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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 1 CAPÍTULOS DE GEOGRAFIA AGRÁRIA DA PARAÍBA

Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 1

CAPÍTULOS DE GEOGRAFIA AGRÁRIA DA PARAÍBA

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2 Emília Moreira e Ivan Targino

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

reitor

NEROALDO PONTES DE AZEVEDO

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO

E REFORMA AGRÁRIA superintendente regional

JÚLIO CÉSAR RAMALHO RAMOS

EDITORA UNIVERSITÁRIA diretor

JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES

vice-diretor

JOSÉ LUIZ DA SILVA

divisão de produção

JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

divisão de editoração

EDUARDO FÉLIX DO NASCIMENTO FILHO

secretário

MARINÉSIO CÂNDIDO DA SILVA

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Emilia Moreira Ivan Targino

CAPÍTULOS DE GEOGRAFIA AGRÁRIA DA

PARAÍBA

Editora Universitária João Pessoa

1996

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4 Emília Moreira e Ivan Targino

Copyright by Emilia Moreira e Ivan Targino,1996 Direitos reservados à UFPB/EDITORA UNIVERSITÁRIA Caixa Postal 5081 Cidade Universitária João Pessoa - Paraíba CEP 58.059-900 Printed in Brazil Impresso no Brasil Foi feito do depósito legal

Moreira, Emilia et Targino, Ivan Capítulos de Geografia Agrária da Para-íba/Emilia Moreira et Ivan Targino. - João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1996 280p

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A Genaro Ieno,

amigo verdadeiro, companheiro de caminhada, por ter acreditado no nosso trabalho

não apenas como elaboração acadêmica mas, e sobretudo,

como contribuição para o fortalecimento das organizações dos trabalhadores

e da luta por uma sociedade mais justa e mais humana

A Juliana e Judite,

pelo tempo que lhes foi roubado do aconchego, do abraço

A Zito e Neusa, Yoyô e Santinha,

pela vida e

pelos exemplos de luta, de generosidade

e de alegria.

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6 Emília Moreira e Ivan Targino

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AGRADECIMENTOS

Externamos nosso agradecimento a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização e publicação desse trabalho. Fazemos menção especial a Ronald Queiroz, Marcos Lins e Márcio José Araújo que se empenharam não só no sentido de garantir a publicação desse estudo, mas de inserí-lo num projeto

mais amplo de parceria entre o Incra e a Universidade Federal da Paraíba. Não poderíamos deixar de agradecer a Júlio César Ramalho Ramos atual Superintendente

Regional do Incra na Paraíba, pela paciência e compreensão com os prazos vencidos decorrentes do atraso na publicação desse estudo.

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Sumário 1. Introdução 2. Processo de formação e evolução da organização do espaço agrário paraibano

2.1. Da conquista à organização inicial do espaço agrário 2.2. O litoral açucareiro 2.2.1. O Engenho: um mundo de poder e auto-suficiência 2.2.1.1. A organização do trabalho 2.2.1.2. A propriedade da terra 2.2.1.3. O surgimento da pequena produção no Litoral: algumas notas 2.2.2. Os Engenhos Centrais: uma experiência efêmera 2.2.3. As Usinas de açúcar 2.2.3.1. A propriedade da terra, a organização da produção e do traba-lho com a Usina

2.3. O Sertão pecuarista cotonicultor 2.3.1. Cana e curral: uma separação necessária 2.3.2. A organização da produção e do trabalho nas fazendas 2.3.3. A formação do complexo gado-algodão 2.3.4. A pequena produção sertaneja 2.4. O Agreste policultor-pecuarista 2.4.1. O sisal 2.4.2. A evolução da organização do espaço agrário no Brejo paraiba-no

2.4.2.1. A cotonicultura e a organização da produção e do trabalho no Brejo

2.4.2.2. A cana-de-açúcar e sua importância na organização da produ-ção e do trabalho no Brejo

2.4.2.3. E o café substitui a cana dando origem a um novo ciclo eco-nômico

2.4.2.4. Cana e sisal: uma combinação bizarra 2.4.2.5. A pequena produção de alimentos no Agreste 3. Modificações recentes na organização da produção agropecuária 3.1. A expansão canavieira (1970/1986) 3.2. A crise atual da economia canavieira 3.2.1. A política do governo Collor para a agroindústria canavieira 3.2.2. O Proalcool no governo Itamar Franco 3.2.3. Os efeitos da crise atual da agroindústria canavieira da Paraíba sobre a classe trabalhadora

3.2.4. Situação atual e perspectivas para o Proalcool

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3.3. A expansão da pecuária 3.4. As culturas alimentares 3.4.1. O desempenho das culturas alimentares tradicionais e modernas (1970/1980)

3.4.1.1. O abacaxi 3.4.1.2. O tomate 3.4.1.3. A banana 3.4.2. O comportamento recente das culturas alimentares 3.5. As culturas industriais 3.5.1. O algodão 3.5.2. O sisal 3.5.3. O coco-da-baía 3.5.4. O fumo 3.6. A expansão espacial da agricultura 3.7. A produtividade das terras 4.Estrutura fundiária: dinâmica recente 5. Modernização técnica da agropecuária estadual 6.A população rural paraibana: sua evolução e dinâmica atual 6.1. A evolução da população paraibana: um breve histórico 6.2. A dinâmica recente da população, em especial, da população rural 6.2.1. Fecundidade 6.2.2. O crescimento recente da população rural 6.2.3. A mobilidade da população 6.2.3.1. As migrações sazonais 6.2.3.2. Perfil da população rural paraibana 7. Evolução recente do emprego rural e das relações de trabalho no campo paraibano

7.1. Evolução recente do volume do emprego rural 7.1.1. Retração relativa da capacidade de absorção da força-de-trabalho por parte do setor primário

7.1.2. Comportamento oscilante do contingente de mão-de-obra enga-jado na agropecuária

7.1.3. Aumento da força-de-trabalho feminina e juvenil 7.1.4. Manutenção da pequena propriedade como principal fonte de ocupação

7.2. As mudanças nas relações de trabalho no campo 7.2.1. As relações de trabalho no campo (1970/1990) 8. Os movimentos sociais no campo e as conquistas da classe traba-

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lhadora 8.1. A luta contra a exploração do trabalho: a organização sindical 8.1.1. As condições de vida e trabalho dos assalariados da cana na Paraíba

8.1.2. Breve histórico da organização e luta dos assalariados 8.1.2.1. As campanhas trabalhistas de 1982 a 1983 8.1.2.2. As campanhas salariais de 1984 a 1990 8.2. A luta pela terra 8.2.1. A dinâmica dos conflitos 8.2.2. A ação dos mediadores 8.2.2.1. A Igreja 8.2.2.2. A assessoria jurídica 8.2.2.3. A organização sindical 8.2.2.4. Outros aliados 8.2.3. A ação dos donos 8.2.4. A ação do Estado 8.3. A violência no campo.

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LISTA DE QUADROS

1. Informações gerais sobre as Usinas do Litoral paraibano com destaque para a transfe-rência de titularidade

2. Quantidade exportada (arroba) de açúcar e algodão pelo porto da Paraíba (1835/1862) 3. Evolução da produção e da área colhida com cana-de-açúcar 4. Parque sucro-alcooleiro do Estado da Paraíba (situação em 1995) 5. Dívidas do setor sucro-alcooleiro 6. Efetivo de bovinos (1981/1993) 7. Efetivo de caprinos, ovinos, suínos e aves (1981/1993) 8. Evolução recente da produção das principais lavouras alimentares (1981/1993) 9. Indicadores da Estrutura Fundiária da Paraíba (1970,1980,1985) 10. Evolução da Estrutura Fundiária do Estado da Paraíba (1970/1980/1985) 11. Pessoal ocupado e valor da produção animal e vegetal, segundo as classes de área (1980)

12. Potencial de recursos hídricos dos açudes públicos e particulares, segundo as bacias hidrográficas do Estado da Paraíba (até 1986)

13. População paraibana (1774/1872) 14. População paraibana e brasileira (1872/1980) 15. Índice de fecundidade total segundo a situação domiciliar. Brasil, Nordeste e Paraíba 16. Número médio de filhos por mulher de 15 anos e mais que tiveram filhos, segundo a renda familiar da mulher, por situação domiciliar

17. População residente total e rural ( 1950/1991) 18. Crescimento da população rural segundo as Mesorregiões (1970/1980) 19. Crescimento da população rural, segundo as Microrregiões (1970/1980) 20. Crescimento da população rural, segundo as Mesorregiões (1980/1991) 21. Crescimento da população rural, segundo as Microrregiões (1980/1991) 22. População residente e população migrante por procedência, segundo o tamanho das cidades

23. Cidades que apresentaram as maiores taxas anuais de crescimento da população na década de 80

24. Participação da PEA agrícola na PEA total (1950/1990) 25. PEA do setor primário por sexo, segundo a idade (1970/1980) 26. Evolução do emprego assalariado, segundo as Mesorregiões (1970/1980) 27. Crescimento do emprego assalariado temporário, segundo as Microrregiões (1970/1980)

28. Crescimento do emprego assalariado permanente, segundo as Microrregiões (1970/1980)

29. Condição do Produtor por categoria e tamanho do estabelecimento (1970/1980) 30. Evolução do emprego assalariado, segundo as Mesorregiões (1980/1985) 31. Crescimento do emprego assalariado permanente, segundo as Microrregiões 32. Crescimento do emprego assalariado temporário, segundo as Microrregiões (1980/1985)

33. Acampamentos de trabalhadores sem terra (maio/1996) 34. Unidades de medida de comprimento, de área e de peso utilizadas no corte e plantio da cana

35. Áreas desapropriadas entre 1966 e 1990 36. Áreas adquiridas através de compra para fins de reforma agrária 37. Áreas desapropriadas entre 1993 e 1996 38. Áreas de Conflito não solucionado (maio/1996)

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Prefácio É um grande prazer prefaciar este livro de Emilia Moreira e Ivan Targino. Tomei conhecimento do texto em 23 de abril de 1996 num seminário em João Pessoa, por ocasião da pas-sagem da Caravana da Cidadania. Percorríamos a Zona da Mata dos Estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco. Discutíamos a crise do que se chamou “o setor arcaico” da economia paraibana, as alternativas para a utilização mais racional das áreas canavieiras e as soluções para o desemprego crescente no Estado. As Caravanas da Cidadania nasceram de um desejo de Luís Inácio Lula da Silva de conhecer o Brasil e discutir direta-mente com o povo as soluções para seus problemas. A idéia fun-damental era que alguém que se propunha a governar um país tão grande e tão diferente em cada um dos seus cantos, não poderia esperar sentado que um grupo de pessoas iluminadas, reunidas em São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, elaborasse a sua proposta de Governo. Era preciso ouvir o povo esquecido pelas elites: os agri-cultores com terra e os sem terra, os pequenos e médios empresá-rios, os estudantes e professores, os religiosos, as donas de casa, enfim, todos aqueles que se preocupavam com o destino do seu país e que não tinham como expressar suas inquietações e seus encaminhamentos. A proposta da Caravana da Cidadania era basica-mente esta: respaldar um programa de uma candidatura apoiada pelos partidos populares à presidência da República. Ela começou em abril de 1993 em Garanhuns (PE) e terminou um ano depois em Goiânia (GO). Foram mais de 40 mil quilômetros percorridos de ônibus, visitando cerca de 500 cidades, vilas e povoados de to-das as regiões do país. Onde o ônibus não podia chegar, fomos de carro, de barco, de trem, de avião, de helicóptero - de algum jeito chegamos ao Brasil esquecido pelas elites, escreveu Ricardo Kot-

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sho no nosso livro Viagem ao Coração do Brasil (São Paulo, Scrita/Ed. Página Aberta, 1994), que faz um relato de parte dessa cruzada. Depois veio a campanha eleitoral e nós perdemos. Mas a idéia das Caravanas sobreviveu: um ano depois, no segundo semestre de 1995 estávamos de novo com o ônibus na estrada percorrendo o Vale do Jequitinhonha (MG) e o Vale do Ribeira (SP). “La Armata Brancaleone Brasiliana”, como brincava nosso comandante Wander Bueno Prado, continuava a perseguir os mesmos propósitos: ser um canal de expressão para as pessoas do lugar, das propostas de solução de seus problemas. E foi assim que chegamos naquela noite a João Pessoa para discutir as soluções para a crise da agroindústria canavieira do Nordeste. É interessante notar que, na era da Internet, o lugar parece não ser mais uma informação relevante. Você clica num ponto da tela do seu computador e num instante pode estar na China ou no Canadá, ou em qualquer outro “site” do mundo que tiver uma “home page”. Não interessa onde: você está apenas em mais um local onde se pode obter determinada informação. Na era da Informática, a desqualificação do lugar e a valorização do local exprime um significado muito cruel: quem não tiver condições de se mostrar não existe. Não é que será esquecido, simplesmente não será lembrado. O lugar não importa a menos que possa ser associ-ado a um “locus” qualquer da rede de informações disponíveis para o mundo virtual que se está construindo em nome da globalização. A Caravana da Cidadania estaria assim, supostamente, na contra-mão da “modernidade”. Buscar o conhecimento do lugar onde se desenvolve a vida de multidões de brasileiros à margem dos bol-sões de integração e de globalização ainda não é possível pelos caminhos da fibra ótica. Ainda se faz necessário palmilhar as sen-das e as veredas por onde transita o drama de milhares de vidas e de destinos. Naquela semana, a Caravana já havia percorrido o interior do Pará tomando conhecimento do massacre de Eldorado de Carajás, um lugar que entrou para a História como um dos lo-cais da luta dos trabalhadores sem terra pela reforma agrária no

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Brasil. A imprensa só falava disso. O Governo só falava disso. Nem uma palavra sobre as Usinas fechadas de Santa Helena em Sapé e de Santa Maria em Areia, por onde havíamos acabado de passar. Eram milhares de pessoas sem emprego e que não tinham sido sequer indenizadas pelos seus direitos trabalhistas mais ele-mentares. Sem esperança de conseguir outras oportunidades de trabalho na região, muitos já haviam migrado para o Centro-Sul ou para as grandes cidades do Nordeste. A promotora pública de Areia estava tentando localizar os 3 mil trabalhadores que têm di-reito à indenização devido à falência da usina Santa Maria em 1993. Ela revelou que recebera comunicação da polícia informando que vários dos trabalhadores despedidos estavam presos por assalto na cidade de São Paulo ou tinham sido mortos de forma violenta. Naqueles dias, outras 510 famílias ocuparam as ter-ras de três fazendas (Santa Luzia, São José e Gameleira), leiloadas para saldar parte das dívidas junto aos credores da Usina Santa Helena, da qual faziam parte. Terra de boa qualidade, mas insufici-ente para acomodar todos nos módulos de 7 hectares indicados para o lugar. Por isso, frei Anastácio, da CPT, e os presidentes dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais da região, estavam pressionan-do o Incra por novas desapropriações de fazendas já vistoriadas e comprovadamente improdutivas existentes na região. Na hora da nossa visita ao acampamento improvisado de barracas de lona pre-ta, estava chegando mais uma família vinda lá de Espírito Santo, “onde tinham ouvido falar da ocupação”... A luta dos trabalhadores nordestinos re-encontra nas ocupações das terras das usinas falidas na Zona da Mata e das propriedades improdutivas o seu novo “locus”. A crise e o desem-prego que grassam no campo, em particular, na Zona Canavieira, minam as possibilidades de conquista das campanhas salariais, co-mo que tornando-as um “momento ultrapassado” da história da classe trabalhadora no campo. A luta pela terra confunde-se com a luta contra o desemprego, a fome, a miséria, a marginalização ur-bana. Em resumo, a forma que se reveste, nesse momento de crise, a luta pela sobrevivência dos que não migraram.

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Estes “flashes”da vida do mundo rural, apreendidos pelas andanças da Caravana da Cidadania por esses brasis afora (inexistentes para tantos pois não são “home page” dos canais da internet), são objeto de revelação e de análise do presente livro. Aquele 23 de abril foi um bom encontro entre as questões levantadas pela Caravana e esta obra que nos permite entender com clareza a trajetória de luta pela vida dos trabalhado-res rurais paraibanos. Ao resgatar o processo de estruturação e organiza-ção do espaço rural enquanto espaço de exploração, o livro de Emília e de Ivan mostra as origens de um lado, da geração de ri-queza sob a forma de açúcar, gado, algodão, café, sisal, álcool... e, de outro, da produção da pobreza sob a forma de escravos, mora-dores, foreiros, parceiros, bóias-frias... O livro analisa a modernização da agricultura que provocou mudanças substanciais no espaço agrário da Paraíba, a partir dos anos 60. A melhoria do padrão tecnológico elevou a produtividade, permitiu a incorporação de novas áreas à explora-ção agrícola, estimulou a superação de antigas relações de trabalho, aprofundando o grau de liberdade do trabalhador. Porém, os auto-res evidenciam que esta mesma modernidade foi também respon-sável pela expansão do trabalho infantil e feminino, pela intensifi-cação do êxodo rural, pelo fortalecimento da migração sazonal de pequena distância, pelo desenvolvimento de doenças resultantes do contato com agroquímicos. Na esteira da “modernidade”, assiste-se também o avanço da organização dos trabalhadores que propiciou várias con-quistas seja através da luta do pequeno produtor por crédito, seja através da luta dos posseiros e moradores pelo direito de permane-cer na terra, ou ainda, através da luta dos assalariados por melhores condições de salário, de trabalho e de vida. Nessa luta, não foram poucos os que tombaram: Nego Fuba, Pedro Teixeira, Zé de Lela, Bila, Paulo Gomes, Margarida... . Se alguns tombaram, se outros não suportaram as pressões e deixaram o campo, a história dos movimentos sociais, recuperada pelos autores, mostra que a resis-tência de muitos engendrou algumas conquistas: desapropria-

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ção/aquisição de terras palco de conflitos, garantia de observância da legislação trabalhista e melhoria de algumas condições de traba-lho. À medida que o livro aprofunda e desvenda essas e outras questões, ele é útil para os que desejarem um melhor conhe-cimento da realidade rural da Paraíba. Ele é útil não só para técni-cos, estudantes, pesquisadores. Ele é importante também como um instrumento de formação dos que participam e fazem os mo-vimentos sociais no campo. A ação da Caravana da Cidadania não pode se res-tringir ao levantamento e registro de problemas e de questões. Ela precisa ter prosseguimento na formulação e proposição de políti-cas e necessita também encontrar eco nas organizações locais de trabalhadores através do aprofundamento das questões levantadas. Nesse sentido, o livro que ora apresento pode trazer uma contri-buição para o fortalecimento das organizações dos trabalhadores e, por essa intermediação, para a transformação do agro paraibano de um espaço de exploração em um espaço de justiça e de vida.

José Graziano da Silva Professor Titular de Economia Agrícola da Unicamp

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1. Introdução

O espaço agrário paraibano desde o início da co-lonização portuguesa tem-se constituído em um espaço de explo-ração. As articulações entre as variáveis econômicas, sociais, polí-ticas e culturais tecem um “ambiente de vida” gravoso à sobrevi-vência da classe trabalhadora. A sua estruturação e a sua organi-zação subordinadas inicialmente aos interesses do capital mercan-til metropolitano e mais recentemente, aos ditames de valorização do capital industrial e financeiro, não têm como finalidade o a-tendimento das necessidades básicas da maioria da população. Ao se afirmar que o espaço agrário tem sido his-toricamente, do ponto de vista do trabalhador, um espaço de exploração, não se nega que as condições de vida no campo não tenham experimentado mutações. Com efeito, as formas de ex-ploração têm sofrido alterações ao longo do tempo, à medida que o espaço agrário evolui e se reestrutura. O escravo, o morador, o bóia-fria, são expressões diversas dessa exploração, correspon-dentes a diferentes momentos do processo de acumulação do capital na agricultura. Ser livre é qualitativamente diferente de ser escra-vo. Ser assalariado representa mudança substancial em relação a ser morador de condição. Ao se exemplificar as transformações ocorridas, não se deseja passar a impressão de que haja uma me-lhoria linear nesse processo evolutivo. Se, por um lado, a perda do acesso à terra por parte do assalariado em relação à sua antiga condição de morador é sentida, por outro lado, o fim do controle sobre a sua força-de-trabalho e a de seus familiares é algo subli-nhado em diferentes testemunhos de agricultores. Não se deve esquecer também, que as formas concretas assumidas pela passividade/luta dos trabalhadores, em

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diferentes momentos da história, têm sido de fundamental im-portância para o quadro em que se circunscreve a vida do traba-lhador e as formas de ocupação e de organização do espaço. Assume-se, portanto, que as condições de vida dos trabalhadores rurais estão vinculadas ao modo de estrutura-ção e de organização do espaço agrário. Daí a importância de um estudo que procura desvendar a dinâmica organizacional desse espaço, enquanto subsídio para os movimentos que se integram na luta pela melhoria da qualidade de vida da classe trabalhadora. Foi com base nesses pressupostos que este traba-lho foi concebido e desenvolvido. Nele, dá-se ênfase, num pri-meiro momento, ao processo inicial de formação do espaço agrá-rio paraibano e à evolução da sua organização até os anos 60 do século atual. Constata-se aqui que a “aparente” não organização desse espaço antes da chegada do colonizador estava, na verdade, relacionada ao estágio de desenvolvimento das sociedades tribais aí residentes. O espaço “intocado” era de fundamental importân-cia para a sobrevivência das tribos indígenas. Observa-se ainda que durante todo período colonial a agricultura estadual se orga-nizou em função de um “excedente colonial”. As culturas explo-radas, as relações de trabalho implantadas, o nível tecnológico vigente e a distribuição da propriedade da terra, tudo isso foi montado segundo as necessidades de extração de um excedente por parte do capital mercantil então dominante. Nessa fase, o “espaço intocado” do período anterior ao descobrimento foi sendo modificado, segundo as novas necessidades da estrutura do poder colonial. Essa dinâmica permaneceu ditando as regras da organização espacial mesmo após a independência do Brasil. E não poderia ser diferente, pois o novo status político não impli-cou em modificações na estrutura de dominação sócio-econômica. Embora no final do século passado e início deste tenham ocorrido mudanças significativas na organização da pro-dução e do trabalho no campo, tais como a expansão da cotoni-cultura, a implantação das Usinas de açúcar, o fim da escravidão e

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o fortalecimento do sistema morador e de outras relações de trabalho pré-capitalistas, a lógica dominante continuou sendo a do modelo primário-exportador. Mais recentemente, com a do-minação real do capital sobre o processo produtivo agrícola, atra-vés da chamada “modernização conservadora”, verificam-se pro-fundas mudanças na organização do espaço agrário estadual. O estudo dessas mudanças refletidas no uso do solo, na estrutura fundiária, na base técnica da produção, na di-nâmica da população, nas relações de trabalho e no emprego rural é realizado ao longo dos capítulos três a sete. A análise efe-tuada ao longo desses capítulos não se restringe a um “inventá-rio” da paisagem. Procura-se ir além da aparência do fenômeno para apreender o processo global do qual as transformações da paisagem são apenas um elemento. Deste modo, as modificações da organização agrária são situadas dentro de um quadro explica-tivo mais amplo. Elas são relacionadas ao processo de moderni-zação conservadora da agricultura que aqui teve lugar e que se constituiu no vetor primordial da expansão do capital no agro paraibano. Foi, portanto, o novo padrão de acumulação implan-tado, onde o Estado desempenha papel importante, que deter-minou as alterações mencionadas. A reação da população a esse processo seja através da luta por terra ou por melhores condições de vida e trabalho, bem como a violência no campo paraibano, são abordados no capítulo oito. Nele faz-se menção ao papel do Estado, da Igreja, da classe patronal, dos movimentos sociais e das organizações não governamentais frente à luta dos trabalhadores. Para a sua elaboração contou-se com a colaboração da professora Rosa Ma-ria Godoy na versão preliminar do item que trata da luta dos tra-balhadores por melhores condições de vida, salário e trabalho. O professor Giuseppe Tosi não só revisou esse item, como com-plementou-o com informações preciosas, fruto da sua experiên-cia de trabalho junto ao movimento sindical. As fontes estatísticas básicas utilizadas são: a) as fornecidas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Es-

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tatística (FIBGE), através dos Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980 e 1985; dos Censos Demográficos de 1970, 1980 e 1991, das publicações sobre a produção agrícola e pecuária muni-cipal de 1980 a 1993 e da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 1983 a 1990, e; b) as fornecidas pela SU-DENE através do Boletim Conjuntural do Nordeste de 1995, e dos Agregados Econômicos Regionais de 1995. Os técnicos do Ideme e os bolsistas do CNPq que participaram da confecção do Atlas de Geografia Agrária do Es-tado, contribuíram no levantamento dos dados analisados ao logo do trabalho. A eles deixamos registrados os nossos agradecimen-tos. A análise da distribuição espacial dos fenômenos estudados baseou-se nos mapas e esboços cartográficos contidos no Atlas, bem como em pesquisas empíricas realizadas seja pelos responsáveis pelo trabalho seja por pesquisadores e estudiosos da questão agrária e do meio ambiente. Faz-se necessário acrescentar, que o Atlas de Ge-ografia Agrária da Paraíba constitui um complemento deste livro. Os mapas, e gráficos ali contidos constituem a representação gráfica dos fatos aqui analisados. Daí a importância de se traba-lhar conjuntamente os dois compêndios. De fato, a proposta inicial consistia na elaboração de um Atlas texto. A angústia da espera por mais de um ano pela publicação definitiva do Atlas só foi compensada pelo fato de termos aproveitado o tempo para revisar, atualizar e complementar os textos. Prontos, eles acaba-ram por ultrapassar os limites da proposta inicial, isto é, a de constituírem textos explicativos do material contido no Atlas. O surgimento deste livro constitui, portanto, o fruto desse proces-so. Na verdade, esse processo engloba todo um es-forço de reflexão, de estudo e de participação em movimentos populares que extrapola de muito o tempo de elaboração do A-tlas de Geografia Agrária da Paraíba. Parte dos textos aqui conti-dos teve sua origem na tese de doutoramento de um dos autores

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(Emilia Moreira). Outra parte nasceu em resposta a demandas dos movimentos popular e sindical ligados à questão agrária e já foram parcialmente apresentados e/ou publicados em Anais de Encontros e Congressos. Para serem utilizados, passaram por revisão, reelaboração ou foram simplesmente complementados. A presente publicação representa portanto, a reorganização de um trabalho há muito iniciado, numa cumplicidade de mãos e de vidas com a construção de uma sociedade mais justa.

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2. PROCESSO DE FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO

PARAIBANO (da conquista do território aos anos 60 do século XX)

“O tempo era bom? Não era. O tempo é, para sempre. A era da antiga era roreja incansavelmente”.

Carlos Drummond de Andrade, Versos do poema “As impurezas do branco”

Neste capítulo tenta-se resgatar, em linhas gerais, o processo de formação e a evolução da organização do espaço agrário paraibano (da conquista do território aos anos 60 do sécu-lo XX), buscando destacar as mudanças nele ocorridas ao longo do tempo. A abordagem espaço-temporal dos fatos não se prende a uma periodização histórica bem marcada dos mesmos. A preocupação não é a de fazer um trabalho de história. A pre-tensão maior é a de demonstrar que o espaço agrário paraibano não constitui uma realidade homogênea, dada e acabada, mas um produto heterogêneo da ação diversificada do homem sobre a natureza. Ação esta condicionada pelo modo de organizar a pro-dução de bens e serviços e pelas articulações sócio-políticas e culturais que são essenciais à sua sobrevivência. Como esse pro-cesso não é estático (ele evolui e se transforma ao longo do tem-po), o espaço agrário, enquanto fruto do mesmo, está sempre se

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reorganizando para reproduzir as novas formas de produção e as novas relações sociais que se estabelecem a cada momento histó-rico. São esses aspectos que se busca ressaltar nesta unidade de trabalho, a qual compreende quatro grandes subunidades: a que trata do processo inicial de organização do espaço agrário parai-bano e as que estudam a evolução dessa organização nas regiões do Litoral Açucareiro ou Zona da Mata, do Sertão Pecuarista-Cotonicultor e do Agreste Policultor-Pecuarista. 2.1. Da conquista à organização inicial do espaço agrário A conquista do atual território paraibano só ocor-reu quase um século após o descobrimento do Brasil. O fato considerado como marco inicial desse processo seria a fundação da cidade de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa, a 18 quilômetros da foz do rio Paraíba. Daí teve início a apropriação do espaço pelo elemento colonizador, o qual se deparou em vá-rios momentos com a resistência da população nativa. Essa po-pulação, segundo pesquisas recentes, agrupava-se em três grandes nações: Tupi, Cariris e Tarairiús. De acordo com Borges, os índios da nação Tupi

dividiam-se em potiguaras e tabajaras.1 Habitavam dominante-

mente a região litorânea. Os potiguaras concentravam-se ao norte do rio Paraíba, sendo encontrados ao longo do rio Mamanguape e, mais para oeste, na altura da serra de Copaoba (Serra da Raiz). Os tabajaras, concentrados ao sul do rio Paraíba, foram aldeados em Aratagui (Alhandra), Jacoca (Conde), Piragibe (João Pessoa), Tibiri (Santa Rita) e Pindaúna (Gramame). Parcela dos índios da tribo tabajaras deixou a Paraíba em 1599 (BORGES apud MELO & RODRIGUES, 1993:35). A nação Tarairiús era formada por dez tribos, assim distribuídas: a) Janduís, à altura dos atuais municípios de Santa Luzia e Patos, e no vale do Curimataú; b) Ariús, ao longo 1Os índios tabajaras, conforme observa AGUIAR, migraram para a Paraíba e se fixaram no litoral pouco antes da conquista do território pelos portugueses (1992:25-26).

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dos rios Piranhas, Sabugi e Seridó e na região de Patu, próxima ao Rio Grande do Norte; c) Pegas, nas proximidades dos atuais municípios de Pombal e Catolé do Rocha; d) Panatis, em áreas próximas aos rios Piranhas e Espinharas; e) Sucurus, originaria-mente em Bananeiras e Cuité, tendo como zona de concentração os vales dos rios Curimataú e Trairi. Citam-se ainda as tribos Pai-acus na fronteira do Rio Grande do Norte com o Ceará, Canin-dés, na Serra de Cuité, Genipapos na fronteira do Rio Grande do Norte com o Ceará, Cavalcantis que representavam uma facção dos Ariús, em Campina Grande e Vidais, na zona fronteiriça do Rio Grande do Norte com o Ceará (BORGES apud MELO & RODRIGUES, 1993:36). Os índios da nação Cariris distribuíam-se ao longo dos rios do Peixe, Paraíba e Piancó. De acordo com Borges, eles compreendiam as tribos: Chocós e Paratiós (em Monteiro e Tei-xeira), Carnoiós (em Cabaceiras e Boqueirão), Bodopitás ou Fa-gundes (perto de Campina Grande), Bultrins (nos Cariris de Pilar e Alagoa Nova), Icós (no Rio do Peixe, Sousa e Conceição) e Coremas (no curso do rio Piancó) (BORGES apud MELO & RODRIGUES, 1993:35). Como as demais nações indígenas, as que habita-vam a Paraíba apresentavam organização comunitária, inclusive como forma de enfrentar as adversidades externas. A sua sobre-vivência dependia, fundamentalmente, de sua relação com os recursos naturais, em particular, com a terra.

“Organizados em uma economia comunitá-ria, os índios cultivavam a mandioca, o mi-lho, o fumo e o algodão e praticavam a caça, a pesca e a coleta. Para tanto, a terra era mais que o celeiro natural, era a própria ra-zão de existência da comunidade” (MO-REIRA & EGLER, 1985:16).

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Com a chegada dos europeus, os índios mantive-ram com eles relações amistosas e, mais do que isso, cooperati-vas. Almeida Prado assim descreve as formas de prestação de serviço dos índios aos portugueses nessa fase do escambo:

"O potiguara buscava a madeira, cortava-a como o cliente queria, transportava-a até o local de embarque, auxiliava no acondicio-namento a bordo. Cultivava, a pedido do fo-rasteiro, o algodão silvestre e mais espécies de seu interesse. Construía galpões, onde a co-lheita pudesse ficar sem se deteriorar até o embarque: levantava abrigos para a tripula-ção repousar em terra; fazia consertos (...) amealhava provisões em que figurava em primeiro lugar o beiju de mandioca" (PRADO, 1964: 51).

Enquanto a posse da terra e a sua liberdade não estiveram ameaçadas, como ocorria na exploração do pau-brasil, os índios não ofereceram resistência ao colonizador. No entanto, à medida em que o sentido da colonização evoluiu para a apro-priação da terra e para a sujeição do nativo, este reagiu. A reação dos indígenas à subordinação da sua terra e do seu povo ao pro-cesso colonizador constitui a primeira forma de luta pela terra que teve lugar na Paraíba. O desfecho desse processo de resistên-cia foi-lhes, contudo, adverso.

" A conquista da Paraíba, além do seu ca-ráter defensivo contra os corsários, é antes de tudo o preço do avanço da cana-de-açúcar que parte de Pernambuco, atravessa Itama-racá e chega à várzea dos rios paraibanos. Não só a terra deve ser tomada ao índio da região, que tem nos franceses um forte incen-tivador à resistência armada: é preciso justifi-

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car o seu extermínio. Apela-se então para a chamada Guerra-justa: índio que pega em armas contra os portugueses é passível de morte. Se aprisionado, legalmente passa a ser escravo. O índio se enquadra então numa das categorias: índio aliado, domesticado ou inimigo, conforme se sujeite ou não ao domí-nio português" (MEDEIROS, 1990:6).

A submissão do espaço paraibano à dominação colonial foi acompanhada pelo massacre da população nativa, seja através de sua pura e simples eliminação, seja pelos ultrajes a que foi submetida, ou ainda em virtude de doenças que contraiu no contato com o colonizador e da sua participação como "aliado"

nas guerras.2

Sobre a violência e o genocídio dos nativos na Paraíba, exemplifica assim o historiador José Octávio de Arruda Melo, ao narrar fatos referentes à ação dos colonizadores no sen-tido de submeter os potiguaras à sua dominação em nosso terri-tório:

"Na zona aproximadamente ocupada pelos atuais municípios de Caiçara, Serra da Ra-iz, Duas Estradas, Pirpirituba e Belém, a violência funcionou em níveis elevadíssimos. Ferido numa perna, o que o deixou aleijado,

Feliciano3 acometeu os índios com brutalida-

de, bastando dizer-se que numa só sortida foram mortos cento e vinte, com aprisiona-mento de oitenta. Embora resistissem, sob a liderança dos caciques Páo Seco e Zorobabé,

2O estudo sobre a mão-de-obra indígena da Paraíba no período colonial realizado por Maria do Céu Medeiros, nos fornece informações importantes sobre esse processo de submissão e massacre da população nativa do Estado, e ainda fornece uma indicação bibliográfica bastante ampla sobre o tema (MEDEIROS:1990). 3Refere-se a Feliciano Coelho Carvalho, capitão-mor da Paraíba de 1592 a 1600, principal responsável pela subjugação dos potiguaras na Paraíba.

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os índios terminaram esmagados" (MELO, 1994:32).

A penetração do processo de colonização em direção ao interior foi também acompanhada pelo rastro do san-gue nativo. A reação do indígena sertanejo à sua transformação em cativo e pela defesa de suas terras deu origem à chamada Guerra dos Bárbaros ou Confederação dos Cariris. Esta se esten-deu pelos sertões do Nordeste de 1680 a 1730, sendo considerada pelo historiador Irineo Joffily como "a maior guerra anti-colonialista que já se travou em território brasileiro". O saldo foi o extermínio desta população ou sua fuga do nosso território para terras que hoje compreendem o Estado do Rio Grande do Norte. Alguns histo-riadores chegam mesmo a atribuir a fraca contribuição nativa para a formação da sociedade sertaneja paraibana à sua elimina-ção ou à sua expulsão promovida pela Guerra dos Bárbaros (MELO,1994:73-74). No jogo de dominação travado, o ataque direto do colonizador às tribos não foi a única nem, em alguns casos, a mais forte tática de luta. Não se deve esquecer a estratégia do colonizador de lançar tribos inteiras umas contra as outras. Os episódios que envolvem a fundação da cidade de Nossa Senhora das Neves são ilustrativos dessa tática (AGUIAR,1992:24-25). O que resta desta população, hoje, são alguns poucos remanescentes dos potiguaras, habitando a reserva indí-gena de Baía da Traição. Sua sobrevivência e permanência nesta área constitui o resultado de uma longa história de luta. Ao longo do século XX viram suas terras serem ocupadas e usurpadas pela Companhia de Tecidos Rio Tinto, por grileiros ligados às destila-rias de álcool que se instalaram na área após o Proalcool, ou ainda por empresas ligadas à especulação imobiliária (MELO, 1994:34). Contra esse processo de invasão, algumas comunidades indíge-nas, a exemplo de “Jacaré de São Domingos”, reagiram. Porém, só em janeiro de 1993 foi que se deu a demarcação de suas terras pelo Governo Federal. De mais de 30.000 hectares originais, fo-ram demarcados 5.032 hectares. Mesmo assim, até o momento, ainda não se procedeu à expulsão dos invasores.

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A percepção que tem o indígena de sua situação, enquanto sujeito de um processo que o exclui do direito à sobre-vivência na terra, terra esta que ele considera como mãe, como a essência de sua vida e da liberdade de ser, acha-se expressa no poema a seguir:

"Tudo o que fere a terra, fere também os fi-lhos da terra. O índio é filho da terra. A terra é a nossa vida e a nossa liberdade. Os grandes senhores da terra não compreen-dem o povo índio, Porque os grandes senhores da terra escravi-zam a terra. São estranhos que chegam de noite, roubam da terra tudo quanto querem. Para eles um torrão de terra é igual a outro. A terra não é sua irmã, é sua inimiga. Eles a destroem e vão embora. Deixam para trás o túmulo de seus pais, roubam a terra dos seus filhos. Sua ganância empobrecerá a terra e eles dei-xarão atrás de si só a areia cansada dos desertos. A força do povo índio é amar e defender a terra. Ela é de todos os homens. Quem tem direito de vender a mãe de todos os homens? A terra é a nossa vida e a nossa liberdade. Índio sem terra é como tronco sem raízes à beira do caminho. Tudo o que fere a terra, fere também os fi-lhos da terra"

(Texto de um índio, recolhido pela CPT. Cit. por CARVALHO, Mu-rilo. In: Brasil: Sangue da terra.1980:89)

A principal motivação da conquista do território paraibano foi a ocupação efetiva e a implantação aqui, a exemplo

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do que já se fazia em Pernambuco, de um sistema de exploração colonial voltado para atender aos interesses da Metrópole coloni-zadora. A conformação inicial do espaço agrário paraibano foi, portanto, "marcada pela articulação à metrópole portuguesa, a qual define o sentido e a direção do processo de ocupação e povoamento" (FERNAN-DES, 1992:1). Essa ocupação deu-se, principalmente, no sentido leste-oeste, do Litoral em direção ao Sertão. No Litoral, ela base-ou-se na produção da cana-de-açúcar. A evolução da atividade canavieira teve influência também na ocupação e no povoamento do Sertão e do Agreste. Isso porque a necessidade de especializa-ção das terras na produção da cana determinou a separação das atividades canavieira e pecuária. Daí resultou uma divisão regional do trabalho: a Zona da Mata voltou-se para a produção do açúcar e o interior (Agreste e Sertão), para a produção do gado e de gêneros alimentícios. A retração da economia açucareira na se-gunda metade do século XVII contribuiu significativamente para o povoamento do Agreste, por liberar mão-de-obra e forçar a migração em direção ao interior. Desse modo, a organização ini-cial do espaço agrário paraibano teve como suporte a atividade canavieira (no Litoral) e as atividades pecuária e policultora no Agreste e no Sertão. 2.2. O Litoral açucareiro O predomínio da cana na paisagem da Zona da Mata paraibana é uma constante, do início da colonização aos dias atuais. Porém, a forma como se organizou o espaço nem sempre foi a mesma. Ela sofreu modificações significativas, de-pendendo ora de condicionantes externos, ora das mudanças nas relações técnicas e sociais de produção. De modo geral é possível identificar três grandes momentos desse processo no período em análise: o do domínio dos Engenhos; o da efêmera experiência dos Engenhos Centrais e o de dominação da Usina de Açúcar.

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2.2.1. O Engenho: um mundo de poder e au-to-suficiência

“O engenho-banguê, o fogo aceso, O caldo no parol, as rodas lentas, A cana abrindo o massapê do brejo, A cantiga de ferro da moenda. A boca rubra da fornalha baixa, A casa-de-purgar, o barro, as tinas, A escumadeira, o coco, o mel das tachas, O bueiro borrando o céu de tisna. O pão na forma, o canto na moagem, A anti-usina, ainda em pé, botando, A aguardente, o álcool, o vinagre. O açúcar na mesa, antigos móveis, E o cheiro do melaço embriagando O tempo-avô com seus alvos bigodes.

Versos do poema “Nordestinados” de Marcus Accioly

A organização inicial do espaço agrário litorâneo, a exemplo do que ocorreu em toda fachada oriental do Nordeste, baseou-se na produção açucareira destinada ao mercado externo, na divisão das terras em grandes unidades produtivas conhecidas por Engenho e no trabalho escravo. Tratava-se de um espaço construído e organizado para atender às necessidades de acumu-lação do capital mercantil. Daí ele ser tido como um "espaço alienado", ou seja, um espaço produzido para atender necessi-dades externas. À exceção dos produtos de luxo importados da metrópole, os Engenhos produziam quase tudo que necessita-vam. O senhor de Engenho detinha grande poder nos limites de sua propriedade. Segundo Antonil, ser senhor de Engenho era um título que todos ambicionavam, pois implicava “em ser obedeci-do e respeitado por muitos”.

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O Engenho de açúcar constituía a base econômica e social da Colônia. A unidade de produção do sistema açucareiro compreendia tanto a atividade agrícola quanto a atividade indus-trial. A atividade agrícola abrangia a produção da cana, como cultura principal, e de produtos de subsistência, como cul-tivos suplementares. O plantio da cana era realizado nas várzeas de rios conseqüentes como o Paraíba, o Mamanguape, o Una, o Gra-mame, o Miriri e o Camaratuba, não só por apresentarem condi-ções edafo-climáticas mais favoráveis, como também por se constituírem em vias naturais de penetração. Ao longo destas, foram instalados os primeiros Engenhos. Segundo Melo, em 1634, dos 18 Engenhos existentes na Paraíba, dois situavam-se na área de Mamanguape junto aos rios Camaratuba e Miriri. Os de-mais distribuíam-se pelo vale do Paraíba, aproveitando a extensa rede de afluentes deste - Tibiri, Tambiá, Inhobim e Gargaú (ME-LO, 1994: 43). Cultivou-se inicialmente a variedade de cana de-nominada "crioula". No século XIX foi introduzida a cana caiana. A partir de então, passou-se a cultivar variações desse tipo de cana, como a "imperial" e a "cristalina", que foram suplantadas pela "cana manteiga" ou "Flor de Cuba" (ANDRADE, 1986:80). O trabalho nos canaviais era desenvolvido em cinco etapas principais: o preparo do solo, o plantio, a limpa, a colheita e o transporte da cana para os Engenhos. Em decorrên-cia do longo ciclo vegetativo da cana era (e ainda é) comum ter-se sempre duas safras a cuidar, quais sejam, a do ano corrente e a que será moída no ano seguinte (ANDRADE, 1986:72/73).

A atividade industrial, desenvolvida pelo Enge-nho, compreendia todo processo de transformação da cana em açúcar. Ela iniciava-se, regra geral, em setembro, utilizando tanto o trabalho escravo, quanto o trabalho de portugueses pobres. Estes consagravam-se às atividades técnicas ligadas à produção do

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açúcar: o mestre-purgador, o banqueiro, o mestre-de-açúcar, o

caixeiro.4

O mestre-de-açúcar e o banqueiro ocupavam-se do cozinhamento do caldo da cana e da fabricação do açúcar. O mestre purgador administrava a casa de purgar, dirigia o processo de purgamento (embranquecimento do açúcar) e zelava pelo "mel de furo", utilizado como matéria-prima para a fabricação da rapa-dura. O caixeiro encaixava o açúcar e determinava o barreamento dos cantos das caixas, a retirada do dízimo, a porção dos lavrado-

res, etc.5

Além dos trabalhadores ligados às atividades téc-nicas, os Engenhos empregavam ainda a mão-de-obra portuguesa nas atividades administrativas (o feitor-mor, o feitor de moendas, o feitor de campo, etc.). Essas categorias de trabalhadores eram pagas com um pequeno salário, constituindo-se em mão-de-obra livre, assalariada. 2.2.1.1. A organização do trabalho Em função do atrasado padrão técnico e do “ca-lendário agrícola pesado”, os Engenhos necessitavam de mão-de-obra numerosa. "Para um partido de 40 tarefas - cerca de 12 hectares - requeria-se nada menos de 20 escravos" (MELO, 1986:38). Utilizou-se inicialmente a força-de-trabalho indígena da própria região, bem como índios tapuias trazidos do Maranhão, "para nutrir de braços cativos as plantações e os Engenhos".

4Segundo Manoel Correia de Andrade, os primeiros técnicos dos engenhos nordestinos eram judeus importados da Europa por Duarte Coelho. Estes, e os pequenos lavradores, teriam conformado "o núcleo central de uma classe média rural" (...) (ANDRADE, 1986: 62). 5A respeito das atividades técnicas desenvolvidas pelos portugueses nos Engenhos, leia-se ANDRADE, M. C. de. Op. cit. p. 77/78.

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"O primeiro Engenho da Paraíba - o Engenho D’El-Rei no Tibiri (1587) - apelou para o tra-balho do índio manso (...). (MEDEIROS, 1990:8). Isto porque "o escravo africano, nos primeiros tempos, por sua diminuta proporção, não bastava para todas as necessidades de um Engenho corrente a moente" (ALMEIDA a-pud MEDEIROS,1990:8).

Em 1634, em 18 Engenhos do vale do Paraíba, encontravam-se índios domesticados auxiliando nos trabalhos agrícolas e na produção do açúcar (MEDEIROS, 1980:8). Os indígenas não se submeteram ao trabalho es-cravo de forma passiva. Sua resistência à escravidão manifestava-se através da baixa produtividade, da indolência e da fuga.

"Nos Engenhos e plantações fundados pela no-breza lusitana, o indígena teimava em rejeitar o trabalho escravo, dava constantes demonstrações de rebeldia e, quando não conseguia fugir, termi-nava abatido pelos castigos ou pelas doenças, morrendo às dezenas ou às centenas. (...)Rebelava-se igualmente contra o trabalho se-dentário, tornava-se um escravo de ínfimo rendi-mento e manifestava pela "indolência" seu pro-testo contra o estilo de vida a que o queriam subjugar" (GUIMARÃES, 1968:15/16).

Os índios foram substituídos por negros trazidos da África, na condição de escravos. Estes eram adquiridos no mercado e transformados em cativos de um senhor. Os negros efetuavam tanto o trabalho agrícola (plantação e colheita da cana e dos produtos de subsistência), como participavam da atividade fabril ligada à produção do açúcar. Manuel Correia de Andrade assim descreve o trabalho dos escravos nos canaviais:

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"(...) Homens e mulheres eram empregados nas duras fainas do campo e nos trabalhos da indús-tria. Apenas no campo, as mulheres não traba-lhavam com o machado; no plantio e na limpa do canavial os escravos eram postos a trabalhar com o nascer do sol e se recolhiam à senzala à noite, terminando a faina com o pôr do sol. Na colheita da cana, cabia a cada negro cortar, por dia, trezentos e cinqüenta feixes de 12 canas que eram amarrados por uma escrava. Assim, cada cortador de cana era acompanhado na sua faina por uma amarradora. Essa quantidade era o su-ficiente para a fabricação de uma forma de açú-car. Uma vez cortada e amarrada, era a cana trans-portada para a casa da moenda e depositada num amplo salão, o picadeiro” (ANDRADE, 1986:78/79).

Além do trabalho nos canaviais, cabia aos escra-vos cultivar lavouras alimentares para seu próprio sustento e para o consumo do senhor e de sua família, trabalhar na mata cortan-do, empilhando e transportando madeira em carros de boi para abastecer as fornalhas, participar do trabalho fabril e de atividades domésticas, limpar o pátio e o Engenho, preparar os alimentos, apontar as ferramentas de trabalho, etc. Eram as escravas quem transportavam a cana do picadeiro para a moenda, faziam passar o bagaço entre os tambores, arriscando-se a acidentes graves, consertavam e acendiam as caldeiras e cuidavam do parol. Nas fornalhas, trabalhavam os escravos doentes, os considerados re-beldes ou criminosos, estes, presos a correntes. Eram também os escravos quem colocavam o mel cozinhado no tendal, transpor-tavam as formas para a casa de purgar, amassavam o barro de purgar, etc.(ANDRADE, 1986:78).

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Tratava-se de uma condição de vida e trabalho desumana.

"A jornada de trabalho levava a exaustão físi-ca, fornecendo a quem a observasse, uma imagem de pesadelo no qual fogo, suor, negros, correntes, rodas e caldeiras ferventes, misturavam-se indis-tintamente" (ROBLES & QUEIROZ, 1987:27).

Vivendo em senzalas infectas, submetidos a casti-

gos diversos6 , mal nutridos e enfraquecidos pelo excesso de tra-

balho e pelas condições de vida que lhes eram impostas, encon-travam-se mais fragilizados diante das epidemias, das catástrofes naturais (como inundações e secas) e da fome (particularmente quando a produção de alimentos era insuficiente), perecendo

nesses momentos em grande número.7

O castigo era inerente ao caráter de exploração e de coação do sistema. Era a forma de submeter a vontade e o corpo dos escravos e escravas aos ditames do eito (e leito) e do fabrico do açúcar. Era uma conseqüência do estado de animali-dade a que foram reduzidos os escravos. A bondade do senhor podia apenas determinar o grau de crueldade de um castigo.

6Sobre os castigos infligidos aos escravos na Paraíba, veja, entre outros documentos históricos, a Carta Régia datada de 07 de fevereiro de 1698, contida na obra de Irineu Pinto (1977: 91). Manoel Correia no seu A terra e o homem no Nordeste e Celso Mariz na obra Evolução econômica da Paraíba, também fazem referência aos castigos infligidos aos negros escravos no Nordeste. 7Segundo Celso Mariz, em 1641 morreram mais de mil negros numa epidemia de varíola desencadeada com a inundação da várzea do Paraíba ocorrida naquele ano. Esse estudioso faz também menção à insuficiência da produção de alimentos em áreas de cana, responsável pela disseminação da fome e pela grande mortandade entre os escravos (MARIZ, 1978:11/12). Irineu Pinto ressalta que na seca que durou de 1791 a 1793, "o abade de S. Bento, Fr. Bento da Conceição Araújo, nada pôde fazer para que não morresse uma parte da escravatura dos engenhos de sua instituição. Os que não morreram, sustentaram-se durante oito ou dez meses de ervas por não poder mantê-los a citada instituição" (PINTO, 1977:179). Em 1856, segundo estatísticas oficiais, uma epidemia de cólera teria sido responsável pela morte de 2.982 negros, o que representava cerca de 10,0% do total da população escrava existente no Estado em 1851 (PINTO, 1977:207/248).

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Um belo poema de Jorge de Lima refere-se ao negro escravo do Brasil da seguinte forma:

Pai João secou como um pau /sem raiz Pai João remou canoas. Cavou a terra. Fez brotar do chão/ a esmeralda Das folhas - café, cana /algodão A filha de Pai João tinha /um peito de Turina para os filhos de ioiô mamar: Quando o peito secou a filha /de Pai João Também secou agarrada num Ferro de engomar. A pele de Pai João ficou /na ponta Dos chicotes A força de Pai João ficou /no cabo Da enxada e da foice A mulher de Pai João o branco A roubou para fazer mucama O sangue de Pai João se sumiu no sangue bom Como um torrão de açúcar /bruto Numa panela de leite. Pai João foi cavalo pra /os filhos de ioiô montar. Pai João sabia histórias tão /bonitas que Davam vontade de chorar

(Versos do poema “Pai João” de Jorge de Lima).

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Na economia colonial, eram os escravos meras mercadorias e a escravidão "uma modalidade de exploração da força-de-trabalho baseada direta e previamente na sujeição do trabalho, através do trabalhador, ao capital comercial” (MARTINS, 1979:16). Nesse con-texto, tanto o trabalho quanto o trabalhador são propriedades do senhor. Assim sendo, o trabalhador é reduzido à condição de objeto. Ele é uma "coisa", que pertence a um dono, que pagou por ele um preço: o preço de mercado. Essa "coisificação" do escravo reflete a ideologia de uma classe dominante que se crista-lizava na postura da Igreja da época (a idéia do escravo enquanto "coisa" foi reforçada por uma bula papal que afirmava que o ne-gro não tinha alma). Referindo-se às características da força-de-trabalho escrava e à forma cruel como esta era tratada na plantati-on canavieira paraibana, Aécio Villar de Aquino relata o seguinte:

"A crueldade contra escravos na Paraíba se en-contra devidamente comprovada nos escritos de diversos autores, nos jornais da época e na do-cumentação dos cartórios. O escravo inútil, velho ou doente, era frequentemente abandonado à própria sorte, pois nele o que valia era a sua produção. Rodrigues de Carvalho narra diversos casos de crueldade contra cativos, que ouviu de uma velha ex-escrava, praticados pelos senhores de Engenho Lalão, Mello Azevedo e José Lo-pão. Estes senhores costumavam dar fim àqueles escravos que só serviam para dar despesas. A-contecia um "acidente simulado" e o escravo inú-til era incinerado na fornalha, enforcado, afogado (...) Adhemar Vital escreve a respeito das de-sumanidades praticadas pelo major Ursulino de Tapuá, personagem cuja perversidade o tornou célebre em toda Paraíba (...) Era um sádico, um verdadeiro celerado desumano que comprava por

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baixo preço escravos viciados ou rebeldes e os submetia a toda sorte de suplícios até conseguir amansá-los, quando não faleciam em conseqüên-cia do castigo" (AQUINO, 1993:141).

Em muitos casos, até o direito à procriação era limitado pela necessidade que tinha o senhor de ter braços fortes e sadios para o trabalho. Daí o surgimento, de um lado, do "re-produtor de senzala" e, de outro, da alienação do direito à pater-nidade por parte dos que tinham que se submeter às leis seletistas de reprodução impostas pelo senhor. A resistência negra à escravidão se manifestou, entre outros, através da sabotagem ao trabalho, do suicídio, da fuga e da formação dos "quilombos". O quilombo do Cumbe, situado no município de Santa Rita, o do Engenho Espírito San-to, o dos Craúnas no vale do Piancó, entre outros, constituem alguns dos exemplos desta reação.

"O escravo negro na Paraíba adotou quase to-das as formas de resistência à escravidão admiti-das por Roger Bastide (...). Foram freqüentes os suicídios de escravos (...); diversos assassinatos de senhores e seus familiares, feitores e outras pessoas de quem sofreram agravos (...) (...) a sa-botagem ao trabalho faz parte do próprio siste-ma escravista e daí a vigilância constante do fei-tor; não consta que tenha havido revoltas de ne-gros de certa envergadura na Paraíba, mas pe-quenas rebeliões locais, principalmente nos presí-dios. A participação dos negros escravos nas di-versas rebeliões de que foi fértil o século XIX é inconteste, às vezes assumindo até uma certa li-derança como no caso dos "Quebra-Quilos; as fugas de cativos foram inúmeras. Organizaram-se em mucambos e quilombos. Existiu não só o

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célebre quilombo do Cumbe, situado no local da atual cidade de Santa Rita em fins do século XVII. Koster dá notícias de um mucambo de negros fugitivos nos arredores de Mamanguape e já na segunda metade do século XIX existiu um quilombo no Engenho Espírito Santo, contando inclusive, com a participação de índios fugidos das aldeias, que perturbou durante anos a vida daquela localidade, chegando a interromper as comunicações com grande parte da Província e que resistiu tenazmente ao seu extermí-nio”(AQUINO, 1993:142).

Na Paraíba, como em outros estados do Nordes-te, o trabalho escravo (embora menos numeroso que em outras províncias), constituiu o suporte da atividade açucareira por três séculos e representou uma parcela significativa da população. Mesmo no final do período escravocrata, os negros representa-vam 13% da população dos municípios paraibanos (PINTO, 1977:208). Embora o trabalho escravo tenha sido a relação de trabalho dominante durante esse período, ela não foi exclusi-va. Outras formas de trabalho foram introduzidas, sobretudo em períodos de crise do sistema. Assim, a regressão do sistema açu-careiro, na segunda metade do século XVII, provocada pela crise de acumulação que nele se processou, em decorrência de mudan-ças na estrutura do mercado internacional de açúcar, foi respon-sável por algumas modificações nas relações de trabalho vigentes na atividade açucareira, visando garantir sua sobrevivência. Como os senhores de Engenho não podiam adquirir a mão-de-obra escrava suficiente para atender suas necessidades de braços, devi-do ao aumento de preço da força-de-trabalho escrava, passaram a facilitar o estabelecimento de camponeses no interior de suas terras (ANDRADE, 1986:104). Surge daí os lavradores e em se-

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guida o sistema de moradores que posteriormente iria substituir o trabalho escravo. Os lavradores constituíam uma categoria de pe-quenos agricultores que forneciam cana para os Engenhos traba-lhando, seja em terra própria, seja em pedaços de terra dos En-genhos que eles alugavam. Para moer a cana nos Engenhos, pa-gavam ao senhor "metade da produção, se lavravam terras próprias, ou dois terços, ou três quintos, conforme a maior ou menor distância e a quali-dade das terras, se estas eram do Engenho” (ANDRADE, 1986:113). Estabelece-se assim um sistema de parceria, atrelado e submetido ao latifúndio canavieiro.

"Essas modificações na organização interna do trabalho permitiram a sobrevivência do sistema açucareiro. Isto porque, no caso dos lavradores, por exemplo, o senhor de Engenho, mantendo o controle dos meios de produção (terras e Enge-nhos), lhes transferia os custos de produção da cana e ainda apropriava-se de uma certa margem de benefício. Isto sem falar da renda fundiária (paga em trabalho ou dinheiro) que recebia da-queles que alugavam suas terras" (MOREI-RA, 1990:06).

Os moradores eram camponeses sem terra que recebiam do proprietário fundiário a autorização de habitar na propriedade, ocupar um pedaço de terra (os sítios) e nele cultivar uma roça. Em alguns casos, podiam criar animais de pequeno, médio e grande portes. Tinham direito a lenha e a água. Apesar de produzirem essencialmente para o autoconsumo, obtinham eventuais excedentes que vendiam nas feiras livres. Às vezes re-cebiam um salário.

"Um salário de condição, mais baixo do que o vigente no mercado, salário que o senhor da terra

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obrigava a rebaixar(...)” (GORENDER, 1987:30).

Eram obrigados a prestar serviços gratuitos ao senhor (o cambão), dois ou três dias por semana (moradores de condição ou cambãozeiros), ou a pagar uma renda fundiária em dinheiro, o foro, (moradores foreiros). Muitas vezes, além do foro, eram obrigados também a pagar o cambão. Além do mora-dor de condição, existia também o "morador agregado" (sistema de trabalho mais antigo que era utilizado pelos grandes proprietá-rios). Este trabalhador, em troca de um pedaço de terra, "ficava obrigado a trabalhar para o Engenho, cabendo-lhe, entre outras coisas, o trato e o corte da tarefa de 625 braças" (SÁ, 1992:7).

"A permissão ‘graciosa’ do senhor de Engenho, do morador morar e cultivar um pedaço de terra (mesmo em casos em que não existisse pagamen-to de renda em dinheiro) garantia a propriedade privada da terra em áreas que, do contrário, po-deriam ser consideradas devolutas. Isto evitava que o homem livre fosse um ocupante e transfor-mava-o em agregado, engendrando nele e em tor-no dele, uma ideologia de submissão e aceitação de sua condição de despossuído, legitimando con-cretamente, ao nível das relações sociais, a pro-priedade territorial privada, já existente em ter-mos legais" (CABRAL, 1987:35).

Deste modo, no sistema de morada, as condições de sobrevivência da população mantinham uma estreita relação com o acesso à terra. A possibilidade maior ou menor de acesso à terra dependia não só do chefe da família como de toda a família. Isto porque, quanto mais numerosa fosse a prole masculina, mai-or a possibilidade de encontrar "morada".

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Outra característica do sistema de morada era o seu caráter interpessoal. O acordo e as condições estabelecidas eram negociadas diretamente entre as partes, sem qualquer in-termediação estatal. Era um acordo desigual porque podia ser rompido a qualquer momento pelo proprietário da terra, enquan-to que o rompimento por parte do trabalhador só podia ocorrer se ele não estivesse em débito com o patrão. O contrato era oral e implicava uma série de compromissos de parte a parte. Ao pa-trão cabia dar a terra, a água, a lenha, a permissão de plantar e criar. Ao morador cabia trabalhar unicamente para o senhor, obedecer-lhe e ser-lhe fiel. O controle que o senhor exercia sobre essa força de trabalho se fazia através do acesso à terra. Em al-guns casos, à medida que se consolidava o sistema de morada, esse controle era reforçado pelo endividamento do trabalhador através dos sistemas de barracão e de vales. O trabalhador endi-vidado era impedido de sair da terra a não ser quando o patrão assim o desejasse. A sujeição ao barracão e ao vale imprimia um caráter de semi-escravidão ao sistema de morada.

O barracão correspondia a um "armazém pertencente ao Engenho ou arrendado a alguém de confiança do senhor; recebendo o morador, va-les ao invés de dinheiro, ficava geralmente em dé-bito devido aos preços exorbitantes do barracão. Desta forma, ficava atrelado ao Engenho e ain-da mais limitado na liberdade de dispor de sua força-de-trabalho, vendendo-a a quem quisesse" (CABRAL, 1987:39).

Essa relação desequilibrada era garantida pela for-ça policial. Se o trabalhador saísse da terra devendo ao patrão, este acionava a polícia e mandava prender o devedor. Caso não fosse preso, bastava a fama de devedor para dificultar-lhe o aces-so à morada noutra propriedade.

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Alguns versos do poeta Geraldo Alencar põem em confronto esses dois mundos (o do patrão explorador e o do morador):

(...) “Que é que meu patrão fazia Se fosse meu moradô Trabaiando todo dia Bem por fora do valô? Me vendo num palacete Sabureando banquete Daqueles que o sinhô come E o sinhô no meu roçado Trabaiando no alugado Doente e passando fome?”(...)

Versos do poema “Pergunta de moradô”

Outras malhas das relações sociais reforçavam as relações pessoais. Pode-se citar: o alinhamento com os patrões nas disputas eleitorais e as relações de compadrio; quando neces-sário, a defesa do patrão em eventuais conflitos com outros pro-prietários. Em troca dessa lealdade, os trabalhadores recebiam, além das condições de moradia já citadas, proteção e assistência. Em outras palavras, a sujeição do trabalhador em troca de prote-ção reforçava a dominação e o controle da classe patronal sobre o mesmo. O depoimento abaixo, embora não retrate o mo-mento histórico ora analisado, constitui um testemunho da con-tinuidade de um processo gestado no período colonial e que, embora apresentando diversificações, podia ser encontrado fa-cilmente no Litoral paraibano até duas décadas atrás.

"A gente dava um dia de serviço de quinze em quinze dias e ainda pagava mais um forinho. Aí acabaram com esse negócio de pagar um dia de quinze em quinze dias e passaram a cobrar um foro. Aí passaram para o eito. Eito significa as-

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sim: é trabalhar quatro ou cinco dias com a fa-mia pros dono da terra e aí eles paga e aí não cobra mais foro. Fica o trabalhador trabalhando e recebe a sua semana que trabalhou. É um pa-gamento mas não é um salário; é mais ou menos meio salário". (Depoimento de um antigo morador do Engenho Tabatinga, locali-zado em Pedras de Fogo, referindo-se à evolução do pagamento da renda pelos moradores da citada propriedade no sé-culo atual, mais precisamente entre 1930

e 1978).8

As formas de trabalho tipo lavrador e morador conviveram com o sistema escravagista até sua abolição. Cessada a escravidão, o sistema morada se consolidou e tornou-se a forma dominante de trabalho nos engenhos de açúcar do Litoral parai-bano. 2.2.1.2. A propriedade da terra

Do mesmo modo que a propriedade dos escravos, as formas de apropriação da terra na Zona da Mata foram orga-nizadas segundo as necessidades da produção açucareira e segun-do as normas culturais e políticas dominantes na época. Estava-se em plena transição da Idade Média para a Idade Moderna. Com esta afirmação não se está advogando uma mera transposição das formas feudais para o Brasil. A produção canavieira requeria tecnicamente a instalação de canaviais em grandes propriedades, dado o seu cará-ter monocultor e a necessidade de aprovisionamento de matéria-prima para o funcionamento da unidade fabril. As condições técnico-materiais da produção reforçam os padrões político-

8Cf. MOREIRA, Emilia. Por um pedaço de chão. João Pessoa, Editora Universitária, 1996.

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culturais dominantes de apropriação da terra. Daí entender-se porque a produção açucareira, subordinada aos interesses do ca-pital mercantil internacional, teve como suporte a concessão de grandes sesmarias. A distribuição das terras em sesmarias foi res-ponsável tanto pelo caráter privado que adquiriu a propriedade da terra, quanto pela criação dos alicerces da grande propriedade que caracteriza o sistema açucareiro.

As sesmarias requeridas tinham enorme extensão. "Aqueles que as requeriam, quando conseguiam, juntavam outras terras através de novos requerimentos sempre deferidos. Gostavam de perder de vista as suas terras. De nunca lhes avistarem os horizontes. Foi necessário que, em 1697, Carta Régia limitasse o tamanho das concessões a uma área de três léguas de compri-mento por uma de largura. Quase onze mil hec-tares. E já era uma restrição...” (MELO, 1986:36).

Na Paraíba, as primeiras sesmarias foram conce-didas nas várzeas dos rios Paraíba, Jaguaribe, Una, Tibiri e Gra-mame. Segundo Celso Mariz, " a primeira sesmaria de registro em nosso arquivo é de 10 de janeiro de 1586, de uma légua no rio Una (...) para plantar cana" (MARIZ,1978:4). Embora não se possa precisar com exatidão o número de sesmarias doadas na Paraíba, o historiador João de Lyra Tavares na obra História territorial da Parahyba registra 1.138 cartas de doação emitidas entre 1586 e 1824, para plantar cana, criar gado ou cultivar lavouras de subsistência. Segundo Melo:

"A primeira sesmaria paraibana foi concedida ainda no século XVI, quando seu número não

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passou de cinco. No século XVII, essa cifra cresceu, mas na primeira metade, sua localização não ultrapassou os vales dos rios Paraíba e Mamanguape, o que significa colonização ainda restrita ao Litoral. Na segunda metade do sécu-lo XVII e, principalmente no século XVIII, essas sesmarias alcançaram os pontos mais dis-tantes do território paraibano, o que representou a expansão deste, com incorporação das terras sertanejas à colonização" (MELO, 1994:29).

A concessão de sesmarias foi suspensa em 17 de julho de 1822 e em 18 de setembro de 1850 foi aprovada a Lei 601, conhecida como Lei de Terras de 1850. Esta lei tinha por pressuposto básico a mercantilização da terra. A partir dela o acesso à terra limitava-se a quem tivesse condições de adquirí-la. Sua importância para a constituição do mercado de trabalho é ressaltada por José Graziano da Silva quando afirma que:

"Enquanto a mão-de-obra era escrava, o lati-fúndio podia até conviver com terras de "acesso relativamente livre" (porque a propriedade dos escravos e de outros meios de produção aparecia como condição necessária para alguém usufruir a posse dessas terras). Mas quando a mão-de-obra se torna formalmente livre, todas as terras têm que ser escravizadas pelo regime de propriedade privada. Quer dizer, se houvesse homem livre com terra livre, ninguém iria ser trabalhador dos latifúndios" (SILVA, 1981:25).

Os objetivos principais da Lei de Terras de 1850 consistiam: na proibição do acesso à terra por outro meio que não fosse a compra; na extinção do processo de ocupação de terras devolutas, que teve lugar com o fim das sesmarias; na valo-

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rização da terra e na sua conseqüente transformação em merca-doria; na utilização dos recursos oriundos da venda de terras de-volutas para investir na importação de colonos europeus. Deste modo, com a Lei de Terras de 1850, a terra se valoriza e adquire importância mercantil e o estabelecimento da propriedade privada é reforçado no Brasil e por rebatimento, na Paraíba. 2.2.1.3. O surgimento da pequena produção

no Litoral: algumas notas Como foi demonstrado, a atividade canavieira desenvolvida em latifúndios foi responsável pela conformação inicial do espaço agrário litorâneo. Suas fases de crise, as caracte-rísticas internas de sua organização e a garantia de sobrevivência da mão-de-obra por ela utilizada estão na base do processo inicial de formação de uma pequena produção de alimentos a ela subor-dinada.

"A cultura de mantimentos (farinha, fava, mandioca, feijão, fumo...) destinava-se ao abaste-cimento interno, à reposição da força-de-trabalho dos canaviais e era parte de uma economia que, apesar de ser ‘a mais necessária para a terra’ sempre foi considerada secundária e mantida de forma subordinada" (BASSANEZI, 1994:21).

A produção de alimentos era realizada inicialmen-te pelos escravos e destinava-se ao seu auto-abastecimento. Se-gundo Cabral, a existência desta lavoura de subsistência tinha dupla determinação:

"(...) de um lado, existia como parte de um me-canismo de adaptação à (...) rigidez da mão-de-

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obra escrava.9 Em conjunturas desfavoráveis,

quando de crises de demanda do açúcar, o siste-ma podia (...) se fechar dentro de si mesmo, sen-do parte do tempo de trabalho dos escravos antes dedicada à produção comercial, dirigida então para a lavoura alimentar. Por outro lado, mes-mo em conjunturas normais, a existência de la-voura de subsistência dentro do Engenho repre-sentava uma necessidade estrutural. Não exis-tindo uma lavoura alimentar bem desenvolvida fora do Engenho, suprir as necessidades básicas dos escravos com mantimentos comprados num mercado interno incipiente ou no mercado exter-no, significava monetarizar a reprodução da for-ça-de-trabalho escrava e fazê-la a altos custos" (CABRAL, 1987:27/28).

Em outras palavras, através da produção de ali-mentos, os senhores de Engenho transferiam para os escravos os custos de sua reprodução.

(...) "Tão importante quanto esta questão, está o outro elemento citado: num contexto de abun-dância de terras, adquirir mantimentos num mercado ainda não organizado, a altos preços, significava comprometer irremediavelmente parte considerável do lucro do Engenho" (CABRAL, 1987:27/28).

Posteriormente, com o advento do morador, a produção de alimentos passou também a ser realizada por este e

9Segundo Gorender, essa rigidez da mão-de-obra escrava significa que "a quantidade de trabalho de um plantel permanece inalterada apesar das variações da quantidade de trabalho exigida pelas diferentes fases estacionais ou conjunturais da produção" (GORENDER, J. 1988:210).

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suas famílias, nos sítios que lhes eram cedidos pelos senhores de Engenho. Ela era praticada ainda nas terras dos lavradores situa-das fora dos limites dos Engenhos. A expansão ou a contração da pequena produção alimentar nos Engenhos achava-se intrinsecamente relacionadas aos momentos de expansão ou de retração da atividade canaviei-ra. Assim, nos momentos de apogeu da atividade, reduzia-se a produção alimentar uma vez que se exigia que todos os esforços fossem dirigidos à monocultura, em detrimento da "lavoura branca".

"A carência de alimentos era um dos graves problemas estruturais criado não pela falta de terra para as lavouras de subsistência, que podi-am ser cultivadas nos solos rejeitados pela cultu-ra imperialista, mas pela própria monocultura da cana-de-açúcar, pelo próprio produto comerci-al que monopolizava toda a força-de-trabalho e não podia liberar braços para outras atividades. A deficiência alimentar, que era uma constante na zona do açúcar, agravava-se e às vezes assu-mia aspectos alarmantes nos períodos de seca, cujos efeitos também se projetavam nas áreas úmidas da Província" (AQUINO, 1993:136).

No que se refere à formação da pequena proprie-dade camponesa, embora os historiadores admitam que a propri-edade latifundiária escravista, nos moldes em que foi desenvolvi-da no Nordeste, não possibilitava a expansão em grande escala da posse da terra, fazem menção à ocupação de terras devolutas por intrusos e posseiros à retaguarda dos Engenhos, considerando essas ocupações como precursoras da pequena propriedade cam-ponesa no Litoral. O sistema de lavrador estaria também na base da formação da pequena propriedade na região.

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A pequena produção e a pequena propriedade

camponesa teriam nascido, assim, nos interstícios10

da grande propriedade monocultora, ou seja, nas "brechas" do sistema ca-navieiro e a ele subordinada. 2.2.2. Os Engenhos Centrais: uma experiência

efêmera A crise de acumulação que atingiu a atividade açu-careira nordestina na segunda metade do século XVII, aprofun-dou-se e alongou-se por todo o século XVIII. Contribuiu, para isso, a conjuntura econômica interna, centrada na produção aurí-fera, a concorrência com o algodão que chegou a ser produzido em plena zona canavieira e a dependência que a Paraíba tinha em

relação ao mercado de Pernambuco.11

A partir de 1750, algumas medidas foram tomadas para soerguer a atividade. Destaca-se entre outras, a isenção de execução sumária dos senhores de Engenho que eram devedores coloniais e a criação da Companhia Geral de Comércio de Per-nambuco e Paraíba. A ela cabia realizar investimentos de capital no setor, expandir o crédito, restaurar e fundar Engenhos. Por outro lado, como foi demonstrado anterior-mente, modificações foram sendo introduzidas na organização interna do sistema, mais especificamente nas relações de trabalho, visando garantir sua sobrevivência. Não obstante as isenções, os incentivos recebidos e as mudanças introduzidas nas relações de trabalho, só nos fins do século XVIII é que a atividade canavieira irá apresentar mos-

10Interstício aqui deve ser entendido como sugere Bassanezi, não somente entre um latifúndio e outro, mas também nos limites da propriedade. Cf. BASSANEZI, Inês. Estilos de Vida das pequenas produtoras rurais: a mulher do sítio e a mulher da roça. João Pessoa, Dissertação de Mestrado em Serviço Social, UFPb, 1994, p. 24. 11No que respeita à dependência do comércio de açúcar paraibano em relação à praça de Recife, leia-se, entre outros, ANDRADE, Gilberto Osório. Os rios de açúcar do Nordeste Oriental --o rio Paraíba do Norte. Recife, IJNPS, 1959.

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tras de reaquecimento. Isto, em decorrência da revalorização do açúcar no mercado externo, graças à desarticulação das regiões produtoras, sobretudo, das Antilhas. Essa fase, porém, é estancada na segunda metade do século XIX em conseqüência, de um lado, da crise do fim da escravidão e, de outro, pela competição desigual do nosso produ-to com o açúcar de beterraba produzido na Europa, com tecno-logia e rendimento muito superiores aos nossos. Isto sem falar na concorrência com áreas produtoras de açúcar de cana como Cu-ba e Java. Na verdade, a tecnologia de produção do açúcar, na Paraíba, não havia até o início do século XIX sofrido grande evolução. No que tange ao cultivo do solo, até o final do citado século pequenas foram as alterações observadas, além da prática

do alqueive,12

da introdução do arado13

e de novas variedades de cana. A prática da adubação também não era utilizada. No setor industrial, os Engenhos movidos a tração animal e os Engenhos d'água só começaram a ser substituídos pelo Engenho a vapor nas últimas décadas do século passado quando, segundo Manoel Correia, "a cal passou a substituir a potassa, as fôrmas de barros cederam lugar as fôrmas de madeira e metal, generalizou-se o uso do bagaço como combustível a partir de modificações efetuadas nas fornalhas e os tambores das moendas que eram colocadas em posição vertical, passaram a ser postos em posição horizontal" (ANDRADE,1986:81).

As bases técnicas da produção açucareira paraibana durante o século XIX são assim descritas por Aquino:

"Na Paraíba, durante quase todo século XIX, nenhum melhoramento substancial foi introduzi-do nos seus engenhos de açúcar, quer no setor a-

12O alqueive, largamente utilizado na Europa durante a Idade Média, consistia em deixar a terra cansada, durante certo tempo, em pousio. 13Segundo Irineu Pinto, foi o Presidente da Província, Dr. Antonio Coelho Sá de Albuquerque quem mandou buscar em Pernambuco os primeiros arados de ferro para serem utilizados em alguns Engenhos da Paraíba (PINTO, 1977:209).

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grícola, quer no industrial. Um relatório do Go-vernador Fernando Delgado Freire de Castilho, datado de 1798, bem demonstra o estado em que iria iniciar o próximo século a agro-indústria açucareira paraibana. O uso do arado era incipiente e se restringia às terras de várzeas,

‘pois que todas as outras são tão cheias de matos e raízes de árvores que é inútil nelas uma seme-lhante tentativa’; os terrenos eram roçados a foi-ce e ‘depois de secos os matos assim roçados, queimam-se de sorte que fica o terreno livre e de-sembaraçado para a plantação’. A precariedade da parte industrial também ressalta no documen-to: as moendas, movidas por cavalos ou bois, e-ram de madeira, apenas revestidas de ferro e as canas necessitavam serem passadas de seis a oito vezes, podendo-se imaginar o desperdício provo-cado por tal tipo de equipamento; o bagaço da cana não era utilizado nas fornalhas, que gasta-vam um carro de lenha para cada pão de açúcar produzido; o açúcar era clarificado com barro, através de um processo bastante complicado e os mestres de açúcar eram de baixa qualificação. Quanto à produção, o Engenho que mói com bestas faz 8 a 12 pães por 24 horas (...)" (A-QUINO, 1993:133).

As mudanças tecnológicas introduzidas tanto na atividade agrícola como na industrial, culminando com o próprio advento do Engenho a vapor, foram incapazes de evitar a persis-tência da crise que assolou o sistema açucareiro. Para garantir a sobrevivência do setor face a esta nova crise, o poder público estabeleceu, no último quartel do século XIX, incentivos econô-micos e financeiros para a sua reorganização. Primeiramente, através da garantia de juros, tentou estimular a canalização de

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capitais para as unidades fabris que não abrangiam a parte agríco-la ou de produção de cana (MELO, 1975). O Engenho Central correspondia a uma unidade produtora de açúcar cuja atividade limitava-se ao setor fabril (se-tor de transformação) não abrangendo, portanto, a atividade de produção agrícola. Sua criação fundamentou-se na idéia de que os problemas do setor achavam-se concentrados na etapa de indus-trialização do produto. Desse modo, era para a mesma que deve-riam convergir a maior parte dos investimentos. Ao separar as duas atividades, tentava-se preservar o regime de propriedade das terras e modernizar a fabricação do açúcar. Em outros termos, com os Engenhos Centrais, ao mesmo tempo em que se preser-vava a estrutura fundiária tradicional, introduzia-se modificações econômicas importantes, relativas ao aumento da produtividade e da rentabilidade, bem como propiciava-se a concentração da ati-vidade fabril nas mãos de um número relativamente pequeno de grandes produtores. A atividade agrícola permaneceria nas mãos

dos senhores de Engenho e dos lavradores de cana14

. Esse modelo de organização industrial fundado na garantia de juros foi um completo fracasso. Isso por uma série de razões. Dentre elas citam-se: a) a resistência dos senhores de En-genho em aderir ao projeto pelo risco que corriam de transfor-marem-se em meros fornecedores de cana, o que significaria a perda do prestígio e do poder político e econômico que deti-nham; b) a má utilização do dinheiro público por parte dos con-cessionários dos subsídios; c) a irregularidade do fornecimento da

cana; d) a falta de controle de preços do açúcar, entre outros.15

Na Paraíba, a primeira e única concessão para a implantação de Engenho Central data de 11 de março de 1880. Nessa época, essa forma de organização agrária já caíra em des-crédito. O Engenho Central aqui criado localizou-se em terras

14Entre as várias obras que tratam da evolução da atividade canavieira e abordam a questão dos Engenhos Centrais destacamos O açúcar e o homem de Mário Lacerda de Melo. 15A obra Nordeste, açúcar e poder de Martha Santana aborda com muita propriedade essa questão.

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pertencentes ao antigo Engenho São João, no município de Santa Rita, e recebeu a denominação de Engenho Central São João. Ele foi inaugurado em 1888 pela Companhia de Engenhos Centrais, de capital holandês, passou posteriormente à Companhia Geral de Melhoramentos do Rio de Janeiro e deste à Companhia Açu-careira da Paraíba. Antes mesmo da sua inauguração, o Engenho Central São João enfrentou difuldades, como ressalta Santana:

"O governo imperial, por decreto nº. 9.640, de 11 de setembro de 1886, rescindiu por 8 meses a garantia de juros à Companhia de Engenhos Centrais das Províncias da Parahyba e Sergipe (que tinha sede no Rio de Janeiro) por não haver concluído as obras da fábrica dentro do prazo determinado e fixou o prazo de 8 meses para a conclusão de seus trabalhos, sob pena de caduci-dade, o que obrigou a empresa a levantar em-préstimos na praça de Amsterdã" (1990:196).

Esse prazo foi elastecido por duas vezes: por mais um ano e, posteriormente, até 31 de agosto de 1888. Depois de inaugurado, outros problemas surgi-ram, tais como: a) suprimento de cana insuficiente para atender à capacidade produtiva da fábrica; isto se deve, de um lado, ao fato dos proprietários de Engenho continuarem produzindo açúcar, e de outro, aos pequenos Engenhos e plantadores livres dividirem o fornecimento da cana por eles produzida entre os Engenhos tradicionais e o Engenho Central; b) relação difícil entre os plan-tadores livres e a Companhia concessionária; c) resistência dos senhores de Engenho em aderir ao projeto, etc. Embora o Estado tenha intervido no sentido de beneficiar as oligarquias açucareiras do Nordeste, ainda no final do Império, criando novas normas com relação às centrais e libe-rando o restante dos recursos para seu financiamento, sendo a

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Paraíba contemplada com 450:000$00, a inoperosidade do Enge-nho Central São João fez dele mais um empreendimento fracas-sado e um investimento perdido (SANTANA, 1990). Com o insucesso dos Engenhos Centrais, o Estado investiu vigorosa-mente no financiamento das Usinas de Açúcar. 2.3. As Usinas de açúcar

“Só os banguês que ainda purgam ainda o açúcar bruto, com barro, de mistura; a usina já não o purga: da infância não de depois de adulto, ela o educa; em enfermarias, com vácuos e turbinas, em mãos de metal de gente indústria, a usina o leva a sublimar em cristal o pardo xarope: não o purga, cura.

Versos do poema “Psicanálise do Amor” de João Cabral de Melo Neto

A Usina é um estabelecimento voltado para a produção de açúcar. Trata-se de uma empresa fabril que exerce também a atividade agrícola. Ela surgiu apoiada pelo poder públi-co, não constituindo, portanto, um resultado espontâneo do di-namismo do setor açucareiro, mas uma das várias formas por ele encontrada para garantir sua sobrevivência. O impulso inicial dado pelo poder público para a implantação das primeiras Usinas foi vigoroso. Algumas Usinas foram isentas dos impostos estaduais por períodos que variavam de 5 a 15 anos a partir do seu funcionamento (Usinas Espírito Santo, Mamanguape e Bonfim); outras tiveram abatimento no imposto de transmissão por compra, o que facilitou o processo de concentração (Usinas São João e Santana). Apesar do apoio governamental, o processo de substituição dos Engenhos pelas novas fábricas foi lento e desigual, só vindo a completar-se em meados deste século.

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Durante a primeira metade do século XX, assiste-se à resistência dos senhores de Engenho ao novo grupo emer-gente, os usineiros. A resistência dos bangüês à dominação das Usinas é fato inconteste.

"Com menores capitais, técnicas mais atrasadas, baixa produtividade e pondo no comércio um produto de qualidade inferior, o bangüê resistiu como pode ao surto usineiro, voltado que estava para o mercado consumidor regional. A reação do bangüê fez-se com tal energia que apesar de sua fraqueza econômica e das vantagens conse-guidas pelos usineiros perante as instituições gover-namentais, conseguiu sobreviver por ainda várias décadas até desaparecer totalmente" (ANDRADE, 1986:95).

As primeiras Usinas paraibanas surgiram no Baixo Paraíba. A mais antiga é a Usina Santa Rita, fundada em 1910 por Arquimedes C. de Oliveira com o nome de Usina Cumbe. Locali-zada no município de Santa Rita, ela foi adquirida em 1922 por Flávio Ribeiro Coutinho, responsável também pela mudança do seu nome. A Usina Bonfim, localizada em Sapé, surgiu em 1917 e pertencia a Gentil Lins. Posteriormente ela foi anexada à Usina São Gonçalo ou Nossa Senhora do Patrocínio, situada em Cruz do Espírito Santo, que pertencia a José Galvão de Mello, e à Usi-na Espírito Santo, pertencente a Adalberto Ribeiro. Essas Usinas foram compradas por Renato Ribei-ro Coutinho e fundidas para dar origem a Usina Santa Helena. A Usina São João, situada também em Santa Rita, surgiu como Engenho Central em 1888, tendo sido comprada em 1914 pelos herdeiros de João Úrsulo Ribeiro Coutinho e trans-formado em Usina. A Usina Santana, no mesmo município, foi fun-dada com o nome de Usina Pedroza, em 1922, por Manoel Se-

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bastião de Araújo Pedroza, tendo passado em 1925 para as mãos de Flaviano Ribeiro Coutinho (v. quadro I). Esse processo de transferência de titularidade, registrado na Paraíba, ocorreu também nas demais regiões açuca-reiras dos estados nordestinos, conforme ressalta Manoel Correia de Andrade:

"(...) raros foram os fundadores de Usinas que se mantiveram como proprietários das mesmas. A maioria, sem dispor de capital, endividou-se e teve de se desfazer da Usina passando a indústria a terceiros" (ANDRADE, 1986:92).

No caso da Paraíba, esse processo de transferên-cia de titularidade teve por conseqüência a concentração de quase todas as terras das Usinas situadas no Litoral, nas mãos de uma única família: a família Ribeiro Coutinho. Só a Usina Monte Ale-gre não pertenceu a essa família, que foi a maior beneficiada com os incentivos governamentais dirigidos para o setor. E é ela quem irá, durante longos anos, deter o poder político e econômico regional dando origem a uma das mais fortes oligarquias rurais do

Estado, também conhecida como "Grupo da Várzea"16

. Em 1924, a queda do preço do açúcar no merca-do internacional lançou mais uma vez o setor açucareiro numa crise profunda. Localmente, isso foi reforçado pela enchente do rio Paraíba, que arruinou casas e plantações. A crise só veio agra-var a situação dos pequenos e médios produtores, cujas proprie-dades foram em grande parte absorvidas pelas Usinas. Muitos senhores de Engenho, sobretudo os da várzea do Paraíba, tive-ram suas dívidas executadas judicialmente pelos usineiros.

16A família Veloso Borges também fazia parte do “Grupo da Várzea”.

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"Outros, ligados por laços antigos de dependên-cia e clientelismo, resolveram fazer acordos por preços irrisórios de seus Engenhos na venda aos usineiros, mediante a condição de ocuparem pos-tos de gerência nas empresas açucareiras ou em-pregos para eles e seus familiares no serviço pú-blico" (SANTANA, 1990: 135).

Consta no Registro de Imóveis de Santa Rita, que entre 1926/27 e 1930/45 vários Engenhos foram adquiridos pe-los proprietários das Usinas Santa Rita (Flávio Ribeiro Coutinho) e São João (João Úrsulo e Renato Ribeiro Coutinho) (SANTA-NA, 1990:135). Esse fato só reforça a tese de que a crise da eco-nomia açucareira tem, historicamente, contribuído num movi-mento até certo ponto contraditório, para acentuar a concentra-ção da propriedade da terra, da renda e do poder, fortalecendo assim a oligarquia açucareira tradicional e ampliando o seu poder de barganha junto à máquina estatal. No final dos anos 60, existiam no Litoral da Para-íba cinco Usinas de Açúcar funcionando: Santa Rita, São João e Santana, no município de Santa Rita; Santa Helena, em Sapé e Monte Alegre, em Mamanguape (v. mapa da distribuição das Usinas e Destilarias in: MOREIRA,1996). Apenas esta última não pertencia à família Ribeiro Coutinho. Elas comandavam a organi-zação econômica do espaço agrário regional. O cultivo da cana, porém, limitava-se às várzeas de solos aluviais e a algumas encostas dos tabuleiros. Estes, por apresentarem condições edáficas desfavoráveis (solos pobres e arenosos) eram utilizados com lavoura de subsistência e coco-da-baía, ou eram ocupados pela vegetação natural de floresta e cer-rado, constituindo até o fim dos anos 60 um limite ecológico à expansão da cana.

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2.2.3.1. A propriedade da terra, a organização da produção e do trabalho com a Usina

A instalação e a expansão das Usinas foram res-ponsáveis por profundas modificações na organização da produ-ção e do trabalho com fortes repercussões na organização do espaço litorâneo da Paraíba. De um lado, elas representaram um progresso técnico para o setor açucareiro, permitindo mudanças qualitativas no produto final, com a transformação do açúcar mascavo em açúcar centrifugado. De outro, contribuíram para a intensificação da concentração da propriedade da terra e da pro-dução. Algumas poucas Usinas substituíram centenas de Enge-nhos.

"A Usina era, assim, um autêntico D. João de terras, estando sempre disposta a estender seus trilhos, como verdadeiros tentáculos, pelas áreas onde pudesse obter cada vez mais canas. Esta fome de terras iria dar origem ao agravamento do latifúndio que desde a colonização aflige o Nordeste” (ANDRADE,1986:94).

Sobre a concentração fundiária promovida pela Usina, diz Mário Lacerda de Melo:

"Em uma primeira fase, esse processo de concen-tração da propriedade fundiária compreendia so-bretudo terras de velhos bangüês que iam ficando de fogo morto e tributários das usinas. Em uma segunda fase, abrangia predominantemente En-genhos já fornecedores de cana, mas ainda em mãos dos seus antigos proprietários" (MELO, 1975:56).

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A expansão das Usinas promoveu também mu-danças significativas nas relações de trabalho. Estas se manifes-tam através:

a) da retração de formas tradicionais de trabalho. Em um primeiro momento, a Usina consolida o sistema mora-dor, que era o grande fornecedor de mão-de-obra para a lavoura canavieira. No entanto, à medida em que ela se fortalece e se expande, começa a disputar as terras que estavam cedidas aos moradores, aos foreiros e aos lavradores. No bojo deste processo estão presentes a expulsão dos moradores e a eliminação da cate-goria de lavradores. Parcela dessa população expulsa e expropria-da converte-se em trabalhadores assalariados da cana. É impor-tante destacar que este processo se deu de modo muito lento. Tanto é que, no final dos anos 50 e início dos anos 60, várias décadas após a instalação das primeiras Usinas, o sistema de mo-rada ainda vigorava com grande força na Zona da Mata, preser-vando sua característica secular de exploração: o cambão. Pode-se assim entender o porquê da eclosão das Ligas Camponesas nessa região, que teve por bandeira inicial de luta a extinção do cambão e a defesa dos sítios, ampliando-se para a defesa da reforma agrá-ria, em plena vigência da Usina. Na Paraíba, os municípios de Sapé e Mari distinguiram-se como aqueles onde o movimento das Ligas foi mais expressivo. Todavia, da mesma forma que a reação indígena e escrava contra a exploração do trabalho e pelo direito à liberdade e a um pedaço de chão, a luta dos cambãozeiros con-tra o pagamento da renda-trabalho e por uma distribuição mais justa da terra foi também objeto de repressão e da violência por parte dos que se dizem "donos da terra". Mais uma vez o preço da luta por justiça social e por um taco de chão é paga com a vida. Relembramos aqui João Pedro Teixeira e o "Nego Fuba", cujo sangue na terra se uniu ao dos negros e índios do período colonial, todos heróis esquecidos nos livros de história oficial (v. mapa da violência no campo in: MOREIRA,1996).

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b) da expansão do assalariamento. Com o sistema Usina, avança o processo de monetarização das relações de traba-lho via assalariamento da força-de-trabalho. Este processo se dá pari passu com o da eliminação/transformação das relações de morada, lembrado no item anterior.

c) do surgimento da figura do fornecedor de cana. A dominação da Usina sobre o Engenho fez surgir essa figura na paisagem açucareira nordestina. É o senhor de Engenho que, perdendo o controle do processo de produção industrial do açú-car, restringirá sua atividade à produção da matéria-prima para fornecer à Usina, vinculando-se a esta econômica e juridicamente. Nem todos os fornecedores, porém, são ex-senhores de Enge-nho, proprietários da terra que cultivam. Alguns são arrendatários da Usina ou de outros proprietários;

d) da intensificação da sazonalidade do emprego, pela introdução do uso de fertilizantes químicos e do aumento da mecanização;

e) da substituição do senhor de Engenho pelo usineiro, figura social completamente diferente daquela.

" Sem ligação com o campo, ao contrário do Se-nhor de Engenho, o usineiro é um homem da ci-dade, industrial como qualquer outro tipo de empreendedor e capitão de indústria que apenas vê na lavoura a produção de matéria-prima in-dispensável às suas fábricas e marca com uma intensidade sem igual, a irrupção e a influência da cultura urbana sobre o campo de que se serve, pela exploração, mas a que não se liga pela sua mentalidade e pelos seus hábitos de vida política no Brasil" (AZEVEDO, 1948:58).

O advento do sistema Usina e a sua posterior consolidação trouxeram mudanças substanciais tanto na base

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técnica quanto nas relações sociais, implicando em transforma-ções significativas na organização e estruturação do espaço agrá-rio litorâneo. Tais transformações irão ser aprofundadas com o advento do Proalcool, como será analisado no próximo capítulo. Quer em crescimento, quer em crise, a exploração da cana-de-açúcar comandou o processo de organização do espa-ço da porção oriental do Estado da Paraíba. Toda dinâmica espa-cial aí processada, desde o início da colonização, foi plasmada segundo os ditames dos interesses do capital mercantil açucareiro. No entanto, como será visto a seguir, a influência da cana-de-açúcar se estendeu também às demais áreas do Estado. À dinâmi-ca da atividade canavieira estiveram associadas, direta ou indire-tamente, a ocupação do Sertão e a do Agreste paraibanos. O de-senvolvimento da grande exploração canavieira na Zona da Mata foi responsável pelo surgimento e expansão de uma atividade econômica que se estendeu em direção ao interior e se difundiu povoando o Sertão da Paraíba: a criação de gado. Embora o cria-tório tenha surgido como uma atividade complementar à da cana-de-açúcar e tenha mantido relações estreitas com ela, não se pode reduzi-lo, ao longo do seu desenvolvimento, a um mero apêndice da casa-grande. 2.3. O Sertão pecuarista cotonicultor Inicialmente, o gado era criado em currais no interior dos Engenhos do Litoral. Ele destinava-se quase que integralmente ao atendimento das necessidades de trabalho. Os animais de "tiro" eram utilizados para transportar açúcar, lenha e a cana do eito para o picadeiro. Amarrados a carroças de madeira em pares de dois ou quatro, deram origem aos tradicionais "car-ros de boi". Serviam ainda como "animais de tração" para mover os trapiches. Neste sentido Guimarães afirma que:

"Os currais eram, inicialmente, uma simples de-pendência dos Engenhos, destinada a supri-los

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do gado necessário a todos, para os serviços de transporte em "carros com dobradas equipações de bois" ou para o acionamento dos trapiches, Engenhos cujas moendas precisavam de pelo me-nos sessenta animais, empregados revesadamente em grupos de mais ou menos doze de cada vez. O gado, então, prestava-se quase exclusivamente como fonte de energia, como animal de trabalho” (GUIMARÃES, 1968:66/7).

Guimarães chama ainda a atenção para a impor-tância da criação de gado dentro dos Engenhos. Ele ressalta que nessas unidades de produção o gado tornou-se "um escravo tão disputado quanto o negro e cujas reservas deveriam ser tão abundantes quan-to as dos produtores humanos” (GUIMARÃES, 1968:67). No mesmo sentido destaca Roberto Simonsen,

"a indústria do açúcar era importante consumi-dora de gado. Os trapiches e Engenhos movidos por bois faziam grande desgaste; as carretas pa-ra lenha e para o açúcar exigiam um número considerável de cabeças, em porção, talvez, igual ao da escravatura ocupada"(SIMONSEN, 1978:151).

2.3.1. Cana e curral: uma separação necessária O crescimento da procura de animais de tiro em função da expansão da atividade açucareira, o paulatino aumento do consumo de carne nos Engenhos e centros urbanos em e-mergência e os conflitos entre criadores e lavradores foram res-ponsáveis pela separação das atividades canavieira e pecuária. A penetração do gado para o interior, segundo Guimarães, não se deu

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(...)"sem antes haver provocado repetidos confli-

tos entre criadores e lavradores. Estes, pela ne-

cessidade de defender suas plantações, nunca ces-

saram seus esforços no sentido de empurrar para

longe do Litoral os rebanhos em proliferação,

até que uma Carta Régia no alvorecer do sécu-

lo XVIII fixou a área de criação a mais de 10

léguas da costa" (GUIMARÃES,1968:67).

Essa separação pode ser observada através do

deslocamento do curral para fora do Engenho (o que implicou

no fim da convivência entre eito e curral) e do surgimento da

fazenda sertaneja. Esta iria imprimir na paisagem e na história

regional do Estado uma dinâmica particular e distinta daquela dos

Engenhos do Litoral.

"Quando (...) a Carta Régia de 1701 veio de-

limitar legalmente as fronteiras da grande cria-

ção, a intensa demanda de animais de trabalho,

o paulatino aumento do consumo da carne e,

principalmente, o aparecimento do couro vacum

já teriam impulsionado definitivamente a expan-

são da pecuária, sua separação da agricultura,

seu afastamento cada vez maior de faixa litorâ-

nea"(GUIMARÃES, 1968:67).17

A motivação econômica da ocupação do Sertão foi, portanto, a pecuária bovina. A penetração dos currais ganha assim um relevo especial na conformação do território estadual. Autores como Guimarães e Caio Prado atribuem a essa penetra-

17A esse respeito leia-se também GALLIZA, Diana. “As economias açucareira e criatória no Nordeste à época colonial”. In: Revista do IHGP, 24, João Pessoa, 1986.

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ção um peso importante na concretização da conquista do interi-or do Brasil.

"Só com a agricultura a colonização não teria penetrado o interior; e é por isso que até o século XVII os portugueses continuavam a ‘arranhar o Litoral como caranguejos’. São a mineração e a pecuária que tornaram possível e provocaram o avanço; a primeira por motivos óbvios: o valor considerável do ouro e dos diamantes, em peque-nos volumes e peso, anulam o problema do transporte. A segunda, para empregar a pitores-ca fórmula do mesmo autor que acabei de citar acima (Roteiro do Maranhão, p.107) ‘porque os gados não necessitam de quem os carregue, eles são os que sentem nas longas marchas todo o pe-so dos seus corpos’..." (PRADO apud GUIMARÃES, 1968:68).

2.3.2. A organização da produção e do traba-

lho nas fazendas A penetração do criatório para o interior deu-se através dos chamados "caminhos do gado". Estes caminhos ou trilhas acompanhavam o percurso dos rios que adentravam para o interior. Na Paraíba, pode-se identificar duas vias principais de penetração. A primeira via de penetração para o interior to-mou a direção leste-oeste. Com efeito, o caminho de adentra-mento inicial foi o rio Paraíba. Ao longo de suas margens, foram instalados currais e fazendas de gado, dando origem a vários nú-cleos populacionais como Pilar, São Miguel, Itabaiana, Mogeiro, etc. A segunda seguiu a direção sul-norte. Partindo da Bahia, principal centro de irradiação da pecuária em direção ao norte, o gado seguiu o curso do rio São Francisco, atingiu Pernambuco e

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posteriormente a Paraíba. Essa constituiu-se na principal corrente de povoamento da zona sertaneja. A Casa da Torre, no final do século XVII, era a grande “sesmeira do Vale do Piancó, Piranhas de Cima e Rio do Peixe. Só nas ribeiras desses rios, as propriedades de Dias D’Ávila ascendiam a vinte e oito” (MELO, 1994:69). Em virtude das restritas condições naturais da região sertaneja, os cursos dos rios eram não só vias de penetração, mas, principalmente, condições de sobrevivência.

"Os rios constituíam as principais vias de pene-tração no Sertão paraibano. A facilidade de cir-culação e a disponibilidade de água condiciona-ram a ocupação das margens fluviais e produzi-ram o ‘povoamento de ribeira’, isto é, a instala-ção de grandes fazendas de gado ao longo dos ri-os” (MOREIRA, 1990:10).

Na história da ocupação do Sertão, assume lugar de destaque a figura do capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, no final do século XVII e início do século XVIII. Em carta régia de 28 de novembro de 1710 a sua ação é louvada. A sua família “chegou a possuir mais de cinqüenta léguas de terra no interior da Paraíba” (MELO, 1994:75-76). A ocupação do território sertanejo se deu de mo-do violento, sendo registradas passagens de crueldade, como se pode depreender da carta régia de 16 de setembro de 1699.

“Havendo visto a carta que me destes do bom sucesso que se teve na Campanha com os índios nossos inimigos nos certões do districto das Pira-nhas e Pinhancó em que o Capitão mór Theodo-sio de Oliveira Ledo se tinha havido com muito valor e desposição e trazido concigo hua nação de Tapuyas chamadas Arius, que estavão aldeados junto aos Cariris onde chamam a Campina

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Grande que queriam viver com meus vassallos e reduziremse a nossa Santa Fé. Me pareceu es-tranhar mui severamente o que obrou Theodosio de Oliveira Ledo em matar a sangue frio muitos dos índios que tomou na guerra (...)” (apud PINTO, 1977:93).

Quer se apropriando de terras incultas, quer arre-batando-as, pela luta, aos índios, o branco colonizador foi espa-lhando currais pelo interior do Sertão. Assim, segundo Joffily, a ribeira do Piancó contava no final do século XVIII com setenta e sete fazendas, a do Espinharas, com cinqüenta e nove, a do Sa-bugi, com setenta e oito, a Ribeira do Patu com cento e vinte e sete núcleos de criação (JOFFILY, 1976:318-324). Muitas dessas fazendas, com edificação de uma capela, deram origem a várias cidades, como lembra Melo:

“Se a de Nossa Senhora do Rosário represen-tou, entre 1701 e 1721, no arraial do Piranhas, embrião da futura vila e cidade de Pombal, as capelas de Cabaceiras, em 1730, Jardim do Rio do Peixe (Souza), em 1732, Piancó, em 1748, Patos, em 1772, Catolé do Rocha e Santa Lu-zia, em 1773 e Monteiro, em 1800, significa-ram o elemento gerador dessas cidades” (ME-LO, 1944:75).

Se no Litoral o Engenho foi a unidade fundamen-tal da organização social, econômica e cultural, na região semi-árida foi a fazenda que desempenhou tal função. Ela surge, no dizer de Guimarães, como “um segundo domínio latifundiário” (GUI-MARÃES, 1968:62) com características próprias que a diferenci-am do Engenho. Dentre as características que lhe conferem iden-tidade, pode-se distinguir:

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a) instalação de grandes domínios latifundiários com baixa densidade populacional e econômica. Em função da pobreza da pastagem natural da caatinga, da existência de um regime pluviométrico irregular, com uma estação seca muito pro-longada e da utilização de técnicas rudimentares de criação, mui-tos hectares eram necessários para alimentar uma rês. Estes fatos, associados à grande disponibilidade de terras (considerando-se que a terra do índio, do ponto de vista do colonizador, era terra disponível porque passível de ser conquistada e apropriada) con-tribuíram para que a organização da atividade pecuária no Sertão se desenvolvesse em grandes propriedades: a fazenda; b) baixo nível de capitalização: era muito baixo o nível de investimento exigido para a implantação de uma fazenda. Era suficiente construir uma casa e preparar os currais para ocu-par 18 quilômetros de terra (PRADO, 1958:45). Uma vez instala-da, a fazenda se expandia pelo crescimento vegetativo da popula-ção animal; c) organização do trabalho combinando trabalho livre e escravo. O criatório se desenvolveu com base num sistema ultra-extensivo, com o gado criado solto em áreas muito amplas. Assim, era impossível ao proprietário ou ao seu preposto, con-trolar diretamente a produção, o que é apontado como um ele-mento inibidor do predomínio do trabalho escravo no Sertão. Além disso, o criatório não exigia uma mão-de-obra numerosa. Poucos trabalhadores eram suficientes para fazer funcionar uma grande fazenda. Daí a importância do trabalho livre na organiza-ção das fazendas. Com a expansão do algodão a partir do final do século XVIII, o trabalho escravo ganhará maior expressão, mas sem atingir a importância alcançada na zona canavieira. Por outro lado, o nível de remuneração e de exploração dos trabalhadores livres e escravos constituía um outro elemento de diferenciação entre o Engenho e a fazenda. Neste sentido Guimarães afirma:

"Os vaqueiros e fábricas são trabalhadores soci-almente mais independentes, economicamente me-

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lhor retribuídos, em comparação com a extrema miséria dos demais trabalhadores ‘livres’ e escra-vos dos Engenhos" (GUIMARÃES, 1968:70).

d) a atividade pecuária praticada nas fazendas não só permitiu o acesso à exploração mas também à propriedade da terra aos homens pobres livres. Contribuiu para isto o sistema utilizado para o pagamento do vaqueiro. Este, responsável pela administração das fazendas, era pago com um quarto da produ-ção da propriedade. Esta forma de pagamento só era efetuada após quatro ou cinco anos de trabalho. O vaqueiro recebia então, de uma só vez, um certo número de animais, suficiente para permitir sua instalação por conta própria em terras que ele com-prava, arrendava ou, simplesmente, se apossava.

"Entre fazendeiros de gado, desde os primeiros tempos, predominavam os proprietários de exten-sões intermináveis de terras, que eles mesmos não poderiam controlar. A propriedade pecuária, deste modo, seria forçada a subdividir sua explo-ração, dando lugar, antes de qualquer outro tipo de latifúndio, ao aparecimento do arrendatário. Apesar de manter muitos pontos de contato com o Engenho, (...) a fazenda adotava um sistema de arrendamento mais próximo da renda agrária capitalista. Com isso, e inevitavelmente, o modo de produção da pecuária permitia o acesso à ex-ploração e mais tarde o acesso à propriedade, de homens de menores posses. Nesse sentido, a fa-zenda se opunha ao Engenho como força desa-gregadora dos privilégios absolutos da nobreza territorial" (GUIMARÃES, 1968:69).

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e) relações com o mercado. Como toda atividade colonial, o desenvolvimento da pecuária manteve ligações com o comércio metropolitano, quer de forma direta, pela exportação de couro, quer de forma indireta através das ligações com a ex-ploração canavieira. No entanto, a dependência em relação ao mercado externo foi bem menor do que a experimentada pela cultura da cana. Desse modo, entende-se porque as crises exter-nas não implicaram em regressão do sistema criatório tal como ocorria com o sistema açucareiro. A forma de organização da produção e as ligações com o mercado interno garantiam essa menor vulnerabilidade da fazenda face à exploração colonial. Esse caráter é ressaltado por Furtado ao lembrar que em deter-minados momentos é possível falar até mesmo em uma pecuária de subsistência no Nordeste brasileiro (FURTADO, 1959). Da conjugação dos fatores do quadro natural e da organização da economia e da sociedade sertanejas, tem-se como resultado um processo de povoamento contínuo, porém disper-so. A importância do gado nessa região foi tão grande que se fala até mesmo em uma civilização do couro. Além de fonte de renda monetária e de meio de subsistência alimentar (carne e leite), o gado fornecia matéria-prima (couro) para uma série de bens utili-zados pelo sertanejo: vestuário, calçado, arreio e utensílios do-mésticos os mais variados (bancos, camas, portas, etc.). 2.3.3. A formação do complexo gado-algodão O algodão esteve presente nas combinações agrí-

colas existentes no período pré-colonial18

e fazia parte da produ-ção de autoconsumo da Colônia, destinando-se à confecção dos tecidos que eram utilizados pela massa da população colonial (TAKEYA, 1985:27). Porém, só nos fins do século XVIII, com o crescimento do progresso técnico da indústria têxtil inglesa e o conseqüente aumento da demanda no mercado internacional, e

18 O algodão era utilizado pelos índios na fiação de tecidos.

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durante a Guerra de Independência americana, com o afastamen-to dos Estados Unidos do mercado mundial, foi que o algodão passou a ocupar uma posição de destaque no cenário da econo-mia paraibana. Em 1797, fazia parte das instruções da Coroa ao novo governador da Paraíba,

“(...) Animar e promover as culturas já existen-tes (...) cuidar em augmentar as culturas de as-sucar, tabaco e algodão...” (PINTO, 1977:151).

Por este documento, vê-se que o algodão, no final do século XVIII, já se situava entre as principais fontes de rique-za da agricultura paraibana, apesar do processo rudimentar de exploração. Descrição do governador da capitania datada de 1798, registra a rusticidade tanto da cultura quanto dos equipa-mentos utilizados para sua manipulação. A importância que assume o algodão é ressaltada pelos dados do quadro II. Estes dados sobre as exportações pa-raibanas mostram, com muita clareza, como ao longo do século XIX essa cultura foi se firmando, ao lado da cana-de-açúcar, co-mo uma das principais fontes de riqueza da então Província. Em alguns anos, superou o quantitativo das exportações de açúcar. As oscilações observadas são devidas tanto a fato-res climáticos (secas periódicas), quanto às conjunturas do mer-cado internacional. Nesse particular, o afastamento ou o retorno dos Estados Unidos, um dos principais fornecedores para a in-dústria têxtil inglesa, tiveram forte repercussão na cotonicultura paraibana, contribuindo para sua expansão ou retração. Os últi-mos anos da série apresentada no quadro II exemplificam os efeitos da conjuntura do mercado internacional sobre o algodão produzido no Estado. Em 1862, o valor das suas exportações foi praticamente o dobro das exportações do açúcar (PINTO, 1977,

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v.2: 300). Tais circunstâncias receberam os seguintes comentários de Araújo Lima, então presidente da Província:

“A guerra que lavra nos Estados do Sul e os do Norte da República Norte Americana, abrio a nossos agricultores uma época nova e importante de resultados proveitosos à riqueza do paiz. O plantio do algodão que em nosso paiz ia sendo substituido pelo da canna de assucar, retomado espaço que havia cedido e pelas noticias sabidas, é de esperar seja a safra do algodão no corrente anno, talvez superior a maior que tenha sido co-lhida. O algodão desta Província sempre mereceu bom preço nos mercados da Europa pela força e extensão de sua fibra; mais a lucta existente na-quelles Estados e proveniente da guerra intestina deu lugar a que subisse de preço esse produto, em proveito dos agricultores e da receita do paiz” (PINTO, 1977, v.2:293).

O algodão expandiu-se por todo o território pa-raibano, disputando terras e braços até mesmo com a cana-de-açúcar, em plena Zona da Mata. Já no final do século XVIII este fenômeno ocorria, como se pode comprovar por documento da época. Segundo relato do governador da então capitania, até mesmo o senhor de Engenho “volta-se para a (cultura) do algodão como repetidas vezes sucede” (PINTO, 1977, v.2:198). Se, no Litoral, o algodão conquista terras e braços à cana, dependendo das con-junturas de mercado, é no Sertão e também no Agreste (como se verá a seguir) que ele assume posição hegemônica no sistema de uso do solo regional. Mesmo após a Guerra de Secessão que põe

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um fim à chamada “febre do algodão”,19

esse produto continua a se expandir no Sertão. É introduzida uma nova variedade, o al-godão arbóreo, também conhecido como “mocó”. Esse algodão possui uma fibra longa e se adapta melhor às condições de semi-aridez do clima sertanejo. Contrabalançando as dificuldades do mercado interno, a produção algodoeira vai encontrar um refor-ço no crescimento da indústria têxtil regional no final do século XIX e início do século XX. Reflexo da expansão cotonicultora no Sertão, é a instalação de grandes unidades de beneficiamento da fibra e do caroço, seja de capital estrangeiro como SANBRA e ANDER-SON CLEYTON, seja de capital local, nas principais cidades do Sertão (Sousa, Pombal, Patos e Cajazeiras na primeira metade do século XX). A presença dessas grandes empresas foi de funda-mental importância para a economia regional, em virtude das ligações “para trás” que estabelecia com a lavoura. Com efeito, eram elas que adiantavam parte significativa do capital necessário para as despesas de cultivo e de colheita, desempenhando assim, a função de capital financeiro. Tal prática iria dar origem à cha-

mada compra do “algodão na folha”,20

que representava um sis-tema de exploração extremamente danoso ao produtor.

19Alguns fatores de ordem interna também contribuíram para o fechamento do mercado internacional ao produto paraibano. Entre esses fatores pode-se apontar: falta de seleção prévia das fibras, imprimindo grau elevado de heterogeneidade ao produto; práticas negligentes ou dolosas dos exportadores (produto molhado, algodão subtraído antes do embarque, mistura de fibras com caroços, pau e até pedra). " O conjunto dessas variáveis resultaria, necessariamente, em descrédito e rejeição do algodão paraibano no mercado internacional. Uma conseqüência natural desses fatos foi a queda da arrecadação, agravando os problemas enfrentados pela Província. A administração paraibana confiante no sucesso alcançado pelo comércio algodoeiro na primeira metade dos anos sessenta, assume altos compromissos investindo em serviços públicos. Com os percalços que o algodão viria a sofrer, a Província não teve condições de concluir grande parte dessas obras. No sentido de enfrentar a crise, lança-se mão de várias medidas, algumas odiosas: dispensam-se servidores públicos, fecham-se escolas de primeiras letras (...). Como essas medidas não se mostraram suficientes para neutralizar a crise, fez-se um empréstimo, em 1870, da considerável soma de 300:000$000, que seria pago com grande dificuldade e a longo prazo" (RODRIGUES, 1990:80/81). 20Por esse sistema, o proprietário do capital financeiro avaliava a possível produção do pretendente ao empréstimo para determinar o montante do empréstimo a ser concedido. Na época da colheita, o valor financeiro era convertido em produto ao preço corrente que se encontrava em baixa por ser momento de aumento da oferta do produto. Caso a produção não fosse suficiente para pagar o empréstimo, a dívida em produto era convertida, ao final do ano, em dinheiro, pelo preço corrente

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Além da exportação e do suprimento da matéria-prima, para a indústria têxtil regional, o algodão era também usa-do para atender às necessidades das famílias em relação a tecidos rústicos e redes, produzidas em teares manuais, presentes em quase todas as fazendas, bem como a outros itens, como pavios de lamparinas, cordões, linha para costura, etc... Além da demanda externa, outros fatores expli-cam a expansão do algodão no Sertão: a) ele representou uma nova fonte de renda para o produtor sertanejo, sendo considerado durante séculos "o be-zerro do pobre"; b) podendo ser cultivado em associação com as culturas de subsistência, foi explorado tanto pelo grande proprie-tário como pelo pequeno e por aqueles produtores que não deti-nham a posse legal da terra como foreiros e parceiros; c) pelo fato do seu restolho ser utilizado como alimento para o gado no período mais seco do ano, transformou-se numa atividade complementar da pecuária. Com a consolidação da cotonicultuta no Sertão, estabelece-se a combinação gado-algodão-policultura, trinômio, marco da organização do espaço agrário sertanejo paraibano até a segunda metade do século XX. 2.3.4. A pequena produção sertaneja No Sertão da Paraíba, a pequena produção de alimentos desenvolveu-se inicialmente associada à atividade pecu-ária. A necessidade de abastecimento dos vaqueiros teria contri-buído para o surgimento de uma produção alimentar baseada principalmente nas culturas do feijão e do milho no interior das fazendas e currais, sobretudo nas áreas de baixios, nos vales e leitos secos dos rios temporários que cortam a região. Apesar dos

que estava em alta. Estabelecia-se, assim, um processo de endividamento crescente, obrigando o produtor à relação de dependência permanente às grandes firmas ou proprietários.

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condicionamentos naturais restritivos, a presença desta agricultu-ra no interior semi-árido pode ser explicada: a) pelo isolamento geográfico do Sertão em rela-ção às áreas produtoras de alimentos tais como o Litoral e o A-greste-Brejo; b) pela redução dos custos de reprodução da mão-de-obra; c) pela complementariedade da produção de sub-sistência com a pecuária através da utilização, pelo gado, do resto-lho que ficava na terra após as colheitas das lavouras alimentares. Merece destaque a maior concentração da produção alimentar nas áreas de exceção, como os brejos de altitude existentes no Sertão, a exemplo de Monte Horebe, Bonito de Santa Fé, Teixei-ra. Nessas manchas verdes, houve uma maior concentração da produção e da população, bem como um padrão de distribuição de terras menos concentrado do que nas demais áreas sertanejas. A penetração e posterior expansão do algodão no Sertão, não representou nenhum problema para a pequena pro-dução alimentar. Ao contrário, houve um processo de sustentação mú-tua. Isto pelas razões seguintes: primeiro, o algodão não é uma cultura exclusivista, podendo ser explorada em consórcio com as lavouras ali-mentares; segundo, o algodão garantia um certo grau de monetarização da economia sertaneja; terceiro, o algodão possibilitou a expansão das áreas cedidas em arrendamento e/ou parceria, no interior das fazendas de gado. O consórcio algodão-agricultura alimentar possi-bilitou, desta forma, uma maior densidade da exploração econô-mica da região sertaneja e, em conseqüência, uma também maior densidade populacional, reduzindo os efeitos da pecuária sobre a dispersão populacional e econômica da área. Do mesmo modo que no Litoral, a pequena pro-dução no Sertão desenvolveu-se inicialmente no interior do lati-fúndio e dele dependente. Sua expansão acha-se ali relacionada à expansão dos sistemas de parceria e arrendamento, formas de trabalho características da região.

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Constituído o tripé da produção semi-árida, gado-algodão-culturas alimentares, é bom lembrar que o último elo era, e con-tinua sendo, o mais frágil. Com efeito, por ocasião das secas periódicas, quem mais sofre é a produção alimentar. O algodão mocó, cultura de longo ciclo, tinha melhores condições de resistência. Daí o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) afirmar que a seca, além de um desastre econômico, era, antes de mais nada, um desastre social, pois afetava mais for-temente as reservas alimentares da população. 2.4. O Agreste policultor-pecuarista O Agreste paraibano corresponde à região situada entre o Litoral úmido e as Mesorregiões semi-áridas da Borbo-rema e do Sertão. Trata-se de uma área fortemente diversificada, tanto no que se refere aos aspectos naturais quanto ao uso da terra, às relações de trabalho e ao potencial econômico. Essa Mesorregião compreende duas grandes áreas: a) o Agreste Baixo, situado imediatamente à retaguarda do Litoral no trecho que se estende da Depressão Sublitorânea até os primeiros contrafortes da Borborema e; b) o Agreste Alto, que compreende o Brejo Paraibano, o Agreste Ocidental (à retaguarda do Brejo), as Serras do Norte (região elevada do Curimataú), e as de Natuba e Umbu-zeiro. O Brejo Paraibano se distingue como uma mancha úmida que se individualiza no interior do Agreste. O processo inicial de ocupação e de povoamento do Agreste esteve, da mesma forma que no caso sertanejo, rela-cionado ao desenvolvimento da atividade açucareira. Esta, como foi anteriormente colocado, promoveu, em seu período áureo, a separação da produção agrícola e pecuária, determinando uma divisão espacial do trabalho: o Litoral especializou-se na produ-ção do açúcar enquanto a lavoura alimentar e a pecuária passaram a ser produzidos no Sertão e no Agreste.

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A expansão do povoamento, porém, está relacio-nada, entre outros fatores, à retração da economia açucareira a partir da segunda metade do século XVII.

"Com efeito, nos períodos de retração da econo-mia açucareira houve movimentos migratórios do Litoral em direção ao Agreste, como decorrência da liberação de mão-de-obra pelos engenhos. Es-ta mão-de-obra (...) deslocou-se para a região a-grestina onde passou a dedicar-se ao cultivo de alimentos (milho, feijão, fava, mandioca) em pe-quenas propriedades: os sítios" (MOREIRA, 1990:13).

A corrente de povoamento, no entanto, ficou restrita, inicialmente, ao Agreste Baixo, em particular seguindo o vale do Rio Paraíba. A ocupação do Agreste Alto foi retardada pela conjugação de fatores tais como: vegetação de floresta, rele-vo elevado, presença de indígenas e falta de disponibilidade de capital. Mesmo assim, em virtude das condições edafo-climáticas favoráveis, “tem-se notícia da existência de engenhos no Brejo já na segun-da metade do século XVIII” (ALMEIDA, 1994:20). Contribuiu também para a ocupação do Agreste o surgimento de currais e de pontos de pouso, para gado e vaquei-ros oriundos da região sertaneja quando dos longos percursos em direção ao Litoral. Algumas cidades agrestinas daí se originaram e tiveram sua dinâmica relacionada às feiras de gado que ali se de-senvolveram. O núcleo de povoamento de Itabaiana no Agreste Baixo e a cidade de Campina Grande são dois bons exemplos desse processo. A agricultura de subsistência complementada pelo criatório (voltado para o autoconsumo) foram o suporte do pro-cesso inicial de organização do espaço agrário agrestino.

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Mudanças significativas na sua dinâmica agrária e urbana regional foram introduzidas a partir de 1780, com o avan-ço da atividade cotonicultora. Os principais efeitos do "boom" algodoeiro na organização sócio-econômica do Agreste foram a monetarização da economia, modificações no crescimento urbano regional e o povoamento efetivo da região e, com o declínio da escravidão, a

consolidação do sistema morador.21

A importância do algodão para o processo de adensamento da população no Agreste é inquestionável. Basta lembrar que, em 1782, a população da região (7.914 habitantes), representava cerca de 15% da população da capitania. Setenta anos depois, mais da metade da população paraibana estava con-centrada no Agreste, elevando-se a 111.777 habitantes. Tal cres-cimento populacional só foi possível graças a um intenso “fluxo de imigrantes, tanto dos Sertões como do Litoral, inclusive de portugueses” (ALMEIDA, 1994:21), atraídos pela disponibilidade de terras e pelas condições naturais favoráveis. O algodão continuou elemento importante nas

combinações agrícolas regionais até a década de oitenta do século

vinte. O seu maior ou menor peso nessas combinações dependia

tanto das oscilações do mercado externo quanto do interno. Po-

rém, antes mesmo da praga do bicudo, o algodão vinha perdendo

importância face à crise da indústria têxtil regional e da sua substi-

tuição pelas fibras sintéticas. Atestam esta afirmação, o declínio

das exportações de algodão pelo porto de Cabedelo e o fecha-

mento de várias unidades de beneficiamento da fibra em Campi-

na, Sapé, Mulungu e Alagoa Grande, por exemplo.

Além do algodão, outras culturas comerciais con-

tribuíram para a afirmação do Agreste como região policultora

por excelência. São exemplos: o café, o sisal, a cana, o fumo, en-

21Leia-se a respeito: MOREIRA, Emilia. “O processo de ocupação do espaço agrário paraibano”. João Pessoa, Texto do NDIHR, nº. 23, set. 1990, p. 15.

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tre outras. Enquanto a exploração do café e da cana restringiu-se

ao Brejo, a dos demais produtos expandiu-se por toda a região.

Entre estas, merece destaque a do sisal, pela sua rápida dissemi-

nação em todo o Agreste e pela sua significação na formação da

renda regional durante o período em que dominou o sistema de

uso de recursos regionais. Em virtude de suas características, a

agave expandiu-se tanto no Agreste Alto, quanto no Agreste Bai-

xo e no Curimataú.

2.4.1. O sisal O sisal é uma fibra resistente produzida pela "A-gave Rigida", planta da família das "Amarilidáceas", originária do México e da América Central. Expandiu-se no Agreste a partir de 1940. Concorreu para isto a conjuntura externa favorável (altos preços e demanda), além das condições ecológicas propícias. O impacto da expansão sisaleira na região agresti-na se fez sentir através da revalorização das terras, da abertura de novas estradas, da renovação das habitações dos proprietários de terra, com destaque para os senhores de Engenho do Brejo e, sobretudo, no nível e sazonalidade do emprego rural e nas rela-ções de trabalho. Em relação ao nível de emprego, a cultura do sisal utiliza uma mão-de-obra numerosa no período do corte e no beneficiamento da fibra: cortadores, bagaceiros, desfibradores, lavadores. Emprega tanto a força-de-trabalho adulta (homens e mulheres) como a infantil. Como o período do corte coincide com a época mais seca do ano (após o desfibramento o sisal pre-cisa secar ao sol), a cultura da agave contribuiu igualmente para reduzir o desemprego sazonal na agricultura do Agreste paraiba-no. Os trabalhadores do sisal eram trabalhadores assalariados pagos pela produção. Tal fato contribuiu de forma significativa para a monetarização das relações de trabalho na agricultura a-grestina.

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Os trabalhadores responsáveis pela retirada da folha são chamados de cortadores. O corte do sisal é feito com uma pequena foice. Uma vez cortadas, as folhas do sisal são leva-das em burros pelos "cambiteiros" até o lugar onde se encontra a desfibradeira. Esta ocupa dois "puxadores de sisal" que introdu-zem a folha na máquina e um "bagaceiro" que se encarrega de retirar o bagaço. Após o processo de desfibramento o sisal é co-locado ao sol para secar e em seguida amarrado em “molhos” para ser comercializado (MOREIRA, 1978:51). A cultura do sisal não exige grandes cuidados após o plantio. Todavia, seu corte e sua transformação, em função da grande quantidade de mão-de-obra utilizada e do emprego das desfibradeiras, cujos motores consomem óleo diesel ou são mo-vidos à eletricidade, tornam a produção onerosa. Por outro lado, além de ser um produto que só pode ser cultivado em associação com os produtos de subsistência nos primeiros anos de plantio, possui ciclo longo, necessitando de quatro anos para a primeira colheita. Isto explica o fato desta cultura ter-se concentrado nas médias e grandes propriedades do Agreste. Em virtude dos altos preços alcançados pelo pro-duto, os proprietários ampliaram rapidamente seus campos de agave. Uma vez que este, como foi visto, não podia ser cultivado em associação com outras culturas, a não ser nos primeiros anos de plantio, sua expansão se deu em detrimento das lavouras de subsistência e do algodão, (sobretudo no caso das médias propri-edades) e até mesmo da pecuária.

"Houve portanto uma conquista de terras às ou-tras culturas por parte do sisal. Na medida em que este passou a ocupar terras antes dedicadas às culturas de subsistência, contribuiu de um la-do, para o declínio do sistema de aforamento e parceria e de outro lado, para a expansão das formas assalariadas de trabalho. Com efeito, via de regra, a exploração da agave é efetuada com

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mão-de-obra assalariada que é remunerada pela produção realizada" (MOREIRA, 1990:16).

O período áureo do sisal na região restringiu-se apenas às décadas de 40 e 50. Com o declínio do preço interna-cional do sisal nos anos sessenta, devido à concorrência com o fio sintético e com o sisal africano, a área sisaleira do Agreste foi fortemente reduzida. Nos finais da década de 60, volta à região as suas antigas combinações agrícolas: policultura alimentar e co-mercial e pecuária. Embora de duração efêmera, a cultura sisaleira deixou marcas na organização sócio-espacial do Agreste. Os lu-cros do sisal permitiram inversões em “outras atividades econômicas, inclusive, nos engenhos de rapadura”, bem como melhorias nas habita-ções dos senhores de terra e dos moradores e nos equipamentos

urbanos22

(ALMEIDA,1994:30). Enquanto o algodão e o sisal se disseminaram por todas as áreas agrestinas, a cana-de-açúcar e o café tiveram o seu cultivo restrito ao Agreste Alto, em particular, à área denominada de Brejo Paraibano. Dada a importância dessa área para a eco-nomia agrária estadual, ela será objeto de uma análise mais deta-lhada. 2.4.2. A evolução da organização do espaço

agrário no Brejo Paraibano O Brejo Paraibano corresponde a um brejo de altitude de encostas voltadas para a ação dos ventos. O relevo e a posição geográfica da região contribuem para a ocorrência de um clima úmido (com pluviosidade média anual em torno de 1.500 a 1.800 milímetros e temperaturas amenas), solos férteis e uma hidrografia perene, condições estas muito favoráveis ao desen-volvimento da agricultura.

22Esses aspectos serão melhor abordados no item consagrado à evolução da organização agrária do Brejo Paraibano.

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O processo inicial de ocupação do espaço regio-nal esteve relacionado à atividade de subsistência. Como foi men-cionado anteriormente, em torno dos currais, criados no Agreste para pouso do gado que vinha do Sertão em direção ao Litoral, surgiram áreas de produção, destinadas ao abastecimento dos vaqueiros que, com as feiras de gado, acabaram por se transfor-mar em núcleos de povoamento. Ao lado da agricultura de alimentos desenvolveu-se desde cedo o cultivo da cana-de-açúcar destinada, em princí-pio, à produção do açúcar mascavo para o autoconsumo. Em seguida, uma sucessão de culturas, inclusive a própria cana, passa-ram a marcar a organização do espaço regional dando origem ao que alguns historiadores e cronistas denominam de ciclos eco-nômicos do Brejo. 2.4.2.1. A cotonicultura e a organização da

produção e do trabalho no Brejo

O algodão foi a cultura que primeiro se destacou no Brejo. Sua produção, iniciada no Agreste no final do século XVIII já constituía em 1817 o sustentáculo da economia brejeira (ALMEIDA, 1994:21). A expansão dessa cultura se deu em todos os ta-manhos de propriedade (grande, média e pequena). Isto por ser o algodão uma cultura passível de ser plantada em associação com as lavouras de alimentos, sobretudo com o feijão, o milho e a fava, produtos tradicionais da região. Deste modo, ao contrário do que viria a ocorrer com o sisal, o algodão fortaleceu a produ-ção de alimentos no Brejo. A mão-de-obra utilizada inicialmente era a escra-va. Sendo pouco numerosos na região, os escravos foram logo substituídos por trabalhadores livres e após a abolição, por mora-dores e parceiros. Estas formas de trabalho predominavam nas grandes e médias propriedades. Nas pequenas propriedades, a produção do algodão era realizada com o trabalho familiar.

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O ciclo do algodão foi responsável pela expansão do povoamento regional e pela introdução, ali, da cultura comer-cial. Isto deve-se principalmente ao fato de que, o processo de beneficiamento do algodão era controlado por comerciantes que se instalaram na região com suas famílias, engendrando de um lado um aumento da população e, de outro, a diversificação das atividades urbanas. Segundo Almeida, o impacto da expansão algodo-eira seria algo sentido:

“incrementa-se o fluxo de imigrantes, tanto dos sertões como do Litoral, inclusive de portugueses, reorganiza-se o espaço agrário e estruturam-se os primeiros núcleos com características urbanas. Antes de terminar a segunda década, já se con-solidavam no cenário brejeiro as povoações de Bananeiras, Pilões, Alagoa Nova e Areia. Es-ta última elevada à categoria de vila real em 1818” (ALMEIDA, 1994:21-22).

A hegemonia do algodão sobre a organização do espaço agrário brejeiro prolonga-se até a década de sessenta do século XIX. Nesse momento, assiste-se ao fim da “febre do al-godão” motivado, basicamente, pelo retorno dos Estados Unidos ao mercado internacional desse produto após a Guerra de Seces-são. A saída encontrada para fazer face à crise da ativi-dade algodoeira foi a expansão da atividade canavieira, presente nas combinações agrícolas regionais ao lado da agricultura ali-mentar, desde o processo inicial de ocupação.

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2.4.2.2. A cana-de-açúcar e sua importância na organização da produção e do trabalho no Brejo

Embora cultivada desde o princípio do processo de ocupação, paralelamente às culturas alimentares, a cana-de-açúcar não foi dominante no sistema de uso de recursos regional em razão, seja da distância do Litoral, seja da falta de capital. Só com o declínio do algodão, a cana torna-se a cultura principal do Brejo. A sua expansão foi possível, não só graças às condições naturais propícias ao seu cultivo aí existentes (clima quente e ú-mido e solos férteis), como também ao capital acumulado duran-te o ciclo algodoeiro e à estratégia adotada de produzir para o mercado interno. Ao substituir o algodão ela deu origem ao "ci-clo da cana" no Brejo. Da mesma forma que no Litoral, a unidade de produção da atividade canavieira do Brejo era o Engenho. Se-gundo Almeida, os primeiros Engenhos eram muito rústicos, correspondendo a “engenhocas com trapiches totalmente em madeira, cujas fábricas eram palhoças montadas sobre as armações das almanjarras” (ALMEIDA,1994: 20), movidos à tração animal. Inicialmente produzia-se unicamente o açúcar mascavo, suficiente apenas para o autoconsumo. Pouco a pouco a rapadura substituiu em impor-tância o açúcar, tornando-se o principal produto, seguido da a-guardente. Embora as fases do processo de produção da rapadura não tenham sofrido grandes alterações ao longo do tempo, algumas modificações foram observadas na sua base téc-nica de produção: a moenda passou a ser de ferro e os cilindros antes montados no sentido vertical passaram a ser montados no sentido horizontal; os antigos Engenhos à tração animal foram substituídos primeiramente pelo Engenho a vapor, depois pelo de motor a óleo diesel e finalmente pelo de motor elétrico. As resfriadeiras que eram anteriormente de madeira foram substituí-das pelas cubas de cobre.

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Segundo informações colhidas num dos Enge-

nhos da região23

, o processo de produção da rapadura compre-endia as seguintes etapas: a) a preparação do terreno. A preparação do ter-reno constituía a primeira fase do processo. Esta, mesmo no apogeu do ciclo da cana, permanecia praticamente a mesma do período de introdução da cultura na região, compreendendo: a derrubada da mata (quando se tratava de incorporação de área), a

limpeza do terreno e o "encoivaramento".24

Praticamente ne-nhuma operação mecanizada era utilizada. O plantio da cana se iniciava em maio e estendia-se até agosto. Era efetuado tanto pelos moradores como por pessoal contratado temporariamente; b) o corte da cana. Esta etapa era realizada 12 a 15

meses após o plantio, ficando a soca25

. O período de corte ou colheita da cana se iniciava no mês de agosto e estendia-se até fevereiro do ano seguinte. Era nesta época que os Engenhos do Brejo produziam a rapadura. No corte da cana utilizava-se a mão-de-obra dos moradores, complementada pela de trabalhadores assalariados temporários; c) a limpa. Para um melhor desenvolvimento dos canaviais era comum fazer-se duas ou três limpas ao ano; d) o transporte da cana para o Engenho. Cortada, a cana era transportada até os Engenhos pelos "cambiteiros" (trabalhadores responsáveis pelo transporte da cana); e) a moagem. A cana era moída duas vezes para obter a maior quantidade possível de caldo (também conhecido por "garapa"). Eram dois os trabalhadores ligados diretamente ao processo de moagem: um "cevador" ou "tombador", que coloca-

23Essas informações foram obtidas através de pesquisa de campo realizada por MOREIRA, Emilia de Rodat F., para sua monografia de Maîtrise realizada na Universidade de Nanterre-Paris X. 24"Encoivaramento": processo tradicional de queima do mato. 25"Soca": pedaço da cana que fica no solo após o corte e que pode rebrotar duas vezes ou mais, a depender de certas condições. A cana do primeiro ano é chamada no Brejo de "planta" ou "primeira folha"; a do segundo e terceiro cortes se nomeia "soca" ou "segunda folha" ou "terceira folha".

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va a cana na moenda e um "virador de banda" que recebia o ba-gaço que saía da moenda e o retornava ao cevador para realizar a segunda prensagem. O caldo escoava para um tanque de alvenaria ou de madeira situado atrás da moenda. Do tanque ele passava por um cano e se depositava num tacho de cobre que ficava na fornalha; f) a secagem do bagaço. O bagaço da cana era estendido para secar no exterior do Engenho. O local onde este ficava exposto ao sol denominava-se "bagaceira". Seu transporte do Engenho para a bagaceira era realizado em "bangüês" pelos "bagaceiros verdes". Os trabalhadores que se ocupavam de revi-rar o bagaço para estes secarem mais rapidamente eram denomi-nados de "bagaceiros secos". Uma vez seco ele era transportado para a fornalha onde era utilizado como combustível; g) o cozimento do caldo. O cozimento do caldo

era feito nas fornalhas, em tachos. Regra geral existiam cinco

taxos fixados sobre a fornalha. O primeiro, recebia o caldo que

escorria do tanque e era chamado de "parol". Era no parol que o

caldo passava pela primeira fervura. Do parol, o caldo ia para a

"caldeira"(segundo tacho) para a retirada das impurezas. Estas

eram retiradas pelo "caldeireiro" com uma espécie de colher de

sopa presa a um cabo de madeira chamada "vasculhadeira". Era

ainda com a vasculhadeira que o caldeireiro transferia o caldo de

um tacho para outro. Da caldeira ele passava para o "caldeirote"

(tacho menor que o parol e a caldeira) onde tinha início o pro-

cesso de transformação do caldo em mel ("apuração"). A "apura-

ção" se completava num outro recipiente chamado "apuradeira"

de onde o mel sai para o "tacho de boca" ou "cuba". Era na cuba

que o mel acabava de ser cozido. O trabalhador responsável pelas

caldeiras e que dava o ponto ao mel era denominado de "mestre

de rapadura";

h) o resfriamento e a coagulação do mel. Uma vez

cozido, o mel era transferido da cuba para as "resfriadeiras" que

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consistiam em três tachos, igualmente em cobre, menores que os

tachos de cozimento, onde o mel era depositado para resfriar.

Nas resfriadeiras o mel era "batido" pelos "banqueiros" com uma

pá de madeira de cabo longo, até a coagulação. Em seguida, o

mel coagulado era colocado em fôrmas de madeira com formato

de grades retangulares;

i) o corte e a embalagem da rapadura. Uma vez

secas, as rapaduras eram cortadas pelos "banqueiros" e embaladas

em pilhas de 50 a 100 unidades. Esta embalagem era feita com as

folhas trançadas da palmeira catolé, muito comum na região. A-

pós embaladas, as rapaduras estavam prontas para serem comer-

cializadas26

.

A rapadura produzida no Brejo era vendida para os Sertões do Estado da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

" Os sertanejos vinham ao Brejo em comboios de burros que serviam para transportar a rapadura. Para se alimentar durante a viagem e também para vender aos habitantes do Brejo, eles trazi-am a carne seca de bode. Os comboios de burro partiam da região carregados de rapadura e de aguardente além dos cereais ali produzidos: fei-jão, fava, milho e a farinha de mandioca. O Brejo torna-se um verdadeiro celeiro do Sertão" (MOREIRA, 1990:18).

O trabalho na lavoura canavieira era realizado tanto por escravos quanto por homens livres. É bem verdade que a escravidão no Brejo não teve a mesma importância que no Li-

26Em anos recentes, alguns Engenhos passaram a produzir também um outro tipo de rapadura: a "rapadura de açúcar". Esta, de gosto e qualidade diferentes da rapadura de cana tem um processo de fabricação mais simples e utiliza uma mão-de-obra mais reduzida. A matéria-prima usada é o açúcar, de onde se extrai o xarope ao qual são anexados produtos químicos e tintura vegetal para provocar a coagulação do mel e a coloração.

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toral. Porém ela não pode ser negligenciada. Em 1851, a popula-ção escrava de Areia, Alagoa Nova e Bananeiras representava 10% da população total destas áreas. Com o declínio da escravi-dão, firma-se o sistema de morada que irá dominar as relações de trabalho. As condições de vida dos moradores eram precá-rias. Estavam sujeitos a um regime de trabalho extenuante e submetidos a baixo nível de remuneração. As casas dos morado-res eram de taipa, cobertas de palha (folhas de catolé) e de chão batido. As residências encontravam-se dispersas pelas proprieda-des, forma de garantir a vigilância gratuita das mesmas. Malgrado a intensidade do nível de exploração e a dureza do trabalho na moenda, este tipo de atividade era a mais procurada pelos trabalhadores, principalmente durante o período de fabricação da rapadura. Dentre as causas que explicam este fato pode-se assinalar: a) a questão do salário: uma jornada de trabalho no Engenho valia mais ou menos o dobro de uma jornada de trabalho nos canaviais; b) o período de fabricação da rapadura: este coin-cidia com a época seca na região, fase de pouca atividade na agri-cultura de subsistência. Entre ficar sem trabalhar e efetuar uma atividade remunerada nos Engenhos, os trabalhadores não ti-nham muita escolha; c) a possibilidade de completar a ração alimentar da família com a rapadura. Era comum nos Engenhos que os trabalhadores se alimentassem de rapadura e também recebessem uma pequena quantidade para distribuir com os familiares. O senhor de Engenho do Brejo não detinha o mesmo prestígio social e econômico do senhor de Engenho do Litoral. Isto não só pelo fato de ser proprietário de menores su-perfícies, como também pelo tipo de produto produzido, a rapa-

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dura e a aguardente, destinados exclusivamente ao mercado in-terno. A residência dos senhores de Engenho são testemunhos desse fato. Situada nas proximidades do Engenho, “a casa-grande era uma construção rústica, de piso de tijolo de alvenaria, coberta de telha-vã” (ALMEIDA & ALMEIDA, 1995:101-103). Porém, localmente, eram eles que detinham o poder político e econômi-co. O ciclo da cana entrou em declínio na região a partir do final da última década do século XIX. Teriam contribu-ído para isso: a) a elevação dos impostos cobrados à rapadura que saía do Estado, por determinação da Assembléia estadual. O resultado teria sido a perda do mercado consumidor do Rio Grande do Norte; b) a concorrência com a rapadura produzida no Sertão. A construção de açudes no semi-árido paraibano, possibi-litou o surgimento das engenhocas sertanejas, presentes ainda hoje na paisagem daquela região. De consumidor da rapadura e da aguardente do Brejo, o Sertão passou à condição de produtor, garantindo parte do seu abastecimento; c) as doenças que afetaram os canaviais, em parti-cular a praga da "gomose". A cana caiana, única espécie cultivada no Brejo durante muito tempo, foi atingida pela doença da go-mose que a destruiu quase que completamente. Os Engenhos sofreram o efeito desta destruição e ficaram de "fogo morto" durante duas ou três colheitas. Os senhores de Engenho se endi-vidaram; muitos hipotecaram suas terras. Era o fim do primeiro ciclo da cana na região. A saída encontrada por alguns senhores de Enge-nho para superar a situação de dificuldade financeira na qual se encontravam, foi o rompimento com a monocultura da cana e a introdução de uma nova cultura de exportação bastante valoriza-da no mercado internacional: o café.

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2.4.2.3. E o café substitui a cana dando ori-gem a um "novo ciclo econômico"

O cafeeiro é um arbusto da família das rubiáceas (Coffea arabica), originário da Arábia. O seu cultivo no Brejo Paraibano foi possível graças às condições de clima e solo regio-nais razoavelmente favoráveis ao seu desenvolvimento. A introdução do café no Brejo data do século XIX. Ao longo da segunda metade desse século, ele se expande na região. Segundo Celso Mariz, municípios como Bananeiras, Alagoa Nova, Serraria e Areia chegaram a possuir cerca de 6 mi-lhões de cafezais. Bananeiras sozinho atingiu a produção de 150 mil arrobas (MARIZ, 1978:54). O período áureo do café teve curta duração. Em 1920, uma praga denominada "Cerococus Parahybensis" se alas-trou pelos cafezais, dizimando-os em menos de cinco anos. José Rufino de Almeida assim descreve a praga:

“Só aquele que viu pode aquilatar a fúria des-truidora da terrível praga. Sítios ainda indenes, em poucos meses apresentavam-se aos nossos o-lhos como se fortíssima queimada tivesse passado sobre eles. Despiam-se vertiginosamente todas as folhas. Caíam os frutos. Ressequiam-se os ra-mos. Parecia uma coisa tangida por mãos diabó-licas e invisíveis. Ia de sítio em sítio, de gruta em gruta; ora apontando aqui mais fraca para sur-gir além, terrível, impetuosa, avassaladora. (...) Como se vê, a praga abrangia quase toda zona cafeeira do Estado. O seu avanço perigoso, pare-cia levar uma finalidade única: matar o último pé de café, no último socavão de gruta” (AL-MEIDA & ALMEIDA, 1995:95-97).

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Várias iniciativas malogradas foram feitas para tentar conter a praga. A este respeito José Rufino assim se refere:

“Medidas sem conta foram tomadas ao alcance da grei: cal, pulverizações, retirada das sombras, etc. Não ficaram parados como injustamente se alega. Nada surtiu efeito. Pediu-se socorro. Apelou-se para os poderes públicos, indiferentes como sempre às necessidades do agricultor. Na-da. Desanimava-se. Vendiam-se propriedades por pouco mais ou nada” (ALMEIDA & ALMEIDA, 1995:95).

Essencialmente agrária e dependente do mercado ora interno, ora externo, a região do Brejo volta-se, com a crise de acumulação provocada pela desarticulação da produção cafeei-ra, para as suas combinações agrícolas tradicionais: agricultura de subsistência, cana e gado. Concomitantemente, alguns proprietá-rios rurais tentaram desenvolver outras culturas de mercado co-mo o fumo em estufa e a amoreira para a produção do bicho da seda. Estas experiências, por motivos vários, acabaram frustradas. Diante de tal insucesso, eles voltaram a investir na atividade cana-vieira dando origem a um novo período de hegemonia desta cul-tura. 2.4.2.4. Cana e sisal: uma combinação "bizarra" Este segundo momento de expansão da atividade canavieira no Brejo irá caracterizar-se pela coexistência dos En-genhos de rapadura com as Usinas de açúcar. Duas Usinas foram instaladas na região nos fins dos anos 20 e início dos anos 30: a Tanques, em Alagoa Grande e a Santa Maria, em Areia.

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Da coexistência desses dois sistemas agrícolas resulta uma mudança qualitativa no conjunto do sistema açucarei-ro regional, mudança esta que irá se exprimir através da domina-ção da Usina sobre o Engenho. Esta dominação manifesta-se através: a) da expansão da área cultivada com a cana. Esta expansão deu-se a partir do arrendamento ou da compra de En-genhos pela Usina. Deste modo ela assegurava uma parte da ma-téria-prima que utilizava na sua produção. Se a Usina dependesse unicamente da cana produzida e fornecida pelos Engenhos, estes seriam livres para cessar seu fornecimento no momento que de-sejassem ou no momento em que os interesses da Usina contrari-assem os seus. Produzindo sua própria matéria-prima a Usina fortificava sua relação de dominação sobre os Engenhos.

"Por outro lado, dividir o abastecimento da U-sina com os fornecedores de cana era uma forma do usineiro reduzir os riscos das oscilações vio-lentas do preço internacional do produto, ficando os riscos maiores para a lavoura, mesmo que os usineiros financiassem a produção dos fornecedo-res” (SOBRINHO, 1941:13).

b) da determinação do preço da cana. No mo-mento em que os Engenhos passaram a fornecer cana à Usina eles passaram também a receber pela cana o preço determinado por esta. O processo de subordinação e dependência dos Enge-nhos em relação às Usinas se aprofunda.

“A intervenção estatal através da Comissão de Defesa da Produção do Açúcar e posteriormente do Instituto do Açúcar e do Álcool, visando es-tabilizar o mercado pelo tabelamento da cana, pela limitação da produção e estabilidade do pre-ço do açúcar, por sua vez, favoreceu a expansão da produção da cana das usinas em detrimento do interesse dos fornecedores” (TARGINO, 1978:83).

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A resposta encontrada pelos senhores de Enge-nho do Brejo para resistir à dominação da Usina foi aderir ao cultivo do sisal o qual, como foi visto, contava naquele momento com uma boa recepção no mercado internacional. Assim, a partir de 1940 até os fins dos anos 50 o sisal e a cana partilharam o es-paço agrícola do Brejo originando, segundo Nilo Bernardes, "uma das mais bizarras combinações agrícolas jamais vista no Brasil" (BER-NARDES, 1958:44). Foi porém o sisal que teve maior importân-cia para a economia do Brejo nesse período. Com o declínio da atividade sisaleira a partir do final dos anos 50, a cana-de-açúcar voltou a constituir-se no prin-cipal produto agrícola regional. A partir de então o sistema açuca-reiro do Brejo caracterizar-se-á pela dominação da Usina. Sem alternativa que permitisse sua independência em relação à Usina, a grande maioria dos senhores de Engenho colocaram em segundo plano a produção da rapadura e trans-formaram-se em meros fornecedores de cana. No início dos anos 70, poucos eram os Engenhos ainda em funcionamento na região e o sistema morador, característico da atividade canavieira regio-nal, encontrava-se em processo de decadência. A atividade canavieira do Brejo, como de resto em todo o país, será revigorada com a implantação do Proalcool em 1975, reforçando a dominação das Usinas sobre todo o espa-ço agrário regional. Com o fim do Proalcool, a economia brejeira entra em crise, buscando, atualmente, novas formas de uso de recursos que permitam a sua revitalização (GONDIM, 1995). 2.4.2.5. A pequena produção de alimentos no

Agreste Presente no Agreste desde os primórdios da or-ganização do espaço agrário regional, a pequena produção de alimentos se constituiu sempre uma atividade complementar. Sua expansão ou retração encontrava-se na dependência do processo de expansão ou retração das culturas de mercado. Produzida

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principalmente por moradores, parceiros e pequenos proprietá-rios, desenvolveu-se no interior das médias e grandes proprieda-des e nos seus limites. Conviveu com a cultura do algodão em todos os padrões de propriedade; retraiu-se aos limites das pe-quenas e médias unidades de produção durante o período áureo da agave. Sempre ocupou os poros da atividade monocultora. A fruticultura, além do milho, do feijão, da mandioca e, em algumas áreas, da horticultura, são as lavouras de maior importância. É importante ressaltar que entre as quatro Mesor-regiões do Estado, é no Agreste onde a pequena produção possui maior importância relativa tanto econômica como social. Com efeito, é nesta região onde se encontram os mais baixos índices de concentração fundiária do Estado. Com certeza, o peso da pequena produção no contexto da organização do espaço agrestino foi um dos fatores responsáveis pelo adensamento populacional dessa região, em particular, na zona rural. Do exposto até o presente, depreende-se que o processo de ocupação, povoamento e organização da produção agropecuária, atuando sobre a diversidade do quadro natural, engendrou, ao longo do tempo, espaços agrários bastante dife-renciados no interior das três grandes unidades espaciais aqui referenciadas. Em 1970 podia-se identificar treze regiões agrárias fortemente individualizadas no Estado (MOREI-RA,1988 e 1989). A partir dos anos 70, o processo de “moderniza-ção conservadora” da agricultura embora mais atenuado na Para-íba, do que em outros estados (sobretudo do Centro-Sul), foi responsável por mudanças profundas na base técnica e na orga-nização da produção agropecuária, na distribuição da posse da terra, na dinâmica da população e do emprego rural, nas formas de organização e de luta da classe trabalhadora que redundaram numa nova reestruração do espaço agrário estadual. Os próximos capítulos deter-se-ão na análise dessas mudanças e nos impactos por elas causados.

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QUADRO I

ESTADO DA PARAÍBA INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE AS USINAS DO LITORAL PARAIBANO COM DES-

TAQUE PARA A TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE

NOME ORIGINAL DA USINA

LOCALIZA-ÇÃO

DATA DA FUNDAÇÃO

FUNDADOR ADQUIRENTE DATA DA AQUISIÇÃO

NOVO NOME

Cumbe Santa Rita 1910 Arquimedes C. de Oliveira

Flávio Ribeiro Coutinho

1922 Usina Santa Rita

Bonfim Sapé 1917 Gentil Lins Renato Ribeiro Couti-nho na condição de tutor dos irmãos

1922 Usina Santa Helena com sede em Sapé

São Gonçalo ou N. Sra. do Patrocínio

Cruz do Espírito Santo

José Galvão de Mello

Renato Ribeiro Coutinho na condição de tutor dos irmãos

1922 Usina Santa Helena com sede em Sapé

Engenho Central São João

Santa Rita 1888 Companhia de Engenhos Centrais

Herdeiros de João Úrsulo Ribeiro Coutinho

1914 Usina São João

Pedrosa Santa Rita 1922 Manuel Sebastião de Araújo Pedrosa

Flaviano Ribeiro Coutinho

1925 Usina Santana

Espírito Santo

Cruz do Espírito Santo

Adalberto Ribeiro Renato Ribeiro Couti-nho na condição de tutor dos irmãos

1922 Usina Santa Helena com sede em Sapé

Fonte: SANTANA,1990.

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QUADRO II QUANTIDADE EXPORTADA (ARROBA) DE AÇÚCAR

E ALGODÃO PELO PORTO DA PARAÍBA 1835-1862

ANOS AÇÚCAR ALGODÃO

1835/36 116.655 99.804

1836/37 88.246 119.541

1837/38 93.668 109.025

1839/40 98.649 58.870

1840/41 187.336 70.560

1841/42 88.952 58.765

1842/43 122.768 97.010

1843/44 115.175 98.108

1844/45 147.857 128.127

1947/48 153.207 90.721

1852 --- 81.402

1853 156.398 ---

1854 305.082 195.665

1855 96.400 255.492

1857 684.933 188.741

1858 675.870 190.534

1859 914.843 243.187

1860 405.194 178.267

1861 599.594 187.787

1862 889.890 184.973 Fonte: PINTO, 1977. v. 2.

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3. MODIFICAÇÕES RECENTES NA ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA

“Cadê você meu país do Nordeste que eu não vi nessa Usina Central Leão /de minha terra? Onde está a alegria das bagaceiras? O cheiro bom do mel borbulhando nas ta-chas? A tropa dos pães de açúcar atraindo arapuás? Onde é que mugem os meus bois trabalha-dores? Onde é que cantam meus caboclos lamban-ceiros? Onde é que dormem de papo para o ar os bebedores /de resto de alambique? E os senhores de espora? E as sinhás-donas de cocó? E os cambiteiros, purgadores, negros quei-mados na fornalha? Ah! Usina Leão, você engoliu os bangüezinhos do país das Alagoas!”

Versos de Jorge de Lima

No início dos anos 70, conforme análise anterior, podia-se identificar diferentes formas de organização da produ-ção agropecuária na Paraíba. No Litoral, a cana-de-açúcar era cultivada em grandes propriedades situadas nas várzeas dos rios conseqüentes que cortam a região, enquanto a policultura alimen-tar era praticada em associação com o coco-da-baía sobre os ta-

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buleiros costeiros, por pequenos produtores rurais. No Agreste, a policultura alimentar e comercial era complementada, nos mais diversos graus, pela atividade pecuária, originando uma organiza-ção bastante diversificada do espaço agrário. No Brejo, a cana-de-açúcar partilhava a paisagem com a policultura comercial e a pro-dução de alimentos. No Sertão, o algodão, a pecuária extensiva e a policultura alimentar, determinavam a organização da produção regional. O processo de modernização da agricultura, leva-do a efeito na Paraíba a partir de 1970, foi responsável por pro-fundas alterações nessa dinâmica da organização da produção. Isso porque ele promoveu a substituição tanto de culturas ali-mentares e de matérias-primas destinadas ao abastecimento do mercado interno, quanto da vegetação natural de mata, cerrado e caatinga, seja pela cana-de-açúcar, seja pelo pasto plantado.

"Este movimento não constitui apenas uma me-ra mudança no uso do solo. Ele é bem mais sig-nificativo na medida em que se considera que as explorações da cana e da pecuária constituem as duas novas formas concretas assumidas pelo ca-pital no processo recente de sua dominação sobre a agricultura paraibana" (MOREIRA, 1988: 269).

Neste capítulo, procura-se estudar essa dinâmica, buscando apreender em linhas gerais os efeitos da expansão da cana-de-açúcar e da pecuária sobre o meio ambiente, a produção de alimentos e de matérias-primas, a paisagem rural e o emprego no campo. Estuda-se também o comportamento de outras cultu-ras industriais como o sisal, o algodão, o coco-da-baía e o fumo na década de 70 e o desempenho da produção agropecuária nos anos 80 e início da década de 90. Busca-se ainda analisar a crise atual da economia canavieira e seus efeitos tanto sobre a organi-

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zação da produção agropecuária como sobre as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora. 3.1. A expansão canavieira (1970/1986) Até 1970, as áreas de maior concentração da cana-de-açúcar no Estado situavam-se no Litoral, abrangendo os mu-nicípios de Mamanguape, Sapé, Santa Rita, Cruz do Espírito San-to, São Miguel de Taipu, Juripiranga, Caaporã e Pedras de Fogo e, no Brejo, onde se distinguiam os municípios de Borborema, Ser-raria, Pilões, Cuitegi, Alagoinha, Areia, Alagoa Grande e Alagoa Nova (v. mapas de cana-de-açúcar in: MOREIRA, 1996). Essas duas subunidades espaciais contribuíram, naquele ano, com 96,3% do valor total da produção paraibana de cana-de-açúcar e concentraram cerca de 90,0% da superfície cultivada com esse produto no Estado. O plantio da cana era restrito às áreas de condi-ções naturais mais favoráveis, tais como as áreas úmidas do Brejo e as várzeas mais largas do Litoral. Os tabuleiros costeiros consti-tuíam um limite natural à expansão da cana, em função, sobretu-do, da baixa fertilidade dos seus solos. No Brejo, o relevo movi-mentado, de encostas íngremes, constituía também um obstáculo natural ao avanço da cana. Esta destinava-se, ali, à produção da rapadura e da aguardente. Em 1975, foi criado o Programa Nacional do Ál-

cool (PROALCOOL)27

apoiado numa forte política de incentivos fiscais e creditícios. Os incentivos do Proalcool destinavam-se tanto à produção industrial quanto à agrícola. Em relação ao segmento industrial, o Programa financiava até 80% do valor do

27 O Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) foi criado em novembro de 1975, através do Decreto Lei nº. 76.593/75, no contexto de um esquema alternativo proposto pelo governo brasileiro para enfrentar a crise energética decorrente da alta dos preços internacionais do petróleo. O Proalcool visou também a recuperação do setor açucareiro (que vinha enfrentando séria crise com a queda do preço do açúcar no mercado internacional) e estimular o setor automobilístico, o qual, por redução de demanda e de queda de lucratividade, sentia-se ameaçado.

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investimento fixo, no caso das destilarias que utilizassem a cana-de-açúcar como matéria-prima. Os encargos financeiros engloba-vam juros de 4% ao ano para as destilarias anexas e de 3% para as autônomas na área da SUDENE/SUDAM e uma correção mo-netária equivalente a 40% da variação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). Em relação ao setor agrícola, havia os financiamentos de investimento para fundação ou am-pliação de lavouras (preparo do solo, plantio e tratos culturais até a primeira safra) e financiamento de custeio para despesas relati-vas às socas ou às ressocas. O Programa financiou entre 80% e 100% do valor total do projeto, cobrando juros que variavam entre 10% (custeio para pequeno produtor) e 26% (investimento para o grande produtor), sem cláusula de correção monetária. Tais condições de financiamento em uma economia sob processo inflacionário equivaliam, na verdade, a juros negativos para a a-groindústria (TARGINO & MOREIRA, 1992). Para que se tenha uma idéia mais precisa do que significou o Proalcool em termos de investimento industrial no Estado, é suficiente destacar que:

"os recursos dele provenientes para financiar a indústria sucro-alcooleira entre 1975 e 1985 re-presentaram, aproximadamente, 40% do total dos financiamentos do FINOR, no mesmo perí-odo, para o conjunto do setor industrial paraiba-no. O aumento da capacidade produtiva do seg-mento industrial da agroindústria sucro-alcooleira, cuja realização da produção passou a ser garantida pelo Programa, estimulou o cresci-mento do segmento agrícola. Estímulo esse refor-çado pelos recursos destinados à fundação ou re-forma dos canaviais" (TARGINO & MO-REIRA, 1992: 549).

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Os estímulos fornecidos pelo governo Federal através do Proalcool permitiram a expansão da cana não só sobre os tabuleiros costeiros e encostas do Brejo, como sobre municí-pios do Agreste Baixo, do Agreste Ocidental e do Piemonte da Borborema. Em outras palavras, o rompimento da barreira eco-lógica constituída pelos tabuleiros e encostas íngremes do Brejo, tornou-se possível a partir do momento em que "os preços do açú-car, e posteriormente do álcool, compensaram os investimentos necessários para a aquisição de novas terras, a modernização dos equipamentos, a am-pliação do emprego de fertilizantes, herbicidas e de outras variedades de cana mais adaptadas às novas condições ecológicas " (EGLER & TAVARES, 1984: 11). Apreende-se daí que: a) a dependência dos condicionantes naturais é inversamente proporcional ao desenvolvimento das forças pro-dutivas. Quanto maior o desenvolvimento das forças produtivas, menor se torna a dependência da organização da produção ao meio físico; b) a produção canavieira na Paraíba cresceu a par-tir do Proalcool, à sombra dos subsídios governamentais e do mercado regulamentado. A expansão da cana-de-açúcar no Estado já podia ser observada em 1980. A produção da cana, antes restrita a quinze municípios do Litoral e do Brejo, avançou sobre outros municípios destas regiões, estendeu-se pelo Agreste Baixo e Pie-monte da Borborema, incorporando em sua passagem mais de vinte municípios, promovendo assim uma "homogeneização da paisagem rural". Essa homogeneidade, que irá se refletir na paisa-gem através do verde dos canaviais, compreende igualmente a incorporação da dinâmica interna do processo produtivo (v. ma-pas de cana-de-açúcar e esboços cartográficos in: MOREI-RA,1996).

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O crescimento da área de cana colhida entre 1970

e 1980 foi equivalente a 113,6%28

, o que significou a incorporação de mais de 45 mil hectares de terra pela cana. Deste total, 74% foi incorporado entre 1975 e 1980. Nesse período, o crescimento anual da área colhida com cana-de-açúcar no Estado foi de

10,5%.29

Como pode ser visto no quadro III, entre 1981 e 1986 a cana expandiu-se por mais 58.000 hectares (a área colhida de 120 mil hectares, passou para 178 mil hectares). A produção, por sua vez, de 1.433.245 toneladas em 1970, atingiu 3.057.112 toneladas em 1980, o que significou um aumento absoluto de 1.623.867 toneladas (113,3%). Só no período de 1975/1980 esse aumento da produção foi equivalente a 61,0%, o que correspondeu a um crescimento de 10% ao ano. Em 1986, a produção de cana do Estado já equivalia a 10,7 mi-

lhões de toneladas (v. quadro III).30

Os municípios que mais se destacaram nessa ex-pansão foram os que compõem a franja litorânea como Mataraca, Rio Tinto, Lucena, João Pessoa, Conde, Alhandra, Pitimbu e Caaporã. No Agreste, a cana avançou sobre os municípios de Gurinhém, Caldas Brandão, Pilar, Itabaiana, Mulungu e Guarabi-ra, entre outros, na sua maioria sem tradição canavieira (v. mapas de cana-de-açúcar in: MOREIRA, 1996). Desse modo, sob o Proalcool, ocorreu uma rede-finição da região canavieira do Estado, seja pela incorporação de novos municípios, seja pela expansão da fronteira canavieira in-

28De 40.007 hectares passou para 85.455 hectares. FIBGE. Censos Agropecuários da Paraíba, 1970 e 1980. 29A área colhida de cana nem sempre representa o total da área plantada. As diferenças nas datas de plantio permitem que certos partidos não se encontrem em idade de corte no momento da colheita. Se este aspecto for levado em conta, pode-se inferir que a incorporação de terras pela cana entre 1970 e 1980 pode ter sido ainda maior do que a cifra enunciada. 30Cf. FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1986. Vale destacar que o crescimento da produção e da área cultivada com cana até aqui enunciados, incluem o conjunto do Estado. Ou seja, aí estão embutidas as informações relativas às áreas de produção de cana do Sertão. A importância dos dados relativos ao Sertão, porém, se comparados aos identificados para o Litoral, Agreste e Brejo, tornam-se insignificantes. Isso, apesar da importância local assumida pela produção de rapadura e aguardente nas engenhocas sertanejas.

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clusive nos municípios tradicionalmente produtores de cana. Considerando a importância dessa cultura em nível dos municí-pios, definiu-se a “Zona Canavieira Moderna” do Estado. Esta, estende-se do Litoral até os limites ocidentais do Brejo Paraiba-no, compreendendo 38 municípios (v. mapas de cana de açúcar in: MOREIRA,1996). Ela engloba áreas que apresentam as me-lhores aptidões agrícolas do Estado (várzeas do Litoral, e porções do Agreste-Brejo) ou que são favoráveis à mecanização em virtu-de da topografia tabular ou suavemente ondulada (tabuleiros e várzeas do Litoral). Nesta Zona, a produção de cana que era de 1.371.384 toneladas em 1970, alcançou 5.510.425 toneladas em 1985, o que representou um crescimento da ordem de 302,0%; a superfície de cana colhida cresceu 215,0% no mesmo período (de 37.225 hectares, para 117.187 hectares). O estudo comparativo do uso do solo no Litoral Sul da Paraíba entre 1974 e 1985, realizado com base na análise de fotografias aéreas, permite visualizar melhor este processo de expansão da cana. Observando-se no Atlas de Geografia Agrária do Estado o esboço cartográfico relativo ao Litoral Sul, constata-se que, em 1974, a produção da cana restringia-se às várzeas dos rios Goiana, Paraíba, Mumbaba e Miriri. As áreas estuarinas e os trechos de domínio do tabuleiro eram ocupados por vegetação de mangue e pela vegetação de mata e de cerrado dos tabuleiros, intercalada por manchas de culturas alimentares e comerciais (v. esboço cartográfico in: MOREIRA,1996). As fotografias aéreas de 1985 permitem identificar o novo percurso seguido pela cana, a qual, em sua passagem, substituiu grande parte da vegetação natural e importantes tre-chos tradicionais produtores de alimentos, inclusive de abacaxi e de coco-de-praia (v. esboço cartográfico in: MOREIRA,1996). Observando mais em detalhes o caso específico do município de Sapé, constata-se que a cana-de-açúcar, entre 1974 e 1985 tanto substituiu grande parte da vegetação de cerra-do e mata ali encontrada, como culturas alimentares e o abacaxi,

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produto comercial de grande peso na economia municipal (v. esboço cartográfico in: MOREIRA,1996). No início dos anos 90, a Paraíba colocava-se co-mo quarto maior produtor de cana no ranque nacional, com uma participação de 4,8% do total produzido. A participação da cana-de-açúcar na composição do valor da produção agrícola estadual em 1990, de 45,7%, foi a mais alta entre todos os produtos das lavouras permanente e temporária. O peso da importância assumida pela expansão da cana no Estado pode ser também avaliado na medida em que se analisa o comportamento da produção de álcool e do parque industrial sucro-alcooleiro a partir de 1975. A produção de álcool, de apenas 806 mil litros na safra de 1975/76, alcançou, na safra de 1984/85, a cota de 229,3 milhões de litros (POLARI, 1990:06). Até a implantação do Proalcool, a Paraíba contava com sete Usinas de açúcar, algumas dezenas de Engenhos, na sua maioria em estado de decadência, e com apenas três destilarias de álcool, sendo duas delas anexas e uma autônoma. De 1975 a 1985, dez novas destilarias foram im-

plantadas e as pré-existentes foram ampliadas (v. Quadro IV).31

O resultado foi:

"o aumento da capacidade de produção do álcool da ordem de 250 milhões de litros ao ano, e uma inversão de capital de cerca de 175,8 mi-lhões de dólares, a preço de 1989, 70,0% dos quais originados de recursos do Proalcool" (POLARI, 1990:6).

Do exposto, alguns aspectos merecem ser realça-dos. Em primeiro lugar, o fato de que a intervenção protecionista do Estado na atividade canavieira a partir de 1975, através do Proalcool, foi fundamental para garantir a sobrevivência do setor

31Não estão contabilizadas aqui as destilarias de aguardente, só as de álcool.

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açucareiro paraibano. Em segundo lugar, chama-se a atenção para o período de 1980/1986 por coincidir com a maior parte da fase de crise do crédito agrícola subsidiado no Brasil, cujo volume foi reduzido em mais de 50% entre 1979 e 1984.

"(...) entre 1979 e 1984 o volume de crédito foi reduzido em mais de 50%. Praticamente todos os itens foram atingidos (...). Em 1984, o valor do crédito foi pouco superior a 1/5 do registrado em 1979 (...), entre 1980 e 1984, a redução do crédito de custeio foi da ordem de 40% e a do crédito de comercialização chegou perto de 70%” (BUTTEL,1989:08,apud,LIMA,1994:17).

Essa redução do volume do crédito agrícola, pelo menos até 1986, parece não ter afetado a atividade canavieira paraibana. Como foi visto, entre 1980 e 1986 o crescimento da produção e da área colhida com cana-de-açúcar prosseguiu em escala vertiginosa. O que explicaria tal comportamento? Para George Martine, a retração do crédito nesse primeiro momento não teria desestimulado a produção agrope-cuária brasileira. Isso porque, segundo ele, "a retirada do crédito subsidiado genérico foi substituída pelo crédito dirigido ainda mais subsidia-do", (MARTINE,1989:12) tendo a cana sido uma das lavouras mais beneficiadas nesse processo. Pode-se portanto supor que, na Paraíba, o fortalecimento do Proalcool durante o período do crédito dirigido teria permitido a continuidade do processo de expansão da atividade canavieira. Convém chamar a atenção, porém, para o fato de que essa fase do crédito dirigido compre-ende apenas o período de 1979/1984. A que se atribuiría a exten-são do crescimento do setor canavieiro nos anos de 1985 e 1986? Segundo Lima, na Paraíba,

"a continuidade do crescimento da produção ca-navieira em 1985 e 1986, pode ser atribuída

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aos efeitos defasados dos investimentos realizados pelos produtores entre 1979/84, com os recursos oriundos da nova estrutura do sistema de crédi-to" (LIMA, 1994:18/19).

É importante salientar que a cana não apenas se expandiu em termos de produção e área cultivada, como teve sua importância no contexto da produção agrícola estadual reforçada. Dois fatores teriam contribuído para isso. De um lado, o longo período de estiagem que teve lugar entre 1979 e 1983 refletiu negativamente sobre a atividade de lavoura, estimulando, no tre-cho oriental do Estado, a substituição de culturas alimentares tradicionais pela cana. De outro lado, a praga do bicudo que a-cometeu os algodoais também teria, em alguns municípios do Agreste, levado os produtores rurais a transformarem campos de algodão em áreas destinadas à lavoura canavieira. Os impactos dessa expansão da atividade canaviei-ra se fizeram sentir sobretudo: a) na economia estadual. A cana contribuiu para o aumento do valor da produção agrícola tanto dos tradicionais municípios canavieiros, como daqueles onde se processou sua expansão recente (comparar mapas da distribuição da produção agrícola de 1970 e 1980 in: MOREIRA,1996). Isso evidencia a importância da economia canavieira na dinâmica do crescimento econômico dessas áreas, com rebatimento na economia estadual. Pode-se também atribuir à atividade canavieira as altas taxas de produtividade da terra (valor da produção/ha.) encontrados para 1980 no Litoral Sul, área de maior expressão no avanço da cana a partir de 1975 (v. mapa da produtividade da terra in: MOREI-RA,1996). É importante salientar que no período compreendido entre 1970 e 1980, a participação da cana no valor da produção agrícola estadual passou de 16,1% para 27,6%. Esse aumento da participação da cana no valor da produção agrícola, associado à queda da atividade cotonicultora, contribuiu para aumentar a de-pendência da agricultura da Paraíba a esse produto, cujo desem-

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penho acha-se atrelado a um programa cuja manutenção é ex-tremamente crítica; b) no emprego rural. O impacto do Proalcool sobre o emprego agrícola se fez sentir sobretudo através do cres-cimento do emprego sazonal. Entre 1975 e 1985, o número de empregados assalariados temporários da Zona Canavieira cresceu 93,6%.

"Embora o aumento da mecanização tenha re-duzido a necessidade de mão-de-obra em deter-minadas fases do processo produtivo, ele não afe-tou a demanda de mão-de-obra no período de co-lheita. O que vale dizer, que a expansão da á-rea cultivada implicou na necessidade de um maior número de trabalhadores, sobretudo no período de corte" (MOREIRA, 1988:290).

É preciso chamar atenção para o fato de que, a esse aumento do emprego sazonal, não correspondeu uma me-lhoria da condição de vida da classe trabalhadora. Ao contrário, o que se constatou através de estudos realizados pelo Grupo de Estudo sobre Saúde e Trabalho na Zona Rural da Paraíba (GES-TAR/UFPb) e pelo Serviço de Educação Popular da Arquidioce-se de Guarabira (Sedup/PB), foi seu agravamento. Nos meses de novembro e dezembro de 1984, por exemplo, a renda monetária média semanal de uma família de trabalhadores da cana no Brejo representava 97,0% do salário mínimo vigente na época. Essa remuneração deveria manter uma família composta de aproxima-damente sete pessoas. Esse baixo nível de renda tem fortes re-percussões no padrão alimentar que, deteriorado, se reflete de modo negativo na saúde da população. Por outro lado, ele é tam-bém demonstrativo da condição de miséria absoluta em que vi-vem as famílias canavieiras. A verdade é que a riqueza produzida pela expansão da cana e pelo apogeu do Proalcool infelizmente não chegou à mesa da classe trabalhadora. Deve-se também levar

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em conta que o Proalcool tanto criou como destruiu empregos. A expulsão-expropriação dos pequenos produtores de subsistên-cia (moradores, parceiros e foreiros) foi constatada tanto nas áreas tradicionais produtoras de cana como naquelas que foram por ela incorporadas mais recentemente. O resultado foi, de um lado, o esvaziamento demográfico da zona rural e, de outro, o aumento das tensões sociais no campo, nas áreas onde a resistên-

cia camponesa sobrepujou a força do capital32

; c) na base técnica da produção. O Proalcool foi também responsável tanto pelo aumento do número de máqui-nas, tratores e colhedeiras mecânicas, como pela intensificação do uso de fertilizantes e defensivos químicos utilizados na atividade canavieira. Isso sem falar na modernização e ampliação do parque

industrial sucro-alcooleiro por ele promovida33

; d) na paisagem rural. Ao integrar o Litoral ao A-greste e ao Brejo, a cana promoveu uma certa homogeneização da paisagem rural do trecho oriental do Estado. Por outro lado, como a paisagem reproduz em maior ou menor escala a dinâmica da organização do espaço, quando transformada pela cana, reflete a submissão do espaço agrário às novas leis que regem o processo de modernização dessa atividade; e) no meio ambiente e na saúde da população. Na sua sede de terra, a cana incidiu fortemente sobre a vegetação natural de Mata Atlântica e de Cerrado dos tabuleiros.

"Submetida a uma secular utilização predatória, a princípio como fonte de essências nobres e pos-teriormente pela extração de madeira para fins os mais diversos (lenha para os engenhos, fabri-cação de carvão vegetal, construção naval, dor-mentes para vias férreas, lenha para locomotivas,

32Esses aspectos serão abordados de forma mais detalhada nos itens que tratam da questão do emprego e da dinâmica população rural na Paraíba. 33Maiores detalhes sobre as mudanças observadas no padrão técnico da produção canavieira estão contidos no item que aborda as mudanças recentes no padrão técnico da agropecuária estadual.

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etc.), os restos da Mata Atlântica encontravam-se confinados nos vales dos afluentes dos maiores rios, em pequenas bacias costeiras, nos grotões, nas cabeceiras dos cursos d'água e nos trechos de solos mais argilosos situados nos topos dos tabu-leiros" (TAVARES, 1984:19).

Segundo a FIBGE, a superfície ocupada com a mata natural na Zona Canavieira da Paraíba em 1975 correspon-dia a 83.415 hectares. Em 1985 ela havia recuado 34,2%, passan-

do a ocupar apenas 54.838 hectares34

. Pesquisas realizadas em 1985 a partir de análises de fotografias aéreas e de exaustivos trabalhos de campo com-provam que, no município de Santa Rita, as Matas de Cravaçu e Aldeia que constituíam o maior testemunho da Mata Atlântica existente no Estado, foram, em sua maior parte, substituídas pela cana e por estradas de acesso às destilarias de Jacuípe e Japungu. No processo de degradação dessas matas, nem mesmo as áreas de cabeceiras dos cursos d'água foram preservadas (CARVALHO & MADRUGA, 1985). Segundo a FIBGE, as áreas de mata natu-ral desse município sofreram uma redução de 3,0% ao ano entre 1970 e 1985, o que representou uma perda de 3.522 hectares. Ao sul de João Pessoa, nos tabuleiros situados próximo a Alhandra, a Mata da Chica sofreu também um forte processo de destruição. Em Pitimbu, a Floresta Subperenifólia Atlântica e o Cerrado constituíam, até 1970, as principais formas de utiliza-ção dos solos dos tabuleiros situados a sudeste, leste e norte da planície do rio Abiaí, que corta o município. Hoje, o que resta da

34O aumento da área ocupada com a mata natural em alguns municípios da Zona Canavieira entre 1970 e 1985 negam as evidências constatadas nos trabalhos de campo e nas fotografias aéreas consultadas. Ele talvez possa ser explicado por um possível subdimensionamento dessa área em 1970, decorrente de condições menos favoráveis para a efetivação dos levantamentos, ou a um superdimensionamento efetuado durante o Censo de 1985. Acreditamos mais na primeira hipótese. Se assim for, é possível que o recuo de 34,2% na área ocupada pela mata natural esteja subdimensionado.

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exuberante floresta e das relíquias de cerrado que ali eram encon-tradas, são manchas isoladas. Os canaviais avançaram sobre essas formações vegetais alcançando o fundo dos vales e dos grotões úmidos. A devastação desses grotões traz uma série de problemas para a população visto que, neles, ocorrem ressurgências que lhes assegura o abastecimento de água potável durante o período de estiagem. As famílias que habitam o topo dos tabuleiros, onde os aqüíferos são escassos, também se utilizam das fontes para se abastecer. A retirada da mata é responsável pelo desaparecimento dessas fontes, obrigando os habitantes da região a buscar água cada vez mais distante. De acordo com a FIBGE, de 5.221 hecta-res de mata existente em Pitimbu em 1970, restavam apenas 459 hectares em 1985. Esse processo de substituição da Mata e do Cerrado por canaviais se reproduz nos municípios vizinhos de Alhandra, Caaporã e Pedras de Fogo, estendendo-se em direção ao norte até Mataraca e a oeste, até Sapé (v. esboços cartográfi-cos in: MOREIRA,1996). Outros efeitos perversos do Proalcool sobre o meio ambiente e que têm rebatimento sobre a saúde da popula-ção estão relacionados à utilização indiscriminada, intensiva e contínua de fertilizantes químicos, corretivos de solo e agrotóxi-cos. Sabe-se que a maioria dos adubos sintéticos utili-zados contém uma variedade muito grande de impurezas. No caso dos superfosfatos, as mais freqüentes são o Arsênio, o Cádmio, o Cromo, o Cobalto, o Cobre, entre outros. O acúmulo desses elementos de pouca mobilidade, no solo, pode esterilizá-los; nos lençóis freáticos, por longo tempo, pode contaminá-los (EGLER & TAVARES, 1984). Não se tem conhecimento, na Paraíba, de estudos detalhados que permitam identificar os impactos causados pelo uso disseminado e intenso de fertilizantes químicos sobre os so-los dos tabuleiros e das várzeas do Litoral. Recentemente, porém, análises realizadas por pesquisadores do Departamento de Siste-mática e Ecologia e do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recur-

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sos do Mar da UFPb, detectaram alterações no teor de nitratos e nitritos em alguns mananciais de água da zona canavieira do Es-tado. Elevados teores de nitrato na nascente do rio Açu, tributá-rio do rio Mamanguape, cujo estuário é o segundo maior do Es-tado e nos reservatórios de águas dos rios Gramame e Mamuaba, identificados pelos citados pesquisadores, são por eles considera-dos evidências indiretas de contaminação desses ecossistemas, por fertilizantes químicos usados nas plantações de cana que cir-cundam essas áreas (WATANABE et alii, 1994). Esse fato vem sendo objeto de preocupação por parte dos pesquisadores do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da UFPb (CE-RESAT), pela possibilidade por eles levantada, de crianças meno-res de 6 meses serem acometidas de anemia por formação de metamoglobina e de formação de nitrosamina (agente canceríge-no) em adultos, a partir da ingestão de água, legumes ou verduras ricas em nitratos e nitritos. Dentre os pesticidas orgânicos (naturais e sintéti-cos) e os inorgânicos, os mais utilizados na região canavieira da Paraíba são os compostos clorados e derivados e os compostos organofosforados. Os herbicidas mais comumente aplicados são Ametrina, Carbamato, Glyphosate ou Glifosato, Terbuthiuron, Terbacil, Ácido 2,4-Dicloro Fenoxiacético (2,4 D) e Paraquat. Aplicam-se também inseticidas fosforados orgânicos, inseticidas carbamatos e fungicidas (Benomil e Captafol) (MITSUNA-GA,1990). A aplicação intensiva e contínua desses produtos em áreas de solo com alta capacidade de filtração como os tabuleiros, contribui para ampliar os riscos de contaminação ambiental. Es-tudo realizado por Watanabe com o objetivo de conhecer o efei-to de alguns desses herbicidas e inseticidas sobre a comunidade perifítica do reservatório de água de Gramame, localizado no município canavieiro de Alhandra e que é circundado por planta-ções de cana, constatou que os agrotóxicos atuam diretamente sobre a atividade fisiológica do perefiton, alterando tanto a respi-ração quanto a fotossíntese das algas (WATANABE et alii, 1994:8). Os efeitos nocivos para os seres vivos em geral também

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não são desconhecidos. Eles variam da simples cefaléia, irritação na pele, convulsão, diarréia, até a ocorrência de doenças respira-tórias, teratogênese, câncer e óbito. Os herbicidas Paraquat + Diuron podem ser citados como altamente tóxicos, algumas go-tas podendo ser letais ao homem; o gramoxone e o gramoxil por sua vez têm sido usados na cultura da cana-de-açúcar em vários municípios da Paraíba. Tais produtos são altamente tóxicos po-dendo levar a fibrose, edema e hemorragia pulmonar (MITSU-NAGA, 1990). Uma pesquisa do GESTAR/UFPb, realizada em 1989 com aplicadores de herbicidas, detectou 26,3% dos traba-lhadores com dosagem de colinesterase alterada. O risco de intoxicação do trabalhador não pode ser descartado, sobretudo considerando-se: que não há prepara-ção adequada dos aplicadores; que tanto os equipamentos de aplicação como os de proteção individual se danificam e não são reparados; que a prática freqüente do uso de água dos rios e açu-des para a lavagem dos equipamentos contamina as fontes de água de uso coletivo e que inexiste, na Paraíba, uma estrutrura de serviços de assistência técnica agrícola e de saúde para executar medidas e ações de controle do uso de agrotóxicos. Vale a pena realçar que existe uma certa divisão sexual e etária do trabalho no manuseio dos agroquímicos. Os adubos e corretivos de solo são, normalmente, encargo de mu-lheres e menores. Eles trabalham sem qualquer proteção, daí se-rem freqüentes os problemas dermatológicos. O trato com inse-ticidas e herbicidas é reservado aos homens jovens. Segundo rela-tos desses trabalhadores, eles são escolhidos por sua maior força física para carregar a bomba costal e por terem melhor saúde para suportar o veneno. Embora seja comum o relato de traba-lhadores que ficaram "embebedados" durante a aplicação e terem sido levados para hospitais ou centros de saúde, dificilmente se encontra o registro de tais ocorrências. Há um sub-registro das doenças e mortes provocadas pela manipulação de tais produtos. Isso é devido, de um lado, ao despreparo dos agentes de saúde e dos serviços de saúde, e de outro lado, às pressões do patronato

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sobre esses serviços para que tais ocorrências sejam descaracteri-zadas como acidentes de trabalho. Apesar da legislação brasileira proibir o lançamen-to do vinhoto e de águas residuais de destilarias nos corpos d'á-gua, até 1985, era muito freqüente os casos de contaminação hí-drica por efluentes de Usinas e destilarias (diminuídos hoje em virtude da intensificação das inspeções e do peso das multas que são infligidas aos infratores), sobretudo no meio e no final do período de atividade das Usinas e destilarias. A descarga desse resíduo altamente nocivo é responsável pela morte de peixes e crustáceos, pela danificação da flora estuarina e pelo comprome-timento da saúde da população que absorve alimentos e água contaminados. Recentemente, análises realizadas por pesquisado-res do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos do Mar da UFPb (NEPREMAR) comprovaram a contaminação da água em diferentes setores de sistemas aquáticos da região canavieira. As altas concentrações de leveduras, os baixos valores de oxigênio dissolvido e os altos níveis de DBO observados em locais próxi-mos às destilarias e a constante presença de leveduras fermentati-vas ao longo do estuário do rio Paraíba, em altas concentrações, são considerados por estes estudiosos evidências diretas da con-taminação desses ambientes por vinhoto e águas residuais (WA-TANABE et alii, 1994). Em 1985, a abertura das comportas da bacia de acumulação de vinhoto da destilaria Tabu, denunciada pela im-prensa estadual, teria provocado a morte de peixes e caranguejos no estuário do rio Abiaí. A contaminação de pessoas que consu-miram a água do rio, peixes e crustáceos, também foi constatada. Mais recentemente, em dezembro de 1994, o I-BAMA autuou a Usina Agican (Agroindústria Camaratuba Ltda.) por ter poluído o rio Camaratuba com o vinhoto e deste modo ter provocado a morte de aproximadamente três mil quilos de peixe de várias espécies e tamanhos (Jornal Correio da Paraíba, fl.3, 23/12/1994).

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O Proalcool foi ainda responsável pela intensifica-ção do processo de concentração da propriedade da terra, pelo crescimento da utilização do trabalho assalariado de mulheres e crianças, pela retração da produção de alimentos e pelo conse-qüente aumento da fome, pela expulsão massiva da população rural, pela disseminação do trabalho semi-escravo e pelo agrava-mento das condições de trabalho e vida da classe trabalhadora, como veremos no decorrer deste estudo. Não obstante todos os incentivos dirigidos para o citado Programa, a partir de 1987 os usineiros e plantadores de cana retornaram ao antigo discurso sobre "a crise do setor". 3.2. A crise atual da economia canavieira O movimento ascendente da economia canavieira no Estado vem, a partir da segunda metade dos anos 80, dando mostras de arrefecimento. A área colhida de 178 mil hectares em 1986 foi declinando sistematicamente até atingir 92 mil hectares em 1993. A quantidade produzida declinou de 10,7 milhões de toneladas em 1986 para 7,9 milhões de toneladas em 1992 e, em virtude da seca, para 1,8 milhão em 1993 (v. quadro III). O ren-dimento médio por hectare de 60,1 mil kg/ha em 1986, caiu para 51,9 mil kg/ha em 1992 e alcançou 19,8 mil kg/ha em 1993. A área plantada também foi reduzida. Os usineiros e fornecedores de cana voltaram a falar em crise e a exigir providências do Esta-do para "salvar o setor". Faz-se necessário esclarecer que a drástica redução na quantidade produzida, na área colhida e na participação da cana na composição do valor da produção dos principais produ-tos agrícolas dos municípios canavieiros em 1993, apesar de ter repercutido fortemente na economia canavieira, não pode ser atribuída unicamente à crise do setor como alguns querem fazer crer. Na verdade, esse comportamento altamente negativo da produção foi comum a todas as lavouras e deveu-se principal-mente à ausência de chuvas decorrente de uma das mais rigorosas

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secas que afligiram o Nordeste neste século. Tanto é verdade, que a safra de 94/95 apresentou um crescimento da área de cana co-

lhida equivalente a 40%.35

É também importante chamar a atenção para o fato de que os resultados alcançados pela produção de cana-de-açúcar a partir de 1987 até 1992, embora notoriamente declinan-tes em relação aos anos anteriores, ainda foram superiores aos obtidos em 1983, em pleno apogeu do Proalcool (v. quadro III). Os resultados da produção, por si só, não servem, portanto, como demonstrativo da situação de crise. Na verdade, malgrado todos os investimentos de capital e incentivos fiscais fornecidos pelo Proalcool, o setor canavieiro paraibano chegou ao fim da década de 80 extremamente endividado. Esse, entre outros fatores, estaria na base do atual quadro de "crise". Segundo levantamento realizado por uma comis-são interministerial, criada pelo presidente Collor em fevereiro de 1991 para elaborar um projeto de "Salvação Econômica" para os usineiros e donos de destilaria, o "SOS Usineiros", a dívida do setor sucro-alcooleiro nacional com o Banco do Brasil, com o IAA, com a Receita Federal e com a Procuradoria da Fazenda Nacional totalizava em setembro de 1991 Cr$ 1.003.526.323,00. A dívida da Paraíba correspondia a 5,7% desse total, o que repre-sentava Cr$ 58.868.503,00 (v. quadro V). Esse valor exclui endivi-damentos contraídos com outros setores como, por exemplo, o Banco do Estado da Paraíba, Companhias de Luz e Água (Saelpa, Cagepa), Secretaria de Finanças do Estado, etc. A imprensa vem divulgando sistematicamente a situação de insolvência financeira de algumas Usinas de açúcar paraibanas, com destaque para a Santa. Maria e a Santa Helena. A Usina Santa Maria faliu. Em seguida, uma em-presa, a AGROENGE (Agropecuária e Engenharia S/A), per-

35Essa informação foi fornecida pelo presidente da Associação dos Plantadores de Cana do Estado da Paraíba (Asplan) ao Jornal Correio da Paraíba. Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Safra de cana cresce em 40%". João Pessoa, 20/04/1995.

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tencente a um grupo empresarial do Distrito Federal, que tinha por presidente o Sr. Josimar Santos, entrou na justiça, ganhou a suspensão da falência, realizou financiamento junto ao Banco do Brasil visando o soerguimento da Usina e a assumiu. Para isso a AGROENGE teria contado com o apoio de políticos locais. Em outubro de 1992, a antiga Usina Santa Maria reabriu sob o controle desse grupo, com o nome de USIAGRO (Usina e Agropecuária Ltda.). Durante dois anos ela produziu açúcar e álcool. Depois disso, voltou a fechar. O grupo empresa-rial se retirou sem ter conseguido soerguer a empresa. Deixou para trás mil sacos de açúcar e 712 mil litros de álcool da safra 92/93, além de uma série de problemas. Para o Banco do Brasil, os produtos estocados integravam uma garantia de financiamento feita pelo Banco à citada empresa. Para a justiça, porém, eles per-tenciam à massa falida, portanto, eram passíveis de serem vendi-dos. Tal venda foi realizada em maio de 1994. Estava previsto que o dinheiro da venda destes produtos se destinaria ao pagamento

da dívida e das ações trabalhistas.36

As terras da Usina Santa Maria estão inventariadas no processo de falência. A Usina Santa Helena/Caiena também está falida. De acordo com depoimentos de representantes do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Sapé e com as notícias veiculadas pela imprensa, a parte industrial da empresa teria sido arrendada à Usina Agromar Açúcar e Álcool Ltda., com sede no Rio Grande do Norte, de responsabilidade de um paraibano, Sr. Elmo Teixei-ra de Carvalho e a parte agrícola, a fornecedores de cana da regi-ão. Em 1992, a empresa foi acusada de inadimplência para com os fornecedores-arrendatários. Estes, alegando a situação de ina-dimplência da empresa com os mesmos, passaram a se negar a continuar lhes fornecendo cana, complicando o quadro já difícil de funcionamento da empresa. A Usina Monte Alegre foi adquirida pelo Grupo Soares de Oliveira do próprio Estado. 36A pesquisa não conseguiu a confirmação sobre o destino dos recursos obtidos com a venda do estoque de açúcar e álcool deixado pela AGROENGE.

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As Usinas Santa Rita e Santana também faliram. Segundo o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Rita, o grupo Cavalcante de Morais “está cercando as terras destas Usinas já tendo arrendado muita terra da Santana” (uma de suas propriedades, a Fazenda Planalto, teria sido arrendada pela desti-laria Japungu, do grupo citado). No caso da Usina Santa Rita, esse grupo não só teria arrendado, como adquirido em leilão grande quantidade de suas terras (o maior imóvel dessa Usina, a Fazenda Gargaú, com mais de 6.000 hectares, teria sido por ele adquirida

em leilão).37

A Usina São João, segundo informações obtidas junto à imprensa, a fornecedores de cana e trabalhadores rurais, estaria também deficitária, em estado de pré-falência. A Agroindústria de Camaratuba (destilaria autô-noma AGICAN), de acordo com as mesmas fontes, enfrentava também sérios problemas financeiros. Em janeiro de 1993 a em-presa devia 3 bilhões de cruzeiros só à Cooperativa de Crédito

Rural dos Fornecedores de Cana da Paraíba (Coforpa).38

Em 17 de abril de 1995 a "Folha de São Paulo" divulgou um documento que revela os principais devedores na-cionais do Banco do Brasil até novembro de 1994. Dos cem mai-ores devedores, três são Usinas paraibanas: a AGICAN - Agroin-dústria de Camaratuba - com a 12ª maior dívida, equivalente a R$ 27,8 milhões; a Usina Santa Maria S/A, com a 16ª maior dívida, de R$ 24,7 milhões; a Cia. Industrial Santa Helena, com a 44ª maior dívida, correspondente a 10,6 milhões, e a Usina Santa Rita com a 46ª maior dívida, da ordem de 10,3 milhões. A dívida da Usina Santa Rita, segundo o citado documento, é avaliada pelo

37Essa informação foi fornecida pelo Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais do município de Santa Rita. 38Cf. Jornal O Norte. "Usina de cana deve mais de 3 bilhões à cooperativa”. João Pessoa, 08/01/1993.

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Banco do Brasil como de "difícil solução ou irrecuperável".39

A soma das dívidas dessas empresas representa 4,98% do total da dívida dos cem maiores devedores do Banco do Brasil, segundo o do-cumento citado. Depois de todos os incentivos financeiros e eco-nômicos canalizados para o setor através do Proalcool, o que explicaria tal situação? Configura-se de fato mais uma "Crise" da atividade canavieira”? A crise do Proalcool se constitui num pro-longamento da crise do Estado? Ela é uma conseqüência da ver-dadeira crise, que é a crise que está, mais uma vez, sendo vivenci-ada pelo capital? Algumas teses tentam explicar a "crise atual" da economia canavieira. Destacamos aqui algumas delas: a) até a primeira metade dos anos 80 as Usinas eram administradas utilizando-se capital de giro de terceiros (em-préstimos bancários subsidiados a juros baixos como foi visto na introdução deste texto). Concomitantemente, elas vinham, ao longo do tempo, sendo beneficiadas com anistias para seus débi-tos ou sendo agraciadas com a não aplicação da correção mone-tária sobre os mesmos. A partir da gestão do Ministro Dilson Funaro (1986), as autoridades monetárias passaram de um lado a diminuir o crédito e, de outro, a exigir o pagamento dos débitos. Por outro lado, a crise por que passa a economia nacional tem levado o Governo Federal, bem como os governos estaduais a serem mais rigorosos na cobrança das dívidas do setor, relativas ao pagamento das taxas e impostos. Isso teria colocado o sistema em condições financeiras críticas. Acostumados à "anistia", os usineiros se vêem numa situação até certo ponto singular; b) a cobrança mais incisiva dos débitos das em-presas junto ao INSS e à Receita Federal teria contribuído para agravar o quadro. Um levantamento preliminar realizado pela Receita Federal até dezembro de 1990 indicava que apenas seis empresários do setor sucro-alcooleiro da Paraíba lhes devia até 39Cf. Jornal Folha de São Paulo. "Calote no Banco do Brasil - Cem devedores dão prejuízo de R$1,5 bi". São Paulo, 17/04/1995.

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aquele momento o equivalente a 4 milhões e 442 mil cruzeiros em débitos que já vinham rolando desde o tempo do IAA. À época, parte dessas dívidas já tinham sido encaminhadas à Procu-radoria da Fazenda Nacional para ser efetuada a cobrança e outra

parte permanecia na Receita;40

c) os usineiros afirmam que a elevação dos custos de produção da lavoura, sobretudo com a elevação dos preços dos transportes, teria implicado em não renovação da frota e elevação da sua depreciação. Segundo estimativas, os custos de produção no final de 1990 situar-se-ia 30% acima do preço da cana. Isto estaria provocando a redução do plantio; d) a perda do poder político e econômico da bur-guesia canavieira nordestina face à do sul, que tem maior capaci-dade de produção e de produtividade, teria contribuído para a-centuar a crise do setor; e) há quem, como Manoel Correia de Andrade, aponte como mais um problema da agroindústria açucareira e como uma das causas do agravamento da situação financeira das Usinas, o fato delas terem, historicamente, promovido a intensifi-cação da concentração fundiária, financeira e de renda, chegando a um ponto de estrangulamento tal, que o fornecedor de cana, figura de suma importância na dinâmica do sistema, estaria se transformando numa figura em extinção. Como resultado, o que se tem observado é a devolução de Engenhos, por eles arrenda-dos, à administração das Usinas e a dificuldade dessas em manter milhares de hectares sob sua responsabilidade. Por outro lado, nos Engenhos fornecedores, de proprietários, vem ocorrendo a substituição da cana por outras culturas e pela pecuária. Com isso vem caindo a quantidade de cana fornecida às Usinas, tornando ainda mais crítica a situação; f) a concentração da propriedade da terra e as mudanças nas relações de trabalho promovidas pelas Usinas gera-

40Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Dívida de Usineiros com Receita Federal ultrapassa 4,2 bilhões". João Pessoa, 15/12/1990.

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ram gravíssimos problemas sociais. Estes se expressam através da desruralização do trabalhador, da sua transformação em assalaria-do e da acentuação da sua condição de pobreza. Embora tenha sido suficientemente capaz de gerar os problemas sociais citados, a Usina não tem, na mesma proporção, mostrado eficiência para solucioná-los. Ao contrário, tende a agravá-los na medida em que desemprega mão-de-obra e não cumpre com as leis trabalhistas. Isso vem provocando o seu acionamento pela justiça, através de milhares de ações trabalhistas que hoje representam milhões de reais, a serem pagos aos trabalhadores. Em alguns casos, o valor devido aos trabalhadores é tão alto que, considerando-se a preca-riedade financeira de certas Usinas, seria necessário que elas se desfizessem de parte de suas terras e/ou dos seus equipamentos para cobri-lo. No caso da Santa Maria, por exemplo, são U$ 5 milhões de créditos trabalhistas a serem pagos, valor este superior ao passível de ser alcançado pelas 12 propriedades a ela perten-

centes;41

g) a falta de racionalidade empresarial na adminis-tração das empresas é também apontada como uma das respon-sáveis pela crise das Usinas. Esta falta de racionalidade é vista como um reflexo da mentalidade arcaica das oligarquias tradicio-nais; não se pode negar que a Usina de açúcar, via de regra, ao contrário das destilarias autônomas, "está longe de ser caracterizada como uma empresa capitalista cuja existência física seja moldada na concor-rência e na competitividade do mercado". E que o fornecedor ou usinei-ro local seja reconhecido como "manifestações da burguesia industrial moderna". A falta de "racionalidade empresarial capitalista" era compensada através do "fortalecimento dos vínculos de dependência em relação à burocracia governamental federal e do reforço do clientelismo como forma de regulação da dominação política açucareira" (ALBUQUER-QUE, 1991:121). Na medida em que as práticas de clientelismo vão se tornando impotentes para continuar a garantir "o paraíso de privilégios financeiros", a racionalidade empresarial arcaica tende a

41Essa informação foi fornecida por trabalhadores rurais residentes nas propriedades da Usina e por sua Assessoria Jurídica.

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desabar. Daí, a impressão que se tem é que a crise atual do setor sucro-alcooleiro da Paraíba passa pelo processo de desintegração do poder pré-moderno; h) um outro elemento interveniente na agudização da crise da Usina é a mudança nas relações sociais de produção associada a uma ação mais eficiente da organização sindical. Isto é, tradicionalmente a miséria do trabalhador morador era o ele-mento garantidor da rentabilidade da atividade açucareira no Nordeste. Com o fim do sistema morador e sua substituição pelo trabalho assalariado, aumentam os custos da produção, sobretudo quando a remuneração do trabalho passa a ser afetada mais for-temente pela ação sindical. Isto, apesar das diversas formas en-contradas pela classe patronal para burlar a legislação trabalhista e os acordos dos dissídios coletivos; i) a classe patronal canavieira propala que a redu-ção dos subsídios à produção de cana e as restrições por que tem passado o crédito agrícola (redução do volume e elevação dos juros) têm contribuído para o encarecimento dos serviços das dívidas do setor, bem como têm limitado as possibilidades de refinanciamento das mesmas; j) os fornecedores e usineiros afirmam ainda que a baixa lucratividade apresentada pela atividade, aliada às restrições impostas pela crise econômica nacional, têm reduzido a sua capa-cidade de investimentos quer no segmento agrícola, quer no seg-mento industrial, comprometendo a continuidade do seu proces-so de modernização; l) o desvio de recursos do setor produtivo para o de consumo ostentatório é também apontado como responsável pela "crise". Ou seja, a transformação dos recursos obtidos para estimular a produção, intensificar o processo modernizador (atra-vés da renovação de equipamentos e de melhorias técnicas) em bens de consumo de luxo como mansões, jóias, meios de trans-porte individuais, viagens ao exterior, etc., só teria contribuído para agravar o quadro financeiro das Usinas;

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m) a impossibilidade das Usinas tradicionais con-tinuarem a funcionar em função da sua insolvência financeira (hipotecas e dívidas superiores ao valor do patrimônio existente; lucros econômicos e ganhos financeiros insuficientes para cobrir os débitos) constitui mais um fator de agravamento da "crise"; n) o deslocamento de investimentos da cana-de-açúcar para outras atividades econômicas como a pecuária teria também contribuído para a atual situação; o) a seca que se estendeu do Sertão ao Litoral do Estado em 1993 atingiu os canaviais, atrofiou a cana e compro-meteu de forma violenta a safra de 93/94, agravando a situação do setor, sobretudo do seu segmento pré-moderno; p) os produtores de cana garantem que a falta de uma política de preço justo para o produto e de estímulo à pro-dução está levando as Usinas a trabalhar no vermelho e os forne-cedores a enfrentarem enormes dificuldades. O presidente da Asplan/PB, em depoimento à imprensa local, afirmou que uma das maiores dificuldades dos plantadores de cana do Estado con-siste no preço mínimo da tonelada de cana. "Mil quilos do produto estão sendo vendidos pelo preço medíocre de R$ 14,64, quando na verdade

este valor era para ser de mais de R$ 23,00";42

q) os empresários da cana alegam ainda que a cor-reção das suas dívidas pela TR (Taxa Referencial de Juros) ao lado da manutenção do congelamento do preço do produto, des-de o início do Plano Real, estaria agravando a crise do setor e inviabilizando-o; r) a inadimplência de algumas Usinas junto aos seus fornecedores de cana estaria levando-os a desviarem o seu fornecimento para empresas situadas fora do Estado, desabaste-cendo assim as Usinas locais. Não há dúvida de que o Proalcool passa por uma séria crise. É notório que os recursos públicos dirigidos para o mesmo, embora não desprezíveis, sofreram uma redução muito

42Cf. Jornal Correio da Paraíba. "Safra da cana cresce em 40%". João Pessoa, 20/04/1995.

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importante estando, hoje, longe do que foi outrora. A isto se soma o declínio do preço internacional do petróleo e a aproxi-mação do país, com a exploração em altos níveis de profundida-de, na Bacia de Campos, da sua auto-suficiência na produção desse produto. Por outro lado, a partir de 1990, nota-se um certo revigoramento do mercado internacional do açúcar. Ao lado desses fatores cuja ação indica para a con-tinuidade da crise, observam-se alguns esforços na busca de solu-ções. Destacamos aqui: a) as tentativas de integração econômica do setor através: da consorciação da cana-de-açúcar com outras culturas alimentares, particularmente o feijão; do aproveitamento do ba-gaço de cana como fonte de energia, o que propiciaria a integra-ção do setor canavieiro, ao de produção de energia elétrica; do aproveitamento da levedura protéica (um dos produtos derivados do processo de produção) e a utilização do bagaço de cana mistu-rado ao melaço, como ração animal, o que permitiria a integração das atividades canavieira e pecuária. Nesse mesmo sentido vai o aproveitamento do bagaço de cana para a produção de madeira (tipo aglomerado) e celulose, como já se faz em Cuba; b) as pesquisas de melhoria das espécies cultivadas e das técnicas de cultivo; c) a melhoria do controle de qualidade do álcool a partir da renovação dos equipamentos laboratoriais e da unifor-mização dos métodos de controle, visando atender às exigências da Petrobrás como também, e sobretudo, à redução dos custos de produção. Existe também a preocupação de que esse controle seja extensivo a todas as etapas do processo produtivo, uma vez que só assim se teria uma minimização ideal dos custos e um au-mento significativo da produtividade; d) a intensificação do processo de mecanização da lavoura como forma de reduzir os custos com mão-de-obra. Isso sem falar nas formas espúrias de reduzir esses custos (adulteração das unidades de medida das tarefas, sub-remuneração do trabalho de crianças, de adolescentes e da mulher, etc.).

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Esses fatores atuam no sentido de aumentar a produtividade e de integrar o setor canavieiro a outros ramos da atividade agrícola e ao de produção de energia elétrica. No entan-to, o seu impacto é restringido pelas dificuldades de financiamen-to anteriormente apontadas. e) a incorporação do segmento arcaico da ativida-de ao setor moderno, através da aquisição das antigas Usinas, ou das suas terras, por grupos empresariais diversos, da Paraíba e de outros estados, como os vizinhos Pernambuco e Rio Grande do Norte, inclusive por alguns que já detêm o controle de destilarias autônomas, como foi anteriormente demonstrado. No caso da Paraíba, algumas tentativas vêm sendo feitas pelo segmento moderno da economia canavieira em dire-ção, sobretudo, à intensificação da mecanização, à melhoria dos processos e técnicas de cultivo e ao controle de qualidade do álcool. O setor arcaico e os fornecedores, com raríssimas exce-ções, não apresentam porém qualquer avanço nesse sentido, res-tringindo sua ação à integração do cultivo da cana com outras culturas ou com a pecuária;

3.2.1. A política do Governo Collor para a a-

groindústria canavieira A política do Governo Collor para a agroindústria canavieira se definiu logo após sua posse, em 15 de março de 1990, quando ele anunciou o fim de todos os subsídios do Estado (excetuando-se a Zona Franca de Manaus) e continuou na práti-ca, mantendo aqueles destinados à agroindústria canavieira, de 25% para os usineiros do Nordeste e de 10,5% para os do Sudes-te. O que ele mudou, de fato, foi o nome de "subsídio" para "taxa de equalização de custos". Desde o princípio então, negando todo discurso que vinha praticando desde a "caça aos marajás" quando ainda governador de Alagoas, o governo Collor adotou uma política de favorecimento aos empresários da cana. Por oca-sião do lançamento do Plano Collor I, foram estes empresários

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(usineiros e fornecedores de cana) os primeiros a conseguir des-bloquear os cruzados retidos, alegando falta de recursos para sal-dar seus débitos com os trabalhadores, em especial com os assa-lariados da cana (PADRÃO,1990). Posteriormente, o governo lhes pagou em cruzeiros, os subsídios (taxas de equalização de custos) que lhes eram devidos desde o Governo Sarney, num montante de Cr$ 871 milhões. Isto sem falar que o governo Col-lor atendeu a duas reivindicações históricas dos donos de destila-rias e Usinas: a) a incorporação da "taxa de equalização de cus-tos", que eles recebiam pela cana usada na produção de álcool, ao preço de venda ao consumidor. Assim, os donos de destilaria passavam a receber o subsídio no ato de faturamento do produ-to, sem atraso (PADRÃO,1990); b) a extinção do IAA e a adoção do índice da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para reajustar os preços da cana e do álcool. Discordando dos preços estabelecidos pelo IAA, por considerarem que os mesmos não cobriam os custos de produ-ção, os usineiros já haviam realizado um convênio com a FGV para a elaboração dos seus próprios índices e vinham pressionan-do o Governo para aceitá-los como oficiais. Collor propiciou mais este ganho à classe patronal canavieira (PADRÃO,1990). É também desse Governo o projeto "SOS Usinei-ros", elaborado pela Comissão Interministerial criada através da Portaria nº. 83 de 15/02/91, publicada no Diário Oficial de 18/02/91, que propõe a renegociação das dívidas dos usineiros com base, mais uma vez, em juros baixos e prazos dilatados. Isto, sem falar que a comissão recomenda um tratamento diferenciado caso por caso, levando em consideração a capacidade individuali-zada de pagamento dos débitos. Para tal, classifica as unidades produtivas em quatro grupos: empresas capitalizadas; empresas razoavelmente capitalizadas (que devem mas pagam em dia, cor-respondendo a 20% do total); empresas com dificuldades finan-ceiras mas consideradas viáveis (estas representando 50,0% do total); e as empresas inadimplentes ou consideradas inviáveis

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(cerca de 10 a 20% do total). Estas estariam fadadas ao desapare-cimento. Vale ainda a pena chamar a atenção para a omis-são tanto do Governo Federal, quanto dos governos estaduais, no que diz respeito à divulgação do valor do débito de cada uni-dade de produção, seja junto ao Banco do Brasil e aos Bancos Estaduais, seja junto ao tesouro Nacional, a Receita Federal e às Secretarias de Finanças dos estados. O que se divulga é o valor global dos débitos por unidade da Federação e com os mais im-portantes credores. Nos tempos "coloridos" em que o governo exigia rigor com relação aos escândalos que envolviam os Minis-térios do Trabalho, da Previdência Social e da Saúde, e que divul-gava a lista de "Marajás da Previdência", era de se estranhar a resistência em repassar à sociedade os nomes dos usineiros deve-dores e o montante da dívida por unidade credora. Por outro lado, entende-se que, com representantes dos usineiros no Con-gresso Nacional e no Governo, do porte do então Ministro da Ação Social Ricardo Fiúza, e os compromissos políticos assumi-dos pelos governos estaduais com o setor durante as campanhas eleitorais, fosse mais fácil fazer valer a lei do silêncio. No fundo, porém, nada aconteceu porque a polí-tica geral do Governo era de fortalecimento e de garantia de so-brevivência do setor. É a história que se repete. Prova disso foi a presença do Presidente Collor no I Encontro Internacional de Energia da Cana-de-Açúcar, ocorrido em agosto de 1990, em Maceió, e sua afirmação de que o "Proalcool é um patrimônio nacio-nal". O lançamento do Proalcool II, vinculado à ecolo-gia durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente no Rio de Janeiro, confirmou a intenção do governo Collor em manter e ampliar este programa 3.2.2. O Proalcool no Governo Itamar Franco Em fevereiro de 1993, o jornal Folha de São Pau-lo noticiava a decisão do governo Itamar Franco de retomar o

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Proalcool. Um Grupo de Trabalho foi criado para definir o futu-ro do Programa. A criação deste GT seria a resposta à mobiliza-ção dos usineiros que solicitavam do governo: a) a manutenção dos 22,5% que o álcool carbu-rante deveria ocupar no consumo de energia do setor de trans-porte rodoviário, conforme definido no lançamento do Proalcool em 1975; b) a elevação da participação dos veículos a álcool dos então 26% da frota total para 40%. Para tanto, solicitavam que a frota de veículos oficial fosse toda ela de carros a álcool; c) a concessão de incentivos para a produção de veículos a álcool; d) a garantia de compra, por parte do governo, do estoque de álcool para a formação de reservas estratégicas; e) o aumento imediato do preço ao produtor até a eliminação da defasagem existente em relação aos custos de pro-dução; f) o adequado financiamento dos estoques de ál-

cool não comercializados.43

Até aquela data, algumas medidas já haviam sido tomadas por Itamar. Os representantes do Governo se compro-meteram, em princípio, a induzir a indústria automobilística a chegar ao percentual de 40% da sua produção para carros a álco-ol. O Governo prometeu também utilizar cerca de US$ 170 mi-lhões, com a finalidade de adquirir os estoques de álcool das Usi-nas, embora não tenha estabelecido o prazo para tal compra. Comprometeu-se ainda em estudar uma "correção progressiva" de forma a eliminar a distorção entre o preço do produto e os custos de produção, em abrir uma linha de crédito no Banco do Brasil, cobrando TR mais 12% ao ano, além de abrir financia-

mento para reposição da cana-de-açúcar com as mesmas taxas.44

43Cf. Jornal Folha de São Paulo. "Futuro do Proalcool será selado em 60 dias". São Paulo, 14/02/1993. 44Idem.Ibid.

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Apesar das iniciativas levadas a efeito pelo Gover-no Itamar Franco, os usineiros adentraram a gestão Fernando Henrique Cardoso com o mesmo discurso e exigindo mais uma vez que o Estado brasileiro se coloque a serviço da "salvação do Proalcool". 3.2.3. Os efeitos da crise atual da agroindús-

tria canavieira da Paraíba sobre a classe trabalhadora.

Não obstante as iniciativas dos Governos Collor e Itamar, dirigidas no sentido do soerguimento da atividade canavi-eira do Nordeste e do Sudeste do Brasil, não resta dúvida que o setor sucro-alcooleiro, em particular, o seu segmento mais atrasa-do (Usinas de açúcar e destilarias anexas), enfrenta sérios pro-blemas de ordem econômica como foi demonstrado nos itens anteriores. Na Paraíba, a retração da expansão da cana é um fato consumado. A falência de algumas Usinas e a dificuldade de funcionamento de outras, também constituem fatos concretos. Na esteira da crise, como se situa a classe traba-lhadora? No que tange ao exercício do trabalho, o que se constatou nas últimas safras foi que, nas Usinas mais deficitárias, parte das terras foram arrendadas a terceiros e, onde plantou-se cana, alguns trabalhadores da região foram aproveitados. Os que aí não conseguiram trabalho deslocaram-se para outras Usinas e destilarias do Estado ou mesmo de Pernambuco. Observou-se então uma acentuação do deslocamento de população de uma área para outra. Falamos em "acentuação" porque estes desloca-mentos são comuns no período de safra da cana. Em algumas Usinas falidas, como é o caso da Santa Maria, em Areia, parte dos trabalhadores lá ainda permanecem cultivando a terra com pro-dutos alimentares e esperando uma solução para os créditos tra-

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balhistas a que têm direito e que anseiam verem revertidos em terra para cultivarem. No que se refere à luta dos trabalhadores, ela tem seguido dois caminhos: a) nas Usinas tidas como "falidas", onde as dívidas com os trabalhadores tanto de seu segmento industrial como agrícola são grandes, aciona-se a justiça através dos advogados dos sindicatos ou de entidades assessoras. Na maioria dos casos, a ação na justiça é resolvida através de acordo entre as partes e o pagamento de uma indenização, regra geral, muito aquém do valor devido. Conforme depoimento dos próprios trabalhadores, as indenizações obtidas não podem ser consideradas como "vitó-ria" da categoria. Isto porque as modificações impostas pela mídia na cultura popular levam os agricultores indenizados a aplicar o pequeno capital obtido em bens de consumo duráveis, como geladeira, rádio, televisão, som, etc. Assim, os recursos se esgo-tam rapidamente e sua situação de pobreza permanece a mesma. Isto, quando ela não aumenta em decorrência da perda do direito à roça e ao trabalho noutras unidades de produção, o que, no mais da vezes, passa a lhes ser negado pelos proprietários, seja por medo, seja por desforra pelo fato do agricultor ter recorrido à justiça contra um deles; b) nas Usinas em situação deficitária e nas destila-rias, a ação sindical volta-se, principalmente, para a exigência do cumprimento das reivindicações em pauta a cada dissídio coleti-vo, utilizando-se muitas vezes do recurso da greve. A partir de 1993, porém, com o agravamento do desemprego e a ampliação da entressafra, as condições de barganha da classe trabalhadora têm sido cada vez mais reduzidas. Por outro lado, no bojo da "crise", as mudanças na utilização do solo, já iniciadas na zona canavieira, sobretudo com a expansão da pecuária semi-intensiva, podem trazer conse-qüências ainda mais graves para o emprego rural. Isto porque a expansão da cana expulsou o trabalhador da terra, mas não cor-tou a sua vinculação com a atividade agrícola. Parte significativa

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dos trabalhadores expulsos continuou vinculada à agricultura na condição de assalariado. A expansão da pecuária nas áreas de cana pode significar o desvinculamento definitivo de grande parte dos trabalhadores da atividade agrícola. A isto, soma-se o interes-se crescente da classe patronal em intensificar o processo de me-canização, sobretudo no período da colheita, fase de pico da de-manda de emprego no setor canavieiro. Caso esses dois cami-nhos se cruzem, o resultado será, sem dúvida, o crescimento do desemprego rural e o agravamento da situação de pobreza em que se encontram os trabalhadores do setor canavieiro do Esta-do. Na Paraíba, a substituição da cana-de-açúcar pelo pasto plantado já pode ser observada tanto em municípios tradi-cionais produtores da cana como Sapé e São Miguel de Taipu, como em alguns que sofreram os efeitos da expansão canavieira promovida pelo Proalcool como Gurinhém, Caldas Brandão e Itabaiana. Observa-se ainda na zona canavieira paraibana a substituição da cana por outros produtos agrícolas, tais como o inhame, o abacaxi e a acerola. À exceção do abacaxi, as duas ou-tras culturas pagam salários mais baixos que a cana, o que consti-tui mais um agravante para a condição já precária de vida da clas-se trabalhadora. Outro problema recente tem a ver com a expan-são do período de entressafra e do conseqüente desemprego sa-zonal na atividade canavieira, observado em 1993 e 1994, em de-corrência da conjugação de um período de seca rigorosa com a crise de acumulação do setor. 3.2.4. Situação atual e perspectivas para o

Proalcool Quatro meses após o início do governo Fernando Henrique Cardoso, permanecem as dúvidas quanto ao futuro do Programa Nacional do Álcool. Os usineiros e plantadores de cana

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estão na rua e no Congresso Nacional fazendo pressão pelo fim da TR e pelo aumento do preço do produto. Os trabalhadores incluem nas pautas de negociação e no encaminhamento das suas lutas, o item garantia de emprego. Alguns economistas defendem a retomada do Proalcool na Paraíba uma vez que o mesmo teria condições de criar aqui 100 mil novos empregos. Outras questões merecem também ser colocadas. Depois de ter expulso o homem do campo, de tê-lo confinado nas periferias urbanas, agrovilas e vilarejos rurais de beira de es-trada, em troca de trabalho temporário e mal remunerado, como pensar o Proalcool como solução para o desemprego por ele mesmo gerado? Se o Programa ressurgir mais uma vez ancorado nos subsídios governamentais, quantos anos se terá de nova " fase áurea"? Quanto tempo os novos empregos criados terão de garantia? De que forma um novo Proalcool poderia contribuir para solucionar a situação de miséria da classe trabalhadora volta-da para a atividade canavieira? E para o desemprego sazonal? Teria o Proalcool II as condições de saldar a dívida social e ambi-ental contraída pelo Proalcool I, ou tenderia a ampliá-la? Acreditamos que a dependência das economias municipal e regional a uma única atividade mantida por um Pro-grama cuja sustentabilidade é crítica, para a geração de emprego e renda, acaba por submeter estas duas instâncias e a população a um clima de total insegurança e instabilidade, por favorecer os baixos salários e estimular a acentuação da exploração do traba-lho. No nosso entender, só uma política criativa e res-ponsável que racionalize os recursos na busca de um desenvolvi-mento integrado em nível municipal, apoiado na diversificação das atividades urbanas e rurais, associada a uma política de demo-cratização da terra e de preservação ambiental, teria condições de reverter o quadro de miséria da Zona Canavieira. Enfim, o debate está aberto. Os contra e os a favor se posicionam. Que pelo menos agora, 20 anos após sua

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implantação, os diversos segmentos da sociedade possam fazer aquilo que não lhes foi concedido no momento em que os milita-res resolveram lançar o Proalcool: discutir e avaliar sua validade e optar por sua permanência ou não, a partir de um balanço con-seqüente dos efeitos sociais, econômicos e ambientais que este gerou e das implicações futuras de uma destas opções sobre o conjunto da economia e do emprego em nível da realidade do Estado. 3.3. A expansão da pecuária A expansão da atividade criatória na década de 70 foi um dos marcos do processo de modernização da agropecuária estadual. Para sua efetivação, ela contou com o crédito subsidia-do, com juros muito baixos e um longo período de carência (três anos). O Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e o Banco do Estado da Paraíba (Paraiban), foram os principais agentes da polí-tica de crédito e de financiamento da pecuária no Estado. Esses bancos oficiais efetuaram repasses dos re-cursos de bancos ou entidades estrangeiras como o Banco Mun-dial (BIRD), o Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), entre outros, além dos recursos oriundos do Fundo de Investi-mentos do Nordeste (FINOR), do PROTERRA, do POLO-NORDESTE e do PROJETO NORDESTE, que também se inseriram nesta política. Esses estímulos fornecidos pelo poder público, ao lado da demanda de carne e leite nos maiores centros urbanos, propiciaram a expansão da pecuária, sobretudo da bovinocultura, a partir de 1970. O rebanho bovino cresceu, a partir de então, de modo significativo em todo o Estado. De 865.948 cabeças em

1970, passou para 1.296.081 cabeças em 198045

, o que significou

45Esses dados são fornecidos pela FIBGE, através dos Censos Agropecuários da Paraíba de 1970 e 1980. De acordo com as informações da Produção Pecuária Municipal, também da FIBGE, que, como já foi mencionado, utiliza metodologia diferente do Censo para a obtenção dos seus dados, o

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um ritmo de crescimento geométrico da ordem de 4,1% ao ano. Ou seja, onde havia dez cabeças de gado em 1970, encontravam-se quatorze em 1980. Em nível regional, destacaram-se as Microrregiões Geográficas agrestinas de Araruna, Itabaiana e Guarabira, além dos municípios que compõem a bacia leiteira de Campina Gran-de: Aroeiras, Umbuzeiro, Queimadas, Fagundes e Boqueirão, situados no Agreste Meridional (v. mapas relativos ao crescimen-to do efetivo de bovinos in: MOREIRA,1996). Nessas áreas, o crescimento do número de bovinos representou mais de 30,0% do aumento observado no conjunto do Estado. As regiões sertanejas tradicionalmente consagra-das à atividade pecuária, sobretudo à pecuária bovina, também apresentaram um aumento significativo do rebanho, da ordem de 56,0%, na década de 70. A bacia leiteira de Sousa, as regiões de Patos e da Serra de Teixeira merecem destaque (v. mapas relati-vos ao crescimento do efetivo de bovinos in: MOREIRA,1996). Essas áreas, além dos municípios de Cajazeiras e S. José de Pira-nhas, eram as maiores produtoras de leite do espaço sertanejo em 1980. O crescimento da produção de leite se deu em torno delas, avançando sobre o vale do Piancó, acompanhando a direção da expansão do rebanho (v. mapa in: MOREIRA,1996). O rebanho de médio porte experimentou igual-mente um significativo aumento (30,0%) no período em estudo. O Cariri reafirmou a sua especialização na produção de caprinos e ovinos. O fortalecimento da caprinocultura nessa região é con-firmado através do aumento do efetivo animal da ordem de 50,0% na maioria dos municípios que a compõem (v. MOREI-RA,1996). O rebanho suíno concentrava-se, sobretudo, nas Microrregiões de Cajazeiras e Itaporanga e nos municípios que

rebanho bovino da Paraíba em 1980 seria ainda maior que o citado, de 1.317.783 cabeças. Cf. FIBGE. Produção Pecuária Municipal, 1980.

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compõem a bacia leiteira de Campina Gande (v. MOREI-RA,1996). Dos animais de pequeno porte, sobressaem as aves, com um crescimento superior a 70,0% no conjunto do Es-tado. Em nível municipal, o crescimento se deu de modo disper-so em todas as Microrregiões, com destaque para o Litoral Sul, para a Microrregião de Patos e alguns municípios isolados do Agreste, Brejo, Seridó e Sertão da Paraíba (v. MOREIRA,1996). O forte crescimento da produção de aves deve-se ao aumento acelerado da demanda de carne nos maiores centros urbanos, associado ao aumento de preço observado na carne bovina. Essa melhoria do desempenho da atividade pecuá-ria pode também ser encarada como um reflexo das modificações introduzidas no processo produtivo a partir dos anos 60, tais como: a) modificações no padrão alimentar dos reba-nhos. O melhoramento das pastagens naturais e a maior utiliza-ção de pastagens plantadas e de rações industriais, mais ricas em nutrientes que o pasto natural, estão na base das transformações que vêm se processando na alimentação dos rebanhos; Tais modificações estão consubstanciadas:

no melhoramento das pastagens, pela ampliação das pastagens plantadas. O pasto plantado se difundiu aceleradamente por todo o território estadual (v. MOREIRA,1996). A superfície consagrada ao seu cultivo cresceu cerca de 176,0% entre 1970 e 1980, o que correspondeu a incorporação, pelo pasto, de 117.012 hectares de terra. Embora esse crescimento tenha si-do comum a todas as Microrregiões do Estado, inclusive àque-las de tradição canavieira, foi nas situadas no Agreste onde ele se deu com mais força (v. MOREIRA,1996). Nesse movimen-to ascendente, destacaram-se as forrageiras de corte, como a cana forrageira, o capim sempre-verde, o capim elefante e o colonião. A menor expansão das pastagens artificiais no Sertão pode ser atribuída, em parte, às limitações de ordem climática, desfavoráveis ao desenvolvimento das gramíneas.

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na difusão da palma forrageira. No que se refere à palma for-rageira, embora os censos não forneçam informações sobre a área cultivada, é possível avaliar o seu crescimento através da evolução da sua participação na composição do valor da pro-dução agro-extrativa estadual e municipal. Essa participação, em nível do Estado, cresceu oito pontos percentuais na déca-da de 70 (de 2,5% passou para 10,7%). Em nível regional, dis-tinguem-se, sobretudo, as Microrregiões do Cariri Oriental e Ocidental e a bacia leiteira de Campina Grande. Na maioria dos municípios dessas áreas, a palma passou, em 1980, a se constituir no principal produto, contribuindo, em alguns ca-sos, com mais de 50,0% do valor da produção agro-extrativa vegetal (v. MOREIRA,1996). A palma forrageira é importante para a complementação alimentar dos rebanhos, sobretudo nos períodos secos.

na introdução da algaroba. Outra fonte de alimentação animal que se propagou de modo considerável nas áreas mais secas do Estado a partir de 1970 foi a algaroba. A algarobeira é uma árvore da família das leguminosas. Originária do deserto peru-ano, foi introduzida no Brasil em 1942. Sua difusão no semi-árido nordestino é recente. A algarobeira apresenta duas gran-des vantagens para o produtor pecuarista: é resistente à seca e frutifica justamente no período seco, podendo suprir a alimen-tação do gado em período de estiagem. Na Paraíba, a produ-ção de algaroba concentrava-se, em 1980, nas Microrregiões do Cariri Oriental e Ocidental, onde já existiam mais de um milhão de árvores plantadas (83,0% da produção estadual). A produção dos municípios de Serra Branca, Barra de São Mi-guel e Sumé correspondia a 65,4% da produção estadual. O plantio da algarobeira se expandiu pelo Agreste e por quase todo o Sertão. Essa expansão deveu-se, sobretudo, ao apoio financeiro do governo, via IBDF/SUDENE, para projetos de reflorestamento.

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na disseminação do uso de rações industriais. A alimentação suplementar formada de rações industriais, compostas de con-centrados extra-pastagem, também cresceu de importância no Estado nos anos 70. Isso se torna evidente através da compa-ração dos dados censitários referentes ao período, os quais dão conta de um aumento superior a 2.000,0% nas despesas dos estabelecimentos agrícolas com ração industrial. A impor-tância crescente das rações industriais para alimentação do ga-do foi também constatada no âmbito municipal e regional (v. MOREIRA,1996);

b) modificações no estado sanitário do rebanho. Dentre as doenças que mais afetam a população animal do Esta-do sobressaem a febre aftosa, o carbúnculo e a raiva, além da bicheira e da verminose. Embora ainda se costume tratar esses males com métodos tradicionais, a disseminação do uso de pro-dutos farmacêuticos e de vacinas tem-se ampliado consideravel-mente; c) modificações qualitativas nos rebanhos. Os censos não fornecem informações sobre a qualidade dos reba-nhos. As investigações de campo permitiram observar a introdu-ção de processos e técnicas melhoradas, notadamente nas propri-edades do Agreste e granjas especializadas do Litoral. Dentre as melhorias introduzidas, salientam-se: a seleção de reprodutores, a introdução do gado holandês (tourino) e o cruzamento do gado zebu com o holandês, buscando a obtenção de uma raça melho-rada. No meio dos grandes pecuaristas, vem difundindo-se, espe-cialmente a partir dos últimos anos da década de 70, práticas mais modernas de controle da reprodução animal, tais como o confi-namento do touro com a vaca em período de cio e, de modo ainda restrito, a inseminação artificial. Outra prática em expansão e que tem contribuído para a melhoria do rebanho é o cercamento das propriedades, a divisão das pastagens e seu rodízio. Essa prática vem se aprimo-rando em função da influência do crédito bancário cuja liberação

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muitas vezes subentende a formação e a divisão das áreas de pas-to. A expansão da atividade pecuária nos anos 70 pode ser ainda explicada por outras razões, tais como: a) por ser uma atividade menos sujeita às irregula-ridades climáticas e às oscilações de preço, ela se constitui numa forma de aplicação de recursos mais segura que a agricultura; b) por requerer um menor coeficiente de absor-ção de mão-de-obra, a pecuária se apresenta como uma forma encontrada pelos proprietários para se omitir dos custos traba-lhistas impostos pela legislação específica. Essa expansão, caracterizada como "fenômeno da pecuarização", foi mais forte no Agreste do que no Sertão. A transformação das terras consagradas à policultura alimentar, em áreas de pasto, rompeu com a forma de convivência tradicional entre agricultura e pecuária, que caracterizou historicamente os diversos espaços agrestinos. Essa mudança acarretou a libera-ção/expulsão de trabalhadores, parceiros e arrendatários, gerando conflitos e intensificando o êxodo rural. Além dos impactos so-bre as relações de trabalho e a mobilidade da população, os efei-tos da pecuarização também se fizeram sentir sobre a vegetação da caatinga. Houve um intenso processo de destruição da vegeta-ção natural para dar lugar aos pastos plantados. 3.3.1. O comportamento recente da atividade

pecuária Esse movimento ascendente da atividade pecuária observado na década de 70 não mantém o mesmo ritmo e inten-sidade nos anos que se seguem. Ao contrário, se observarmos o comportamento do rebanho bovino do Estado no período de 1981 a 1985 podemos mesmo visualizar um ligeiro declínio. De 1.295.745 cabeças existentes em 1981, passa-se para 1.240.627 em 1985, o que significou um crescimento negativo de 4,2% no perí-odo (-1,0% ao ano) (v. quadro VI).

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Esse declínio do rebanho bovino pode ser atribu-ído, em grande parte, ao longo período de estiagem que se esten-deu de 1979 a 1983, atingindo todo o Estado (particularmente o Semi-árido e o Agreste) e à redução da política de crédito dirigido para o setor. Observando-se o quadro VI pode-se perceber a partir de 1984 uma retomada do crescimento do efetivo de bovi-nos em relação aos dois anos anteriores, ficando o rebanho com um número de cabeças em torno de 1,4 milhão de 1986 até 1989. A partir daí ele sofre uma nova queda reduzindo-se para 1,3 mi-lhões de cabeças e em 1993, em virtude de mais um pico de seca, reduz-se drasticamente para 858.853 cabeças (v. gráfico in: MO-REIRA,1996). Se tomarmos os anos de 1970 e 1990 como refe-rência para analisarmos a participação do rebanho bovino da Paraíba na composição do rebanho nordestino e nacional verifi-caremos a ocorrência de uma queda significativa desta participa-ção. Em 1970, a Paraíba detinha 1,7% do rebanho nacional e 9,8% do nordestino. Em 1990 essa participação passou a ser de apenas 0,9% em relação ao rebanho nacional e de 5,1% em rela-ção ao do Nordeste (ALBUQUERQUE, 1994:26). No que se refere aos caprinos, observa-se a partir de 1980 uma certa estagnação do crescimento do efetivo (de 520 mil cabeças em 1981 passou para 525 mil em 1992). O rebanho ovino apresentou uma variação negativa da ordem de 7,6% entre 1981 e 1992. Os suínos, embora tenham apresentado um cresci-mento negativo entre 1981 e 1983, tornaram a crescer a partir de então tendo sido, à exceção das aves, o grupo animal que apre-sentou os melhores resultados no período (v. quadro VII) (v. gráficos in: MOREIRA,1996). No que se refere ao comportamento da produção de aves, observou-se um crescimento continuado. A produção do frango de corte seguiu sua expansão em todo o Estado, com des-taque para o Agreste (especialmente a Microrregião de Guarabira, onde se implantou a empresa Guaraves que vem difundindo a avicultura na região através do sistema de franquia).

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À exceção das aves, toda produção animal da Pa-raíba sofreu os efeitos da seca de 1993. A título de exemplo, ob-servou-se que o conjunto do rebanho ovino, caprino, suíno e bovino reduziu-se em 30% entre 1992 e 1993 (v. quadro VII). O que é mais grave, o efetivo desses rebanhos em 1993 era menor que o existente em 1981. Do exposto, ressalta-se a importância da década de 70 para a modernização e expansão da atividade pecuária no Estado. Nesse período, o criatório ampliou suas fronteiras no interior do semi-árido e do Agreste, expandiu-se pelo Brejo e alcançou o Litoral. Nesse percurso, ocupou espaços antes consa-grados à produção de alimentos e de matérias-primas; substituiu trechos de mata nas áreas úmidas e subúmidas; contribuiu para a degradação da caatinga; gerou conflitos pela posse da terra e a-centuou o êxodo rural. A partir dos anos 80, a redução dos in-centivos fiscais e creditícios e os repetidos períodos de seca que afligiram o Estado, contribuíram tanto para o arrefecimento da modernização da pecuária como para a atenuação do ritmo e da intensidade do processo de expansão desta atividade na Paraíba.

3.4. As culturas alimentares

Do mesmo modo que o estudo do comportamen-to da atividade pecuária, este item aborda o desempenho das culturas alimentares em dois momentos: durante os anos 70 e entre 1981 e 1993. Essas culturas são aqui reunidas em dois gru-pos: as que compõem as lavouras de alimentos tradicionais (fei-jão, milho, mandioca, arroz, batata-doce, inhame frutas e batata-inglesa) e as que denominamos de culturas alimentares modernas (abacaxi, banana e tomate).

3.4.1. O desempenho das culturas alimentares tradicionais e modernas (1970/1980)

Da análise do comportamento das culturas ali-mentares tradicionais na década de 70, alguns aspectos sobressa-em:

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a) a produção de feijão, embora disseminada em todo o Estado, era mais concentrada nas Microrregiões agrestinas e na Microrregião de Teixeira. Distinguiam-se como maiores produtores os municípios de Manaíra, Tavares, Água Branca e Juru, além de Conceição e S. José de Piranhas, no Sertão e Ca-cimba de Dentro, Araruna, Solânea, Esperança, Mogeiro, Guri-nhém e Salgado de São Félix, no Agreste (v. MOREIRA,1996); b) a produção de milho, também difundida em todo o território estadual, era mais expressiva em torno de Cam-pina Grande e de Tavares (v. MOREIRA,1996); c) a mandioca, o inhame e a batata-doce, eram produzidos sobretudo no Litoral (v. MOREIRA,1996); d) as áreas mais tradicionais produtoras de arroz situavam-se na Depressão do Alto Piranhas, no Vale do Piancó e na Microrregião de Catolé do Rocha, salientando-se o município de Sousa como maior produtor (v. MOREIRA,1996); e) a produção de batata-inglesa restringia-se, prin-cipalmente, aos municípios que compõem a Microrregião de Es-perança e ao trecho norte da Microrregião de Campina Grande (Alagoa Nova, Puxinanã e Lagoa Seca) (v. MOREIRA,1996); f) a fruticultura disseminava-se por todo o Estado. O peso desta atividade era particularmente maior na Microrregião de Guarabira, no Brejo, no Agreste e nas Microrregiões sertanejas de Sousa e Teixeira. A laranja era mais produzida nas Microrregi-

ões agrestinas e no Litoral Norte (v. MOREIRA,1996).46

. No que se refere ao desempenho da produção, o que os dados indicam e os mapas deixam claro, é um forte recuo das lavouras alimentares tradicionais na década de 70 (v. MO-REIRA,1996).

46Embora os mapas de produção e área colhida com os produtos da lavoura de alimentos representem a realidade do ano de 1980, pode-se afirmar com certeza que não houve alterações nas regiões maiores produtoras. Por exemplo, as áreas maiores produtoras de arroz, de feijão e de batata-inglesa, entre outros, continuam sendo as mesmas de 1970. O que varia de um ano para o outro são os números concernentes aos quantitativos produzidos e colhidos a nível municipal, sem que se altere com isso o grau de especialização regional. Mesmo onde a cana ou o pasto incidiu mais fortemente sobre a lavoura alimentar e esta sofreu os mais fortes recuos, a especialidade regional da produção de alimentos (banana, arroz, feijão, etc.) não foi quebrada.

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À exceção do inhame, do arroz e da batata-inglesa que apresentaram um certo incremento da produção, os demais produtos da lavoura alimentar sofreram forte retração na quanti-dade produzida (v. MOREIRA,1996). A retração da área colhida também foi significativa e abrangeu até mesmo as culturas de arroz e da batata-inglesa (v. MOREIRA,1996). A produção dos alimentos básicos (feijão, milho e

mandioca) caiu de 320.268 toneladas em 1970 para 252.336 tone-

ladas em 1980, o que significa uma redução de 67.932 toneladas,

equivalente a um crescimento negativo da produção de 21,2%. A

área colhida reduziu-se em 35%. Isso significa que quem tinha 10

hectares plantados com feijão, milho e mandioca em 1970, pas-

sou a ter 6,5 hectares em 1980. Esse declínio é tão mais grave

quando se considera que a população estadual cresceu no mesmo

período a uma taxa geométrica de 2,4% ao ano. Do cotejo desses

dois fatos, fica evidenciada a retração do padrão alimentar com

repercussão sobre a qualidade de vida e saúde da maior parte da

população estadual.

Essa retração das lavouras alimentares tradicionais

não pode ser atribuída exclusivamente à influência da seca que

castigou a região a partir de 1979. O crescimento da produção

canavieira e da pecuária desempenhou um papel de fundamental

importância nessa dinâmica. Alguns estudos comprovam que

houve substituição dessas culturas pela cana em todas as Micror-

regiões canavieiras, especialmente nas de Sapé e do Litoral Sul

(FIGUEIREDO, 1992; LIMA,1993) e pelo pasto nas áreas de

expansão da pecuária, a exemplo do que foi observado nos muni-

cípios da Microrregião de Itabaiana, com destaque para o muni-

cípio do mesmo nome (MOREIRA,1989) e em Gurinhém (MO-

REIRA, 1988).

Das culturas alimentares modernas, salientam-se o

abacaxi, o tomate e a banana.

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3.4.1.1. O abacaxi

Presente no Brasil desde os primórdios da coloni-zação, o abacaxi foi introduzido na Paraíba na década de 30. As primeiras áreas de cultivo restringiam-se aos municípios de Mari e Sapé. Sua fase de maior crescimento no Estado ocorreu na déca-da de 60. Nesse período, a produção passou de 21,1 milhões de frutos (1960) para 51,1 milhões (1970). Na década seguinte, o crescimento absoluto da produção, embora tenha persistido, não conseguiu superar o alcançado no período anterior, permanecen-do em torno dos mesmos 30 milhões de frutos (de 51,1 milhões passou para 82,3 milhões). Os municípios maiores produtores de abacaxi do Estado, em 1980, eram Mari, Mamanguape e Sapé. Eles foram responsáveis por 69,0% da produção estadual naquele ano (v. MOREIRA,1996). O abacaxi é produzido em menor escala em quase todos os municípios do Litoral, na Microrregião de Guara-bira e, de modo bem menos significativo, no Brejo. Tradicional-mente porém, são os municípios de Sapé, Mari, Mamanguape, Pedras de Fogo, Araçagi e Itapororoca que comandam a sua pro-dução. Trata-se de uma cultura produzida tanto por grandes, co-mo por médios e pequenos produtores. A expansão da lavoura do abacaxi efetivou-se principalmente sobre as áreas anteriormente consagradas à pro-dução do fumo, do algodão, da mandioca e de outras lavouras de subsistência. Por outro lado, essa expansão, e a posterior con-solidação dessa cultura na Paraíba, esteve intimamente relaciona-da à demanda do mercado externo, sobretudo o argentino. Cerca de 1/3 da produção paraibana de abacaxi destina-se ao mercado de suco concentrado e o restante ao con-sumo in natura. As variedades mais produzidas são do tipo Pérola e Jupy, seguidos do Smouth Cayenne. Tal como na produção da cultura da cana-de-açúcar, o crescimento do abacaxi contribuiu, de um lado, para o

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declínio do sistema morador e de outras formas de relações de trabalho não tipicamente capitalistas e, do outro, para expandir o trabalho assalariado temporário no Litoral e no Agreste (BRITO, C. 1980:35). 3.4.1.2. O tomate A produção de tomate era muito restrita no Esta-do até 1970. A partir de então ela expandiu-se principalmente nos perímetros irrigados do Cariri (em torno do açude Estevão Mari-nho e adjacências, em Boqueirão, Cabaceiras e Barra de São Mi-guel), em Prata, Ouro Velho e Sumé, entre outros (v. MOREI-RA,1996). A quantidade produzida passou de 5.417 toneladas para 31.978 toneladas no período mencionado. O tomate produ-zido no Estado destina-se em parte ao abastecimento das indús-trias de extrato de tomate e outros derivados, situadas em Per-nambuco, e ao consumo in natura. A cultura do tomate apresenta algumas especifici-dades. Ela é explorada em pequenas unidades produtivas, absor-vendo tanto o trabalho familiar quanto assalariado, uma vez que, sendo uma exploração intensiva em trabalho, a mão-de-obra fa-miliar não é suficiente para atender aos cuidados requeridos em algumas fases do processo de produção. Além disso, o tomate exige a utilização de irrigação e de agrotóxicos. Essas exigências têm duas conseqüências importantes: primeiro, requer um nível de capitalização do produtor para fazer face às despesas com aquisição do motor bomba, de canos, de produtos químicos, de caixotes para embalagem, etc. Esse requerimento de capital inicial é uma barreira para o pequeno produtor optar pela produção de tomate; segundo, a utilização de agrotóxicos aliada à prática de irrigação traz riscos de contaminação para os solos e os mananci-ais aquáticos. O que é mais grave, alguns desses mananciais abas-tecem cidades, como é o caso do açude de Boqueirão em relação a Campina Grande.

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3.4.1.3. A banana O cultivo da banana encontrava-se disseminado em vários municípios do Estado em 1970. No entanto, sua signi-ficação econômica estava restrita a algumas áreas, sobressaindo-se como maiores produtores os municípios do Brejo Paraibano, com destaque para Bananeiras e, no Sertão, o município de Sousa (v. MOREIRA,1996). Convém lembrar que a bananicultura era bem diferenciada nessas duas áreas. No Brejo, a banana estava presente em diferentes estratos de propriedade e irá, ao longo da década de 70, sofrer a concorrência da cana-de-açúcar com o Proalcool. No Sertão, o cultivo da banana concentrou-se no pe-rímetro irrigado de São Gonçalo, sendo, desse modo, cultivado principalmente por pequenos produtores rurais. A banana pro-duzida destinava-se sobretudo ao mercado regional, para consu-mo in natura. A não integração da produção agrícola com o be-neficiamento do fruto era um dos problemas sérios enfrentados pelos produtores. 3.4.2. O comportamento recente das culturas

alimentares: 1980/1993 A década de 80 foi marcada por fortes oscilações nos resultados da produção das lavouras alimentares. Entre 1980 e 1983, como pode ser observado no quadro VIII, os produtos alimentares básicos tradicionais (feijão, milho e mandioca) sofre-ram importante recuo tanto na área colhida (-28,0%), como na quantidade produzida (-18,0%) (v. gráfico in: MOREIRA,1996). A quantidade produzida e a área colhida com arroz também de-clinou sensivelmente (v. gráfico in: MOREIRA,1996). Apenas a batata-inglesa teve um desempenho satisfatório nesse triênio (v. gráfico in: MOREIRA,1996). Esse fraco desempenho das lavou-ras alimentares tradicionais pode ser em parte explicado pelo efeito substituição de culturas (decorrente da continuação do processo de expansão da cana e da pecuária) e pelo prolonga-

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mento do período de seca que teve início em 1979 e se estendeu até 1983, afetando fortemente a produção agrícola. O período que se estendeu de 1983 a 1989 corres-pondeu ao de melhor desempenho da produção de feijão da dé-cada de 80. A área colhida cresceu em média 9,7% a.a. e a quanti-dade produzida, 25,6% a.a. neste intervalo. Alguns estudos apon-tam como responsável por essa melhora do desempenho da pro-dução do feijão, o esfacelamento da cotonicultura nas áreas pro-dutoras e sua substituição, sobretudo no Sertão, pelos produtos alimentares tradicionais. Essa teria sido uma das formas encon-tradas pelos produtores de algodão para compensar a queda da renda monetária decorrente da crise da sua produção em nível regional (SILVEIRA,1992). Os anos de 1987 e 1990 foram anos de fracos resultados. Embora observe-se uma recuperação da produção de feijão entre 1990 e 1992, a seca de 1993 teve um efeito catastrófico sobre a mesma, reduzindo-a drasticamente como pode ser visto através do quadro VIII. Uma visualização dessas tendências é possível através do Atlas de Geografia Agrária do Estado (v. MOREIRA,1996). Ao contrário do feijão, a mandioca, com exceção de um ou outro ano, teve um desempenho declinante na década de oitenta, tanto no que se refere à quantidade produzida quanto à área colhida. Ela também foi fortemente afetada pela seca de 1993 (v. quadro VIII). Apesar desse fraco desempenho, este pro-duto foi um dos que aumentou sua participação na composição do valor da produção agrícola de vários municípios canavieiros do Estado a partir da segunda metade dos anos 80, permanecen-do a tendência no início da década de 90 (v. mapas da distribui-ção da produção agrícola municipal de 1991 e 1993 in: MOREI-RA,1996). O milho, como o feijão, se retraiu nos primeiros anos da década de 80 e retomou o crescimento da produção, mesmo que de forma oscilante, a partir de então. De 1990 a 1993, porém, sua produção voltou a declinar. A seca de 1993 atingiu

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também de modo muito forte a produção do milho do Estado, como pode ser visto no quadro VIII (MOREIRA,1996). Entre 1980 e 1985 a área colhida com arroz redu-ziu-se muito e a quantidade produzida apresentou altos e baixos. Entre 1986 e 1988 houve um ganho de área colhida que não se manteve nos anos seguintes. À exceção do ano de 1991, os pri-meiros anos da década de 90 foram marcados por um desempe-nho fraco da rizicultura estadual. Em 1993 a área colhida foi mui-to afetada, caindo para apenas 1,3 mil hectares contra os 11,3 mil de 1990, o que significou uma redução da ordem de 87,7%. No que se refere aos produtos alimentares mo-dernos, destacam-se o abacaxi e a banana. O abacaxi apresentou resultados positivos não apenas nos três primeiros anos da década de 80, que coincidiram com o período de prolongamento da seca de 1979, como até 1988, com um crescimento anual da produção da ordem de 19,0% e da área colhida de 13,0% (v. gráficos in: MOREI-RA,1996). Nos últimos anos, observa-se uma expansão significa-tiva da produção do abacaxi tanto nos municípios tradicionais produtores quanto em outros onde não era explorado. Chama também a atenção o fato da expansão da cultura vir acompanha-da da expansão da irrigação. A participação do abacaxi na arrecadação do ICMS em relação ao setor primário da economia, foi de, respec-tivamente, 3,88% em 1986, 5,59% em 1987, 7,24% em 1988, 5,16% em 1989 e 7,32% em 1990 (SANTOS, 1992:9). Entre 1988 e 1993 observou-se um declínio tanto da produção quanto da área cultivada com abacaxi, com destaque para o ano de 1990, quando a área colhida sofreu uma redução de 41,6 % em relação a 1988, e o ano de 1993, quando a produção caiu para cerca da metade da obtida em 1988. Apesar desse com-portamento declinante, constatou-se a partir de 1990 um cresci-mento da participação do abacaxi na composição do valor da produção agrícola de vários municípios onde a cana em 1980 detinha um maior peso (camparar os mapas da distribuição da

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produção agrícola de 1980, 1985, 1991 e 1993 in: MOREI-RA,1996). No que se refere à distribuição espacial da produ-ção, esta concentrava-se, em 1990, em 14 municípios, os quais eram responsáveis por 95% da produção de abacaxi do Estado, quais sejam: Sapé, Rio Tinto, Pedras de Fogo, Itapororoca, Ma-manguape, São Miguel de Taipu, Lucena, Mari, Jacaraú, Mulungu, Lagoa de Dentro, Santa Rita, Duas Estradas e Araçagi (SAN-TOS,1992:12). Segundo Santos, 85% da produção anual do aba-caxi paraibano é comercializado junto a atacadistas e supermerca-distas dos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal. O restante da produção é comercializado nas CEASAS de João Pessoa e Campina Grande e nas feiras livres das cidades do inte-rior. De acordo com o citado autor, as exportações do produto foram sensivelmente reduzidas na década de 80 em função da desorganização do setor exportador e da concorrência desleal dos exportadores sediados em Mari e Sapé (SANTOS, 1992:10/11). A banana apresentou um aumento da área colhida de 8,4% a.a. e da produção de 6,9 % a.a. entre 1980 e 1990. Foi a cultura alimentar que manteve com regularidade bons resultados no decênio. Os primeiros anos da década de 90 também foram anos de bom desempenho da produção. Em 1993, apesar de ter havido um recuo no comportamento da bananicultura estadual, os patamares de produção alcançados ainda foram superiores aos obtidos em 1988 e a área colhida só foi inferior a do ano anterior, de 1992 (v. gráficos in: MOREIRA,1996). Vale a pena acrescentar que a banana hoje contri-bui de forma significativa na composição do valor da produção agrícola de um grande número de municípios do Estado, tendo alargado consideravelmente o limite de sua fronteira de produ-ção, sobretudo em direção ao Sertão (v. mapas da distribuição da produção agrícola municipal de 1991 e 1993 in: MOREI-

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RA,1996). Observa-se também uma expansão significativa da banana nos municípios do Brejo Paraibano. Nessa área, a banana vem sendo apontada como uma alternativa cada vez mais impor-tante para a superação da crise econômica regional decorrente das dificuldades da cana-de-açúcar. É preocupante, no momento, o fato da expansão da banana não estar sendo acompanhada de cuidados técnicos que permitam um produto de melhor qualida-de. Por outro lado, persiste o problema da falta de integração vertical com a indústria. O aumento da produção, aliada aos dois problemas citados, tem contribuído para um comportamento declinante dos preços. Dos três produtos da lavoura de alimentos consi-derados aqui como modernos, o tomate foi o que apresentou um desempenho mais fraco. Sua área colhida sofreu uma redução de 40,5% na década de 80 e a quantidade produzida teve um cresci-mento negativo da ordem de 33,7%. Nesse período, distingue-se apenas o ano de 1982 como aquele em que o tomate apresentou os melhores resultados. Esse comportamento se reproduz nos primeiros anos da década de 90 (v. gráficos in: MOREIRA,1996). Apesar desse fraco desempenho, observou-se a disseminação da produção nos perímetros irrigados do semi-árido, no Seridó Ori-ental (em municípios como Junco do Seridó, Nova Palmeira, Pedra Lavrada e Picuí), na Serra de Teixeira e em menor propor-ção no Agreste. O tomate expandiu-se de modo mais expressivo nas Microrregiões do Cariri Oriental e Ocidental. Nessas áreas, ele apresentou um aumento significativo da sua participação na composição do valor da produção na maioria dos municípios, com destaque para os seguintes: Camalaú, Congo, Monteiro, Pra-ta, São João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro, Sumé, Tape-roá, Barra de São Miguel, Boqueirão, Cabaceiras, Gurjão e São João do Cariri. Esta região se afirma na década de 90 como a de maior importância para a produção de tomate no Estado (v. ma-pas da distribuição da produção agrícola municipal de 1991 e 1993 in: MOREIRA,1996).

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Do exposto, pode-se concluir que a dinâmica re-cente da produção de alimentos tradicionais reproduz o movi-mento secular de subordinação dessa produção ao processo de expansão e/ou retração das atividades que comandam a econo-mia estadual, tais como as atividades canavieira e pecuária. Além disso, submetida a processos e técnicas mais rudimentares, as lavouras alimentares tradicionais acham-se mais sujeitas as intem-péries do clima e às limitações de ordem topográfica e edáfica. Isso, sem falar na ausência de uma política agrícola e de preços mínimos dirigida para a pequena produção de alimentos e dos problemas de comercialização que afligem esse segmento da eco-nomia agrícola estadual. Esses fatores, somados aos anteriormen-te citados, contribui para acentuar o já frágil desempenho desse setor da economia e para torná-lo extremamente vulnerável. Por outro lado, observa-se que o comportamento das culturas alimentares modernas, em especial, da banana e do abacaxi, sofrem menos as influências dos condicionantes naturais e mais as influências do mercado. Isto porque, além de terem como locus da produção regiões de clima menos agressivo ou áreas de exceção (perímetros irrigados), incorporam uma maior quantidade de componentes tecnológicos (sobretudo o abacaxi), tais como irrigação, adubação química, mudas selecionadas, agro-tóxicos, etc. 3.5. As culturas industriais

Das culturas industriais, além da cana-de-açúcar, distinguem-se o algodão, o sisal, o fumo e o coco-da-baía. 3.5.1. O algodão O algodão merece uma atenção especial pelo im-portante papel desempenhado historicamente na organização econômico-social das Microrregiões agrestinas e sertanejas. Essa importância, como foi abordado anteriormente, relaciona-se de

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um lado ao fato desse produto poder ser cultivado em associação com lavouras de curto ciclo e, de outro lado, por ele ser explora-do em todos os padrões de propriedade e por produtores propri-etários e não proprietários como os parceiros e arrendatários. Além disso, a cotonicultura se constitui numa atividade comple-mentar da pecuária e contribui para a formação da renda familiar das camadas mais pobres da população, notadamente dos peque-nos produtores rurais, tendo sido também responsável pela viabi-lização das relações de produção do tipo arrendamento e parceria nas Microrregiões sertanejas. A importância econômica do algodão relaciona-se também à sua contribuição na formação da receita do Estado. Nas áreas agrestinas e sertanejas, o peso do algodão na arrecada-ção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria (ICM) foi sem-pre mais alto que o da policultura alimentar. Donde sua posição de destaque na economia agrícola estadual até fins dos anos 70. Nesse período já se observa um descenso da importância eco-nômica do algodão, em particular, do tipo arbóreo (v. mapas da distribuição da produção agro-extrativa de 1970 e 1980 in: MO-REIRA,1996). A participação relativa desta cultura no valor da produção agro-extrativa estadual declinou de 18,2% para 8,7% entre 1970 e 1980. A produção passou, nesse período, de 36.641 toneladas para 22.517 toneladas e a área colhida experimentou uma perda de 14.124 hectares. Fatores climáticos relacionados às estiagens pro-longadas, além das oscilações dos preços no mercado e do atra-sado processo organizacional e tecnológico da produção, são considerados como causas principais do declínio do algodão, sobretudo da variedade arbórea, nesse período (v. mapas da dis-tribuição da produção agro-extrativa e os relativos ao crescimen-to da produção do algodão in: MOREIRA,1996). No que se refere à distribuição da produção, tem-se que o algodão herbáceo vem substituindo gradativamente o arbóreo. Nos anos 70 e início da década de 80 ele era encontrado desde Sapé e Mari, descendo por Itabaiana, subindo para o Cu-

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rimataú em direção à Tacima, até os limites com o Seridó e o Cariri. A partir daí predominava o algodão arbóreo que se desta-cava como principal produto na composição do valor da produ-ção da maioria dos municípios das Microrregiões do Seridó Oci-dental, Cariri Oriental e Cariri Ocidental (v. mapas da distribuição da produção agro-extrativa municipal in: MOREIRA,1996). A partir de 1983 a praga do bicudo começou a atacar os algodoeiros do Estado, destruindo grande parte dos algodoais existentes. Até 1985, porém, sua ação devastadora ficou mais concentrada no Agreste. Entre 1980/1985 observou-se até mesmo uma certa expansão da produção sertaneja. Em 1984, embora a área colhida tenha se reduzido, a quantidade produzida deu um salto, crescendo quase oito vezes em relação ao ano ante-rior (v. gráficos concernentes in: MOREIRA,1996). Esse com-portamento, porém, não persistiu até o final da década. Ao con-trário, os dados da produção agrícola fornecidos pela FIBGE permitem observar um crescimento negativo da área colhida com algodão da ordem de 17,2% a.a. e da quantidade produzida de 14,5 % a.a. entre 1980 e 1990 no conjunto do Estado (v. gráficos concernentes in: MOREIRA,1996). Nos primeiros anos da déca-da de 90 o quadro torna-se ainda mais grave. Além da persistên-cia da queda da produção, a área colhida também se retraiu. Em 1993, a seca tornou ainda mais difícil a situação da atividade co-tonicultora do Estado. A área colhida foi de apenas 24,4 mil hec-tares contra 680,2 mil em 1981 e a quantidade produzida só al-cançou 2,5 mil toneladas que representam -95,6% do total produ-zido em 1981 (v. gráficos concernentes in: MOREIRA,1996).

Essa queda foi observada tanto na produção do algodão arbóreo como na do herbáceo. Ela provocou alterações profundas na distribuição espacial da produção. Os mapas da distribuição da produção agrícola do Estado de 1985, 1991 e 1993 comprovam, de um lado, a substituição do algodão arbóreo pelo herbáceo na formação do produto agrícola de vários municípios, em diversas regiões do Estado e, de outro, a queda da participa-

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ção dessa cultura na composição do valor da produção dos prin-cipais produtos agrícolas produzidos a nível municipal (MOREI-RA,1996).

Convém destacar que em alguns estados do Brasil (do Nordeste inclusive), onde houve maior determinação do po-der público na tomada de decisões mais imediatas de apoio à pesquisa e ao uso de recursos técnicos defensivos no acompa-nhamento da cultura, foi possível obter alguns resultados positi-vos, senão erradicando-se a praga, mas encontrando-se formas de convivência com a mesma.

Na Paraíba, o Centro Nacional de Pesquisa do Algodão, localizado em Campina Grande, vem desenvolvendo pesquisas, de resultados já comprovados, com variedades preco-ces do algodão herbáceo e do arbóreo, que permite a retomada da produção e sua convivência com a praga. Essa, porém, só será possível se houver vontade política, visto que a sobrevivência da cotonicultura no Estado requer a utilização de práticas e técnicas de cultivo mais aprimoradas, tais como: a utilização de sementes selecionadas, de inseticidas em dosagem correta, de práticas de cultivo modernas, etc. Isso requer um aumento do custo da pro-dução nem sempre capaz de ser coberto pelo pequeno produtor, que sempre teve no algodão sua principal fonte de renda.

A partir do exposto, conclui-se que só uma difu-são democrática desses processos e técnicas seria capaz de garan-tir o retorno da atividade e de tirar a Paraíba da atual crise que atinge a produção do algodão. Por outro lado, mesmo que se recupere internamente, a cotonicultura terá ainda que enfrentar sérios problemas de mercado uma vez que terá que concorrer com o algodão produzido noutras regiões e com as fibras sintéti-cas.

A persistência dessa situação já está tendo fortes repercussões sobre as relações de trabalho do tipo arrendamento e parceria, nas regiões sertanejas, dado ao fato de que essas for-

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mas de trabalho se alicerçaram, historicamente, com base na combinação gado-algodão-policultura alimentar. Isso sem falar na deterioração das condições de vida do pequeno produtor e no agravamento da situação migratória nas regiões cotonicultoras tradicionais. 3.5.2. O sisal A cultura do sisal teve seu período áureo na Paraí-ba, na década de 50, quando se constituiu no sustentáculo eco-nômico das Microrregiões do Curimataú Oriental e Ocidental, do Seridó Oriental, do Brejo, e ainda de Campina Grande e circun-vizinhança, além de alguns municípios da Microrregião de Teixei-ra, como: Teixeira, Desterro e Imaculada (v. mapas de distribui-ção da produção agro-extrativa de 70 que reproduz a nível muni-cipal e regional esta realidade in: MOREIRA,1996).

Por se tratar de uma cultura de longo ciclo, o re-torno econômico da produção sisaleira só é possível de ser obti-do depois de vários anos. Por outro lado, como a cultura do sisal só permite associação com produtos alimentares durante os pri-meiros anos de cultivo, ela é tida como "cultura de rico", sendo encontrada principalmente nas médias e grandes propriedades.

Como foi visto anteriormente, o declínio da eco-nomia sisaleira, a partir dos anos 60, deveu-se à concorrência no mercado internacional, com o sisal africano e com a fibra sintéti-ca. Entre 1970 e 1980, a produção sofreu uma redução de mais de 50%. Esse declínio foi comum a todas as áreas de tradição sisaleira do Estado (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996). Entre 1980 e 1993 a situação de decadência da atividade só se acentuou. Como pode ser visto nos gráficos contidos no Atlas de Geografia Agrária, a quantidade produzida e a área colhida com sisal sofreu um queda progressiva de, respectivamente, -3,4% e -4,9% ao ano na década de 80, comportamento declinante esse, que adentrou os anos 90, atingindo o ponto mais crítico em 1993

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(MOREIRA,1996). Nas áreas maiores produtoras, o sisal está perdendo espaço para a castanha de caju, a mandioca, o coco-da-baía, a batata-doce, o maracujá e até para o tomate, como na Ser-ra do Teixeira.

Devido ao rigor da seca de 1993, além da produ-ção de sisal ter caído a patamares nunca antes alcançados, as fi-bras tornaram-se muito curtas, o que determinou uma desvalori-zação do produto no mercado, criando uma situação insustentá-vel para a atividade.

Além das condições climáticas desfavoráveis, a-pontam-se hoje dois outros fatores que, somados àquele, são responsáveis pelo desmantelamento da produção de sisal da Para-íba: as dificuldades de produção regional face às limitações do mercado internacional e a crescente concentração dessa produ-ção no Estado da Bahia (POLARI, 1990:6/7).

3.5.3. O coco-da- baía Existem dois tipos de coco-da-baía: o produzido pelo coqueiro gigante que, seco, destina-se à industrialização, e o coqueiro anão, destinado ao consumo in natura. Na Paraíba são encontradas essas duas variedades. Sua produção concentrava-se até 1970 na franja litorânea do Estado. O coco detinha um peso importante na composição das combinações agrícolas de municí-pios como Cabedelo, Lucena, Baía da Traição, Rio Tinto, entre outros (v. mapa da distribuição da produção agrícola de 1970 in: MOREIRA,1996). A partir do Proalcool, grande parte dos coqueirais dessa região foram substituídos pela cana-de-açúcar. Prova disso foi o crescimento negativo observado na produção e na área co-lhida de, respectivamente, 33,4% e 27,6% entre 1975 e 1985. Um modesto movimento ascendente da produção de coco é obser-vado a partir de 1988, porém esse não corresponde a um cresci-mento significativo da atividade. Apesar de um desempenho me-

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díocre no período estudado, observa-se que, em alguns municí-pios do Seridó, dado principalmente ao recuo do sisal e a fragili-dade da economia agrícola regional, o coco passou a ocupar um lugar de maior destaque na composição do produto agrícola (v. mapas da distribuição da produção agrícola in: MOREIRA,1996). Recentemente, os produtores nordestinos de coco seco industrial denunciaram que essa cultura está sendo prejudi-cada pela importação da matéria-prima de países da África e do sudeste asiático onde a produção é fortemente subsidiada e o preço do produto acaba mais baixo que o nosso (PORTO,1995). 3.5.4. O fumo Na Paraíba, temos dois tipos de fumo: o de rolo, concentrado em torno de Mari, e o aromático, no semi-árido. A produção de fumo de rolo é mais antiga. Em-bora não detenha um peso muito importante para a economia agrícola do Estado, sempre desempenhou um papel de destaque em nível municipal como geradora de renda e emprego. O fumo de rolo é cultivado, regra geral, utilizan-do-se o sistema de afolhamento, em áreas que também produzem cana ou abacaxi. No Litoral, esta lavoura sempre esteve subordi-nada aos movimentos de expansão ou retração daquelas culturas. É como se a atividade fumageira ali funcionasse, como anteparo ou amortecedor da economia agrícola, quando os produtos prin-cipais (cana e abacaxi) entram em crise. O trabalho nos fumais é realizado por trabalhado-res assalariados temporários oriundos, sobretudo, de municípios localizados no Agreste. O período de plantio e colheita, segundo depoimento dos trabalhadores de um fumal visitado em Mari, inicia-se, via de regra, entre março/abril e finaliza em agos-to/setembro, coincidindo em grande parte com a entressafra da cana. Entre 1970 e 1993, esta cultura apresentou resultados osci-lantes e modestos no conjunto do Estado. Só teve expressão na composição do produto agrícola, no município de Mari.

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O fumo do tipo aromático destina-se à fabricação de cigarros finos tais como Hilton e Carlton. Sua difusão no se-mi-árido paraibano é relativamente recente. Ela tem início em 1972, quando a Companhia de Cigarros Sousa Cruz, subsidiária da British American Tabaco, passou a investir na sua produção na região do Seridó. A partir de então, unidades experimentais foram sendo criadas em Patos e Santa Luzia. Entre 1972 e 1978, a produção era realizada sem uso de tecnologia apropriada. A irre-gularidade das chuvas aliada às exigências da planta e às caracterís-ticas dos solos e da topografia tornou, porém, obrigatório o uso da irrigação. A primeira experiência de cultivo irrigado foi feita em 1979 e sua difusão teve início em 1980. Em 1987, o Seridó Ocidental, com destaque para o município de Santa Luzia, já lide-rava a produção do fumo aromático. Em virtude do sucesso ob-tido, a Sousa Cruz expandiu sua ação e passou a investir também nas regiões em torno de Catolé do Rocha, Sousa e Pombal. Atu-almente a produção de fumo no semi-árido paraibano se estende do Seridó Ocidental em direção à Microrregião de Catolé do Ro-cha, área de maior concentração da produção até 1993.

"O sistema agrícola do fumo aromático, na sua originalidade, é marcado pela aproximação dos extremos, ou seja, a relação de uma multinacio-nal com pequenos produtores e, conseqüentemen-te, a aplicação de uma tecnologia sofisticada ao lado de práticas muito rudimentares" (DAN-TAS, 1993:27).

A produção de fumo aromático é realizada em pequenas propriedades (de 1,5 a 5 hectares em média) de peque-nos produtores proprietários ou arrendatários. A mão-de-obra utilizada é a familiar, no caso dos arrendatários, ou a do morador parceiro e de sua família, no caso das unidades de produção ad-ministradas por proprietários. Eventualmente, durante a colheita,

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pode ocorrer a contratação de trabalhadores assalariados tempo-rários.

O fato da atividade fumageira exigir uma mão-de-obra considerável, investimentos que muitas vezes superam os aplicados na pecuária extensiva, de estar subordinada a uma em-presa multinacional e a um contrato que obriga o produtor a plantar fumo por um período de oito anos, explica o desinteresse do médio e grande proprietários pela produção do fumo.

A produção é organizada pela Cia. Sousa Cruz. É ela que avaliza os financiamentos junto ao Banco do Brasil, ela-borando, inclusive o projeto, e ainda orienta e fiscaliza todas as etapas do processo produtivo. O produtor firma um contrato com a empresa para a aquisição de um sistema de irrigação. Esse contrato é feito sob a forma de custeio agrícola obedecendo a alguns critérios, quais sejam: a dívida assumida deve ser paga em oito parcelas anuais, sem juros e correção monetária; em contra-partida, o produtor fica obrigado a produzir fumo a preço estabe-lecido pela empresa, pelo menos durante oito anos e a vender a produção exclusivamente à mesma. Em caso de desistência, o sistema de irrigação é devolvido sem que se processe qualquer indenização. O produtor deve ainda adquirir os insumos e equi-pamentos necessários ao desenvolvimento do processo produti-vo, tais como: trator, inseticidas, esterilizantes, adubos, talagarças, plásticos, etc. Os recursos para aquisição dos instrumentos de trabalho, dos adubos e defensivos e para as despesas com mão-de-obra são repassados via Sousa Cruz, seja como adiantamento até que sejam liberados os financiamentos bancários, quando o capital cedido pela empresa é recuperado, seja como empréstimo a ser pago com fumo a cada safra (DANTAS,1993). Desse modo, a atividade fumageira voltada para a produção do fumo aromático acha-se subordinada à montante e à jusante do processo produti-vo ao setor industrial e, submetida aos mecanismos de domina-ção de uma multinacional, "cria formas disfarçadas de trabalho capitalis-

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ta a domicílio, enquanto a empresa amplia seu campo de pesquisa e experi-mento da produção no semi-árido paraibano” (DANTAS, 1993:40).

Por outro lado, num momento como o atual, em que a atividade cotonicultora, que se constituía na principal fonte de renda monetária do pequeno produtor e sua família, e na mai-or geradora de emprego para a mão-de-obra familiar rural da região sertaneja, passa por um processo de quase total desapare-cimento, a produção do fumo aromático aparece como uma al-ternativa capaz de amenizar, pelo menos em algumas localidades, os efeitos catastróficos dessa derrocada do algodão sobre a gera-ção de emprego e renda no meio rural da região semi-árida.

É preciso esclarecer, que o volume de emprego gerado por essa atividade no semi-árido paraibano é incompara-velmente inferior ao que era propiciado pela cotonicultura. Isto porque, enquanto o algodão não estabelecia fronteiras e limites à produção, o fumo, dada às suas peculiaridades, seleciona espaços (buscando os mais propícios, sobretudo do ponto de vista das condições de solo) e produtores (limitando o acesso à produção aos microproprietários e àqueles que aceitem as condições impos-tas pela multinacional que controla a produção). Apesar da maior dificuldade de difusão, a expansão do fumo aromático em algu-mas áreas do semi-árido paraibano constitui, na conjuntura atual, um atenuante, e até certo ponto, um fator de amortecimento da crise do algodão. 3.6. A expansão espacial da agricultura A expansão espacial da agricultura paraibana, na década de 70, deu-se essencialmente em função do crescimento da área consagrada às lavouras temporárias. Essas que ocupavam 515.897 hectares de terra em 1970 (11,0% da área total dos esta-belecimentos agrícolas), passaram a ocupar 791.935 hectares em 1980 (16,0% da área dos estabelecimentos agrícolas), o que signi-

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ficou um avanço dessas lavouras sobre mais de 270 mil hectares de terra. Em termos espaciais, a expansão observada nos anos 70 concentrou-se: a) no Litoral e em alguns municípios do Agreste Baixo (v. mapa da expansão da área agrícola in: MOREI-RA,1996), em função do crescimento das lavouras de cana, do abacaxi e do inhame (sobretudo da cana); b) no Curimataú Ocidental, no Seridó, na Serra de Teixeira e, particularmente, no Cariri da Paraíba, em função, principalmente, do crescimento da área cultivada com capim e palma forrageira, e no vale do Piancó, na região de Catolé do Rocha e sul de Cajazeiras, em virtude do crescimento tanto da área consagrada ao capim quanto da área ocupada com algodão herbáceo (v. mapa da expansão da área agrícola do Estado entre 1970 e 1980 in: MOREIRA,1996). A retração da área agrícola, observada em alguns municípios da franja litorânea nesse período, deve ser imputada principalmente ao recuo da produção de alimentos. No Agreste e no Sertão ela deve-se ao declínio tanto do algodão herbáceo quanto do algodão arbóreo. Entre 1980 e 1985 esse processo de expansão é freado. Embora as lavouras temporárias tenham continuado a ampliar sua área de cultivo (particularmente, para não dizer es-sencialmente, a lavoura canavieira), o crescimento observado pode ser considerado insignificante, se comparado aos resultados da década anterior. O aumento da área consagrada a essas lavou-ras entre 1980 e 1985 foi de apenas 23,9 mil hectares contra os 270 mil observados na década de 70. Por outro lado, constatou-se uma perda significativa de terras voltadas para as lavouras perma-nentes. De 588.715 hectares em 1980 para 84.660 hectares em 1985, o que significa uma redução da ordem de -85,6%. O recuo da expansão espacial das culturas tempo-rárias e permanentes no qüinqüênio 80/85 pode ser atribuído aos efeitos da seca de 1979. Como já foi visto, esse período de estia-

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gem, ao prolongar-se até 1983, promoveu sérios prejuízos à agri-cultura. Excetuando-se culturas como a cana-de-açúcar, que à época ainda encontrava-se fortemente protegida por um pacote tecnológico e pelos estímulos creditícios e fiscais do Proalcool, as demais lavouras tiveram suas fronteiras retraídas, inclusive aquelas produzidas em áreas de clima mais favoráveis como as áreas úmi-das do Agreste/Brejo. 3.7. A produtividade das terras De modo geral, a maior parte dos municípios paraibanos apresentam baixos índices de produtividade da terra (v. mapa concernente in: MOREIRA: 1996). Com índices mais elevados, destacam-se apenas três áreas: o Litoral, o Brejo e al-guns municípios circunvizinhos, e o Agreste de Esperança. As duas primeiras áreas coincidem com as zonas de produção antiga e recente da cana-de-açúcar. A região do Agreste de Esperança distingue-se por se constituir numa área policultora-minifundiária por exce-lência, onde se destaca o cultivo de batata-inglesa, do feijão, da mandioca e da horticultura. O alto índice de produtividade da terra aí encontrado permite que se coloque em questão as afirma-tivas correntes relativas à improdutividade da pequena produção. Os dados do Censo de 1985 não alteram esta realidade encontra-da em 1980. Com base nas informações contidas neste capítu-lo, pode-se concluir que a década de 70, em especial o período de 1975/1980, correspondeu ao de maior dinamismo da produção agropecuária na Paraíba. Esse dinamismo, atrelado ao processo de modernização conservadora da agricultura, foi responsável por alterações profundas na organização da produção agropecuária estadual. Particularmente concentrado nas atividades cana-vieira e pecuária, o processo modernizador repercutiu fortemente tanto sobre o meio ambiente, quanto sobre a produção de ali-

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mentos e de outras matérias-primas, com forte rebatimento so-bre a condição de vida e trabalho da classe trabalhadora. Na década de 80 observou-se um arrefecimento do ritmo da modernização da agropecuária paraibana. Este pode ser explicado tanto como uma decorrência da recessão que se abateu sobre a economia brasileira no final dessa década, com repercussões em nível regional e estadual, como pela redução dos incentivos fiscais e creditícios para o setor e às cobranças mais incisivas das dívidas dos usineiros pelos credores. Esses fatos, somados a problemas de ordem climática, como a seca, e a ação de pragas como a do bicudo, geraram uma desorganização do setor produtivo agropecuário estadual, o qual alcançou a primeira metade dos anos 90 envolvido numa forte crise.

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QUADRO III

ESTADO DA PARAÍBA EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO E DA ÁREA COLHIDA

COM CANA-DE-AÇÚCAR 1981/1993

ANO ÁREA

COLHIDA (ha)

QUANTIDADE PRODUZIDA

(t)

RENDIMENTO MÉDIO POR HECTARE

(t/ha)

1981 120.832 5.230.778 43.289

1982 134.655 7.269.996 53.989

1983 143.962 7.168.926 49.797

1984 155.708 8.951.809 57.491

1985 176.201 10.646.134 60.420

1986 178.077 10.710.752 60.146

1987 162.266 9.514.787 58.636

1988 160.229 8.798.229 54.910

1989 158.762 8.647.252 54.466

1990 156.449 8.282.781 52.942

1991 154.922 8.115.401 52.383

1992 152.454 7.919.930 51.916

1993 92.731 1.837.607 19.816 Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993

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QUADRO IV

ESTADO DA PARAÍBA PARQUE SUCRO-ALCOOLEIRO

(Situação em 1985)

USINAS ANTIGAS USINEIROS LOCALIZAÇÃO

Santa Rita Família Ribeiro Coutinho Santa Rita

São João Família Ribeiro Coutinho Santa Rita

Santana Família Ribeiro Coutinho Santa Rita

Santa Helena Família Ribeiro Coutinho Sapé

Monte Alegre Grupo Soares de Oliveira Mamanguape

Santa Maria Família Solon Lins Areia

Tanques Família Veloso Borges Alagoa Grande

DESTILARIAS ANEXAS

USINEIROS LOCALIZAÇÃO

Santa Helena Família Ribeiro Coutinho Sapé

Santana Família Ribeiro Coutinho Santa Rita

Santa Maria Família Solon Lins Areia

São João Família Ribeiro Coutinho Santa Rita

DESTILARIAS AUTÔNOMAS

USINEIROS LOCALIZAÇÃO

GIASA (Arthur Tava-res)

Grupo Tavares de Melo/PE Pedras de Fogo

Miriri Grupo Cavalcanti de Morais (PE) Sapé

Agican (Sto. Antônio) Grupo Pessoa de Melo (PB) Mataraca

Tabu Grupo Ludgren (PE) Caaporã

Jacuípe Grupo Cavalcanti de Morais (PE) Lucena

Japungu Cia. Nordeste de Participação (CONE-PAR), AGROFÉRTIL S/A Ind. e Comércio (BA)

Santa Rita

Una Família Ribeiro Coutinho(PB) Sapé

Borborema Família Ribeiro Coutinho(PB) Pirpirituba

Fonte: Informações colhidas junto à ASPLAN/PB e nos trabalhos de campo.

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170 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO V DÍVIDAS DO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO

(Em Cr$ mil de 1991- posição segundo a variação da TR em setembro de 1991) ESTADO BANCO DO BRA-

SIL IAA RECEITA FEDERAL PROCURADORIA DA

FAZENDA NACIONAL

TOTAL

AC 10.525.887 – – – 10.525.887

AL 61.985.946 44.483.831 8.523.248 2.983.072 118.076.097

BA 84.908 9.248 223.188 1.948.675 2.266.019

CE 3.672.392 628.002 2.489.473 594.117 7.383.984

DF 498.273 - - 498.273

ES 2.414.907 - - - 2.414.907

GO 25.592.396 7.247 932.385 695.663 27.227.691

MA 7.817.246 168 85.030 - 7.902.444

MT 31.807.082 521 - - 8.425.962

MS 8.425.689 273 - - 8.425.962

MG 52.740.205 25.268.108 15.702.411 - 93.710.724

PA 56.589.536 2.617 - - 56.592.153

PB 44.208.123 2.582.211 3.347.610 8.730.559 58.868.503

PR 18.119.176 6.555 10.307.035 5.659.819 34.092.585

PE 127.656.270 62.693.076 10.118.605 2.888.385 203.356.336

PI 699.854 - - - 699.854

RJ 38.754.270 88.509.127 14.919.303 2.378.525 144.561.225

RN 8.279.824 1.830.654 - 3.224.862 13.334.800

RS 2.253.756 13 103.170 51.821 2.408.760

SC – 9 - - 09

SP 142.626.040 27.643.111 2.053.200 2.425.791 174.748.142

SE 2.899.411 61.731 - 1.663.223 4.624.365

TOTAL 647.651.191 253.729.502 68.804.658 33.244.512 1.003.526.323 Fonte: Relatório parcial da Comissão Interministerial- Setembro, 1991 (Publicado pelo Jornal do Brasil em 15 de setembro de 1991).

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QUADRO VI ESTADO DA PARAÍBA

EFETIVO DE BOVINOS 1981/1993

ANOS EFETIVO DE BOVINOS

1981 1.295.745

1982 1.225.864

1983 1.055.894

1984 1.128.276

1985 1.240.627

1986 1.431.583

1987 1.397.079

1988 1.409.825

1989 1.456.629

1990 1.345.361

1991 1.315.144

1992 1.319.682

1993 858.853

Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993

QUADRO VII

ESTADO DA PARAÍBA EFETIVO DE CAPRINOS, OVINOS, SUÍNOS E AVES

1981/1993

ANOS CAPRINOS OVINOS SUÍNOS AVES 1981 520.463 414.629 203.412 1.460.876

1982 526111 389.040 200.532 1.581.209

1983 515.023 341.151 181.063 1.371.793

1984 508.230 355.219 213.465 1.701.919

1985 555.054 396.266 243.159 1.805.029

1986 523.140 385.674 280.196 2.346.513

1987 511.900 370.486 284.288 2.273.944

1988 521.602 381.579 298.000 2.592.235

1989 543.447 414.882 325.319 2.415.172

1990 509.450 380.692 300.726 2.422.076

1991 514.016 388.674 308.470 4.154.789

1992 525.735 382.894 312.419 2.768.948

1993 404.443 273.376 230.787 3.858.895

Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993

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QUADRO VIII

ESTADO DA PARAÍBA EVOLUÇÃO RECENTE DA PRODUÇÃO DAS PRINCIPAIS LAVOURAS

ALIMENTARES 1981/1993

PRODUTO

ANO FEIJÃO MILHO MANDIOCA

ÁREA(ha)

QUANT.(t)

ÁREA(ha)

QUANT.(t) ÁREA

(ha) QUANT.

(t)

1981 249.596 28.178 213.494 26.208 62.721 464.470

1982 207.779 27.843 209.506 26.065 60.492 498.426

1983 192.756 26.436 195.937 24.954 192.756 26.436

1984 307.244 133.619 299.025 199.185 51.148 468.015

1985 297.952 78.268 282.448 159.408 56.264 521.251

1986 333.572 107.030 311.990 181.977 56.642 521.555

1987 333.007 42.795 303.891 63.547 49.205 446.500

1988 328.709 109.926 315.474 171.384 44.242 410.610

1989 337.004 103.920 318.284 156.811 50.108 436.054

1990 206.606 47.894 192.556 46.312 46.002 386.340

1991 281.249 94.456 260.971 130.148 47.270 421.741

1992 306.373 69.232 271.075 91.597 50.709 448.494

1993 53.780 9.392 34.769 6.407 31.875 238.601

Fonte: FIBGE. Produção Agrícola Municipal, 1981 a 1993.

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176 Emília Moreira e Ivan Targino

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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 177

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4. ESTRUTURA FUNDIÁRIA

“Deus fez a grande natura Com tudo que ela tem, Mas não passou escritura Da terra para ninguém Se a terra foi Deus quem fez Se é obra da criação Deve cada camponês Ter uma faixa de chão. Esta terra é desmedida E com certeza é comum, Precisa ser dividida Um tanto pra cada um.”

Versos do poema “A Terra é Nossa”. Patativa do Assaré.

O perfil da distribuição da propriedade fundiária na Paraíba é o resultado de um longo processo, que tem suas origens na produção do espaço colonial. Como foi analisado an-teriormente, essa produção, subordinada aos interesses do capital mercantil, teve como suporte a concessão de grandes sesmarias para a exploração da cana-de-açúcar no Litoral e da pecuária (e posteriormente também do algodão) no interior. O controle mo-nopolista da terra, elemento essencial ao espaço colonial, foi re-forçado com a Lei de Terras de 1850. Não se deve esquecer que o poder sobre a terra representava também o controle sobre o processo de produção e reprodução da força de trabalho rural. Daí porque, no ser "senhor de terra" estava embutido o "ser obedecido por muitos", na expressão de Antonil. Os senhores de Engenho do Litoral e os latifun-diários pecuaristas do Sertão paraibano constituíam o poder do-

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minante. Estes e suas famílias ditavam, de fato, a ordem e a lei. O controle político, rebatimento do poder econômico, era privilé-gio daquelas poucas famílias da aristrocacia rural que se reveza-vam no poder. Hoje, embora a história tenha determinado altera-ções na organização sócio-econômica do Estado, os filhos das tradicionais oligarquias rurais, travestidos da nova roupagem dos camarins políticos regionais, permanecem imbuídos da mesma necessidade de mando, controle e posse da terra. Por outro lado, a estrutura agrária, não obstante ter sofrido mudanças significativas ao longo do tempo, sobretudo no que diz respeito às relações de trabalho (substituição do traba-lho escravo pelo trabalho livre, proletarização do campesinato, etc.), preservou sua característica principal: a elevada concentra-ção fundiária. Em outras palavras, a propriedade da terra perma-neceu concentrada nas mãos de uma minoria de pessoas, enquan-to a grande maioria dos proprietários continuou possuidora de pequenos lotes, que, agregados, representam uma pequena parce-la da área agrícola do Estado. Isso, sem levar em consideração o grande número de produtores diretos, desprovidos do direito de propriedade. Chama a atenção o fato da modernização da agri-cultura levada a efeito na década de 70 não ter contribuído para a reversão desse quadro. Bem ao contrário, agravou-o. Nesse perí-odo, os estabelecimentos agropecuários do Estado sofreram um ligeiro declínio: passaram de 169.667 em 1970, para 167.482 em 1980, o que representou uma redução da ordem de 1,3%. Esse resultado é devido aos estabelecimentos com menos de 20 hecta-res que, no período em foco, viram declinar o seu número em mais de quatro mil unidades (v. quadro IX). Comportamento inverso teve a área ocupada pelo total dos estabelecimentos ru-rais. Essa passou de 4.582.832 hectares para 4.906.458 hectares, o que significou um aumento da ordem de 7,1% (v. quadro IX). Em conseqüência, tem-se a elevação da área média dos estabele-cimentos bem como do índice de concentração da propriedade

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da terra (v. quadro IX). O índice de Gini47 passou de 0,823 em 1970 para 0,829 em 1980 (HOFFMANN, 1982). Os menores e os maiores estabelecimentos alteraram sua participação na área agrícola recenseada. Os estabelecimentos com menos de 50 hec-tares que ocupavam, em 1970, 25,5% da área total, viram cair essa participação para 23,5% em 1980. Os menores de 20 hectares reduziram em dois pontos percentuais sua participação na área total (de 14,0% para 12,0%). Enquanto isso, a área ocupada pelos estabelecimentos maiores de 500 hectares, que equivalia a 33,3% da área agrícola total em 1970, passou a representar 34,5% em 1980 (v. quadro IX). A redução experimentada pelos pequenos estabe-lecimentos reflete, de um lado, o processo de intensificação da concentração fundiária que teve lugar na Paraíba nos anos 70 e, de outro, a diminuição das possibilidades de acesso à terra, atra-vés do arrendamento e de outros arranjos institucionais. Essa redução pode ser atribuída, em parte, à incorporação das peque-nas pelas médias e grandes unidades de produção. De fato, entre 1970 e 1980 os estabelecimentos rurais com mais de 100 hectares cresceram 8,6%. Ela representa, também, uma importante mu-dança de comportamento dos pequenos estabelecimentos rurais. Como se sabe, uma das características da pequena propriedade é a sua acentuada inclinação ao fracionamento, de-corrente da sua subdivisão por motivo de herança. Daí, observar-se tradicionalmente, não sua redução, mas, ao contrário, sua mul-tiplicação. No caso específico da Paraíba, isso se confirma entre 1950 e 1970 pelo aumento tanto do número quanto da área dos estabelecimentos com menos de 50 hectares. Esses passaram de 57.566 em 1950, para 153.979 em 1970, enquanto que sua área quase duplicou no mesmo período (654.688 hectares em 1950

47O índice de Gini é uma medida de concentração. Ele varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo da unidade, maior o grau de concentração. É importante ressaltar, que esse índice não considera os trabalhadores sem terra. Ele mede o grau de concentração fundiária apenas entre os estabelecimentos rurais existentes. Vale lembrar que o grau de concentração deve ser maior do que o indicado pelo índice, visto que este não capta o fato de um mesmo titular possuir mais de um estabelecimento.

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contra 1.170.890 hectares em 1970). O que poderia explicar essa reversão de tendência observada na década de 70? Algumas hipóteses podem ser levantadas para esclarecer o fenômeno: a) a expansão da pecuária e da cana-de-açúcar, atividades que exigem grandes extensões de terra para a sua ex-ploração, teria contribuído para a incorporação dos pequenos aos grandes estabelecimentos; b) as políticas de crédito e assistência técnica diri-gidas preferencialmente aos grandes produtores devem ter con-tribuído para o fortalecimento da grande propriedade em detri-mento da pequena; c) a utilização dos recursos do Programa de Inte-gração Nacional (PIN) e do PROTERRA para a aquisição de terras, pode ter concorrido para a intensificação da concentração fundiária; d) a extensão do direito de aposentadoria aos tra-balhadores rurais, aliada à intensa migração de jovens, teria esti-mulado a venda dos pequenos lotes de terra; e) a propaganda e o incentivo à aplicação de capi-tal em cadernetas de poupança, através dos meios de comunica-ção, podem ter levado uma parcela dos pequenos proprietários a vender os seus lotes, acreditando que o rendimento da aplicação lhes garantiria o futuro; f) a incidência das estiagens prolongadas pode ter obrigado os pequenos produtores a vender suas terras como forma de assegurar a sobrevivência da família. Se o pequeno pro-dutor, em período climático estável, não consegue retirar da terra o necessário para a sobrevivência sua e dos seus, em períodos de estiagem prolongada, então, sobreviver significa, no mais das vezes, vender seu sítio ao grande proprietário vizinho a um pre-ço, em geral imposto por este último, e migrar com a família para a cidade à procura de melhor condição de sobrevivência. E a seca, que já carrega em suas entranhas o estigma da morte, cei-fando na sua passagem a vida de milhares de crianças e adultos, é

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utilizada para acentuar a pobreza e o estado de miséria em que vive o pequeno produtor, garantindo a ampliação das grandes propriedades. A seca funcionaria como um fator de agravamento da questão fundiária. Assinale-se que, embora a concentração fundiária seja a característica marcante da distribuição fundiária como um todo, existem diferenciações no grau desta concentração em nível regional e municipal. Isso pode ser confirmado através da análise do mapa de concentração fundiária do Estado de 1980 (MO-REIRA,1996), o qual demonstra que: a) em 34 municípios o índice de Gini era igual ou superior a 0,80. Destes, quatorze situavam-se no Litoral, doze no Agreste, e os demais dispersos na região semi-árida. Coinciden-temente, é nas áreas de clima e solos mais favoráveis à atividade agrícola que o acesso à terra é mais concentrado na mão de uma minoria de pessoas. No Litoral e Agreste essas áreas correspon-dem às de domínio da atividade canavieira; b) em 70 municípios o índice variava entre 0,70 e 0,79, o que corresponde a uma também elevada concentração de terra. Nesses municípios, podiam-se encontrar formas diferencia-das de utilização do solo, tais como: a cana-de-açúcar (no Brejo), a combinação gado-policultura alimentar (no Curimataú Orien-tal), o sisal, o algodão arbóreo e a pecuária extensiva (no Curima-taú Ocidental e Seridó Oriental), a combinação gado-algodão (no Seridó Ocidental, no Cariri e em torno de Piancó, Sousa, Pombal e Catolé do Rocha); c) em 42 municípios o índice variava entre 0,60 e 0,69. Esses municípios acham-se localizados no extremo oeste do Estado (em torno de Cajazeiras), em Itaporanga e circunvizi-nhança, onde a forma de organização do espaço agrário baseava-se na atividade pecuária, na produção de algodão e da policultura alimentar e na Serra de Teixeira onde, além da produção sisaleira, a policultura alimentar assume até os dias atuais, uma posição expressiva. Incluem-se, ainda, nesse grupo, alguns municípios do Seridó e do Agreste, além de Pitimbu, no Litoral;

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d) em 20 municípios o índice variava entre 0,40 e 0,59. Esses municípios estão concentrados ao sul de Cajazeiras e aparecem de modo disperso ao norte de Campina Grande (Ala-goa Nova e Serra Redonda), no Curimataú (Cacimba de Dentro) e na zona de influência de Guarabira (Lagoa de Dentro e Duas Estradas), áreas onde se destaca a policultura alimentar; e) em 05 municípios encontrava-se um grau muito baixo de concentração fundiária (entre 0,20 e 0,39). Trata-se de municípios voltados para a policultura alimentar e para a produ-ção da batata-inglesa. Eles fazem parte das Microrregiões do A-greste de Esperança e de Campina Grande; O grau de concentração da propriedade fundiária e as diferenças espaciais desta concentração são também eviden-ciados pelos mapas relativos à participação dos estabelecimentos menores de 50 e maiores de 500 hectares no número e na área total dos estabelecimentos contidos no Atlas de Geografia Agrá-ria da Paraíba (MOREIRA,1996). Da análise desses mapas, alguns aspectos da realidade fundiária se destacam. Entre esses, podem-se apontar:

na quase totalidade dos municípios paraibanos, a participação dos estabelecimentos com menos de 50 hectares em relação ao número total de estabelecimentos era superior a 60,0%, em 1980. Comportamento inverso é verificado relativamente à sua participação na área total dos estabelecimentos. Pode-se até a-firmar que um mapa se constitui na "negativa" do outro;

os municípios onde mais de 90,0% dos estabelecimentos ti-nham menos de 50 hectares concentravam-se em três unida-des regionais distintas: Litoral, Agreste e Serra de Teixeira: o que vale dizer, que a menor participação dos estabelecimentos pequenos é encontrada nas regiões mais caracteristicamente semi-áridas e onde a ocupação se deu sob a égide da pecuária extensiva;

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as menores participações dos estabelecimentos com menos de 50 hectares na área total dos estabelecimentos são encontradas em municípios da franja litorânea, do Agreste Baixo, do Cariri e do Seridó Oriental;

a microrregião do Agreste de Esperança constitui, no contex-to estadual, uma exceção quanto à forma como nela se distri-bui a propriedade da terra. Nessa região, a participação dos es-tabelecimentos com menos de 50 hectares é predominante tanto em relação ao número quanto em relação à área total dos estabelecimentos. Chama-se a atenção também para o fa-to de, nessa região, não ter sido registrado, pelo Censo Agro-pecuário de 1980, qualquer estabelecimento com área superior a 500 hectares. Daí, definir-se o Agreste de Esperança como área minifundiária por excelência. A particularidade dessa regi-ão já foi destacada na análise do índice de Gini;

diferentemente do que ocorre com os estabelecimentos rurais menores de 50 hectares, nos municípios onde os estabeleci-mentos com área igual ou superior a 500 hectares tinham as mais altas taxas de participação em relação ao número dos es-tabelecimentos, aí também ocorriam as mais altas participa-ções em relação à área, como era de se esperar;

as maiores taxas de participação desses estabelecimentos na área total ocorriam no Litoral, na porção meridional do Agres-te Baixo, na porção ocidental do Agreste, no Cariri, em torno de Patos e ao norte da microrregião de Catolé do Rocha. Nes-sas regiões, os grandes estabelecimentos detinham mais de 40,0% da área agrícola, merecendo destaque sete municípios do Litoral onde tal participação era superior a 60,0% (MO-REIRA,1996);

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a faixa do extremo oeste do Estado (principalmente ao sul de Cajazeiras), deve ser sublinhada. Nela, de um modo geral, e-ram baixas as participações tanto das pequenas quanto das grandes unidades de produção, quer em relação ao número, quer em relação à área total dos estabelecimentos. Daí, encon-trarem-se na região de Cajazeiras baixos índices de concentra-ção da propriedade fundiária em relação à média estadual. Di-zendo de outra forma, os pequenos valores do índice de Gini, nessa região, antes de representarem um acesso mais democrá-tico à terra, exprimem um menor coeficiente de dispersão das distribuições dos estabelecimentos segundo a área e o número.

Em resumo, embora a concentração seja a marca maior da estrutura fundiária paraibana, verifica-se uma diferencia-ção espacial nesse padrão. A análise das participações dos peque-nos e grandes estabelecimentos no total do número e da área dos estabelecimentos agropecuários reforça as diferenciações regio-nais de concentração da propriedade rural mostradas pelo índice de Gini para o ano de 1980. O Litoral, o Cariri (ocidental e orien-tal) e o Seridó Oriental eram as regiões que apresentavam as mai-ores concentrações de terra nas mãos de poucos proprietários. No outro extremo da escala, em oposição ao Litoral latifundiário-monocultor, estava a região do Agreste de Esperança, área mini-fundiária e policultora por excelência. No que se refere ao período de 1980 a 1985, cer-tas alterações foram identificadas na estrutura fundiária da Paraí-ba. De fato, como pode ser visto no quadro IX, no qüinqüênio 1980/1985 a área média dos estabelecimentos rurais da Paraíba decresceu em relação à década anterior; o índice de Gini também apresentou uma ligeira redução; a participação dos estabelecimentos menores de 50 hectares na área total aumentou, enquanto a dos estabelecimentos maiores de 500 hectares dimi-nuiu. O que explicaria essa aparente reversão de ten-dência?

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Analisando mais detalhadamente os dados relati-vos a 1985, observa-se que o aumento da participação dos pe-quenos estabelecimentos na área total deve-se exclusivamente à expansão dos menores de 10 hectares. Eles aumentaram sua par-ticipação de 66,86% em 1970 para 72,84% em 1985. A área ocu-pada por tais estabelecimentos, embora tenha crescido, não a-companhou o mesmo ritmo do crescimento do seu número, contribuindo para a redução do seu tamanho médio de 3,0 hecta-res, no início do período em foco, para 2,6 hectares no final do período (v. quadro X). A diminuição da participação dos grandes estabe-lecimentos, por sua vez, deve-se aos maiores de 1000 hectares. Eles representavam 0,34% do total dos estabelecimentos em 1980; em 1985 passaram a representar 0,27%. A sua participação na área total declinou no período de 22,19% para 19,96% (v. quadro X). Ao mesmo tempo em que se verificam essas alte-rações nos extremos da distribuição dos estabelecimentos, os situados entre 10 e 20 hectares continuaram o processo de retra-ção observado na década anterior. Entre 1980/1985 essa retração foi comum também aos estabelecimentos situados entre 20 e 50 hectares. Concomitantemente, as médias e grandes unidades pro-dutivas entre 100 e 1000 hectares mantiveram a tendência de crescimento do número e da área observada entre 1970/1980 (v. quadro X). Esses indicadores parecem apontar para uma es-tabilização ou melhoria no padrão de concentração da posse da terra no Estado. Todavia, alguns aspectos precisam ser levados em consideração antes de se chegar a tal conclusão. Em primeiro lugar, faz-se necessário frisar que, na Paraíba, entre 1980 e 1985, fortaleceram-se a organização dos trabalhadores e a ação sindical, surgiram as primeiras greves de canavieiros no campo e multiplicaram-se os conflitos pela posse da terra. Isto teria gerado uma corrida por parte dos grandes proprietários em direção ao desmembramento de suas proprie-

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dades a fim de evitar possíveis ações desapropriatórias. À subdivi-são da propriedade, seguia-se a transferência de titularidade para os membros mais próximos da família. Uma pequena amostra desse procedimento pode ser identificada no Incra, em processos de diversos conflitos de terra que eclodiram no período. Pode-se afirmar com segurança que entre 1980 e 1985, à subdivisão da grande propriedade por motivo de herança, quando da morte do proprietário, somou-se esta outra forma de subdivisão por trans-ferência de titularidade, com o proprietário em vida, como forma de driblar possíveis ações de desapropriação por parte do Estado. Esse procedimento se intensificará a partir de 1985 com a im-plantação do I Plano Nacional de Reforma Agrária. Em segundo lugar, a diminuição do tamanho mé-dio dos estabelecimentos com menos de 10 hectares parece indi-car que parte da sua expansão se deu em função do seu próprio fracionamento. Em outras palavras, o crescimento da pequena propriedade familiar, observado no qüinqüênio 1980/1985, pode ser fruto tanto do ganho de terras por parte dessas pequenas unidades produtivas,48 quanto da pulverização dos pequenos es-tabelecimentos e da conseqüente intensificação do processo de minifundização resultante da subdivisão por herança. A continuidade do processo de redução dos esta-belecimentos maiores de 10 e menores de 20 hectares e o decrés-cimo em número e área dos maiores de 20 e menores de 50 hec-tares não só reforça esta hipótese do fracionamento da pequena unidade produtiva, como sugere que parte das terras ganha pelos microestabelecimentos resulta muito mais desta subdivisão do que da incorporação de terras oriundas das grandes unidades de produção. Em terceiro lugar, pode-se ainda atribuir o cres-cimento da pequena propriedade49 nos primeiros anos da década

48 De fato, entre 1980 e 1985 os pequenos estabelecimentos (com área inferior a 10 hectares) com

terras próprias cresceram 28,9% (passaram de 50,6 mil para 65,2 mil). 49Aqui entendida como sinônimo de pequeno estabelecimento, não deve ser confundida com a pequena propriedade minifundiária identificada pelo Incra.

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de 80 à luta dos trabalhadores por terra. Sabe-se que na Paraíba a resistência camponesa à expulsão-expropriação promovidas pela expansão das atividades canavieira e pecuária e os conflitos daí resultantes foram responsáveis pela desapropriação de 41.246 hectares de terra e pela aquisição e transferência de mais de 4.000 hectares para assentamento de população no período50. Acredita-se que essa contribuição dos trabalhadores para a melhoria do padrão fundiário do Estado, através da luta por terra, deve ter crescido substancialmente a partir de 1985. O aumento do núme-ro de conflitos agrários e a solução de vários deles via desapropri-ação e compra de propriedades efetuadas pelo Incra, sobretudo a partir de 1993 e o assentamento subseqüente de trabalhadores nessas áreas, situadas principalmente no Litoral e no Agreste pa-raibanos, deve ter contribuído neste período mais recente para diminuir o número dos excluídos do direito de acesso à terra na Paraíba. O próximo Censo possivelmente comprovará essa in-formação. Em suma, pode-se inferir, a partir do exposto, que embora se tenha observado um aumento do acesso à terra por parte do pequeno produtor no período de 1980/1985, o padrão de concentração da propriedade fundiária no Estado (com índice de Gini de 0,815 em 1985) ainda é muito alto. Em muitos muni-cípios, sobretudo do Agreste e do Cariri (oriental e ocidental), ele foi até mesmo reforçado (comparar os mapas de concentração da terra de 1980 e 1985 in: MOREIRA,1996). Os municípios que se distinguiam em 1985 como os que possuíam a mais elevada concentração da propriedade da terra no Estado (índice de Gini superior a 0,90) eram, respecti-vamente: Cabedelo (0,939)51; Santa Rita (0,934); Cruz do Espírito Santo (0,920); Rio Tinto (0,917) e Pilar (0,904), todos situados na

50Ver a respeito o capítulo referente aos movimentos sociais no campo. 51Deve-se considerar o município de Cabedelo como uma exceção, uma vez que ele é essencialmente urbano. A atividade agropecuária, se é que assim pode ser considerada, restringe-se a pequenas granjas onde o coco-da-baía e uma pecuária incipiente estão a cada dia cedendo lugar aos loteamentos de veraneio e a habitações secundárias.

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Mesorregião da Mata Paraibana. No outro extremo, os municí-pios que apresentavam a melhor distribuição da posse da terra em 1985 eram: Baía da Traição (0,206)52; Lagoa Seca (0,302); Pu-xinanã (0,329) e São Sebastião da Lagoa de Roça (0,279). Alguns outros municípios também se distinguiam pela baixa concentra-ção fundiária. Eram eles: Tavares (0,498); Areial (0,426); Alagoa Nova (0,474) e Montadas (0,424). Todos estes municípios tive-ram o grau de concentração aumentado entre 1980 e 1985 (v. mapas da concentração da terra in: MOREIRA:1996). É importante também destacar, ao se estudar a estrutura fundiária de um Estado como o da Paraíba, que o pro-blema não se resume apenas à desigual distribuição da terra entre proprietários. Essa é apenas uma face do problema. A outra face, tão ou mais importante que a anterior, é aquela representada pelo grande número de trabalhadores sem terra. Não se dispõe de dados conclusivos que possibilitem precisar o número de traba-lhadores sem terra no Estado. No entanto, a partir de alguns dados censitários, pode-se ensaiar uma estimativa precária. Em 1980, foram recenseados 167.485 estabelecimentos agropecuários. Naquele mesmo ano, o Censo registrava 234.859 famílias residen-tes na zona rural. Mesmo supondo-se que cada estabelecimento pertence a uma família (o que não ocorre), resultaria que cerca de 67 mil famílias residentes na zona rural não tinham a propriedade da terra. Deve-se lembrar outro fator que concorre para a subes-timação: naquele número não estão incluídas as famílias que, em-bora residentes nas cidades, tinham a sua força-de-trabalho ocu-pada nas atividades primárias. A permanência de altos índices de concentração da propriedade fundiária faz com que a Reforma Agrária perma-

52Chama a atenção esse dado obtido através do Censo de 1985 para o município de Baía da Traição. Isto porque esse município apresentava um dos mais altos índices de concentração da propriedade da terra do Estado em 1980. Por outro lado, nele não se constatou, entre 80/85, nenhum fato que justificasse uma mudança tão radical no seu padrão de concentração da propriedade da terra (política agressiva de reforma agrária ou multiplicação das áreas de conflito, etc.). Pode-se supor a partir daí que tenha havido alguma falha no levantamento ou no processamento das informações em nível censitário, seja superdimensionando os indicadores relativos a 1980, seja subdimensionando-os em 1985.

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neça na ordem do dia. O discurso conservador tem tentado mos-trar que esse é um tema superado, arcaico, ultrapassado. O pro-gresso técnico, a subordinação real da agricultura ao capital, a verticalização e integração do processo produtivo teriam trans-formado o agro brasileiro tão radicalmente que a estrutura fundi-ária não se constituiria mais em empecilho para o desenvolvimen-to sócio-econômico do país. Segundo esta visão, a realização de uma reforma agrária, isto sim, constituir-se-ia em um problema. Iria subtrair terras de empresas competentes para entregá-las a pessoas sem capacidade de gerenciamento e sem condições de capitalização. Exemplificam tais afirmações com o que tem ocor-rido em certas áreas desapropriadas para fins de Reforma Agrária. A análise do caso paraibano mostra alguns pontos importantes:

a modernização da agricultura, conforme visto no capítulo 3, concorreu para a pecuarização e para o fortalecimento da mo-nocultura, tornando o setor primário estadual como que refém do gado e da cana;

o crescimento da riqueza produzida não se deu concomitan-temente com a sua distribuição, o que vale dizer que as condi-ções de vida da população trabalhadora rural não foram me-lhoradas na mesma proporção (v. cap. 3);

as relações de trabalho, como será visto no capítulo 7, foram modernizadas. Isto é, foram quebradas as ligações do traba-lhador com a terra ao se reduzir a parceria, o arrendamento e a morada. O trabalhador, para garantir sua sobrevivência, pas-sa a depender apenas da venda de sua força-de-trabalho;

ao tempo em que o trabalho se apresenta “livre”, reduz-se o requerimento da força-de-trabalho por hectare explorado, em virtude das mudanças nas relações técnicas de produção;

o desenraizamento do trabalhador em relação à terra enquanto fonte de alimento (e, parcialmente, de trabalho) leva-o à mu-

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dança de habitat, indo residir nas periferias urbanas. É intenso o êxodo rural no período (v. capítulo 6).

Tem-se como resultado o aguçamento dos pro-blemas sociais, colocando em risco o ordenamento social estabe-lecido. Não fosse por outras razões, o quadro social que se dese-nha com as cores dramáticas da miséria, da fome, da marginalida-de, da estruturação de poderes paralelos ao do Estado traz a questão agrária para a ordem do dia. Em vez de problema supe-rado, é um problema a ser superado e com certa urgência. Além das razões apontadas acima para a necessi-dade de democratização da propriedade fundiária, importa desta-car o papel desempenhado pela pequena propriedade tanto no que se refere à sua capacidade de absorção da mão-de-obra, quanto à produção agropecuária, em especial, na produção das principais lavouras de subsistência. As estatísticas oficiais confir-mam tal assertiva. Em 1980, por exemplo, eram os pequenos estabelecimentos que absorviam a maior parte de mão-de-obra ocupada no setor primário. Das 648,6 mil pessoas ocupadas na agropecuária, 624,8 mil (96,33%) eram absorvidas pelos estabele-cimentos de até 50 hectares. Só nos menores de 10 hectares esta-va ocupada 43,79% da força-de-trabalho do setor. Eram ainda os estabelecimentos menores de 50 hectares que respondiam por 48,6% do valor da produção agropecuária (49,8% da produção animal e 47,9% da produção vegetal). No caso das culturas do milho, do feijão e da mandioca, a participação dos pequenos es-tabelecimentos no total do valor da produção agrícola estadual era de 74,9%, 82,4% e 88,5% respectivamente (v. quadro XI). As médias e grandes propriedades são obrigadas a organizar suas atividades tendo em vista a obtenção do lucro, conseqüência da subordinação da agricultura ao capital. Daí vol-tar-se para aquelas atividades e culturas cuja rentabilidade seja sustentada pelo mercado ou pelas políticas governamentais. As culturas onde os riscos são maiores, como é o caso das culturas alimentares tradicionais, na Paraíba, são deixadas para a pequena

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produção. Aí, a organização familiar da produção tem maior elas-ticidade de absorção dos riscos climáticos e mercadológicos. Do exposto, o que se apreende é que a pequena produção não é tão ineficiente quanto apregoam os arautos do latifúndio. "Ineficiência" sempre evocada como argumento con-tra a reforma agrária.

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QUADRO IX

ESTADO DA PARAÍBA INDICADORES DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA

1970, 1980, 1985

ESTATÍSTICAS 1970 1980 1985

Mil estabelecimentos com decla-ração de área

169,6 167,4 203,2

Área total (milhões de hectares) 4,5 4,9 4,8

Área média (hectares) 27 29 23,9

Índice de Gini 0,823 0,829 0,815

Estabelecimentos menores de 50 ha/área total

25,5 23,5 24,5

Estabelecimentos menores de 20 ha/área total

14,0 12,0 13,5

Estabelecimentos maiores de 500 ha/área total

33,3 34,5 32,6

Fonte: FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba, 1970, 1980, 1985.

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QUADRO X

ESTADO DA PARAÍBA

EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA

1970/1980/1985

1970 1980 1985

CLASSE DE

ÁREA (ha)

No. DE ESTS.

%

ÁREA DOS

ESTS. (ha)

%

No. DE ESTS.

%

ÁREA DOS ESTS (ha)

%

No. DE ESTS

%

ÁREA DOS

ESTS. (ha)

%

0-10 115.842 68,28 372.292 8,12 11.981 66,86 345.993 7,05 148.052 72,84 393.527 8,08

10-20 20.965 12,36 279.411 6,09 20.471 12,22 270.953 5,52 20.329 10,00 268.586 5,51

20-50 17.172 10,12 519.187 11,33 17.869 10,67 539.189 10,99 17.737 8,73 535.432 10,99

50-100 7.290 4,30 493.168 10,76 7.992 4,77 544.281 10,09 7.940 3,91 540.245 11,09

100-200 4.165 2,45 556.232 12,14 4.477 2,73 612.605 12,49 4.627 2,27 618.401 12,69

200-500 2.861 1,69 835.741 18,24 3.052 1,82 897.277 18,29 3.117 1,53 923.916 18,97

500-1000 817 0,48 547.005 11,94 905 0,54 607.426 12,38 921 6,45 619.082 12,71

1000 e + 530 0,31 979.796 21,38 563 0,34 1.088.734 22,19 541 0,27 972.224 19,96

s/área declarada

25 0,01 – – – – – – – – – –

TOTAL 169.667 100,00 4.582.832 100,00 167.485 100,00 4.906.458 100,00 203.264 100,00 4.871.413 100,00

Fonte: FIBGE. Censos Agropecuários da Paraíba, 1970, 1980 e 1985.

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QUADRO XI

ESTADO DA PARAÍBA PESSOAL OCUPADO E VALOR DA PRODUÇÃO ANI-MAL E VEGETAL, SEGUNDO AS CLASSES DE ÁREA

1980

CLASSES DE ÁREA

(ha)

PESSOAL

OCUPADO

VALOR DA PRODUÇÃO

ANIMAL (CR$ 1.000)

VALOR DA PRODUÇÃO VEGETAL

(CR$ 1.000)

- 10 333.753 1.445.375 3.425.377

10 - 20 82.900 634.833 934.430

20 - 50 83.385 962.843 1.250.437

50- 100 47.093 663.417 899.198

100 - 1.000 83.548 1.806.825 3.585.934

1.000 - 10.000 17.719 586.843 1.598.760

10.000 e mais 112 6.049 1.934

s/declaração 97 – –

TOTAL 648.607 6.109.285 11.696.923

Fonte: FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba, 1980.

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196 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA FIBGE. Censos agropecuários da Paraíba, 1970, 1980 e 1985. __________ Censo demográfico da Paraíba, 1980. HOFFMANN, R. “Evolução da desigualdade da distribuição da posse da terra no Brasil no perío-

do 1960-80”. In: Revista Brasileira de Reforma Agrária. Campinas 12(6), Nov/Dez., 1982.

MOREIRA, Emilia de Rodat F. Evolution et transformations récentes de l'organisation agraire de la Paraíba. Paris. Tese de Doutorado, 1988.

__________ Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa, Ed. Universitária, 1996. SAMPAIO & SILVA. “A questão agrária no Brasil: o que realmente mudou nos anos 80/85?” In:

Revista Brasileira de Reforma Agrária. Campinas, 17(3) Dezembro 87/maio 88.

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5. MODERNIZAÇÃO TÉCNICA DA AGROPECUÁRIA ESTADUAL

“Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura! Química agrícola, e o comércio quase uma ciência! Ó mostruários dos caxeiros-viajantes Dos caxeiros viajantes, cavaleiros andantes da Indústria, Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios! Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó úl-timos figurinos! Ó artigos inúteis que todo mundo quer com-prar! Olá grandes armazéns com várias seções! Olá anúncios elétricos que vêm e estão e de-saparecem! Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem! Eh, cimento armado, beton de cimento, no-vos processos! Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos! Couraças, canhões, metralhadoras, submari-nos, aeroplanos!

Versos do poema “Ode Triunfal”de Fernando Pessoa

O processo recente de modernização da agricultu-ra brasileira subentendeu a sua subordinação às necessidades de acumulação capitalista. Ao subordinar-se às leis do lucro, a agricultura necessita aumentar a produtividade do trabalho, ou seja, ela ne-cessita que cada trabalhador produza mais em menos tempo. Isso só é possível de obter-se aumentando a jornada e/ou intensifi-

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198 Emília Moreira e Ivan Targino

cando o ritmo de trabalho das pessoas. Para tal, se faz necessário uma mudança nas relações técnicas de produção, o que leva a uma integração maior da agricultura com a indústria, seja como compradora de adubos, máquinas e defensivos, seja como vende-dora de matérias-primas. No Brasil, a implantação da indústria pesada entre 1955 e 1961, a consolidação do Complexo Agroindustrial, a cria-ção de um Sistema de Crédito Nacional, a intensificação do pro-cesso de urbanização e a ação do Estado através da implementa-ção de políticas agrícolas destinadas a favorecer e incentivar a aquisição dos produtos da indústria pelos produtores rurais (so-bretudo os médios e grandes), constituíram a mola mestra da "modernização conservadora da agricultura". Do ponto de vista tecnológico, essa modernização apoiou-se em dois elementos básicos: a quimificação e a mecanização. Segundo Kageyama e Silva, na década de 70 o consumo aparente de defensivos agrícolas no Brasil cresceu a taxa de 7,2% ao ano, tendo sido os herbicidas que apresentaram as maiores taxas. O consumo de fertilizantes também cresceu muito, a uma taxa geométrica real média de 15,5% ao ano e o número de tratores utilizados nos estabelecimentos agropecuários multiplicou-se por três (KAGEYAMA & SILVA, 1983:542/543). Essa incorporação do progresso técnico propicia-do pelo processo de modernização da agricultura se processou, porém, de forma espacialmente desigual. Ela foi bem mais inten-sa no Centro-Sul do país do que nas regiões Norte e Nordeste. Exemplo disso é a concentração de 80,9% do número de tratores existentes no país em 1980, nas regiões Sul e Sudeste contra 7,4% no Norte e Nordeste. Em nível estadual, São Paulo distinguia-se com 25,9% do total de tratores utilizados no setor agropecuário nacional, seguido do Rio Grande do Sul (com 22,4%), do Paraná (com 15,4%), e de Minas Gerais (com 8,9%) (FIBGE, 1980:54). Enquanto isso, na Paraíba, existiam em 1980 menos de 1,0% do total nacional. Considerando-se o uso de trator como o principal elemento da mecanização da agricultura brasileira, este dado refe-

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rente à Paraíba pressupõe um processo de modernização bastante modesto. O processo mais atenuado de modernização da agricultura paraibana em relação ao Centro-Sul do país é também evidenciado pelos seguintes indicadores relativos ao ano de 1980: a) apenas 3,8% dos estabelecimentos agropecuá-rios utilizavam adubos químicos; b) o número de arados mecânicos existentes era inferior a 3.000 para um total de 167.485 estabelecimentos rurais (em média, para cada mil estabelecimentos existiam 13,5 arados mecânicos); c) o gasto dos estabelecimentos com defensivos agrícolas correspondia a 1,6% do total de suas despesas, e; d) a área irrigada representava apenas 0,4% da área dos estabelecimentos rurais existentes no Estado. Esses baixos valores indicam um grau ainda muito baixo de tecnificação da agricultura paraibana em 1980. Todavia, quando comparados aos valores existentes em 1970, eles deixam transparecer, em nível estadual, um movimento ascendente re-presentado, sobretudo, pela intensificação da utilização de pro-cessos mecânicos (tratores, arados, colhedeiras) e de insumos químicos (fertilizantes, corretivos, defensivos). Esse movimento ascendente pode ser constatado através: a) do crescimento observado no número de trato-res existentes. Esses passaram de 822 em 1970, para 3.109 em 1980, o que significou um aumento de 2.287 unidades, corres-pondente a um crescimento relativo de 278,2%; b) da redução da área média por trator utilizado. Essa, que era de 5.575,2 hectares em 1970, declinou para 1.578,1 hectares em 1980; c) da redução da média dos estabelecimentos a-gropecuários por trator utilizado, de 206 para 54 no mesmo perí-odo;

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200 Emília Moreira e Ivan Targino

d) do crescimento do número de arados mecâni-cos que, de 659 em 1970, passaram para 2.275 em 1980, o que significou um aumento absoluto da ordem de 1.616 arados (equi-valente a um crescimento relativo de 245,2%); e) do declínio da área média utilizada por arado mecânico, de 6.954,2 hectares em 1970 para 2.156,7 hectares em 1980; f) da redução da média dos estabelecimentos por arado mecânico utilizado, que caiu de 257 para 73 no mesmo período. g) do aumento da disponibilidade de tratores em relação à força-de-trabalho que mais do que triplicou: de 1,4 tra-tor, passou para 4,8 trator por 1.000 pessoas ocupadas na agricul-tura no período de 1970/1980. Este aumento foi superior ao verificado em nível nacional. De acordo com Kageyama e Silva, no Brasil, no mesmo período, a disponibilidade de tratores por pessoa ocupada não chegou a triplicar. Ela passou de 9,4 para 25,1 trator por 1.000 pessoas ocupadas (KAGEYAMA & SIL-VA, 1983: 544). Além desses indicadores do crescimento da me-canização referentes à década de 70, observou-se ainda um im-portante aumento do número de estabelecimentos que passaram a utilizar adubos químicos. De 579 em 1970, eles chegaram a a-tingir um número superior a 6.000 em 1980. Tem-se também um aumento bastante significativo dos gastos dos estabelecimentos com defensivos agrícolas (de Cr$ 1.777 milhões em 1970 passa-

ram para Cr$ 72.423 milhões53

em 1980) e dos gastos com adu-bos e corretivos que deu um salto de Cr$ 4.389 milhões em 1970

para Cr$ 270.572 milhões54

em 1980. Esse fortalecimento da mecanização e da utiliza-ção de fertilizantes e defensivos químicos foi disseminado em todas as Microrregiões do Estado. Existem, porém, diferenças

53Em Cr$ de 1970. 54Em Cr$ de 1970.

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espaciais quanto à sua intensidade, evidenciados nos mapas do Atlas de Geografia Agrária da Paraíba (v. MOREIRA,1996). Da análise desses mapas, pode-se inferir que: a) em 1980, a área que concentrava o maior nú-mero de tratores do Estado coincidia com a Mesorregião da Mata Paraibana, que detinha 32,7% do total dos tratores existentes. Merecem destaque as Microrregiões do Litoral Sul e de Sapé (com mais de 21,0% do total estadual). Destinguem-se também as Microrregiões sertanejas de Sousa e Catolé do Rocha (com 12,3%) e a Microrregião de Monteiro, no Cariri Ocidental (com 8,8% do total); b) embora na maioria dos municípios do Estado o número de tratores tenha crescido mais de 100,0% na década de 70, merecem ser sublinhados os que compõem o Litoral Sul, Ita-pororoca e Jacaraú no Litoral Norte, além de alguns municípios do Curimataú, do Cariri Ocidental e do Sertão (v. mapa que trata do crescimento dos tratores entre 1970 e 1980 in: MOREIRA, 1996); c) em 1980, era ainda pequeno o uso de colhedei-ras mecânicas. Apenas 219 foram cadastradas pelo Censo, das quais 32,0% se encontravam nos municípios de Santa Rita, Cruz do Espírito Santo, Sapé, Caaporã e Juripiranga, municípios estes onde foi muito forte o avanço da atividade canavieira no período; d) a utilização do arado de tração animal era co-mum a todo o Estado. Todavia, os arados mecânicos eram en-contrados em maior número no Litoral. A Mesorregião da Mata detinha em 1980 31,3% do total de arados mecânicos existentes no Estado com destaque para a Microrregião de Sapé com 13,0% do total estadual; e) o crescimento do número de arados mecânicos nos anos 70 também foi maior no Litoral, sobretudo no Litoral Sul. Taxas de crescimento superiores a 500,0% foram registradas ainda no Agreste, no Cariri, no Seridó Ocidental, em torno de Patos, de Sousa e de Cajazeiras;

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f) nas Microrregiões do Agreste de Esperança, de Teixeira e Catolé do Rocha, áreas que se distinguem, seja pela predominância da pequena e média propriedade, seja pelo relevo montanhoso, pouca ou nenhuma mudança foi observada no que tange à mecanização da atividade agropecuária na década de 70; g) no que se refere à utilização de adubos quími-cos, destaca-se mais uma vez a Mesorregião da Mata Paraibana, seguida, em grau de importância, da Microrregião de Sousa e, no Agreste, das Microrregiões do Curimataú Oriental, do Brejo, de Esperança e de alguns municípios do Agreste Baixo (v. mapa concernente in: MOREIRA, 1996). O que sobressai da análise efetuada é que a me-lhoria do padrão técnico adotado pela agropecuária foi maior na área de tradição canavieira e nas de expansão recente da cana-de-açúcar situadas no Litoral e no Agreste, isto é, nas áreas de maior atuação do Proalcool. Ela foi também importante em algumas Microrregiões sertanejas, em particular, naquelas onde a expansão da atividade pecuária se deu de modo significativo. É importante ressaltar também que a intensifica-ção do processo de mecanização foi mais expressiva nas maiores que nas menores unidades de produção. Exemplo disso é que o crescimento do número de tratores nos estabelecimentos maiores de 200 hectares foi equivalente a cerca de 60,0% do aumento observado para o conjunto do Estado. Nas pequenas propriedades, as inovações tecno-lógicas só foram parcialmente absorvidas. Ressaltam-se, particu-larmente, aquelas cuja introdução depende de uma escala mínima de produção e são mais onerosas, como a mecanização. Em 1980, do total de tratores e arados mecânicos utilizados, apenas 15,9% e 13,7%, respectivamente, pertenciam aos pequenos esta-belecimentos. Em contrapartida, do total dos estabelecimentos que utilizavam adubos químicos e defensivos agrícolas 80,1% e 85,8%, respectivamente, eram menores de 50 hectares. O que vale dizer, que a tendência da tecnificação dos pequenos produto-res da Paraíba, do mesmo modo que acontece para o conjunto

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do país, é de absorver principalmente as tecnologias físico-

químicas e, num grau muito menor, as tecnologias mecânicas.55

Este dado é preocupante uma vez que se sabe que não existe controle e muito menos uma difusão das formas adequadas de utilização de agroquímicos, sobretudo nas pequenas unidades de produção. E são exatamente estas que se responsabilizam pelo grosso da produção de alimentos que é consumido pela popula-ção. Evidencia-se assim o caráter parcial e desigual do processo de modernização. No que tange à mecanização, ela se restringiu a alguns produtos, em especial ao abacaxi e à cana, a-tingiu apenas algumas fases do ciclo produtivo e se incrustou nas médias e grandes propriedades. No caso das tecnologias físico-químicas, pode-se até dizer que sua difusão foi mais "democráti-ca", uma vez que ela atingiu todos os segmentos de propriedade e todos os tipos de produtores. Essa modernização desigual é responsável tanto pela acentuação das disparidades intra e extra-regionais, como pela intensificação da sazonalidade do trabalho agrícola, pelo a-gravamento do êxodo rural e por uma maior concentração da renda e da posse da terra. Esse progresso técnico observado na agricultura paraibana na década de 70, mesmo atenuado, só foi possível gra-ças à ação do Estado. Este, não só subsidiou a aquisição de insu-mos, máquinas e equipamentos poupadores de mão-de-obra, como, através do Proalcool, propiciou a ampliação do parque industrial sucro-alcooleiro estadual. Faz-se necessário chamar a atenção para o fato de que esse avanço do processo de tecnificação da agricultura não persistiu com o mesmo ritmo e intensidade nos primeiros anos da década de 1980. Ao contrário, o que se observou, notadamen-

55 Leia-se a respeito da relação entre tecnologia e campesinato no Brasil, o artigo de José Graziano da Silva: “Tecnologia e Campesinato: o caso brasileiro”. In: A pequena produção agrícola. Santa Maria, V Encontro Nacional de Geografia Agrária, 1984.

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te no que se refere ao avanço da mecanização, foi uma reversão de tendência. O número de tratores declinou de 3.109 em 1980 para 2.884 em 1985 (-7,2% no período) e o de arado mecânico de 2.275 para 2.119 (-6,8% no período). Do ponto de vista espacial, a única região onde o número de tratores continuou crescendo foi a Zona da Mata, área de mais forte expressão do avanço da cana-de-açúcar no Estado e onde se concentra a produção do abacaxi, cultura que é grande absorvedora de tecnologia. Esse crescimento porém, foi expressivamente mais modesto que o observado no período anterior. No que se refere aos arados me-cânicos, não se observou nenhum incremento em qualquer uni-dade espacial, ao contrário, os dados regionais reproduzem a rea-lidade constatada para o conjunto do Estado. Outros indicadores confirmam o arrefecimento do processo modernizador da agri-cultura estadual na primeira metade dos anos 80: a) a área média utilizada com tratores e arados mecânicos aumenta (1.689,3 ha/trator em 1985 contra 1.578,1 em 1980 e 2.299,2 ha/arado mecânico em 1985 contra 2.156,7 em 1980); b) o número médio de estabelecimentos por tra-tor e arado mecânico cresce no período (de 54 para 70 estabele-cimentos/trator e de 73 para 95 estabelecimentos/arado mecâni-co). c) apenas as colhedeiras mecânicas apresentaram um crescimento positivo no período (de 36,9%). Este crescimen-to, porém, foi concentrado em cinco municípios canavieiros: Santa Rita, Pedras de Fogo, Sapé, Alhandra e Mamanguape (com mais de 60% do crescimento observado para o conjunto do Es-tado). A partir das informações colhidas, o que se pode deduzir é que a continuidade do processo de tecnificação da agri-cultura paraibana nesse período limitou-se basicamente à incor-poração das tecnologias físico-químicas. De fato, o número de estabelecimentos agrícolas que utilizam adubos químicos cresceu entre 1980 e 1985 7,17% ao ano (o que representou um aumento

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absoluto da ordem de 2.672 estabelecimentos). Este crescimento, embora mais concentrado nas regiões produtoras de cana e aba-caxi, também foi observado em municípios sertanejos como em Paulista, Pombal, Sousa, Sumé e Teixeira, no Seridó Ocidental, na região minifundiária policultora de Esperança, em Campina Grande, Massaranduba e Natuba. As despesas dos estabelecimen-tos com adubos químicos e corretivos também aumentou de 6,05% para 8,14% no período. Este aumento foi comum a todos os tamanhos de estabelecimento. No que se refere ao uso de defensivos químicos, houve também um ligeiro aumento do nú-mero de estabelecimentos que o utilizam (0,7% no período). As despesas com estes produtos no total das despesas dos estabele-cimentos cresceram quase um ponto percentual (de 1,6% para 2,4%). O que explicaria estas mudanças no ritmo, na intensidade e na direção da modernização agrícola do Estado? Uma das explicações para tal fato estaria relacio-nada à redução do crédito genérico e subsidiado na fase denomi-nada por George Martine como de "crise do crédito", que se estendeu de 1979 a 1984. Esta redução teria comprometido a continuidade da mecanização. Por outro lado, a substituição do crédito genérico pelo crédito dirigido, beneficiando lavouras co-mo a cana de açúcar, justificariam a continuação do processo de incorporação de tecnologias mecânicas a partir de 1980 apenas nas áreas de atuação do Proalcool. Um outro aspecto relevante das mudanças obser-vadas no padrão técnico da agropecuária paraibana na década de 70 refere-se à questão da irrigação. Durante muito tempo, costumou-se atribuir às estiagens prolongadas o quadro de pobreza e atraso ao qual vive submetido o homem do campo no Nordeste. Segundo Genysson Evangelista,

"no discurso conservador das oligarquias rurais que sempre acumularam riqueza à custa da po-

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breza dos que labutam no campo, a seca - um fenômeno natural - passou a ser resposta fácil para um problema complexo e de múltiplas de-terminações, que envolve interesses sociais e eco-nômicos conflitantes" (EVANGELISTA, G. 1980: 8/9).

Não resta dúvida que as potencialidades e limita-ções do meio natural exercem influência sobre as atividades a-gropecuárias. Isso porque essas atividades dependem dos recur-sos de água e solo. Sabe-se, porém, que quase sempre o homem é capaz de recriar a natureza, revertendo as limitações de ordem físico-ambiental, a partir da utilização de processos e técnicas produtivas racionais, atendendo desta forma a interesses sociais amplos. Na Paraíba e, de resto, no Nordeste como um todo, as políticas governamentais de desenvolvimento regional restringiram-se durante muito tempo ao combate à seca através da acumulação de água, mediante a construção de açudes (regra geral em propriedades privadas, e com objetivos políticos bem determinados), sem preocupar-se com as áreas disponíveis para a irrigação. O discurso das oligarquias rurais obtinha, assim, o re-forço do Estado. Em 1986, como consta no quadro XII, a Paraí-ba contava com 41 açudes públicos estaduais e 3.181 açudes par-ticulares distribuídos nas bacias dos rios Piranhas (onde se con-centravam 80,4% do total de açudes existentes no Estado), Paraí-ba, Jacu, Curimataú, Mamanguape e bacias litorâneas menores. Só nos açudes públicos acumulavam-se 3.416 milhões de metros cúbicos de água. Incluindo-se os açudes particulares, esse número elevava-se para 7.164 milhões. Deve-se levar em conta que a grande maioria des-ses reservatórios de água localizavam-se no Sertão, no Cariri e no Seridó (onde a seca incide de modo mais intenso). A persistência do fenômeno da seca e a diminui-ção dos intervalos entre os períodos de estiagem prolongada co-

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locou na ordem do dia a necessidade de não apenas acumular água, mas, principalmente, de permitir a continuidade da ativida-de agropecuária durante os períodos secos, via processo de irriga-ção, bem como de adaptar a utilização do solo aos rigores climá-ticos. Na Paraíba, as primeiras experiências concretas de utilização racional da água foram realizadas nos perímetros irriga-dos de São Gonçalo, no município de Sousa, do Açude Enge-nheiro Arcoverde, em Condado, e do açude de Sumé. Essas áreas constituem verdadeiras exceções nos Sertões da Paraíba, onde os irrigantes cultivam em pequenos lo-tes, não só frutas (em especial banana e o tomate) como o feijão, o arroz e o milho, entre outros produtos de importância secun-

dária.56

A reincidência da seca no final da década de 70 trouxe mais uma vez à ordem do dia a discussão sobre a questão da irrigação no semi-árido. Passa-se a admitir, a partir de então, que esta só seria viável se atrelada a uma estrutura de captação, armazenagem e distribuição de água que contemplasse também a pequena e média açudagem, que possibilitasse paralelamente a difusão de poços e cacimbas, a perenização de rios e, sobretudo, que beneficiasse o pequeno e médio produtor. Alguns programas governamentais tais como o Prohidro e o Projeto Sertanejo (voltados para o conjunto do semi-árido nordestino) e o Projeto Canaã (voltado especificamen-

56 Segundo Mário Lacerda de Melo, a utilização por lavouras do espaço compreendido no perímetro do açude de São Gonçalo, em 1984, de acordo com os dados fornecidos pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) abrangia uma superfície equivalente a 722,0 ha. Desse total, 66,1% eram constituídos por lavouras temporárias, com destaque para o arroz e o feijão macassar, 38,1% da superfície com predominância da banana (255,0 ha ou 35,3% da área cultivada total). Já a superfície do perímetro de irrigação do açude Engenheiro Arcoverde correspondia a 444,0 hectares, dos quais 281,0 ha, ou 63,3% tinha infra-estrutura para a irrigação e 139,0 ha. (31,3%) achava-se até aquele momento em operação. Cultivava-se, sobretudo, o algodão herbáceo. O perímetro de irrigação de Sumé abrange 627,0 hectares dos quais 272,0 hectares possuíam infra-estrutura de irrigação. A parcela irrigada em 1984 correspondia a 210,0 hectares (33,5%). O principal produto aí cultivado é o tomate. Cf. MELO, Mário Lacerda de. Áreas de exceção nos Sertões da Paraíba. Recife, SUDENE, 1985.

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te para o semi-árido paraibano) procuraram, em termos de obje-tivos gerais, atingir tais metas. Contudo, suas propostas só foram parcialmente realizadas. O Programa de Aproveitamento de Re-cursos Hídricos do Nordeste (Prohidro), que do ponto de vista técnico objetivava “elevar as disponibilidades de água para abastecimento humano e animal, dar suporte hídrico à irrigação e fortalecer a economia das unidades agrícolas de produção” (KASPRZYKOWSKI, apud CAR-VALHO, 1988: 293) deu ênfase à construção de açudes em pro-priedades rurais privadas, apoiado na “concessão de crédito rural barato (juros de 7% ao ano, carência de três anos e prazo de amortização de 10 anos), além de outros esquemas de apoio governamental (...)” (CARVA-LHO, 1988:293). Ele contribuiu ainda “para dilatar as possibilidades existentes em matéria de desvio de crédito, fornecido por seu intermédio, de suas finalidades principais. Neste sentido, o programa não poderia deixar de funcionar como instrumento de reforço aos “novos” interesses, também conser-vadores, do Nordeste semi-árido, servindo, em conseqüência, para recuperar a força política da solução hidráulica, então definida stricto sensu” (CARVA-LHO, 1988: 294). O Projeto Sertanejo beneficiou particularmente as maiores propriedades e, ao contrário do que se propunha, teve êxito apenas ao propiciar a valorização do capital via valorização de terras e expansão da pecuária. O Projeto Canaã, por sua vez, limitou-se à cons-trução e instalação de barragens, colocando no plano secundário os seus maiores objetivos, quais sejam:

"propiciar aos trabalhadores rurais sem terra a oportunidade de explorar, mediante a sua força de trabalho e a da sua família, a cultura da ter-ra, cuja posse e respectiva titulação lhe serão as-seguradas" (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 1983:55).

Mais recentemente, o Projeto Nordeste (progra-ma de desenvolvimento que tem por meta o apoio ao pequeno e

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médio produtor) colocou a difusão de métodos alternativos de irrigação mais uma vez em pauta. A verdade, porém, é que em 1970, segundo o Censo Agropecuário, havia na Paraíba apenas 13.437 hectares de terra irrigada e em 1980 esse total foi acrescido de mais 4.615 hectares, perfazendo 18.052 hectares. Sabendo-se que o total de terras efetivamente irrigáveis nas bacias hidrográficas do Estado abrange 244.580 hectares, a área irrigada cadastrada pelo Censo de 80 era ainda muito pequena (7,4% das terras potencialmente

irrigáveis).57

Isso sem falar que 36,3% deste total concentravam-se em apenas cinco municípios quais sejam: Sousa, Pombal e Belém do Brejo de Cruz, no Sertão, Sapé e Pedras de Fogo, no Litoral. Entre 1980 e 1985 esse quadro sofre uma alteração muito peque-na: a área irrigada cresce 843 hectares, passando a representar 7,7% das terras efetivamente irrigáveis. A expansão da área irrigada observada entre 1970 e 1980 se deu, sobretudo, nas Microrregiões de Catolé do Rocha, de Cajazeiras, de Patos, do Seridó Ocidental, do Cariri Ocidental, na região da bacia leiteira de Campina Grande (Campina Grande, Boqueirão, Barra de São Miguel, Queimadas, Aroeiras e Umbu-zeiro), nas Microrregiões de Itabaiana e Guarabira, além de alguns municípios do Litoral como Sapé, Pedras de Fogo, Caaporã, Conde e João Pessoa. Entre 1980 e 1985 distingue-se, além das áreas citadas, o município de Sousa com um crescimento signifi-cativo da área irrigada. Como pode-se constatar, a expansão espacial da irrigação na década de 70 coincidiu com as áreas, seja de tradição canavieira como Sapé, seja com aquelas onde se processou no período o avanço da cana ou da pecuária e ainda com municípos

57 Segundo o Diagnóstico do Programa Estadual de Irrigação realizado pela Secretaria da Agricultura, Irrigação e Abastecimentto (SAIA/PB) e a Comisão Estadual de Planejamento Agrícola (CEPA/PB), as áreas efetivamente irrigáveis das bacias hidrográficas da Paraíba resultam do confronto entre as áreas potenciais para a irrigação com as disponibilidades hídricas anuais médias existentes em cada bacia. Em outras palavras, as "áreas efetivas" correspondem à disponibilidade de recursos de "terras irrigáveis", delimitadas para cada bacia hidrográfica. Cf. SAIA/CEPA. Programa estadual de irrigação. Vol. I - Diagnóstico. João Pessoa, 1988.

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produtores de abacaxi. Os dados fornecidos pelo PRONI sobre a área irrigada no Estado entre 1987 e 1990 reforçam essa tendên-cia (v. mapa da área irrigada no período de 1987 a 1990 in: MO-REIRA,1996). Do exposto, um aspecto merece ser levado em consideração: a solução para o problema da seca não deve se resumir na difusão pura e simples de técnicas de manejo dos re-cursos hídricos. Sem que se realize modificações no sistema de distribuição e posse da terra e se estimule de fato o pequeno pro-dutor e a pequena produção, em particular, a produção de ali-mentos, "a técnica continuará submetida à miséria secular e a grande maio-ria da população sertaneja permanecerá à mercê das intempéries do clima" (EGLER & MAGALHÃES, 1985:30). Em suma, a disseminação do progresso técnico no processo produtivo agrícola da Paraíba levado a efeito pelo processo de modernização da agricultura, embora atenuado em relação ao Centro-Sul e arrefecido na década de 80, teve reper-cussões tanto a nível da utilização dos solos quanto sobre o em-prego rural e até mesmo sobre o meio físico. Isso porque a ex-pansão do uso de máquinas, fertilizantes e defensivos químicos permitiu a expansão de certas atividades como a cana-de-açúcar, em áreas até então consideradas impróprias ao seu cultivo. A irrigação, mesmo considerada ainda insuficiente, criou áreas agrí-colas de exceção no Sertão, num exemplo de que a natureza pode ser recriada pela ação do homem. O avanço da mecanização e das tecnologias físico-químicas ao aumentar a produtividade do traba-lho, nas áreas onde essas mudanças foram mais incisivas, liberou mão-de-obra e contribuiu para acentuar o emprego sazonal e o êxodo rural, como será visto nos itens que se seguem.

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QUADRO XII ESTADO DA PARAÍBA - POTENCIAL DE RECURSOS HÍDRICOS DOS AÇUDES

PÚBLICOS E PARTICULARES, SEGUNDO AS BACIAS HIDROGRÁFICAS (até 1986) BACIAS

HIDROGRÁFICAS AÇUDES

PÚB.FEDERAIS AÇUDES

PÚB.ESTADUAIS AÇUDES PARTICULARES TOTAIS

No Volume (106 m3)

No Volume (106 m3)

No Volume (106 m3)

No Volume (106 m3)

1. Bacia do Rio Piranhas 18 1.905,74 57 606,39 2.599 3.904,80 2.674 6.416,93

1.1. Sub-bacia do Rio do Peixe 5 395,42 7 7,30 384 629,76 396 1.032,48

1.2. Sub-bacia do Alto Piranhas – – 5 24,58 96 219,47 101 244,05

1.3. Sub-bacia do Rio Piancó 6 1.393,78 21 411,04 675 2.253,71 702 4.058,53

1.4. Sub-bacia do Médio Piranhas 3 69,27 10 64,51 900 427,49 913 561,27

1.5. Sub-bacia do Rio Espinharas 2 19,52 3 62,09 242 116,39 247 198,00

1.6. Sub-bacia do Rio Seridó 2 27,75 11 36,87 302 257,98 315 322,60

2. Bacia do Rio Paraíba 18 661,03 30 188,82 342 528,35 390 1.378,20

2.1. Sub-bacia do Rio Taperoá 9 49,07 12 60,28 124 252,54 145 361,69

2.2. Sub-bacia do AltoParaíba 3 73,34 8 107,46 79 76,33 90 257,13

2.3. Sub-bacia do Médio Paraíba 5 538,30 7 6,25 47 47,82 59 592,37

2.4. Sub-bacia do Baixo Paraíba 1 0,32 3 14,83 92 151,86 96 167,01

3. Bacia do Jacu – – 3 15,28 22 17,26 25 32,54

4. Bacia do Curimataú 2 13,40 5 9,71 45 39,68 52 62,79

5. Bacia do Mamanguape 2 1,33 9 14,08 155 53,09 166 68,50

6. Bacias Litorâneas Menores 1 0,20 1 0,57 18 4,98 20 5,18

6.1. Bacia do Rio Camaratuba 1 0,20 – – 18 4,98 19 5,18

6.2. Bacia do Rio Jacuípe – – – – – – – –

6.3. Bacia do Rio Gramame – – – – – – – –

6.4. Bacia do Rio Pitanga – – 1 0,57 – – 1 –

6.5. Bacia do Rio Goiana – – – – – – – –

Total 41 2.581,70 105 834,85 3.181 4.548,16 3.327 7.964,14

Fonte: DNOCS/SRH. Cadastramento dos Açudes do Estado da Paraíba (Quadro reproduzido do texto “Agricultura e seus problemas” de autoria do economista Genysson Evangelista).

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BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Otamar de. A economia política do Nordeste: secas, irrigação e desenvolvimen-to. Rio de Janeiro, Campus, Brasília, ABID, 1988.

EGLER, C. & MAGALHÃES, C. “Hidrografia e recursos hídricos da Paraíba”. In: Atlas Geográ-fico da Paraíba. João Pessoa, 1985.

EVANGELISTA, G. A agricultura e seus problemas. João Pessoa, Texto para discussão, 1990 (mimeo).

FIBGE. Aspectos da evolução da agropecuária brasileira: 1940-1980. Rio de Janeiro, 1980. __________ Censo Agropecuário da Paraíba, 1970, 1980,1985. GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA. Projeto Canaã: diretrizes e metas. João Pessoa,

Secretaria de Recursos Hídricos, 1983. KAGEYAMA, A. Angela & SILVA, José Graziano da. “Os resultados da modernização agrícola

dos anos 70”. Rio de Janeiro. Revista Estudos Econômicos 13 (3): 537-559 set/dez, 1983.

MELO, Mário Lacerda de. Áreas de exceção dos Sertões da Paraíba. Recife, SUDENE, 1985. MOREIRA, Emilia. Evolution e transformations récentes de l'organisation agraire de la

Paraíba. Paris, Tese de Doutorado, 1988. __________ Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa, Editora Universitária, 1996. SAIA/CEPA. Programa estadual de irrigação. João Pessoa, Diagnóstico, Vol. I., 1988 SILVA, José Graziano da. “Tecnologia e Campesinato: o caso brasileiro”. In: A pequena produção

agrícola. Santa Maria, V Encontro Nacional de Geografia Agrária, 1984.

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6. A POPULAÇÃO RURAL PARAIBANA: SUA EVOLUÇÃO E A DINÂMICA ATUAL

“É lá pra’quelas bandas, que mora a fome, encarnada no bucho grande da minha prole doentia, estampada nas vertigens da subnutrição e nos calcanhares rachados do pisar descal-ço, na terra abrasada pela seca”.

Versos do poema “Amargurenças do Camponês” de Carlos Jehovan e Esechiac A. Lima.

Sabe-se que a dinâmica populacional não decorre apenas de fatores biológicos, mas que é também determinada social e historicamente. Na verdade, não existe uma lei geral de população que possa ser aplicada a qualquer conjunto humano, independentemente de suas condições sociais e materiais. A cada modo de produzir corresponde também um modo de reprodu-zir-se. O nascer, o morrer e o migrar são datados. Conseqüentemente, a rigor, não existe “uma” população paraibana, nem “uma” população rural paraibana, mas várias populações, obedecendo a leis diferentes (ritmos de cres-cimento, de reprodução, de organização distintos) segundo as classes sociais e as formas de produção das condições materiais de vida. Não obstante se adotar tal arcabouço teórico, é-se força-do pelas limitações dos dados estatísticos, a tratar a população como um todo. Contudo, à medida das disponibilidades das in-formações, procura-se dar as nuances possíveis à análise segundo a concepção acima esboçada.

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Neste capítulo, analisa-se a evolução e a dinâmica recente da população paraibana, em especial, do seu contingente rural. O estudo será feito à luz das mudanças ocorridas na organi-zação do espaço agrário, uma vez que não é possível entender a dinâmica populacional desvinculando-a das condições sociais, culturais e materiais de sua reprodução. 6.1. A evolução da população paraibana: um breve histórico As informações sobre a população paraibana até a primeira metade do século XVIII são praticamente inexistentes. Dispõe-se apenas de estimativas esparsas e grosseiras para o con-junto da Província, bem como de dados avulsos sobre um ou outro núcleo de povoamento (PINTO, 1977.v. I:36/44/51). Só a partir do período pombalino é que surge a preocupação em le-vantar de forma mais sistemática os dados populacionais. Isto porém, não solucionou o problema da confiabilidade dos mes-mos. Interesses, preconceitos e dificuldades operacionais imbri-cavam-se, impedindo a obtenção de informações consistentes e confiáveis. A título de exemplo, pode-se lembrar o Ronco das Abelhas em 1852. Em decorrência do decreto imperial n . 798 de 18 de junho de 1851, determinando os registros paroquiais de nascimento e óbito, espalhou-se entre a população que o obje-tivo desse decreto era a escravização do povo livre em virtude da suspensão do tráfico negreiro procedente da África, em 1850 (FRAGOSO,1988:34). A insatisfação ganhou força de um levante popular, tendo como foco de irradiação o atual município de Ingá. Daí aquele censo ter sido considerado pelo povo como “papel da escravidão” (PINTO,1977. v. I: 210) e ter encontrado sérias dificuldades na sua execução. Algumas informações sobre a população paraiba-na e sua distribuição espacial no período de 1774 a 1872 estão apresentadas no quadro XIII. Apesar do cuidado com que se

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deve manipular estes dados, eles apontam para alguns pontos importantes da história demográfica da Paraíba, a saber: a) até a segunda metade do século XVIII a Paraíba era pouco povoada. Possuía entre 30 e 50 mil habitantes, enquan-to a população de Pernambuco já era da ordem de 142 mil habi-tantes (JÚNIOR,1984:156). Além de rarefeita, a população parai-bana era desigualmente distribuída: concentrava-se no Litoral, principalmente na área sob jurisdição direta da capital, onde resi-dia aproximadamente 1/3 do total; o Agreste, à exceção da área situada no vale do Paraíba, permanecia praticamente despovoado, havendo alguma concentração apenas em torno de Vila Nova da Rainha, atual Campina Grande; o Sertão, cujo povoamento tinha iniciado no fim do século XVII (SEIXAS,1993), detinha cerca de ¼ da população, tendo como principais núcleos as Vilas de São João e de Pombal; b) durante o período de um século (1774-1872), a população cresceu cerca de 12 vezes, apenas quatro vezes menos do que seria uma previsão malthusiana. A ocorrência de cinco períodos de seca, bem como surtos de varíola, febre amarela e cólera (PINTO,1977.v. I:137/197/215/219) com certeza contri-buíram para frear o crescimento da população apesar das imigra-

ções quer de escravos até 1850, quer de colonos58

. Segundo Celso Mariz,

“(...) foi enorme o prejuízo em braços que a Pro-víncia sofreu em 1856, quando a epidemia do “cólera-morbus” matou um terço exato da popu-lação de 300 mil habitantes” (MA-RIZ,1978:18);

58A presença de estrangeiros na Paraíba, segundo o Censo de 1872, era irrisória. Naquele ano, foram recenseados apenas 843 estrangeiros. As principais áreas de procedência eram: África (373), Portugal (290), Itália (58), Alemanha (49) e França (27).

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c) o terceiro ponto de destaque diz respeito ao forte crescimento populacional experimentado pelo Agreste do final do século XVIII a meados do século XIX. Em 1851, a po-pulação dessa área representava mais da metade da população provincial, enquanto que em 1782 era da ordem de 15%. Para esse surto de povoamento do Agreste contribuíram o fim da Confederação dos Cariris, a expansão da cultura do algodão e a imigração da população sertaneja. As melhores condições natu-rais do Brejo Paraibano atraíram as populações das regiões mais áridas, sobretudo nos períodos de seca (MARIZ,1978:97). Só a partir de 1872 é que se dispõe de melhores e mais sistemáticas informações sobre o contingente populacional do Estado. Mesmo assim, não são merecedoras de toda confian-ça. Só com os Censos mais recentes é que se tem dados mais

seguros.59

O confronto dos dados relativos ao período de 1782-1872 (quadro XIII) com os dados populacionais do período 1872-1980 (quadro XIV), ressalta que o ritmo de crescimento da população paraibana nos últimos cem anos foi mais lento do que no período anteriormente enfocado; no último século, a popula-ção cresceu cerca de 7 vezes contra 12 vezes no século anterior. O quadro XIV permite a visualização desses diferentes ritmos de crescimento. A observação das informações censitárias, durante os últimos cem anos, sobre a evolução da participação da popula-ção paraibana no total da população brasileira permite identificar três períodos distintos, a saber: a) o primeiro período de declínio da participação (de 1872 a 1900); b) o período de aumento da participação (1900 a 1940) e; c) o novo período de declínio da participação (de 1940 a 1980). A seguir, procura-se, sumariamente, analisar cada um destes períodos:

59O Censo Demográfico mais recente, de 1991, vem sendo fortemente criticado por especialistas que não lhe atribuem a mesma confiabilidade do realizado em 1980.

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a) primeiro período de declínio (1872-1900). Por ocasião do primeiro recenseamento geral, a população parai-bana representava 3,8% da população brasileira. Ao final das três décadas em foco, essa participação cai praticamente um ponto percentual. A população brasileira cresceu 75%, enquanto que a paraibana aumentou apenas 33%. Alguns fatores podem ser arro-lados como causas explicativas para esse declínio:

em primeiro lugar, a produção agrícola estadual entra em crise. Para isso concorreu, de um lado, o fechamento do mercado externo ao açúcar brasileiro em resposta à expansão do açúcar de beterraba na Europa e a do açúcar de cana nas Antilhas,

Java e Filipinas60

, e, de outro lado, a retração da cultura do al-godão determinada pelo fim da Guerra de Secessão americana (MARIZ,1978:21/22);

em segundo lugar, nesse período ocorreu a grande seca de 1877-79. Ela foi responsável não só pela desorganização do se-tor agrícola, como também pela mortalidade de uma parcela significativa da população. Segundo Mariz,

“foi a seca mais mortífera e desorganizadora da nossa história... não há descrição bastante vivaz para a fome, o êxodo e conseqüente morticínio, que se produziram” (MARIZ, 1978:22);

em terceiro lugar, o “boom”da borracha tornou a Amazônia um pólo de atração para as populações dos Estados nordesti-nos castigados tanto pelas secas quanto pela desorganização da atividade agrícola regional;

60Em 1872, a Paraíba exportou 11.786 toneladas de açúcar. Durante o período em foco, houve uma gradativa redução das exportações, chegando, em 1900, a exportar apenas 3.275 toneladas (CALDAS, D. apud ANDRADE, 1987:28).

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em quarto lugar, embora com um poder explicativo bem mais atenuado, deve-se lembrar a venda de escravos para os cafe-zais paulistas e fluminenses, com efeitos nocivos sobre o pro-duto agrícola paraibano. Já em 1855, o Presidente Paes Barre-to assim se exprimia:

“A falta de braços, que todos os dias vai se tor-nando mais sensível, pela grande quantidade de escravos que são exportados para o sul,...são ou-tros entre tantos embaraços com que luta a la-voura da Parahyba” (PINTO,1977. v. I-I:229);

em quinto lugar, nesse período, verifica-se o incremento dos fluxos imigratórios externos que se dirigiam principalmente para a região do café.

Esse último fator ampliou o denominador da fra-ção ao passo que os demais concorreram para reduzir o numera-dor, resultando, obviamente, no declínio da contribuição do Es-tado para a formação da população brasileira. b) período de aumento da participação (1900-1940). Nessa fase, registra-se uma ligeira retomada do crescimen-to da participação da população paraibana no total da população brasileira, ainda que sem atingir o nível de 1872. Nesse período, são encontradas as maiores taxas de crescimento da população estadual durante os últimos cem anos (3,4% a.a. entre 1900-1920 e 1,9% a.a. entre 1920-1940). Como é pouco provável que tenha havido uma mudança nos padrões de mortalidade e de natalidade da Paraíba em relação ao Brasil durante aqueles anos, só resta a hipótese de uma forte redução da emigração estadual como ex-plicação para a elevação da taxa de crescimento da população, uma vez que a imigração foi insignificante. Alguns fatores eco-nômicos podem ter contribuído para aumentar a “capacidade estadual de retenção” de população como se verá a seguir:

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com o declínio do ciclo da borracha, diminui o poder de atra-ção da região Norte sobre os fluxos migratórios procedentes do Nordeste. Por outro lado, não havia ainda se constituído um outro pólo alternativo para onde se dirigisse a população estadual. O crescimento da economia cafeeira e a expansão da economia urbana industrial do Sudeste ainda não tinha torna-do essa região em pólo de atração para os migrantes estaduais, em virtude de uma série de fatores entre os quais pode-se a-pontar: a existência de mão-de-obra disponível em áreas mais próximas (Bahia, Minas, Espírito Santo) e as deficiências dos meios de comunicação;

internamente, assiste-se a um revigoramento da atividade agrí-cola, destacando-se, em particular, a da cana-de-açúcar e a do algodão. A exportação anual do açúcar que, como já foi visto, situava-se em um patamar de 3 mil toneladas na primeira dé-cada, passa para cerca de 7 mil toneladas na década de 30 (ANDRADE,1987:28). A agroindústria canavieira passa por sérias modificações tanto no processo produtivo (instalação de Usinas), quanto na organização do mercado (criação do IAA). Essas alterações, ao mesmo tempo em que impulsionaram a atividade açucareira, contribuíram também para reduzir as os-cilações que a caracterizavam. Ocorre igualmente um novo surto algodoeiro, motivado pela elevação do seu preço. O va-lor das exportações de algodão que era da ordem de 6,8 mi-lhões de cruzeiros, em 1913, eleva-se no qüinqüênio 1933-37 para 533,3 milhões (MARIZ,1978:38,46). O crescimento no-minal das exportações nesse período está bem acima do nível de variações de preços no período (PELAEZ e SUZIGAN, 1981:180). Vale lembrar que as lavouras de cana-de-açúcar e do algodão deixam de depender unicamente do mercado ex-terno. O crescimento industrial, sobretudo dos setores têxtil e alimentar, assim como o aumento da população do Sudeste, foram fatores que concorreram para a formação do mercado

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interno para aqueles produtos, embora a produção sulina já começasse a concorrer com a nordestina;

verifica-se, também no Estado, um aumento das atividades urbanas, sobretudo daquelas ligadas ao beneficiamento e co-mercialização do algodão. Com efeito, durante os primeiros 40 anos do século XX, não só cresceu o número das pequenas descaroçadoras, seu número alcançando cerca de 800 em todo o Estado (MARIZ,1978:121), como também das pequenas e médias indústrias que foram sendo instaladas nas principais ci-dades da Paraíba. O dinamismo das atividades de beneficia-mento e de comercialização do algodão foi um fator decisivo no crescimento urbano e no aumento da demanda de traba-

lhadores61

, isto apesar da presença das fábricas e usinas ter um efeito destruidor sobre as pequenas unidades de beneficiamen-to. A este respeito afirma Celso Mariz:

“Deu-se com a indústria do algodão o mesmo fe-nômeno que se produziu com a do açúcar... A cada chaminé da Anderson Clayton, da SAN-BRA e do grupo moderno que se aparelhou ao aparecimento destes, paravam 50 vapores em torno”(MARIZ,1978:122);

c) segundo período de declínio (1940-1980). A partir de 1940, os dados censitários acusam um decréscimo da participação paraibana em relação à brasileira: 3,4% em 1940, contra 2,3% em 1980. Esse declínio deve ser creditado, funda-mentalmente, à intensificação do processo emigratório estadual. Para isso contribuíram tanto os fatores de expulsão presentes na estrutura econômica paraibana, quanto a consolidação dos fatores

61O efeito dinamizador do algodão sobre as cidades é retratado, no caso de Campina Grande, por Epaminondas Câmara no seu livro Datas campinenses.

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de atração no Centro-Sul e nas áreas de expansão da fronteira agrícola. O censo demográfico de 1991 registra mais uma retomada do crescimento da participação da população paraibana no total da população brasileira. Tal fato é atribuído por diversos estudos sobre o processo demográfico nordestino na década de 80, tanto à “migração de retorno”, quanto à atenuação dos fluxos migratórios para o Sudeste, conseqüências da crise e das trans-formações do mercado de trabalho que incidem mais fortemente naquela região. Após esboçar um quadro geral da evolução do contingente populacional paraibano, procura-se, na seqüência, analisar alguns aspectos da dinâmica atual da população paraiba-na, particularmente da população rural. 6.2. A dinâmica recente da população, em especial, da po-

pulação rural A dinâmica demográfica recente da Paraíba carac-teriza-se, principalmente, pelo declínio da fecundidade, pela in-tensificação da mobilidade e pela redução do contingente rural. A seguir analisa-se cada uma dessas variáveis à luz das mudanças recentes que tiveram lugar na organização do espaço agrário esta-dual. 6.2.1. Fecundidade

A análise dos dados censitários relativos aos inter-

valos de 1960/70 e 1970/8062

permite identificar uma redução do índice de fecundidade total da Paraíba de 7,7 para 5,8 (v. quadro XV). Essa redução foi mais intensa em nível estadual do que em

62. O fato do Censo Demográfico de 1991 até a data de fechamento deste texto só ter fornecido informações sobre os totais da população residente, rural e urbana, limitou esta análise às décadas de 60 e 70.

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nível regional e nacional. A queda na média de filhos tidos por mulher foi da ordem de 1,9 na Paraíba, contra 1,4 no Brasil e no Nordeste (v. quadro XV). Em outras palavras, a média paraibana situou-se abaixo das médias nordestina e nacional. Essa diminuição da taxa de fecundidade foi co-mum tanto à zona urbana quanto à rural. Destaca-se, porém, a zona urbana onde esse declínio foi mais acentuado (de 1,7 contra 1,1 na zona rural) (v. quadro XV). A utilização de modo mais disseminado e diversi-ficado de métodos anticonceptivos e um mais baixo índice de nupcialidade na zona urbana são apontados como fatores explica-tivos desse diferencial de fecundidade entre o campo e a cidade. Esta explicação, porém, é tida como insuficiente uma vez que se restringe às determinações próximas, e, como tal, permanece a nível das aparências do fenômeno e, portanto, incapaz de apre-ender o real. Alguns estudos chamam a atenção para a relação existente entre renda familiar e número médio de filhos por mu-lher. Com efeito, na Paraíba, em 1980, era possível identificar uma relação direta entre renda e número de filhos até o nível de 5 salários mínimos e uma relação inversa a partir desse nível de renda tanto na zona rural quanto na urbana com destaque para a primeira (v. quadro XVI). Partindo dessa relação entre renda e número de filhos e das constatações feitas para o caso da Paraíba, pode-se concluir que quanto mais pobres mais prolíferas são as mulheres paraibanas, em particular, as residentes na zona rural. Não se pretende a partir daí negar o papel que joga a divulgação de mé-todos anticoncepcionais no declínio da taxa de fecundidade. Chama-se aqui apenas a atenção para o fato de que até mesmo o acesso aos meios anticonceptivos é determinado social, econômi-ca e culturalmente. Só quando se desce ao nível de concretude das classes sociais é que se pode desvendar a dinâmica populacio-nal dessas classes (MARX,1977:166).

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6.2.2. O crescimento recente da população rural

Uma das características da evolução recente da população paraibana é a redução do seu contingente rural. Com efeito, a partir de 1970, observa-se uma diminuição, a ritmo cada vez mais acentuado, da população rural do Estado. Como mos-tram os dados do quadro XVII, em 1950, aproximadamente três quartos da população estadual residiam na área rural, enquanto que, em 1991, segundo o censo demográfico, essa participação era da ordem de apenas 36,0%. Esse declínio tem sido tão inten-so, que a população rural recenseada em 1991 é menor do que a de 1950. Tal comportamento não pode ser explicado, inte-gralmente, por mudanças no padrão reprodutivo da população. Embora tenha ocorrido um declínio da taxa de natalidade da população rural (53,2% na década de sessenta contra 43,3% na década de setenta) e uma ligeira diminuição da taxa de mortalida-de (20,4% e 19,4% nos períodos acima referenciados), a taxa de crescimento vegetativo da população rural na década de setenta

era ainda elevada (2,4%).63

Assim sendo, o declínio da população rural obser-vado só pode ser atribuído a um intenso êxodo rural. Durante os anos setenta, é estimado que aproximadamente 440 mil pessoas

teriam deixado o campo64

. Esse número representa cerca de um

63O fato do Censo Demográfico de 1991 até a data de fechamento deste texto só ter fornecido informações sobre os totais da população residente, rural e urbana, limitou esta análise à década de setenta. 64O cálculo do êxodo rural foi feito segundo a seguinte fórmula: ER=P*80 - P80 + I, onde: ER = êxodo rural estimado; P*80 = População estimada para 1980 com base nas taxas de crescimento vegetativo calculadas para as Microrregiões Homogêneas pela Fundação Joaquim Nabuco (MOURA, Hélio:1986); P80 = População residente segundo o Censo de 1980; I = Estoque de imigrantes rurais com até 10 anos de permanência

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terço da população rural paraibana recenseada em 1980 e um décimo do êxodo rural nordestino (MOURA, Hélio. 1985:170). Nesse período, à exceção do Sertão Paraibano, todas as demais Mesorregiões do Estado apresentaram taxas negativas de cresci-mento anual da população rural. Merece destaque a Mata Parai-bana e o Agreste (v. quadro XVIII). As Microrregiões que apresentaram as mais eleva-das taxas negativas de crescimento do seu contingente rural fo-ram, respectivamente, João Pessoa, Sapé, Brejo Paraibano e Campina Grande. As que apresentaram crescimento positivo localizam-se dominantemente no semi-árido (v. quadro XIX). Essa diminuição da população rural paraibana persistiu durante os anos oitenta. Com efeito, ao se comparar a taxa de crescimento da população rural do Estado no período de 1980 a 1991 (-1,2%) com a do período de 1970 a 1980 (-0,4%), observa-se uma intensificação do processo de retração dessa po-pulação. As áreas que tiveram seu contingente mais reduzi-do, porém, revertem-se em relação à década anterior, passando as Mesorregiões do semi-árido à frente das Mesorregiões da Mata e do Agreste como pode ser comprovado no quadro XX. As Microrregiões que apresentaram as mais altas taxas negativas de crescimento da população rural foram, respec-tivamente, Seridó Ocidental, Seridó Oriental, Cariri Ocidental e Catolé do Rocha, todas no semi-árido, numa reversão nítida da tendência observada nos anos 70 (v. mapa concernente in: MO-REIRA,1996). Apenas o Litoral Sul apresentou crescimento posi-tivo no período (v. quadro XXI). Trata-se, coincidentemente, daquela Microrregião onde a luta pela terra não só originou focos importantes de resistência à expulsão-expropriação (Sede Velha do Abiaí, Corvoada, Capim Assu, Capim de Cheiro), como onde também se verificaram importantes desapropriações de terra, a exemplo de Paripe (1982), Subaúma (1983), Camucim (1985), Gurugi II (1990) que garantiram a permanência de grande núme-ro de famílias no campo (v. capítulo 8).

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A redução da população rural tanto em termos relativos quanto em termos absolutos é tida, historicamente, co-mo uma das conseqüências do desenvolvimento capitalista da agricultura. A dominação do capital sobre a agricultura torna ex-cedente uma parcela significativa dos trabalhadores rurais, em decorrência da elevação da composição orgânica do capital, das mudanças nas relações sociais de produção e das transformações no uso do solo requeridas pela sua metamorfose em mercadoria. Por outro lado, as áreas rurais cuja organização produtiva não sofreu o processo de mudança e permanecem estagnadas, em decorrência da sua estrutura fundiária e de fatores sócio-culturais, também passam a expulsar os acréscimos demográficos que não podem ser absorvidos produtivamente. Tais áreas são chamadas de “viveiros populacionais” (SINGER, 1985:197). Não resta dúvida de que as transformações recen-tes da organização agrária paraibana, circunscritas no quadro de uma “modernização conservadora” e os impactos dela decorren-tes, estão na origem dos fluxos populacionais. Isto é, uma série de fatores resultantes da subordinação real da agricultura ao capi-tal têm contribuído para a intensificação do êxodo rural. Como esses fatos já foram analisados nos itens anteriores deste trabalho, enumera-se aqui aqueles considerados mais relevantes, tais como: a) a expansão da cana-de-açúcar em áreas tradi-cionalmente policultoras; b) a expansão da pecuária e as modificações no seu processo produtivo, notadamente o aumento da área de pas-tagem plantada e a quebra da complementariedade que mantinha com a policultura tradicional, tanto no Sertão como no Agreste; c) transformações nas relações sociais de produ-ção, destacando-se, de um lado, a desarticulação do antigo siste-ma de morada e, de outro, o avanço do trabalho assalariado, so-bretudo, do temporário; d) a dependência da agricultura em relação ao capital financeiro, impingindo-lhe esse último controle de cus-

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tos/receitas que redundam em estratégias de utilização mais lucra-tiva do solo; e) o reforço da concentração da posse e da pro-priedade fundiária, sobretudo na década de 70, dificultando o acesso do produtor direto à terra. f) na segunda metade da década de 80 e primeiros anos da década de 90, a desestruturação e o quase total desapare-cimento da atividade cotonicultora, o agravamento do processo de decadência da atividade sisaleira, a crise do Proalcool e a au-sência de uma política agrícola dirigida para a pequena produção e para a conseqüente fixação do homem no campo; g) a atração exercida pela cidade, em particular sobre os jovens do campo, o desengano destes com o trabalho rural e o sonho de obter melhores condições de sobrevivência. A esses fatores somam-se as condições restritivas do meio à atividade agrícola, com destaque para os períodos de seca prolongada (a exemplo do ocorrido entre 1979 e 1983). Da conjugação desses elementos tem resultado a exacerbação do processo migratório estadual. Em algumas áreas, o esvaziamento do campo atinge níveis alarmantes. A zona rural de Itabaiana é uma delas. A quase totalidade das terras desse mu-nicípio encontra-se coberta de capim e de cana-de açúcar, com a predominância do primeiro (MOREIRA, 1988). 6.2.3. A mobilidade da população

“Não tenho nome seu moço, Apesar de batisado, Só me chamam retirante, Ou entonce flagelado”

Poema de autor anônimo

Os fluxos migratórios procedentes do campo, destinam-se tanto a outros Estados, quanto às cidades do próprio Estado. O deslocamento de população da área rural para a urba-

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na é um dos principais fatores explicativos para o crescimento expressivo das cidades paraibanas. Durante a década de 70 a população urbana do Estado cresceu a taxas próximas de 4,0% a.a. Vale lembrar que nesse período, à exceção das cidades com população entre dez e vinte mil habitantes que cresceu a uma taxa de 2,4% a.a., todos os outros estratos apresentaram taxas em torno da média estadual. Observou-se ainda que a participação dos migrantes de proce-dência rural no total da população foi superior a 14,0% em todos os estratos de cidades (v. quadro XXII). Isso significa que o êxo-do rural, nesse decênio, desempenhou papel relevante na urbani-zação, independentemente do tamanho dos núcleos urbanos. Os dados do quadro XXII mostram um outro efeito da migração de procedência rural. O êxodo rural tem cola-borado não só para a urbanização da população como também para a sua concentração. Dos 233 mil migrantes de procedência rural, recenseados em 1980 nas cidades da Paraíba, mais de seis décimos encontravam-se residindo nas cidades com população superior a vinte mil habitantes. Essa constatação relativiza a hipó-tese da “migração por etapa”, segundo a qual os migrantes rurais se dirigiriam primeiro para as pequenas cidades e só depois iriam para as maiores. As etapas iniciais funcionariam como um perío-do de adaptação para o ingresso futuro num mercado de trabalho urbano mais formalizado. As informações censitárias, ao contrá-rio, indicam uma passagem direta de um número significativo de migrantes da área rural para as cidades maiores com destaque para Campina Grande e João Pessoa. Esse fenômeno foi respon-sável pela proliferação de favelas observada nessas duas cidades no período, compostas dominantemente por população oriunda da zona rural dos municípios paraibanos, com destaque para os do Litoral e do Agreste. Embora os migrantes de procedência rural se concentrem nas cidades maiores, o seu peso no contingente de migrantes é inversamente proporcional ao tamanho da cidade. Isso estaria relacionado à fragilidade da estrutura da economia

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urbana das pequenas cidades, tornando-as incapazes de atrair de forma significativa migrantes de outros núcleos urbanos, absor-vendo com mais intensidade os migrantes procedentes das áreas rurais dos municípios circunvizinhos. Vale lembrar que o peso dos migrantes de proce-dência rural na década de 70 deve ter sido bem maior do que mostram as informações do quadro XXII. Os dados em análise não consideram os deslocamentos campo-cidade quando efetua-dos dentro do próprio município. Em nível dos municípios, verificou-se que, em todos, as taxas de crescimento observadas foram inferiores à taxa de crescimento vegetativo da população rural, o que vale dizer que as áreas rurais de todos os municípios perderam população durante o período de 1970 a 1980. No entanto, a intensidade do processo se deu de forma diferenciada. Grosso modo, pode-se afirmar que o êxodo foi mais intenso no Litoral, no Agreste, e nas Microrregiões sertanejas localizadas na Depressão do Alto Piranhas e na de Catolé do Rocha. Essas observações permitem algumas considerações: a) em primeiro lugar, não se pode estabelecer uma relação direta entre êxodo rural e condicionamentos naturais res-tritivos à atividade agrícola. Embora se encontrem áreas do semi-árido com elevados índices de expulsão da sua população rural, o fenômeno foi mais intenso e generalizado no Agreste e no Lito-ral, subunidades espaciais mais bem dotadas do Estado do ponto de vista das condições edafo-climáticas. Ao contrário, na faixa central do Cariri, uma das áreas mais secas da Paraíba, o êxodo rural foi de baixa intensidade. Desse modo, a seca não pode ex-plicar, sozinha, a intensidade e a dimensão do fenômeno em aná-lise; b) em segundo lugar, as áreas de maior evasão populacional coincidiram com aquelas que, na década de setenta, sofreram em maior grau o processo de modernização conserva-dora da agricultura. Processo este materializado seja no avanço da cana-de açúcar e/ou da pecuária, seja na expansão do assalaria-

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mento e na retração das relações de trabalho pré-capitalistas, seja ainda na elevação do grau de mecanização do processo produti-vo, ou no aumento da concentração da propriedade fundiária. Infelizmente, o Censo Demográfico de 1991 não divulgou até então os dados sobre migração. Estes permitiriam estabelecer um paralelo entre as características e a dimensão do êxodo rural na Paraíba nos dois últimos decênios. Diante de tal limitação, é-se obrigado a buscar referenciais capazes de fornecer alguns indicadores do processo recente, em trabalhos efetuados para o conjunto do Nordeste nos anos 80 e nos dados relativos ao crescimento da população da Paraíba entre 1980 e 1991. Co-mo foi anteriormente colocado, alguns estudos sobre a dinâmica demográfica recente do Nordeste indicam que a migração de retorno teria sido uma das características dos movimentos popu-lacionais da região na década de 80. A crise da economia nacional e suas repercussões sobre o emprego, nos grandes centros urba-nos, seria responsável pelo retorno de parcela significativa da população nordestina que residia em outras regiões, em especial, no Centro-Sul. O cotejo dos dados censitários, por sua vez, per-mitem afirmar que, seguramente, não foi para o campo que esses fluxos migratórios se dirigiram na Paraíba. Prova disso é o des-censo do contingente rural que aqui se deu, justamente na fase dominada pela “migração de retorno” e o aumento significativo da população na grande maioria das cidades do Estado. Entre 1980 e 1991, muitas cidades paraibanas situadas, seja no Litoral, no A-greste-Brejo ou no Sertão, apresentaram taxas anuais de cresci-mento de sua população superiores a 5,0% (v. quadro XXIII). Por outro lado, pesquisas recentes comprovam que um retorno de população urbana à zona rural vem ocorrendo mesmo que de modo tímido na Paraíba, desde o início dos anos 90, particularmente no Litoral e no Agreste-Brejo (MOREI-RA,1995). Esse fluxo migratório compõe-se, regra geral, de ex-moradores expulsos que residiam em vilarejos e pontas de rua. Em grande parte dependente do trabalho assalariado na atividade canavieira, essa população, frente à crise dessa atividade e do con-

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seqüente desemprego, não tem encontrado alternativas de sobre-vivência. Para fugir da situação de miséria e desemprego, vem se organizando com o apoio do Movimento dos Sem Terra e/ou da CPT e ocupando latifúndios improdutivos em busca do “retorno à terra de trabalho” (MOREIRA,1996). Algumas das mais recentes desapropriações e aquisições de imóveis efetuadas pelo Incra (1o. de Março, Teixeirinha, Apasa e Nova Vida), são representativas desse novo processo. Outro aspecto importante a ser considerado no estudo dos movimentos populacionais rurais refere-se às migra-ções sazonais. Na Paraíba, as migrações sazonais estão relaciona-das à atividade canavieira e ao deslocamento de trabalhadores das regiões agrestina e sertaneja para se ocuparem da colheita da ca-na-de-açúcar (de agosto a janeiro) na Zona da Mata seja na Paraí-ba, seja em estados vizinhos. 6.2.3.1. As migrações sazonais Os deslocamentos de trabalhadores das regiões agrestina e sertaneja para a Zona da Mata durante os períodos de colheita da cana-de-açúcar não constituem um fato novo. Vários estudos já ressaltaram a sua importância em nível do Nordeste. Entre esses, pode-se lembrar os de Manoel Correia de Andrade e os de Maria Teresa Suarez. Segundo a hipótese levantada por Suarez, a ori-gem desse movimento migratório "remonta ao período de implantação das Usinas e abolição do trabalho escravo" (SUAREZ,1977:93). Esses fluxos eram formados por minifundistas e trabalhadores sem terra (sitiantes ou rendeiros), procedentes das regiões do Sertão e principalmente do Agreste. Eles dirigiam-se à Zona da Mata du-rante o período de estiagem e de subocupação nas suas áreas de origem. De acordo com Suarez, embora esses fluxos tenham sido consideráveis até épocas bem recentes, “vinham perdendo importân-cia” (idem, ibidem:96). Na base desse declínio estariam as trans-formações que se processaram nas relações de trabalho (desrura-

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lização e proletarização do trabalhador rural), ao lado da crise por que passava a atividade canavieira no início dos anos setenta. Aquela tendência, no entanto, foi interrompida. Observa-se recentemente um fortalecimento desses fluxos na zona canavieira. Para a reversão dessa tendência concorreram uma série de fatores entre os quais pode-se citar: a) a expansão canavieira propiciada pelo Proalcool aumentou consideravelmente a demanda por trabalho na época da safra; b) a modernização agrícola (mecanização e utiliza-ção de produtos químicos) reduziu e concentrou o tempo de trabalho sem alterar o tempo de produção da lavoura canavieira aumentando, com isto, a sazonalidade do trabalho na cultura da cana-de açúcar, e, portanto, a demanda do trabalho no momento da colheita; c) as mudanças nas relações sociais de produção decorrentes da exclusividade da cana na utilização do solo, da modernização técnica da agricultura, bem como das modificações introduzidas na legislação trabalhista, transformaram o assalaria-mento temporário na relação de trabalho predominante; d) a pecuarização do Agreste, principalmente na década de 70, que acentuou de um lado o processo de desrurali-zação agrestino e, de outro, o processo de urbanização e, em conseqüência, a disponibilidade de mão-de-obra local face à fragi-lidade da economia urbana regional; e) o fortalecimento da ação sindical na zona cana-vieira a partir do início da década de 80, conduziu a uma maior agressividade dos trabalhadores nas suas reivindicações, inclusive com a organização de greves por ocasião dos dissídios coletivos; face a este poder organizativo, os proprietários procuram contra-tar trabalhadores não pertencentes às bases territoriais dos sindi-catos; f) as estiagens prolongadas atingindo a produção e o emprego agrícola nas regiões do Sertão e do Agreste/Brejo

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contribuíram para reforçar as dificuldades de acesso dos traba-lhadores rurais à terra, acentuando o êxodo rural. Pode-se afirmar que a dinamização recente dos fluxos sazonais para a zona canavieira deve-se tanto às modifica-ções na base técnico-material e nas relações de produção que aumentaram a demanda sazonal de trabalho, quanto às mudanças político-institucionais (redemocratização, retomada da organiza-ção sindical), que levaram os fornecedores de cana e usineiros a procurarem esses trabalhadores. Essa tem sido a estratégia patro-nal para enfrentar as lideranças e a organização do movimento sindical. Pesquisa de campo realizada no Litoral paraibano em 1994, por pesquisadores do CERESAT/UFPB, identificou dois tipos de fluxos migratórios sazonais: um espontâneo e outro organizado. O fluxo espontâneo é aquele formado por traba-lhadores que, por conta própria, dirigem-se para a zona canaviei-ra, principalmente para suas maiores cidades, como Sapé e Santa Rita. Alojam-se em quartos alugados na periferia dessas cidades, em condições muito precárias. Nesses quartos, os únicos utensí-lios domésticos presentes são redes, panelas e a trempe (três pe-dras dispostas de forma triangular no chão, entre as quais se co-loca a lenha e sobre as quais é colocada a panela para cozinhar). Os próprios trabalhadores cuidam da sua alimentação. Eles pas-sam a procurar trabalho nas mesmas condições que os bóias-frias locais, isto é, apresentam-se cotidianamente no mercado de tra-balho, na tentativa de serem agenciados por um “gato”. Normal-mente não usufruem dos direitos trabalhistas (carteira assinada, 13o. salário, férias e repouso remunerados, etc.). Segundo dados levantados pelo GESTAR (Grupo de Saúde e Trabalho Ru-ral/UFPb), em 1985 a remuneração média desses trabalhadores era inferior a um salário mínimo (GESTAR,1985). O fluxo organizado é aquele formado por traba-lhadores contratados por um chefe de turma ligado aos proprie-tários. Esse agenciador chega numa determinada localidade e

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convoca jovens e adultos para o trabalho no corte da cana. Os trabalhadores são transportados em caminhões e alojados em galpões, nas propriedades das Usinas. A situação desses galpões é, via de regra, desumana, embora bastante diferenciada. Encon-tram-se galpões de alvenaria com sanitários externos e tanques para armazenar água, como também encontram-se galpões co-bertos de telha mas cujas paredes são de pau-a-pique, fechado por sacos de plástico para embalar adubos, sem sanitários e sem depósitos de água. Nesse último caso, o galpão serve também de depósito de agrotóxicos, sobre os quais os trabalhadores armam suas redes. De um modo geral, os galpões são pequenos para abrigar o número de trabalhadores. Segundo estes, "as redes batem umas nas outras e falta lugar para botar troços". Nos galpões, regra geral, não há energia, é comum a presença de insetos (muriçocas, baratas, caranguejeira...). A alimentação durante a semana é pre-parada por um cozinheiro. Os trabalhadores adquirem os alimen-tos nas cidades mais próximas e pagam a alguém para preparar a alimentação. Esta consiste em uma das combinações: fari-nha/feijão/charque; feijão/ ovo/farinha; feijão puro; fari-nha/peixe seco; quarenta (papa de farinha de milho, água e sal); rapadura e bolacha. Nos galpões não existe espaço para a cozi-nha. Um fogão a lenha do lado de fora serve como tal. Sem pro-teção contra o vento, as panelas acabam por receber poeira e fuligem de cana que se misturam com comida. Os trabalhadores que integram o fluxo organizado possuem algumas vantagens em relação ao fluxo espontâneo. Eles não pagam transporte, não dispendem com aluguel e possu-em a garantia de trabalho todos os dias. Em compensação, são obrigados a: a) executar todas as tarefas designadas pelo chefe de turma. Mesmo durante a noite eles podem ser convocados para trabalhar no “lambaio”, isto é, trabalhar durante a noite no ritmo das máquinas, juntando as canas por elas deixadas. Alguns deles são adolescentes com menos de 18 anos que, para ganhar o equivalente a duas tarefas, trabalham no lambaio das 18:00 às 6:00

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horas da manhã;65

b) submeter-se a uma intensidade de trabalho maior do que a dos outros trabalhadores; c) terem suas ações controladas mesmo fora do ambiente de trabalho (o jogo de car-tas e a bebida são proibidos e a penalidade para a transgressão é a perda de dias de trabalho durante a semana). Caso não aceitem as condições de trabalho, são afastados e substituídos. Estes fluxos são formados basicamente por ho-mens, na sua maioria jovens. Em um dos galpões visitados, só haviam jovens entre 14 e 21 anos de idade. A falta de ocupação no local de origem é a grande razão para a vinda. Do ganho obti-do o trabalhador tem que garantir sua alimentação no galpão e a sobrevivência da sua família. Assim, vê-se obrigado a gastar o mínimo possível na aquisição de gêneros para si, o que explica as combinações alimentares extremamente precárias enumeradas anteriormente. Eles são procedentes tanto das periferias das ci-dades do Agreste (Itatuba, Araruna, Cacimba de Dentro - em conseqüência da forma de agenciamento, os trabalhadores de cada galpão procedem de uma mesma localidade), quanto dos vilarejos e vilas que passam a se constituir em uma nova caracte-rística das áreas rurais do Agreste: o habitat rural concentrado. O aumento dessas concentrações rurais contrasta com o esvazia-mento das propriedades. A organização dos galpões fica sob a responsabili-dade do cabo de turma, que não é necessariamente o cabo de eito. O jogo de cartas e a bebida são proibidos, a penalidade para a transgressão é a perda de dias de trabalho durante a semana. Nos casos de acidentes a responsabilidade cai primeiramente sobre o cabo de turma. Só nos casos mais graves é que a Usina é comunicada. Dentre as vantagens desse tipo de trabalhador para as Usinas podem-se citar:

65Sobre as condições de trabalho de crianças e adolescentes na atividade canavieira da Paraíba leia-se: MOREIRA et alii. Os caras pintadas de suor e da fuligem da cana: um estudo das condições de vida e trabalho dos trabalhadores mirins da cana. João Pessoa. Relatório Técnico de pesquisa. CNPq, 1995.

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a) mão-de-obra disponível. Como já foi dito ante-riormente, os trabalhadores não só são inteiramente disponíveis, como obrigados a executar o trabalho que lhe for determinado. Em outras palavras, eles não têm nenhuma autonomia na escolha do conteúdo, nem da intensidade do trabalho a ser realizado; b) mão-de-obra disciplinada fora da ingerência dos sindicatos. Já que são trabalhadores procedentes de outros municípios não têm ligações com o sindicato local. Mais do que isso, a imagem difundida sobre o sindicato é a de aproveitador que não cuida das necessidades dos trabalhadores. Dada a "dis-tância" dos sindicatos, fica difícil a fiscalização das condições de trabalho, bem como a arregimentação desses trabalhadores por ocasião das greves; c) mão-de-obra mais facilmente explorável. Se-gundo depoimento do presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais do município de Caaporã, a tarefa que os trabalhadores devem realizar cada dia é maior que a estabelecida pelos dissídios coletivos, o que resulta, concretamente, em uma jornada de tra-balho mais longa. Por alguns depoimentos colhidos, muitos têm que trabalhar também aos sábados e até mesmo aos domingos, para poder completar a tarefa que lhes foi destinada para aquela semana e assim obter o salário integral. As informações acima contidas mostram, de um lado, o grau de desproteção e insegurança dos migrantes sazonais da zona canavieira paraibana e, de outro, as precárias condições de trabalho e de vida a que são submetidos nos galpões e pontas de rua. Outro ponto importante no estudo da população rural paraibana refere-se à sua distribuição espacial. Esta é marca-da por forte desigualdade como veremos a seguir.

6.2.3.2. Perfil distributivo da população rural paraibana

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A população rural do Estado da Paraíba, em 1991, era de 1.149.048 habitantes, representando 36,0 % do contingen-te demográfico estadual. Essa distribui-se de modo muito irregu-lar pelo território estadual (v. mapas referentes à distribuição da população rural por município in: MOREIRA,1996). De um mo-do geral, a porção central do Estado (Mesorregião da Borbore-ma) e a Microrregião de Patos, no Sertão, apresentam os meno-res contingentes populacionais, enquanto que a maior concentra-ção de municípios com população superior a dez mil habitantes é registrada no Agreste. No Sertão paraibano distingue-se a Mi-crorregião de Teixeira, por abrigar o maior contingente de popu-lação rural entre todas as Microrregiões sertanejas. Nela, todos os municípios possuíam mais de cinco mil habitantes na sua área rural em 1991. A desigualdade da distribuição espacial da popula-ção rural é melhor evidenciada pelo mapa de densidade popula-cional contido no Atlas de Geografia Agrária da Paraíba (MO-REIRA,1996). É nítida a divisão do Estado em três grandes por-ções: a) a zona oriental da Paraíba, composta pelo Lito-ral e Agreste, onde são registrados os mais altos índices de densi-dade. Excetuando-se os municípios de Bayeux, Cabedelo e João Pessoa (na Microrregião de João Pessoa); Mataraca (na Microrre-gião do Litoral Norte); Juripiranga e Mari (na Microrregião de Sapé); Campina Grande (na Microrregião do mesmo nome) e os

municípios do Curimataú Ocidental (exceto Arara)66

, os demais tinham, em 1991, índices de densidade superior a 20 hab/km2 (82,4% do total dos municípios daquelas Mesorregiões). Deve-se ainda salientar que as mais altas densidades estavam concentradas no Agreste, com destaque para a Microrregião de Esperança que apresentava uma densidade de população rural da ordem de 85,31 hab/km2, a maior entre todas as Microrregiões do Estado (v.Cartograma concernente in: MOREIRA,1996). Em nível mu-

66 Todos apresentavam densidade de população rural inferior a 20 hab/km2.

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nicipal as maiores densidades eram encontradas em São Sebastião da Lagoa de Roça (214,8 hab/km2), Dona Inês (115,6 hab/km2 ), Lagoa Seca (114,9 hab/km2) e Areia (106,5 hab/km2). b) a área central do Estado é a que detinha os menores índices de densidade populacional. As Microrregiões do Cariri Oriental, do Cariri Ocidental e do Seridó Ocidental disti-guem-se por apresentar densidade rural inferior a 10 hab/km2; c) excetuando-se a Microrregião de Patos (com menos de 10 hab/km2), o extremo oeste do Estado apresentava índices médios de densidade da sua população rural (v. cartogra-ma concernente in: MOREIRA,1996). Esse perfil distributivo da população rural parai-bana mantém estreita relação com uma combinação de fatores que inclui, tanto os elementos do quadro natural, quanto do pro-cesso histórico de ocupação do espaço e das formas atuais de utilização do solo. É expressiva a correspondência entre as áreas de maior densidade populacional, com as que combinam policul-tura alimentar e valores mais elevados da produção agrícola. Por outro lado, as áreas rurais menos povoadas correspondem àque-las cujas condições do meio apresentam-se mais restritivas à ati-vidade agrícola (regiões de clima árido como o Cariri e o Seridó), ou ainda àquelas onde, paralelamente ao avanço do processo de pecuarização, foi muito intenso o desmantelamento da principal atividade agrícola, no caso, a cotonicultora, em decorrência da praga do Bicudo (Microrregião de Patos). Em suma, uma análise mais conseqüente da dinâ-mica da população rural do Estado deve levar em consideração as transformações recentes na organização da produção agropecuá-ria, que respondem a uma crescente subordinação desta atividade à acumulação capitalista. Nesse contexto, as limitações do quadro natural atuam não apenas como fator de expulsão em momentos de ocorrência das estiagens prolongadas, mas também como fa-tor que tem concorrido para a reorientação das formas de utiliza-ção do solo e das relações de trabalho anteriormente vigentes.

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Reorientação que resulta em liberação de mão-de-obra do setor primário e na acentuação dos fluxos migratórios sazonais.

QUADRO XIII

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POPULAÇÃO PARAIBANA 1774/1872

ANOS LITORAL AGRESTE (1) SERTÃO TOTAL

1774* 16.929 6.155 7.221 30.305

1775* - - - 52.000

1782* 30.009 7.914 14.540 52.463

1808** - - - 95.182

1811* - - - 122.407

1812* - - - 95.162

1819** - - - 96.448

1823** - - - 122.407

1830** - - - 246.000

1840* - - - 227.870

1847* 35.868 92.356 23.228 151.452

1851* 42.526 111.777 54.649 208.952

1860*** - - - 212.000

1867** - - - 300.000

1872** - - - 376.226

Fontes: * PINTO.1977; ** MARCÍLIO. 1974; ***SEIXAS. 1985 1. Entende-se aqui como Agreste a área compreendida pela Vila do Pilar, Paróquia de Taipu, Cidade de Areia, Vila do Ingá, Paróquia de Natuba, Vila de Alagoa Nova, Vila de Bananeiras, Paróquia de Cuité, Vila de Independência e Vila de Campina Grande.

QUADRO XIV

POPULAÇÃO PARAIBANA E BRASILEIRA

1872/1980

ANOS BRASIL (1) PARAÍBA (2) .100 (1, 2)

1872 9.930.478 376.226 3,79

1890 14.333.915 457.232 3,19

1900 17.438.434 490.784 2,81

1920 30.635.605 961.106 3,14

1940 41.236.315 1.422.282 3,45

1950 51.944.397 1.713.259 3,30

1960 70.992.343 2.018.023 2,84

1970 94.508.554 2.382.617 2,52

1980 119.002.706 2.770.176 2,32

Fonte: FIBGE. Censos Demográficos de 1872 a 1980.

QUADRO XV

Page 240: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

240 Emília Moreira e Ivan Targino

ÍNDICE DE FECUNDIDADE TOTAL SEGUNDO A SITUA-ÇÃO DOMICILIAR. BRASIL, NORDESTE E PARAÍBA

LUGAR 1960-1970 1970-1980

TOTAL URBA-NO

RURAL TOTAL URBA-NO

RURAL

BRASIL(1) 5,7 4,5 7,7 4,3 3,6 6,4

NORDESTE(1) 7,5 6,4 8,4 6,1 4,9 7,6

PARAÍBA(2) 7,7 6,6 8,8 5,8 5,1 7,7

Fontes: (1) MOURA, 1985:161 (2) SUDENE, 1984:185

QUADRO XVI NÚMERO MÉDIO DE FILHOS POR MULHER DE 15 ANOS

E MAIS QUE TIVERAM FILHOS, SEGUNDO A RENDA FAMILIAR DA MULHER, POR SITUAÇÃO DOMICILIAR

1980

CLASSE DE RENDA

TOTAL

URBANA (1)

RURAL (2)

1-2

Até ¼ do S.M. 5,7 5,9 5,8 -0,3

¼ a ½ do S.M. 6,4 6,5 6,4 -0,1

½ a 1 S.M. 6,2 6,0 6,4 0,4

1 a 2 S.M. 6,8 6,2 7,6 1,4

2 a 5 S.M. 6,6 6,1 8,4 2,3

5 a 10 S.M. 5,6 5,3 7,9 2,6

10 a 20 S.M. 4,5 4,4 5,7 1,3

+ de 20 S.M. 4,2 4,2 5,4 1,2

s/rendimento 5,1 4,3 5,5 1,2

s/declaração 7,7 7,0 8,6 1,6

TOTAL 6,3 5,9 6,8 0,9

Fonte: FIBGE. Censo Demográfico da Paraíba, 1980

Page 241: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 241

241

QUADRO XVII

ESTADO DA PARAÍBA POPULAÇÃO RESIDENTE TOTAL E RURAL

1950 - 1991

ANOS TOTAL(1) RURAL(2) 2/1 100

1950 1.713.259 1.256.543 73,3

1960 2.000.851 1.303.515 65,1

1970 2.382.617 1.380.461 57,9

1980 2.770.176 1.321.172 47,6

1991 3.201.114 1.149.048 36,0 Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1950, 1960, 1970, 1980 e 1991.

QUADRO XVIII

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO

AS MESORREGIÕES 1970/1980

MESORREGIÃO

TAXA GEOMÉTRICA DE CRESCIMENTO ANUAL DA POPULAÇÃO RURAL

(%) 1970/1980

MATA PARAIBANA -1,60

AGRESTE -0,68

BORBOREMA -0,03

SERTÃO PARAIBANO 0,15

PARAÍBA -0,44 Fonte: FIBGE.Censos Demográficos da Paraíba,1970 e 1980.

Page 242: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

242 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XIX

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO

AS MICRORREGIÕES 1970/1980

MICRORREGIÃO TAXA GEOMÉTRICA DE

CRESCIMENTO ANUAL DA POPULAÇÃO RURAL (%)

1970/1980

João Pessoa -3,92

Litoral Norte -0,51

Litoral Sul -0,40

Sapé -1,93

Curimataú Oriental 0,14

Brejo Paraibano -1,68

Campina Grande -1,30

Curimataú Ocidental -0,17

Esperança -0,09

Guarabira -0,79

Itabaiana -0,33

Umbuzeiro 0,35

Cariri Oriental -0,36

Cariri Ocidental 0,01

Seridó Ocidental -0,39

Seridó Oriental 0,42

Cajazeiras 0,10

Catolé do Rocha 0,21

Itaporanga 0,05

Patos -0,20

Piancó -0,70

Sousa -0,02

Teixeira 1,27 Fonte. FIBGE. Censos Demográficos de 1970 e 1980.

Page 243: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 243

243

QUADRO XX

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO

AS MESORREGIÕES 1980/1991

MESORREGIÃO

TAXA GEOMÉTRICA DE CRESCIMENTO ANUAL DA POPULAÇÃO RURAL

(%) 1980/1991

MATA PARAIBANA -0,72

AGRESTE -1,05

BORBOREMA -1,78

SERTÃO PARAIBANO 1,51

PARAÍBA -1,26 Fonte: Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991

Page 244: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

244 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXI

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO RURAL, SEGUNDO

AS MICRORREGIÕES 1980/1991

MICRORREGIÃO TAXA GEOM. DE CRESCI-

MENTO ANUAL DA POPULA-ÇÃO RURAL (%)

1980/1991

João Pessoa -0,44

Litoral Norte -0,87

Litoral Sul 0,52

Sapé -1,44

Curimataú Oriental -1,23

Brejo Paraibano -1,39

Campina Grande -0,25

Curimataú Ocidental -1,53

Esperança -0,36

Guarabira -1,93

Itabaiana -1,00

Umbuzeiro -0,31

Cariri Oriental -0,71

Cariri Ocidental -2,50

Seridó Ocidental -2,98

Seridó Oriental -1,10

Cajazeiras -1,23

Catolé do Rocha -2,00

Itaporanga -1,48

Patos -2,69

Piancó -1,71

Sousa -1,98

Teixeira -0,33 Fonte. FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991.

Page 245: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 245

245

QUADRO XXII ESTADO DA PARAÍBA

POPULAÇÃO RESIDENTE E POPULAÇÃO MIGRANTE POR PROCEDÊNCIA, SEGUNDO O TAMA-NHO DAS CIDADES1 1970/1980

CLASSES/ANO NÚMERO POPULAÇÃO TOTAL2 POPULAÇÃO MIGRANTE 1970 Total3 Urbana Rural

menos de 1.000 33 13.727 2.207 1.004 1.203

1.000 — 2.000 40 41.588 6.024 2.847 2.146

2.000 — 3.000 23 35.552 5.803 2.942 2.857

3.000 — 5.000 31 84.692 15.626 7.753 7.852

5.000 — 10.000 23 103.107 22.607 10.703 11.861

10.000 — 20.000 11 121.107 29.896 17.848 11.938

20.000 — 60.000 7 191.026 54.222 40.740 13.458

60.000 e mais 2 376.123 125.847 100.263 25.406

Total 966.922 262.234 184.110 77.721

1980

menos de 1.000 33 20.675 4.820 1.822 2.998

1.000 — 2.000 40 60.600 13.771 4.880 8.891

2.000 — 3.000 23 54.850 13.125 4.952 8.173

3.000 — 5.000 31 125.502 29.780 12.269 17.511

5.000 — 10.000 23 149.261 43.938 17.964 25.974

10.000 — 20.000 11 153.786 50.153 26.431 23.722

20.000 — 60.000 7 289.065 118.968 66.377 52.591

60.000 e mais 2 548.684 240.911 147.569 93.342

Total 1.402.423 515.466 282.264 233.202

Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.

Notas: 1) As cidades foram classificadas segundo o tamanho de suas populações em 1980. 2) Não inclui população urbana dos distritos. 3) Inclui procedência ignorada.

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246 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXIII

ESTADO DA PARAÍBA CIDADES QUE APRESENTARAM AS MAIORES TAXAS

ANUAIS DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO NA DÉCADA DE 80

CIDADES TAXA ANUAL DE CRESCIMENTO

GEOMÉTRICO DA POPULAÇÃO (%) 1980/1991

Mataraca 14,30

Conde 14,07

Lucena 12,85

Jacaraú 9,60

Juru 8,49

Paulista 8,37

Quixaba 8,18

Caaporã 8,06

Emas 8,01

Pedra Branca 7,90

São Sebastião da Lagoa de Roça 7,52

Serra Grande 7,49

Santana de Mangueira 7,23

Camalaú 7,22

Curral Velho 6,96

Montadas 6,91

Pitimbu 6,89

São Bento 6,81

Triunfo 6,80

São José de Espinharas 6,93

Desterro de Malta 6,88

Nova Palmeira 6,76

Bom Sucesso 6,74

Queimadas 6,73

Junco do Seridó 6,68

Bom Jesus 6,45

Seridó 6,34

Livramento 6,30

Frei Martinho 6,27

Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1980 e 1991.

Page 247: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 247

247

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sistema morador no município de Santa Rita. João Pessoa, UFPb, Curso de Mestrado em Economia, 1987 (mimeo).

FRAGOSO, H. “O apaziguamento do povo rebelado mediante as missões populares, Nordeste do II Império”. In: SILVA, S.V.(org.) A Igreja e o controle social nos sertões nordestinos. São Paulo, Editora Paulinas, 1988.

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Brasília, 2a. ed., 1981. PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a história da Paraíba. João Pessoa, Editora Universi-

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Page 248: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

248 Emília Moreira e Ivan Targino

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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 249

249

7. EVOLUÇÃO RECENTE DO EMPREGO RURAL E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO PARAIBANO

“Que é que meu patrão fazia Se eu passasse a sê patrão E meu patrão de repente Tomasse a minha patente De cativo moradô, Morando numa paioça Trabaiando em minha roça Sendo meu trabaiadô? E enquanto no meu roçado Tratasse do meu legume Me visse todo equipado Todo pronto de prefume Entrá pra dentro do carro Fumando belo cigarro Sem oiá seu sacrifiço E o senhô acabrunhado Trabaiando, trabaiando, Acabando meu serviço?

Versos do poema Pergunta de Moradô, de Geraldo Gonçalves de Alencar

De um modo geral, o nível do emprego mantém relação com uma série de fatores tais como nível do produto, ritmo de acumulação, evolução das relações técnicas e sociais de produção e estrutura fundiária. No caso da agricultura, pode-se

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250 Emília Moreira e Ivan Targino

acrescentar também a quantidade de terras incorporadas ao pro-cesso produtivo, bem como as formas de uso do solo. Vale dizer, que o nível e a composição do emprego são resultantes de uma série de fatores, alguns atuando como estimuladores, outros co-mo inibidores da utilização da força-de-trabalho na produção de bens agropecuários. Por outro lado, a evolução das variáveis rela-cionadas com o mundo do trabalho rural estão estreitamente vinculadas à dinâmica da população rural. De um lado, a capaci-dade do setor primário de gerar emprego e renda constitui uma das condições fundamentais para a fixação do homem no campo e, de outro lado, algumas alterações nas relações sociais de pro-dução pressupõem a expropriação/expulsão de parcela significa-tiva da população rural. O período em estudo é bastante rico para eviden-ciar tais interações. Como já foi visto em capítulos anteriores, a organização do espaço agrário estadual tem sofrido transforma-ções significativas, no sentido de sua modernização, vale dizer, no sentido de sua subordinação real ao capital. O processo de de-senvolvimento daí resultante tem gerado, de um lado, o cresci-mento da riqueza, consubstanciado no aumento do produto e de sua concentração e, de outro lado, em movimento aparentemente contraditório, a exclusão social de parcela significativa da classe trabalhadora e a deterioração das relações sociais. Os impactos da modernização conservadora do espaço agrário sobre as relações de trabalho e o emprego no campo paraibano serão objeto de estudo dos próximos itens. 7.1. Evolução recente do volume do emprego rural A análise dos dados relativos ao quantitativo do emprego no campo paraibano ressalta alguns aspectos importan-tes, a seguir discutidos.

Page 251: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 251

251

7.1.1. Retração relativa da capacidade de ab-sorção da força-de-trabalho por parte do setor primário

A modernização da atividade agrícola e o cresci-mento das atividades urbanas têm provocado, nas últimas déca-das, mudanças significativas na composição setorial do emprego no Estado. Como pode ser observado no quadro XXIV, o setor primário absorvia, em 1950, quase oito décimos da população economicamente ativa (PEA) estadual. Essa participação tem declinado de forma persistente, atingindo cerca de três décimos em 1990. A análise dos dados chama a atenção para o fato de que foi na última década que se operou a mais brusca redução: perda de vinte pontos percentuais nos anos oitenta, contra 27 pontos nas três décadas anteriores. O declínio relativo da capacidade de absorção de mão-de-obra por parte do setor primário guarda uma estreita correlação com a evolução da sua contribuição na formação do produto interno bruto. Esse setor respondia por mais da metade do PIB estadual em 1950, enquanto que na pri-meira metade dos anos noventa esta participação situa-se em torno dos dez pontos percentuais. Observa-se, portanto, ao lon-go da segunda metade do século XX a quebra da hegemonia das atividades primárias, tanto na geração da riqueza quanto na ab-sorção da força-de-trabalho. Acontece a transição de uma socie-dade rural para uma sociedade urbana, com todas as vantagens e problemas daí decorrentes. O declínio relativo da capacidade de absorção de mão-de-obra pelo setor primário reproduziu-se tanto em nível regional como municipal nos anos setenta. Alguns aspectos refe-rentes ao comportamento da PEA agrícola paraibana nesse perí-odo podem ser visualizados nos mapas contidos no Atlas de Ge-ografia Agrária da Paraíba (MOREIRA,1996). Esses mapas mos-tram como a diminuição da PEA agrícola se deu de forma disse-minada em todo o Estado. Em 1970, em apenas seis municípios, a sua participação na PEA total era inferior a 50,0%. Em 1980,

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252 Emília Moreira e Ivan Targino

esse número quase que triplica. Além disso diminuem de forma significativa os municípios onde o setor primário absorvia mais de 90,0% da sua força-de-trabalho. Importa lembrar que, na mai-oria dos casos, o declínio do poder de absorção do setor primário não corresponde ao fortalecimento da economia urbana desses municípios, o que permitiria incorporar o contingente de traba-lhadores repelido pela atividade agropecuária; 7.1.2. Comportamento oscilante do contingen-

te de mão-de-obra engajado na agro-pecuária

A comparação dos dados censitários sobre a PEA agrícola, relativos aos anos de 1970 e 1980, mostra uma redução do total da PEA da ordem de 6% (437,9 mil em 1970 e 412,6 mil em 1980). Durante a década de oitenta, os dados da PNAD rela-tivos à PEA rural apontam para um emprego médio da ordem de 426 mil pessoas. É bem verdade que não se pode comparar os dados dos Censos Demográficos com os da PNAD. No entanto, as informações colhidas pela PNAD na década de oitenta indi-cam um patamar do nível do emprego rural não muito diferente daqueles registrados pelos Censos Demográficos em 1970 e 1980. Com os cuidados devidos, pode-se arriscar a afirmação de que o nível absoluto do emprego rural, nas últimas décadas, tem apre-sentado alguma oscilação em torno de um patamar um pouco superior a quatrocentos mil empregos. Esses dados parecem contradizer uma afirmação bastante recorrente na literatura de que as mudanças na base téc-nica da agricultura leva a uma redução absoluta do emprego pri-mário. Assim, era de se esperar que o declínio do emprego ob-servado na década de setenta tivesse continuado na década de oitenta. Alguns fatores tais como a expansão do grau de feminili-dade da força-de-trabalho, o aumento do número de trabalhado-res jovens e a persistência da pequena propriedade, que serão discutidos na seqüência, parecem ter atuado no sentido de atenu-

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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 253

253

ar os efeitos do processo de modernização sobre o volume do emprego rural. Além dos fatores acima enumerados, não se deve esquecer que a despeito da redução da sua participação relativa no PIB estadual, o produto do setor agrícola, malgrado as grandes secas ocorridas no período em estudo, não deixou de crescer, embora a um ritmo bem inferior ao dos demais setores da eco-nomia. Na década de sessenta, o PIB do setor primário cresceu 1,3% contra 7,6% e 9,7% do PIB dos setores secundário e terciá-rio, respectivamente. Na década de 80, as taxas observadas foram de 4,6% contra 5,2% e 6,0% para os setores industrial e de servi-ços. De alguma forma, o comportamento do produto do setor primário deve ter contribuído para a manutenção do patamar do nível do emprego rural nas últimas décadas. 7.1.3. Aumento da força-de-trabalho feminina

e juvenil A observação dos dados referentes ao comporta-mento da mão-de-obra quanto ao sexo e à idade (v. quadro XXV), destaca alguns fatos relevantes: em primeiro lugar, um decréscimo persistente da participação dos homens no conjunto da mão-de-obra. Com efeito, o grau de masculinidade, que era da ordem de 92% em 1970, decai para 88% em 1980 e para 72% em 1989. Verifica-se também que a variação ocorrida se deu tanto em termos relativos quanto absolutos. A redução da força-de-trabalho masculina é observada com mais intensidade nas faixas etárias acima de 20 anos de idade; em segundo lugar, contrapon-do-se à redução absoluta e relativa dos homens trabalhadores, tem-se a elevação do contingente das mulheres e dos jovens (v. quadro XXV e MOREIRA, 1996). O que vale dizer que o cres-cimento da mão-de-obra feminina e juvenil tem arrefecido os impactos da redução do trabalho masculino adulto sobre o con-junto do emprego agrícola.

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254 Emília Moreira e Ivan Targino

O crescimento da força-de-trabalho juvenil e fe-minina é confirmado através dos dados do Censo Agropecuário relativos ao pessoal ocupado nas atividades agropecuárias. Segun-do essa fonte, o número de crianças menores de 14 anos (v. grá-fico concernente in: MOREIRA,1996) e de mulheres ocupadas na atividade agropecuária, cresceu respectivamente 4,5% e 2,5% na década de setenta. Dentre as crianças de menos de 14 anos ocupadas no setor primário, destacaram-se as do sexo feminino com um crescimento da ordem de 7,9% (MOREIRA,1996). Na Zona Canavieira paraibana o número de mulheres ocupadas na agricultura cresceu 39,5% entre 1975 (ano de criação do Proalco-ol) e 1985. Nesse mesmo período, o número de crianças menores de 14 anos engajadas no processo produtivo agrícola na região aumentou 35,0%. O que teria determinado as mudanças na compo-sição do emprego rural quanto a sua estrutura etária e sexual du-rante as últimas décadas? Além de algumas explicações de ordem

metodológica (MARTINE & ARIAS,1988),67

algumas causas podem ser buscadas na dinâmica do processo modernizador da agricultura que teve lugar no período em foco e nos seus impac-tos sobre o uso do solo, a base técnica da produção, as relações de trabalho e sobre a dinâmica migratória da população rural. As transformações ocorridas na organização agrária estadual têm contribuído para a expulsão de camada significativa da população da zona rural, bem como propiciaram o avanço do assalariamen-to da força-de-trabalho agrícola. Em relação ao efeito da migração sobre o empre-go feminino e infantil, tem-se que, embora o êxodo rural venha

67São três as fontes básicas de informações sobre emprego rural na Paraíba: o Censo Agropecuário, o Censo Demográfico e a PNAD. Essas fontes porém, apresentam certas limitações no que tange à possibilidade de se fazer análise comparativa de seus dados. Isso porque elas utilizam metodologias e processos operacionais distintos que redundam, conseqüentemente, em resultados também distintos. Essa forma diferenciada de apresentação dos dados antes de implicar em equívoco de uma ou outra fonte, representa a realidade a partir da forma como ela foi abordada, da data dos levantamentos realizados e dos diferentes conceitos aplicados. Segundo Martine e Arias, “Não se trata do fato de uma ou outra fonte estar ‘errada’ nos seus conceitos, na sua metodologia ou nos seus dados. São fontes que têm objetivos diferentes e conseqüentemente, abordagens distintas” (MARTINE,G. & ARIAS, A. 1988:61).

Page 255: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 255

255

ocorrendo de modo maciço no Estado, a migração afeta mais fortemente a população masculina em idade ativa. Ao sair do campo, as famílias fixam-se nas periferias urbanas ou nos aglome-rados rurais, cabendo ao pai e aos filhos maiores a busca de opor-tunidades de trabalho seja na construção civil, seja em atividades de serviços de baixa remuneração, seja ainda, em atividades agrí-colas como a canavieira. Os baixos níveis salariais percebidos obrigam à mulher e aos filhos menores engajarem-se na atividade agropecuária ou ampliarem o número de horas que já dedicavam à agricultura seja como assalariados, seja na pequena produção familiar, no caso da família ser pequena proprietária. Desse modo, o movimento ascendente do em-prego feminino e infantil acusado pelas fontes de informação anteriormente citadas, pode ser imputado, parcialmente, tanto à emigração dos membros masculinos adultos da família, como à necessidade de ampliação da renda familiar, dado o baixo nível de remuneração da força-de-trabalho do chefe da família. Está em curso uma mudança do papel da mulher no mundo do trabalho rural. A ela cabia a procriação e a execução de algumas tarefas bem precisas na unidade de produção familiar: ajuda no plantio e na colheita e o trato da criação miúda. Hoje assiste-se não só ao controle do processo produtivo nas pequenas unidades familiares cujo chefe migrou, como também ao seu assalariamento. O que antes era desonra para o trabalhador (ter a mulher e os filhos no eito) hoje passa a ser uma necessidade. Quanto ao efeito crescente do assalariamento no campo, observa-se que a transformação do produtor direto em assalariado temporário repercute sobre o nível de renda da famí-lia, obrigando o ingresso das mulheres e dos filhos menores de idade no processo produtivo, como estratégia de garantir a so-brevivência familiar. Para tanto, tem concorrido também a forma de pagamento do trabalho através de um sistema combinando produção e diária. Isto é, estima-se qual seria a produção do tra-balhador em um dia de trabalho e faz-se o pagamento da diária àquele que tenha atingido a cota. Isso tem obrigado o pai de fa-

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256 Emília Moreira e Ivan Targino

mília a levar os filhos para ajudá-lo a executar a tarefa/diária para ele definida. Sobretudo na área canavieira, não é desprezível o número de menores ocupados dessa forma (GESTAR,1988). Além do trabalho da criança e do adolescente como “ajudantes” do pai, expande-se também o trabalho assalariado do menor, sobretudo nas lavouras comerciais (cana, abacaxi, inhame, etc.). Sobre a importância do trabalho infanto-juvenil, alguns pesquisa-dores do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CE-RESAT) ao analisar o fenômeno na área canavieira da Paraíba afirmam que:

“Não de pode negar que o elevado grau de po-breza da classe trabalhadora é o principal res-ponsável pela inserção prematura dos jovens no mercado de trabalho. As famílias vêem-se obri-gadas a recorrer à força-de-trabalho de seus fi-lhos como forma de complementar a renda e ga-rantir o sustento mínimo da unidade familiar” (MOREIRA et alii, 1995:14).

7.1.4. manutenção da pequena propriedade

como principal fonte de ocupação Conforme foi discutido no capítulo 4, apesar das modificações na organização agrária, constata-se que a pequena

propriedade68

ainda continua expressiva no contexto da estrutura fundiária estadual. Em 1985, ela representava mais de 90% do total dos estabelecimentos agrícolas (v. quadro X no cap. 4). Essa observação é de fundamental importância para a questão do em-prego, já que essas propriedades têm absorvido mais de três quar-tos do pessoal ocupado no setor agropecuário paraibano. A pe-quena propriedade funciona como um freio ao processo de redu-ção da força-de-trabalho rural que se poderia esperar com a mo- 68O termo pequena propriedade é aqui utilizado como sinônimo de pequeno estabelecimento agrícola.

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dernização da atividade. A pequena propriedade do solo conse-gue reter parte do contingente populacional que tenderia a mi-grar. Evidentemente que ao fazer essa afirmação não se está di-zendo que a pequena propriedade impede a mobilidade espacial da população. Vários estudos têm mostrado, inclusive, que a mi-gração de parte da força-de-trabalho da pequena propriedade é parte da estratégia de sobrevivência dessas unidades familiares de produção (GARCIA JR.,1983; FIGUEIREDO, 1991). A remessa de recursos por parte dos homens adultos que migraram garante parte importante da reprodução da unidade produtiva familiar. Com a saída do chefe, conforme já discutido no item anterior, a mulher e os filhos garantem a exploração da terra e os cuidados com os animais. Interessante destacar que, segundo os dados censitários, o crescimento maior da força-de-trabalho infantil e feminina se dá exatamente na categoria de “membros não remu-nerados da família”. Entre as pequenas propriedades deve-se destacar aquelas com menos de 10 hectares cujo número, após sofrer uma pequena redução na década de 70, voltou a crescer na primeira metade dos anos oitenta, conforme os dados do Censo Agrope-cuário de 1985 (v. quadro X no cap. 4). Esse comportamento da pequena propriedade na década de oitenta deve-se a vários fato-res, podendo-se sublinhar dois deles: a luta pela terra que tem conseguido a desapropriação e/ou aquisição de várias áreas no Estado, como será visto no capítulo seguinte, e o processo de fracionamento da pequena unidade de produção por motivo de herança. Em algumas áreas visitadas, esse processo tem se dado com tal intensidade que algumas regiões de minifúndio tem se convertido em verdadeiros núcleos de povoamento rural concen-trado. O que ocorre no Sítio Rio Vermelho, no município de Sapé, é bastante ilustrativo desse processo. Em virtude do tama-nho dos lotes que se restringem basicamente ao chão da casa e a um terreiro, os homens adultos têm, forçosamente, que migrar. Em muitos casos, esses trabalhadores não realizam um movimen-to migratório tradicional de média ou longa duração mas, sim-

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plesmente, passam a semana fora e voltam no final da semana com o dinheiro para a feira. Trata-se de uma nova forma de arti-culação do minifúndio, desta feita com setores da economia ur-bana, em particular, com o da construção civil. A importância do peso da pequena propriedade na absorção e retenção de mão-de-obra pode ser percebida tam-bém quando se constata que mesmo com o declínio do sisal e do algodão, culturas que apresentaram os maiores índices de ocupa-ção homem/hectare entre as lavouras em 1980, não aconteceu a

redução do emprego rural que se podia esperar.69

A manutenção da capacidade de absorção da mão-de-obra pela pequena propriedade deve-se não só ao cres-cimento do seu número e da sua área, como também e, princi-palmente, ao fato dessas unidades produtivas não terem sido a-tingidas de modo substancial pelo processo de modernização. No capítulo 5, frisava-se o aspecto desigual e seletivo desse processo. As mudanças na base técnica da produção atingiram mais forte-mente algumas culturas (cana, abacaxi, tomate, p. ex.) e concen-traram-se nas grandes e médias propriedades. Se o volume do emprego, pelas razões até aqui discutidas e expostas, não foi afetado de modo mais profundo pelas modificações em curso no agro paraibano, o mesmo não se pode dizer das relações de trabalho. Como será visto a seguir, durante a segunda metade do século XX ocorreram mudanças substanciais nas relações de trabalho no campo, que tiveram re-batimento nas relações sociais, ora “purificando” o caráter capita-lista das mesmas, ora eliminando/recriando antigas relações. 7.2. As mudanças nas relações de trabalho no campo A dominação do capital sobre o processo produ-tivo agrícola concretizado na Paraíba através da expansão da ati-vidade canavieira (via Proalcool) e da pecuária e, mais recente- 69Ressalte-se também que os efeitos da praga do bicudo sobre a cultura do algodão ainda não teriam sido captados pelo Censo de 1985.

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mente, da fruticultura, tiveram repercussões profundas sobre as relações de trabalho no campo. O marco maior desse processo corresponde ao avanço do trabalho assalariado, em particular, do trabalho assalariado temporário e a persistência/recriação de formas de trabalho tradicionais como a parceria e a posse da ter-ra, como veremos a seguir. 7.2.1. As relações de trabalho no campo

(1970/1990) Não resta dúvida de que o novo modelo de acu-mulação adotado pela agropecuária paraibana a partir da década de 70 foi responsável pela expansão do trabalho assalariado no campo observado nesse período. Essa expansão foi acompanha-da pelo processo de expulsão/expropriação de milhares de pro-dutores diretos. O que vale dizer que o assalariamento do campo se deu em detrimento de algumas formas tradicionais de trabalho. De fato, enquanto os empregados assalariados passaram de 73.833 em 1970 para 166.584 em 1980, o que representou um

crescimento médio de 125,6% no período, o trabalho familiar70

apresentou um crescimento negativo da ordem de 2,7% (-0,3%

ao ano), os parceiros subordinados71

reduziram-se em 27,9% (-3,2% ao ano) e os moradores e agregados sofreram uma retração da ordem de 71,7% (-11,9% ao ano) no mesmo período. Mere-

70Denomina-se de trabalho familiar o que é executado pelo responsável e pelos membros não remunerados da família. São considerados “responsáveis e membros não remunerados da família” pelo Censo Agropecuário os produtores e os administradores que no momento do Censo eram responsáveis pela direção dos estabelecimentos e os membros de sua família que os ajudavam na execução dos trabalhos sem receber qualquer tipo de remuneração. FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980. 71 O Censo Agropecuário considera como parceiros subordinados as pessoas diretamente subordinadas ao responsável pelo estabelecimento que recebem em troca das tarefas que executam uma quota-parte da produção obtida com seu trabalho (meia, terça, etc.). FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.

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cem destaque os empregados assalariados temporários72

, com um crescimento superior ao verificado para o total de assalariados (162,1% no período; 10,0% ao ano) e os empregados assalariados

permanentes73

com um crescimento da ordem de 52,5% no perí-odo. O crescimento do trabalho assalariado represen-tou, na verdade, um processo de tercerização das contratações de trabalhadores na agricultura. Vários estudos têm mostrado como, sobretudo na região açucareira, os trabalhadores temporários passaram a ser agenciados por “gatos” ou empreiteiros que con-tratam os serviços a serem realizados com os proprietários. Essa foi a forma encontrada de tentar driblar a legislação trabalhista ou, pelo menos, de dificultar o trabalho de fiscalização dos ór-gãos do Estado e dos sindicatos. Esse crescimento do trabalho assalariado obser-vado na década de setenta foi comum a todas as Mesorregiões do Estado (v. quadro XXVI e mapas concernentes in: MOREIRA, 1996). No Litoral e no Agreste, a implantação do Proalcool e a modernização da atividade canavieira por ele promovida, estão na base desse crescimento. Nos municípios dessas regiões que com-põem a Zona Canavieira da Paraíba (v. capítulo 3) ao lado de um declínio da população rural da ordem de -1,43% ao ano no decê-nio, observou-se um aumento dos empregados assalariados tem-porários de 18,5%. Enquanto isso os moradores e agregados re-duziam-se em 82,3% e os arrendatários em 18,5%. Entre 1975 e 1985 o crescimento dos empregados assalariados na citada região foi de 93,6%. Significa dizer que no período áureo do Proalcool,

72O Censo Agropecuário considera como “empregados temporários” as pessoas contratadas para tarefas eventuais ou de curta duração em troca de um salário (em dinheiro ou em quantidade fixa de produto). FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980. Os empregados temporários são também conhecidos: como bóias-frias (porque costumam levar a comida para o trabalho consumindo-a fria); como volantes (por não terem um local fixo de trabalho, estando a cada dia executando suas tarefas em locais diferentes); como trabalhadores clandestinos (por não terem carteira assinada e assim não serem beneficiados pelas leis trabalhistas). 73Os empregados assalariados permanentes são aqueles que exercem atividades de caráter efetivo ou de longa duração em troca de um salário (em dinheiro ou em quantidade fixa de produto). FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.

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paralelo ao esvaziamento do campo, observou-se uma intensifi-cação do trabalho assalariado nos municípios produtores de cana da porção oriental do Estado e uma forte retração de formas de trabalho pré-capitalistas como o sistema morador e o arrenda-mento. Por outro lado, o engajamento da população nas frentes de trabalho durante a seca que teve início em 1979 e se estendeu até 1983, deve ter contribuído para o aumento significativo ob-servado no número de empregados assalariados nas Mesorregiões do semi-árido. Em nível das Microrregiões, à exceção das de Sa-pé, de Campina Grande e de Esperança, todas as demais apresen-taram importante aumento dos empregados assalariados tempo-rários entre 1970 e 1980 (v. quadro XXVII e mapas do Atlas de Geografia Agrária in: MOREIRA,1996). Na porção oriental do Estado ressalta-se a Microrregião do Litoral Sul, justamente aque-la onde foi mais intensa a ação do Proalcool no período. No que tange aos empregados permanentes, apenas as Microrregiões de Guarabira, Umbuzeiro, do Seridó Oriental e de Teixeira acusaram crescimento negativo (v. quadro XXVIII e mapas do Atlas de Geografia Agrária in: MOREIRA,1996). A participação dos assa-lariados no total do pessoal ocupado também aumentou de 12,6% para 25,6% nos anos setenta. É necessário chamar a atenção para o fato de que à transformação do produtor direto em assalariado não corres-pondeu uma melhoria no padrão de vida da população. Ao con-trário, segundo os dados da PNAD, em 1985, mais de 85,0% da população ocupada na atividade agrícola ou não era remunerada (30,8%) ou percebia até um piso salarial (54,4%). Do total de empregados na atividade agrícola, 97,3% trabalhavam sem cartei-ra assinada. Assim, o peso que assume o emprego rural na Paraí-ba, ao tempo em que reforça os indicadores do baixo nível de desenvolvimento sócio-econômico do Estado, em razão dos ní-veis de remuneração aí prevalecentes, acentua a dimensão da po-breza da maior parte da população estadual.

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Nos anos setenta, ao lado do avanço do assalari-amento do trabalhador rural, observou-se como já foi menciona-do, a retração de algumas formas de trabalho tradicionais. No caso do trabalho familiar, este declinou em 87 municípios (50,9% do total dos municípios existentes no Estado) situados tanto nas áreas produtoras de cana do Litoral e do Brejo como no Agreste de Esperança (onde a pequena produção desempenha um papel relevante), na bacia leiteira de Campina Grande e em outras áreas do Agreste, do Cariri e do Sertão da Paraíba (v. mapas concer-nentes in: MOREIRA,1996). Sua participação no total do pessoal ocupado passou de 79,6% em 1970 para 69,8% em 1980. Os par-ceiros subordinados, por sua vez, reduziram-se em 90 municípios (52,6% do total), na sua grande maioria situados em áreas onde essa forma de trabalho é considerada tradicional como no Sertão, no Curimataú e no Agreste (incluindo-se o Brejo) (v. mapas con-cernentes in: MOREIRA,1996). A participação dos parceiros subordinados no total do pessoal ocupado, caiu de 6,9% em 1970 para 4,5% em 1980. Mais expressivo foi o comportamento dos moradores e agregados que se reduziram em 105 municípios do Estado (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996).

No que tange aos produtores rurais74

, os dados censitários indicam que eles também sofreram redução nos anos setenta em 57,0% dos municípios paraibanos. Passaram de 169.667 para 167.410 o que significou uma diminuição de 2.257 produtores (-1,3% no período). Essa diminuição foi constatada tanto entre os produtores proprietários como entre os não pro-prietários (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996). Ela deve-

se particularmente à queda dos arrendatários75

e dos pequenos proprietários (v.quadro XXIX). Os arrendatários apresentaram

74Os Censos Agropecuários de 1970 e 1980 consideram como produtores rurais as pessoas físicas ou jurídicas que detêm a responsabilidade da exploração do estabelecimento, quer seja o mesmo pertencente a si próprio ou a terceiros. 75Arrendatários para o Censo Agropecuário são produtores rurais que alugam terras de terceiros e pagam um aluguel em dinheiro ou sua equivalência em produto. FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.

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um comportamento decrescente da ordem de 23,5% (-2,6% ao ano). Esse fato foi observado na maioria dos municípios do Es-tado com destaque: a) para alguns situados na zona canavieira do Lito-ral tais como Cruz do Espírito Santo, Sapé, Santa Rita, Pitimbu, São Miguel de Taipu, Mataraca, entre outros (v. mapa do cresci-mento do produtor arrendatário in: MOREIRA, 1996); b) para os situados nas diversas subunidades espa-ciais que compõem o Agreste e o restante do semi-árido paraiba-no. Merece menção especial a retração dessa categoria no Sertão onde o arrendamento constitui uma das formas mais comuns e mais tradicionais de trabalho (MOREIRA, 1996).

Os produtores proprietários76

passaram de 108.232 em 1970 para 104.849 em 1980 (-3,1% no período). Res-ponsável por isso foram os pequenos proprietários com menos de vinte hectares de terra, que sofreram uma redução equivalente a 7,2% (-0,75% ao ano) (v.quadro XXIX). A diminuição da força-de-trabalho familiar, bem como dos parceiros subordinados, dos arrendatários, dos mora-dores e agregados e dos pequenos proprietários observada na década de setenta, exprime com muita clareza a retração de for-mas e relações de trabalho que não se ajustam às novas necessi-dades de acumulação capitalista na agricultura.

“É o capital necessitando libertar a terra en-quanto meio de produção, de formas de organi-zação que não se coadunam com a sua expansão na esfera produtiva e que só são permitidas en-

76Produtores Proprietários são os que detêm a propriedade jurídica das terras do estabelecimento (inclusive por usufruto, enfiteuse, comodato, herança, etc.). FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980.

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quanto não se constituem impedimento à sua expansão” (CANTALICE, D. 1985:85)

Se do ponto de vista do capital esse processo re-presenta a “libertação da terra” e sua metamorfose em capital, do ponto de vista do trabalhador ele significa o “cativeiro da terra”, isto é, a impossibilidade de acesso a ela a não ser enquanto força-de-trabalho assalariada.

Quanto aos produtores parceiros77

, embora ob-serve-se um aumento significativo no conjunto do Estado (18,0% no período), no plano regional eles reduziram-se em oito das treze regiões agrárias identificadas em 1970 por Moreira (MO-REIRA,1988). Vale a pena ressaltar que essa redução se deu in-clusive nas áreas onde essa forma de trabalho teve maior peso em setenta: no Agreste de Esperança e no Cariri (v. mapa concer-nente in: MOREIRA,1996). O seu crescimento foi maior na por-ção setentrional do Agreste (com destaque para os municípios de Barra de Santa Rosa, Cuité, Cacimba de Dentro e Arara, no Cu-rimataú) e no extremo oeste do Estado (v. mapa concernente in: MOREIRA,1996).

Os posseiros78

constituem a categoria dos produ-tores sem terra que mais se expandiu no período em estudo (35,7%). Essa expansão deu-se tanto em nível estadual como na escala intrarregional (o seu número aumentou na maioria das subunidades espaciais que compõem o Estado) (MOREI-RA,1996). Nos anos 80, no que tange às relações de trabalho no campo, um aspecto chama a atenção: a reversão observada na tendência geral de crescimento tanto do trabalho familiar como do trabalho assalariado. Este último, segundo os dados do Censo Agropecuário, teria apresentado um crescimento negativo da

77Produtores Parceiros são aqueles que exploram terras de terceiros em regime de parceria mediante contrato verbal ou escrito, que prevê o pagamento obrigatório, de um percentual da produção obtida. FIBGE. Censo Agropecuário - 1970/1980. 78Os posseiros ou ocupantes são produtores rurais que exploram terras públicas, devolutas ou de terceiros (com ou sem o consentimento do proprietário), nada pagando pelo uso da terra.

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ordem de 34,9% entre 1980/85. O número de empregados assa-lariados teria se retraído em todas as Mesorregiões da Paraíba à exceção da Mata Paraibana (v. quadro XXX). Em nível microrre-gional, as regiões que apresentaram crescimento positivo do tra-balho assalariado permanente nesse período foram as do Litoral Sul, do Litoral Norte e de Sapé, na Zona da Mata; de Campina Grande e Umbuzeiro no Agreste; do Cariri Oriental e do Cariri Ocidental na região da Borborema e na de Catolé do Rocha no Sertão (v. quadro XXXI). O crescimento do trabalho assalariado temporário concentrou-se basicamente nas Microrregiões que compõem a Zona da Mata e na Microrregião de Teixeira (v. qua-dro XXXII). Por sua vez, o trabalho familiar que havia apresen-tado um comportamento decrescente nos anos setenta, cresceu 31,1% na primeira metade da década de oitenta. Além disso, os posseiros viram seu contingente aumentar em 38,7% e os produ-tores parceiros tiveram um aumento superior a 100,0% no mes-mo período. Embora observe-se uma continuidade no processo de retração dos arrendatários, a taxa de crescimento negativa apresentada no período foi bem menor que a observada nos anos setenta: -1,2% entre 1980/1985 contra -23,5% entre 1970/80. Em suma, o que se destaca da análise realizada é que nos anos setenta a organização agrária paraibana apresentou, como tendência geral, o avanço do trabalho assalariado e a retra-ção de algumas relações de trabalho pré-capitalistas (sistema mo-rador, parceria e arrendamento). Isso reflete a crescente subordi-

nação real do processo de produção agrícola ao capital.79

A agri-cultura subordina-se à lei do lucro e, para tal, necessita de um lado reduzir os custos com a mão-de-obra e, de outro, utilizar a terra da forma mais lucrativa possível. Desse jogo resulta o pro-cesso de expropriação/expulsão do trabalhador rural. Apesar dessa tendência geral, verifica-se a persistência e a recriação de relações de trabalho pré-capitalistas tanto nos anos setenta como

79A crescente subordinação da agricultura paraibana ao capital financeiro é constatada através da elevação dos financiamentos obtidos pelo setor. Estes tiveram sua participação no valor da produção agropecuária elevada de 15,6% em 1970, para 27,0% em 1980.

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266 Emília Moreira e Ivan Targino

na década seguinte. Nos anos oitenta, a persistência do cresci-mento do trabalho assalariado, sobretudo do trabalho assalariado temporário, restringiu-se basicamente àquela região cujo processo modernizador continuou sendo incentivado: a Zona da Mata. Ao lado, porém, desse movimento ascendente do trabalho assalaria-do na região canavieira litorânea, verifica-se o seu recuo nas de-mais regiões do Estado acompanhado do fortalecimento da par-ceria e da posse da terra. O crescimento dos parceiros e dos posseiros de-monstrado vem fortalecer a tese defendida por José de Souza Martins de que:

“(...) embora o quadro clássico do capitalismo mostre o capital se expandindo à custa da ex-propriação e da proletarização dos trabalhadores no campo, uma coisa produzindo necessariamen-te a outra, em nosso país esse processo não é as-sim tão claro nem tão simples. O capital se ex-pande no campo mas não proletariza necessari-amente o trabalhador. Uma parte dos expropri-ados ocupa novos territórios, reconquista a auto-nomia do trabalho, pratica uma traição às leis do capital” (MARTINS, 1980:17).

É ainda José de Sousa Martins que afirma ao tratar do problema do campesinato nas sociedades capitalistas:

“(...) as transformações econômicas, sociais e ins-titucionais promovidas pela expansão do capita-lismo redefinem concretamente categorias sociais não caracteristicamente capitalistas. Isto é, em-bora estas categorias não sejam destruídas pelas modificações sociais, nem por elas engendradas, passam a determinar-se por mediações funda-mentais da sociedade capitalista” (MARTINS, 1973:25).

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Pode-se concluir que, apesar das variações obser-vadas nos dados censitários sobre o emprego e as relações de trabalho no campo relativas à década de setenta, comparativa-mente à primeira metade dos anos oitenta, algumas tendências se destacam ao longo do período como um todo: recuo da capaci-dade relativa de absorção de mão-de-obra pelo setor primário; redução da PEA agrícola masculina em idade adulta; aumento da participação de mulheres e crianças no processo produtivo agrí-cola; persistência da pequena propriedade enquanto importante fonte de ocupação da mão-de-obra; avanço do trabalho assalaria-do em detrimento de algumas formas de trabalho tradicionais (particularmente dos moradores e arrendatários). Apesar de todas as mudanças observadas na orga-nização agrária estadual nas duas décadas estudadas, observou-se uma forte resistência das pequenas unidades de produção a sub-meterem-se a esse processo. Estas, como foi demonstrado, não perderam sua característica de grandes absorvedoras de mão-de-obra, contrapondo-se ao latifúndio que, ou ocupa uma reduzida mão-de-obra (quando dedicado à pecuária), ou restringe sua ca-pacidade de absorção a uma determinada fase do processo pro-dutivo (quando dedicado a lavouras comerciais). Por outro lado, embora não se questione o avanço do assalariamento da força-de-trabalho como conseqüência das modificações levadas a efeito na organização da produção e do trabalho no campo no período em estudo, é inegável que o fortalecimento da organização dos trabalhadores através de sua luta por terra nos anos oitenta con-trapôs-se a esse processo.O significativo crescimento dos possei-ros confirma muito bem essa afirmativa. O avanço da parceria, por sua vez, pode ser atribuído à necessidade do grande e do médio produtor de dividir os riscos da produção, garantindo as-sim o controle sobre a terra durante a fase de crise do crédito generalizado. Mais recentemente, já no início dos anos 90, al-guns estudos vêm apontando novas alterações na dinâmica do

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emprego rural na Paraíba. No que tange ao Litoral e ao Agreste, essas alterações estão vinculadas à crise que assola a atividade canavieira. Como já foi anteriormente colocado, durante o perío-do de apogeu do Proalcool assistiu-se a um processo de desrura-lização e expulsão maciça da população rural, que, no entanto, manteve-se vinculada à atividade agrícola pelo emprego assalaria-do temporário. Operou-se, no dizer dos trabalhadores, “o tranca-mento das terras para o trabalho”. Em muitos casos, após a expulsão da população, procedeu-se à destruição das residências dos anti-gos moradores, representando a impossibilidade do retorno ao campo. Nesse contexto, a crise da produção sucro-alcooleira significa não apenas o fim do emprego temporário mas, sobretu-do, a impossiblidade do emprego em si. Pois, de um lado, a eco-nomia urbana das cidades que abrigaram aqueles trabalhadores é incapaz de absorvê-los de forma produtiva e, de outro lado, as possibilidades de retorno para o campo são absolutamente restri-tas uma vez que as terras se encontram trancadas para as antigas relações de trabalho. Acrescente-se a isto a expansão da pecuária em áreas anteriormente ocupadas pela lavoura canavieira. Deste modo, resta ao trabalhador seja a migração para os centros urba-nos maiores, seja a migração sazonal para algumas áreas onde a cultura canavieira permanece em exploração no Litoral do Esta-do. O fechamento das Usinas Santa Maria, Borborema, Santa Rita, Santa Helena, Santana e Una representa, desta forma não apenas um problema econômico para a já combalida economia estadual, mas, sobretudo, um grave problema social. São milhares de trabalhadores que se encontram sem possibilidades de acesso a um posto de trabalho. O crescimento do Movimento dos Traba-lhadores Sem Terra no Estado nos anos noventa tem exatamente na crise do emprego rural uma das suas bases objetivas. Em relação às áreas semi-áridas, as informações disponíveis apontam para duas forças principais que estariam atuando no sentido de reduzir o emprego e promover mudanças nas relações de trabalho tradicionais daquelas regiões. Em primei-ro lugar, a crise da lavoura algodoeira provocada pela praga do

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bicudo tenderia a quebrar a base de sustentação das formas locais de arrendamento. Na verdade, conforme já analisado no capítulo 2, a exploração do algodão dava sustentação econômica para as relações de arrendamento no interior das grandes propriedades do semi-árido. Com a crise do algodão, desaparece a principal fonte de renda monetária dos arrendatários, corroendo, em con-seqüência, as possibilidades de sustentação dessa relação. Em segundo lugar, a crise por que passa a produção pecuária com a redução do efetivo bovino, aliada às mudanças nas suas formas de exploração com a introdução de melhorias nas formas de ali-mentação do gado (pastagens plantadas, palma forrageira, intro-dução de rações industriais, etc.) teriam contribuído também para enfraquecer as relações de arrendamento. Como visto anterior-mente, o restolho dos roçados garantia parte da alimentação do gado nos períodos de seca. A ação conjugada desses dois fatores (crise do algodão e crise/modificação da pecuária) teriam agido no sentido de reduzir o emprego rural e as relações de arrenda-mento tradicionais. O forte declínio da população rural das Mi-crorregiões situadas no semi-árido registrado pelo Censo Demo-gráfico de 1991, parece corroborar, ainda que de forma indireta, os impactos da praga do bicudo e da crise/modificação da pecuá-ria sobre o emprego rural dessas áreas. Poder-se-ia lembrar que a expansão das áreas irri-gadas atuariam no sentido de contrabalançar a ação daquelas duas forças sobre o nível do emprego rural. Embora se reconheça que o nível de ocupação de mão-de-obra na agricultura irrigada seja bem mais elevado do que na agricultura de sequeiro, não se deve esquecer que as possibilidades de irrigação do semi-árido paraiba-no não são tão grandes. Na verdade, a agricultura irrigada no semi-árido ainda é de pequena monta e se encontra restrita a de-terminadas áreas. As análises efetuadas ao longo deste capítulo res-saltam a necessidade de ações que procurem reverter as tendên-cias gerais apresentadas pelo emprego no espaço agrário paraiba-no durante a segunda metade do século XX.

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270 Emília Moreira e Ivan Targino

O nível de pobreza em que se encontra a grande maioria dos trabalhadores rurais não é tolerável para uma socie-dade que se diz democrata e alicerçada no princípio da cidadania. Por outro lado, a implementação de uma política para o setor agropecuário que contemplasse mecanismos eficientes de estímu-lo à produção, com uma ação mais efetiva sobre a estrutura agrá-ria, com certeza poderia contribuir para a manutenção do empre-go e a fixação do trabalhador na terra. Como será visto no capí-tulo seguinte, a atuação dos movimentos sociais no campo, adian-tando-se à ação estatal e muitas vezes opondo-se a ela, tem se orientado exatamente nessas duas direções: lutar por melhores condições de trabalho e por possibilidades de permanência na terra.

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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 271

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QUADRO XXIV

ESTADO DA PARAÍBA PARTICIPAÇÃO DA PEA AGRÍCOLA NA PEA TOTAL

1950-1990

1950 (1) 1960(1) 1970 (1) 1980 (1) 1990 (2)

PEA TOTAL 517.275 595.354 675.409 821.415 1.237.173

PEA AGRÍ-COLA

404.015 437.615 437.937 412.609 426.690

% 78,1 73,5 64,8 50,2 34,48 Fonte: FIBGE (1). Censos Demográficos da Paraíba, 1950, 1960, 1970, 1980. FIBGE (2). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 1990 dados relativos à Pea de domicílio rural).

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272 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXV

ESTADO DA PARAÍBA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA DO SETOR PRIMÁRIO POR SEXO,

SEGUNDO A IDADE 1970-1980-1989

1970 (1) 1980 (1) 1989 (2)

IDADE TOTAL HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER

10 — 14 44.024 40.943 3.081 48.166 42.305 5.861 64.120 51.736 12.384

15 — 19 68.429 63.360 5.069 70.635 63.273 7.362 69.432 53.072 16.360

20 — 24 54.706 50.980 3.726 42.430 38.697 3.733 48.643 33.167 15.476

25 — 29 40.205 37.563 2.642 34.701 32.021 2.680 42.895 28.300 14.595

30 — 34 36.371 33.878 2.493 34.069 30.578 3.491

35 — 39 30.769 28.352 2.417 31.719 27.626 4.093 79.599a. 54.392a. 25.207a.

40 — 44 33.029 30.328 2.701 31.976 27.723 4.253

45 — 49 30.229 27.756 2.473 24.617 20.905 3.712 62.356b. 38.477 b. 23.879 b.

50 — 54 28.842 26.322 2.520 26.360 22.734 3.626

55 — 59 22.660 20.683 1.977 24.091 21.253 2.838 42.010c. 31.397c. 10.613c.

60 — 64 19.041 17.338 1.703 19.117 17.004 2.113

65 — 69 12.959 11.793 1.166 13.743 12.397 1.346

70 e mais 15.705 14.343 1.362 10.256 9.464 792 42.457d. 34.938d. 7.519d.

Idade Ignorada

968 864 104 729 680 49 – – –

Total 437.937 404.503 33.434 412.609 366.660 45.949 451.512 325.479 126.033

FONTE: (1) FIBGE -Censos Demográficos da Paraíba, 1970-1980. (2) FIBGE -Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 1989 (dados relativos à Pea de domicílio rural). a. idade entre 30 e 39 anos b. idade entre 40 e 49 anos c. idade entre 50 e 59 anos d. idade entre 60 anos e mais

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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 273

273

QUADRO XXVI

ESTADO DA PARAÍBA EVOLUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO,

SEGUNDO AS MESORREGIÕES 1970 - 1980

MESORREGIÕES 1970 1980 1970/80 VARIAÇÃO(%)

MATA 16.900 22.893 35,5

AGRESTE 30.846 45.029 46,0

BORBOREMA 10.045 27.236 171,1

SERTÃO 16.042 71.426 345,2

PARAÍBA 73.833 166.584 125,6

Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1970, 1980.

QUADRO XXVII

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO TEMPORÁRIO,

SEGUNDO AS MICRORREGIÕES 1970 - 1980

MICRORREGIÃO

1970/1980 Variação(%)

João Pessoa 62,7

Litoral Norte 35,2

Litoral Sul 223,2

Sapé -17,8

Curimataú Oriental 145,5

Brejo Paraibano 24,9

Campina Grande -12,2

Curimataú Ocidental 75,9

Esperança -33,1

Guarabira 34,9

Itabaiana 112,1

Umbuzeiro 356,2

Cariri Oriental 795,1

Cariri Ocidental 217,8

Seridó Ocidental 291,8

Seridó Oriental 70,6

Cajazeiras 205,6

Catolé do Rocha 152,0

Itaporanga 132,8

Patos 376,7

Piancó 679,3

Sousa 370,5

Teixeira 541,4

Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.

Page 274: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

274 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXVIII

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO PERMANENTE,

SEGUNDO AS MICRORREGIÕES 1970 - 1980

MICRORREGIÃO 1970/1980

Variação(%)

João Pessoa 47,8

Litoral Norte 52,2

Litoral Sul 258,3

Sapé 20,6

Curimataú Oriental 193,9

Brejo Paraibano 42,2

Campina Grande 69,9

Curimataú Ocidental 29,6

Esperança 71,7

Guarabira -1,7

Itabaiana 35,3

Umbuzeiro -20,2

Cariri Oriental 101,4

Cariri Ocidental 57,2

Seridó Ocidental 298,5

Seridó Oriental -27,1

Cajazeiras 205,6

Catolé do Rocha 152,0

Itaporanga 22,4

Patos 124,5

Piancó 163,6

Sousa 132,1

Teixeira -40,5

Fonte: FIBGE. Censos Demográficos da Paraíba, 1970 e 1980.

Page 275: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 275

275

QUADRO XXIX

ESTADO DA PARAÍBA CONDIÇÃO DO PRODUTOR POR CATEGORIA E TAMANHO DO ESTABELECI-

MENTO 1970 - 1980 - 1985.

TAMANHO DOS ESTABELECIME-NTOS POR CLAS-SES

PROPRIETÁRIOS

ARRENDATÁRIOS

PARCEIRO

OCUPANTE

DE ÁREA (ha)

1970 1980 1985 1970 1980 1985 1970 1980 1985 1970 1980 1985

menos de 10 61.801 56.581 71.445 30.348 23.127 23.940 4.674 5.393 13.468 19.019 26.880 39.199

10 — 20 17.062 16.573 16.913 1.875 1.495 801 421 658 977 1.607 1.745 1.638

20 —50 15.142 15.930 16.049 780 603 317 261 287 477 989 1.049 894

50 — 100 6.579 7.308 7.321 248 214 146 85 95 178 378 375 295

100 —200 3.754 4.234 4.336 164 106 60 36 61 95 211 176 136

200 — 500 2.626 2.829 2.924 81 85 60 47 30 50 107 108 83

500 — 1000 750 860 859 17 15 15 9 3 15 41 27 32

1000 e mais 500 534 521 6 9 6 3 5 3 21 – 11

Sem declaração 18 - 11 2 - - - - - 5 15 2

Total 108.232 104.849 120.379 33.521 25.654 25.345 5.536 6.532 15.263 22.378 30.375 42.290

Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba - 1970, 1980 e 1985.

Page 276: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

276 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXX

ESTADO DA PARAÍBA EVOLUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO, SEGUNDO AS ME-

SORREGIÕES 1980 - 1985

MESORREGIÕES 1980 1985 1980/85 VARIAÇÃO(%)

Mata 22.893 29.371 28,3

Agreste 45.029 25.635 -43,1

Borborema 27.236 17.013 -37,5

Sertão 71.426 36.412 -49,0

PARAÍBA 166.584 108.431 -34,9

Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980 e 1985

QUADRO XXXI

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO PERMANENTE,

SEGUNDO AS MICRORREGIÕES 1980/85

MICRORREGIÃO

1980/1985 Variação(%)

João Pessoa -22,2

Litoral Norte 54,9

Litoral Sul 65,8

Sapé 0,1

Curimataú Oriental -43,9

Brejo Paraibano -52,8

Campina Grande 1,7

Curimataú Ocidental -25,1

Esperança -3,9

Guarabira -21,7

Itabaiana -5,2

Umbuzeiro 38,5

Cariri Oriental 22,9

Cariri Ocidental -29,9

Seridó Ocidental -18,0

Seridó Oriental 27,3

Cajazeiras -44,8

Catolé do Rocha 12,2

Itaporanga -29,9

Patos -26,7

Piancó -19,2

Sousa -75,9

Teixeira -54,2

Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980, 1985.

Page 277: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 277

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QUADRO XXXII

ESTADO DA PARAÍBA CRESCIMENTO DO EMPREGO ASSALARIADO

TEMPORÁRIO, SEGUNDO AS MICRORREGIÕES 1980/85

MICRORREGIÃO 1980/1985

Variação(%)

João Pessoa 3,6

Litoral Norte 113,5

Litoral Sul -0,5

Sapé 19,5

Curimataú Oriental -56,9

Brejo Paraibano -39,3

Campina Grande -34,0

Curimataú Ocidental -47,9

Esperança -85,7

Guarabira -41,1

Itabaiana -60,2

Umbuzeiro -63,7

Cariri Oriental -57,1

Cariri Ocidental -21,1

Seridó Ocidental -80,7

Seridó Oriental -52,8

Cajazeiras -44,8

Catolé do Rocha 12,2

Itaporanga -35,3

Patos -53,0

Piancó -51,3

Sousa -63,9

Teixeira 11,6

Fonte: Censos Agropecuários da Paraíba, 1980, 1985.

Page 278: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

278 Emília Moreira e Ivan Targino

BIBLIOGRAFIA CANTALICE, Dulce. Capital, estado e conflito: questionando Alagamar. Campina Grande,

Dissertação de Mestrado em Economia Rural, 1985. FIBGE. Censo Agropecuário da Paraíba de 1970 e 1980. __________ Censo Demográfico da Paraíba de 1970 e 1980. __________ Pesquisa por Amostra de Domicílio-Paraíba, de 1983 a 1990. FIGUEIREDO, 1991. A pequena produção no Agreste de Esperança: o caso de Areial. João

Pessoa, Projeto de dissertação de Mestrado em Economia, s/d. GARCIA JR, Afrânio Raul. Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos produtores. Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1983. GESTAR. Saúde e trabalho na zona rural da Paraíba:o caso de Sapé. João Pessoa, Relatório de

Pesquisa, 1988. MARTINE, George & ARIAS, Alfonso. “A Evolução do emprego no campo”. São Paulo. In:

Revista Brasileira de Estudos de População. Vol. 4, no 2, jan/jun.,1988. MARTINS, José de Sousa. Expropriação e violência (a questão política no campo). São Paulo,

Hucitec, 1980. __________ A imigração e a crise do Brasil agrário. São Paulo, Brasiliense, 1973. MOREIRA, Emilia et alii. Os caras pintadas de suor e da fuligem da cana. João Pessoa, Relató-

rio Técnico de Pesquisa, CNPQ/UFPb, julho/1995. MOREIRA, Emilia. Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa, Ed. Universitária, 1996. __________ Evolution et transformations récentes de l'organisation agraire de la Paraíba.

Paris, Tese de Doutorado, 1988. SUDENE. Boletim Conjuntural do Nordeste de 1995. __________ Agregados Econômicos Regionais de 1995.

Page 279: Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba

Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 279

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8. OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO E AS CONQUISTAS DA

CLASSE TRABALHADORA*

“Pois aqui está a minha vida. Pronta para ser usada. Vida que não se guarda nem se esquiva, assustada. Vida sempre a serviço da vida. Para servir ao que vale a pena e o preço do amor.” (do poema A Vida Verdadeira de Thiago de Melo)

As mudanças nas formas de utilização do solo consubstanciadas no avanço da cana e do pasto, a intensificação da concentração da propriedade da terra nas mãos de um número cada vez menor de pessoas e a mecanização de certas etapas do processo produtivo nas áreas onde foi mais forte a modernização da atividade agropecuária, são responsáveis não só por modifica-ções profundas nas relações de trabalho no campo paraibano, como pela expulsão/expropriação do produtor direto, como foi evidenciado nos capítulos anteriores. A especulação imobiliária, sobretudo na franja litorânea, vem se constituindo em mais um elemento de expulsão do trabalhador do campo. Face ao caráter excludente do processo de mo-dernização da agricultura, tem-se observado, nas últimas décadas, uma organização crescente dos trabalhadores rurais como forma

* Neste capítulo os autores contaram com a colaboração dos professores

Rosa Maria Godoy da Silveira e Giuseppi Tosi.

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280 Emília Moreira e Ivan Targino

de resistência à sua exclusão do processo de geração e/ou apro-priação da riqueza gerada no campo. A organização dos trabalha-dores rurais tem ocorrido em algumas frentes de luta:

a) luta contra a exploração do trabalho e por me-lhores condições de trabalho e de vida; b) luta contra a expulsão/expropriação, que se configura na luta pelo direito de “ficar na terra”, de “viver da terra” e de “não se submeter ao capital”; c) luta pelo retorno à terra, pela reconquista da “terra para o trabalho”; d) luta dos pequenos produtores por uma política agrícola (assistência técnica e creditícia) que lhes garanta o direito não só de permanecer com a terra e na terra, como de nela pro-duzir e dela retirar o indispensável a uma sobrevivência digna; No presente capítulo, será dada atenção especial às duas primeiras formas de resistência, por serem mais significa-tivas no contexto dos movimentos sociais no campo paraibano e, em certa medida, englobarem as duas últimas. A organização dos pequenos produtores tem en-contrado abrigo nos sindicatos dos trabalhadores rurais, seja en-quanto assume a defesa de política creditícia e assistencial para essa categoria, seja enquanto serve de suporte e de apoio à sua organização como ocorre no vale do Mamanguape. Com isso, não se afirma que a organização dos pequenos produtores é completamente absorvida pelo movimento sindical. Sabe-se do papel que as ONG’s têm desempenhado enquanto animadoras e estimuladoras desse processo, bem como algumas políticas públi-cas têm estimulado tais organizações na medida em que restrin-gem os seus benefícios a pequenos produtores agregados em associações e/ou cooperativas, a exemplo do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP). Por outro lado, as formas organi-zativas dos assentamentos, ainda que frágeis, têm servido de efei-to demonstração para outros grupos. Em relação à luta pelo retorno à terra, ela é ainda nova no Estado e se caracteriza pela ocupação de imóveis por

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trabalhadores assalariados. Essa ação tem sido organizada pelo Movimento dos Sem Terra, atuando na Paraíba desde 1992 e pela Comissão Pastoral da Terra. Ocupado o imóvel, barracas são levantadas, a terra é preparada e um grande roçado é plantado em mutirão. Surge assim o “acampamento”. Daí tem início todo um processo de negociação com o Estado, via órgãos competentes, visando a desapropriação da terra. Na Paraíba, pode-se citar co-mo exemplo de áreas conquistadas, a partir da “ocupação”, os imóveis: Barra de Cima, em Pitimbu, hoje subjúdice; Corvoada do Abiaí, também em Pitimbu (com parcela desmembrada entre-gue aos lavradores do MST e que deu origem ao Assentamento 1°. de Março) e a Fazenda Apasa, em Pitimbu além de outras como Muitos Rios (Caaporã) e Paus Brancos (Campina Grande). Essa forma de luta que pode ser entendida como uma variante da luta pela posse da terra. vem tomando vulto. Em maio de 1996 contabilizavam-se onze áreas de acampamento de trabalhadores sem terra na Paraíba. Elas correspondiam aos acampamentos de Alto Grande, em Araruna; Fazenda Gomes, em Alagoa Grande; Água Fria, em Mamanguape; Engenho Novo e Massangana, em Cruz do Espírito Santo; Boa Esperança, em Campina Grande; Jacumã/Tabatinga, no Conde; Acauã, em Sousa; Açude das Gra-ças e Sapé, em Sapé; Marinas do Abiaí, no Conde (v. quadro XXXIII e mapa concernente em MOREIRA, 1996). 8.1. A luta contra a exploração do trabalho: a organização sindical A acentuação da proletarização observada recen-temente no campo decorre de dois eixos do mesmo processo de subordinação da agricultura ao capital: de um lado, as mudanças técnicas na produção agrícola, com o aproveitamento mais inten-sivo das terras para aumentar a produtividade, têm provocado a destruição da policultura alimentar produzida por moradores, parceiros e arrendatários, como já foi demonstrado; de outro lado, a lógica da acumulação capitalista, ao desencadear a expul-

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282 Emília Moreira e Ivan Targino

são e a expropriação completa dos lavradores, transforma-os em trabalhadores livres de toda propriedade, à exceção da sua força-de-trabalho. Esta, eles são obrigados a vender no mercado a fim de garantir a sobrevivência. É desse modo que eles convertem-se em assalariados de diversos tipos: permanentes (fichados), tem-porários (volantes, bóias-frias, clandestinos). A incorporação do progresso técnico restrito a apenas algumas fases do processo produtivo, a alguns produtos e a algumas regiões, acentua a sazonalidade do emprego agrícola: grande parte da mão-de-obra expulsa do campo passa a habitar as periferias das cidades e as agrovilas, trabalhando na terra agora como assalariados, apenas no período da colheita, limpa e, em alguns casos, no momento da aplicação de fertilizantes e agrotó-xicos. A mobilidade intra e extra-regional da mão-de-obra agríco-la tem a ver assim com a sazonalidade crescente da demanda de trabalho no campo. Estudos empíricos confirmam que na entres-safra da atividade canavieira os trabalhadores migram para as maiores cidades do seu Estado ou para outros estados, em busca de biscates e serviços eventuais, predominando as ocupações na construção civil. Na Paraíba, como foi demonstrado ao longo deste estudo, o assalariamento cresceu sobretudo a partir da segunda metade do século XX, atrelado principalmente à expansão da cana (no Litoral, Agreste Baixo e Brejo), à produção do abacaxi (especialmente no Litoral) e da pecuária (no Agreste e no Sertão). Até meados dos anos 80 estimava-se em mais de

duzentos mil os trabalhadores assalariados do campo paraibano80

. Cerca de 100 mil empregados na atividade canavieira e na produ-ção do abacaxi. Pesquisas empíricas realizadas pelo Grupo de Estudos Rurais do Centro de Referência em Saúde do Trabalha-

80Apesar dos Censos de 1980 e 1985 indicarem a existência de um pouco mais de 100 mil assalariados no campo paraibano, os dados colhidos junto aos sindicatos dão conta de que nos anos 80, durante os períodos de pique da atividade canavieira, esse número correspondia aproximadamente à mão-de-obra voltada para aquela atividade. Isso devido à maciça incorporação de trabalhadores sazonais oriundos de outras regiões e inclusive de outros Estados para trabalhar no corte da cana.

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dor (CERESAT) e do Laboratório de Tecnologia do Centro de Tecnologia da UFPb dão conta de que, nessas atividades, as con-dições de trabalho são muito críticas. A título de exemplo, bem como pela importância que reveste, abordaremos essas condições através do caso específico da atividade canavieira. 8.1.1. As condições de vida e trabalho dos as-salariados da cana na Paraíba Na atividade canavieira, as jornadas de trabalho são muito longas, podendo alcançar até dez horas. Ganha-se por diária, avaliada através da jornada cumprida. Só há carteira assina-da hoje, nas Usinas e Destilarias onde a atuação dos Sindicatos e a fiscalização do Ministério do Trabalho é mais significativa. Nas propriedades dos fornecedores de cana, além de não haver cartei-ra assinada, não é fornecido comprovante de pagamento. Ganha-se por diária, avaliada através da jornada cumprida e da qualidade do trabalho realizado, ou, o que é mais comum, por produ-ção/tarefa, que “exige a quantificação do trabalho realizado, o que se dá através de mensurações que utilizam instrumentos e unidades de medida, em geral não oficiais” (ADISSI & SPAGNUL,1989:51). No corte e no plantio da cana, a unidade de me-dida de comprimento utilizada é a braça ou a braça corrida; as unidades de área são o cubo, e a conta; as unidades de peso são a tonelada e a carga (v. quadro XXXIV). Os instrumentos de medi-ção são a vara e a balança manual. Na prática, as estratégias patronais contra os tra-balhadores se apresentam bastante lesivas por ocasião das medi-ções, pois os instrumentos são viciados e não fiscalizados pelos órgãos competentes e não se leva em conta a qualidade diferenci-ada da cana. Na verdade, onde a subtração do trabalho ocorre mais freqüentemente é na medição da área cortada de cana, pois a vara não mede de forma linear rigorosa, realizando “saltos” de área que não são computados no pagamento dos canavieiros.

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284 Emília Moreira e Ivan Targino

No que se refere às obrigações trabalhistas, estas inexistem para os assalariados clandestinos. Estes, além de não terem carteira assinada não percebem décimo terceiro salário, férias, nem dias de repouso (domingos e feriados). Vários des-contos indevidos (falta ao serviço por motivo de doença, por exemplo), são feitos nos seus salários. Vários outros aspectos agravam as condições de trabalho e de vida dos assalariados da cana: a) a precariedade do transporte para o local de trabalho. Geralmente são utilizados tratores ou caminhões apro-priados para o transporte de cana (os “gaiolões”). Os trabalhado-res vão junto com as ferramentas e produtos químicos, desprovi-dos de qualquer segurança, o que aumenta os riscos de acidente; b) o não fornecimento de água potável nos cana-viais. Como as propriedades não fornecem água potável, é co-mum a utilização pelos trabalhadores da água das fontes que jor-ram nas bases das vertentes dos tabuleiros, de barreiros ou de rios e riachos. Considerando-se o elevado grau de utilização de agroquímicos na cultura da cana, e a possibilidade de contamina-ção do solo e da água, este fato aparentemente “natural”, passa a representar um risco para a saúde dos trabalhadores. Por outro lado, chama a atenção a reutilização generalizada pelos assalaria-dos da cana, de recipientes vazios de agrotóxicos como depósito para a água que levam ao campo; c) a falta de equipamentos de proteção (luvas, máscaras, botas, macacões), bem como o não fornecimento de leite para atenuar os efeitos danosos dos produtos tóxicos. Sabe-se que os acidentes durante o corte da cana são muito comuns. É raro encontrar um trabalhador que não tenha sofrido um corte. Em virtude da posição em que se trabalha, as partes do corpo mais atingidas são os braços, as mãos e as pernas, nunca protegi-dos pelos equipamentos necessários. Isto sem falar que a ausência de botas e luvas também expõe o trabalhador aos riscos decor-rentes da presença de animais peçonhentos (cobras, lacraias, etc.).

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O manuseio de produtos químicos sem qualquer proteção pode provocar intoxicações; d) o desgaste provocado pelo esforço físico. Este tipo de desgaste provocado pelo tipo de trabalho penoso a que são submetidos os canavieiros, muitas vezes obrigados a cortar até 100 braças de cana por dia para cumprir uma tarefa determi-nada pelo “gato”, a carregarem sacos de adubos de até 50 quilos nas costas, por largas extensões de terra, regra geral famintos e enfraquecidos, tem acarretado problemas ósteo-articulares (ar-tralgias, lombalgias, distenção muscular, bursites, hérnia de disco, etc.) e o aparecimento de lesões de esforço repetitivo (LER) em aplicadores de agrotóxicos que utilizam repetidamente o dedo polegar para acionar a alavanca do pulverizador costal. A aplica-ção de adubos é muito praticada pelas mulheres. Esta é uma for-ma encontrada pelos patrões para reduzirem os custos salariais uma vez que, regra geral, elas percebem salários inferiores aos dos homens. Nessas mulheres constata-se entre outros, a queda pre-coce de bexiga e útero. As grávidas sequer têm assegurado o di-reito à licença maternidade garantido em lei. e) o descumprimento da lei de sítio. Isto é, a não concessão aos moradores de uma área de dois hectares para plan-tio de subsistência no interior da propriedade; f) a presença de cabos e administradores munidos de revólver e espingarda, intimidando os trabalhadores e os dele-gados sindicais. Os índices de miséria da Zona Canavieira paraiba-na, onde se concentram os assalariados, são alarmantes: falta luz elétrica, instalações sanitárias, água encanada, para ficar no ele-mentar. A taxa de analfabetismo é de mais de 80%, a expectativa de vida de menos de 50 anos e a renda familiar média atinge ape-nas 40% do salário mínimo (CALHEIROS, C. & PINTO, L.1991:10), apesar do piso salarial dos canavieiros ser de um salá-rio mínimo nacional mais 10%. Neste quadro de pobreza e ex-ploração a luta dos assalariados deixa de ser por terra e se centra em torno das reivindicações por melhores condições de trabalho

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286 Emília Moreira e Ivan Targino

e salário. Nessa direção, destaca-se a atuação dos Sindicatos, so-bretudo daqueles situados nas regiões do Litoral e do Agreste-Brejo. 8.1.2. Breve histórico da organização e luta dos assalariados As mobilizações sindicais remontam ao período pré-64, com as Ligas Camponesas reivindicando a regulamenta-ção das relações de trabalho, o pagamento do salário mínimo e a extensão ao campo das mesmas garantias dadas aos trabalhadores urbanos. Em 1963, o Estatuto da Terra assegurava em lei esses direitos, mas a legislação trabalhista não foi cumprida no Estado, apesar das mobilizações das Ligas. Após o golpe de 64, a correlação de forças no campo pendeu para o lado dos patrões e se manifestou através da dissolução do movimento mediante repressão, intervenção nos

sindicatos existentes e criação de novos81

, afastamento e/ou eli-minação de lideranças, nomeação de dirigentes pelegos, imple-mentação de uma política assistencialista lesiva aos trabalhadores. Apesar de tentativas de rearticulação do movi-mento, somente em 1979, com uma conjuntura de ascensão da sociedade civil contra o Estado militarista, é que começam a se mobilizar alguns segmentos de trabalhadores para uma luta con-tra a seca, em torno da política agrícola e por melhores condições de vida e trabalho. Naquele ano, realizou-se em Brasília o III Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, aprovando a orga-nização da categoria por frentes de luta: assalariados, pequena produção ou política agrícola, seca, etc. Na Paraíba, as indicações do III Congresso são assumidas principalmente pelos grupos de militantes e assessores

81Até 1964 tinham sido fundados 30 Sindicatos de Trabalhadores Rurais no Estado, quer sob a influência das Ligas Camponesas, quer sob a influência da Igreja Católica. No período de 1965 a 1982 foram criados 101 Sindicatos (MACDONALD, 1995:103-4).

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dos centros e serviços da Igreja, em conjunto com alguns setores do movimento sindical e grupos de assessoria. Este conjunto de forças promoveu com a Fetag o I Encontro de Assalariados da Zona Canavieira da Paraíba, reali-

zado em setembro de 1982 em Guarabira82

, onde as iniciativas já existentes neste campo são unificadas num plano comum e coor-

denadas pela “Comissão Canavieira”83

.

8.1.2.1. As campanhas trabalhistas de 1982 a 1983

A primeira grande mobilização planejada e organi-zada pela Comissão Canavieira foi a “Campanha Trabalhista, que se desenvolveu durante os anos de 1982 e 1983, até a realização da primeira greve em 1984. Os objetivos desta campanha eram difundir entre os trabalhadores o conhecimento dos “direitos”, estimular as ações trabalhistas na justiça, até aquele momento inexistentes, e propiciar uma aproximação dos dirigentes sindi-cais, em geral pequenos produtores, desta categoria em expansão, mas sub-representada no movimento sindical. Em outras palavras, a Campanha Trabalhista tinha como objetivo preparar o terreno e criar as condições organizati-vas para as “Campanhas Salariais” e os “Dissídios Coletivos”, como vinha acontecendo em Pernambuco desde 1979.

No ano de 1983, três momentos marcaram a campanha trabalhista:

82Participaram desse encontro, que marcou o início de um trabalho articulado com os canavieiros, 125 delegados, entre trabalhadores e dirigentes sindicais, representando 29 Sindicatos de Trabalhadores Rurais da Zona Canavieira. 83A Comissão Canavieira era formada por dirigentes sindicais da zona canavieira e por trabalhadores da Pastoral Rural das Dioceses de João Pessoa e Guarabira, e contava com a assessoria da “Comissão Justiça e Paz” de Campina Grande, do “Centro de Orientação dos Direitos Humanos” (CDDH) e Serviço de Educação Popular (SEDUP), da Diocese de Guarabira e do Grupo de Pesquisa e Assessoria Sindical da UFPb, de Campina Grande, e do CENTRU. A coordenação era da Fetag, mas o grupo de trabalhadores e assessores da Igreja mantinha hegemonia na comissão.

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a) a comemoração do 1o de Maio, realizada em Sapé, no coração da zona canavieira, com a participação de 18 STRs e de mais de seis mil trabalhadores, que teve como tema central a luta pelos direitos; b) o lançamento da campanha trabalhista em nível do Estado. Realizado em Alagoa Grande, no dia 27 de agosto, poucos dias após o assassinato de Margarida Maria Alves, presi-

dente daquele Sindicato84

, este ato representou uma resposta do movimento sindical e popular a um crime com claras conotações políticas, que visava fazer cair no nascedouro o movimento traba-lhista; c) a campanha pelo pagamento do 13o salário dos canavieiros, iniciada em dezembro, quando os trabalhadores, pela primeira vez, receberam uma parte de seus direitos, e que foi considerado pelos dirigentes como o primeiro resultado econô-mico das mobilizações trabalhistas.

8.1.2.2. As campanhas salariais de 1984 a 1990

Durante o ano de 1984, todo o trabalho foi dire-cionado para o lançamento do Dissídio Coletivo e a preparação para uma possível greve. Os Sindicatos foram organizados por “pólos sindicais” que assumiram um papel central na articulação do trabalho com os assalariados, sob a direção da Fetag, da Con-tag e de suas assessorias, substituindo progressivamente o papel

da Comissão Canavieira.85

Essa mudança de direção significou certa desarti-culação do comando unificado, representado pela comissão cana-

84Esse dia tinha sido escolhido por Margarida para realizar o lançamento da campanha trabalhista no seu município. 85Houve, desde o começo, uma disputa pela direção do trabalho com os assalariados, entre a Comissão Canavieira e a direção da Fetag e da Contag. O momento de maior tensão aconteceu no Encontro realizado em julho de 1983, quando prevaleceu a posição da Contag de não partir para a greve, contra a posição de outros grupos de sindicalistas e assessores favoráveis à deflagração do movimento grevista já naquele ano.

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vieira. A partir desse momento a responsabilidade do trabalho passou a depender da atuação de cada pólo sindical. Representou igualmente a aplicação na Paraíba do modelo de dissídio coletivo implantado em Pernambuco, pela Fetape e Contag. Entre as alternativas que se apresentavam para o movimento sindical, havia a realização de uma Convenção Cole-tiva sem greve regulamentada pela CLT (“dissídio frio”), a reali-zação de uma negociação direta entre empregadores e trabalha-dores sem recorrer à mediação da justiça (que poderia eventual-mente desembocar numa greve ilegal) e a realização de um Dissí-dio Coletivo via Lei de Greve (“dissídio quente”) que foi a pro-

posta que prevaleceu.86

Optar pela lei de greve, no entendimento da Con-tag, significava utilizar todos os complicados trâmites legais desta

lei - que são, de fato, dispositivos “anti-greve”87

para tentar “romper por dentro” os limites da lei, pela força da mobilização dos trabalhadores, minimizando assim as possibilidades de uma intervenção repressiva do governo e dos patrões. Como argu-menta Romeu da Fonte, advogado da Fetape e assessor da Con-tag:

“Com essa mobilização, aliando-se a uma certa criatividade jurídica, dá para romper esta lei. Dá para se conseguir que a greve não seja decla-rada ilegal e evitar que daí venham as conse-qüências piores da lei anti-greve que são as puni-ções, não pagamento dos dias de greve e sobretu-

86Para uma melhor compreensão dessas definições, veja Cadernos do CEDI, 1985. 87A lei no. 4.330 prevê, entre outros dispositivos, a realização de uma assembléia para a aprovação da pauta de reivindicações com “quórum” de 2\3 da categoria em primeira convocação e votação com escrutínio secreto. Após a negociação com os patrões, que pode durar no máximo cinco dias, a matéria passa para decisão do tribunal. A greve pode ser realizada somente até a sentença do tribunal. Se ela continuar após essa data, será considerada ilegal. Os patrões podem também recorrer ao Supremo Tribunal Federal e pedir o “efeito suspensivo”para todas ou para parte das cláusulas julgadas.

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do o aumento desenfreado da repressão. Usineiro e Senhor de Engenho é truculento no sentido da palavra. As lutas que se dão dentro dos enge-nhos não são como as da capital, onde os meios de comunicação estão próximos e a repressão é contida pela própria sociedade que observa mais de perto, pelos meios de comunicação... No cam-po, o espaço para a repressão é muito maior ... Daí o desafio de cumprir o ritmo da lei de greve, por dentro, rompendo, e não é somente de cum-prir, também alargar por dentro e frustrar os ob-jetivos anti-greve desta lei” (CEDI, 1985:36).

Esse esquema, aplicado com relativo sucesso em Pernambuco desde 1979, e que diferencia as greves dos canaviei-ros do Nordeste daquelas dos “bóias-frias” de São Paulo, encon-tra algumas dificuldades. A lei prevê que os proprietários sejam notificados com antecedência e dentro dos moldes legais, evitan-do assim qualquer possibilidade de um “efeito surpresa”. A mobi-lização é direcionada tanto para pressionar os patrões como a justiça do trabalho e permitir um julgamento rápido e o mais favorável possível aos trabalhadores. O próprio trabalho de mo-bilização é realizado de forma intensiva nas semanas imediata-mente anteriores ao dissídio, até o julgamento, mas não continua da mesma forma no período sucessivo, para garantir a aplicação dos acordos. Além dessas dificuldades, na Paraíba, a própria pauta de negociação foi elaborada pela Contag, tendo como mo-delo os dissídios de Pernambuco e do Rio Grande do Norte que não correspondem à realidade do processo de trabalho do Esta-do, sem uma participação efetiva dos trabalhadores e dirigentes. Mas, apesar dessas limitações que terão suas re-percussões sobre o ciclo de greve sucessivas, a primeira greve dos canavieiros da Paraíba se constitui num marco histórico do pro-

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cesso de organização da categoria. A participação dos canavieiros foi massiva, inclusive naqueles municípios onde os dirigentes sin-dicais eram pouco atuantes, mostrando que os trabalhadores só estavam esperando um chamado para se mobilizarem. Durante a campanha salarial firmou-se um acordo, avalizado por assessores e lideranças da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, no qual constavam os seguin-tes pontos: elaboração de tabela de tarefas, fixação da jornada de trabalho em oito horas, salário igual para todo trabalhador acima de 16 anos (homens e mulheres), cômputo do tempo de deslo-camento do trabalhador (ida e volta) como tempo de trabalho, remuneração do domingo, remuneração em dobro para o traba-lho aos domingos, remuneração adicional por hora extra e servi-ços perigosos à saúde, fornecimento de leite, pagamento do salá-rio-família, pagamento do salário integral em caso de falta por doença ou acidente de trabalho, proibição do trabalho com ve-neno para mulheres e menores de dezoito anos, licença materni-dade, lei do sítio (até dois hectares para cada morador há um ano na propriedade); estipulações de moradia, escola, transporte segu-ro; fornecimento pelo patrão de ferramentas, água potável, equi-pamentos de proteção; carteira assinada; estipulações de forma de pagamento; amparo à atuação sindical, etc. De 1984 até 1990, apesar da pauta básica do mo-vimento ter apresentado novas reivindicações, a convenção entre patrões e empregados foi a mesma de 84. Ou pior, pois em 1985, ao acréscimo de ganho de 50,0% para os trabalhadores, os pa-trões reagiram com um acréscimo de 50,0% na tabela de tarefas, o que praticamente invalidou o ganho inicialmente conquistado. Da Comissão Canavieira original, saíram as prin-

cipais lideranças sindicais cutistas na Paraíba,88

com proposta de mobilização nos sindicatos, uma pauta básica por salário, tabela de tarefas, medição com trena metálica e estabilidade do delegado

88A CUT foi fundada na Paraíba em agosto de 1983. A atuação direta da CUT no campo se fortalece após a criação do Departamento Estadual de Trabalhadores Rurais em 1989.

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sindical. Como ações coletivas pelo cumprimento do salário e da tabela, a Central passou a recomendar o paradeiro, a ação coletiva na justiça, passeatas e denúncias das empresas que infligissem o dissídio, além do preparo de lideranças para atuarem na quantifi-cação das tarefas dos trabalhadores rurais. Ao longo desse processo de luta, firmaram-se algumas características relevantes que é importante remarcar:

a) o movimento paraibano se insere em um mo-vimento mais amplo, a nível de Nordeste, tendo como ponto de irradiação Pernambuco e se espraiando pelo Rio Grande do Nor-te, Alagoas e Sergipe; b) assim como há diferenciações internas intrarre-gionais no movimento, há formas diferenciadas de luta em nível externo ao Estado, nas sub-regiões e municípios, a depender da experiência passada e acumulada de luta, do envolvimento dos respectivos dirigentes sindicais nas campanhas salariais, das con-cepções de mobilização, entre outros fatores; c) houve um deslocamento do eixo de mobiliza-ção do aspecto legalista das primeiras campanhas para novos eixos de luta, tais como as propostas da CUT que alcançam atu-almente a perspectiva de campanha unificada em termos de Nor-deste; d) a construção e elaboração das pautas de nego-ciação democratizaram-se mediante novos procedimentos de participação das bases. As campanhas salariais passaram a ser preparadas por fases: esclarecimento, mobilização e organização em assembléias sindicais; notificação dos patrões; desencadea-mento da greve com piquetes para assegurá-la; realização da con-venção ou do dissídio entre as partes; ações de cumprimento dos acordos mediante paradeiros; ações coletivas na justiça; passeatas e concentrações na Delegacia Regional do Trabalho. Como já foi mencionado no primeiro item do capítulo, o movimento conta com o apoio de assessorias dos próprios sindicatos, de órgãos não governamentais (ONG’S) e a presença de setores da Igreja Católica.

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A reação dos proprietários varia do aliciamento de trabalhadores clandestinos de outras regiões para substituírem os grevistas, ao condicionamento de acordos trabalhistas ao aumen-to do preço da cana pelo Governo, ao não cumprimento do dis-sídio, respaldados na intimidação armada, muitas vezes com des-fechos violentos. Em doze de agosto de 1983, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, Margarida Maria Alves, à frente da campanha salarial com 34 ações traba-lhistas encaminhadas à justiça, foi assassinada e outros crimes semelhantes têm-se repetido e permanecido impunes. A suposta omissão do Estado diante deste quadro, de fato, acaba por garantir a propriedade privada e assegurar condições para a exploração dos trabalhadores pelos proprietá-rios rurais. Neste sentido, tal omissão se manifesta de diversas formas: através da não fiscalização dos instrumentos de medidas de produção, das sentenças produzidas na Justiça do Trabalho, conferindo legalidade a níveis salariais muito baixos e da não fis-calização do cumprimento do dissídio coletivo pela Delegacia Regional do Trabalho. Na verdade, o desaparelhamento dos ór-gãos de Governo para o exercício de suas funções não é gratuito e permite o descumprimento da lei pelos proprietários. Além destas forças contrárias, o movimento sin-dical dos assalariados rurais enfrenta outras dificuldades:

a) a segmentação dos trabalhadores. Devido às formas diferenciadas de recrutamento de mão-de-obra e de inser-ção no processo produtivo, existem categorias bastante diferenci-adas de trabalhadores. Isto torna a ação sindical muito complexa, pois, numa única unidade produtiva são encontradas várias cate-gorias (motoristas, assalariados, operários e técnicos da parte in-dustrial) com datas-base de dissídio distintas e níveis diferencia-dos de organização;

b) a sazonalidade da mão-de-obra, a distância en-tre o local de moradia e os locais de trabalho, a simultaneidade de

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trabalho em mais de uma propriedade por parte dos trabalhado-res dificultam a mobilização sindical;

c) a unificação das campanhas salariais a nível re-gional se complica pelas diferentes datas-base dos dissídios, a diversidade de processos de trabalho nos vários espaços agrários, a falta de um salário unificado e os níveis diferenciados de organi-zação sindical;

d) a dificuldade de mobilização se agrava com o alto índice de desemprego no setor, em conseqüência da mecani-zação agrícola, afetando as bases do movimento;

e) as contradições de interesses entre a categoria de assalariados e a de pequenos produtores gera a heterogeneida-de de reivindicações no interior dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais e coloca como desafio a construção da unidade da classe trabalhadora;

f) o rígido controle dos proprietários sobre os trabalhadores, mediante o uso da violência e de práticas assisten-cialistas, inclusive prendendo nas usinas a mão-de-obra durante o período do corte, atemoriza e dissuade os empregados de partici-parem do movimento.

Atualmente, os assalariados da cana-de-açúcar enfrentam um novo grande desafio conjuntural devido à “crise” do Proalcool. Os fornecedores de cana e usineiros estão diminu-indo a área plantada com cana e substituindo-a pelo capim ou outras culturas que absorvem menos mão-de-obra e que pagam salários ainda menores. Além disso, o processo recessivo desen-cadeado pelo Plano Collor, a seca que assolou o Estado em 1993, a desarticulação da atividade cotonicultora, a crise do sisal, a ex-pansão da pecuária (atividade caracteristicamente poupadora de mão-de-obra), pelo Agreste-Brejo e até mesmo no Litoral, a difi-culdade de se obter terra para roçado, entre outros fatores, vêm fechando também outras fontes tradicionais de emprego, agra-

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vando a miséria e a fome, com conseqüências dramáticas e im-previsíveis para os assalariados. 8.2. A luta pela terra Segundo Martins,

“O próprio capital impôs, no Brasil moderno, a luta pela terra, como luta contra a propriedade capitalista da terra. É a terra de trabalho con-tra a terra de negócio” (MARTINS, 1991:56).

Para o homem do campo, a terra representa não apenas a possibilidade de sua sobrevivência, mas também a garan-tia de poder permanecer com sua família no seu local de origem, livre da sujeição do cambão ou do trabalho alugado. A terra cons-titui ainda para o camponês o único bem e a única herança passí-vel de ser deixada para a família. Em outras palavras, a terra con-fere dignidade ao pequeno produtor. No Brasil, porém, são poucos aqueles que detêm a posse da terra: de 600 milhões de hectares aptos para o desenvol-vimento da atividade agropecuária, 420 milhões estão nas mãos do latifúndio (IBASE, 1993 apud CAMARGO, 1994). Na verda-de, o Estado brasileiro nunca se interessou em democratizar o acesso à terra. Ao contrário, através das políticas e programas agrícolas que desenvolve, vem contribuindo para viabilizar a do-minação do capital no campo, abrindo os caminhos necessários para a exploração da agricultura de modo capitalista em grandes unidades de produção. O resultado disso é a expul-são/expropriação maciça do produtor direto. Esse processo nem sempre ocorre de forma pas-siva. A ele, parcela significativa da população rural reage, dando origem aos conflitos agrários. O conflito surge então como uma

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forma de resistência do camponês à sua expropriação. Como bem o diz Martins,

“O nível de expropriação foi tão longe que aca-bou produzindo um fato político que é a resistên-cia” (MARTINS, 1991:31).

Por outro lado, depois de expulsos, muitos traba-lhadores, inconformados com as condições de vida encontradas nas periferias das cidades (pontas de rua e favelas), se reorgani-zam, buscam latifúndios improdutivos e os ocupam, o que deriva também em conflito. Em outras palavras, o conflito de terra é fruto do choque de interesses entre capital e trabalho representado, de um lado, pela necessidade de subordinação da produção à lei do lucro e, do outro, pelo direito de permanecer na terra, de viver na terra e garantir a sobrevivência da unidade familiar de produção. Na Paraíba, foram registrados entre 1970 e 1996

mais de 200 conflitos de terra,89

distribuídos em 57 municípios (v. mapa da distribuição dos conflitos in: MOREIRA,1996). Eles abrangeram mais de cem mil hectares (quase 10% da área utiliza-da com lavouras em 1980) e envolveram mais de oito mil famílias (cerca de quarenta mil pessoas). Concentraram-se basicamente no Litoral e no Agreste (mais de 90,0% do total). Aí também encon-trava-se o maior número de famílias envolvidas nos conflitos pela

posse da terra.90

No Litoral, a luta camponesa tem ocorrido de modo disseminado, tanto em municípios tradicionais produtores de cana, como naqueles onde o Proalcool promoveu sua expan-são recente. Porém, nesses últimos sua incidência é maior. Neles, até 1975, a organização do espaço baseava-se numa policultura

89Aqui se incluem as áreas objeto de denúncias e aquelas cujo conflito teve um desfecho favorável ou não para a classe trabalhadora. 90Informações mais detalhadas sobre os conflitos de terra na Paraíba poderão ser encontradas in: MOREIRA, Emilia de Rodat Fernandes. Por um pedaço de chão. João Pessoa, Ed. Universitária, 1996.

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alimentar praticada por posseiros e arrendatários e na produção do coco-da-baía. As grandes propriedades eram ocupadas pela Mata Atlântica e pelos Cerrados dos tabuleiros, pontilhados por clareiras formadas pelos roçados dos arrendatários e por sítios ocupados por posseiros. O avanço da cana, como já foi mostrado no se-gundo capítulo, deu-se tanto sobre a vegetação natural quanto sobre os roçados e os sítios, promovendo a expul-são/expropriação dos pequenos produtores rurais. A resistência camponesa ao avanço da cana e à conseqüente expul-são/expropriação, deu origem a um grande número de conflitos de terra, alguns dos quais de repercussão internacional, como o conflito de Camucim.

No Agreste, as áreas de maior ocorrência dos conflitos nos últimos vinte e seis anos correspondem:

a) às Microrregiões de Itabaiana, Guarabira e Bre-jo Paraibano, onde a cana-de-açúcar e a pecuária expandiram-se na década de 70 sobre a policultura alimentar e comercial, inclusi-ve sobre áreas antes ocupadas com o algodão herbáceo; b) à Microrregião do Curimataú Oriental, área de fortalecimento da atividade pecuária nos anos 70 e 80; c) a alguns municípios situados na porção norte da Microrregião de Campina Grande, zona de forte expressão da policultura alimentar e comercial onde a atividade criatória tam-bém se expandiu consideravelmente nas últimas décadas (v. mapa da distribuição dos conflitos in: MOREIRA,1996). No Cariri, os conflitos identificados são em pe-queno número, concentrados em Monteiro, Sumé e São João do Cariri. No Sertão, eles aparecem nas áreas de Perímetro Irrigado como o de São Gonçalo, o do Açude de Pilões e o de Riacho dos Cavalos e também em municípios isolados como Patos e São José do Bonfim (v. mapas relativos aos conflitos e às famílias neles envolvidas in: MOREIRA,1996). Nessas áreas a luta pela terra se confunde com a luta pelo acesso à água. As áreas de

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conflito aqui, na sua grande maioria, localizam-se em torno das barragens. Em maio de 1996 eram 64 as áreas de conflito sem solução pela via da reforma agrária na Paraíba (v. quadro XXXVIII e mapa concernente in: MOREIRA, 1996). Várias des-sas áreas não têm renovado denúncia ao Incra desde algum tem-po, o que pode ser um indicador seja de desistência da luta por parte dos trabalhadores, seja de concretização do processo de expulsão. Algumas, como a fazenda Sapé, em Alagoa Grande, Imbiras 2 e 4 em Alagoa Nova, Acauã, em Sousa, Boa Idéia em Massaranduba, Capim/Pindoba, em Mamanguape, entre outras, estavam em maio de 1996 com decreto de desapropriação já assi-nado porém aguardando emissão de TDA para ajuizamento da ação. Essas áreas deverão estar fora dessa lista muito brevemente (v. quadro XXXVIII). Outras, embora desapropriadas, encontra-vam-se subjúdice e com o conflito agravado pela pendência judi-cial (v. quadro XXXVIII). O mais grave conflito pela posse da terra do Estado da Paraíba em setembro de 1996 era o da Fazen-da Gomes, em Alagoa Grande.

8.2.1. A dinâmica dos conflitos

Na grande maioria dos conflitos cadastrados, a concretização da subordinação da exploração agropecuária à lógi-ca capitalista se faz pela mudança nas formas de utilização do solo e nas relações sociais de produção.

“Os proprietários expulsam os moradores, ar-rendatários ou posseiros para plantar capim, ca-na-de-açúcar, abacaxi ou agave” (FETAG, 1982:6).

Isto é, procura-se explorar aquelas culturas que asseguram uma maior lucratividade, mesmo que esta seja gerada

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artificialmente pelos subsídios governamentais. Por outro lado, a necessidade de explorar racionalmente a terra não permite que ela seja distribuída entre parceiros e arrendatários, bem como impõe um novo ritmo de trabalho que é melhor satisfeito pelo assalari-amento temporário. O processo de expulsão, em grande número dos casos, se inicia seja com a morte do antigo dono, quando a terra é subdividida entre os herdeiros, seja por ocasião da venda da pro-priedade. Durante a administração dos antigos donos, apesar de “sujeitos”os moradores tinham garantidos os direitos adquiridos através dos contratos verbais com eles feitos (sítio, água, lenha e moradia, em troca de serviço gratuito). O acesso à terra aos forei-ros, parceiros e posseiros, mesmo que precário, também era permitido.

“O antigo dono representa o proprietário tradi-cional que favorece as relações clientelistas com seus trabalhadores e resiste a mudanças no sis-tema de exploração da terra. Esse período é ge-ralmente lembrado pelos assentados como de uma relativa tranqüilidade” (CAMARGO, 1994:118).

À transferência de titularidade e ao subseqüente parcelamento do imóvel segue-se, via de regra, um processo de venda. Na maioria dos casos, os trabalhadores não são notifica-dos, nem lhes é concedido o direito de preferência, garantido pelo Estatuto da Terra. Esse descumprimento da lei abre uma brecha para que eles recorram à justiça, dando início à luta contra a expulsão-expropriação.

“Os proprietários vendem a outros sem notificar aos moradores que vivem na propriedade há mui-tos anos, de 10 até 60 anos” (FETAG, 1982:6).

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Por outro lado, ao adquirir a terra, o novo dono a quer desimpedida de qualquer obrigação trabalhista, bem como, regra geral, também deseja explorá-la de forma diferente.

“ (...) os patrões começam a pedir as casas dos moradores, botam gado nas posses dos trabalha-dores, plantam capim nos roçados antes da co-lheita ser feita, derrubam as casas dos morado-res, amedrontam os trabalhadores com capangas, jagunços, prometem botar na cadeia e provocam todo tipo de ameaças; quando a expulsão não é direta, é de forma indireta: os patrões proibem de plantar roçado, de criar animais, de recolher le-nha, de tomar água, ou entregam terrenos muito fracos ou muito longe, etc.” (FETAG, 1982:6).

A esse processo os trabalhadores reagem de várias formas: arrancando o capim ou a cana, plantados no lugar dos seus roçados e refazendo-os através do sistema de mutirão; en-trando na justiça com solicitação de manutenção de posse; acam-pando em praça pública; ocupando a sede local do Incra; denun-ciando a violência dos donos em nível regional, nacional e inter-nacional, através da imprensa, da Igreja e de outras entidades de apoio. As ações abaixo se destacam, pela força que se revestem e pela repercussão que promovem:

a resistência do plantio

A luta pela terra na Paraíba traz embutida a luta contra a subordinação da terra à monocultura e à pecuária. Ela representa, ainda, a luta dos que têm fome de alimentos contra os que têm fome de lucro. É neste sentido que se coloca a resistên-cia ao plantio de “culturas de rico” e de “pasto”. Concretamente essa resistência se expressa através de ações do tipo “arranca-capim”ou “arranca-cana” seguida do replantio do feijão, do mi-

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lho, da roça (mandioca). Para isso os camponeses contam, via de regra, com o apoio dos companheiros de outras áreas de conflito ou de assentamento e de assessores, em particular, de represen-tantes da Igreja. Os roçados são refeitos com trabalho coletivo em forma de mutirão (CAMARGO,1994);

As formas de pressão: o acampamento O acampamento na sede do Incra ou em praça pública constitui uma das estratégias de luta dos trabalhadores. Esta é utilizada como um dos últimos recursos para fazer deslan-char a ação do Estado, no sentido de tentar vencer as barreiras impostas pelos impasses de ordem jurídica. De outro lado, ele representa uma forma de fugir à violência dos donos, de ampliar o apoio no seio da sociedade civil e de divulgar o conflito (CA-

MARGO,1994).91

“No dia 5 de julho os 600 trabalhadores, de várias áreas, inclusive os moradores de Sede Ve-lha e Corvoada acamparam em frente ao palácio do Governo e ocuparam o palácio exigindo uma solução para o problema de Abiaí” (CPT:1995).

Essas diversas formas de organização e reação dos trabalhadores não são suficientes para frear o processo de expul-são. Ao contrário, os patrões tanto não desistem como valem-se das mais diversas formas de ação para concretizar tal processo. Eles vão desde a tentativa de persuasão (arremedo de indeniza-ção) até a violência.

91A esse respeito leia-se CAMARGO. Da luta pela terra à luta pela sobrevivência na terra: resgate da discussão e exemplos concretos de reforma agrária na Paraíba. João Pessoa, Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFPb, 1994.

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8.2.2. A ação dos mediadores A reação organizada dos trabalhadores à expul-são/expropriação e sua relação com o Estado e com o patronato se faz pela mediação de órgãos de classe, da Igreja Católica, ou ainda de centros e grupos de assessorias. Vale ressaltar que no desenrolar do conflito essas forças desempenham um papel fun-damental na sua sustentação. Com efeito, aqueles conflitos que tiveram um desfecho de certo modo favorável aos trabalhadores (Árvore Alta, Alagamar, Camucim, Capim de Cheiro, Fazendas Corvoada e Sede Velha do Abiaí, etc.), foram exatamente aqueles onde essas instituições atuaram de forma maciça. A mediação dessas organizações, contudo, não é da mesma natureza. Enquan-to os organismos de classe agem, principalmente, pelos canais institucionais (representação junto ao poder executivo, petições ao Incra, encaminhamento judiciário, etc.), a ação da Igreja e dos grupos de assessoria dirige-se muito mais para a elevação do nível de consciência política, contribuindo para fortalecer a organiza-ção dos trabalhadores, fundamental para a manutenção e susten-tação da luta. Vale destacar o papel desempenhado pela Igreja Católica através da Comissão Pastoral da Terra, dos Centros de Defesa dos Direitos Humanos, do Serviço de Educação Popular da Diocese de Guarabira e das CEBs, seja na condução da luta, seja na mediação dos interesses dos trabalhadores junto às diver-sas instâncias do Estado (órgãos de terra como Incra e Interpa, governos estadual e federal, justiça, etc.). 8.2.2.1. A Igreja Como mediadora dos conflitos a Igreja, através dos seus setores mais progressistas, desempenha um importante

papel92

. De um lado, ela dá sustentação à luta dos trabalhadores

92Não é a Igreja enquanto instituição que atua como mediadora dos conflitos, mas seus segmentos mais progressistas representados por bispos, padres, agentes pastorais leigos e entidades diversas como a CPT, as CEBS, etc.

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quando se posiciona em seu favor, divulgando o conflito, bus-cando o apoio da sociedade civil, colocando advogados à disposi-ção dos trabalhadores e denunciando as ações de violência dos donos e de seus prepostos. Através de padres e agentes pastorais leigos, desenvolve todo um trabalho de conscientização junto aos pequenos produtores, buscando elevar seu nível de consciência política e fortalecer sua capacidade de organização. Esta, porém, nem sempre foi a postura adotada pela Igreja Católica. Na verdade, durante séculos, ela não só se posicionou a favor dos detentores do poder político e econômi-co, como foi parte deste poder. A história da Igreja Católica no Brasil reflete essa tendência geral. Só a partir da década de 50 foi se delineando movimentos no seu interior que se posicionavam claramente em favor dos trabalhadores e dos oprimidos e como forma de freiar a influência do Partido Comunista junto ao ho-mem do campo (MEDEIROS, 1989:76). Eram movimentos marginais e que, via de regra, eram vistos com suspeita pela alta hierarquia eclesiástica. Com o Concílio Vaticano II, a posição definida por estes movimentos foi ganhando maior importância e, em alguns momentos, chegou a ser assumida pelas estruturas da Igreja. Mas mesmo nesses momentos, não representava o pensamento da totalidade do episcopado. As Conferências episcopais de Medellin (1968) e Puebla (1979) representaram um momento importante da formu-lação e consolidação da chamada opção preferencial pelos po-bres. Esta posição teve uma fundamentação teológica através da chamada Teologia da Libertação, cujos principais expoentes no Brasil foram Padre Joseph Combln, Leonardo Boff, Frei Beto, etc. No Brasil, foram precursores dessa posição o Movimento da Ação Católica e a constiuição da CNBB sob a influência de D. Hélder Câmara, o Movimento de Educação de Base, os Serviços de Assessoria Rural, etc. Porém, só mesmo após a instalação do regime militar, em 1964, é que a Igreja brasileira foi assumindo o papel de porta-voz das resistências ao regime, passando a defen-

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der, de forma oficial, posições de denúncia à situação de injustiça social e de opressão política vivenciada no país. Dentro desse contexto, em 1975, é criada em Goiás, a Comissão Pastoral da Terra, como um “serviço cristão à causa dos camponeses e trabalhadores rurais do Brasil”. A CPT irá de-sempenhar uma função aglutinadora das forças que lutavam pela justiça social no campo. Através da organização dos trabalhado-res, ela não só passa a defender os direitos trabalhistas no campo mas, sobretudo, começa a atuar em áreas de conflito, em conjun-to com dioceses, paróquias e comunidades eclesiais de base, le-vantando a bandeira da reforma agrária. Ela ainda presta assesso-ria a Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Associações de Peque-nos Produtores, movimentos sociais, etc. Na Paraíba, essa nova postura da Igreja Católica começa a tomar corpo nos anos 60. Inicialmente, ela foi mais significativa nos segmentos urbanos do que no mundo rural. A ação dos padres Aluísio Guerra, Juarez Benício e Nóbrega, junto ao movimento estudantil secundarista e universitário, e dos pa-dres Antonio Fragoso (ainda nos anos 50) e Everaldo Peixoto e de alguns seminaristas como Nelson Araújo e Afonso Lonsing, junto ao movimento operário, são marcos dessa nova face da Igreja.

No campo, a sua ação em favor dos trabalhadores surge como uma oposição à influência do Partido Comunista e das Ligas Camponesas. Nessa época, alguns padres influenciados pelo movimento “Por Um Mundo Melhor”e pela atuação dos padres Crespo e Melo de Pernambuco, apoiaram a formação de alguns Sindicatos de Trabalhadores Rurais, como uma forma de contrapor-se às influências do PCB e das Ligas junto aos campo-neses. Essa ação, porém, era muito tênue e exercida sob fortes reservas da hierarquia católica paraibana. Exemplo disto foi a oposição de D. Mário Villas Boas, então Arcebispo da Paraíba, à proposição de alguns padres em se instalarem nos municípios de Sapé e Mari, principais centros das Ligas no Estado. Após o gol-

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pe militar, mesmo este tímido e controvertido aceno do clero em direção aos trabalhadores se retrai. A atuação da Igreja no campo, de forma mais comprometida, irá ganhando mais expressão através da tentativa de reorganização da Ação Católica Rural (ACR) sob a coordena-ção do Padre Joseph Servat e da Juventude Agrária Católica (JAC), sob a coordenação dos padres Nelson Araújo e Carmil Vieira. Mas é só após a chegada de D. José Maria Pires no Estado, em 1966, que a hierarquia católica passa a tomar posi-ção claramente favorável aos trabalhadores rurais. A dura realida-de do campo encontrou abrigo na sensibilidade de D. José para as questões sociais. Segundo seu depoimento, visitando um traba-lhador doente na zona rural do Estado, foi testemunha da prepo-tência do latifúndio. O dono da terra colocara uma cerca que passava pela porta dos fundos e saía pela porta da frente, dividin-do a casa do trabalhador ao meio. Este fato foi decisivo segundo ele, no fortalecimento da sua posição em defesa dos trabalhado-res. Esta, foi reforçada com a chegada de D. Marcelo Carvalheira em 1975 (Guarabira) e de D. Luís Gonzaga Fernandes, em 1982 (Campina Grande). Essa nova forma de ser Igreja irá se refletir até mesmo na maneira de condução da formação clerical. Adotando os princípios da “Teologia da Enxada”, busca-se, através de expe-riências concretas de pobreza e trabalho rural, pôr em prática a opção preferencial pelos pobres assumida em Medellin e Puebla, a partir da preparação de missionários pobres que desenvolvem sua formação ao lado, e em condições semelhantes, às dos exclu-ídos. Grupos de seminaristas passam a se deslocar para a periferia de cidades do interior onde, além de se dedicarem à tarefa de cultivar um roçado, estudam e exercitam sua ação pastoral junto à população mais humilde do lugar. Esta experiência redundou na criação do primeiro “Centro de Formação de Missionários Cam-poneses” da América Latina, em funcionamento no município de Serra Redonda. D. José ainda proporcionou a vinda para a Paraí-

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ba de vários agentes pastorais leigos e religiosos de outras partes do Brasil e do exterior, que assumiram a orientação da Pastoral no Campo, enquanto agentes de conscientização e organização da resistência camponesa à sua expropriação em decorrência do processo de modernização da agricultura que estava em curso. Esses agentes da pastoral rural vão marcando sua presença no apoio à luta pela terra no Estado, sobretudo no Litoral e no A-greste-Brejo. Exemplo concreto da atuação da Igreja nos con-flitos de terra nos anos 70 foi a luta de Alagamar nos municípios de Itabaiana e Salgado de São Félix (CANTALICE, 1985). Muitas outras lutas camponesas foram acompanhadas pela Pastoral Rural da Paraíba até 1988 (Camucim, Cachorrinho e Coqueirinho, etc.). Nesse ano, ela transformou-se formalmente em Comissão Pasto-ral da Terra (CPT). A postura da CPT na Paraíba tem-se pautado na defesa intransigente dos pobres da terra. Seu trabalho não se re-sume ao simples “apoio à luta”. Ele é bem mais amplo e embute: a prestação de serviço de assessoria jurídica; a denúncia de vio-lência; o acompanhamento quase diário dos trabalhadores em conflito; a divulgação dos fatos em nível local, nacional e interna-cional; a organização das romarias da terra; o trabalho de forma-ção da consciência política dos trabalhadores e uma assistência infra-estrutural (alimentação, transporte, colchões, lonas) por ocasião dos acampamentos, além de assistência médica e cobertu-ra financeira quando se faz necessário. À frente da CPT, destaca-se Frei Anastácio Ribeiro, hoje coordenador na Paraíba e na CPT Regional Nordeste. Ao trabalho de padres, freiras e agentes pastorais leigos ligados à CPT, se soma o papel desempenhado pelas auto-ridades máximas da Igreja estadual e regional. Estas, além de ga-rantirem com seu apoio a ação das bases, em alguns casos são chamadas para intervir diretamente. Sua presença nas áreas de conflito e nos acampamentos, suas declarações na imprensa e em eventos que participa, sua palavra durante as cerimônias religiosas

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transformaram-se, ao longo dos anos, num ato garantidor da sobrevivência da luta. A força desta intervenção se exprime, tanto em nível local como estadual e regional, pelo impacto que pro-move junto à sociedade civil e às instituições do Estado, tais co-mo os poderes executivo, legislativo e judiciário levando-os, no mais das vezes, a agilizarem suas ações. A voz da hierarquia da Igreja tem-se feito ouvir também na luta contra a impunidade dos assassinos e mandantes dos crimes contra trabalhadores rurais. D. Hélder Câmara, D. José Maria Pires, D. Marce-lo Carvalheira, e D. Luís Gonzaga, são representantes da hierar-quia progressista da Igreja Católica que, no Nordeste e na Paraí-ba, deram testemunho de sua opção pelos pobres, apoiando a ação pastoral, os movimentos sociais e populares, a ação sindical e hoje, a ação pela cidadania. Em defesa da democratização da terra, contra a fome e a miséria e pelo direito à cidadania plena para os trabalhadores do campo, eles colocam-se a favor de la-vradores, posseiros e índios, participam de negociações entre estes, os órgãos de terra, o poder executivo e proprietários, fa-zem denúncia e clamam por justiça, ocupam espaços nos meios de comunicação em defesa dos pobres e oprimidos.

Não resta dúvida que,

“(...) ao sacralizar a luta pela terra como uma luta do “Povo de Deus pela Terra Prometida”, a Igreja abre para o trabalhador uma forma de legitimar, no sentido de justificar para si mesmo, a validade dessa luta. Assim, lutar pela terra deixa de ser uma transgressão às normas de res-peito a autoridade instituída, para se tornar uma luta “abençoada por Deus” e portanto, de direito. Ou seja, possibilita que se opere o divór-cio entre a lei e a justiça” (CAMARGO, 1994:137).

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Essa posição adotada pela Igreja Católica tem sido pouco compreendida por aqueles que sempre viram na mesma uma aliada na defesa dos seus interesses, na manutenção das desi-gualdades e injustiças sociais e na inviolabilidade da propriedade privada. Daí as perseguições, difamações e ameaças que sofrem todos os representantes da Igreja progressista que têm uma atua-ção mais efetiva junto à classe trabalhadora, sobretudo a do meio rural. O fato é que, ao se posicionar contra a violação do direito ao trabalho e à terra, a Igreja deixa de ser apoio para a classe do-minante, da qual sempre foi aliada, carreando contra si e contra seus representantes a ira dos que se consideram traídos. Na Paraíba, Frei Hermano, Frei Anastácio, Padre Luigi Pescamona, Padre João Maria, Irmã Valéria e muitos outros já foram sujeitos à violência dos donos, à repressão policial e/ou responderam/respondem processo na justiça. São tidos pelos proprietários como “subversivos”, “agitadores”, “insufladores dos lavra-

dores” e, mais recentemente, “formadores de bandos e de quadrilhas”.93

O saldo desse processo, porém, tem sido positivo para os trabalhadores. O crescimento dos imóveis adquiridos e/ou desapropriados para assentamento de população em áreas de atuação da CPT estão aí para demonstrar a eficácia da ação da Igreja Católica. Essa atuação da Igreja “não está, sem dúvida, isenta de críticas. Mas o ‘não ser perfeita’ não invalida e tampouco contesta o seu papel de principal mediadora dos conflitos no Estado” (CAMARGO,1994:142) nem diminui o valor do seu trabalho. Durante a ditadura militar, foi a Igreja Católica que na Paraíba furou o cerco da repressão, rompeu o silêncio dos partidos políticos e reorganizou os movi-mentos sociais no campo através da luta “pela terra prometida”. E é ela que, ainda hoje, se contrapondo ao avanço das forças conser-vadoras no seu interior, faz parceria com a Organização Sindical e sustenta e mantém a maior parte dos conflitos pela posse da terra no Estado. 93A recente prisão de Frei Anastácio Ribeiro, acusado de “formação de quadrilha”e de “maltrato a menores”é um exemplo disso.

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Para o trabalhador, a Igreja através da CPT e o apoio por ela prestado, constituem, de um lado, a segurança e a certeza de que não estão sozinhos na luta e, de outro lado, a úni-ca garantia de sobrevivência ao conflito, sobretudo quando a violência é muito grande.

“(...) Nós só tinha o Sindicato, a Igreja e o povo do nosso lado. A Igreja ajudava a gente fazendo campanha, missa, pedindo colaboração do povo nas Igrejas. Se não fosse a Igreja nós não tinha condição. Tudo o que a gente tinha aqui tinha ido por água abaixo, até a lavoura. A Igreja en-tão ajudou muito e até hoje continua ajudando. Qualquer momento difícil ela corre encima, dis-cute os problemas com a gente. Porque pros ri-cos, os padres não pode ajudar pobre não” (Posseiro de Camucim. In: MOREIRA, 1988:444).

8.2.2.2. A Assessoria Jurídica

A resistência camponesa para permanecer na terra encontra abrigo em alguns dispositivos legais, sobretudo nos Es-tatutos do Trabalhador Rural (1963) e da Terra (1964). Daí a im-portância da Assessoria Jurídica tanto para encaminhar as ques-tões, quanto para defender os trabalhadores. A esse respeito e com muita propriedade, Camargo afirma:

“Na maioria dos conflitos de terra é possível i-dentificar dois campos de batalha distintos, em-bora interligados. Em primeiro lugar, vem a ter-ra disputada - o espaço físico onde se dá a ocu-pação ou a tentativa de expulsão. É aí que os trabalhadores sofrem os atos de violência ou or-ganizam as ações de resistência. A segunda ins-

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tância de confronto é o fórum, onde se dá o em-bate judicial. Por isso, contar com uma boa as-sessoria jurídica é fundamental para garantir um resultado favorável para a luta dos trabalhado-res” (1994:142).

É a partir dos anos 70 que irá surgir na Paraíba as primeiras entidades de assessoria jurídica de apoio aos trabalha-dores do campo. A primeira delas nasce em 1976 ligada à Arqui-diocese da Paraíba. Trata-se do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), que durante muitos anos, em especial nos anos negros da ditadura militar, foi coordenado pelo advogado Wanderley Caixe. O papel do CDDH era prestar assistência jurídica aos trabalhadores sem postular em juízo, uma vez que, para a Arquidiocese, esta tarefa cabia à organização sindical (CAMAR-GO,1994). Por se colocar à frente desta entidade, acompanhan-do, mobilizando e denunciando as ações dos donos, da polícia e do Estado contra os lavradores, Wanderley não só foi ameaçado de morte como sofreu um atentado. Naquela época, marcada pelo medo e pela violência do latifúndio e da repressão policial, o CDDH distinguiu-se como um baluarte forte e destemido, que mereceu o respeito não só dos trabalhadores, mas também dos segmentos da sociedade civil comprometidos com a democrati-zação do país e com a justiça social no campo. Na década de 80 surge na Paraíba uma segunda entidade de assessoria jurídica voltada para o atendimento das causas populares. Trata-se da Sociedade de Apoio ao Movimento Popular e Sindical (SAMOPS), uma organização não governa-mental que também atuará junto aos movimentos sociais rurais atrelada à Arquidiocese da Paraíba e que presta serviços à CPT através de ações específicas para as quais é contratada (CAMAR-GO,1994). Além dessas entidades, existem nas dioceses do inte-rior Centros de Defesa a elas interligados ou autônomos que também atuam como assessoria jurídica de apoio aos trabalhado-

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res. A organização sindical também possui sua assessoria jurídica, que é colocada à disposição dos agricultores. Ainda é muito restrito o número de advogados que, na Paraíba, desenvolveram e/ou desenvolvem um trabalho comprometido com as lutas da classe trabalhadora. Dentre estes podem-se citar Júlio César Ramalho, Eduardo Loureiro, Antonio Barbosa, Sebastião Geriz, Iranice Muniz, entre outros. Vários fatores têm contribuído para a escassez de advogados envolvidos com as causas sociais na Paraíba, e, em particular, com os movimentos sociais dos trabalhadores rurais. Numa entrevista realizada por Camargo com Antonio Barbosa, ele aponta como responsáveis por essa escassez de advogados trabalhando com as causas sociais na Paraíba:

“a) a crise econômica que, de um lado, atinge os movimentos sociais, diminuindo a sua capacidade de arrecadar recursos e, por outro lado, obriga a maioria dos récem-formados a buscar uma ime-diata colocação no mercado de trabalho; b) a di-ficuldade de engajamento de novos profissionais nas entidades de assessoria jurídica; c) o período de desgaste por que passa o próprio movimento, principalmente no campo sindical” (CAMARGO, 1994:143).

A esses fatores somam-se outros de efeitos igual-mente restritivos:

a) riscos de engajamento. Via de regra, os advoga-dos que se posicionam em defesa das causas dos trabalhadores enfrentam a violência do latifúndio, no mais das vezes irmanado com o Estado. Ameaças de morte, espancamentos, seqüestro e até mesmo a perda de emprego público são assinalados no Brasil e na Paraíba. Júlio César Ramalho, um dos mais antigos advoga-dos dos trabalhadores rurais do Estado, passou por tudo isso, por seu engajamento na defesa dos camponeses e pela sua posi-

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ção intransigente contra o latifúndio. Neste caso, como em mui-tos outros, os interesses patronais foram defendidos e assumidos pelo Estado em detrimento das causas sociais e dos direitos da população trabalhadora. b) a organização e a estrutura dos cursos de Direi-to levam a um processo de formação acrítico face ao aparato legal. A lei é apresentada, no mais das vezes, como algo absoluto e não como uma resultante do jogo de interesses e das forças em ação na sociedade. Esses cursos estimulam uma formação desen-gajada socialmente e voltada basicamente para o êxito individual. Tal viés é reforçado, num momento de crise econômica e de estrangulamento do mercado de trabalho como o que tem se vivenciado no país. Os altos salários pagos aos magistrados, pro-motores e desembargadores, o sucesso obtido pelos escritórios de advocacia, pelos assessores jurídicos de empresas privadas, do setor financeiro e do Estado, têm transformado os cursos de Direito nos mais concorridos para o ingresso formal nas Univer-sidades. O conservadorismo dos cursos soma-se à corrida ao êxito individual, contribuindo para inibir a ampliação do número de advogados voltados para as causas sociais. Apesar da existência de assessorias jurídicas de apoio à luta dos trabalhadores ligadas à Igreja, acreditamos que este papel deve ser fortalecido no âmbito da organização sindical e dos demais movimentos populares, dada a importância que ele reveste na condução e no desfecho da luta.

8.2.2.3. A organização sindical

No que se refere à ação da organização sindical, esta pode ser analisada de dois ângulos: considerando-se a atua-ção dos Sindicatos e a da Federação dos Trabalhadores da Agri-cultura. A atuação dos Sindicatos varia de acordo com sua postura política. Onde o Sindicato não apresenta uma postura combativa ele se posiciona a favor dos proprietários e age no

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sentido de impedir o avanço da luta dos agricultores, deixando de lado sua função de representante da classe trabalhadora rural. Quando, ao contrário, trata-se de um Sindicato comprometido, ele atua lado a lado dos trabalhadores na sustentação de sua luta e na busca da desapropriação do imóvel. É ele o intermediário en-tre os lavradores e a Federação; ainda denuncia as práticas de violência dos donos, intermedia as negociações junto ao Estado, põe advogados a serviço dos agricultores e viabiliza, juntamente com a Igreja, a sobrevivência nos acampamentos. Através do seu Presidente e dos demais representantes, posiciona-se em todos os momentos em defesa dos direitos dos trabalhadores. Vale a pena destacar entre outros os STRs de Pitimbu e o papel importante por ele desenvolvido durante o conflito de Camucim, Sede Velha e Corvoada do Abiaí; o de Alagoa Grande, cujo apoio foi funda-mental no conflito de Engenho Mares; o de Caaporã, em sua atuação no conflito de Capim de Cheiro; o de Bananeiras, o de Santa Rita, o de Sapé, o de Cruz do Espírito Santo, entre outros.

À Federação cabe assumir a defesa incondicional dos lavradores. Embora esta seja a regra, em alguns momentos, dependendo da linha política dos dirigentes, se tem uma ação mais ou menos eficiente. No caso do conflito de Camucim, por exemplo, a ação da Fetag foi muito criticada e o advogado que esta colocou à disposição dos posseiros foi acusado de agir contra eles e a favor dos donos (MOREIRA,1988). Como representante maior da organização sindical, a Fetag tem intermediado as nego-ciações entre o Estado, o Sindicato, os trabalhadores e o patrona-to. Apesar de controvertido, por vezes considerado tímido ou ineficiente, o apoio da Fetag em muitos casos tem-se mostrado fundamental para garantir a permanência da luta e a conquista da terra.

A CUT e a CONTAG apesar de se posicionarem em favor da Reforma Agrária e de, em vários momentos, partici-parem de grupos de apoio aos trabalhadores, não assumem a vanguarda da mediação condutora da luta pela terra na Paraíba.

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Seus esforços estão concentrados na luta dos assalariados por melhores condições de vida e salário. 8.2.2.4. Outros aliados Além dos mediadores citados, participam como aliados na luta pela terra na Paraíba, agricultores de áreas de as-sentamento, membros das CEBs, organizações não governamen-tais diversas, professores universitários, entidades de classe do setor urbano, profissionais liberais, meios de comunicação, políti-cos e estudantes. A ação deste segmento da sociedade civil em defesa dos trabalhadores das áreas de conflito se manifesta atra-vés de moções de apoio, de abaixo-assinados, de cartas abertas à população, de visitas às áreas em conflito, da prestação de asses-soria na elaboração de documentos, etc. A solidariedade dos agricultores de outras áreas aos companheiros em luta é considerada pelos trabalhadores co-mo muito importante. Ela se manifesta seja nos acampamentos, onde contribuem com alimentos por eles produzidos, com traba-lho e com a presença-reforço, seja nos mutirões, seja nas vigílias noturnas. Dentre os aliados cabe destaque aos órgãos de comunicação. De modo geral os meios de comunicação paraiba-nos, sobretudo a imprensa escrita, em muito tem contribuído para propalar a luta dos camponeses ameaçados de perder a terra, para divulgar as injustiças existentes no campo e a violência insti-tucionalizada contra aqueles que decidiram recusar a expulsão, resistir à proletarização, à desruralização e à marginalidade e misé-ria urbanas. Isto resulta da ação de alguns jornalistas que, driblan-do muitas vezes a orientação das empresas de comunicação, pre-ocupam-se em divulgar o desenvolvimento da luta, em buscar abrir espaço para anunciar os acontecimentos, em posicionar-se em defesa dos trabalhadores. Na Paraíba, a atuação do jornalismo dando cobertura ao desenvolvimento dos conflitos de terra, di-vulgando as denúncias dos trabalhadores, denunciando a partir de

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constatações feitas in loco, a violência no campo, tem sido de grande valor para a sustentação de muitos conflitos. A posição política assumida pelos meios de comunicação, enquanto empre-sa capitalista, espelha o maior ou menor grau de dependência existente entre esta, a classe patronal e/ou o Estado. Quanto maior a influência destas duas instâncias do poder, menor o inte-resse da empresa em divulgar o conflito.

8.2.3. A ação dos donos A posição dos proprietários, e não podia ser dife-rente, volta-se para a defesa intransigente da propriedade que representa não só capital investido como também prestígio e poder. As armas por eles utilizadas são as mais variadas. Elas vão desde a compra da consciência do trabalhador, disfarçada através do pagamento de indenizações, até a ações de violência que com-preendem: a destruição das moradias, dos bens nelas contidos, das benfeitorias e dos roçados dos trabalhadores; a pressão psico-lógica; as agressões corporais; os assassinatos. Para atingir seus objetivos, os proprietários conse-guem até mesmo se infiltrar no interior da organização sindical e ainda usam de sua influência para subornar funcionários públicos. Usam do poder do dinheiro para comprar a consciência política e fazer aliados. A sua ação contra as desapropriações se faz até hoje, em várias instâncias. Vai desde a utilização direta da violên-cia sobre os trabalhadores, até a ação indireta. Essa teve lugar junto às Comissões Agrárias instituídas pelo Ministério da Re-forma Agrária da Nova República (posteriormente extintas), para estudar os casos passíveis de desapropriação. Manobras junto ao setor de Cadastro do Incra têm sido denunciadas no Brasil e na Paraíba, na tentativa de transformar latifúndios em empresas ru-rais, não passíveis de desapropriação. Por último, quando a desa-propriação é decretada, fazia-se e faz-se ainda hoje apelo à justiça.

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Em suma, a ação dos donos é, num primeiro momento, a defesa intransigente do patrimônio individual. Numa segunda instância, a reação dos proprietários à desapropriação pode ser entendida como uma defesa da propriedade capitalista em si. Isto é, o que está em jogo para eles não é apenas a apropri-ação da terra, mas o instituto da propriedade enquanto tal. Desta forma, a desapropriação representa um ataque ao próprio capital. Daí, a posição contrária dos órgãos patronais a toda a iniciativa de desapropriação levada a efeito no Estado.

8.2.4. A ação do Estado

O Estado age nesses conflitos de forma aparen-temente contraditória. De um lado, alimenta e sustenta o conflito e, de outro, procura “solucioná-lo”. Enquanto alimentadora dos conflitos, a ação do Estado se realiza através das políticas fiscais e creditícias (financi-amento para compra de propriedade, estímulo à pecuária e à ca-na-de-açúcar, etc.). O que vale dizer que o Estado, na sua função de viabilizador do processo de acumulação do capital, abre os caminhos necessários à exploração da agricultura de modo capita-lista. Enquanto “solucionador” do conflito, age inicial-mente através do seu aparelho repressor (polícia, justiça). Procura garantir o direito de propriedade privada, dissuadindo a reação organizada dos trabalhadores pelas mais diferentes formas. No caso específico da Paraíba, onde o poder a nível estadual é captu-rado pela oligarquia rural, seu caráter repressor-policial é manifes-to, em toda sua pujança, na repressão aos conflitos pela terra. A repressão policial, aliada à morosidade judiciária, leva, em alguns casos, a desistência da luta após uma indenização irrisória. Só quando essas modalidades de dissuasão não são capazes de desarticular a reação dos trabalhadores é que a solução propriamente dita é ensaiada, através da desapropriação,

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da compra ou da doação de terras, visando o assentamento das populações envolvidas nos conflitos. Segundo informações fornecidas pelo Incra e pelo Instituto de Terras da Paraíba (Interpa), entre 1966 e 1990, vinte e três imóveis rurais foram desapropriados no Estado (v. quadro XXXV e mapa concernente in: MOREIRA,1996), totalizando 41.515,3856 hectares de terra e envolvendo 2.788 famílias. Para isso foram utilizados recursos da União (vinte casos) e do Estado (dois casos). Vale a pena ressaltar que o maior número das desapropriações que tiveram lugar nesse período ocorreram du-rante a época da Nova República. O anúncio da disposição do Governo de realizar a Reforma Agrária, feito em maio de 1985, durante o IV Congresso do Movimento Sindical dos Trabalhado-res Rurais do Brasil, deu novas forças àqueles que lutaram duran-te anos para ver a “terra de exploração”, na expressão da Igreja, transformar-se em “terra de trabalho”, ou seja, em “terra possuída por quem nela trabalha” (CNBB, 1980:5/20). Embora sabendo-se que a reforma anunciada não

ultrapassaria os limites estabelecidos pelo Estatuto da Terra,94

ela contou com o apoio não só de trabalhadores rurais, como dos mais diversos segmentos da sociedade, entre os quais sobressaí-am-se a Igreja, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (A-BRA), os trabalhadores urbanos, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria e até mesmo certos setores progres-sistas do meio rural. Entre 1980 e 1996 44 imóveis foram comprados pelo Incra e pela Fundap (atual Interpa), perfazendo 12.607,1 hectares e abrangendo 1.874 famílias (v. quadro XXXVI e mapas

94O Estatuto da Terra não previa a destruição do latifúndio mas a superação gradativa, a partir de estímulos especiais, de certas contradições que a propriedade improdutiva da terra gerava para o capitalismo. Tratava-se, na verdade, de uma modernização do latifúndio, razão pela qual não é uma lei de Reforma Agrária, mas de desenvolvimento rural, como deixa claro o item 10 da mensagem 33: “Não se contenta o projeto a ser uma Lei da Reforma Agrária (...) é uma lei de desenvolvimento rural” (SILVA, J.G.1985: 69).

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concernentes in: MOREIRA,1996). Em grande parte dos casos os recursos foram provenientes dos Convênios Incra/Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), Incra/Procanor e também do Finsoci-aL, do Fundo de Terras (Funterra), do Bird e da União. Durante o governo Collor de Melo (1990/1992), ne-nhuma desapropriação de terra ocorreu na Paraíba. Só no gover-no de Itamar Franco, quando Marcos Lins assumiu a presidência do Incra nacional é que novas desapropriações para fins de re-forma agrária tiveram lugar no Estado. Entre 1993 e início de 1996 29 áreas foram desapropriadas beneficiando cerca de 2.000 famílias (v. quadro XXXVII e mapa concernente in: MOREIRA, 1996). A maior parte dos imóveis desapropriados, com-prados e transferidos acham-se localizados no Litoral e no Agres-te (v. mapas concernentes in: MOREIRA,1996). Apesar do crescimento recente das conquistas de terra pelos trabalhadores, é preciso chamar a atenção para o fato de que, na Paraíba: a) existiam sessenta e cinco áreas de conflito sem solução em maio de 1996, das quais cinco se destacavam pela gravidade alcançada; b) as populações envolvidas em conflitos de terra resistem das mais diversas formas, inclusive ocupando a sede do Incra, responsável pela política de Reforma Agrária no país, para tentar se fazer ouvir pelas autoridades competentes. Nesses mo-mentos, fica transparente mais uma contradição do Estado. É no órgão criado para executar a Reforma Agrária que se presenciou, durante muito tempo, não o apoio, mas a expulsão das famílias de trabalhadores rurais, solicitada seja pelos seus dirigentes, seja pelas autoridades do governo, utilizando-se do aparato policial repressor, representado pelas polícias militar e federal. Só a partir de 1993 é que esta prática deixou de ser utilizada. Isto, graças à postura progressista de Ronald Queiroz e Júlio César Ramalho os superintendentes do órgão entre 1993 e 1996.

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Cabe acrescentar que a “luta pela terra”é mais ampla do que um simples acesso a um lote. Ela compreende também a luta pelas condições de trabalho na terra. Esse aspecto tem sido patenteado pela situação das populações assentadas em diferentes áreas do Estado. Via de regra, elas não contam com assistência técnica ou creditícia, nem com recursos financeiros próprios, carecem de infra-estrutura básica (água potável, luz, escola, posto de saúde, saneamento e, em alguns casos, as condi-ções de moradia são extremamente precárias). Daí observar-se um grau de ocupação do solo considerado baixo, a transferência ou abandono de lotes, etc. Os problemas existentes, antes de subsidiarem um diagnóstico de fracasso e os argumentos contra a Reforma Agrária, evidenciam a necessidade de uma política agrí-cola mais arrojada em favor da pequena produção. Apesar das restrições existentes, pesquisas realizadas têm evidenciado que,

“diminuiu a necessidade de assalariamento entre os assen-tados e foi possível, para a maioria das famílias, adquirir bens pessoais e de trabalho, inclusive casa própria (...) Segundo os entrevistados seu rendimento econômico aumentou após a conquis-ta da terra” (CAMARGO, 1994:256).

É indiscutível que, apesar de todas as dificuldades, os assentamentos realizados no Estado têm contribuído para a geração de empregos e para a produção de alimentos. Em 1993 quando a seca atingiu de forma arrasadora a atividade agrícola do Estado, chegando mesmo a desestruturar a produção de culturas como o abacaxi e a cana cujo aporte tecnológico embute em mui-tos casos o uso da irrigação, e os saques alcançaram o Litoral paraibano, a equipe de pesquisadores do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da UFPb visitando as áreas de assen-tamento do município de Pedras de Fogo surpreendeu-se. Lá não se percebia o efeito devastador da seca. A produção de feijão e de tomate nos pequenos vales molhados pelas águas que emanavam

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das ressurgências situadas na base dos tabuleiros, a produção de mandioca nas chãs e de abacaxi nas encostas conferiam a estas áreas o aspecto de ilhas verdes encravadas em meio a canaviais atrofiados pela falta dágua. Conforme aponta Maria da Conceição D’Incao :

“O desafio, portanto, parece ser o de pensar uma política de reforma agrária como parte integrante de uma política agrícola capaz de combinar as exigências econômicas dos setores mais desenvol-vidos da agricultura com o fortalecimento econô-mico da pequena produção agrícola já existente ou a ser criada no contexto da própria reforma agrária” (1994:50).

8.3. A violência no campo A violência no campo não é um fenômeno novo. Ela se faz presente desde o início da colonização portuguesa no Brasil. Mais do que se fazer presente, ela é um elemento constitu-tivo importante no processo de formação e estruturação do es-paço agrário. O genocídio indígena, a violência da escravidão, o poder discricionário dos coronéis sobre os moradores, a perse-guição e extermínio de camponeses e líderes sindicais nos dias de hoje são faces distintas de uma mesma realidade: o exercício do poder dos donos para salvaguardar e fortalecer esse poder. Pode-se dizer que a violência no campo tem sido inerente ao controle monopolista da terra. Tal controle, ao deli-mitar o acesso do produtor direto à terra (seja enquanto produtor autônomo, seja enquanto assalariado), determina também os limi-tes da possibilidade de sobrevivência da população rural. Na vi-gência do “sistema morador”, esta delimitação era quase que ab-soluta, pois eram restritas as possibilidades de inserção produtiva na economia urbana, em virtude de sua fragilidade e incipiência. Isso ampliava o poder dos senhores de terra sobre a vida dos

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moradores. Nessa época, paternalismo e violência eram as faces gêmeas do exercício do mando latifundiário. As transformações ocorridas na sociedade brasi-leira impingiram modificações consideráveis na forma de mani-festação do poder dos senhores de terra, porém sem alterá-lo na sua essência. Os procedimentos legais adaptam a estrutura de poder fundiário (para preservá-lo) às novas condições sócio-econômicas, consubstanciadas no avanço das forças produtivas, na unificação do mercado de trabalho, nas mudanças nas relações sociais de produção, na construção da democracia liberal, etc. Na nova conjuntura, a burguesia agrária, via processo legislativo, pas-sa para o Estado a obrigação da defesa dos seus interesses. Nessa concepção, a violência no campo está na base do processo de apropriação privada da terra e na sua conso-lidação. Isto é, ela é um elemento interno à organização agrária. Manifesta-se de forma mais evidente, quando os excluídos levan-tam-se contra o pacto estabelecido entre a aristocracia rural e o Estado ou quando nem mesmo algumas cláusulas do pacto são respeitadas pelos proprietários. Ela envolve três atores principais: os proprietários de terra, produtores diretos sem terra ou com acesso precário a ela e o Estado. Além do poder econômico resultante do controle dos meios de produção, os proprietários rurais detêm poder polí-tico e força paramilitar. O poder político ficou evidenciado, cla-ramente, no episódio de votação da reforma agrária por ocasião da Constituinte. É o poder de fazer as leis que protejam os seus interesses. Já o poder paramilitar se expressa pela possibilidade que encontram de armar feitores e vigias (por vezes até grupos mais amplos) para controlar os trabalhadores. Esta força é larga-mente ampliada pelas ligações com o aparato militar local ou mesmo estadual e com o aparelho judiciário. O Estado é o agente garantidor da ordem “demo-craticamente” estabelecida pelos donos, via processo legislativo. Para tanto, coloca em funcionamento as instâncias militares e judiciais. Desse ponto de vista, o Estado se apresenta como aqui-

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lo que é: o avalizador do processo de acumulação. Como, porém, trata-se de um Estado democrático, ele por vezes tem de apre-sentar-se como aquilo que não é (o defensor do interesse de to-dos) a fim de se legitimar ou de diluir as tensões quando estas se mostram insuportáveis. Os trabalhadores são os pacientes da violência legalizada que assegura a sua exclusão do acesso aos meios de produção. Na Paraíba, a violência no campo tem assumido, ao longo do tempo, as mais diversas formas: despejos, destrui-ções de casa e de lavouras, prisões arbitrárias, torturas e assassina-tos. Nas áreas de conflito, nas greves dos canavieiros, dezenas de homens, mulheres e crianças foram espancados e feridos a bala. Várias lideranças perderam sua vida, vítimas da mão armada do latifúndio no nosso Estado. A grande maioria desses crimes - alguns deles praticados à luz do dia e na presença de autoridades públicas - permanecem na mais completa impunidade: os man-dantes e executores - cujos nomes são de conhecimento público - não foram levados a julgamento e presos, o que é demonstrativo da omissão, quando não da cumplicidade do poder público. En-tre as vítimas fatais do latifúndio nas duas últimas décadas do século XX relembramos: JOSÉ SILVINO (CRUZ DO ESPÍ-RITO SANTO - 1981); MARGARIDA MARIA ALVES (A-LAGOA GRANDE - 1983); ANASTÁCIO ABREU E LIMA (RIO TINTO - 1984); SEVERINO MOREIRA (ITABAIANA - 1988); ZÉ DE LELA E BILA (CONDE - 1989 e 1990); PAULO GOMES (MAMANGUAPE - 1995) (v. mapa da vio-lência no campo in: MOREIRA, 1996). Todos eles pagaram com a vida a temeridade de lutar pela conquista dos direitos mais ele-mentares da cidadania, de opor-se aos interesses do capital agrá-rio, de sonhar com uma sociedade onde a terra, fonte de vida, fosse um bem acessível a todos.

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Capiítulos de Geografia Agrária da Paraíba 323

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QUADRO XXXIII

ESTADO DA PARAÍBA ACAMPAMENTOS DE TRABALHADORES

SEM TERRA (MAIO/1996)

MUNICÍPIO Nª DE

ORDEM ACAMPAMENTO ÁREA (ha) NO. DE FAMÍ-

LIAS

Alagoa Grande 01 Fazenda Gomes 687,0 75

Campina Grande 02 Boa Esperança 484,0 29

Conde 03 Jacumã/Tabatinga 1.927,0 109

Pitimbu 04 Marinas do Abiaí sem informação 80

Sousa 05 Acauã sem informação 113

Sapé 06 Açude das Graças sem informação 101

07 Sapé (imóveis São José, Santa Luzia, Santa Cruz e Gamelei-ra)

sem informação 267

Fonte: Incra/Pb e CPT/Pb, maio de 1996

QUADRO XXXIV

.ESTADO DA PARAÍBA

UNIDADES DE MEDIDA DE COMPRIMENTO, DE ÁREA E DE PESO UTILIZADAS NO CORTE E PLANTIO DA CANA

UNIDADES PARAÍBA

De Comprimento braça (2,2 metros)

De Área cubo (2,2 metros) conta (12X13 braças, ou 755m2)

De Peso tonelada carga (100 kg)

Fonte: LAT/UFPB. In: ADISSI & SPAGNUL. Convenções Coletivas: quantificando o roubo dos patrões. Proposta. Ano IV, n°. 42. Rio de Janeiro. Out. 1989.

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324 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXXV

ESTADO DA PARAÍBA

ÁREAS DESAPROPRIADAS ENTRE 1966 E 1990

LOCALIZAÇÃO/ MUNICÍPIO

No. DE ORDEM

NOME DO IMÓVEL

ÁREA (ha) No. DE FAMÍLIAS

Itabaiana 01 Fazenda Urna* 162,1214 26

Conde 02 Tambaba* a. 90,5025 19

03 Gurugi II 592,9685 78

Conde Alhandra/

Pitimbu

04 05 06

Mucatu Andreza Garapu

1.669,4000 3.995,6000 2.200,0000

208

Alagoa Nova 07 Cajá 284,9458 35

08 Engenho Geraldo 2.181,0034 436

Alagoinha 09 Cajá 274,7002 35

Araruna 10 Baixio do Riachão 755,8750 46

Santa Rita 11 Águas Turvas 357,2769 31

Jacaraú 12 Jacarateá 127,7687 15

Alhandra 13 Subaúma I 588,6997 98

14 Subaúma II

15 Árvore Alta 1.270,4994 272

Rio Tinto 16 Pic Rio Tinto 18.742,9000 826

17 Campart II 1.883,9499 135

Dona Inês 18 Fazenda Sítio 1.813,7196 82

Barra de Santa Rosa 19 Fazenda Quandu 1.408,7033 47

Pedras de Fogo 20 Fazendinha 612,3446 77

Tacima 21 Fazenda Vazante 559,7310 36

Salgado de São Félix 22 Alagamar-Piacas 1.137,1664 198

23 Piacas 805,5093 88

TOTAL 41.515,3856 2.788

*Desapropriadas pelo Estado a. Subjúdice até julho de 1996 Fonte: Incra/Pb, Fundap/Pb.

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QUADRO XXXVI

ESTADO DA PARAÍBA ÁREAS ADQUIRIDAS ATRAVÉS DE COMPRA PARA FINS

DE REFORMA AGRÁRIA

LOCALIZAÇÃO/ MUNICÍPIO

NOME DO IMÓVEL

ÁREA (ha)

No. DE FAMÍLIAS

Areia Engenho Cipó* 187,9 32

Alagoa Grande Engenho Mares* 1.103,9 45

Quitéria** 167,7 52

Alagoa Nova Engenhoca* 382,3 49

Cachoeira Pedra Dágua* 242,3 40

Gravatá* 183,1 48

Alagoinha Promissão/Mumbuca* 175,3 40

Ribeiro Grande** 65,5 28

Alhandra Salgadinho* 61,6 09

Araruna Varelo de Cima* 164,0 17

Fazenda Carnaúba* 183,0 57

Serra Verde 100,0 42

Calabouço*** 486,3 24

Bananeiras Engenho Goiamunduba* 374,5 41

Mata Fresca* 89,1 09

Cana Brava* 69,0 04

Baixa Verde* 195,0 31

Nova Vista** 79,9 29

Cumati I e II** 106,7 23

Caaporã Muitos Rios* 416,8 30

Cacimba de Areia Barragem da Farinha 278,9 151

Campina Grande Paus Brancos* 1.180,0 70

Fazenda Velha 93,6 52

Conde Paripe/CapimAçu*** 288,0 60

Paripe III*** 137,2 25

Colinas do Conde 90,5 18

Esperança Bela Vista* 70,0 17

Fazenda Maniçoba* 93,0 18

Itabaiana Santa Clara* 125,5 35

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326 Emília Moreira e Ivan Targino

Imaculada Garra**** 194,8 08

Jericó Açude Carneiro 31,0 41

João Pessoa Engenho Velho* 328,5 90

Mumbaba 39,5 43

Mogeiro Benta Hora 69,8 11

Pedras de Fogo Engenho Novo I* 311,1 40

Corvoada*** 151,4 32

Pilar Barra de São José 48,2 14

Pitimbu Camucim*** 964,5 37

Apasa 1.100,0 153

Salgado de São Félix Maria de Melo (Alagamar)***

758,4 74

+ Santo Antonio (Alagamar) *** 163,7 39

Teixeira Cachoeira e Maturéia**** 534,2 25

Pedra Lavrada**** 141,7 15

Sumé Sucuru* 130,8 43

TOTAL 12.607,1 1.874

*Imóveis adquiridos através da Fundap (atual Interpa) ** Imóveis adquiridos através do Convênio Incra-Procanor ***Imóveis adquiridos através do Convênio Incra-Funterra ****Imóveis adquiridos com recursos Incra/Bird

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QUADRO XXXVII

ESTADO DA PARAÍBA ÁREAS DESAPROPRIADAS ENTRE 1993 E 1996

LOCALIZAÇÃO/ MUNICÍPIO

NOME DO IMÓVEL

ÁREA (ha)

No. DE FAMÍ-

LIAS

Alagoa Nova / Massaranduba

Cabaças ou Imbiras(1995) 500,0000 34

Chã do Bálsamo(1994) 500,0000 34

Araçagi Santa Lúcia (1996) 1.041,0000 100

Conde Barra de Gramame(1993) 771,1199 74

Caaporã Retirada/Capim de Chei-ro(1994)

577,0000 103

Pedras de Fogo Nova Tatiane(1994) 209,8000 30

Engenho Aurora 407,0000 104

Pitimbu Sede Velha do Abiaí(1993)í 310,2088 49

Primeiro de Março(1993) 205,8357 34

Teixeirinha(1993) 248,6948 33

Corvoada(1993) 342,0000 30

Barra de Cima do Abia-í(1993)*

296,5107 51

Monteiro Santa Catarina(1993) 3.697,4500 345

Cruz do Espírito Santo Engenho Santana(1993) 374,7555 55

Massangana(1996) 3.100,0000 402

Engenho No-vo/Agropar(1996)

762,0000 101

Campo de Sementes e Mu-das(1996)

207,0000 45

Lucena Estivas do Geraldo(1993) 467,3800 81

Salgado de São Félix Sítio Souza(1993) 500,0000 50

Fazenda Campos(1993) 500,0000 50

São Miguel de Taipu Itabatinga(1995) 660,1366 107

Amarela 1(1995) 523,2500 56

Amarela 2(1995) 523,4500 42

Engenho Novo II(1994) 348,3732 57

Engenho Novo-Quinhão 9B(1995)

? ?

Engenho Novo = Quinhão 9C(1995)

? ?

Engenho Novo- Quinhão 8 e parte do

Quinhão 9 (1996)

? ?

Bananeiras Fazendas Reunidas Sapucai-a(1995)

1.363,0000 100

Campina Grande Fazenda Santa Cruz* ? ?

* Subjúdice Fonte: Incra/Pb

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328 Emília Moreira e Ivan Targino

QUADRO XXXVIII

ESTADO DA PARAÍBA

ÁREAS DE CONFLITO NÃO SOLUCIONADO MAIO/1996

MUNICÍPIO No. DE ORDEM

IMÓVEL SITUAÇÃO ATUAl

Alagoinha 01 Fazenda Genipapo I sem denúncia desde 1986

02 Fazenda Genipapo II sem denúncia desde 1986

03 Fazenda Cumarú/Jacaré sem denúncia desde 1986

Alagoa Grande 04 Fazenda Vertentes sem informação

05 Fazenda São Francisco sem informação

06 Fazenda Santa Rosa sem informação

07 Fazenda Gomes o mais grave conflito do Estado

08 Fazenda Caiana em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

09 Fazenda Alvorada sem informação

Araruna 10 Fazenda Serra Verde/Jatobá sem denúncia recente; com programação de

vistoria pelo Incra

11 Fazenda Serra da Confusão sem denúncia recente; com programação de

vistoria pelo Incra

12 Alto Grande em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

Aroeiras 13 Fazenda Guariba de Cima sem denúncia desde 1986

Areia 14 Fazenda Santa Rosa sem informação

15 Fazenda Lava Pés sem informação

Areia (cont.) 16 Fazenda Várzea do Coati sem informação

17 Fazenda Almécega com processo de aquisição em tramita-

ção

Alagoa Nova 18 Fazenda Imbira/gleba 4 em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

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Alagoa Nova/Alagoa Grande 19 Fazenda Sapé em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

Alagoa Nova/Massaranduba 20 Fazenda Imbira/gleba 2 em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

21 Fazenda Salgadão sem denúncia recente

Bananeiras 22 Fazenda Caulim I/Carvalho Conflito sem solução; com decreto, porém

subjúdice

23 Fazenda Caulim conflito em andamen-to

24 Engenho Manitu sem denúncia de violência; processo de

aquisição em anda-mento

25 Fazenda São José sem denúncia de violência; processo de

aquisição em anda-mento

26 Fazenda Riacho São Domingos Processo de desap. em tramitação

Borborema 27 Fazenda Samambaia sem denúncia desde 1986

Bonito de Santa Fé 28 Acampamento de Viana sem informação

29 Fazenda Umbuzeiro sem informação

Belém 30 Fazenda Genipapo prenúncio de acirra-mento do conflito.

Com ação de despejo

Campina Grande 31 Fazenda Serrotão sem denúncia desde 1986

Conde 32 Fazenda Tabatinga/Jacumã em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

Cruz do Espírito Santo 33 Fazenda Milagres sem denúncia desde 1985

34 Fazenda Engenhoca sem informação

Duas Estradas 35 Fazenda Santa Rosa sem informação

Guarabira 36 Fazenda Maciel sem denúncia desde

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330 Emília Moreira e Ivan Targino

1986

Itabaiana 37 Fazenda Salomão o proprietário oferecu o imóvel à venda ao

Incra

Lagoa de Dentro 38 Fazenda Pitombeira sem informação

39 Sítio Gravatá proprietário concorda com a venda

Massaranduba 40 Boa Idéia em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

Monteiro 41 Fazenda Tigre-Torres conflito em andamen-to

Mamanguape 42 Fazenda Capim/Pindoba em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

43 Fazenda Ribeiro em vias de solução; com Dec., aguardando lançamento de TDA para ajuizamento da desapropriação

Pilar 44 Engenho Corredor sem denúncia desde 1992

Pilões 45 Fazenda Ouricuri sem denúncia desde 1986

Pedras de Fogo 46 Fazendas Corvoada e Jatiúca em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

47 Fazenda Tabatinga II conflito sem violência

48 Fazenda Santa Emília conflito de grande proporção

São Miguel de Taipu 49 Engenho Novo /Quinhão 09D conflito em andamen-to

50 Engenho Novo/Quinhão A conflito em andamen-to

Sousa 51 Acauã em vias de solução; com Dec. aguardando lançamento de TDA para ajuizamento da desapropriação

Serra da Raiz 52 Fazenda Pau d’Árco sem informação

São José do Rio do Peixe 53 Mata dos Galdinos sem informação

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331

54 Sítio Três Irmãos/Açude Pilões sem informação

Tacima 55 Fazenda Maniçoba sem denúncia recente; processo de desapro-priação em tramitação

56 Fazenda Pão de Açúcar sem denúncia recente; processo de desapro-priação em tramitação

Pitimbu 57 Fazenda Marinas do Abiaí conflito em andamen-to

Rio Tinto 58 Praia de Campina conflito em andamen-to

Santa Rita 59 Tambauzinho prenúncio de grande conflito

Sapé 60 Açude das Graças conflito em andamen-to

61 Fazendas São José

em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

62 Santa Luzia em vias de solução; com Decreto, aguar-dando lançamento de TDA para ajuizamen-to da desapropriação

63 Santa Cruz conflito persiste; com processo de desapro-priação tramitando em

Brasília Sapé 64 Gameleira conflito persiste; com

processo de desapro-priação tramitando em

Brasília

Riacho dos Cavalos 65 Açude Público Riacho dos Cavalos

sem informação

Fonte: Incra/Pb; CPT/PB.

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332 Emília Moreira e Ivan Targino

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