos e outras que imponham obrigações, mas sim uma nota de corretagem

(quando as operações são realizadas por meio de corretoras) ou nota de negociação.

Há ainda os extratos de movimentação e de posição, emitidos pelas câmaras ou

centrais de liquidação e de custódia nas quais as operações são registradas, que

permitem identificar a movimentação ocorrida e as posições líquidas a cada dia, de

cada participante. Estes documentos asseguram, entretanto, que os participantes

aderiram a um contrato padrão (elaborado por bolsas ou por outras instituições) em

que constam todas as características e condições da operação. Há casos em que as

partes negociam diretamente entre si, por meio de contratos particulares.

A seguir, realizaremos uma descrição sucinta dos contratos que regulamen-

tam as operações básicas praticadas nos mercados derivativos:

• Contratos a Termo – regulamentam operações de compra e de venda

de um bem-objeto, entre comprador e vendedor (contrapartes do contrato), para

liquidação física1 e financeira2 em determinado prazo (em alguns contratos somen-

1 Liquidação física é a entrega do ativo-objeto, por parte do vendedor, para que o com-

prador o receba.

2 Liquidação financeira é, basicamente, a entrega de dinheiro, por parte do comprador,

para que o vendedor possa recebê-lo. Há mercados que merecerão definições mais espe-

cíficas de liquidação financeira, que serão vistas à medida que os estudarmos.

Page 3: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 3

te é prevista a liquidação financeira, por diferença). Dependendo da regulamentação

de cada mercado, as negociações podem ser efetuadas diretamente entre as

contrapartes (via telefone) ou em ambiente de pregão (eletrônico ou de viva-voz).

• Contratos a Futuro – normatizam operações realizadas para liquida-

ção física e financeira em uma data futura3 (em alguns contratos somente é prevista

a liquidação financeira, por diferença). Nas operações a futuro os contratos são

padronizados. O tamanho de cada contrato (unidade de negociação) e sua data de

vencimento são definidos pelas bolsas. A negociação desses contratos ocorre em

ambiente de pregão.

• Contratos de Opções – regem operações que dão ao seu comprador

(titular) o direito sobre algo, mas não uma obrigação. Simultaneamente, impõem ao

seu vendedor (lançador) somente uma obrigação, mas não um direito. As opções de

compra do tipo americano, por exemplo, dão ao seu titular o direito de comprar o

ativo-objeto por um determinado preço, até uma data limite (data do vencimento) e

geram em seu lançador somente a obrigação de vender o ativo-objeto até a data de

vencimento, caso o titular decida exercer o seu direito. Para que o lançador aceite

ter somente a obrigação, exigirá que o titular lhe pague um prêmio na data de

realização do contrato. Pode-se perceber que o titular é o sujeito ativo (cabe a ele

decidir se exerce ou não o seu direito), enquanto o lançador tem que sujeitar-se à

decisão do titular. Da mesma forma que nos contratos futuros, as operações com

opções de compra e com opções de venda são realizadas em pregão, embora haja

exceções, como é o caso das opções flexíveis que são negociadas diretamente entre

as contrapartes e registradas em bolsa.

• Contratos de Swaps – regulamentam operações entre duas partes

(contrapartes dos swaps) para a troca futura de fluxos de caixa entre elas. A principal

função econômica dos swaps é possibilitar a troca de rentabilidade (e/ou de indexadores)

de valores a receber ou a pagar, embora nem sempre os swaps sejam utilizados com

essa finalidade. A troca de fluxos de caixa é resultante da diferença das evoluções de

duas variáveis definidas pelas contrapartes, durante o prazo de vigência do swap (por

exemplo, dólar e taxa de juro de CDI). Ao final do prazo de vigência do swap, a

diferença entre as variações acumuladas das variáveis será aplicada sobre uma base de

cálculo, previamente definida pelas contrapartes, a fim de se obter o valor que uma

das contrapartes pagará à outra. Nesta modalidade de derivativos, as contrapartes

negociam diretamente entre si e, conseqüentemente, têm flexibilidade para definir

diversas características da operação, tais como prazo, volume, regime de capitalização

de juros, possibilidade de liquidações parciais ao longo do tempo4 e outras.

3 Posteriormente veremos que nos mercados futuros existe o mecanismo de ajustes diários

que gera liquidações financeiras parciais, diariamente, antes do vencimento dos contratos.

4 Se esta descrição não tiver sido suficiente para a compreensão inicial de uma operação

de swap, recomendamos a leitura da seção 27.1.

Page 4: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO

As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e de Futuros são instituiçõesprivadas geralmente sem fins lucrativos (a partir da Resolução nº 2.690/2000 doConselho Monetário Nacional as bolsas adquiriram a faculdade de constituir-secomo sociedades anônimas com fins lucrativos), que têm como principal finalidadedisponibilizar um local ou um sistema eletrônico adequado às negociações dos di-versos ativos e derivativos previamente autorizados pelas Comissões de ValoresMobiliários. As corretoras são as proprietárias das bolsas e é por meio delas que asoperações devem ser efetuadas nas bolsas. As operações de Bolsa são efetuadas ouno sistema de pregão, em que os corretores compram e vendem em viva-voz, ou detelepregão, quando as ofertas de compra e de venda são apregoadas por computador(pregão eletrônico). No sistema de negociação conhecido como home-broker, ascorretoras concedem limites de negociação individuais aos seus clientes (a partir daavaliação de suas capacidades econômicas e financeiras) para que efetuem as ofertasde compra e de venda de ativos e derivativos por meio da internet, diretamente nossistemas eletrônicos de negociação das bolsas.

As operações de Balcão tradicionais são aquelas realizadas fora do recintodos pregões. Elas são realizadas diretamente entre as contrapartes, geralmente portelefone, sem a intermediação de corretores para apregoar as ofertas de compra e devenda. As transações poderão ser efetuadas entre duas instituições financeiras, entreuma instituição financeira e uma empresa comercial, entre uma instituição financei-ra e uma pessoa física ou até mesmo sem a participação de instituições financeiras.

No Mercado de Balcão Formal, as operações são registradas (por meio dascorretoras) em bolsas, em câmaras de liquidação e de custódia das bolsas (nos casosem que as câmaras têm personalidade jurídica próprias) ou em alguma câmara deliquidação e de custódia de títulos5 independente, como, por exemplo, as operaçõesde swaps registradas na Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos(CETIP) ou as operações interbancárias (à vista ou a termo) de câmbio que sãoregistradas no Sistema de Informações do Banco Central (SISBACEN). O fato deserem registradas em bolsas ou em centrais de custódia não altera sua característica

5 Essas câmaras também são conhecidas como Clearings em referência às suas funções de

compensar (calcular os saldos líquidos entre compras e vendas) e de liquidar as operações

realizadas pelos participantes. Geralmente as câmaras de liquidação também são os depo-

sitários e realizam a custódia dos ativos ou dos derivativos dos participantes, mas, quando

isto não ocorre, torna-se necessária a existência de outro custodiante e de outro depositá-

rio dos títulos e dos derivativos, sendo que, o mais comum é que o custodiante seja

também o depositário. De fato, quando os depositários são organizados e possuem com-

provada idoneidade, não há necessidade de haver outros custodiantes para controlar (e

tomar conta) das posições dos clientes, até porque a existência de custodiantes externos

acarretam custos para os clientes. Vale lembrar ainda, que já há órgãos governamentais,

como as CVMs, que são responsáveis pelas fiscalizações dos depositários e que podem

aplicar penalidades (inclusive por possuírem “poder de polícia”, que somente órgãos

públicos dispõem) caso haja irregularidades nas posições dos clientes.

Page 5: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 5

essencial, que é a de serem negociadas diretamente entre as partes, sendo, portanto,operações de Balcão.

No Mercado de Balcão Informal, as operações com derivativos ocorrem direta-mente entre as contrapartes e não envolvem registros em qualquer câmara de liquidaçãoe de custódia. Elas podem ser registradas por meio de contratos particulares entre ascontrapartes6 . É comum que esses contratos sigam padrões de segurança e de operaci-onalidade desenvolvidos por alguma entidade e que sejam registrados em cartório7 .

Pode-se fazer uma visualização gráfica a respeito das formas de negociaçãodas operações de Bolsa e de Balcão.

Corretora A

Corretora B

Corretora C

Cliente A1 Cliente A2

Cliente C1 Cliente C2

BOLSA

Pregão/Telepregão

Cliente B1

Cliente B2

Cliente B3

ClienteHome-Broker

ClienteHome-Broker

6 Essas operações são definidas como “operações privadas” pela Lei nº 6.385 de07/12/76, que criou a Comissão de Valores Mobiliários. Outro exemplo de operaçãoprivada é o da negociação de ações (custodiadas em bolsas ou não) diretamenteentre comprador e vendedor, sem a utilização dos pregões das bolsas.

7 Normalmente, há restrições normativas às operações de Balcão Informal. Segundoalguns analistas, essas restrições objetivam dar maior transparência às operações noMercado de Balcão e dificultar a “fabricação” de resultados. Geralmente, as autori-dades fiscais impõem condições para admitir o reconhecimento dos prejuízos decor-rentes de tais operações e podem exigir que haja adições dos prejuízos ao lucro real.Nestes casos os impostos são calculados como se os prejuízos não existissem.

• Operações de Bolsa

Page 6: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

6 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Exemplos de Pregão:

• Pregão de Viva-Voz

• Pregão Eletrônico (Telepregão)

Ofertas de Venda Ofertas de Compra

Preço Quantidade Preço Quantidade

125,02 10.000 124,90 40.000

125,00 20.000 124,70 30.000

124,95 25.000 124,65 15.000

Por exemplo, se a melhor oferta de venda tivesse seu preço alterado peloofertante, de 124,95 para 124,90, o sistema de negociação eletrônico automatica-mente efetuaria a negociação de 25.000 unidades do ativo.

Operações de Balcão Formal8 :

Para as operações de balcão registradas em câmaras de liquidação e de custó-dia das bolsas, temos o esquema a seguir:

Telepregão

8 Como veremos em seguida, no Brasil essas operações são conhecidas como de mercado de

balcão não-organizado. No caso do mercado de títulos públicos ou do mercado de reservas

bancárias (mercado de dinheiro) essas operações são conhecidas como de mercado aberto.

Page 7: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 7

Câmara de Liquidação e de Custódia da Bolsa

As corretoras registram as operações na câmara de liquidação e de custódia

da bolsa correspondente, após terem sido negociadas diretamente entre as contrapartes,

para que a câmara controle a liquidação e a custódia das operações.

Após ter realizado as operações diretamente entre si (geralmente por telefone),

cada contraparte das operações utiliza uma corretora da qual seja cliente, para que ela

registre a operação junto à câmara de custódia e de liquidação da bolsa.

Para as operações em mercados derivativos, em que seja previsto o registro

das operações em clearings (câmaras de liquidação e de custódia ) que não perten-

çam às bolsas, como por exemplo no SISBACEN, no SELIC ou na CETIP9 , o

esquema é análogo. Quando uma instituição financeira realiza uma operação (dire-

tamente) com outra instituição financeira, as duas informam (por meio de terminal

de computador) as características da operação à câmara de liquidação e de custódia

Cliente A1

Cliente A2

Cliente C2

Cliente C1

Cliente B3

Cliente B2Cliente B1

Corretora A Corretora C

Corretora B

9 Para maiores informações a respeito da CETIP e do SELIC, veja a seção 10.1.1 sobre

mercado de DI-over.

Page 8: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

8 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

correspondente. No caso de uma instituição financeira realizar operação (direta-

mente) com uma empresa, geralmente é a instituição financeira que fará o registro

da operação, na medida em que, em geral, somente ela terá acesso ao terminal de

computador da câmara de liquidação e de custódia. Neste caso, considerando que a

empresa não tenha conta individualizada na câmara de liquidação e de custódia, a

operação será registrada, tendo como contrapartes a instituição financeira e um dos

“clientes 1” da instituição. As instituições possuem uma conta sintética denomina-

da “cliente 1”, que agrupa as posições de seus clientes que não tenham conta indi-

vidualizada junto à câmara de liquidação e de custódia. Para essas operações é

prudente que as contrapartes da operação (a instituição financeira e a empresa)

realizem contrato particular (ou tenham outro tipo de controle assinado por ambas

as contrapartes) que identifique a operação, pois, nos extratos da câmara de liquida-

ção e de custódia, não há a identificação dos “clientes 1”.

Quando se trata de fundos de investimento, as contas de custódia podem ser

sintéticas ou analíticas. As câmaras que utilizam contas de custódia sintéticas regis-

tram as posições de diversos fundos de um mesmo administrador na mesma conta.

Nestes casos, somente os controles internos elaborados pelos administradores dos

fundos possibilitam a identificação das posições individualizadas de cada fundo de

investimento. Em contrapartida, as câmaras que adotam o sistema de contas de

custódia analíticas (seja por iniciativa própria ou em decorrência de exigências dos

órgãos fiscalizadores) torna-se possível inventariar as posições e as negociações de

cada fundo a partir dos extratos de negociação e de custódia elaborados pelas câma-

ras de liquidação e de custódia.

Portanto, quando em uma câmara de liquidação e de custódia não há a iden-

tificação dos comitentes finais (contrapartes, que podem ser pessoas físicas, jurídi-

cas, ou entidades de investimento coletivo) das operações é importante que haja

contratos particulares entre as contrapartes, pois os contratos permitem que uma

das contrapartes de determinada operação possa acionar a outra na hipótese de

haver algum tipo de discordância quanto ao valor a ser pago no vencimento da

operação. Também possibilitam a uma contraparte se habilitar perante a massa

liqüidanda ou perante a massa falida, quando a outra contraparte estiver em proces-

so de liquidação extrajudicial10, ou em processo de falência, respectivamente (noapêndice 12B descreveremos a Lei n° 6.024/74, que estabelece as condições e asregras para que o Banco Central possa intervir na administração, decretar a liquidaçãoextrajudicial e requerer ao poder judiciário, a falência de uma instituição financeira).

10 Os controles internos das instituições financeiras identificam os comitentes finais mas,

por não serem assinados pelas contrapartes, podem não ter valor judicial na medida em que

quem os elabora são as próprias instituições. Para que haja maior isenção dos controles é

necessário que eles sejam externos às contrapartes, o que ocorre quando as clearings identi-

ficam os comitentes finais por meio dos seus extratos de negociações e de posições.

Page 9: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 9

As definições apresentadas para mercados de balcão são as tradicionalmenteutilizadas do ponto de vista econômico, que distingue as operações de balcão dasoperações de bolsa em razão da forma como as operações são realizadas (em pregãoou diretamente entre as contrapartes).

É importante ressaltar, entretanto, que, no Brasil, é comum asubdivisão do mercado de balcão formal em mercado de balcão formalorganizado e mercado de balcão formal não-organizado.

No mercado de balcão organizado, as ordens são centralizadas em um pregãoeletrônico, como se fosse um telepregão de bolsa. Portanto, a distinção das opera-ções de mercado de balcão formal organizado das operações de bolsa ocorre emrazão do nome da entidade em que os pregões eletrônicos sejam realizados. Dessemodo, se uma câmara de liquidação e de custódia organizar as ofertas de compra ede venda sob a forma de um pregão eletrônico, as operações serão denominadas debalcão organizado, ao passo que se os mesmos negócios ocorrerem em uma bolsa,as operações serão denominadas de bolsa. Quando os negócios formais ocorremdiretamente entre as contrapartes (por telefone), as operações são denominadas debalcão não-organizado (negócios descentralizados), independentemente de quais se-jam a organização e os controles das câmaras de liquidação e de custódia (vincula-das a alguma bolsa ou independentes) ou das bolsas (nos casos em que as câmaras deliquidação e de custódia são departamentos das bolsas) nas quais os negócios sejamregistrados.

1.2.1 FORMAS DE NEGOCIAÇÃO PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Os mercados de pregão e de pregão eletrônico têm a vantagem de garantir aoscompradores o conhecimento de todas as ofertas de venda vigentes a cada instante eaos vendedores o conhecimento de todas as ofertas de compra vigentes a cada momen-to. Este conhecimento lhes permite realizar negócios aos melhores preços possíveis acada instante. Nos mercados de balcão não-organizados e nos mercados de balcãoinformais (operações privadas) é possível que existam dois ou mais preços sendopraticados ao mesmo tempo, o que poderá prejudicar compradores e vendedores.

A seguir, apresentamos um quadro no qual resumimos as diferentes categori-as de negociação praticadas e previstas na legislação brasileira em 2001 e, em segui-da, faremos alguns comentários.

Page 10: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

1 0 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Como se pode perceber, há ativos que são negociados em mais de um local eutilizando-se diferentes categorias de negociação. Este é o caso dos títulos públicosfederais e do dólar, que tanto podem ser negociados por telefone (operações debalcão não-organizado em que há registros no Banco Central) quanto em pregão

eletrônico na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ)11 (operações de bolsa).

Outro exemplo é o da negociação de debêntures, que podem ser negociadas portelefone e ser registradas na CETIP (operações de balcão não-organizado), em pre-gão eletrônico na CETIP (operações de balcão organizado) e em pregão eletrônico

na Bolsa de Valores de São Paulo (operações de bolsa)12.

As operações que ocorrem em ambiente de pregão e de pregão eletrônico têmseus preços controlados não apenas pelo mercado, mas também pelas bolsas oupelas entidades de balcão organizado. Quando se trata de valores mobiliários, há

Categorias de Negociação

Forma de

Negociação

Local da

Compensação,

Liquidação

e Custódia

dos ativos

e

derivativos

Exemplos

de ativos e

derivativos

Negociados

no Brasil

Bolsas de

Valores

Bolsas de

Mercadorias

e de Futuros

Balcão

Organizado

(Centralizado)

Balcão Não-

Organizado

(Descentralizado)

Operações

Privadas

(Balcão Informal)

Em pregão

ou pregão

eletrônico

Câmara de

Liquidação

e de

Custódia

das Bolsas

de Valores

ações,

debêntures,

títulos

públicos

federais,

câmbio

Em pregão

ou pregão

eletrônico

Câmara de

Liquidação

e de Custódia

das Bolsas de

Mercadorias

e de Futuros

derivativos

de juros, de

câmbio, de

agropecuários

Em pregão

eletrônico

Câmara de

Liquidação

e de Custódia

da Entidade de

Balcão

Organizado

ações,

derivativos

de ações,

debêntures

Por telefone.

Há o registro das

operações em

alguma Câmara de

Liquidação e de

Custódia ao final

do dia

Câmara de

Liquidação e de

Custódia da

Entidade de Balcão

Não-Organizado

títulos públicos

federais, estaduais,

câmbio, debêntures,

swaps, opções

flexíveis

Por telefone.

Possivelmente

registram-se em

cartório

Os ativos e

derivativos podem

ou não estar

custodiados em

alguma Câmara

de Liquidação e

de Custódia

ações custodiadas

em bancos ou nas

companhias

emissoras,

contratos

particulares de

opções, de swaps

12 A legislação existente (em 2001) não permite que as ações negociadas em bolsas de valores

sejam simultaneamente negociadas no mercado de balcão organizado. Portanto, as ações

negociadas no pregão eletrônico do mercado de balcão organizado são distintas das ações

negociadas no mercado de bolsa, onde as companhias estão sujeitas a maiores exigências.

11 A Bolsa de Mercadorias e de Futuros comprou a maior parte dos títulos patrimoniais

da BVRJ em 2002, tornando-se, portanto, controladora da BVRJ.

Page 11: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 1 1

também a fiscalização das Comissões de Valores Mobiliários (CVMs), que mantêmsupervisão, em tempo real, sobre os preços e sobre as quantidades negociadas. Paraauxiliar na fiscalização do mercado de ações, as CVMs utilizam sistemas de filtrosque identificam variações atípicas de preços, de quantidades e de liqüidez das ações.

No caso do Brasil a CVM elaborou a Instrução n° 168 (vigente em 2001) quedetermina que quando houver variações atípicas de preços, de quantidade ou a nego-ciação de alguma ação de pouca liqüidez, as ofertas de compra e de venda devem sersubmetidas a leilões especiais, que podem ser de 15 minutos, de uma hora ou devinte e quatro horas e, em algumas situações (por exemplo, quando uma prefeituravai vender ações de sua propriedade), os leilões têm que ser anunciados nos boletinsdiários de informações das bolsas com dias de antecedência. Quando os prazos dosleilões são descumpridos, a CVM ou as bolsas cancelam as operações realizadas,sem prejuízo da aplicação de penalidades previstas.

As CVMs e as bolsas de diversos países (inclusive a CVM brasileira) tambémpodem cancelar operações já realizadas quando têm suspeitas de outras irregularida-des ou ilícitos, tais como a manipulação de preços ou o uso de informações privile-giadas por parte de alguns participantes para operar em vantagem aos demais parti-cipantes (inside trading), causando-lhes prejuízos.

A partir de fevereiro de 2002, com a entrada em vigor da Lei n° 10.303/2001,a CVM brasileira passou a fiscalizar também, todos os mercados derivativos, inde-pendentemente de quais sejam os ativos-objeto.

Vale observar que no acompanhamento e fiscalização de alguns mercados àvista não há uma norma semelhante à Instrução CVM n° 168, que determine a reali-zação de leilões especiais quando os preços ofertados se situem fora de determina-dos intervalos. Este é o caso dos mercados à vista dos títulos públicos federais,estaduais e do mercado à vista de câmbio, entre outros.

Quando os títulos públicos ou a moeda estrangeira são negociados por meiode pregões eletrônicos em bolsas, elas supervisionam, em tempo real, os preçospraticados. Entretanto, quando os negócios ocorrem por telefone e são apenasregistrados ao final do dia (mercados de balcão não-organizados) não é possívelexigir a realização de leilões especiais, na medida em que os preços praticados sãoconhecidos apenas ao final do dia (em alguns mercados há ainda as operações priva-das13, que geralmente nem chegam a ser registradas em câmaras de liquidação e decustódia). Nestes casos é possível, entretanto, definir critérios para a recusa do registrodas operações com preços ou taxas que sejam considerados fora da realidade de mercado.Outra alternativa é aceitar o registro de todas as operações e abrir processos (ou inqué-ritos) administrativos para apurar as irregularidades a posteriori, mas os prazos, porvezes, podem ser muito longos.

Vale lembrar que os julgamentos dos processos na esfera administrativa, mes-mo quando transitados em julgado, ou seja, após os recursos e decisões em todas asinstâncias da esfera administrativa, podem ser alterados caso sejam apresentadosrecursos ao poder judiciário, independentemente do prazo despendido nas decisões

13 A Deliberação n° 20 da Comissão de Valores Mobiliários (vigente em 2001) define as

condições para que uma operação possa ser considerada privada. Lembramos também que

há diversas restrições por parte de órgãos governamentais no sentido de limitar a participa-

ção de Fundações de Previdência ou de Fundos de Investimento em operações privadas.

Page 12: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

1 2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

da esfera administrativa. Há casos em que as decisões finais da esfera administrativademoram mais de 5 ou mesmo mais de 10 anos para serem proferidas. Em diversassituações, constata-se que, quando os acusados são considerados culpados na esferaadministrativa, eles recorrem ao poder judiciário com o objetivo de alterar as deci-sões que os obrigaram a pagar multas, que os inabilitaram ao exercício de cargos eminstituições financeiras, ou que lhes impuseram outras penalidades. Contudo, quan-do os acusados são inocentados na esfera administrativa, geralmente não há recursosao poder judiciário com o propósito de alterar as decisões da esfera administrativa.Entretanto, na hipótese de algum participante se sentir prejudicado com as decisõesda esfera administrativa que inocente os acusados, é possível o recurso ao judiciário.

Vale observar que alguns órgãos públicos não estão sujeitos às Corregedoriasde outros órgãos no tocante à execução das suas fiscalizações e aos julgamentos deprocessos. Um órgão de Corregedoria tem a função de fiscalizar, de forma sistemá-tica (e não apenas em casos de denúncias) as fiscalizações e decisões de outrosórgãos, sendo possível, ainda, que as Corregedorias estejam vinculadas a um Poderdistinto do órgão fiscalizado. As Corregedorias devem individualizar as suas investi-gações, apurando atitudes e pareceres de pessoas, o que torna indispensável o con-trole a respeito dos conteúdos e páginas (onde constam pareceres e decisões indivi-duais ou coletivas) dos processos e dos dossiês dos órgãos que fiscalizam e julgam.Uma alternativa às Corregedorias seria a de permitir que componentes de escalõesintermediários dos órgãos fiscalizadores tivessem o direito de prestar esclarecimen-tos (ou pudessem ser requisitados a prestar esclarecimentos) a respeito das fiscaliza-ções, julgamentos de processos e, eventualmente, de efetuar denúncias referentesaos setores aos quais pertencem, a comissões de outros poderes, como, por exem-plo, Comissões do Senado ou da Câmara dos Deputados. Naturalmente, teria quelhes ser garantida alguma forma de proteção temporária no caso de denúncias, comoa indemissibilidade, a inamovibilidade e, em algumas situações atípicas, até mesmoproteção policial para eles e suas famílias, de forma análoga ao que, por vezes, severifica com testemunhas de acusação, promotores, corregedores e juízes entre ou-tros participantes. Naturalmente as denúncias necessitariam ser efetuadas com res-ponsabilidade, sob pena de punição. As mencionadas permissões poderiam haver mesmoquando as Corregedorias existissem.

Por fim, lembramos que é de grande relevância que haja transparência a respei-to das operações privadas (balcão informal). Com o objetivo de informar ao mercado,aos órgãos fiscalizadores e à sociedade a respeito das quantidades e dos preços pratica-dos nas negociações privadas, é de fundamental importância que as negociações priva-das constem dos boletins diários de informações das bolsas ou das câmaras de liquida-ção e de custódia, quando se tratar de ativos ou de derivativos custodiados nestasinstituições. Em uma operação privada, o comprador deposita o valor correspondenteà transação (liquidação financeira) diretamente na conta do vendedor, sem haver otrânsito do dinheiro na bolsa ou na câmara de liquidação e de custódia, e o vendedor

Page 13: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 1 3

dá instruções para que os ativos ou derivativos que esteja vendendo sejam transferidosda sua conta de custódia para a conta de custódia do comprador (há a transferênciafísica sem que a contrapartida financeira ocorra na câmara).

Com o objetivo de evitar estelionato dos ativos e dos derivativos, conformeserá descrito no apêndice 2, poderia ser exigido o registro das operações privadasem cartórios especializados em ativos e derivativos quando se tratasse de ativos oude derivativos que não estivessem custodiados em bolsas ou em câmaras de liquida-ção e de custódia. Estes cartórios seriam análogos aos já existentes cartóriosespecializados no registro de imóveis.

É importante ressaltar que a transparência das operações privadas poderiasujeitá-las às possíveis restrições de preços, de forma análoga às restrições previstasna Instrução CVM n° 168, mencionada anteriormente e, também, aos questionamentospor parte dos órgãos fiscalizadores, como as CVMs.

1.3 PARTICIPANTES DOS MERCADOS DERIVATIVOS: HEDGERS, BONS ESPECULADORES,

ARBITRADORES, OPERADORES DE TESOURARIA E MARKET MAKERS

A fim de compreendermos com que finalidades os mercados derivativospodem ser utilizados e como são influenciados por diversas variáveis, faz-se neces-sário analisar os diferentes grupos de participantes dos mercados:

• Hedgers – são aqueles que realizam uma ou mais operações que redu-zam suas exposições ao risco (operações de hedge).

Por exemplo, um banco que possua passivo indexado em dólar e ativo indexadoem iene estaria efetuando um hedge ao realizar um swap em que ganhasse a diferen-ça entre a variação do dólar e a variação do iene. Neste caso, se o dólar se valorizarperante o iene, o banco terá entradas líquidas no fluxo de caixa do swap e, portanto,compensará a perda verificada nas posições originais. Caso o iene se valorize peran-te o dólar, haverá saídas líquidas no fluxo de caixa do swap, o que reduzirá o lucroextraordinário que seria obtido originalmente.

Há hedges com e sem caixa. No primeiro caso, as operações de hedge impli-carão movimentação financeira quando de sua realização, enquanto no segundo,não haverá captação ou aplicação de recursos na data de sua operação.

• Bons Especuladores – o objetivo das operações de especulação é a apos-ta na variação de preços ou de taxas. Ao contrário dos hedgers, os especuladoresaceitam correr riscos e ficar expostos a prejuízos. Por exemplo, um especulador queacreditasse que as opções de compra da Vale do Rio Doce iriam subir em determinadoperíodo de tempo (e não possuísse ativos ou passivos indexados à referida ação) pode-ria comprar as opções para vendê-las quando estivessem mais caras. O risco de perdaé que o preço das opções poderia cair e o especulador perderia o capital aplicado.

Page 14: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

1 4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Os bons especuladores (aqueles que operam pequenos ou médios volumes,que tenderiam a obter mais lucros que prejuízos sem recorrer a informações privile-giadas ou outros mecanismos nocivos, que não se expusessem a riscos excessivos e.principalmente, que tivessem caixa suficiente para bancarem sozinhos seus prejuí-zos) em princípio não seriam maléficos para os mercados, pois, além de aumenta-rem a sua liqüidez, tenderiam a contribuir para a redução da flutuação de preços, namedida em que na maior parte das vezes comprarim na baixa, reduzindo a tendên-cia de queda, e venderiam na alta, reduzindo altas exageradas. Entretanto, no mun-do financeiro recente, onde são admitidas especulações gigantescas, praticadas poradministradores de grandes bancos e fundos, que se utilizam de recursos de tercei-ros (clientes ou cotistas), as possíveis contribuições contracíclicas dos pequenosespeculadores são praticamente nulas. Além do mais, se eles se tornarem seguidoresde manadas acabarão gerando contribuições pro cíclicas.

Considerando que as remunerações obtidas pelos agentes econômicos devamter como contrapartidas alguma forma de produção ou de contribuição social, pare-ce um tanto quanto forçada a idéia, defendida por muitos analistas, de que os ganhosobtidos pelos especuladores ou pelos arbitradores sejam tão importantes e defensá-veis para os países, quanto as remunerações auferidas pelos diversos trabalhadores eempresários que realmente produzem bens e serviços.

Cabe ressaltar que não se pode predefinir quais são as operações de hedge ouquais são as operações de especulação. Por exemplo, comprar dólar futuro será umaoperação de hedge para um importador, mas será operação de especulação para umexportador. Este fato nos permite afirmar que uma mesma operação poderá ser dehedge ou de especulação, dependendo do referencial de quem a realize.

Vale citar ainda que por vezes há grandes distorções entre as nomenclaturasutilizadas e as realidades. Por exemplo, os hedge funds são basicamente fundos deespeculação e os lucros provenientes de especulações quase sempre são contabilizados,seja por bancos ou por fundos, como decorrentes de operações de hedge, devido àidéia de que os balanços ficam mais apresentáveis desta maneira.

• Arbitradores – são os que realizam operações de arbitragem, ou seja,operações que consistem em obter um lucro sem risco, com a realização de transa-ções simultâneas em dois ou mais mercados14.

Exemplo 1.1 – Considerando um volume de 100 kg de ouro para negoci-ação, monte uma arbitragem, admitindo que os mercados de ouro e de dólar este-jam com as seguintes cotações:

preço externo do ouro = US$ 10,00 o grama;

taxa de câmbio do dólar ⇒ 1 US$ = R$ 2,50;

preço interno do ouro = R$ 24,20 o grama.

Mostre quais as operações a serem realizadas e calcule o lucro em reais.

Page 15: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 1 5

Resposta - Preço externo em reais = 10 x R$ 2,50 = R$ 25,00.

Como o preço externo em reais é maior do que o preço interno em reais,devem ser realizadas as seguintes operações:

• comprar 100 kg de ouro no mercado interno por R$ 2.420.000;

• vender 100 kg de ouro no mercado externo por US$ 1.000.000;

• vender US$ 1.000.000 por R$ 2.500.000.

Lucro = R$ 2.500.000 - R$ 2.420.000 = R$ 80.000.

É possível montar inúmeras arbitragens, por meio de operações praticadasnos mercados derivativos. Estas operações tornam-se possíveis quando os preçosficam fora do nível de equilíbrio.

Um ponto importante a ser citado é que as arbitragens são alta-mente concentradoras de renda pois, além de gerarem lucros enormessem que haja contrapartidas de produção. Na prática, somente os quedispõem de grandes quantias conseguem realizá-las, principalmenteinstituições financeiras, que utilizam recursos de terceiros, apesar des-sa não ser uma atividade tradicional dessas instituições.

14 Quando os governos intervêm nos preços ou nas taxas dos mercados com objetivo de

política econômica e passam a proporcionar arbitragens sistemáticas, os arbitradores se

tornam nocivos, na medida em que são as sociedades que pagam os custos das arbitragens

(entre outros aspectos, as dívidas públicas aumentam). Nestes casos, freqüentemente os

governos impõem tributos sobre as operações de arbitragens que eles não querem que sejam

efetuadas, ou, ainda, impedem a entrada de capitais com tais fins, talvez por considerarem o

impedimento um mecanismo mais eficaz do que a imposição de tributos. Os órgãos de

fiscalização devem estar atentos às diversas formas de driblar os tributos, inclusive por meio

da utilização de derivativos (ver seção 18.1.4 a respeito). Há correntes de economistas que

defendem controles sobre os movimentos de capitais voláteis pelo mundo, que entram e saem

dos países com o objetivo principal de obter lucros arbitrando as diferenças entre as taxas de

juros (os exemplos 4.2, 5.2 e 10.5 ilustram este tipo de arbitragem), além de outros propósi-

tos extremamente rentáveis, como lavar trilhões de dólares do crime organizado. Os Bancos

Centrais devem estar atentos a esses movimentos pois, da mesma forma que os capitais

voláteis podem trazer benefícios temporários para os países em alguns momentos, em outros

podem tornar os países seus reféns. De fato, se os capitais voláteis vislumbrarem melhores

rendimentos em outras economias, eles tendem a deixar os países e a provocar fortes

desestabilizações. Com objetivos de transparência contábil é de grande importância que os

Bancos Centrais classifiquem contabilmente a entrada desses recursos como destinados a

“arbitragens” ou a “aplicações financeiras”. Se os capitais voláteis tiverem a mesma

classificação contábil dos recursos destinados a “investimentos” (por exemplo,

destinados a construção de fábricas) que não são voláteis, as sociedades podem ter a

ilusão de que estão recebendo investimentos externos, quando, na verdade,

estão apenas sendo arbitradas. Dependendo dos volumes financeiros das arbitragens,

os prejuízos podem ser de dezenas ou mesmo de centenas de bilhões de dólares em poucos

anos, o que deveria gerar atitudes defensivas e enérgicas contra essas arbitragens, inclusive

com a utilização de controles quantitativos e tarifários. Ao final da seção 6.5.2. e na resposta

referente ao exemplo 10.5 efetuatemos maiores considerações sobre o tema.

Page 16: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

1 6 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

• Operadores de Tesouraria – são os responsáveis pelas operações detesouraria, que consistem em captar ou aplicar recursos que, provavelmente (nocaso de taxas pós-fixadas) ou certamente (na hipótese de taxas prefixadas), terãodeterminado custo ou rendimento. É possível implementar diversas operações detesouraria por meio dos mercados derivativos. Os operadores de tesouraria têm afunção de administrar o fluxo de caixa das instituições, buscando captar recursosa taxas baixas e aplicá-los a taxas altas, e, ainda, compatibilizar os prazos decaptação com os de aplicação.

• Market Makers – são instituições altamente especializadas em determi-nadas ações, ou em determinados ativos, e que se comprometem a fazer propostasde compra e de venda do ativo aos demais participantes do mercado, em um volumemínimo previamente estabelecido. Por exemplo, se uma corretora é um market

maker de determinada ação, os participantes que estiverem com dificuldade emcomprar ou vender a ação poderão recorrer à corretora, e esta será obrigada a“abrir um spread”, ou seja, dizer a que preço compra e a que preço vende a ação.O participante decidirá se aceita ou não a oferta da corretora. A principal finalida-de dos market makers é proporcionar liqüidez aos mercados.

1.4 PARTICIPANTES NOCIVOS: MANIPULADORES, INSIDERS TRADING,

MAUS ESPECULADORES, FABRICANTES DE RESULTADO,

FRONT RUNERS E DRIBLADORES DE NORMAS

A seguir mencionaremos os participantes que deveriam ser banidos do mer-cado, na medida em que quaisquer benefícios que possam advir dos recursos queeles movimentam são sempre incomparavelmente menores do que os malefíciosque eles causam diretamente aos participantes dos mercados e, indiretamente, àssociedades. Para que um mercado de capitais e de derivativos possa desenvolver-see gerar diversos benefícios para a sociedade, como, por exemplo, a redução derisco e a eficiência econômica alocativa nos investimentos, é fundamental que ocombate a esses participantes seja eficaz. Caso não seja, pode atrair todo tipo departicipante mal intencionado, tendo em vista o ganho potencial de dezenas ou decentenas de bilhões de dólares. Afinal, qualquer atividade que propicie dinheirofácil e em grandes volumes poderá atrair todo tipo de gente com a intenção depraticar crimes do colarinho branco. Vale lembrar que as operações nocivas quemencionaremos nesta seção representam apenas um pequeno percentual em rela-ção ao volume total de operações, embora os prejuízos sociais decorrentes de taisoperações tenham o potencial de alcançar cifras gigantescas.

• Manipuladores – alteram artificialmente o preço de um ativo com oobjetivo de auferir lucro com a variação de preço. Isto só é possível quando umparticipante (ou grupo de participantes) do mercado tem força suficiente para tal.Outra forma de manipulação é a divulgação de notícias falsas ou a contratação de

Page 17: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 1 7

analistas para emitirem propositalmente más opiniões ou maus conselhos a respeitode algum ativo-objeto, como por exemplo, ações de uma companhia. Neste caso,os participantes poderiam ser induzidos a efetuar operações incorretas por estarembaseados em informações ou opiniões falsas. É possível ainda a combinação dasduas estratégias. Poder-se-ia plantar alguma notícia ou opinião positiva a respeitode uma empresa em jornal de grande circulação ou de negócios e, no pregão domesmo dia os manipuladores executariam, de forma articulada, grandes ordens decompra no mercado à vista, com o propósito de ganhar grandes somas em posiçõescompradas em opções de compra. A manipulação de preços é mais fácil de serpraticada nos mercados de telefone (as contrapartes sabem com quem estão operan-do e podem acertar todas as características de eventual estratégia de manipulação)e/ou nos mercados de baixa liqüidez e é altamente nociva ao bom funcionamentodos mercados (em se tratando de mercados de pregão, os manipuladores necessi-tam traçar táticas de manipulação, além das estratégias). Por exemplo, vamos ad-mitir que em um país no qual seja adotado o sistema de balcão não-organizado paraa realização das operações de câmbio (mercado de telefone), um grupo de partici-pantes que seja credor em determinada moeda externa decida manipular o merca-do elevando as cotações da moeda externa artificialmente. Eles poderiam traçarestratégias de manipulação, nas quais os participantes ao longo de um períodotransacionariam grandes volumes da moeda externa entre si, a taxas artificialmenteelevadas, de modo que não houvesse qualquer resultado líquido para osmanipuladores. Ao final de cada dia, quando a câmara de liquidação e de custódia,na qual as operações fossem registradas, calculasse e divulgasse as cotações médias(ponderadas pelos volumes) da moeda externa, elas estariam artificialmente eleva-das. Com a manipulação os credores obteriam grandes ganhos e os devedores damoeda externa sofreriam pesados prejuízos. O custo social da manipulação seriaparticularmente elevado se o governo (ou seja, a sociedade) fosse devedor na moedaexterna (em decorrência da emissão de títulos indexados à cotação da moeda exter-na ou de ter operado em derivativos, assumindo posições passivas na moeda exter-na) e se grandes empresas (às vezes de um mesmo setor) quebrassem. Há também orisco da alta artificial da moeda externa exercer fortes pressões inflacionárias sobreas economias, pondo a perder anos de sacrifícios sofridos pelas populações (princi-palmente pelas parcelas mais pobres) em decorrência de duros planos de estabiliza-ção. Talvez as sociedades pudessem discutir se o risco de haver manipulações seriareduzido caso as câmaras de liquidação e de custódia, dos diversos ativos, efetuas-sem críticas às operações cujos preços ou taxas se situassem fora de determinadosintervalos, se emitissem boletins diários de informações (nos moldes dos emitidospelas bolsas) e se expurgassem do cálculo das taxas ou dos preços médios diários,um determinado percentual das operações efetuadas às maiores e às menores cota-ções. Em operações realizadas em ambiente de pregão com alta liquidez, as mani-pulações tornam-se mais difíceis (embora também possíveis) dado que osmanipuladores não sabem com quem estão operando. É de fundamental importân-cia para a credibilidade e o desenvolvimento dos mercados de capitais, que osBancos Centrais, as Comissões de Valores Mobiliários e os demais órgãos de fisca-

Page 18: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

1 8 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

lização (por vezes até órgãos policiais e de investigação têm que ser envolvidos,para que a eventual atuação de quadrilhas, que podem ter ramificações em diversossetores, seja estancada) tenham atitudes preventivas e enérgicas contra osmanipuladores, para eliminar ou reduzir suas atividades ao máximo. No caso doBrasil, segundo o artigo 27-C da Lei n°°°°° 10.303, de 31/10/01, as manipulações sãoconsideradas crimes e os manipuladores podem sofrer penalidades de 1 a 8 anos dereclusão, além de multa de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida emdecorrência do crime.

Vale mencionar que, ao operarem em mercado derivativos, os Tesouros ou osBancos Centrais dos diversos países quebram os equilíbrios previamente existentesentre os participantes da iniciativa privada que têm a ganhar e os que têm a perdercom a alta ou com a baixa do ativo-objeto. Por exemplo, se um governo decidevender uma moeda externa no mercado futuro ou assumir posições no mercado deswaps tendo a moeda externa como variável passiva, passa a existir o risco moraldos comprados (que passam a ser em maior número do que os vendidos da iniciativaprivada) manipularem a cotação da moeda externa para cima.

É importante lembrar que não se podem considerar como manipulação açõescom o objetivo de regular preços ou taxas, por parte de órgãos do governo, taiscomo o Banco Central ou a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), namedida em que, nestes casos, não há o objetivo de auferir lucro, mas sim o depraticar política econômica que se julga ser de interesse do país.

Por exemplo, quando um Banco Central atua para impedir a prática de manipu-lação nas taxas de câmbio de determinado país, ele não estará manipulando a taxa decâmbio e nem esta estará sofrendo a chamada “flutuação suja” (dirt floating - trata-se determo pejorativo, talvez plantado para enfraquecer o argumento dos que sejam favorá-veis a ações defensivas pelos bancos centrais e atender aos interesses de manipuladoresprivados). Neste caso, o Banco Central estará, na realidade, atuando para não permitira ocorrência do crime de manipulação. Um fato curioso, que vale citar, é que frequen-temente é anunciado na imprensa a existência de determinada oscilação de preços devi-do à chamada “briga entre comprados e vendidos”, principalmente em datas de venci-mentos de certos contratos. A imprensa deveria ter alguma cautela, pois isto equivale aadmitir a existência de manipuladores tentando forçar os preços para cima (comprados)e de outros para baixo (vendidos), ou seja, tentando ser price makers. Em outras pala-vras, isto equivale a anunciar, sem nenhum constrangimento, a existência da práticacorriqueira e contumaz do crime de manipulação, como se fosse algo muito natural.

• Insiders Trading – são os participantes que dispõem de informaçõesprivilegiadas (inside information) e que operam nos ativos-objeto ou nos mercadosderivativos antes que a informação se torne pública. Por exemplo, se os insidersdispõem de informações privilegiadas de que uma companhia fechou um excelentecontrato comercial ou de que apurou um ótimo lucro ou, ainda, de que a companhiairá efetuar oferta pública para comprar as ações que estão em poder do público a umpreço elevado, eles podem comprar ações da companhia ou assumir posições com-pradas em mercados derivativos que propiciem lucro com a alta dos preços das

Page 19: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 1 9

ações. Por outro lado, quando os insiders dispõem de informações privilegiadas arespeito de fatos relevantes que propiciem tendências de queda dos preços ao setornarem públicos, eles podem se antecipar vendendo ações ou assumindo posiçõesvendidas em mercados derivativos que propiciem lucro com a queda dos preços dasações. Em ambas as situações descritas, os insiders obterão lucro quando as infor-mações relevantes se tornarem públicas, por terem se antecipado aos demais partici-pantes. Podem ocorrer situações em que jornalistas publicam dados, privados ougovernamentais, sigilosos e que não deveriam ser divulgados, mas eles estão protegi-dos pelo sigilo da fonte. Entretanto, se os jornalistas tiveram acesso a informaçõesprivilegiadas é porque alguém as repassou indevidamente (não se pode afastar apossibilidade de venda das informações) e outros participantes também podem tertido acesso às informações e ter tirado proveito. Outra possibilidade é a de ter havidoespionagem, mas, nesse caso, haveria crime. No caso do mercado de valores mobiliá-rios brasileiro, a instrução n° 358 (vigente em 2004) da CVM obriga as companhiasabertas a publicar os fatos relevantes em jornal de grande circulação e/ou a comunicá-los às bolsas de valores e à CVM para que essas instituições os tornem disponíveis aosparticipantes do mercado em tempo real. Também podem ocorrer situações de insidetrading em derivativos de outros ativos-objeto. Em mercados sem a existência de infor-mações privilegiadas, seria de se esperar a existência de inúmeros ex-operadores debancos que teriam passado a operar por conta própria e, desse modo, estariam ganhan-do dinheiro para si próprios. Por outro lado, se há muito mais informações relevantespara os que especulam a partir de mesas de operações de grandes bancos, dificil-mente os operadores deixarão os bancos e passarão a operar por conta própria, poiseles saberão que não terão muitas chances contando apenas com as informaçõesdivulgadas pelas televisões, jornais ou internet. Da mesma forma que as operaçõesde manipulação, as operações de inside trading também são altamente maléficas aomercado e à sociedade. No caso do Brasil, segundo o artigo 27-D da Lei n°°°°° 10.303/01, as utilizações de informações privilegiadas são consideradas crimes e os insiderspodem sofrer penalidades de 1 a 5 cinco anos de reclusão, além de multa de até 3vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

• Maus Especuladores – são aqueles que assumem posições demasiada-mente arriscadas comparativamente aos seus patrimônios ou que, mesmo tendopatrimônios elevados, operam grandes volumes sistematicamente15. No primeirocaso, os especuladores são altamente maléficos à sociedade, pois, além de estaremsujeitos à perda do capital próprio, podem gerar prejuízos a outros agentes econô-micos. Em algumas situações, pode ocorrer um efeito de quebras em cadeia dediversas instituições (efeito dominó) o que pode colocar todo o sistema financeiroem risco (risco sistêmico)16 e fazer com que os Bancos Centrais e bancos públicos

15 Também poderiam ser considerados maléficos os especuladores que na maior parte das

vezes compram na alta e vendem na baixa, na medida em que contribuem para o aumento

das oscilações (são pró cíclicos), mas eles não necessitam ser combatidos, dado que as suas

contas bancárias não são ilimitadas. Lembramos, contudo, que esses especuladores não

devem ser confundidos com os fabricantes de resultados, que veremos ainda nesta seção.

16 No capítulo 11, apresentaremos os diversos conceitos de risco e mostraremos a

importância de mensurá-los e controlá-los.

Page 20: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

2 0 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

de fomento decidam, discricionariamente, injetar recursos públicos para evitar a“quebra” de bancos ou de empresas sistemicamente importantes. Quando os Ban-cos Centrais ou bancos públicos de fomento avaliarem a possibilidade de injetarrecursos públicos em algum banco ou empresa é de fundamental importância que ainstituição tenha sido fiscalizada por órgão público, para impedir que os recursospúblicos sejam utilizados para evitar a quebra de uma instituição cuja causa verda-deira de sua dificuldade financeira tenha sido, por exemplo, o desvio de recursospor parte dos seus administradores. Quanto à segunda categoria de mausespeculadores, é importante que as sociedades estejam atentas ao fato de que osefeitos das ações de grandes especuladores sobre as economias podem ser catastró-ficos. Os Bancos Centrais, as Comissões de Valores Mobiliários e demais órgãos defiscalização têm a obrigação de agir energicamente (por vezes têm que assumir opapel de xerife) para defender as suas sociedades e economias de grandes ataquesespeculativos ou da ação de manipuladores, dado que alguns grandes especuladorespodem ter interesse na não-existência de estabilidade duradoura das economias, namedida em que é nas grandes turbulências que eles têm maiores probabilidades deganhar grandes somas de dinheiro. Desse modo, pode-se perceber que há o riscomoral (moral hazard) de que alguns dos grandes especuladores, que têm muito aganhar na variação de taxas em um sentido ou em outro, se tornem manipuladoresou insiders trading, ou seja, tentem obter e utilizar informações privilegiadas paraganhar dinheiro. Os grandes especuladores, juntamente com os manipuladores,representam grandes entraves aos países que buscam a estabilidade e a redução daconcentração indevida de renda e isto demandará ações defensivas e integradas devários órgãos e segmentos das sociedades. Uma possível medida de desestímuloseria a tributação com alíquotas progressivas, dos ganhos obtidos, inclusive parainstituições financeiras, que, geralmente se utilizam de recursos de terceiros (deseus clientes) para efetuar grandes especulações ou manipulações. Há até os quedefendem que não deveria ser papel de bancos comerciais especular em nomepróprio, até porque seus poderes de especulação são muito maiores do que os dasempresas, inclusive devido à possibilidade de utilizarem muitos recursos de clien-tes em suas estratégias e táticas de grandes especulações. Na prática, grandesespeculadores e manipuladores acabam se tornando “condutores de manadas” esuas formas de atuação são muito difíceis de serem previstas, dado que, no curtoprazo, eles frequentemente utilizam o elemento surpresa, fazendo, por exemplo,com que os preços das ações de empresas caiam quando são anunciados lucrosrecordes e acima do esperado, e que subam quando más notícias surjam.

Não se deve perder de vista a idéia de que a função precípua dos derivativosé a de servir como instrumentos de hedge para os agentes econômicos que produ-zem ou que consomem e não a de servir como instrumentos de especulação. Con-forme já dissemos, as especulações podem ser admitidas em pequenos volumes,mas, se for constatado que em determinados mercados os volumes operados comobjetivos de especulação superam os volumes destinados a hedge, estes mercadosestarão desvirtuados e os bancos centrais, CVMs e demais órgãos fiscalizadoresdeverão agir com rigor antes que sérios problemas, que podem envolver todo o

Page 21: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 2 1

sistema financeiro e, consequentemente, toda a economia, ocorram. Consideramosque bancos, outras instituições financeiras ou consultores econômicos que, comobjetivos de ganhar comissões, assediem ou tentem “seduzir” dirigentes de empre-sas a realizar operações de especulação com promessas de lucros fáceis, sem entre-tanto alertar para os verdadeiros riscos envolvidos, estarão prestando enormedesserviços às empresas (e às sociedades), possivelmente sendo corresponsáveis pelaquebra de algumas delas. Um ponto que auxiliaria na separação entre as operaçõesde especulação das operações de hedge, seria exigir (sob pena de punição) a segrega-ção contábil de ambas, inclusive para que se possa saber qual o tamanho dos lucrosou dos prejuízos decorrentes das especulações. Até organismos com atuaçõesmultinacionais, como a Organização Internacional de Polícia Criminal - Interpol, aONU, o Banco Mundial e o FMI poderiam contribuir para a boa saúde dos sistemasfinanceiros e das economias. Por exemplo, essas agências poderiam combater aexistência de paraísos fiscais, que concorrem para a prática de golpes e de corrupçõesde grande vulto, na medida em que contribuem com a impunidade. O próprio nome“paraísos fiscais” pode ser visto como eufemismo, pois sugere que tais países sejamúteis apenas para os que querem pagar poucos impostos. Na realidade, são tambémparaísos para os que praticam corrupções e crimes organizados, que podem envol-ver muitos bilhões, ou até mesmo trilhões de dólares segundo algumas estimativas.Para se ter idéia dessa contribuição, as leis desses países chegam ao ponto de proibirque os bancos ali situados forneçam informações de seus clientes, ainda que asinformações sejam solicitadas por órgãos oficiais de outros pases, independente-mente de quais sejam suas atividades (eventualmente alguns clientes podem se utili-zar de tais contas para lavarem dinheiro proveniente de crime organizado). Valecitar que há contradição gritante entre a tendência que se observa mundialmente emampliar e aperfeiçoar o acompanhamento e o monitoramento das atividades doscidadãos comuns, e a liberdade quase ilimitada admitida aos que têm recursos eintenções de movimentarem dinheiro nos paraísos fiscais. É curioso observar comoé freqüente haver analistas e comentaristas que criticam a existência de micro e depequenas empresas atuando na informalidade e deixando de pagar impostos. Certa-mente a formalização é benéfica, embora deva haver bom senso para que não seimponha excessos de exigências que possam sufocar pequenas empresas que estejaminiciando suas atividades. (no Brasil, um percentual significativo das pequenas em-presas encerra suas atividades nos primeiros anos de existência). Contudo, não seobserva o mesmo ímpeto em efetuar críticas (que poderiam ser baseadas em estudosaprofundados) à existência dos paraísos fiscais, ou, ainda, em criticar os governospor não imporem punições e restrições às empresas e bancos que se utilizam de taispaíses para sonegarem ou contribuírem para a sonegação de cifras gigantescas emimpostos (a imposição de tabus sobre certos temas em nada contribui para suascompreensões e seus esclarecimentos). Pelo contrário, o que se verifica, é que quan-do órgãos gorvernamentais tentam impor algumas medidas restritivas, apareceminúmeros analistas (possivelmente contratados) criticando as atitudes policialescasdos citados órgãos. É fato que em diversos países houve enorme concentração narenda de empresas e de bancos nas últimas décadas, inclusive com a ocorrência de

Page 22: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

2 2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

inúmeras fusões e aquisições. O aumento na concentração em empresas pode gerartanto economias (quando se está na parte decrescente da curva de custo médio delongo prazo) quanto deseconomias de escalas (quando se está na parte crescente dacurva), mas, com toda certeza, tendem a reduzir a competição, o que requer especi-al atenção dos órgãos responsáveis pelas autorizações, ou não, das fusões e aquisi-ções. No caso de instituições financeiras, é necessário haver autorizações especiaisde órgãos governamentais, geralmente bancos centrais, para que uma nova institui-ção passe a operar e concorrer com as demais já existentes. Portanto, não basta queos candidatos a donos de instituições financeiras tenham vontade e capital necessá-rio, porque, como trabalharão principalmente com capitais de terceiros, têm quecumprir exigências adicionais (que, naturalmente, devem ser imparcias e isentas depressões, tanto por parte dos candidatos, quanto dos diretores das intituições jáexistentes), embora, se tais exigências forem excessivas, poderá haver baixa concor-rência no setor financeiro.

• Fabricantes de Resultados – são os que utilizam os mercados deriva-tivos para gerar lucros ou prejuízos de forma artificial. Essas operações são motivadaspelo fato de haver participantes interessados em ter prejuízos e participantes interessa-dos em auferir lucros. É comum que as contrapartes interessadas combinem antecipa-damente as características (como preços e quantidades) das operações que irão geraros lucros e os prejuízos combinados e, posteriormente, executem as operações emmercado, tomando todos os cuidados necessários para que as operações pareçam usu-ais. Nos casos em que as operações são previamente combinadas, é possível que elasenvolvam ativos ou derivativos de baixa liquidez e/ou de difícil precificação, na medi-da em que, nestas situações, há liberdade para a escolha de preços com disparidadesrazoáveis e que propiciarão os resultados desejados, embora também possam serutilizados ativos ou derivativos de alta liquidez. As operações de fabricação de resul-tados podem atender a diversos objetivos nocivos, como lavagem de dinheiro, des-vio de recursos públicos ou privados ou operações fiscais, sendo portanto, altamentemaléficas para a sociedade. A seguir, apresentaremos um exemplo em que a fabrica-ção de resultados será utilizada para atender aos objetivos fiscais dos participantes.

Exemplo 1.2 – Um participante A está com um lucro acumulado de US$

1.000.000 e tem interesse em ter prejuízo para anular o lucro acumulado e, conse-qüentemente, deixar de pagar impostos que incidem sobre o lucro. Outro partici-pante B tem prejuízo acumulado de US$ 1.000.000 e concorda em ter lucro deigual valor desde que a contrapartida que ele tenha que pagar para A seja inferior aUS$ 1.000.000. Vamos admitir que, após negociarem, eles cheguem a um acordoem que o deságio da contrapartida que B deverá pagar para A seja de 10%. Oplanejamento das operações que propiciarão os resultados desejados permite a esco-lha de uma quantidade ilimitada de prazos, de formas e de complexidade das opera-ções. A escolha de operações complexas, que podem envolver diversas instituições,inclusive no exterior, justifica-se apenas pelo fato de possibilitar a dissimulação dosverdadeiros objetivos, ou seja, por dificultar os seus rastreamentos e os seus

Page 23: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 2 3

enquadramentos como operações irregulares ou ilícitas, tanto por parte dos órgãosde fiscalização, quanto do poder judiciário. Vamos admitir que os planejadores dasoperações optem por operações simples, como mostrado a seguir:

Resposta - A vende uma determinada quantidade de ativos por US$ 500.000

abaixo do valor verdadeiro para B, que o revende em mercado pelo valor real e,desse modo, obtém lucro de US$ 500.000. Alguns dias depois, B vende outrosativos por US$ 500.000 acima do valor verdadeiro para A, que os revende emmercado pelo valor real e, desse modo, obtém prejuízo de US$ 500.000. Ao finaldas operações, B terá recebido de A um valor líquido em reais correspondente aUS$ 1 milhão. Por outro lado, B transfere US$ 900.000 de uma conta bancáriaque mantenha no exterior para outra conta bancária que A mantenha no exterior.

Admitindo uma carga fiscal de 25%, o participante A terá lucrado(25% - 10%) x US$ 1 milhão que é igual a US$ 150.000 e o participante B terá lucradoUS$ 100.000. Freqüentemente esse tipo de operação é chamada de “esquenta/esfria”.Desse modo, A terá “esfriado” US$ 1 milhão e B terá “esquentado” US$ 1 milhão.

• FRONT RUNERS - são os participantes que compram antecipadamenteativos ou derivativos e os revendem para outros participantes, inclusive para asentidades que têm propriedade coletiva (difusa), que aceitam comprá-los a preçosmaiores e artificiais (previamente combinados). Possivelmente os compradores fi-nais mantêm os ativos ou os derivativos por prazos razoáveis, com o propósito deevitar o reconhecimento contábil de prejuízos (que ocorreriam se os ativos fossemvendidos a preços de mercado). Dessa forma, os compradores finais estariam dissi-mulando os verdadeiros objetivos das operações, ao dificultar a caracterização degestão fraudulenta (crime previsto no art. 4° da Lei n° 7.492/86 - Lei do ColarinhoBranco - que prevê penas de reclusão de até 12 anos e multa). O front runingtambém pode ocorrer na venda de ativos ou de derivativos, quando os front runerspoderiam comprá-los a preços inferiores (dos participantes que aceitassem vendê-los barato) e revendê-los a valores de mercado. É fácil perceber que quando há aprática de front runing envolvendo entidades que tenham propriedade coletiva, há aredução das rentabilidades dos cotistas ou dos participante das entidades. Essa éuma das razões que justificam a necessidade de haver permanentes auditorias inde-pendentes e fiscalizações, por parte de órgãos governamentais, sobre as entidadesque têm propriedade coletiva. A idéia é a de que a ausência dos donos nas adminis-trações, pode, em alguns casos, exigir maiores atenções. Muitos analistas conside-ram que as empresas de auditoria independentes devem ser contratadas por conse-lhos que representem os cotistas ou os participantes (ou seja, pelos donos das entida-des de investimento coletivos), pois, caso fossem contratadas pelos próprios admi-nistradores das entidades de investimento coletivo, haveria o Risco Moral dos audi-tores eventualmente não apontarem todas as irregularidades cometidas pelos admi-nistradores, sob pena de terem seus contratos de prestação de serviços rescindidos.Vale ressaltar que as operações de front runing são consideradas irregulares de acor-do com a instrução CVM n° 8 (vigente em 2001), na medida em que os seus

Page 24: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

2 4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

implementadores estariam gerando condições artificiais de mercado. Também é im-portante ressaltar que a caracterização da prática de front runing se dá pela ocorrên-cia de preços artificiais. Portanto, se alguns participantes conseguem comprar baratoe vender a preços de mercado (corretos) para entidades que têm propriedade coleti-va, eles não estariam praticando front runing. Acredita-se que o estímulo à efetivaparticipação das fundações de previdência e dos fundos de investimento nos leilõesde títulos públicos ou de derivativos dos bancos centrais tenderia a reduzir sensivel-mente eventuais práticas de front runing no mercado de títulos públicos. Conformecomentaremos na seção 1.7, em muitos países somente as instituições financeirastêm participação efetiva nas licitações públicas dos bancos centrais, embora, legal-mente, seja prevista a participação do público não-financeiro. Vale observar que aspráticas de front runing são facilitadas nos mercados de telefone e quando não háfiscalização e controle sistemáticos, nos moldes da Instrução CVM n° 168, sobreas operações ocorridas a preços atípicos.

• DRIBLADORES DE NORMAS - são os que se utilizam dos mercados derivati-vos para “driblar normas”, ou seja, para conseguir, em essência, o que os legislado-res, julgando ser de interesse das sociedades, tentam evitar. Na seção 18.1.4 ilustra-mos como se pode utilizar os derivativos para, em essência, aplicar ou captar recur-sos em renda fixa, a taxas prefixadas, sem que se esteja, na forma, aplicando oucaptando em renda fixa. Com isso poder-se-ia estar driblando, por exemplo, tribu-tos ou recolhimentos compulsórios que incidiriam sobre operações de renda fixa.Independentemente de se concordar ou não com eventuais excessos de exigênciasprevistas nas normas, é importante estar atento ao fato de que este tipo dedescumprimento das normas tende a ser bastante concentrador de renda. Na práti-ca, geralmente apenas os participantes com grandes quantias conseguem efetuá-los,enquanto os pequenos e médios acabam arcando com os diversos custos previstosnas normas, inclusive por desconhecerem as possibilidades de “driblar as normas”por meio de operações em mercados derivativos, ou, ainda, por encontrarem difi-culdades em conseguir interessados em realizar operações com volumes financeirosreduzidos. Naturalmente há os participantes que, independentemente do porte, op-tam por não driblar as normas, mesmo conhecendo os mecanismos para tal.

No apêndice 1, comentaremos os objetivos do Conselho de Controle de Ativi-dades Financeiras (COAF), que trata dos crimes de “lavagem” e da ocultação de bens,direitos e valores. O COAF foi criado a partir da Lei n° 9.613 de 03/03/1998 (Lei daLavagem de Dinheiro), que prevê penas de reclusão de três a dez anos e multa para os“lavadores”. No apêndice 12B falaremos a respeito de alguns dos crimes e das penali-dades previstas na Lei n° 7.492, de 16/06//86 (Lei do Colarinho Branco).

1.5 MERCADOS FINANCEIROS EFICIENTES

Quando um mercado de capitais não sofre a ação dos participantes nocivos eos seus participantes têm acesso a todas as informações relevantes, bem como são

Page 25: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 2 5

habilitados a praticar todas as operações de compra e de venda previstas, o mercadotenderá a ser eficiente. A conseqüência direta deste conceito é que as operações dearbitragem (com lucro e sem risco) serão raras e, quando ocorrerem, os spreads(diferença entre taxa de aplicação e taxa de captação) serão reduzidos.

Nesse contexto, os preços e taxas dos ativos passam a ser influenciados pelospreços e taxas de vários outros ativos. De fato, se dois ativos, A e B, podem fazerparte de uma arbitragem, o preço de A mudará quando o preço de B for alterado,pois, caso isso não ocorra, haverá a possibilidade de arbitragem com os dois bens.Esta é a base da teoria conhecida como Arbitrage Price Theory – APT (Teoria deArbitragem de Preços). De acordo com essa teoria, se os ativos A e B podem fazerparte de uma arbitragem, quando o preço do ativo B estiver equilibrado, só haveráum preço do Ativo A que não possibilitará arbitragem. Em decorrência disto, essateoria também é conhecida como Teoria do Preço Único.

Um bom exemplo desse tipo de relação é o atrelamento que existe entre opreço do ouro no mercado interno e o preço do dólar. Se o preço do ouro nomercado externo ficar constante, e o ouro no mercado interno subir mais (ou me-nos) do que o dólar, haverá a possibilidade de arbitragem. Até 1991, o Banco Centralcontrolava o preço do dólar paralelo por meio da venda do ouro no mercado interno.

A relação entre o preço do ouro no mercado interno e o preço do ouro nomercado externo pode ser observada na seguinte equação de paridade:

onde:Taxa de câmbio = quantidade de reais necessária para comprar um dólar;Onça-troy = unidade de peso que tem 31,104 gramas e que é o padrão

para negociação no mercado internacional.

Partindo da hipótese de que o Banco Central (BACEN) é um price maker (fazo preço) no mercado interno de ouro e um price taker (toma o preço como dado,não sendo capaz de influenciar o preço de forma relevante) no mercado internacio-nal de ouro, percebemos que, quando o BACEN reduz o preço do ouro no mercadointerno, e o ouro no mercado internacional permanece constante, a taxa de câmbioterá que ser reduzida para manter a paridade (só haverá uma taxa de câmbio que nãopossibilita arbitragem). Se a taxa de câmbio não cair, será possível montar operaçãode arbitragem, comprando ouro no mercado interno, vendendo ouro no mercadoexterno e câmbio no mercado interno, conforme vimos no exemplo 1.2.

1.6 FUNÇÃO ECONÔMICA DOS BANCOS

Antes de iniciarmos o estudo dos mercados derivativos e de sua utilidadepara uma economia, é de fundamental importância a compreensão do papel desem-penhado pelos bancos nas atividades econômicas dos diversos países.

=31,104

taxa de câmbio x p. externo onça-troy de ouro em dólaresp. interno deum grama deouro em reais

Page 26: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

2 6 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Por que um país necessita de bancos? Seria possível empresas e indivíduos empres-tarem e captarem recursos, diretamente entre si, sem a intermediação bancária?

Vejamos um exemplo. Um indivíduo A deseja aplicar recursos excedentespor determinado período de tempo e obter uma remuneração por sua aplicação.Chamaremos esse indivíduo de Unidade Econômica Superavitária A – USA. Si-multaneamente, uma empresa necessita captar recursos temporariamente para cobrirseu déficit de caixa temporário. Essa empresa será uma Unidade Econômica De-ficitária A – UDA.

Pergunta: Sem levar em consideração possíveis restrições legais à atividadede empréstimos entre pessoas físicas ou jurídicas não-financeiras, por que não pode-ria a USA emprestar os recursos diretamente à UDA?

Resposta: Porque, na prática, seria extremamente improvável que houves-se uma perfeita coincidência de interesses entre a USA e a UDA. Dificilmente aUSA estaria interessada em emprestar o mesmo volume, e pelo mesmo prazo, que aUDA necessitaria captar. Além disso, a USA provavelmente não estaria disposta acorrer o risco de crédito (risco de não receber os recursos emprestados) da UDA. Defato, um banco tem maiores condições de avaliar o risco de crédito de um candidatoa tomar recursos emprestados, por meio do seu departamento de crédito, do queuma empresa ou uma pessoa física.

A seguir sintetizamos as vantagens de se realizarem empréstimos por meio debancos comparativamente aos empréstimos diretos.

Empréstimo Direto

➢ Problemas:

• provável incompatibilidade de volume e de prazo;

• risco de crédito elevado para quem empresta.

UDA USA

Empréstimo Intermediado

➢ Vantagens:

• transformação de prazo e de volume, facilitando o empréstimo para otomador e para o emprestador;

• risco de crédito reduzido para quem empresta.

Page 27: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 2 7

➢ Custo:

• o banco ficará com parte da remuneração do aplicador e/ou aumentará ocusto de captação do tomador do empréstimo. A diferença entre as taxas de capta-ção e de aplicação é conhecida como spread bancário.

Em síntese, as instituições financeiras têm as seguintes funções econômicas adesempenhar em uma economia:

➢ Funções Tradicionais:

• transformar volumes;

• transformar prazos;

• transformar riscos de crédito.

➢ Outras Funções:

• estruturar e dar liquidez a operações que propiciam hedge às empresasou às pessoas físicas;

• custodiar e ser depositário de papel-moeda, ações e outros valores;

• prestar serviços de compensação de cheques;

• realizar cobranças bancárias;

• transferir recursos (inclusive para outros países);

• realizar câmbio de moedas estrangeiras; e outras17.

➢ Alguns Desvios

• Prestar Consultoria sobre Lavagem de Dinheiro, ou Efetuá-la;

USA

USB

USC

UDA

UDB

UDC

B

a

n

c

o

s

17 A atividade bancária gera a multiplicação dos meios de pagamento por intermé-

dio do empréstimo de recursos depositados à vista por seus clientes. Veja análise

sobre multiplicador bancário em livros de economia monetária.

Page 28: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

2 8 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

• Arbitrar, Efetuar Grandes Especulações e Manipular Mercados com dinheirode clientes, o que amplifica muito seus poderes de fogo em relação a empresas.

Vale citar que originalmente o inciso I do artigo 192 da Constituição Federalbrasileira vedava às instituições financeiras a participação em atividades distintasdaquelas previstas no caput do artigo (guardava sintonia com o princípio de direitopúblico, onde tudo aquilo que não é permitido é proibido. Este princípio geral-mente é utilizado nas atividades em que as instituições dependem de concessãogovernamental para funcionarem. Por exemplo, os bancos não poderiam efetuargrandes especulações em nome próprio, utilizando dinheiro dos clientes.), mas foirevogado pela Emenda Constitucional 40 de 2003.

Tem sido bastante expressiva a participação de bancos como administra-dores de fundos de investimento e de recursos de terceiros, embora essa não sejauma atividade exclusivamente bancária, podendo ser praticada por outras insti-tuições. No Brasil a CVM é o órgão responsável pela autorização ao exercício daatividade de administração de fundos de investimento.

Também se observa que os bancos costumam efetuar grandes especulaçõesem alguns mercados como os de juros, de câmbio e de ações, inclusive em seusderivativos, embora tal prática seja bastante criticada por muitos economistas. Alémde incrementarem enormemente os riscos dos bancos (e consequentemente de seusdepositantes e credores) as especulações tendem a desvirtuar as participações dosbancos no funcionamento das economias, além de não fazer parte das atividadesnormalmente previstas.

Na realidade, os principais parâmetros para avaliar se os bancos comerciaisestão conseguindo cumprir suas funções econômicas são os volumes de captações e deempréstimos e financiamentos que eles efetuam. Por outro lado, a amplitude do spread

bancário tem relação inversa com a competitividade e a eficiência do sistema bancário.Quando o spread bancário praticado em determinado país é muito elevado,

mesmo que o Banco Central do país reduza as taxas de juros praticadas em suasoperações a níveis irrisórios (próximos de zero), as taxas de juros cobradas, pelosbancos comerciais e de investimentos, dos tomadores de empréstimos e de finan-ciamentos permanecerão excessivamente elevadas. Desse modo, não será possívelaos investidores captarem recursos para investir, na medida em que as taxas inter-nas de retorno (esperadas) dos investimentos não serão suficientemente elevadaspara pagar as taxas excessivamente altas que lhes são cobradas pelos bancos queoferecem os empréstimos e financiamentos.

Para reduzir as conseqüências negativas de spreads bancários elevados so-bre os níveis de investimentos, os governos de alguns países fornecem crédito deprazos longos e a taxas de juros reduzidas (subsidiadas) para empresas que quei-ram investir, a partir de bancos ou de agências governamentais de desenvolvimen-to. Portanto, os governos tentam reduzir os danos causados às economias dos

Page 29: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 2 9

países, pela escassez de oferta de créditos de longo prazo e a taxas de juros razo-áveis por parte dos bancos privados. Nestes casos, é de fundamental importânciaque os créditos concedidos pelos governos sejam pulverizados entre os investido-res das diversas camadas sociais, para que se evite aumento na concentração derenda, da mesma forma que os créditos agrícolas concedidos por bancos ou agên-cias governamentais a taxas de juros subsidiadas também devem ser concedidosaos agricultores das diversas camadas sociais.

É de fundamental importância que os países tenham a relaçãoCrédito/PIB (Produto Interno Bruto) elevada e que os bancos nãopratiquem spreads bancários excessivamente altos, para que, de fato,exerçam suas funções econômicas e, desse modo, possam contribuirpara o desenvolvimento econômico e social dos países18. Deve-selembrar, entretanto, que os créditos devem ser concedidos de formacriteriosa e que os créditos destinados aos investimentos geramcontribuições bem maiores ao desenvolvimento do que aquelesdestinados ao consumo, que, se excessivos, podem ser danosos.

Quando bancos ou administradoras de cartões de crédito assediam potenci-ais clientes, inclusive com telemarketing, para que adquiram cartões de crédito,que, para muitas pessoas, pode representar um convite ao endividamento excessivo,sem entretanto alertar para os verdadeiros custos e elevadas taxas de juros envolvi-das, também estarão prestando enorme desserviços às pessoas (e às sociedades).Deveria haver lei tipificando como crime a obtenção ou venda de dados cadastraispor parte de instituições interessadas em captar clientes, inclusive histórico bancá-rio, nome e telefone, sem prévia autorização dos cidadãos. As pessoas deveriam tero direito de decidir se querem ou não ser contatadas ou importunadas por empresasde telemarketing e quando fossem importunadas sem a existência de autorizaçãoprévia, poderiam processar as empresas de telemarketing por meio de rito sumário.O simples fato das empresas conseguirem de forma corriqueira os dados dos clien-tes, explicita total falta de segurança dos dados e o quanto as pessoas estão expostas.Além disso, por motivos óbvios, é fundamental que os dados referentes às senhas, às

18 Segundo diversos estudos, que podem ser encontrados facilmente na rede mundial de

computadores, a relação crédito/PIB no Brasil é bastante baixa, embora venha aumen-

tando nos últimos anos, alcançando valores superiores a 35%. Segundo os mencioados

estudos, em grande parte dos países desenvolvidos a relação crédito/PIB situa-se acima

de 100%. Por sua vez, o spread bancário brasileiro é reconhecidamente elevadíssimo

quando comparado a outros países. Se o spread é muito elevado, pouco adianta a redu-

ção de juros por parte do governo. Já houve casos de spread do cheque especial ultrapas-

sando 100% a.a., mesmo para tomadores de baixo risco, como funcionários públicos

estáveis e que recebam salários no próprio banco. Alguns analistas diriam que os clientes

que tivessem risco de crédito tão elevado a ponto de merecer spread tão gigantesco,

sequer deveriam receber cheques especiais, e sim terem contas comuns, ou, o que seria

ainda mais razoável, nem serem admitidos como clientes.

Page 30: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

3 0 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

compras, locais frequentados e horários que frequentam, sejam muito bem guarda-dos, para que não caiam em mãos erradas.

Quando os bancos não cumprem satisfatoriamente as suas funções eco-nômicas, o desenvolvimento econômico e social dos países fica bastante preju-dicado, na medida em que os projetos de investimentos, de grande e pequenoportes, não obtêm financiamento, e isto impede o aumento da produção e acriação de novos empregos.

Em países de elevada dívida pública interna (os governos são as grandes uni-dades econômicas deficitárias), os bancos concentram, freqüentemente, suas aplica-ções em títulos governamentais (que em tempos de normalidade são considerados debaixo risco), em vez de conceder empréstimos ou financiamentos, já que, conformedissemos, dificilmente um projeto consegue ter retorno suficientemente elevadopara pagar taxas de financiamento muito altas. Nestes países também é freqüenteque os administradores dos fundos de investimento tendam a concentrar suas aplica-ções em títulos públicos. É claro que quando as principais fontes de receitas dosbancos não são provenientes das suas atividades precípuas, há desvio de finalidadenas atividades dos bancos. Conforme mencionaremos na seção a seguir, o incremen-to nas vendas de títulos públicos por parte dos governos diretamente ao público não-financeiro, poderia contribuir para o redirecionamento das atividades bancárias decaptar recursos e conceder créditos, fazendo com que os bancos passassem a terpapel importante no desenvolvimento dos países.

1.7 O MERCADO DE CAPITAIS COMO ALTERNATIVA À INTERMEDIAÇÃO DOS BANCOS

Há situações em que as necessidades de captação e de aplicação de recursospor parte dos agentes econômicos podem ser conciliadas sem a necessidade da par-ticipação dos bancos. Nestes casos o mercado de capitais exerce as funções econô-micas de transformar prazos e volumes, bem como avalia os riscos de crédito doscaptadores. Para exemplificar a captação direta de recursos sem a necessidade deintermediação bancária, consideraremos dois grupos de captadores finais: as Com-panhias Abertas e os Governos.

A principal vantagem de se utilizar o mercado de capitais para conciliara captação e a aplicação de recursos é a eliminação do spread bancário.

As companhias abertas possuem instrumentos que lhes permitem captar re-cursos diretamente do público não-bancário, como pessoas físicas, empresas, funda-ções de previdência e fundos de investimento. Os principais instrumentos são ações,debêntures e notas promissórias (também conhecidas como commercial papers). As

Page 31: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 3 1

ações são instrumentos de captação de recursos por prazo indeterminado, permitin-do que o comprador se torne dono de parte da companhia. As debêntures geralmen-te são captações por prazos longos, podendo ser indexadas a índices de preços ou ataxas de juros sendo, nestes casos, instrumentos de renda fixa. Há também debêntu-res conversíveis em ações, quando seus detentores têm a opção de trocá-las porações. Nestes casos, as debêntures passam a ser instrumentos de renda variável, namedida em que têm opções de compra agregadas aos seus rendimentos.

É interessante observar que há grande volume captado pelas companhiassob a forma de debêntures, mas devido ao fato de os títulos serem muito heterogê-neos e em decorrência de não haver tradição de promover emissões pulverizadaspara pequenos e médios investidores (ainda que parcialmente), a liquidez geral-mente é muito reduzida (os principais compradores tendem a ser as fundaçõesde previdência e os fundos de investimento que geralmente efetuam poucas ne-gociações no mercado secundário). O principal obstáculo para a negociaçãodesses títulos por empresas, bancos e pessoas físicas é a dificuldade em calcularos preços justos das debêntures, devido ao grande número de variáveis envolvi-das. Alguns analistas acreditam que a emissão de debêntures mais homogêneas(por exemplo, que rendessem taxa SELIC mais um bônus anual) aliada a umapulverização de parte da emissão em pequenos lotes, com o objetivo de atingirum público mais amplo, permitiria o aumento da liquidez e, conseqüentemente,aumentaria a demanda pela emissão primária de debêntures, propiciando o cres-cimento do mercado.

Acredita-se que haja uma demanda reprimida muito grande, porparte dos investidores, por alternativas de investimentos diretos, semque haja necessidade da intermediação dos fundos de investimentos.

As notas promissórias são instrumentos captações, pelas empresas, por pra-zos mais curtos sendo instrumentos de renda fixa para os seus compradores.

Ao analisar o mercado de ações americano observa-se que há grande pulveri-zação dos investimentos entre a população, sendo comum que as famílias invistamparte das suas poupanças em ações para receber dividendos ao longo de muitos anos(naturalmente, isto ocorre por ter se mostrado um bom negócio ao longo do tempo).Quanto ao mercado brasileiro, o que se observa é que apenas uma pequena parcelada população (mesmo tomando como base de cálculo somente a minoria que temcondições de poupar) aplica recursos em ações e, muitas vezes, essas aplicações têmcaráter especulativo, na medida em que se busca a valorização das ações e não orecebimento dos dividendos no longo prazo.

Há um movimento no mercado acionário brasileiro, conhecido como “novo

Page 32: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

3 2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

mercado”, que busca atrair uma parcela maior da população para aplicar em bolsas.As companhias abertas que vierem a fazer parte do novo mercado terão regras maisrígidas para os seus controladores, que visam, inclusive, dar maior proteção aosacionistas minoritários, evitando que eles sejam prejudicados por eventuais decisõesarbitrárias dos acionistas controladores19.

Outro valor mobiliário com grande demanda reprimida são osCertificados de Investimento Coletivos (CIC). Nesta modalidadede captação pulverizada de poupança, os investimentos podem seralocados em projetos industriais, agroindustriais ou agropecuários.

Há interesse, no mercado de capitais, tanto por parte dos investidores, quenecessitam de outras alternativas de investimento, quanto dos captadores, quepreferem captação mais barata que a oferecida pelos bancos.

Pergunta: Por qual razão esses instrumentos de captação e de investi-mento não decolam e alavancam os desenvolvimentos dos países, já que hágrande demanda reprimida?

Resposta: A maior parte dos administradores de recursos acredita queseja em decorrência do risco de crédito dos projetos e da existência de eventu-ais interesses contrários.

Segundo esses administradores de recursos, os potenciais investidores, basea-dos em experiências anteriores, temem não receber de volta os recursos aplicados, oque ocorre quando é decretada a falência do projeto ou da companhia que administrao projeto de investimento20. No Brasil há inúmeras experiências de investidores que

20 Outro risco existente é o de que os certificados sejam falsos. Portanto, sempre que

houver alguma dúvida quanto à licitude de algum título ou valor mobiliário, deve-se, previ-

amente à sua negociação, recorrer aos órgãos competentes, como o Banco Central e a

CVM, para que estes atestem a legalidade do título. A emissão de títulos ou de certificados

falsos é crime previsto na Lei do Colarinho Branco, que será vista no apêndice 12B.

19 Duas das exigências para que uma companhia possa fazer parte do novo merca-

do nos níveis mais elevados (há três níveis de exigências previstos e é no terceiro

nível que são impostas as maiores) são que a companhia tenha apenas ações ordi-

nárias e que tenha um percentual mínimo das ações negociadas em mercado

(percentual das ações negociadas em bolsa, cujo valor é conhecido como free

floating) de 25%. Os percentuais de free floating das companhias abertas brasilei-

ras são muito baixos quando comparados aos percentuais das companhias abertas

americanas. Outra exigência do nível mais elevado é a de que as companhias adi-

ram a juízos arbitrais que não pertençam ao poder judiciário. Desse modo, em caso

de litígio, as companhias se obrigam a acatar as decisões do juízo arbitral e, por-

tanto, não podem recorrer à justiça comum. O objetivo é dar agilidade aos julga-

mentos. Em 2001, ainda não havia companhias classificadas no terceiro nível.

Page 33: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 3 3

perderam seus recursos, como os que investiram em empresas de consórcios, de fa-zendas de boi gordo e de avestruz (alguns desses investimentos contam com forteapelo publicitário, inclusive com a participação de atores e atrizes de televisão).Muitos investidores não se conformam em terem perdido suas economias e nin-guém ter sido punido, mesmo nos casos em que as poupanças tiverem sido desvia-das, pelos administradores, para paraísos fiscais. Alguns instrumentos disponíveispara reduzir esses riscos de crédito são o oferecimento de garantias monetárias porparte dos administradores (essas garantias seriam automaticamente utilizadas paracobrir pelo ou menos parte dos prejuízos dos aplicadores, no caso de “quebra” doprojeto), a contratação de seguro, a ser utilizado na hipótese de “quebra” e, ainda, aavaliação dos projetos por agências especializadas em classificar os seus riscos.

Também é indispensável que os órgãos responsáveis pela fiscalização dosprojetos (e dos bancos que captem recursos de terceiros) tenham grande credibilidadeperante os investidores; sejam bem aparelhados; tenham o respaldo de normas quelhes permitam amplo poder de punição aos administradores que pratiquem gestãofraudulenta ou gestão temerária (crimes previstos na Lei do Colarinho Branco - nº7.492/86), inclusive por meio do desvio de recursos dos projetos (possivelmenteutilizando operações previamente combinadas e que propiciem a fabricação deresultados); e possuam eficácia comprovada ao longo do tempo. Vale lembrar,entretanto, que é possível que alguns administradores conquistem a confiança dosinvestidores e invistam as poupanças coletivas captadas em projetos que tenhamelevadas rentabilidades e, com isso, efetivamente contribuam para o desenvolvi-mento e a melhoria do nível de emprego dos países.

Como é de amplo conhecimento, também há captação de recursos para aaquisição de bens de consumo ou de imóveis sob a forma de consórcio. Estascaptações coletivas também estão sujeitas aos riscos de gestão fraudulenta e de-mais problemas citados.

Os órgãos de fiscalização também devem ter especial atenção para evitar even-tuais atuações nocivas de participantes que não tenham interesse na concorrência gera-da por esses mecanismos de captação direta e que possivelmente tenham atitudes nosentido de dificultar ao máximo os seus desenvolvimentos. Talvez órgãos públicostenham que impor normas e regras que impeçam a sabotagem aos citados mecanismos.O poder dos fiscalizados não pode superar o poder dos órgãos fiscalizadores

Captação Direta pelos Governos

Os governos também podem captar recursos diretamente do público, na me-dida em que os leilões (ofertas públicas) de títulos governamentais prevêem, geral-

Page 34: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

3 4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

mente por exigências legais, a participação do público em igualdade de condiçõescom os bancos e demais instituições financeiras (as pessoas físicas e jurídicas não-financeiras podem apregoar os mesmos títulos, com vencimentos e indexadoresiguais aos ofertados às instituições financeiras). Em geral, os países adotam os trêspostulados básicos das licitações públicas (no Brasil destaca-se a Lei de Licitações -

nº 8.666/93, que, entretanto, admite a venda de títulos por parte de órgãos governa-mentais segundo legislação própria), a saber:

• a formalidade;

• a publicidade; e

• a isonomia - absoluta igualdade de condições entre os licitantes.

No Brasil a participação do público não-financeiro nos leilões primários esecundários de títulos públicos não é comum e precisa ser efetuada por intermédiode uma instituição financeira. Tecnicamente é possível a participação do públiconão-financeiro nas ofertas públicas de compra e de venda de títulos utilizando-sesistemas de licitação em tempo real. A título de exemplo, vale mencionar o sistemade licitação do governo federal brasileiro, via internet, conhecido como“comprasnet”, cujo endereço eletrônico é comprasnet.gov.br.

Outro exemplo é o da negociação em tempo real, utilizando-se o sistemaconhecido como home-broker (que já vem sendo utilizado com sucesso no mer-cado de ações), no qual as propostas de compra e de venda são efetuadas viainternet, a partir de limites previamente estabelecidos pelas corretoras aos seusclientes (no apêndice 21 trataremos dessas possibilidades de negociação em maiorprofundidade). Há países, entretanto, em que o público tem participação maior,efetuando propostas de compra e de venda de títulos, inclusive por meio dainternet. Na realidade, o público não-financeiro deve dispor das duas alternati-vas a seguir mencionadas:

• comprar ou vender diretamente os títulos governamentais, seja no mer-cado primário, em que os Tesouros ou os Bancos Centrais efetuam licitaçõespúblicas, seja no mercado secundário, onde o público compra e vende títulos quejá tenham sido emitidos previamente. Em ambos os casos, é de fundamentalimportância que haja igualdade das condições oferecidas ao público não-financei-ro em relação às condições oferecidas às instituições financeiras, até mesmo peloprincípio da isonomia nas licitações públicas. A principal vantagem dessa alter-nativa, em relação à apresentada a seguir, é que não há custos referentes à cobran-

ça de taxas de administração;

Page 35: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 3 5

• comprar ou vender indiretamente os títulos governamentais, por meioda compra ou venda de cotas de fundos de investimento em renda fixa emcujos regulamentos esteja prevista a aplicação em títulos governamentais. Nes-ta alternativa podem haver maiores garantias de liquidez (embora a alternativaanterior também possa dispor de grande liquidez quando os mercados de capi-tais são bem desenvolvidos), mas há custos referentes à cobrança de taxas de

administração.

É interessante observar que essas duas alternativas já são bastante difundidasno mercado de ações. Para este mercado, o conhecimento dos administradores arespeito das perspectivas de rentabilidade das diversas companhias pode sermuito útil para os que não possuem conhecimento do mercado acionário. En-tretanto, no caso das aplicações em títulos de renda fixa, não é necessário umconhecimento tão amplo, na medida em que a variável-chave que influencia asaplicações é a taxa de juro21. É importante, entretanto, ter o conhecimento dostítulos existentes e dos seus indexadores (taxas de câmbio, índices de preços,taxas de juros etc.), quando for o caso, para a escolha dos títulos e dos venci-mentos mais adequados.

Para se ter uma idéia do quanto as duas alternativas podem diferir em termosde rentabilidade, vamos admitir que um título público federal cambial com prazode cinco anos tenha sido vendido a uma taxa efetiva de 11,80% a.a. mais a varia-ção do dólar. Alternativamente vamos admitir que um fundo remunere a variação dodólar mais 4% a.a. de taxa efetiva e cobre 6% a.a. de taxa de administração.Considerando que a taxa de variação do dólar se situe em 12% a.a., um aplicadorde recursos que dispusesse de R$ 100.000 teria (desconsiderando-se os impostos)os seguintes valores ao final de cinco anos:

• comprando o título diretamente:

R$ 100.000 x (1+0,12)5 x (1+0,1180)5 = R$ 307.822

• aplicando no fundo:

R$ 100.000 x (1+0,12)5 x (1+0,04)5 x (1- 0,06)5 = R$ 157.361

Percebemos que a aplicação direta renderia quase 208% enquanto a apli-cação indireta renderia pouco mais de 57%.

21 Na hipótese de fundos cambiais ou de títulos cambiais (por exemplo, Notas do Tesou-

ro Nacional série D – NTN D – ou Notas do Banco Central série E – NBC E), deve-se

considerar também a variável taxa de câmbio R$/US$.

Page 36: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

3 6 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Admitindo que financiar o governo seja uma atividade rentávele de baixo risco (o que é verdadeiro em tempos de normalidade),parece bem interessante a idéia (defendida por muitos) de incentivaras empresas e as pessoas físicas a comprarem os títulosgovernamentais diretamente e em igualdade de condições com asinstituições financeiras, na medida em que isto aumentaria acompetição nos leilões de títulos públicos e estimularia a liquidezdesses títulos nos mercados secundários. Isto tenderia a reduzir ocusto de rolagem da dívida pública, o que certamente traria enormesbenefícios para todas as sociedades.

Conforme havíamos mencionado ao final da seção anterior, outro grandebenefício decorrente da compra e venda de títulos públicos por parte dos governosao público não-financeiro22 seria o de contribuir para que os bancos retornem àssuas atividades precípuas, que são as de captar e emprestar recursos ao público não-financeiro, dado que os ganhos dos bancos decorrentes da administração de recursostenderiam a sofrer fortes reduções. De fato, haveria tendência de grande parte dosrecursos aplicados pelo público não-financeiro migrarem das aplicações indiretasem títulos públicos para as aplicações diretas.

Portanto, a compra e venda de títulos públicos por parte dos governosao público não-financeiro teria como externalidade positiva (efeitocolateral positivo) o incentivo para que os bancos retornem às suasatividades tradicionais, de captar e emprestar recursos, acarretandoaumento da relação crédito/PIB dos países, o que certamente contribuiriade forma decisiva para o aumento das suas taxas de desenvolvimento.

Outra vantagem decorrente do estímulo às compras diretas de títulos gover-namentais seria o aumento no leque de possibilidades dos que têm intenção deefetuar poupanças de longo prazo, pensando, talvez, em suas aposentadorias ouem outros projetos de longo prazo. Os potenciais aplicadores poderiam, por exem-plo, comprar títulos governamentais de longo prazo, corrigidos por índices de

22 Se os governos facilitarem o acesso do público não-financeiro aos leilões de

títulos públicos, inclusive por meio da internet, e efetuarem maciças campanhas pu-

blicitárias nos meios de comunicação, a respeito das novas formas de acesso, ao

mesmo tempo em que for dado ao público não-financeiro (inclusive às entidades de

investimento coletivo) a oportunidade de comprar e vender em igualdade de condi-

ções com o público financeiro, é bastante provável que o público não-financeiro

venha a ter grande participação nos leilões dos governos e contribua de forma deci-

siva para o aumento da liquidez e a redução dos custos de rolagens das dívidas, o

que, conforme já dissemos, trará grandes benefícios às sociedades.

Page 37: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 3 7

preços (no Brasil há NTNs, que são corrigidas por diferentes índice de preços egarantir aumento dos seus poderes de compra no longo prazo.

Como os governos costumam dar benefícios fiscais aos que aplicam no longoprazo, por meio de fundos (ou fundações) de previdência complementar (privadasou públicas), é razoável admitir a existência de incentivos análogos (assim comoexigências análogas de prazos mínimos de permanência) aos que aplicassem emtítulos governamentais com objetivos de previdência.

Não se pode ignorar que a compra direta de títulos governamentaisde longo prazo com objetivos de previdência complementar possuivantagem sobre a compra indireta, no tocante ao risco de crédito.Infelizmente há exemplos de entidades de investimento coletivodestinadas a complementar aposentadorias que “quebraram” e nãopuderam pagar os benefícios previstos aos participantes. Seria trágicopara um participante, contribuir durante 30 anos e, quando estivessepróximo de se aposentar, a entidade “quebrasse”. Eventualmente aquebra poderia ser decorrente de desvio de recursos para paraísosfiscais, o que caracterizaria a prática de gestão fraudulenta, que, nocaso do Brasil, é crime previsto no artigo 4° da Lei n° 7.492/86.

Vale observar que em grande parte dos países, a maior parte das dívidaspúblicas são financiadas indiretamente pelo público não-financeiro, por meio dosfundos de investimento ou de previdência complementar. Portanto, geralmente o

capital próprio das instituições financeiras contribui apenas com pequena parte dos

recursos que financiam os governos.Por todo o exposto nesta seção, podem-se perceber que os mercados de capi-

tais também cumprem as funções econômicas de transformar prazos e volumes dosrecursos, de forma análoga aos bancos. Nos exemplos de captação sem intermediaçãobancária mencionados, os volumes dos recursos são transformados na medida emque as captações são divididas entre diversos aplicadores. Os prazos também podemser transformados quando os títulos utilizados para as captações têm liquidez, o quepermite aos aplicadores de recursos venderem os títulos no mercado secundário,antes de seus vencimentos, permitindo-lhes antecipar o recebimento dos recursos.

Lembramos, ainda, que um mercado de capitais competitivo e bem desen-volvido favorece um aumento da eficiência econômica alocativa de recursos (oscapitais tendem a ser alocados nas alternativas de investimento com maiores ren-tabilidades esperadas e menores riscos) como também constitui-se em um dosprincipais canais para a geração da poupança e dos investimentos de longo prazo,sendo, portanto, indispensável ao desenvolvimento sustentado de um país.

Vale observar que, na prática, a intermediação de recursos por meio dos merca-

Page 38: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

3 8 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

dos de capitais tem como característica a utilização de títulos de captação emitidosapenas pelos grandes e médios captadores. Os governos devem estar atentos a estaconstatação e, possivelmente, incentivar outras alternativas de crédito para os agenteseconômicos de menor porte, inclusive com o objetivo de evitar o aumento na concen-tração de renda. De fato, os governos devem ter como objetivo não apenas o crescimen-to econômico, mas, também, a melhoria na distribuição de renda de suas populações.

Nos últimos anos o que se tem observado no mundo empresarial é exatamen-te o oposto, ou seja, grande aumento na concentração de bancos e de empresas, semque os órgãos responsáveis pela manutenção da concorrência tenham impedido agrande ocorrência de fusões e de aquisições.

Segundo a teoria econômica, os governos devem definir funções-objetivo aserem maximizadas por meio de suas decisões e ações (condicionadas aos recursosdisponíveis, às leis e aos aspectos éticos). Como o objetivo é maximizar o bem-estar esperado da sociedade, torna-se imperioso que os órgãos governamentais defiscalização e de justiça ajam de forma bastante organizada e integrada, defendam asociedade das ações dos participantes nocivos, cujos poderes podem ter muitasramificações, e, inclusive, porque os prejuízos causados por eles às sociedadespodem chegar a dezenas, ou mesmo centenas de bilhões de dólares.

1.8 FUNÇÃO ECONÔMICA DOS MERCADOS DERIVATIVOS

Os mercados derivativos são fundamentais para qualquer economia, na medidaem que podem ser aplicados, quando utilizados de forma responsável, como instru-mento de hedge aos diversos agentes econômicos. Portanto, os agentes econômicospodem utilizar os mercados derivativos para administrar os riscos de flutuaçõesindesejadas de preços. No caso das instituições financeiras, elas tanto poderão utilizaros mercados derivativos para hedgear posições próprias, como, também, para propici-ar hedge aos demais agentes econômicos.

Se uma empresa consegue trabalhar com menor risco, ela terá mais incentivopara aumentar seus investimentos e, conseqüentemente, aumentar o seu nível deprodução e de empregos.

Em contrapartida, se a empresa tem que trabalhar em ambiente de alto risco,ela reduzirá ou eliminará seus investimentos, reduzindo também o seu nível deprodução e de empregos.

Por exemplo, se uma empresa de transportes não tivesse alternativas parafazer seguro dos veículos de transporte e das cargas transportadas, seria de se esperarque ela exigisse maior rentabilidade esperada para realizar suas atividades, de modoa compensar o maior risco a que estaria exposta.

Page 39: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 3 9

A conseqüência seria a realização dos serviços por preços maiores ou, se istonão fosse possível, a redução ou interrupção de sua atividade. Em ambos os casos,pode-se perceber que as conseqüências seriam altamente maléficas para as sociedades.

Da mesma forma que as seguradoras têm um papel fundamental a desempe-nhar, os derivativos também são indispensáveis para que a atividade econômica deum país flua com mais segurança e, conseqüentemente, gere mais renda e bem-estarsocial. Parece não haver dúvidas entre os economistas de que a grande instabilidadenos diversos preços e taxas verificada nos últimos anos, em nível mundial, tem sidodesfavorável para as diversas economias.

Desse modo, o desenvolvimento dos mercados derivativos e a divulgaçãoentre os agentes econômicos dos benefícios que os mercados derivativos proporcio-nam quando são utilizados com objetivos de hedge parece ser de grande valia para odesenvolvimento econômico sustentado das sociedades.

De fato, se os agentes econômicos aceitassem trabalhar com esperanças deretorno razoáveis, porém com riscos reduzidos (os agentes econômicos teriam queabrir mão da possibilidade de lucros extraordinários no curto prazo em troca daeliminação da possibilidade de prejuízos), haveria tendência de os países cresceremsem grandes sobressaltos e de forma equilibrada.

Em teoria, esta visão já estaria começando a ser aplicada pela maioria dospaíses desenvolvidos que, desde 1998, deveriam estar controlando e impondo limi-tes diários máximos de risco aos seus bancos. Possivelmente, no futuro próximotambém passará a haver controle de risco sobre as empresas consideradas estratégi-cas para os países, na medida em que, se essas empresas assumirem riscos excessi-vos e quebrarem, os países não poderão abrir mão de suas existências e possivel-mente injetarão recursos públicos (diretamente ou por meio de financiamentos sub-sidiados) para evitar suas quebras (no apêndice 12B há a descrição do processo deliquidação extrajudicial pelo Banco Central, Lei n° 6.024/74, e eventual posteriordecretação de falência pelo poder judiciário, Decreto-Lei n° 7.661/45, das institui-ções financeiras no Brasil).

Entretanto, de nada adianta a existência de controles previstos emleis ou em normas infra legais, se as fiscalizações não forem efizazesou se os poderes de lobby dos fiscalizados forem muito superiores aospoderes dos órgãos fiscalizadores. Nestes casos, as fiscalizações seri-

am neutralizadas e totalmente inócuas, e os derivativos em vez de

benéficos poderiam se tornar altamente maléficos às sociedades, tra-

zendo contribuições não às reduções, mas, sim, às ampliações dos

riscos de bancos e de empresas.

Page 40: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

4 0 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Para ilustrar a assimetria de efeitos, do ponto de vista social, dos resultadosobtidos por agentes econômicos que não efetuam hedge e assumem posições exces-sivamente arriscadas, faremos a afirmativa a seguir.

Quando grandes instituições financeiras ou grandes empresasassumem riscos excessivos e auferem ótimos lucros, elas usufruem dosresultados sozinhas, mas, quando sofrem pesados prejuízos e quebram,muitos agentes econômicos, ou mesmo toda a sociedade (quando recursospúblicos são envolvidos), pagam preços elevados junto com elas. Emoutras palavras, quando recursos públicos são envolvidos, ainda quedisfarçadamente sob a forma de empréstimos ou de sofisticadasoperações de engenharia financeira, frequentemente envolvendoderivativos, haveria a tão citada, e criticada, “privatização dos lucros e

socialização dos prejuízos”. Esta atitude dos governos acaba porincentivar administrações com excessos de riscos.

Até mesmo a prática de oferecer bônus a executivos de grandes bancos, em-presas ou fundos tende a contribuir com administrações excessivamente arriscadas eirresponsáveis. Se os executivos tiverem êxito receberão bônus milionários e, segerarem enormes prejuízos poderão perder seus empregos, mas eles provavelmenteutilizarão suas redes de contatos para, rapidamente, conseguirem outra colocação.Não que seja ruim oferecer participações em resultados, mas esta prática jamaispoderá servir de incentivos ou desculpas a administrações irresponsáveis ou crimi-nosas, inclusive com o envio irregular de recursos para paraísos fiscais.

Em muitas situações, quando recursos públicos são usados para ajudar gru-pos de cidadãos humildes ou programas sociais, aparecem inúmeros políticos deoposição e economistas criticando tais ajudas e classificando-as como populistas e,ainda, lembram o fato de que, em economia, deve-se administrar cobertores curtos.Portanto os governos não deveriam ajudar este ou aquele grupo, pois teria que tiraros recursos de outro lugar, o que certamente traria prejuízos para a sociedade comoum todo. Ocorre que no segundo semestre de 2008 o mundo assistiu a uma transfe-rência de muitos trilhões de dólares, euros, libras, ienes e outras moedas para asinstituições financeiras, seguradoras, imobiliárias e outras grandes corporações dasprincipais economias capitalistas do mundo. É interessante observar como grandeparte dos comentaristas e economistas que têm acesso à mídia não lembraram doscobertores curtos ou das medidas populistas e simplesmente se limitaram em concor-dar com as ajudas, alegando que se elas não ocorressem os efeitos seriam ainda piores.

Estas constatações revelam que é mais difícil criticar ajudas a grupos que têmpoder de reação. Por conseguinte, passa a haver enormes incentivos em conquistar e

Page 41: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 4 1

exibir grandes poderes de reação, pois estas serão as armas que lhes garantirãoperenidade no recebimento de dinheiro público. O controle de órgãos da imprensaé fundamental, inclusive para não exibir opiniões de analistas que sejam contráriasao processo de transferência, e para dar enorme destaque às opiniões favoráveis.

Entretanto, acredita-se que grande parte dos problemas das instituições querecebem ajuda é gerada por crimes financeiros e desrespeito a limites de riscos(mostrando empiricamente que a auto-regulação não é suficiente para prevenir omercado de imprudências, excessos de riscos e ganância desenfreada) e muitos dosprincipais acionistas e executivos tornam-se ainda mais ricos após a quebra dasinstituições, possivelmente remetendo os recuros desviados das intituições ao longode muitos anos, a paraísos fiscais.

A maioria das grandes instituições vinha distribuindo dividendos ebônus de bilhões de dólares, baseando-se em balanços fraudulentos e,sem qualquer constrangimento, cria-se mais um tabu, qual seja, o denão discutir com ampla publicidade a apuração dos fatos e a puniçãoaos culpados... e, simplesmente, não se fala mais nisso. Enquanto exis-tirem os paraísos “fiscais” não acreditamos ser possível consertar osmaiores problemas financeiros do mundo e, consequentemente, mui-tos dos grandes problemas em geral23. A coexistência da absolutalegalidade dos paraísos fiscais, muito úteis para criminosos de elevadopoder aquisitivo, e de Estados Policiais, que visem reprimir e oprimiros cidadãos que se situem nos níveis médios e baixos das pirâmidessociais, representa um insulto ao bom senso e visa garantir a distânciaeconômica e social entre as classes e entre os corruptos e os não cor-ruptos, além de premiar os criminosos astutos, que alegam agir nasbrechas das leis, e perfeccionistas, que almejam longevidade.

23 Interessante observar como o tráfico de armas, exportadas principalmente pelos

países mais ricos, apesar de possivelmente movimentar cifras mais elevadas do que o

tráfico de drogas, que são exportadas principalmente pelos países periféricos, vem sendo

menos denunciado pela mídia (por exemplo, não é comum a citação de nomes de grandes

traficantes de armas que estejam sendo procurados), embora ambos sejam considerados

extremamente malignos pela grande maioria das pessoas, inclusive por haver forte corre-

lação entre ambos os negócios. São os traficantes de armas que tornam os de drogas tão

perigosos. Não combater qualquer das modalidades de tráfico, e suas correspondentes

lavagens de dinheiro, frequentemente em paraísos fiscais, ou então legalizá-las, como

muitos advogam, com o propósito de reduzir os ganhos dos traficantes (entretanto, os

ganhos não deixariam de existir, mas simplesmente mudariam de mãos), seria como jogar

a toalha ou desistir de lutar contra uma doença mortal. Estar-se-ia permitindo que a

venda de armas e de drogas aumentassem sem qualquer resistência, ampliando o lucro

dos produtores, e que cada vez mais ocorressem suas consequências e efeitos malignos

sobre a vida de muitos, alguns irreversíveis, inclusive sobre pessoas de pouca idade, com

menos condições de se defender.

Page 42: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

4 2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Devido a falta de punição passa a haver o risco moral de verificar-se confian-

ça total por parte dos que pensem em efetuar fraudes no futuro. O presente ano de2008 ficará marcado na história econômica mundial, dentre outros fatos, como oano em que os cofres públicos dos principais países capitalistas foram sugados como objetivo de transferir recursos (ainda que em algumas situações de forma camufla-da via empréstimos subsidiados) principalmente para grandes corporações e seusprincipais acionistas. Resta a pergunta: Quem pagará a conta ?

Embora com falta de transparências contábeis e trabalhando com excessosde riscos, dificilmente os economistas e analistas que tiverem coragem de criticartal situação serão ouvidos enquanto os lucros estiverem ocorrendo. Enquanto asatividades bancárias e empresariais, embora sujeitas a riscos excessivos caminharemcom relativamente poucos efeitos danosos, os dirigentes de órgãos públicos quetentarem reverter tal situação, provavelmente serão substituídos. Seria como tentarinterromper uma festa que estivesse muito boa, onde muitos ganham enormescifras, mas sujeita a grandes riscos. Os que tentarem alertar para os riscos existentes,que poderão tornar a festa ruim de uma hora para outra, tenderão a ser mal vistose classificados como inoportunos. Por outro lado, todos aqueles que utilizaremseus poderes de argumentação (suas lábias) para vender a idéia de que a festa éótima e a de que não há razão para medos ou preocupações, serão muito bemvindos e tenderão a obter ótimos empregos ou contratos.

Para se ter idéia do poder de influência que lucros potenciais de centenas debilhões de dólares podem ter sobre as sociedades, vale citar um caso real. Em 2000uma lei do senador americano (do Texas) Phil Gramm, conhecida como Lei deModernização dos Serviços Financeiros, impôs enormes limites à atuação de fiscais dosistema financeiro americano sobre as instituições que operam em mercados derivativosdaquele país, inclusive sobre as fiscalizações dos chamados credit swaps que, segundomuitos analistas, turbinaram o crescimento irresponsável, implementado por dirigentesde bancos, no mínimo irresponsáveis, de instrumentos como hipotecas de alto risco(mais conhecidas como sub-prime). Difícil acreditar que dirigentes experientes de grandesbancos tenham sido tão ingênuos e imprudentes por tanto tempo, a ponto de concederempréstimos e financiamentos imobiliários sem as garantias adequadas.

É fato que os opositores do Phil Gramm24 foram derrotados e não puderamprestar o enorme serviço de livrar os cidadãos comuns da crise financeira americanaque se verifica em 2008 (ou pelo ou menos reduzir os efeitos sobre eles). Tambémforam derrotados os opositores de legisladores ou lobistas que, no passado, contribuírampara a desregulamentação irresponsável (certamente há situações em que adesregulamentação é benéfica, inclusive quando se refere a pequenos empreendedores)

24 Posteriormente se tornou dirigente de grande banco internacional, com atuação em

diversos países, assim como renomado palestrante na área financeira, inclusive no Brasil. Ele

também esteve cotado para ser chefe do tesouro americano.

Page 43: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 4 3

e o colapso de certos mercados, como, nos Estados Unidos, o de empresas de poupançae empréstimos, nos anos 80 (o presidente americano Ronald Reagan costumavadizer que o governo era o problema e não a solução) ou o de derivativos de energiano início dos anos 2000. Este último contribuiu para a quebra da mega empresatexana de energia Enron, havendo, inclusive, interessante filme a respeito.

Em todas essas crises financeiras constata-se algo em comum: cifras

colossais mudam de mãos – transitam das mãos dos cidadãos comuns

para as mãos daqueles que causaram ou contribuíram para que a crise

ocorresse.

Pode-se realizar um exercício de imaginar um ciclo recorrente de decisõese ações dos controladores de algumas das grandes corporações, com objetivos deauferir enormes lucros com baixíssimas probabilidades de insucesso, como omostrado a seguir:

Os controladores de algumas das grandes corporações se organizam e usamsuas influências político-econômicas (exercem seus poderes de lobby) para conseguiremdesregulamentação excessiva do mercado, reduzir as fiscalizações, assim como aspenalizações legais decorrentes das fiscalizações sobre as corporações. ⇒ Aumentamde forma exacerbada suas operações, preferencialmente com o máximo decomplexidades, para evitar que sejam compreendidas25, assumindo riscos excessivose obtendo lucros gigantescos, ou fingindo obter tais lucros por meio de balançosfraudulentos, durante anos. Segundo diversos artigos os volumes negociados emderivativos no mundo vêm sendo exageradamente grandes e, em muitos casos,predominantemente especulativos, sendo, inclusive, bastante superiores aos PIBsmundiais. Para turbinar o aumento dos volumes procuram seduzir os potenciaisaplicadores, utilizando nomes pomposos, como “fundo com alta alavancagem ealocação otimizada plus” ou “fundo premiun de máxima performance”, assim comosorteiam prêmios periódicos, principalmente quando os lastros de tais fundos foremde péssima qualidade, como, por exemplo, hipotecas subprime. É possível até que ocrescimento exagerado dessa modalidade de financiamento de alto risco seja frutonão da ingenuidade dos financiadores, mas, sim, da necessidade de ter algum tipo delastro, ainda que ruins, para respaldar a captação de recursos. ⇒ Distribuem partedesses lucros aos executivos, aos acionistas e, possivelmente, desviam irregularmenteparcelas significativas e as enviam a paraísos fiscais. ⇒ Mais cedo ou mais tarde aconta da irresponsabilidade e da gestão fraudulenta vem, não sendo mais possívelcamuflar maus resultados em balanços fraudulentos (o valor de mercado de algunstítulos e de operações de crédito são bastante subjetivos, favorecendo as 25 Também se observa que em pareceres técnicos ou jurídicos freqüentemente se abusa

dos chamados “economês” ou “juridiquês”, em tentativas de dar erudição, em detrimento

da lógica, a análises relativamente simples.

Page 44: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

4 4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

contabilizações a valores irreais) e verificando-se quebras de grandes instituições.Até as chamadas agências de classificação de riscos foram ludibriadas , poisclassificavam como AAA - risco zero – muitas das grandes instituições que quebraramdo dia para a noite. Quem reduzirá a classificação de risco de tais agências ? ⇒Contratam importantes comentaristas, jornalistas e economistas para contribuíremno convencimento das sociedades de que as grandes corporações precisam receberajudas gigantescas de recursos públicos por parte dos governos, pois, caso essasajudas não ocorram, as economias entrariam em colapso e milhões de empregosseriam perdidos, assim como milhões de trabalhadores e de aposentados perderiamsuas aposentadorias devido à quebra dos fundos de pensão privados. É possível atéque alguns dos comentaristas tentem convencer os cidadãos comuns de que nãosão eles que estariam pagando a conta, e que os recursos viriam de fontes privadas,como depósitos ou aplicações de bancos ou de empresas, o que é absolutamenteirreal. Basta um pouco de bom senso para deduzir que, na iniciativa privada, nãose pode admitir caridade de cifras tão gigantescas. ⇒ Novamente utilizam suasinfluências político-econômicas para que os relatórios das Comissões de Inquéritocujos membros são nomeados para apurar as causas das quebras e apontar culpados,assim como os Processos, decorrentes dos relatórios das Comissões de Inquéritosejam neutralizados e não gerem punições penais ou cíveis aos executivos ou aosacionistas controladores. ⇒ Os executivos e os acionistas controladores tornam-seainda mais arquimilionários do que já eram, havendo enorme concentração derenda. ⇒ Passados alguns anos inicia-se novo ciclo, utilizando-se estratégiasanálogas, porém em diferentes mercados e com diferentes características, para quenão sejam logo percebidas.

Em suma, os maus controladores utilizariam estratégias parapraticar uma espécie de “Capitalismo sem Risco”, praticando, comtoda certeza, concorrências desleais em relação aos controladoresque trabalhassem da forma correta. Um grande trunfo para as suas

longevidades é o de que seus modos de agir não sejam percebidos

pelo grande público, o que dificulta quarquer reação. Também lhes

favorece o fato de serem muito formais e de tentarem passar a

imagem de moralistas (falsos), entre outras coisas. Os incautos

tendem a comprar seus argumentos com facilidade.

Pode-se fazer um paralelo da utilidade social da imposição de limites de riscosobre os agentes econômicos com os limites de velocidade impostos às empresastransportadoras.

Page 45: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 4 5

Por exemplo, se uma transportadora utiliza sofisticados modelos demaximização de resultados e conclui que a condução dos seus caminhões de trans-porte à velocidade de 140 quilômetros por hora maximiza o seu lucro esperado,embora com maior risco, ela não poderá ultrapassar os limites máximos de veloci-dade admitidos, dado que muitos poderiam sofrer as conseqüências adversas doscaminhões se deslocarem a velocidades tão elevadas.

Também se pode mencionar as restrições às diversas atividades ilícitas, aosdesmatamentos das áreas de preservação ambiental, mesmo quando situadas dentrode propriedades privadas, e as restrições às atividades que poluem o meio ambiente.

A teoria econômica justifica a necessidade de órgãos governamentais exerce-rem estes tipos de controle, em razão do ótimo social ser diferente da soma dosótimos individuais (nos casos em que estamos analisando, as atividades individuaisgeram externalidades negativas) e, devido a este fato, o mercado não conseguemaximizar o bem-estar social por conta própria.

Vale citar que, por diversas vezes, quando uma nova legislação, mesmo quan-do tenha sido ampla e cuidadosamente discutida com os vários segmentos das soci-edades, entra em vigor (ou quando há mudança de postura dos órgãos fiscalizadores),verifica-se enorme disparidade entre a legislação e as práticas de mercado. Estadisparidade freqüentemente leva os agentes econômicos que tenham muito a perder,a combater as novas legislações, podendo tomar medidas conhecidas tais como,criticar severamente as normas (por vezes podem chegar a “espalhar desinformação”,inclusive contratando jornalistas ou analistas econômicos que tenham boa penetra-ção na mídia, com o propósito de confundir até mesmo os agentes econômicos quesejam favoráveis à nova legislação), a não cumprir, ou a exercer fortes pressões paratentar revogar a legislação que estiver incomodando.

Em alguns casos, os legisladores podem conceder prazos de adaptação aosagentes econômicos, mas os órgãos fiscalizadores devem ter como meta a alteraçãodas práticas de mercado que tiverem sido consideradas indevidas pelos legisladores.Se as práticas forem usuais há muito tempo (como ocorria, por exemplo, com a nãoutilização dos cintos de segurança nos automóveis no Brasil), elas podem ser con-sideradas, indevidamente, como “direitos adquiridos”, o que certamente exigirámaiores esforços por parte das sociedades para que se consiga alterá-las.

Outra função econômica importante dos derivativos reside no fato de algu-mas estratégias com derivativos permitirem a captação e a aplicação de recursos(operações de tesouraria), dando mais alternativas aos agentes econômicos para ad-ministrar os seus fluxos de caixa. Vale lembrar a importância de que essas operaçõesde tesouraria sejam contabilizadas com transparência, na medida em que isto facili-

Page 46: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

4 6 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

ta as suas identificações, evita análises contábeis distorcidas e torna possível as suasinclusões nos cálculos de risco26.

Por todos esses motivos, percebemos que um país não pode, de forma algu-ma, deixar de usufruir dos benefícios propiciados pelos mercados derivativos, mas,ao mesmo tempo, deve fiscalizá-los e monitorá-los para impedir excessos de riscos,utilizando diversos instrumentos, tais como incentivos fiscais aos que os utilizaremcom objetivos de hedge e tributação adicional, multa ou encerramento compulsóriode posições aos que os utilizarem com objetivos de especulação excessiva, que é,com toda certeza, extremamente maléfica às sociedades.

Em último caso, para as instituições que insistirem em cometer inúmerasirregularidades e excessos de riscos, com habitualidade, há o recurso de cassar aslicenças para funcionamento de tais instituições, conforme será visto no apêndice12B. Por mais que pareçam atitudes autoritárias e impopulares, a cassaçãotempestiva das licenças de diversas instituições financeiras ou hipotecárias ameri-canas poderia ter contribuído para evitar ou amenizar a crise financeira americanaem 2008. Entretanto, a permissão da existência dos paraísos fiscais e de que asinstituições financeiras e hipotecárias tenham filiais ou empresas ligadas (frequen-temente chamadas de off-shores) e movimentem recursos em tais países sejamdecisivas para as crises.

26 Conforme veremos no capítulo 28, em muitas situações não há regras específicas para

a contabilização das operações em mercados derivativos de alguns agentes econômicos, o

que pode gerar enormes distorções nas análises de balanços e cálculos de risco desses

agentes econômicos. Há, inclusive, muitos casos reais de grandes instituições que não

contabilizavam corretamente suas operações como o banco inglês Barings, a empresa de

energia norte americana Enron e o banco francês Societé Generale, e que vieram a falir.

Page 47: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 4 7

APÊNDICE 1: A LEI DA LAVAGEM DE DINHEIRO (LEI N° 9.613 DE 03/03/98), O CONSELHO DE

CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS – COAF – E ALGUMAS OPINIõES

A lavagem de dinheiro gerado por atividades ilegais tem sido objeto depreocupação constante para a maioria dos países, na medida em que os possíveisbenefícios advindos da entrada desse dinheiro “sujo” são, com toda certeza,incomparavelmente inferiores aos malefícios causados pelas ramificações outentáculos dos seus detentores, e consequente contágio, nos mais diversos setoresde atividade, poderes e níveis das sociedades, prejudicando-as enormemente, talqual algum tipo de virus ou de bactéria que se espalha de forma organizada e quepossui estratégias de defesa e de contra-ataque. Quer as pessoas gostem quer não,tais estratégias vêm se mostrando extremamente eficazes ao longo dos séculos oumilênios levando alguns a considerarem o crime organizado invencível.

É cada vez mais difundida a idéia de que o crime organizado não é maisbaseado nos chefões do início do século 20. Atualmente, há mafiosos que são grandesempresários, possuem curso superior, inclusive pós-graduação em universidadesfamosas, arquitetam complexas operações de engenharia financeira e saem em colunassociais realizando ações politicamente corretas, tais como doações a instituições decaridade ou criação de ONGs que trabalham pela presenvação do meio ambiente.Talvez tentem se infiltrar e ter ramificações nos mais importantes órgãos públicos enos diferentes poderes, na imprensa e em instituições de ensino, além de financiarcampanhas de políticos, de operarem de forma globalizada, corporativa e organizada.

Portanto, não se deve subestimar suas forças e astúcias para combater os quelhes combatem, mas, ao mesmo tempo, torna-se imprescindível agir com mecanismosainda mais fortes, corporativistas e organizados para combater e vencer este tipo decriminoso, ainda que leve muito tempo. A tomada de conciência e a união de forçassão fundamentais. A globalização do combate também é muito importante, embora, naprática, os países tenham liberdade para adotarem as políticas que bem entendam, emuma espécie de jogo não cooperativo, e podem, inclusive, tornarem-se paraísos “fiscais”.

Alguns acreditam que o crime organizado e corporativista podecombater os bem intencionados e a justiça, e assim prejudicar oprogresso, a paz e o bem estar dos países, como também sugar boaparte das rendas dos seus cidadãos (como fazem os parasitas), de formamais efetiva e difícil de se defender contra, do que os exércitosinimigos, por terem a faculdade de agir de forma pulverizada, tal qualos espiões. A idéia é: “quanto maior a corrupção, mais desacreditadose isolados (e, portanto, menos fortes) os bem intencionados, e maioresforem os desentendimentos entre eles, mais propício será o terreno”.Segundo esse raciocínio, os honestos e bem intencionados seriam oseternos inimigos a serem perseguidos e derrotados.

Page 48: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

4 8 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Além disso, há evidências de que o dinheiro “sujo” afugenta o dinheiro“limpo” na medida em que compete em desigualdade de condições. De fato, aoexercer temporariamente uma atividade produtiva, o “lavador” aceita vender seusprodutos abaixo do custo, na medida em que o seu objetivo é apenas o de “esquentar”os recursos. Este fato tenderá a expulsar os verdadeiros produtores do mercado, namedida em que não conseguirão competir com os “lavadores”. Curiosamente, serãoos lavadores que terão maiores condições de arcar com todos os custos decorrentesdas inúmeras exigências legais e burocráticas.

Com o objetivo de proteger as sociedades, a maioria dos países desenvolvidoscriou Unidades Financeiras de Inteligência (Financial Intelligence Units – FIU)para combater a lavagem de dinheiro, inclusive por parte de bancos e de outrasinstituições financeiras. O que se busca é proteger os países de todos os malefícioscausados pe entrada do dinheiro “sujo”. No Brasil destaca-se a criação do Conselhode Controle de Atividades Financeiras (COAF), a partir da lei n° 9.613/98, quetrata dos crimes de “lavagem” e da ocultação de bens, direitos e valores.

A Lei da Lavagem de Dinheiro (assim como a Lei n° 7.492/86 - Lei doColarinho Branco) é uma lei penal e trata, dentre outros assuntos, da definição doscrimes de lavagem de dinheiro, inclusive contra o sistema financeiro nacional (ar-tigo 1º, inciso VI), das penas previstas para os lavadores (reclusão de três a dez anos

e multa) e do procedimento criminal a ser seguido (no apêndice 12B retornaremosa essas leis).

Entretanto, de nada adiantará a existência de tantas leis eorganismos nacionais e supranacionais, se os poderes de lobby dosfiscalizados, que tende a ser proporcional aos trilhões de dólares queeles movimentam, forem superiores aos das instituições públicasresponsáveis pela fiscalização e aplicação das leis. Em tais situações,os poderes econômicos conseguiriam suplantar e anular, ao menosem parte, a razão de existir das citadas instituições, que, em princípio,deveriam garantir a democracia. Como se sabe, em regimesdemocráticos a vontade da maioria (que trabalha da forma correta)deve prevalecer sobre a vontade da minoria (que pratica crimes devalores gigantescos), segundo regras constitucionais e legais previamenteestabelecidas.

O COAF, cujo endereço eletrônico na internet é www.fazenda.gov.br/coaf,é o órgão responsável pela coordenação das atividades exercidas pelos órgãos bra-sileiros encarregados de combater a lavagem de dinheiro, e pela fiscalização deempresas de factoring, bingos, galerias de arte, leilões e outras.

Dentre outras medidas, a Lei n° 9.613 obriga que bancos informem ao Ban-

Page 49: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 4 9

co Central e que corretoras e distribuidoras informem à CVM as movimentações derecursos de clientes que sejam incompatíveis com o patrimônio e renda declaradosem suas fichas cadastrais. O Banco Central, a CVM e os outros órgãos de fiscaliza-ção devem comunicar as incompatibilidades ao COAF, que toma as medidas legaiscabíveis, podendo, inclusive, comunicar à Polícia Federal ou ao Ministério Públi-co, para que investiguem se os mencionados clientes são lavadores de recursos, ou“laranjas” de outras pessoas físicas ou jurídicas.

Quando operações ilícitas são detectadas, pode haver rastreamentos dos re-cursos nelas utilizados com o objetivo de recuperá-los, mesmo no exterior. Nestassituações, o COAF pode pedir a colaboração das Unidades de Inteligência Financei-ra internacionais. Entretanto, quando os recursos migram para algum paraíso fiscal(ou quando são depositadas em contas de doleiros) torna-se mais difícil reavê-los,na medida em que, geralmente, as legislações desses países proíbem os bancos deidentificarem os seus clientes. Este fato tem levado alguns países a impor restriçõesà entrada de recursos provenientes dos paraísos fiscais27. A idéia é a de que ocombate às atividades ilícitas, à corrupção e às diversas formas de desvios de recur-sos somente poderá lograr êxito se o combate à lavagem de dinheiro for eficaz. Defato, é a lavagem de dinheiro que possibilita aos corruptos justificar, perante asautoridades responsáveis, a existência dos recursos advindos das atividades ilícitas.

Portanto, pode-se concluir que a lavagem de dinheiro é um dos pilares que

sustentam a perenidade das atividades ilícitas e da corrupção. A impunidade dos

que praticam os “crimes do colarinho branco” é outro pilar fundamental. Como hácorrelação positiva entre corrupção e lavagem de dinheiro, acredita-se que umaredução significativa dos volumes de dinheiro lavado contribuirá de forma decisivapara a redução da corrupção e para a melhoria da distribuição de renda, na medidaem que tenderá a haver significativa redução dos casos de enriquecimento ilícito eisto certamente irá gerar enormes aumentos nos horizontes de todos aqueles quetrabalham da forma correta.

A idéia de que o combate eficaz à lavagem de dinheiro irá gerarsignificativa melhora na distribuição de renda é a de que, à medidaque se obtenha uma efetiva redução dos casos de enriquecimento ilícito,a grande maioria da população, que trabalha da forma correta, tantono mercado financeiro quanto nas demais áreas, passará a dividirparcelas maiores das rendas totais.

Vale lembrar que as modalidades de ilícitos mencionadas podem ocorrerpor meio de operações previamente combinadas em diversos mercados e não ape-

27 Os países desenvolvidos mantêm um grupo que tem a missão de identificar os países quemais dificultam o combate à lavagem de dinheiro. A Organização para Comércio e Desen-volvimento Econômico (OCDE) divulga periodicamente uma lista com a relação dessespaíses e com a evolução de suas legislações, que podem ser encontradas no site do COAF.

Page 50: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

5 0 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

nas nos mercados derivativos. Portanto, não se deve restringir a existência dosmercados derivativos por possibilitarem a prática de operações ilícitas, pois, se asociedade tiver que eliminar todos os mercados que possibilitam a realização dasilicitudes, terá que eliminar muitos outros mercados, já que a compra e venda dequalquer ativo a preços previamente combinados pode servir ao objetivo da fabri-cação de resultados. Contudo a ação dos fabricantes de resultados (e dosmanipuladores) é mais fácil nos “mercados de telefone” (em balcão não-organizadoou por meio de operações privadas) pois, as contrapartes das operações se conhe-cem, embora também sejam possíveis nos mercados de pregão (em bolsas ou ementidades de balcão organizado), inclusive nos que têm grande liquidez.

Os órgãos públicos responsáveis pela autorização de novos contratos somen-te devem autorizá-los após a constatação de que dispõem de funcionários comconhecimento necessário, em quantitativo suficiente e de leis e normas que lhespermitam exercer a coerção sobre os que pensem em cometer ilicitudes.

Tendo por base a realidade da maioria dos países em desenvolvimento, acre-dita-se que somente com a eliminação (ou redução para níveis mínimos) das mani-pulações, inside trading, front runing, fabricação de resultados (inclusive para la-var dinheiro ou para desviar recursos de companhias abertas, de instituições finan-ceiras ou de associações de investimento coletivos), fraudes contábeis em balanços,estelionatos de valores mobiliários (conforme mostrado no apêndice 2) e demaisformas de práticas irregulares e ilícitas no âmbito dos mercados derivativos, decapitais e dos diversos segmentos dos sistemas financeiros, será possível conquistara confiança dos investidores. Inclusive a confiança dos pequenos e médios, que,baseados em experiências mal sucedidas, deles ou de pessoas conhecidas, geral-mente se mantêm distantes dos mercados. A confiança é essencial para elevar signi-ficativamente as poupanças e, conseqüentemente, os investimentos de longo prazo,indispensáveis aos desenvolvimentos econômicos e sociais sustentados desses países.

Entretanto, deve-se desconfiar de quaisquer alternativas ou fundos de inves-timento que sinalizem com a possibilidade de ganhos espetaculares em curtos perí-odos de tempo. Em equilíbrio, os ganhos deveriam ser de razoáveis a bons, porémcom lastros confiáveis e riscos controláveis.

Alternativas com riscos elevados, por mais que tenham nomes bonitos epropagandas sedutoras, tanto podem propiciar resultados excepcionais quanto ge-rar perdas enormes. Inclusive perdas superiores ao capital aplicado, o que nemsempre é devidamente explicado aos potenciais aplicadores, ainda que eles tenhamque assinar regulamentos onde consta tal possibilidade, qual seja, a de aplicar 10 eperder 30. Portanto, os que antes eram credores de 10, tornam-se devedores de 20,dos quais possivelmente não disporão para saldar suas dívidas e, então, serão acio-nados judicialmente.

Page 51: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 5 1

Também há evidências de que a redução de práticas irregulares e ilícitastende a reduzir (ou evitar o crescimento) das dívidas públicas dos países, namedida em que, em diversas situações, verifica-se que os Bancos Centrais oubancos públicos de fomento desembolsam recursos públicos para sanar rombosfinanceiros (que podem chegar a bilhões de dólares) provocados por essas práti-cas, com o propósito de evitar que os prejuízos se espalhem para outros agenteseconômicos, ou para evitar que alguma empresa considerada estratégica ou im-portante quebre.

Outro exemplo de como as práticas ilícitas poderiam causar prejuízo àssociedades é o da prática de manipulações das taxas de câmbio (com o objetivo deaumentá-la) por parte dos detentores de títulos governamentais indexados ao câm-bio, quando os governos dos países emitem esses títulos, ou pelas contrapartes dosgovernos em operações em mercados derivativos, nas quais os governos perdem eas contrapartes ganham com a alta da taxa de câmbio. Vale lembrar que, embora osaumentos artificiais das dívidas das sociedades sejam iguais aos lucros obtidos pe-los manipuladores das taxas de câmbio, que podem chegar a dezenas ou centenasde bilhões de dólares em poucos anos, os prejuízos sociais dos países são aindamuito superiores, dado que há diversas externalidades negativas advindas das mani-pulações, tais como a elevação artificial das taxas inflacionárias ou eventuais que-bras de empresas que tenham dívidas indexadas às taxas de câmbio.

Conforme já mencionamos, há situações em que as autoridades governa-mentais competentes, como os Bancos Centrais e as Comissões de Valores Mobili-ários, têm que agir como “xerife”, inclusive aplicando as punições administrativascabíveis e comunicando aos Ministérios Públicos para que tomem as medidas judi-ciais aplicáveis, quando se tratar de crimes que exijam a tramitação no poder judi-ciário, para que se possa julgar e aplicar punições. Estas formas de atuação sãonecessárias não apenas para dar credibilidade aos mercados, mas, também, paraevitar os diversos custos sociais envolvidos nas práticas irregulares ou ilícitas.

Certamente há correlação positiva entre tais práticas e o enri-quecimento ilícito dos que as praticam, principalmente conside-rando-se ser possível auferir lucros de milhões ou até mesmo debilhões de dólares com as referidas práticas.

Um ponto a ser lembrado é que os dirigentes dos órgãos fiscalizadores de-vem procurar receber sugestões a respeito das normas, decisões e procedimentos aserem adotados pelos órgãos que comandam, tanto dos diretores das instituiçõesfiscalizadas, como dos representantes dos consumidores dos serviços prestados pe-las referidas instituições, até para estarem em consonância com o princípio jurídi-co do contraditório, segundo o qual as partes que estão em lados opostos em pro-

Page 52: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

5 2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

cessos (ou têm interesses opostos em determinadas matérias) devem ter o direito dese manifestar e defender suas posições.

Portanto, o ideal é que o tempo despendido pelos dirigentes dos órgãosfiscalizadores seja dividido entre ambas as partes, que poderiam, em algumas situa-ções, ser recebidas em conjunto, nas reuniões, pelos referidos dirigentes, inclusivepara que as pressões não viessem apenas de um grupo de interesses. Por exemplo, seos dirigentes dos órgãos fiscalizadores tivessem mais reuniões com os diretores dasinstituições fiscalizadas do que com os representantes dos consumidores, seria pos-sível que os diretores das instituições fiscalizadas exercessem grandes pressões psi-cológicas sobre os dirigentes, principalmente quando as reuniões tivessem grandenúmero de diretores participantes. No mundo real, os poderes de lobby por partedos que dispõem de grandes cifras e atuam de forma corporativa e organizada sãoincomparavelmente maiores do que os dos cidadãos comuns.

Com objetivos de exercerem grandes pressões sobre os dirigentes dos órgãosfiscalizadores, é possível que compareçam dez ou vinte diretores de algumas dasinstituições fiscalizadas nas reuniões, mesmo quando fossem necessários apenas doisou três diretores para expor as reinvidicações. O objetivo do grande número departicipantes é o de tornar mais difícil o eventual “não” por parte dos dirigentes.

Estes diretores podem se utilizar de técnicas bastante conhecidas para exerce-rem as pressões, tais como, falar em tom elevado de voz, mostrar desespero, amea-çar os dirigentes nas entrelinhas, tentar constranger ou ridicularizar os dirigentescom ironias ou sarcasmos clichês, que, por mais infelizes ou inoportunos que se-jam, contarão com o imediato e incondicional apoio dos demais diretores, ou mes-mo, “dar soco na mesa”. É claro que os dirigentes não podem, de forma alguma,aceitar esse tipo de comportamento28 e devem fazer valer suas autoridades, comequilíbrio e dentro dos limites de suas competências legais, repelindo as tentativasde ironia, inclusive para não deixarem as sociedades totalmente desprotegidas e àmercê da vontade dos agentes econômicos que prentendam se apropriar indevidamentedos recursos públicos, que, como se sabe, têm suas liberações controladas por diri-gentes de órgãos públicos.

Outra estratégia que pode ser utilizada por alguns diretores para consegui-rem seus objetivos é a de tentar formar laços de amizade com os dirigentes, poiseles sabem que, pela própria natureza humana, haverá maiores difículdades paraos dirigentes dizerem não aos amigos.

Entretanto, caso os dirigentes se mantenham firmes em suas posturas, nãocedendo a pressões indevidas e procurando tomar as decisões de forma isenta, tendo

28 Pode-se perceber que o treinamento de alguns dirigentes em cursos que ensinema resistir e a conviver com pressões e ameaças tende a ser de grande valia, embora,em situações extremas, somente a proteção policial para os dirigentes e suas famíliaslhes permita exercer suas atividades com um mínimo de segurança e de tranquilidade.Também se pode notar que por vezes é necessário que os dirigentes tenham muitacoragem e firmeza de propósitos para prosseguirem em suas atividades de formacorreta, fazendo valer suas autoridades (arcando com possíveis conseqüências ad-versas) e pelo tempo que for possível, sem terem apego aos cargos.

Page 53: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 5 3

como princípio fazer com que os interesses públicos prevaleçam sobre os privados(embora os interesses públicos e privados possam ser coincidentes em muitas situa-ções) e tendo como meta cumprir as funções para as quais foram contratados, como propósito de contribuir para o bem estar das sociedades, é possível que algunsdos diretores das instituições fiscalizadas fiquem descontentes com os dirigentes epassem a exercer pressões políticas no sentido de que eles sejam substituídos.

Pode-se perceber, portanto, que os dirigentes dos órgãosfiscalizadores necessitam de grande respaldo e participação dasociedade para exercerem suas atividades, dado que eles,freqüentemente, ao defenderem os interesses públicos, podem terque contrariar interesses privados de muitos bilhões de dólares.Ações isoladas de alguns dirigentes, sem apoio organizado, integradoe generalizado dos governos e das sociedades (que gera forçapolítica), tendem a ter resultados apenas temporários, pois,conforme diz um sábio ditado popular, “são necessárias muitasandorinhas para se fazer um verão”.29

Talvez o grande estímulo para que as sociedades passem a fiscalizar e exigirdos diferentes órgãos públicos, pertencentes aos três Poderes (podem envolverdiferentes órgãos de fiscalização, de justiça e policiais), e até mesmo de órgãoscom atuação em diferentes países (como a Interpol), que passem a ter ações maisorganizadas, perseverantes e concretas contra os participantes nocivos dos merca-dos financeiros, seja a tomada de consciência de que se os chamados “criminososdo colarinho branco” tiverem participações elevadas e crescentes nas rendas dospaíses, certamente, no futuro, a grande maioria das populações, que trabalha deforma correta, terá que disputar entre si, parcelas cada vez mais reduzidas dasrendas totais. Portanto, os que não aceitam participar de tais crimes, por terem bemfundamentada a noção de certo e errado (ainda que por vezes as ações nocivas ocor-ram nas chamadas brechas das leis), se tornarão cada vez mais empobrecidos e, aofinal das contas, estarão cada vez mais trabalhando para sustentar a acumulação deriquezas, conforto, bem estar e desfrute da vida pelos criminosos, que pouco seimportam com os que os sustentam e talvez até se vangloriem de suas astúcias. Éde se esperar que os criminosos combatam de forma organizada qualquer um queameace suas confortáveis situações, inclusive procurando desacreditar tais pesso-as, tal qual os políticos fazem com seus adversários.

Conseqüentemente, haverá tendência de queda generalizada na qualidade devida das sociedades, inclusive aumento no desemprego, queda nos salários, aumen-to na concentração de renda e queda nas margens de lucro dos bancos e das empre-

29 É possível, contudo, que eventualmente alguns dirigentes de órgãos de fiscalizaçãoconsigam exercer suas atividades sem ceder a pressões e, mesmo havendo o desejopor parte dos diretores das instituições reguladas de que os dirigentes sejam substitu-ídos, ainda assim eles consigam permaneçer no cargo por tempo razoável. Entretanto,talvez esses dirigentes, ou seus familiares, sofram represálias no futuro, sendo possível,inclusive, que eles tenham grandes dificuldades em conseguir emprego.

Page 54: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

5 4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

sas que trabalhem da forma correta. Portanto, segundo essa abordagem, o combateeficaz aos participantes nocivos dos mercados financeiros é condição fundamentalpara que haja melhoria nas distribuições de renda (incluindo as reduções dos níveisde pobreza e de miséria) e nas qualidades de vida das populações de muitos países.

Segundo a teoria econômica, se determinado setor apresenta taxa de rentabi-lidade muito acima da média (lucro econômico), deve-se esperar aumento da ofertae do número de participantes no setor, de forma que, com o aumento da concorrên-cia, haja queda da taxa de rentabilidade para o nível de mercado30. Entretanto,caso haja “barreiras” para a entrada de novos participantes, é possível que as taxasde rentabilidade do setor permaneçam acima da média por longos períodos.

Desse modo, outro ponto que os dirigentes dos órgãos fiscalizadores devemestar atentos, é para não cederem a eventuais pressões dos diretores de algumas dasempresas já estabelecidas, no sentido de dificultar a entrada de novas empresas, ou,o que talvez seja ainda mais danoso para as sociedades, para criarem entraves àpermanência das pequenas empresas já estabelecidas, mas que não tenham vínculosou laços de amizade com algumas das grandes empresas.

Entre esses entraves há o de os dirigentes serem excessivamente rigorososnas fiscalizações das pequenas empresas (por exemplo, efetuando exigências extre-mamente detalhistas e praticamente impossíveis de serem cumpridas, principal-mente no início de suas atividades, quando elas ainda estão lutando para sobrevi-ver) e pouco rigorosos nas fiscalizações de algumas das grandes empresas (apesardessas empresas terem mais condições de contratar pessoas para cuidarem de deta-lhes burocráticos, que sempre podem trazer malefícios se forem excessivos).

Desse modo, se os dirigentes cedessem às pressões dos diretores poderia haverredução da concorrência e aumento, para níveis ainda mais elevados, das margens delucro das grandes empresas que permanecessem operando no mercado. Ao mesmotempo, maiores poderiam ser os custos dos produtos para os consumidores finais,conforme já foi empiricamente constatado em alguns setores onde as grandes empresasforam absorvendo as pequenas, como se fossem tubarões engolindo sardinhas.

A respeito dos que defendem que a obediência cega aos aspectos legais repre-senta total garantia de justiça, vale citar algum contra exemplo que seja bem conhe-cido, como o dos juízes de futebol. Eles também seguem todos os ritos legais eformais, também tomam decisões embasadas na legislação futebolística e ainda sãoauxiliados por dois bandeirinhas. Também aí se verifica os aspectos que compõemum julgamento, que são os fatos reais, as leis e a interpretação do juiz. A respeitodesse contra exemplo há grande consenso de que, apesar de haver estreito formalismoe obediência aos ritos e aspectos legais, inúmeras injustiças já foram e são frequente-mente praticadas, mesmo quando os jogos são televisionados e assistidos por milha-res de pessoas, o que não ocorre em julgamentos referentes a outros fatos.

30 A teoria microeconômica prevê que, no longo prazo, as empresas devem dimensionarsuas atividades nos níveis em que haja minimização dos custos médios de longo prazo,embora esta análise simplista ignore os benefícios de melhorias nas distribuições de renda.

Page 55: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 5 5

Portanto, além dos aspectos formais é condição imperiosa que osjulgadores sejam isentos e estejam bem intencionados, querendo, por-tanto, julgar com justiça. Se os julgadores estiverem mal intenciona-dos (como se sabe, em diversos países já houve casos de juízes defutebol e de outros julgadores que foram condenados e presos porterem sido considerados culpados em processos de corrupção), muitopouco adiantará haver um rito formal irretocável e o amparo das leisaos julgamentos.

Certamente os julgadores poderão fazer uso de inúmeras técnicas e táticas,tais como serem extremamente severos e moralistas em aspectos acessórios, seutilizarem de raciocínios subjetivos e propositalmente confusos (até mesmo comtentativas de erudição), serem demasiadamente maleáveis em aspectos principais e,dependendo do julgado, se for amigo ou inimigo, tudo poderá ser modificado ereadaptado, para confundir a todos e tornarem efetivas suas más intenções31.

Por incrível que pareça, a busca dos rigores das leis e das normas regulamen-tares poderiam ser objetos de lobby de algumas das grandes empresas e, se osdirigentes cedessem às referidas pressões, os citados rigores acabariam sendo seusgrandes aliados na medida em que as leis e as normas seriam aplicadasprioritariamente aos concorrentes, tanto às pequenas empresas já estabelecidas,quanto às que tivessem intenção de entrar para o setor. Isto acarretaria, devido àcitada distorção, a manutenção do lucro econômico das empresas que permaneces-sem no setor, por longos períodos, contrariando a teoria econômica tradicional.Há, no entanto, teorias microeconômicas que explicam a manutenção do lucroeconômico no longo prazo, como a de setores cartelizados com barreiras (quepodem ser de diversas naturezas) a entradas.

Em tais situações, até bancos ou empresas bastante mal administrados eineficientes poderiam apresentar enormes lucros, devido à falta de concorrência.Certamente os dirigentes de tais bancos ou empresas não iriam admitir a falta deconcorrência e tentariam contratar, oferecendo ótimas remunerações, analistas derenome para lhes defender, inclusive na imprensa. Em tais situações, os mais bemsucedidos seriam não os mais esforçados, os que tivessem melhores idéias ou me-lhores capacidades administrativas (o que seria justo), mas, sim, os que melhor se“organizassem”, se utilizassem de astúcias e mais conseguissem influenciar pesso- 31 Uma forma muito usual para confundir é utilizar palavras, expressões e argumentosnormalmente pronunciados pelos que pregam idéias opostas. Isto poderá ser útil parailudir e levar os oponentes a acreditarem que todos estão do mesmo lado, como fazemalguns políticos, inclusive a mando dos que os financiam. Por exemplo, muitos estudiososensinam que a terminologia Liberdade, Igualdade e Fraternidade foi utilizada pelos líderesda revolução francesa para seduzir e iludir o grande público a lutar e morrer por uma causaque, na realidade, era dos líderes, que nunca estiveram do mesmo lado do público, emboraambos fossem contra a nobreza, e não estavam minimamente preocupados com as pala-vras que compõem a terminologia. Na realidade eram até contra a Igualdade ou aFraternidade. Tanto que elas nunca vieram a ser implantadas, embora os líderes tenhamalcançado seus objetivos, de tomar o poder da nobreza e dos líderes das igrejas e nãodividi-lo com os que lutaram.

Page 56: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

5 6 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

as, organizações e órgãos públicos. Naturalmente seus sucessos seriam em detri-mento dos insucessos dos demais, porque nada estará sendo criado, mas, apenas,realocado. Na realidade, como a realocação de pessoas e de cargos por critériosoutros que não o de competência e eficiência será mais ineficiente, a tendência éque haja até queda na produção. Como é de amplo conhecimento, situações deinjustiças geram, mais cedo ou mais tarde, tensões e conflitos e não a paz.

As sociedades devem se organizar e se mobilizar ao máximo para evitar quetais situações ocorram com os seus cidadãos. Por mais que se possa buscar argu-mentos favoráveis à auto-proteção ou auto-ajuda, não se pode admitir eventuaisinjustiças ou a existência de regras próprias e contrárias às leis e às Constituiçõesdos Estados, nem tampouco que as organizações sejam os fatores determinantesdos desempenhos econômicos e sociais dos indivíduos, até porque, provavelmente,não haverá caridade, a auto-ajuda e os favores terão um preço32.

É interessante observar como há tantas pessoas que se consideram ardorososdefensores das leis em seus mínimos detalhes, mas somente o são quando a obriga-ção de cumpri-las é de cidadãos comuns. Há correntes que acreditam que os exem-plos devem vir de cima, inclusive quanto ao cumprimento das leis. Não se podeadmitir que os cidadãos comuns estejam vinte e quatro horas por dia sujeitos ainúmeras penalidades por descumprimentos de leis, regras ou regulamentos, aomesmo tempo em que outros, que, inclusive podem contratar escritórios de advo-cacias famosos, estejam, ao menos em parte, “acima das leis”.

É claro que do ponto de vista social sempre se deve procurar desincentivarqualquer prática irregular ou ilegal, em todos os grupos e classes sociais, até porquenormalmente haverá um ganho social médio se o respeito às leis ocorrer em todos osgrupos e classes, como já é amplamente divulgado em inúmeros trabalhos e discursos.

Entretanto, o que seria das sociedades se as leis e constituições não fossemcontinuamente questionadas, modernizadas e renovadas? Estariam com leis de sé-culos atrás, quando havia, por exemplo, a absoluta legalidade da escravidão e daexistência de países sendo colônias de outros.

A título de exemplo, citamos a sentença da suprema corte americana de1857, que ficou conhecida como sentença Dred Scott (que era um escravo), queproclamou entre outras coisas: “Se você julga que a escravidão é má, ninguémobriga você a ter um escravo. Mas não imponha sua moral aos outros. A escravidãoé legal.” e ainda “Negro não é gente.”. Mesmo nos dias atuais devem haver inúme-ras leis abomináveis e desumanas nos mais de 190 países reconhecidos. Por exem-plo, há pasíses que punem com pena de morte, ações consideradas corriqueiras enão passíveis de punição em outros países.

Vale lembrar que as próprias leis devem ser feitas a partir do senso dejustiça (bom senso) dos legisladores, embora isto não ocorra quando há corrupçãoou más intenções. Não há leis que determinem como os deputados e senadoresdevem elaborar uma nova constituição (é claro que se pode partir de um ou maismodelos pretéritos e basear-se em diversos estudos). Pelo contrário, quando um32 A respeito do modo de agir de organizações criminosas e de suas astúcias para nãoserem condenados ou presos pelos poderes públicos, há interessantes filmes como “Se-nhor das Armas”, com o ator Nicolas Cage e “Os Infiltrados”, com Matt Damon e outros.

Page 57: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 5 7

poder constituinte originário é estabelecido e elabora nova constituição, grandeparte do que era legal passa a ser ilegal (antigas leis viram letra morta de umahora para a outra) e vice-versa. Portanto, há uma certa volatilidade, em relação aotempo e ao espaço, nos conceitos de certo e errado segundo os preceitos legais.

Além disso, acredita-se que deva haver bom senso para não existirem exi-gências e vigilâncias exageradas e crescentes sobre os cidadãos comuns, como haviaem vários países comunistas, sob o risco de torná-los robotizados ou excessivamen-te sistemáticos, tal como ocorre com animais adestrados, que, por perderem suasespontaneidades, tornam-se claramente menos felizes. Se não houver limites à per-da de privacidade, poderão aparecer pessoas com a intenção de colocar câmaras atédentro das residências, como nos reality shows, utilizando argumentos que lhesconvenham, como o de que muitos crimes e maus tratos poderão ser evitados.

Segundo diversos artigos existentes na internet, nos países comunistas a vigi-lância sobre as pessoas era tamanha, que uma ou mais dezenas de milhões teriamsido covardemente executadas ou assassinadas, entre outras razões, por se recusarema negar suas religiões ou por tentar praticá-las, o que era ilegal e resultava em pena demorte. Trata-se, portanto, de enorme massacre humano e de gritante ditadura dossem religião sobre os que tinham religião. Tudo dentro das leis. Sem entrar emqualquer ideologia política, esses massacres deveriam ser mais bem detalhados equantificados para as pessoas em geral (em quantidade de pessoas executadas estãoentre os maiores crimes já cometidos contra a humanidade) e ser objeto de estudosnas escolas (tal qual outros massacres), como forma de se prevenir contra futurastentativas de, independentemente do regime, socialista ou capitalista, emanar leisque reduzam as pessoas a propriedades dos governantes, com mando completosobre suas vidas, ao ponto de impor o que elas devem ou não pensar e se podem ounão ter alguma crença ou religião (total absurdo), ainda que ofereçam, em troca,políticas econômicas e sociais aparentemente boas.

Vale observar que o bom senso, embora muito criticado por não ser unifor-me33, é útil até mesmo para que não haja reação a um assalto, embora, ao agirassim, se esteja incentivando a prática de atividades ilícitas e favorecendo a vidados corruptos, o que, em princípio, deveria ser evitado. Por mais que esse temapareça simples demais para estar sendo comentado, ele exemplifica que não há leisque ordenem o comportamento em todas as situações, assim como não há no exemplocitado. O mundo real é muito mais dinâmico e sempre terá complexidades e deta-lhes que escapam e extrapolam as capacidades intelectuais dos que elaboram mo-delos econômicos ou modelos (ordenamentos) jurídicos, embora estes sejam fun-damentais para a vida em sociedade.

Na realidade, é muita pretenção achar que grupos de deputados e de senado-res, por mais inteligentes e capacitados que fossem e ainda que todos tivessemexcelente conhecimento jurídico, estivessem bem intencionados e não cedessem atentativas de corrupção ativa dos lobistas ou dos financiadores de suas campanhas

33 Mesmo o senso de justiça - bom senso - utilizado pelos julgadores que fundamentamsuas decisões em leis e artigos constitucionais, também não é uniforme, embora sejafundamental. Tanto é que em órgãos colegiados, frequentemente ocorre quase um empate(ex. 3 x 2 ou 6 x 5) entre os julgadores que decidem contra ou a favor de determinado réu.

Page 58: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

5 8 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

(o que frequentemente não ocorre), conseguiriam elaborar leis que regessem comperfeição e total harmonia as vidas das pessoas em sociedades, a ponto de sercompletamente dispensável qualquer uso de bom senso ou de noção de certo eerrado. Ainda que isso fosse possível, se a vida se resumisse a seguir regras e modelosfielmente, talvez fosse bastante sem graça e excessivamente padronizada, com pessoastendendo mais à robotização, aos raciocnios binários, quando apenas os resultados sãoconsiderados e as intenções desprezadas, à obediência cega e à frieza (tal como ocorrenos tribunais de guerra, onde imperam a agilidade e a praticidade) do que à criatividade,ao senso crítico, a novas descobertas, a ajudas voluntárias e ao discernimento.

Deve-se lutar contra eventual intenção de moldar as pessoas de forma a setornarem presas fáceis da manipulação de idéias, inclusive com auxílio da mídia,ou meros componentes de manadas, que não questionam, têm comportamentosexcessivamente padronizados e estão sempre prontas a seguir comandos ou repetiridéias em uníssono. Quantos exemplos há de grupos e exércitos que seguiramcomandos cegamente e cometeram grandes erros e até mesmo enormes massacresao longo da história? Portanto, é preciso haver equilíbrio e bom senso, para nãohaver anarquia e, ao mesmo tempo, não ocorrer excessos de regulamentações,principalmente sobre os cidadãos comuns.

A prevenção contra a anarquia é importante inclusive para eliminar oscriminosos de cifras colossais e não permitir que estejam acima das leis e ajamimpunemente. Além disso, os criminosos do colarinho branco, que frequentementedesenvolvem atividades paralelas (podem até ser atividades produtivas), estão semprepressionando e influenciando politicamente para receberem tratamentosprivilegiados, como o de reduzir ou eliminar toda a regulamentação de suasatividades. Afinal, se são todos pessoas de bem, basta haver a auto-regulação (citamque a “mão invisível” resolve tudo, desde que o governo, incluindo seus órgãospoliciais, não interfiram. Entretanto, o Estado Policial é admitido, e até exigido,para os cidadãos comuns ou eventualmente para algumas pequenas empresas quevenham a incomodar, frequentente inviabilizando suas existências, devido aexigências acessórias desproporcionais.)... Argumentam, ainda, que os países sóteriam a lucrar se os seus dirigentes fossem um pouquinho mais inteligentes einstruídos, e conseguissem entender suas instruções... Perseverarão instruindo,ironizando e dando belas entrevistas a entrevistadores, muitas vezes, coniventes(geralmente com grande lábia, muito bom humor e total segurança)... Utilizandoliguagem coloquial, pode-se dizer que alguns agem como astuciosas víboras, pondoem prática suas lábias para conseguirem vender seus peixes (construindo oudesconstruindo alguma forma de pensar, para convencer que o errado é certo e queo certo é errado, que o bom é mal e o bem é maligno), enganando alguns, milharesou milhões. Da mesma forma fazem os maus políticos, que sempre tentam sepassar por bons. Felizmente as pessoas estão cada vez mais prevenidas contra mauspolíticos e também tenderão a ficar prevenidas, a medida que tomem maisconsciência, contra todos os demais que tentem lhes enganar, inclusive os mausanalistas televisivos e os grandes criminosos da área financeira e empresarial, que

Page 59: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 5 9

podem ser ainda bem piores do que os maus políticos, até por podê-los manipular,controlar, inclusive as leis que eles emanam, e financiar suas campanhas.

Em estruturas militarizadas ou que regulem excessivamente o comporta-mento de seus membros, quem controla o topo da pirâmide controla todo oórgão, o que pode ser bastante perigoso, inclusive quando se tratar de órgãos defiscalização. É importante que as pessoas de diferentes escalões possam ter opini-ões diferentes e que essas opiniões fiquem registradas em relatórios e pareceres.Os que estão em postos superiores não podem simplesmente dar ordens verbaispara que os seus subordinados alterem ou invertam os conteúdos e as conclusõesde seus pareceres, embora, durante a fase de elaboração de relatórios, se possaconversar, trocar idéias e tentar auxiliar nas análises, desde que os que assinam osrelatórios ou pareceres tenham tranquilidade para emitirem suas opiniões finais.Também não seria democrático convocar outro ou outros funcionários para for-malizarem pareceres alternativos sobre o mesmo tema, até que um deles fiquecom o formato que se deseja, abandonando os pareceres anteriores. A idéia seriaa de não haver opiniões conflitantes ou diferentes em um mesmo processo, o quepoderia suscitar questionamentos futuros por parte de auditores.

Nos diversos países observa-se que há diferentes opiniões e decisões nas diferentesinstâncias dos poderes judiciários e todas elas ficam registradas nos processos. Nestepoder, um juiz de instância superior não pode dar ordens verbais para que um juiz deinstância inferior altere sua sentença. É fundamental que os representantes das diferentesinstâncias possam tomar as decisões que acreditem ser as mais corretas, de acodo comsuas consciências, sem que estejam sujeitos a pressões indevidas ou ameaças de demissão.

Pode ser perigosa a idéia de se ter uma espécie de fé cega em modelos econômi-cos ou em arcabouços jurídicos (leis e regras), como se fossem religiões e sem nenhumsenso crítico. Inclusive porque são produzidos por seres humanos suscetíveis a falhas.Há inúmeros exemplos de modelos econômicos que falharam e de leis e regras queforam consideradas desumanas ou injustas. Além disso, há a constatação de que boaparte das leis e das regras pode ser fruto, não do interesse da maioria, mas, sim, delobbys de pessoas de má índole, nada defensáveis. Qualquer tentativa de mudanças emleis que contrariem grandes interesses será vigorosamente combatida, inclusive comforte apoio da imprensa. Não basta haver iniciativas e boas intenções, é preciso forçapolítica (decorrente da organização e da união dos que têm boas intenções) para derro-tar os interesses contrários, que certamente combaterão de forma organizada.

A título de exemplo, vale citar o artigo 153, inciso VII da ConstituiçãoFederal do Brasil, de 1988, que trata do imposto sobre grandes fortunas (existenteem muitos países), que até hoje não foi regulamentado, embora alguns parlamenta-res tenham tentado. Na prática, o inciso VII do artigo 153 vem sendo tratado comoletra morta, contrariando a vontade dos legisladores constitucionais. É um exem-plo de lei que não pegou e que, talvez, nem venha a pegar.

Existem, entretanto, regras políticas para que se lute pela alteração de leisconsideradas injustas, embora, em alguns casos, como na conquista da independên-cia de alguns países, tenha sido necessário sair das citadas regras.

Page 60: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

6 0 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

No mundo real, a maioria dos que se dizem imparciais e cegamente obedi-entes às leis, somente pregam a punição de cidadãos comuns e tentam responsabilizá-los por todos os problemas existentes. Normalmente, os que se dizem cegamenteobedientes às leis não criticam e protestam contra o descumprimento de leis por partede cidadãos abastados ou detentores de poder. Entretanto, se algum cidadão comumalcançar o poder e começar a tomar decisões que lhes desagradem, passarão a merecercríticas. Ou seja, muitos podem lançar mão das leis como mais um instrumento (quelhes confere ar de seriedade e de honestidade) disponível para alcançar e manter opoder. Estas constatações são suficientes para evidenciar uma grande distância entre odiscurso e a prática: eles não são nada cegos e imparciais quanto dizem, pois enxergammuito bem quem querem ou não criticar com base nas leis e nas normas.

Os dirigentes dos principais órgãos públicos que regulamentam e fiscalizamas instituições financeiras, assim como orientam e incentivam suas atividades (porvezes pode haver conflito de interesses dentro de um órgão público que ao mesmotempo estimule e fiscalize as atividades de um grupo de empresas), devem estaratentos para não se deixarem influenciar pelos diretores das instituições que, devi-do ao poder legal dos dirigentes, terão muito a ganhar ou a perder com suas atitu-des. Uma de suas funções primordiais é a de juízes (outra é a de legisladores, o quetorna pronável a existência de influências e pressões políticas sobre os emanadoresde normas), em processos que podem chegar a muitos bilhões de dólares, emboraesta seja uma função pouco divulgada pela imprensa e, geralmente os dirigentesnão tenham suas gestões avaliadas pela qualidade de seus julgamentos, da emissãode normas ou de suas fiscalizações. Geralmente os dirigentes são julgados apenaspelo sucesso de suas políticas macroeconômicas ou de estímulos setoriais. O públi-co em geral e até mesmo estudantes das áreas afins, não têm noção dos volumesfinanceiros envolvidos e da grande importância social de bons julgamentos, daemanação de boas normas, assim como de boas políticas de fiscalização.

Os dirigentes devem se manter firmes em seus julgamentos e ter coragem detomar as decisões que considerem ser as mais justas, e não se deixar levar por pressõespor parte da imprensa (cada vez maiores), ameaças ou seduções, o que deixaria associedades desguarnecidas. Os dirigentes devem ter perfis não apenas técnicos, mas,também, de alguém que seja ciente de que provavelmente irá enfrentar pressões eameaças e que, possivelmente, terá dificuldades em conseguir emprego no futuro.

Por estes motivos, muitos consideram útil a idéia de haver garantias temporá-rias aos dirigentes julgadores de órgãos públicos, análogas às dos juízes do judiciá-rio, embora isto tenha que ser muito bem discutido e avaliado pelas sociedades,porque há diferenças. Por exemplo, 100% dos juízes de primeira instância têm queser funcionários públicos concursados. Quanto aos juízes de segunda instância, 20%são indicados sem serem originários do quadro de juízes de primeira instância e,destes, alguns podem ser advogados privados, enquanto os de terceira instância po-dem ser todos indicados e originários de carreiras púlicas ou privadas (vide artigos 93,94 e 101 da Constituição Federal). Quanto aos dirigentes julgadores de órgãos públi-

Page 61: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 6 1

cos, as regras variam de órgão para órgão, havendo casos em que todos podem ser dainiciativa pública (concursados), todos da iniciativa privada ou um mix de ambos.

Os volumes financeiros envolvidos nos julgamentos de algunsdirigentes de órgãos públicos podem ser incomparavelmente mai-ores do que os volumes financeiros envolvidos nos julgamentos dagrande maioria dos juízes das diversas instâncias do judiciário, oque evidencia a enorme importância dos julgamentos dos dirigen-tes (e das normas por eles emanadas) e o quanto seria útil e educativoreceberem destaques e divulgações por parte da imprensa.

É de grande importância que as sociedades fiscalizem os dirigentes julgadores(que geralmente também são legisladores) de forma a não permitir que eles, emdecorrência de julgarem processos de forma mais condescendente para esta ouaquela instituição (ou emanar normas atendendo a pedidos), posteriormente sejamagraciados com empregos que os tornem milionários, ainda que pemaneçam algunsmeses de quarentena após deixarem os empregos de dirigentes julgadores/legisla-dores. É claro que há dirigentes que conquistam bons empregos devido a suascapacidades técnicas e não em decorrência de maus julgamentos ou da não emana-ção de normas rígidas.

Mais importante do que alguns órgãos públicos terem independênciapolítica é terem independência em relação ao mercado. A independênciapolítica é questionável porque tanto pode gerar efeitos positivos quantonegativos, como políticas econômicas contraditórias, tal qual em umagrande empresa, com departamentos agindo de formas antagônicas(um avião com turbinas descoordenadas ou funcionando em sentidosopostos irá cair). A independência em relação ao mercado (instituiçõesque possuem muito dinheiro e, portanto, em qualquer lugar do mundo,influências políticas) é fundamental para haver isenção e os dirigentespoderem legislar e julgar processos sem pensarem em futurosdesempregos ou em futuros mega empregos no mercado. É primordial,inclusive, que não haja desincentivos ou incentivos empíricos a respeitoe que os dirigentes não sejam correligionários dos julgados e nem osenxerguem como futuros patrões.

Por outro lado, devem trabalhar para que não mais existam exemplos dedirigentes ou de funcionários que, por terem tido coragem de decidir contra gran-des interesses, ou emanado normas rígidas e técnicas, tenham sido destituídos doscargos, passando a executar funções menores (nos casos em que eram funcionáriospúblicos) ou tenham sido demitidos (quando tinham origem na iniciativa privada e,portanto, não tinham estabilidade).

Apenas os que tiverem consigo o sentimento interno de certo e errado esco-lherão agir da segunda forma. Os que se basearem apenas nos aspectos legais e

Page 62: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

6 2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

formais e tentarem maximizar as oportunidades de ganho, inclusive fazendo usodas “brechas das leis” (que muitas vezes podem ser encomendadas ou propositais)ficarão tentados a seguir o exemplo dos componentes do primeiro grupo que, alémde serem mais bem remunerados e de serem classificados como profissionais desucesso (possivelmente recebendo prêmios), tendem a colecionar menos inimigosao longo de suas carreiras.

Desse modo, todo grupo que consiga permanecer com lucro eco-nômico por muito tempo, merece especial atenção ou investigação arespeito de possíveis existências de cartéis ou de barreiras a entradasde novos concorrentes, que deverão ser combatidos. Talvez até órgãosgovernamentais ou privados pudessem publicar ranking com os seto-res que apresentam maiores lucros econômicos, com o propósito deestimular a entrada de novos concorrentes.

Retornando à questão dos lucros econômicos, observa-se que, sem a existên-cia de barreiras a entradas, até a lucratividade dos praticantes de atividades ilegaistenderia a cair, embora tendesse a se manter acima da de mercado devido aosdiversos tipos de riscos envolvidos.

Se essas distorções ocorressem, os órgãos fiscalizadores estariamatuando quase como departamentos de algumas das grandes empre-sas, tendo a dupla função de não fiscalizá-las adequadamente e deprotegê-las dos concorrentes, sendo extremamente rigorosos com eles.As pressões e ameaças poderiam chegar ao ponto de se pleitear aosdirigentes que eles buscassem ser bastante convincentes (se possívelcitando normas e pareceres jurídicos) nos julgamentos em que fossemobrigados a justificar suas decisões, ou votos, perante o público, ouperante algum órgão colegiado, tentando exigir, portanto, que os diri-gentes tivessem atuações, até certo ponto, “teatrais”. Portanto, as cita-das distorções devem ser evitadas ao máximo pelos dirigentes e pelassociedades, na medida em que, além de lhes causarem grandesmalefícios, se elas se verificassem, estariam em sintonia com o ditadopopular que diz “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da Lei”34,de forma análoga a um juiz de futebol que cedesse a pressões paraaplicar as regras de forma branda em um dos times e ser extremamen-te severo na interpretação das jogadas e na aplicação do regulamentosobre o outro time.

Desse modo, nas referidas situações, as atuações isoladas e extremamenterigorosas sobre uma ou poucas instituições pequenas poderiam estar contribuin-do, não para a melhoria do setor, mas sim para a deterioração da concorrência.

Page 63: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 6 3

34 É possível que haja pressões até mesmo sobre alguns órgãos da imprensa, no sentido de queeles não divulguem, de forma completa e transparente, notícias contrárias aos interesses dosque efetuam as pressões. Nestes casos, haveria tentativa de “censura da imprensa” por gruposprivados, o que não é condizente com os princípios democráticos. Algum nível de censuragovernamental sempre terá que haver, se não poderiam ser publicados, por exemplo, livros queensinassem como fabricar bombas caseiras. Há muitos artigos e livros que tratam do poder daimprensa e alguns autores chegam a chamá-lo de “quarto poder”, embora não oficial. Se algumgrupo controlar a imprensa de um país, terá a seu dispor a possibilidade de influenciar demaneira perigosa boa parte de corações e mentes (talvez tentando realizar uma espécie delavagem cerebral coletiva, conforme já ocorreu por diversas vezes), tanto nos regimes de excessão,quanto nos chamados regimes democráticos ou regimes socialistas. Da mesma forma que opoder dos bancos é desproporcionalmente elevado, em relação aos seus patrimônios, pararealizarem grandes especulações ou manipulações, tendo em vista que trabalham alavancados,utilizando-se de recursos dos depositantes, o poder político da imprensa também édesproporcionalmente alto comparativamente aos seus patrimônios (pior ainda se houvercorporativismo entre acionistas de bancos que pratiquem crimes financeiros e imprensa).Interessante observar que ambos dependem de concessões governamentais para funcionarem,o que pode prejudicar a concorrência nestes setores. Talvez órgãos públicos devessem ter odireito a cotas (sem custos), para realizarem propagandas de interesse coletivo, como, por exem-plo, campanhas de saúde pública ou de incentivo à boa utilização do papel-moeda, cuja emissãolíquida representa receita coletiva (seignorage). Vale citar que na maioria dos países há vedaçõesconstitucionais e nos códigos penais a emissões privadas de moedas paralelas ou complementares- ainda que tenham apelo social - apesar de tais moedas “sociais” serem uma realidade em váriospaíses (em diferentes épocas), geralmente sem qualquer lastro e já existindo casos de prejuízos aosdetentores de tais moedas. Na Argentina milhões utilizavam as cédulas paralelas no início dos anos2000, o que contribuiu para o aumento da inflação, e muitos tiveram prejuízos. Em alguns casos asemissões de moedas sociais representam receitas apenas para os seus emissores (possivelmentemuitos emissores e seus amigos já enriqueceram) e não seguem quaisquer regras governamentais.Isto é análogo à arrecadação privada de impostos, que é totalmente anárquica (e se a moda pega?Seria alguma espécie de Nova Era ou Nova Ordem Mundial?). Se os países cujas constituições nãoproíbam a existência de tais moedas (devem ser poucos) considerarem útil suas existências, porsupostamente estimularem as economias das comunidades carentes, elas somente poderão seremitidas segundo as leis que vierem a ser criadas a respeito. Argumenta-se que o dinheiro paralelopermanece na comunidade e não flui para outros lugares mais desenvolvidos, o que normalmenteocorre em decorrência dos serviços locais serem menos competitivos (há aí um trade-off entreeficiência e distribuição de rendas a ser analisado). Estes efeitos e seus riscos poderiam ser objetode extensas e aprofundadas pesquisas econômicas, estatísticas e empíricas, inclusive com o desen-volvimento de modelos matemáticos, e não objeto apenas de discussões verbais ou superficiais.Poder-se-ia chegar a conclusões contra ou pro moedas complementares, que, neste caso, viriam aser incentivadas pelos governos, que, na maior parte das vezes, necessitariam emendar suas Cons-tituições e ainda poderiam imprimir, criar elementos de segurança nas cédulas e combater eventu-ais falsificações. É imprescindível que a seignorage seja governamental (caso contráriopoderia haver anarquia, com enorme boom de emissões de moedas paralelas, principalmente paramilhares de comunidades carentes e de favelas em tantos países, com as respectivas seignorages

privadas e anárquicas, como ocorreu na Argentina, com potencial de desestabilizar os sistemasmonetários), podendo haver eventuais subsídios aos carentes, possivelmente sendo parte de pro-gramas sociais. Outro item importante seria a educação financeira, com a conscientização a respeitodo enorme risco de se viver com elevados graus de endividamento, até para se contraporem àsempresas de cartões de crédito. A crise de 2008 tem revelado como há cidadãos americanos,mesmo os que têm curso superior, excessivamente endividados. Possivelmente influenciados porpropagandas massificadas de incentivo ao endividamento, até para consumo de supérfulos.

Page 64: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

6 4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

Somente ações generalizadas, duradouras e isonômicas por parte dos órgãosfiscalizadores, em relação a empresas de diferentes tamanhos e segmentos de atua-ção, são capazes de lograr êxito no sentido de promover a concorrência, reduzir asmargens de lucro a níveis de mercado e defender as sociedades de eventuais desviosde recursos por parte dos participantes nocivos.

Vale citar que as punições aplicadas pelos órgãos de fiscalização ou propos-tas por eles ao poder judiciário (no caso do Brasil, as denúncias são propostas aoMinistério Público, para que este decida, mediante análise, se as remeterá ao poderjudiciário) devem respeitar o princípio jurídico da proporcionalidade, ou seja,devem ser grandes quando se tratar de desvios de grandes volumes financeiros epequenas quando se tratar de valores reduzidos.

Outro princípio jurídico freqüentemente citado pelos juristas é o da

razoalilidade, segundo o qual pequenas falhas, acessórias e não intencionais, nãodeveriam ser punidas severamente, merecendo, talvez, apenas advertências35 a res-peito das falhas. Realmente, baseando-se na constatação de que cometer pequenoserros faz parte da natureza humana (a maioria das pessoas aceita a realidade de quenão há ser humano perfeito), mesmo os participantes bem intencionados provavel-mente irão cometer pequenas falhas acessórias e buscarão corrigi-las. Segundo oprincípio jurídico da razoalilidade, esses participantes não deveriam receber puni-ções exemplares em decorrência de pequenas falhas, sob pena de se estar pratican-do grandes injustiças. Analogamente, há prática de grandes injustiças quando nãosão aplicadas punições severas aos participantes que praticam ilícitos de milhõesou de bilhões de dólares, mesmo considerando que os praticantes de tais crimes docolarinho branco têm condições de contratar bancas de advogados ou escritórios deadvocacia extremamente caros para defendê-los das acusações constantes nos pro-cessos civis e criminais que sejam instaurados contra eles.

Vale citar que esses últimos participantes geralmente mantêm ótimas equi-pes de funcionários e contratam bons assessores, com o propósito de que suasinstituições cumpram rigorosamente os aspectos formais. O objetivo desses partici-pantes é não serem enquadrados em pequenas falhas acessórias, pois, aos olhos dosórgãos fiscalizadores, essas falhas poderiam chamar atenção para os ilícitos demilhões ou de bilhões de dólares. Em outras palavras, os praticantes dos grandescrimes financeiros geralmente não cometem pequenas falhas, pois essas poderiamrepresentar a “ponta do iceberg” para os órgãos fiscalizadores. Ao mesmo tempo,eles poderão se valer do perfeito cumprimento dos aspectos formais para se auto-intitularem “grandes cumpridores das leis e das normas”, com o propósito de ad-quirirem ares de honestidade com o propósito de não levantarem suspeitas.

Vale lembrar que do ponto de vista das fiscalizações do sistema financeiro,instituições privadas, como bolsas, entidades de balcão organizado e câmaras deliquidação e de custódia, também podem prestar grandes colaborações na identifi-

35 Advertência é a pena mais branda prevista no artigo 11 da Lei n° 6.385/76 e no artigo

44 da Lei n° 4.595/64 (Lei que criou o Banco Central do Brasil) e geralmente não é aplicada

em caso de reincidência das falhas, sendo necessário aplicar penas de graus mais elevados.

Page 65: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 6 5

cação de operações irregulares ou ilícitas, na punição dos responsáveis (até os limi-tes legais de suas competências) e na comunicação das operações às autoridadesgovernamentais. A capacidade do mercado efetuar um auto-policiamento é conhe-cida como auto-regulação. É preciso estar atento, entretanto, ao fato de que a auto-

regulação deve ser vista como complemento e jamais como substituto das fiscaliza-

ções exercidas por órgãos governamentais, até porque as leis geralmente não confe-

rem poder de polícia às instituições privadas e elas não têm competência legal para

efetuar punições de graus mais elevados.Baseando-se na teoria dos jogos, é razoável acreditar que a auto-regulação

tende a apresentar melhores resultados quando os custos por eventuais falhas emdetectar e prevenir atividades irregulares ou ilícitas seja arcado pelo próprio mer-cado e não por toda a coletividade, como ocorre nos casos em que Bancos Centraisou bancos públicos de fomento arcam com os custos. Por exemplo, se os prejuízoscausados pelo desvio de recursos de bancos ou de empresas (ou pela manipulaçãode preços, ou por alguma outra ilicitude) tivesse que ser arcado por “Fundos Ga-

rantidores de Liquidações” mantidos por bancos ou empresas privados (sem preju-ízo das ações penais contra os responsáveis, a serem aplicadas por órgãos governa-mentais), certamente os bancos e empresas teriam maiores incentivos em efetuar oauto-policiamento com grande eficácia, na medida em que, se eles (ou algum órgãoindependente mantidos por eles) falhassem em detectar e prevenir fraudes, as própriasempresas ou bancos privados teriam que arcar com os custos.

A idéia de se utilizar órgãos independentes mantidos por bancos ou empresaspara efetuar o auto-policiamento, em vez das instituições se fiscalizarem diretamentepode ser justificada quando as instituições não querem que os concorrentes tenhamacesso às suas operações e estratégias. Desse modo os órgãos teriam que fiscalizar osbancos ou empresas e manter as informações sob sigilo, de forma semelhante aosórgãos governamentais de fiscalização. Quando bancos ou empresas ultrapassassemlimites de risco ou praticassem algum tipo de ilicitude que pudessem gerar desem-bolsos para os Fundos Garantidores de Liquidações, os administradores e controladoresdas referidas instituições teriam que se “enquadrar”, segundo regras criadas e aprova-das pelas próprias instituições, que seriam os cotistas dos referidos fundos.

Em nossa opinião (embora muitos discordem com veemência) se essas re-gras já existissem, se os países mais fortes e os organismos supranacionais, como aONU, já tivessem sido capazes (é necessário haver intenção e força) de eliminar apossibilidade de existência dos paraísos fiscais e, principalmente, se os esforçosdas parcelas boas das sociedades (que tendem a ser maiores a medida que elastomem mais conciência) já tivessem sido suficientes para tornar bastante eficazesos órgãos públicos responsáveis pelas punições aos criminosos do colarinho bran-co, a ponto de fazê-los temer as punições e não cometerem novos crimes, dificil-mente crises como a do ano de 2008 ocorreriam.

Page 66: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

6 6 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

A imensa maioria dos cidadãos comuns do mundo ocidental é totalmentecontrária à existência de extremos: de um lado países cujas ações dos Estados sãoanuladas ou neutralizadas pelos enormes poderes de reação e de influência doscriminosos do colarinho branco, capazes de combater implacavelmente os que lhescombatem (até para darem exemplos e desencorajarem futuras tentativas de sefazer justiça), mesmo quando desviam milhões ou bilhões de dólares; do outro,países, como a China, que executam (fuzilam) os criminosos do colarinho branco,ainda que não desviem valores tão elevados. Segundo a Anistia Internacional, em2008 houve pelo menos 2.390 execuções legais em 25 países no mundo, sendo aChina o país com o maior número - 1.718.

É fácil perceber que a manutenção de Fundos Garantidores de Liquidações

representariam custos extras para os bancos ou para as empresas que os mantives-sem36, mas, do ponto de vista social, a prática tem demonstrado que esses custosseriam muito inferiores aos custos sociais referentes aos aumentos de dívidas públi-cas decorrentes da injeção de recursos públicos pelos Bancos Centrais ou pelosbancos públicos de fomento, em bancos ou empresas com dificuldades financeiras.

Estes custos podem ser estimados, por exemplo, a partir da multiplicaçãodos volumes injetados, pela diferença entre as taxas de juros subsidiadas dos em-préstimos às instituições em dificuldades (conforme já dissemos, os subsídios ge-ralmente são disfarçados por meio de complexas operações de engenharia financei-ra) e as taxas de juros de mercado que os governos pagam para rolar suas dívidaspúblicas, por meio da licitação pública de títulos.

Lembramos novamente, que é muito importante que os governos, antes deconcederem empréstimos ou de efetuarem operações específicas que reduzam asdificuldades financeiras dos bancos ou das empresas, constatem que as empresas ouos bancos que estiverem recebendo injeção de recursos públicos, não estejam emdificuldades por razões de desvio de recursos por parte dos seus administradores(gestão fraudulenta, crime previsto na Lei n° 7.492/1986) ou em razão de outrosproblemas semelhantes.

Como se sabe, mesmo quando tiver ocorrido desvio de recursos (possivel-mente os recursos são enviados para paraísos fiscais situados no exterior), os diri-gentes, em geral, não irão admitir este fato e possivelmente irão alegar dificuldadesde mercado (eventualmente causadas por decisões econômicas governamentais oupor falta de apoio dos governos). Geralmente também se utiliza o argumento de queé necessário evitar custos sociais elevados, devido à perda de emprego dos funcioná-rios, como justificativas para solicitar as ajudas financeiras aos governos. Somente asfiscalizações externas podem constatar as verdadeiras razões das dificuldades finan-ceiras, embora as fiscalizações também possam falhar.

36 Segundo a teoria microeconòmica os custos seriam divididos com os consumidores

dos serviços prestados pelas empresas ou pelos bancos. Se as curvas de demanda dos

consumidires tivessem maior elasticidade-preço do que as curvas de ofertas das empresas

ou dos bancos, estes últimos tenderiam a arcar com a maior parte dos custos, caso contrá-

rio, os primeiros tenderiam a arcar com maiores proporções dos custos totais.

Page 67: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 6 7

Mesmo quando não houver gestão fraudulenta, seria fundamentalque se exigisse dos administradores e acionistas controladores a ven-da de bens e a injeção de recursos particulares como forma de contri-buição e de demonstração de confiança na recuperação econômicados bancos e das empresas. Não se pode jogar toda a responsabilida-de nas costas do governo, para que este injete apenas dinheiro público(tendo, portanto, a tão criticada atitude paternalista e populista) noplano de recuperação. Além disso, já foram noticiados casos de ban-cos que receberam ajudas dos governos e, em seguida, pagaram bônuselevadíssimos aos seus diretores, os mesmos que levaram os bancos asituação de passivos a descoberto. Parece fácil ser caridoso com di-nheiro alheio, principalmente quando os que recebem dinheiro sãoabastados e influentes e, portanto, têm capacidade de retribuir favores,até com empregos muito bem remunerados.

Baseando-se também na teoria dos jogos, se os diversos órgãos de fiscaliza-ção e os órgãos responsáveis pela punição forem ineficazes em detectar fraudes epunir os responsáveis, haverá tendência de que os praticantes das atividades irregu-lares ou ilícitas se perpetuem, e até mesmo aumentem suas participações nas ren-das totais dos países, acarretando, conseqüentemente, brutal redução na parcela derenda destinada à grande maioria dos agentes econômicos, que trabalha da formacorreta. Conforme já dissemos, os ganhos decorrentes de crimes praticados nomercado financeiro ou em empresas podem ser de vários bilhões de dólares.

Vale observar que alguns países, no passado, efetuavam grandes divulgaçõesdas prisões dos participantes que praticaram atividades ilícitas no âmbito do mer-cado financeiro, possivelmente com o propósito de inibir os que tivessem intençãode praticar crimes semelhantes no futuro (para que realmente existam os aspectoscoercitivos das leis). Essas divulgações também são importantes para sinalizar paraas sociedades que os órgãos responsáveis pelas fiscalizações e pelas punições dosparticipantes que praticam os crimes na área financeira, previstos em lei, não sesubmetem a pressões e/ou ingerências externas e, desse modo, conseguem ser efica-zes e cumprir as funções para as quais foram criados. Não divulgar as prisõesdesses criminosos significa dar-lhes status privilegiados, sem qualquer justificativa.

Por outro lado, a sinalização para a sociedade será oposta e demandará al-gum tipo de reação organizada, se os investigadores de crimes do colarinho brancoao realizarem ótimos trabalhos forem perseguidos, em vez de elogiados ou promo-vidos. Dentre as funções dos investigadores (que, em algumas situações, para seremrespeitados, têm que ter perfil policial e não de funcionários públicos de escritóri-os, que não são treinados, não dispõem de meios de defesa e nem têm perfis paralidar com indivíduos de alta periculosidade), destaca-se a de proteger as sociedades

Page 68: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

6 8 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

das ações dos participantes nocivos, cujos objetivos são os de desviar, ilicitamente,parcelas significativas das rendas das sociedades, sem oferecer, em troca, quaisquercontrapartidas pelo lado da produção.

Outro ponto muito importante para haver eficácia nas investigações, é queos órgãos prestem assessoria jurídica aos investigadores quando estes forem indivi-dualmente processados pelos criminosos, por estarem sendo importunados (qual-quer pequena falha acessória ou em formalismos será motivo), contratando, inclu-sive, escritórios de advocacia caros e famosos. A ameaça de processar individual-mente os investigadores é mais um instrumento de coação a ser utilizado peloscriminosos. É possível que os investigados (criminosos) pressionem os dirigentesdos órgãos para deixarem os investigadores desamparados. Talvez a justiça devesserecusar sumariamente tais processos individuais, transferindo-os automaticamentepara os órgãos, que têm mais condições de se defender, inclusive por disporem dedepartamentos jurídicos.

O aumento e estímulo aos convênios entre órgãos técnicos e policiais dosgovernos tende a aumentar a eficácia de ambos, tanto do ponto de vista da realizaçãode operações conjuntas de fiscalização, quanto da troca de informações. Por outrolado, o excesso de burocracia entre os órgãos tende a prejudicar o resultado final. Éde se esperar que os fiscalizados com poderes políticos trabalhem neste sentido.

No caso do Brasil, novamente lembramos que há diversas leis que defineme tipificam crimes no âmbito dos mercados financeiros e que prevêem multas epenas de reclusão para os que praticam os crimes.

É importante mencionar novamente que os praticantes dos crimes, ao plane-jarem suas estratégias, geralmente se utilizam da dissimulação (além de grandeastúcia) como forma de dificultar seus enquadramentos nos crimes previstos nasleis. É provável que os planejadores sejam extremamente cuidadosos e perfeccionistas(inclusive sendo impecáveis no sentido de não cometerem quaisquer falhas acessó-rias), principalmente quando os volumes envolvidos forem de grande monta.

Uma externalidade negativa dos derivativos é, sem dúvida, a de poderem ser

utilizados como poderosos instrumentos de dissimulação de fraudes. Devido à com-plexidade de alguns contratos, os criminosos praticam os crimes utilizando fartaargumentação econômico-financeira para tentar convencer, principalmente as auto-ridades que não tenham grande familiaridade com o tema, que as operações sãonão apenas úteis, mas, também, indispensáveis às sociedades, ou a determinadasentidades públicas ou privadas que as tenham praticado. Quando há entidades pú-blicas envolvidas, os prejuízos podem alcançar cifras gigantescas, que certamenteserão recursos que deixarão de servir a outros setores das sociedades, inclusivesaúde, educação e saneamento básico.

Portanto, é de fundamental importância que os responsáveis pelos julgamen-tos dos inquéritos referentes a tais crimes tenham em mente que, quase sempre,não conseguirão obter provas cabais que caracterizem a prática dos crimes segundo

Page 69: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 6 9

as leis. Quase sempre os praticantes dos crimes terão argumentos (cuidadosamentepesquisados) para mostrar que suas intenções eram outras.

Entretanto, geralmente é possível deduzir, a partir do amplo conhecimentodas operações, em todas as suas complexidades, que, em essência, houve a práticado crime, embora, na forma, o crime não esteja perfeitamente caracterizado segun-do os artigos da lei, ou, como diriam alguns, segundo a “letra fria da lei”.

A título de exemplo, vamos admitir que um administrador de uma entidadede investimento coletivo, após combinação prévia com determinada pessoa física,efetue empréstimo, utilizando recursos dos cotistas, de US$ 200 milhões à referi-da pessoa física, a taxa de juro de 7,5% pelo período de um ano, enquanto as taxasde juros de mercado estavam em 12,5% para o mesmo período, mas dissimule oempréstimo por meio de operações em derivativos que propiciam renda fixa (utili-zando, por exemplo, as operações mostradas na seção 18.1.4). A pessoa físicaaplicaria os recursos captados a taxas de mercado, por exemplo, comprando títulospúblicos, obtendo lucro de (12,5% - 7,5%) x US$ 200 milhões = US$ 10

milhões. Os US$ 10 milhões serão então repartidos com o administrador daentidade de investimento coletivo. Neste exemplo, o administrador estaria, em

essência, praticando gestão fraudulenta da entidade (crime previsto no art. 4° daLei n° 7.492/86), na medida em que os cotistas da entidade estariam deixando dereceber os US$ 10 milhões que a pessoa física lucrou, embora, na forma, estivesseapenas operando em derivativos.

Em situações semelhantes à ilustrada neste exemplo, o conhecimentoaprofundado das operações envolvendo derivativos, certamente contribuiria no sen-tido de propiciar aos julgadores, a segurança necessária para não acatarem eventu-ais argumentos equivocados sobre o tema.

No exemplo apresentado, o administrador da entidade de investimento co-letivo ou outros profissionais da área financeira poderiam argumentar, inclusivepor meio de pareceres, que se trataria de “operações sofisticadas”, de “operaçõescomplexas” ou de “operações de hedge” envolvendo derivativos, e que, ao final,seriam perfeitamente lícitas, tendo em vista que as operações teriam propiciadorentabilidade positiva de US$ 15 milhões aos cotistas ou aos participantes daentidade de investimento coletivo. No entanto, no exemplo apresentado ficou per-feitamente claro que a rentabilidade obtida foi US$ 10 milhões inferior à rentabi-lidade de mercado, não restando quaisquer dúvidas de que, em essência, o art. 4°da Lei n° 7.492/86 foi infringido.

Há ainda muitos exemplos práticos de crimes financeiros bem mais escan-carados do que o citado, como o do administrador de fundos americano BernardMadoff que, segundo diversos jornais, montou esquema de pirâmide financeira noqual os primeiros aplicadores eram financiados pelos que entravam posteriormentee no qual não havia lastro para todo o capital aplicado. Apesar do referido adminis-trador ter sido presidente da bolsa americana NASDAQ, o que lhe garantia maior

Page 70: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

7 0 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

credibilidade para captar recursos e iludir, segundo os jornais o prejuízo estimadoem 2008 aos aplicadores era de cerca de US$ 50 bilhões. Além disso há previsõesde milhões de investidores lesados em muitos países e milhares de açoes judiciais.

Este exemplo comprova como as autoridades fiscalizadoras ame-ricanas falharam em não detectar crime tão gritante. Com o propó-sito de aperfeiçoar os processos de fiscalização seria fundamentalque se investigasse o porquê das falhas. Quais os departamentos,níveis hierárquicos ou pessoas que falharam e não apenas utilizar ofácil argumento de que “o órgão falhou”. Inclusive porque dentrodo órgão de fiscalização que falhou, certamente havia pessoas queeram favoráveis a atitudes, decisões e julgamentos de processos maisenérgicos contra maus administradores, mas que simplesmente fo-ram ignoradas e, em algumas situações podem até ter sido penaliza-das, sofrido assédio moral ou recebido aguma espécie de carimboao estilo “Fora de Validade”, passando a ficarem isolados e a seremclassificados como pessoas de difícil adaptação. A única razão paranão serem demitidos é a existência de estabilidade.

Devido a esta possibilidade, há correntes que defendem a existência de pro-teções temporárias, como a indemissibilidade e a inamovibilidade, para os queinvestigam e julgam processos contra criminosos do colarinho branco, que, reco-nhecidamente, possuem enormes poderes políticos e de reação. Até por lhes serpermitido o financiamento das campanhas de deputados, senadores e candidatos acargos executivos, com cifras vultosas. Por vezes financiam as campanhas dos doisou três candidatos com maiores chances de se elegerem a um mesmo cargo execu-tivo e qualquer um que vencer lhes deverá favores. Cada vez mais há pessoas favo-ráveis a limitar as propagandas polílicas aos espaços gratuitos existentes na impren-sa, sendo vedados quaisquer outras formas de propagandas (seja com recursos pú-blicos ou privados) por mais ricos que sejam os candidatos ou por maiores quesejam os interesses dos grupos que os apoiam.

É interessante observar que este e outros crimes de proporções bilionáriasforam cometidos por pessoas e entidades da iniciativa privada, o que deveria que-brar o mito de que somente órgãos públicos podem cometer desvios. Assim comoo de que a iniciativa privada é o único celeiro de tudo o que é bom e honesto, muitoembora seja bem mais ágil e menos burocrática.

Entretanto, algumas pessoas parecem ter sido doutrinadas de forma tão eficazque dificilmente mudam de opinião ou se rendem aos fatos (vale o ditado: contraargumentos não há fatos). Como se sabe, geralmente os seres humanos não são pura-mente racionais, mesmo os que têm formação em áreas técnicas ou financeiras. Otipo de formação e de escola que eles tiverem tido, os professores, assim como as

Page 71: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

Capítulo 1 Aspectos Gerais 7 1

experiências pessoais, as religiões, os grupos sociais com os quais se relacionam e atéas doutrinas predominantemente divulgadas pela mídia de seus países (que têm enor-me variância dependendo do regime e do governo), tenderão a influenciar bastantesuas opiniões e avaliações, podendo gerar enormes vieses e radicalismos.

Em alguns países as pessoas chegam a se dividir ou segregar em diferentesetnias, castas e religiões, não permitindo que haja misturas ou casamentos entre osdiferentes grupos. Podem haver também, grandes resistências em aceitar quaisquerargumentos ou acusações, mesmo que reais e irrefutáveis, contra membros dos seusgrupos, ainda mais quando houver sentimentos de superioridade ou rancores em rela-ção aos membros dos outros grupos (por vezes seculares ou milenares e repassadospara as gerações futuras). Nestas situações o corporativismo pode prejudicar a puni-ção aos culpados37 e os julgamentos podem se tornar formas de disputa de poder.

É claro que não se pode permitir que cargos de dirigntes de órgãos públicosse tornem cobiçados, por certos grupos, em razão de propiciarem mais poder,manutenção de barreiras a entradas em certos ramos de atividade, mantendo, por-tanto, lucros econômicos por longos períodos e, também, julgamentos favoráveisaos grupos, em uma espécie de busca sem fim, talvez passada de geração em gera-ção. Conforme já dissemos, qualquer ramo de atividade que propicie lucro econô-mico por muito tempo merece investigação, não apenas de órgãos públicos, mas,também, das sociedades como um todo, dado que elas estarão sendo prejudicadas,tanto por pagarem mais caro pelos produtos, quanto por deixarem de exercer ativi-dades altamente rentáveis. Criar ou aceitar a existência de tabus a respeito de taistemas em nada contribuirá.

Na realidade, em qualquer área ou grupo podem haver pessoas de má índolee que, portanto, precisam ser fiscalizadas e julgadas com isenção. As parcelas deboa índole das sociedades necessitam se organizar e reagir, policiando, pressionan-do e cobrando (talvez com protestos organizados, em alguns casos) dos órgãospúblicos que sejam eficazes em defendê-las. Inclusive avaliando os dirigentes deórgãos públicos pelas qualidades de seus julgamentos, dado que eles frequentemen-te julgam processos referentes a cifras gigantescas, que, se arquivados, normalmen-te nem vão ao judiciário. Os advogados dos réus, dentro das regras legais, lançammão de princípios jurídicos que covêm aos seus clientes, como, non bis in idem (osréus não poderiam ser julgados duas ou mais vezes a respeito de um mesmo fato)38

ou in dubio pro reu (na dúvida, julgue em favor do réu) e citam ainda que, noBrasil, a presunção é de inocência.

Também é preciso protestar contra as tendenciosidades de alguns órgãos daimprensa em favor de criminosos do colarinho branco, normalmente abastados e 37 Como se sabe, em jogos de futebol entre times de diferentes países é tradição chamar

juízes de terceiros países, por se considerar provável haver falta de isenção dos juízes, se

eles fossem da mesma nacionalidade de um dos times, ainda que eles sejam bastante

técnicos e sigam todos os formalismos e ritos legais. Pressupõe-se que parcelas significati-

vas dos seres humanos não conseguem ser 100% imparciais, mesmo considerando que se

esforcem e recebam treinamento técnico intensivo.

Page 72: CAPÍTULO Aspectos Gerais - · PDF file4 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1 1.2 OPERAÇÕES DE BOLSAS E DE BALCÃO As Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias e

7 2 MERCADOS DERIVATIVOS E ANÁLISE DE RISCO VOLUME 1

influentes (inclusive abafando crimes e falhas dos amigos e superexpondo os crimese falhas dos inimigos). É determinante que haja tomada de consciência, organiza-ção e articulação por parcelas cada vez maiores das sociedades, inclusive para criarforça política, embora este seja um termo bastante desgastado.

Não se pode permitir que um velho ditado seja desafiado e desres-peitado para sempre: “É possível enganar muitos por pouco tempo...Também é possível enganar poucos por muito tempo... Mas não épossível enganar muitos por muito tempo...”

Certamente não se trata de tarefa fácil ou isenta de todo tipo de sabotagem,perseguição, resistência... Porém, o que ocorrerá se as sociedades tiverem atitudespassivas, de alienação e de conformação, com comportamentos moldados e padro-nizados para a total obediência a políticas econômicas, sociais e educacionais que,em última análise, tenham como objetivos doutrinar boa parte das pessoas para queelas próprias combatam questionamentos e lutem fervorosamente para a manuten-ção do status quo? E se os criminosos de quantias tão gigantescas (que, ao contrá-rio, podem se utilizar de estratégias globalizadas e milenares, talvez mais podero-sas do que os poderes individuais da maioria dos governantes, e agir de formacorporativa e extremamente organizada) vierem a ter certeza da impunidade e aclara sensação de que o crime compensa? E se os anos mostrarem que os crimino-sos organizados sempre acabam levando a melhor, possivelmente com o apoio daimprensa, em relação aos policiais, inspetores, presidentes dos países e de organis-mos supranacionais, juízes e demais componentes e dirigentes de órgãos públicosque lhes combatam de forma séria? Porque pararão de desfrutat de tudo o que ariqueza, o elevado status social e o enorme poder sobre o mundo podem proporci-onar, ainda que pudessem exercer, por terem estudos e conhecimentos necessários,atividades convencionais e com remunerações razoáveis ou boas? Porquê abando-narão suas estratégias e doutrinas se elas proporcionam tanto bem-estar a suasdesvirtuadas, malignas e medíocres funções utilidade.

38 Por exemplo, se os réus tiverem sido inocentados na esfera administrativa, os advoga-

dos argumentarão que seus clientes não poderão ser julgados novamente no judiciário

pelo mesmo fato. Alguns tentam argumentar que até julgamentos preliminares efetuados

por órgãos privados, como conselhos de bolsas ou de câmaras de liquidação e de custó-

dia poderiam ensejar o non bis in idem e, deste modo, os advogados tentariam impedir

outros julgamentos, tanto por parte de órgãos públicos, na esfera administrativa, quanto

por parte do judiciário. Há, entretanto, pessoas com opiniões diferentes, que argumen-

tam que não se deveria mesclar as esferas administrativa e judiciária. Interessante obser-

var que a recíproca não é verdadeira, ou seja, os réus que forem condenados nas instân-

cias preliminares sempre poderão ser julgados novamente por instâncias administrativas

e judiciárias e, possivelmente, serem inocentados. Por exemplo, podem haver três instân-

cias na esfera administrativa, além de todas as instâncias do judiciário.