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CAPÍTULO 1
CINCO SÉCULOS DE HISTÓRIA
José Augusto Colodel*
* Historiador em Santa Helena
2
1.1 O OESTE PARANAENSE COMO ESPAÇO GEOGRÁFICO. MAS QUAL ESPAÇO?
Saí daqui um dia [Santa Helena] e fui a Foz do
Iguaçu. Era tudo estrada de obrage, que entrava pra
cá e pra lá. Eu me perdi. Peguei uma estrada
errada, fui dezoito quilômetros pro centro do mato!
Era tudo obrage!
(José Pedretti – depoimento) 1
Logo de início queremos ressaltar que a adoção da Mesorregião Oeste do Estado do
Paraná, enquanto espaço delimitado de estudo, não carrega em seu bojo o falso pressuposto de
que ele independe do espaço maior que o cerca, seja ele geográfico, histórico ou cultural. Não
temos a idéia de resgatar, fazer – isso seria muita pretensão! - ou abrigarmo-nos numa espécie
de história micro-regional, fragmentada ou descompromissada. O que ambicionamos é
descobrirmos alguns elementos que nos permitam identificar a história desta região para
melhor estudá-la, compreendê-la e torná-la de conhecimento público. Essa é a nossa tarefa
primordial!
Mas volta a questão da delimitação geográfica. Porque tal conformação? Que critérios
foram usados para adotá-la? Porque?
Para não nos prolongarmos demasiadamente, afirmamos que em última instância o
elemento que nos levou como historiadores a dimensioná-la dessa maneira foi a existência e
marcante influência do sistema de obrages em toda essa região. Nesse sentido, foi a presença
dessas propriedades e/ou explorações, já típicas desde o século XIX no território argentino,
que determinou sobremaneira nossos horizontes geográficos de pesquisa.
Nós vamos falar detalhadamente dessas obrages no transcorrer deste texto, mas
queremos adiantar que elas não representavam uma forma de exploração meramente
econômica. 2 Longe disso. Elas carregavam em si e manifestavam todo um universo sócio-
1 PEDRETTI, José. Obrages & companhias colonizadoras: Santa Helena na história do Oeste paranaense até 1960. Entrevista. 2 Salientamos que também governo argentino contribui para a decadência das obrages no Oeste paranaense e mato-grossense, a partir do momento em que incentivou e até subsidiou o plantio científico de ervais no
3
cultural específico. Assim, as obrages aparecem nesta região como um elemento histórico
diferenciado, único dentro da própria história do Paraná. Em resumo, são os seus limites
máximos de expansão que nos darão os contornos da região a ser estudada.
A sua presença no Oeste paranaense por mais de cinqüenta anos deixou marcas
fortíssimas – e não poderia ser diferente. As áreas de terras adquiridas pelas companhias
colonizadoras a partir da década de 1940 e os territórios dos futuros municípios que seriam
criados teriam como uma primeira base geográfica as antigas obrages. Foram as obrages a
maior demonstração da falta de interesse que a região despertava junto as autoridades
estaduais e federais e também foram elas as responsáveis pela nacionalização das áreas de
fronteira, levada a efeito por Getúlio Vargas logo após ter sido vitorioso com a chamada
Revolução de 1930. Alguns anos antes, em 1924-25, as tropas revolucionárias que dariam
origem à Coluna Prestes combateram na região e juntamente com os repórteres que a
acompanhavam fizeram in loco uma radiografia nada alentadora da presença das obrages nos
sertões oestinos. As obrages ficaram conhecidas a nível nacional, e isso era o que os
obrageros não queriam!
As obrages apresentam-se como a pedra de toque e a derradeira presença espanhola –
mais especificamente argentina - no Oeste paranaense. É o epílogo de uma história que
remonta ao século XV, quando o Tratado de Tordesilhas definiu que mais de 90% do atual
território do Estado do Paraná pertencia à Coroa Espanhola. É sobre essa história que vamos
falar.
Termos como obrages, obrageros, mensus, barracón e antecipo não soarão tão
estranhos a partir de agora.
território de Missiones. Assim o fez para diminuir sua dependência da erva-mate brasileira. A partir da década de 1930 o governo argentino dobrou a carga tributária para a importação da erva-mate. Assim, quando se inicia a nacionalização da região pelas autoridades brasileiras, as obrages já mostravam claros sinais de inviabilidade econômica.
4
1.2 O OESTE PARAENSE: UMA HISTÓRIA DE PORTUGUESES, ESPANHÓIS E INDÍGENAS3
Foi lá pelo final do século XV que os reinos de Espanha e Portugal resolveram,
finalmente, dividir entre si os vastos domínios que haviam descoberto na América. Desse
acordo resultou o tão famoso Tratado de Tordesilhas, assinado formalmente em 7 de junho de
1494 na cidade espanhola de mesmo nome. Traçando uma linha imaginária de Norte a Sul da
América pensavam, ingenuamente, resolver os problemas e desavenças diplomáticas que
vinham tendo desde que colocaram os seus pés na América.
Através desse meridiano, coube à Espanha toda a região que atualmente o território
paranaense, incluindo, naturalmente, toda a Região Oeste. Assim, não é de estranhar que
desde o início do século XVI os espanhóis resolveram levar a efeito suas primeiras viagens de
exploração aos territórios que lhes pertenciam pelo Tratado de Tordesilhas.
Já durante os primeiros meses de 1516 o aventureiro espanhol João de Solís penetrou
no Estuário do Prata. Tendo desembarcado nas costas da atual República do Uruguai, sofreu
violento ataque indígena da nação Guarani. Não resistiu e ali mesmo morreu juntamente com
a maioria dos soldados que compunham essa expedição pioneira. Os sobreviventes retornaram
pelos domínios portugueses. O azar os perseguia e no litoral de Santa Catarina uma das
caravelas que compunha a esquadra naufragou. Os náufragos tinham o comando de Aleixo
Garcia e nos contatos que mantiveram com os indígenas tomaram conhecimento de um
suposto império no oeste onde a prata era abundante. Em 1521 voltaram em busca desse
império de prata.
Para tanto, usaram-se de uma antiga rede de caminhos indígenas 4 , sendo o que eles
utilizaram chamado de Peabiru.
3 As linhas a seguir baseiam-se essencialmente em COLODEL, José Augusto. Portugueses, espanhóis e indígenas: os conflitos pela posse da Região Oeste manifestam-se desde cedo. Capítulo I. Obrages & companhias colonizadoras: Santa Helena na história do Oeste paranaense até 1960. Cascavel: Assoeste, 1988. p. 21-50. 4 Partindo da Capitania de São Vicente, em São Paulo, essa vasta rede de caminhos que possuía uma direção geral Leste-Oeste, atravessava todo o território paranaense indo dar no rio Paraná na altura da foz do rio Piquiri. Saindo do atual território brasileiro, ele cortava o Chaco paraguaio até chegar aos planaltos peruanos e dali ao Oceano Índico.
5
Percorrendo o Peabiru em penosa viagem, Aleixo Garcia chegou aos Andes, onde
conseguiu amealhar porções de ouro e prata das tribos indígenas ali radicadas. Munidos de
imensa fortuna, empreenderam a viagem de volta. Novamente os indígenas hostis estavam
atentos e emboscaram a caravana matando muitos dos seus componentes, inclusive o seu
comandante. Os remanescentes carregando o fruto da pilhagem em ouro e prata, foram dar no
litoral catarinense, de onde as façanhas da expedição de Aleixo Garcia e a notícia da
existência de fabulosas riquezas se espalharam como fogo ao vento.
Um dos muitos que tiveram conhecimento dessas notícias foi Sebastião Caboto, outro
aventureiro espanhol. Nessa época ela estava assentado no litoral de Pernambuco e não
perdeu muito tempo em montar uma expedição que viesse até a agora conhecida região da
Bacia do Prata. Obstinado, burlando a negativa de seus superiores, Caboto chegou ao litoral
catarinense em 1527. Dali, comandando dois navios, rumou célere em direção ao rio da Prata.
Na confluência desse rio com o Carcanhará fundou um porto que seria a sua base para as
futuras penetrações em direção às riquezas indígenas. A povoação ali estabelecida seria
batizada com o nome de Sancti Spiritu. Essa importante base de operações seria, anos mais
tarde, destruída pelos índios. De um modo geral as tentativas de Caboto em por as mãos na
prata indígenas fracassaram quase que inteiramente. Homem de métodos violentos, desde
cedo foi hostilizado pelas tribos existentes na região. As suas investidas tinham via de regra
resultados desalentadores.
Enquanto esses aventureiros espanhóis faziam as primeiras explorações e penetrações
no território platino, os seus rivais portugueses não se mantiveram alheios ao que vinha
acontecendo. Afinal, ouro e prata eram as riquezas que moviam o mundo conhecido e
sustentavam a posição dos reinos metalistas de Portugal e Espanha.
Já por volta de 1531, expedições de aventureiros portugueses iniciam por conta
própria sua corrida particular ao Prata, tendo como ponto de partida o rio Amazonas, o rio da
Prata e também por longos e quase insuperáveis caminhos terrestres.
Como não poderia deixar de ser, as investidas portuguesas ao ocidente do Paraná
começaram a preocupar as autoridades espanholas, que não queriam dividir de maneira
6
alguma os despojos em ouro e prata que poderia arrebanhar naqueles territórios que estavam
sob sua jurisdição pelo Tratado de Tordesilhas.
A alternativa encontrada para consolidar definitivamente a bandeira espanhola
naqueles domínios era a fundação de um aglomerado urbano que servisse como pólo
comercial e centro irradiador das expedições que para lá se deslocavam. Deveria servir
também como um aquartelamento militar que oferecesse proteção segura aos súditos do Reino
de Espanha. Deveria ficar bem claro aos ambiciosos portugueses que toda aquela porção do
território americano estava firmemente em mãos espanholas. O tempo iria demonstrar que tal
pretensão não resistiria ao ímpeto dos aventureiros portugueses.
De Madri veio a ordem para que fosse organizada uma grande expedição ao Prata. A
armada era comandada pelo mercenário Pedro de Mendonza. Sua especialidade era o saque e
a destruição. Fizera fama e fortuna na Europa, chegando a ganhar o título de Dom como
recompensa pelos saques que cometera em terras italianas, notadamente em Roma.
Pedro de Mendonza partiu da Espanha em 1535 e em 3 de fevereiro do ano seguinte
concretiza a fundação de um porto que deliberou denominar de Nuestra Señora del Buen
Aires, constituindo dessa maneira a base do primeiro Adelantado espanhol do Rio da Prata.
Subindo esse rio fincou as bases de duas novas povoações: Corpus Christi e Nuestra Señora
de Buena Esperanza. Iniciava-se, assim, a presença definitiva da gente espanhola em terras da
Bacia do Prata. Após ter fundado Buenos Aires, Pedro Mendonza achou por bem retornar à
Espanha. Morre na viagem de volta. Fica como seu substituto João de Ayolas.
A conquista das terras do Prata não se dava de maneira pacífica, embora os primeiros
contatos entre as tropas de João Ayolas e os índios tivessem sido relativamente pacíficos. Os
espanhóis logo abandonaram a política da boa vizinhança e passaram a investir brutalmente
sobre as tribos indígenas, utilizando-se para tanto de métodos sanguinários. Aldeias eram
completamente destruídas pela passagem dos espanhóis. Os homens eram assassinados e as
mulheres violentadas. Nem mesmo as crianças eram poupadas. Os naturais da terra se
revoltaram e passaram a combater desesperadamente os invasores de além mar. Não demorou
muito para que todas as povoações fundadas pelos espanhóis sofressem o assédio belicoso dos
indígenas. Muitos dos seus habitantes foram mortos e o restante teve que se abrigar em
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Buenos Aires. O próprio Ayolas foi vitimado pela violência que trouxe para a região. Foi
emboscado e morto em terras paraguaias.
Não querendo compartilhar da sorte de Ayolas, Domingos Martinez de Iralas, seu
companheiro e braço direito, fugiu desenfreadamente e fixou acampamento em Candelária,
onde mais tarde foi encontrado por outras expedições. Essas expedições permaneceram em
Candelária por algum tempo e depois rumaram para o Sul onde fundaram um novo
acampamento, estrategicamente localizado num terreno que oferecia excelentes condições de
defesa aos possíveis ataques indígenas. Esse acampamento recebeu mais e mais aventureiros,
cresceu e deu origem à cidade de Assunção.
Sob o comando de Irala, Assunção logo passou a exercer grande influência sobre o
destino dos espanhóis que se concentravam no Prata.
Note-se que qualidades administrativas de Irala logo se fizeram sentir. Enérgico,
organizado e inflexível em suas decisões, deu início a todo um trabalho de melhorias nos
núcleos urbanos que sobreviveram aos ataques indígenas, quais sejam: Buenos Aires, Corpus
Cristi e Boa Esperança. Usando de métodos violentos logrou impor rígida disciplina.
Consolidou na ponta da lança tanto a lei como a ordem espanholas. Com os poucos soldados
que tinha sob o seu comando jamais teria conseguido atingir aos seus intentos. Para tanto,
contou com a ajuda inestimável dos guerreiros da nação Guarani, que a ele aliaram-se porque
estavam envolvidos em mais de uma das suas incontáveis guerras com as tribos vizinhas.
Tendo conseguido firmar sua liderança frente ao restante dos aventureiros espanhóis,
voltou seus olhos ao que realmente lhe interessava, ou seja, a espoliação das riquezas
indígenas e o eventual objetivo de povoamento de toda aquela região. O Adelantado do Rio
da Prata tem um novo comandante-supremo.
Como nem tudo é o que se pretende que seja, o destino reservou mudanças profundas
na vida de Irala, e elas tiveram como origem a Corte espanhola. Acontece que o imperador
Carlos V achou por bem designar um novo Adelantado para capitanear o governo de
Assunção. A escolha do imperador recaiu sobre os ombros de um cavalheiro conhecido como
Alvar Nuñez Cabeza de Vaca.
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Desejoso por conhecer seus futuros domínios e súditos, Cabeza de Vaca empreendeu
viagem ao Rio da Prata. Corria o ano de 1541.
Iniciou a marcha a 18 de Outubro de 1541 [...] depois de dezenove dias de marcha por florestas e montanhas, chegaram às aldeias dos índios Guaranis [...] no dia 1º de Dezembro a expedição varou o Iguassú ou Água Grande e, dois dias depois, o Tibagi [...] levava, portanto, a caravana na direção Noroeste (...) resolveu, então, marchar para o Sul, chegando a 14 de Janeiro de 1542 às margens do Iguassú [...] poucos dias depois chegavam à Foz do Iguassú, atravessando o rio Paraná, auxiliado pelos Guaranis [...] no dia 11 de Março de 1542 entrou em Assunção após uma peregrinação de seis meses. (FIGUEIREDO, 1937, p.68-70).
O temperamento de Cabeza de Vaca é completamente diferente do de Irala. Chegando
em Assunção resguarda-se em indolência e cerca-se de um “luxo que é incompatível com a
vida de Assunção e se descuidando no trato com os indígenas”. (CHMYZ, 1976, p. 68). É
somente no ano seguinte que decide fazer uma incursão à Serra do Prata. Quem deveria
comandar essa expedição era Irala, Cabeza de Vaca não o deseja. Confronto de interesses e
ciúmes reinarão em Assunção a partir desse episódio. Ao retornar, em 1544, Cabeza de Vaca é
obrigado a enfrentar um articulado motim popular que o destitui das suas funções
administrativas e políticas como Adelantado. Escorraçado de Assunção é obrigado a juntar
suas malas e voltar para a Espanha. Certo foi que a partida de Cabeza de Vaca não bastou para
acalmar os ânimos em Assunção. Partidários de Irala e Cabeza de Vaca passaram a admoestar-
se na defesa dos interesses de seus chefes. O conflito derrubou por terra as conquistas
administrativas e políticas de Irala. Quem se saiu bem nessa história foram os indígenas que,
na luta para sobreviverem, procuravam se unir a um grupo ou outro, na esperança de tirarem
um pouco de benefício da situação.
Enquanto estava no poder Irala levou adiante seu projeto de subir o rio Paraná até o
Tietê. O povoamento gradual da margem esquerda do Paraná era benéfico aos interesses
espanhóis à medida em que ampliava os seus domínios.
Não se esquecia em nenhum momento que os portugueses procuravam chegar ao
Prata, partindo do litoral atlântico por caminhos terrestres. Já os espanhóis procuravam o
caminho inverso, já que a porção oriental da América encontrava-se sob jurisdição
portuguesa.
9
Tendo atingido a porção setentrional do rio Paraná, Irala determinou ao seu
comandado Garcia Rodrigues de Vergara que por ali fundasse um núcleo urbano. Serviria ele
de ponta-de-lança para as futuras penetrações pelos sertões circunvizinhos. O núcleo de
Ontiveros nasceria na margem do rio Paraná com essa função. Isso no ano de 1554.
Entretanto, ele teve vida curta e logo foi abandonado.
Foi em 1556 que o próprio Irala incumbiu ao capitão Ruy Diaz Melgarejo da fundação
de um outro vilarejo espanhol naquela região. Essa comunidade recebeu o nome de Ciudad
Real, sendo que os seus primeiros habitantes foram uma centena de espanhóis deslocados de
Assunção. (SILVEIRA NETTO, 1914, p. 93). Diferentemente do que ocorreu com Ontiveros,
Ciudad Real logrou progredir. Ali foi incentivado o plantio de gêneros alimentícios
diversificados, a criação de alguns animais e a exploração da erva-mate nativa, que chegou a
ser comercializada anos mais tarde com algumas reduções jesuíticas do Rio Grande do Sul.
Parece que a procura de metais preciosos não foi coroada de sucesso.
Mas quem podia esquecer do ouro e da prata! Foi sempre procurando esses metais e
estando sempre atentos aos rumores que denunciavam a sua presença que os espanhóis
seguiam em frente. A Leste de Ciudad Real fundaram um outro núcleo populacional, o qual
chamaram de Vila Rica do Espírito Santo. O ano de sua fundação ainda é incerto, mas deve ter
sido entre 1570 e 1576.
Deixemos essa narrativa por uns instantes, para que possamos relatar uma outra
história não menos interessante e não menos importante para os destinos desta Região.
1.3 UMA HISTÓRIA DE MISSIONÁRIOS E INDÍGENAS
Em meio a todo esse processo de reconhecimento, penetração, exploração e
povoamento rarefeito efetuado na região do Guairá5, a Igreja Católica, através da ação da
Companhia de Jesus6, foi protagonista de ações muito importantes.
5 O termo, Guará ou Guairá, foi retirado do nome de um cacique que exerceu forte influência nessa região à época da fundação da Ciudad Real. 6 A Companhia de Jesus constituiu-se numa sociedade missionária que foi fundada no ano de 1534 por Santo Inácio de Loyola. Seu objetivo primordial era a defesa do catolicismo diante da Reforma Protestante e também
10
Essa participação dá-se desde o momento em que os espanhóis estabelecem suas
primeiras povoações no Prata. Dentro dos quadros administrativos e funcionais dessas
comunidades existiam setores denominados de reduções organizadas ou de colônias de
naturais. Tais setores estavam sob o comando de um clérigo, que tinha como função
catequizar os indígenas que estavam sob a sua tutela. Embora tivessem certa autonomia para a
realização de seu trabalho, esses religiosos deviam prestar obediência ao comandante militar
da comunidade, aceitando os ditames de ordem e disciplina por ele explicitados. E foi nesse
aspecto que começaram a brotar discordâncias cada vez maiores entre os clérigos e os
aventureiros espanhóis. Os religiosos pretendiam levar adiante um trabalho que gostavam de
chamar de pacificador, levando a fé cristã ocidental aos indígenas, vistos como pagãos e sem
alma. Pretendiam, em suma, a conquista espiritual dos silvícolas, passando por cima de toda a
tradição histórico-cultural que estes haviam adquirido vivencialmente com o passar dos
séculos. Já os aventureiros espanhóis tinham planos completamente diferentes para os
indígenas que haviam caído caídos em suas mãos ou se encontravam sob a sua esfera de
influência. Além de espoliarem as suas riquezas, seqüestrarem e molestarem suas mulheres,
violarem o seu legado cultural, queriam também usá-los como mão-de-obra nas tarefas mais
pesadas da comunidade. Queriam também arregimentá-los como soldados sem soldo na
conquistas das tribos que ainda lhes eram hostis.
É fácil percebermos que tanto aventureiros como religiosos exerciam atitudes de
exploração e opressão. Os primeiros exerciam-nas de maneira mais violenta, brutal. Já os
religiosos procuraram adotar mecanismos mais sutis, mas nem por isso mesmo diferentes. A
cruz e a espada, nesse sentido, caminhavam passo a passo. A conquista espiritual ou corporal
era o que se pretendia! Foi o que se fez!
Como as divergências crescessem dia a dia, os religiosos deliberaram afastar-se das
comunidades espanholas e montar seu projeto catequizador em outros lugares. Embrenharam-
se mata adentro e organizaram e fundaram aldeamentos totalmente administrados por padres
da Companhia de Jesus, auxiliados por civis. São esses aldeamentos que ficarão conhecidos
pelo nome de Reduções Jesuíticas.
difundi-lo nas novas terras descobertas no Ocidente e Oriente. No Brasil, os primeiros jesuítas chegam em 1549, comandados pelo padre Manoel de Nóbrega. Em 1759 são expulsos pelo marquês de Pombal sob a alegação de que a Companhia havia se tornado quase tão poderosa quanto o Estado. O envolvimento dos jesuítas nos conflitos ocorridos nas reduções jesuíticas da região do Guairá serviu como pretexto para expulsá-los do Brasil.
11
No Ano de Nosso Senhor de 1600 as autoridades administrativas espanholas sediadas
em Assunção acham por bem transformar a Ciudad Real em sede da Província de Guairá. É
tanto ali como em Vila Rica do Espírito Santo, a partir de 1610, que os jesuítas iniciam mais
sistematicamente suas tarefas de catequese frente junto aos indígenas e também aos espanhóis
ali residentes. Entendiam os jesuítas que a situação espiritual desses últimos era lastimável.
Importante, muito importante. É através da Província del Guairá e pela atividade
missioneira dos jesuítas, que a Coroa espanhola amplia a sua presença e o seu campo de
atuação no atual Oeste paranaense. A atividade dos jesuítas ocorre num ritmo tão frenético
que em menos de vinte anos mais de uma dezena de Reduções Jesuíticas foram criadas por
todo o Oeste do Paraná, tendo como limite máximo de expansão o rio Tibagi. (Mapa 01)
Como eram bem administradas pelos padres da Companhia de Jesus, as reduções
tiveram um grau de desenvolvimento material bastante acentuado. À medida que levavam
adiante a doutrinação religiosa dos indígenas – facilitada pelo fato de que os mesmos ficavam
restritos aos espaços físicos que compunham as reduções – os missionários também
adestravam-nos como uma apta e laboriosa mão-de-obra. 7
1.3.1 REDUÇÕES JESUÍTICAS: UM EXEMPLO DE ADMINISTRAÇÃO E ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIAS
Quando nos detemos para observar o caráter organizacional das Reduções Jesuíticas
no Guairá, de pronto sobressai-nos a excelência do modo de vida comunitário quando
tratamos das relações sociais ali estabelecidas. Por exemplo, todas as terras eram trabalhadas
em regime comunal, sendo que o produto colhido – milho ou mandioca – era repartido entre
todos os membros da Redução. Havia também a criação de gado, que era feita em pastos
comuns até o momento em que era abatido. A carne e o couro eram distribuídos igualmente
entre todos.
Homens e mulheres tinham que realizar tarefas determinadas. Os homens tinham
como centro de interesse a agricultura e a criação de gado, dentre outras. Já às mulheres era
reservado o trabalho de artesanato. Além da alimentação, também eram elas que proviam a
7 Devemos ter em mente que as Reduções, além de produzirem os meios essenciais para a sua subsistência, passaram também a comercializar produtos que lhes eram excedente. Uma outra significativa fonte de renda eram as remessas de erva-mate nativa que eram colhidas nas proximidades das Reduções e comercializadas em vários pontos da região.
12
Redução das peças de vestuário, aproveitando peças de tecidos de lã e de algodão, feitos ali
mesmo. Na verdade, a Redução era quase auto-sustentável, já que tinha entre os seus membros
artesãos, carpinteiros, pedreiros, tecelões, pintores, ferreiros, estatuários e fundidores.
Quem se encarregava de toda a área educacional eram os padres, afinal a catequese
dos indígenas era o seu principal objetivo. Das aulas todos os membros da Redução tinham
que participar, não importando se fossem crianças ou adultos. Os adultos tinham suas aulas
em horários especiais, quando estavam livres dos seus afazeres diários.
Toda a safra colhida era depositada em grandes barracões, espécie de armazéns gerais.
Ali ficavam bem abrigados das intempéries os produtos colhidos, retirados somente para o
consumo dos moradores da Redução ou para serem vendidos ou trocados por outros gêneros.
Num dos ótimos e indispensáveis livros produzidos pela historiografia paranaense 8
dos anos sessenta nos é ensinado que as aldeias respeitavam normas de planejamento urbano,
sendo “divididas em quadras que umas davam para a praça, de forma quadrada ou retangular,
situada no centro da povoação. A igreja, as casas dos padres, a escola, as oficinas, os
depósitos e o cemitério, geralmente, em um único lado, enquanto nos demais estavam os
edifícios com as habitações para as famílias indígenas”. (BALHANA et ali, p. 52). Os
indígenas habitavam em casas de taipa, ou seja, casas de barro feitas à mão, casas de pau-a-
pique.
Não demorou muito tempo e os espanhóis que moravam em outras comunidades
começaram a ficar enciumados com a prosperidade alcançada pelas Reduções Jesuíticas. As
Reduções haviam se estabelecidos e se firmado como concorrentes comerciais dos mais fortes
e atuantes. Além disso, estavam centralizando grandes contingentes de mão-de-obra indígena,
que preferiam ficar sob a guarda dos padres do que sobre a chibata dos aventureiros-militares
espanhóis. Esses, que se consideravam os verdadeiros súditos do Rei de Espanha, não se
conformavam com essa situação e logo tomaram medidas drásticas a respeito.
8 BALHANA, Altiva Pilatti et alli. História do Paraná. Vol. 1. Curitiba : Grafipar, v. I, 1969.
13
As Reduções Jesuíticas estavam, sem que os padres da Companhia de Jesus tivessem a
menor desconfiança, com os anos contados. A ciumeira dos aventureiros espanhóis não foi
nada quando comparada com a avidez portuguesa por aquelas terras e por escravos.
1.4 UMA HISTÓRIA DE BANDEIRANTES E DE ESCRAVOS
Concomitantemente com a confrontação entre os espanhóis e os jesuítas, à Leste, nos
domínios lusitanos, a carência de mão-de-obra também se fazia sentir nas grandes
propriedades rurais paulistas. Quem trabalhava de sol a sol eram os escravos provenientes de
mama África, mas a sua remessa não era suficiente para as demandas locais, embora o tráfico
de escravos estivesse funcionando regularmente. Além de chegarem ao Brasil em números
insuficientes, os escravos iam se tornando cada vez mais caros, pela famosa lei da oferta e da
procura. Sendo assim, o que fazer? Escravizar os indígenas que podiam ser aprisionados em
território inicialmente controlado pela Coroa portuguesa. Foi o que fizeram. Mas dados os
azares demográficos, também os escravos indígenas logo rarearam e a falta de braços para a
lavoura começou a pesar cada vez mais. O negócio foi passar por cima da linha imaginária
conhecida como Meridiano de Tordesilhas e lançar mão aos milhares de índios que habitavam
toda a porção ocidental do atual território do brasileiro – com o Oeste paranaense incluído é
óbvio.
Como a necessidade é a mãe de todas as atitudes, já nos primeiros anos do século
XVII bandeirantes 9 oriundos de terras de São Vicente internaram-se nos domínios espanhóis
com o firme propósito de aprisionar os indígenas que encontrassem para depois vendê-los aos
senhores fazendeiros paulistas. No mercado de escravos o preço obtido por cada índio
capturado era ótimo e compensava todos os riscos enfrentados por essas expedições de
pilhagem.
A notícia da presença de aventureiros portugueses na região do Guairá caiu como um
raio entre as comunidades espanholas. Mais temerosos ainda ficaram os missionários da
9 Responsável pela incorporação de cerca de dois terços do atual território nacional à Coroa portuguesa, o bandeirantismo pode ser dividido, em linhas gerais, em duas fases: até meados do século XVII, as expedições bandeirantes dirigiram-se ao Sul à cata de indígenas para serem escravizados; daí para frente seu interesse maior foi a busca de metais e pedras preciosas.
14
Companhia de Jesus. As queixas espanholas desaprovando essas invasões territoriais são cada
vez mais veementes. O Governo da Capitania de São Paulo responde que também as
desaprova, mas que por falta de recursos materiais e humanos não pode fazer muita coisa. Na
verdade, as autoridades paulistas davam total apoio às expedições bandeirantes. Os interesses
comerciais e políticos falavam bem mais alto do que a obediência de meras formalidades
diplomáticas expostas num tratado que tinha tudo para ser descumprido.
Os portugueses, em vez de refrear seu ímpeto pela captura de mão-de-obra escrava,
aumentam-no cada vez mais. Como se não bastasse escravizar os indígenas que viviam
espalhados pelas tribos no Guairá também começaram a atacar de modo sistemático e
impiedoso as Reduções Jesuíticas estabelecidas naquela região. Saliente-se que o ataque a
essas Reduções revestia-se de uma enorme vantagem aos portugueses à medida em que os
indígenas ali aldeados já haviam sido completamente domesticados pelos jesuítas;
constituindo-se numa farta reserva de mão-de-obra previamente disciplinada.
Os jesuítas, atacados violentamente pelas expedições portuguesas e não contando com o apoio integral dos espanhóis que ali habitavam, viram suas Reduções serem devastadas num ritmo incrivelmente veloz. Comandadas pelo bandeirante Antônio Raposo Tavares, as expedições portuguesas lograram destruir todas as Reduções do Guairá no espaço de tempo de apenas quatro anos! De 1629 a 1632. (COLODEL, 1988, p. 33 )
Dos quarenta mil índios aldeados na Província do Guairá, restavam somente doze mil
em 1631!
Diante das investidas portuguesas, as Reduções jamais foram restauradas e os
indígenas que delas sobreviveram fugiram ou foram transferidos pelos jesuítas cada vez mais
para o interior. Contigentes indígenas atravessaram o rio Iguaçu. Outros chegaram ao
território paraguaio, onde fundaram uma outra comunidade de nome Vila Rica.
Durante o êxodo dos jesuítas pelos rios Paranapanema e Paraná até a região do Paraná-
Uruguai, constantes também foram os ataques perpetrados pelos próprios espanhóis, que se
aproveitaram da oportunidade para arrebanhar alguns índios e reduzí-los à escravidão. Dos
aldeamentos existentes, somente os de Santo Inácio Mini e Nossa Senhora de Loreto
conseguiram escapar ilesos dessa tragédia, por se situarem na região mais setentrional das
terras paranaenses.
15
As investidas portuguesas não se resumiram aos ataques às Reduções Jesuíticas.
Povoações espanholas também não conseguiram escapar à sua fúria. Tanto que, Vila Rica e
Ciudad Real tiveram que ser abandonadas em 1632, após terem sido assediadas pelas
expedições militares paulistas.
Essa rotina de saques e destruição somente chegaria a termo lá por volta de 1641,
quando os remanescentes jesuítas e indígenas organizam-se e derrotam a Bandeira de
Jerônimo Pedroso de Barros e Manuel Pires, junto ao rio Mbororé. Após mais de meio século,
os paulistas conhecem o sabor amargo da derrota. Porém, essa vitória isolada em nada
contribuiria para reverter uma situação que se impunha como nova.
A presença das bandeiras paulistas na porção ocidental do território paranaense teve
como contrapartida o surgimento de novos delineamentos políticos e econômicos em toda
essa imensa região, até então controlada exclusivamente pelos interesses espanhóis. Agindo
de maneira tempestuosa e destruidora, as Bandeiras serviram como fator decisivo para a
desarticulação e rompimento da expansão espanhola rumo ao Oceano Atlântico – expansão
que tinha como ponta-de-lança as Reduções Jesuíticas. Sendo obrigados a abandonar toda a
região compreendida pela margem esquerda do rio Paraná, os espanhóis deixaram o caminho
livre para que se estabelecesse o uti possidetis português naquelas paragens ainda
diplomaticamente pertencente ao Reino de Espanha.
A presença portuguesa por toda esta região vai se impondo com os anos. O Meridiano
de Tordesilhas há muito que foi ultrapassado e vai perdendo sua magnitude delimitatória.
Finalmente, em 1750 é celebrado o Tratado de Madri, o qual confirma diplomaticamente as
novas fronteiras entre os domínios espanhóis e portugueses. O Oeste paranaense é ratificado
como português, sendo o rio Paraná a fronteira natural com as possessões espanholas.
Com a destruição das Reduções Jesuíticas e das demais povoações espanholas no
Guairá, a margem esquerda do Paraná vê-se num estado de quase completo abandono. Afinal
de contas os portugueses tinham interesses nos indígenas que podiam escravizar e esses
abandonaram aquela área. Assim, deserta e sem atrativos econômicos ou políticos, ficaria por
mais de uma centena de anos.
16
Chegamos ao século XIX. Agora não serão mais as pedras e metais preciosos ou o
preamento de indígenas a serem escravizados os fatores que atrairão novos interesses para o
Oeste paranaense. Novos produtos estão em destaque. Erva-mate e a madeira é o binômio
econômico que desperta a cobiça de novos aventureiros.
Serão novamente os espanhóis e seus descendentes os responsáveis pelo processo de
exploração econômica dessas novas riquezas vegetais. Só que, o retorno desses aventureiros
ao Oeste paranaense se dará de maneira muito mais organizada. Durante um vasto espaço
temporal exercerão completo controle político e econômico em todas as esferas de interesses
representativas. Para tanto, muitas vezes contaram com a impotência e incompetência
administrativas das autoridades governamentais brasileiras, seja pelo abandono ou pela
adoção de uma política de colonização equivocada.
Seja como for, a presença estrangeira no Oeste paranaense terá como conseqüência a
estruturação de um universo social típico, com formas de exploração e dominação específicas;
alicerçadas no mandonismo local e tendo como pólo irradiador verdadeiros impérios agrários
– as obrages.
1.5 A COLÔNIA MILITAR DE FOZ DO IGUAÇU É CRIADA, MAS A REGIÃO É O PARAÍSO DOS
OBRAGEROS10
A história da ocupação moderna do Oeste paranaense tem se apresentado aos
historiadores com um balizamento temporal bastante nítido e que pode ser vislumbrado a
partir da Segunda metade do século XIX. O grande acontecimento desse período é a
deflagração da Guerra do Paraguai, que se prolongará sangrentamente de 1865 a 1870.
Milhares de mortos, feridos e mutilados são o saldo desse conflito que pintou de vermelho a
Bacia do Prata. Após o seu término, o Paraguai, completamente arrasado, viu-se derrocado
pela Tríplice Aliança, formada pelo Império do Brasil, Argentina e Uruguai.
10 O texto que se segue foi originariamente escrito para ser parte integrante do livro Matelândia: história & contexto, de nossa autoria e publicado no ano de 1992.
17
Nem terminou a guerra e surgiu entre segmentos da oficialidade do Exército Imperial,
notadamente aqueles ligados ao Ministério da Guerra, a idéia da criação de uma Colônia
Militar no Extremo-Oeste paranaense. Entendiam que esta região tinha um valor estratégico
muito grande e não podia ficar desguarnecida. Deveria ser criada e funcionar como um
bastião da defesa nacional nessas fronteiras. O prolongado conflito contra o Paraguai havia
demonstrado cabalmente o quanto era temerário deixar nossas fronteiras abandonadas. Além
disso, entendia-se que essa Colônia Militar deveria abrigar sob a sua jurisdição um núcleo
urbano, ponto inicial da colonização e povoamento de toda a região.
A fundação da Colônia Militar ficou no papel até o ano de 1888. O período
compreendido entre o término da Guerra do Paraguai e esse ano foi marcado por
acontecimentos que a obscureceram. Não podemos nos esquecer que esses anos são cruciais
para o movimento abolicionista, finalmente vitorioso com a Lei Áurea de 1888, e para os
embates entre militares e civis, os quais culminariam com a Proclamação da República, em
1889.
O ano de 1888 é decisivo porque é nele que Thomaz José Coelho de Almeida, um
político voltado aos interesses das classes militares, assume a pasta do Ministério da Guerra.
Como Ministro da Guerra um dos seus primeiros atos foi a criação de uma Comissão
Estratégica, com encargos extremamente ambiciosos em todo o território nacional. 11 A
criação dessa Comissão agradou em muito os militares que defendiam abertamente, desde o
fim da Guerra do Paraguai, a fundação de uma Colônia Militar na foz do rio Iguaçu e a
retomada dos interesses nacionais no Oeste paranaense.
A chefia da Comissão Estratégica foi entregue ao capitão Belarmino de Mendonça
Lobo, que achou por bem escolher a cidade de Guarapuava como o centro nervoso dos
trabalhos da Comissão. A escolha de Guarapuava era porque esta cidade era o centro urbano
mais próximo da região ser explorada.
11 Dentre outras tarefas, caberia a essa Comissão Estratégica a construção de uma estrada de rodagem ligando as cidades de Porto União a Palmas; ligar Palmas até Guarapuava; de Guarapuava abrir uma estrada até atingir o rio Cobre; seguir por este rio até a confluência com o rio Piquiri; seguir o curso deste rio até a foz do rio Paraná; atravessar este rio e chegar no Estado do Mato Grosso. Naquele Estado deveria proceder à construção de estradas estratégicas que facilitassem a sua interação com o restante da região explorada e, o que mais nos interessa neste texto, descobrir a foz do Iguaçu e ali iniciar a fundação de uma Colônia Militar.
18
Não tardou e Guarapuava transformou-se num enorme acampamento, com homens e
fartas quantidades de suprimentos chegando regularmente. O corpo técnico da Comissão era
formado por quatorze oficiais do Exército, especialistas em diversas áreas de conhecimento.
Dentro desse quadro de pessoal, foi nomeado o engenheiro militar e 2º tenente José
Joaquim Firmino para a tarefa de comandar o destacamento que teria a honra de descobrir a
foz do rio Iguaçu.
As providências destinadas a aparelhar e organizar a expedição sediada em
Guarapuava demoraram algumas semanas. Foi somente em fins de novembro de 1888 que se
iniciaram os trabalhos de abertura das picadas que seguiriam até a foz do Iguaçu. Quem
pensou que seria fácil chegar até lá se enganou redondamente. A abertura dessa picada, com
três metros de largura, caminhava a passo de tartaruga em meio à mata fechada, perigosa,
insalubre. quase instransponível. Avançava resoluta a expedição, transpondo a mata com
golpes de facão, machados, usando serras e enxadas. E assim foi durante sete meses e vinte
dias; suportando chuvas torrenciais, cobras, animais selvagens, aranhas venenosas e enxames
de vorazes mosquitos.
Um dos maiores inconvenientes era a falta de abastecimento regular via Guarapuava.
Nessas ocasiões ficava a expedição à mercê do clima, nem sempre favorável. Aos homens
restava a alternativa alimentar representada pela da caça da anta, porco do mato, veado, dentre
outras. Quando chovia demais os homens eram obrigados a montar acampamento e esperar
pacientemente que o tempo melhorasse. Barracas de lonas eram montadas no meio da mata.
Protegiam precariamente dois homens que muitas vezes, encharcados, contraíam fortíssimas
gripes e resfriados, os quais não sendo bem tratados transformavam-se nas perigosas
bronquites.
Como se tudo isso não bastasse, a expedição foi a responsável por uma descoberta
inesperada e muito desagradável para os militares que a comandavam. Aquele sertão não era
de maneira alguma inexplorado e desabitado como se supunha. Mas como é que pode?!
Acontece que a expedição deparou-se com uma série inequívoca de vestígios que
denunciavam a presença estrangeira naquelas paragens. Mais do que isso, provas concretas da
19
existência de exploração comercial e ilícita tanto da erva-mate como da madeira nativas, aliás
abundantes e ricas em variedade na região.
Compunha esta expedição um sargento vindo do Rio de Janeiro, de nome José Maria
de Brito. Testemunha ocular dessa descoberta inesperada, deixou-nos escrito o espanto e a
excitação que tomaram conta da turma que abria a picada até o rio Paraná.
Constatada a existência da picada (...) os homens da turma que estavam presentes, experimentaram tanta emoção, tão forte, tão viva que não puderam falar.
- Que caminho é este diziam uns. - D’onde vem diziam outros
Todos estavam dominados por uma ânsia sem limite. (BRITO, 1938, p. 59).
Passado o susto, adentrando na picada encontrada, viram-se os homens da expedição
frente a frente com um acampamento composto por ervateiros paraguaios. Surpresa também
do lado paraguaio, que jamais esperava ver militares brasileiros naquelas matas. Esse primeiro
contato entre brasileiros e paraguaios revelou por primeiro a existência de uma grande rede de
exploração da erva-mate oestina por comerciantes estrangeiros. Outros acampamentos e
picadas foram descobertos mais tarde, comprovando o início da devastação que já estavam
sendo vítimas as nossas reservas de erva-mate e de madeira. O contrabando era uma atividade
muito usada e bem conhecida já naqueles anos.
A frente expansionista oriunda da Argentina já ultrapassara as suas fronteiras e
penetrara ilegalmente no território brasileiro, onde dera início à montagem de uma sofisticada
rede de contrabando que tinha como principal via de comunicação o rio Paraná; como
veremos adiante.
Tendo tomado contato com a região onde deveria ser futuramente fundada a Colônia
Militar, retorna para Guarapuava, em 1889, a expedição comandada por Joaquim José
Firmino.
Nem bem Firmino assentou poeira em Guarapuava e já uma segunda expedição estava
sendo preparada a toque de caixa. A pressa tinha suas raízes na descoberta das picadas e dos
acampamentos paraguaios. Os militares ficaram decepcionados e sobretudo alarmados, não
20
poupando severas críticas às autoridades imperiais que a seu ver eram culpadas por deixaram
a região naquele estado de completo abandono. Reafirmavam que desde o término da Guerra
do Paraguai vinham alertando o governo de que esta região encontrava-se desguarnecida e
sujeita à cobiça estrangeira e que este provara sua inépcia em resolver a questão.
No Rio de Janeiro o Ministério da Guerra recebeu o relatório encaminhado por
Firmino e tomou medidas imediatas. Em resposta ordenou que a Colônia Militar deveria ser
fundada o mais breve possível por uma segunda expedição. Como ordens são ordens, esta
expedição partiu de Guarapuava no dia 13 de setembro de 1889, comandada agora pelo 1º
tenente Antônio Batista da Costa Júnior, sendo composta por “34 soldados, 12 operários civis,
3 mulheres casadas com soldados, 4 tropeiros encarregados da tropa com 34 cargueiros,
carregados com víveres, material, bagagem, etc.”. (BRITO, 1938, p. 44).
Por ordem de seu comandante foi construído um depósito a meio caminho de
Guarapuava e o futuro núcleo de Catanduvas. Espera assim resolver os constantes problemas
de abastecimento que atormentaram a expedição do tenente Firmino. O local onde estava esse
depósito foi batizado de Chagú e seria muito útil aos viajantes que atravessariam aquelas
matas em direção à foz do Iguaçu.
Atendendo ordens recebidas do Ministério da Guerra, a expedição determinou que os
acampamentos encontrados fossem desmontados e que os paraguaios retornassem para o seu
país, pois se encontravam em território brasileiro ilegalmente. Nos anos subsequentes a tarefa
de policiamento da região tornou-se praticamente impossível pelo tamanho da área a ser
patrulhada, pelo pequeno número de efetivos e pelo grande número de aventureiros
paraguaios e argentinos que se encontravam espalhados pela mata. Continuaram num ritmo
cada vez mais intenso a retirada ilegal da erva-mate e da madeira. Estando já há muitos anos
indo e vindo pelo Oeste paranaense, argentinos e paraguaios conheciam muito bem essa
região, o que não acontecia com os militares brasileiros.
A segunda expedição chegou finalmente à foz do rio Iguaçu em 22 de novembro de
1889, em plena vigência do regime republicano, proclamado no dia 15. Foram mais de dois
meses de marcha. No dia 23 foram iniciados os trabalhos de fundação e instalação da Colônia
21
Militar. No primeiro edital ficou autorizada a concessão de lotes a todos os interessados que
ali desejassem matricular-se. Iniciava-se formalmente a presença brasileira no Extremo Oeste
paranaense.
Nos meses que se seguiam o problema que mais afligia a diminuta população que
residia na Colônia Militar era a precária via de comunicação terrestre com Guarapuava. A
picada havia sido provisoriamente aberta mas era praticamente intransitável. Para melhorar
suas condições de tráfego foi ordenado que se formassem turmas de trabalhadores que teriam
a função de alargar e melhorar o seu leito.
Os trabalhos de conservação eram intermináveis, o mato insuperável, o calor
escaldante, as chuvas constantes e as moléstias transformavam a empreitada em epopéia. As
longas distâncias a serem vencidas pelas turmas de trabalhadores abatia-lhes o ânimo. Para
diminuir tais agruras a Comissão Estratégica, logo no início dos trabalhos, resolveu criar o
posto de abastecimento de Catanduvas, hoje município do Oeste paranaense. O lugarejo
prosperou em torno do depósito destinado a abastecer as turmas de trabalhadores, os viajantes
que eventualmente percorriam a região e a própria Colônia Militar de Foz do Iguaçu. O
estafeta do Correio também ali parava.
O tempo corria célere e a Colônia Militar ali permanecia, na foz do Iguaçu,
praticamente isolada dos outros centros urbanos mais populosos pela falta de vias de
comunicação adequadas. Esse isolamento em nada contribui para que a Colônia Militar
pudesse levar a contento a missão de policiar e dar início ao povoamento brasileiro na região.
Estava como que de costas para o restante do território paranaense e de frente para os vizinhos
platinos. E foram eles que passaram a monopolizar a vida social e econômica da margem
esquerda do rio Paraná – de Guaíra a Foz do Iguaçu. É óbvio e compreensível que os
comerciantes platinos não tivessem nenhum interesse que a Colônia Militar prosperasse e que
atraísse para sua órbita levas de novos moradores. Em vez de contribuir para o progresso da
Colônia, esses comerciantes procuraram obstaculizá-lo.
Além da picada que ligava a Colônia Militar a Guarapuava, o outro caminho usado era
o rio Paraná. Aliás a navegação fluvial por esse rio era muito mais rápida e eficiente do que o
22
caminho terrestre e era completamente controlada por empresas de navegação argentinas e
paraguaias.
Os transtornos eram diários. A alimentação vinda da Argentina para Foz do Iguaçu era
de baixa qualidade e o seu preço era exorbitante.
Os gêneros fornecidos não eram bons e a carne seca que vinha de Posadas [cidade argentina à margem do rio Paraná] coberta de uma camada branca de bolor, continha além dos ossos das costelas, todas a vértebras, buxo, língua, beiços, etc., só faltando o couro para complementar o peso dessas apetitosas mantas de belíssimo xarque. (ABREU, 1896, p. 20).
Muitas vezes os vapores deixavam propositadamente de entregar no prazo certo as
mercadorias encomendadas pelos habitantes de Foz. Resumindo, os brasileiros eram vistos
como estranhos e até mesmo como intrusos num território que era legitimamente seu!
Nem nas transações cambiais a moeda brasileira tinha valor. O nosso dinheiro tinha
um valor de troca imensamente inferior ao peso argentino e ao guarani. Essa diferença
cambial ficou praticamente inalterada até a década de 1930, apesar das medidas tomadas pelo
governo brasileiro para amenizá-la.
A Colônia batia de frente com todo tipo de dificuldades, mas mesmo assim crescia,
lentamente, mas crescia. Cândido Ferreira de Abreu 12 nos conta que em 1905 cinqüenta e oito
famílias já haviam adquirido seus lotes. Além dessas, o restante da população era composto
por paraguaios que viviam da extração da erva-mate e de argentinos que dominavam em todas
as atividades comerciais urbanas. Perambulavam por ali também alguns indígenas, reduzidos
ao estado de pura mendicância.
Em 1892 o Ministério da Guerra entendeu que as tarefas da Comissão Estratégica
haviam sido cumpridas e que ela deveria se desmembrar da Colônia Militar, pois a mesma
estava num patamar de desenvolvimento que lhe permitia caminhar com as próprias pernas. A
Colônia continuaria a receber subvenções do Governo Federal e a Comissão Estratégica
ficaria restrita aos trabalhos de conservação da estrada Guarapuava-Foz do Iguaçu.
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A saída da Comissão Estratégica em nada ajudou a vida da Colônia. As autoridades
governamentais haviam estabelecido que a Colônia deveria ser um centro agrícola e pastoril.
Nada disso estava acontecendo. As poucas famílias de colonos que haviam se instalado nos
lotes cedidos pela Colônia estavam pouco a pouco abandonando a atividade agrícola e se
voltando para a extração da erva-mate nativa – este sim o grande negócio da região, o mais
lucrativo. Era extraída em quantidade, sem quaisquer escrúpulos. As próprias autoridades
policiais faziam muitas vezes vista grossa ao que estava acontecendo, recebendo em troca
algum incentivo pecuniário.
Além da erva-mate, a madeira de lei, as melhores espécies, também eram derrubadas.
As toras, depois de retiradas da mata e transformadas em planchas tinham como destino o rio
Paraná, onde eram embarcadas nos vapores de bandeira argentina que seguiam céleres para os
portos de Corrientes e Missiones. Assim se procedia, desde Guaíra até Foz do Iguaçu!
A extração comercial da erva-mate e da madeira no Oeste do Paraná assentou-se num
modelo de exploração que ficou conhecido pela história como obrages. Permanecem em
franca atividade por mais de meio século. É sobre elas que falaremos agora. Sobre elas e
sobre a navegação a vapor pelo rio Paraná.
1.6 UMA NOVA HISTÓRIA DE ESPANHÓIS. AS OBRAGES, OS OBRAGEROS E SEUS MENSUS
Durante os mais de cinqüenta anos em que essas companhias estrangeiras ficaram no
Oeste paranaense explorando suas riquezas vegetais, sua mão-de-obra era na sua quase
totalidade composta por trabalhadores vindos de terras paraguaias. Eram os chamados
guaranis modernos. Propunham-se trabalhar braçalmente nas obrages e eram conhecidos na
lida como mensus. O termo tem sua equivalência ao nosso peão, sendo que o trabalho desses
mensus era pago mensalmente ou pelo menos a sua conta era assim movimentada. Caso
queiramos procurar a raiz etimológica da expressão mensu descobriremos que ela vem do
espanhol e quer dizer mensual, ou seja, mensalista.
12 ABREU, Cândido Ferreira de. Colônia Militar do Iguaçu – 1905. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, Curitiba, v. 22, p. 129-135, 1974.
24
Definidos os mensus, vamos caracterizar o que foram as obrages. Elas nada mais eram
do que imensos domínios rurais que se estabeleceram no Oeste paranaense e também na
porção sul do Estado do Mato Grosso. O termo também é castelhano e vem designar as
propriedades e/ou explorações instaladas onde havia a predominância da paisagem de clima
subtropical tanto na Argentina como no Paraguai. Foi nesses países, desde o início do século
XIX, que as obrages surgiram, desenvolveram suas características norteadoras, fixaram seus
objetivos e delimitaram seus espaços de atuação.
Existiam unicamente para a exploração intensiva dos produtos que abundavam em
suas áreas. É claro que tais produtos tinham que ter uma excelente rentabilidade comercial. A
cobertura vegetal servia para ser retirada e não havia o menor interesse por parte dos
obrageros que essas áreas fossem povoadas ou atraíssem moradores que nelas se fixassem. A
colonização estava completamente descartada. A obrage só despertava interesse enquanto
tivesse lucratividade. Quando suas reservas vegetais se esgotavam, as obrages eram de pronto
abandonadas. Também não havia interesse no replantio dessas espécies vegetais. Investimento
mínimo com retorno absoluto esse era o princípio econômico que regia as obrages. Esse
princípio servia ainda mais caso a obrage fosse localizada em território estrangeiro, como era
o caso do Oeste paranaense. (mapa 02)
Os obrageros se intrometem no Oeste paranaense quando as obrages que possuíam em
terras argentinas começam a declinar, tornar-se deficitárias. 13 Chegam e logo vislumbram a
riqueza que estava ao alcance de suas mãos. A conjuntura econômica de mercados era
francamente favorável, sendo a procura por erva-mate e madeira magnífica e os lucros
auferidos imensos. A erva-mate era consumida em larga escala em todo o mercado platino e a
madeira era bastante procurada na própria Argentina facilmente exportada para os Estados
Unidos e para o Canadá, por ótimos preços.
13 Na Argentina as obrages desenvolveram-se principalmente nas províncias de Missiones e Corrientes. Nessas regiões alicerçaram-se basicamente na extração de madeira. A erva-mate nativa não compensava a sua exploração intensiva. Além disso, “Corrientes como Missiones, sobretudo este último, eram territórios argentinos de baixa densidade demográfica, localizados no extremo nordeste argentino”. (WACHOWICZ, 1982, p. 45).
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1.7 NO RIO PARANÁ SÓ NAVEGAM VAPORES ARGENTINOS E PARAGUAIOS
Para facilitar o escoamento desses produtos, os capitalistas argentinos organizaram e
controlaram a navegação pelo rio Paraná, a principal artéria de comunicação com todo o
Oeste paranaense e Sul do Mato Grosso. Nos primeiros anos do século XX, “cerca de 18
portos se abrem na costa brasileira, da foz do Iguassú para cima, para dar passagem às hervas
e madeiras extraídas dessa riquíssima e opulenta zona, e dos quais os mais importantes são: o
Bela Vista, o Leonor, o Hoco-y, o Sol de Maio, o São Vicente e o São Miguel ”.
(NASCIMENTO, 1903, p. 107-108). A única embarcação de nacionalidade brasileira presente
nas águas do rio Paraná era um vaporzinho pertencente à repartição aduaneira e que para lá
foi enviado em 1907. Só esse.
Em 1914, quando iniciou-se a Primeira Grande Guerra, as águas do Paranazão eram
sulcadas por nada menos que cinco vapores argentinos e paraguaios. Eram embarcações
grandes e confortáveis, pesando cerca de duzentas toneladas. Havia também lanchas e chatas
que subiam e desciam o grande rio. Possuindo o controle da navegação, os obrageros
detinham em suas mãos os vistos de entrada e de saída para a região. Podiam evitar a fuga dos
mensus e a entrada de elementos tidos como indesejáveis aos seus interesses. O que os
obrageros não queriam é que suas atividades em terras paranaenses fossem divulgadas ao
grande público.
Para se chegar ao Oeste paranaense, notadamente a Foz do Iguaçu, que era o nosso
centro populacional mais significativo, longos e penosos eram os caminhos. Caso o viajante
teimasse em vir por terra, o trajeto era o seguinte: partindo da cidade de Curitiba ele deveria
seguir até Ponta Grossa por estrada de ferro; de Ponta Grossa até Guarapuava, fazendo uso de
estradas de rodagem em lamentável estado de conservação; de Guarapuava até Foz do Iguaçu
ele tinha necessariamente que seguir pela picada aberta pela Comissão Estratégica, que teria o
seu leito razoavelmente melhorado somente em 1920.
Domingos Nascimento, que dedicou a essa região um roteiro de viagem de inegável
valor histórico, faz-nos um relato por demais interessante do trecho compreendido pela picada
que ligava Guarapuava a Foz do Iguaçu.
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As florestas cada vez mais acumuladas, os caminhos cada vez mais horrorosos. Nem um raio de luz penetra essas amplas cathedraes de silencio e de mistério. Porque, meus senhores, os perigos se sucedem, num abrir e fechar d’olhos. Aqui é um despenhadeiro, ali uma subida íngreme, mais alem uma ponta de tacuara que nos cae sobre o rosto ou nos deixa a roupa em frangalhos, ferindo-nos como lanças aceradas; os caldeirões, os precipícios, os troncos decepados que atravancam os caminham e nos magoam os ossos, a um simples descuido ou na desobediência da montada. (NASCIMENTO, 1903, p. 90 ).
Tendo sido concluída a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, a ligação entre
Curitiba e Ponta Grossa passou a ser feita pela Estrada de Ferro do Paraná. Por essa estrada
podia-se ir até o Paso de Los Libres e dali até Posadas, na Argentina, onde, de vapor,
chegava-se ao Iguaçu.
A viagem fluvial era aquela via Montevidéu, com escalas programadas em Buenos
Aires, Rosário, Corrientes e Posadas. Dessa localidade em direção ao Oeste paranaense três
empresas argentinas e paraguaias eram quem controlavam o transporte de cargas e
passageiros. Seus nomes: Compañia Mercantil y de Transporte Domingos Barthe, com os
vapores Tembey e Bell, que zarpavam nos dias 10, 20 e 30 de cada mês; Nuñez Gibaja
Martinez y Co., proprietária dos vapores Salto e España, que partiam dias 4, 14 e 24 de cada
mês e Juan B. Molla, dona do vapor Iberá, que saía nos dias 8, 18 e 28.
Todos esses vapores tinham como ponto de parada Foz do Iguaçu e Porto Aguirre, na
margem argentina. Dali para frente venciam as correntezas do Paraná até Porto Mendes, do
lado brasileiro.
Mas não eram somente os grandes vapores os únicos barcos que sulcavam as águas do
Paraná. Existiam outros tipos de embarcações, menores e nem por isso menos importantes.
Eram as lanchas a vapor, as chatas e as chalanas. Tinham o fundo chato, para navegarem em
águas rasas e não encalharem em bancos de areia e serviam como meio de transporte para
pequenas distâncias. Pelo seu tamanho e potência diminutos não se atreviam a navegar no
onde a correnteza era muito forte e mortífera.
Os grandes vapores serviam também como uma espécie de casas comerciais
flutuantes, vendendo ou recebendo mercadorias das povoações ribeirinhas. Para embarcá-las
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ou desembarcá-las nos lugares onde a margem do rio Paraná era muito alta – em alguns
pontos ela chegava a ter mais de uma centena de metros – era utilizado um mecanismo
engenhoso e que era conhecido como zorra. Ela consistia em duas linhas de trilhos paralelos,
com um só declive. Em cada uma dessas linhas de trilho corria um vagonete. Com a descida
de um vagonete subia outro, em direção oposta, de modo que, quando um estacionava lá
embaixo o outro parava cá em cima, na plataforma de desembarque.
Quando o negócio era o transporte de mercadorias o trabalho se desenvolvia com
rapidez, mas quando era o transporte de passageiros, ele tinha que ser feito com todo o
cuidado, mesmo porque os vagonete atingiam altíssimas velocidades e ninguém queria que
um vagonete despencasse barranca abaixo, matando seus ocupantes.
Os grandes vapores, quais aqueles do Missouri ou Mississipi, tinham grande potência
e serviam-se de duas grandes rodas laterais ou uma localizada na popa para locomoverem-se.
As lanchas e chatas eram impulsionadas por hélices instaladas na popa.
Além dessas embarcações era muito comum que pelo rio Paraná descessem as
jangadas, que são conhecidas em outras regiões do Brasil como marombas. Elas eram um
notável e perigoso artifício usado pelos obrageros para o transporte fluvial de grandes
quantidades de madeira. Como funcionava esse sistema? As árvores, depois de derrubadas e
limpas, eram levadas até a margem do rio, de onde eram lançadas à água e firmemente
amarradas umas às outras. Formava-se uma espécie de assoalho gradeado. Para obterem
melhores condições de navegabilidade e de segurança, os seus construtores amarravam
alternadamente madeiras leves e pesadas. O trabalho era tão bem feito que algumas jangadas
chegavam a ter mais de mil toras, conduzidas rio abaixo por experientes jangadeiros. No meio
das fortes correntezas do Paraná não foram poucas as jangadas que se desprenderam, se
desgovernaram e causaram a morte de seus condutores. Os caprichos do grande rio somente
poderiam ser vencidos por homens portadores de vasta experiência de pilotagem no percurso
de 120 quilômetros navegáveis do Paraná.
A navegação fluvial era, nada mais nada menos, que um apêndice necessário de todo o
complexo de exploração a que foi submetido todo o Oeste paranaense. Nasceu, floresceu e
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sobreviveu em função da extração vegetal e entrou em colapso irremediável quando o
Governo do Brasil passou a nacionalizar a região, a partir da década de 1930.
Com o estabelecimento da atividade obragera em terras paranaenses e no Sul do Mato
Grosso, os portos de Posadas - a Capital do Território de Missiones - e Corrientes passaram a
monopolizar, direta e indiretamente, as relações comerciais por todo o curso dos rios Uruguai
e notadamente do Paraná.
Corrientes é um grande mercado de madeiras. As jangadas que descem o Alto Paraná são ali modificadas; compõem-se de varias qualidades dentre as quais avultam o cedro, ipê [lapacho], o louro [peteribi], etc. O movimento comercial de Corrientes consiste ainda em gado, couro, tabaco, amendoim, polvilho de mandioca, etc. Estanceiros do Rio Grande do Sul vão ali comprar gado. Faz-se beneficiamento de erva mate brasileira e paraguaia [...] sendo depois expedida para Buenos Aires e outros departamentos. (NOGUEIRA, 1920, p. 60).
1.8 UMA TERRA DE ABANDONO E DE DESMANDOS
Era tão grande o desinteresse pelas coisas do Oeste paranaense que somente em 1913
foi criado pelo Governo do Estado do Paraná uma repartição do Serviço Fiscal. Naquele
mesmo ano instalou-se a Coletoria. Alguns anos antes, em 1904, o Governo Federal havia
instalado em Foz do Iguaçu a Mesa de Rendas.
Apesar de terem sido criadas, essas duas repartições se encontravam em estado
lamentável. Seu trabalho de fiscalização a partir da década de 1920 era praticamente
inexistente. O contrabando corria solto e a arrecadação aduaneira era irrisória. Não se achava
ninguém para se internar nesses sertões e levar adiante os serviços de fiscalização. Para os que
vinham era uma espécie de castigo. Em aqui chegando, a troco de baixíssimos salários,
sentiam-se também marginalizados e enveredavam pelos caminhos da corrupção.
A própria aplicação da justiça caminhava a passo de tartaruga. A força policial,
contava inclusive com elementos de origem paraguaia que faziam de tudo, menos cumprir a
lei. Não existiam oficiais de justiça e a sua função era exercida por algum oficial da Força
Pública do Estado do Paraná; sem qualquer habilitação.
29
Mesmo que quisesse, a força policial sediada em Foz não podia fazer muita coisa.
Seus efetivos eram medíocres, mal equipados e com salários de fome.
Se em Foz era essa a situação, imagine-se o que não acontecia nas regiões mais
afastadas. Nesses lugares vivia-se num mundo todo próprio, dominado absolutamente por
aqueles que detinham o controle econômico em suas mãos. A lei confundia-se com os mandos
e desmandos dos obrageros e seus capatazes. As obrages constituíram-se em verdadeiros
impérios exploratórios e policiais, onde os peões ou mensus situavam-se numa escala de
completa obediência e submissão.
Como se não bastasse toda a violência perpetrada pelos obrageros e seus capatazes
contra os mensus, a força policial também se excedia em procedimentos que extrapolavam em
muito seus limites legais. A convivência e mesmo conivência com os grandes obrageros era
notória e contribuía decisivamente para a manutenção do status quo social e político
reinantes.
Toda essa situação de insegurança afetava diretamente o povoamento da região. Os
poucos colonos que se estabeleceram na Foz foram abandonando suas terras já que as mesmas
eram invadidas impunemente pelos obrageros, que delas retiravam a madeira. Além disso, o
plantio de lavoura era completamente inviável. Vender para quem? Tudo isso sem
esquecermos que o mapeamento da região como um todo e das propriedades em particular era
completamente deficiente. No caso de litígios entre divisas quem sempre levava a melhor
eram os grandes concessionários de terras, pacificamente ou fazendo uso da violência
descarada. Mapas detalhados somente apareceram nos anos trinta, quando o governo
revolucionário de Vargas resolveu abandonar a política de concessão de terras na chamada
faixa de fronteira. A Constituição de 1937, promulgada sob a égide do Estado Novo,
determinou que dentro de uma faixa de 150 quilômetros ao longo das fronteiras nacionais
nenhuma concessão de terras ou abertura de vias de comunicação poderiam ser realizadas sem
a prévia autorização do Conselho Superior de Segurança Nacional.
30
1.9 PARA OS MENSUS O CHICOTE E A WINCHESTER!
O século XIX estava chegando ao fim e no território paranaense ainda haviam
vastíssimas áreas ainda despovoadas. Diante dessa realidade, o Governo Imperial e depois o
Republicano acharam por bem adotar uma política de concessão de terras. Tal política levou
em conta a construção de ferrovias, intensificada entre os anos de 1880 a 1900, que deveriam
integrar essas regiões ao restante do conjunto nacional.
No Estado do Paraná, no período conjuntural da Primeira República (1889-1930),
foram encetadas grandes concessões de terras. No Oeste paranaense imensas fatias de terras
foram adquiridas a preço vil e sobre elas assentaram-se legalmente as obrages. As principais
foram concedidas a Waldemar Matte, Miguel Matte, à Companhia São Paulo – Rio Grande;
Petry, Meyer B. Azambuja, Domingos Barthe, Nuñes y Gibajia, Companhia Maderas Alto
Paraná, Companhia Mate Laranjeira e a Julio Tomás Alica.
Eram nessas obrages que viviam os mensus, atrelados num sistema de trabalho
desgastante e opressor. A violência era a sua marca registrada.
Comecemos pelo modelo de contrato vigente para a contratação desses trabalhadores
das matas em todo o Alto Paraná. Era o cruel antecipo. Antecipo? Sim, uma espécie de
adiantamento em dinheiro – algumas centenas de pesos – dado aos mensus antes que eles
embarcassem para trabalharem nas obrages. Não se pense que o antecipo era um gesto
fraternal dos obrageros. Nada disso! Os obrageros apostavam no endividamento imediato dos
mensus. Para não correrem riscos atrasavam a viagem ao Alto Paraná por quatro ou cinco
dias. Na espera do embarque e com dinheiro no bolso os mensus caíam na farra,
embebedando-se nos muitos bares e prostíbulos existentes nos portos de Encarnación,
Corrientes e Posadas – que era de onde os vapores partiam rumo ao Oeste paranaense. Em
pouquíssimo tempo estavam sem dinheiro nos bolsos. A partir desse momento o seu destino
estava nas mãos dos obrageros; endividados antes mesmo de começar a trabalhar.
Eram os vapores que traziam a notícia de que havia trabalho nas obrages. Os primeiros
a saber eram os escritórios de contratación, que imediatamente nomeavam um comissionista
31
para fazer a seleção e contratação da mão-de-obra requerida. Seu salário era proporcional aos
números de mensus que contratava. Esses eram avaliados pelo seu vigor físico e experiência
anterior na extração da erva-mate e corte de madeira. A oferta de mão-de-obra era muito
maior do que a procura, o que facilitava o trabalho dos comissionistas, principalmente quando
se fazia o conchavo com o mensu, ou seja, o acerto salarial. Somente após ter sido feito o
conchavo o mensu recebia o antecipo e selava o seu destino nas mata paranaenses.
O trabalho dos mensus era controlado de perto por um capataz, que era um homem de
extrema confiança do obragero. Na verdade, uma espécie de feitor. Os métodos adotados pelo
capataz faziam-no temido e respeitado nas obrages. A disciplina era férrea e os atos de
violência cometidos pelos capatazes eram corriqueiros.
Dentro das obrages, os mensus eram como verdadeiros prisioneiros. Prisioneiros da
dívida gerada pelo antecipo e prisioneiros nas mãos brutais dos capatazes, porque não tinham
como deixar a obrage. Os caminhos terrestres eram temerários pela vigilância, falta de
comida, animais ferozes, insetos e pelas doenças crônicas. Aventurar-se pelas correntezas rio
Paraná, não menos vigiado, em frágeis canoas era verdadeira loucura. É claro que houveram
casos de tentativas de fugas bem sucedidas, mas a maioria levou consigo o selo do fracasso e
a morte daqueles que se dispuseram a arriscar suas vidas na aventura da liberdade.
Nas obrages, o endividamento dos mensus só aumentava. O único lugar para a compra
de mantimentos, roupas e outros gêneros de primeira necessidade era no barracón. Quase
desnecessário dizermos que ele era de propriedade do obragero. No barracón tinha a conta
corrente e a caderneta, onde todos os gastos dos mensus eram diligentemente anotados. Os
preços das mercadorias eram absurdos. Prisioneiros também do barracón e da conta corrente!
Para os mensus embrenhados na mata nem o direito de adoecer era permitido. Nos
acampamentos não havia assistência médica. A malária reinava inconteste, tendo como
companhia as doenças venéreas, picadas de cobras e insetos, fraturas, ataques de animais e os
tão comuns ferimentos com machados e facões.
32
[...] o doente. Encontrei-o deitado no chão, sobre uma enxerga [espécie de colchão rústico], naquele rancho, apresentando no rosto uma cor terrosa. A parte superior do pé direito, onde sofrera a mordedura de uma cobra jararacussu, estava toda apodrecida, cheia de larvas de moscas e exalando um cheiro fétido. (FRANCO, s/data, p. 43-44). Um outro [...] teve as pernas mordidas por carrapatos, mordeduras que se agravaram de tal modo que transformaram as regiões atacadas por esses parasitas, em duas chagas vivas. O curativo [...] consistia em revestir as partes feridas, que eram as duas pernas, do joelho para baixo, de graxa de vaca – a que era empregada no tempero do jupurá -, isso feito perto do fogo, e depois de besuntadas as feridas, agarrar um tição bem aceso e aproximar da ferida de modo que o calor fosse derretendo a graxa. Isso ele fazia porque não havia outra qualquer droga de que pudesse fazer uso, mas também porque sentia alívio com isso. (Idem, p. 38).
No caso de ferimentos ou doenças mais graves, que impossibilitassem o mensu de
trabalhar, esse era colocado de lado, abandonado ao desamparo e entregue à própria sorte.
Quem não trabalha, não rende, não come!
[um mensu] ficara adoentado de um pé, invalidado alguns dias para o serviço. Foi mandado trabalhar, e desculpou-se mostrando grande ferida aberta, vermelha como uma flor de cactus: não podia caminhar, nem manter-se de pé. Foi imediatamente despachado e mandado sair do acampamento. O infeliz não teve outro remédio que seguir quase de rastro para a colônia [Foz do Iguaçu],por um caminho todo coberto de lodaçais, distante 26 léguas [156 quilômetros]. E o mais notável é o seguinte: pedira duas espigas de milho para a viagem e lhe foram negadas! (NASCIMENTO, 1903, p. 95-96).
Atos de crueldade como esse eram sustentados pela pura e simples intimidação,
levados a efeito por verdadeiros pistoleiros. A arregimentação desses homens, escolhidos a
dedo pela suas habilidade, era fato comum e de conhecimento público. Normalmente eram
estrangeiros, argentinos, com um passado repleto de crimes em sua terra natal, de onde saíam
muitas vezes foragidos. Nas obrages cercavam-se de capangas contratados, recebiam um bom
salário e tinham a liberdade para agir como bem entendessem.
O sistema de obrages havia fincado profundamente suas raízes no Oeste paranaense;
por quase meio século. Nesses anos impôs-se como um modelo político, econômico e social.
Uma realidade própria dentro da realidade paranaense; marcada pelo isolamento geográfico e
voltada aos interesses dos capitalistas platinos, notadamente aqueles de Corrientes e
Missiones. Da exploração intensiva da erva-mate e madeira criou-se uma classe de
proprietários e comerciantes poderosos, verdadeiros senhores, montados em impérios agrários
imensos. A presença brasileira nessa conjuntura era insignificante, apenas nominal, assim
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como o eram as suas repartições públicas, fiscais e aduaneiras. Os limites do que era legal ou
ilegal passavam invariavelmente pelo crivo dos obrageros, juizes e policiais ao mesmo tempo.
Nenhuma tentativa mais séria de ocupação ou colonização foi encetada, pois não havia o
menor interesse de que tal acontecesse. Perpetuava-se o Oeste paranaense como um largo
vazio demográfico, longo e premeditado. Os poucos ocupantes resumiam-se a aventureiros de
todas as espécies, remanescentes indígenas, soldados desertores, bandidos foragidos, alguns
colonos miseráveis, paraguaios itinerantes e um punhado de policiais da Força Pública
Estadual.
Entretanto, acontecimentos completamente alheios à região iriam abalar e finalmente
desarticular as relações econômicas e de poder aqui implantados pelos obrageros. Os sinais de
mudança se anunciaram com a passagem das tropas revolucionárias em 1924-25. Rebeldes
paulistas e gaúchos, sendo dentre todos o mais notável Luiz Carlos Prestes, palmilharam e
combateram nos domínios dos obrageros. Em suas andanças e combates contra as forças
legalistas comandadas pelo então general Cândido Rondon, tomaram conhecimento in loco de
tudo o que aqui acontecia e as repercussões dos seus atos e relatos foram maiores do que se
poderia supor.
1.10 O OESTE PARANAENSE NOS CAMINHOS DOS REVOLUCIONÁRIOS DE 1924 E DE 1930
No plano político, a chamada República Velha (1889-1930) foi caracterizada também
pela primazia dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam na escolha dos
candidatos à Presidência da República. Era a política do café com leite.
Os militares, por sua vez, se comportavam de acordo com os interesses das elites
dirigentes, defendendo as relações de poder e ao status quo vigentes. Não nos deixam mentir
as intervenções do Exército Brasileiro em Canudos, no Contestado ou na Farroupilha.
Preferiam não interferir nos assuntos políticos ... por enquanto. Ainda não tinham, digamos
assim, tomado consciência da sua força e do poder que detinham nas mãos.
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A aparente harmonia existente entre os setores civis e militares começou a balançar
quando no governo de Epitácio Pessoa (1919 a 1922) foi nomeado como Ministro da Guerra o
político Pandiá Calógeras. Era uma afronta para o Exército ser comandado por um elemento à
paisana e não por um militar de carreira. Os protesto foram inevitáveis.
A situação política se agravou ainda mais quando no já tradicional revezamento entre
Minas e São Paulo, para escolha do candidato a presidente, foi indicado o mineiro Arthur
Bernardes. Esse nome não gradou nem um pouco as oligarquias riograndenses, que se
entendiam fortes para também pleitear uma candidatura de sua própria escolha. Criou-se então
a conhecida Republicana, com apoio dos Estados de Pernambuco e Rio de Janeiro e tendo
como candidato o carioca Nilo Peçanha. Entretanto, a máquina eleitoral da dupla café com
leite fez-se pesar e Arthur Bernardes ganhou as eleições presidenciais realizadas em março de
1922.
O convívio entre Arthur Bernardes e alguns segmentos militares nunca foi tranqüilo.
Piorou quando o presidente mandou prender Hermes da Fonseca, por este ter descumprido
ordens de intervir em Pernambuco e prender opositores ao governo. Três dias depois de sua
prisão, rebelaram-se no dia 5 de julho de 1922 os 18 do Forte de Copacabana e a Escola
Militar, no Rio de Janeiro. A repressão foi instantânea e o movimento deu em nada. Os meses
seguintes foram marcados por processos contra os militares envolvidos na conspiração de
julho. Carreiras foram cortadas, oficiais partiram para o exílio e para a clandestinidade. Essa
derrota não os abateu. Continuaram se reunindo, se articulando, conspirando. Tinham que
derrubar Arthur Bernardes. Uma nova intervenção armada foi planejada e executada.
O movimento teve data marcada para eclodir. A escolha foi pelo dia 5 de julho de
1924; exatamente dois anos após o episódio dos 18 do Forte. Guarnições militares se
rebelaram em São Paulo, Bela Vista, Mato Grosso, Aracaju e Manaus. Com exceção de São
Paulo, onde os rebeldes chegaram a ocupar a Capital, a revolta foi imediatamente sufocada
nos demais Estados. Um completo fracasso!
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Cercados por forças leais a Arthur Bernardes, em maior número, os rebeldes
abandonam São Paulo e penetram no Oeste Paranaense. É a chamada Coluna Paulista,
comandada por Izidoro Dias Lopes.
Em 31 de agosto de 1924 é capturado o Porto São José, a primeira localidade
paranaense ocupada pelas tropas rebeldes. Desse porto ocupam Guaíra enquanto o restante da
Coluna Paulista desce vagarosamente o rio Paraná. Porto Mendes é tomado em 15 de
setembro e no dia 19 cai Porto Britânia. De lá, um batalhão é enviado em direção a
Guarapuava, com ordens de não ultrapassar Catanduvas.
A vanguarda rebelde que tomou Guaíra não perdeu tempo e marchou célere pela
margem esquerda do Paraná, atingindo Foz do Iguaçu. Tomou aquela cidade com apenas dez
homens, sob o comando de Juarez Távora! Com a queda de Foz todo o Oeste paranaense
encontrou-se em mãos revolucionárias.
O contingente rebelde contava com aproximadamente três mil homens, contra dez mil
soldados das forças governamentais, comandados pelo General Rondon.
Na noite de 28 para 29 de outubro, quando a Coluna Paulista já se encontrava fundo
no Oeste paranaense é que dá-se o levante comandado por Luíz Carlos Prestes no Rio Grande
do Sul. Da mesma forma que ocorrera em São Paulo, os rebeldes gaúchos são derrotados e
perseguidos, sendo obrigados a se dirigirem ao Paraná. Era a chamada Divisão Rio Grande.
Por aqui as tropas da Coluna Paulista investem a partir da localidade de Belarmino
contra as forças do governo estacionadas nos Montes Medeiros. O ataque fracassa e os
revolucionários são obrigados a refugiarem-se em Catanduvas em dezembro de 1924.
Para as tropas da Divisão Rio Grande atingirem o Paraná foi uma árdua tarefa.
Durante a maior parte dos meses de fevereiro e março de 1925, Prestes viu-se envolvido em
inúmeras escaramuças na região do Contestado, lutando contra efetivos quase dez vezes
maiores.
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Catanduvas agüentou-se o quando pôde. Isolada e cercada rendeu-se no dia 29 de
março de 1925.
Ao atravessar o rio Iguaçu, Prestes recebeu a notícia da queda de Catanduvas.
Temendo também ser cercado, forçou a marcha para poder encontrar-se com os
remanescentes das tropas de Catanduvas no cruzamento Benjamin. O encontro de Prestes com
Miguel Costa deu-se em 3 de abril de 1925.
Em Benjamin decidiram que as tropas deveriam concentrar-se em Santa Helena, para
depois marcharem até Guaíra. Em outra reunião decisiva, realizada pelo Alto-Comando
revolucionário em Foz do Iguaçu, deliberou-se que as tropas deveriam seguir de Santa Helena
até Porto Mendes e dali atravessar o rio Paraná.
Após permanecerem cerca de oito meses no Oeste paranaense, as tropas rebeldes
deixam esta região. A saída dá-se em Porto Mendes entre os dias 27 e 29 de abril de 1925.
Para a travessia do Paraná são capturados e usados os vapores Bell e Assis Brasil. São
evacuados mais de mil soldados, seiscentos animais de carga, tração ou montaria, bagagens,
material bélico e gêneros alimentícios necessários para cinco dias de marcha. Rondon havia
perdido a oportunidade para cortar a trajetória do movimento rebelde. Esta nunca mais se
apresentaria durante todos os cerca de trinta mil quilômetros que percorreria a agora
conhecida Coluna Prestes por quase a totalidade do território brasileiro, até se internar na
Bolívia em 1927 14 , reduzida a oitocentos homens.
Nos rincões oestinos, ao mesmo tempo em que combateram as forças governamentais,
os destacamentos rebeldes penetraram nas obrages e libertaram, na medida do possível, os
mensus que por ali se encontravam trabalhando em estado quase servil.
14 Nesse longo caminho revolucionário a Coluna Prestes, sempre combatendo, passou pelos Estados do Paraná, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
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O depoimento de João Cabanas 15 , nesse sentido, é surpreendente, mostrando-nos o
sistema de opressão, coerção e violência em que se sustentavam as obrages, adquiridas pelas
graças do Governo Estadual.
O capataz em matéria de autoridade, é um ser único, sui generis, nele se encontram as atribuições que vão desde o soldado de polícia até o Supremo Tribunal Federal e possui dentro do cérebro estúpido um código de castigos que começa no pontapé e segue até o fuzilamento, e às vezes a autoridade do brutamontes estende-se também pelos domínios da religião, impondo ao escravo [mensu] a sua própria crença. E o escravo é sempre paraguaio ou até brasileiro porém o capataz, este, na sua totalidade viu a luz do dia na Província de Corrientes, República Argentina [...] o sistema de escravatura nos referidos ervais toca ao auge quando o escravo tem família; pois as primícias da virgindade das suas filhas são fruto ótimo que premia a atividade do capataz e mesmo a esposa ou companheira não é jamais respeitada, tendo o desafortunado trabalhador de aceitar tudo isso sorrindo ao seu algoz como agradecimento pela preferência que deu à família, distinguindo-a com a desonra. Se com humildade, o escravo reclama contra a má alimentação, se na hora do acesso de malária ergue os olhos súplices ao capataz, implorando um descanso; se no seu peito brota um suspiro traindo a nostalgia que lhe vai na alma, em qualquer desses casos sente imediatamente no dorso nu e encurvado, caírem as correias causticamente do vil instrumento de suplício empunhado pelo impiedoso capataz; e se revolta contra o vergonhoso cativeiro a que o sujeitaram, depois de falazes promessas na generosa terra guarani, rápido como um raio, um tiro o abate!Imagine-se que soma de poderes não enfeixava em suas mãos, o tirano que exerce o cargo de administrador em uma zona onde se explora a indústria extrativa da erva-mate. (CABANAS, apud WACHOWICZ, 1982, p. 55-56).
A presença das tropas rebeldes fez com que os obrageros e seus homens de confiança
abandonassem às pressas a região. Houveram muitos fuzilamentos de capatazes de capangas,
condenados por maus tratos aos mensus ou por colaborarem ou espionarem em favor das
forças governamentais. Propriedades foram atacadas e incendiadas e seus bens cassados. Para
aumentarem seus efetivos militares, os rebeldes aceitaram como soldados mais de uma
centena de mensus libertos, oriundos principalmente da obrage de Julio Tomás Allica, cuja
sede era em Porto Artaza.
Os rebeldes também procuraram denunciar para a opinião pública nacional todos os
desmandos que por aqui aconteciam. Suas denúncias, todavia, quase não atingiram o grande
público já que a maioria absoluta dos veículos de comunicação, notadamente a imprensa
15 João Cabanas era um antigo tenente do Regimento Estadual de Cavaria de São Paulo, do qual também pertencia Miguel Costa. Aderiu ao movimento militar do lado dos revolucionários e atual intensamente no Oeste paranaense. Com a sua tão famosa Coluna da Morte vasculhou boa parte das matas do Alto Paraná. Ficou chocado pela forma desumana com que eram tratados os mensus.
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escrita, eram controlados ou estavam comprometidos ideologicamente com o governo de
Arthur Bernardes. É principalmente através dos depoimentos dos agentes envolvidos, sejam
eles rebeldes ou governistas, que podemos ter uma visão mais esclarecedora dos
acontecimentos daquele período histórico. Se essas denúncias não atingiram o grande público,
calaram fundo entre os militares que participaram do movimento de 1924 e que teriam
participação fundamental anos mais tarde quando se fez a chamada Revolução de 1930.
Afinal de contas, os rebeldes gaúchos e paulistas, embora derrotados, prestaram um serviço de
notável magnitude para o vir-a-ser do Oeste paranaense.
1.11 A NACIONALIZAÇÃO E O POVOAMENTO DE UMA REGIÃO ATÉ ENTÃO ESQUECIDA
A passagem das tropas rebeldes e legalistas em 1924-25 foi acompanhada de perto
pelos olhares curiosos e assustados dos colonos que vinham se estabelecendo no Oeste desde
o início daquela década. É o caso de Santa Helena, por exemplo, cujas primeiras famílias de
colonos fixaram residência em propriedades à margem do rio Paraná já a partir de 1920. No
Oeste nada mais havia do que um arremedo de povoamento. A verdadeira corrente povoadora
somente ganharia impulso definitivo a partir da década de 1940.
A Revolução de 1930 encontrou o Oeste paranaense ainda despovoado e dominado
pelos interesses dos obrageros. Acontece que entre os líderes da revolução de Vargas haviam
inúmeros militares que palmilharam esta região durante os episódios de 1924-25. Viram bem
de perto o que estava acontecendo e se indignaram. Afinal de contas, a quem pertencia a
chamada fronteira guarani? Ao Brasil ou aos capitalistas platinos? Em pouco tempo essa
indignação deu origem a medidas de natureza prática, com o objetivo de nacionalizar o Oeste
do Paraná. 16
Tomando a dianteira e procurando esvaziar o argumento federal de que a região
encontrava-se abandonada, o governo paranaense, além de nomear Othon Mäeder Prefeito de
16 As autoridades revolucionárias colocadas à testa do Governo do Paraná – a Interventoria coube ao General Mário Monteiro Tourinho, de 1930 a 1932 - ficaram alarmadas quando surgiu em âmbito federal a idéia da criação de novas unidades federativas no Oeste paranaense, catarinense e mato-grossense, usando para isso grandes áreas territoriais desses Estados. Alegavam no Rio de Janeiro que o Estado do Paraná durante anos e anos nada havia feito para nacionalizar a sua fronteira.
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Foz do Iguaçu, determinou que todos os documentos oficiais, anúncios comerciais e avisos
fossem em língua portuguesa. As repartições públicas deveriam fazer circular e cobrar todos
os tributos que lhe eram devidos unicamente a moeda brasileira. Além disso, providenciou-se
para que as repartições públicas e outros segmentos da sociedade organizada de Foz e Guaíra
recebessem os jornais de Curitiba, deixando-as informadas do que acontecia no Paraná e no
Brasil. É dessa época a primeira tentativa de transformar Foz do Iguaçu em um centro
turístico internacional. 17
O Governo Federal pensava além. Também queria nacionalizar a imensa Região
Oeste. Todavia, entendia que era necessário e fundamental que o seu efetivo povoamento
fosse uma realidade. Dessa vontade política é que nasceu a política governamental
denominada de marcha para o Oeste. Em tese uma maré povoadora que, partindo do litoral já
ocupado, penetraria nos sertões brasileiros através de estradas de ferro e hidrovias a serem
construídas. Um plágio tupiniquim do que fizeram os norte-americanos a partir de meados do
século XIX.
Nessa ideologia de neo-povoamento, que pretendia-se como revolucionária, retirou-se
do baú da história o bandeirantismo enquanto movimento fomentador da expansão e
reconquista territoriais. Novos povoadores como foram os bandeirantes paulistas do século
XVII. Mais uma vez avançariam inexoravelmente rumo às fronteiras oestinas, retirando-as do
domínio estrangeiro. Novamente os usurpadores dos domínios da pátria são encontrados entre
os espanhóis e seus descendentes. Para a revolução vitoriosa são principalmente os obrageros,
os novos aventureiros.
Em Obrageros, mensus e colonos, R.C. WACHOWICZ (1982) nos conta que o
Governo Federal enviou para o Oeste paranaense uma comissão chefiada por Zeno Silva.
Deveria verificar de in loco a situação e encaminhar um relatório completo ao Rio de Janeiro.
O relatório redigido era completamente desfavorável ao Paraná, o responsabilizava pelo
histórico abandono da região e propunha que a mesma deveria ser nacionalizada pelo
Governo Federal. Nasceu desse relatório a idéia da criação de um território federal com 17 A proposta foi apresentada por Ozório do Rosário Correia, que pretendia transformar durante dez anos a Prefeitura de Foz do Iguaçu em prefeitura especial. Para tanto, toda a arrecadação federal, estadual e municipal
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porções de terras do Oeste paranaense e catarinense, estas últimas ganhas por Santa Catarina
quando da solução, em 1916, da questão do Contestado. O Paraná reagiu prontamente e
contrariamente a tal desmembramento.
Talvez a reação mais importante ou ao menos aquela que redefiniria os rumos do
povoamento desta região tenha sido o Decreto Estadual nº 300, de autoria do Governo do
Paraná. Por este instrumento legal eram retomadas ao patrimônio do Estado imensas
extensões de terras anteriormente concedidas e tituladas a grupos econômicos nacionais e
estrangeiros.
Com a revolução de 1930 que denunciara também as negociatas de terra no Paraná, várias concessões, sobretudo pela inoperância e o não cumprimento de cláusulas contratuais, foram anuladas, voltando 2.300.000 hectares de terra ao patrimônio do Estado. O Decreto nº 300, de 3 de novembro de 1930, fizera reverter ao Estado, 1.700.000 hectares da Braviaco [...] o Decreto nº 1678, de 17 de julho de 1934, operava o mesmo em relação a 240.000 hectares que haviam sido concedidos a Meyer, Anes e Cia. Ltda., depois Companhia de Colonização Espéria. Da mesma maneira, foram também anulados os 87.000 hectares concedidos a Miguel Matte. (WESTPHALEN et alli, 1968, p. 5).
O Decreto nº 300, além de dar essas terras ao controle do Paraná, abriu as portas para
que as mesmas, notadamente no Oeste, ficassem abertas ao povoamento com levas
migratórias vindas do Estado do Rio Grande do Sul e em menor escala de Santa Catarina.
Estando à testa do governo revolucionário, Getúlio Vargas não ficou insensível aos
apelos dos seus conterrâneos gaúchos. Os reclames vinham de longe e os maiores eram por
novas porções de terras que pudessem acomodar o excedente populacional que vinha se
formando nas pequenas propriedades rurais estabelecidas pelo interior do Rio Grande do Sul.
A expansão da fronteira agrícola gaúcha havia se detido na divisa com Santa Catarina e não
encontrava mais espaços vazios para ampliar seus horizontes. Não demorou muito para que
Getúlio e os capitalistas gaúchos voltassem seus olhos para o Oeste catarinense e paranaense;
este último também despovoado e nas mãos do Governo do Paraná. Ali estava também a
oportunidade para contentar e orientar o povoamento tão pretendido pelos ideólogos da
marcha para o Oeste. Eis os novos bandeirantes! Uma marcha tendo o eixo Sul-Norte como
orientador, salientemos.
seriam imediatamente aplicadas na infra-estrutura turística do próprio município. Pretendia-se também a criação
41
Na tentativa de amenizar uma possível reação contrária vinda das autoridades
paranaenses e catarinenses, Getúlio defendeu a criação de dois territórios federais na região: o
Território Federal de Ponta Porã e o Território Federal do Iguaçu. A justificativa oficial era a
nacionalização da fronteira guarani, mas o que se pretendia era retirar do controle desses
Estados a sua porção ocidental e abrir caminho para as companhias colonizadoras.
A oposição de Mário Tourinho custou-lhe o cargo de Interventor. Em seu lugar
assumiu Manoel Ribas, o popular Maneco Facão, escolhido pessoalmente por Getúlio.
Apesar de ter nascido em Ponta Grossa, mudou-se para Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
No caso da criação do Território Federal do Iguaçu, como era de se esperar, teve uma postura
favorável a Vargas, não criando quaisquer obstáculos aos intentos do mandatário gaúcho.
Até 1937, quando instalou-se como ditador no chamado Estado Novo, Getúlio
contemporizou com as elites políticas paranaenses. Receava magoá-las, precisava ainda de
seu apoio. Naquele ano, todavia, viu-se suficientemente forte para fazer inserir o artigo 165 na
Constituição Federal, o qual criava uma faixa de fronteira de 150 quilômetros de largura.
Nessa faixa os Governos Estaduais ficavam proibidos de fazer quaisquer investimentos ou
projetos colonizadores sem prévia autorização do Governo Federal. É claro que o Oeste
paranaense ficava dentro do perímetro da faixa de fronteira recém-criada.
Nos anos que se seguiram o Paraná interrompeu por completo seus projetos
colonizadores enquanto no Rio de Janeiro se preparava a legislação ordinária que definiria o
povoamento da faixa de fronteira. Dentre outros dispositivos legais, criou-se oficialmente o
Território Federal do Iguaçu, em 13 de setembro de 1943. A capital seria Foz do Iguaçu e
mais tarde Laranjeiras do Sul.
O Território Federal do Iguaçu permaneceria em vigência até que foi extinto por uma
emenda inserida na Constituição de 1946. É bom lembrarmos que Getúlio Vargas foi afastado
do poder em 1945, quando foi derrotado nas eleições presidenciais por Eurico Gaspar Dutra.
de cassinos, parques de diversões, hotéis e a execução de melhorias na navegação pelo rio Paraná.
42
É dentro desse contexto político, advindo da Revolução de 1930, que o povoamento
do Oeste paranaense recebe seu impulso definitivo. O pontapé inicial foi dado pelo próprio
governo paranaense.
A partir de 1939, o Governo do Estado resolveu colonizar também as suas terras devolutas [adquiridas por devolução, despovoadas] e de antigas concessões, no Oeste paranaense, fundando, na margem esquerda do Piquiri, as colônias Piquiri, Cantu, Goio-Bang e Goio-Erê, e, à margem direita do Ivaí, as colônias Manuel Ribas, Muquilão e Mourão. Seguiu planos de colonização, demarcando os lotes rurais e prevendo áreas para a instalação de núcleos urbanos. Os lotes agrícolas, nessas colônias, foram, em geral, de áreas superiores àqueles do Norte do Paraná, medindo, em média, mais de 20 alqueires. (WESTPHALEN et ali, 1968, p. 20)
A década de 1940 revela-se principalmente como uma etapa de povoamento intensivo
onde as companhias colonizadoras particulares, gaúchas em sua maioria absoluta,
desempenharão um papel de capital importância. A ação governamental cede espaço aos
empreendimentos de caráter empresarial, alicerçados fundamentalmente na venda de
pequenos lotes agrícolas aos colonos interessados no cultivo direto da terra. Os projetos
colonizadores se multiplicam e atraem milhares de famílias durante as décadas de 1940-50.
Podemos chamar essa fase como sendo a frente de povoamento sulista, já que a corrente
colonizadora tem sua origem preferencialmente nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina. Ela entrará na década de 1970, formando vários municípios oestinos. (vide quadro I)
Durante a década de 40, a população dobrou de 145.000 habitantes para 295.000, o que se deveu principalmente à entrada de uns 116.000 imigrantes [na verdade migrantes], tendo se dado a penetração da região tanto pelo sul como, também, efeito do transbordamento da nova região cafeeira, pelo norte, através de Campo Mourão e ao longo da ferrovia projetada de Cianorte para Guaíra. Durante o decênio 1950-60, porém, a imigração [sic] para o oeste do Estado deu um salto para 580.000 pessoas e a população total para 988.000, representando um aumento de aproximadamente sete vezes em cerca de vinte anos; posteriormente, com a aceleração da imigração [sic] líquida depois de 1960 (423.000 em cinco anos), a população alcançou 1.584.000 em 1965. Neste ano a densidade demográfica para todo o oeste era de 46,1 hab./milha quadrada [1 milha é igual 2.200 metros], maior do que a do leste do Paraná em 1965 se excluirmos a zona de Curitiba [...] como resultado da Segunda onda de explosão demográfica no Paraná resultante da imigração [sic], a participação do oeste na população total do Estado aumentou de 11,7 para 27,1 por cento durante o período 1940-65. (NICHOLLS, 1971, p. 39).
Talvez o exemplo mais marcante dessa fase colonizadora, pela organização e pelo
sucesso alcançado, tenha sido a Industrial Madeireira e Colonizadora Rio Paraná S.A. – a
famosíssima Maripá. Sua sede era no atual município de Toledo e estruturou-se no ano de
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1946, formada por acionistas gaúchos. Naquele ano a Maripá comprou a Fazenda Britânia da
Compañia Maderas del Alto Paraná, que era uma das concessionárias de terras que haviam na
região. Adquiriu 124 mil alqueires, montou seu escritório, abriu estradas e picadas, mediu e
demarcou os lotes urbanos e rurais e iniciou a sua venda. Já em 1951 todas as áreas medidas e
demarcadas estavam vendidas ou compromissadas!
Os fundadores da Maripá também tiveram participação ativa em outros
empreendimentos colonizadores no Oeste paranaense. Citamos a Colonizadora Gaúcha Ltda.
(São Miguel do Iguaçu); Industrial Agrícola Bento Gonçalves (Medianeira); Colonizadora
Matelândia (Matelândia); Terras e Pinhais Ltda. (São Jorge – Foz do Iguaçu) e a Pinho e
Terras Ltda. (Céu Azul)
Antes dela o Oeste foi alcançado por uma rarefeita frente de ocupação e colonização
proveniente do chamado Paraná Tradicional, tendo como centros irradiadores os Campos de
Guarapuava, das antigas colônias de imigrantes europeus estabelecidos no terceiro planalto e
de Laranjeiras do Sul, dentre outros. Seu principal eixo de penetração, como já dissemos, foi a
estrada ligando Guarapuava a Foz do Iguaçu. Esse fluxo populacional encontrou espaço nos
atuais territórios de Cascavel, Catanduvas, Guaraniaçu e Foz do Iguaçu.
Finalmente temos uma terceira frente de colonização. Depois de ter ocupado o Norte
paranaense, atraída pela economia cafeeira, atravessou o rio Piquiri e chegou ao Oeste.
Compõe esse fluxo populacional elementos que haviam saído dos Estados de São Paulo,
Minas Gerais, Espírito Santo e também do Nordeste brasileiro. Da sua ação povoadora
surgiram os municípios Guaíra, Palotina, Terra Roxa, Assis Chateaubriand, Formosa do
Oeste, Nova Aurora, Vera Cruz do Oeste, Ouro Verde do Oeste, Cafelândia, Tupãssi,
Corbélia, Braganey, dentre outros. (vide Quadro I)
No final da década de 1980 encontramos Oeste paranaense como uma região com
estabilidade geográfica e demográfica 18 . A sua inserção econômica com o restante do
18 Entretanto, desde meados dessa década o Extremo-Oeste é alvo de uma última grande modificação geográfica e demográfica que terá efeitos sócio-econômicos duradouros sobre toda a região. Essa mudança tem origem na construção da hidroelétrica de Itaipu Binacional; iniciada em 1974. A formação do seu Reservatório, em 1982, somente foi possível através da desapropriação de milhares de propriedades rurais e na migração forçada de milhares de colonos estabelecidos em áreas marginais ao rio Paraná, e cujo destino ainda é merecedor de estudos
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mercado nacional, iniciada com a criação e revenda de suínos na década de sessenta, e,
também internacional, dá-se com a mecanização da agricultura, iniciada já no início dos anos
setenta, proliferação do sistema financeiro e com o plantio intensivo do soja e do milho.
Procuramos trazer à tona nestas poucas páginas nada mais nada menos do que cinco
séculos de história! Tarefa ambiciosa, porém necessária, e que pouco agrada aos
pesquisadores. Obviamente, o que relatamos são algumas linhas-mestras. Uma história
conjuntural, quase estrutural. Na prática, uma história de espanhóis, de portugueses, de
indígenas e de jesuítas. Também uma história de obrageros, de mensus, de revolucionários, de
colonos e de migrantes. Uma história de homens como agentes da sua própria história.
Talvez uma sinopse de história regional, com todos os inconvenientes que uma
sinopse possa ter.
Quadro I
MESORREGIÃO GEOGRÁFICA OESTE (IBGE)
MUNICÍPIO ANO DE CRIAÇÃO DESMEMBRADO DE
Anahy 11.06.90 Corbélia
Assis Chateaubriand 27.08.66 Toledo/Cascavel/Palotina
Boa Vista da Aparecida 22.12.81 Cap. Leônidas Marques
Braganey 03.05.82 Corbélia
Cafelândia 28.12.79 Cascavel
Campo Bonito 31.10.86 Guaraniaçu
Capitão Leônidas Marques 28.04.64 Cascavel
Cascavel 02.04.51 Foz do Iguaçu
Catanduvas 25.07.60 Guaraniaçu
Céu Azul 07.10.66 Matelândia
Corbélia 10.06.61 Cascavel
Diamante D’Oeste 21.12.87 Matelândia
Diamante do Sul 11.07.90 Guaraniaçu
Entre Rios do Oeste 18.06.90 Mal. C. Rondon
mais aprofundados. Em 82 os municípios atingidos pelo Reservatório de Itaipu foram os seguintes: Santa Helena, Marechal Cândido Rondon, Terra Roxa, Guaíra, Matelândia, Medianeira, São Miguel do Iguaçu e Foz do Iguaçu. Pelos desmembramentos territoriais ocorridos desde então, recebem atualmente os chamados royalties também os municípios de Diamante D’Oeste, Entre Rios do Oeste, Itaipulândia, Mercedes, Missal, Pato Bragado, São José das Palmeiras, Santa Terezinha de Itaipu e Mundo Novo; este último no Estado do Mato Grosso do Sul.
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Formosa do Oeste 10.06.61 Cascavel
Foz do Iguaçu 14.03.14 Guarapuava
Guaíra 14.11.51 Foz do Iguaçu
Guaraniaçu 25.07.60 Laranjeiras do Sul
Ibema 12.06.89 Catanduvas
Iguatu 28.05.90 Corbélia
Iracema do Oeste 04.07.90 Formosa do Oeste
Jesuítas 13.05.80 Formosa do Oeste
Lindoeste 12.06.89 Cascavel Marechal C. Rondon 25.07.60 Toledo
Maripá 17.04.90 Palotina
Matelândia 25.07.60 Foz do Iguaçu
Medianeira 25.07.60 Foz do Iguaçu
Mercedes 13.09.90 Marechal C. Rondon
Missal 13.12.81 Medianeira
Nova Aurora 25.09.67 Formosa do Oeste/Cascavel Nova Santa
Rosa 20.06.73 Terra Roxa do Oeste/Palotina/
Toledo
Ouro Verde do Oeste 12.06.89 Toledo
Palotina 25.07.60 Guaíra
Pato Bragado 18.06.90 Marechal C. Rondon
Quatro Pontes 13.09.90 Marechal C. Rondon
Ramilândia 30.01.91 Matelândia
Santa Helena 02.02.67 Medianeira/Mal. C. Rondon
Santa Lúcia 09.05.90 Capitão Leônidas Marques
Santa Tereza do Oeste 12.06.89 Cascavel e Toledo
Santa Terezinha de Itaipu 03.05.82 Foz do Iguaçu
São José das Palmeiras 17.04.85 Santa Helena
São Miguel do Iguaçu 25.01.61 Foz do Iguaçu/Medianeira
São Pedro do Iguaçu 16.07.90 Toledo
Serranópolis do Iguaçu 13.12.95 Medianeira
Terra Roxa 14.12.61 Guaíra
Toledo 14.11.51 Foz do Iguaçu
Três Barras do Paraná 13.05.80 Catanduvas
Tupãssi 27.12.79 Assis Chateaubriand
Vera Cruz do Oeste 27.12.79 Céu Azul
Fonte: PARANÁ. Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursso Hídricos. Coordenadoria de Terras,
Cartografia de Cadastro. Divisão de Cartografia. Arquivo Gráfico de Estruturas Territoriais. 1999.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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